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Direitos Difusos e Coletivos PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL MATERIAL RETIRADO DO CURSO DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS EM VÍDEO www . c u r s o c e i . c o m www . e d i t o r a c e i . c o m Conteúdo gratuito exclusivo para os seguidores do canal do Telegram do CEI Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 2 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Júlio Camargo de Azevedo. Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Processual Civil e Bacharel pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). Defensor Público no Estado de São Paulo. Coordenador do Grupo de Estudos de Direito Processual Civil da Defensoria Pública de São Paulo (GEDPC-DPSP). Membro do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO). Mediador formado pelo Instituto de Mediação Transformativa. Professor convidado de Cursos Preparatórios para Concurso Público e de Cursos de Pós- graduação. Vencedor do VII Prêmio “Justiça para Todas e Todos – Josephina Bacariça” na categoria Defensor Público. Tiago Fensterseifer. Doutor e Mestre em Direito Público pela PUC/RS (Ex-Bolsista do CNPq), com pesquisa de doutorado-sanduíche junto ao Instituto Max-Planck de Direito Social e Política Social de Munique, na Alemanha (Bolsista da CAPES). Atualmente, realiza pesquisa em nível de pós-doutorado junto ao Instituto Max-Planck de Direito Social e Politica Social de Munique (2018-2019). Conselheiro eleito do Conselho Superior da Defensoria Publica do Estado de São Paulo (2008-2009). Membro-colaborador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Publica do Estado de São Paulo (2007-2012). Examinador das disciplinas de Direito Constitucional, Direitos Humanos, Direitos Difusos e Coletivos e Princípios Institucionais da Defensoria Pública de diversos concursos para o cargo de Defensor Publico Estadual (DP/SP, DP/SC, DP/BA, DP/ES, DP/AM, DP/AP). Autor, entre outras, das obras Defensoria Pública, Direitos Fundamentais e Ação Civil Pública (São Paulo: Saraiva, 2015) e Defensoria Pública na Constituição Federal (Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2017); coautor, juntamente com Ingo Wolfgang Sarlet, das obras Direito Constitucional Ambiental (6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, no prelo), Direito Ambiental: Introdução, Fundamentos e Teoria Geral (São Paulo: Saraiva, 2014), obra finalista do Premio Jabuti 2015, na Categoria Direito, e Princípios do Direito Ambiental (2.ed. São Paulo: Saraiva, 2017); coautor, juntamente com Ingo W. Sarlet e Paulo Affonso Leme Machado da obra Constituição e Legislação Ambiental Comentadas (São Paulo: Saraiva, 2015). Defensor Público do Estado de São Paulo (desde 2007). Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 3 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - PROFESSOR TIAGO FENSTERSEIFER 🏳 DIREITO AMBIENTAL INTRODUÇÃO: A FORÇA NORMATIVA DOS PRINCÍPIOS E A INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO DIREITO AMBIENTAL Os princípios também são fontes normativas do Direito Ambiental. Não iremos aqui discutir a força normativa dos princípios, partindo do pressuposto de que atualmente isso já se trata de questão superada tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Os princípios jurídicos, portanto, são comandos dotados de força normativa, mas, assim como as regras jurídicas em sentido estrito, também carregam conteúdo normativo, ou seja, são normas jurídicas, muito embora a diferença na estrutura jurídica de cada uma das categorias (princípios e regras). O raciocínio apresentado, por óbvio, também se aplica aos princípios do Direito Ambiental, reconhecendo-se a força normativa que lhes é inerente e vinculação do Estado e dos particulares às suas premissas. Em razão de sua natureza jurídico-normativa, os princípios são fundamentais na aplicação e desenvolvimento do Direito Ambiental. Na condição de parâmetros materiais eles permitem ao intérprete e aplicador do Direito Ambiental (em especial, Juízes e Tribunais) alcançar o verdadeiro sentido e “estado da arte” do ordenamento jurídico ambiental, inclusive para o efeito de suprir deficiências e lacunas muitas vezes existentes e verificadas, muitas vezes, diante de novas questões ecológicas que emergem continuamente. O mesmo se pode dizer em relação ao papel dos princípios jurídicos ambientais nos casos de conflito entre a proteção ambiental e a proteção e promoção de outros bens jurídicos de hierarquia constitucional, notadamente quando em causa direitos e garantias fundamentais. Os deveres de proteção do ambiente devem ser conciliados com a necessidade de proteção de outros bens fundamentais e, ao mesmo tempo, devem os objetivos da proteção ambiental ser realizados de modo o mais eficaz possível, justamente tendo em conta a conhecida noção de que princípios operam, pelo menos em certo sentido e em boa parte dos casos, como mandados de otimização e que não obedecem à lógica de “tudo ou nada”. Além disso, considerados os aspectos referidos, a partir dos princípios se viabiliza também o próprio controle das ações e omissões dos órgãos estatais e até mesmo de atores privados, pois mesmo os atos designados de discricionários da administração pública são sempre atos vinculados aos direitos e princípios fundamentais, cabível, portanto, o controle jurisdicional. Os princípios são muitas vezes essenciais também para permitir uma (de regra cogente) interpretação Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 4 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - sistemática do Direito Ambiental1, precisamente em homenagem, também, aos princípios da supremacia e da unidade da Constituição e da ordem jurídica (inclusive em vista do necessário diálogo das fontes normativas). JURISPRUDÊNCIA STJ. Interpretação sistemática do Direito Ambiental. “PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. (...) 2. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. (...)”.2 AMBIENTAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ANTINOMIA DE NORMAS. APARENTE. ESPECIFICIDADE. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO FLORESTAL. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MAIOR PROTEÇÃO AMBIENTAL. PROVIMENTO. RESPEITO AO LIMITE IMPOSTO PELO CÓDIGO FLORESTAL. 1. A proteção ao meio ambiente integra, axiologicamente, o ordenamento jurídico brasileiro, e as normas infraconstitucionais devem respeitar a teleologia da Constituição Federal. Dessa forma, o ordenamento jurídico precisa ser interpretado de forma sistêmica e harmônica, por meio da técnica da interpretação corretiva, conciliando os institutos em busca do interesse público primário. 2. Na espécie, a antinomia entre a Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979) e o Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) é apenas aparente, pois a primeira estabelece uma proteção mínima e a segunda tutela a proteção específica, intensificando o mínimo protetivo às margensdos cursos de água. 3. A proteção marginal dos cursos de água, em toda a sua extensão, possui importante papel de proteção contra o assoreamento. O Código Florestal tutela em maior extensão e profundidade o bem jurídico do meio ambiente, logo, é a norma específica a ser observada na espécie. 4. Recurso especial provido.”3 Visto se tratar de critério para solucionar antinomias, destaca-se o reconhecimento do princípio hermenêutico “in dubio pro natura”4. Tal princípio, contudo, exige uma adequada compreensão e aplicação, devendo ser conciliado com outros princípios de interpretação e aplicação do Direito 1 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. 2 STJ, REsp 625.249/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, j. 15.08.2006. 3 STJ, REsp 1.546.415/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, j. 21.02.2019. 4 Na doutrina, defendendo uma hermenêutica jurídica ecológica, com o reconhecimento do princípio in dubio pro ambiente, v. BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Hermenêutica jurídica ambiental. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 265. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 5 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - em caso de conflitos, como é o caso do assim chamado princípio pro homini consagrado pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos5, bem como (entre outros) dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, no âmbito de um Estado Democrático, Social e Ecológico de Direito, onde nenhuma das agendas constitucionais nucleares (liberal, social e ecológica) podem assumir uma posição preferencial apriorística. A respeito do tema, calha referir, de modo a ilustrar a utilização dos princípios em matéria ambiental, a posição do Ministro Herman Benjamin, do STJ, em voto emblemático exarado no julgamento do REsp 1.198.727/MG, segundo o qual: “a legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma”. JURISPRUDÊNCIA STJ. Princípio hermenêutico “in dubio pro natura”. “ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO DE VEGETAÇÃO NATIVA (CERRADO) SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL, DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM. DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL. 1. Cuidam os autos de ação civil pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pelo desmatamento de vegetação nativa (Cerrado). O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual. 2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficácia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura. (...)” (STJ, REsp 1.198.727/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 14.08.2012). Mais recentemente e de forma paradigmática, o princípio da progressividade aplicado ao regime jurídico de proteção ecológica foi consagrado expressamente, juntamente com o princípio da proibição de retrocesso ecológico, no art. 3, c, do Acordo Regional de Escazú para América Latina e Caribe sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental (2018). “Artigo 3 - Princípios - Na implementação do presente Acordo, cada Parte será́ guiada pelos seguintes princípios: (…) c) princípio de vedação do retrocesso e princípio de progressividade (...)”. 5 V. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 869. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 6 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - O princípio da melhoria da qualidade ambiental ou princípio da progressividade em matéria ambiental tem encontrado amplo esteio na jurisprudência brasileira, notadamente no âmbito do STJ, sendo, assim, uma importante diretriz normativa e hermenêutica para a resolução de conflitos ecológicos. JURISPRUDÊNCIA STJ. Princípio da melhoria da qualidade ambiental: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. ZONA COSTEIRA. LEI 7.661/1988. CONSTRUÇÃO DE HOTEL EM ÁREA DE PROMONTÓRIO. NULIDADE DE AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA URBANÍSTICO- AMBIENTAL. OBRA POTENCIALMENTE CAUSADORA DE SIGNIFICATIVA DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. ESTUDO PRÉVIO DE IMPACTO AMBIENTAL - EPIA E RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL - RIMA. COMPETÊNCIA PARA O LICENCIAMENTO URBANÍSTICO-AMBIENTAL. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR (ART. 4°, VII, PRIMEIRA PARTE, DA LEI 6.938/1981). RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 14, § 1°, DA LEI 6.938/1981). PRINCÍPIO DA MELHORIA DA QUALIDADE AMBIENTAL (ART. 2°, CAPUT, DA LEI 6.938/1981). (...) 12. Ante o princípio da melhoria da qualidade ambiental, adotado no Direito brasileiro (art. 2°, caput, da Lei 6.938/81), inconcebível a proposição de que, se um imóvel, rural ou urbano, encontra- se em região já ecologicamente deteriorada ou comprometida por ação ou omissão de terceiros, dispensável ficaria sua preservação e conservação futuras (e, com maior ênfase, eventual restauração ou recuperação). Tal tese equivaleria, indiretamente, a criar um absurdo cânone de isonomia aplicável a pretenso direito de poluir e degradar: se outros, impunemente, contaminaram, destruíram, ou desmataram o meio ambiente protegido, que a prerrogativa valha para todos e a todos beneficie. (...)” (STJ, REsp 769.753/SC, 2ª Turma, Ministro Herman Benjamin, j. 08.09.2009). O Acordo de Escazú também reconheceu o princípio in dubio pro natura para a resolução de conflitos legislativos. Segundo previsão expressa do seu art. 4: “(...) 7. Nenhuma disposição do presente Acordo limitará ou derrogará outros direitos e garantias mais favoráveis estabelecidos ou que possam ser estabelecidos na legislação de um Estado Parte ou em qualquer outro acordo internacional de que um Estado seja parte, nem impedirá um Estado Parte de conceder um acesso mais amplo à informação ambiental, à participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais e à justiça em questões ambientais. 8. Na implementação do presente Acordo, cada Parte procurará adotar a interpretação mais favorável ao pleno gozo e respeito dos direitos de acesso (...).”6 Tanto o princípio da progressividade quanto o princípio in dubio pro natura, consagrados expressamente no Acordo de Escazú (2018), operam na mesma lógica ou imperativo normativo de assegurar o fortalecimento 6 Disponível em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/43611/S1800493_pt.pdf. Acesso em: 05.08.2019. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 7 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - do regime jurídico de proteção ecológica, colocandobalizas diretivas tanto para o legislador quanto para o intérprete da norma ambiental, o que é extremamente relevante, por exemplo, não apenas na análise de um caso concreto individual ou coletivo de conflito entre distintos bens jurídicos de índole constitucional, mas também quanto tal conflito ocorre no plano abstrato e genérico do conflito legislativo e do controle concentrado de constitucionalidade da legislação. 1. Rol “exemplificativo” de princípios do Direito Ambiental na legislação ambiental brasileira - Lei 6.938/81 (PNMA), art. 2º, estabeleceu o primeiro rol de princípios do Direito Ambiental brasileiro: “I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo; II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar; III – planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais; IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas; V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras; VI – incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais; VII – acompanhamento do estado da qualidade ambiental; VIII – recuperação de áreas degradadas; IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação; X – educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”. - Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), art. 6º, parágrafo único: função socioambiental da propriedade, equidade intergeracional, prevenção, precaução, usuário-pagador, transparência das informações e atos, gestão democrática, celeridade procedimental e gratuidade dos serviços administrativos prestados ao pequeno produtor rural e às populações tradicionais. - Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009), art. 3º: princípios da precaução, da prevenção, da participação cidadã, do desenvolvimento sustentável e o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. - Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), art. 6º: “I – a prevenção e a precaução; II – o poluidor-pagador e o protetor-recebedor; III – a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública; IV – o desenvolvimento sustentável; V – a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta; VI – a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade; VII – a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; VIII – o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reci-clável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 8 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - e promotor de cidadania; IX – o respeito às diversidades locais e regionais; X – o direito da sociedade à informação e ao controle social; XI – a razoabilidade e a proporcionalidade”. - Novo Código Florestal Brasileiro de 2012 (Lei n. 12.651/2012), art. 1º, § 1º. 1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA DIMENSÃO ECOLÓGICA A matriz filosófica moderna da concepção de dignidade humana tem sido reconduzida essencialmente, e na maior parte das vezes, ao pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant. Até hoje, a fórmula elaborada por Kant informa a grande maioria das conceituações jurídico-constitucionais da dignidade da pessoa humana.7 A formulação kantiana coloca a ideia de que o ser humano não pode ser empregado como simples meio (ou seja, objeto) para a satisfação de qualquer vontade alheia, mas sempre deve ser tomado como fim em si mesmo (ou seja, sujeito) em qualquer relação8, seja em face do Estado seja em face de particulares. Isso se deve, em grande medida, ao reconhecimento de um valor intrínseco a cada existência humana, já que a fórmula de se tomar sempre o ser humano como um fim em si mesmo está diretamente vinculada às ideias de autonomia, de liberdade, de racionalidade e de autodeterminação inerentes à condição humana. Atualmente, os valores ecológicos tomaram assento definitivo no conteúdo normativo do princípio da dignidade da pessoa humana. No contexto constitucional contemporâneo, consolida-se a formatação de uma dimensão ecológica da dignidade humana, que abrange a ideia em torno de um bem-estar ambiental (assim como de um bem-estar individual e social) indispensável a uma vida digna, saudável e segura. Dessa compreensão, pode-se conceber a indispensabilidade de um patamar mínimo de qualidade (e segurança) ambiental para a concretização da vida humana em níveis dignos. Aquém de tal padrão ecológico, a vida e a dignidade humana estariam sendo violadas no seu núcleo essencial. A Declaração de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano (1972) captou bem esse panorama jurídico emergente desde a Década de 1970, ao consagrar expressamente no seu Princípio 1 que “O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras”. A qualidade, o equilíbrio e a segurança ambiental, com base em tais considerações, passariam a figurar 7 V. o art. I da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. 8 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura e outros textos filosóficos (Coleção Os Pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1974, p. 229. Na doutrina brasileira, v., por todos, SARLET, “Dignidade da pessoa humana...” Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 9 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - como elemento integrante do conteúdo normativo do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, fundamental para o desenvolvimento de todo o potencial humano num quadrante de completo bem-estar existencial, até mesmo no sentido do reconhecimento de um direito-garantia ao mínimo existencial ecológico (ne doutrina: Ingo Sarlet/Tiago Fensterseifer, Daniel Sarmento, etc.). OPINIÃO CONSULTIVA N. 23/2017 SOBRE “MEIO AMBIENTE DIREITOS HUMANOS” DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. A Opinião Consultiva n. 23/2017 CIDH que “varios derechos de rango fundamental requieren, como una precondición necesaria para su ejercicio, una calidad medioambiental mínima, y se ven afectados en forma profunda por la degradación de los recursos naturales”, de modo que se tem como consequência disso “la interdependencia e indivisibilidad entre los derechos humanos y la protección del medio ambiente”.9 O conteúdo conceitual e normativo do princípio da dignidade da pessoa humana está intrinsecamente relacionado à qualidade do ambiente (onde o ser humano vive, mora, trabalha, estuda, pratica lazer, bem como o que ele come, veste, etc.). A vida e a saúde humanas (ou como refere o caput do artigo 225 da CF/1988, conjugando tais valores, a sadia qualidade de vida) só são possíveis, dentrodos padrões mínimos exigidos constitucionalmente para o desenvolvimento pleno da existência humana, num ambiente natural onde haja qualidade ambiental da água que se bebe, dos alimentos que se comem, do solo onde se planta, do ar que se respira, da paisagem que se vê, do patrimônio histórico e cultural que se contempla, do som que se escuta, entre outras manifestações da dimensão ambiental. Como se percebe, o ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares da condição humana, além de ser essencial à sobrevivência do ser humano como espécie animal natural.10 Sobre o tema, conforme já sinalizamos anteriormente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece como parâmetro para determinar uma vida saudável “um completo bem-estar físico, mental e social”, o que coloca indiretamente a qualidade ambiental como elemento fundamental para o “completo bem-estar” caracterizador de uma vida saudável. Seguindo tal orientação, a Lei 8.080/90 (Lei do Sistema Único de Saúde - SUS) incorpora tal conceito no ordenamento jurídico brasileiro (art. 3º, parágrafo único), bem como registra o meio ambiente como fator determinante e condicionante à saúde (art. 3º, caput). Há, portanto, uma lógica evolutiva e cumulativa no que diz com as dimensões da dignidade da pessoa humana que também podem ser compreendidas a partir da perspectiva histórica da evolução 9 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Opinião Consultiva n. 23/2017 (“Meio Ambiente e Direitos Humanos”), p. 22 e 25. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/opiniones/seriea_23_esp.pdf. Acesso em 10.04.2018. 10 A partir da leitura que faz da obra de Ulrich Beck, David Goldblat afirma que “os perigos ecológicos colocados por acidentes nucleares em grande escala, pela liberação de químicos em grande escala e pela alteração e manipulação da composição genética da flora e da fauna do planeta colocam a possibilidade de autodestruição”. GOLDBLAT, Teoria social e ambiente..., p. 232. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 10 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - e consagração político-jurídica dos direitos fundamentais – e sob a ótica internacional, também dos direitos humanos -, já que os mesmos, em larga medida, simbolizam a própria materialização da proteção e promoção da dignidade humana em cada etapa histórica. Assim como outrora os direitos liberais e os direitos sociais foram incorporados ao “patrimônio normativo” conformador do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, hoje também os direitos de solidariedade, como é o caso especialmente do direito a viver em um ambiente sadio, equilibrado e seguro, passam a integrar o seu conteúdo, ampliando o seu âmbito de proteção. Daí falar-se, conforme já anunciado anteriormente, em uma nova dimensão ecológica para a dignidade humana, em vista especialmente dos novos desafios de matriz ambiental que expõem existencialmente o ser humano no cenário contemporâneo de riscos ecológicos. Esse novo cenário e rearranjo normativo delineado para o princípio da dignidade da pessoa humana é perceptível na legislação ambiental brasileira. O melhor exemplo disso a previsão normativa do caput do art. 2º da Lei 6.938/81, o qual estabelece que “a Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”. O dispositivo em questão antecipou, por certo, a própria consagração constitucional da proteção ambiental, reconhecendo, de forma expressa, a importância da qualidade ambiental para a tutela e promoção da dignidade da pessoa humana. Além disso, também no âmbito da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, o conceito de ambiente adotado no seu artigo 3º, I, evidencia a essencialidade do equilíbrio ecológico para o desenvolvimento pleno da vida humana, dispondo ser o mesmo o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. JURISPRUDÊNCIA STJ. Dimensão ecológica do princípio da dignidade da pessoa humana. “DIREITO AMBIENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. (...) PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICÁVEL EM SEDE DE RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL. DERRAMAMENTO DE ÓLEO. POLUIÇÃO. DEGRADAÇÃO AMBIENTAL. (...) 3. O bem ambiental é imensurável, não tem valor patrimonial, trata-se de um bem difuso, essencial à coletividade. Dessa forma, a violação da norma ambiental e do equilíbrio sistêmico não comporta a ideia de inexpressividade da conduta para aplicação do princípio da insignificância, pois o interesse protegido envolve toda a sociedade e, em nome do bem- estar desta, é que deve ser aplicada. 4. Em qualquer quantidade que seja derramamento de óleo é poluição, seja por inobservância dos padrões ambientais (inteligência do art. 3º, III, “e”, da Lei n. 6.938/1981, c/c o art. 17 da Lei n. 9.966/2000), seja por conclusão lógica dos princípios da solidariedade, dimensão ecológica da dignidade humana, Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 11 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - prevenção, educação ambiental e preservação das gerações futuras. (...) 6. Recurso especial provido para reconhecer a inaplicabilidade do princípio da insignificância em matéria de responsabilidade civil ambiental”.11 3. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DO ANIMAL NÃO-HUMANO E DA NATUREZA A reflexão em torno da dimensão ecológica do princípio da dignidade da pessoa humana também coloca “em cheque” a sua concepção estritamente antropocêntrica no âmbito do Estado Constitucional contemporâneo. Retomando aqui a premissa de que a matriz filosófica moderna para a concepção de dignidade (da pessoa humana) radica essencialmente no pensamento kantiano, é certamente possível questionar o excessivo antropocentrismo que informa tanto o pensamento kantiano quanto a tradição filosófica ocidental de um modo geral, especialmente confrontando-a com os novos valores ecológicos emergentes nas relações sociais contemporâneas e que reclamam uma nova concepção ética, ou, o que talvez seja mais correto, a redescoberta de uma “ética de respeito à vida” (Albert Schweitzer).12 A vedação de práticas de “objetificação” ou “coisificação” (ou seja, tratamento como simples “meio”) não deve, em princípio, ser limitada apenas à vida humana, mas ter o seu raio de incidência ampliado para contemplar também outras formas de vida. Essa “objetificação” da vida animal (não humana), por exemplo, foi expressamente vedada pelo art. 225, § 1º, VII, da CF/1988, ao assinalar que a norma constitucional como dever do Estado: “Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. O alargamento concepção kantiana para além do espectro humano conduz, portanto, ao reconhecimento de um fim em si mesmo inerente a outras formas de vida (ou à vida de um modo geral, seja humana, seja não humana), atribuindo-lhes um valor próprio e não meramente instrumental, ou seja, uma dignidade que igualmente implica um conjunto de deveres (morais e jurídicos) para o ser humano. No campo do Direito Ambiental, assume relevo a disputa entre “antropocentristas ecológicos (ou moderados)” e “biocentristas e ecocentristas”, disputa essa que tem marcado o debate ambiental inclusive na esfera jurídica e gerado umasérie de posições diferenciadas entre teóricos e práticos da causa ambiental. Não obstante o fortalecimento progressivo de posições biocêntricas e ecocêntricas, a abordagem teórica hoje predominante no campo do Direito Ambiental, é o que se poderia designar de um antropocentrismo jurídico ecológico – ou mesmo “relativo” ou “alargado” como sustentam alguns 11 STJ, AREsp 667.867/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, j. 17.10.2018. 12 SCHWEITZER, Albert. Filosofia da civilização. São Paulo: Editora UNESP, 2013, especialmente p. 283-302. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 12 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - autores (José de S. Cunhal Sendim13, Vasco Pereira da Silva14 e J. R. Morato Leite e Patryck de A. Ayala15) -, com o propósito de reconhecer o valor intrínseco e não meramente instrumental atribuído ao ser humano e a outras formas de vida não humanas e, é possível afirmar, à própria Natureza em si. Essa é a questão colocada no Preâmbulo da Convenção sobre Diversidade Biológica (1992), ao consagrar a seguinte passagem: “conscientes do valor intrínseco da diversidade biológica (...)”. O “reconhecimento” de um valor intrínseco em outras formas de vida não humanas conduz, a nosso ver, à atribuição de “dignidade” para além da esfera humana, além, é claro, de permitir a identificação de uma dimensão ecológica da própria dignidade da pessoa humana. A proteção de valores e bens jurídicos ecológicos imporá restrições aos próprios direitos e ao comportamento do ser humano, inclusive a ponto de caracterizar também deveres morais e jurídicos (o próprio direito ao ambiente possui um regime jurídico constitucional de “direito-dever” fundamental). E não apenas para proteger outros seres humanos, mas de modo a afirmar valores e proteger bens jurídicos que transcendem a órbita humana. A atribuição ao Estado de deveres constitucionais de proteção, no sentido de uma proteção jurídica de natureza objetiva, mas também a imposição aos particulares (na forma de deveres fundamentais de proteção do ambiente), do dever de “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas (art. 225, § 1º, I)”, bem como de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (inciso VII do mesmo dispositivo), nos parecem exemplos expressivos de uma tutela jurídica autônoma dos bens jurídicos ambientais (por exemplo, a Natureza em si, o bem-estar animal, a fauna e a flora) e mesmo de uma tomada de rumo jurídico bastante evidente no sentido contrário ao antropocentrismo clássico. A mesma reflexão pode surgir a partir da criminalização de condutas humanas degradadoras do ambiente, o que foi levado a efeito no plano infraconstitucional por meio da Lei dos Crimes e Infrações Ambientais (Lei 9.605/98)16, regulamentando dispositivo da CF/1988 (art. 225, § 3º). A “criminalização” dos maus tratos contra os animais, trazida pela Lei 9.605/98, pode, em certa medida, conduzir ao entendimento de que tal norma está fundamentada numa concepção jurídica “biocêntrica” (art. 32) e no reconhecimento dos animais não-humanos e da Natureza como “sujeito passivo da criminalidade”, ao dispor que configura crime “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, 13 SENDIM, José de Sousa Cunhal. Responsabilidade civil por danos ecológicos: da reparação do dano através de restauração natural. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 98 e ss. 14 PEREIRA DA SILVA, Vasco. Verde cor de direito: lições de Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2002, p. 29-30. 15 MORATO LEITE, José Rubens; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial (teoria e prática). 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 77. 16 A criminalização de condutas lesivas ao ambiente e mesmo do reconhecimento da Natureza como “sujeito passivo da criminalidade” é tratado por SPORLEDER DE SOUZA, Paulo Vinícius. “O meio ambiente (natural) como sujeito passivo dos crimes ambientais”. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 50. São Paulo, Revista dos Tribunais, set./out., 2004, p. 57-90. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 13 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” (caput), bem como que incorre na mesma pena “quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos” (§ 1º) e que “a pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal” (§ 2º). O objetivo do princípio da dignidade do animal não-humano e da Natureza é ampliar o quadro de bem- estar humano para além dos espectros liberal e social, inserindo necessariamente a variável ecológica, somado à atribuição de valor intrínseco à Natureza. 4. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE (INTRAGERACIONAL, INTERGERACIONAL E INTERESPÉCIES) O princípio da solidariedade encontra-se na base jurídico-constitucional dos direitos fundamentais de terceira dimensão ou geração (entre eles, o direito ao ambiente) e do Estado Ambiental ou Ecológico de Direito contemporâneo. O princípio da solidariedade aparece, nesse horizonte, como mais uma tentativa histórica de realizar na integralidade o projeto da modernidade, concluindo o ciclo dos três princípios revolucionários francês: liberdade, igualdade e fraternidade. Trata-se, em última instância, de continuar na edificação de uma comunidade estatal que teve o seu marco inicial com o Estado Liberal, alicerçando agora novos pilares constitucionais ajustados à nova realidade social e desafios existenciais postos no espaço histórico-temporal contemporâneo, em especial no tocante à crise ecológica. A CF/1988 adotou o princípio da solidariedade como objetivo central do Estado e da sociedade brasileira no seu artigo 3º, I, ao estabelecer a “construção de uma sociedade livre, justa e solidária”, além de destacar também como objetivo, a “erradicação da pobreza e da marginalização social e a redução das desigualdades sociais e regionais”, o que estabelece um novo marco normativo-constitucional, consolidando a solidariedade como princípio e valor da nossa ordem jurídica. O princípio da solidariedade também aparece consubstanciado no Preâmbulo da Constituição Federal ao estabelecer que os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna. Os direitos fundamentais de terceira dimensão, como é o caso dos direitos ecológicos, que, em vista da sua natureza difusa e, portanto, de titularidade dispersa por toda a coletividade, também encontram o seu fundamento no princípio da solidariedade e na ideia de justiça ambiental. Na perspectiva ecológica, há também a necessidade de se assegurar uma redistribuição justa e equânime do acesso aos recursos naturais, sob pena de incidir-se em prática discriminatória, o que se acentua, de forma significativa em vista da feição socioambiental que caracteriza alguns aspectos da crise ecológica. Para Ramón Martin Mateo, do ponto de vista ecológico, há a exigência de justiça distributiva contida no princípio da solidariedade, referindo-se, inclusive, à ideia de “círculos sociais progressivamente ampliados”, o que objetiva contemplar uma dupla dimensão intercomunitária e intergeracional para a aplicação do Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITOAMBIENTAL PÁG I N A 14 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - princípio.17 JURISPRUDÊNCIA STF. Princípio da solidariedade e direitos fundamentais de terceira dimensão ou geração. “A questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – direito de terceira geração – princípio da solidariedade. O direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (Direito Civis e Políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade”. (STF, MS 22.164/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 30.10.1995). O Princípio 3 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) consagra que “o direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e de meio ambiente das gerações presentes e futuras”. O conceito de desenvolvimento sustentável trazido pelo Relatório Nosso Futuro Comum (1987), elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, destaca, como premissa, atender às necessidades das gerações presentes, mas sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades.18 Assim, verifica-se a existência de importante nexo entre o princípio da solidariedade e a noção de desenvolvimento sustentável (ou sustentabilidade). A natureza difusa do bem ambiental coloca tal feição à titularidade do direito, que, em regra, deve ser usufruído tendo em vista o interesse de toda a coletividade. A ideia de um patrimônio comum da humanidade também toca de forma direta a questão ambiental, pois busca dar a dimensão de importância dos bens ambientais de forma alijada de uma perspectiva individualista, mas, acima de tudo, solidária e compartilhada entre todos. 17 “Este principio tiene intrínseca validez y operatividad por lo que debería razonablemente esperarse su efectividad en círculos sociales progresivamente ampliados. Su transcendencia para la tutela del ambiente opera en una doble dimensión: intercomunitaria e intergeneracional. La importancia de la aplicación de este principio para la efectividad de la tutela ambiental se deriva de las propias exigencias de la justicia distributiva, lo que es válido tanto a escala extra como intracomunitária y nacional”. MATEO, “Manual de derecho ambiental...”, p. 44. 18 “Relatório Nosso Futuro Comum...”, p. 46. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 15 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - O princípio da solidariedade, além de incidir nas relações jurídicas travadas no âmbito doméstico, deve ser projetado para além das fronteiras dos Estados nacionais, o que se impõe pelo próprio contexto internacional da maioria dos sistemas naturais, no sentido de ser tomado como um imperativo, ao mesmo tempo ético e jurídico, com o propósito de conformar e limitar as práticas sociais (e também estatais) predatórias do ambiente, em vista de um desenvolvimento sustentável mundial. O modelo clássico de soberania nacional está com os dias contados em razão da crise ecológica e da dimensão transnacional dos desafios da proteção ambiental. Outro aspecto fundamental que caracteriza o princípio da solidariedade, especialmente na sua aplicação voltada para a questão ambiental, diz respeito à solidariedade (o dever de solidariedade) entre as gerações humanas presentes (ou viventes) e as gerações humanas futuras, à luz, inclusive, do reconhecimento da dignidade de tais vidas potenciais. Para José J. Gomes Canotilho, o significado básico do princípio da solidariedade entre gerações circunscreve-se a “obrigar as gerações presentes a incluir como medida de ação e de ponderação os interesses das futuras gerações”.19 Essa situação se dá em razão de a proteção ambiental, como refere o próprio caput do art. 225 da CF/8820, objetivar a salvaguarda de condições ambientais favoráveis ao desenvolvimento da vida humana em patamares de dignidade não apenas para as gerações que hoje habitam a Terra e usufruem dos recursos naturais, mas também assegurando tais condições para as gerações que irão habitar a Terra no futuro. Isso, por certo, implica, necessariamente, um conjunto de deveres e responsabilidades a cargo das gerações presentes para com as gerações futuras. No plano jurídico, à luz das considerações já desenvolvidas, a vedação das práticas cruéis contra os animais (não humanos), conforme estabelecido no art. 225, § 1º, VII, da CF/1988, e no art. 33 da Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais (Lei 9.605/98), reforçam a concepção de um princípio de solidariedade também entre as espécies naturais. Não apenas em relação aos animais, mas à Natureza em termos gerais. A ideia de “solidariedade entre espécies naturais”, portanto, também pode transportar o reconhecimento do valor intrínseco de todas as manifestações existenciais, bem como o respeito e a reciprocidade indispensável ao convívio harmonioso entre todos os seres vivos na nossa casa planetária comum. O princípio da solidariedade passa a ser uma das bases-éticas (e jurídicas) fundamentais da sociedade contemporânea na sua caminhada civilizatória, considerando todas as suas dimensões (intrageracional, intergeracional e interespécies). 19 CANOTILHO, José J. Gomes. “Direito constitucional ambiental português e da União Europeia”. In: CANOTILHO, José J. Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 8. 20 Mais recentemente, a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) de, de forma expressa, no seu art. 6º, parágrafo único, entre outros princípios, o princípio da equidade intergeracional. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 16 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Dimensões do princípio da solidariedade ambiental (ou ecológica) 1) Intrageracional 2) Intergeracional 3) Interespécies JURISPRUDÊNCIA STJ: “ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO.NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À MENOR PATAMAR PROTETIVO. FATO CONSUMADO. INVIÁVEL EM MATÉRIA AMBIENTAL. 1. Na origem, trata-se de ação declaratória ajuizada pelo recorrido contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, na qual, o requerente sustentou que, sendo legítimo proprietário dos imóveis descritos na inicial, diligenciou perante o órgão competente visando autorização para a supressão da vegetação da área, recebendo orientação de que tais procedimentos estão submetidos à Resolução SMA-14, de13 de março de 2008, que estabeleceu fatores condicionantes para tal fim. Diante da situação, na exordial, arguiu a inaplicabilidade das normas suscitadas, tendo em vista a superveniência da legislação ambiental ante a aquisição da propriedade e a aplicabilidade mitigada do Código Florestal às áreas urbanas. 2. Inicialmente, é importante elucidar que o princípio da solidariedade intergeracional estabelece responsabilidades morais e jurídicas para as gerações humanas presentes em vista da ideia de justiça intergeracional, ou seja, justiça e equidade entre gerações humanas distintas. Dessa forma, a propriedade privada deve observar sua função ambiental em exegese teleológica da função social da propriedade, respeitando os valores ambientais e direitos ecológicos. (...)” (STJ, REsp 1775867/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, j. 16.05.2019). 5. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE EM FACE DAS PRESENTES E FUTURAS GERAÇÕES A ação (e omissão) humana está na origem da atual crise ecológica. Dito de outro modo, são justamente as práticas inconsequentes e irresponsáveis dos seres humanos, nas mais diversas áreas de atuação, tanto privadas quanto públicas, que nos conduziram ao atual estado de risco existencial. Há, nesse sentido, para além da responsabilidade na esfera moral, também a necessidade de imposição de responsabilidades (deveres e obrigações) no campo jurídico, com o propósito de frear o ímpeto destrutivo que tem nos guiado nos últimos séculos, e de modo particularmente acelerado a partir da segunda metade do Século XX. É nesse cenário (social, político, econômico e jurídico) que se insere o princípio da responsabilidade. Trata-se, sem dúvida, de um dos princípios precursores do Direito Ambiental, muito embora se trate de um princípio geral de Direito. A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), entre os aspectos inovadores trazidos pelo diploma, onsagrou a denominada “responsabilidade comum, mas diferenciada”, tomando Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 17 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - como referência a desigualdade (sobretudo socioeconômica) existente entre os Estados no plano internacional e, consequentemente, o fato de alguns Estados (e seus respectivos cidadãos) serem grandes poluidores e consumidores de recursos naturais, enquanto outros muito pouco ou nada contribuem para a crise ecológica, tanto pelo prisma do presente quanto do passado. De acordo com o Princípio 7, “(...) os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam”. Na legislação ambiental brasileira, a “responsabilidade comum, mas diferenciada” foi consagrada por meio da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009), precisamente no seu art. 3º, ao asseverar que a Política Nacional sobre Mudança do Clima e as ações dela decorrentes, executadas sob a responsabilidade dos entes políticos e dos órgãos da administração pública, observarão, entre outros princípios, o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, no âmbito internacional.21 De modo complementar, o Princípio 13 da Declaração do Rio (1992) assinala que “os Estados irão desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e à indenização das vítimas de poluição e de outros danos ambientais. Os Estados irão também cooperar, de maneira expedita e mais determinada, no desenvolvimento do direito internacional no que se refere à responsabilidade e à indenização por efeitos adversos dos danos ambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu controle”. Em outras palavras, o último dispositivo citado destaca o papel que cabe ao Estado, tanto no plano interno, no sentido de adotar regime jurídico específico para assegurar a responsabilidade pelo dano ambiental, como também no plano externo, ou seja, na relação travada pelos Estados no âmbito internacional.22 No ordenamento jurídico brasileiro, pelo prisma da proteção ambiental, o primeiro diploma que tratou de forma diferenciada a temática da responsabilidade pelos danos ecológicos foi a Lei 6.453/77, que regulou a responsabilidade civil por danos nucleares e a responsabilidade criminal por atos relacionados com atividades nucleares. Além da responsabilização de ordem criminal pelos danos nucleares, o diploma em análise consagrou a responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente da existência de culpa do operador da instalação nuclear, para ensejar a responsabilização civil pelo dano nuclear, bem como a natureza solidária atribuída à mesma. Sobre o tema, dispõe o diploma em comento que “será exclusiva 21 A “responsabilidade comum, mas diferenciada” foi consagrada, no âmbito da legislação ambiental brasileira, por meio da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009), mais precisamente no seu art. 3º, ao asseverar que a Política Nacional sobre Mudança do Clima e as ações dela decorrentes, executadas sob a responsabilidade dos entes políticos e dos órgãos da administração pública, observarão, entre outros princípios, o das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, no âmbito internacional. 22 No âmbito internacional, merece destaque também a Declaração da UNESCO sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes em Relação às Gerações Futuras (1997), adotada pela Conferência Geral da UNESCO (em sua 29ª sessão). Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0011/001108/110827por.pdf. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 18 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - do operador da instalação nuclear, nos termos desta Lei, independentemente da existência de culpa, a responsabilidade civil pela reparação de dano nuclear causado por acidente nuclear” (art. 4º, caput), bem como que “quando responsáveis mais de um operador, respondem eles solidariamente, se impossível apurar-se a parte dos danos atribuível a cada um” (art. 5º). Tem-se aí importantíssima inovação jurídica que rompe com o paradigma liberal-individualista clássico do Direito Civil e que será aproveitada, pouco tempo depois, muito embora a discussão envolvendo as diferentes teorias sobre a temática da responsabilidade civil objetiva23, pela Lei 6.939/81, ao dispor, no seu art. 14, §1º, que também a responsabilidade civil em matéria ambiental é de natureza objetiva, ou seja, independentemente da existência de culpa do poluidor. À luz desse cenário consolidado a respeito da responsabilidade pelos danos ambientais, sobretudo na esfera cível, a CF/1988, no § 4º do art. 225, veio a aprimorar o regime jurídico até então vigente, consagrando expressamente a tríplice responsabilidade (administrativa, civil e penal) do poluidor pelo dano ambiental: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. A responsabilização pelo dano ambiental ainda foi complementada de forma expressiva pela Lei dos Crimes e Infrações Administrativas em Matéria Ambiental (Lei 9.605/98), inclusive no tocante à responsabilização penal da pessoa jurídica em decorrência da prática de crimes ambientais (art. 3º), seguindo a diretriz delineada pela própria CF/1988 no dispositivo referido anteriormente. No plano infraconstitucional,o principio da responsabilidade foi regulamentado a ponto de alcançar as três esferas da responsabilização do poluidor pelos danos causados ao ambiente. A Lei 6.938/81 resultou encarregada da responsabilidade civil pelo dano ambiental, ao passo que a Lei 9.605/98, tratou tanto a responsabilidade penal quanto a responsabilidade administrativa (art. 70 e ss. 24) na matéria. Mais recentemente, reforçando o regime da responsabilidade civil em matéria ambiental, a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/10) consagrou de forma expressa a responsabilidade pós- consumo, ou seja, a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos (art. 6º, VII). O princípio da responsabilidade, de modo similar ao que verificamos no tocante ao princípio da solidariedade, também possui múltiplas dimensões (alcançando inclusive os interesses das futuras gerações), que guardam relação com outros princípios gerais e setoriais relevantes para a questão 23 A respeito da discussão teórica sobre a natureza da responsabilidade civil ambiental, v., por todos, BENJAMIN, Antonio Herman. “Responsabilidade civil pelo dano ambiental”. In: Revista de Direito Ambiental, v. 9, São Paulo, Revista dos Tribunais, Jan../Mar., 1998, p. 5-52. 24 De acordo com o art. 70, caput, da Lei 9.605/98, “considera-se infração administrativa toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 19 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ambiental. A mensagem mais elementar a ser extraída do princípio da responsabilidade seja a de conter o ímpeto destrutivo do ser humano na sua relação com a Natureza, colocando, para tanto, balizas tanto de ordem moral quanto jurídicas, inclusive com a utilização, quando necessário, dos recursos mais extremos do nosso ordenamento jurídico (e Sistema de Justiça), como é o caso do Direito Penal. 6. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR A utilização de recursos naturais, no ciclo de produção de bens e serviços, enseja a geração de externalidades negativas, notadamente em termos de poluição e degradação ambiental. O princípio do poluidor-pagador, tomado em tal perspectiva, objetiva justamente “internalizar” nas práticas produtivas (em última instância, no preço dos produtos e serviços) os custos ecológicos, evitando-se que os mesmos sejam suportados de modo indiscriminado (e, portanto, injusto) por toda a sociedade.25 Em outras palavras, coloca-se a necessidade de vincular juridicamente o gerador de tais custos ambientais (ou seja, poluidor), independentemente de ser ele o fornecedor (ou produtor) ou mesmo o consumidor, com o propósito de o mesmo ser responsabilizado e, consequentemente, arcar com tais custos ecológicos, exonerando-se a sociedade desse encargo. No plano internacional, o princípio do poluidor-pagador foi consagrado expressamente pela Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), precisamente no seu Princípio 16, ao consignar que “As autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais”. No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), dispõe, no seu art. 4º, inciso VII, que se visará “a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”. De modo complementar, a Lei 6.938/81 estabelece o conceito de poluidor, no seu art. 3º, IV, como sendo “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Embora os dispositivos citados não tenham empregado diretamente a expressão “poluidor-pagador”, o conteúdo do princípio está ali consagrado. Mais 25 A respeito das externalidades negativas e o seu decorrente custo social, pelo prisma ecológico, v. NUSDEO, Fábio. Desenvolvimento e ecologia. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 52. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 20 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - recentemente, o princípio do poluidor-pagador aparece consagrado expressamente no art. 6º, II, da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 11.445/2007), mesmo dispositivo do denominado princípio do protetor-recebedor. O conteúdo do princípio do poluidor-pagador não se dirige única e exclusivamente ao fornecedor de bens e serviços de consumo, mas também impõe responsabilidades ao consumidor ou usuário de tais produtos ou serviços, inclusive de acordo com o conteúdo da parte final da norma inscrita no art. 4º, VII, da Lei 6.938/81, conforme já referido. É possível, portanto, identificar o princípio do usuário-pagador como um princípio do Direito Ambiental, orientando normativamente o usuário de recursos naturais no sentido de adequar as práticas de consumo ao uso racional e sustentável dos mesmos, bem como à ampliação do uso de tecnologias limpas no âmbito dos produtos e serviços de consumo, a exigência de certificação ambiental dos produtos e serviços, etc. A Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) tratou de consagrar normativamente, no seu art. 6º, parágrafo único, entre outros princípios, o princípio do usuário-pagador. Antes ainda, de modo similar, a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) também já havia incorporado o mesmo entendimento, ao consagrar, no seu art. 5º, IV, como instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos, “a cobrança pelo uso de recursos hídricos”. A diretriz geral de ambos os princípios (poluidor- pagador e usuário-pagador) consiste, portanto, na responsabilização jurídica e econômica pelos danos causados ao ambiente com o nítido propósito de desonerar a sociedade, ou, pelo menos, de modo a minimizar o fenômeno da “externalização” dos custos ambientais gerados no âmbito das atividades de produção e consumos de bens e serviços. O instituto jurídico da compensação ambiental, previsto no art. 36 da Lei 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), é um exemplo ilustrativo de aplicação concreta do princípio do poluidor- pagador. O STF, por esse ótica se serviu justamente do princípio para fundamentar sua decisão lançada na ADI 3.378 no sentido da constitucionalidade do dispositivo da Lei do SNUC referido. A compensação ambiental, por sua vez, representa um mecanismo de internalização dos custos ecológicos de empreendimento de significativo impacto ambiental que acarretará inevitavelmente danos ecológicos (ex. construção de rodovia, construção de loteamento e condomínio de casas, etc.), direcionando recursos (e obrigações de fazer a cargo do empreendedor) para unidades de conservação do Grupo de Proteção Integral (não obstante, também seja possível sua reversão em favor de unidades de conservação do grupo de uso sustentável, conforme prevê o recém incluído § 4º no art. 36), como forma de mitigar o prejuízo ecológico ocasionado. COMPENSAÇÃO AMBIENTAL E PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTALPÁG I N A 21 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei. (Regulamento) § 1º O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento. (Vide ADIN nº 3.378-6, de 2008) § 2º Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação. § 3º Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo. § 4º A obrigação de que trata o caput deste artigo poderá, em virtude do interesse público, ser cumprida em unidades de conservação de posse e domínio públicos do grupo de Uso Sustentável, especialmente as localizadas na Amazônia Legal. (Incluído pela Lei nº 13.668, de 2018) Na jurisprudência, o princípio do poluidor-pagador tem sido um grande aliado no sentido de reforçar o regime da responsabilidade civil em matéria ambiental, extraindo eficácia normativa do princípio em questão. Não por outra razão, o princípio é comumente empregado como fundamento, sobretudo na jurisprudência do STJ, para justificar, por exemplo, a adoção da teoria do risco integral para a hipótese de dano ambiental e, portanto, rejeição das excludentes de ilicitude, bem como a reparação integral do dano ambiental, admitindo a imposição de obrigações de fazer, não fazer e pagar quantia em dinheiro, além, é claro, da inversão do ônus da prova26 e da caracterização do dano moral ambiental coletivo. Conforme assinala o Ministro Herman Benjamin, é “pacífica a jurisprudência do STJ de que, nos termos do art. 14, § 1°, da Lei 6.938/1981, o degradador, em decorrência do princípio do poluidor-pagador, previsto no art. 4°, VII (primeira parte), do mesmo estatuto, é obrigado, independentemente da existência de culpa, a reparar - por óbvio que às suas expensas - todos os danos que cause ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade, sendo prescindível perquirir acerca do elemento subjetivo, o que, consequentemente, 26 STJ, REsp 1.060.753/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 01.12.2009. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 22 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - torna irrelevante eventual boa ou má-fé para fins de acertamento da natureza, conteúdo e extensão dos deveres de restauração do status quo ante ecológico e de indenização”.27 JURISPRUDÊNCIA STJ. Princípio do poluidor-pagador. “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS A PESCADORES CAUSADOS POR POLUIÇÃO AMBIENTAL POR VAZAMENTO DE NAFTA, EM DECORRÊNCIA DE COLISÃO DO NAVIO N-T NORMA NO PORTO DE PARANAGUÁ (...) 2) TEMAS: a) CERCEAMENTO DE DEFESA INEXISTENTE NO JULGAMENTO ANTECIPADO, ANTE OS ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES; b) LEGITIMIDADE DE PARTE DA PROPRIETÁRIA DO NAVIO TRANSPORTADOR DE CARGA PERIGOSA, DEVIDO A RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR- PAGADOR; c) INADMISSÍVEL A EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE POR FATO DE TERCEIRO; d) DANOS MORAL E MATERIAL CARACTERIZADOS; (...) c) Inviabilidade de alegação de culpa exclusiva de terceiro, ante a responsabilidade objetiva.- A alegação de culpa exclusiva de terceiro pelo acidente em causa, como excludente de responsabilidade, deve ser afastada, ante a incidência da teoria do risco integral e da responsabilidade objetiva ínsita ao dano ambiental (art. 225, § 3º, da CF e do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81), responsabilizando o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador. d) Configuração de dano moral.- Patente o sofrimento intenso de pescador profissional artesanal, causado pela privação das condições de trabalho, em consequência do dano ambiental, é também devida a indenização por dano moral, fixada, por equidade, em valor equivalente a um salário- mínimo. e) termo inicial de incidência dos juros moratórios na data do evento danoso. (...)” (STJ, REsp 1.114.398/PR, 2ª Seção, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 08.02.2012). “PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL. 1. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. Deles decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. 2. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a propiciar a tutela ao meio 27 STJ, REsp 769.753/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 08.09.2009. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 23 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ambiente (CF, art. 129, III). Como todo instrumento, submete-se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material. Somente assim será instrumento adequado e útil. (...) 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, Desprovido.” (STJ, REsp 605.323/MG, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado e Rel. p. acórdão Min. Teori Albino Zavascki, j.18.08.2005). “RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DANO AMBIENTAL. ROMPIMENTO DO POLIDUTO "OLAPA". POLUIÇÃO DE ÁGUAS. PESCADOR ARTESANAL. PROIBIÇÃO DA PESCA IMPOSTA POR ÓRGÃOS AMBIENTAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA PETROBRAS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS CONFIGURADOS. PROIBIÇÃO DA ATIVIDADE PESQUEIRA. PESCADOR ARTESANAL IMPEDIDO DE EXERCER SUA ATIVIDADE ECONÔMICA. APLICABILIDADE, AO CASO, DAS TESES DE DIREITO FIRMADAS NO RESP 1.114.398/PR (JULGADO PELO RITO DO ART. 543-C DO CPC). QUANTUM COMPENSATÓRIO. RAZOÁVEL, TENDO EM VISTA AS PARTICULARIDADES DO CASO. 1. No caso, configurou-se a responsabilidade objetiva da PETROBRAS, convicção formada pelas instâncias ordinárias com base no acervo fático-documental constante dos autos, que foram analisados à luz do disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal e no art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981. 2. A Segunda Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.114.398/PR, da relatoria do senhor Ministro Sidnei Beneti, sob o rito do art. 543-C do CPC, reconheceu a responsabilidadeobjetiva da PETROBRAS em acidentes semelhantes e caracterizadores de dano ambiental, responsabilizando-se o degradador em decorrência do princípio do poluidor-pagador, não cabendo, demonstrado o nexo de causalidade, a aplicação de excludente de responsabilidade. 3. Configura dano moral a privação das condições de trabalho em consequência de dano ambiental - fato por si só incontroverso quanto ao prolongado ócio indesejado imposto pelo acidente, sofrimento, à angústia e à aflição gerados ao pescador, que se viu impossibilitado de pescar e imerso em incerteza quanto à viabilidade futura de sua atividade profissional e manutenção própria e de sua família. 4. Recurso especial não provido” (STJ, REsp 1.346.430/PR, 4ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 18.10.2012). “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VAZAMENTO DE OLEODUTO. INDENIZAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. ELEMENTOS DOCUMENTAIS SUFICIENTES. LEGITIMIDADE ATIVA DO PESCADOR ARTESANAL. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR. MATÉRIAS DECIDIDAS PELA SEGUNDA SEÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REVISÃO. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. "Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 330, I e II) Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 24 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - de processo de ação de indenização por danos materiais e morais, movida por pescador profissional artesanal contra a Petrobrás, decorrente de impossibilidade de exercício da profissão, em virtude de poluição ambiental causada por derramamento de nafta devido a avaria do Navio 'N-T Norma', a 18.10.2001, no Porto de Paranaguá, pelo período em que suspensa a pesca pelo IBAMA" (REsp 1.114.398/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Segunda Seção, julgado em 8/2/2012, DJe 16/2/2012). 2. Extrai-se, ainda, do mesmo voto que "O dano ambiental, cujas consequências se propagam ao lesado, é, por expressa previsão legal, de responsabilidade objetiva, impondo-se ao poluidor o dever de indenizar". 3. Inviável, em sede especial, a revisão dos critérios adotados na origem para a distribuição dos ônus sucumbenciais, dadas as peculiaridades de cada caso concreto, nos termos da Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido” (STJ, AgRg no AREsp 238.427/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 06.08.2013). QUESTÃO CESPE (Juiz Federal 5ª Região, 2006): “O princípio do poluidor-pagador autoriza o ato poluidor mediante pagamento”. (ERRADA) Obs. Como explicado na aula, o princípio do poluidor-pagador não representa uma “autorização” ou “cheque em branco” para o poluidor poluir como bem entender e depois simplesmente pagar pela poluição. Não é isso. Somente naqueles casos em que atividades poluidoras estiverem estritamente de acordo com a legislação ambiental (licenciamento, etc.) elas serão admitidas e, ainda assim, deverão internalizar os custos ecológicos no processo produtivo (produto ou serviço) ou empreendimento (ex. compensação ambiental). 6.1. PRINCÍPIO DO PROTETOR-RECEBEDOR É um princípio novo do Direito Ambiental, consagrado expressamente na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), conjuntamente com o princípio do poluidor-pagador (art. 6º, II). Não obstante os dois princípios tenham uma função econômica no âmbito do Direito Ambiental, os seus significados são diametralmente opostos. Ao passo que o princípio do poluidor-pagador objetiva “internalizar” no preço dos produtos e serviços os “custos ambientais” gerados no processo produtivo, o princípio do protetor-recebedor busca retribuir economicamente aquele que, em benefício de toda a sociedade, protege o meio ambiente (estabilidade climática, biodiversidade, recursos hídricos), por exemplo, ao manter a cobertura florestal de área de sua propriedade (para além das exigências legais: área de preservação permanente e reserva legal). O princípio do protetor-recebedor é concretizado, por exemplo, por meio do instituto jurídico-ambiental do pagamento por serviços ambientais, previsto no art. 41, I, do Novo Código Florestal de 2012. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 25 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - QUESTÃO CESPE (Juiz de Direito SC, 2017): “O pagamento por serviços ambientais tem por fundamento: (...) C) o princípio do protetor-recebedor; D) o princípio do usuário-pagador; E) o princípio do poluidor-pagador.) (LETRA C CORRETA) 7. PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Tanto as ideologias liberais quanto as socialistas, como bem acentuam José R. Morato Leite e Patryck de A. Ayala, não souberam lidar com a crise ambiental e tampouco inseriram a agenda ambiental no elenco das prioridades dos seus respectivos projetos político-econômicos, especialmente se se considerar que ambos os modelos - o capitalismo industrial e o coletivismo industrial – promoveram um modelo de produção extremamente agressivo ao ambiente28. O quadro contemporâneo de degradação e crise ambiental é fruto, portanto, dos modelos econômicos experimentados no passado e dos equívocos que seguem sendo cometidos, não tendo sido, além disso, cumprida a promessa de bem-estar para todos como decorrência da revolução industrial, mas sim, instalado um contexto de devastação ambiental planetária e indiscriminada.29 No mesmo sentido, Vasco Pereira da Silva destaca que o Estado Social “desconhecera em absoluto” a problemática ambiental, por estar imbuído de uma “ideologia otimista” do crescimento econômico, como “milagre” criador do progresso e de qualidade de vida.30 Somente com a crise do modelo de Estado Social ou de Providência, surgida no final dos anos 60 e cujos sintomas mais agudos só foram sentidos nos anos 70, com a denominada “crise do petróleo”, que se obrigou a uma tomada generalizada de consciência acerca dos limites do crescimento econômico e da esgotabilidade dos recursos naturais.31 Também data do início da Década de 1970 o Relatório do Clube de Roma sobre os limites do crescimento econômico, revelando diversos problemas sociais e econômicos relacionados à crescente poluição ambiental e ao esgotamento dos recursos naturais. Foi precisamente nesse contexto que o conceito de desenvolvimento sustentável foi cunhado no âmbito da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, designadamente por meio do Relatório Bruntland ou Nosso Futuro Comum (1987), veiculando a noção de que desenvolvimento sustentável seria “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”.32 28 MORATO; AYALA, Dano ambiental..., p. 24. 29 Idem, ibidem. 30 PEREIRA DA SILVA, Verde cor de direito..., p. 18. 31 Idem, p. 17-18. 32 “Relatório Nosso Futuro Comum...”, p. 43. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 26 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Incorporando o conceito adotado pela Comissão Bruntland, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, no seu Princípio 4, veio a consignar que “a fim de alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do ambiente deverá constituir-se como parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada de forma isolada”. No plano normativo nacional, a noção de sustentabilidade encontrou ressonância já na legislação editada antes da constitucionalização da questão ambiental. Com efeito, aLei 6.938/81, no seu art. 4º, entre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, destaca a “compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico (inciso I)” e a “preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida” (inciso VI). Também a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97) arrolou, no seu art. 2º, como objetivos da PNRH: I - assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; e II - a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável. Também a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) consagrou, no seu art. 6º, caput, como objetivo central a proteção do bioma da Mata Atlântica com vistas ao desenvolvimento sustentável. Nessa mesma trilha, a Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009), no seu art. 3º, arrolou, entre os princípios norteadores da PNMC, o princípio do desenvolvimento sustentável. Além dos diplomas referidos, a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) consagrou, entre os princípios da PNRS, “a visão sistêmica, na gestão dos resíduos sólidos, que considere as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública” (inciso III), “o desenvolvimento sustentável” (inciso IV), e “a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta” (inciso V). Mais recentemente, o Novo Código Florestal (Lei 12.651/2012) também consagrou o desenvolvimento sustentável como o objetivo central do regime jurídico de proteção florestal (art. 1º, parágrafo único). Em termos gerais, conforme se pode apreender dos vários exemplos destacados, a legislação ambiental brasileira incorporou o princípio do desenvolvimento sustentável e lhe deu vida, passando a ocupar lugar de destaque no rol dos princípios do Direito Ambiental moderno. Entre os aspectos relevantes do paradigma do desenvolvimento sustentável, está a internalização dos custos ecológicos decorrentes das práticas econômicas produtivas, conforme apontado anteriormente Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 27 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - no tópico sobre o princípio do poluidor pagador. O Estado Ambiental ou Ecológico de Direito, longe de ser um Estado “Mínimo” (permissivo no que diz com o livre jogo dos atores econômicos e do mercado), deve ser um Estado regulador da atividade econômica, capaz de dirigi-la e ajustá-la aos valores e princípios constitucionais, objetivando o desenvolvimento humano e social de forma ambientalmente sustentável. Não por outra razão a nossa Lei Fundamental de 1988 consignou expressamente entre os princípios reitores da ordem economia: “Art. 170 (...) VI – a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.” O princípio do desenvolvimento sustentável expresso no art. 170 (inciso VI) da CF/1988, confrontado com o direito de propriedade privada e a livre iniciativa (caput e inciso II do art. 170), também se presta a desmistificar a perspectiva de um capitalismo liberal-individualista em favor dos valores e princípios constitucionais ambientais. A propriedade privada e os interesses do seu titular devem ajustar-se aos interesses da sociedade e do Estado, na esteira das funções social e ecológica que lhe são inerentes. A ordem econômica, constitucionalizada a partir dos princípios diretivos do art. 170 da CF/1988, mas também e essencialmente com base também nos demais fundamentos e objetivos constitucionais que a informam (por exemplo, os objetivos fundamentais da República elencados no art. 3º), expressa uma opção pelo que se poderia designar de um capitalismo ambiental ou socioambiental (ou economia ambiental ou socioambiental de mercado) capaz de compatibilizar a livre iniciativa, a autonomia e a propriedade privada com a proteção ambiental e a justiça social (e também justiça ambiental), tendo como norte normativo, “nada menos” do que a proteção e promoção de uma vida humana digna e saudável (e, portanto, com qualidade, equilíbrio e segurança ambiental) para todos os membros da comunidade estatal. Para ilustrar esse projeto normativo em termos práticos, destaca-se, dentre outros instrumentos jurídicos criados com o propósito de conciliar as práticas produtivas com a proteção ambiental, o estudo prévio de impacto ambiental (art. 225, § 1.º, IV, da CF/88, art. 10 da Lei 6.938/81 e Resolução 237/97 do CONAMA) exigido para a instalação de obra ou atividade causadora ou potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. Em linhas gerais, trata-se de um mecanismo jurídico de ajuste e regulação da atividade econômica, que limita o direito de propriedade e a livre iniciativa dos atores econômicos privados, conformando o seu comportamento ao princípio constitucional (e dever) do desenvolvimento sustentável. O mesmo entendimento é defendido por Cristiane Derani, ao assinalar que a avaliação de impacto ambiental incorpora um processo de planejamento para a “sustentabilidade” das atividades econômicas, integrado por um conjunto de ações estratégicas em vista de uma melhoria (e também melhor distribuição) da qualidade de vida.33 33 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 158. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 28 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - O constituinte brasileiro delineou no texto constitucional, para além de um capitalismo social, um capitalismo ambiental (ou socioambiental), consagrando a proteção ambiental como princípio matriz da ordem econômica (art. 170, inciso VI, da CF/1988).34 Nessa perspectiva, além da necessidade de uma compreensão integrada do regime jurídico dos direitos fundamentais econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA), de modo a contemplar uma tutela ampla e qualificada da dignidade da pessoa humana, tanto sob a perspectiva individual quanto coletiva, a própria noção de sustentabilidade deve ser tomada a partir dos eixos econômico, social e ambiental.35 Tais eixos, contudo, devem ser concebidos e aplicados de forma isonômica e equilibrada, refutando-se, consoante já frisado, toda e qualquer hierarquização prévia, notadamente pelo fato de que é no seu conjunto que tais dimensões se prestam à promoção de uma existência digna na perspectiva de uma “economia verde”. Por fim, reproduz-se passagem do voto-relator do Min. Og Fernandes do STJ, no julgamento do REsp 1.546.415/SC, o qual lustra de forma paradigmática a aplicação do principio do desenvolvimento sustentável no âmbito jurisprudencial, em caso envolvendo a proteção das áreas de preservação permanente consagradas no âmbito do Código Florestal: “Indubitavelmente o desenvolvimento econômico deve ser obtido com o devido saneamento do planeta e com a administração inteligente dos recursos naturais. Caso contrário, o suposto desenvolvimento obliteraria a possibilidade de sobrevivência da espécie humana. Logo, cuida-se de obter um desenvolvimento sustentávelque respeite o ecossistema e proporcione um trato adequado, respeitoso, para com o Planeta Terra. Ocorre que a compreensão em contrário senso, incentivando o crescimento humano desordenado e desenfreado, ocasionou a degradação que assistimos em todo o mundo. Por essa razão, a preservação do meio ambiente tornou-se axiologia preponderante nas sociedades contemporâneas, integrando o rol de direitos humanos, tendo em vista sua essencialidade na sobrevivência da espécie. Com efeito, integra os direitos fundamentais de terceira geração incorporados no texto da Cártula Magna brasileira. Nesse sentido, compreendo não ser possível qualquer forma de intervenção antrópica que possa representar violação do princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado, uma vez que se trata de direito fundamental da nossa geração e um dever para com as gerações futuras. (...) O instituto das áreas de preservação permanente tem objetivos expressos em relação à integridade dos ecossistemas e a qualidade do meio ambiente. Como se verifica, as área de preservação permanentes têm esse papel de abrigar a 34 “Art. 170 (...) VI – a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.” 35 O reconhecimento de três pilares que integram e dão suporte à noção de desenvolvimento sustentável, quais sejam, o econômico, o social e o ambiental, é desenvolvida, entre outros, WINTER, Gerd. Desenvolvimento sustentável, OGM e responsabilidade civil na União Europeia. Campinas: Millennium Editora, 2009, p. 2 e ss. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 29 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - biodiversidade e promover a propagação da vida, assegurar a qualidade do solo e garantir o armazenamento de recurso hídrico em condições favoráveis de quantidade e qualidade. O sistema normativo brasileiro já́ protegia claramente as áreas de preservação permanente desde o antigo Código Florestal. Trata-se de legislação com conteúdo robusto quanto à proteção dos nossos biomas.”36 JURISPRUDÊNCIA STF. ADPF 101 (Caso dos “pneus usados”). Princípio do desenvolvimento sustentável. O STF, no julgamento da ADPF 101, ocorrido em 24.06.2009, a respeito da importação de pneus usados, aplicou de forma emblemática o princípio do desenvolvimento sustentável, fazendo consignar, no voto-relator da Ministra Cármen Lúcia, que “o argumento (...) de que haveria afronta ao princípio da livre concorrência e da livre iniciativa por igual não se sustenta, porque, ao se ponderarem todos os argumentos expostos, conclui-se que, se fosse possível atribuir peso ou valor jurídico a tais princípios relativamente ao da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado preponderaria a proteção desses, cuja cobertura, de resto, atinge não apenas a atual, mas também as futuras gerações”. Na decisão do Plenário do STF, reconheceu-se a constitucionalidade da legislação que proíbe a importação de pneus usados, na mesma medida em que, na via transversa, se entendeu que a importação de pneus usados viola a proteção constitucional conferida ao ambiente. QUESTÃO VUNESP (Juiz de Direito RJ, 2016): “(...) Esse processo pode ser identificado, quando da consagração do princípio do desenvolvimento sustentável, respectivamente, pelo (...) C) Relatório Bruntland e Declaração do Rio/92”. (CERTA) 7.1. PRINCÍPIO DO CONSUMO SUSTENTÁVEL No plano internacional, o Princípio 8 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) dispõe que “para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas”. O conteúdo do princípio do poluidor-pagador, tomando seu sentido de forma ampla, não se dirige única e exclusivamente ao “fornecedor” de bens de consumo, mas também impõe responsabilidades ao consumidor de tais produtos ou serviços. Nesse contexto, assume relevo princípio do usuário-pagador, de acordo com o qual as práticas de consumo devem ser adequadas ao uso racional e sustentável dos recursos naturais, bem como à ampliação do uso de tecnologias limpas no âmbito dos produtos e serviços. A respeito do tema, dispõe a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), no seu art. 4º, inciso VII, que se visará “à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou 36 STJ, REsp 1.546.415 /SC, 2ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, j. 21.02.2019. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 30 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”. Assim como se espera o cumprimento, por parte dos entes estatais, de políticas públicas no sentido de “enquadrar” os fornecedores de produtos e serviços em padrões ecologicamente sustentáveis, há parcela de responsabilidade também a cargo dos consumidores para a efetivação de tal “enquadramento ecológico” das práticas de consumo. Além das escolhas de consumo feitas pelo consumidor fora da sua casa (por exemplo, nos supermercados e shoppings centers), o mesmo também deve empreender a utilização sustentável de recursos no seu âmbito “caseiro”, como energia, luz, água, além, é claro, de promover a coleta seletiva do seu lixo doméstico. A responsabilidade pós-consumo (ou responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos), consagrada expressamente (art. 6º, VII), na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), também reforça essa perspectiva, ou seja, os deveres jurídicos dos consumidores. O diploma em análise consagra o princípio do consumo sustentável no seu art. 6º, V, ao estabelecer, como princípio geral da PNRS: “a ecoeficiência, mediante a compatibilização entre o fornecimento, a preços competitivos, de bens e serviços qualificados que satisfaçam as necessidades humanas e tragam qualidade de vida e a redução do impacto ambiental e do consumo de recursos naturais a um nível, no mínimo, equivalente à capacidade de sustentação estimada do planeta”. Mais recentemente, a Lei 13.186/2015, que institui a Política de Educação para o Consumo Sustentável, com o objetivo de estimular a adoção de práticas de consumo e de técnicas de produção ecologicamente sustentáveis. O diploma, por sua vez, estabeleceu no seu art. 1º, paragrafo único, o conceito de consumo sustentável, o qual seria: “o uso dos recursos naturais de forma a proporcionar qualidade de vida para a geração presente sem comprometer as necessidades das gerações futuras”. A Lei 13.186/2015 também traçou os diversos objetivos da Política de Educação para o Consumo Sustentável, os quais revelam a forma de operacionalização do princípio do consumo sustentável, como, por exemplo, a mudança de atitude dos consumidores, a reutilização e reciclagem de produtos e embalagens, a rotulagem ambiental, a certificação ambiental, etc. Art. 2o São objetivos da Política de Educação para o Consumo Sustentável: I - incentivar mudanças de atitude dos consumidores na escolha de produtos que sejam produzidos com base em processos ecologicamente sustentáveis; II - estimular a redução do consumo de água, energia e de outros recursos naturais, renováveis e não renováveis, no âmbito residencial e das atividades de produção, de comércio e de serviços; Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 31 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - III - promover a redução do acúmulo de resíduos sólidos, pelo retorno pós-consumo de embalagens, pilhas, baterias, pneus, lâmpadas e outros produtos considerados perigosos ou de difícil decomposição; IV - estimular a reutilização e a reciclagem dos produtos e embalagens; V - estimular as empresas a incorporarem as dimensões social, cultural e ambiental no processo de produção e gestão; VI - promover ampla divulgação do ciclo de vida dos produtos, de técnicas adequadas de manejo dos recursos naturais e de produção e gestão empresarial; VII - fomentar o uso de recursos naturais com base em técnicas e formas de manejo ecologicamente sustentáveis; VIII - zelar pelo direito à informação e pelo fomento à rotulagem ambiental; IX - incentivar a certificação ambiental. 8. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO AMBIENTAL OU ECOLÓGICA DA PROPRIEDADE (E DA POSSE) O princípio da função ambiental ou ecológica da posse e da propriedade configura-se como sendo um princípio geral do Direito Ambiental. Assim como outrora a função social foi consagrada para limitar e redefinir o conteúdo do direito de propriedade, hoje também os valores e direitos ecológicos passam a conformar o seu conteúdo, com uma nova carga de deveres e obrigações correlatas ao seu exercício. A propriedade revela-se como um direito-dever fundamental (art. 5.º, XXIII, da CF/1988), visto que, associados ou conexos ao direito de propriedade conjugam-se diversos deveres que incidem sobre a conduta do seu titular, limitando o seu exercício em termos sociais e ecológicos (como, por exemplo, dever de exploração racional da terra, dever de manutenção do equilíbrio ecológico, dever de recuperação de área degradada, dever de não exploração dos trabalhadores etc.). Conforme dispõe o texto constitucional, no que tange à propriedade rural (mas tais diretrizes normativas também se aplicam em certo sentido à propriedade urbana37), a sua função social é cumprida quando atendidos aos seguintes requisitos, conforme disposição expressa do art. 186 da CF/1988: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 37 Art. 1.º, parágrafo único, do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001). Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 32 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - A consagração emergente do princípio (e valor constitucional) da solidariedade, como refere Miguel Reale38, ao comentar o “espírito” do Código Civil de 2002, alimenta a ideia de vinculação social do indivíduo- cidadão e, de certa forma, representa um resgate dos “deveres” (em face dos direitos subjetivos) diante do débito do pensamento jurídico liberal-clássico para com os mesmos. A “constitucionalização” do direito de propriedade, mediante a integração de outros valores e princípios fundamentais, juntamente com a consagração constitucional da sua função ecológica ou socioambiental (art. 186, II, da CF/1988), reforçou a noção de que existem deveres fundamentais de proteção ecológica os quais são impostos aos proprietários (e possuidores). O Código Civil de 2002 reconhece expressamente a função ambiental ou ecológica da propriedade no seu art. 1.228, § 1º, ao assinalar que “O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas” O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), no seu art. 1º, parágrafo único,39 assinala expressamente que o diploma “estabelece normas de ordem econômica e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”, revelando, assim, conteúdo similar ao dispositivo citado anteriormente do Código Civil de 2012 e transportando para o plano infraconstitucional a configuração deveres ecológicos do proprietário no exercício da sua titularidade. De modo complementar, a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), consagrou, de forma expressa, no seu art. 6º, parágrafo único, o princípio da função socioambiental da propriedade. Mais recentemente, o Novo Código Florestal de 2012 (Lei 12.651/12), reforçando a funcionalidade da propriedade e posse florestal e as deveres atribuídos ao seu titular, estabeleceu no seu art. 2º, § 2º, que “as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural”. O mesmo conteúdo aparece reproduzido no 7º, § 1º e § 2º, do diploma florestal, designadamente em relação às áreas de preservação permanente (APPs). Com isso, verifica-se que a legislação acabou incorporando orientação jurisprudencial já consolidada na jurisprudência do STJ, 38 Nesse enfoque, Miguel Reale comenta o princípio da socialidade como uma das características mais marcantes do novo Código Civil (2002), na medida em que o “espírito social” do novo diploma civilista faz prevalecer valores coletivos sobre os individuais (em oposição à matriz liberal-individualista do antigo diploma), sem nunca perder de vista o valor fundante da pessoa humana. REALE, Miguel. “Visão geral do projeto de Código Civil”. In: Revista dos Tribunais, v. 752, jun. 1998, p. 23. 39 “Art. 1.º (...) Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem econômica e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 33 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - no sentido de que o proprietário ou possuidor de imóvel sobre o qual, por exemplo, incida o regime da área de preservação permanente ou mesmo da reserva legal, estará obrigado (obrigação real ou propter rem) a repará-la mesmo que a degradação tenha tido origem em momento anterior e o seu antecessor tenha sido o responsável.40 Ainda no plano legislativo, é de se registrar que de acordo com o art. 3º, II, tem-se por área de preservação permanente (APP) a “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. No tocante à reserva legal, conforme dispõe o art. 3º, III, do novo diploma florestal, a mesma seria a “área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa”. Ambos os institutos (área de preservação permanente e reserva legal) concretizam o princípio da função ecológica da propriedade e da posse, vinculando inúmeros deveres de proteção ambiental ao exercício e fruição do direito pelo seu titular. Trabalhando com o conceito genérico de função ambiental, Antonio Herman Benjamin aponta para a existência de uma “trindade de deveres” inerente aoconceito de função, o que encontra expressão na imposição de condutas positivas (e não mais apenas negativas) ou múnus que vai além do mero “não poluir”, mas também toma forma de missão constitucional no dever de defender, no dever de reparar e no dever de preservar, sendo que este último estabelece para o cidadão tanto uma proibição (não poluir) quanto uma obrigação positiva (impedir também terceiros de poluírem).41 De igual modo, como assevera o autor, não há que falar em um direito adquirido de poluir,42 mas sim, onde a poluição se fizer presente, há o dever do proprietário ou possuidor da área degrada de tomar as medidas – negativas ou positivas – necessárias ao restabelecimento do equilíbrio ecológico no local. A função ambiental da propriedade e os correspondentes deveres fundamentais atribuídos ao seu titular tem encontrado – como já adiantado - guarida na jurisprudência do STJ, que consolidou entendimento no sentido ser incabível o pagamento de indenização ao proprietário de imóvel que tem o seu exercício limitado em razão do enquadramento da sua área em algum regime de proteção ambiental (notadamente, no caso de área de preservação permanente e reserva legal). Em outras palavras, o STJ compreende que 40 STJ, REsp 650.728/SC, 2.ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, j. 23.10.2007. Mais recentemente, v. REsp 1.237.071/PR, 2.ª T., rel. Min. Humberto Martins, j. 03.05.2011. 41 BENJAMIN, Função ambiental..., p. 56. 42 BENJAMIN, Antônio Herman. “Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira”. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MORATO LEITE, José Rubens (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 124-126. Em conformidade com a rejeição a um suposto “direito adquirido de poluir”, v. STJ, REsp 948.921/SP, 2.ª T., rel. Min Herman Benjamin, j. 23.02.2007. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 34 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - as limitações sofridas pelo titular do direito de propriedade (e possuidor) em relação a não utilização econômica e manutenção da reserva legal e da área de preservação permanente estão amparadas pela obrigação que o mesmo tem de manter o equilíbrio ecológico da área sobre seu domínio, de modo que não lhe cabe reivindicar qualquer indenização decorrente da limitação sofrida no exercício do seu direito. JURISPRUDÊNCIA STJ. Função ambiental ou ecológica da propriedade, reserva legal e área de preservação permanente. “PROCESSUAL CIVIL. DESAPROPRIAÇÃO. INDENIZAÇÃO. COBERTURA FLORÍSTICA. RESERVA LEGAL OU PRESERVAÇÃO PERMANENTE. OBSCURIDADE QUANTO À CLASSIFICAÇÃO DA ÁREA INDENIZADA. (...) 4. É firme a jurisprudência do STJ sobre a inindenizabilidade, como regra, das Áreas de Preservação Permanente, já que não passíveis de exploração econômica direta. Por sua vez, a Reserva Legal, onde se encontra vedado o corte raso da vegetação nativa, não pode ser indenizada como se fosse terra de livre exploração econômica. Cabe, nesse caso, ao proprietário provar o uso lícito. (...) (STJ, REsp 146.356/SP, 2.ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, j. 28.08.2009)”. “DESAPROPRIAÇÃO DIRETA. IMÓVEL SITUADO NA ESTAÇÃO ECOLÓGICA JUREIA-ITATINS. INDENIZAÇÃO PELA COBERTURA FLORÍSTICA. IMPOSSIBILIDADE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IMPOSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO ECONÔMICA ANTERIOR AO DECRETO EXPROPRIATÓRIO. (...). 1. A indenização pela cobertura vegetal de imóvel desapropriado revela-se indevida quando, anteriormente à mencionada desapropriação, sua exploração econômica já se encontrava impossibilitada, salvo comprovação pelo proprietário, mediante o ajuizamento de ação própria, no sentido de que o mencionado decreto acarretou limitação administrativa mais extensa do que aquelas já existentes à época da sua edição. 2. A criação da ‘Estação Ecológica Jureia-Itatins’, por intermédio de decreto estadual, segundo orientação firmada por esta e. Corte, não acrescentou qualquer limitação àquelas preexistentes, engendradas em outros atos normativos (Código Florestal, Lei do Parcelamento do Solo Urbano), que já vedavam a utilização indiscriminada da propriedade. Precedentes jurisprudenciais do STJ: (REsp 784.106/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 22.03.2007; REsp 503.418/SP, Rel. p/ Acórdão Min. João Otávio de Noronha, DJ 07.03.2007; REsp 595.748/SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 17.08.2006) 3. Restou assentado no v. aresto hostilizado que: Mesmo antes da implantação da Estação Ecológica de Jureia-Itatins, os expropriados, por força do Código Florestal, já não podiam usufruir em sua integralidade da área objeto da ação, posto que considerada de preservação permanente. De fato, as florestas e demais formas de vegetação natural, localizadas ao longo dos cursos e reservatórios de água, nas elevações, nas encostas, nas restingas, nas bordas de tabuleiros ou chapadas, nas altitudes acima de 1.800 metros, encontram-se protegidas e não podem ser utilizadas, porque submetidas a regime de preservação, conforme art. 2.º, do Código Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 35 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Florestal (Lei 4.771/65). (...). (STJ, AgRg no REsp 873.179/SP, 1.ª T., rel. Min. Luiz Lux, j. 21.05.2009). “ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE AMBIENTAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO À MENOR PATAMAR PROTETIVO. FATO CONSUMADO. INVIÁVEL EM MATÉRIA AMBIENTAL. 1. Na origem, trata-se de ação declaratória ajuizada pelo recorrido contra a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, na qual, o requerente sustentou que, sendo legítimo proprietário dos imóveis descritos na inicial, diligenciou perante o órgão competente visando autorização para a supressão da vegetação da área, recebendo orientação de que tais procedimentos estão submetidos à Resolução SMA-14, de 13 de março de 2008, que estabeleceu fatores condicionantes para tal fim. Diante da situação, na exordial, arguiu a inaplicabilidade das normas suscitadas, tendo em vista a superveniência da legislação ambiental ante a aquisição da propriedade e a aplicabilidade mitigada do Código Florestal às áreas urbanas. 2. Inicialmente, é importante elucidar que o princípio da solidariedade intergeracional estabelece responsabilidades morais e jurídicas para as gerações humanas presentes em vista da ideia de justiça intergeracional, ou seja, justiça e equidade entre gerações humanas distintas. Dessa forma, a propriedade privada deve observar sua função ambiental em exegese teleológica da função social da propriedade, respeitando os valores ambientais e direitos ecológicos. 3. Noutro ponto, destaco a firme orientação jurisprudencial desta Corte de que “a proteção ao meio ambiente não difere área urbana de rural, porquanto ambas merecem a atenção em favor da garantia da qualidade de vida proporcionada pelo texto constitucional, pelo Código Florestal e pelas demais normas legais sobre o tema” (REsp 1.667.087/RS, de minha relatoria, Segunda Turma, julgado em 7/8/2018, DJe 13/8/2018). 4. Na espécie, não há um fato ocorrido antes da vigência do novo Código Florestal, a pretensão de realizar supressão da vegetação e, consequentemente, a referida supressão vieram a se materializar na égide do novo Código Florestal. Independentemente da área ter sido objeto de loteamento em 1979 e incluída no perímetro urbano em 1978, a mera declaração de propriedade não perfaz direito adquirido a menor patamar protetivo. Com efeito, o fato da aquisição e registro da propriedadeser anterior à vigência da norma ambiental não permite o exercício das faculdades da propriedade (usar, gozar, dispor, reaver) em descompasso com a legislação vigente. 5. Não há que falar em um direito adquirido a menor patamar protetivo, mas sim no dever do proprietário ou possuidor de área degrada de tomar as medidas negativas ou positivas necessárias ao restabelecimento do equilíbrio ecológico local. 6. Recurso especial provido”. (STJ, REsp 1.775.867/SP, 2ª T., Rel. Min. Og Fernandes, j. 16.05.2019) Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 36 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 9. PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA No âmbito do constitucionalismo contemporâneo, o princípio democrático assume a condição de princípio estruturante e indissociável da moderna noção de Estado Constitucional, este compreendido como um Estado Democrático de Direito, tal como solenemente enunciado no art. 1º da CF/1988. Mas o Estado Democrático consagrado pelo nosso constituinte é também um Estado Ecológico de Direito, para o qual o conteúdo do princípio democrático implica, para além de um conjunto de princípios e regras de matriz procedimental, um determinado conteúdo, já que a legitimidade se afere com base nessa dupla perspectiva, procedimental e substancial. A democracia exige uma peculiar e forte noção de cidadania, que, como dá conta o art. 1º, II, da CF/1988, também foi erigida à condição de princípio fundamental do nosso Estado de Direito contemporâneo. Não por outra razão, o parágrafo único do art. 1º acima citado assinala que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. A expressão “diretamente”, portanto, agrega a dimensão de uma democracia participativa, abrindo espaço para a intervenção direta dos cidadãos nas decisões políticas no âmbito de todos os poderes republicanos (Legislativo, Executivo e Judiciário). Em linhas gerais, a criação e o aprimoramento de mecanismos capazes de propiciar a participação pública no âmbito da atuação dos três poderes republicanos asseguraram maior controle social sobre as atividades públicas. Isso, por certo, ganha especial relevância em questões que envolvam direitos fundamentais, como é o caso da proteção ambiental. Para reforçar a importância da participação pública na temática, destaca-se a natureza de interesse público primário que permeia a questão ecológica, por força especialmente da natureza difusa do bem jurídico ambiental. Por congregar o interesse de toda a coletividade, a tutela ecológica sempre teve como característica marcante o envolvimento e engajamento de atores não estatais, notadamente das organizações não governamentais. O protagonismo da sociedade civil na seara da política ambiental contribuiu significativamente para o aprimoramento dos mecanismos de participação da sociedade, em termos individuais e coletivos, em todas as esferas públicas (legislativa, administrativa e judicial). Da parte do Estado, como corolário do seu dever constitucional de proteção ecológica, cumpre ao mesmo facilitar e dar condições concretas para que a participação pública na tomada de decisões em matéria ambiental se dê de forma qualificada, com a disponibilização, pelos órgãos públicos, de toda a informação ambiental disponível e pertinente, o que é hoje reforçado pela nova Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011). Só a partir desse “exercício democrático” constante e reforçado, dando voz e oportunidade efetiva de participação à sociedade civil, é que estará plenamente atendido o comando constitucional inscrito no caput do art. 225 da CF/88, ao determinar que é dever de todos – Estado e coletividade - a defesa e preservação do ambiente para as presentes e futuras gerações. O Estado de Direito contemporâneo a luz da Constituição Ecológica de 1988, ao consolidar uma democracia Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 37 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - participativa ecológica, pressupõe uma sociedade civil politizada, criativa e protagonista do cenário político estatal, reclamando por um cidadão autônomo e participativo, portanto, não submisso à máquina estatal e ao poder econômico. O princípio (e o correlato dever e direito) da participação pública, portanto, assume a feição de princípio geral do Direito Ambiental. Na medida em que a degradação ambiental em termos locais, regionais e planetários aproxima-se de um quadro limite e preocupante, como bem ilustra os casos do aquecimento global e da perda massiva de biodiversidade, não se pode conceber um cidadão apático ou mesmo conformado com os rumos trágicos delineados pela crise ecológica contemporânea. Para tanto, é imperativo conceber um cidadão comprometido com tal momento histórico e que atue de forma decisiva no rumo civilizatório, a fim de reverter esse quadro em favor do interesse comum e planetário. Registra-se, ainda, que a partir do comando constitucional do caput do art. 225, a defesa do ambiente pela sociedade civil não se constitui apenas de mero voluntarismo e altruísmo de uns poucos idealistas, mas toma a forma de dever jurídico fundamental, revelando a dupla natureza de direito e dever fundamental da abordagem constitucional conferida à proteção do ambiente. Isso tudo, de acordo com o que sinalizamos antes, consolida o marco político-normativo de uma democracia participativa ecológica. 9.2. OS TRÊS PILARES DO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA EM MATÉRIA AMBIENTAL À LUZ DA DECLARAÇÃO DO RIO (1992), DA CONVENÇÃO DE AARHUS (1998) E DO ACORDO DE ESCAZÚ (2018) A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) consagrou de forma emblemática o principio da participação publica em matéria ambiental no seu Princípio 10, tornando-se, sem dúvida, a norma internacional referencial para a conformação do conteúdo inerente a tal principio. Assinala o dispositivo citado: “A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos”. No dispositivo citado, é possível identificar os três elementos-chave ou pilares que alicerçam o conceito e o conteúdo do princípio da participação pública em matéria ambiental: a) acesso à informação ambiental; Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 38 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - b) participação pública na tomada de decisões; e c) acesso à justiça em matéria ambiental. Os pilares conformadores do regime jurídico de participação ecológica citados dão forma aos denominados direitos ambientais procedimentais, como faceta da própria proteção constitucional do ambiente e da sua natureza de direito-dever fundamental, apresentam cada vez maior importância no âmbito do Direito Ambiental. Pode-se falar até mesmo de uma “onda renovatória”,apropriando-nos da expressão cunhada em obra clássica sobre acesso à justiça por Mauro Cappelletti e Bryant Garth43, do marco normativo ambiental capitaneada pelos direitos ambientais procedimentais, também denominados pela doutrina como direitos ambientais de acesso ou direitos ambientais de participação44, cujo escopo maior reside justamente na efetivação da legislação ambiental por meio de uma participação mais ativa da sociedade, exercendo maior controle sobre as práticas poluidoras (ou potencialmente poluidoras) do ambiente perpetradas por agentes públicos e privados, inclusive tendo por premissa a concepção de uma cidadania ecológica. Posteriormente ass Declaração do Rio (1992), a Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informação, Participação Pública na Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria Ambiental (1998), muito embora o seu espectro limitado inicialmente ao âmbito europeu (mas posteriormente ampliado para o plano global), tratou de forma ampla sobre o tema, consagrando a chamada “tríade” dos direitos ambientais procedimentais. No ano de 2018, os direitos ambientais procedimentais foram objeto, de forma paradigmática, do Acordo Regional de Escazú América Latina e Caribe sobre Acesso a Informação, Participação Publica e Acesso ass Justiça em matéria Ambiental, com força vinculante, aprovado no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) da ONU.45 No tocante ao acesso à justiça, é importante destacar que o mesmo não é sinônimo de acesso ao Poder Judiciário. Trata-se de conceito mais amplo, tanto que o Princípio 10 faz questão de deixar claro isso, ao dispor que será assegurado “acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos”. Quando trata dos mecanismos administrativos, o dispositivo em questão abre o seu leque normativo para além do espectro judicial. De certa forma, o acesso à justiça em questões ambientais cumpre um papel que se pode denominar de “subsidiário”, pois somente quando a “participação pública bem informada” não tiver força suficiente para afastar situações de lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico ambiental no 43 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 11-12. 44 A doutrina também utiliza a expressão “direitos humanos procedimentais” (procedural human rights), destacando a tríade de direitos relacionados a tal conceito: acesso à informação, participação pública e acesso à justiça (ANTON, Donald K.; SHELTON, Dinah L. Environmental protection and human rights. Cambridge: Cambridge University Press, 2011, p. 356 e ss.). Na doutrina brasileira, acerca dos direitos ambientais procedimentais, v. MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Participação, processo civil e defesa do meio ambiente. São Paulo: Letras Jurídicas, 2011. 45 Disponível em: https://www.cepal.org/pt-br/comunicados/america-latina-o-caribe-adotam-seu-primeiro-acordo-regional- vinculante-protecao-direitos. Acesso em: 08.03.2019. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 39 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - âmbito extrajudicial é que a via judicial deverá acionada para corrigir essa situação. Esse raciocínio está de acordo com certa tendência contemporânea verificada no cenário jurídico brasileiro, com o propósito de priorizar a resolução extrajudicial dos conflitos. A utilização do Poder Judiciário para solucionar conflitos ambientais (em especial no tocante ao manuseio dos instrumentos processuais coletivos) deve ser utilizada apenas como última salvaguarda, ou seja, somente quando as demais instâncias (legislativa e administrativa) tenham fracassado para impedir a degradação ecológica. Por fim, traçadas as primeiras considerações sobre o princípio da participação pública em matéria ambiental e os seus três pilares, iremos, a partir de agora, analisar cada um deles de forma específica e com maior desenvolvimento. 9.2.1. A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NA TOMADA DE DECISÕES EM MATÉRIA AMBIENTAL Os procedimentos e instrumentos administrativos de que dispõem os titulares do direito fundamental ao ambiente ou mesmo os entes públicos (Ministério Público, Defensoria Pública, IBAMA, etc.) ou privados (indivíduos, organizações não governamentais de defesa ecológica, movimentos populares, etc.) legitimados para promover a sua tutela e promoção podem ser compreendidos, portanto, como projeções normativas da perspectiva procedimental suscitada, uma vez que são cruciais para assegurar a efetivação da legislação ambiental e salvaguardar o direito em si na hipótese de sua violação ou ameaça de violação. Há a configuração de um verdadeiro dever do Estado no sentido de criar tais vias processuais ou procedimentais necessárias à efetivação do direito fundamental ao ambiente e, da mesma forma, assegurar a participação pública em tais questões, tanto na esfera administrativa quanto judicial. Em sintonia com essa afirmação, J. J. Gomes Canotilho assevera que os direitos procedimentais ambientais expressam-se sob a forma de direitos de informação, direitos de participação e direitos de ação judicial.46 Ao Estado cabe assegurar a fruição adequada desses direitos procedimentais ou processuais ambientais por parte do público interessado, tanto pelo prisma individual quanto coletivo. Muito embora o conceito de “público” seja amplo, há, na seara ambiental, tanto em âmbito nacional quanto internacional, verdadeiro protagonismo das organizações não governamentais ambientais47, não obstante a participação individual das pessoas também ocorrer em diversas situações, inclusive no campo da reivindicação judicial da proteção do ambiente (como ocorre, no ordenamento jurídico brasileiro, por intermédio do ajuizamento de ações populares). A importância das organizações não governamentais (e também das entidades científicas) foi ressaltada no Relatório Nosso Futuro Comum (1987). De acordo com o documento, 46 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “O direito ao ambiente como direito subjetivo”. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 187. 47 Na doutrina comparada, a respeito da importância e do papel das associações civis de defesa do ambiente, v. PRIEUR, Droit de l’envitonnement..., p. 137 e ss. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 40 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - “os grupos científicos e as ONGs desempenharam papel de destaque no movimento em prol do meio ambiente desde o início”, de modo que “as organizações não governamentais e grupos de cidadãos foram pioneiros no despertar da consciência pública e na iniciativa de pressões políticas que estimularam os governos a agir”. 48 (...) “é preciso que os governos reconheçam e ampliem o direito das ONGs de possuir e ter acesso a informações sobre o meio ambiente e os recursos naturais, bem como seu direito de serem consultadas e de participarem das decisões sobre atividades que podem ter efeitos significativos sobre seu meio ambiente, e de disporem de recursos legais para serem indenizadas quando a saúde das pessoas e meio ambiente forem seriamente afetados”.49 O art. 70, § 2º, da Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais (Lei 9.605/98) bem ilustra essa condição político-participativa dos cidadãos em matéria ambiental, ao reconhecer que “qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia”, bem como, de modo complementar, no § 3º do mesmo dispositivo, que “autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuraçãoimediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de corresponsabilidade”. Ou seja, além do próprio caput do art. 225 da CF/1988, que estabelece o dever da coletividade no tocante à proteção ambiental, a legislação infraconstitucional também se encarrega de estabelecer um regime jurídico adequado para que a participação dos cidadãos na proteção ambiental. A Lei da Ação Popular (Lei 4.717/65 e art. 5º, LXXIII, da CF/88), a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e a Lei do Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) são bons exemplos normativos desse paradigma participativo ecológico, pois colocam ao acesso do público interessado mecanismos eficientes de controle e participação em temas afetos ao ambiente. O princípio da participação pública aparece consagrado em diversos dispositivos da legislação ambiental brasileira no plano infraconstitucional. De modo pioneiro, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) estabeleceu, no seu art. 4º, V, como objetivos PNMA a “difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico”. Mais recentemente, a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) consagra, no seu art. 6º, parágrafo único, como princípios norteadores do seu regime jurídico, a transparência das informações e atos, a gestão democrática, a celeridade procedimental e a gratuidade dos serviços administrativos prestados ao 48 Relatório Nosso futuro comum…, p. 365. 49 Idem, p. 367. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 41 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - pequeno produtor rural e às populações tradicionais. A Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009) reconhece, no seu art. 3º, caput, como princípio da PNMC, a participação cidadã. A Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), com o mesmo propósito, arrola como princípio da PNRS, a “cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade” (inciso VI), e o “direito da sociedade à informação e ao controle social” (inciso X). No tocante aos instrumentos legislativos de participação pública ambiental, registram-se, entre outros, além do direito de sufrágio ativo e passivo, a iniciativa popular de lei (arts. 14, III, 29, XIII, e 61, § 2º, da CF/1988), o plebiscito (art. 14, I, da CF/1988 e Lei 9.709/98) e o referendo (art. 14, I, da CF/1988 e Lei 9.709/98I). Muito embora não se tenha visto com frequência a utilização desses instrumentos de participação na nossa práxis política, com exceção, por óbvio, do tradicional direito de voto para escolha dos cargos eletivos do legislativo e executivo, é possível a utilização dos mesmos com propósitos ecológicos. No campo da Administração Pública, há também inúmeros instrumentos administrativos catalisadores da participação pública em matéria ambiental. O paradigma democrático-participativo deve conduzir as práticas administrativas, abrindo espaço para a participação pública. Entre os instrumentos administrativos com viés ambiental que autorizam e potencializam a participação pública, destacam-se a publicação do estudo e relatório de impacto ambiental (EIA-RIMA) no âmbito do licenciamento ambiental (art. 225, § 1º, IV, da CF/88, art. 9º, III, e art. 10, caput e § 1º, da Lei 6.938/81 e Resoluções 01/86, 06/86 e 237/97 do CONAMA), inclusive com a previsão de realização de audiência pública (Resolução 09/87 do CONAMA), o direito de petição aos órgãos públicos reivindicando acesso à informação ambiental (art. 5º, XXXIII, da CF/1988 e Lei 12.527/2011), a participação da sociedade civil nos órgãos colegiados ambientais (art. 39, IV e V, da Lei 9.433/97). A título de exemplo, o art. 11 da Resolução 01/86 do CONAMA dispõe que “respeitado o sigilo industrial, assim solicitado e demonstrado pelo interessado, o RIMA será acessível ao público. Suas cópias permanecerão à disposição dos interessados, nos centros de documentação ou bibliotecas da SEMA e do órgão estadual de controle ambiental correspondente, inclusive durante o período de análise técnica”. O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) configura-se como o mais importante órgão colegiado de âmbito nacional, com competência, entre outras, de estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do ambiente com vistas ao uso racional e sustentável dos recursos naturais, conforme dispõe o art. 8º, VII, da Lei 6.938/81. Portanto, a presença da sociedade civil organizada na composição do CONAMA constitui importante mecanismo de participação pública e de cooperação entre governo e sociedade, propiciando o debate de temas ambientais relevantes entre representantes da União, dos Estados e Municípios, da iniciativa privada e de organizações da sociedade civil. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 42 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Outro exemplo relevante de participação pública em órgãos colegiados de natureza ambiental diz respeito aos Comitês de Bacia Hidrográfica, que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos estabelecido pela Lei 9.433/97. Há, nesse sentido, a previsão, no art. 39, IV e V, do referido diploma, que os mesmos serão compostos não apenas por representantes de setores públicos, mas também pelos usuários de sua área de atuação e das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia, além das comunidades indígenas ali residentes ou com interesse na bacia, quando for o caso (art. 39, § 3º, II). De acordo com o art. 1º da Resolução 09/87 do CONAMA, que dispõe especificamente sobre as audiências públicas, as mesmas têm “por finalidade expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito”. Segundo o art. 2º do mesmo diploma, “sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por cinquenta ou mais cidadãos, o órgão de meio ambiente promoverá a realização de audiência pública”, bem como, § 1º do mesmo dispositivo, que, com o recebimento do relatório de impacto ambiental (RIMA), o órgão público ambiental responsável publicará e anunciará pela imprensa local a abertura de prazo de 45 dias para a solicitação de audiência pública para a discussão do empreendimento. 50 Também a Lei 9.784/99, que institui procedimento administrativo no âmbito federal, estabeleceu, no seu art. 32, a realização de audiência pública como parte do procedimento instrutório, o que também incide em matéria ambiental. Mais recentemente, o art. 15 da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), prevê que “a CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida participação da sociedade civil, na forma do regulamento. Parágrafo único. Em casos de liberação comercial, audiência pública poderá ser requerida por partes interessadas, incluindo-se entre estas organizações da sociedade civil que comprovem interesse relacionado à matéria, na forma do regulamento”. 9.2.3. O ACESSO À INFORMAÇÃO AMBIENTAL “A Política Nacional do Meio Ambiente visará: (...) V – à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico” (Art. 4º, V, da Lei 6.938/81). O acesso à informação ambiental51 constitui componente essencial do exercício pleno da democracia participativaecológica e, portanto, além de um dos pilares do princípio da participação pública, assume 50 O Código Estadual do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Estadual 11.520/00) prevê, nos seus arts. 84 e 85, a obrigatoriedade da realização de audiência pública nos casos de avaliação do impacto ambiental de empreendimentos, quando solicitada por uma entidade governamental ou não-governamental legalmente constituída, por 50 pessoas ou pelo Ministério Público Estadual ou Federal, sob pena de a licença concedida não ter validade. O dispositivo ainda assegura a garantia de manifestação a todos os interessados devidamente inscritos. 51 Sobre a temática da informação em matéria ambiental, v., por todos, MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito à informação e meio ambiente. São Paulo: Malheiros, 2006. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 43 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - também a condição de direito fundamental, que, ademais de assegurado em caráter geral pelo artigo 5º, XIV, da CF/1988, apresenta uma dimensão particularmente relevante na esfera da proteção ambiental. Somente o cidadão devidamente informado e consciente da realidade e da problemática ambiental é capaz de atuar de forma qualificada no processo político, ensejando a autonomia e autodeterminação da sua condição político-participativa. O acesso à informação está diretamente relacionado à própria esfera de liberdade do indivíduo. Especialmente num mundo como o de hoje, onde a informação circula de forma desordenada e complexa, somente o acesso à informação possibilitará ao indivíduo e à coletividade como um todo (as entidades ambientalistas, movimentos populares, etc.) tomarem partido no jogo político ambiental. O acesso à informação ambiental diz respeito ao acesso à informação sobre determinados dados e fatos relativos a alguma atividade ou empreendimento. Segundo conceituação trazida pelo Acordo de Escazú (2018), no seu art. 2, c: “por ‘informação ambiental’ entende-se qualquer informação escrita, visual, sonora, eletrônica ou registrada em qualquer outro formato, relativa ao meio ambiente e seus elementos e aos recursos naturais, incluindo as informações relacionadas com os riscos ambientais e os possíveis impactos adversos associados que afetem ou possam afetar o meio ambiente e a saúde, bem como as relacionadas com a proteção e a gestão ambientais”. O constituinte brasileiro de 1988 mostrou-se preocupado com a questão do acesso à informação de um modo geral, ao consagrar duas garantias individuais: primeiramente, como já destacado, mediante a norma contida no inciso XIV do art. 5º da CF/1988, ao estabelecer que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Soma-se a tal garantia a previsão contida no inciso XXXIV do mesmo dispositivo constitucional, dispondo que “são a todos assegurados, independentemente de taxas: a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder, e b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para a defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”. Os dispositivos citados, conforme veremos logo à frente, foram regulamentados no plano infraconstitucional pela Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011). Especificamente em relação à informação ambiental, pode-se destacar o art. 225, § 1º, da CF/1988, que estabelece o dever do Poder Público, como forma de assegurar efetividade do direito fundamental ao ambiente: “exigir, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade” (inciso IV); e “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (inciso VI). Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 44 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - O marco delineado pela Constituição Ecológica de 1988, conforme destacado no parágrafo antecedente, atribui deveres ao Estado que repercutem na esfera da informação ambiental, assumindo a condição de verdadeiros deveres estatais de informação ambiental. Os deveres estatais em questão encontram- se reconhecidos no Princípio 19 da Declaração do Rio (1992), ao declarar que “os Estados fornecerão, oportunamente, aos Estados potencialmente afetados, notificação prévia e informações relevantes acerca de atividades que possam vir a ter considerável impacto transfronteiriço negativo sobre o meio ambiente, e se consultarão com estes tão logo seja possível e de boa fé”. Os mesmos deveres estatais de informação consagrados no dispositivo citado também encontram incidência no plano doméstico dos Estados-Nação e tem como beneficiários a coletividade em geral, indivíduos, entidades ambientalistas, etc. No plano da legislação infraconstitucional, talvez os exemplos que melhor expressam esse dever de informação a cargo do Estado sejam a exigência de publicização do estudo de impacto ambiental e do relatório de impacto ambiental (EIA-RIMA), previsto na Lei 6.938/81 (art. 10, § 1º) e na CF/88 (art. 225, § 1º, IV)52, bem como, na condição de instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, a criação do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente (art. 9º, VII, da Lei 6.938/81) e a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo IBAMA (art. 9º, X, da Lei 6.938/81). Com o mesmo propósito de assegurar acesso à informação de natureza ambiental, o art. 5º, VI, da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97), estabeleceu, como instrumento da PNRH, a criação do Sistema de Informação sobre Recursos Hídricos. Outro exemplo peculiar a respeito da informação ambiental é a situação prevista no art. 40 da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), ao determinar que “os alimentos e ingredientes destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados ou derivados deverão conter informação neste sentido em seus rótulos, conforme regulamento”. Mais recentemente, o Novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012) também trouxe alguns pontos interessantes em reforço ao acesso à informação ambiental. O primeiro deles diz respeito à criação do Cadastro Ambiental Rural, de modo integrado ao SINIMA. Segundo seu art. 29 “é criado o Cadastro Ambiental Rural - CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente - SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”. De modo complementar, o art. 35 da legislação florestal estabelece mecanismos voltados ao controle da origem dos produtos florestais. Ainda nesse contexto, merece destaque a Lei do Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), que representou 52 “Art. 225 (...) § 1º (...) IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 45 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - um marco extremamente significativo na edificaçãode um sistema público de acesso à informação com forte índole democrático-participativa. De modo complementar à Lei de Acesso à Informação Ambiental (Lei 10.650/2003), a Lei 12.527/2011 regulamenta, no plano infraconstitucional, o inciso XXXIII do art. 5º, o inciso II do § 3º do art. 37 e o § 2º do art. 216 da CF/1988. 9.2.3. ACESSO À JUSTIÇA EM MATÉRIA AMBIENTAL Herman Benjamin refere que, como benefício substantivo da “constitucionalização” da proteção do ambiente, deve-se “ampliar os canais de participação pública, sejam os administrativos, sejam os judiciais”, com o afrouxamento do formalismo individualista especialmente para os procedimentos judiciais, que é a marca da legitimação para agir tradicional.53 O Ministro do STJ defende o entendimento de que, em alguns casos, conforme a dicção utilizada pelo legislador constitucional, “essa legitimação ampliada pode vir a ser automaticamente aceita pelo Poder Judiciário, sem necessidade de intervenção legislativa”54. A ampliação da legitimidade para a propositura de ações judiciais, especialmente daquelas que veiculam a tutela de direitos difusos e coletivos, como é o caso da ação civil pública, está em sintonia com a concretização do princípio democrático e da garantia do acesso à justiça. A atuação judicial crescente dos cidadãos, individualmente ou por meio de entidades coletivas (associações civis, etc.) ou mesmo entes estatais (Ministério Público, Defensoria Pública, PROCON, IBAMA55, etc.), deve ser tida como uma legítima forma de atuação política, compatível com os ditames de uma democracia participativa, a qual, inclusive, é referida por alguns também como um direito fundamental.56 No ordenamento jurídico brasileiro, há inúmeros instrumentos processuais que potencializam e podem ser utilizados com esse viés participativo-ambiental. Sem dúvida, as duas principais ações que tradicionalmente veiculam a proteção do ambiente são a ação civil púbica (Lei 7.347/85) e a ação popular (art. 5º, LXXIII, da CF/1988 e Lei 4.717/65). Inúmeros outros instrumentos processuais também podem ser acionados para o mesmo propósito. Esse é o caso do mandado de segurança individual e coletivo (art. 5º, LXIX e LXX, da CF/1988), das ações voltadas ao controle concentrado de constitucionalidade, como é o caso da ação direta de inconstitucionalidade - ADI e da ação declaratória de constitucionalidade - ADC (Lei 9.868/99), do mandado de injunção individual e coletivo (art. 5º. LXXI, da CF/1988 e Lei 13.300/2016), da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º, da CF/1988 e Lei 9.898/99) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF (Lei 9.882/99). Até mesmo as ações que 53 BENJAMIN, Constitucionalização do ambiente..., p. 76. 54 Idem, p. 76. 55 A legitimidade do IBAMA para propor ação civil pública resultou reconhecida jurisprudencialmente em: STJ, REsp 789.640/ PB, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 27.10.2009. 56 BONAVIDES, Curso de direito constitucional..., p. 525. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 46 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - tutelam direitos de vizinhança, em alguma medida, permitem ao cidadão, de forma individual, promover a tutela ecológica.57 Mais recentemente, registra-se a crescente utilização de instrumentos participativos no campo judicial como a audiência pública judicial e o instituto do amicus curiae (art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/99). STF E AUDIÊNCIAS JUDICIAIS AMBIENTAIS O STF, nesse sentido, tem nos dado um exemplo emblemático já desde 2007 e capitaneado a realização de audiências públicas judiciais, permitindo a participação das diversas partes interessadas, notadamente em questões de grande envergadura social, como comumente ocorre com as questões ecológicas, já que veiculam o interesse de toda a coletividade. Especificamente sobre temas que direta ou indiretamente estão relacionados à proteção ambiental, destacam-se as seguintes audiências públicas: 1) Pesquisas com células-tronco embrionárias, em 20 de abril de 2007, referente à ADI 3.510; 2) Importação de pneus usados, em 27 de junho de 2008, referente à ADPF 101; 3) Proibição do uso de amianto, em 24 e 31 de agosto de 2012, referente à ADI 3.937; 4) Campo Eletromagnético de Linhas de Transmissão de Energia, em 6, 7 e 8 de março de 2013, referente ao RE 627.189; 5) Queima da palha da cana-de-açúcar, 22 de abril de 2013, referente ao RE 586.224; e 7) Novo Código Florestal, em 18 de abril de 2016, referente às ADI n. 4.901, ADI n. 4.902, ADI n. 4.903 e ADI n. 4.937. A realização de audiências públicas judiciais pelo STF é um exemplo paradigmático para o nosso Sistema de Justiça, abrindo importantíssimo instrumento de participação pública (e também de acesso à informação) na seara judicial. A temática ecológica, conforme se pode verificar dos exemplos trazidos, têm suscitado temas de grande relevância social e ocupado grande espaço no nosso Poder Judiciário, sendo fundamental que a condução de tais ações judiciais permita a participação pública na tomada de decisões judiciais em matéria ambiental. Espera-se, por certo, que outras instâncias judiciais também se sintam estimuladas a seguir o exemplo do STF e promover audiências públicas judiciais, especialmente no curso de ações coletivas58 e ações voltadas ao controle concentrado de constitucionalidade. 57 PURVIN DE FIGUEIREDO, Guilherme José. A propriedade no direito ambiental. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 107 e ss. 58 De acordo o espírito democrático-participativo que deve permear os processos coletivos em matéria ambiental, destaca-se decisão emblemática do Juiz Federal Zenildo Bodnar da Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual da Circunscrição Judiciária de Florianópolis, Proc. 2004.72.00.013.781-9/SC, no sentido de convocar audiência judicial participativa, no âmbito de ação civil pública ambiental, sob a alegação de que “é fundamental que o cidadão tenha oportunidade de participar, como sujeito ativo e protagonista das decisões ambientais, por intermédio das audiências públicas judiciais, contribuindo para o tratamento adequado das lides ambientais. A democratização do acesso à justiça ambiental, com ampla participação popular, é a melhor forma de legitimar a atuação do Poder Judiciário na tutela do ambiente e também servirá como mecanismo estratégico de Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 47 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - O instituto jurídico-processual do amicus curiae (ou “amigo da Corte”), de modo similar ao que tem ocorrido nas audiências públicas judiciais promovidas pelo STF, também tem tido a sua utilização crescente no plano judicial brasileiro, permitindo que um terceiro interessado (por exemplo, uma entidade ambientalista ou entidade de cunho acadêmico ou científico) intervenha no processo de tomada de decisão judicial, frequentemente, em defesa dos interesses de grupos por ele representados, lançando informações por meio de parecer e sustentação oral sobre a questão jurídica controvertida. O fundamento legal do instituto é o art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/99 (e, mais recentemente, também o art. 138 do NCPC), ao prever que: “o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”. A função da figura do amicus curiae, de acordo com a lição de Ingo W. Sarlet, Luiz G. Marinoni e Daniel Mitidiero, “é contribuir para a elucidação da questão constitucional por meio de informes e argumentos,favorecendo a pluralização do debate e a adequada e racional discussão entre os membros da Corte, com a consequente legitimação social da decisão”.59 AMICUS CURIAE NO NCPC 2015: o NCPC inovou de forma significativa na matéria ao consagrar expressamente o instituto do amicus curiae, possibilitando sua aplicação para todo o espectro de ações processuais, não mais restrito, portanto, ao plano das ações constitucionais, desde que, é claro, preenchidos os requisitos trazidos pelo diploma processual. De acordo com o art. 138 do NCPC, “o juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação”. 60 A ação popular, nesse contexto processual-participativo, é um dos instrumentos processuais com maior amplitude democrática. Diferentemente de outros instrumentos, notadamente no âmbito do processo civil coletivo (como se verifica na hipótese da ação civil pública), a legitimidade para a propositura da ação popular é conferida ao cidadão, o que, do ponto de vista subjetivo, configura-se a partir da sua condição político-jurídica de eleitor. Portanto, não há a necessidade de “mediação”, ou seja, substituição processual por parte de outras entidades (por exemplo, o Ministério Público ou a Defensoria Pública), para a propositura da referida ação. Aí (e no seu objeto) reside o seu caráter altamente democrático- conscientização e educação ambiental” (In: Revista de Direito Ambiental, n. 46. São Paulo: RT, Abr-Jun, 2007, p. 357-363). 59 SARLET, Ingo W.; MARINONI, Luiz G.; MITIDIERO, Daniel. 5. ed. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1110. 60 De modo complementar, regulamenta o art. 138 do NCPC nos seus parágrafos que: “§ 1.º A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3.º. § 2.º Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. § 3.º O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas”. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 48 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - participativo. A ação popular foi consagrada no ordenamento jurídico brasileiro por meio da Lei 4.717/65. No entanto, a ampliação do seu objeto para abarcar outros bens jurídico, como, por exemplo, a proteção ambiental, antes circunscrito à proteção do erário público, somente ocorreu com a edição da Lei Fundamental de 1988. Dispõe o art. 5º da CF/1988, LXXIII, que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”. JURISPRUDÊNCIA STJ. AÇÃO POPULAR: “ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. INTERESSE DE AGIR. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. MATÉRIA CONSTITUCIONAL (...) 3. A ação popular pode ser ajuizada por qualquer cidadão que tenha por objetivo anular judicialmente atos lesivos ou ilegais aos interesses garantidos constitucionalmente, quais sejam, ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. 4. A ação popular é o instrumento jurídico que deve ser utilizado para impugnar atos administrativos omissivos ou comissivos que possam causar danos ao meio ambiente. (...)”. (STJ, REsp 889.766-SP, rel. Min. Castro Meira, j. 04.10.2007). No âmbito da jurisprudência e de modo afinado com ampliação do acesso à justiça em matéria ambiental e de modo a assegurar a efetividade do direito à informação, o STJ, de modo a estabelecer um panorama processual mais igualitário e participativo,61 tem admitido a inversão do ônus da prova em ação civil pública de natureza ambiental, considerando a relação interdisciplinar entre as normas de proteção ao consumidor e as de proteção ambiental, bem como o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado. No âmbito das ações civis públicas ambientais, nos parece correto que o Juiz deva assumir postura mais participativa, de modo a relativizar o princípio do impulso oficial62, em virtude da relevância social do tema, bem como por se tratar, na grande maioria das vezes, de pleito que envolve direito indisponível, o que repercute, inclusive, na produção de provas, justificando a possibilidade de inversão do ônus probatório em tais pleitos, de modo a privilegiar a “paridade de armas” e uma relação equânime entre as partes, já que muitas vezes se verifica um grande desequilíbrio técnico e econômico entre as mesmas.63 Essa intervenção judicial trata-se, em verdade, não de um “poder”, mas sim de um “dever” constitucional do agente político investido do papel de prestar a jurisdição, haja vista o seu compromisso com a efetividade 61 STJ, REsp 1.060.753/SP, 2.ª T., rel. Min. Eliana Calmon, j. 01.12.2009. Precedente citado: REsp 1.049.822-RS. No mesmo sentido, inclusive com referência expressa à incidência do princípio da precaução, v. STJ, REsp 972.902-RS, 2.ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, j. 25.08.2009. 62 A doutrina especializada chega a identificar o princípio do ativismo judicial como um dos princípios gerais regentes do processo civil coletivo. DIDIER JR.; Fredie; ZANETI JR.; Hermes. Curso de direito processual civil (Vol. 4, Processo Coletivo). 6.ed. Salvador: Juspodium, 2011, p. 132 e ss. 63 V. SARAIVA NETO, Pery. A prova na jurisdição ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, especialmente p. 135 e ss. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 49 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - do processo e a tutela ecológica. 10. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO O princípio da prevenção é um dos princípios mais característicos do Direito Ambiental. Além disso, é um dos princípios mais “antigos” do regime jurídico de proteção ambiental, para além de corresponder inclusive a uma antiga máxima de sabedoria em geral, representada pela conhecida formulação “melhor prevenir do que remediar”. Com o avanço científico e conhecimentos mais abrangentes sobre os danos decorrentes da poluição e da degradação ambiental, cristalizou-se, especialmente a partir da Década de 1960, a ideia a respeito da necessidade de se adotarem medidas no sentido de evitar os danos ambientais já conhecidos. O princípio da prevenção opera com o objetivo de antecipar a ocorrência do dano ambiental na sua origem evitando-se, assim, que o mesmo venha a ocorrer, como, alias, resultou consignado de forma elucidativa no em passagem do Preâmbulo da Convenção-Quadro sobre Diversidade Biológica (1992), ao assinalar que “é vital prever, prevenir e combater na origem as causas da sensível redução ou perda da diversidade biológica”. Isso em razão de as suas causas já serem conhecidas em termos científicos. A título de exemplo, já se sabe que a retirada da mata ciliar provoca a perda da biodiversidade e o assoreamento dos rios, entre outras consequências. Conforme a lição de Paulo de Bessa Antunes, “o princípio da prevenção aplica- se a impactos já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjuntode nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos futuros mais prováveis”.64 A irreversibilidade de certos danos ambientais, como, por exemplo, a extinção de espécies da fauna e da flora, reforçam a relevância de se adotarem medidas preventivas, impedindo e proibindo a adoção de certas práticas antiecológicas. Seguindo na análise da matéria, merece destaque a distinção conceitual entre os princípios da prevenção e da precaução.65 O princípio da prevenção transporta a ideia de um conhecimento completo sobre os efeitos de determinada técnica e, em razão do potencial lesivo já diagnosticado, o comando normativo toma o rumo de evitar a ocorrência de tais danos já conhecidos. Nesse sentido, Carla Amado Gomes pontua que o princípio da prevenção se traduz na hipótese em que, diante da iminência de uma atuação humana que comprovadamente lesará de forma grave e irreversível bens ambientais, tal intervenção deve ser travada66. O princípio da precaução, por sua vez, conforme analisaremos de forma detida no próximo tópico, tem 64 ANTUNES, “Direito ambiental...”, p. 45. 65 No plano legislativo, atestando a distinção conceitual entre os princípios da prevenção e o princípio da precaução, v. art. 6º, parágrafo único, da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), e art. 3º da Lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009) e art. 6º, I, da Lei da Política de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010). 66 GOMES, A prevenção à prova..., p. 22. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 50 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - um horizonte mais abrangente, pois objetiva regular o uso de técnicas sob as quais não há um domínio seguro dos seus efeitos, como se sustenta, por exemplo, no tocante aos organismos geneticamente modificados, a determinadas substâncias químicas e às radiações eletromagnéticas no uso de telefones celulares. Aproveitando a lição de Leme Machado, “em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou de incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção (...). Aplica-se o princípio da precaução ainda quando existe a incerteza, não se aguardando que esta se torne certeza”.67 No âmbito legislativo nacional, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), consagra, como princípio da PNMA, no art. 2º, além do próprio objetivo de “preservação, melhoria e recuperação” da qualidade ambiental, a “ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo” (inciso I), a “racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar” (inciso II), o “planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais” (inciso III), o “controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras” (inciso V). Em termos gerais, o conteúdo dos princípios citados da Lei 6.938/81 revela a matriz axiológica do princípio da prevenção, em que pese não aparecer a expressão “princípio da prevenção” no seu texto.68 A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) consagrou o estudo de impacto ambiental no seu Princípio 17, ao assinalar que “a avaliação do impacto ambiental, como instrumento nacional, será efetuada para as atividades planejadas que possam vir a ter um impacto adverso significativo sobre o meio ambiente e estejam sujeitas à decisão de uma autoridade nacional competente”. No ordenamento jurídico brasileiro, o art. 10 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) assinala que “a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento (...)”. O estudo de impacto ambiental objetiva justamente dimensionar os danos ambientais (conhecidos e potenciais) decorrentes de determinada atividade, possibilitando a adoção de medidas voltadas à sua prevenção. O mesmo marco normativo encontra-se consagrado no art. 225, § 1º, IV, da CF/1988, ao obrigar o Estado a “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade”. Mais recentemente, o princípio da prevenção resultou consagrado, de forma expressa, no art. 6º, parágrafo único, da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) e no art. 3º da Lei da Política Nacional 67 MACHADO, Direito ambiental brasileiro..., p. 75. 68 Também identificando a origem normativa do princípio da prevenção no art. 2º da Lei 6.938/81, v. MACHADO, Direito ambiental brasileiro..., p. 89. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 51 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009). Na jurisprudência, a aplicação do princípio da prevenção é verificada de modo bastante recorrente, muitas vezes inclusive de forma simultânea com o princípio da precaução. A título de exemplo, podemos citar recente julgado do STJ, onde o Min. Felix Fischer fundamentou sua decisão no princípio da prevenção para obstar situação que implicava risco de contaminação de bovinos por febre aftosa. Aqui não se está diante de situação em que são desconhecidos ou mesmo pouco conhecidos os efeitos negativos em termos ecológicos (e também para a saúde pública), já que são conhecidas as causas e efeitos decorrentes da contaminação pela febre aftosa, tratando-se apenas de aplicar medida de prevenção para evitar a ocorrência do dano ecológico (repita-se, conhecido). Não há dúvida que o contato de um rebanho bovino com outro contaminado com a febre aftosa traz um risco certo (e, portanto, conhecido) de contaminação para o primeiro, ainda que a contaminação possa não ocorrer no caso concreto. A nosso ver, andou bem o Min. Feliz Fischer, muito embora o princípio da precaução também pudesse ser manejado para justificar alguma medida protetiva diante dos riscos diretos para o ser humano, onde, salvo melhor juízo, alguma incerteza científica ainda possa existir. “AMBIENTAL. AGROTÓXICOS PRODUZIDOS NO EXTERIOR E IMPORTADOS PARA COMERCIALIZAÇÃO NO BRASIL. TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE DE REGISTRO. NECESSIDADE DE NOVO REGISTRO. 1. Somente as modificações no estatuto ou contrato social das empresas registrantes poderão ser submetidas ao apostilamento, de modo que a transferência de titularidade de registro também deve sujeitar-se ao prévio registro. 2. O poder de polícia deve ser garantido por meio de medidas eficazes, não por meio de mero apostilamento do produto – que inviabiliza a prévia avaliação pelos setores competentes do lançamento no mercado de quantidade considerável de agrotóxicos - até para melhor atender o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, o qual se guia pelos princípios da prevenção e da precaução. 3. Recurso especial não provido” (STJ, REsp 1.153.500/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 07.12.2010). “AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. LEGITIMIDADE. PESSOA JURÍDICA INTERESSADA. POSSIBILIDADE DE GRAVE LESÃO À ORDEM E ECONOMIA PÚBLICAS. EXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO. PEDIDO DE SUSPENSÃO DEFERIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) III - O transporte de animais do Estado do Rio Grande do Norte (área não livre de febre aftosa) parao Estado do Tocantins (área livre da referida moléstia), sem o cumprimento dos normativos aplicáveis, pode, em tese, causar a contaminação do rebanho do local de destino, o que enseja grave lesão à ordem e à economia públicas. V - A sobrelevação dos riscos permite concluir pela aplicação do princípio da prevenção, pois o perigo de grave dano ou de lesão irreversível é passível de ocorrência em caso de contaminação. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg na SLS 1749/RN, Corte Especial, Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 52 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Rel. Min. Felix Fischer, j. 15.05.2013). QUESTÃO FCC (Juiz de Direito Amapá 2014): “Uma indústria emissora de gases poluentes possui projeto para se instalar em zona industrial cuja capacidade de suporte de poluição já está saturada. Nesse caso, em obediência ao princípio: (...) D) Da prevenção, o projeto devera ser rejeitado pelo órgão ambiental”. (CERTO) 11. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO O princípio da precaução, como uma espécie de princípio da prevenção qualificado ou mais desenvolvido69, abre caminho para uma nova racionalidade jurídica, mais abrangente e complexa, vinculando a ação humana presente a resultados futuros. Isso faz com que o princípio da precaução seja um dos pilares mais importantes da tutela jurídica do ambiente e, consequentemente, seja reconhecido como um dos princípios gerais do Direito Ambiental. O seu conteúdo normativo estabelece, em linhas gerais, que, diante dúvida e da incerteza científica a respeito da segurança e das consequências do uso de determinada substância ou tecnologia, o operador do sistema jurídico deve ter como fio condutor uma postura precavida, interpretando os institutos jurídicos que regem tais relações sociais com a responsabilidade e a cautela que demanda a importância existencial dos bens jurídicos ameaçados (vida, saúde, qualidade ambiental e até mesmo, em alguns casos, a dignidade da pessoa humana), inclusive em vista das futuras gerações. A ausência de um conhecimento científico adequado para assimilar complexidade dos fenômenos ecológicos e os efeitos negativos de determinadas técnicas e substâncias empregadas pelo ser humano podem levar, muitas vezes, a situações irreversíveis do ponto de vista ambiental, como, por exemplo, a extinção de espécies da fauna e da flora, além da degradação de ecossistemas inteiros. O princípio da precaução opera justamente como um filtro normativo para prevenir tais situações, considerando a ausência de domínio científico em relação à determinada técnica ou substância. A Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) consagrou expressamente o princípio da precaução no seu Princípio 15: “Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. O princípio da precaução sempre foi aceito pela doutrina brasileira (e também jurisprudência) antes mesmo da Lei 11.105/2005 (quando foi reconhecido pela primeira vez de forma expressa em legislação 69 KISS; SHELTON, Guide to international environmental law..., p. 95. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 53 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - nacional, conforme veremos à frente), de modo a já integrar, sob a ótica “material”, o nosso sistema jurídico. Esse entendimento encontra guarida normativa especialmente na Lei 6.938/81, ao dispor, no art. 2º, V, que se configura, como princípio da Política Nacional do Meio Ambiente, o “controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras”, bem como, ao consagrar, por meio do art. 9º, os instrumentos da “avaliação de impactos ambientais” (inciso III) e do “licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (inciso IV). A CF/1988 também reproduz as mesmas premissas. A matriz constitucional do princípio da precaução está contida no art. 225, § 1º, IV e V, ao exigir o estudo prévio de impacto ambiental para a “instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente” (inciso IV), bem como ao determinar a obrigação do Estado de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” (inciso V). As normas constitucionais suscitadas ditam a cautela jurídica que deve reger as atividades que, enquadradas num quadro de incerteza científica quanto a possíveis danos que possam causar ao ambiente, tragam um risco, mesmo que potencial, a fim de evitar danos ambientais em relação aos quais não se tem uma compreensão exata e segura, em termos científicos. A Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais (Lei 9.605/98), ao tipificar o crime de poluição, consignou de forma bastante clara que estava implícito no seu corpo normativo o princípio da precaução, ao asseverar que se aplica a pena maior prevista no § 2º do seu do art. 54 a “quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível” (§ 3º). Mas foi, sem dúvida, a Lei 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) que consagrou pela primeira vez, de forma expressa e para não deixar pairar qualquer dúvida, até porque a questão do “risco” é um elemento central da abordagem da temática da biossegurança, o princípio da precaução no ordenamento jurídico brasileiro. Incorporando esse entendimento, dispõe o art. 1º do diploma que “esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente”. Posteriormente à Lei 11.105/2005, o princípio da precaução também foi consagrado, de forma expressa, no art. 6º, parágrafo único, da Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) e no art. 3º da Lei da Política Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 54 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Nacional sobre Mudança do Clima (Lei 12.187/2009) A Lei 11.934/2009 sobre exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos, muito embora não disponha de forma expressa sobre o princípio da precaução no seu texto, nos parece um dos melhores exemplos de aplicação prática do princípio, inclusive adotando os padrões sugeridos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em vista da proteção da saúde pública e do ambiente. Dada a “dúvida científica” posta em relação às possíveis consequências à saúde humana e ao ambiente decorrentes das radiações eletromagnéticas, é justamente o princípio da precaução que seria o marco normativo regente na adoção da Lei 11.934/2009. A fim de preservar e proteger a existência humana de tais riscos, impõe-se uma atuação doEstado e dos particulares lastreada no princípio da precaução, pautando-se a sua aplicação também com base no princípio in dubio pro natura, conforme tem reconhecido a jurisprudência do STJ. Diante da incerteza cientifica quanto a possíveis danos significativos ao ambiente, a proteção ambiental deve prevalecer e ser proibida ou retardada (até um melhor domínio da técnica) determinada prática potencialmente degradadora dos recursos naturais. Não por outra razão, o princípio da precaução tem servido de fundamento para justificar a inversão do ônus da prova em processos judiciais, fazendo recair sobre o suposto poluidor o ônus de provar a segurança ambiental da técnica, atividade ou empreendimento impugnada.70 QUESTÃO CESPE (Juiz Federal 1ª Região, 2009): ”Assinale a opção correta quanto ao princípio da precaução: (...) E) Tal princípio constitui a garantia contra os riscos potenciais que não podem ser ainda identificados, devido à ausência da certeza científica formal, e baseia-se na ideia de que o risco de dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever esse dano”. (CERTA) 12. PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO (NACIONAL E INTERNACIONAL) O princípio da cooperação é tido como um dos princípios gerais do Direito Ambiental, tendo a sua origem no Direito Ambiental alemão do início da Década de 1970, assim como os já tratados princípios do poluidor-pagador e da precaução. A razão para a importância da ideia de cooperação na perspectiva ecológica é bastante simples. O efetivo enfrentamento dos problemas ambientais exige a atuação articulada e cooperativa de inúmeros atores públicos e privados, nos mais diferentes planos e instâncias políticas (local, regional, nacional, comunitária e internacional). Outros temas, como é o caso dos direitos humanos, também evocam tal amplitude de articulação e esforços comuns, inclusive em termos planetários, para o seu adequado enfrentamento. O princípio da cooperação está presente de forma expressa na CF/1988, por intermédio da previsão que há no inciso IX do seu art. 4.º sobre a “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, considerando, inclusive, o conteúdo do inciso II do mesmo dispositivo no sentido de estabelecer a 70 STJ, REsp 1.060.753/SP, 2.ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, j. 01.12.2009. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 55 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - “prevalência dos direitos humanos” nas relações do Estado brasileiro no plano internacional. O princípio da cooperação, conforme lição de José Rubens Morato Leite e Patryck de A. Ayala, postula uma política mínima de cooperação solidária entre os Estados em busca de combater efeitos devastadores da degradação ambiental, o que pressupõe ajuda, acordo, troca de informações e transigência no que toca a um objetivo macro de toda coletividade, além de apontar para uma atmosfera política democrática entre os Estados, visando a um combate eficaz da crise ambiental global.71 O mesmo se verificar na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), aparecendo o princípio da cooperação, por exemplo, nos Princípios 5, 7, 12, 13, 14, 18, 19 e 27. A título de exemplo, o Princípio 7 enuncia que “os Estados irão cooperar, em espírito de parceria global, para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Considerando as diversas contribuições para a degradação do meio ambiente global, os Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvolvidos reconhecem a responsabilidade que lhes cabe na busca internacional do desenvolvimento sustentável, tendo em vista as pressões exercidas por suas sociedades sobre o meio ambiente global e as tecnologias e recursos financeiros que controlam”. Muito embora tais dispositivos tratem da perspectiva internacional, ou seja, dos objetivos e valores que devem nortear as relações do Estado brasileiro nas relações internacionais, o mesmo espírito normativo de “índole cooperativa” também vincula o Estado no plano interno, notadamente em relação aos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). O melhor exemplo disso é o sistema de distribuição de competências (legislativa e executiva) adotado pela CF/1988, o qual estabelece tanto competências legislativas concorrentes (art. 24) quanto competências executivas comuns (art. 23) entre todos os entes federativos. Revelando tal espírito constitucional “cooperativo”, o art. 23, parágrafo único, da CF/1988, assinala, de forma expressa, no tocante ao exercício da competência executiva dos entes federativos, que “leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. Há, à luz do Estado Socioambiental edificado pela de Direito de feição ecológica edificado pela CF/88, a consagração do marco do federalismo cooperativo ecológico, como já foi tratado anteriormente. No âmbito da legislação brasileira infraconstitucional e já sob o enfoque do Direito Ambiental, a Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais (Lei 9.605/98) consagrou um capítulo específico sobre a cooperação internacional para a preservação do ambiente, destacando a necessidade de ser mantido um sistema de comunicações apto a facilitar o intercâmbio rápido e seguro de informações com órgãos de outros países (art. 78). O texto em tela revela a preocupação do legislador nacional com a dimensão 71 MORATO LEITE; AYALA, Dano ambiental..., p. 55-56. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 56 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - multilateral inerente ao enfrentamento dos problemas ambientais. O dispositivo suscitado, por certo, não se aplica apenas ao cenário internacional, mas incorpora no ordenamento jurídico nacional o princípio da cooperação, devendo o mesmo ser aplicado, como já assinalamos em passagem antecedente, no âmbito interno do Estado brasileiro. Seguindo essa diretriz normativa, notadamente sob a ótica da competência ambiental administrativa, a LC 140/2011 (Competência Administrativa em Matéria Ambiental) incorporou de forma definitiva o princípio da cooperação no ordenamento jurídico nacional, ao regulamentar os incisos III, VI e VII, do art. 23 da CF/1988. Logo no seu art. 1º, o diploma em análise estabelece, como seu propósito nuclear, fixar normas para o exercício da competência administrativa em matéria ambiental em vista de possibilitar a “cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora”. De modo a dar concretude à questão, o diploma estabelece instrumentos de cooperação entre os entes federativos nos incisos do seu art. 4.º, como, por exemplo: consórcios públicos, convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares com órgãos e entidades do Poder Público, Comissão Tripartite Nacional, Comissões Tripartites Estaduais e Comissão Bipartite do Distrito Federal, fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos, delegação de atribuições de um ente federativo a outro e delegação da execução de ações administrativas de um ente federativo a outro. Além disso há a previsão, no art. 6º do diploma, de as ações de cooperação entre os entes federativos, delimitando, de forma minuciosa, as atividades administrativasque cabem a cada um, de modo a atingir os objetivos previstos no art. 3º e a garantir o desenvolvimento sustentável, harmonizando e integrando todas as políticas governamentais. Os particulares (pessoas físicas e jurídicas), nesse contexto, também devem ter como diretriz o princípio da cooperação nas relações que travam com outros particulares ou mesmo o próprio Estado, notadamente quando estiver em pauta situação de lesão ou potencial de lesão ao ambiente. Não por outra razão, hoje se atribui aos particulares deveres fundamentais de proteção ambiental, ou seja, obrigações jurídicas (e, portanto, não apenas morais), o que também implica deveres jurídicos de cooperação quando tal se fizer necessário para proteger os bens jurídicos ambientais. Esse é, sem dúvida, o espírito constitucional consagrado no caput do art. 225 da CF/1988, que coloca como dever da sociedade - e, portanto, não apenas do Estado – proteger o ambiente para as presentes e futuras gerações. Mais recentemente, esse entendimento resultou cristalizado na Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), ao consagrar como princípio da PNRS, “a cooperação entre as diferentes esferas do poder público, o setor empresarial e demais segmentos da sociedade”. Direitos Difusos e Coletivos w w w.c u rs o ce i .co m CE I CÍRCULO DE ESTUDOS PELA INTERNET PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL PÁG I N A 57 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Simulado 1) A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) consagrou um rol taxativo dos princípios do Direito Ambiental na ordem jurídica brasileira. 2) Não obstante a posição favorável da doutrina no reconhecimento da dignidade do animal-não humano, tal entendimento é rejeitado unanimemente pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal. 3) O princípio do protetor-recebedor busca retribuir economicamente aquele que, em benefício de toda a sociedade, protege o meio ambiente, por exemplo, ao manter a cobertura florestal de área de sua propriedade ou posse rural. 4) Muito embora a consagração do princípio da função ambiental ou ecológica da propriedade tenha sido reconhecido expressamente pela nossa legislação infraconstitucional, inclusive pelo próprio Código Civil de 2002, a nossa Constituição Federal limitou-se a reconhecer apenas a função social. 5) O primeiro diploma legislativo brasileiro a consagrar expressamente o princípio da precaução foi a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81). GABARITO Q1 ERRADO 02 ERRADO Q3 CERTO Q4 ERRADO 05 ERRADO