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SOCIOLOGIA JURÍDICA
Ijuí
2012
SOCIOLOGIA JURÍDICA
Coleção Direito, Política e Cidadania, 25
Enio Waldir da Silva
 2012, Editora Unijuí
 Rua do Comércio, 1364
 98700-000 – Ijuí – RS – Brasil –
 Fone: (0__55) 3332-0217
 Fax: (0__55) 3332-0216
 E-mail: editora@unijui.edu.br
 Http://www.editoraunijui.com.br
 www.twitter.com/editora_unijui
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-Adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa: 
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste 
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação: 
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
S586s Silva, Enio Waldir da.
Sociologia jurídica / Enio Waldir da Silva. – Ijuí : Ed. 
Unijuí, 2012. – 304 p. – (Coleção direito, política e cidada-
nia ; 35).
ISBN 978-85-7429-987-7
1. Sociologia. 2. Ciências sociais. 3. Direito. 4. Cidadania. 
I. Título. II. Série.
 CDU : 301
 301:34
Associação Brasileira 
das Editoras Universitárias
Editora Unijuí afiliada:
A Coleção Direito, Política e Cidadania é uma iniciativa editorial do De-
partamento de Estudos Jurídicos da Unijuí e da Editora Unijuí, voltada 
à publicação de textos que privilegiam a pesquisa jurídica interdiscipli-
nar e a reflexão crítica sobre o direito e suas relações com as diversas 
ciências humanas e sociais. O objetivo da Coleção é disponibilizar, aos 
leitores interessados, um conjunto de publicações que contribuam para 
qualificar o debate sobre os principais temas da área e que auxiliem no 
desenvolvimento da cidadania.
Conselho editorial
Dr. José Eduardo Faria (USP – SP)
Dr. Darcísio Corrêa (Unijuí – RS)
Dr. Gilmar A. Bedin (Unijuí – RS) 
Dr. Luiz Ernani Bonesso de Araújo (UFSM – RS)
Dra. Odete Maria de Oliveira (UFSC – SC)
Dr. Sergio Augustin (UCS – RS)
Dra. Claudia Rosane Roesler (Univali e Cesusc – SC)
Dr. Leonel Severo Rocha (Unisinos – RS)
Dr. Arno Dal Ri Júnior (Fondazione Cassamarca de Treviso – Itália)
Dr. José L. Bolzan de Morais (Unisinos – RS)
Dra. Silvana Winckler (Unochapecó – SC)
Dr. Otávio C. Fischer (Universidade Tuiti do Paraná e Unicemp – PR)
Dr. Celso L. Ludwig (UFPR-PR)
Dra. Maria Claudia Crespo Brauner (UCS – RS)
Dra. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (UCS-RS)
Dra. Sandra Regina Leal (Faplan – RS)
Dra. Sandra Regina Martini Vial (Unisc – Unisinos)
Comitê editorial
Dr. Doglas Cesar Lucas
Msc. Fabiana Padoin
Msc. Patricia Borges Moura
Msc. Sérgio Luiz Leal Rodrigues
SUmáRIO
APRESENTAÇÃO ..................................................................................9
INTRODUÇÃO: Sociologia e a Sociologia Jurídica ...........................15
CAPÍTULO 1
AFIRMAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DA CULTURA JURÍDICA ..29
 Trabalho e Sociedade .......................................................................31
 Pensamento Social ...........................................................................39
CAPÍTULO 2
A MODERNIDADE – A JUDICIALIZAÇÃO 
DAS RELAÇÕES SOCIAIS .................................................................51
 Razão Positivista e Sistema Social ..................................................65
 A Direito Funcionalista e Moral Social .........................................72
 Direito, Racionalidade e Legitimidade .........................................89
CAPÍTULO 3
RAZÃO CRÍTICA, DIREITO E LIBERDADE ............................101
 A Revolução Social e a Ordem Justa ............................................103
 Direito como Concretização dos Entendimentos Coletivos .......115
 Direito e o Pensamento Alternativo .............................................132
CAPÍTULO 4 ......................................................................................155
TEMAS DE SOCIOLOGIA JURÍDICA ATUAL ...........................155
 O Direito como Sistema Autopoiético ..........................................160
 Direitos Culturais ...........................................................................194
 Direito e Movimentos Sociais .......................................................216
 Direito, Conflitualidade e Violência .............................................237
 Direito, Mídia e Tecnologia na Sociedade Global .......................271
REFERÊNCIAS ..................................................................................281
 Saiba Mais .......................................................................................294
 Textos de Boaventura de Sousa Santos: .......................................302
 Títulos das Obras no Google. <www.google.br> .........................303
APRESENTAÇÃO
A Sociologia Jurídica tem uma história nos cursos de Graduação 
em Direito e Sociologia da Unijuí. Por meio dela procuramos pensar o 
Direito para além da “teoria pura”, no sentido de que a norma jurídica 
não pode ser tratada de forma isolada ou separada dos contextos sociais 
que lhe dão origem e fundamento. São os homens, como seres sociais 
concretos, que produzem as estruturas jurídicas de regulação da vida 
social, considerando os interesses e os lugares que efetivamente ocupam 
na sociedade.
A sociedade humana pode ser definida de várias formas; todas elas, 
no entanto, partem da totalidade como princípio geral. O Direito, assim 
como a economia, a política, a cultura, é parte que só adquire significado 
(ou concreticidade) quando devidamente inserido na totalidade. Não 
significa que a parte não seja também um “sujeito” que produz a vida 
social. Compreender a especificidade das estruturas jurídicas na produção 
da vida social é a tarefa da Sociologia Jurídica.
A história da Sociologia é um campo de intensa luta social. A 
multiplicidade de leituras (possíveis) da sociedade produz sujeitos 
portadores de diferentes projetos de sociedade. Isto ocorre em todos os 
campos específicos da Sociologia. Isso, contudo ,isto é mais evidente 
nas chamadas teorias clássicas da Sociologia – Comte/Durkheim, Marx e 
Engels e Weber. Cada uma expressa uma leitura diferente da sociedade, 
10
S u i m a r J o ã o B r e s s a n
com repercussão no mundo da política. Pode-se afirmar que os grandes 
confrontos sociais nos séculos 19 e 20 tiveram a inspiração nas teorias 
sociológicas citadas.
Esta breve introdução é necessária para contextualizar o livro do 
professor Enio Waldir da Silva. Trata-se de uma obra de cunho didático, 
que servirá de base para o componente curricular de Sociologia Jurídica 
dos cursos de Graduação da Unijuí. Uma obra didática sempre se cons-
trói com uma linguagem mais acessível, considerando que os leitores 
(alunos) não são ainda especialistas nas temáticas desenvolvidas. Ela não 
pode, contudo, perder o rigor teórico, sob pena de não contribuir para o 
processo de produção de conhecimento.
O livro Sociologia Jurídica está estruturado em quatro capítulos. 
O primeiro – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica – discute as 
questões gerais e introdutórias da temática do livro: a relação ente socie-
dade e Direito. A recuperação de momentos importantes da História da 
humanidade a partir de categorias sociológicas básicas, como trabalho, 
classe social e Estado, torna possível a visualização da função social do 
Direito e, ao mesmo tempo, evidenciar sua historicidade. As estruturas 
jurídicas mudam com a mudança do seu substrato social, e esta é uma 
tese fundamental da Sociologia Jurídica.
O segundo capítulo – A Modernidade – Judicialização das Relações 
Sociais – reconstrói os processos teóricos e sociais de constituição das 
relações jurídicas a partir das relações sociais. Tendo como pano de 
fundo o processo de constituição da Sociologia, avalia a própria relação 
entre Direito e sociedade que se constitui como campo específico de 
investigação. Destacam-se Comte e Durkheim como fundadores de 
uma corrente importante do pensamento sociológico: o positivismo. 
Reafirma-se a grande e valiosa contribuição de Durkheim para o enten-
dimento do Direitocomo fato social. O autor da Divisão do Trabalho 
Social demonstra que a fonte do Direito está na sociedade mediante a 
11
Apresentação
construção relacional dos conceitos de solidariedade mecânica e Direito 
Penal e solidariedade orgânica e Direito Restitutivo. Formas diferentes 
de sociabilidade produzem formas diferentes de Direito.
Outro autor analisado neste capítulo é Max Weber. Suas reflexões 
instigantes a partir do conceito de racionalização do mundo ocidental 
são fundamentais para a formação da Sociologia Jurídica. Weber aborda a 
economia, a política, a cultura e o Direito como tipos de relações sociais 
que tendem a ser envolvidas pelo processo de racionalização. Esta é a 
grande transformação do mundo ocidental que Weber designou como 
“desencantamento do mundo”. O Direito moderno afirma-se como um 
tipo de ação social racional com relação afins. A dimensão substantiva 
tende a ser dominada pela dimensão lógico-formal.
Durkheim e Weber contribuem de forma decisiva para que o 
Direito se torne uma das práticas fundamentais de legitimação da or-
dem social moderna. Durkheim percebe o poder do direito de produzir 
solidariedade (ou integração social), identificado por ele como o processo 
constituinte do homem como ser social. Na modernidade o problema 
da integração social desloca-se da manutenção das semelhanças para 
o desenvolvimento das diferenças geradas pela divisão do trabalho. 
A situação de anomia que vive o mundo moderno será superada pelo 
desenvolvimento pleno do Direito Restitutivo. A leitura de Weber dos 
problemas da modernidade não é contraditória à de Durkheim, na medida 
em que entende o Direito como a ação humana que articula a dominação 
legal racional. O “império da lei” é a grande força coatora que integra os 
homens e consensualiza seus interesses.
O terceiro capítulo – razão crítica, direito e liberdade – expõe a 
formação do pensamento social crítico, teoricamente elaborado por Karl 
Marx e Friedrich Engels. O materialismo histórico assentou as bases para 
pensar criticamente o capitalismo e o papel do direito na sua reprodução, 
ou seja, o direito como a forma jurídica da dominação de classe. Como o 
próprio Marx afirmou na XI Tese sobre Feuerbach que “os filósofos nada 
mais fizeram do que interpretar de diverso modo o mundo; mas trata-se, 
12
S u i m a r J o ã o B r e s s a n
antes, de transformá-lo”, a sua teoria é também um apelo à transformação 
radical da sociedade, sustentando que o capitalismo gerou os sujeitos da 
sua própria destruição: os trabalhadores assalariados.
O capítulo também aborda outros autores de pensamento crítico, 
notadamente Jürgen Habermas e Boaventura de Sousa Santos. Para o 
primeiro, a emancipação humana está ligada ao desenvolvimento das 
ações comunicativas, ressaltando o papel do Direito na concretização do 
entendimento coletivo, produzido na esfera pública e pelos processos 
democráticos. Importante também é a contribuição do eminente soció-
logo português Boaventura de Sousa Santos, negando a possibilidade de 
emancipação humana sob o capitalismo. A sua reflexão resgata a ideia 
do pluralismo jurídico, enfatizando os direitos humanos, a partir de uma 
perspectiva multicultural, como elemento fundamental para a conquista 
da autonomia dos homens.
O quarto capítulo – Temas da Sociologia Jurídica Atual – propõe uma 
atualização do debate sobre a relação Direito e sociedade. Um aspecto 
relevante refere-se à capacidade explicativa das teorias sociológicas 
clássicas, considerando que a sociedade vive um momento de grandes 
transformações. Em certa medida as duas dimensões fundamentais do 
capitalismo atual - global e informacional – foram genericamente detecta-
das pelas teorias clássicas. Muitos autores entendem que os fundamentos 
da sociedade não mudaram, apenas adquiriram novas configurações, 
determinando, assim, a atualidade dos clássicos.
O esforço da teoria sociológica é compreender as novas dimensões 
da vida social, como as novas formas de exclusão social, de violência e 
criminalidade, a sociedade do risco, a comunicação. Por exemplo, o de-
semprego sempre foi estrutural, porém a sua forma atual parece eviden-
ciar que a busca do pleno emprego é uma ilusão. Mesmo com elevados 
índices de crescimento econômico, o desemprego mantém-se alto. É 
claro que se criaram novas condições de empregabilidade, determinadas 
13
Apresentação
pela dimensão informacional – tecnologias inteligentes – dos processos 
sociais, mas também de exclusão. Como isso impacta na ordem jurídica 
é uma pergunta recorrente na Sociologia Jurídica.
Uma resposta significativa tem sido elaborada por inúmeros soció-
logos: as transformações sociais causadoras da reestruturação produtiva, 
da globalização dos mercados, da crise do Estado-Nação e da crise da 
identidade nacional provocam uma crise profunda no paradigma forma-
lista do Direito. O Direito Positivo (estatal) e as instituições judiciais 
da modernidade estão em desacordo com as novas relações sociais, por 
isso não conseguem mais ser um instrumento de regulação dos conflitos. 
As soluções não convencionais ampliam a crise do Direito Positivo e o 
impasse se aprofunda.
É neste contexto que surgem autores que questionam a moderni-
dade em seus fundamentos, como é o caso de Niklas Luhmann e Alain 
Touraine. Este sociólogo francês, com importante presença no estudo 
dos movimentos sociais na América Latina, abandonou o paradigma da 
modernidade, definido a partir da dimensão social. Em seu entendi-
mento, estamos vivenciando o “fim do social e todos os fenômenos de 
decomposição social e de dessocialização”; um novo paradigma está em 
construção, centrado no sujeito e nos direitos culturais.
Niklas Luhmann é mais radical: a partir da teoria dos sistemas au-
topoiéticos – a sociedade seria um deles – critica o conceito de sociedade 
como uma estrutura sistêmica de órgãos e funções interdependentes tal 
como os funcionalistas a definiram. Nesse sentido, o Direito seria um sis-
tema autopoiético, autorreferente e operacionalmente fechado, tal como 
a economia, a política, a ciência, a educação e a cultura. Cada sistema 
autopoiético opera com o seu próprio código, portanto não depende do 
outro para sua existência. As sociedades mais desenvolvidas já teriam 
alcançado uma diferenciação funcional, de tal modo que os sistemas, 
que antes as compunham de forma integrada e interdependente, agora 
são autônomos ou (autopoiéticos).
14
S u i m a r J o ã o B r e s s a n
Outra dimensão fundamental para compreender o Direito é a sua 
relação com as mídias e as tecnologias inteligentes. Qual o papel dos 
meios de comunicação de massa na sociedade atual? E sobre as institui-
ções judiciais? Seguramente não podemos considerá-los apenas como 
meios de divulgação de informações. Mais do que isso, tem-se constatado 
que se trata de uma nova instituição, em que as dimensões econômica, 
política e cultural se fundem, constituindo um novo sujeito. Este novo 
sujeito tem poder de articulação do conjunto do sistema econômico (ele 
mesmo é um ator econômico), de formulação da agenda política e de 
formação da opinião pública. Não há dúvida, portanto, que este poderoso 
sujeito interfere nas instituições judiciais.
Percebe-se que o debate – que faz parte da história da Sociologia 
– se intensificou. Por isso, a Sociologia é um campo do conhecimento 
científico indispensável para a compreensão da vida social, sua estrutu-
ração, seus movimentos e possibilidades de transformação. Por extensão, 
a compreensão da normatividade jurídica atual não se esgota com o de-
senvolvimento e institucionalização da ciência do Direito; a Sociologia 
Jurídica é o contraponto crítico fundamental, pois – vale insistir – não há 
Direito sem sociedade ou onde há sociedade também há Direito.
É para ajudar a desbravar nosso mundo humano, contraditório e 
cheio de armadilhas que este livro foi escrito: ele nos instiga a construir 
caminhos.
Suimar João BressanProfessor de Sociologia e Ciência Política – DCJS – Unijuí
INTRODUÇÃO: 
Sociologia e a 
Sociologia Jurídica
Estudar a sociedade, sociabilidades e as relações sociais tornou-se 
uma determinação ética de quem está estudando na universidade e para 
quem está buscando a fortificação de sua cidadania, o rigor da cultura 
jurídica e posturas racionais mais coerentes. Torna-se ainda mais impres-
cindível aos indivíduos que buscam ocupar lugares sociais nos quais se 
condensam interesses coletivos. 
Quem nos fornece as melhores abordagens metodológicas e te-
óricas para este estudo é a Sociologia. Como uma das Ciências Sociais 
emergentes nos tempos modernos, a Sociologia criou sua autonomia ao 
fundamentar sua abordagem em metodologia clara, em construir con-
ceitos específicos, em fazer demonstrações de suas descobertas e em 
criar teorias sociais. Estas descobertas, fundamentadas no rigor reflexivo, 
auxiliaram na criação de muitas instituições sociais e assessoram muitos 
procedimentos de indivíduos que procuram atender os interesses das 
populações, pois além de estudar e sistematizar estes interesses (organizá-
los e expressá-los) a Sociologia também orientou ações de grupos que 
buscavam autonomia e direitos sociais. Dificilmente estudantes e pesqui-
sadores da Sociologia deixaram de se tornar militantes de causas sociais, 
pois não se contentam em entender as causas dos problemas humanos e 
16
E n i o W a l d i r d a S i l v a
não contribuir para a solução deles. Dados de estudos epistemológicos 
mostram que quem procura estudar a Sociologia são indivíduos preocu-
pados com a situação das vivências sociais (suas e as dos outros) e que 
estão procurando um mundo mais justo. Podemos afirmar, então, que a 
Sociologia se tornou a ciência das populações e das instituições e foi criada 
justamente com a perspectiva de resolver seus problemas.
Além disso, a criação da Sociologia possibilitou a afirmação do 
caráter social da condição humana, constituiu-se em um conhecimento 
da sociedade que incide sobre ela, exercendo uma ação decisiva na 
produção e reprodução da sociedade, no sentido da conservação ou da 
transformação das relações sociais. É, também, um ato social porque seus 
conceitos não são apropriados apenas pelo sociólogo, mas por todos os 
sujeitos intérpretes dos problemas humanos. A institucionalização da 
Sociologia permitiu a pesquisa de temáticas diversas, estabelecendo vá-
rias especialidades, compondo o que hoje denominamos como Ciências 
Sociais particulares ou campos teóricos: rural, urbana, trabalho, direito, 
religião, cultura, política, economia, a natureza, a história, a comunica-
ção, a assistência social, etc. Mesmo que cada ciência tenha um campo 
particular, elas possuem uma identidade e um fundamento comuns: a 
existência social do homem. Como Ciências Sociais precisam enfrentar 
os mesmos problemas metodológicos que caracterizaram a história da 
Sociologia (Bressan, 2003).
Trataremos mais tarde dos fenômenos que influenciaram na ori-
gem da Sociologia, mas é importante destacar aqui que ela vai nascer 
como um reflexo dos problemas sociais resultantes do processo de con-
solidação da modernidade, expresso em três transformações: 
1 – A generalização do processo de produção de mercadorias (Revolução 
Industrial);
2 – A formação do Estado moderno (Revolução Francesa de 1789);
3 – Da nova cultura a partir dos valores da liberdade, da racionalidade e 
da ciência (Idealismo Alemão).
17
Introdução
Nestes contextos os iniciantes da Sociologia poderiam ser assim 
destacados: Charles de Montesquieu (1689-1755), Auguste Comte 
(1796-1857), Karl Marx (1818-1883), Émile Durkheim (1858-1917) e 
MaxWeber (1864-1920), embora não possamos negligenciar estudos 
realizados por outros pensadores sociais da época, como Charles de 
Montesquieu (1689-1755), Friedrich Engels (1820-1895), Saint-Simon 
(1760-1825), Stuart Mill (1806-1873), Condorcet, Herbert Spencer 
(1820-1903) e Wilfredo Pareto, Harriet Maritineau (1802-1876), Ernest 
Mach (1834-1916), Wilhelm Dilthey (1833-1911), etc., que enunciaram 
os temas básicos da Sociologia, sua metodologia, e os detalharam de 
forma ampla na aplicação do entendimento das mudanças abrangentes 
que ocorreram nas sociedades humanas, nos modos de construir ma-
terialmente as sociedades ocidentais, na forma de sua organização, na 
maneira de pensá-las e nas mudanças nas vidas das pessoas no decorrer 
dos últimos três séculos.
Neste sentido, devido à complexidade dos interesses que movem 
os sujeitos ao estudo da Sociologia, faz-se necessário destacar os seus 
possíveis conceitos. Um dos conceitos mais aceitos de Sociologia é de 
que ela se constitui em uma ciência que estuda as relações sociais, entretanto 
não há um consenso quanto a seu conceito. Silva (2008a) recolheu as 
seguintes possíveis definições:
– A Sociologia é uma ciência que estuda as relações sociais que são, ao 
mesmo tempo, produtos e produtoras da sociedade; 
– ... é um conjunto de conceitos, de métodos e de técnicas de investiga-
ção produzidos para explicar os elementos potencializadores da vida 
social;
– ... é um estudo sistemático da realidade social do homem... 
– ... é o estudo das mediações produtoras dos potenciais das práticas; 
– ... é uma construção teórica, resultado do esforço de compreender a 
sociedade em sua realidade objetiva e subjetiva; 
18
E n i o W a l d i r d a S i l v a
– ... é o estudo das formas de como o homem passa de um resultado 
da estrutura estruturada para uma estrutura estruturante, ou seja, o 
estudo das condições que produzem os lugares sociais ocupados pelo 
homem;
– ... é o estudo de como o homem entende a sociedade, como ele a aceita, 
a legitima ou a transforma;
– ... é o estudo que pode levar o homem a ser livre por entender o seu 
lugar no processo histórico;
– ... é o estudo da própria vontade do homem em conhecer-se e a conhe-
cer sua sociedade;
– ... é o estudo das razões que impulsionam o mundo prático e dos re-
sultados destas...
Apesar destas definições, é mais fácil compreender a Sociologia 
pelos objetivos pelos quais a ela se recorre: procurar potenciais reflexi-
vos capazes de alargar a compreensão dos processos humanos e adquirir 
uma base de conhecimentos que leve a entendimentos das forças que 
compelem o homem ao controle destas forças, dando-lhes significados 
e orientando-as para a construção da vida individual e coletiva, justa e 
solidária. Estas forças, como observa Norbert Elias (1970), são forças 
sociais exercidas pelas pessoas sobre outras pessoas e sobre elas mesmas 
(aquilo que liga uma pessoa a outra...). Geralmente, as explicações sobre 
estas forças têm por base as representações que se formam sobre elas. 
Isso faz com que o próprio pensador não se exclua daquilo que está pen-
sando. Além de interpretar as forças que agem sobre as pessoas, nos seus 
grupos e sociedades empiricamente observáveis, também interpreta os 
discursos e pensamentos relativos a estas forças e assim vai produzindo 
seus próprios conceitos mais adequados ao entendimento das vivências 
humanas. 
É isto que queremos mostrar: a Sociologia é uma ciência dedicada 
a compreender as interações, as ligações ou as teias que conectam os 
indivíduos entre si, os indivíduos aos grupos, os grupos entre si e estes 
19
Introdução
com a sociedade como um todo. Esta rede produz potenciais orientadores 
de sociabilidades e identifica as sociedades. Assim, o todo está na parte 
e a parte está no todo, ou seja, os indivíduos são produtos e produtores 
da sociedade, os Outros estão contidos no Eu (o eu é multideterminado 
– pela família, natureza, cultura...), como indica o esquema a seguir.
©Anthropos Consulting 9
HUMANIDADE DA 
VIDA
ETHOS
CULTURADEMENS
SAPIENS
A figura anterior mostra algumas das mais importantes implicações 
deste conceito de que a Sociologia aborda as relações sociais: este objeto 
específico é importante de ser compreendido mais cientificamente.Quer dizer: quando nascemos já existia a sociedade. Fomos preparados 
para entrar para ela. Posteriormente agimos de acordo com a estrutura 
estruturada. A família é o ponto de partida de nossa socialização. É ali 
que começamos nossas relações sociais, criamos os laços sociais mais 
profundos de nossa existência. Por isso muitas justificativas de nossas 
ações e entendimentos podem ser encontramos na nossa trajetória fami-
liar. A estrutura de nossa personalidade, as potências afetivas de nossa 
vida, a valorização do outro, o respeito ao trabalho e a ordem social, etc., 
encontram-se na família, pois são produto e produtora da sociedade. Já a 
escola é onde aprendemos nossas potencialidades simbólicas e culturais 
e adquirimos capacidade para o controle objetivo do mundo expresso 
Natureza 
Os Outros
Mídias
Trabalho
Religião
Escola
Família
20
E n i o W a l d i r d a S i l v a
na escrita. Ali, os elementos racionais e universais da existência huma-
na tomam novo sentido e somos pugnados para o social, o coletivo, a 
ordem social, a autoridade e a força da ciência... Estes dois espaços são 
fundamentais para entendermos as formas de ligações entres as pessoas, 
as redes que os conectam entre si e ao mundo social e assim seguem 
os estudos da Sociologia buscando compreender empiricamente a im-
plicações da cultura, da economia, da natureza, da mídia, do Estado, da 
religião na constituição da dimensão social dos indivíduos.
Estes estudos foram se ampliando cada vez mais ao longo do tem-
po. A preocupação com o conhecimento científico surge no momento 
em que se percebe que o homem é um ser social que não se basta a si 
mesmo e que possui uma relação de dependência e complementaridade 
com a natureza, com os outros homens e com os esforços em ampliar 
seu entendimento do mundo que o envolve (ciência – pensamento 
sistematizado). O ser humano se distingue das demais espécies porque 
nem tudo o que ele faz surge de sua estrutura genética, nem se desen-
volve automaticamente em sua relação com a natureza, mas necessita 
de aprendizado de uma série de atividades fundamentais para sua 
sobrevivência e reprodução. A construção desse aprendizado se faz por 
meio da relação com outros seres humanos. A partir dessa relação ele 
começa a instituir a sociedade como sua forma de existência. Ele passa 
a entender que sua vida e seu aprendizado se constroem na relação e é 
essa relação que se transforma em experiência vivida e é transmitida às 
gerações posteriores.
Essas experiências construídas, refletidas e simbolizadas, coleti-
vamente, fornecem ao ser humano a capacidade de entender a natureza, 
compreender a si mesmo e construir sua história. Essa capacidade de 
buscar o significado das coisas que o cercam fez o ser humano produzir 
cultura e elaborar as próprias ciências, uma delas a Sociologia. Alguns 
pesquisadores dizem que a humanidade triunfou diante dos outros ani-
mais devido à mobilidade da força de sua inteligência capaz de modificar 
o ambiente natural e criar outro ambiente adequado a sua existência, 
21
Introdução
concretizado em vilas, aldeias e cidades. Foi quando agiu em grupos e 
com atividades solidárias que notamos as mais grandiosas realizações. 
Quando concorreu entre si vemos os desastres, as guerras e a violência 
destrutivas.
Inteligentemente o ser humano aperfeiçoou seu modo de viver 
em grupo, criando normas, regras e regulamentos que permitiram inte-
rações mais intensas. Inicialmente suas ações eram determinadas pelo 
instinto de vida. O encontro com outros diferentes provocou ações mais 
planejadas e combinadas.
A organização humana em sociedades, a capacidade de interven-
ção do homem na natureza aumentaram. Suas criações são chamadas de 
culturas e estas foram aos poucos se separando das atividades práticas e 
ao mesmo tempo possibilitando orientações de ações.
Nossas escolhas, nossas ações são orientadas pelo lugar que ocupa-
mos na estrutura social. Quando entendemos como se forma esta estrutura 
e como fomos preparados para viver dentro dela mais podemos orientar de 
modo criativo nossas ações e mais liberdade teremos. Assim, a Sociologia 
é uma ciência da liberdade, pois permite que se crie uma vida coletiva 
de modo regulado estruturado e sempre em aperfeiçoamento.
Nos últimos tempos tem crescido o interesse em entender a 
densidade das relações sociais que estão produzindo conflitualidades 
para além dos sistemas de controle existentes. É a este assunto que 
vamos nos dedicar daqui para a frente, denominado de Sociologia Jurí-
dica, reconstruindo os elementos que tornaram o Direito uma ciência 
e uma prática da sociedade, as crises e as críticas a ele dedicada e por 
último nos dedicaremos a mostrar as pesquisas atuais da Sociologia que 
ajudam a entender os processos regulatórios e emancipatórios presentes 
na sociedade.
As pesquisas sociológicas procuram explicar os problemas sociais 
e apontar soluções para eles. Grande parte destes problemas refletem 
no Direito e, muitas vezes, este, o Direito, se torna parte dos problemas. 
22
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Ou seja, a Sociologia Jurídica aponta a realidades sociais que envolvem 
o Direito, as normas, as leis e as estruturas jurídicas; estuda as crenças e 
descrenças dos grupos na validade do Direito e mostra como este orienta 
as condutas humanas.
Podemos dizer inicialmente que a Sociologia Jurídica faz a tradu-
ção da relação que existe entre a ação e a estrutura social, entre liberdade 
e regulação social.Os aspectos regulatórios e emancipatórios da socieda-
de, que a Sociologia Jurídica estuda são todos aqueles elementos cujas 
funções são assegurar o controle social: Estado, Judiciário, Ministério 
Público, polícia, exército, prisões, burocracia, lei e instituições (criadas 
para um setor: ex. meio ambiente, comércio internacional, estatutos de 
profissões, remédios, energias)... Aspectos emancipatórios são as ações 
de indivíduos em seus mais variados aspectos, a cultura, o esporte, a 
arte, a ciência, etc... então a Sociologia Jurídica estuda as relações entre 
indivíduos e as leis, a sociedade e o Direito, a liberdade e obediência 
às leis.
No caso específico da Sociologia Jurídica, o que interessa aqui é 
contribuir para entender o Direito como um dos fatos sociais mais perti-
nentes da atualidade histórica, constituído de elementos – forças capazes 
de constituir a sociedade, consolidar convivências humanas e organizar 
o todo social, tarefas de todo cidadão. Ou melhor, se não soubermos 
como funciona o poder e quem o detém, dificilmente conseguiremos 
propor mudanças e atuarmos na construção de uma sociedade mais jus-
ta. A cidadania é a expressão do nosso compromisso, do nosso dever em 
participar da organização da sociedade em que vivemos, e o direito de 
usufruir dos resultados da participação nas ações coletivas. Só podemos 
ser livres se desatarmos as amarras do poder hegemônico que negamos, 
mas para tanto é preciso saber que sociedade queremos. 
A sociedade é resultado do complexo de relações sociais em forma 
de teias, de redes ou nexos, as instituições, os indivíduos, a cultura, os 
comportamentos, as normas e os valores compartilhados.
23
Introdução
Foram os sociólogos que distinguiram mais amplamente o conceito 
de sociedade desta compreensão de que ela era um nome coletivo para 
muitos indivíduos. Eles entendiam que a sociedade tem uma identi-
dade que lhe é característica e que transcende os indivíduos que a ela 
pertencem. Trata-se de uma coletividade organizada que se mantém por 
vínculos cooperativos para garantir a sobrevivência, para perpetuar-se, 
partilhando uma cultura sob as orientações de estruturas institucionais. 
Como é possível perceber, todas as definições apresentadas são amplas 
e geraram muita controversa (Silva, 2008a).
Em uma formação social, os grupos, os setores ou as classes estabe-
lecem relações de força. Os vencedores asseguram para si instrumentos 
que permitem controlaro poder/espaço por um determinado tempo, a 
ponto de impedir os resistentes de vencê-los. A hegemonia do grupo 
vencedor está em fazer valer a sua vontade como se fosse de todos e 
de garantir instrumentos de manutenção, ou seja, pode até existir a 
contestação, a discordância, mas estes são obrigados à conivência com 
quem detém a força. Ou seja, somos levados a entrar para uma socieda-
de pelos mecanismos de socialização existentes e só com muito esforço 
reflexivo conseguiremos entender as forças que nos compelem à ação, 
às formas de pensar.
Nenhuma sociedade funciona sem que o comportamento da 
maior parte das pessoas possa ser prevista ou controlada, uma vez que os 
indivíduos não são autossuficientes. O ser humano interioriza as normas 
moldadas pelos grupos existentes anteriormente e depois exterioriza-as 
em suas ações e pensamentos. A coerência entre interiorização e ex-
teriorização vai depender dos processos de socialização instalados na 
sociedade capazes de fazer a coerção e a coação para que os indivíduos 
aprendam ao longo do tempo os comportamentos aceitos e quais os que 
seriam reprovados. Estas diferenças se concretizam nos papéis sociais 
(funções) assumidos.
24
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Quando as pessoas seguem aquilo que lhes foi ensinado aprovar 
diz-se que temos a ordem social. A disciplina de uma sociedade repousa 
na rede de papéis de acordo com a qual cada pessoa aceita certos deveres 
em relação aos demais e exige, por sua vez, certos direitos. Quanto mais 
se motiva condutas recíprocas de indivíduos, quanto mais se fizer com 
que eles se abstenham de certos atos que, por alguma razão, são consi-
derados nocivos à sociedade, e se fizer com que executem outros que, 
por alguma razão são considerados úteis à sociedade, mais civilizados 
somos e mais ordem teremos (Kelsen, 2005).
É neste processo que a Sociologia entende que entra o Direito, pois 
é nele que se percebe as relações sociais constituidoras da sociedade. No 
Direito, há sempre referências às relações sociais que se desenvolvem 
em sociedade, e da mesma forma, onde existem relações sociais pode 
ser encontrado o Direito. Em cada momento, em cada povo o Direito 
determina o modo de ser da sociedade, o perfil da estrutura básica é 
resultado da ação do Direito, que exerce a função do controle social e 
é condicionado pelas crenças religiosas, pelas convicções éticas, pelas 
ideologias, os costumes, os interesses econômicos, políticos, culturais, 
os avanços técnicos e científicos, etc. (Dias, 2009, p. 22).
Ao pesquisar empiricamente as ações características de grupos 
sociais, a Sociologia foi consolidando métodos que contribuíram para 
que a própria ciência jurídica fosse se tornando um estudo sistematizado 
e autônomo. Assim, desde os primeiros cursos de Direito a Sociologia 
contribuiu para dar rigor às compreensões sobre o social. Os estudos 
sociojurídicos possuem sempre um caráter interdisciplinar, em que se 
pressupõe a colaboração equilibrada entre juristas e sociólogos que 
compreendem não apenas o Direito em sentido estrito, mas também os 
modos de regulação de conflitos que dele se aproximam ou com ele se 
relacionam. Isso requer a compreensão de que há uma interação objeto/
sujeito e noção de que as realidades sociais podem ser diferentemente 
representadas nas teorias, necessitando diálogos entre elas.
25
Introdução
Para sintetizar podemos destacar o seguinte conceito da Sociologia 
Jurídica: é um ramo especializado da Sociologia que busca compre-
ender as expressões das relações sociais presentes na organização 
normativa da sociedade. Ou seja, estuda:
– As realidades sociais no entorno da ordem jurídica;
– As relações sociais efetivamente registradas/concretizadas na socieda-
de;
– As aproximações e os distanciamentos entre a regulação e as vivências 
sociais;
– O lugar e o papel do Direito na sociedade;
– As possíveis respostas que a sociedade fornece aos sistemas regulató-
rios;
– A cultura jurídica dos agentes sociais e dos cidadãos da sociedade 
civil;
– As estruturas regulatórias e as ações;
– As forças das regras e a legitimidade destas;
– Como são construídas as leis, quais os interesses em jogo nessa cons-
trução; 
– Os espaços estruturais do jurídico;
– As estruturas para garantir o acesso ao jurídico e à Justiça;
– As relações sociais entre os sujeitos do Direito;
– Os impactos sociais da ação do jurídico, etc.
Então, a Sociologia Jurídica procura entender as relações entre 
liberdade e regulação, compreender como ocorre a relação entre a 
sociedade e o Direito, como uma sociedade se organiza para criar sua 
vida jurídica e como esta passa a refletir na sociedade. Pressupomos, 
pois, que o comportamento social é resultante das repostas que as 
pessoas dão a vários fenômenos complexos que somente podem 
26
E n i o W a l d i r d a S i l v a
ser analisados no contexto do ambiente no qual sua socialização se 
realizou. É este o peso empírico que a Sociologia carrega: estudar os 
comportamentos dos indivíduos em seus aspectos internos e externos1 
conforme os contextos que estão sempre em mudança.
À medida que os indivíduos vão continuamente se adaptando, 
como seres sociais, às exigências do grupo de convívio, o seu compor-
tamento torna-se parecido ao dos outros membros e as expectativas 
de comportamento são possíveis de serem estudadas, de serem padro-
nizadas e mesmo controladas. O controle, a padronização nunca são 
completos e nem os estudos são exatos, pois a conduta humana é bem 
mais do que simples respostas aos estímulos externos e internos, uma 
vez que lhe é possível planejar ações visando a algum objetivo.
Quando os estudos do homem enquanto ser social começaram a 
se ampliar percebeu-se que seria possível verificar algumas tendências 
que se confirmavam. Daí resultou a cultura de que todos precisamos 
de regras para nossas condutas que sejam claras, conhecidas e ajusta-
das ao grupo. E assim teve origem o controle social que muitas vezes 
entrou em choque quando um grupo tenta impor a outros o seu modo 
de ver, de sentir o mundo a sua volta.
Para entender melhor este momento de afirmação da cultura jurídi-
ca vamos fazer uma rápida revisão da evolução da sociedade descrita pela 
Sociologia e depois retornaremos ao contexto da modernidade, período 
histórico de intensas demanda por controle social. Antes, porém, vamos 
ver esta excelente descrição da Sociologia Jurídica criada por Souto:
1 Conforme Souto (1981), ao lado dos elementos considerados externos ao comportamen-
to temos os outros, objetos, conhecimentos e do mundo interno como as substâncias 
químicas, as pressões e distensões mecânicas de nosso organismo.... a fome, a sede, o 
sono, por exemplo, são expressões dos estímulos provocados pelo meio interno. E isso 
não é objeto necessariamente da Psicologia, mas a Sociologia pode se valer de saberes 
de outras ciências (Souto; Souto, 1981).
27
Introdução
O fenômeno jurídico pode ser percebido como norma ou como condu-
ta.Tanto numa visualização como noutra, norma e conduta jurídica se 
implicam, pois conduta jurídica é sempre normada e a norma sempre 
se refere à conduta social. A norma jurídica se origina de uma conduta 
humana específica. Por isso o direito é fenômeno claramente social... 
se o jurídico é fato social este é preocupação constante da Sociologia 
Jurídica. Esta estuda este em sua correlação com a realidade social... 
A perspectiva sócio-científica do jurídico tem-se afirmado internacio-
nalmente de forma clara e progressiva, e não pode ser ignorada por 
um país em desenvolvimento como o Brasil. Com efeito a expansão 
das sociedades e de seus problemas de contato social, o aumento 
da comunicação interna e externa, as necessidades da vida nacional 
e internacional, tudo parece demandar um tipo de controle social 
adaptável à sociedade: um controle menos formal, menos dogmático, 
mais dinâmico, que corresponda à rápida mudanças ocorridadentro 
das sociedades particulares e à natureza da sociedade internacional, 
que permanece sendo, em grande escala, uma sociedade informal 
(Souto; Souto, 1981, p. 13).
CAPÍTULO 1
AFIRmAÇÃO E 
ESTRUTURAÇÃO DA 
CULTURA JURÍDICA
A sociedade iniciou quando os homens, permeados pelas neces-
sidades humanas, tiveram de assentar-se sobre um território, produzir 
alimentos, construir seu hábitat e assegurar suas vidas. Esses diferentes 
processos foram chamados de formalização da natureza, ou humanização 
da natureza. Como não podia fazer isso de modo individual, o homem 
uniu-se a outros que tinham os mesmos interesses, formou famílias e 
iniciou atividades coordenadas para transformar a natureza. Essas ações 
coordenadas foram chamadas de trabalho e os pactos formados para 
viverem juntos foram denominados de normatização do coletivo (leis). A 
primeira forma organizativa e normatizada foi a família, que além de ser 
fruto da organização bio-lógica, tornou-se a forma elementar, básica e 
inicial da vida em sociedade. Em torno dela e para sua defesa criaram-se 
muitas disposições culturais e se aumentou a capacidade de trabalho. 
Veremos primeiramente a evolução do trabalho do homem e em seguida 
a institucionalização dos entendimentos sobre a ordem social.1
Trabalho e Sociedade
Segundo Cristiano da Paixão Araújo Pinto, pode-se ilustrar a transição 
das formas arcaicas de sociedade para as primeiras civilizações da 
Antiguidade mediante três fatores históricos:
 a) o surgimento das cidades cuja origem pode-se situar no Paleolítico, 
na Mesopotâmia. Pode-se dizer que o processo de destribalização teve 
início no século IV a.C., tendo-se notícia da formação de cidades nos 
anos 3100-2900 a.C., na Baixa Mesopotâmia, isto é, região designada 
por Suméria, nas margens do Rio Eufrates, mais próxima ao Golfo 
Pérsico. No período histórico imediatamente subseqüente (dinástico 
primitivo 2900-2334 a.C.) menciona-se a formação de outras cidades, 
entre as quais Nipuur e Ur;
1 Este texto foi adaptado de Silva, Enio Waldir. Sociedade, política e cultura. Ijuí, RS: Ed. 
Unijuí, 2008.
32
E n i o W a l d i r d a S i l v a
b) a invenção e domínio da escrita, estreitamente ligada ao surgimento 
das cidades, cujas primeiras manifestações (cuneiformes) se deram 
na Mesopotâmia, por volta de 3100 a.C e
c) o advento do comércio e, numa etapa posterior, da moeda metálica, 
por um sistema de trocas de mercadorias e venda em mercados ou 
na navegação. Na clássica lição de Engels,2 a origem do comércio 
localiza-se na divisão do trabalho gerada pela apropriação individual 
dos produtos antes distribuídos no seio da comunidade; com a re-
tenção do excedente, a criação de uma camada de comerciantes e 
a atribuição de valor a determinados bens, o homem deixa de ser 
senhor do processo de produção. Inaugura-se, então, ainda segundo 
Engels, uma assimetria no interior da comunidade, com a introdução 
da distinção rico-pobre... Porém, falar em um direito arcaico ou primi-
tivo implica, contudo, ter presente uma diferenciação da pré-história 
e da história do direito e ainda, quanto aos horizontes de diversas 
civilizações, no sentido de precisar o surgimento dos primeiros textos 
jurídicos com o aparecimento da escrita, tudo dependendo do grau 
de evolução e complexidade de cada povo... o direito arcaico pode 
ser interpretado a partir da compreensão do tipo de sociedade que 
o gerou. Se a sociedade da pré-história fundamenta-se no princípio 
do parentesco, nada mais a considerar do que a base geradora do 
jurídico encontra-se, primeiramente, nos laços de consangüinidade, 
nas práticas do convívio familiar de um mesmo grupo social, unido 
por crenças e tradições (Tavares).3
A interpretação da sociedade pode ser feita pelo estudo do modo 
como o homem organizou-se para o trabalho. Neste caso, nas comunida-
des primitivas o “trabalho” era visto como uma resposta do ser humano 
às suas necessidades básicas: fome, abrigo, vestimenta, defesa, etc., não 
podendo ser separado dos demais aspectos da vida social: ritos, mitos, 
festas, artes, sistema de parentesco, entre outros. Ele não tinha valor em 
si, ou seja, separado dos demais aspectos da vida social (Rotta, 2006).
2 Engels, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 3. ed. São 
Paulo: Global, 1986.
3 O Direito nas Sociedades Primitivas: Algumas Considerações. Disponível em: <www.
fmd.pucminas.br/virtuajus/ano1_08_2003>.
33
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
Embora tendo diversidade, a maior parte das sociedades tribais 
praticava uma separação do trabalho por sexo e idade. Dividiam as tarefas 
para dar conta das necessidades e para garantir o processo de aprendiza-
gem e reprodução do grupo.4
O esquema a seguir mostra a evolução das formas organizativas 
do homem:
1
GENS GENSGENS
REUNIÃO DE FAMILIAS - FPM
REUNIÃO DE GENS - CLÃS
CLÃS
G
G
G
CLÃS
G G
G
As ações dos sujeitos resumiam-se na busca de alimentos e no su-
primento de necessidades. Quando ocorreu a escassez de alimento alguns 
grupos se deslocaram para longe e outros ficaram próximos, assentados 
em territórios. Ali formaram os primeiros grupos humanos, cujo centro 
se dava em torno das atividades da mãe: a Família Poligâmica Matriarcal 
– FPM. A união para defesa gerou as Gens (união da FPM). A estratégia 
de manutenção, reprodução e defesa levou às clãs... depois se formaram 
as tribos, e sucessivamente os impérios... É neste último momento que 
se passou da FPM para a FMP – Família Monogâmica Patriarcal, e com 
ela a complexificação da sociedade em classes sociais 
4 Rotta, Edemar, citado por Silva, 2008a.
1
GENS GENSGENS
REUNIÃO DE FAMILIAS - FPM
REUNIÃO DE GENS - CLÃS
CLÃS
G
G
G
CLÃS
G G
G
34
E n i o W a l d i r d a S i l v a
As atividades de trabalho estavam em harmonia com o processo 
natural. Conheciam profundamente o meio em que habitavam e pro-
curavam aproveitar sua capacidade de trabalho para usufruir, da melhor 
maneira possível, dos recursos proporcionados pela natureza.
As técnicas utilizadas eram simples, mas davam conta das neces-
sidades do trato com a natureza. Isso não quer dizer que não houvesse 
inovação. O trabalho era, acima de tudo, uma atividade social, pois estava 
voltado para o bem da coletividade e não para um processo de acumula-
ção, sendo desenvolvido de forma coletiva. 
No momento em que o trabalho passa a ser visto como atividade 
autônoma e ser orientado para a acumulação, tem-se o rompimento com 
as sociedades tribais e a transição para a formação dos reinos e impérios 
que vão dar origem às grandes civilizações da Antiguidade: os persas, os 
egípcios, os gregos, os romanos, etc. Temos aí a sociedade escravista.
TRIBOS TRIBOSTRIBOS
REUNIÃO DE CLÃS - TRIBOS
REUNIÃO TRIBOS - IMPÉRIOS
T
T
T T T
T
FMP – FAMILIA MONOGAMICA 
PATRIARCAL
As disputas entre os diferentes povos levaram os vencedores a se 
apossarem das riquezas dos vencidos: terras, animais e pessoas. O direito 
de conquista submete o vencido à condição de escravo (Grécia e Roma) 
ou de pagador de tributos (persas e egípcios).
35
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
Opera-se aí uma nova divisão do trabalho que vai substituir a 
divisão por sexo e idade. É a divisão entre trabalho braçal e trabalho 
intelectual. O trabalho manual, de quem labuta na terra, e o intelectual, 
que planeja e ordena a vida social.
– Trabalho braçal: que exige a força bruta e reduzida habilidade; ativi-
dade passiva e sujeita ao ritmo da natureza, típica dos agricultores e 
escravos;
– Trabalho manual: cuja ênfase recai sobre o fazer, o ato de fabricar, de 
criar alguma coisa por meio do uso de instrumentos ou das próprias 
mãos. É o trabalho do artesão, do escultor, em que o produto pode 
permanecer para além da vida de quem o fabrica;
– Trabalho intelectual (práxis): é a atividade que tem a palavra como 
seu principal instrumento. O trabalho livre, dos cidadãos,dedicado a 
discutir os assuntos da vida pública (negócios públicos: administração, 
gestão, poder, artes, Filosofia, etc.) e a dispor, da melhor maneira 
possível, os produtos postos à disposição pelas outras formas de tra-
balho.
Essa divisão era vista como um processo natural, decorrente 
da competência das pessoas, por uma superioridade ou inferioridade 
natural.
A condição de escravo, independentemente do ofício a que era 
submetido, gerava uma submissão natural ao seu senhor, a quem deveria 
servir até a morte ou a conquista da liberdade. O escravo poderia ser 
vendido, trocado, alugado, etc. É nesse sentido que se produz uma visão 
negativa do trabalho, visto como castigo e sofrimento; com a desagre-
gação dos grandes impérios, desencadeia-se um retorno ao meio rural e 
às atividades agrárias. A escravidão vai cedendo lugar à servidão. Uma 
relação de mútuos direitos e obrigações entre o servo e o seu senhor. O 
senhor não é mais proprietário do trabalhador, mas da terra e dos instru-
mentos de trabalho e os arrenda ao trabalhador em troca de obrigações 
que este deve prestar-lhe. 
36
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Estabelece-se uma relação contratual; as relações servis acabam 
produzindo uma sociedade com espaços definidos e funções determi-
nadas na divisão do trabalho; essa divisão era entendida como natural 
e legitimada por um discurso religioso; a produção do feudo servia para 
atender às suas necessidades. O excedente era consumido em festas ou 
trocado com feudos vizinhos. A tecnologia utilizada era simples e seu 
avanço muito lento. Estava ligada ao mundo prático da vida e ao ciclo 
da natureza. Isto é muito próprio do feudalismo.
Apesar de as atividades dominantes estarem ligadas à terra, 
havia o desenvolvimento de outras atividades que, aos poucos, foram 
conquistando espaço e gerando profissões reconhecidas e organizadas, 
as corporações de ofício. A partir delas, porém, já vamos ter uma nova 
forma de organizar o trabalho que vai rompendo com o modo dominante 
do contrato e preparando as relações assalariadas.
FEUDALISMO
• -SENHORES
• -VASSALOS/CLERO
• -SERVOS
SEDE/CIDADE
CONTRATOS
SERVIÇOS
PRODUTOS
TRIBUTOS
A crise do feudalismo, na Europa, vai proporcionar o maior desen-
volvimento das atividades urbanas, em especial do comércio e artesanato, 
levando à afirmação de uma nova compreensão de trabalho.
A desagregação do feudalismo na Europa está ligada a um conjunto 
de fenômenos: esgotamento das terras e das tecnologias, aumento da 
população, crises de fome e doenças, desenvolvimento do comércio e das 
atividades urbanas, etc. O desenvolvimento do comércio e das ativida-
des urbanas vai gerar um novo grupo social composto por comerciantes 
e artesãos que precisam afirmar o seu trabalho como a origem dos bens 
37
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
que vão se acumulando. Assim, passam a gerar um sentido positivo ao 
trabalho e a demandar novas teorias que possam justificar esse sentido 
positivo. As teorias liberais vão dar sustentação a essa compreensão.
Locke atribuiu ao trabalho a fonte de toda a propriedade. Adam 
Smith afirmou que o trabalho é a fonte de toda a riqueza. Marx, embora 
não concordando com as ideias liberais, consolidou essa compreensão 
ao referir o trabalho como fonte de toda a produtividade e a expressão 
da própria humanidade do homem. 
As novas ideias afirmaram a compreensão positiva do trabalho, que 
passa a ser visto como a fonte de riqueza de uma Nação. A capacidade 
de acumular riquezas passou a depender da aptidão de trabalho e não 
apenas da posse de recursos naturais, da balança comercial favorável ou 
do acúmulo de metais preciosos por processos de exploração colonial. 
Assim tem início o capitalismo.
O domínio de atividades urbanas ligadas ao comércio e ao artesa-
nato vai desencadear também uma intensificação do ritmo tecnológico, 
principalmente nessas áreas; os comerciantes e artesãos aliam-se aos 
reis e fortalecem seu poder, contrapondo-se à nobreza e ao clero e pre-
parando uma consequente conquista de ascensão ao poder do Estado; o 
desenvolvimento das cidades vai gerar um mercado de trabalho urbano 
submetido a novas regras, cada vez mais orientadas para o assalariamento, 
para a separação entre o trabalho e os meios de produção e para o cultivo 
de uma “ética do trabalho” (Rotta, 2006).
CLASSES FUNDAMENTAIS
• PROPRIETÁRIOS X NÃO-PROPRIETÁRIOS
BURGUESIA PROLETARIAO
SOCIEDADE CIVILSOCIEDADE POLITICA
38
E n i o W a l d i r d a S i l v a
O ambiente urbano prepara a consolidação da ideia de que é com 
o trabalho que a pessoa tem possibilidade de ascender socialmente, 
superando as visões antigas, baseadas em laços de sangue, de heredita-
riedade e de títulos.
Função do trabalho no capitalismo: lucrar/acumulação; fonte de 
riqueza –individual e coletiva; fonte da liberdade; força da competição; 
universalização do cidadão; moral profissional; força do mercado. É nesse 
contexto que começam aparecer estudos sociológicos sobre: condições 
de vida, legislação trabalhista, saúde, mortalidade infantil, moradia, 
formação profissional, composição racional, salário, jornada de trabalho, 
gestão de mão de obra, trabalho das mulheres, crianças e idosos, aciden-
tes de trabalho, exclusão, sofrimento no trabalho, organização urbana, 
assistência ao trabalhador e sua família, papel do Estado, conflitos entre 
patrões e empregados, resistências individuais e coletivas, associações 
e sindicatos de trabalhadores, etc. O que vai assegurar a estruturação da 
vida moderna pode ser interpretado pelo esquema a seguir:
Fontes para a ordem Moderna
• ESTRUTURA/BASE • SUPERESTRUTURA
• Ciência
• Educação
• Direito
• Estado
• Indústria
• Comércio
• Mercado
• A Propriedade
• A Competição
• O Positivismo
Elite
Burocratas
Classe Média
Operários 
Fortalece-se a compreensão dos direitos da pessoa no trabalho, 
aumentam as leis trabalhistas, crescem os movimentos sociais e sindicatos 
(patronais/trabalhadores); criam-se instituições do trabalho; o trabalho 
abstrato amplia-se; aplica-se a ciência para efetivar o resultado do tra-
balho com taylorismo/fordismo; muitos países fazem alianças nacionais 
39
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
– imperialismo do capital – para organização do trabalho, etc. Enfim, 
muda o comportamento das pessoas, inclusive são treinadas em escolas 
para agir no trabalho, com o trabalho – uma ação encadeada... Quem se 
adaptou criou uma nova moral... foi convencido que pelo trabalho cresce 
na vida... se salva.... não é vagabundo, vadio, etc... Inclusive diversas leis 
emergem para regular o trabalho... cidades inteiras foram organizadas em 
torno do trabalho do homem... a “ética” justifica as diferenças sociais, as 
posições dos ricos, a moral, a valoração... inclusive o fascismo vai pregar o 
trabalho como fim último do homem (lavoro, lavoro, lavoro), invertendo 
seu sentido.
Vamos agora recuperar a trajetória do pensamento social que 
expressou a evolução do Direito ou, no mínimo, influenciou esta evo-
lução.
Pensamento Social
Na maioria das sociedades remotas, a lei é considerada parte nuclear de 
controle social, elemento material para prevenir, remediar ou castigar 
os desvios das regras prescritas. A lei expressa a presença de um direito 
ordenado na tradição e nas práticas costumeiras que mantêm a coesão 
social (Wolkmer)5.... a comparação das crenças e das leis demonstra que 
as famílias grega e romana foram constituídas por uma religião primiti-
va, que estabeleceu o casamento e a autoridade paterna, fixou os graus de 
parentesco, consagrou o direito de propriedade e o direito de herança. Esta 
mesma religião, por haver difundido e ampliado a família, formou uma 
associação maior, a cidade, e nela reinou do mesmo modo que reinava na 
família. Desta se originaram todas as instituições como todo o direito privado 
5 O direito nas sociedades primitivas. In: Fundamentosde história do direito. Belo Horizonte: 
Del Rey, 2001. p. 20.
40
E n i o W a l d i r d a S i l v a
dos antigos. Foi dela que a cidade extraiu seus princípios, suas regras, seus 
usos e sua magistratura [...] É mister, pois, estudar antes de tudo, as crenças 
destes povos (Coulanges).6
A origem do Direito está, como referimos, lá no momento em que 
o homem começou a viver em grupo e sentiu necessidade de controlar 
as condutas humanas (Souto; Souto, 1981). O pensamento sobre o social, 
no entanto, surge mais tarde, depois dos mitos, dos totens, das religiões 
e junto com a Filosofia. Nasceu com estas perguntas: Como poderíamos 
programar as causas da ação humana, especialmente aquelas condutas 
relacionadas a sua vida coletiva? Como a vivência junto poderia aprimorar 
a civilização e como um homem pode ser o complemento da construção 
do outro?
Os estudos sobre a política mostram que o primeiro ato político 
do homem foi aquela ação que cometeu em relação aos outros ou da ex-
pectativa que tinha em relação à ação dos outros. Com as aproximações 
humanas a política passou a se constituir em atos especificamente criados 
para a vida coletiva. Foi necessário, portanto, criar um saber específico 
sobre estes temas, para entender a confluência de forças existentes em 
uma comunidade que orientam a vida coletiva.7
No início dos estudos políticos a preocupação estava em definir 
como o homem poderia ser mais político que a sua dimensão natural, 
ou seja, o homem é um ser político por natureza, mas como ele poderia 
adquirir capacidades para agir de modo universal, pela coletividade e para 
coletividade de modo a tornar cada vez mais justa a vida em sociedade. 
A esquematização das respostas poderia ser assim apresentada:
6 Refere-se a Coulanges, Fustel. A cidade antiga. 2. ed. São Paulo: Edipro, 1999. p. 13-14. 
Citado por Fernando Horta Tavares. Disponível em: <www.fmd.pucminas.br/virtuajus/
ano1_08_2003>.
7 Silva, Enio Waldir. Sociedade, Política e Cultura. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2008a.
41
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
 JUSTIÇA SOCIAL 
NECESSIDADES PRIMORDIAIS: 
NATURAIS: ALIMENTO –AFETO 
SOCIAIS: MEDOS (MORTE) E 
DESEJOS (SER FELIZ) 
AÇÃO FUNDAMENTAL: 
O TRABALHO E A EDUCAÇÃO 
TRANSFORMAR A NATUREZA – 
ALIMENTO E CASA 
CONHECIMENTO E FÉ 
Os elementos deste esquema poderiam ser entendidos como os 
passos da evolução da organização política. Parte da criação do pensa-
mento social foi para justificar maneiras de administrar o espaço universal 
público (chamado de polis, cidade, sociedade). No centro do espaço 
público está o Estado: a instituição fruto da razão humana e a mais 
complexa para assegurar a vida coletiva. Ele tornou-se um lugar no qual 
se condensou grande parte das intenções de controle social e para onde 
atividades coletivas se voltavam para conflitos sociais e as disputas dos 
grupos. Passou a ser a expressão estruturada do poder, tendo elementos 
coativos e coercitivos, e se colocou acima de todas as outras instituições 
reconhecidas: a família, a escola, a empresa, a religião...
42
E n i o W a l d i r d a S i l v a
4
ESTADO
EXPRESSÃO ESTRUTURADA DO PODER COLETIVO
2
1
4
5
5
3
1
3
2
4 5
5
COAÇÃO
COERÇÃO
Coação: Todos os elementos sociais que atuam no convencimento à ordem social.
Coerção: Todos elementos de força que obrigam o indivíduo a seguir a ordem 
social.
A história política do homem passa pela história do Estado, das 
doutrinas sobre melhor governo, das instituições criadas para assegurá-lo 
e pelos movimentos sociais para conquistá-los. Podemos esquematizar 
assim a história do pensamento sobre as relações sociais constituídas 
juridicamente:
EVOLUÇÃO DA ORDEM SOCIAL 
GREGOS
CRISTÃOS
MODERNIDADE
PÓS-MODERNIDADE
CULTURA JURÍDICA
ATUAL
ROMANOS
Assim, iniciamos no século 6º a.C. a perceber os registros sobre 
regras do coletivo e segundo Châtelet (1984), a cultura política do 
mediterrâneo europeu tem como uma das fontes a civilização grega 
43
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
clássica. O conjunto de invenções institucionais, literárias, artísticas, 
científicas, teóricas e técnicas, condensadas na forma política da cidade 
(polis), destaca a grandeza desta civilização que teve seu período de ouro 
entre o século 6º a.C. e o século 1º a.C. A origem dessa forma política 
de vivência está nos acordos feitos pelas populações em conflito, pois 
precisam criar regras para o jogo das vivências sociais. Drácon e Sólon 
foram os primeiros legisladores do Ocidente ao enunciarem ideias sobre 
a participação de cada um na gestão da cidade, nas decisões das questões 
de interesses coletivos, bem como a forma de arbitragem dos conflitos e 
a punição dos crimes e dos delitos.
A lei passou a ser a orientadora das pessoas, e poderia ser obede-
cida sem temor, como era a obediência por medo de quem obedecia a 
um outro, um senhor. Com textos claros e conhecidos e que tornavam 
públicos os julgamentos, a lei era como um princípio de organização 
política e, por isso, talvez, a invenção política mais notória da Grécia 
clássica (Châtelet, 1984, p. 14).
Se a lei é alguma coisa de alma, de razão, a cidade é algo concreto 
e espaço onde vivem os homens, em sua cotidianidade e em sua forma 
histórica, como animal político (Aristóteles – A Política). Ou seja, para os 
gregos a sociabilidade é produzida pela natureza, no entanto é preciso 
ordená-la para que a virtude do homem possa realizar-se em sua pleni-
tude. A cidade é uma comunidade consciente, uma organização fundada 
não sobre a força bruta, não sobre interesses passageiros, mas sim uma 
forma política que expressa a essência humana, a possibilidade da justi-
ça e da satisfação dos desejos legítimos dos indivíduos.8 A estrutura da 
sociedade pode ser descrita como no quadro a seguir:
8 Silva, Enio Waldir. Sociedade, política e cultura. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2008a.
44
E n i o W a l d i r d a S i l v a
A ordem Gregos Clássicos
• ESTRUTURA/BASE • SUPERESTRUTURA
• Filosofia/Educação
• Ação Política/Cidadã
• Lei/Justiça
• Cidade/Ágora
• República/Estado
• Democracia
• Arte da Guerra
• Beleza/esporte
SÁBIO
GUERREIRO
Trabalhadore
s
Já os romanos colocaram em prática muitas ideias políticas dos 
gregos. De uma forma ou de outra, elas estão presentes nas instituições 
mais sólidas, como é o caso do Direito, do Império e da República.
O Direito Romano tinha por base a Lei das Doze Tábuas e se 
instituía tendo como objeto primeiro a família. O cidadão, o homem livre, 
é o pater familias, senhor absoluto da casa, cabe-lhe representar junto 
aos juízes quando julgar que ele próprio, os seus ou suas propriedades 
sofreram algum dano, bem como exigir reparação e penas adequadas. 
Mais tarde o Direito se estende aos peregrinos; depois a todos os que 
adquirirem cidadania. O Direito Romano espalhou-se pelo mundo entre-
meado pelos caminhos do império. Mesmo reduzindo o espaço territorial 
o Direito ficou onde foi o império, pois era fruto de racionalidades e se 
enraizou como uma forma de ordenação do mundo, regulamentando o 
que é e o que não é, e, ainda, propondo um dever-ser (Châtelet, 1984, 
p. 23).
Políbio (200-125 a.C.) e Cícero (106-43 a.C.) foram os principais 
pensadores sociais que trataram de descrever como deveria ser o Império 
Romano, mostrando que era uma comunidade que tinha sua unidade 
baseada num vínculo jurídico e numa ordem política bem determinada. 
Roma é a cidade ecumênica que guarda as maiores semelhanças com a 
cidade ideal descrita pelos gregos. O imperador e seus cônsules estavam 
no topo, eram os governantes, representavam o cérebro governamental; 
mais abaixo estavam os guerreiros que defendiam a cidade, mantendo 
45
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
sua glória simbólica; bem embaixo estão os artesãos e os agricultores, 
que proveem as necessidades materiais da cidade. A estrutura social 
pode ser assimdescrita:
Lei e Ordem para os Romanos
• ESTRUTURA/BASE • SUPERESTRUTURA
• A República
• A Cidade de Roma
• O Direito
• A Arte da Guerra
• O Senado
• O Consulado
• Artes e Ofícios
Cesar/Império
Guerreiros/Legiões
Cidadãos/estrangeiros
O problema da sucessão de César (César deveria preparar seu 
herdeiro), a quebra da cultura de onipotência do imperador (vindo de 
Cristo), a expansão territorial (conquistaram mais território do que podiam 
controlar) e o aumento da centralidade da Igreja Católica cristã levaram 
a um enfraquecimento e à dispersão do Império Romano. Nos anos 300 
d.C. o cristianismo virou religião oficial do império. O fim do império 
deu-se em 410. Inicia-se, então, uma nova fase de compreensão sobre 
o social e o modo de conceber a ordem social, as noções de liberdade, 
responsabilidade e ação histórica. Serão o cristianismo e o islamismo que 
irão marcar duradouramente as ideias e os costumes posteriores.
Essa nova ordem social é justificada nas proposições filosóficas 
de Santo Agostinho (354-430). Sua obra, carregada de expressões polí-
ticas, foi A Cidade de Deus. Seguiu-se a compreensão de que tudo o que 
existe é criação de Deus ou por sua vontade. Os preceitos teológicos do 
Deus Único e a concepção do homem como uma criatura de Deus vão 
se afirmando pela Idade Média, quando foram fundadas cidades cristãs 
baseadas num vínculo religioso e não nos vínculos jurídicos. Assim, as 
ideias aristotélicas de ação política vão ser redirecionadas para demarcar 
46
E n i o W a l d i r d a S i l v a
os deveres e os direitos da cristandade. A dimensão histórica e explica-
tiva agora não é mais natural, mas fruto da ordem divina: Deus criou o 
homem. Este ato foi o começo. A morte não é o fim, mas a ressurreição. 
O espaço entre o nascer e o ressuscitar é da provação em que o cristão 
paga ao Criador a dívida pela criação. O modo de pagar é rezando e tra-
balhando, conforme pode ser representado no quadro a seguir:
PROVAÇÃO
TRABALHAR
ORAR NA IGREJA
PAGAR O DÍZIMO
FIM: RESSURREIÇÃO
INÍCIO -
A CRIAÇÃO
CÉU - DEUS
INFERNO - DIABO
Os representantes de Deus na Terra orientavam a vida coletiva e 
individual e vão encomendando a alma dos fiéis. Se fizerem como man-
dam vão para o céu; se não o fizerem, irão para o inferno. O crime passa 
a ser chamado de pecado. O modo como vai sendo medido o pagamento 
da dívida divina é pela presença do homem nos sacramentos da Igreja e 
pelo depósito do dízimo.
A Igreja, a exemplo do Império Romano e da cultura grega, vai 
garantir algumas estruturas para se afirmar: o Direito Canônico, as or-
dens religiosas e o exército de Cristo. Uma série de pensadores cristãos 
(chamados de Santos) deram o contorno desta nova forma de entender 
o mundo (Boécio 480-521; Santo Anselmo 1033-1099; Santo Abelardo 
1079-1142; Santo Tomás de Aquino 1225-1274; São Boaventura 1221-
1274; Duns Scot 1265-1308; Gulherme de Occam 1290-1349; Nicolau de 
Cusa 1401-1464; Marcílio de Pádua 1275-1313...). A estrutura do poder 
nesse período poderia ser assim imaginado:
47
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
Fé e Ordem Social Teocrática
• ESTRUTURA/BASE • SUPERESTRUTURA
• A Palavra Sagrada
• A Fé
• O Direito Canônico
• A Evangelização
• As Ordens Religiosas
• As Cerimônias
• A Preparação p/ Céu
Deus/Papa
Padres / Igreja
Comunidade de Fiéis
Nos reinos vão se desenvolvendo noções novas e elaboram-se 
técnicas de gestão que substituem as hierarquias tradicionais por rela-
ções contratuais. O desenvolvimento do comércio e dos negócios torna 
indispensável uma moralização da atividade mercantil; e o estatuto do 
sujeito mercantil vai se ampliando na medida em que ele vai participando 
do bem-estar da comunidade ou usa as riquezas adquiridas para o bem 
comum. A cidade profana amplia-se e se enche de regras e princípios 
e o poder de governar passa a ser cada vez mais cobiçado. Os múltiplos 
abalos do período de 1400-1500 irão radicalizar essa orientação, inclusive 
passando a ser denominado de Renascimento.
Um dos reforços para a emergência dessa nova fase histórica que 
se convencionou chamar Modernidade, em que prevalece no poder 
coletivo a dimensão racional, jurídica e científica das relações sociais, é 
Martinho Lutero. Em 1517 ele vai expor mais de 90 teses denunciando o 
poder da Igreja de Roma. Havia tráfico de indulgências para obter ganhos 
materiais e exercer pressões morais sobre seus fiéis. Isto reforça o poder 
dos príncipes nos reinos e faz explodir a Reforma, uma tendência que 
contestava o poder da Igreja: a inspiração dos reformadores é, ao mesmo 
tempo, teológica, moral e política. Teológica, porque se fundamenta no 
cristianismo primitivo com o dogma de que a essência da religião está 
na fé e não na idolatria de imagens e riquezas; Moral, porque se opõe à 
corrupção do alto clero, mais preocupado com o poder e o luxo, esquecen-
Fé e Ordem Social Teocrática
• ESTRUTURA/BASE • SUPERESTRUTURA
• A Palavra Sagrada
• A Fé
• O Direito Canônico
• A Evangelização
• As Ordens Religiosas
• As Cerimônias
• A Preparação p/ Céu
Deus/Papa
Padres / Igreja
Comunidade de Fiéis
48
E n i o W a l d i r d a S i l v a
do a caridade e a piedade, e Política, porque a palavra de Deus, a Bíblia, 
passa a ser experimentada em sua dimensão prática, na língua dos povos 
que a leem. Os espaços que deveriam ser da Igreja e os que deverão ser 
do Estado têm forte expressão nas palavras de Lutero:
Meu reino não é deste mundo”. Tomando a palavra de Cristo ao pé 
da letra, Lutero deixa de certo modo o campo livre para a onipotência 
do Estado no mundo terreno; confere-lhe o monopólio da decisão e da 
repressão. Deixa-se ao cristão a possibilidade de intervir pela palavra 
e pelo exemplo, a fim de que sejam respeitados os mandamentos de 
Deus e afirmada a força espiritual da comunidade dos fiéis... Lutero, 
Münzer e Calvino (1536-1559) vão ser reformadores que colaboram 
para a afirmação das realidades nacionais e o poder do Estado e 
abrir um importante capítulo do pensamento político moderno: o 
das relações entre comunidades religiosas e o Estado convertido em 
potência laica, capítulo que é freqüentemente, ao mesmo tempo, o 
das relações entre exigências morais e necessidade política (Châtelet, 
1984, p. 43).
Nos esquemas a seguir vamos sintetizar a visão sociológica sobre 
a história do pensamento social e a visão sobre a evolução das normas 
sobre o coletivo:
CONCEPÇÕES DE MUNDO NAS TRÊS FASES HISTÓRICAS DO 
PENSAMENTO SOCIAL
Concepções Grego Clássico Teocratismo Cristão Modernidade
HOMEM É um ser político 
que pensa e entende 
suas necessidades e 
as formas de satisfa-
zê-las. Quanto mais 
estende suas ideias e 
as concretiza na ação, 
mais poder tem. 
É criatura de Deus, depen-
dente de Sua vontade e tem 
uma dívida com seu Criador. 
Quanto mais pagar essa dívida 
(rezar e trabalhar: ir à Igreja e 
pagar o dízimo), mais chance 
tem de ser perdoado e voltar 
ao seu Criador (Céu).
É um ser natural criador: pensa, 
fala e age (trabalha). Por convenção 
ou pacto, obedece a uma ordem 
criada por ele: Direito, Estado e 
Ciência.
SOCIEDADE É criação humana, 
uma estrutura que 
resulta da justa ideia 
e da disposição de 
viver juntos de modo 
civilizado.
É o conjunto dos fiéis que 
contribuem para o sucesso 
da Igreja; é a rede de relações 
religiosas que cumprem as 
ordens divinas e lugar de 
provação.
É a organização criada pelo ho-
mem para melhor desenvolver e 
potencializar sua natureza: pensar-
ciência; falar – contratos/pactos; 
agir – trabalhar/usar seu corpo. 
Assim é o conjunto dos indivíduos/
instituições dispostos de forma 
mais ou menos lógica para se 
viver bem.
49
Capítulo 1 – Afirmação e Estruturação da Cultura Jurídica
ESQUEMAS SOBRE A EVOLUÇÃO DO DIREITO9
9 Interpretação possível do texto de Fernando Horta Tavares: O Direito nas sociedades 
primitivas: algumas considerações, 2003.
CAPÍTULO 2
A mODERNIDADE 
– A JUDICIALIZAÇÃO 
DAS RELAÇÕESSOCIAIS
Nesta parte propomos a estudar as dimensões científicas das 
abordagens da ordem social, a necessidade destas e as constelações 
compreensivas que influenciaram na formatação da cultura jurídica que 
marcam a historicidade atual. 
A idéia de modernidade, na sua forma mais ambiciosa, foi a afirmação 
de que o homem é o que ele faz, e que, portanto, deve existir uma 
correspondência cada vez mais estreita entre a produção, tornada mais 
eficaz pela ciência, a tecnologia ou a administração, a organização da 
sociedade, regulada pela lei e a vida pessoal, animada pelo interesse, 
mas também pela vontade de se liberar de todas as opressões. Sobre o 
que repousa essa correspondência de uma cultura científica, de uma 
sociedade ordenada e de indivíduos livres, senão sobre o triunfo da 
razão? Somente ela estabelece uma correspondência entre a ação 
humana e a ordem do mundo, o que já buscavam pensadores reli-
giosos, mas que foram paralisados pelo finalismo próprio às religiões 
monoteístas baseadas numa revelação. É a razão que anima a ciência 
e suas aplicações; é ela também que comanda a adaptação da vida 
social às necessidades individuais ou coletivas; é ela, finalmente, 
que substitui a arbitrariedade e a violência pelo Estado de direito 
e pelo mercado. A humanidade, agindo segundo suas leis, avança 
simultaneamente em direção à abundância, à liberdade e à felicidade 
(Touraine, 1994, p. 9).
Ao pesquisar empiricamente as ações características de grupos 
sociais, a Sociologia foi consolidando métodos que contribuíram para 
que a própria Ciência Jurídica fosse se tornando um estudo sistematizado 
e autônomo. Assim, desde os primeiros cursos de Direito a Sociologia 
contribuiu para dar rigor às compreensões sobre o social. Os estudos 
sociojurídicos possuem sempre um caráter interdisciplinar, em que se 
pressupõe a colaboração equilibrada entre juristas e sociólogos que 
compreendem não apenas o Direito em sentido estrito, mas também os 
modos de regulação de conflitos que dele se aproximam ou com ele se 
relacionam. Isso requer a compreensão de que há uma interação objeto/
sujeito e noção de que as realidades sociais podem ser diferentemente 
representadas nas teorias, necessitando diálogos entre elas. 
54
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Para entendermos porque somos hoje tão dependentes das de-
terminações jurídicas presentes na sociedade precisamos reconstituir as 
fontes que deram bases a essas necessidades de judicialização das relações 
sociais na cultura jurídica moderna. Ela tem bases no mundo da produção 
e arrastaram o desenvolvimento da vida urbana, do tráfego comercial na-
cional e internacional, da produção manufatureira, da atividade bancária, 
etc. Nos centros europeus aparece cada vez mais o saber econômico, que 
passa de uma técnica de gerir patrimônios de famílias ou encher cofres 
de reinos para as ciências complexas que medem, proveem e preveem 
os atos de produção, circulação e consumo em espaços territoriais agora 
chamados de nação, a economia política.
A sociedade moderna consiste na crescente submissão das mais 
diversas esferas da vida pública e privada à calculabilidade, à impesso-
alidade e à uniformidade características do formalismo burocrático sob 
o regime de dominação tipicamente racional-legal, como afirma Max 
Weber (1999a). A modernidade se definiu a partir de dois componentes: 
O primeiro princípio é a crença na razão e na ação racional: a ciência e a 
tecnologia, o cálculo e a precisão, a aplicação dos resultados da ciência a 
campos cada vez mais diversos de nossa vida e da sociedade, passam ser 
componentes necessários, e quase evidentes, da civilização moderna. O 
segundo princípio fundador da modernidade é o reconhecimento dos direitos 
do indivíduo, isto é, a afirmação de um universalismo que dá a todos os 
indivíduos os mesmos direitos. A ação racional e o reconhecimento de 
direitos universais a todos os indivíduos.
No que tange à formação das ideias modernas acerca do Estado e 
do Direito é o legado clássico do pensamento greco-romano e às trans-
formações trazidas pela Igreja Romana Ocidental. A Filosofia grega, a 
República, o Direito Romano e Direito Canônico são raízes históricas 
mais antigas que deram origem aos valores político-jurídicos e às insti-
tuições modernas dos séculos 14 e 16. Juntos (e misturados) também 
provocaram os fenômenos de dissolução das instituições até então he-
gemônicas (Igreja Romana), o aumento do poder real com o surgimento 
55
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
das monarquias nacionais (França, Inglaterra), o enfraquecimento do 
papado, a emergência do reformismo filosófico, o aparecimento cultural 
do humanismo renascentista e a secularização da política... reproduzindo 
as condições para o desenvolvimento de uma cultura jurídica no interior 
das relações histórico-sociais da sociedade moderna europeia.
Segundo Wolkmer (2005), muitos pensadores conseguiram captar a 
dinâmica destas mudanças estruturais e mostrar que elas desencadearam, 
conjuntamente com o complexo e plural sistema herdado de legalidade 
(Direito Romano, Canônico, Germânico, Feudal e Mercantil), as bases 
fundantes da moderna cultura jurídica europeia. Em verdade, nesse 
horizonte de continuidades e de rupturas em que se forja os pensamen-
tos políticos e jurídicos modernos, é que se destacam, com muita força 
e criatividade, os movimentos do Humanismo Jurídico e da Reforma 
Protestante.1
No âmbito da economia agrário-senhoril, o Direito serviu para 
a instituição da produtividade econômica de mercado livre, pela siste-
matização do comércio por meio das trocas monetárias e pela força de 
trabalho assalariado, constituindo-se no capitalismo como um conjunto 
de práticas comerciais, ao empreendimento individualista e competitivo, 
bem como ao afã de lucro ilimitado, ao cálculo previsível e ao procedi-
mento administrativo racionalizado (Weber, 1999a). Um novo grupo social 
diferente do clero e da nobreza vai se apropriando dos meios produtivos, 
impondo uma hegemonia de valores e ideias ao controlar os instrumentos 
políticos: a burguesia. Com a riqueza acumulada e concentrada nos meios 
urbanos passam a dar as coordenadas para a vida prática e profissional 
os prestigiados que começa a aparecer: médicos, advogados, contadores, 
administradores...
1 Ver artigo de Wolkmer na Revista Seqüência, n. 50, p. 9-27, jul. 2005 e em sua obra: 
Cultura Jurídica Moderna, Humanismo Renascentista e Reforma Protestante. In: Revista 
Sequëncia, n. 50, p. 9-27, jul. 2005.
56
E n i o W a l d i r d a S i l v a
A “alma” burguesa começa a ser reconhecidas em todos os cenários 
onde o dinheiro era seu fim, as empresas seu meio. A nova virtuosi-
dade deste grupo que parecia estar acima de todos os outros grupos 
passa a ser velada e interpretada como se fosse o máximo entendi-
mento humano. Crescem seus asseclas intelectuais que se instalam 
na administração das esferas públicas e vão dar roupagem científica 
às suas vontades e desejos, como foi a doutrina do liberalismo-
individualista. Assim, o liberalismo torna-se a manifestação mais 
autêntica de uma ética individualista, voltada basicamente para a 
noção de liberdade e que está presente em todos os aspectos da 
realidade, desde o filosófico até o social, o econômico, o político, o 
religioso etc. (Wolkmer, 2005).
Ideias não bastavam, era preciso a estruturação do poder que 
efetivasse e mantivesse as classes dominantes: O Estado, o Direito, a 
burocracia, a escola passaram a ser redimensionados para garantir esta 
nova ordenação. Segundo o sociólogo Max Weber, o Estado moderno 
materializou uma associação humana institucionalizada, detendo o 
“monopólio da coação física legítima”, fundado na economia capitalista 
mercantil, na burocracia de agentes profissionais e na construção de uma 
legalidade formal e racionalizada. O poder agora passa a estar centralizado 
no Estado Nacional, liberal erepresentativo, que gerencia as leis do livre 
mercado e das relações privadas competitivas.2 Esta nova organização é 
fortalecida pelas descobertas científicas (racionalismo), pelas explorações 
nas novas terras descobertas (colonialismo) e pelo envolvimento das pes-
soas nas novas atividades produtivas (industrialismo), tudo necessitando 
ser garantido por uma cultura jurídica.
A unidade política, a elite cultural, instituições eficazes, a hierar-
quia da autoridade, a técnicas documentais, processuais e notariais, além 
de um ensino escolar organizado, passaram a fazer parte deste horizonte 
vislumbrado para a nova cultura jurídica, para a consciência de viver com 
bases em relações jurídicas. Claro está que a nascente ciência jurídica 
2 Idem Wolkmer, 2005.
57
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
moderna não só se revela como produção de uma específica formação 
social e econômica, mas principalmente consolida-se no processo de 
junção histórica entre a legalidade estatal e a centralização burocrática. 
O ápice teórico de convergência entre a unicidade do poder político e a 
nova ordenação do Direito pode ser encontrado na filosofia política de 
pensadores da época, como Thomas Hobbes. Certamente, assinala-se 
que Hobbes não é apenas um dos construtores do moderno Estado 
absolutista, mas igualmente um dos primeiros intérpretes a identificar 
o Direito como manifestação do Direito do soberano. Tratava-se da 
tendência, que acabará sendo predominante, do Direito identificado 
com a legislação posta pela autoridade revestida do poder máximo e, 
ainda mais, o Direito como criação do Estado. Assim, um dos traços 
marcantes do Direito Moderno emergente entre os séculos XVI e 
XVII está na íntima relação do Direito com o poder estatal e na sua 
identificação com a lei escrita. Trata-se da instrumentalização do 
jurídico como significação dos interesses da burguesia e da dinâmica 
produtiva capitalista (Wolkmer, 2005).
Assim, destes fenômenos emergiram de modo acelerado outras 
necessidades, tais como: o processo de secularização de atitudes e dos 
modos de compreender a natureza humana, a origem e o funcionamen-
to das instituições sociais e os motivos do comportamento humano; o 
processo de racionalização que projetou, na esfera da ação coletiva, a 
ambição de conhecer, explicar e dirigir o curso dos acontecimentos, das 
relações dos homens com o universo às condições de existência social. 
O programa moderno estava embasado no desenvolvimento implacável 
das ciências objetivas, das bases universalistas da ética e de uma arte 
autônoma. Seriam, então, libertadas as forças cognitivas acumuladas, 
tendo em vista a organização racional das condições de vida em socie-
dade. Os proponentes da modernidade cultivavam ainda a expectativa 
de que as artes e as ciências não somente aperfeiçoariam o controle das 
forças da natureza, como também a compreensão do ser e do mundo, o 
progresso moral, a justiça nas instituições sociais e até mesmo a felici-
dade humana.
58
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Percebia-se então que a ampliação da judicialização das relações 
sociais no período histórico da Modernidade se justificava para: regular 
as práticas econômicas em franca expansão; garantia da paridade nos 
negócios; afirmar a nação como espaço de produção e distribuição; pre-
ver e prover ações planejadas; garantir a impessoalidade no trato com as 
questões coletivas e nas relações sociais; uniformidade nos tratamentos 
pessoais (burocracia); garantir o direito da pessoa, da propriedade, do lucro 
e da acumulação; enfraquecer o controle da Igreja e admitir necessidade 
de outra centralidade social; garantir a secularização da política; regular 
as concorrências; fortalecer o mercado como lugar de trocas; garantir a 
organização empresarial e industrial; controlar as imigrações e migrações 
populacionais; fortalecer as profissões e divisão do trabalho social, garantir 
o comércio internacional...
A base para a realização dos objetivos do projeto da modernidade 
seria garantido, no plano histórico, pelo equilíbrio entre os vetores socie-
tários de regulação e emancipação. As forças regulatórias englobariam as 
instâncias de controle e heteronomia. De outro lado, as forças emancipa-
tórias expressariam as alternativas de expansão da personalidade humana, 
oportunizando rupturas, descontinuidades e transformações. 
Nas suas conotações mais positivas, o conceito de modernidade 
indica uma formação social que multiplicava sua capacidade produtiva, 
pelo aproveitamento mais eficaz dos recursos humanos e materiais, graças 
ao desenvolvimento técnico e científico, de modo que as necessidades 
sociais pudessem ser respondidas com o uso mais rigoroso e sistemático 
da razão
Neste sentido, discorre Boaventura de Sousa Santos (2004):
O projecto sócio-cultural da modernidade é um projecto muito rico, 
capaz de infinitas possibilidades e, como tal, muito complexo e 
sujeito a desenvolvimentos contraditórios. Assenta em dois pilares 
fundamentais, o pilar da regulação e o pilar da emancipação. São 
pilares, eles próprios, complexos, cada um constituído por três prin-
cípios. O pilar da regulação é constituído pelo princípio do Estado, 
59
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
cuja articulação se deve principalmente a Hobbes; pelo princípio 
do mercado, dominante sobretudo na obra de Locke; pelo princípio 
da comunidade, cuja formulação domina toda a filosofia política de 
Rousseau. Por sua vez, o pilar da emancipação é constituído por três 
lógicas de racionalidade: a racionalidade estético-expressiva da arte 
e da literatura; a racionalidade moral-prática da ética e do direito; e a 
racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica.
O programa da modernidade fundar-se-ia na estabilidade dos re-
feridos pilares, assegurada pela correlação existente entre os princípios 
regulatórios e as lógicas emancipatórias. Sendo assim, a racionalidade 
ético-prática, que rege o Direito seria relacionada ao princípio do Esta-
do, uma vez que o Estado moderno era concebido como o detentor do 
monopólio de produção e aplicação das normas jurídicas. A racionalidade 
cognitivo-instrumental, por seu turno, seria alinhada ao princípio do 
mercado, porquanto a ciência e a técnica afiguravam-se como as molas 
mestras da expansão do sistema capitalista.
A dinâmica da Sociologia está ligada ao contexto seu surgimento: 
emergiu do interior do pensamento social da modernidade chamado de 
muitas formas: racionalismo, iluminismo, jusnaturalismo, evolucionis-
mo, contratualismo, constitucionalismo, idealismo, etc., que partia do 
pressuposto de que o homem é o centro de todas as coisas; de que o 
homem é o principal ser natural capaz de pensar, falar, agir e usar seu 
corpo do modo que mais lhe convier. Assim, para esta compreensão, 
bastava criarmos forças capazes de ordenar estas potências naturais para 
criar outra potência artificial – positivar o existente que o submeteria (o 
social submeteria o natural). Ou seja, a principal potência que deveria 
ser bem preparada seria o pensamento, pois este coordenaria as outras, 
as palavras e a ação (diziam os racionalistas, iluministas e idealistas – as 
ideias iluminarão o mundo).
Esta compreensão levou à recuperação de outra potência histórica 
necessária para ordenar o mundo: a quarta potência se tornou impres-
cindível, a potência da escrita, ou seja, não basta saber pensar, saber 
60
E n i o W a l d i r d a S i l v a
falar ou saber agir ordenadamente (racionalmente), era preciso colocar 
tudo isso por escrito no papel, para que todos possam seguir as melho-
res orientações (afirmavam os contratualistas, os constitucionalistas, os 
jusnaturalistas). Assim, para preparar as ideias e escrever o melhor delas 
era preciso institucionalizar a educação, que também era uma herança 
da cultura ocidental, ou melhor, já havia muitas experiências de educa-ção escolarizada, mas agora ela faz parte do mundo social e vai se tornar 
universal, atingir a todos os sujeitos, pois precisam ser preparados para 
viverem o social, sair do natural. Para assegurar que estas potências 
sejam desenvolvidas foram redimensionadas e fortalecidas mais duas 
potências sociais, o Estado e o Direito (Sousa Santos, 2004), além das 
que já existiam.
AÇÃOH
RAZÃO/CIENCIA
EDUCAÇÃO
DIREITO/ESTADO
Isso que se passava nos contornos do pensamento social se enterrou 
no mundo prático e vai ser chamado de alta modernidade.
Antecedentes igualmente notáveis estão nas teorias contratualistas 
de T. Hobbes, J. Locke e J. J. Rousseau. Do desenvolvimento de temas 
destas filosofias sociais depreendem-se concepções significativas acerca 
das funções que o Direito assumiria em decorrência do contrato social. 
As principais conclusões giravam em torno da garantia dos direitos na-
turais de liberdade, vida e propriedade. Montesquieu, por outro lado, 
usa a estratégia de aplicar o princípio da causalidade física à sociedade. 
O autor afasta as concepções normativas do fato jurídico, explicando o 
Direito enquanto fenômeno social inserido em um contexto histórico-
social particular, adotando uma visão empírica e relativista do Direito.
61
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
Montesquieu introduzia novos elementos na reflexão sobre o 
Direito Positivo e sobre suas relações com o Direito Natural. Este novo 
“espírito” consistia em procurar o conjunto de relações que as leis podem 
ter com as condições climáticas e geográficas, os tipos de vida, a religião, 
o comércio e os costumes, e não só tratar de desvendar as relações que 
as leis podem ter entre si e com a intenção do legislador. Relacionava o 
Direito com todos os elementos do contexto político, social, econômico 
e cultural, assim como com o entorno físico e geográfico. O resultado 
era já uma Sociologia Jurídica, só que revestida com a linguagem do 
século 18.3
O impacto destes estudos deveu-se mais às situações de perplexi-
dade que se via na época: rejeitava-se uma ordem social, mas não se sabia 
qual ordem iria lhe substituí-la. A intelectualidade mostra-se preocupada 
com a situação de desordem e entrega-se à missão de restabelecer a 
“ordem e a paz”. Para isso, sente a necessidade de conhecer as leis que 
regem o funcionamento da sociedade, sua organização, as relações dos 
grupos, etc. Intui, portanto, uma “ciência da sociedade” que pudesse dar 
respostas àquilo que passou a denominar de “crise moral”. Os primeiros 
sociólogos propõem revalorizar determinadas instituições que, segundo 
eles, desempenhariam papel fundamental na integração e na coesão da 
vida social. A jovem ciência, a Sociologia, assumia a tarefa de repensar o 
problema da “ordem social”, enfatizando as instituições, a autoridade, as 
leis e normas de conduta, procurando descobrir onde havia se perdido a 
coesão social e indicar como esta poderia ser reconstituída.
A nova ciência adota uma postura reformista, buscando legitimar 
intelectualmente a nova ordem estabelecida, encontrar uma solução para 
os problemas que se apresentavam. Contra os que pregavam a volta ao 
passado, queriam a volta da monarquia (os “restauradores”), estavam os 
3 Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de; Rojo, Raúl Enrique. Sociedade, direito, justiça. 
Relações conflituosas, relações harmoniosas? Revista Sociologias, Porto Alegre: UFRGS, 
ano 7, n. 13, p. 16-34, jan./jun. 2005.
62
E n i o W a l d i r d a S i l v a
“positivistas”,4 que propunham restabelecer a ordem como condição para 
a continuidade do progresso desencadeado pela revolução econômica, 
política, social e cultural por que passava a sociedade europeia. Para eles, 
a raiz dos problemas estava na falta de uma classe, grupo ou instituição 
que conduzisse o processo de mudança preservando a ordem por meio 
da autoridade. Propunha a união dos industriais com os cientistas para 
formar uma elite esclarecida capaz de conduzir os rumos da sociedade.
A tarefa da Sociologia seria ajudar esta “elite” a detectar os pro-
blemas e apontar as soluções que seriam postas em prática pela liderança 
política estabelecida no poder do Estado. Assim estaria restabelecida a 
normalidade social e criadas as condições para o progresso. Na sequência 
dos positivistas (dedicado a fundamentar uma moral social), os funcionalis-
tas (dedicados a entender a sociedade a partir das funções exercidas pelos 
indivíduos) reafirmavam a ideia de que a nova realidade surgida havia 
alterado o equilíbrio social em função da falta de regulamentação jurídica 
das novas profissões surgidas com a revolução industrial. Era necessário 
que estas profissões organizassem suas corporações para regulamentar 
o trabalho e, a partir das corporações, criar um novo código de conduta 
socioprofissional e um novo sentido de pertença à sociedade. Com isso 
reconstitui-se a divisão do trabalho e a solidariedade, fundamental para 
o equilíbrio social.
4 Cella, José Renato Gaziero. Positivismo jurídico no século XIX: relações entre direito 
e moral do ancien régime à modernidade. Texto direto do autor disponível em seu site: 
<www.cella.com.br>. O autor adverte que não se pode fazer nenhuma analogia entre o 
chamado positivismo jurídico e o positivismo filosófico, sob pena de se cair em erros grosseiros. 
Com efeito, segundo os ensinamentos de Norberto Bobbio, a “expressão ‘positivismo jurídico’ 
não deriva daquela de ‘positivismo’ em sentido filosófico, embora no século passado [século 
XIX] tenha havido uma certa ligação entre os dois termos, posto que alguns positivistas jurídicos 
eram também positivistas em sentido filosófico: mas em suas origens (que se encontram no início 
do século XIX) nada têm a ver com o positivismo filosófico — tanto é verdade que, enquanto 
o primeiro surge na Alemanha, o segundo surge na França. A expressão ‘positivismo jurídico’ 
deriva da locução direito positivo contraposta àquela de direito natural. Para compreender 
o significado do positivismo jurídico, portanto, é necessário esclarecer o sentido da expressão 
direito positivo” (Bobbio, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. 
São Paulo: Ícone, 1995. p. 15).
63
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
O positivismo refere-se a toda a construção humana que se impõe 
sobre o mundo natural. Trata-se de todo este processo artificial que 
ordena e até substitui a natureza, nega qualquer concepção de valores e 
pretende ser o reflexo do que é e não do que poderia ser. Desta asser-
tiva de que o mundo natural precisa ser dominado e organizado nasce 
uma abordagem nova para as Ciências Sociais com a perspectiva de ser 
objetiva e útil da doutrinação da sociedade, de sua ordenação. Foi esta 
concepção que predominou no Ocidente até o fim da Segunda Guerra 
Mundial. Elimina do Direito qualquer referência à ideia de Justiça e, 
da Filosofia, qualquer referência a valores, procurando modelar tanto 
o Direito como a Filosofia pelas ciências, consideradas objetivas e im-
pessoais e das quais compete eliminar tudo o que é subjetivo, portanto 
arbitrário. Ou seja, o Direito pode ser subdividido em Direito Natural e 
Direito Positivo (adquirido), sendo o primeiro inato a cada indivíduo e 
o segundo provém da vontade do legislador.
Conforme se depreende, a ideia moderna de que os homens 
encontravam-se aptos a delinear um projeto racional informa as defini-
ções clássicas de lei e Constituição. As normas legais afiguram-se como 
instrumentos de uma razão planificante, capaz de engendrar a codificação 
do ordenamento jurídico e a regulamentação pormenorizada dos proble-
mas sociais. A Constituição, produto de uma razão imanente e universal 
que organiza o mundo, cristaliza, em última análise, o pacto fundador 
de toda a sociedade civil.
O fenômeno da positivação é, pois, expressão da modernidade 
jurídica, permitindo a compreensão do Direito como um conjunto de 
normaspostas. Ocorrido, em larga medida, a partir século 19, corresponde 
à legitimidade legal-burocrática preconizada por Max Weber, porquanto 
fundada em ritos e mecanismos de natureza formal. A positivação des-
ponta como um novo processo de filtragem, mediante procedimentos 
decisórios, das valorações e expectativas comportamentais presentes na 
sociedade, que são, assim, convertidas em normas dotadas de validez 
jurídica. A lei, resultado de um conjunto de atos e procedimentos formais 
64
E n i o W a l d i r d a S i l v a
(iniciativa, discussão, quórum, deliberação) torna-se, destarte, a mani-
festação cristalina do Direito. Daí advém a identificação moderna entre 
Direito e lei, restringindo o âmbito da experiência jurídica.
A análise global da conjuntura da época possibilita o entendi-
mento do sentido desta idolatria à lei. O apego excessivo à norma legal 
refletia a postura conservadora de uma classe ascendente. A burguesia, 
ao encampar o poder político, passou a utilizar a aparelhagem jurídica 
em conformidade com seus interesses.
Os estudos da Sociologia Jurídica ampliaram-se no século 20. Na-
quele período havia aumentado a quantidade de atores do Estado e no 
controle social: Judiciário, polícia, prisões, burocracia, escolas e mesmo 
assim a desordem se ampliava. Então, a Sociologia procurou entender 
como funcionavam os mecanismos regulatórios e como os indivíduos se 
relacionam com o Direito, as normas, as regras, as distâncias e aproxima-
ções entre Direito e sociedade, as razões para a desordem, os fracassos 
dos mecanismos controladores... As transformações principais ou mais 
notáveis deram-se no mundo da produção e arrastaram o desenvolvi-
mento da vida urbana, do tráfego comercial nacional e internacional, da 
produção manufatureira, da atividade bancária, etc., assim como provo-
caram mudanças nas relações sociais e culturais. Nos centros europeus 
aparece cada vez mais o saber econômico, que passa de uma técnica de 
gerir patrimônios de famílias ou encher cofres de reinos para uma das 
ciências complexas que mede, provê e prevê os atos de produção, cir-
culação e consumo em espaços territoriais agora chamados de nações. A 
expansão da complexidade nas relações sociais e as dimensões práticas 
que estas proposições tiveram fizeram surgir vários estudos sociológicos 
sobre as dimensões da vida regulada e o esforço em se viver em liberdade, 
chamados de Sociologia Jurídica ou Sociologia do Direito.
A Sociologia do Direito vai criando sua identidade diante da 
importância crescente dos marcos não nacionais e das redes regionais 
e internacionais, do desenvolvimento das instituições que asseguram a 
65
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
produção (e a reprodução) do Direito: os tribunais, as profissões jurídicas, 
a polícia, etc. Em segundo lugar as pesquisas que se referem à efetividade 
e aos efeitos do Direito: estes concernem às vezes a domínios particulares 
(a família, a empresa, a proteção do meio ambiente, etc.), focalizam-se 
nos fenômenos de ineficácia (marginalidade e divergência), ou avaliam 
ainda a eficácia dos instrumentos jurídicos na prevenção ou resolução 
dos conflitos ou das demandas renovadas (políticas e sociais) de uma 
instância simbólica que deve agir seguindo formas adjudicatórias e que 
deveriam dizer o que é justo. Vêm depois outras duas categorias: por 
um lado, o estudo dos fenômenos de pluralismo normativo e, por outro, 
o dos fenômenos de produção do Direito, dos processos legislativos e 
de seu contexto social.
Vamos nos dedicar agora a este esforço para criar uma positividade 
do mundo, justa e ordenada a ponto de ser obedecida por ser racional e, 
portanto, incontestável. 
Razão Positivista e Sistema Social
Auguste Comte (1798-1857) reposicionou a ideia de se criar um 
sistema social, lógico e controlado que fosse expressão das necessidades 
coletivas e das estruturas lógicas naturais dos indivíduos. Comte defende, 
com sua teoria, as necessidades de uma orientação prática para a vida 
moderna organizada juridicamente. Defendeu uma ciência síntese, forte 
tanto quanto as verdades da Física ou da Biologia. Essa ciência síntese 
foi inicialmente chamada de física social e mais tarde Sociologia e traçou 
os contornos para que ela fosse uma ciência autônoma. Ele tratou a 
Sociologia como uma ciência positiva que construía conhecimentos por 
meio da interdependência entre teorias e observações empíricas. Se não 
é possível fazer observações sem ter uma teoria que seleciona os fatos a 
observar e uma definição do problema científico ao qual vamos resolver, 
também seria uma insensatez considerar que as teorias surgiram isoladas 
dos fatos sociais históricos em que os teóricos estavam inseridos. Esta é a 
66
E n i o W a l d i r d a S i l v a
grande contribuição de Comte para separar o modo de pensar da tradição 
filosófica, que acreditava ser possível formular hipóteses especulativas 
a partir de outra hipótese, de operação mental à operação mental, sem 
serem confrontadas com os fatos.
Comte mostra que é possível entender as vivências humanas 
com base em critérios científicos, partindo do pressuposto de que era 
possível conhecer o homem, suas ações e seu pensamento de modo 
exato e, inclusive, prever as consequências do pensar e do agir. Essa 
concepção estava impregnada em todos os pensadores sociais a partir 
de 1500, que desvinculavam o conhecimento do mundo dos preceitos 
religiosos e percebiam a natureza, a vida e a sociedade como algo possível 
de ser conhecido, controlado e planejado. Para este autor, o homem não 
é criação de Deus e sim um ser natural sujeito à lei de causa e efeito. 
Bastaria conhecer essas leis e, a partir delas, fundar a sociedade humana 
e agir sobre ela.
Comte propõe esta física social como campo de conhecimento 
necessário para compreender as leis que explicam a organização e o fun-
cionamento da sociedade humana. Esta ciência particular seria a forma 
mais evoluída do conhecimento, iniciado com a Matemática e seguido, 
respectivamente, da Astronomia, da Física, da Química e da Biologia. 
A positividade da física social exige que se abandone definitivamente a 
busca das causas e das essências para pesquisar as leis invariáveis, isto 
é, as relações constantes que existem entre os fenômenos observados. 
O pressuposto da época era de que a ciência deveria fazer a abordagem 
de todos os problemas humanos, como verdades pesquisadas e expe-
rimentadas, sem especulações abstratas. É a matematização de tudo, a 
busca da certeza, a procura do útil, do empírico e a decorrente aplica-
ção dessas verdades nos atos humanos: a sociedade não é uma simples 
aglomeração de seres vivos... pelo contrário, é uma verdadeira máquina 
organizada, cujas partes, cada uma, contribui de uma maneira diferente 
para o avanço do conjunto, dizia Saint-Simon. Como máquina, o homem 
é resultado das leis de causa e efeito e, na sociedade, cumpre funções 
67
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
a ele designadas. Por isso, todos deveriam ser preparados para ser um 
elemento do conjunto, uma célula do corpo social, uma parte do todo. 
Conforme as funções que desempenhavam, exerciam sua moral e sua 
autoridade sobre os demais.
Estas concepções presentes no positivismo de Comte esboçavam 
uma história e uma topografia administrativa do mundo industrial, da 
sociedade moderna, mas também sua política, seu saber e sua nova 
religião. Segundo Comte, as sociedades modernas estavam em uma 
situação caótica, em “anarquia”, em “desordem,” e era preciso afirmar 
a nova sociedade que nascia, criando uma racionalidade que fizesse a 
adequação dos homens aos novos tempos de produção industrial. Um 
pensamento sistemático e positivista deveria ser, também, o intérprete 
da sociedade moderna, marcada pelo desenvolvimento da vida urbana, 
do tráfego comercial nacional e internacional, da produção manufaturei-
ra, da atividade bancária,assim como pelas transformações nas relações 
sociais, migrações de populações e presença constante do econômico 
nos reinos da Europa Ocidental.
A grande tarefa da Sociologia fundada por Comte seria contribuir 
para criar essa moral e preparar o homem moderno em sua adaptação 
a essas verdades científicas, de forma a não necessitar de imposições 
externas para essa obediência, esse respeito às leis. Na sua proposta de 
sociedade, Comte propôs a substituição do culto aos santos pelo culto à 
humanidade, aos homens que foram capazes de criar coisas para melhorar 
a vivência do homem (grandes homens, vultos de nossa História), que 
trouxeram razões (ideias) fortes, que criaram instituições para ordenar 
a sociedade. Os governantes que organizaram comunidades, respeita-
ram e aperfeiçoaram instituições, proporcionaram felicidade ao povo, 
deveriam ter um busto em praça pública para veneração. A sociedade, 
para Comte, é o conjunto dos seres passados, presentes e futuros que 
concorrem para o aperfeiçoamento da ordem universal. A humanidade 
68
E n i o W a l d i r d a S i l v a
é guiada – diz Comte – por uma só lei, “viver para os outros,” e por essa 
razão não haveria nada mais santificado do que aqueles que viveram para 
os outros (Silva, 2008a).
Sua proposta de um novo “sistema social” todo articulado marcou 
os pensamentos maios pragmáticos da modernidade. O sistema seria 
criado e coordenado pelos cientistas que teriam o poder espiritual, a 
direção educativa e sistemática da civilização. As ideias se concretiza-
riam nas leis e estas funcionam como os “nervos” no sistema social. A 
sociedade não poderia ser resolvida sem pôr à frente da sociedade os 
grandes industriais e os homens da ciência, pois o interesse da indústria 
coincidia com os interesses de todos, posto que nenhum homem é capaz 
de satisfazer suas necessidades sozinho. A indústria, a empresa racional, 
o comércio, junto com a ciência, seriam, então, a salvação do homem 
moderno e, por isso, nenhum obstáculo ao seu desenvolvimento deveria 
existir. Especialmente a indústria deve ao processo das ciências o seu 
contínuo desenvolvimento e a sua crescente influência na vida social. 
Assim, a direção espiritual deveria passar aos cientistas e o cuidado pelos 
interesses materiais para os industrialistas e comerciantes. 
Os partidários das Luzes, da Ideologia, e outros mais, já proclamavam o 
desejo generalizado de adquirir conhecimentos “positivos”... O século 
(1800) herda um mundo em efervescência. Depois dos recorrentes 
tumultos revolucionários, anseia-se por reconstruções e reorganiza-
ções; deseja-se sair do negativo. Espera-se uma sociedade de paz, um 
regime político estabilizado em que os desenvolvimentos científicos e 
industriais tragam o progresso e felicidade. Procura-se, então dominar 
os saberes e assegurar os poderes, para reorganizar as idéias e refazer 
o mundo. Comte integra, em 1814, a Escola Politécnica, onde essas 
questões são ardentemente debatidas... (Petit, 1999).
69
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
O positivismo de Comte sai do plano das ideias e se torna bandeira 
política de defesa moral no novo tempo, fundando, inclusive, associação 
para instrução positiva do povo em 1848, o que levou ao aumento dos 
partidários do positivismo, criando escolas, sociedades, igrejas e repre-
sentações (na Europa e América).5
A ordem social desenvolve-se segundo uma lei necessária no 
sentido do aumento da diferenciação e da complexidade. Esse movi-
mento pode ser considerado a partir das causas modificadoras da sua 
velocidade – a raça, o clima e a ação política – e dos fatores efetivos de 
mudança social – o tédio, o suceder das gerações e o aumento da po-
pulação. Desta forma, supera-se a ilusão metafísica sobre o aumento da 
felicidade humana nos diversos estágios da civilização para afirmar-se o 
princípio científico “do desenvolvimento contínuo da natureza humana, 
considerada sob todos esses aspectos essenciais, seguindo uma harmonia 
constante e de conformidade com leis invariáveis de evolução” (Comte 
apud Bressan, 2003).
Entre os cientistas deve ser constituída uma nova classe: os espe-
cialistas em Física Social, responsáveis pela elaboração dos estudos sobre 
a sociedade. Além disso, entre os cientistas propriamente ditos e os pro-
dutores, tende a se formar uma classe intermediária, a dos engenheiros, 
“cuja destinação especial é organizar as relações entre teoria e prática”. A 
concepção social de Comte não pretende a eliminação da relação capital e 
trabalho da sociedade industrial, segundo a proposta dos socialistas, nem 
deixar essa relação ao livre jogo do mercado, como propõem os liberais. 
O seu programa trabalhista visa a garantir ao proletário “todos os mate-
riais de seu uso exclusivo e contínuo, dele próprio ou de sua família” e 
5 Neste sentido, ler Petit, Anne. História de um sistema: o positivismo comtiano. In: 
Trindade, Helgio (Org.). O positivismo: teoria e prática. Porto Alegre: Ed. Universidade; 
UFRGS, 1999.
70
E n i o W a l d i r d a S i l v a
a afirmação da natureza social da propriedade. Para isso, a propriedade 
privada deve ser regulada pelo poder espiritual positivista, o que significa 
a sua subordinação às necessidades sociais (Silva, 2008a).
O autor assim se referia a esta necessidade de interiorizar uma 
ordem:
... É preciso fazer com que ele acredite na reorganização de sua vida 
prática. Logo, o erro do povo se traduz a partir desta grande “desvia-
ção” primitiva, dado sua filiação às antigas orientações.
O fim da sociedade para o autor é definido através de dois objetivos. 
O primeiro se refere à ação violenta sobre o resto da espécie humana 
ou à conquista; e o segundo é a ação sobre a natureza para modifi-
car e para assim dela tirar proveito e produção. Deste modo, toda 
a sociedade que não estiver organizada para um ou para outro não 
passa de uma associação bastarda ou sem caráter. No antigo sistema 
a finalidade era a militar, na nova sociedade que passa a se constituir 
é a industrial. O primeiro passo para a nova sociedade é a afirmação 
da sua proposição (industrial). Como isso não foi feito, a mesma 
continua a viver no antigo sistema, apesar de acreditar no progresso. 
E assim o erro da sociedade está na atenção dispensada tão somente 
para a parte prática desta, deixando de lado o modo de conceber 
e repensar a sociedade. A tentativa de reorganizar a sociedade em 
vista da lacuna existente se deu através de uma série de leis e artigos 
configurados como pertencentes ao sistema, logo, o resultado disso 
tudo foi uma tentativa de regulamentação da sociedade. Em vista 
disso se acreditava que as mudanças estavam ocorrendo, mudanças 
essas que não passavam de pequenas alterações, ou seja, no fundo 
tudo continuou tal qual, apenas fracionando os antigos poderes do 
Estado. No intuito de instaurar as modificações e caracterizar as mes-
mas enquanto modificações para a sociedade como um todo frente 
aos sistemas feudal e teológico e estes constituídos como orgânicos, 
institui-se os poderes (legislativo e executivo) como subdivisão dos 
poderes. Na verdade, segundo Comte, a institucionalização destas 
leis foram propagadas como importantes para a efetivação do processo 
de reorganização da sociedade, a ponto delas serem naturalmente 
incorporadas e percebidas como necessárias. Diante da iminência da 
crise em que a sociedade vivia, se fez necessário repensar o antigo 
sistema e propor algo que realmente acompanhasse o progresso do 
espírito humano, não permitindo que a sociedade chegasse ao abismo. 
71
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
Faz-se necessário pensar a reorganização a partir de duas perspectivas, 
uma teórica e outra prática, uma como conseqüência da outra. Assim, 
cabe ao cientista a tarefa de articular, diante daquilo que se apresenta, 
as mais diferentes teorias e procurar apresentar possíveis caminhospara propor o reordenamento da sociedade, instituindo os elementos 
fundamentais do governo com moral, com capacidade e autoridade. 
Seria um poder centralizado com possibilidades de estabelecer soli-
damente as estruturas da nova cultura, com capacidade de propor a 
nova doutrina orgânica e com a qualidade de uma nova constituição 
intelectual (Comte, 1977, p. 51).
A reforma intelectual desenhada por Comte pode ser assim ana-
lisada: o homem nasce numa família e é nela orientado até os 7 anos, 
conforme a moral afetiva dos pais; dos 7 aos 14 anos deveria ir para a 
escola e aprender a se orientar para o mundo do trabalho a partir da inte-
riorização da razão historicamente formada; aos 18 anos seria preparado 
pelo Estado, ou seja, todos os homens deveriam servir à pátria, ir para o 
quartel e sair de lá só após a maioridade, quando estaria preparado para 
assumir seus deveres e direitos, constituir sua própria família e orientar 
os filhos para a ordem. No Estado (simbolicamente representado pelo 
quartel) o indivíduo é submetido à ordem estabelecida, leva um choque 
civilizacional, aprende à força a respeitar a ordem, a hierarquia, a auto-
ridade e enraíza seu amor à pátria. 
Assim teríamos em poucos anos a evolução verdadeira, o pro-
gresso social, a moral da civilização orientada pela razão científica. Se 
durante estes 21 anos, entretanto, o indivíduo ainda não se organizou, 
não aprendeu a ordem social, então teríamos de vigiá-lo pelos órgãos de 
coerção, para orientá-lo (subsistema policial, subsistema penitenciário, 
etc.). Quem não se adequasse teria como castigo as penas da pobreza ou 
da cadeia (Silva, 2008a). A figura a seguir concretiza a ideia de sistema 
social de Comte:
72
E n i o W a l d i r d a S i l v a
FAMÍLIA
ESCOLA
TRABALHO ESTADO
MAIORIDADE
PRISÃOPOBREZA
O SISTEMA SOCIAL
Desta forma a positividade do Direito estaria ligada à ideia de que 
as leis são frutos da razão humana, de sua máxima, e se instaura como uma 
demonstração clara do eu é preciso ser ordenado porque é útil ser assim. 
Ou seja, você pode contestar a lei, mas nunca desobedecê-la: você é um 
homem social, e como tal depende dos outros e por depender precisa 
colaborar com ele. Nas linhas retas da lei está a forma desta colaboração. 
Ou seja, o positivismo é método (de conhecimento, de ciência) e ideologia 
(propõe uma moral de viver).
A Direito Funcionalista e moral Social 
Tanto é assim que obteve vários seguidores. Émile Durkheim 
(1858-1917) reposicionou a Sociologia como método na sua condição de 
ciência da sociedade, embora tenha proposto também uma forma ordena-
da de sociedade. Seus estudos influenciaram muito no desenvolvimento 
73
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
do pensamento social do século 20 e a produção de pesquisa em Ciências 
Sociais como a Sociologia, Antropologia, a Ciência Política, a Arqueologia, 
a História, a Geografia, a Etnografia, e Economia, o Direito e outras. A 
influência dos problemas sociais da época – 1860-1920 – é sentido em toda 
sua obra, pois mostrava-se preocupado com as mudanças que estavam 
acontecendo na sociedade industrial, especialmente a crescente divisão 
do trabalho e o colapso das formas de solidariedade. 
Suas criações foram chamadas, inclusive, de escola durkheimiana 
na França, pois de suas teorias emergiram muitas teses formadoras de 
sociólogos. Testemunhou fatos relevantes da história francesa e euro-
peia, ao mesmo tempo que sentia a presença dos ideais da Revolução 
Francesa de 1789 ainda ecoarem como postulado de um ideal ainda em 
formação e que tinha tendências de se afirmar como individualismo e 
não como uma consciência coletiva de todos pela igualdade, fraternida-
de e liberdade. A Revolução tinha sido bem-sucedida, pois elementos 
conservadores mantinham fortes influências sobre governo e sociedade 
(como a Igreja Católica e nos campesinatos). A ordem social que estava 
em transição exigia a realização ou instituição concreta dos ideais da 
Revolução Francesa.
Émile Durkheim outorgava uma importância muito grande ao 
Direito na sua teoria da consciência coletiva e das solidariedades sociais. 
Em sua opinião, é segundo o tipo de Direito que se pode distinguir em-
piricamente a solidariedade mecânica da solidariedade orgânica, pois a 
primeira está dominada pelo Direito repressivo, assim como a segunda 
se caracteriza pelo Direito restitutivo. O Direito repressivo é a expressão 
de uma consciência coletiva forte, enquanto o Direito restitutivo progride 
nas sociedades nas quais a consciência individual se desenvolve, ao passo 
que retrocede o império da consciência coletiva (Durkheim, 1986). 
Para Durkheim, o Direito não só permite distinguir os dois tipos 
fundamentais de solidariedade social, mas também proporcionar seguir 
a evolução das sociedades. A passagem do Direito repressivo para o Di-
reito restitutivo é o índice da transição de um tipo de sociedade arcaica 
74
E n i o W a l d i r d a S i l v a
para um tipo de sociedade na qual a divisão do trabalho se faz mais 
elaborada e onde, por consequência, a solidariedade orgânica substitui 
a solidariedade mecânica (Azevedo, 2005).
A pesquisa de Durkheim sobre o fato social Suicídio,6 no ano de 
1897, emergiu de suas reflexões na tese A Divisão do Trabalho. Assim, 
divisão orgânica do trabalho é parte do desenvolvimento normal das 
socieda des humanas. É importante para a ordem social a diferenciação 
dos indivíduos e das profissões; a regressão da autoridade da tradição; o 
domínio crescente da razão, o desenvolvimento da parte que foi deixada 
à iniciativa pessoal. O homem, porém, não se sente necessariamente 
mais feliz com sua sorte nas sociedades modernas, e registra, de passa-
gem, o aumento do número dos suicídios, expressão e prova de certos 
traços, talvez patológicos, da organização atual da vida coletiva.
Só estaremos imunizados contra o suicídio se estivermos socializados... 
não podemos deixar que o vazio ocupe nossa existência... o lugar que 
mais socializa é a associação, a corporação, o grupo profissional... o 
mal-estar que sentimos não é provocado por um aumento quantitativo 
e qualitativo das causas objetivas de sofrimento; revela uma maior 
miséria econômica, mas uma alarmante miséria moral (Durkheim, 
1986).
Já o crime demonstração da permanência do crime em todas as 
sociedades, constituiu o fator determinante da sua integração no pen-
samento sociológico sistemático, cujo contributo mais significativo se 
deve a Durkheim em três das suas obras fundamentais, que são De la 
Division du Travail Social (1893), Les Règles de la Méthode Sociologique (1895) 
e Le Suicide (1897). Será legítimo, todavia, situar o início da Sociologia 
criminal a partir do segundo quartel do século 19, altura em que foram 
desenvolvidos inúmeros estudos, em diversos países (França, Bélgica, 
6 Embora possa se ter títulos diferentes nas diversas publicações existentes, nossas 
referência aqui usadas estão em Durkheim, Émile. O suicídio – estudos sociológicos. 
Lisboa. Editora Presença, 1996.
75
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
Alemanha e Grã-Bretanha), com aplicação de métodos e instrumentos so-
ciológicos, nomeadamente a recolha e interpretação de dados estatísticos. 
É efetivamente com os trabalhos de Lacassagne, Gabriel Tarde e Émile 
Durkheim, porém, que a Sociologia criminal adquire o seu estatuto de 
ciência, especialmente a partir do 3º Congresso de Antropologia Criminal, 
realizado em Bruxelas, em 1892, que marca a virada das explicações da 
escola positiva em favor das teorias sociológicas.
A Sociologia criminal aparece-nos assim como uma ciência muito 
recente, muito depois do Direito Penal, cuja origem remonta à Antigui-
dade, e depois ainda da criminologia, cuja origem se poderá situar na 
escola clássica, muito embora apenas tenha atingido a sua forma siste-
mática com a escola positiva italiana. Se ao Direito Criminal importa adefinição do tipo de crime e a sua consequência sancionatória, entretanto, 
à criminologia importa a compreensão da realidade criminal em todos os 
seus aspectos. Numa primeira fase, a criminologia debruçou-se sobre a 
pessoa do delinquente, servindo-se de métodos próprios da Biologia e 
da Psiquiatria – aquilo que alguns autores designaram por criminologia 
“clínica”. Numa fase mais avançada da reflexão criminal, o criminólogo 
deslocou o seu estudo para o meio social onde se gerou a prática deliti-
va – a acentuação deste aspecto da criminologia deu lugar à Sociologia 
criminal que apareceu também como um novo ramo da Sociologia. A 
partir do momento em que se compreende que não existe sociedade 
sem crime, não só não é concebível uma Sociologia que ignore este fe-
nômeno, como não é possível estudar o crime, considerado em abstrato, 
sem evocar o meio social no qual se desenvolve.
A obra de Durkheim deve uma grande parte da sua importância 
ao fato de ter compreendido esta relação entre o crime e a sociedade 
numa altura em que as escolas positivas se refugiavam por detrás das 
concepções individualistas. Este autor compreendeu que a sociedade 
não era simplesmente o produto da acção e da consciência individual, 
pelo contrário, “as maneiras coletivas de agir e de pensar têm uma rea-
lidade exterior aos indivíduos que, em cada momento do tempo, a elas 
76
E n i o W a l d i r d a S i l v a
se conformam e, mais que isso, são não só exteriores ao indivíduo, como 
dotados dum poder imperativo e coercivo em virtude do qual se lhe 
impõem. O tratamento do crime como um fato social, de caráter normal 
e até necessário, permitir-lhe-á reabilitar cientificamente o fenômeno 
criminal e demonstrar que a prática de um crime poderá depender não 
tanto do indivíduo que, de acordo com esta concepção, age e pensa sob 
a pressão dos múltiplos constrangimentos que se desenvolvem na so-
ciedade mas, diversamente, poderá apresentar em abstrato uma ampla 
raiz de imputação social.
A Teoria da Anomia. A consideração sociológica da anomia, que 
etimologicamente não significa senão “ausência de normas”, apesar dos 
vários desenvolvimentos que conheceu, em Merton, Cloward, Ohlin, Par-
sons, Dubin e Opp, remonta aos estudos desenvolvidos por Durkheim, 
particularmente em A Divisão do Trabalho Social e em O Suicídio. O fato de 
o homem não viver num ambiente de eleição, mas sujeito a uma ordem 
“imposta”, permite a Durkheim formular a sua concepção da anomia e 
estabelecer as condições da produção do crime.
A Divisão do Trabalho Social, cujo tema central incide sobre a 
relação do indivíduo e a coletividade, está dominada pela ideia de que 
a divisão do trabalho é portadora de uma nova forma de coesão social, a 
solidariedade orgânica. Nas solidariedades mecânicas, características das 
sociedades ditas “primitivas”, a consciência coletiva cobre a maior parte 
das consciências individuais, pelo que se poderá dizer que o indivíduo 
está estreitamente integrado no tecido social. No caso das sociedades 
orgânicas, dominadas pela divisão do trabalho, a consciência coletiva 
apresenta uma menor extensão ante o indivíduo que se determina com 
uma maior autonomia, porém compreender a solidariedade orgânica 
como correspondente a uma sociedade contratualista – marcada pela 
atomização do indivíduo cujos contratos se efetivariam num dado con-
texto interindividual – sem uma consciência coletiva mínima, não só 
constituiria uma paradoxal sociedade sem sociedade como “implicaria 
a desintegração social”. O normal será que a sociedade desenvolva os 
77
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
seus mecanismos de solidariedade, ainda que estejamos perante uma 
sociedade assentada na diferenciação social e marcada pela especialização 
das funções. Isso não significa que não existam, no âmbito do processo 
de desenvolvimento da solidariedade social, algumas patologias na di-
visão do trabalho, como é o caso da divisão forçada e da divisão anômica 
do trabalho. Assim, se não existir uma adequada interação de funções e 
um eficaz sistema normativo capaz de regular essa interação, estaremos 
perante uma anomia na divisão do trabalho.
A teoria da anomia aparece também desenvolvida em O Suicídio, 
que se revela, além do mais, como a primeira etapa da teoria do controle 
social. O estudo do suicídio, que é um fenômeno especificamente in-
dividual, apesar de só em aparência, permitirá a Durkheim demonstrar 
as fortes relações entre o indivíduo e a coletividade. A estrutura da obra 
assenta-se no pressuposto da existência de três tipos de suicídios: o suicí-
dio egoísta, que resulta de uma individualização excessiva e cujo grau de 
integração do indivíduo na sociedade não se apresenta suficientemente 
forte; o suicídio altruísta, que ao contrário, resulta de uma individualização 
insuficiente; e o suicídio anômico, que se relaciona com uma situação de 
desregramento, típica dos períodos de crise, que impede o indivíduo de 
encontrar uma solução bem definida para os seus problemas, situação 
que favorece um sucessivo acumular de fracassos e decepções propícias 
ao suicídio. Pela observação de estatísticas oficiais, este autor detectou 
que o suicídio era mais frequente nas comunidades protestantes que nas 
comunidades católicas, fenômeno que explicou pela noção de integração 
religiosa. No mesmo sentido, Durkheim verificou que o suicídio ocorria 
menos entre os indivíduos casados que entre os celibatários, viúvos e 
divorciados, situação que, segundo ele, se explicaria por meio da noção 
de integração familiar. Nesse estudo, percebeu ainda que a taxa de suicí-
dios diminuía em períodos de grandes acontecimentos políticos, em que 
aumentava a coesão sociopolítica em torno da ideia de nacionalidade. A 
partir destas observações, o sociólogo francês pôde assim concluir que 
o suicídio variava na razão inversa do grau de integração da sociedade 
religiosa, familiar e política.
78
E n i o W a l d i r d a S i l v a
O suicídio altruísta apresenta-se como a situação oposta ao suicí-
dio egoísta. Um exemplo deste tipo de suicídio é o existente entre os 
esquimós, em que um velho que se torne um fardo para a coletividade 
se deixa morrer ao frio; um outro, que ocorre na Índia, é o suicídio da 
mulher ou dos servidores de um defunto, os quais se deixam imolar no 
dia do seu funeral. Em qualquer dos casos, o indivíduo determina a sua 
morte por força de um imperativo social interiorizado, obedecendo ao 
que o grupo ordena a ponto de asfixiar dentro de si próprio o instinto 
de conservação.
O terceiro tipo de suicídio, o anômico, é estudado por meio do 
relacionamento do suicídio com os movimentos econômicos. A análise 
das estatísticas revelou que os suicídios aumentavam tanto em períodos 
de recessão quanto de crescimento econômico. O que se observa desses 
resultados é que se a influência reguladora da sociedade deixa de se exer-
cer, o indivíduo deixa de ser capaz de encontrar em si próprio razões para 
se autoimpor limites. Numa época de rápidas transformações econômicas 
a ação reguladora da sociedade não pode ser exercida de modo eficaz 
e de forma a garantir ao indivíduo um conjunto normativo conciliável 
com as suas aspirações. Ora, esta situação de desregramento, que lança 
o indivíduo num universo sem referências, caracteriza uma situação de 
anomia que corresponde, no fundo, a uma situação de dissociação da 
individualidade diante da consciência coletiva.
As conclusões extraídas do estudo do suicídio permitem, como se 
referiu, enquadrar a construção durkheimiana nas teorias do controle so-
cial. Com efeito, um dos postulados definidos ao longo da sua obra foi o da 
necessária integração social do indivíduo que revela uma maior tendência 
para a prática de certas “patologias” sociais, como o suicídio e o crime, 
quando excluído do grupo social a que pertence. O fato de se verificar 
que as instituições tradicionais de coesão social (a família, a religião, etc.) 
não constituírem um fator deagregação eficaz das sociedades modernas, 
leva Durkheim a defender que o único grupo social capaz de favorecer a 
integração social é a profissão ou a empresa. Ora, se uma integração social 
79
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
do indivíduo poderá diminuir a sua tendência para se conformar com os 
imperativos sociais, isso significará de certa maneira que a sociedade terá 
de encarar uma grande parte das condutas suicidas como perfeitamente 
normais numa sociedade caracteristicamente dinâmica.
A Tese da Normalidade. A definição dos fatos sociais normais per-
mitiu a Durkheim importantes considerações acerca da natureza normal 
ou patológica do crime, como resulta do seu estudo em As Regras do 
Método Sociológico.
O crime, definido como um “ato que ofende certos sentimentos 
coletivos”, apesar da sua natureza aparentemente patológica, não deixa 
de ser considerado como um fenômeno normal, no entanto, com algumas 
precauções. O que é normal é que exista uma criminalidade, contanto que 
atinja e não ultrapasse, para cada tipo social, um certo nível. A sociedade 
constrói-se, na verdade, em torno de sentimentos mais ou menos fortes, 
sentimentos cuja dignidade parece tanto mais inquestionável quanto 
mais forem respeitados. Isso, no entanto, não quer dizer que todos os 
membros da coletividade partilhem dos mesmos sentimentos com a 
mesma intensidade. De fato, alguns indivíduos tenderão a interiorizar 
mais esses sentimentos que outros, o que explica que possam existir 
condutas que, pelo seu grau de desvio, venham a se apresentar como 
criminosas. Isso explicará naturalmente a natureza do crime como um 
fato de Sociologia normal. Essa constatação não impede, contudo, que 
se considerem algumas condutas como particularmente anormais, o que 
será perfeitamente admissível, segundo Durkheim, tendo em conside-
ração alguns fatores de ordem biológica e psicológica na constituição da 
pessoa do delinquente .
Para além disso, o crime deverá ser reconhecido não como um 
“mal”, mas pela sua função utilitária enquanto um indicador da sanidade 
do sistema de valores que constitui a consciência coletiva. Nesse sentido, 
o crime será mesmo um elemento promotor da mudança e da evolução da 
sociedade. É a este propósito que Durkheim refere peculiarmente que, 
diante dos sentimentos atenienses, a condenação de Sócrates nada tinha 
80
E n i o W a l d i r d a S i l v a
de injusto. Efetivamente, será esta dimensão do crime que explica que 
a mesma conduta poderá ser censurada por uma determinada sociedade 
num determinado momento da sua evolução cultural, como poderá nada 
ter de censurável na mesma sociedade num outro e diferente momento 
da sua evolução cultural. Isso permitir-nos-á compreender que um ato 
criminoso transpõe, de modo negativo, uma construção valorativa, de tal 
modo que se poderá dizer que não há ato algum que seja, em si mesmo, 
um crime. Por mais graves que sejam os danos que ele possa causar, o seu 
autor só será considerado criminoso se a opinião comum da respectiva 
sociedade o considerar como tal.
Um dos aspectos mais salientes da Sociologia de Durkheim passa 
pela consideração obrigatória de uma estreita relação entre as determi-
nações individuais e as construções sociais, donde resulta, antes que 
tudo, uma clara ascendência da consciência coletiva sobre a consciência 
individual. Ao contrário do que defendiam os contratualistas, que imagi-
navam uma sociedade de indivíduos, a sociedade não é o mero somatório 
das partes, pois ainda assim não passaria de um conjunto heterogêneo 
de afirmações diferenciais. A sociedade, muito pelo contrário, é, para 
Durkheim, um depositório de valores que de uma forma mais ou menos 
regular se consensualiza.
Esta visão da sociedade não deixou de ter a sua projeção no modelo 
sociocriminal que Durkheim defendeu. Antes de tudo porque o crime, 
embora de modo algo ambíguo, passou a ser considerado não apenas 
como o resultado de condutas antissociais, mas como condutas contex-
tualizadas socialmente. O crime, mais que um fenômeno do criminoso, 
passou a ser encarado como uma realidade social cuja importância era 
inquestionável para o estudo sociológico, nomeadamente para a com-
preensão das grandes estruturas de sedimentação e desenvolvimento 
social. A um crime tão atomizado na sua explicação como o foi o homem 
desde a escola clássica até à escola positiva opôs-se, por meio desta nova 
dimensão da criminologia, uma explicação das causas do crime que 
procura a solução do problema criminal não apenas na responsabilização 
81
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
exclusiva do delinquente, mas na responsabilização do comportamento 
criminal por elementos típicos da própria sociedade que funciona como 
um ambiente verdadeiramente condicionador da ação individual. Mais 
que isso, porém, a concepção de Durkheim explica já que as causas do 
crime poderão estar em relação direta com as disfuncionalidades fáticas 
e normativas do conjunto inter-relacional, como poderão resultar das 
opções consensuais dos ordenamentos sociais de cada época.
Já a teoria do suicídio de Durkheim pode ser assim resumida: os 
suicídios são fenômenos individuais, cujas causas são, contudo, essencial-
mente sociais. Há “correntes suicidógenas” (terminologia de Durkheim) 
que atra vessam a sociedade, originando-se não no indivíduo, mas na 
coletividade, e que são a causa real e determinante dos suicídios. Indu-
bitavelmente estas correntes “suicidógenas” não atingem indiscrimina-
damente qualquer indivíduo. Quem se suicida provavelmente estava 
predisposto a esse ato pela sua constituição psicológica, por fraqueza 
nervosa ou distúrbios neuróticos. Da mesma forma, as circunstâncias 
sociais que criam correntes “suicidógenas” originam também estas pre-
disposições psicológicas, porque os indivíduos, vivendo nas condições 
peculiares da sociedade moderna, são mais sensíveis e, por conseguinte, 
mais vulneráveis (Aron, 1987, p. 315).
As causas reais dos suicídios são, em suma, forças sociais que va-
riam de sociedade para sociedade, de grupo para grupo e de religião 
para religião. Emanam do grupo e não dos indivíduos isoladamente. 
Uma vez mais, encontra-se aqui o tema fundamental da Sociologia de 
Durkheim, a saber, o fato de que em si as sociedades são de natureza 
diferente dos indivíduos. Existem fenômenos e forças cujo suporte é 
a coletividade e não a soma dos indivíduos. Estes, em conjunto, fazem 
surgir fenômenos ou forças que só podem ser explicadas pela sua con-
junção. Há fenômenos sociais específicos que comandam os fenômenos 
individuais; um exemplo mais notável e mais eloquente é justamente 
82
E n i o W a l d i r d a S i l v a
o das correntes sociais que levam os indiví duos à morte, embora cada 
um deles pense que está obedecendo apenas a si mesmo, quando na 
realidade é um joguete dessas forças coletivas.
Para extrair as consequências práticas do estudo do suicídio, 
convém indagar sobre o caráter normal ou patológico deste fenômeno. 
Durkheim considera o crime um fenômeno socialmente normal, o que 
não significa que os criminosos não sejam muitas vezes psiquicamente 
anormais, nem que o crime não mereça ser condenado e punido. Sabe-
mos, contudo, que em todas as sociedades um certo número de crimes 
são cometidos; assim, se queremos nos referir ao que se passa regular-
mente, o crime não é um fenômeno patológico. Pelo mesmo motivo, 
uma certa taxa de suicídios pode ser considerada normal, própria das 
sociedades complexas que se caracterizam pela diferenciação social, a 
solidariedade orgânica, a densidade da população, a intensidade das 
comunicações e a luta pela vida. Todos esses fatos, ligados à essência 
da sociedade moderna, não devem ser considerados em si mesmos anor-
mais. As sociedades modernas apresentam certos sintomas patológicos, 
principalmente a insuficiente integração do indivíduo na coletividade, 
em todos os casos em que se produzum exagero da atividade e uma 
ampliação das trocas e das rivalidades. Estes fenômenos são insepará-
veis das sociedades em que vivemos, mas, a partir de um determinado 
limiar, tornam-se patológicos.7
Há razão para crer que esse agravamento (da taxa de suicídio) 
deve-se não à natureza intrínseca do progresso, mas às condições 
particulares em que ele se realiza em nossos dias, e nada nos assegura 
que essas condições sejam normais. Com efeito, não nos devemos 
deixar cegar pelo brilho do desenvolvimento das ciências, das artes e 
da indústria ao qual assistimos. Indubitavelmente ele se realiza no meio 
de uma efervescência doentia, cujos efeitos dolorosos todos sentimos. 
7 Texto já publicado em Silva, Enio Waldir da; Bressan. Suimar; Correa, Ricardo. Teoria 
sociológica II. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2009.
83
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
É muito possível, portanto, e até mesmo verossímil, que o aumento 
do número de suicídios se origine num estado patológico que acom-
panha atualmente a marcha da civilização, embora não constitua uma 
condição necessária. Como argumenta Aron:
A rapidez com que o número de suicídios tem aumentado não autoriza 
nem mesmo outra hipótese. Em menos de cinqüenta anos esse 
número triplicou, quadruplicou ou quintuplicou, de acordo com o 
país. Por outro lado, sabemos que esses suicídios estão associados 
ao que há de mais entranhado na constituição das sociedades, cujo 
temperamento exprimem. E o temperamento dos povos, como o 
dos indivíduos, reflete o estado do organismo no que ele tem de mais 
fundamental. É preciso, portanto, que nossa organização social se 
tenha modificado profundamente no curso deste século, para ter 
determinado tal elevação da taxa de suicídios. Ora, é impossível 
que uma alteração ao mesmo tempo tão grave e tão rápida não seja 
mórbida, pois uma sociedade não pode mudar de estrutura com 
tanta rapidez. Ela só adquire outras características mediante uma série 
de modificações lentas e quase imperceptíveis; e ainda assim as 
transformações possíveis são limitadas. Uma vez que o tipo social se 
fixa, ele deixa de ser indefi nidamente flexível; atinge rapidamente 
um limite que não pode ser ultrapassado. Portanto, as modificações 
implicadas pela estatística dos suicídios atuais não podem ser 
normais. Mesmo sem saber precisamente em que consistem pode-
se afirmar antecipadamente que resultam não de uma evolução 
regular, mas de um abalo mórbido que pode ter desenraizado as 
instituições do passado, sem, con tudo, substituí-las, porque não 
é em poucos anos que se pode refazer a obra dos séculos. Ora, se 
a causa é anormal, o efeito não pode ser normal. Conseqüente-
mente, o que atesta a maré montante dos suicídios não é o brilho 
da nossa civili zação, mas um estado de crise e de perturbação que 
não se pode prolongar sem trazer perigo (1987, p. 316).
Para Durkheim há a possibilidade de restaurar a integração do 
indivíduo na coletividade. Ele mostra isso ao rever o posicionamento 
social, a função social do grupo familiar, o grupo religioso e o político, 
em particular o Estado, procurando demonstrar que nenhum desses três 
grupos proporciona o contexto social próximo do indivíduo que daria a 
84
E n i o W a l d i r d a S i l v a
este segurança, embora sujeitando-o às exigências da solidariedade. Vê 
com cautela a solução na reintegração no grupo familiar por duas razões. 
De um lado, a taxa de suicídio anômico não aumenta menos entre 
os casados do que entre os solteiros, o que indica que o grupo familiar 
não oferece proteção mais eficaz contra a corrente “suicidógena”. Seria 
vão, portanto, contar com a família para que o indivíduo passasse a 
ter um ambiente mais próximo e capaz de lhe impor disciplina. De ou-
tro lado, as funções da família estão em declínio na sociedade moderna. 
Cada vez mais limitada, seu papel econômico se reduz constantemente. 
A família não pode, portanto, servir de intermediária entre o indivíduo 
e a coletividade, porque ela é atingida em cheio pelo mundo exterior. 
Enquanto comunidade afetiva pode ser um espaço de assegurar muitas 
fortificações da personalidade integrativa, mas como não está isolada dos 
outros órgãos sociais não é suficiente para ser o antídoto do suicídio.
O Estado, ou o grupo político, está muito afastado do indivíduo, 
é excessivamente abstrato e autoritário para proporcionar o contexto 
necessário à integração.
A religião, enfim, não pode fazer desaparecer a anomia, eliminan-
do as causas profundas do mal. Durkheim espera uma disciplina do grupo 
que deve agir como órgão de reintegração. É preciso que os indivíduos 
consintam em limitar seus desejos, obedecendo aos imperativos que ao 
mesmo tempo determinam os objetivos que podem adotar e os meios 
que têm o direito de empregar. Nas sociedades modernas as religiões 
apresentam cada vez mais um caráter abstrato, intelectual, mais puro, mas 
perdem em parte sua função de coerção8 social. Incitam os indivíduos a 
8 Coerção: uma força contida em um comportamento que é capaz de influenciar ou de-
terminar outro comportamento. É o mecanismo da efetivação das sanções. Em uma 
sociedade repressiva a coerção expressa-se pela intimidação e pela violência usando 
abertamente a força contra grupos e pessoas. Significa também os elementos das san-
ções sociais, o controle ou a disciplina social própria da organização social em que se 
força ou induz-se os comportamentos coletivos a uma conformidade, a uma integração. 
Os fins das sociedades, muitas vezes, contrariam os interesses individuais e somente 
pela instituição e organização da coação pode ser mantido o conjunto social que se 
85
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
transcender suas paixões e a viver em conformidade com a lei espiritual, 
mas não conseguem mais precisar as obrigações ou as regras às quais os 
homens devem submeter-se na vida profana. Em suma, não constituem 
escolas de disciplina, no mesmo grau em que o foram no passado. Ora, o 
que Durkheim procura, para remediar os males da sociedade moderna, 
não são teorias ou ideias abstratas, mas morais em ação.
O único grupo social que pode favorecer a integração dos indi-
víduos na coletividade é, por conseguinte, a profissão ou, para empre-
gar o termo usado por Durkheim, a corporação, como instituições que 
respondem às exigên cias da ordem moral. Chama de corporações, de 
modo geral, as organiza ções profissionais que, reunindo empregadores 
e empregados, estariam suficientemente próximas do indivíduo para 
constituir escolas de disci plina, seriam suficientemente superiores a 
cada um para se beneficiar de prestígio e autoridade. Além disso, as 
corporações responderiam ao caráter das sociedades modernas, em que 
predomina a atividade econômica.
Nessa discussão sobre o caráter patológico das taxas atuais de sui-
cídio e a busca de uma terapêutica, entretanto, surge uma ideia central 
da Sociologia de Durkheim: abandonado a si mesmo, o homem é movido 
por desejos ilimitados; quer sempre mais do que tem, e se decepciona 
sempre com as satisfações que obtém numa existência difícil. O funcio-
namento da vida individual não exige que os homens se detenham aqui 
e não acolá; prova disso é o fato de que desde o começo da História 
os homens não pararam de se desenvolver, sempre obtiveram satis-
acredita ser fruto da razão histórica. Durkheim usa o conceito para definir o fato social, 
pois este só reconhecido pelo poder de coerção externa que exerce ou é suscetível de 
exercer sobre os indivíduos. A presença desse poder se identifica por meio de sanções 
determinadas. O fato só é social porque é obrigatório, mas não é somente os artifícios 
criados pelos homens, mas sim todas as forças naturais em que os indivíduos se inclinam 
convencidos ou não. Quando a coerção é expressa em leis ela vira coação, convencer pela 
compreensão ou pela força institucionalizada. Coação seria constrangimento eficiente 
exercido sobre uma pessoade maneira direta ou indireta, com o escopo de lhe impedir 
a livre manifestação da vontade. A coação pode ser física ou moral.
86
E n i o W a l d i r d a S i l v a
fações cada vez mais completas, e nem por isso a saúde média foi 
se enfraquecendo. Não há uma sociedade na qual os homens estejam 
igualmente satisfeitos nos diferentes graus da hierarquia social, contudo 
em seus traços essenciais a natureza humana é basica mente a mesma. 
Assim, não é ela que poderá conferir às necessidades esse limite variá-
vel que lhes seria necessário. Em consequência, na medida em que 
dependem só do indivíduo, elas são ilimitadas. 
O homem individual é um homem de desejos, e, por isso, a pri-
meira necessidade da moral e da sociedade é a disciplina. O homem 
precisa ser disciplinado por uma força superior, autoritária e amável, 
isto é, digna de ser amada. Esta força, que ao mesmo tempo se impõe 
e atrai, só pode ser a própria sociedade.
Alguns problemas para pesquisar o suicídio são inevitáveis: o 
primeiro é o fato de que os suicídios quase sempre só são conhecidos 
pelas declarações das famílias. Alguns são conhecidos porque as próprias 
circunstâncias do ato desespe rado os tornam públicos; no entanto, um 
bom número deles são cometidos em condições tais que as autoridades 
só os registram mediante a declaração das famílias. E a proporção dos 
suicídios não confessados pode variar de acordo com o meio social, a 
época e outros fatores. O segundo tem a ver com a frequência dos sui-
cídios frustrados ou das tentativas. Durkheim não chegou a estudar 
este problema, que aliás só recentemente foi levado em consideração. 
É, na verdade, muito complexo, pois seria necessário um estudo de cada 
caso a fim de saber se a intenção suicida era verdadeira ou não.
Os psicólogos e os sociólogos estão de acordo sobre um fato: a maio-
ria dos que se suicidam têm constituição nervosa ou psíquica vulnerável, 
embora não necessariamente anormal: situam-se nos limites extremos 
da normalidade. Em palavras mais simples, muitos dos que se matam 
são, de um modo ou de outro, doentes nervosos do tipo ansioso. O 
próprio Durkheim não tinha dificuldade em aceitar esta observação, mas 
87
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
comentava que nem todos os neuropatas se suicidam, afirmando que 
o caráter neuropático constitui apenas uma circunstância favorável à ação 
da corrente “suicidógena” que escolhe suas vítimas.
Em síntese: o suicídio egoísta se manifestará por um estado 
de apatia e pela ausência de vinculação com a vida; o suicídio altruísta, 
pela energia e a paixão; o anômico, enfim, pela irritação associada às 
numerosas situações de decepção oferecidas pela vida moderna, por um 
desgosto resultante da tomada de consciência da desproporção entre as 
aspirações e as satisfações.
Nota-se que mesmo vivendo próximos uns dos outros, os indivídu-
os não têm tempo para observar bem o outro e buscar nele os elementos 
coletivos de integração. Embora presente, esta intuição de solidariedade 
fica sufocada pelas muitas atividades que a pessoa faz, sufocada por 
muitas coisas que, pelos barulhos que ouve, seu cérebro não elabora 
tudo, não seleciona tudo que precisa e passa a desconfiar, a se proteger, 
a se fechar. Isto tudo leva a uma vida de estranhamento, dos outros e de 
si. Suas próprias ações ficam desordenadas, ilógicas e incompreensíveis. 
Realmente, é muito difícil viver coletivamente, mas muito mais difícil 
seria viver isoladamente. A racionalidade adquirida não é suficiente para 
solucionar nossos problemas e a própria morte circula na mente como 
uma coisa natural, fácil e desejada, como se fosse uma solução para a má 
sorte, logo, aos fracos a depressão, o assassinato, o suicídio...
Por fim, a função do Direito em Durkheim seria consolidar a moral 
solidária e manter a divisão do trabalho social. As funções da divisão do 
trabalho proposta por Durkheim eram:9
Produzir civilizações: A divisão do trabalho torna as funções especializa-
das solidárias entre si, criando uma interdependência que se estende 
por todo o corpo social, desde o nível das relações inter-pessoais mais 
simples, como as familiares, até as mais complexas, como as existentes 
9 In Silva, 2008a.
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entre empregados e sindicatos ou entre estes e as empresas, criando 
grupos sociais que geram civilizações. Sem a divisão, os indivíduos 
seriam independentes. 
Organizar a sociedade: Em uma sociedade onde a divisão do trabalho 
encontra-se em alto grau de evolução, cada indivíduo tem sua função 
definida; deste modo contribui para a coletividade com seu trabalho e 
exerce seu papel nos diferentes âmbitos sociais. Isto leva o organismo 
social a uma maior organização, pois as células (indivíduos) deste 
encontram-se dispostas de forma a otimizar seu funcionamento.
Criar a solidariedade social: A divisão do trabalho gera a especialização 
do indivíduo: por só lidar e sobreviver com um determinado nicho de 
atividade, este é obrigado a entrar em contato com os demais. Neste 
processo, é criada uma nova solidariedade entre os membros da so-
ciedade, a solidariedade orgânica, que aumenta proporcionalmente 
com a evolução da divisão do trabalho. 
Aumentar a força produtiva: A divisão do trabalho propicia um maior 
dinamismo no processo produtivo. A modernização das linhas de 
produção pós-fordismo provam que o trabalho dividido em etapas 
especializadas é mais eficaz que aquele onde uma pessoa concentra 
diversas funções. 
Aumentar a destreza do trabalhador: A divisão do trabalho opta pela 
especialização em detrimento da multidisciplinaridade. Assim poten-
cializa o saber especializado do trabalhador, aliando educação voltada 
ao desenvolvimento profissional e a busca pela eficiência produtiva 
dos atores sociais, levando a um conseqüente aumento do saber 
específico destes e da capacidade produtiva total da coletividade. 
Durkheim classifica as críticas que falam da super-especialização como 
teorias particulares dos críticos que não condizem com a realidade e, 
ainda, defende que o sociólogo deve despir-se das opiniões pessoais 
para analisar corretamente os fatos em si.
Reorganização moral da sociedade: A divisão do trabalho gera o apare-
cimento da corporação, que, de acordo com Durkheim, deve assumir 
o papel integrador, coercivo e moralmente organizador, antigamente 
exercido pela Religião, Família e Estado. A sociedade industrial é 
centrada na economia e esta não estabelece limites morais. Assim, 
como as demais instituições perderam essa função, resta à corporação 
reintegrar o indivíduo à sociedade.
Organização educacional da sociedade: A educação específica ensinada 
pelas escolas é vista como um modo de despertar no indivíduo uma 
pré-disposição à especialização, que será futuramente aprofundada 
89
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
no mundo profissional. Na escola é socializado o entendimento de 
que não cabe a um homem querer fazer tudo, mas sim escolher uma 
função e, através desta, ser útil à sociedade. 
Equilibrar a hierarquia social: Com a divisão do trabalho, cada ator 
social assume seu papel no “organismo social”, agindo conforme este 
para o funcionamento correto da sociedade. A hierarquização social 
está diretamente ligada ao conceito de ordem social. Neste ponto, 
Durkheim encontra-se novamente com o positivismo de Comte, e 
dá margem aos críticos que o acusam de ignorar o embate de classes 
como fato social relevante.
Fortalecer instituições sociais: Assim como os indivíduos assumem, na 
concepção de Durkheim, o papel de células no organismo social, as 
instituições assumem o papel de órgãos, agrupamentos sociais com 
funções específicas. Essas instituições (Escola, Corporação, Estado) 
tornam-se importantes dentro de seu campo de atuação, pois incutem 
e reforçam as premissas da divisão do trabalho como fato indispensável 
ao desenvolvimento e à manutençãoda sociedade. 
Todas estas funções são vistas pelo autor como uma necessidade de 
repostas às consequências danosas produzidas pela sociedade industrial 
sobre os indivíduos e não podem ser explicadas pela divisão do trabalho. 
As críticas que a acusam de reduzir o indivíduo à condição de máquina 
são equivocadas porque seus autores não percebem que essa divisão 
poderia ser fonte de sociabilidade e não o contrário. Nesse sentido, de 
nada adiantaria dar aos trabalhadores, além de conhecimento técnico, 
uma cultura geral (Silva, 2008a).
Direito, Racionalidade e Legitimidade 
Um estudo muito fecundo das relações entre Direito, racionalidade 
social e legitimidade foi realizado por Max Weber.10 A ele devemos os pri-
meiros elementos de uma teoria da Sociologia jurídica, cuja influência foi 
10 Max Weber nasceu em 21 de abril de 1864. Foi o primogênito de oito filhos. Morreu 
em Munique a 14 de junho de 1920, vítima da gripe espanhola. Em 1903 recebeu o 
título de professor honorário da Universidade de Heidelberg. A maior parte da produção 
90
E n i o W a l d i r d a S i l v a
e continua sendo determinante. Poder-se-ia dizer, contudo, que, apesar 
de que a abordagem sociológica do Direito ocupou um lugar proeminen-
te na teoria sociológica geral de Max Weber, seus comentadores a têm 
inexplicavelmente negligenciado. Weber desenvolveu uma Sociologia 
do Direito de caráter histórico, discutindo paradigmas epistemológicos 
acerca das divergências metodológicas entre a Dogmática Jurídica e a 
Sociologia do Direito. Diversamente dos cofundadores da Sociologia, We-
ber entende esta disciplina a partir da metodologia compreensiva e não 
puramente descritiva. Este autor revela a diferença clara existente entre o 
método sociológico e o jurídico-dogmático: o primeiro busca saber qual é 
o comportamento dos membros de um grupo em relação à ordem jurídica 
em vigor, enquanto o segundo visa a estabelecer a coerência lógica das 
proposições jurídicas. Em suma, as duas perspectivas encontram-se em 
planos diferentes: uma no plano do que é (sociológico) e outra no plano 
do dever-ser (jurídico). E assim Weber realça a existência de um outro 
método de análise da Ciência Jurídica (o método sociológico) que pode 
se relacionar complementarmente com o método dogmático-jurídico. Ele 
se utiliza de tipos ideais e da antítese formal/material, sendo o Direito 
racional-formal aquele que combina a previsibilidade com os critérios de 
decisão do sistema jurídico considerado, e o Direito racional-material, um 
tipo calculável, mas que apela para sistemas exteriores (religioso, ético, 
político) ao jurídico nos processos decisórios. Ou seja, o governo das leis 
representa muito uma garantia ao regular funcionamento do Estado de 
Direito e a própria racionalidade da atividade governamental. O Direito 
moderno insere-se no progresso das ciências, na crença na capacidade 
humana para criar suas sociabilidades humanas.
que lhe deu fama foi realizada em três períodos de quatro anos cada – de 1903 a 1906, 
de 1911 a 1913 e de 1916 a 1919. No primeiro período publicou sua pesquisa mais 
conhecida, A ética protestante e o espírito do capitalismo. No segundo período redigiu o 
essencial de sua obra maior, Economia e Sociedade. No último período redigiu três dos 
seus quatro estudos previstos sobre a ética econômica das religiões mundiais. Ver Correa, 
Ricardo; Bressan, Suimar; Max Weber: a racionalização da vida social. In: Silva, Enio 
Waldir da; Bressan. Suimar; Correa, Ricardo. Teoria sociológica II. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 
2009.
91
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
A Sociologia de Weber é percebida também no interior de sua 
análise do capitalismo em um dos seus mais famosos livros, A Ética 
Protestante e o Espírito do Capitalismo. Para este estudo, ele parte de es-
tatísticas de certos países capitalistas desenvolvidos, nos quais se verifica 
que entre os proprietários de capital, empresários e integrantes de classes 
superiores se encontram indivíduos de confissão protestante, além de 
também serem protestantes os “indivíduos qualificados”, ou melhor, a 
mão de obra denominada qualificada, que são os indivíduos de mais alta 
qualificação técnica e comercial das empresas, em que procura examinar 
alguns fatores desta ética protestante que, no seu entender, contribuíram 
para formar o espírito do capitalismo, ou seja, o racionalismo econômico 
característico do capitalismo ocidental (Weber, 2004, p. 29).
Interessava a Weber entender para discutir a tese os protestantes 
ajudarem a desenvolver o moderno capitalismo mesmo trabalhando 
apenas para alcançarem a salvação no reino de Deus. Como coloca 
Weber (2001, p. 93), o [...] homem [o protestante, no caso] é apenas 
um guardião dos bens que lhe foram confiados pela graça de Deus. 
Como o servo da parábola, deve prestar conta até o último centavo, 
não lhe sendo, pois, nem um pouco imaginável gastar o que quer que 
fosse sem uma finalidade que não a glória de Deus [...]...Lembrando, 
ainda, que este é o tipo ideal histórico mais abrangente, mas Weber 
menciona outros tipos na Ética Protestante, é o caso do tipo de “em-
presário capitalista” (Weber, 2004, p. 63). Escreve Weber sobre este 
tipo: [ele] se esquiva à ostentação e à despesa inútil, bem como ao 
gozo consciente de seu poder, e sente-se antes incomodado com os 
sinais externos da deferência social de que desfruta. Sua conduta de 
vida, noutras palavras, comporta quase sempre certo lance ascético, 
tal como veio à luz com clareza no citado “sermão” de Franklin [...]. 
Ou seja, não é raro, mas bastante freqüente, encontrar nele uma dose 
de fria modéstia que é substancialmente mais sincera do que aquela 
reserva que Benjamin Franklin soube tão bem aconselhar. De sua 
92
E n i o W a l d i r d a S i l v a
riqueza “nada tem” para si mesmo, a não ser a irracional sensação 
de “cumprimento do dever profissional11” (Silva; Bressan; Correa, 
2009, p. 144).
Assim, podemos concluir que para Weber a Sociologia Jurídica tem 
duas funções: a) o estudo do comportamento dos indivíduos perante as 
normas vigentes e a determinação em que grau se verifica a orientação 
dos homens por esse conjunto de leis (ordem legítima); b) investigar, no 
plano da realidade, do acontecer fático, o que se sucede no comportamen-
to das pessoas que se submetem a um ordenamento e de que maneira 
se verifica sua orientação segundo esta ordem legítima
[...] a ordem jurídica ideal da teoria do direito não tem diretamente 
nada a ver com o cosmos das ações [...] efetivas [objeto da sociologia 
jurídica], uma vez que ambos se encontram em planos diferentes: a 
primeira, no plano ideal de vigência pretendida; o segundo, no dos 
acontecimentos reais... (Weber, 1999, v. I, p. 209).
– [...] tem por objeto compreender o comportamento significativo dos 
membros de um grupamento quanto às leis em vigor e determinar o 
sentido da crença em sua validade ou na ordem que elas estabelece-
ram. Procura, pois, apreender até que ponto as regras de direito são 
observadas, e como os indivíduos orientam de acordo com elas a sua 
conduta (Julien Freund sobre Weber).
Weber, ao estudar os motivos do desenvolvimento do capitalismo 
no mundo ocidental, percebe que o Estado é fruto desta cultura racio-
nal do Ocidente verificada nas práticas econômicas, na organização do 
poder coletivo, na ética (comportamento) e na ciência (educação). Este 
contexto alavanca o Estado, a burocracia e o Direito e um conjunto de 
atos legitimados juridicamente, organizando um sistema de conexões 
permanente entre vários indivíduos, no qual cada um exerce uma fun-
11 Quando Weber afirma que o protestantismo desenvolveu um ascetismo racional, que 
o protestante que quisesse se salvar deveria trabalhar, ele está apenas usando uma 
tipologia: não é possível saber se todos os protestantes agiam assim ou se o protestante 
era impelido “sempre” por esse motivo.
93
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização dasRelações Sociais
ção especializada e impessoal, de acordo com a lei e os regulamentos. 
Pelo Direito organizou-se um sistema jurídico de atos normativos que 
atribui competências aos agentes estatais para emitirem comandos a 
serem obedecidos.12
O Ocidente dispôs de um Direito formalmente desenvolvido, produto 
do gênio romano, e os funcionários, formados segundo o espírito desse 
Direito, eram, como técnicos da administração, superiores a todos 
os demais. Para a história da economia este fato revestiu-se de certa 
importância porque a aliança entre o Estado e a jurisprudência formal 
favoreceu, indiretamente, o capitalismo (Weber, 1974b).
Segundo Weber, há três tipos (puros) de dominação: a dominação 
tradicional, a dominação carismática e a dominação legal. Esses tipos de 
dominação podem ser resumidos da seguinte forma:
[...] a autoridade do “passado eterno”, ou seja, dos costumes santifica-
dos pela validez imemorial e pelo hábito, enraizados nos homens, de 
respeitá-los. Assim se apresenta o “poder tradicional”, que o patriarca 
ou o senhor de terras exercia antigamente. Em segundo lugar, existe 
a autoridade que se baseia em dons pessoais e extraordinários de 
um indivíduo (carisma) – devoção e confiança estritamente pessoais 
depositadas em alguém que se diferencia por qualidades prodigiosas, 
por heroísmo ou por outras qualidades exemplares que dele fazem o 
chefe. Desse jeito é o poder “carismático”, exercido pelo profeta ou 
– no domínio político – pelo dirigente guerreiro eleito, pelo soberano 
escolhido por meio de plebiscito, pelo grande demagogo ou pelo 
dirigente de um partido político. Em suma, existe a autoridade que 
se impõe pela “legalidade”, pela crença na validade de um estatuto 
legal e de uma “competência” positiva, estruturada em regras racio-
nalmente estabelecidas ou, em outras palavras, a autoridade fincada 
na obediência, que reconhece obrigações concernentes ao estatuto 
12 Ver texto de Bezerra, André Augusto Salvador. Da dominação legal weberiana à inflação 
normativa: o caráter racional do Estado contemporâneo. In: Revista Sociologia Jurídica. 
Disponível em: <www.sociologiajuridica.net.br-08>. Acesso em: set. 2010.
94
E n i o W a l d i r d a S i l v a
estabelecido. Assim é o poder, tal qual o exerce o “servidor do Estado” 
atualmente e como o exercem todos os detentores do poder que dele 
se aproximam sob esse aspecto (2003, p. 61).
A obediência dos indivíduos em relação aos poderes dominantes 
(tradicional, carismático ou legal) pode se dar, segundo Weber, por inte-
resses dos mais variados tipos e também por sentimentos como o medo e 
a esperança. Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma 
ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis; 
disciplina é a probabilidade de encontrar obediência pronta, automática e 
esquemática a uma ordem, entre uma pluralidade indicável de pessoas, 
em virtude de atividades treinadas. O conceito de “disciplina” inclui o 
“treino” na obediência em massa, sem crítica nem resistência. A situa-
ção de dominação está ligada à presença efetiva de alguém mandando 
eficazmente em outros, mas não necessariamente à existência de um 
quadro administrativo nem de uma associação; porém certamente – pelo 
menos em todos os casos normais – à existência de um dos dois. Temos 
uma associação de dominação na medida em que seus membros, como 
tais, estejam submetidos a relações de dominação, em virtude da ordem 
vigente (Weber, 2000, p. 33).
Segundo interpretam Correa e Bressan (2009) conceito de raciona-
lidade é central na obra de Max Weber, mas num sentido bem diferente 
daquele que se consolidou na economia a partir da tradição britânica. 
Para Weber, racionalização é um longo processo histórico que resulta na 
formação dos próprios pilares do Ocidente, de uma civilização caracte-
rizada, como é dito na primeira frase de A Ética Protestante e o Espírito do 
Capitalismo, por “fenômenos culturais dotados... de um desenvolvimento 
universal em seu valor e significado”. Quem ler a dezena de páginas da 
Introdução da Ética Protestante verá, de forma surpreendente, o processo 
de racionalização tomando conta de todas as dimensões da vida social: da 
música, da arquitetura, da história, da ciência, do Estado, do capitalismo 
e até mesmo da religião (1999a, p. 11).
95
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
A passagem anterior deixa claro “o centro das atenções” de Max 
Weber: o racionalismo, ou a conduta racional da vida em relação a fins. 
Esse racionalismo, específico da cultura ocidental, é que será o fator 
principal para a empresa capitalista moderna, em outras palavras, “a 
disposição dos homens em adotar certos tipos de conduta racional” 
(Weber, 1999a, p. 14).
Certamente que outras civilizações tiveram processos de racionali-
zação da vida, mas apenas no Ocidente é que a racionalização “dominou” 
o conjunto da vida em sociedade. Para Freund (1977, p. 107), a racio-
nalização se apresenta como uma intelectualização progressiva da vida; 
despoja o mundo de seus encantos e de sua poesia; a intelectualização é 
desencanto. Em suma, o mundo torna-se cada vez mais a obra artificial 
do homem, que o governa quase como se comandasse uma máquina. Não 
há, pois, motivo de espanto ante o impulso formidável da técnica e de seu 
corolário, a especialização, graças a uma divisão e uma subdivisão cada vez 
mais avançadas do trabalho. Referente ao conceito de racionalização, é 
que Weber jamais atribuiu qualquer superioridade intelectual ao homem 
ocidental, envolvido no processo de racionalização do mundo.
Sem dúvida nenhuma o progresso científico é um fragmento, 
o mais importante do processo de intelectualização a que estamos 
submetidos desde milênios e relativamente ao qual algumas pessoas 
adotam, atualmente, posição estranhamente negativa. A característica 
principal do mundo ocidental estava relacionada ao mundo, segundo 
Max Weber, indiferente a Deus e aos profetas. Uma época caracterizada 
pela racionalização, pela intelectualização e pelo desencantamento13 do 
13 Desencantamento significa: “mágicas” para os fenômenos que eles não entendiam. Ex.: 
O trovão ocorria porque o deus do trovão estava zangado. Os raios eram atirados pelo 
deus Zeus. A chuva é enviada por São Pedro. A partir da Modernidade, porém, com a 
racionalização, a evolução da ciência e as tecnologias de comunicação, as pessoas não 
utilizaram mais essas explicações “fantasiosas” para essas coisas. Hoje se acontece um 
terremoto, a gente sabe que não é um fenômeno sobrenatural e sim que pode ser por 
causa da movimentação das placas tectônicas, etc. Por isso Weber disse que houve um 
“desencantamento”, as pessoas não se apoiam mais em coisas “mágicas” para explicar 
96
E n i o W a l d i r d a S i l v a
mundo, em que os valores “sublimes” foram banidos da vida pública. 
“Àquele que não é capaz de suportar estoicamente esse sistema de nossa 
época, resta apenas dar o seguinte conselho: volta em silêncio, sem dar 
ao teu gesto a publicidade habitual dos renegados, com simplicidade e 
reconhecimento, aos braços abertos e cheios de misericórdia das velhas 
igrejas” (Weber, 2003, p. 58).
Mais propriamente do Direito em Weber (1974b) podemos 
perceber a ligação que o autor faz a esta cultura racional, a economia 
planejada e necessidade de controle das ações. Isso seria impensável 
sem o desenvolvimento de uma burocracia:14 A burocratização oferece, 
acima de tudo, a possibilidade ótima de colocar-se em prática o princípio 
de especialização das funções administrativas, de acordo com consi-
derações exclusivamente objetivas. Tarefas individuais são atribuídas 
a funcionários que têm treinamento especializado e que, pela prática 
constante, aprendem cada vez mais. O cumprimento “objetivo” das 
tarefas significa, primordialmente, um cumprimento de tarefas segundo 
regras calculáveis e “sem relação com pessoas. A peculiaridade dacultura 
moderna, e especificamente de sua base técnica e econômica, exige essa 
“calculabilidade” de resultados. Sua natureza específica, bem recebida 
pelo capitalismo, desenvolve-se mais perfeitamente na medida em que a 
burocracia é “desumanizada”, na medida em que consegue eliminar dos 
negócios oficiais o amor, o ódio e todos os elementos pessoais, irracionais 
e emocionais que fogem ao cálculo. É essa a natureza específica da bu-
rocracia, louvada como sua virtude especial. A estrutura burocrática vai 
de mãos dadas com a concentração dos meios materiais de administração 
as coisas. E foram as seitas puritanas seus radicais e autoconfiantes portadores na época 
pioneira da gestação histórica da moderna civilização do trabalho, seu ponto de chegada 
religioso, depois do qual, então, se transitou até a primazia da ciência moderna, “o 
destino do nosso tempo”, que reduz o mundo a um mero mecanismo causal.
14 Todas estas citações foram baseadas em Weber, Max. Os fundamentos da organização 
burocrática: uma construção do tipo ideal. In: Campos, Eduardo (Org.). Sociologia da 
burocracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1966, buscada e interpretada por Correa; Bressan, 
2009.
97
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
nas mãos do senhor. Essa concentração ocorre, por exemplo, de modo 
bem conhecido e típico no desenvolvimento das grandes empresas ca-
pitalistas, que encontram nesse processo suas características essenciais. 
Um processo semelhante ocorre nas organizações públicas.
O burocrata individual não pode esquivar-se do aparato ao qual 
está atrelado. O burocrata profissional está preso à sua atividade por 
toda a sua existência material e ideal. Na grande maioria dos casos ele é 
apenas uma engrenagem num mecanismo sempre em movimento, que 
lhe determina um caminho fixo. O funcionário recebe tarefas especiali-
zadas e normalmente o mecanismo não pode ser posto em movimento 
ou detido por ele, iniciativa esta que tem de partir do alto.
Somente com a burocratização do Estado e do Direito em geral, vemos 
uma possibilidade definida de separar, clara e conceitualmente, uma 
ordem jurídica “objetiva” dos “direitos subjetivos” do indivíduo, que 
ela garante; de separar o Direito “Público” do Direito “Privado”. O 
primeiro regulamenta as interrelações das autoridades públicas e suas 
relações com os “súditos”. O Direito Privado regulamenta as relações 
dos indivíduos governados entre si. Essa separação conceitual pres-
supõe a separação da conceituação do “Estado”, como um portador 
abstrato de prerrogativas soberanas e o criador de “normas jurídicas”, 
das “autorizações” pessoais dos indivíduos (Correa; Bressan, 2009).
A racionalidade capitalista caracteriza, portanto, a existência de 
indivíduos que se movem no sentido de maximizar benefícios e mini-
mizar custos, sejam eles capitalistas, trabalhadores ou genericamente 
consumidores. Na verdade, a racionalidade que se afirma como paradigma 
da civilização ocidental é uma racionalidade instrumental, cujo móvel é o 
cálculo da relação custo/benefício. Vale lembrar ainda que a racionalidade 
capitalista não determina as outras formas de racionalidade, como a da 
política, do Direito e da cultura.
Ao Direito moderno, nesse andar do modo de produção capita-
lista, coube um papel muito importante: o de ser um racionalizador de 
segunda ordem da vida social, uma espécie de elemento substituto ao 
98
E n i o W a l d i r d a S i l v a
gerenciamento científico da sociedade. O Direito para cumprir esse papel 
teve de se adequar. A sua adaptação ocorreu via científica. Ajustando-se 
à racionalidade cognitivo-instrumental da ciência moderna, o Direito 
tornou-se científico. Ocorre que a cientificização do Direito também de-
mandou a sua estatização, haja vista que a manutenção e predominância 
da ordem política sobre a desordem e o caos foram atribuídas ao Estado 
moderno. A regulação jurídica é confiada ao Estado.
O Estado exerce uma dominação legal, diferente do carisma (do-
minação carismática), em que os membros da sociedade são motivados a 
obedecer por razões próprias (pela racionalidade nele – Direito/Estado – 
impregnada) e por acreditarem na legalidade das ordens dos responsáveis 
pelos comandos ou controladores da ordem, pois é uma obediência não 
relacionada diretamente a pessoas (detentores do poder), mas no próprio 
conteúdo obrigatório das normas jurídicas. A fé aqui esboçada é a crença 
na legitimidade do Direito e da política, bem como na impessoalidade 
das ordens emanadas e cumpridas pelo aparelho burocrático que é fruto 
do caráter racional da vida em si. As normas jurídicas representavam tal 
racionalidade: gerais, abstratas e impessoais, devendo ser cumprida uni-
formemente por todos, coadunando-se, perfeitamente, com a realidade 
progressiva do pensamento científico coordenando e potencializando a 
capacidade racional do ser humano.15
Para concluir esta rápida abordagem sobre o direito em Weber, 
cabe destacar a observação de André Augusto Salvador Bezerra:
Passados quase cem anos do contexto estudado por Max Weber, im-
pende saber se as normas ainda possuem essa mesma simbologia no 
meio social contemporâneo – globalizado, caracterizado por uma série 
de limitações aos particulares e de imposição de tarefas ao Estado, 
visando à efetivação de direitos sociais. Impende saber, em outros 
termos, se ainda representam a racionalidade da realidade estatal 
hodierna... Na verdade, tamanha a atividade normativa do Estado 
15 Weber, Max. História geral da economia – Coleção Os Pensadores, vol. XXVII. Trad. 
Maurício Tragtenberg. São Paulo: Abril Cultural, 1974a.
99
Capítulo 2 – A Modernidade – A Judicialização das Relações Sociais
que, muitas vezes, nem mesmo os membros da burocracia interna 
sabem quais normas a seguir: se determinada portaria, ordem de ser-
viço, comunicado ou qualquer outro ato interna corporis que venha 
a regular um mesmo assunto. O que é mais grave é que são tantos 
os atos internos da administração, muitos dos quais incompatíveis 
uns com os outros, que constantemente deixa o servidor de levar 
em conta normas hierarquicamente superiores, como as leis e, até 
mesmo, dispositivos constitucionais, tudo, à evidência, em prejuízo 
do bom andamento dos trabalhos administrativos e dos direitos do 
administrado a uma administração pública eficaz.
Se para o membro da burocracia, a situação não é singela, o que 
dizer para o cidadão que, para planejar os atos de sua vida privada, 
não sabe se deve levar em conta um regulamento que vem a receber 
caráter verdadeiramente autônomo, uma lei, uma medida provisória 
ou uma decisão judicial proferida em ação coletiva, que podem reger 
um mesmo assunto e serem incompatíveis entre si. Não sabe se deve 
seguir um decreto de uma agência reguladora, uma portaria de um 
órgão de proteção ao consumidor ou uma lei que regula a mesma 
matéria, mas de forma mais genérica. Não sabe, nem mesmo, que 
dispositivo constitucional levar em consideração, ainda mais porque, 
muitas vezes, são promulgadas emendas constitucionais que visam dar 
implementação a programas de governos, em verdadeira inversão de 
papéis, pois, como é cediço, são os governantes que devem obediência 
à Constituição e não o contrário.
... O Estado contemporâneo não quer, portanto, ser mais o Estado 
excludente vigente na época de Weber. Essas conclusões, entretanto, 
ainda não explicam o papel das normas jurídicas na sociedade mo-
derna, pois, por mais que se queira solucionar o problema, a inflação 
normativa aparece como um fenômeno inexorável ante a comple-
xidade das tarefas assumidas pelo aparelho estatal. Sendo assim, a 
única solução possível para esse problema é considerar que o que dá 
legitimidade ao Estado capitalista moderno não são mais apenas as 
normas jurídicas. As leis e as demais espécies normativas aparecem 
apenas como um de outros fatores que têm de guiar a atividade pú-
blica. Deve-se também considerar, em idêntico patamar, toda a série 
de direitos fundamentaisque estão consagrados nos ordenamentos 
dos povos democráticos, desde tradicionais institutos do sistema 
capitalista (como a propriedade privada e a livre iniciativa), a outros 
direitos que foram tutelados no decorrer dos anos, como saúde, 
educação, previdência social e meio ambiente. A ação racional que 
se espera do agente estatal, apta a dar segurança e estabilidade aos 
100
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atos privados dos cidadãos, deve agora, pois, estar guiada não mais 
apenas para o cumprimento das normas jurídicas, mas para a efeti-
vação dos valores levados à qualidade de direitos fundamentais. O 
Estado racional, portanto, perdura no tempo, assim como o sistema 
capitalista, mas sob a roupagem, não mais da legalidade estrita, mas 
de proteção a toda uma gama de direitos fundamentais, que refletem 
o caráter plural da sociedade (2010).
 
CAPÍTULO 3
RAZÃO CRÍTICA, 
DIREITO E 
LIBERDADE 
A Revolução Social e a Ordem Justa
A problemática da ordem social, do controle da sociedade e da 
justiça igualitária sempre foi a principal razão das pesquisas em Ciências 
Sociais. Abordaremos agora a contribuição da teoria de Karl H. Marx 
(1818-1883), chamada também de Materialismo Histórico e Dialético 
ou Marxismo.
A teoria de Marx insere-se profundamente nas Ciências Sociais 
tentando explicar a sociedade, sua constituição e suas transformações. 
Ela é chamada de materialista por ter sua base na realidade sensível 
vivenciada pelos homens (no mundo do trabalho, da economia), mas é 
também uma teoria propositiva que pretende fazer uma revolução nas 
ideias, nas formas de interpretações das realidades (com seu método 
dialético), além de ser uma teoria histórica que recupera a história da 
sociedade pela visão dos vencidos e por pretender fazer uma revolução 
nas formas de organização social da sociedade (com sua teoria do poder, 
da política e da dominação). Ou seja, podemos ler nas milhares de páginas 
escritas por Marx a diversidade de temas tratados, ora tentando elaborar 
um conjunto de novas concepções globais de sociedade, de homem e de 
mundo e ora querendo contribuir modestamente, por meio de pesquisas, 
para a luta revolucionária do movimento operário.1
É possível argumentar que se trata de uma proposta científica 
(baseada em métodos de pesquisa), uma teoria do conhecimento que 
recupera a dialética (que nos desafia a buscar um motivo para buscar 
saberes), uma teoria da economia política (propondo uma sociedade 
igualitária) e também uma ciência da sociedade. A fonte de suas teori-
zações são: 
1 Texto já publicado em Silva, Enio Waldir. Teoria Sociológica I. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 
2008b.
104
E n i o W a l d i r d a S i l v a
a) Enquanto realidade econômica é o industrialismo inglês e enquanto 
teoria a economia política mobilizada por Adam Smith e David Ri-
cardo. Recupera a noção de trabalho-valor, observando, porém, que 
a realização do capital não é produzida pelo trabalho em qualquer de 
suas formas, mas pelo trabalho não pago.
b) Enquanto política no socialismo utópico e no liberalismo francês. O 
socialismo utópico, que denunciou a miséria da vida sob o capitalis-
mo, a exploração do homem pelo homem. Deste, o autor retoma a 
exploração, mas não sob uma ótica dos princípios liberais com as 
necessidades emergentes do operariado, mas sob uma perspectiva 
de constatação de que, em verdade, os desacordos entre os interesses 
da burguesia e os do proletariado constituem uma mola que move 
o sistema capitalista e que é essencial a sua existência. Para o autor, 
as tentativas de união de ideias paradoxais são meramente ilusórias, 
restando ao proletariado, portanto, a alternativa revolucionária de 
modo a interromper as contradições brutais do capitalismo.
c) Enquanto análise da ideologia, no idealismo filosófico alemão. O 
pensamento clássico da Alemanha era representado principalmente 
por Feuerbach e Hegel. Destes estudos Marx elabora a compreensão 
de que a sociedade, o Estado e o Direito não surgem de decretos 
divinos, mas dependem da ação concreta dos homens na História. 
Especialmente de Hegel, o autor recupera a sua dialética, que diz 
ser o mundo movido por contradições (natureza/homem, capital/
trabalho, campo/cidade), sendo que em vez da natureza circular da 
dialética de Hegel, formada por tese, antítese e síntese, Marx propõe 
uma espiral, na qual a “síntese” seria também uma “tese” para uma 
nova “antítese”. 
Marx reconhece as sociedades como sistemas de relações entre 
os seres humanos, das quais as relações que objetivam a produção e a 
reprodução são as principais. Estes sistemas mantêm-se funcionando 
graças aos seus elementos internos e externos que os instituíram, mesmo 
que contraditórios e conflitantes, passíveis de serem transformados. Sua 
105
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
perspectiva de revolução concretiza uma teoria da emancipação social, 
da liberdade, no entanto não elaborou uma fórmula, uma doutrina ou 
dogma a quem se dedicar para estudar a sociedade, para entendê-la e 
para transformá-la, uma vez que, estudando pelo método dialético é 
impossível não se posicionar ao lado da vida, da maioria das vidas ou, 
ao menos, não se tocar com a miséria humana que sustenta benesses para 
uma pequena minoria.
Isso, no entanto, pode ser lido de forma superficial ou demasiada-
mente ideológica. Por isso é preciso estudar os argumentos que reforçam 
a teoria sociológica de Marx, a teoria que compreende os problemas 
centrais da nossa sociabilidade humana e propõe soluções que não são 
somente na lógica pensada, mas na prática social, como é o caso das teses 
que procuram encontrar uma teoria do Direito nas suas obras.
O método dialético não pode ser usado de forma dogmática, fixa 
ou artificialmente. Ele permite que conheçamos a nós mesmos no e pelo 
processo de conhecimento da sociedade em que vivemos. A dialética é 
o movimento recíproco entre teoria e prática, entre sujeito e objeto e é 
um processo de constante passagem fluida de uma determinação a outra 
no processo histórico (Silva, 2008b). Assim teríamos quatro passos para 
aplicação do método :
a) Tudo se Relaciona (conexão universal do todo – Relação).
b) Tudo se Transforma (tudo muda constantemente – Transformação.
c) Tudo tem o seu Contrário (há sempre no mínimo dois lados das coisas 
– Contradição).
d) Tudo pode ser Negado (não há verdades eternas – Negação da Ne-
gação).
Para Lukács a dialética é revolucionária. A importância dessa 
determinação, responsável, de certo modo, por um novo desenho da 
dialética, vai além de sua capacidade em configurar, à maneira de um 
polo magnético, uma reorganização geral das articulações metodológicas, 
106
E n i o W a l d i r d a S i l v a
o método dialético, “essência teórica da teoria” marxista, que possibilita 
uma outra redefinição pela qual a teoria passa a ser concebida como 
“expressão pensada do próprio processo revolucionário”. Os desdobra-
mentos da “essência prática da teoria”, consolidados no lema “unidade 
de teoria e prática”, dependem da elevação conceitual do proletariado 
à condição de sujeito e objeto do processo histórico, mediando assim a 
relação entre consciência e realidade (Lukács, 1989).
Na visão de Marx, o sistema social moderno é um sistema criado 
por uma classe, a burguesia, com mecanismos para garantir o controle e 
a ordem que lhe interessa. Tudo fica submetido à lógica deste sistema. 
Esta lógica é distribuída pela ideologia, pelas práticas econômicas e 
pelo conjunto de instituições que agrega poderes de organização e co-
ação. Assim, dentro da estrutura geral do Estado e do sistema jurídico 
capitalista, a atividade humana é realizada como uma “atividade alheia, 
imposta”, como um “trabalho forçado”, como uma atividade que está 
“sob o domínio, a coação e o jugo de outro homem”. Dessa forma, embora 
o princípio fundamental que governa a nova sociedade seja econômico 
(em oposição ao princípio reguladorda sociedade feudal, que era essen-
cialmente político), não pode ser divorciado da estrutura política na qual 
opera. A tarefa da “emancipação humana universal”, portanto, deve ser 
formulada “na forma política da emancipação dos trabalhadores”, o que 
implica uma “atitude praticamente crítica” para com o Estado, com a 
ordem que explora e se impõe contra a maioria.
O autor propõe um modelo de análise dividindo o esqueleto so-
cial em duas partes: a infraestrutura e a superestrutura. Revela estar a 
infraestrutura afastada das percepções sensoriais do homem e, de outro 
lado, ilustra que os componentes da superestrutura, isto é, a política, a 
ideologia e o Direito são captáveis pelos sentidos humanos.2
2 Assis, Marselha Silvério de. Direito e Estado sob A óptica de Karl Marx. In: Revista 
Sociologia Jurídica. Disponível em: <www.sociologiajuridica.net.br-10>. Acesso em: 15 
set. 2011.
107
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
Na infraestrutura, ou base material, desenvolver-se-iam todas as 
relações sociais de produção por meio das forças produtivas, isto é, as 
ferramentas por intermédio das quais poder-se-ia obter produtividade: 
força de trabalho + tecnologia + terras + conhecimento. As relações sociais 
de produção, por sua vez, significam as interações entre os indivíduos, 
ou destes com a natureza, ocorridas na infraestrutura.
Sobre essa infraestrutura material levantar-se-ia a superestrutura. 
Esta reproduziria a dominação estabelecida naquela e seria composta 
por duas instâncias: uma delas é a jurídico-política, que tem por função 
mediar as relações materiais e tem como expressões máximas: o Direito 
(demonstração da luta de classes, com a lei sendo vista como a consa-
gração da ideologia burguesa) e a burocracia, definida como um corpo 
de funcionários orientados a perpetuar as condições vividas na infra-
estrutura. A outra instância é a ideológica, na qual seriam construídos 
valores, ideias e representações que afirmariam as discrepâncias entre 
as classes sociais.
As classes sociais constituem a base de todo o pensamento do 
autor. Elas são determinadas pela posição que um grupo de indivíduos 
possui nas relações sociais de produção. Essa posição seria determinada 
pela propriedade ou não de bens. O grupo que os possuísse seria a clas-
se dominante e o que não os detivesse, a classe dominada. As relações 
entre essas classes nascem na infraestrutura, sendo afirmadas, mantidas 
e reproduzidas pela esfera superestrutural (que também tem o papel 
de reprimir ataques ao status quo). Em última instância, Marx consi-
dera que as relações econômicas (infraestrutura) determinam o corpo 
superestrutural.
A relação entre as estruturas do modo de produção, entretanto, 
não é a simples reflexão, expressão ou determinação, no sentido de bai-
xo para cima. Em que pese se possa afirmar também que o Direito do 
Trabalho não nasce para unir o capital e o trabalho num mesmo objetivo, 
porque isso seria impossível. O que se quer destacar é que o Direito 
do Trabalho promove como “justo” o intercâmbio da compra e venda 
108
E n i o W a l d i r d a S i l v a
da força de trabalho, mas ao mesmo tempo promove institutos, como o 
salário, o jus postulandi e toda a redoma protetiva do trabalhador, a fim 
de garantir um mínimo ético nas relações trabalhistas.3
O Estado, para o autor, compõe a esfera superestrutural, sendo seu 
surgimento necessário para ordenar essa luta de classes, amenizando-a. 
Fazendo isso, ele atende aos interesses dos proprietários, posto que a 
intensificação dos conflitos pode gerar uma superação da realidade e à 
classe dominante interessa a permanência da situação vigente.
Assim, o Estado é a expressão legal – jurídica e policial – dos inte-
resses de uma classe social particular, a classe dos proprietários privados 
dos meios de produção ou classe dominante. Ele não é uma imposição 
divina aos homens nem é o resultado de um pacto ou contrato social, 
mas é a maneira pela qual a classe dominante de uma época e de uma 
sociedade determinadas garante seus interesses e sua dominação sobre 
o todo social.
O Direito expressa-se como um fenômeno social, ocupante da 
posição superestrutural, determinada dialeticamente pela economia, que 
compreende a base material, mas que incorpora valores sociais que se 
inscrevem no contexto do exercício do poder em uma sociedade.
Karl Marx organizou uma tese em que o Direito moderno, como 
regra de conduta coercitiva, nasce da ideologia da classe dominante, que 
é precisamente a classe burguesa. Assim, qualquer que seja a forma que 
o Direito assuma (lei, jurisprudência, costume), a essência do Direito está 
sempre referida à vontade da classe dominante, que nunca é a vontade 
do conjunto do corpo social. O Direito é percebido como síntese de um 
processo dialético de conflito de interesses entre as classes sociais, que 
Marx denominou de luta de classes. 
3 Idem.
109
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
Tanto as relações jurídicas quanto as formas de Estado não podem 
ser compreendidas nem por si mesmas, nem pela chamada revolução geral 
do espírito humano, mas antes têm suas raízes nas condições materiais 
de existência. Ademais, o Direito não nasce espontaneamente dessas 
relações, mas é posto pela vontade. O problema que se verifica é que 
tal vontade é somente aquela dos que possuem o poder estatal, ou seja, 
a vontade da classe dominante, sendo o Direito expresso de um lado 
pela lei e, de outro, como o conteúdo determinado dessa lei. Assim, a 
dominação econômica de uns poucos sobre tantos outros se legitima por 
intermédio de um Estado de Direito, cujo princípio capital é a lei. 
O momento vivido por Marx e sua posição de contrastar os gigantes 
do pensamento burguês (como Hegel), fizeram dele um pesquisador 
inquieto com as injustiças sociais vividas na época. Na dimensão eco-
nômica a injustiça estava representada nas formas jurídicas e, assim, a 
insurgência contra o modelo liberal do Direito de propriedade, uma vez 
que a liberdade no capitalismo clássico é meramente formal, e sem um 
amparo da igualdade material. O Direito e seus institutos, nesse momen-O Direito e seus institutos, nesse momen-
to, se constituíam em fenômenos ideológicos, parte da realidade social e 
cultural capitalista, seja no processo de elaboração das leis, seja no de sua 
aplicação pelos magistrados. Não podemos deixar de historicizar, porém, 
as posições de Marx e ver seus ensinamentos sobre o Direito acoplados 
a sua concepção de homem enquanto produto e produtor da realidade 
social em que vive. O Direito, pensado sob a constelação da liberdade, 
da igualdade e da justiça, poderia se tornar uma arma revolucionária. 
No interior da obra de Marx há uma série de razões argumentativas 
para pôr um fim na exploração do homem pelo homem; para promover 
uma organização da produção igual e da distribuição igual, a partir da 
autogestão e cogestão; promover o fim das classes sociais, o fim dos pri-
vilégios dos lugares sociais e o fim de estruturas políticas que asseguram 
estes privilégios e a desigualdade, criando um novo Estado, como uma 
nova esfera pública. Vemos também proposições para tornar o trabalho 
como livres disposições de iguais, não uma obrigação externa imposta 
110
E n i o W a l d i r d a S i l v a
por outrem; argumentos pelo fim da propriedade privada e a favor do 
livre desenvolvimento cultural do homem – promoção da igualdade da 
totalidade do gênero humano.
A liberdade em relação aos laços políticos e a certos tipos de restri-
ções foi uma condição elementar do novo desenvolvimento social: tanto 
no sentido de libertar todos os homens, para permitir-lhes estabelecer 
relações contratuais, como em referência à “inalienabilidade da terra” e 
à legitimidade do lucro sem a “alienação do capital”. Tão logo o direito 
à igualdade é aplicado à aquisição e à posse, contudo, torna-se neces-
sariamente abstrato (igualdade como mera posse de direitos), porqueé 
impossível possuir alguma coisa em termos individualistas (exclusiva-
mente) e ao mesmo tempo partilhá-la com alguém.
A análise das relações de propriedade capitalista mostra que o 
homem não pode exercer seus poderes essenciais, as restrições e limi-
tações desse tipo estão destinadas a ter repercussões negativas sobre o 
grau de liberdade conseguido pela sociedade capitalista no sentido da 
necessidade natural e no sentido do poder de interferência de outros 
homens. 
Assim, se considerarmos o aspecto da liberdade que ao contrastar 
as relações de propriedade capitalistas e feudais veremos claramente que 
o tremendo aumento na capacidade produtiva da sociedade fez avançar 
muito – potencialmente – a liberdade humana. Marx, no entanto, argu-
menta que essa grande potencialidade positiva é neutralizada por dois 
fatores importantes: primeiro: as forças produtivas, cada vez maiores, 
não são governadas pelo princípio da “associação consciente”; segundo: 
embora as crescentes forças produtivas pudessem realmente satisfazer as 
necessidades humanas reais, dado o caráter irracional do processo como 
um todo (chamado por Engels de “condição inconsciente da humanida-
de”), as necessidades parciais da propriedade privada – as necessidades 
abstratas da expansão da produção e do lucro – predominam sobre as 
necessidades humanas reais. Nas palavras do próprio Marx: “O aumento 
111
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
da quantidade dos objetos é acompanhado por uma extensão da esfera 
dos poderes estranhos, a que o homem está sujeito, e cada novo produto 
representa uma nova possibilidade de trapaça e embuste mútuo”.
Assim, a força libertadora potencial das novas capacidades produ-
tivas é desgastada. A esfera dos poderes estranhos a que o homem está 
sujeito, como adverte Marx, é ampliada, e não reduzida.
Então, a assertiva que parece ser a mais central nesta teoria da li-
berdade é esta: o homem só será livre quando o trabalho for livre. Para chegar 
a esta liberdade, no entanto, é preciso se libertar da ideologia burguesa 
(uma outra lógica para pensar o mundo que a dialética proporciona – 
revolução no pensamento, como diria hoje Edgar Morin – como queres 
liberdade se não sabes o que te prende? Se souber o que te prende é 
preciso saber como se libertar e depois de liberto deves saber o que fazer 
com tua liberdade); para fazer isso é preciso se organizar (organizar quer 
dizer planejar, decidir e agir e isso é política – por isso, no tempo de Marx, 
o canal concreto é o partido político); no entanto, de fato, a liberdade 
só é conseguida quando o mundo da necessidade não reinar mais entre os 
homens (por isso mudar o modo de produzir, distribuir e consumir – e 
isso é economia de fato). 
Na opinião de Marx, os homens possuem poderes essenciais que 
caminham para este fim. A história de lutas dos homens foi contra a 
perda deste poder de solidariedade que estava entre eles. Estas forças 
solidárias são poderes especificamente humanos, isto é, que distinguem 
o homem das outras partes da natureza. Este poder é que a burguesia 
não quer deixar aparecer e o encobre com o discurso da concorrência e 
do trabalho “útil”. “O trabalho é a propriedade ativa do homem”, e como 
tal é considerado como propriedade interna que se deve manifestar numa 
“atividade espontânea”. O trabalho é, portanto, específico no homem 
como uma atividade livre, sendo contrastado com as “funções animais – 
comer, beber, procriar” –, que pertencem à esfera da necessidade.
112
E n i o W a l d i r d a S i l v a
O poder que tem o homem de se objetivar por meio de seu trabalho 
também é especificamente humano; manifesta-se como a “objetivação da 
vida do homem como ser genérico” e encerra características inerentemen-
te humanas, na medida em que permite ao homem “contemplar-se num 
mundo que ele criou” e não apenas no pensamento (Silva, 2008b).
Marx descreve o homem como “um ser universal e, portanto, li-
vre”, e o poder que lhe permite ser esse “ser” é derivado da sociabilidade 
(ou solidariedade). Isso significa que há uma conexão direta entre a liber-
dade, como universalidade do homem, e a sociabilidade. Como sabemos, 
de acordo com Marx, “a essência humana da natureza só começa a existir 
para o homem social”, e acrescenta que a verdadeira individualidade não 
pode ser compreendida se nos abstraímos da sociabilidade.
O denominador comum de todos esses poderes humanos é a 
sociabilidade. Assim, a questão crucial é: as novas relações de proprieda-
de estimulam ou dificultam o progresso da sociabilidade, como base de 
todos os poderes especificamente humanos? “A propriedade privada 
isola cada um em sua própria solidão brutal”, dizem Marx e Engels (no 
Manifesto de 1848).
Por isso o trabalho é a categoria central que sintetiza a essência 
da vida e onde se condensam as dimensões políticas, sociais, culturais 
e econômicas do homem. O trabalho, que deveria ser uma propriedade 
interna, ativa, do homem, em consequência da alienação capitalista, 
torna-se exterior ao trabalhador (“o trabalho é exterior ao trabalhador, isto 
é, não pertence ao seu ser essencial; [...] O trabalhador, portanto, só se 
sente ele mesmo fora de seu trabalho, e em seu trabalho sente-se fora 
de si mesmo”). Não é atividade de vida, na qual o homem afirma-se, 
mas mero meio para a sua existência/sobrevivência individual, autone-
gação que “mortifica-lhe o corpo e arruína-lhe a mente”. A alienação 
transforma a atividade espontânea no “trabalho forçado”, uma atividade 
que é um simples meio de obter fins essencialmente animais (comer, 
beber, procriar), e com isso “O que é animal se torna humano e o que é 
humano se torna animal”. Para agravar ainda mais as coisas, mesmo essa 
113
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
forma alienada de atividade – mas necessária à mera sobrevivência – é 
com frequência negada ao trabalhador, porque o “próprio trabalho se 
torna um objeto de que ele só pode dispor com o maior esforço e com 
as interrupções mais irregulares” (Mészáros, 1998, p. 41).
A objetivação em condições nas quais o trabalho se torna exterior 
ao homem assume a forma de um poder estranho que enfrenta-o de uma 
maneira hostil. Esse poder exterior, a propriedade privada, é “o produto, 
o resultado, a conseqüência necessária, do trabalho alienado, da relação 
exterior entre o trabalhador e a natureza, entre o trabalhador e ele próprio”. 
Assim, se o resultado desse tipo de objetivação é a produção de um poder 
hostil, então o homem não pode realmente “contemplar-se num mundo 
por ele criado”, mas, sujeitado a um poder exterior e privado do sentido 
de sua própria atividade, ele inventa um mundo irreal, submete-se a ele, 
e com isso restringe ainda mais a sua própria liberdade:
No capitalismo o trabalho do homem se objetiva na mercadoria (esta 
mercadoria, circulando no mercado, é a transfiguração do próprio 
homem que circula e, ao assim fazer, se divide, se desintegra) e o 
valor do homem está relacionado com a capacidade de produzir e 
fazer circular as mercadorias. O homem torna-se um ser dependente 
(alienado) do todo que não conhece, submetendo-se às leis do mer-
cado (leis racionais), preso ao espaço e ao tempo concedidos pelas 
necessidades objetivas da racionalização, apagando-se diante de seu 
trabalho. Marx mostra-nos que o trabalho alienado, como no capita-
lismo, destrói a humanidade do homem e faz dele um ser que apenas 
existe para cumprir hora na execução da produção do próprio modo 
de produzir. O tempo é tudo e o homem não é nada, é quando muito 
a carcaça do tempo, estranho a sua própria personalidade espectadora 
e impotente (Silva, 2008b, p. 73).
Se o homem é alienado dos outros homens e da natureza, então 
os poderes que lhe pertencem como um “ser universal” não podem, 
evidentemente, ser exercidos. A universalidade é abstraída do homem 
e transformada num poder impessoal que se contrapõe a ele na forma 
do dinheiro, esse “grilhãode todos os grilhões”, “o agente universal da 
114
E n i o W a l d i r d a S i l v a
separação”. O quadro que surge da crítica de Marx é o de uma sociedade 
fragmentada e de um indivíduo empobrecido. Como transcender posi-
tivamente esse estado de coisas? É uma pergunta que se acha na base 
da análise de Marx, pois sem procurar uma resposta para ela a própria 
crítica permaneceria insoluvelmente abstrata, totalmente destituída de 
significado.
A destruição do Estado capitalista e a eliminação das restrições jurí-
dicas por ele impostas resolveriam o problema? Evidentemente não, pois, 
segundo Marx, mesmo a anulação do Estado (de qualquer Estado) ainda 
deixará partes da tarefa sem solução. Conceber a tarefa da transcendência 
simplesmente em termos políticos poderia resultar no “restabelecimento 
da ‘Sociedade’ como uma abstração frente ao indivíduo”, contra o que 
Marx fez uma advertência. E isso restabeleceria a alienação numa forma 
diferente. A grande dificuldade está no fato de que a transcendência 
(superação) positiva deve começar com medidas políticas, porque numa 
sociedade alienada não existem agentes sociais que possam restringir 
efetivamente, e muito menos superar, a alienação.
Se, porém, o processo começar com um agente político que deve 
estabelecer as precondições da transcendência, seu êxito dependerá da 
autoconsciência desse agente. Em outras palavras, se esse agente, por 
qualquer motivo, não puder reconhecer seus próprios limites e ao mes-
mo tempo limitar suas próprias ações a tais limites, então os perigos do 
“restabelecimento da ‘Sociedade’ como abstração frente ao indivíduo” 
restarão acentuados.
Nesse sentido, a política deve ser concebida como uma atividade 
cujo objetivo final é sua própria anulação, por meio do preenchimento de 
sua função determinada como uma fase necessária no processo comple-
xo de transcendência. É assim que Marx descreve o comunismo como 
um princípio político. Ele ressalta sua função como a negação da negação 
e, portanto, limita-o à “fase seguinte do desenvolvimento histórico”, 
chamando-o de “princípio dinâmico do futuro imediato”.
115
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
Mészáros (1998) refere-se a este aspecto da política alertando 
que
...toda política está ligada, em maior ou menor grau, à parcialidade. Isso 
está claramente implícito em Marx, quando ele diz que a emancipação 
da sociedade em relação à propriedade privada se expressa na forma 
política da emancipação do trabalhador. Esperar, portanto, que a par-
cialidade realize a universalidade da transcendência positiva seria uma 
atitude prática pelo menos ingênua e, como teoria, contraditória.
A transcendência positiva não pode, portanto, ser simplesmente vista 
como a “negação da negação”, isto é, em termos meramente políticos. 
Sua realização só pode ser concebida na universalidade da prática 
social como um todo. Ao mesmo tempo, porém, devemos ressaltar 
que, como um elo intermediário necessário, o papel de uma política 
cônscia de seus limites, bem como de suas funções estratégicas na 
totalidade da prática social, é crucial para o êxito de uma transformação 
socialista da sociedade (p. 144).
Esta proposta objetiva de socialismo, todavia, não pode ser super-
ficializada como se fez no bandeirismo partidário. Se é para o socialismo 
que Marx apontava, não ficou muito claramente descrito como funcio-
naria este modo de produção.
Direito como Concretização 
dos Entendimentos Coletivos
A amplitude da obra de Habermas permite-nos deduzir que um 
dos temas centrais ali tratados é a democracia. Existe, no entanto, uma 
infinidade de compreensões das reflexões que este autor empreende, 
mas poucos negam que ele é um dos raros pensadores atuais que ainda 
mantêm um discurso teleológico, metanarrativo, totalizante e, ao mesmo 
tempo, dialético. Discorre sobre o poder, a razão, a linguagem, a sociedade 
e emancipação humana, desafiando-nos a elevar nossos interesses a uma 
dimensão universal, o que o torna um pensador que mais se aproxima, 
metodologicamente, de Karl Marx.
116
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Das relações da razão, linguagem e lei Habermas parece querer 
buscar uma democracia comunicativa (dialógica) motivadora de ações que 
organize a sociedade. Este diálogo possui regras que tornam possíveis 
a todos argumentar de forma franca, sem coerção e coação de modo a 
produzir uma compreensão a partir dos interesses mais comuns, de onde 
se pode retirar um consenso mínimo que oriente as normas.
A sociedade democrática seria, para Habermas, então, aquela que 
apresenta condições para a produção de consensos parciais baseados na 
argumentação. A vida democrática depende do dinamismo de uma esfera 
pública para além do Estado que tematiza a agenda política em relação 
à qual o Estado deve reagir. A tradução desta linguagem comum para 
códigos mais sistemáticos e vice-versa seria feita pelo Direito.
O mundo da vida, em que as experiências encontram repercussão 
e que é dominado pela rotina, é lugar onde se pode perceber problemas, 
tematizá-los nos diálogos de forma a chamar a atenção dos procedimentos 
democráticos institucionalizados, pressionar as instâncias decisivas. A 
sociedade civil institucional e voluntária seria como base desta esfera 
política pública e composta por associações, movimentos sociais, orga-
nizações. Esta conexão entre sociedade civil, esfera pública e sistema 
político é que garante que as massas não sejam manipuladas para fins 
plebiscitários.
Uma das maiores contribuições de Habermas está na possibili-
dade de compreender que o advento da modernidade significou uma 
incorporação da razão prática como propriedade da subjetividade hu-
mana. Consequentemente, a compreensão ontológica desta faculdade 
significaria a compreensão de um aspecto fundamental para realizar a 
efetivação do espírito humano em sua forma social e política. A realização 
desta natureza foi vista em sua forma mais absoluta na constituição do 
Estado moderno, modelo político em que o particular converge para a 
forma universal. A sociedade realiza-se, assim, de acordo com a concepção 
moderna, na ideia do Estado moderno.
117
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
A crítica a esta concepção apareceu, ainda na forma moderna, inci-
dindo sobre a separação entre política e economia. Tendo seu expoente 
máximo em Karl Marx, esta abordagem nega a existência de duas facul-
dades humanas distintas, sendo uma própria da consciência, buscando a 
efetivação do espírito humano na realização da dialética particular/ geral 
– basicamente a fusão do indivíduo particular na forma política universal 
representada pelo Estado moderno –, e outra funcionando quase como 
um inconsciente coletivo (não há aqui referência ao conceito psicanalítico 
e sim a ideia de um mecanismo coletivo de autoajuste) responsável pelo 
equilíbrio natural da economia, como podemos ver na ótica econômica de 
Adam Smith na forma da “mão invisível do mercado”. Nesta perspectiva 
crítica, todas as formas de gestão coletiva estariam comprometidas de 
uma forma ou de outra com a orientação econômica, entre elas, e prin-
cipalmente, o Estado e as formas do Direito Público. Por uma outra via, 
representando uma crítica radical à modernidade aparece a crítica pós-
nietzschiana que, ao duvidar radicalmente de toda metafísica, acaba por 
detonar uma crise tanto no sujeito moderno quanto na ideia de Estado 
como unidade da diversidade 
Resgatando a tradição racionalista Habermas desloca o mecanis-
mo da racionalidade da essência da subjetividade humana para a ação 
comunicativa intencional que ocorre entre dois ou mais sujeitos que 
argumentam em busca de entendimentos, para se estabelecer um acordo 
consensual, mínimo e provisório. Assim, da razão prática fundamentada 
na subjetividade humana, a racionalidade desloca-se para a razão comu-
nicativa gerada em processos intersubjetivos. É nestaideia básica que se 
fundamenta a teoria do Direito e da democracia habermasiana: “... ela 
toma como ponto de partida a força social integradora de processos de 
integração não violentos, racionalmente motivadores, capazes de salva-
guardar distâncias e diferenças reconhecidas, na base de manutenção de 
uma comunhão de convicções” (Habermas, 1997c, p. 22).
118
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Um traço característico da Filosofia política habermasiana é pre-
servar elementos do idealismo. Apesar disto o autor propõe a superação 
da metafísica kantiana e da dialética hegeliana. Esta superação dá-se 
pela passagem de uma Filosofia da subjetividade para uma Filosofia 
da intersubjetividade. Nesta passagem a razão abandona a condição 
teleológica para ocupar o lugar de ferramenta preliminar dos processos 
comunicativos, assumindo, portanto, características psicológicas. Neste 
processo, imperativos de validade universal devem ser buscados não no 
plano metafísico, mas em processos fáticos da consciência aplicados aos 
atos comunicativos.
Esta guinada linguística aponta também para uma distinção entre 
representações particulares e pensamentos universais, conduzindo então 
a uma dialética da intersubjetividade que busca estados sintéticos no 
acordo consensual entre sujeitos racionais comunicativamente livres: “a 
idealidade, apoiada em sinais lingüísticos e regras gramaticais, caracteriza um 
pensamento geral, idêntico consigo mesmo aberto e acessível, algo transcendente 
em relação à consciência individual, não se confundindo com representações 
particulares episódicas, acessíveis apenas privadamente à consciência” (idem, 
p. 23).
A ideia de verdade, como aceitabilidade racional interespacial e 
intertemporal é garantida nesta estrutura intersubjetiva, fundamentada 
na articulação proposicional dos pensamentos.
Para Habermas a crise da modernidade é uma crise dos modelos 
fundamentados na racionalidade teleológica. Desde os contratualistas, 
passando pela metafísica kantiana, até a Filosofia política hegeliana 
sempre se manteve, apesar das profundas distinções entre sistemas, 
uma concepção teleológica da razão, seja na forma do Direito natural, de 
imperativos categóricos, ou de consciência universal. A materialização 
factual, ou melhor, a facticidade de um corpo normativo racionalmente 
fundamentado e constituído depende, por consequência, de uma acei-
tabilidade moral por parte dos influenciados por estas estruturas. Assim, 
a facticidade da racionalidade teleológica confronta-se com critérios de 
119
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
validade fundamentados numa moral tradicional. Desta forma, confor-
me a visão habermasiana, a crise da modernidade reflete-se numa crise 
entre facticidade e validade: “A legitimidade de uma regra independe 
do fato dela conseguir impor-se. Ao contrário, tanto a validade social 
como a obediência fáctica varia de acordo com a fé de seus membros na 
comunidade de direito na legitimidade, e esta fé, por sua vez, apóia-se na 
suposição da legitimidade, isto é, da fundamentabilidade das respectivas 
normas” (ibidem, p. 50).
A complexificação das relações sociais na modernidade, o acrésci-
mo de poder atribuído ao setor econômico e de mercado, o crescimento 
do poder administrativo, ampliam cada vez mais a já problemática 
relação entre facticidade e validade, necessária para a estruturação dos 
sistemas político jurídico, o que dá origem a uma defasagem entre 
Direito Constitucional e ordem jurídica: “A tensão entre o idealismo da 
ordem constitucional e o materialismo de uma ordem jurídica especialmente de 
um direito econômico, que simplesmente reflete a distribuição desigual do poder 
social, encontra seu eco no desencontro entre as abordagens filosóficas e empíricas 
do direito” (ibidem, p. 63).
A perspectiva habermasiana, seguindo a guinada linguística, pro-
põe que a reflexão sobre este movimento conflitual exige a percepção 
da ordem jurídica como centrada e atuante nos processos intercomuni-
cativos. O direito passa a ser mais que uma estrutura abstrata reguladora, 
constituindo-se então como uma força dinâmica e ativa. Mais que um 
sistema de saber, é um sistema de ação, que faz parte do “mundo da 
vida”.
Com respeito a este conceito é necessário considerar que, do 
mesmo modo que a ordem jurídica que de uma estrutura abstrata refle-
xiva passa a ocupar uma posição ativa (numa fusão entre elementos do 
idealismo com a crítica materialista) o mundo da vida, difere, também, da 
ideia de sociedade civil tanto numa perspectiva liberal – que a vê como 
totalidade regulada pela interação de vontades livres iguais garantidas 
pelo sistema jurídico abstrato – como da perspectiva da crítica marxista 
120
E n i o W a l d i r d a S i l v a
que a vê aprisionada por forças históricas movimentadas pela luta entre 
classes antagônicas. A perspectiva habermasiana segue o viés linguístico 
passando a entender o mundo da vida como: “...uma rede ramificada de 
ações comunicativas que se difundem em espaços sociais e épocas históricas; e as 
ações comunicativas, (que) não somente se alimentam das fontes das tradições 
culturais e das ordens legítimas, como também dependem das identidades dos 
indivíduos socializados” (ibidem, p. 111).
Desta forma ocorre uma relação mais imediata entre a normativi-
dade jurídica e as proposições de entendimento ocorridas cotidianamente 
nas inter-relações comunicativas que se dão no mundo da vida. O Direito 
passa a ser então componente social do mundo da vida, contribuindo 
como força de integração entre facticidade e validade:
Todavia o código do direito não mantém contato apenas com o me-
dium da linguagem coloquial ordinária pelo qual passam as realizações 
de entendimento, socialmente integradoras, do mundo da vida; ele 
também traz mensagens dessa procedência para uma forma na qual 
o mundo da vida se torna compreensível para os códigos especiais 
da administração, dirigida pelo poder, e da economia, dirigida pelo 
dinheiro (ibidem, p. 112).
A proposta habermasiana é, assim, de ordem democratizadora, 
deslocando a construção racional jurídica do idealismo teleológico para 
a materialidade das ações comunicativas:
A integração social que se realiza através das normas, valores e en-
tendimento, só passa a ser inteiramente tarefa dos que agem comu-
nicativamente na medida em que normas e valores forem diluídos 
comunicativamente e expostos ao jogo livre de argumentos mobiliza-
dores, e na medida em que levamos em conta a diferença categorial 
entre aceitabilidade e simples aceitação (ibidem, p. 58).
121
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
Ficam estabelecidos novos termos conflituais colocados entre 
regras de aceitabilidade e somatório de aceitações. A conciliação deste 
conflito pode fornecer uma chave conceitual capaz de operacionalizar o 
dilema da democracia moderna estabelecido na oposição entre “direitos 
humanos” e “soberania do povo”. 
A substituição de normas morais por leis fundamentadas na auto-
conscientização dos povos – que buscam garantir a compatibilidade das 
liberdades de ação – conforme institui o Direito moderno, na opinião de 
Habermas, coloca em choque as ideias de autodeterminação dos povos, 
tomada como parâmetro de direitos humanos, e a autorrealização ética, 
que representa a soberania do povo.
Tais ideias apresentam-se contraditórias por não representarem 
apenas temas diferentes, mas tipos distintos de discursos que emergem 
de questionamentos éticos difereciados. A interpretação dual destas ques-
tões polarizou-se entre uma metafísica jurídica e uma teoria da vontade 
geral, não apresentando, segundo o autor, respostas convincentes. 
Habermas opera um deslocamento de enfoque buscando o nexo 
interno entre autodeterminação moral e autorrealização ética não na 
formulação de leis gerais, mas na formação discursiva da opinião e da 
vontade. Conforme dito anteriormente, a guinada linguística da teoria 
da ação comunicativatransfere a produção da teoria jurídica de processos 
metafísicos para a interação comunicativa. Neste modelo tanto as regras 
de aceitabilidade como a simples aceitação particular se estabeleceriam 
na ação discursiva em busca de consenso. Assim, de modelo dual passa-
ríamos a um modelo de integração progressiva, como afirma o autor:
A co-originariedade da autonomia privada e pública somente se mos-
tra, quando conseguimos decifrar o modelo da autolegislação através 
da teoria do discurso, que ensina serem os destinatários simultanea-
mente os autores de seus direitos. A substância dos direitos humanos 
insere-se, então, nas condições formais para a institucionalização 
jurídica deste tipo de formação discursiva da opinião e da vontade, na 
qual a soberania do povo assume a forma jurídica (ibidem, p. 139).
122
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Todo este processo acompanha a progressiva racionalização do 
mundo da vida, no qual a força moral, que servia como garantia interna 
de coesão social, dá lugar ao código jurídico que procura manter, por meio 
de garantias externas, a manutenção das condições de possibilidade ne-
cessárias para que proliferem formas dialógicas operantes em condições 
equânimes de comunicabilidade.
Faz-se necessário então mecanismos externos (uma vez que me-
canismos morais internos perderam sua capacidade de interferência) 
que garantam estas condições de argumentação. Neste ponto deve-se 
atentar para que não caiamos novamente numa metafísica jurídica que 
justamente é o alvo crítico da guinada linguística habermasiana.
É preciso manter, para que a discussão prossiga, a perspectiva da 
formação das regras de comunicabilidade nos próprios processos interco-
municativos. Não obstante temos de lembrar que o autor chama a atenção 
para a complexificação das relações sociais modernas e para o progressivo 
aumento da importância das relações econômicas e administrativas na 
organização do mundo da vida.
O perigo encontra-se na dificuldade de manutenção da equidade 
argumentativa. É importante, neste ponto, considerar algumas questões: 
para Habermas, a formação dos processos normativos dá-se nos dialógicos 
argumentativos; da mesma forma, ele defende que o sistema de direitos 
é além de um saber, um modo de ação. Ocorre aí uma inter-relação entre 
poder político e normatividade jurídica, como destaca o autor:
O direito constitui poder político e vice-versa; isso cria entre ambos 
um nexo que abre e perpetua a possibilidade latente de uma ins-
trumentalização do direito para o emprego estratégico do poder. A 
idéia do Estado de direito exige em contrapartida uma organização 
do poder público que obriga o poder político, constituído conforme 
o direito, a se legitimar, por seu turno, pelo direito legitimamente 
instituído (ibidem, p. 212).
123
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
Neste sentido a equidade dialógica exige a garantia de um con-
junto de direitos fundamentais:
a) direito à maior medida possível de iguais liberdades subjetivas;
b) direito ao status de membro de uma associação voluntária de parceiros 
do Direito;
c) possibilidade de postulação judicial de direitos e da configuração 
politicamente autônoma da proteção jurídica individual; 
d) direitos fundamentais à participação, em igualdade de chances em 
processos de formação de opinião e da vontade, nos quais os civis 
exercitam sua autonomia política e por meio dos quais eles criam o 
direito legítimo;
e) direitos fundamentais a condições de vida garantidas de forma social, 
técnica e ecológica (ibidem, p. 159-160).
Tais pressupostos indicam também a orientação democratizante 
da perspectiva habermasiana, tomando a orientação democrática não 
apenas como normatização processual, mas como o próprio ambiente 
de gestão do sistema jurídico. A democracia identifica-se com forma-
ção argumentativa da opinião e da vontade, bem como é responsável 
pelas garantias externas da continuidade deste processo. Para o autor, 
“o princípio da democracia refere-se ao nível da institucionalização externa e 
eficaz da participação simétrica numa formação discursiva da opinião e da 
vontade, a qual se realiza em formas de comunicação garantidas pelo direito” 
(ibidem, p. 146).
Acena neste momento o sentido conceitual da ideia habermasia-
na de Estado, mais precisamente de Estado de direito. Estado porque 
representa um corpo jurídico encarregado de fornecer garantias externas 
à equidade argumentativa de todos os membros de uma livre associação 
de parceiros de direito; “de direito” pois o mesmo origina-se do mesmo 
princípio democrático argumentativo fundamental que dá origem ao 
sistema jurídico, entendido tanto como sistema de poder quanto sistema 
124
E n i o W a l d i r d a S i l v a
de saber. O sistema jurídico gera e controla o sistema político, ao mesmo 
tempo que o sistema político gera e controla o sistema jurídico. Nas 
palavras do autor: “A idéia do Estado de direito pode ser interpretada 
então como a exigência de ligar o sistema administrativo, comandado 
pelo código do poder, ao poder comunicativo estatuidor do direito, e de 
mantê-lo longe das influências do poder social, portanto da implantação 
fáctica de interesses privilegiados” (ibidem, p. 190).
Esta nova situação, caracteristicamente moderna, exige uma 
transformação no sentido da institucionalizaçao que transfira as atri-
buições judiciais e sancionais das pessoas jurídicas para um corpus 
normativo dotado de poder fáctico de controle sobre comportamentos 
antidemocráticos (considerando democracia conforme o sentido aqui 
estabelecido). Tal instituição teria o sentido de substituir organizações 
legitimadas por atribuições morais que ameacem ruir mediante a mo-
dernização social: “O Estado é necessário como poder de organização, 
de sanção e de execução, porque a comunidade de direito necessita de 
uma jurisdição organizada e de uma força para estabilizar a identidade, 
e porque a formação da vontade política cria programas que têm que ser 
implementados” (ibidem, p. 171).
Para caracterizar este novo modelo institucional, é importante 
ressaltar a “interligação conceitual entre direito e poder político”. A partir 
daí, podemos enumerar alguns princípios fundamentais que norteariam 
este aparelho institucional
O que ficaria resguardado por esta instituição seria a formação 
democrática da vontade na teoria do discurso. Isto significa dizer que a 
primeira questão a ser apontada como princípio de democracia seria a 
ampla e livre participação de todos os membros de uma sociedade de 
membros do Direito nos processos comunicativos que levam a acordos 
normativos que compõem a formação democrática da vontade. Assim, 
um primeiro princípio a ser resguardado é que:
125
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
a) Todo poder deve emanar do “poder comunicativo dos cidadãos” – na prática 
este princípio aponta para poderes parlamentares representativos 
e deliberativos. Uma segunda questão importante, imediatamente 
ligada a primeira, é o resguardo legal do direitos do indivíduo à equa-
nimiedade argumentativa, para isto faz-se necessário que a instância 
jurídica resguarde-se da instrumentalização política. Este aspecto é 
garantido por meio de uma:
b) Justiça independente – é fundamental também, da mesma forma que a 
necessidade de restrição da instrumentalização do sistema jurídico, 
a garantia de restrição do sistema administrativo de interferência 
estratégica nos processos comunicativos de formação da vontade. Ou 
seja, o poder administrativo não pode interferir nos princípios que 
fundamentam a orientação de sua decisão. Este princípio traduz-se 
pela:
c) Legalidade da administração e controle judicial e parlamentar da admi-
nistração – por fim faz-se necessário um controle relativo aos proces-
sos argumentativos que lhe resguarde de interferências sociais não 
constantes ao acordo comunicativo e realizadas entre osmembros 
da sociedade de Direito e que possam fazer que “o poder social se 
transforme em poder administrativo antes de passar pelo filtro comu-
nicativo”. Para o autor isto se faz necessário, pois “A sociedade civil 
precisa amortecer e neutralizar a divisão desigual de posições sociais 
de poder” (ibidem, p. 219).
Este princípio traduz-se como
d) Separação entre Estado e Sociedade – temos aí a ideia de um Estado de 
Direito fundamentado na vontade surgida no livre fluxo comunicativo 
e resultado sintético da fusão entre saber institucionalizado jurídico e 
ação política. Como afirma o autor: “...de um lado, o Estado de Direito 
institucionaliza o uso público das liberdades comunicativas; de outro, 
ele regula a transformação do poder comunicativo em administrativo” 
(idem, p. 221).
126
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Em síntese cremos que Habermas desenvolve a perspectiva lin-
guística do sistema político por meio do deslocamento o núcleo racional 
fundamental do Estado de uma metafísica ontológica para os processos 
de livre interação comunicativa centradas nos processos argumentativos 
de busca de consenso. O objetivo deste processo é a produção racional 
da vontade e da opinião. O Direito seria resultado deste processo pas-
sando então a ser entendido tanto como sistema de saber quanto sistema 
de ação. Sendo assim, é fundamental para este processo, a garantia de 
equidade argumentativa entre os participantes, o que representaria um 
resguardo contra a intrumentalização deste sistema pelo poder social de-
sequilibrado pelos desnivelamentos econômicos. Neste sentido torna-se 
necessário a produção de princípios garantidores da livre argumentação 
dos membros da sociedade de Direito. Isso, porém, só não basta, são 
necessários, também, a existência de instituições com poderes fácticos 
de fazer valer as prerrogativas destes princípios. Surge, assim, um sistema 
jurídico fundamentado na livre argumentação, dotado de ação política 
com vistas a sua própria preservação. Este sistema daria origem a um 
nível de institucionalização que acabaria por elevar o poder do sistema 
administrativo. Novamente aí são necessárias garantias de controle para 
que esta força não interfira nos princípios reguladores de sua própria 
natureza.
A institucionalização deste conjunto de princípios dá origem à 
ideia do Estado de Direito. Nas palavras do autor:
...E se pretendemos manter não apenas o Estado de Direito, mas o 
Estado Democrático de Direito e, com isso a idéia de auto-organização 
da comunidade jurídica, então a constituição não pode mais ser 
entendida apenas como uma “ordem” que regula primariamente 
a relação entre Estado e os Cidadãos. O poder social econômico e 
administrativo necessita de disciplinamento por parte do Estado de 
direito (ibidem, p. 326).
127
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
Temos assim o modelo político habermasiano orientado sob princí-
pios da teoria da ação comunicativa. Fundamentalmente sua característica 
é centrar a racionalidade nos processos intercomunicativos. Segundo o 
autor, como vimos na citação anterior, esta guinada comunicativa não só 
opera uma transformação na ideia do Estado e de sua correlação concei-
tual com o Direito, mas representa também uma via democratizadora, 
uma vez que desloca sua fundamentação política de uma metafísica da 
subjetividade para processos argumentativos orientados para o acordo 
consensual.
Lei e democracia são conceitos que possuem uma forte relação 
em Habermas, bem como entre igualdade legal e igualdade de fato. O 
processo democrático deve assegurar simultaneamente a autonomia 
privada e pública dos sujeitos jurídicos, que também são frutos dos pro-
cessos comunicativos que formam opinião e vontade comuns racionais. 
A democracia é a prática institucional dos cidadãos que estruturam os 
conhecimentos racionais discursivos. Assim, “o direito não é um sistema 
narcisisticamente fechado sobre si mesmo, mas é alimentado pela vida 
ética democrática de cidadãos emancipados e por uma cultura política...” 
(Habermas, 1997c, p. 53).
O Direito legítimo como estrutura pode ser interpretada como 
o uso público da razão dos indivíduos livres comunicativamente e que 
serve como integração de indivíduos com interesses tão distintos. A 
República democrática deve:
– contar com uma cultura política ressonante e é executada como pro-
jeto na consciência de uma revolução que se tornou permanente e 
cotidiana;
– uma consciência que não poder ser tomada por instrumentalismos ou 
melancolias;
– uma razão que tenha assegurado seus conteúdos orientadores, com 
princípios normativos enraizados na mente;
128
E n i o W a l d i r d a S i l v a
– um Estado de Direito democrático; um conjunto de condições neces-
sárias para formas emancipadas de vida, sobre as quais os envolvidos 
teriam, eles mesmos, de entrar em acordo;
– formas de comunicação com condições para a institucionalização da 
vontade formada;
– uma comunicação formadora de imagem de sociedade sobre si mesma 
como um todo;
– democratização dos próprios processos de formação de opinião e 
vontade; 
– um poder político gerado comunicativamente que atua sobre o sistema 
político que o pool de fundamentos a partir do qual as decisões têm 
de ser racionalizados; 
– as decisões devem se dar de maneira discursiva;
– a formação já institucionalizada de opinião e vontade deve se tornar 
autônoma; 
– as premissas para a decisão não podem ser dadas de antemão ideolo-
gicamente; 
– os argumentos das comunicações devem envolver as questões de 
valores; 
– um poder gerado de maneira comunicativa e utilizado administrati-
vamente; 
– o sistema político deve traduzir os dados normativos – produzidos 
a partir de processos de formação de opinião e vontade – para sua 
linguagem, onde se conta com critérios de racionalidade e eficácia de 
instituição de programas; 
129
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
– prática pública de poder comunicativo que estabilize um espaço público 
político não distorcido para a formação democrática da vontade; 
– poder que tem como retaguarda a cultura política, as maneiras de pen-
sar de uma população habituada à liberdade política – que tem moral 
cívica e interesse próprio entrelaçado com seu ethos; – para que o 
poder não seja de quem domina a palavra – os intelectuais – é que são 
necessários os procedimentos democráticos de formação de vontade, 
em que a participação ampla requer o pano de fundo de uma cultura 
política igualitária, desprovida dos privilégios de formação; 
– uma cultura com estímulos para que não seja absorvida por meras ne-
cessidades de compensação (Habermas, 1990ª, p. 105-113 et seq.).
Enfim a saída habermasiana seria: só as normas motivadas racional-
mente podem ter pretensão de validade, podem ser certas. Esta certeza é 
fruto da comunidade de comunicação em que os participantes testam os 
discursos práticos. A validade da norma é fundamentada no consenso dos 
participantes por meio da argumentação racional. Até mesmo os valores, 
crenças anteriores podem ser criticados argumentativamente.
Os discursos são projetos de motivações, são formas de comu-
nicação que foram removidas dos contextos de experiências e de ação 
que nos asseguram que nos atos ideais de fala seu objeto seja discutido; 
que não haja restrições a participantes; que nenhuma força, a não ser 
do argumento, seja exercitada; que permaneçam apenas os motivos da 
cooperativa de verdade (o chamado conflito sem força ou comunicação 
livre da força). 
Só daí emergem: uma “vontade racional”; interesses comuns 
combinados, sem decepção; interesses generalizáveis; desejos realizá-
veis – como resultante de desejos intersubjetivos Uma comunidade de 
comunicação é uma comunidade de interação, de ação de discursos para 
emancipação (Habermas, 1980, p. 137).
130
E n i o W a l d i r d a S i l v a
RAZÃO ADAPTATIVA E POSITIVISTAX 
RAZÃO ETICA COMUNICATIVA EMANCIPATÓRIA
RR
AA
ZZ
ÃÃ
OO
PODERPODER
LL
UU
CC
RR
OO
SOCIEDADE
EU 
E
OUTROS
RAZÃO
DIALÓGICA
INSTRUMENTAÇÃO COLONIZANTE
EMANCIPAÇÃO DEMOCRÁTICA
 
Se as relações sociais democráticas advêm de uma cultura do diálo-
go, do entendimento, então a grande questão é como fazer esse diálogo. 
Por isso, o autor vai apontar algumas regras para a ética do diálogo. Toda 
a proposta do autor centra-se na criação de uma razão dialógica para 
fortalecer a democracia. O diálogo, no entanto, como quer Habermas, 
não é fácil de ser estabelecido. Vamos citar algumas regras que deveriam 
estar presentes em um discurso democrático.
1 – Franqueza: exige transparência das partes, como uma fala sincera 
e pura.
2 – Honestidade: Deve haver um sentimento de altruísmo nos interlo-
cutores, querendo a colaboração dos parceiro(s) para construir um 
entendimento. Ninguém pode querer pensar só em si e que só a sua 
visão deve prevalecer (discurso desarmado, desideologizado).
3 – Face a Face – É o cara a cara, o olhar de frente, que oportunize 
acompanhar o falar e o sentir do outro.
4 – Democracia: Diálogo é falar e ouvir, ceder, conquistar. O deixar falar 
é estímulo para que o outro fale sentindo, compreendendo o que diz, 
se assegurando na reflexão que está fazendo.
5 – Ressonância: Observar o impacto do que se diz em quem ouve, suas 
reações, seus gestos, etc. Ter cuidado no tom de voz, que precisa 
ser firme, convincente e, ao mesmo tempo, adequada ao ambiente 
da comunicação.
131
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
6 – Produção do Ambiente: Fazer a adequação do contexto (lugares, 
luzes, outras falas, outros sons) da fala, para que nada desvie o in-
teresse pela fala.
7 – Intersubjetividade: Manter a diferença e buscar o que é comum, não 
querer encobrir o outro, falsear seus discursos, enterrar o que ele 
diz no teu discurso. É como falar com o coração (sentir, entender). 
Sempre incluir a fala do outro, dizer sobre o que o outro disse (entrar 
no discurso do outro), não fazer pouco caso da palavra do outro. 
8 – Motivação: Colocar vontade, vitalidade no falar, encorajar, valorizar o 
que o outro diz, refletindo sobre a fala dele e aumentando a possibi-
lidade de ele refletir mais sobre o que disse e sobre o complemento 
feito pelo interlocutor.
9 – Conquista: Aprender a deixar-se seduzir e, também, seduzir pelo 
diálogo, com atitudes de respeito, sinceridade e esforço de clareza 
do interesse universal que os move no discurso.
10 – Decisão: O diálogo tem de trazer a solução, a luz final ao tema ou 
à verdade momentânea, conquistada e consensualmente compar-
tilhada.
11 – Autonomia: Ela precisa expressar poder de ser instituída, com a 
certeza de que a verdade não é mero ideologismo e, por isso, os 
sujeitos devem ter direitos a, racionalmente, discordar dela.
12 – Validade: A verdade construída deve ter um valor moral e ético de 
sujeitos participantes.
13 – Legitimidade: Se houve participantes então é legítima, porque o 
modo de proceder foi aberto à participação, sem restrições.
14 – Universalidade: A norma oriunda da verdade coletivamente cons-
truída pelos sujeitos imersos no mundo da vida deve ter caráter de 
aplicação a todos os homens (todos são capazes de linguagem).
132
E n i o W a l d i r d a S i l v a
15 – Facticidade – mesmo que tenham um tom idealista, as proposições 
devem ser possíveis de prática; ser executáveis.
Direito e o Pensamento Alternativo
A perspectiva do autor era recuperar as vivências inovadoras des-
consideradas – desperdiçadas – pelas pesquisas sociológicas, para conectar 
redes existentes e as possíveis redes de inovação que vierem a existir. 
Trata-se de oxigenar a democracia, refundando a autoridade compartilha-
da a ela inerente. A esperança é numa pós-modernidade que equilibre 
os elementos emancipatórios e regulatórios, uma ciência que produza 
conhecimentos prudentes, descentes, emergentes e urgentes. 
Santos faz uma releitura da modernidade para entender como ela 
se instituiu em suas dimensões sociais, culturais, políticas e jurídicas. 
Destaca os elementos emancipatórios da Ciência, do Direito e do Es-
tado, da luta dos excluídos e incluídos e procura reunir as experiências 
democráticas e democratizantes para traçar um novo mapa do futuro 
fortalecedor do pensamento alternativo ao capitalismo.
Na análise da crise da modernidade, Boventura de Sousa Santos 
aponta o esgotamento dos mecanismos econômicos, sociais e jurídicos 
da fase do chamado capitalismo organizado, ao mesmo tempo em que 
aborda a incapacidade dos referenciais teóricos da dogmática jurídica em 
lidar com as transformações sociais.
A revisão paradigmática torna-se evidente perante a globalização 
econômica, pela monopolização crescente do capital e pela hegemonia 
ideológica que sustenta as sociedades contemporâneas. Esse quadro traz 
como consequência a deterioração dos ordenamentos jurídicos nacionais 
cujo ideais de igualdade formal e segurança jurídica entraram em colapso. 
Entra em colapso também o equilíbrio entre a divisão dos poderes do 
Estado que acompanha o processo de mundialização da economia frag-
mentando o poder estatal, pressionado tanto pela ordem interna quanto 
133
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
pela ordem internacional. Assim, o instrumental teórico da dogmática, 
produzido nos dois últimos séculos, precisa ser revisto, em razão da sua 
estrutura obsoleta e ineficaz perante as transformações sociais.
Nesse contexto, de enfraquecimento do Estado perante a ordem 
internacional e de pressões das ordens infranacionais por mais autonomia, 
a problemática acerca do pluralismo jurídico toma novo fôlego, agora com 
duas estratégias distintas que de um lado busca a criação de um novo 
ordenamento jurídico, em que prevalece a autorregulação; e de outro a 
busca de uma adaptação evolutiva do próprio Direito Positivo.4
Boaventura de Sousa Santos divide a época moderna em três pe-
ríodos para que se tenha uma visão do pluralismo jurídico no contexto 
das sociedades capitalistas.
A modernidade estrutura-se em dois pilares fundamentais, quais 
sejam: o pilar da regulação e o da emancipação. O polo ou pilar da regu-
lação é orientado pelos princípios do Estado (Hobbes), pelo princípio do 
mercado (Locke) e pelo princípio da comunidade (Rosseau). Já o polo 
da emancipação é orientado por três lógicas: a racionalidade estético-
expressiva da arte e da literatura; a racionalidade moral-prática do Direito 
e a racionalidade cognitiva-instrumental da ciência e da técnica.
A articulação entre os dois polos, seus princípios e suas lógicas 
fazem do projeto da modernidade um projeto ambicioso para o devir 
humano. A modernidade busca, com essa vinculação, uma estruturação 
4 Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de. Informalidade da Justiça e controle social – estu-
do sociológico da implantação dos juizados especiais criminais em Porto Alegre. São 
Paulo: IBCCCRIM, 2000. Na parte inicial deste livro o autor constrói um referencial 
teórico importantíssimo para a Sociologia Jurídica. O fio condutor do texto de Rodrigo 
Ghiringhelli de Azevedo é o pluralismo jurídico, faz uma análise de diversos teóricos 
que abordaram o tema. Começa com a obra clássica de Eugen Ehrlich, passa pela 
Sociologia francesa, na qual se destaca a obra de Gurvitch, e termina no pensamento 
contemporâneo de Boaventura de Sousa Santos.
134
E n i o W a l d i r d a S i l v a
de valores tendencialmente opostos e contraditórios, como da justiça e 
da autonomia, da solidariedade e da identidade, da emancipação e da 
subjetividade, da igualdade e da liberdade.
As diferentes articulações estabelecidas pelos polos da eman-
cipação e da regulação desenham o trajeto histórico da modernidade, 
estando estritamente ligado ao desenvolvimento do capitalismo nos 
países centrais da Europa.
Assim, as diferentes formas de articulação entre os pilares da 
modernidade, estabelecidosnas sociedades européias, estão ligadas 
ao desenvolvimento do capitalismo, sendo que em cada período de 
seu desenvolvimento as diferentes articulações implicaram diferentes 
arranjos sociais que consequentemente acarretam no desenvolvimento 
de ordenamentos jurídicos peculiares a cada período.
Inicia-se no século 16 e chega ao seu auge no século 19, apresen-
tando as seguintes características:
a – Polo da emancipação: domínio da racionalidade cognitiva-instru-
mental, acarretando em um enorme desenvolvimento da ciência 
que é convertida em força produtiva, vinculando-se ao princípio do 
mercado; a racionalidade moral-prática caracteriza-se pelos processos 
de autonomização e especialização, manifestando-se na elaboração 
de uma microética liberal e no formalismo jurídico exacerbado; no 
domínio da racionalidade estético-expressiva ocorre uma crescente 
elitização em direção à chamada alta cultura.
b – Polo da regulação: não se concretiza o desenvolvimento harmonioso 
entre os princípios do Estado, do mercado e da comunidade. Pre-
pondera o princípio do mercado de maneira quase absoluta, ante o 
desenvolvimento ambíguo do princípio do Estado e uma atrofia quase 
total do princípio da comunidade; limitação da intervenção estatal; 
o Estado protege os direitos individuais, por meio da crescente mo-
nopolização dos meios de violência e do poder Judiciário; distinção 
entre Estado e sociedade civil.
135
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
O segundo período corresponde ao Welfare State no mundo 
capitalista a à constituição do bloco socialista, que tem início no final 
do século 19 e seu auge nas primeiras décadas após a Segunda Guerra 
Mundial. Tem as seguintes características:
a) Polo da regulação: o princípio do mercado continua em expansão 
no polo da regulação, mediante a concentração do capital industrial, 
financeiro e comercial e pelo aprofundamento da luta imperialista 
pelo controle de mercados e matérias-primas; destruição de solidarie-
dades tradicionais (família e território) por meio do desenvolvimento 
industrial e o alargamento do sufrágio universal, inserido na lógica 
abstrata da sociedade civil e do cidadão formalmente livre e igual; a 
comunidade é materializada pela emergência de práticas de classe, 
que passam a estruturar o espaço político; o Estado passa a ser um 
agente ativo interferindo na comunidade e no mercado reduzindo a ca-
pacidade autorregulatória da sociedade civil (Sousa Santos, 2004).
b) Polo da emancipação: passagem da cultura da modernidade ao moder-
nismo cultural, representando o ápice da tendência de especialização 
e diferenciação funcional dos diversos campos de racionalidade; a 
racionalidade moral-prática está presente na forma política do Estado, 
que penetra na sociedade mediante soluções legislativas, institucio-
nais e burocráticas e que afasta os cidadãos, aos quais solicita uma 
obediência passiva no lugar da mobilização ativa; também se expressa 
na consolidação de uma ciência jurídica dogmática e formalista, for-
mulada por Kelsen; a racionalidade congnitiva-instrumental é o ápice 
da epistemologia positivista, com a constituição de um ethos científico 
ascético e autônomo perante os valores e a política (Azevedo, 2000, 
p. 51).
O terceiro período começa no final da década de 60 e prossegue 
até hoje, sendo chamado de período do capitalismo desorganizado. Tem 
as seguintes características:
136
E n i o W a l d i r d a S i l v a
a) Polo da regulação: predominância total do princípio do mercado, que 
extravasa o econômico para colonizar tanto o princípio do Estado 
quanto o princípio da comunidade; plano econômico caracterizado 
pelo crescimento do mercado por meio de empresas multinacionais, 
contornando ou neutralizando a regulação nacional das relações de 
trabalho; pela precarização das relações de trabalho; pela flexibili-
zação e automatização dos processos produtivos, com a emergência 
de novos dinamismo locais; e pela expansão do mercado com a cres-
cente diferenciação de produtos de consumo e pela mercadorização 
e digitalização da informação; no plano do Estado, ocorre a perda 
acentuada da capacidade e da vontade política de regulação, com 
privatizações, retração das políticas sociais, devolução à sociedade civil 
de competências e funções que o Estado havia assumido no segundo 
período; o aumento do autoritarismo, por meio de microdespotismos 
burocráticos, combinados com a sua ineficiência, resultam na perda da 
lealdade devida ao Estado como garantidor da liberdade e segurança 
pessoais.
b) Polo da emancipação: o polo da emancipação chega ao seu esgota-
mento enquanto promessa inconclusa; na lógica da racionalidade 
cognitivo-instrumental, as promessas da modernidade parecem 
esvanecer-se diante dos perigos da proliferação nuclear e dos riscos 
de catástrofe ecológica; agravamento das injustiças sociais, parale-
lamente ao crescimento econômico; a racionalidade moral-prática 
enfrenta os dilemas do divórcio entre autonomia e práticas políticas 
cotidianas, a regulação jurídica da vida social alimenta-se de si própria; 
o cidadão é esmagado por um conhecimento jurídico especializado 
e hermético e pela sobrejuridificação de sua vida, é confinado a uma 
ética individualista, incapaz de conceber a responsabilidade coletiva 
da humanidade pelas consequências das ações coletivas em escala 
planetária; no plano da racionalidade estético-expressiva ocorre o es-
gotamento da alta cultura modernista, com a crítica radical do cânone 
modernista, da normalização e do funcionalismo.
137
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
Sousa Santos5 conclui a respeito da modernidade o seguinte: “O 
que quer que falte concluir da modernidade, não pode ser concluído em 
termos modernos, sob pena de nos mantermos prisioneiros da mega-
armadilha que a modernidade nos preparou: a transformação incessante 
das energias emancipatórias em energias regulatórias.” 
A legalidade estatal capitalista é formada por três componentes 
básicos: a retórica, a burocracia e a violência. A retórica está alicerçada na 
produção da persuasão e da adesão voluntária por meio da mobilização. 
A burocracia baseia-se na imposição autoritária mediante a mobilização 
do potencial demonstrativo do conhecimento profissional, das regras 
formais gerais e procedimentos hierarquicamente organizados.
Já a violência baseia-se no uso ou ameaça da força física.
A legalidade capitalista apresenta uma articulação dessas estrutu-
ras de tal forma que há uma retração do elemento retórico e um gradual 
incremento dos elementos burocráticos e coercitivos. Não poderia ser 
diferente, pois quanto maior o nível de institucionalização burocrática da 
produção jurídica, quanto mais poderosos os instrumentos de violência 
a serviço da produção jurídica, menor o espaço retórico da estrutura e 
do discurso jurídicos.
Assim, a legalidade estatal capitalista representa a imposição da 
hegemonia do mercado por intermédio de mecanismos burocráticos e 
coercitivos, que impedem a revitalização da lógica do mundo da vida 
ou da sociedade civil. Essa estrutura legal não estabelece uma relação 
dialógica com a sociedade, pelo contrário, impõe a ela uma crescente 
homogeneização por meio de instrumentos burocráticos e coercitivos 
(Sousa Santos, 2004).
5 Para saber mais sobre o autor acesse este site especial: <www.boaventuradesousasantos.
pt/media/pdf>.
138
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Seguindo essa lógica o Estado capitalista concentra os seus inves-
timentos em mecanismos de dispersão, no núcleo central da dominação, 
em que Estado e não Estado são claramente distintos. Isso representa a 
trajetória histórica do capitalismo que busca a hegemonia mediante um 
poder central forte e massificador da sociedade, no qual é investido todo 
o conhecimento profissional, dominação cognitiva. Ao mesmo tempo, é 
incrementada a difusão do conhecimento não profissional nas áreas dadominação periféricas. 
Consequentemente, o poder central torna-se cada vez menos 
acessível pela concentração de um conhecimento profissional que não 
é universalizado, enquanto na periferia há a proliferação de um conheci-
mento trivial que possibilita um acesso maior ao poder. Até pelo ato de 
que na periferia a distinção entre Estado e não Estado não é tão clara.
Essa assimetria, incrementada a partir dos anos 70 pela desregu-
lamentação e informalização da Justiça, tem um certo potencial eman-
cipador. Segundo Boaventura de Sousa Santos (1999), não existe uma 
manipulação dessas reformas, pois a informalização e comunitarização 
da Justiça estariam associadas ideologicamente a símbolos com forte 
consolidação no imaginário social e com forte carga utópica, contendo 
um elemento potencialmente emancipatório.
Na terceira fase do desenvolvimento do capitalismo fica evidencia-
do o esgotamento e limites do projeto da modernidade e a necessidade 
de uma transformação paradigmática na análise social e sociojurídica. 
Os fenômenos da desregulamentação e da informalização, ocorridos a 
partir da década de 70, fazem com que a Sociologia Jurídica questione o 
monopólio estatal da produção do Direito, admitindo uma pluralidade de 
ordens jurídicas nas sociedades complexas do fim do século, ao mesmo 
tempo em que se reconhece o ocultamento ou mesmo a supressão de 
outras juridicidades como estratégia de dominação do Estado capitalista 
(Azevedo, 2000, p. 53).
139
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
Segundo Sousa Santos (2000), neste novo contexto, o Direito deve 
ser pensado de forma a superar as dicotomias fundantes do pensamento 
ocidental moderno, quais sejam: Natureza/Sociedade, Estado/Sociedade 
Civil, Formalismo/Comunitarismo. Isso seria feito por meio de uma du-
pla hermenêutica, capaz de recuperar e reinventar tradições e práticas 
suprimidas pela vigência universal do cânone moderno.
Assim, a recontextualização do Direito deve partir do reconheci-
mento de que todos os contextos em que se realizam práticas e discursos 
sociais são produtoras de Direito, constituindo tarefa da Sociologia a 
identificação dos contextos sociais cuja produção jurídica é suficiente-
mente significativa para pôr em causa o monopólio estatal.
Acabando com a ficção do monismo estatal, vulgariza-se e conse-
quentemente abala a dogmática jurídica, no entanto os demais contex-
tos sociais do mapa estrutural da sociedade capitalista (domesticidade, 
produção, cidadania e mundialidade) não absorveram, como o Direito 
Estatal absorveu, algumas reivindicações democráticas dos movimentos 
emancipatórios da modernidade. Este fato decorre da própria ocultação 
promovida pela política liberal e do despotismo das demais ordens ju-
rídicas, fazendo-se necessária a abertura e democratização de todas as 
esferas de produção do Direito.
Como vimos, a política liberal tentou reduzir o espaço de luta 
política ao Estado, esquecendo-se ou ocultando o caráter despótico das 
relações de poder difusas nos diferentes contextos da prática social.
Com essa perspectiva, Sousa Santos (2000) propõe uma revolução 
cultural, desmascarando as diversas formas de poder difusas na sociedade, 
estabelecendo uma luta cultural pelo desocultamento dos mecanismos de 
poder. Essa luta será travada de maneira diferenciada em cada contexto 
social, pois cada um tem suas formas próprias de ocultação.
Este autor (2004, p. 232) também propõe, como forma de ne-
gociação à disposição dos sujeitos individuais e coletivos, a defesa dos 
direitos humanos. Estes são entendidos como expressão avançada de 
140
E n i o W a l d i r d a S i l v a
lutas pela reciprocidade, que até agora ficaram confinadas ao Direito 
territorial estatal, no qual todos são formalmente iguais perante a lei, mas 
com potencialidade para se estender ao Direito doméstico, da produção 
e sistêmico.
Identifica a prática dos direitos humanos como uma prática contra-
hegemônica, contra a tradição da aplicação técnica (violência ou buro-
cracia), dominante no Direito territorial, opõe-se a aplicação edificante 
do Direito, uma aplicação em que o know-how técnico se subordine ao 
know-how ético; contra a tradição da aplicação violenta informal (violência 
sem burocracia), dominante, de formas diferentes, nos outros três espaços 
estruturais do Direito, opõe-se um aplicação retórica informal.
Azevedo (2000) observa que a discussão acerca do deslocamento e 
da fragmentação da produção do Direito não está totalmente esclarecida, 
afirmando que a crise do Estado moderno torna imprecisa suas distinções 
da época feudal, quais sejam: a separação da esfera pública da privada 
torna-se imprecisa, com a privatização do público e a publicização do 
privado; a dissociação entre poder político (dominação legítima racional-
legal) e poder econômico (posse dos meios de produção) é reconfigurada 
pela hegemonia cada vez maior do econômico sobre o político; a auto-
nomia da sociedade civil ante o Estado é abalada em uma infinidade de 
promulgações e aplicação das regras jurídicas. 
Assim, a modernidade nos deixou um legado que se caracteriza 
pela falta de correspondência entre o ideal iluminista e a realidade social. 
É a eterna armadilha da modernidade, que Weber chama de jaula de 
ferro, pois a modernidade tende transformar as energias emancipatórias 
em regulatórias.
É preciso identificar o predomínio da lógica do mercado sobre 
as outras esferas e contextos sociais, e neste sentido o Direito, mesmo 
que estatal, precisa de uma estrutura dialógica com o mundo da vida 
para que as energias emancipatórias sejam resgatadas. Enfim é preciso 
estabelecer práticas de participação, autogestão e solidariedade social, 
141
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
potencializando a democracia radical para superar o domínio político e 
econômico da contemporaneidade, sob pena de condenarmos a huma-
nidade a um modelo neofeudal dominado por empresas transacionais, 
que impõem a ditadura da lógica de mercado.
Os esforços do autor são para descrever a crise do paradigma 
dominante (positivismo) e identificar os traços principais do que de-
signa com o paradigma emergente, em que atribui às Ciências Sociais 
antipositivistas uma nova centralidade, e defende que a ciência, em 
geral, depois de ter rompido com o senso comum, deve transformar-se 
num novo e mais esclarecido senso comum. Lança algumas perguntas: 
“O progresso da ciência contribuirá para purificar ou para corromper os 
nossos costumes? Há alguma razão para substituirmos o conhecimento 
vulgar pelo conhecimento científico produzido por poucos e inacessível 
à maioria?”
E responde: não, pois não há sentido na distinção entre Ciências 
Naturais e Ciências Sociais; a síntese que se deve operar entre elas tem 
como polo catalisador as Ciências Sociais; estas terão de recusar todas as 
formas de positivismo lógico ou empírico ou de mecanicismo materialista 
ou idealista com a consequente revalorização do que se convencionou 
chamar humanidades ou estudos humanísticos (históricos, filológicos, 
jurídicos, literários, filosóficos e teológicos); tal síntese não visa a uma 
ciência unificada nem sequer uma teoria geral, mas tão só um conjunto 
de galerias temáticas para onde convergem linhas de água que até agora 
concebemos como objetos teóricos estanques; à medida que se der esta 
síntese, a distinção hierárquica entre conhecimento científico e conheci-
mento vulgar tenderá a desaparecer (o antiPlatão) e a prática será o fazer 
e o dizer da Filosofia da prática (Sousa Santos, 2003).
A consolidação de um pluralismo cultural faz com que a sociedade 
e a própria ciência sejam desafiados a produzir novos conhecimentos 
e compreensões a respeito da vida humana e dos processos sociais e 
ambientais.
142
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Na seara da política, a abordagem de Sousa Santos (2000) refere-se 
à globalização neoliberal hegemônica e nãoé a única. De par com ela 
e em reação a ela, emerge uma outra globalização, constituída pelas re-
des e alianças transfronteiriças entre movimentos, lutas e organizações 
locais ou nacionais, nos diferentes cantos do globo. Essa mobilização 
se dá contra a exclusão social, a precarização do trabalho, o declínio das 
políticas públicas, a destruição do meio ambiente e da biodiversidade, o 
desemprego, as violações dos direitos humanos, os ódios interétnicos, etc. 
e propõe outra globalização alternativa e contra-hegemônica, organizada 
da base para o topo da sociedade (Silva, 2009b).
Diante das mudanças de paradigmas, a emancipação social ainda 
é uma aspiração. O autor expõe que existem dois fatores fortíssimos 
de legitimação: a Ciência e o Direito modernos. Quer um, quer outro, 
reclamam de uma eficácia e de uma coerência, que, de fato, não têm e 
nunca tiveram. Diante disso, os grupos sociais interessados na emanci-
pação não podem começar hoje uma luta pela coerência e eficácia das 
alternativas emancipatórias, e veem como saída a utopia. Essa utopia 
abrirá o conhecimento emancipatório e irá consolidar a sua trajetória 
epistemológica, do colonialismo para a solidariedade. Identificar novos ca-
minhos emancipatórios é a proposta do autor e, sobretudo, na construção 
das subjetividades capazes e desejosas de percorrê-los. Antes de apontar 
novas propostas, Sousa Santos (2000, p. 330) trabalha seis pressupostos 
que hoje subjazem ao momento utópico da sua reflexão.
O primeiro pressuposto é de que a Ciência e o Direito moder-
nos destruíram a tensão entre regulação e emancipação. O excesso de 
regulação transformou-se, ele próprio, num problema fundamental. O 
fato de a Ciência e de o Direito modernos não reconhecerem que não 
143
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
existe uma solução no paradigma da modernidade, e a partir daí, pensar 
na transição de um outro paradigma, transforma-os num problema fun-
damental adicional.6
O segundo pressuposto diz que a regulação social deve florescer 
simplesmente porque a subjetividade é incapaz de conhecer e desejar 
saber como conhecer e desejar para além da regulação. A partir daí nasce 
a necessidade de reinventar um mapa emancipatório e uma subjetividade 
individual e coletiva capaz de usar, e querer usar, esse mapa. Para Sousa 
Santos (2000, p. 330), “esta é a única maneira de delinear um trajeto 
progressista através da dupla transição, epistemológica e societal, que 
começa agora a emergir”.
Dentro deste processo de reinvenção e construção, afirma Sousa 
Santos (2000, p. 330) que existem alguns princípios orientadores, quais 
sejam: criar novas formas de conhecimento baseadas numa nova retórica, que 
seja dialógica e empenhada em constituir-se como tópica emancipatória, 
ou seja, como tópica de novos sensos comuns emancipatórios, capaz de 
facilitar uma resolução progressista da transição paradigmática. Para essa 
tarefa duas representações inacabadas da modernidade são importantes: 
o princípio da comunidade, assente nas ideias de solidariedade de par-
ticipação e o princípio estético expressivo assente nas ideias de prazer, 
de autoria e de artefactualidade. 
Também é possível incluir a separação do Direito moderno rela-
tivamente ao Estado e a sua rearticulação com a política e a revolução. 
Diante desses campos analíticos, o autor argumenta que é possível realçar 
as várias formas de opressão nas sociedades capitalistas, ao mesmo tempo 
em que abrem novos espaços para uma política cosmopolita, para diálo-
gos interculturais, para a defesa da autodeterminação e da emancipação, 
espaços possibilitados pela globalização das práticas sociais.
6 Esta compreensão de Boaventura de Sousa Santos já foi interpretada em Silva, Enio 
Waldir da. Teoria Sociológica III. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2009b.
144
E n i o W a l d i r d a S i l v a
O percurso analítico de Sousa Santos (2000) tem como objetivo 
formular um conjunto de interrogações radicais sobre as sociedades capi-
talistas contemporâneas e o sistema mundial que as integra, abrindo cami-
nho para a dupla reinvenção, exigida pela própria transição paradigmática 
de um novo senso comum emancipatório e de uma nova subjetividade 
individual e coletiva com capacidade e vontade de emancipação.
O terceiro pressuposto é a difícil, mas importante tarefa de definir 
o paradigma emergencial. Difícil porque a modernidade classifica e 
fragmenta os grandes objetivos do progresso infinito em soluções técni-
cas que se distinguem essencialmente pelo fato de a sua credibilidade 
transcender aquilo que a técnica pode garantir. As soluções técnicas 
têm excesso de credibilidade, ocultando e neutralizando o seu déficit 
de capacidade. 
O autor afirma que o único caminho para pensar o futuro parece 
ser a utopia. E por utopia ele entende: a exploração, através da imaginação 
de novas possibilidades humanas e novas formas de vontade, e a oposição da 
imaginação à necessidade do que existe, em nome de algo radicalmente melhor, 
porque vale a pena lutar pelo que a humanidade tem direito (Sousa Santos 
2000, p. 331-332).
A utopia requer um profundo e abrangente conhecimento da 
realidade como meio de evitar que o radicalismo da imaginação venha 
a colidir com o seu realismo.
O quarto pressuposto é o fato de o pensamento utópico encontrar-
se desacreditado. Em virtude da expansão da transição do estudo da natu-
reza para o estudo da sociedade, foram criando um ambiente intelectual 
hostil ao pensamento utópico. Nesse sentido, é preciso que se recupere 
a capacidade imaginativa do homem para além do desenvolvimento 
técnico-científico da sociedade moderna.
O quinto pressuposto tratado por Sousa Santos (2000) diz que a 
utopia se assenta em duas condições: uma nova epistemologia e uma 
nova Psicologia. Essa nova epistemologia abre horizontes, expectativas 
145
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
e possibilidades, criando assim alternativas, enquanto que na nova Psico-
logia a utopia recusa a subjetividade do conformismo e cria a vontade de 
lutar por alternativas. A nova epistemologia, portanto, busca alternativas 
que a ciência, por sua vez, deixou de apontar. 
O sexto pressuposto é uma proposta de heterotopia, ou seja, em 
vez da invenção de um lugar situado algures ou nenhures, propõe uma 
deslocação radical dentro do mesmo lugar: o nosso (Sousa Santos, 2000, 
p. 333).
Esse deslocamento permite uma visão telescópica do centro e 
uma visão microscópica de tudo o que existe no centro, porém negado. 
Tem como objetivo experienciar a fronteira da sociabilidade enquanto 
forma de sociabilidade. 
As propostas utópicas de Sousa Santos trazem em seu seio a 
convicção de que nenhuma transformação paradigmática será possível 
sem a transformação paradigmática da subjetividade. Essa transição 
paradigmática irá traduzir-se em emancipações sociais, que em lugar de 
serem um ponto de chegada, constituem antes um ponto de partida para 
pensar a transição paradigmática.
Dado que combate a regulação social existente, as lutas eman-
cipatórias devem necessariamente opor-se-lhe nos campos sociais em 
que ela atualmente se reproduz. Seja como for, à medida que a transição 
paradigmática progredir, as lutas emancipatórias deixarão de combater 
as formas de regulação social que agora existem para combater as novas 
formas de regulação, surgidas das próprias lutas emancipatórias paradig-
máticas (Sousa Santos, 2000, p. 334).
O paradigma emergente é construído dentro dos próprios espaços 
estruturais, isto é, em vez de saídas globalizantes, saídas locais por meio 
de uma tripla transformação: a transformação do poder em autoridade par-
tilhada; a transformação do direito despótico em direito democrático e a trans-
formação do conhecimento-regulação em conhecimento-emancipação (p. 334).
146
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Essa tripla transformação, porém, para que não seja desacreditada 
logo no início, precisacontar com coligações das formas alternativas de 
sociabilidade. É aí que entra o papel político do Estado e a importância 
da cidadania.
A função do Estado na transição paradigmática está centrada em 
garantir as condições de experimentação de sociabilidades alternativas, 
não lhe competindo avaliar o desempenho delas e sim ser avaliada pelas 
forças sociais ativas nos campos sociais. Esses campos são comunidades 
interpretativas ou campos de argumentação, cuja vontade e capacidade 
emancipatória argumentarão na medida em que esta seja orientada pela 
retórica dialógica (p. 335).
Esta retórica dialógica exige um diálogo entre o orador e o auditório 
e, para ser eficaz, obriga a um conhecimento prévio da plateia que se 
pretende influenciar: A contradição e a competição geral entre o paradigma 
dominante e o paradigma emergente desdobram-se em contradições e competições 
específicas em cada um dos espaços estruturais (p. 335).
Para apresentar os termos da contradição e da competição paradig-
mática o autor concentrou-se no paradigma societal emergente, no senso 
comum emancipatório a ser construído por uma tópica retórica dialógica e 
no novo Estado-providência. A maioria das visões ou utopias alternativas 
concentraram-se nos espaços da produção e da cidadania.
No espaço doméstico a contradição e a competição ocorrem entre 
o paradigma da família patriarcal e o paradigma das comunidades do-
mésticas cooperativas. O paradigma emergente baseia-se na autoridade 
partilhada, em todas as formas alternativas de sociabilidade doméstica 
e sexualidade, e na democratização do Direito doméstico. O novo senso 
comum emancipatório do espaço doméstico baseia-se numa tópica retó-
rica da democracia da cooperação e da comunidade afetiva. Essas novas 
formas alternativas assumem a garantia de experimentar a igualdade e 
o acesso ao Direito social.
147
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
No espaço da produção, a contradição e competição ocorrem entre 
o paradigma do expansionismo capitalista e o paradigma ecossocialista. 
O paradigma ecossocialista organiza-se para uma produção democrática 
de valores de uso, sem degradação da natureza. O novo senso comum 
emancipatório do espaço da produção baseia-se numa tópica retórica, 
orientada pelos topois da democracia e do socialismo e antiprodutivis-
mo ecológico. A área de produção de bens e serviços constitui uma das 
primeiras formas de promoção da experimentação social que optou pelo 
Estado-providência.
No espaço do mercado, a contradição e a competição ocorrem entre o 
paradigma do consumismo individualista e o paradigma das necessidades 
humanas, da satisfação decente e do consumo solidário.
No paradigma emergente, os meios de satisfação estão a serviço das 
necessidades. Sendo uma das formas de organização do consumo, o 
mercado e as necessidades são vistos como algo subjetivo de acordo 
com os contextos e as culturas. O novo senso comum emancipató-
rio do espaço do mercado baseia-se numa tópica retórica orientada 
pelos topoi da democracia, das necessidades radicais e dos meios de 
satisfação genuínos (p. 338). 
Neste espaço, a estruturação de providência social do Estado deve 
assegurar a experimentação de formas alternativas de consumo, criando 
condições para que grupos de consumidores se associem na produção 
de alguns bens de consumo, sobretudo alimentar.
No espaço da comunidade, a contradição e a competição ocorrem 
entre o paradigma das comunidades-fortaleza e o paradigma das comu-
nidades-amibas. Comunidades-fortaleza, Sousa Santos (2000, p. 339) 
define que são formadas por grupos sociais dominantes, que se fecham 
numa pretensa superioridade para não serem corrompidas por comuni-
dades supostamente inferiores. No paradigma das comunidades-amibas 
a identidade é sempre múltipla, inacabada, em processo de reconstrução 
e reinvenção. 
148
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Abrem espaço para a inclusão, lançando pontes para outras comuni-
dades, procurando comparações interculturais que confiram o significado 
mais profundo a sua concepção própria de dignidade humana. O paradig-
ma das comunidades-amibas objetiva construir um novo senso comum 
emancipatório, guiado por uma hermenêutica democrática cosmopolita 
multicultural e diatópica.
No espaço da cidadania, a contradição e a competição ocorrem en-
tre o paradigma da democracia autoritária e o paradigma da democracia 
radical. 
 O paradigma emergente é o paradigma da democracia radical, 
isto é, da democratização global das relações sociais assentes numa dupla 
obrigação política: a obrigação política vertical entre o cidadão e o Estado, 
e a obrigação política horizontal entre cidadãos e associações (p. 340).
O espaço da cidadania só é garantido quando está unido com a 
democratização dos demais espaços.
O último espaço a ser trabalhado pelo autor é o espaço mundial. 
No espaço mundial a contradição e a competição paradigmáticas ocorrem 
entre o paradigma do desenvolvimento desigual e da soberania exclusiva 
por um lado, e o paradigma das alternativas democráticas ao desenvolvi-
mento e da soberania reciprocamente permeável por outro (p. 341).
A visão do paradigma emergente sob a hierarquia Norte-Sul e o 
desenvolvimento capitalista, expansionista e desigual que essa hierarquia 
sustenta, constituem a maior e mais implacável violação dos direitos 
humanos no mundo hoje. O paradigma emergente trabalha com a 
ideia de:
Um novo sistema de relações internacionais e transnacionais orientado 
pelos princípios da globalização contra-hegemônica: o cosmopolitismo 
e o patrimônio comum da humanidade. No novo modelo, a soberania 
deixa de ser exclusiva e absoluta, tornando-se recíproca e democra-
ticamente permeável (p. 342).
149
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
Neste paradigma os princípios de autodeterminação interna e ex-
terna têm importância de igual teor. Tenderão a desaparecer as distinções 
entre cidadão e não cidadão, entre imigrantes e nacionais e, com isso, 
a cidadania, assim como as nacionalidades, tenderão a ser plurais. No 
espaço mundial a dimensão de providência social do Estado tem como 
base assegurar a experimentação com novas formas de sociabilidade 
internacional e transnacional, incluindo governos locais transnacional-
mente articulados em rede.
As propostas apresentadas pelo autor visam a uma experimen-
tação social como formas alternativas de sociabilidade. A essas formas 
alternativas de sociabilidade compete ao Estado garantir a experimen-
tação, residindo nessa função a sua natureza de providência social. A 
experimentação social é também uma autoexperimentação, sua autor-
reflexividade. 
Nos termos que ora se apresentam, a contradição e a competição 
paradigmáticas significam uma confrontação no campo social entre regu-
lação e emancipação. Na luta política paradigmática, a confrontação ocorre 
entre a regulação socialmente construída pelo paradigma dominante e a 
emancipação imaginada pelo paradigma emergente.
A transição paradigmática é epistemológica e societal. Ao unir 
estas duas transições nasce o conceito de subjetividade. A subjetividade 
é o grande mediador entre o conhecimento e a prática. Ela é, ao mesmo 
tempo, individual e coletiva. O tipo de subjetividade capaz de explo-
rar, e de querer explorar, as possibilidades emancipatórias de transição 
paradigmática, 
tem de se reconhecer assim mesmo e ao mesmo tempo através do 
conhecimento-emancipação, recorrendo a uma retórica dialógica 
e a uma lógica emancipatória. Por outro lado, tem de ser capaz de 
conceber e desejar alternativas sociais assentes na transformação 
das relações de poder em relações de autoridade partilhada e nas 
transformações das ordens jurídicas despóticas em ordens jurídicas 
150
E n i o W a l d i r d a S i l v a
democráticas. Em suma, há que inventar uma subjetividade constituída 
pelo topos de um conhecimento prudente para uma vida decente 
(SousaSantos, 2000, p. 345).
A subjetividade da transição paradigmática é aquela para quem 
o futuro é uma questão pessoal e de todos, pois o autor acredita que a 
construção de uma subjetividade individual e coletiva que seja apta a 
enfrentar as futuras competições paradigmáticas e disposta a explorar as 
possibilidades emancipatórias por elas abertas deve ser guiada por três 
grandes topoi: a fronteira, o barroco e o sul.
A fronteira surge como uma forma privilegiada de sociabilidade, 
cujas principais características da vida
na fronteira são as seguintes: uso muito seletivo e instrumental das 
tradições trazidas por pioneiros e imigrantes; invenção de novas formas 
de sociabilidade; hierarquia fraca; pluralidade de poderes e de ordens 
jurídicas; fluidez das relações sociais; promiscuidade entre estranhos 
e íntimos; misturas de heranças e invenções [...] (p. 347).
Já o termo barroco é utilizado pelo autor enquanto metáfora 
cultural para designar uma forma de subjetividade e de sociabilidade 
capaz de explorar e querer explorar as potencialidades emancipatórias 
da transição paradigmática (p. 357).
Ele não despreza, porém, os três outros sentidos, quer seja: como 
estilo artístico, como época histórica e como ethos cultural, por ser con-
siderado um fenômeno latino e mediterrâneo, uma forma excêntrica de 
modernidade, o Sul do Norte: a sua excentricidade decorre, em grande parte, 
do fato de ter ocorrido em países e em momentos históricos em que o centro do 
poder estava enfraquecido e tentava esconder a sua fraqueza dramatizando a 
sociabilidade conformista (p. 357).
151
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
Como momento histórico, é conferido ao barroco um caráter aberto 
e inacabado, que permite a autonomia e a criatividade das margens e 
das periferias, em função da relativa ausência de poder central. Por ser 
também um período de crise e de transição, a sociabilidade turbulenta 
que ela promove alcança alguma semelhança com o momento atual. 
Desse caráter aberto e inacabado da subjetividade e da sociabili-
dade barroca surge a sua disponibilidade para lutar por um novo acaba-
mento. O paradigma emergente é um processo feito de continuidade e 
descontinuidade, e a subjetividade barroca privilegia a aparência barroca 
enquanto medida transitória e compensatória.
O Sul é o terceiro e último topos que Sousa Santos (2000) propõe 
para a constituição da subjetividade da transição paradigmática: tal como 
a fronteira e o barroco, o Sul também é aqui usado como uma metáfora cultural, 
isto é, como um lugar privilegiado para a escavação arqueológica da moderni-
dade, necessária à reinvenção das energias emancipatórias e da subjetividade 
da pós-modernidade (p. 361).
O Sul e o Oriente são, ambos, produtos do império. Tanto o Sul 
quanto o Oriente transformaram-se gradualmente em regiões periféricas 
do sistema mundial, e dessa forma passaram a ser vítimas da dominação 
cultural e econômica. O Sul, enquanto metáfora fundadora da subjeti-
vidade emergente, como símbolo de uma construção imperial, exprime 
todas as formas de subordinação a que o sistema capitalista mundial deu 
origem: expropriação, supressão, silenciamento, diferenciação desigual, 
etc. 
O Sul sob esta ótica está espalhado pelo mundo inteiro, inclusive 
dentro do Norte e do Ocidente: o conceito de terceiro mundo interior, que 
designa as formas extremas de desigualdades existentes nos países capitalistas 
do centro, designa também o Sul dentro do Norte. O Sul significa a forma de 
sofrimento humano causado pela modernidade capitalista (p. 368).
152
E n i o W a l d i r d a S i l v a
A subjetividade emergente é uma subjetividade do Sul e floresce 
no Sul. A subjetividade do Sul varia conforme as regiões do sistema 
mundial em que surge. Nos países do centro, a subjetividade do Sul 
constitui-se por meio da desfamiliarização do Norte imperial. Esta des-
familiarização do Norte imperial é uma epistemologia complexa, feita 
de sucessivos atos de desaprendizagem nos termos do conhecimento-
regulação (da ordem ao caos), e da reaprendizagem nos termos do 
conhecimento-emancipação (do colonialismo à solidariedade). 
Nos países centrais, a desfamiliarização relativamente ao Norte 
imperial implica todo um processo de desaprendizagem das Ciências 
Sociais que constituíram o Sul como o “outro” e o Norte como “nós”: 
para se aprender a partir do Sul, devemos, antes de mais nada, deixar falar 
o Sul, pois o que melhor identifica o Sul é o fato de ter sido silenciado. 
Como o epistemicídio perpetrado pelo Norte foi quase sempre acom-
panhado pelo “linguicídio”, o Sul foi duplamente excluído do discurso 
(Sousa Santos, 2000, p. 372).
 A construção da subjetividade do Sul deve desenvolver-se por 
processos parcialmente distintos no centro e na periferia do sistema 
mundial. A construção da subjetividade do Sul tem de seguir um pro-
cesso de desfamiliarização, tanto em relação ao Norte imperial quanto 
em relação ao Sul imperial.
Para finalizar, veja como o autor aborda a questão dos direitos 
humanos na citação a seguir:
Os Direitos Humanos Enquanto Guião Emancipatório
O conceito de direitos humanos assenta num bem conhecido conjunto 
de pressupostos, todos eles tipicamente ocidentais, designadamente: 
existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida racio-
nalmente; a natureza humana é essencialmente diferente e superior 
à restante realidade; o indivíduo possui uma dignidade absoluta e 
irredutível que tende ser defendida da sociedade ou do Estado; a 
anatomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de 
forma não hierárquica, como soma de indivíduos livres. Uma vez que 
todos estes pressupostos são claramente ocidentais e facilmente desig-
153
Capítulo 3 – Razão Crítica, Direito e Liberdade
náveis de outras concepções de dignidade humana em outras culturas, 
teremos de perguntar porque motivo a questão da universalidade 
dos direitos humanos se tornou tão acesamente debatida. Podemos 
enumerar as principais premissas de uma tal transformação. A primeira 
é a superação do debate sobre universalismo e relativismo cultural. 
Trata-se de um debate intrinsecamente falso cujos conceitos polares 
são igualmente prejudiciais para uma concepção emancipatória de 
direitos humanos. A segunda premissa da transformação cosmopolita 
dos direitos humanos é que todas as culturas possuem concepções 
de dignidade humana, mas nem todas elas a concebe em termos de 
direitos humanos. Torna-se, por isso, importante identificar preocu-
pações isomórficas entre diferentes culturas. A terceira é que todas 
as culturas são incompletas e problemáticas nas suas concepções de 
dignidade humana. A incompletude provém da própria existência 
de uma pluralidade cultural, pois, se cada cultura fosse tão completa 
quanto se julga, existiria apenas uma só cultura. A idéia de completude 
está na origem de um excesso de sentido de que parecem enfermar 
todas as culturas, e é por isso que a completude é mais facilmente 
perceptível do exterior, a partir perspectiva de uma outra cultura. 
Aumentar a consciência de incompletude cultural até o seu máximo 
possível é umas das tarefas mais cruciais para a constrição de uma 
concepção multicultural de direitos humanos. A quarta premissa é a 
que todas as culturas têm versões diferentes de dignidade humana, 
algumas mais amplas do que outras, algumas com círculo de reciproci-
dade mais largo do que outras, algumas mais abertas a outras culturas 
do que outras. Por exemplo, a modernidade ocidental desdobrou-se 
em duas concepções e práticas de direitos humanos profundamente 
divergentes – a liberal e a marxista – uma dando prioridades aos 
direitos cívicos e políticos, a outra dando prioridade aos direitos 
sociais e econômicos. Há que definir qual delas propõe um círculo 
de reciprocidade mais ampla. E por último, a quinta premissa é que 
todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais 
entre dois princípios competitivosde presença hierárquica. Um – o 
princípio da igualdade – opera através de hierarquias entre unidades 
homogêneas. O outro – o princípio da diferença – opera através da 
hierarquia entre identidades e diferenças consideradas únicas. Os 
dois princípios não se sobrepõem necessariamente e, por esse motivo, 
nem todas as igualdades são idênticas e nem todas as diferenças são 
desiguais (Sousa Santos, 1997).
CAPÍTULO 4 
TEmAS DE 
SOCIOLOGIA 
JURÍDICA ATUAL1
1 Para acompanhar as discussões práticas das pesquisas sociológicas acesse: <www.
sociologiajuridica.net.br>.
Os clássicos da Sociologia construíram um arsenal conceitual que 
se tornaram fontes estruturais e culturais das Ciências Sociais contem-
porâneas. Estas teorias aplicadas sobre diferentes realidades marcaram 
o contornos das diferentes pesquisas da Sociologia Jurídica e dos refe-
renciais das Ciências Jurídicas. É o historiador inglês do Direito, Henry 
Sumner Maine, cuja obra principal, que data de 1861, dá início à história 
sociológica do Direito dos países ocidentais. Sua teoria evolucionista da 
passagem da sociedade do estatuto à sociedade do contrato teria inspirado 
a Durkheim sua teoria da transformação das sociedades da solidarieda-
de mecânica e do Direito repressivo em sociedades caracterizadas pela 
solidariedade orgânica e pelo Direito restitutivo.
Eugen Ehrlich nasceu em 1862 na cidade de Czernowitz (Buco-
vina do Norte), que formava parte então do Império Austro-Húngaro e 
hoje, com o nome de Chernovtsy, integra a Ucrânia. Foi professor de 
Direito Romano e reitor da Universidade de sua cidade natal, cassado 
pelo antissemitismo ali prevalecente depois que, em 1919, a província 
passou ao controle da Romênia. De nada valeu seu brilhantismo nem 
sua conversão, ainda moço, ao catolicismo. Ehrlich morreu em Viena, 
amargurado e tuberculoso, em 1922, alguns meses antes de cumprir os 
60 anos (Azevedo; Rojo, 2005).
O segundo dos “iniciadores” que gostaríamos de evocar aqui é o 
austríaco Eugen Ehrlich, que, em 1913, publicou o primeiro tratado de 
“Sociologia do Direito” e que por isto é reconhecido por alguns como 
o “pai” da disciplina. Quando menos, foi o primeiro a empregar esta 
denominação para designar a análise do “direito vivente”, quer dizer, 
do Direito tal como ele é aplicado e utilizado, em oposição ao Direito 
escrito ou teórico.
A posição quase hegemônica que a Sociologia Jurídica gozou na 
academia, a partir dos anos 60, foi a que Touraine (1987, p. 26) definiu 
como a “sociologia da suspeita e da caça ao ator”. Esta, traduzindo em 
termos sociológicos a versão que Louis Althusser dava à obra de Karl 
Marx, desdenhou o estudo do Direito, considerado mero produto su-
158
E n i o W a l d i r d a S i l v a
perestrutural das relações de produção e viu nas instituições espelhos 
deformados e deformantes dos sistemas de relações sociais, cuja realidade 
não podia (supostamente) reconhecer-se nelas.
Em verdade, foi apenas em meados dos anos 80 que os sociólogos 
começaram a reconciliar-se com a tradição dos precursores e dos fundado-
res e foi aparecendo um renovado interesse por uma Sociologia Jurídica 
que não teria unicamente por objeto o Direito Penal e que progressiva-
mente se difundiu não só nos países germânicos ou anglo-saxões, mas 
também nos de tradição latina, a um lado e outro do Atlântico, muitos 
dos quais estavam vivendo as sequelas de processos de democratização 
pós-ditatorial conhecidos como a terceira onda.
Hoje a Sociologia Jurídica está viva. No que se refere as suas 
orientações teóricas, o quadro se tem diversificado muito, ainda que se 
mencione com frequência a constante importância de alguns autores. 
Entre eles, os clássicos das Ciências Sociais: Marx, Durkheim e Weber, 
aos quais se acrescentam os clássicos da disciplina: Ehrlich, Theodor 
Geiger, Gurvitch ou, entre os mais recentes: Vilhelm Aubert, Carbonnier 
e Renato Treves. Alguns autores contemporâneos adquirem também 
uma importância comparável à dos clássicos, seja pelos trabalhos que 
inspiram ou pelas críticas que suscitam fora de seus países de origem. 
Trata-se amiúde de autores alemães, Luhmann e Habermas em primeiro 
lugar, assim como Foucault, Gunther Teubner ou ainda Donald J. Black. 
Um fenômeno particular é digno de menção: a importância, em muitos 
países, de autores que podem se considerar como “autores nacionais 
emblemáticos”. Entre estes podemos encontrar Petrazycki e Podgórecki 
na Polônia, Barna Horváth na Hungria, Boaventura de Sousa Santos em 
Portugal (e no mundo luso em geral), Per Stjernquist na Suécia ou Guy 
Rocher no Canadá (Azevedo; Rojo, 2005).
No que tange aos domínios de pesquisa, o melhor estudado, objeto 
de trabalhos em todo lugar onde a Sociologia Jurídica conhece um certo 
desenvolvimento empírico, é o das instituições que asseguram a produção 
(e a reprodução) do Direito: os tribunais, as profissões jurídicas, a polícia, 
159
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
etc. Vêm em segundo lugar as pesquisas que se referem à efetividade e 
aos efeitos do Direito: estes concernem às vezes a domínios particulares 
(a família, a empresa, a proteção do meio ambiente, etc.), focalizam-se 
nos fenômenos de ineficácia (marginalidade e divergência), ou avaliam 
ainda a eficácia dos instrumentos jurídicos na prevenção ou resolução 
dos conflitos ou das demandas renovadas (políticas e sociais) de uma 
instância simbólica que deve agir seguindo formas adjudicatórias e que 
teria de dizer o que é justo. Vêm depois outras duas categorias: por um 
lado, o estudo dos fenômenos de pluralismo normativo e, por outro, o 
dos fenômenos de produção do Direito, dos processos legislativos e de 
seu contexto social.2
Quanto a sua institucionalização, a Sociologia Jurídica revela, antes 
de mais nada, uma grande diversidade. Não só a disciplina se acha mais 
ou menos bem estabelecida, de acordo com o país de que se trate, como 
sua instituição segue, em cada país, modalidades muito diferentes, dando, 
por exemplo, preferência, em alguns deles, às instituições de pesquisa e, 
em outros, ao ensino universitário. Diante da influência das instituições 
estatais, observa-se uma importância variável das instituições privadas, 
em particular das associações, das revistas ou ainda das coleções de tra-
balhos especializados. A este respeito não podemos deixar de mencionar 
os que poderíamos denominar “momentos fortes” de nossa disciplina, 
oferecidos pelos congressos e outros encontros científicos periódicos.
No universo da própria Sociologia Jurídica a evolução mais sensível 
que, a nosso juízo, produziu-se nesses últimos tempos, é a importância 
crescente dos marcos não nacionais, quer dizer, das redes regionais e 
internacionais. Podemos, assim, reconhecer diversas regiões caracteri-
zadas por afinidades teóricas e até por relações mais ou menos institu-
cionalizadas de cooperação. Entre elas a Europa latina, estruturada em 
2 Azevedo, Rodrigo Ghiringhelli de; Rojo, Raúl Enrique. Sociedade, direito, justiça. 
Relações conflituosas, relações harmoniosas? Revista Sociologias, Porto Alegre: UFRGS, 
ano 7, n. 13, p. 16-34. jan./jun. 2005.
160
E n i o W a l d i r d a S i l v a
torno do “Cercle de Sociologie et de Nomologie Juridiques” que anima 
André-Jean Arnaud; a Europa germânica, onde se afirma o dinamismo 
das redes alemãs, seguido atentamente por Itália e os países da Europa 
Central e Oriental; a Escandinávia, dona de uma antiga tradição de 
cooperação, que também parece influenciada pelos trabalhos levados 
adiante na região germânica; os países anglo-saxões, nos quais a Law 
and Society Association tem criado fortes vínculos; e a América Latina, 
por fim, na qual se celebram, desde 1987, reuniões de jurisociólogos 
latino-americanos e onde é remarcável uma série de iniciativas adotadas 
pelo Instituto Latinoamericano de Servicios Sociales, entre elas a revista 
Más Allá del Derecho.
Vamos apresentar agora alguns estudos que enfocam temas per-
tinentespara se compreender as dimensões atuais das relações entre 
sociedade e Direito.
O Direito como Sistema Autopoiético3
Sociedades sem pessoas
Luhmann introduz três premissas em sua análise da sociedade 
que produziram não apenas críticas vigorosas, mas também muita 
incompreensão, a ponto de ser acusado de ter um pensamento anti-
humanista e cínico: 1. A sociedade não consiste de pessoas. Pessoas 
pertencem ao ambiente da sociedade. 2. A sociedade é um sistema 
autopoiético que consiste de comunicação e mais nada. 3. A sociedade 
só pode ser adequadamente entendida como sociedade mundial. O 
banimento das pessoas para o ambiente da sociedade completa a 
descentralização da cosmologia humanista. Tendo sido retirada do 
centro do universo na Renascença, desprovida de sua origem única 
ao ser colocada no contexto da evolução por Darwin, e desnudada 
de sua autonomia e autocontrole por Freud, o fato da humanidade 
agora ser libertada das amarras da sociedade por Luhmann parece 
3 Grande parte deste texto já foi publicado em Silva, Enio Waldir da. Teoria Sociológica 
III. Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2009b. p. 27-43.
161
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
ser uma extensão consistente dessa tendência. Enquanto a tradição 
clássica européia, com sua distinção entre humanos e animais, dotava 
os humanos de sentido, razão, vontade, consciência e sentimentos, 
a separação inexorável dos sistemas mentais e sociais que Luhmann 
substitui por homo socialis deixa claro que a sociedade é uma ordem 
sui generis emergente, que não pode ser descrita em termos antropoló-
gicos. A sociedade não tem o caráter de um sujeito – nem mesmo no 
sentido enfático transcendental, como uma condição da possibilidade 
de idéias subjacentes definitivas ou de mecanismos de qualidades 
humanas. Não é um endereço para apelos humanos de ação, e certa-
mente não um lugar para reinvindicar igualdade e justiça em nome 
de um sujeito autônomo. A sociedade é a redução comunicativa 
definitiva possível que separa o indeterminado do que é determiná-
vel, ou o que é processável da complexidade improcessável. Numa 
análise detalhada, Luhmann traça a distinção cada vez maior entre o 
indivíduo e a sociedade. Só depois de uma clara separação ter sido feita 
entre sociedade e humanidade é que é possível ver o que pertence 
à sociedade e o que está alocado à humanidade. Isso abre as portas 
à pesquisa sobre a humanidade, a consciência humana e o funciona-
mento da mente humana com base em medidas empírico-naturais. 
A tese da separação de sistemas sociais (ou sistemas da sociedade) e 
sistemas físicos torna possível entender claramente o relacionamento 
entre sociedade e humanidade e segui-lo através de sua histórica. 
Os dois são nesse sentido sistemas autopoiéticos, um operando na 
base da consciência e o outro na base da comunicação. Mas o que é 
sociedade? Sociedade, numa aproximação inicial, é o sistema social 
inteiro, incluindo tudo que é social, e consciente de nada social fora 
de si mesmo. No entanto, tudo que é social é identificado como co-
municação. A comunicação “é uma operação genuinamente social (e 
a única que é conjunta socialmente). É genuinamente social porque 
pressupõe uma maioria de sistemas de consciência colaboradora ao 
mesmo tempo que não pode (exatamente por essa mesma razão) ser 
atribuída como uma unidade a nenhuma consciência individual”. Por 
outro lado, é também verdadeiro que qualquer coisa que pratique 
comunicação é uma sociedade. Isso envolve definições de grande 
abrangência4 (Bechmann; Stehr, Nico, 2001).
4 Bechmann, Gotthard; Stehr, Nico. Niklas Luhmann. Tempo Social, Rev. Sociol., São 
Paulo: USP, 13(2): 185-200, nov. 2001.
162
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Podemos afirmar que a Teoria do Sistema, em termos sociológicos, 
tem seu início com Auguste Comte (1798-1857), e tem continuidade 
com Herbert Spencer, Émile Durkheim e Talcott Parsons. Com Niklas 
Luhmann ela é reedificada e retomada de forma mais profunda.
Niklas Luhmann formula uma teoria geral da sociedade de modo 
a superar as desconexões entre micro e macro existentes em muitas te-
orias sociológicas, com conceitos precisos: Auto-organização, Autopoiésis, 
Autorreferência, Autoidentificação, Autoproteção, Entorno, Meio Ambiente, 
Heterorreferência, Diferenciação, Seleção, Complexidade, Comunicação, Ope-
ração Fechada, Sentido, Reflexividade, Intenção, Irritação, Entropia, Proces-
sualidade, Fechamento Operacional, Acoplamento Estrutural, Contingência... 
Expressões que parecem pouco sociológicas ou filosóficas ou que, pelo 
menos, há muito estes saberes não usavam expressões mais próprias das 
Ciências Naturais.
Podemos afirmar que a teoria de Luhmann está dividida em 
cinco blocos básicos: sistema social mundial; sistemas de comunicação 
(as possibilidades dos códigos de linguagem como aceitação e rejeição); 
teoria de evolução (da qual se tira a concepção de diferenciação entre 
variação, seleção, estabilização) e uma dedicação à teoria da diferenciação 
mostrando que um sistema se constitui de outro sistema desde dentro 
(segmentações... cidade/campo... até a sociedade moderna na qual a di-
ferenciação é funcional) e, por último, sobre os aparatos de reflexão ou 
autodescrição da sociedade (mecanismo de redução da complexidade – 
código de sentido – autoidentificação – procedimento – dominância).
Segundo Luhmann existem três tipos de Sistemas: o Sistema Vivo 
(natural ou a natureza), o Sistema Psíquico (os sujeitos) e o Sistema Social 
(sociedade). 
O Sistema Social é teorizado, inicialmente, de acordo com a teoria 
dos sistemas abertos, que se relacionam com seu meio contando com 
a absorção de insumos (inputs), devolvendo-lhes os resultados (outputs) 
de suas próprias operações. Luhmann trabalhava com a ideia de dife-
163
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
renciação social, que produz crescente complexidade. Sua teoria tinha, 
portanto, caráter fundamentalmente evolutivo, a exemplo de Parsons. 
Luhmann construiu sua obra essencialmente em torno da teoria geral da 
Sociologia, Sociologia do Direito, da Economia e das organizações.
Tais teorias tratam de matéria em movimento, em constante 
mudança. Sua vertente sociológica, revelada na teoria luhmanniana, 
aplica-se especialmente a um mundo social no qual ocorrem alterações 
velozes, inexplicáveis pelas teorias sociais tradicionais fixadas mais na 
questão da manutenção da ordem.5 Luhmann se contrapõe à visão tra-
dicional de sociedade que defendia que ela se compõe de pessoas e/ou 
de relações entre elas; ou que a sociedade se constitui e se integra pelo 
consenso e pela complementaridade de opiniões e objetivos; ou ainda 
que as sociedades são unidades regionais, geograficamente delimitadas 
(sociedade brasileira, francesa, alemã, etc.). Estas teorias estavam crentes 
que as sociedades podem ser observadas de fora, tal como grupos de 
pessoas ou territórios.
Stockinger (2007) argumenta que na teoria sistêmica de Luhmann 
é afirmado que
o consenso e a complementaridade – caso existirem – são produto 
de processos sociais e não elementos constitutivos. A constituição/
integração de sociedade não se dá por consenso, mas sim pela “cria-
ção de identidades, referências, valores próprios e objetos através de 
processos de comunicação na sua própria continuação”, independente 
daquilo que os seres experimentam no confronto com ela. Devido 
à distinção axiomática feita pela teoria sistêmica entre “sistema” e 
“ambiente” (ou “meio”), o social enquanto sistema há de ser separado 
do seu ambiente psíquico e/ou biológico. O sistema social é composto 
unicamente por comunicações, isto é, de mensagens e informação. Os 
seres humanos enquanto pessoas e indivíduos não pertencem a este 
sistema. A distinção epistemológica feita pela teoria os enquadra no 
ambiente do sistema social, passam a ser algo como a “razão externa” 
5 Stockinger, Gottfried. Sistemas sociais – a teoria sociológica de Niklas Luhmann. 2007. 
Disponível em:<Robertext.com/archiv06/sist_sociais.htm>. Acesso em: 30 nov. 2011.
164
E n i o W a l d i r d a S i l v a
da existência do sistema. Tal mudança de visão, ao mesmo tempo 
que afeta a autopercepção do indivíduo frente a sociedade, muda o 
método de explicação para toda uma gama de fenômenos sociais como 
desigualdade social, formação de estratos e classes sociais, etc. Porque 
se o homem fizesse parte do sistema, tais diferenciações podiam ser 
explicados apenas como atos de discriminação social que contrariam 
os direitos universais, responsabilizando para tal os indivíduos (como 
o faz a jurisprudência arcaica ainda dominante na nossa sociedade).
Com isso teríamos uma visão mais científica, a diferenciação não 
é mais colocada dentro das pessoas, mas ocorre entre estas e o sistema 
social, é colocada portanto dentro do modo de comunicação, ou seja, 
agora temos a possibilidade de ver o homem, inteiramente, com corpo 
e alma, como parte do ambiente do sistema social. A sociedade seria 
percebida de modo global, sem fronteiras de comunicação e o sentido 
das sociedades territoriais desaparece.
A noção de limite ou fronteira entrou mais recentemente na teoria 
de sistemas, quando se começou a distinguir entre sistemas fechados e 
abertos, percebendo ambos os tipos não como contrários um do outro, mas 
sim como complementares. Limites ou fronteiras têm um papel ativo. 
Eles trabalham a interação entre o ambiente e o sistema. Tendo limites 
ativos, sistemas podem fechar-se e abrir-se, potencializando assim suas 
chances de (sobre-)vivência. Eles representam, portanto, uma conquista 
por excelência da evolução. Dentro de suas fronteiras, sistemas sociais 
se apresentam como operacionalmente fechados, embora continuem 
abertos no sentido termodinâmico (quer dizer que estão expostos a um 
fluxo energético, representado pelas informações provindas do ambien-
te). Tal fechamento operacional lhes permite manterem-se e evoluírem 
num ambiente que, em relação ao sistema, é algo desordenado, caótico. 
A ligação do sistema social com o seu ambiente – o seu metabolismo 
energético em forma de informação – se dá por um processo chamado 
de “acoplamento estrutural”, que pode ser visto como a digitalização 
de relações analógicas, executada, por exemplo, pelas funções da lin-
guagem. O pressuposto do fechamento operacional do sistema social 
165
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
aloca o indivíduo definitivamente no ambiente do sistema. O ponto de 
diferença para a Sociologia de tradição filosófica humanista é que nesta 
o ser humano foi visto como estando dentro e não fora da ordem social. 
Ele foi chamado de indivíduo, porque era para a sociedade um elemento 
indissolúvel. Era tido como zoon politikon e animal social. Quando se vê 
o ser humano como parte do ambiente da sociedade, as premissas das 
questões mudam. De repente, todas as mitologias sobre a formação de 
coletivos humanos são ultrapassadas, ou, melhor dito, elas são relegadas 
para o nível da autodescrição do sistema social (Stockinger, 2007).
Um sistema é chamado de complexo quando a quantidade de 
partes e sub-sistemas, que o compõem ultrapassa um determinado limiar 
a partir do qual não é mais possível de pôr todos os elementos em relação 
uns com os outros. Sempre que o número de elementos a conectar-se 
ultrapassa este limiar surgem necessidades de seleção, e se produz uma 
seletividade de fato de tudo que é realizado. É realizada uma seleção 
da totalidade de possibilidades de relacionamentos atuais de cada vez. 
Sistemas são selecionados como pontos de vista e temas ordenados, a 
partir das quais se pode acessar uma relação entre sistema e ambiente.
De modo a funcionalmente mostrarem-se bem-sucedidos, cabia 
aos siste mas então lidar com essa crescente complexidade, reduzindo-a 
a níveis, que tornassem possível a própria reprodução do sistema. Os 
meios dos sistemas proviam inúmeras possibilidades de esco lha; para 
se manterem enquanto sistemas, eles deviam selecionar alternativas, 
equacionadas segundo códigos binários (sim/não) que, no curso de seu 
processo de funcionamento, implicavam escolhas que reduziam aquela 
complexidade (por exemplo, o sistema jurí dico funciona de acordo com 
um código simples: legal/ilegal). 
Os sistemas sociais, como qualquer outro sistema vivo, são comuni-
cativos, quer dizer que produzem e processam informações, que podem 
ser vistas como matéria-prima básica. Informação é tida aqui no sentido 
de novidade, e não simplesmente como qualquer mensagem transmitida 
ou recebida. Uma mensagem, um símbolo, um código se transforma em 
166
E n i o W a l d i r d a S i l v a
informação, quando produzem um efeito seletivo num sistema, quando 
este pode escolher a partir de diferenças existentes. Um sistema social 
é constituído por comunicações, isto é por interações que contêm infor-
mação. Comunicações conectam-se com comunicações. O sistema cessa 
– deixa de existir – quando a comunicação acaba. Sistemas sociais são 
auto-organizados (autopoiesis). A ação do sistema se dá a partir de um 
“self”, construído no e pelo imaginário inconsciente de um ambiente 
que lhe fornece os elementos (dados, informações, códigos, símbolos). 
Sistemas sociais representam uma “conexão dotada de sentido de ações 
que se referem umas às outras e que são delimitáveis no confronto com 
um ambiente” (Stockinger, 2007).
Por outro lado, as estruturas mantinham vivas as possibilidades 
des cartadas, que poderiam ser utilizadas adiante. Além disso, a ideia de 
meios de intercâmbio como formas de comunicação simbolicamente 
generalizadas vinha cumprir enorme papel em sua teoria, mais uma vez 
sob a influência de Parsons, com a radicalidade que o descarte dos atores 
sociais como tema introduzia na nova formulação de Luhmann. Dinheiro, 
poder, lei, amor, são meios de comunicação diversos que correspondem 
a sistemas sociais diferenciados, cada qual tendo, pois, seu próprio me-
canismo de coordenação (Domingues, 2001, p. 50).
Explicando melhor: a teoria dos sistemas de Luhmann, assim como 
a de Habermas, tentava tirar a Sociologia de seu caráter mais pragmático 
e dar-lhe uma posição mais genérica na interpretação da sociedade como 
um todo. O sistema luhmanniano pretendia a construção de uma teoria 
geral da sociedade que servisse de sustentáculo para a observação crite-
riosa do meio social em tempos de complexidade elevada. 
Luhmann constata que a noção antiga de mundo, que estava 
relacionada com algo localizável e coisificado, está se dissolvendo com 
as possibilidades de comunicação mundial que não se reduzem com a 
distância. Mundo é aqui concebido enquanto mundo de vida (como o faz 
Habermas), e Luhmann encampa esta concepção. Enquanto sociedade 
mundial, ele representa o macrossistema da mais alta complexidade, não 
167
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
como uma coisa externa, mas presente no cotidiano, no mundo de vida 
de cada um. Hoje em dia sociedade mundial está implicada em cada e 
qualquer comunicação, independente da temática concreta e da distân-
cia entre os participantes... Sociedade mundial é o acontecer de mundo 
na comunicação. Para assimilar esta visão, outras visões “mecanicistas” 
têm de ser descartadas. O mundo deixa de ser um aggregatio corporum 
ou universitas rerum, ou seja, a totalidade das coisas visíveis e invisíveis. 
Ele também não é mais o infinito a ser preenchido, nem o espaço ou 
tempo absolutos, enquanto entidade que contém tudo. O mundo não é 
nada mais do que o horizonte geral da vivência com sentido, quer esta 
se volte para dentro ou para fora, para frente ou para trás. O mundo não 
está fechado por fronteiras mas sim pelo sentido que pode ser ativado 
por ele. Enfim, o mundo passa a constituir uma correlação de opera-
ções. Adotando uma concepção não territorial do mundo, Luhmann 
entra na questão das desigualdades regionais e do processo conhecido 
como globalização por uma outra via. Ele reconhece que os efeitos de 
sistemas funcionais diversos– nomeadamente os de tipo “tradicional” 
versus os de tipo “moderno” estão, hoje em dia, presentes em qualquer 
região global. Sobretudo os ambientes urbanos reproduzem mundos 
de vida semelhantes, qualquer que seja sua localização territorial. As 
diferenças existem, porque distintos sistemas funcionais “se reforçam 
ou se debilitam mutuamente por causa de condições locais e regionais, 
criando padrões diferentes”. Tais diferenças regionais – referindo-se ao 
seu aspecto econômico – podem ser atribuídas sobretudo à flutuações 
no mercado (financeiro) mundial. Sendo assim, a visão territorial deve 
ser substituída por uma sociedade mundial funcionalmente diferenciada, 
em qualquer lugar. A diferenciação funcional dos sistemas sociais está 
tão enraizada dentro da sociedade, que mesmo o uso de meios políticos 
e organizacionais dos mais fortes não consegue boicotá-la regionalmente 
(Stockinger, 2007).
Não é possível duvidar que Luhmann seja bastante original em 
sua construção teórica. Esta originalidade está em sua interdisciplinari-
dade e também em sua inovação em não buscar mais uma unidade para 
168
E n i o W a l d i r d a S i l v a
o discurso sociológico, mas a diferença. Isto foge da tradição moderna, 
mas jamais pode ser admitida como um discurso pós-moderno. Se tiver-
mos um discurso de unidade e ele entrou em crise e se passou a falar 
em subjetividade ou sujeito como base de todo o conhecimento e ação, 
temos agora, com Luhmann, uma nova semântica, mais adequada a uma 
abordagem do real e diante de novas configurações sociais.
Nesta perspectiva, as teorias sociológicas sempre cometiam um 
paradoxo ao pensar que se os sujeitos da ação residem na realidade 
última da sociedade, então a constituição desta teria de ser pensada, 
avaliada, de forma normativa, em virtude da natureza e razão daqueles. 
Este subjetivismo, diz Luhmann, converteu sujeito em sinônimo de ser 
humano, indivíduo e pessoa.
Aceitar a ideia de sociedade de sujeitos, implica também aceitar 
que estes são múltiplos e se cada sujeito concebe a si mesmo como sendo 
condição de possibilidade da constituição de tudo que experimenta e 
assim são os outros, então este sujeito não é real e isso significa que não 
há intersubjetividades ou que pelo menos esta não pode ser conteúdo 
do social (Luhmann, 1998b, p. 5-33) .
A própria teoria da ação estava enlaçada neste sentido subjetivista. 
Se constatarmos que os indivíduos agem, é preciso perceber que isto 
ocorre sempre em um contexto. Torna-se, portanto, difícil discernirmos 
até que ponto esta ação deve ser atribuída ao indivíduo ou ao contexto. 
Devemos entender o processo de atribuição mesmo, posto que as ações 
não são dados últimos que aparecem como elemento empiricamente 
inquestionável, impondo-se por si mesmo as análises sociológicas. Elas, 
as ações, são somente artifícios atributivos produzidos pela sociedade.
Ao entendermos o conceito de diferenciação funcional, podemos 
perceber que se trata de um processo incessante de produção de novas 
estruturas capazes de definir as ações admitidas e excluídas. A comuni-
cação e o concomitante processamento de informações se orientam em 
diferenças, que possibilitam a formação de temas, valores e outros “ob-
169
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
jetos” sociais em torno destes. Sistemas sociais emergentes não partem 
de uma identidade, mas de uma diferença. Em todas as experiências da 
vida social encontra-se uma diferença primária: a diferença entre o que 
atualmente ocorre e aquilo que a partir daí é possível acontecer. Esta 
diferença básica, que é reproduzida forçosamente em todo tipo de vivên-
cia, atribui a cada experiência o valor de uma informação, capaz de ser 
processada e comunicada. Isso possibilita a atribuição de valores inclusive 
a acontecimentos casuais e construir ordem a partir destas. Desta forma, 
sistemas reduzem a complexidade infinita do mundo mediante a seleção 
daquilo que á atualmente relevante (Stockinger, 2007).
Quando as teorias sociológicas esquecem isto, acabam trabalhan-
do com conceitos imprecisos, buscando modelos e sofisticando demais 
as metodologias (como é o caso do “individualismo metodológico” e 
a “teoria da escolha racional”). Isto não permite construir uma via de 
acesso à realidade social e impossibilita à teoria sociológica enfrentar a 
complexidade crescente da sociedade moderna (2007, p. 6-30).
A obra de Luhmann é complexa porque não se filia, integralmente, 
a nenhuma tradição, como já mencionamos. Como teoria geral segue 
de perto o modelo de Talcott Parsons, mas tem caráter mais teórico. 
Fundamenta-se amplamente em relação ao parsionismo e pretende dar 
uma resposta às análises marxistas e aos clássicos em geral, que lhes 
parecia muito insuficiente para explicar a realidade de hoje.
A Sociologia necessitava, segundo Luhmann, fazer uma descrição 
mais convincente das realidades e de forma interdisciplinar: teoria geral 
dos sistemas, teoria da evolução, cibernética, Biologia, teoria da comu-
nicação, teorias de observação, etc. Luhmann justifica que usa estas 
ciências e seus conceitos por serem mais precisos e completos e “iria 
aprovechar el nivel ya alcanzado en la investigación para la teoría general de 
la sociedad” (Luhmann, 1992b).
170
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Sua importância está efetivamente na pretensão de ter um alcance 
universal com o uso de conceitos com grande precisão, embora nos pareça 
que muitos deles resultem de um esforço de analogia entre máquina, 
organismo e sociedade.
O próprio autor, porém, alerta que isto é esforço de alta abstra-
ção e não analogia que permite “formular con exactitud la distinción entre 
sistemas biológicos y sociales” (idem, p. 143), pois se a Biologia trata de 
questões momentaneamente estáveis como as células, as teorias socio-
lógicas constituem-se sobre as bases de acontecimentos que, no mesmo 
momento que emergem, logo em seguida desaparecem. Assim ela não 
poderia descrever estes acontecimentos se não for a partir de dentro de 
sua estrutura.
Parece-nos que Luhmann faz uma defesa estridente do objetivis-
mo ao se contrapor ao subjetivismo. Percebemos, no entanto, que ele é 
mais amplo. Se observarmos um certo funcionalismo em sua teoria certa-
mente não se trata do funcionalismo clássico. Seu funcionalismo trata dos 
desequilíbrios do sistema não como simples eventos disfuncionais, e sim 
perturbações, irritações que têm de ser entendidas em razão da estabili-
dade estrutural. As respostas do sistema são dadas, antes de tudo, diante 
da sensibilidade ambiental, a evolução e a estabilidade dinâmica. 
A noção de ambiente não deve ser vista como uma categoria-resto. 
Ambiente não é aquilo que sobra quando se subtrai o sistema. Pelo 
contrário, a relação ambiente/sistema é constitutiva para a realidade, e 
não apenas no sentido de o ambiente estar aí apenas para a manutenção 
do sistema, seu abastecimento com energia e informação. Para a teoria 
de sistemas autorreferenciais o ambiente é antes de mais nada uma 
pressuposição da identidade do sistema, porque identidade é apenas 
possível quando há diferença. O sistema não é mais importante do que o 
ambiente, porque ambos são o que são apenas em relação ao outro. Desta 
forma, a superestimação própria da noção de sujeito, nomeadamente a 
tese da subjetividade da consciência, é revisada. A base do sistema so-
cial não é o sujeito, mas sim o ambiente. Ambos formam uma unidade 
171
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
inseparável. Sua relação não é tanto de influência mútua, mas sim de 
cooperação possível dentro de um mundo instável exposto a flutuações 
casuísticas. A diferença entre sistema e seu ambiente é intermediada 
exclusivamente por limites de sentido. Áreas de sentido – campos cog-
nitivos e do imaginário – passam a constituir os principais “territórios” 
na sociedade de informação. A territorialidade física perde seu valor e 
suas propriedades. A distinçãosistema/ambiente se origina na teoria 
cibernética e da evolução. A teoria de sistemas cria mudança radical pelo 
fato de não mais falar-se de objetos, mas sim de diferenças, de distin-
ções, de diferenciações. Estas não podem ser tratadas como coisas, quer 
dizer, como algo que já existe e que precisa apenas ser observado, ser 
percebido, ser analisado. Distinções são objetos virtuais, elas devem ser 
feitas, ser realizadas, senão não existem. Quando nenhuma diferença foi 
realizada, nada mais havia a ser comunicado. O sistema não continuaria, 
terminaria, entraria em colapso. A estabilidade e a duração do sistema 
depende, permanentemente, de novas diferenças e distinções a serem 
criadas (Stockinger, 2007).
Ou seja, há uma diferenciação entre o sistema e o entorno que 
o funcionalismo clássico não tratava. Para isto Luhmann desenvolve os 
conceitos de autorreferência e autopoiesis.
Autopoiesis: Autopoiesis ou auto-organização é uma qualidade 
interna do sistema, intocável de fora. O termo denomina a unidade 
que um elemento, um processo, um sistema é para si próprio, isto é, 
independentemente da interpretação ou observação por outros. Por 
meio de auto-organização o sistema constitui seus próprios elementos 
como unidades funcionais. A relação entre os elementos refere-se a 
sua autoconstituição, a qual é reproduzida, assim, permanentemente. 
Uma consequência importante que resulta forçosamente de uma cons-
tituição auto-organizada de um sistema é a impossibilidade de controle 
unilateral. Nenhuma parte do sistema pode controlar outros, sem estar 
sujeito ao controle das outras partes. Uma estrutura de poder assimétrica, 
autoritária, requer, portanto, procedimentos especiais que reprimam a 
172
E n i o W a l d i r d a S i l v a
autoconstituição do sistema. Autopoiesis inclui autorreferência – a capa-
cidade de se relacionar consigo próprio, de refletir-se. Ela permite uma 
enorme amplificação dos limites de capacidade de adaptação estrutural 
e da abrangência da comunicação interna. Na base da autopoiesis de sis-
temas sociais Luhmann encontra um processo autocatalítico, construído 
a partir de uma situação de dupla contingência. O sistema social não 
surge, portanto, de uma concordância de opinião ou de ação, nem de uma 
coordenação de interesses e intenções de diversos atores. Sem solução 
do problema da dupla contingência nenhuma ação emerge, porque falta 
a possibilidade de sua determinação.
Um exemplo de uma situação de dupla contingência com quali-
dades autocatalíticas, tirada do cotidiano, é dada pelo encontro de duas 
pessoas estranhas uma a outra, num elevador. Quem já presenciou, cer-
tamente já experimentou esta sensação de referência vazia. Mostra-se 
num tipo de tensão que verdadeiramente clama para ser aliviada, por 
meio de uma comunicação qualquer. Uma vez iniciada, ela pode ter 
continuidade, constituindo até uma relação mais ou menos duradoura. 
Sob condições de dupla contingência de sistemas autorreferenciais cada 
acaso pode se tornar um impulso produtivo para a gênese de um siste-
ma social. O sistema social baseia-se, portanto, em instabilidades, em 
flutuações permanentes às quais ele tem de resistir. A situação de dupla 
contingência possui, assim, as qualidades de um fator autocatalítico, o 
qual cria, sem ser “consumido”, estruturas num novo patamar de ordem. 
Em consequência diferencia-se de um sistema social, destacando se do 
seu pano de fundo psicobiológico. Ele forma seus próprios elementos 
e limites e se abre para o acaso. O surgimento de um ambiente casual 
(ruído) é primordial. Dupla contingência não combina com a pressupo-
sição de uma natureza) e também não de um a priori. Ela libera níveis 
de ordem emergente, tornando-as autônomas em relação à especulações 
sobre noções como matéria ou espírito. No lugar de tais concepções de 
última segurança aparece a imaginação de um problema que se torna 
produtivo sempre que a complexidade de realidade dada fosse suficien-
temente complexa.
173
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
A autorreferência do sistema só pode se realizar quando este, em 
suas operações, é capaz de identificar sua “mesmicidade”, uma iden-
tidade, uma referência a si, uma reflexividade, e de diferenciar isto de 
qualquer outra realidade nelas causalmente imbricada, implicada. Os 
sistemas autorreferenciais têm de manejar sempre a diferença e identi-
dade para poder se reproduzir.
Esta compreensão relativamente biologista do sistema torna muito 
mais complexo pensarmos em termos de sistema social e as possíveis con-
duções de processos históricos, questões ausentes na teoria de Luhmann a 
não ser como querer abstrato de observadores (voltaremos a este assunto 
mais adiante). Luhmann mostra-nos que os sistemas autorreferenciais 
têm a capacidade de controlar a sua produção e a distintividade de seus 
elementos, pois estes lhes dão unidade e razão de o sistema ser inde-
componível (indescomponible). 
O autor mostra isto recorrendo a conceitos da cibernética e da 
Neurofisiologia como de “auto-organização” quando a ordem emerge 
espontaneamente para retroalimentar o sistema, e “autopoiesis” quando 
o sistema gera uma rede de produção e de transformação que as produziu. 
Isto é, o sistema produz a si mesmo, pois constitui os elementos como 
modo de unidades funcionais.
Não é possível afirmar que os sistemas são autorreferenciais, 
autopoiéticos, sem mencionar o seu “entorno”. Todo o sistema é depen-
dente de seu entorno e a ele está acoplado. O sistema necessita estar no 
entremeio das operações constantes do entorno que o provoca, instiga-o 
e o estimula. Esta “irritação” não é obstáculo, mas obriga o sistema a 
responder que só faz quando a tolerância se esgota ou é uma efetiva 
ameaça quando provoca uma mudança sistêmica que é determinada pela 
própria estrutura do sistema, como um autocontato operativo e cognitivo 
(Neves, 1997, p. 10, 13).
174
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Neste sentido, parece-nos que há entre sistema e entorno uma 
dependência e uma independência, na medida em que existe sempre 
uma provocação do entorno que faz o sistema responder e, por outro 
lado, não são todas as perturbações que são respondidas. Nesse aparente 
paradoxo de circularidade fica em aberto a questão: O que faz com que 
o entorno irrite o sistema? E a questão proposta por Habermas: Se o 
sistema terá sempre condições de responder ou se em algum momento 
ele não estará “saturado”, pois ao descomplexificar o entorno o sistema 
se complexifica (Neves, 1997).
Se o sistema seleciona aspectos do entorno que são relevantes para 
a constituição de seus próprios elementos, então o sistema é fechado em 
sua estrutura e operação que tende a ser aberto, pois necessita responder 
as suas ameaças. O sistema seria, então, autopoiético, autorreferente e 
fechado. 
A sociedade é um sistema complexo composto de muitos subsis-
temas que se diferenciam entre si interna e externamente. A sociedade 
moderna tem muitas diferencialidades funcionais com conexões entre 
si, difíceis de serem abordadas a não ser por uma teoria complexa. 
A sociedade como sistema social autopoiético é interpretado 
como comunicação. A comunicação são as operações sociais compulsó-
rias constituíveis somente por meio de uma rearticulação recursiva com 
outras comunicações, ou seja, elas não ocorrem isoladamente (1997, p. 
76). A comunicação é um fato emergente que se realiza pela seleção de 
informações, expressão de informações e pela compreensão ou incom-
preensão das expressões e de sua informação. 
Comunicação só pode ser produzida por meio da comunicação. A 
sociedade é aquilo que ela comunica. A comunicação é componente da 
sociedade que delimita o sistema em relação ao seu entorno, ao mesmo 
tempo em que o opera e o irrita.
175
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
Comunicação, para Luhmann, não significa apenas uma síntese 
de três aspectos: a informação, a mensagem e a compreensão,em que 
ela não é somente “um fato emergente que se realiza pela seleção de 
informações, expressão de informações e pela compreensão ou in-
compreensão das expressões e de sua informação”. Luhmann define 
comunicação como a síntese de três seleções: mensagem, informação 
e compreensão da diferença entre mensagem e informação. Luhmann 
vê uma mensagem como nada mais do que uma “sugestão“ ou uma 
“incitação“ – um impulso. 
Apenas quando tal sugestão for aceita, quando ela produzir uma 
excitação, a comunicação se torna existente. O ato de comunicar torna-se 
um ato seletivo. Trata-se de um processo triplo e não apenas duplo. Não 
bastam um “transmissor” e um “receptor”. A seletividade da informação 
– como interveniente genuíno – é ela própria um momento importante 
do processo comunicativo. Comunicação, para Luhmann, portanto, é um 
processo de construção de significados; ela é conhecimento.
 Quando Luhmann acentua a relação entre comunicação e sistema, 
ele mostra que para os sistemas sociais a comunicação se constitui em 
fator prioritário de afirmação de sua individualidade. Não são somente 
indivíduos, no entanto, que se constituem em sujeitos da comunicação, 
mas os próprios sistemas sociais. A sociedade emerge como um universo 
de todas as comunicações. 
A comunicação destina-se a produzir a eficácia simbólica gene-
ralizante que torna possível a regularização da vida social sob a forma 
de uma organização sistêmica e, ao mesmo tempo, cria as condições de 
estabilidade favoráveis a este tipo de organização social e ao seu desen-
volvimento (Neves, 1997, p. 9-33).
A comunicação é intrinsecamente seletiva e tem também função 
de ordenamento. O social é composto de comunicações e não de pessoas. 
A comunicação é o entorno do sistema que o obriga a dar respostas. 
176
E n i o W a l d i r d a S i l v a
O conceito de comunicação reconstruído por Luhmann é funda-
mental para entendermos esta nova teoria dos sistemas. Nova porque 
foge da tradição europeia de compreender a sociedade como uma espécie 
de sistema soberano, que tem capacidade ilimitada de modelar seu meio 
ambiente. Para Luhmann, o meio ambiente não é só um municiador, 
“mas também contém” capacidade importante para definir os limites 
do próprio sistema. A razão sistêmica não é hegemônica, mas sim de-
fensiva que acolhe e neutraliza as ameaças que proveem do meio, mas 
nunca o dominam. É por isso, também, que o sistema não é normativo 
e não tem caráter de ideal-tipo. É contingente e opera como rede plu-
ridimensional.
Em termos mais amplos, Luhmann deixa de considerar o ho-
mem como parte fundamental do organismo social e o trata como meio 
ambiente do sistema; é fonte geradora de problemas para o sistema, 
complexificador. Luhmann provocou a Sociologia com estas afirmações, 
tentando separar indivíduo de sociedade. Ao pretender “levar o indivíduo 
a sério” o autor quer mostrar a improbabilidade de os indivíduos se co-
municarem com a sociedade porque, para ele, a comunicação é sempre 
uma operação interna do sistema. 
Luhmann dá à comunicação uma imagem destituída de referên-
cia ontológica e antropomórfica. Ao acentuar a relação sistema social e 
comunicação, ele a vê como um dispositivo fundamental do dinamismo 
evolutivo do sistema e como elemento simbolizante funcional que 
agrega coletividades. Com sua eficácia simbólica é também um sistema 
autorreferente e autônomo, que independe dos indivíduos, que torna 
possível regulações da vida social e cria condições para estabilidade. 
Tem caráter de seletividade. A comunicação é como um dispositivo ci-
bernético destinado a normalizar as relações sistema-meio, mesmo que 
isto signifique consenso ou dissenso.
A comunicação é a alternativa de linguagem que vem substituir 
o seu antigo papel nas sociedades convencionais. Quando operam, no 
entanto, são mais que linguagens, e sim mecanismos de regulação dos 
177
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
processos sociais que pretendem dispensar a linguagem ou, pelo menos, 
de problemas que a linguagem não é capaz de tratar. Isto é, a linguagem 
não é vista como único meio de resolver problemas de compreensão. A 
comunicação é autônoma em meio a um emaranhado de diversidade de 
sentidos, inclusive a dos “códigos e semânticas” (Neves, 1997, p. 98).
Sem entrar na discussão ontológica do que é um sistema, Luhmann 
parte do seu conceito que denomina uma “capacidade”, a de “produzir 
relações”. Esta aptidão pode ser atribuída tanto a processos naturais 
como sociais. 
Ao definir sociedade como comunicação e, sendo a sociedade um 
sistema social – sistema social mais abrangente –, que envolve a totali-
dade de todos os contatos possíveis – das comunicações – e partindo do 
princípio de que a comunicação é um processo seletivo – quando base-
ado em sentido –, que estabelece os limites e o horizonte dos sistemas 
sociais e possui função de ordenamento, que regulariza e constrói as 
condições de estabilidade – de forma contingente –, das condições da 
vida social, Luhmann elabora a teoria de sistemas sociais, que pode vir 
a ser apreendida como parte de uma teoria sistêmica com características 
gerais, ao mesmo tempo em que possibilita a descoberta de distinções 
que só o social é capaz de criar: comunicações. 
A partir desta perspectiva, Luhmann cria o método sistêmico, que 
permite a elaboração de análise, pesquisa e intervenção na construção 
da realidade social. 
Como os sistemas sociais também produzem sua própria constitui-
ção, eles se compõem de comunicações. A comunicação seleciona, sintetiza 
informações, comunicações, compreensões e, neste processo, ela produz 
tanto o consenso como o dissenso. Não são os indivíduos que se ligam 
uns aos outros, mas comunicações a comunicações. É assim que se forma 
o sistema social. Os indivíduos são meios da sociedade e não parte dela, 
estão fora do sistema social e fazem parte dos sistemas psíquicos: 
178
E n i o W a l d i r d a S i l v a
[...] A sociedade não pode sair de si mesma com as próprias operações 
e abranger os indivíduos... o mesmo vale, em sentido inverso, para 
a vida e a consciência dos indivíduos... nenhum pensamento pode 
abandonar a consciência que ele reproduz... pois o que aconteceria e 
como eu poderia desenvolver individualidade, se os outros pudessem, 
com seus pensamentos, movimentar meus pensamentos e como se 
deveria poder imaginar a sociedade como uma hipnose de todos por 
todos?... ninguém é “eu”. Tampouco a palavra maçã é maçã (Neves; 
Samios, 1997, p.86).
O sistema mantém-se em funcionamento sem que se tenha uma 
prioridade de fatores essenciais externos para isso. Opera dentro de um 
limite e quando age se diferencia de seu entorno e cada um deles possui 
um grau de complexidade. O sistema possui uma identidade em si, tem 
uma circularidade em operação, fechada, mas com intencionalidade de se 
abrir para acoplar, adaptar-se, posto que, como sistemas, são autopoiéticos, 
mas uns se alimentam dos outros (ou pressupõe os outros). Por sua coe-
rência estrutural o outro é sempre um entorno. Os sistemas são dinâmicos 
e estão baseados em instabilidades, porque o entorno é sempre mutante. 
Entre o sistema e o sistema-mundo há múltiplas possibilidades.
Nessa linha, é impossível a um indivíduo conhecer positivamente 
toda a sociedade. O sociólogo faz um esforço elevado de abstração e o 
faz como um observador de segunda (ou mais) ordem e, às vezes, ele 
não percebe o próprio sistema de observação que utiliza, pois o próprio 
homem é um sistema que possui milhões de cromossomos e inúmeros 
subsistemas. Como exemplo Luhmann nos mostra que é possível co-
nhecer o cérebro independente das ideias, pois ele “é um sistema real 
que existe em condições ambientais complexas e intranquilas”. 
Este ambiente em que vive o cérebro é amplo e não podemos 
manter um contato com ele de maneira operacional. Isto quer dizer que 
só poderemos conhecer uma coisa quando pudermos diferenciá-lade 
outra, por isso o autor vai dizer que se um sistema é autopoiético ele 
precisa ter fronteiras e se tem fronteiras ele é fechado e não aberto como 
179
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
vinham afirmando na Cibernética e na Biologia, pois é impossível que 
uma coisa seja totalmente aberta se lhe é impossível ser fechada: “ser 
aberto fundamenta-se em ser fechado” (Neves, 1997, p. 23).
Com Luhmann percebemos que é impossível teorizar sobre a 
subjetividade como conteúdo do social. Cada sujeito é em si contingente, 
como condição de possibilidade entre outras possibilidades do mundo 
real. Suas ações são artifícios atribuitivos produzidos pela sociedade. 
Expressam-se como se fossem subjetividade, mas que não podem ser 
objetivadas como dados. 
Assim, seria mais fácil estudar os mecanismos institucionais que 
resolvem problemas imediatos da vida particular e coletiva do homem. 
São as instituições legítimas da sociedade que cimentam tensões entre 
um e outro. Estes subsistemas são vistos por Luhmann como meros 
mecanismos funcionais auxiliadores do sistema social geral na solução de 
irritações. Por isso eles têm caráter positivo e precisam de mais autonomia 
para atingirem mais capacidade seletiva
... esta forma de legitimidade responde às características dos sistemas 
das sociedades desenvolvidas. Ali eles têm caráter autopoiético como 
mecanismo reflexivo do próprio sistema que lhes permite desdobra-
mento auto-reflexivo, de forma a poder satisfazer as necessidades 
de plasticidade e estabilidade das suas estruturas num contexto 
altamente complexo (Neves, 1997, p. 17).
A constante evolução da complexidade do meio ambiente é 
problemática para o sistema, pois implica que ele tenha de aumentar as 
possibilidades de seleção, embora não um equivalente entre resposta 
do sistema e descomplexificação (ou parada da evolução). O esforço do 
sistema em reduzir a complexidade pode levá-lo a uma entropia e a uma 
ameaça de morte. Esta eventualidade de catástrofe deve-se ter presente 
em nossos esforços de observação para descrição do funcionamento da 
sociedade.
180
E n i o W a l d i r d a S i l v a
Considerando a sociedade como o resultado de um processo de 
evolução, de emergência do social a partir de acasos, de contingências 
e de recombinações, Luhmann busca adequar a sua construção teórica 
aos tempos atuais, em que a questão da mudança e da renovação da 
sociedade se colocou no centro das atenções, relegando o tema “ordem 
social” ao segundo plano. Ele constata que teorias da evolução tratam de 
problemas genéticos, que não seguem uma lógica determinística, mas 
que lidam com a “probabilidade do improvável”. Evolução significa, por 
assim dizer, uma espera por acasos aproveitáveis. Isso pressupõe a exis-
tência de sistemas que se reproduzem, que se mantêm e que, portanto, 
são capazes de esperar. Evolução não pode ser vista, portanto, como um 
processo contínuo, linear, que segue leis predeterminadas. A Sociologia 
tradicional sempre buscava a racionalidade nas projeções e ações sociais. 
Ela foi tomada como um ponto de referência, quase como uma crença 
numa harmonia social, em que o racional pudesse prevalecer apesar da 
crescente complexidade da sociedade. Tais pressupostos, entretanto, 
como o da “mão invisível” guiando a economia do mercado, são dei-
xados de lado pela teoria de sistemas complexos. A sociedade se guia, 
se for o caso, por meio de flutuações, que obrigam sistemas funcionais 
ou territoriais à auto-organização pelo processamento de informações 
dissipativas.
Parece-nos que para Luhmann tudo é possível e impossível ao 
mesmo tempo. Só se refere às possibilidades de catástrofes e não refere-se 
às possibilidades de liberdade, à autonomia humana. Se no sistema de 
Luhmann, no entanto, a liberdade não é tratada diretamente, assim 
também não o é o totalitarismo. Este é, porém, mais possível de notar 
quando ele trata da relação do homem e sociedade, pois se nenhum 
sistema pode incorporar por inteiro a identidade do homem, logo não 
há o perigo do totalitarismo. Ou seja, não dá para dizer que a teoria é 
catastrofista ou otimista. 
181
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
Com Luhmann vemos o anúncio da morte de qualquer teleologia; 
morte de toda a intencionalidade e finalidades. Estas ficam somente na 
intenção no observador; ele promove uma mudança radical em relação 
ao pensamento que afirma que a estrutura determina a função (mas sim 
da função que determina a estrutura) e a impossibilidade de separar 
sujeito e objeto.
Com Luhmann não podemos mais falarde uma epistemologia 
transcendental. São fragmentos nominalistas e idealistas que misturam 
visibilidades diversas e uma diversidade de enfoques, como uma epis-
temologia natural.
É muito discutível em Luhmann o modo como ele dá por encer-
rado um determinado tempo histórico, a arbitrariedade com que postula 
uma nova realidade absolutamente diferente que se abre à evolução 
social. De certa forma, é uma idealização do processo de secularização 
em que elimina os conflitos da racionalidade, neutraliza o problema da 
reprodução social e dá à política uma visão improdutiva, neutralizante 
e de hipertrofia.
Como observa Pissarra (1992):
O paradigma de Luhmann nos propõe ajuda na compreensão de 
diferentes aspectos da realidade social e política contemporânea 
(que outros paradigmas ignoram), mas dele não devemos esperar 
mais do que pode nos dar. Do seu programa não constam as respostas 
aos problemas da dinâmica social, das tendências inovadoras e da 
mudança estrutural (p. 28). 
Será que poderíamos afirmar, a partir de Luhmann, que o ser 
humano é um sistema autopoiético que necessita se alimentar de um 
meio ambiente que contenha liberdade, igualdade que o capitalismo 
não tem? Poderíamos interpretar que a lógica capitalista “irrita” as vidas 
humanas e que as respostas que vão dar é a eliminação daquele, como 
182
E n i o W a l d i r d a S i l v a
forma da “aclopamento”? Ou que o sistema capitalista é capaz, por sua 
seletividade, de incorporar em sua estrutura as necessidades humanas 
e manter um equilíbrio eficaz? 
Apesar destas preocupações mais teleológicas, cremos que uma 
teoria é sempre viva, como a terra; podemos tirar dela aquilo que formos 
capazes. Por exemplo, a grande contribuição desta teoria para entender 
o Direito. Mediante a função desenvolvida em cada subsistema, pode-se 
diferenciá-lo dos demais, uma vez que a sociedade moderna pode ser 
descrita como um grande sistema social estruturado sobre a base de uma 
diferenciação social. Essa delimitação dos subsistemas sociais permite 
a verificação dos seus elementos específicos, possibilitando o estudo do 
Direito, sem interferências de elementos estranhos as suas relações.
O sistema sociojurídico, segundo a teoria de Luhmann, é consti-
tuído por comunicação, pois é esta que torna a operação apropriada para 
produzir e reproduzir o sistema jurídico. Para a teoria sistêmica, o que 
deve ser privilegiado em uma sociedade são as comunicações entre os 
sistemas e seus elementos. O que gera o sistema social são as comunica-
ções. A comunicação humana é a aprimoração das expectativas em um 
ambiente social. 
Nesse sentido, o Direito é apresentado como o padrão de ob-
servância das expectativas de um meio social, mas o indivíduo não fica 
atrelado aos ditames das expectativas sociais quando busca suprir as suas 
necessidades. Luhmann entende que o meio social propicia uma gama de 
possibilidades de escolha para o indivíduo. Nesse sentido, ocorre o risco 
de que a escolha realizada pelo indivíduo não seja a mais adequada. 
A forma adotada pelo sistema social para reduzir essa infindável 
quantidade de possibilidades é o emprego de sínteses comportamen-
tais, ou seja, essas sínteses almejam reduzir a complexidade do meio 
permitindo ao indivíduo seguir uma generalização de expectativas que 
simplifica o convíviosocial e dá sentido ao sistema social.
183
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
A teoria sistêmica de Luhmann apresenta-se como um postulado 
científico inovador e mais adequado ao ambiente social, tomado por 
incertezas e eivado de caos. Segundo Luhmann, um sistema é chama-
do de complexo quando a quantidade de partes e subsistemas que o 
compõem ultrapassa um determinado limiar a partir do qual não é mais 
possível pôr todos os elementos em relação uns com os outros. Sempre 
que o número de elementos a se conectar ultrapassa este limiar surgem 
necessidades de seleção e se produz uma seletividade de tudo o que é 
realizado. É realizada uma seleção da totalidade de possibilidades de 
relacionamentos atuais de cada vez.
Sistemas são selecionados como pontos de vista e temas orde-
nados, a partir dos quais se pode acessar uma relação entre sistema e 
ambiente. Sistemas sociais se formam autoestimulavelmente para reduzir 
a complexidade do mundo; o mundo que representa a unidade entre 
sistema e meio e que contém todos os sistemas e todos os meios. A tarefa 
principal dos sistemas sociais é a de reduzir a complexidade do mundo 
de tal maneira que ela possa ser entendida pelas pessoas ou sistemas 
psíquicos – na linguagem da teoria dos sistemas. 
Complexidade é assim definida: um conjunto de elementos que 
devido a restrições imanentes à capacidade de enlace, torna impossível 
combinar cada elemento ao mesmo tempo com cada elemento. Ou, 
em outras palavras, complexidade é o conjunto dos possíveis estados 
e acontecimentos de um sistema. Assim, a complexidade do mundo é 
sempre maior do que a complexidade de um sistema, que, por outro 
lado, precisa de um grau de complexidade que lhe permita a redução 
da complexidade no seu meio. 
A complexidade é apresentada por meio das inúmeras interpre-
tações ou representações do mundo e sua “redução” ocorreria quando 
uma das possíveis alternativas se concretizasse. Para os sistemas sociais 
a redução da complexidade do mundo traduz-se no problema de como 
enfrentar a dupla contingência.
184
E n i o W a l d i r d a S i l v a
O Direito pode e deve ser compreendido como um sistema 
autopoiético, autorreferencial, e tem em si mesmo a capacidade de 
determinar a sua própria evolução a partir da interação dos elementos 
que o formam, que são produzidos e maturados por essa interação cir-
cular e recursiva que lhe dá existência. Para que isso possa acontecer é 
necessário que o Direito, enquanto sistema, venha a ser compreendido 
como um sistema fechado, pois somente assim será possível ao próprio 
Direito definir-se, escolhendo a sua programação, seleção e evolução 
(Sousa Santos, 2005).
Autopoiesis ou auto-organização é uma qualidade interna do sis-
tema, intocável de fora. O termo denomina a unidade que um elemento, 
um processo, um sistema é para si próprio, isto é, independentemente 
da interpretação ou observação de outros. Autopoiesis significa que um 
sistema complexo reproduz os seus elementos e suas estruturas dentro 
de um processo operacionalmente fechado, com a ajuda dos seus pró-
prios elementos. 
Mediante a auto-organização o sistema constitui seus próprios ele-
mentos como unidades funcionais. A relação entre os elementos refere-se 
a sua autoconstituição, a qual é reproduzida, assim, permanentemente. 
Autopoiesis inclui autorreferência – a capacidade de se relacionar consigo 
próprio, de se refletir. Ela permite uma enorme amplificação dos limites 
de capacidade de adaptação estrutural e da abrangência da comunicação 
interna.
Uma consequência importante que resulta forçosamente de uma 
constituição auto-organizada de um sistema é a impossibilidade de 
controle unilateral. Nenhuma parte do sistema pode controlar outros, 
sem estar sujeito ao controle das outras partes. Uma estrutura de poder 
assimétrica, autoritária, requer, portanto, procedimentos especiais que 
reprimam a autoconstituição do sistema. 
185
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
O problema desencadeante de gênese e manutenção da ordem 
social é designado em Luhmann com dois conceitos estreitamente 
relacionados: complexidade e dupla contingência.Por complexidade 
entende-se o conjunto de todos os eventos possíveis. Designa-se assim, 
portanto, o campo ilimitado dos “mundos possíveis”. “Contingente” 
é aquilo que não é nem necessário nem impossível, senão meramente 
possível. No momento em que dois indivíduos entram em contato nesse 
marco, cada um receberá essas contingências, tanto referida a si mesmo 
como ao outro (Arnaud; Lopes Jr., 2004, p. 301).
O caráter fundador do social que possui esse valor comunicativo 
de atuação reside em seu valor de conexão para a atuação da outra parte, 
e assim sucessivamente. É por meio dele que pode ser gerado o com-
ponente central de toda estrutura social: expectativas compartilhadas 
(Correa, 2003).
Como afirma Luhmann, portanto, a comunicação “é induzida pela 
experiência da dupla contingência” e “conduz à formação de estruturas 
que se conservam sob tais condições”. A operabilidade dos sistemas so-
ciais, seu enlace com uma realidade externa aos mesmos, nasce, assim, 
da “fatalidade do acaso”, da “transformação de dados originados no acaso 
em probabilidades estruturais” (Neves; Samios, 1997, p. 88).
O sistema social aparece desde o momento em que um evento 
articula os indivíduos por meio de seu sentido partilhado, e tem com ele 
o caráter de comunicação. Luhmann observa que, enquanto sistema, a 
sociedade é composta por comunicações, tão somente de comunicações 
e de todas as comunicações. Com efeito, apenas mediante comunicação 
pode se estabelecer comunicação; não é possível comunicar sem parti-
cipar no sistema comunicativo. Isto implica que a sociedade, enquanto 
composta de comunicações, se articula como sistema fechado (Arnaud; 
Lopes Jr., 2004, p. 304).
186
E n i o W a l d i r d a S i l v a
É o sistema social global, ou sociedade, o primeiro passo nesse 
processo de redução da complexidade, que torna possível a inter-relação 
social. Parte-se do fato de que “surgem sistemas sociais na medida em 
que pessoas entram em inter-relação”. A sociedade não pode crescer 
enquanto a complexidade que ainda admite dentro de si não for reduzida, 
enquanto não for canalizada novamente. Quando o processo funciona 
sem qualquer crivo específico, toda complexidade se converte em in-
formação e deixa, por isso mesmo, de servir como informação: não pode 
ser processada (Schäfer, 2005).
A solução dos problemas sociais consiste na geração, a partir do 
sistema social global, ou sociedade, de novos sistemas sociais, que são 
subsistemas seus, sem deixar de ser sistemas autênticos e autônomos. 
Mais precisamente, o fator fundamental na constituição de um (sub) 
sistema social reside na sua função, e esta não é outra que a de demarcar 
um âmbito determinado da complexidade operante na sociedade, com 
vistas a sua redução. Segundo Luhmann (1998b), a demarcação de um 
sistema ante seu meio significa “que surgem limites, dentro dos quais 
os processos seletivos transcorrem de modo diverso de como ocorrem 
no meio do sistema”.
Em suma, os sistemas se compõem de comunicações; todavia se 
delimita o pertencimento destas aos sistemas mediante o sentido. As 
relações entre os elementos do sistema aparecem estruturadas, e so-
mente essa ordem estrutural interna permitirá a subsistência do sistema. 
A estrutura não é o fator originário do sistema, senão a consequência 
necessária do caráter limitado de seus elementos e dos enlaces possíveis 
entre eles. 
É condição de sua operabilidade, não origem de sua constituição. 
As estruturas de cada sistema, portanto, têm a ver com o modelo de tornar 
possível que uma comunicação se siga de outras com respeito a uma certa 
ordem ou a um esquema simples. Sua função estabilizadora implica que 
as expectativas estruturadas dos sistemas sociais não possam ser de caráter 
meramente pontual ouindividual (Arnaud; Lopes Jr, 2004).
187
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
Podemos sintetizar assim as ideias de Luhmann sobre o Direito 
e a autopoiese:
1 – O Direito é um sistema (ou subsistema) que se auto-organiza, se 
autoproduz e que tem sua autorreferência. Embora saibamos de sua 
existência material, é impossível conhecê-lo em seus limites, uma 
vez que se trata de um contexto, um ambiente amplo e impossível 
de ser compreendido objetiva e totalmente.
2 – Por outro lado, somente poderemos conhecer uma coisa quando pu-
dermos diferenciá-la de outra. Se um sistema é autopoiético, precisa ter 
fronteiras e, se tem fronteiras, é fechado e não aberto. É impossível, 
no entanto, um sistema ser totalmente fechado e, ao mesmo tempo, 
é impossível que seja aberto se lhe é impossível ser fechado: “ser 
aberto fundamenta-se em ser fechado” (Luhmann, 1998a, p. 63).
3 – O Direito seria um subsistema que se movimenta constantemente 
para existir em um ambiente muito diverso e, para existir, como tal, 
precisa fechar-se (“fechamento operacional”) e se diferencia de outras 
instâncias sociais. Ao mesmo tempo, para existir, o Direito necessita 
do ambiente e busca, nele, elementos necessários à existência (aco-
plamento estrutural). 
4 – As instituições jurídicas, que se acham guardadoras do Direito, produ-
zem-se e se reproduzem pela rede de operações que existe em si (e 
por elas criadas) e não operando no ambiente (setores sociais), assim 
como não é o ambiente que reproduz o sistema. Quando o Direto não 
sabe seus limites, corre o risco de operar fora de si, contra si.
5 – Não é porque a sociedade vai se tornando mais complexa que o Di-
reito deve subsumir-se nela. Ele precisa resistir e necessariamente 
evoluir junto com o sistema social. Nesse sentido, há, entre o sistema 
e seu entorno, uma dependência e uma independência à medida 
que existe, sempre, uma provocação do entorno que faz o sistema 
responder e, por outro lado, não são todas as perturbações que devem 
ser respondidas. 
188
E n i o W a l d i r d a S i l v a
6 – Da mesma forma, não podemos definir o Direito pelos atores parti-
culares que nele atuam diretamente, pois é impossível teorizar sobre 
a subjetividade como conteúdo do social. Cada sujeito é, em si, con-
tingente, como condição de possibilidade entre outras possibilidades 
do mundo real. Suas ações são artifícios atributivos produzidos pela 
sociedade. Não podemos, portanto, entender o Direito somente 
pelo discurso que seus atores fazem dele. A variedade dos discursos 
expressa a estrutura do sistema a que estão submetidos e cumprindo 
suas funções. Visualizar os mecanismos estruturados pode nos dar 
um melhor entendimento do sistema. 
7 – O Direito instituído, ao mesmo tempo em que não pode responder a 
todas as demandas (porque seria sua morte como sistema, fim de sua 
identidade), também não deve isolar-se delas (o que também levaria à 
exaustão e morte do sistema). Para evitar esta crise, o Direito deveria 
criar muitas formas de se comunicar com o mundo que o alimenta, 
mas estas comunicações só poderiam ser consideradas dentro da dinâ-
mica operativa do Direito enquanto tal, ou seja, só pode determinar 
o que é comunicação o próprio Direito e não as irritações que vêm do 
meio ambiente e que atingem alguns indivíduos internos.
8 – O Direito, estando alerta e presente no entremeio das operações 
constantes do entorno que o provoca, instiga e estimula, conseguirá 
perceber que essas “irritações” não são obstáculos, mas próprio da 
sua natureza que obriga o sistema a responder, só o fazendo quando 
sua tolerância esgota-se. Isso pode se tornar uma efetiva ameaça 
quando a resposta provocar uma mudança sistêmica, determinada 
pela própria estrutura do sistema, como um autocontato operativo 
e cognitivo.
9 – Esta relação entre Direito e ambiente é feita pela comunicação, a 
qual é um fato emergente que se realiza pela seleção de informações, 
expressão e compreensão (ou incompreensão). A comunicação está 
no entorno do sistema que o obriga a dar resposta e não é apenas 
um municiador, “mas também contém” a importante capacidade de 
189
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
definir os limites do próprio sistema. A razão sistêmica não é hege-
mônica e sim defensiva. Acolhe e neutraliza as ameaças que provêm 
do meio, mas nunca o domina. Por isso, o sistema é contingente e 
opera como rede pluridimensional.
Campilongo (2000) tenta aplicar a teoria sistêmica para interpretar 
o Brasil recente. Ele faz uma análise do período pós-Constituição de 1988, 
para mostrar que tanto a promulgação quanto a regulamentação do texto 
constitucional foram marcadas por dificuldades de ordem social, política, 
cultural, institucional e representacional resultantes de uma trajetória 
histórica sem democracia efetiva. As constantes mostras de falta de 
representatividade do sistema político se refletem na incapacidade dos 
partidos de agregar interesses e galvanizar os anseios da população numa 
sociedade complexa e heterogênea. De outra parte, comprometendo se-
riamente o equilíbrio político, encontramos a distorcida proporcionalida-
de no Parlamento, no qual há super-representação de Estados-membros 
com menor desenvolvimento econômico e de menor população.
No sistema econômico, a crise envolve problemas de eficiência, 
dada a incapacidade do setor público de instituir políticas públicas que 
efetivamente atinjam a maioria da população, combinada com as dificul-
dades advindas de fatores como dívida externa, desemprego e estagnação 
que inibe a produção e o consumo.
Paralelamente, o sistema social enfrenta um processo de desinte-
gração acentuado, com visível crise de identidade das populações que 
migraram do campo para a cidade. A industrialização, abarcando as popu-
lações rurais, provoca o rompimento de vínculos culturais e enfraquece 
os mecanismos informais de controle social. Somemos a isto o crescente 
empobrecimento da sociedade, a proletarização da classe média e os 
alarmantes indicadores da criminalidade e da violência.
Chega-se, pois, a uma inequívoca crise de hegemonia, que se carac-
teriza pela ausência de projetos capazes de gerar o mínimo de consenso 
e suporte, seja entre as elites, seja entre a população. Tudo isto leva 
190
E n i o W a l d i r d a S i l v a
ao rompimento da noção de sociedade unificada e do próprio Estado 
unificado, com a existência de governos que não encontram suporte na 
sociedade.
Embora a história brasileira esteja sempre marcada por crises 
diversas, o que parece caracterizar o momento atual é que as crises ocor-
rem de modo concomitante. Se em outros tempos a crise de um sistema 
era calibrada pela energia e vitalidade de outros, hoje o que se verifica 
é uma grande e disseminada crise da matriz jurídico-organizacional do 
Estado.
Diante desse quadro, podemos delinear um problema político-
constitucional, isto é, um conjunto de instituições sem capacidade de 
regulação nem de repressão. E a ordem jurídica encontra-se num impasse, 
situação que Campilongo denomina de “xadrez empatado”. O “xadrez 
empatado” é uma expressão utilizada para definir o impasse institucional 
da sociedade e da política brasileiras. Assim, deparamo-nos com bloqueios 
decisórios constantes na esfera política, que emperram a concretização 
de projetos sociais mais amplos.
A Constituição tem eficácia6 contida, visto que parcialmente 
regulamentada; os direitos sociais são suspensos por falta de recursos 
para sua efetivação, e o próprio Estado não respeita a legalidade por ele 
instituída.
A ordem constitucional, igualitária em termos formais, não conse-
gue reverter a iniquidade social e não cria condições para a inclusão de 
amplos setores populacionais. Os quadros da cidadania regulada são insig-
nificantes se considerado o conjunto da população brasileira. A existência 
6 A não regulamentação constitucional é outro aspecto importante. A Constituição de 1988 
já completa12 anos, e muitos de seus dispositivos ainda não foram regulamentados, além 
de o texto constitucional sofrer constantes emendas e revisões. O texto foi escrito no 
primeiro triênio da década de 90, quando esta realidade era bem visível. Campilongo, 
Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000.
191
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
deste grande apartheid social gera enormes dificuldades para o processo 
democrático, pois não se consegue compatibilizar as estruturas políticas 
existentes com a concreta instituição das decisões econômicas.
A “democracia delegativa” define a ideia de que a democracia 
representativa brasileira está deformada em suas bases jurídicas. O 
quadro político brasileiro denota uma mudança da democracia represen-
tativa – com indivíduos iguais, independentes e capazes de se fazerem 
representar – para a democracia delegativa – constituída por indivíduos 
desiguais, dependentes e incapazes de se fazerem representar. No caso, 
o comportamento da população é que se caracteriza por ser delegativo, 
ou seja, quem vence a eleição governa como quiser. O eleitor dá um 
“cheque em branco” ao governante e ao legislador. Temos, pois, uma 
“cidadania de baixa intensidade”, em que, embora exista relativo respei-
to aos direitos políticos, não há respeito aos direitos da maioria. Nossas 
instituições representativas atuais se caracterizam pela irresponsabilidade 
política, pois fogem de todas as formas de controle e prestação de contas, 
criando um abismo entre elas e a população. Sustentam a troca de favo-
res, corrompendo a relação entre os poderes. O sistema político é capaz 
de produzir uma legalidade abrangente, normatizada, porém é incapaz 
de fazer o Estado presente na sua instituição, e tampouco a sociedade 
desorganizada consegue exigir a submissão do governo à legalidade. A 
“democracia delegativa”, que surge como perversa versão da democracia 
representativa, tem efeitos positivos e negativos na vida institucional do 
país, que podem ser assim sintetizados:
a) Rompimento do monismo jurídico e esvaziamento do monopólio estatal 
do Direito. Pluralismo jurídico (convivência de vários ordenamentos 
no mesmo espaço geopolítico, articulados e interpenetrados). Há 
quem veja como resistência, mas há quem veja o perigo de direitos 
extraestatais no crime organizado, máfias, etc. A “democracia delega-
tiva”, que surge como perversa versão da democracia representativa, 
tem efeitos positivos e negativos na vida institucional do país, que 
podem ser assim sintetizados:
192
E n i o W a l d i r d a S i l v a
b) Deslegalização e desregulamentação. Menos lei e mais mercado, alerta 
o pensamento neoliberal. Há quem entenda seja uma transferência 
à sociedade do poder de regular. A crítica, porém, é de que subtrai a 
dimensão de igualdade perante a lei. 
c) Delegação do Estado para a sociedade civil da capacidade decisória. 
A democracia delegativa concede um “cheque em branco” para o 
chefe do Executivo ou para o legislador. Também, no entanto, dada 
sua incapacidade, transfere a responsabilidade da decisão aos grupos 
envolvidos (convenções coletivas, conselhos municipais, assembleias 
entre pais e donos de escolas, etc.). O Estado abre mão da lei geral, 
abstrata e aplicável a todos os casos.
d) Estado paralelo. Envolve a prática social de ações e omissões do Estado 
no cotidiano da regulação social. Exemplos: não aplicação da lei, sua 
aplicação seletiva, etc. O Estado paralelo se desenvolve na esfera 
extralegal ou de legalidade atenuada.
e) Desterritorialização das práticas jurídicas. O Direito estatal é Direito 
territorial, no entanto a globalização (economia, meio ambiente, saú-
de, questão nuclear, etc.) exige uma desterritorialização das práticas 
jurídicas e modificação das competências judiciais.
f) Reconhecimento de novas arenas jurídicas e de novos sujeitos de direito. 
A “legalidade truncada” diz respeito à inaplicação, pelo Judiciário, dos 
direitos liberais em sua plenitude. Surgem então as formas alternativas 
(barganha e arbitramento). 
g) Nova concepção de cidadania. Superando a dicotomia entre cidadania 
individualista/liberal e a cidadania classista/social, busca-se novas 
formas de emancipação (em vez da regulação). Surgem debates sobre 
as novas formas de exclusão social, a postulação de direitos universais 
(Campilongo, 2000).
Campilongo chama de judicialização da política o processo de 
interferência do Judiciário nas questões da política. A democracia li-
beral sempre acreditou que o sistema político representativo é o foro 
193
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
da deliberação do futuro. Basicamente, o sistema político fomenta a 
economia, o Direito, a educação, a saúde, etc., traçando os destinos das 
populações. A crença é na previsibilidade e racionalidade das decisões 
(planificação). Hoje, no entanto, boa parte disso fracassou. Não é mais 
possível estabelecer relações de causalidade. A decisão “A” nem sempre 
terá a consequência “B” desejada e prevista. Esta ambição deságua em 
frustrações públicas e propiciam o surgimento de explicações fáceis para 
o fracasso (políticos corruptos, eleitores ignorantes, etc.). Além disso, 
surge também a falácia contemporânea mais difundida: sai a política e a 
economia assume o posto. Os sistemas sociais particulares são funcional-
mente isolados e autoestimulados. Quando há sobreposição de funções, 
o poder passa a ter donos e falsifica a democracia. 
Figurativamente, citado por Campolongo, Luhmann exemplifi-
cou: os sistemas jurídicos e político são duas bolas de bilhar, que não se 
confundem, mas o jogo só tem sentido quando as duas bolas se tocam. A 
constituição e as instituições representativas operam exatamente neste 
ponto de contato. Existe a separação funcional dos sistemas e, também, 
um conjunto de prestações recíprocas entre a política e o Direito.
A função típica do sistema político são as tomadas de decisão que 
vinculam a coletividade. Seu código expressa-se pelas relações dialéticas 
poder/não-poder, inferior/superior, etc. Fornece ao sistema jurídico as 
premissas decisórias (leis) e o reforço da eficácia das decisões jurídicas 
(polícia, prisões, etc). Já o sistema jurídico tem como função precípua 
garantir as expectativas normativas. Expressa-se pelos códigos legal/
ilegal, lícito/ilícito, direito/não direito, etc. Fornece ao sistema político a 
legitimação das decisões políticas (aplicação das leis) e premissas para o 
uso da violência (regulação do monopólio estatal da força). Neste quadro, 
o Judiciário está cada vez mais assumindo papel de revalidador, legiti-
mador e instância recursal de decisões políticas. Pergunta-se: O sistema 
jurídico está apto para substituir funcionalmente o sistema político? E 
os julgamentos quase folclóricos (simplistas) do período ditatorial? O 
processo de ampliação dos poderes do juiz e a instituição de súmulas 
194
E n i o W a l d i r d a S i l v a
vinculantes transferem para o sistema jurídico critérios operativos da 
política, reforçam impedimentos recíprocos aos dois sistemas, ferem o 
caráter autopoiético dos dois sistemas, provocam interpenetração incom-
patível com a democracia e a complexidade. 
Direitos Culturais
Alain Touraine é um sociólogo francês que propõe um tempo 
pós-social para interpretar o que ele chama de novas ações coletivas e 
de relações sociais, relações de classe, conflitos e situações vivenciais do 
indivíduo no contexto das complexidades culturais.
Touraine,7 discorre sobre a identidade conflitante do sujeito con-
temporâneo. Para compor seu argumento ele faz uma análise de várias 
manifestações ligadas ao indivíduo, desde a desagregação das ideologias, 
passando pela falta de referências familiares até chegar às armadilhas 
da sociedade de consumo. O sujeito estaria tão ameaçado hoje – pela 
sociedade de consumo ou pela busca incessante de prazer, outra forma 
de prisão –, quanto no passado foi prisioneiro de sua submissão “àlei de 
Deus ou da sociedade” (p. 70).
O sujeito, segundo Touraine, viveria constantemente acossado, 
de um lado, pela sedução que a identidade “tribal” (étnica, ligada a seu 
grupo de origem) exerce sobre ele; de outro, pela sedução que a sociedade 
de massas (impessoal, voltada ao consumo) exerce sobre a totalidade dos 
povos na configuração atual do capitalismo globalizado.
Touraine cita diversos exemplos para compor esse quadro de con-
flito de identidade e também para construir sua proposta de superação 
desse conflito. Podemos registrar, a título ilustrativo, a polêmica em torno 
do uso do véu nas escolas da rede pública da França, país do autor.
7 Touraine, Alain. O sujeito. In: Poderemos viver juntos? Iguais e diferentes. Petrópolis: 
Vozes, 1998a. p. 69-111.
195
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
Uma lei recente proibiu o uso do véu pelas estudantes de origem 
muçulmana nas escolas francesas. O episódio gerou uma série de debates 
sobre a legitimidade dos espaços públicos para as manifestações reli-
giosas. Um debate que representa bem o cerne da discussão levantada 
pelo autor em seu texto, na medida em que nele vemos parte desse 
conflito abordado pelo autor: A identidade de um grupo – no caso, das 
estudantes que gostariam de expressar sua crença mediante o uso do 
véu muçulmano – pode conviver com a identidade de outro grupo mais 
amplo num espaço comum? Qual a medida para alcançar a harmonia entre 
identidade étnica e pluralidade democrática? Questões complicadíssimas, 
que ainda estão longe de ser resolvidas e que são a riqueza e a miséria 
da sociedade contemporânea.
No exemplo em questão, a medida adotada pelo governo francês 
foi a proibição de qualquer manifestação religiosa no espaço laico (não 
religioso) da escola – incluindo aí o solidéu (espécie de pequeno chapéu) 
dos estudantes judeus. Medida antipática para muitos observadores ex-
ternos, mas justificada recentemente pelo próprio ministro da Educação 
à época em entrevista à Revista Veja (22/10/2008, páginas amarelas), Luc 
Ferry: “O mínimo que poderíamos fazer era deixar nossas crianças fora 
desse clima de guerra. Não foi uma medida anti-religiosa, muito menos 
racista, mas de promoção da paz”. O ex-ministro ressalta nesse trecho o 
clima de tensão permanente entre a comunidade judaica e a muçulmana, 
clima esse que não poderia ser estimulado pela guerra surda de símbolos 
religiosos nas escolas francesas.
Ao discorrer sobre esse e outros conflitos o autor busca construir 
uma proposta alternativa para o sujeito estar no mundo. Uma proposta 
que supere, de um lado, o mercado e, de outro, a comunidade, pois em 
seu entender ambos são armadilhas para a plena realização do sujeito. 
No caso do véu das estudantes, diga-se de passagem, várias das que o 
utilizavam reivindicavam o direito de viver plenamente sua cultura de 
origem, mas a maior parte delas estava sujeita à influência das comuni-
196
E n i o W a l d i r d a S i l v a
dades de imigrantes mais pobres – mais apegados portanto aos valores 
da comunidade, que tendem a se chocar com os valores mais amplos das 
sociedades multiculturais.
A Sociologia de Touraine pretende escapar dos determinismos 
econômicos e dos funcionalismos e mostrar o fim ou a crise dos elementos 
que asseguravam metas sociais ou de enigmas que eram compreendidos 
como donos do poder de coesão e das mudanças sociais, como Deus, 
Providência, Ordem Social, Família... Vive-se em bases de um Eu 
fragmentado, perdido nas relações consumistas e cheio de intenções de 
felicidade, mas orientado por culturas e relações sociais pragmáticas e 
instrumentais.8
As concepções religiosas, filosóficas e políticas, por muito tempo, 
ligaram a ideia de sujeito a um princípio superior de inteligibilidade e 
de ordem. Muitos pensadores, reportando-se a essas concepções, pro-
clamaram a morte do sujeito. Com o desaparecimento das filosofias do 
sujeito, surge a ideia do sujeito pessoal, que só se tornou possível com o 
desmoronamento das concepções de uma ordem do mundo.
A ruína dos sistemas de ordenamento permite ao sujeito encontrar 
dentro de si mesmo a sua legitimidade, o que o impede de se colocar 
a serviço de uma lei, quer divina, de natureza ou política que estaria 
acima dele.
O sujeito deve afirmar a sua liberdade e reconhecer que ele não é 
um princípio de ordem religiosa, política ou social, mas apenas afirmação 
de sua própria liberdade contra as ameaças das ordens sociais, que se 
tornaram sempre mais manipuladoras e repressivas.
8 Silva, Enio Waldir da. Teoria Sociológica III, Ijuí, RS: Ed. Unijuí, 2009b. p. 69-80.
197
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
A historicidade estaria marcada por organizações sociais, sistemas 
políticos e institucionais que enfrentam o ambiente social e organizam 
instrumentos de coerção e legitimação, ao mesmo tempo em que contam 
ações históricas de modelos culturais novos (pós-industriais), mobili-
zações (organizações do trabalho), hierarquias (dinheiro concentrado 
nas trocas comerciais) e necessidades de consumo (desejo amplo das 
massas). 
Para Touraine (2006), o modelo de modernização ocidental con-
sistiu em polarizar a sociedade, acumulando recursos de toda ordem 
nas mãos de uma elite e definindo negativamente as categorias opostas, 
representadas como inferiores. A eficácia deste modelo foi tão grande 
que conquistou grande parte do mundo. Por natureza, porém, esteve 
constantemente carregado de tensões e de conflitos que opunham os 
dois polos.
A pergunta central que aparece em meio a estas constatações de 
Touraine é: Como as pessoas que possuem interesses comuns, como os 
consumidores, operários, as mulheres, poderão se tornar um grupo or-
ganizado com mecanismos de decisões coletivas que defendam e façam 
prevalecer seus interesses? Ou seja, como as pessoas podem passar de 
uma situação de indivíduos com desejos a se sentir sujeitos a ponto de 
reconhecer o outro como sujeito, se sujeitar a um diálogo de integração 
dos interesses e com esses interesses ir à luta nos movimentos sociais e, 
assim, tornar-se ator social?
Sem o reconhecimento do outro, a passagem do sujeito ao ator 
social seria impossível. Essa compreensão do outro instaura uma relação 
que não é da mesma ordem das relações profissionais ou econômicas, 
e nem de pertença a uma comunidade cultural. Isso prescinde de um 
sujeito forte que está submetido a esta sociedade atomizada, com seus 
vínculos sociais dissolvidos, vítimas de urbanizações desenfreadas, in-
dustrializações monopolizadas e Estados totalitários e autoritários. 
198
E n i o W a l d i r d a S i l v a
©Anthropos Consulting 14
EU E OS OUTROS
• INDIVIDUAÇÃO:
MEDOS
ESPERANÇAS
• SUBJETIVAÇÃO:
MINHA IMAGEM
MINHA AÇÃO
EU
O
U
T
R
O
S
OUTROS
EU
Segundo Touraine, vivemos um tempo de desconfiança. A mo-
dernidade ruiu e nada se formou em seu lugar. O social se fragmentou. 
Não há mais unidade. O que assegura nossa individualidade, nossa 
personalidade se não a sociedade organizada, a educação, o Estado, a 
família, a razão e a religião? O mercado e a razão consumista os substi-
tuiu? O sujeito não se forma a não ser quando rejeita ao mesmo tempo a 
instrumentalidade e a identidade, pois a identidade não é mais do que 
uma deformação, dobrada sobre si mesma, de uma experiência vivida 
que se decompõe. 
O sujeito pessoal não pode formar-se a não ser afastando-se das 
comunidades demasiadamente concretas e fechadas que impõem uma 
identidade formada em deveres mais do que em direitos, insistindo 
mais na inserção do que na liberdade. A dificuldade principal reside 
na definição das forças que impelem a reconstrução e que se opõem à 
coexistência do puro consumismo e do espírito comunitário... (Touraine, 
1998a, p. 68-80).
O sujeito não é uma “alma” presente no corpo ou no espírito dos 
indivíduos. Ele é a procura, ele mesmo, por ele mesmo, das condições 
que lhe permitamser o ator de sua própria história. E o que motiva 
essa procura é o sofrimento da divisão e da perda de identidade e de 
199
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
individuação. Não se trata, para o indivíduo, de se engajar no serviço de 
grandes causas, mas antes de tudo reivindicar o seu direito à existência 
individual. É a partir do sofrimento do indivíduo, que se acha dividido, 
que o desejo de ser sujeito pode transformar-se em capacidade de ser 
ator social.
Não é o indivíduo que recostura e une novamente as duas meta-
des separadas da sua experiência, mas é no indivíduo, a partir dele, que 
se manifesta o sujeito que não pode mais, como no passado, iluminar a 
partir do alto, com alguma luz sobrenatural, o campo social.
Há também, entretanto, grupos que procuram combinar a defesa 
de sua identidade cultural com a participação no sistema econômico e 
político, tornando-se capazes de uma ação coletiva e até de um movimen-
to social. Essa postura supõe a abertura da comunidade e a reconstrução, 
além do mercado, de um sistema alternativo de produção e comercia-
lização. Somente por meio de ações coletivas é possível a reconstrução 
do sujeito. Aqui reside o ponto central da reflexão: a ideia de sujeito se 
une à de movimento social...
Duas afirmações decorrem desta ideia: uma, que o sujeito é von-
tade, resistência e luta, e não experiência imediata de si mesmo; outra, 
que não há movimento social possível fora da vontade de libertação do 
sujeito. 
O sujeito não é uma reflexão do indivíduo sobre si mesmo, a 
imagem ideal de si mesmo que ele esboça na intimidade. O sujeito está 
presente onde se manifesta uma ação coletiva de construção de um 
espaço, que é, ao mesmo tempo, um espaço social, político e moral, de 
produção da experiência individual e coletiva. O sujeito, assim entendido, 
é ator, capaz de modificar o seu meio. O ator social é portador do sujeito 
tanto nas suas relações interpessoais, nas relações sociais, nas instituições 
políticas e nas formas de ação coletiva. O ator social deve ser descoberto 
a partir da experiência e das vivências do sujeito. A identidade do sujeito 
só pode ser construída por três forças que se complementam:
200
E n i o W a l d i r d a S i l v a
– o desejo pessoal de salvaguardar a unidade da personalidade dividida 
entre o mundo instrumentalizado e o mundo comunitário.
– a luta coletiva e pessoal contra os poderes que transformam a cultura 
em comunidade e o trabalho em mercadoria.
– o reconhecimento interpessoal e também institucional do outro como 
sujeito (Touraine, 1998a).
Na sociedade de consumo há uma armadilha que reduz o outro 
a puro objeto de prazer e não há mecanismos que impeçam o forte de 
impor a sua vantagem ao mais fraco, o homem à mulher, o europeu ao 
colonizado. O consumidor mais rico monopoliza o sentido que impõe 
sobre as relações sociais.
Há uma grande tentação de deixar que se elimine o sujeito e o 
seu apelo ao universalismo, deixar campo livre às diferenças culturais e 
à impessoalidade dos desejos e da violência, enquanto vemos as redes 
financeiras e cibernéticas afastarem-se da experiência humana.
A democracia ainda é, atualmente, a forma normal de organização 
política que possibilita o movimento de atores. A ação democrática cujo 
objetivo principal é libertar os indivíduos e grupos das imposições que 
pesam sobre eles, situa-se entre a democracia procedural que carece de 
paixão e a democracia participativa que carece de cultura democrática. 
A democracia só é rigorosa na medida em que é alimentada por 
um desejo de libertação que, de forma permanente, apresenta novas 
fronteiras, ao mesmo tempo longínquas e próximas, porque se volta 
contra as formas de autoridade e repressão que atingem a experiência 
mais pessoal. Assim definindo, o espírito democrático pode responder a 
duas exigências que, a primeira vista, parecia ser contraditória: limitar o 
poder e responder às demandas da maioria (Touraine, 1998a, p. 23).
201
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
Inúmeros sinais, porém, levam-nos a pensar que os regimes cha-
mados democráticos enfraquecem, assim como os regimes autoritários, 
que estão submetidos às exigências do mercado mundial protegido e 
regulado pela potência dos EUA e por acordos entre os três principais 
centros do poder econômico.
A democracia, assim enfraquecida, pode ser destruída a partir de 
cima – por um poder autoritário – ou a partir de baixo – pelo caos, 
violência e guerra civil – ou a partir de si mesma – pelo controle 
exercido sobre o poder pelas oligarquias ou partidos que acumulam 
recursos econômicos ou políticos para impor suas escolhas a cidadãos 
reduzidos ao papel de eleitores (p. 8).
Quando os atores políticos não estão submetidos às demandas dos 
atores sociais, estes perdem sua representatividade, gerando assim um 
outro sentido que não é o da democracia e sim da partitocrazia: A parti-
tocrazia, porém, destrói a democracia ao retirar-lhe sua representatividade e 
conduz ao caos ou à dominação de fato de grupos econômicos dirigentes, enquanto 
espera a intervenção de um ditador (Touraine, 1994, p. 83).
O autor compreende que não é mais o partido político que faz 
agregação da vida organizada e defende o movimento social como lugar do 
ator social. Quando se fala em movimento social não se pode dissociá-lo 
da democracia, pois um movimento social deve ter um programa político 
porque faz apelo a princípios gerais ao mesmo tempo em que há interesses 
particulares. Só existe movimento social se a ação coletiva tem objetivos 
sociais, isto é, reconhece valores ou interesses gerais da sociedade, e, por 
conseguinte, não reduz a vida política ao confronto de campos ou classes, 
ao mesmo tempo em que organiza e desenvolve conflitos.
É somente nas sociedades democráticas que se formam movi-
mentos sociais porque a livre-escolha política obriga cada ator social a 
procurar o bem comum ao mesmo tempo em que há defesa de interesses 
particulares. A ideia de movimento social se concretiza quando anuncia 
uma razão universalista, de liberdade, de igualdade, direito do homem, 
202
E n i o W a l d i r d a S i l v a
justiça e solidariedade, pois a democracia se apoia exatamente nestes 
princípios. As ações coletivas de diferentes naturezas cujas demandas não 
encontram resposta no sistema político e que se manifestam de forma ra-
dical ou revolucionária, tendem a desembocar numa situação de violência 
e arbitrariedade, contrariando assim os princípios da democracia.
Movimento social é uma combinação de um princípio de identidade, 
de um princípio de oposição e de um princípio de totalidade. Não será 
necessário, para travar um combate, saber em nome de quem, contra 
quem e em que terreno se vai combater? [...] o que caracteriza um 
movimento social é, antes de mais nada, que o desafio aqui é a histo-
ricidade e não a decisão institucional ou a norma organizacional. Os 
atores são, portanto, classes únicas. Atores definidos por suas relações 
conflituosas com a historicidade [...] (Touraine, 1984, p. 108).
No decorrer dos dois últimos séculos as categorias inferiorizadas, 
particularmente os trabalhadores, depois os colonizados e quase ao 
mesmo tempo as mulheres, formaram movimentos sociais para se liber-
tar. Conseguiram-no em grande parte, o que teve como primeiro efeito 
atenuar as tensões inerentes ao modelo ocidental, mas também seu 
dinamismo. Um grande perigo ameaça esta parte do mundo: o de não 
estar mais em condições de conceber objetivos e de não ser mais capaz 
de enfrentar conflitos novos (Touraine, 2006).
Um novo dinamismo só poderá surgir a partir de uma ação que 
consiga recompor o que o modelo ocidental separou, superando todas as 
polarizações. Esta ação já é evidente, por exemplo, nos movimentos eco-
lógicos e nos que lutam contra a globalização, mas as mulheres é que são 
e serão as atrizes principais desta ação, uma vezque foram constituídas 
como categoria inferior pela dominação masculina em desenvolvimento, 
para além de sua própria libertação, uma ação mais geral de recomposição 
de todas as experiências individuais e coletivas.
203
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
Nos últimos livros, especialmente em Um Novo Paradigma – Para 
Compreender o Mundo de Hoje, o autor foca sua análise na contextualização 
da globalização, na emergência dos direitos culturais e no que chamou 
de sociedade das mulheres.
Partindo da globalização, ele define “não apenas como uma mun-
dialização da produção e dos intercâmbios, mas, sobretudo, como uma 
forma extrema de capitalismo, como separação completa entre a econo-
mia e as outras instituições, particularmente sociais e políticas, que não 
podem mais controlá-la”.
Esta dissolução das fronteiras de todos os tipos acarreta a fragmen-
tação daquilo que se chamava sociedade.
A consecutiva derrocada das categorias sociais da análise e de ação 
não é um acontecimento sem precedentes. Nos inícios de nossa 
modernização pensamos os fatos sociais em termos políticos – ordem, 
desordem, sabedoria, autoridade, nação, revolução – e somente após a 
revolução industrial substituímos as categorias políticas por catego-
rias econômicas e sociais (classes, lucro, concorrência, investimento, 
negociações coletivas). As mudanças atuais são tão profundas que nos 
levam a afirmar que um novo paradigma está substituindo o paradigma 
social, assim como este tomará o lugar do paradigma político.
O individualismo que triunfa sobre as ruínas da representação social 
de nossa existência revela a fragilidade de um eu constantemente 
modificado pelos estímulos que o atingem e o influenciam. Uma 
interpretação mais elaborada desta realidade insiste no papel dos 
meios de comunicação na formação deste eu individual cuja unida-
de e independência parecem então ameaçadas (Touraine, 2006, p. 
219-220).
Neste início de século o individualismo tem características parti-
culares tendo em vista que não é só da técnica de produção que depende 
nossa existência singular, individual, um ser de direitos: precisamos da 
técnica de consumo e de comunicação. Na modernidade, quando se 
lutava pelos direitos sociais, o reconhecimento passava por alguns in-
204
E n i o W a l d i r d a S i l v a
termediários: Deus, a nação, o progresso, a sociedade sem classes. Hoje, 
sem estes discursos intermediários, damos uma importância central à 
procura de nós mesmos. 
Esta vontade do indivíduo de ser o ator de sua própria existência é 
o que o autor chamou de sujeito, imerso em um paradigma cultural que 
põe em primeiro plano a reivindicação de direitos culturais. Esses direitos 
se exprimem sempre por intermédio da defesa de atributos particulares, 
mas conferem a esta defesa um sentido universal.
Sobre as ruínas da sociedade abalada e destruída pela globalização 
surge um conflito central entre, por um lado, forças não sociais reforça-
das pela globalização (movimento do mercado, catástrofes possíveis, 
guerras) e, por outro, o sujeito, privado do apoio dos valores sociais que 
foram destruídos. O sujeito pode até, em caso de necessidade, ser re-
pelido para o inconsciente pela dominação destas forças materiais.
Mas este combate não está perdido de antemão, pois o sujeito se 
esforça para criar instituições e regras de direito que sustentarão sua 
liberdade e sua criatividade. Nessas batalhas estão em jogo especial-
mente a família e a escola.
Este indivíduo, transformado por ele mesmo em sujeito, não está 
porventura condenado ao isolamento, a ficar privado de comunicação 
com “os outros”? A resposta a esta pergunta é, antes de mais nada, que 
não pode haver comunicação possível sem reconhecer as diferenças 
existentes entre os atores reais. Esta complementaridade é a referên-
cia comum de todos os que querem comunicar e comunicar-se, e as 
modernizações, que combinam sempre a modernidade com campos 
culturais e sociais diferentes uns dos outros. Nenhuma sociedade tem 
o direito de identificar sua modernização com a modernidade. Não se 
faz algo novo senão com novo e velho ao mesmo tempo.
Particularmente os países ocidentais, que avançam mais rapidamente 
que os outros no caminho da modernidade, devem reconhecer ao 
mesmo tempo que eles não detêm o monopólio da mesma e que a 
modernidade está presente também nas outras formas de moderni-
zação, com exceção das que se opõem totalmente a ela (Touraine, 
2006, p. 241).
205
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
O tempo de hoje está marcado por muitas mensagens de variadas 
culturas, diferentes religiões, muitas experiências de vidas, velhos e novos 
projetos de mudança que querem ser reconhecidos nas expressões nor-
mativas que deverão ser (re)criados. Cada um desses aspectos articulará 
sua situação para o desenvolvimento com base em conhecimento e o uso 
de tecnologias complexas.
Dentro destas estratégias é que é preciso situar a análise das rela-
ções de dominação, pois é mais vasto que a leitura da decomposição do 
modelo europeu clássico de modernização, dos efeitos desta decompo-
sição e das possibilidades de reconstruir outras figuras da modernização 
por meio da passagem à sociedade da informação e, de modo mais geral, 
àquilo que o autor chama de “sociedade pós-social”.
A comunicação intercultural não é, portanto, apenas um esforço de 
compreensão mútua: trata-se de um ato de conhecimento que procura 
situar o outro e a mim mesmo dentro de unidades históricas e dentro 
da definição dos processos de mudança e de relações com o poder. O 
que propomos aqui consiste, portanto, em última análise, em definir as 
reações entre atores pelo lugar proporcional que eles ocupam no com-
plexo conjunto de dimensões que resumi aqui mediante a interseção 
da modernidade e das modernizações. A comunicação intercultural é 
o diálogo entre indivíduos e coletividades que dispõem, ao mesmo 
tempo, dos mesmos princípios e de experiências históricas diferentes 
para se situarem uns em relação aos outros.
A esta análise falta ainda uma dimensão. Nós só podemos conhecer-
nos e respeitar-nos se os temas da modernidade e da modernização 
que nos sobrepujam entrarem em movimento e se transformarem, 
mas conscientes de uma história que nos é comum. Muitas vezes 
sentimo-nos dominados por forças obscuras; hoje sabemos melhor que 
somos nós que ameaçamos nossa própria sobrevivência, a de nossos 
descendentes, a de muitas espécies vegetais e animais e as condições 
climáticas que permitem nossa existência. Evidentemente, não se 
trata de substituir a segurança que nos davam os deuses protetores 
pela angústia da autodestruição, mas de deduzir da globalização e da 
crescente interdependência de todos os elementos da vida terrestre e 
a consciência de nossa responsabilidade. Portanto, é igualmente nossa 
capacidade de criar, de transformar e de destruir nossa vida e nosso 
206
E n i o W a l d i r d a S i l v a
meio ambiente que nos obriga a voltar nosso olhar, fixado por tanto 
tempo na natureza e nos instrumentos que nos permitiram conquistá-la, 
para nós mesmos. Esta consciência de nos mesmos só pode ser a 
consciência de nossa existência comum, de nossa interdependência 
e, portanto, da necessidade de reconhecer no outro não apenas aquele 
que está em relação com a mesma modernidade com que eu estou 
relacionado, mas aquele cuja história não está totalmente separada 
de minha própria história.
Não somos todos cidadãos do mesmo mundo, pois este não é uma 
unidade institucional e política que define os direitos e deveres de 
cada um. Em compensação, todos temos direitos culturais, que pro-
vêm fundamentalmente de nossa relação conosco mesmos e com os 
outros. Vivemos uma situação histórica em que era a sociedade, com 
suas instituições, suas normas, seus modos de dominação e de vigilân-
cia, que produzia os atores – os quais se definiam então como sociais. 
No decurso das últimas décadas sentimos comintensidade cada vez 
maior que estamos pendendo para a situação inversa, onde é a criação 
de nós mesmos que determina nossa capacidade de resistir às forças 
de morte e de vencê-las, ao passo que o espaço social se reduz a um 
lugar de encontros, de conflitos ou de tréguas entre forças opostas, 
mas igualmente estranhas à vida social: de um lado, as que provêm do 
mercado, da guerra e da destruição de todos os elementos da vida e, 
do outro, as que apelam não à ordem social ou ao impulso do desejo 
mas à afirmação de si e de nós como sujeitos de nossa existência e 
como autores de nossa liberdade (Touraine, 2006).
A proposta de Touraine é de focar a análise nos atores definidos 
por suas pertenças sociais, relações sociais e por seus direitos culturais. 
Análises da sociedade podem se perder em evasivas, pois detectam uma 
decomposição da sociedade, considerada como um organismo no qual 
cada elemento cumpre uma função, que elabora suas metas e os meios 
necessários para atingi-las, que socializa seus novos membros e pune os 
que não respeitam as normas, leva, em nosso tipo de sociedade, a um 
individualismo que se opõe à aplicação das regras da vida coletiva e as 
substitui pelas leis do mercado, em que se manifestam preferências 
múltiplas, inconstantes, mas influenciadas pela publicidade comercial 
207
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
tanto quanto pelas políticas públicas. Há um tipo de mudança que vem 
acontecendo na coletividade: as reivindicações dos direitos culturais 
(2006, p. 168).
Evoquemos primeiramente o caso dos Estados multinacionais, ou 
seja, o caso das minorias nacionais que reclamam certos atributos 
da independência. Os húngaros, em particular, constituem, fora da 
Hungria, minorias importantes na Eslováquia e na Romênia. Um 
caso extremo é o dos curdos, presentes em diversos Estados; mas é 
verdade que nem todas as minorias curdas reivindicam a criação de 
um grande Curdistão, idéia defendida sobretudo pelos curdos da 
Turquia, ao passo que os do Iraque chegaram a obter vantagens do 
governo de Bagdá. Podemos também colocar nesta vasta categoria 
a Catalunha e Quebec, que são quase-Estados, mas no interior de 
um Estado que conserva certas prerrogativas – particularmente no 
plano internacional. Estas minorias defendem sempre seus direitos 
culturais, particularmente o uso da própria língua, na escola e na 
via administrativa. Elas identificam-se às vezes com uma confissão 
religiosa e o chefe da Igreja em questão desempenha então, muitas 
vezes, um papel político de defesa da comunidade.
São problemas que podem dar origem a crises internacionais e se 
tornarem mais sangrentos que em outros tempos. Existem multicultu-
ralismos menos institucionais, na formação ou no desenvolvimento das 
“comunidades” ou das minorias formadas em consequência de migra-
ções, expulsões e exílios; grupos definidos em termos de nação, etnia 
ou religião, que só tinham existência na esfera privada, adquirem agora 
uma existência pública às vezes suficientemente forte para questionar 
sua pertença a determinada sociedade nacional. Isto coloca problemas 
estruturais, especialmente aqueles que já reconheciam as minorias, que 
discursavam em nome de valores universais.
É por esta razão que, para evitar tais mal-entendidos, creio mais 
correto falar, a propósito das minorias, de “direitos culturais”, o que obriga 
as democracias a refletirem sobre si próprias e a se transformarem para 
reconhecer estes direitos, da mesma forma que elas se transformam, não 
208
E n i o W a l d i r d a S i l v a
sem grandes conflitos, para reconhecer os direitos sociais de todos os 
cidadãos. Os direitos culturais estão, na realidade, positivamente ligados 
aos direitos políticos, portanto à cidadania.
Há outros comunitarismos mais fechados, definidos em sentido 
estrito pelo poder dos dirigentes da comunidade de impor práticas e 
interditos a seus membros, opostos à cidadania, e até com tanta clareza 
que, na medida em que a cidadania se define a si própria pelo exercício 
de direitos políticos num país democrático, o comunitarismo fere eviden-
temente as liberdades individuais. Sendo assim, deste ponto de vista, os 
liberais têm razão de combater sem trégua o comunitarismo. Seria um 
erro, entretanto, crer que uma tal defesa da cidadania contra as comuni-
dades soluciona o problema das minorias (Touraine, 1998a, p. 169).
O autor justifica o assunto dos direitos culturais como um grande 
tema para a pesquisa sociológica que queira imaginar ações para trans-
formações sociais, porque:
1 – Centra-se sobre o sujeito e sua relação com o sistema. Os direitos 
culturais têm mais força de mobilização do que os outros, porque são 
mais concretos e dizem respeito sempre a uma população determi-
nada, quase sempre minoritária.
2 – É no campo cultural que se armam os principais conflitos e as rei-
vindicações em que os interesses em jogo são pesados. Depois que 
a produção em massa, após o predomínio da fabricação industrial, 
penetrou os domínios do consumo e da comunicação, e depois que 
as fronteiras e as tradições foram invadidas pela distribuição dos 
mesmos bens e serviços no mundo inteiro, grandes parcelas de 
nossas condutas, que imaginávamos protegidas por sua inscrição na 
esfera privada, encontram-se expostas à cultura de massa e, por isso 
mesmo, ameaçadas. 
209
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
3 – A cultura é uma categoria heterogênea: a dependência cultural diz 
respeito primeiramente aos países mais dependentes, mas também 
às minorias étnicas, religiosas ou sexuais e nas grandes cidades onde 
aparecem as ameaças ao meio ambiente.
4 – Uma referêcia que dá maior visibilidade está nas reivindicações 
das mulheres, que querem fazer reconhecer sua dupla exigência 
de igualdade e de diferença, na medida em que esta exigência é 
portadora de uma mudança mais profunda do que aquelas às quais 
nos acostumou a sociedade industrial;
5 – Os direitos culturais protegem populações determinadas; já os direitos 
políticos devem ser concedidos a todos os cidadãos. 
6 – É um direito à diferença (cultural) e à igualdade (econômica). Viver 
juntos iguais e diferentes. Trata-se não mais do direito de ser como 
os outros, mas de ser outro. Os direitos culturais não visam apenas 
à proteção de uma herança ou da diversidade das práticas sociais; 
obrigam a reconhecer, contra o universalismo abstrato das luzes e da 
democracia política, que cada um, individual ou coletivamente, pode 
construir condições de vida e transformar a vida social em virtude 
de sua maneira de harmonizar os princípios gerais da modernização 
com as “identidades” particulares.
7 – O apelo aos direitos sociais alimentou o corporativismo e a defesa 
dos interesses profissionais e organizações de classe, muitas das quais 
chegaram a dizer que a democracia mais completa era a ditadura do 
proletariado e que os direitos políticos não podiam ser concedidos 
senão aos que vivem de seu trabalho e não do capital, ou seja, do 
trabalho dos outros. A referência aos direitos culturais, no entanto, 
apela para totalidades concretas definidas mais solidamente e mais 
profundamente do que a cidadania – ou mesmo do que a pertença a 
uma classe. É por isso que nos movimentos femininos encontramos 
muito mais do que a reivindicação dos direitos políticos ou mesmo 
210
E n i o W a l d i r d a S i l v a
do que a igualdade econômica. Da mesma forma, as populações de 
imigrantes não protestam apenas contra a exploração econômica e 
contra a arbitrariedade policial.
8 – A passagem dos direitos políticos aos direitos sociais e depois aos 
culturais estendeu a reivindicação democrática a todos os aspectos 
da vida social e, por conseguinte, ao conjunto da existência e da 
consciência individuais. As coações são impostas aos indivíduos em 
todos os aspectos da vida tanto mais em nome desta individualidade, 
deste direito a ser ele mesmo, a unificaçãoe a individualização da 
pessoa, que não apenas resiste às coações externas, mas sobretudo 
se substitui a todo princípio transcendente e se afirma como a meta 
de sua luta e ao mesmo tempo aquilo que lhe dá força. 
9 – Da mesma forma, não se pode falar de dominação capitalista sem 
fazer ouvir o movimento operário e não se pode falar de dominação 
masculina sem topar com a importância do feminismo: “Aquilo que 
cada um de nós exige, e sobretudo os mais dominados e os mais 
desprotegidos, é ser respeitado, não ser humilhado e até, exigência 
mais ousada, ser escutado – e mesmo ouvido e entendido”.
10 – O direito a uma vida religiosa não é apenas o direito de um grupo 
de praticar sua religião; é também, e outro tanto, o direito de cada 
indivíduo de mudar de religião – e a exprimir determinada opinião 
considerada herética por esta ou aquela Igreja. Sem dúvida, não 
poderia haver direitos senão coletivos. E o direito a ser protegido 
por uma convenção coletiva em seu emprego ou a fundar um gru-
po de caráter religioso, por exemplo, é evidentemente um direito 
coletivo, que se aplica a cada indivíduo que se encontra protegido 
diante dos tribunais e diante da opinião quando decide abandonar 
um sindicato, uma Igreja ou uma associação. Se faltar este caráter 
individual de todo direito, não se poderia transformar a tolerância 
para com certos grupos em direitos culturais. Assim, a lei só deve 
reconhecer a liberdade de exercício dos cultos se estiver em condição 
211
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
de proteger aquele ou aquela que não queira mais ser um fiel de 
determinada Igreja, deseje abandoná-la ou eventualmente aderir a 
uma outra (Touraine, 2006, p. 173).
O autor aprofunda sua análise a partir do papel da mulher nas 
transformações recentes da sociedade. Descreve as mudanças do mun-
do, que permitiriam às mulheres ocupar o centro da cena atual. Aborda 
desde as diferenças culturais até o papel das lésbicas na cena política 
estadunidense. Também analisa temas como a pornografia e o papel do 
homem nessa história. Relaciona o que seria a “natureza” feminina com 
as situações do mundo atual, buscando demonstrar por que elas estariam 
em vantagem.
O destaque dado ao feminino na reflexão do autor equivale a um 
papel diferenciado que as mulheres ocupam em termos políticos, eco-
nômicos e culturais. Afinal de contas, sua participação é preponderante 
na configuração da sociedade. Tome-se como exemplo a entrada da mu-
lher no mercado formal de trabalho, seguida pelo movimento feminista, 
marcos da contemporaneidade.
Diversos fenômenos do mundo atual confirmam as observações 
do autor sobre as mudanças que têm ocorrido em termos de papel sexual 
e afetividade.
Em síntese, o mundo se transforma em direção às conquistas do 
feminino. Resta estudar as mulheres para entender melhor esse novo 
mundo.
Para aprofundar estes estudos, Touraine publicou um livro em 
2007 dedicado especialmente ao mundo das mulheres. Na apresentação 
do livro o autor escreve:
Muitos filósofos sociais proclamaram que seria necessário suprimir do 
vocabulário expressões como ator social, movimentos sociais e principal-
mente sujeito, visto que elas se referiam a concepções ultrapassadas de 
consciência e da ação política. Eu contesto esta visão desanimadora 
e até mesmo autodestrutiva, e, ao contrário, creio que as lutas femi-
212
E n i o W a l d i r d a S i l v a
nistas, como outras, trazem novas aspirações – e principalmente uma 
nova representação que as mulheres têm delas mesmas e de seu lugar 
na vida social. Ao “não se pode fazer nada” respondo que é necessário 
visitar o campo e, sobretudo, ao invés de falar em nome delas, escutá-las, 
reação evidente para um sociólogo!... para conhecer o pensamento e a 
experiência vivida pelas mulheres, fui ver in loco, e descobri de passa-
gem quão raros eram aqueles e aquelas que assumiam esta elementar 
postura de observador ou ouvinte. E descobri que o que pensam e 
fazem as mulheres é diferente, e até mesmo oposto, daquilo que se 
diz que elas dizem e fazem (Touraine, 2007, p. 9).
O autor mesmo destaca que essas ideias sobre as mulheres9 não 
chega a ser nova: depois dos excessos do masculino, que teriam acarretado 
a degradação ecológica do planeta e as guerras, as mulheres herdariam a 
Terra, para reinventá-la. Isso nos remete à fala da personagem de “Par-
que dos dinossauros”, de Spielberg, quando a cientista, interpretada por 
Laura Dern, arremata a trajetória da raça humana sobre o planeta: “Deus 
cria o dinossauro. Deus cria o homem. O homem mata Deus. O homem 
cria a dinossauro”, diz um dos personagens. Ao que ela responde: “A 
mulher herda a Terra”. Uns verão nisso a busca pelo equilíbrio. Outros, 
a decadência do Ocidente.
Touraine não chega a mencionar a Biologia e a Genética em sua 
abordagem. Seu enfoque é a cultura. E a discussão, como se vê, tem muito 
a contribuir para o entendimento da sociedade contemporânea.
Para concluir, vamos deixar ao leitor as reflexões possíveis elabo-
radas pelo autor.
Uma Sociedade de Mulheres 
A sociedade moderna, no ocidente, foi criada por um sujeito que 
já entrou em cada indivíduo e que, portanto, já deixou o mundo 
divino. Mas o sujeito, como todos os grandes recursos neste tipo de 
sociedade, está concentrado na elite dirigente e encarnado sobretudo 
9 Leitura obrigatória pela polêmica das teses é Touraine, Alain. O mundo das mulheres. 
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
213
Capítulo 4 – Temas da Sociologia Jurídica Atual
por homens. A “sociedade dos homens” produziu muita energia e ao 
mesmo tempo suscitou tensões que atingiram o ponto de ruptura. 
O pólo dominante foi o da conquista, da produção e da guerra, o dos 
homens, enquanto o pólo feminino era a figura principal da inferio-
ridade e da dependência.
A hipótese geral deste livro é a da passagem de uma sociedade que 
se percebia e agia em termos socioeconômicos a um tipo societal que 
chamei de pós-social, porque todas as categorias que se organizam 
nessa representação e nessa ação já não são propriamente sociais, 
mas culturais. O motivo disto é que nossa experiência já não é mais 
transtornada pela sociedade de massa apenas na ordem da produção, 
mas também na do consumo e da comunicação. Nada em nós escapa 
ao conjunto das técnicas e dos conhecimentos que foram acumulados, 
e nós reagimos a eles preocupando-nos com todos os aspectos de nossa 
vida, a fim de defender nossa unidade singular, corpo e espírito. 
Tanto nossas relações com a autoridade como as formas de nossa ima-
ginação, tanto nossa experiência sexual como nossos gostos musicais 
mudam. Ora, a idéia geral da passagem de uma cultura voltada para 
o exterior a uma outra, voltada para o interior e para a consciência 
de si mesmo, leva diretamente a idéia de uma cultura definida e 
vivida mais intensamente pelas mulheres do que pelos homens. Os 
ritmos e as imposições da vida biológica, e sobretudo a dos órgãos 
de reprodução, que podem ter sido considerados como obstáculos 
ao papel das mulheres na vida pública, transformam-se agora em 
vantagem para elas, primeiro graças às técnicas da Medicina, mas 
sobretudo porque os laços entre indivíduos aparecem mais fortes na 
mulher do que no homem, sem que esta diferença autorize a levantar 
uma barreira intransponível entre os dois sexos. A vida sexual não 
ocupa um lugar mais importante nas mulheres do que nos homens, 
mas a preocupação pelos laços entre a sexualidade e personalidade 
é maior entre as mulheres porque os homens, nascidos no antigo 
modelo cultural em declínio, permanecem caracterizados mais niti-
damente por suas funções públicas e particularmente profissionais. 
Sobretudo, a relação com os filhos, mesmo nas famílias onde o pai 
se ocupa ativamente com eles, sempre continua mais intensa para a 
mulher do que para o homem. Mesmo que certo número de mulhe-
res prefiram evitar a gravidez, outras, mais numerosas, consideram 
inestimável esta experiência única de gestação de um novo ser vivo,

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