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Universidade de Brasília – UnB Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares / Núcleo de Estudos em Saúde Pública – CEAM/NESP Observatório de Saúde Mental – OBSAM Capacitação de Agentes Comunitários de Saúde para ações preventivas ao uso de álcool e outras drogas Território: espaço onde a vida acontece Na reorientação do modelo assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS), a implantação das equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) foi operacionalizada mediante a criação de Unidades Básicas de Saúde (UBS), localizadas em uma área delimitada com responsabilidade de acompanhamento de uma população a ela adstrita. O ato de delimitar uma área geográfica não é suficiente para que se desenvolva um trabalho junto à população na lógica da reorganização do serviço com foco na promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças mais frequentes, tampouco permite avaliar o impacto das ações implementadas. É necessário conhecer a população, seus hábitos e costumes, seus problemas, além de reconhecer como a vida acontece nesses espaços, como se dão as relações entre as pessoas e entre as instituições. Considera-se espaço-território o locus onde se observa a interação população-serviços no nível local, extrapolando, assim, um simples recorte político-operacional do sistema de saúde. Caracteriza-se por uma população específica, vivendo em tempo e espaço singulares, com problemas e necessidades de saúde determinados, os quais, para sua resolução, devem ser compreendidos e visualizados espacialmente por profissionais e gestores das distintas unidades prestadoras de serviços de saúde. Esse território apresenta, portanto, muito mais que uma extensão geométrica, [...] ou seja, engloba [...] também um perfil demográfico, epidemiológico, administrativo, tecnológico, político, social e cultural que o caracteriza e se expressa num território em permanente construção. (GONDIM; et al, p. 2-3) O território da saúde: a organização do sistema de saúde e a territorialização Visto sob esse ângulo, o território é o espaço onde a vida acontece, uma construção histórica que dá a ele uma singularidade, o torna particular para todos os elementos que o compõem. Podemos então dizer que é mais que um espaço com uma conformação geográfica, é um espaço onde pessoas transitam, estabelecem códigos de interação, de normas, agregam instituições integradas a Conhecer o território implica em conhecer a população, seus hábitos e costumes, seus problemas, além de reconhecer como a vida acontece nestes espaços, como se dão as relações entre as pessoas e entre as instituições. Universidade de Brasília - Observatório de Saúde Mental – OBSAM Capacitação de Agentes Comunitários de Saúde para ações preventivas ao uso de álcool e outras drogas um cenário composto de rios, árvores, ruas, construções etc. Assim, ele também é, em si, o espaço onde permeiam diferentes situações que tanto o colocam em condição de risco como o protegem. Delimitar uma área geográfica por si só não é suficiente para implementar ações na perspectiva de trabalhar com território. A delimitação é estruturante do trabalho, ou seja, é uma necessidade, mas é fundamental que se conheça também a forma como as pessoas estabelecem suas relações interpessoais, se agrupam, habitam, enfim, como compreendem o seu lugar, o lugar que ocupam e como convivem nele. A percepção do espaço é marcada por afetividade e referências de identidades socioculturais. Nessa perspectiva, o homem é o promotor da construção do espaço geográfico e, ao imprimir valores a esse processo, confirma-se como sujeito social e cultural. Partindo dessa compreensão de território e caminhando em direção às políticas públicas, foi editada a Portaria n° 3.088, de 23/12/2011, republicada em 21/05/2013, que institui a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS. Esta Portaria determina que a Atenção Básica é responsável por um conjunto de ações, de âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção, a proteção, a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver a atenção integral que impacte na situação e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades. De acordo com o Relatório de Gestão 2011-2015 da Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde (BRASIL, 2016, p. 71), a referida Portaria, ao instituir a RAPS, inscreve em suas diretrizes gerais de funcionamento as perspectivas de direitos humanos, autonomia, liberdade, participação e protagonismo de usuários e seus familiares. Dessa forma, apresenta a reabilitação psicossocial como um de seus componentes, apontando sobre a necessidade de criação de estratégias para ampliação do acesso ao trabalho, renda, moradia e cultura nos projetos terapêuticos singulares de usuários e familiares. Ainda que nessa Portaria seja explicitado o campo da geração de trabalho e renda, de empreendimentos econômicos solidários e cooperativas sociais, entende‐se que iniciativas relacionadas à cultura, arte, esporte, lazer e habitar desenvolvidas em diferentes pontos de atenção da RAPS e da rede intersetorial também compõe a reabilitação psicossocial. O homem enquanto sujeito social e cultural reconstrói permanentemente o seu território. Universidade de Brasília - Observatório de Saúde Mental – OBSAM Capacitação de Agentes Comunitários de Saúde para ações preventivas ao uso de álcool e outras drogas Nesse sentido, cabe à UBS a responsabilidade de desenvolver ações compartilhadas de promoção de saúde mental, prevenção e cuidado das pessoas com transtornos mentais, de redução de danos e cuidado para pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, sempre que houver demanda. Para que essa responsabilidade compartilhada seja incorporada como instrumento de trabalho, é necessário que a Unidade conheça as características dos parceiros, bem como, das potencialidades de parcerias existentes no território. Esse processo denomina-se traçado (ou mapeamento) da rede social ou de apoio e, para que haja partilha, a Unidade deve estar interligada a outros pontos que possam ser identificados como parte ou possibilidade de articulação, formando assim uma rede. Nas palavras de Gonçalves e Guará (2010, p. 14-15): A rede articula intencionalmente pessoas e grupos humanos, sobretudo como uma estratégia organizativa que ajuda os atores e agentes sociais a potencializarem suas iniciativas para promover o desenvolvimento pessoal e social. Construir redes significa apostar em relações humanas articuladas entre pessoas e grupos que, no debate das diferenças, possam ajustar intenções mais coletivas e produtivas para todos. Articular-se é, especialmente, fazer contato, abrir novos caminhos e conhecimentos, permitir a circulação das ideias e propostas que visem a uma ação coletiva direcionada ao bem comum. O traçado e a articulação da rede são um recurso que permite desenvolver ações que são competências do ACS. Também é um recurso que está contemplado nas diretrizes para o funcionamento das RAPS estabelecidas na Portaria n° 3.088, de 23/12/2011, no seu artigo 2°. Um traçado detalhado das malhas (ou teias) de uma rede não é suficiente para que ela seja considerada um recurso que permite programar/implementar ações no território. É fundamentalvislumbrar, por meio do desenho das redes, os fatores sociais e pessoais que coloquem os habitantes do território expostos a situações de risco e identificar os fatores de proteção existentes. Situações de risco, igualmente chamada de fatores de risco, são aquelas que aumentam a probabilidade ou expõe pessoas ou grupo de pessoas a riscos que possam comprometer a sua integridade individual e a de seu grupo. Fatores de proteção são condições que podem diminuir ou sanar a exposição a situações de risco, como também podem Universidade de Brasília - Observatório de Saúde Mental – OBSAM Capacitação de Agentes Comunitários de Saúde para ações preventivas ao uso de álcool e outras drogas potencializar de forma benéfica o enfrentamento quando esta exposição se fizer presente. É importante destacar ainda que nenhum fator é por si só de risco ou de proteção. O mesmo fator pode ser risco em uma determinada situação e ser protetor em outra, o que o define é o contexto somado ao benefício ou ao comprometimento que a situação pode acarretar. ou Uma quadra de esportes é fator de risco ou de proteção? Depende. Se a quadra for usada para a prática saudável de esportes, de convivência em grupo, pode ser considerada um fator de proteção. Porém, se a quadra for utilizada por grupos de usuários de drogas e/ou distribuição dessas substâncias, ela pode significar risco para a comunidade. Diante disso, cabe então perguntar: Se a quadra de esportes significar risco, como aumentar a proteção? É aí que você, Agente Comunitário de Saúde, junto com sua equipe, pode utilizar estrategicamente o mapeamento do território de atuação para articular os dispositivos da rede com vistas a ampliar os fatores de proteção e, assim, diminuir os fatores de risco. Lembrando que, segundo a Política Nacional de Atenção Básica, são atribuições comuns a todos os profissionais das equipes de atenção básica: participar do processo de territorialização e mapeamento da área de atuação da equipe, identificando grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos e vulnerabilidades. PARA REFLETIR Quais são os fatores de risco e de proteção presentes no território em que você atua? Risco Proteção Universidade de Brasília - Observatório de Saúde Mental – OBSAM Capacitação de Agentes Comunitários de Saúde para ações preventivas ao uso de álcool e outras drogas Depois de ler o texto “Território: espaço onde a vida acontece”, revisite os dados que você já dispõe sobre o seu território (relatórios, planejamento da UBS, síntese das fichas de visitas domiciliares e outros). Agora, olhe para o seu território e identifique as situações que ocorrem e significam proteção ou risco ao uso de álcool e outras drogas. Converse com seus colegas de equipe e pessoas da comunidade para ampliar o conhecimento acerca do uso de drogas no seu território de trabalho. Lembre-se das cenas do seu cotidiano, transitando por diferentes espaços com presença de diversidades pessoais e culturais. Para que essas observações possam ser úteis no desenvolvimento do seu trabalho, registre, em seu caderno de anotações, as suas percepções acerca do consumo de álcool e outras drogas. Sugerimos abaixo algumas questões para auxiliar sua caracterização: - Quais os locais onde as pessoas se encontram? - Quais os locais onde as pessoas praticam atividades de lazer? - Quais os locais em que o consumo de drogas é evidente? - Quem são os usuários de drogas? Descreva suas principais características (idade que prevalece, gênero). - Quais as drogas usadas? Importante identificar o tipo de droga e as que são mais usadas para subsidiar ações de redução de danos e prevenção. - Você percebe alguma relação entre o uso de drogas e as oportunidades de trabalho? Certamente isso vai facilitar o desenvolvimento do seu trabalho, uma vez que orienta o planejamento de ações de promoção à saúde e de prevenção ao uso de álcool e outras drogas. Colocando em prática ... Universidade de Brasília - Observatório de Saúde Mental – OBSAM Capacitação de Agentes Comunitários de Saúde para ações preventivas ao uso de álcool e outras drogas Referências bibliográficas BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_20 11_rep.html. Acesso em: 22/02/17. _______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPES. Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. Saúde Mental no SUS: Cuidado em Liberdade, Defesa de Direitos e Rede de Atenção Psicossocial. Relatório de Gestão 2011‐ 2015. Ministério da Saúde: Brasília. Maio, 2016, 143 p. _______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Série E. Legislação em Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. 110 p. GONDIM, Grácia. et al. O território da Saúde: A organização do sistema de saúde e a territorialização. Textos do Curso Técnico em Vigilância em Saúde. Módulo II. Escola de Saúde Pública do Paraná – Centro Formador de Recursos Humanos. Disponível em: http://www.escoladesaude.pr.gov.br/arquivos/File/TEXTOS_CURSO_V IGILANCIA/20.pdf. Acesso em: 22/02/17. GONÇALVES, Antonio Sérgio. GUARÁ, Isa Maria F. Rosa. Redes de proteção social na comunidade. In: GUARÁ, I. M. F. R. (Coord.). Redes de Proteção Social. 1. ed. São Paulo: Associação Fazendo História: NECA – Associação dos Pesquisadores de Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente, 2010.