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Parte do texto do ROTEIRO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA APLICADA AO HOSPITAL GERAL Ricardo Werner Sebastiani Maria Lúcia Hares Fongaro UTILIZAÇÃO DA CID – 10 EM PSICOLOGIA HOSPITALAR I - Introdução: A classificação das Doenças Mentais, ou na terminologia que mais recentemente se utiliza - Transtornos Mentais vem sendo alvo de inúmeras discussões internacionais com o objetivo de se criar parâmetros universais de classificação e codificação, que possam enquadrar em critérios estatísticos e de diagnóstico a maioria desses transtornos, de forma a dar uma conotação mais objetiva a quadros que têm no aspecto subjetivo sua grande identidade. Em 1992, coordenado por um grupo de notáveis designados pela Organização Mundial de Saúde, foi publicado a CID (Código Internacional de Doenças) em diversas versões para as diferentes especialidades médicas entre estes a CID – 10 (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento), cujo intuito era o de possibilitar a universalização dos critérios diagnósticos dos Transtornos Mentais, a exemplo do que já se vinha fazendo com outros tipos de patologia. A publicação e posterior adoção da CID 10, assim como dos outros codificadores de doenças, tornou-se realidade e referência nas normas estabelecidas em diferentes países pelos órgãos diretores das políticas administrativas de saúde, para que se pudesse equacionar um importante problema que se iniciava na questão relativa a administração e dotação de recursos para diagnóstico e tratamento das pessoas, até o ponto de se uniformizar critérios para emissão de diagnósticos pelas equipes de saúde. Assim obras como a CID – 10 e o DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) passaram a ser utilizadas, cada vez mais, nas práticas diárias de hospitais, ambulatórios e clínicas, sendo que, não só o médico, mas diversos outros profissionais de saúde têm gradativamente adotado esse material como referência de codificação diagnóstica. O Conselho Federal de Psicologia em sua RESOLUÇÃO CFP N.º 07/2003, estabelece critérios para a emissão de documentos emitidos pelo psicólogo (atestados, laudos, pareceres, etc) e orienta a adoção de critérios codificadores, dando destaque para a utilização do CID – 10. Da mesma forma o Ministério da Saúde estabelece, a partir de portaria, a obrigatoriedade do uso da CID – 10 para emissão de diagnóstico pelos profissionais de saúde que trabalham na rede pública, sendo essa determinação aplicada em toda a cadeia de serviços de assistência – de Postos de Saúde e Ambulatórios a Hospitais de Especialidade vinculados à Rede SUS. No entanto, alguns fatores ainda contribuem para uma série de dificuldades na utilização desse manual (CID – 10). De um lado ressalte-se que, não obstante aos esforços que são sistematicamente feitos, para um adequado enquadramento e definição de sinais e sintomas para a classificação e codificação dos Transtornos Mentais, a subjetividade e, não raro similaridade destes, ainda é alvo de confusões e conflitos no campo acadêmico de definição, e mesmo devido ao desconhecimento, por parte de um grupo significativo dos profissionais de saúde, da nosografia, psicodinâmica, multifatoriedade e multicausalidade desses quadros. Por outro lado, há uma incipiente formação, em inúmeros cursos, em que se incluem vários de Psicologia, na adequada capacitação do estudante, para entender identificar, diagnosticar e intervir por sobre estes transtornos. A somatória desses fatores acaba por criar algumas dificuldades no que se refere a um adequado uso da CID – 10. Em se tratando da Psicologia Hospitalar, há de se considerar que a, ainda nascedoura, estruturação de teorias e métodos dessa especialidade em Psicologia apresenta carências de referenciais teóricos, e muitas vezes, vemos severas confusões conceituais ocorrendo, uma vez que é bastante comum se tentar fazer uma transposição direta de modelos aplicados a Hospitais Psiquiátricos ou da Clínica tradicional para uma prática que tem importantes especificidades e diferenças se comparada àquelas, das quais busca “emprestado” os ditos referenciais. No entanto, todos esses obstáculos, não podem ser vistos como pontos intransponíveis, ao contrário, podemos considerar que é exatamente a carência de metodologias mais específicas que pode, em muitos sentidos, facilitar a utilização de referenciais de classificação e estatística como os que são apresentados em manuais como a CID – 10, uma vez que há uma clara afinidade na tentativa que a aplicação desses materiais propõe, e as necessidades que o dia-a-dia do Psicólogo Hospitalar apresenta. O Hospital Geral é uma instituição que recebe fortes influências do modelo biomédico cartesiano, dentro de uma visão nomotética das Ciências da Saúde, e como tal está fortemente alicerçado em normas, métodos, códigos, que buscam orientar as condutas e procedimentos que são executados nesse tipo de instituição. Não se trata aqui de se apregoar o abandono da visão singular da Pessoa Enferma, tão pouco o de desvalorizar os aspectos subjetivos e íntimos que cada paciente constrói a partir de sua história com o processo doença-internação-tratamento, mas sim, o de aproximar ambos modelos (nomotético e idiográfico) tornando-os complementares e não antagônicos. Sob esse aspecto acreditamos que a prática diária de atenção singularizada a pessoa enferma pode e deve ser adequada ao uso de codificações de suas manifestações psíquicas e comportamentais, de forma a podermos construir uma importante ponte que marque de forma indelével a transição (construção) que parte do referencial biomédico para o biopsicossocial. II - Considerações Técnicas: Um primeiro ponto que se gostaria de abordar no presente texto, falando especificamente ao Psicólogo Hospitalar, é o de que, embora seja muito importante, o desenvolvimento da habilidade técnica de diagnosticar com precisão o transtorno que acomete a pessoa que se está atendendo, não representa um fim em si da prática da Psicologia Hospitalar, ao contrário, esse é o ponto de partida do real trabalho que o Psicólogo Hospitalar tem pela frente na relação de cuidado para com aquela pessoa. A adequada identificação (classificação) do transtorno, somada a compreensão mais profunda do significado daquela vivência especial no momento do enfrentamento da enfermidade/internação/ tratamento, é que constituem o campo no qual irá, de fato, acontecer à atuação desse profissional. Uma das características diferenciadoras da prática da Psicologia Hospitalar em relação às práticas clínicas tradicionais em Psicologia é a de que lidamos com uma pessoa que enfrenta a sobreposição de sofrimentos orgânicos e psíquicos de forma intensa e, via de regra, aguda, não raro vivenciando experiências extremas de vida e morte. Essa característica acaba por definir, parte significativa dos Transtornos Mentais/Psicológicos que acometem os pacientes hospitalizados, uma vez que fatores desencadeados pela patologia de base (fisiológicos, bioquímicos etc), somados ao tipo de estratégia terapêutica adotada para o paciente (fármacos, procedimentos intra e extracorpóreos, etc), e os aspectos subjetivos das vivências e interações com o meio, terão fortes influências sobre o estado psíquico do paciente, somando-se a estes as capacidades (maiores ou menores) de recursos de adaptação e enfrentamento que a pessoa traz consigo, e que foram desenvolvidos ao longo de sua história de vida. Essa somatória de fatores determina uma parcela significativa dos transtornos observados no Hospital Geral, e deverá ser um dos principais alvos de atenção do Psicólogo Hospitalar quando do momento de avaliação da pessoa enferma.A seguir faremos uma série de considerações sobre os diferentes critérios de classificação, sempre ressaltando que a avaliação do paciente, por parte do Psicólogo pode ter por base as regras estatísticas de incidência e prevalência de sinais e sintomas preconizados pela CID – 10, mas que, a leitura qualiquantitativa das manifestações do paciente (discurso, postura, histórico de vida, etc.), são nossa principal ferramenta de compreensão da pessoa em seu momento particular de sofrimento. A CID – 10 define uma série de categorias de transtornos mentais, divididos em subgrupos, os de maior incidência no Hospital Geral estão abaixo listados e na sequência do presente texto tratar-se-á de discuti-los estabelecendo-se relação teórica entre a classificação nosográfica e os fundamentos das teorias psicológicas. Recomenda-se ao leitor que acompanhe a leitura tendo em mãos a CID – 10, de maneira a poder estabelecer as relações discutidas. III - Aplicação da CID – 10 em Psicologia Hospitalar: F 00 a F 09 – Transtornos Mentais Orgânicos, incluindo sintomáticos. Os quadros que abarcam os grupos F 00, F 01, F 02 (Demência na Doença de Alzheimer, Demência Vascular e Demência em outras doenças classificadas em outros locais) classificam os transtornos demenciais associados a causas orgânicas, sendo que uma parcela importante desses está associada às Psicoses Exógenas (vide texto de apoio em anexo C e D), sobretudo no subgrupo organocerebral, e um conjunto importante de transtornos que aparecem com frequência significativa em Clínica Geriátrica. O grupo F 03 classifica todos os processos demenciais não especificados. É importante ressaltar-se que essa classificação, na maioria das vezes, é utilizada como diagnóstico provisório, devendo-se partir para um trabalho interdisciplinar de avaliação global do paciente para que se chegue a um Diagnóstico Diferencial. Em F 04 – Síndrome Amnéstica Orgânica, não induzida por álcool e outras substâncias psicoativas deve-se considerar os quadros de Amnésia Lacunar, sobretudo na sua forma pós-traumática, e os quadros de transtornos de memória determinados por TCE, TU, Quadros Endócrinos, e outras alterações que afetam o S.N.C., incluindo-se aqui hipóxia e anóxia. Note-se que o quadro mnemônico pode estar ocorrendo associado a uma série de outros transtornos, devendo-se proceder à codificação sempre hierarquizando o quadro principal e após esses os demais. É o caso, por exemplo, da Doença de Alzheimer, que tem suas manifestações iniciais fortemente marcadas por comprometimentos em Memória de Fixação, evoluindo para importantíssima deterioração da Memória Global (Fixação e Evocação), até desembocar (em evolução mais ou menos rápida) no Transtorno Demencial codificado em F 00. O Codificador F 05 – Delirium, não induzido por álcool e outras substâncias psicoativas, deve ser considerado em diversas situações associadas a comprometimentos de SNC, tais como Encefalopatia Hepática, Endocardite Bacteriana e alguns tipos de Câncer, considera-se que os transtornos classificados como Psicoses Exógenas Sintomáticas e algumas subformas de Psicoses Exógenas Tóxicas fazem parte desse grupo de codificação (vide texto de apoio em anexo C e D). Observe-se, como especifica nota abaixo, que a codificação de Delirium, deve receber atenção especial, uma vez que esse quadro aparece associado a outros com perspectivas de classificação mais objetivas. O grupo codificado sob F 06 (de .0 a .9) – Transtornos mentais decorrentes de lesão e disfunção cerebrais e de doença física, compõe um importante grupo de transtornos com incidência relativamente alta em Hospitais Gerais, a associação a quadros centrais, distúrbios endócrinos como hipertireoidismo e Cushing, má formação vascular, Lupus, TCE, neoplasias cerebrais ou de influência remota no SNC, distúrbios associados a AVC – I e H, doenças tropicais parasitárias, efeitos de drogas não psicotrópicas (corticóides, anti-hipertensivos, entre outras). Essa classificação abarca todos os quadros de Psicoses Exógenas Sintomáticas e Tóxicas a exceção, nesta última, dos quadros determinados por drogas despersonalizantes–psicodislépticas- (vide texto de apoio em anexo C e D). Observe-se então, que pode existir no quadro apresentado pelo paciente a ocorrência de F 05 e F 06 em alguma de suas subformas simultaneamente: Nota: Existe uma correlação bastante significativa entre os transtornos identificados nos quadros de Delirium (F 05 .0, .1, .8 e .9) e os codificados no grupo F 06, um primeiro critério para o diagnóstico diferencial consiste na identificação clara de quadro orgânico associado (e desencadeante) do Transtorno, sendo que nesses casos deve- se priorizar os eixos F 06, considerando-se o Delirium como patoplástico ao quadro de base. Observe-se também que as subformas de classificação do Delirium (código F 05.1) podem aparecer associados a estados demenciais ou (em f 05.8) classificado como de ordem mista. A se considerar as possibilidades de incidência de quadros de Delirium num grupo grande de Transtornos, sugere-se a utilização dessa codificação predominantemente naqueles casos onde não se tenha condição de levantamento de informes complementares que permitam o Diagnóstico Diferencial (nesse caso como H.D.), e mais raramente como diagnóstico principal. F 30 – F 39 Transtornos do Humor (afetivos) Uma primeira consideração a se fazer nesse bloco de codificações, é a de se ater, principalmente no Hospital Geral, à perspectiva de incidência em grau relativamente elevado de Transtornos Afetivos do Humor (orgânico) – F 06.3 os quadros infecciosos particularmente, podem desencadear alterações do humor (sobretudo depressivas) ocorrência relativamente frequente em UTI, Unidades de MI, Isolamento (sobretudo nos pacientes imunodeprimidos – em uso de drogas antirrejeição e portadores sintomáticos do HIV). Para essas situações a pesquisa de histórico pregresso, a avaliação do grau de crítica do paciente em relação a seu estado mórbido (específico e global), e a ausência de correlação com processo de Angústia de Morte, devem ser consideradas para a classificação nesse eixo. É de extrema importância, particularmente para o trabalho do Psicólogo Hospitalar, considerar a inexistência ou pouca efetividade de fatores emocionais graves desencadeando o processo depressivo, para se utilizar a classificação F 06.3. Em todos aqueles casos em que a gravidade das variáveis psicossociais as quais o paciente enfrenta estiverem presentes, deve-se pensar primeiro num transtorno do grupo F 30 – F 39, para posteriormente se considerar o fator orgânico como principal desencadeante do fenômeno afetivo. (Vide texto de apoio B). Outra consideração importante se deve ao fato de que nas situações específicas de Avaliação Psicológica do paciente hospitalizado em Hospital Geral, termos uma incidência muito grande de transtornos associados, principalmente devido a circunstâncias vivenciais que afetam a esfera afetiva da pessoa, dado ao alto grau de sofrimento determinado pelo processo doença-internação- tratamento. Sendo assim, a utilização dos codificadores de Transtornos Afetivos do Humor, deve ser acompanhada sempre, por parte do Psicólogo Hospitalar, de avaliação qualitativa, principalmente se for considerado o fato de que aqueles transtornos classicamente classificados nos grupos das chamadas “Doenças Mentais”, são de incidência muito baixa no Hospital Geral, e, ainda mais, se comparados às demandas de Hospitais Psiquiátricos e Unidades de Saúde Mental. Os transtornos classificados em F 30 (de .0 a .9) apresentam maior incidência nos subgrupos F 30.0 (Hipomania), F30.1 (Mania sem sintomas Psicóticos). Os quadros hipomaníacos normalmente aparecem associados a alterações determinadas por interação medicamentosae/ou compondo quadro mais amplo com agitação psicomotora e intensa ansiedade. Tanto nesse, como em outros casos onde a sintomatologia for mista, é importante avaliar-se qual o quadro de base, e o mais importante dentro da avaliação global do paciente e, a partir daí considerar-se os demais sinais e sintomas como patopláticos ou complementares. Note-se que nem sempre o sintoma mais exuberante é necessariamente o principal. Os transtornos do grupo F 32 – Episódio Depressivo, tem importante incidência no Hospital Geral, sendo anteriormente classificado no grupo das chamadas Depressões Reativas (ou menores, ou ainda no DSM V – Luto sem complicação). Note-se que de F 32.0 a F 32.9 temos uma gama importante de sub formas nas quais podem ser incluídos os quadros de Depressão de Pós Operatório, Depressão Reativa Puerperal (não confundir com o Transtorno Depressivo Puerperal) *, os Estados Depressivos associados a Luto por perdas (objetivas e simbólicas), nos quais incluem- se os quadros de amputações, diagnóstico de enfermidade crônica e/ou grave, perdas funcionais, e na classificação do Roteiro de Avaliação Psicológica (Sebastiani e Fongaro) o quadro de Hospitalismo Negativo como visto neste capítulo, além obviamente da fase Depressiva associada ao processo de enfrentamento da morte originariamente preconizada por Kubler Ross. Esses episódios podem evoluir na dependência dos fatores vivenciais, de estresse intermitente e da sobreposição de intercorrências e/ou agravamento do estado clínico de base do paciente, para aqueles classificados nos subgrupos F 33 (Transtorno Depressivo Recorrente) e F 34 (Transtornos Persistentes do Humor). Observe sempre a avaliação diferencial para o descarte de fatores exógenos (orgânicos, farmacológicos) que possam concorrer para a instalação do Episódio Depressivo. (Vide texto de apoio B) * Em relação a quadros associados ao puerpério, é importante remeter-se ao Grupo F 53 – Transtornos Mentais e de comportamento Associados ao Puerpério, não classificados em outros locais, que busca a codificação específica de transtornos mentais puerperais. Recomenda-se nesses casos, que, quando claramente associado o transtorno ao puerpério, e identificadas sintomatologias que possam ser enquadradas em outros codificadores que se utilize o critério múltiplo de codificação, colocando-se como primeiro referencial diagnóstico os do grupo F 53, e posteriormente os demais para qualificação mais específica do transtorno. F 40 – F 48 Transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes. (Vide texto de apoio A). Contempla um número significativo de transtornos mentais e de comportamento mais comumente observados no Hospital Geral, destacando-se unidades de Clínica Médica e Cirúrgica, UTI e Pronto Socorro. Ressaltem-se os codificadores F 40, F 41 (Transtornos fóbicos – ansiosos e Outros Transtornos ansiosos) e, principalmente os codificados em F 43 (Reação a estresse grave e transtornos de ajustamento) e F 45 (Transtornos somatoformes). No caso do grupo F 43.2 (de 0 a 9 – Transtornos de Ajustamento), torna-se mais uma vez imprescindível à avaliação qualitativa do quadro geral, para a busca da mais adequada classificação, uma vez que pode haver enquadres mais específicos em outros grupos (como p. ex: F 30 – F 39). Cabe ressaltar que nas unidades Pediátricas, dado muitas vezes à precariedade de condições de coleta de informações, o subgrupo F 43.2 é muito utilizado. Os Transtornos listados no grupo F 43 como por Ex. F 43.1 (Transtorno de Estresse Pós-traumático) podem ser encaixados em diversas situações em Pronto Socorro, UTI, Unidades Cirúrgicas, Unidades de Ortopedia e Traumatologia entre outras, no entanto deve-se sempre considerar que essa codificação tende a uma generalização do quadro do paciente, carregando uma importante falha, no que tange a qualificação mais arguta do fenômeno psicológico que o paciente apresenta, esse mesmo raciocínio se aplica a codificação F 43.2 (Transtorno de Ajustamento), que, no caso do Hospital Geral pode aparecer com intensa frequência. Há que se considerar o fato de: Isolamento, a perda da Autonomia, o desconhecido, as intercorrências próprias da evolução de um processo patológico, sejam impostas pela patologia propriamente dita, u por outras variáveis que cercam a essa (reação medicamentosa, sentimentos de invasão e agressão pela manipulação determinada pelos procedimentos e/ou aparelhos intra e extra corpóreo) dentre outras, constituem- se em estímulos estressantes intermitentes que podem levar gradativamente o paciente à Falência Adaptativa, criando assim todas as condições para a instalação de F 43.2 (0, 1, 2, 3, 4, 5, 8) além de F 43.8 e F 43.9. Todas as alterações (transtornos) determinados a partir de Síndrome Geral de Adaptação, sobretudo àquelas derivadas da Fase de Esgotamento (Selye, Sebastiani 2) vão encontrar critérios de codificação predominantemente nesses subgrupos, incluindo-se aqui os estudos mais recentes de Burnout. Como já foi abordado acima, muitas vezes (na utilização da CID – 10) deve-se utilizar mais de um codificador para se buscar uma descrição diagnóstica mais precisa. Nesses casos, o critério de Eixos utilizado pelo DSM V mostra-se mais eficiente, no entanto a adoção desse manual de codificação no Brasil é menor, principalmente na rede hospitalar pública. Recomenda-se, por tanto, que quando houver possibilidade de desenvolvimento de normas de utilização de critério diagnóstico baseado na CID – 10, onde se possa utilizar codificadores complementares, que assim se proceda, sempre estabelecendo como quadro principal (ou o mais importante no momento da avaliação) o primeiro código a ser apresentado. Exemplo: F 32.2 e F 43.21 (Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos, associados à Reação a estresse grave e transtornos de ajustamento com reação depressiva prolongada). Nesse exemplo classifica-se o quadro de base (F 32.2 – Episódio depressivo grave...) e identifica-se no diagnóstico complementar os vetores que desencadearam o quadro de base (F 43.21 determinado por Reação a Estresse Grave e transtornos...) Nota: É importante relembrar, sempre, que mesmo utilizando-se um critério codificador que procura ser mais objetivo, como o caso da CID – 10, o adequado levantamento de dados do paciente e a pesquisa, sempre que possível, da História da Pessoa, devem ser contemplados. É exatamente na busca de aprofundar estas informações que foi desenvolvida a CIF, como mencionado anteriormente, fator que reforça a importância das leituras qualiquantitativas na pesquisa diagnóstica. No grupo dos Transtornos codificados por F 40 (Transtornos Fóbico- ansiosos), merecem destaque; F 40.2 Fobias específicas, que podem aparecer decorrentes de Sequelas Psicológicas ou Psico-orgânicas associadas a vivências traumáticas anteriores (intensas e predominantemente intermitentes por largo período) como por ex., em pacientes submetidos a Q.T. e pacientes transplantados em fase de readaptação à vida pós transplante (ênfase nos quadros de IRC, onde comportamentos novos têm de ser readquiridos, sendo estes antagônicos aos que anteriormente se apresentavam, e que quando emitidos provocavam intenso sofrimento ao paciente). Já o subgrupo F 40.8 e F 40.9 (Outros transtornos Fóbico- ansiosos e, Transtorno fóbico-ansioso, não especificado) devem ser considerados com atenção, pois só se classifica nessa codificação quadros fóbicos (dentro do contexto hospitalar) quando da ausência de qualquer outro dado mais específico de classificação das manifestações o paciente. Sempre é válido relembrar que a intensa ansiedade (que, via de regra, acompanha como pródromo, os quadros fóbicos) tem múltiplos e permanentes fatores de desencadeamento presentes nas situações de Doença-Internação-Tratamento. Especificamente em ProntoSocorro deve-se levar em conta ocorrência de quadros de Transtorno de Pânico, atendidos em episódio agudo (queixas pré-cordiais, lipotímias, sensação de sufocamento, sudorese intensa, mas com achados clínicos pouco significativos pra justificar o quadro do ponto de vista orgânico), a pesquisa de história pregressa, a avaliação de comportamento, somado às baixas evidências clínicas, geralmente são suficientes para um Diagnóstico Breve, e o consequente atendimento emergencial do paciente e orientação para tratamento mais específico (psico e farmacoterápico), recomenda-se nesses casos a codificação F 41.0 ou F 40 (.01, .2 ou .9) dependendo das características patoplásticas que complementam o quadro geral e das condições de uma pesquisa mais específica do paciente. O subgrupo F 41 (.1 a .9), somente deve ser utilizado em dois casos: Na ausência de maiores dados que permitam uma qualificação mais adequada das manifestações psíquicas do paciente ou; Como codificador complementar a um quadro de base, se a exuberância do transtorno ansioso assim o exigir. Em F 44, temos subgrupos de classificação de Transtornos Dissociativos (conversivos) que remontam às classificações clássicas de Quadro de Neurose Conversiva Histérica, em suas diferentes subformas. Note-se que nesses casos estar- se-á trabalhando por sobre um diagnóstico clássico de transtorno neurótico, que apresenta incidência significativa em Hospitais Gerais, sobretudo em unidades de Pronto-Socorro. (Vide texto de apoio A) A utilização do termo “dissociativo” nesses casos (F 44.0, F 44.1, F 44.2, F 44.4, F 44.6, F 44.7, F 44.8 e F 44.9) está associada às manifestações neurovegetativas dos sintomas classificados, com pouca ou nenhuma influência da intencionalidade do paciente (inconscientes), mas não se associa o termo a processo despersonalizante, ou de desrealização. Há, portanto, considerável higidez nas funções mentais de pensamento (Juízo de Realidade), Consciência do Eu, e Afetividade, havendo obviamente comprometimentos nessas esferas, mas com sintomatologia mais branda, excluindo-se assim a identificação de quadro psicotiforme. A própria CID – 10 atribui a esses fenômenos origem predominantemente psicogênica, e de média gravidade. (vide texto de apoio A). Em F 45 – Transtornos Somatoformes, encontram-se classificados os grandes quadros anteriormente denominados de “psicossomáticos”. A CID – 10 carrega, sob esse aspecto um importante mérito, que é exatamente o de distinguir e classificar em subgrupos distintos (não obstante pertencentes ao mesmo Grupo) os quadros Conversivos (acima comentados) e os Somatoformes, ou Psicossomáticos. Sob estes temas, reportamos os leitores a texto de apoio A, que discute mais amiúde os critérios para diagnóstico diferencial de ambos transtornos, com a utilização de critérios qualiquantitativos pautados em leitura psicodinâmica e não estatística como se propõe a CID –10. Nota: Cabe ressaltar, aqui, que a nômina a ser utilizada doravante, substitui os termos anteriormente utilizados – Quadros Conversivos ou Neurose Conversiva Histérica alterada para Transtornos Dissociativos e, Transtornos Somatoformes para o que se classificava anteriormente como Transtornos e Doenças Psicossomáticas. Essa observação deve ser seguida sempre que a equipe ou profissional que emite os diagnósticos e pareceres pautar-se na CID –10 como referência para estes. Nos casos em que a avaliação diagnóstica prescinde codificação universal, pode-se manter nômina e classificações clássicas. F 50 – F 59 Síndromes Comportamentais associadas a perturbações fisiológicas e fatores físicos. O grupo F 50 – Transtornos alimentares vêm merecendo especial destaque dado ao crescente volume de incidência desse tipo de problema em nossa sociedade, e a evolução dos serviços hospitalares (incluindo-se os hospitais públicos) que prestam serviços especializados às pessoas portadoras desses transtornos. Unidades de Psiquiatria e/ou Saúde Mental, Gastroenterologia, Endocrinologia e, mais recentemente programas interdisciplinares de atendimento ao portador de Transtornos Alimentares, são as instâncias de serviço hospitalar que mais se utilizarão desse grupo de classificação. Na grande maioria desses serviços a presença do Psicólogo é considerada como peça imprescindível para o êxito dos tratamentos. Grupo F 51 – Transtornos não-orgânicos do sono; os transtornos do sono constituem-se atualmente em uma subespecialidade da neurologia, que vem crescendo na medida dos avanços das pesquisas sobre neurotransmissores, funções cerebrais e da própria neuropsicologia, nesse sentido, existem diversas classificações contempladas pela CID, sob código inicial G 47. É fundamental que se ressalte aqui, que a incidência de transtornos não orgânicos do sono podem estar associados a quadros depressivos graves, sendo a queixa de alteração dos mecanismos de sono- vigília, muitas vezes, o sinal prodrômico que leva o paciente em busca de ajuda médica. Outros fatores ligados a mecanismos psicológicos (predominantemente) podem contribuir para alterações do sono, sendo estes relativamente frequentes no Hospital Geral, sobretudo aqueles associados à ansiedade intensa, sentimento de perda de controle, medo, isolamento, angústia de morte dentre outros. Mais uma vez se ressalta a importância de codificação múltipla (sempre que possível) quando da utilização desse grupo diagnóstico. O Grupo F 53 – Transtornos mentais e de comportamento associados ao puerpério, não classificados em outros locais, já foi alvo de observação anterior quando discutidos os Transtornos Depressivos, cabendo aqui observação de que as alterações mentais e comportamentais havidas durante o período de puerpério devem ser avaliadas sempre em comparação à História da Pessoa, uma vez que, muitos transtornos mentais podem aparecer com mais exuberância no período de puerpério, e/ou haver por parte de equipe de saúde e família uma atenção maior à paciente, mas o quadro observado já ser preexistente, ou existir a indicação de fatores pré-mórbidos anteriores ao ciclo gravídico-puerperal. Os transtornos listados no Grupo F 55 – Abuso de substâncias que não produzem dependência (física), raramente aparecerão em Hospitais Gerais como quadro de base, podendo haver uma incidência pequena como quadro complementar. Por outro lado, ressalte-se que principalmente os subgrupos F 55.0 e F 55.2 (Abuso de antidepressivos e Abuso de analgésicos) podem ocorrer determinado por fatores iatrogênicos e/ou de automedicação. F 55.1 e F 55.3 (abuso de laxativos e abuso de antiácidos) podem aparecer como diagnóstico complementar a Transtornos Alimentares. Há ainda de considerar-se os quadros hipocondríacos (F 45.2) onde F 55 aparecerá também como diagnóstico complementar. Os Grupos F 54 e F 59 devem ser evitados, sempre que possível, como codificadores de transtornos mentais, uma vez que incluem uma gama indefinida e dissociada de sinais e sintomas, provocando, não raro, uma estigmatização maior do paciente, e dificultando, para a equipe de saúde “não psi”, a compreensão melhor do quadro apresentado.