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E-BOOK EXCLUSIVO SUMÁRIO AULA 1: Diagnósticos em Psicopatologia: PASSADO, PRESENTE E FUTURO AULA 2: Fundamentos da Psicopatologia: DO BÁSICO AO AVANÇADO AULA 3: Introdução ao Manual Diagnóstico ATUAL em Saúde Mental (DSM-5-TR) AULA 4: Entrevista Diagnóstica NA PRÁTICA! AULA 5: 5 Passos para um DIAGNÓSTICO ASSERTIVO 001 021 068 111 132 SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO Diagnósticos em Psicopatologia: PASSADO, PRESENTE E FUTURO E S P E C I A L 5 A N O S AULA 1 1 O que você vai encontrar nessa aula: 1 2 3 4 5 Por que diagnosticar? Diferenciando o normal do patológico Overview do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) Iniciativas em desenvolvimento - HiTOP (Hierarchical Taxonomy of Psychopathology) e RDoC (Research Domain Criteria) Psicólogo pode dar diagnóstico? SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 2 Atualmente, a existência dos diagnósticos em saúde mental é inquestionável. No entanto, algumas críticas ainda são feitas em relação ao diagnóstico, como: o diagnóstico é apenas a descrição de um sofrimento natural da existência humana. Ou seja, é uma forma de rotular o sofrimento. os transtornos mentais não têm marcadores biológicos e sintomas patognomônicos. Porém, o que sabemos hoje é que os diagnósticos não são formas de rotular o sofrimento humano, são ferramentas cruciais para compreensão e tratamento dos transtornos mentais. O objetivo de qualquer classificação, incluindo a dos transtornos mentais, é tornar algo compreensível e inteligível, agrupando semelhanças e diferenças. Portanto, diante dos dados alarmantes, questionar a validade dos diagnósticos é simplista e desconsidera a urgência de tratamento para quem está sofrendo. O diagnóstico serve para adotar ações terapêuticas e medidas preventivas. Diagnóstico é ciência! O NIH (National Institutes of Health) divulgou um relatório informando que 170 mil pessoas com diagnósticos de transtornos mentais estão na fila para serem atendidas. https://www.theguardian.com/society/2024/apr/04 nhs-faces-avalanche- of-demand-for-autism-and-adhd-services-thinktank-warns Por que diagnosticar? 1 3 https://www.theguardian.com/society/2024/apr/04/nhs-faces-avalanche-of-demand-for-autism-and-adhd-services-thinktank-warns https://www.theguardian.com/society/2024/apr/04/nhs-faces-avalanche-of-demand-for-autism-and-adhd-services-thinktank-warns Para além das críticas, precisamos entender quais os são os benefícios do diagnóstico validade do diagnóstic confiabilidade fatores de risc prognóstic desenvolvimento de tratamento comunicação entre profissionais Além disso, quando falamos em diagnóstico, é fundamental para diagnosticar: saber diferenciar o normal do patológico. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 4 Discernir o normal do patológico é uma tarefa árdua e multifacetada. A fronteira entre essas duas condições é tênue, envolvendo debates que perpassam até mesmo esferas religiosas. Nenhuma abordagem isolada é suficiente para traçar essa linha divisória com precisão. No entanto, temos algumas tentativas de delimitar o que é patológico, entre elas: estatístic sofrimento necessidade de tratamento Diferenciando o normal do patológico2 5 Entre os modelos, temos: Modelo da OMS (Organização Mundial de Saúde): a saúde como o complemento entre bem-estar físico, mental e social e, não somente, como ausência de doença. Normalidade baseada em aspectos funcionais: o fenômeno é considerado patológico quando produz sofrimento para o indivíduo ou para seu grupo social. Normalidade ideal: se estabelece uma norma ideal do que seria considerado um indivíduo sadio. Além disso, alguns modelos buscam definir o que seria “normalidade”, na tentativa de traçar uma linha entre o patológico e o normal. 6 Apesar de todos esses modelos, a questão central permanece: como definir o que é normal e o que é patológico? Nesse sentido, a psicopatologia também recorre aos “4 Ds” que auxiliam na compreensão dessa diferenciação: Deviance (Desvio Distress (Sofrimento Disfunction (Disfunção) Danger (Perigo) SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 7 Mas, como o DSM-5-TR define aquilo que é um transtorno mental? O DSM-5-TR define transtorno mental como um conjunto de sinais e sintomas caracterizado por perturbação clinicamente significativa na cognição, regulação emocional ou comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Os transtornos mentais também são frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. 8 De forma resumida, um transtorno mental precisa ter: frequênci intensidad sofrimento clinicamente significativo Para Canguilhem (Autor do livro "O normal e o patológico"), os critérios para definir o que é normalidade dependem de opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas. As tentativas de classificação começaram há mais de 2.000 anos e seguiram por toda a história: Aristóteles: o encéfalo era o palco de ideias e o coração a sede do comportamento. Hipócrates: desenvolve a teoria dos quatro temperamentos Joseph Gall: o tamanho do crânio predizia comportamentos e habilidades (frenologia) Philippe Pinel: pioneiro no tratamento de transtornos mentais. Wilhelm Wundt: criou o primeiro laboratório de psicologia Sigmund Freud: muda a história da psicoterapia Kraepelin: afirma que os transtornos mentais têm bases biológicas. É considerado o pai da psicopatologia ateórica. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 9 Quais os limites da psicopatologia? Como Karl Jaspers observou, a psicopatologia, embora busque estudar o homem em sua totalidade, acaba sendo o estudo do homem em sua enfermidade. Devemos lembrar que cada indivíduo é único e complexo, e que há aspectos de sua experiência que podem escapar a compreensão psicopatológica tradicional: “[...] quanto mais reconhece e caracteriza o típico, o que se acha de acordo com os princípios, tanto mais reconhece que, em todo indivíduo, oculta algo que não pode conhecer.” (JASPERS, 1979, p. 12). 10 O que é o DSM? Quem criou o DSM? O DSM é um Manual Diagnóstico e Estatístico usado por psicólogos e psiquiatras do mundo todo para diagnosticar transtornos mentais e doenças psiquiátricas. Ele é formado por três componentes principais: Classificação diagnóstic Conjunto de critérios diagnósticos Texto descritivo Criado em 1952 por uma força-tarefa da Associação Psiquiátrica Americana (APA), o DSM passou por várias revisões ao longo dos anos. A APA continua responsável pelas atualizações do manual, buscando incorporar novas descobertas de pesquisa e aprimorar a precisão diagnóstica. Essas revisões são propostas por especialistas no campo, revisadas pelos editores e pelo Comitê Diretivo do DSM. Overview do DSM 3 11 Por que o DSM foi criado? A necessidade de uma classificação dos transtornos mentais é clara ao longo da história. Porém, sempre houve pouco consenso sobre quais transtornos deveriam ser incluídos e como organizá-los. Com o DSM, a classificação tornou-se mais sistemática, facilitando o entendimento e a comunicação entre profissionais de saúde mental. 12 1 2 3 4 Histórico dos DSM’s DSM-I: publicado em 1952, continha 132 páginas e 106 diagnósticos. Tinha como base a psicopatologia psicodinâmica e uma baixa confiabilidade. DSM-II: publicado em 1968, continha 134 páginas e 182 diagnósticos. Semelhante ao DSM-I, tinha como base a psicopatologia psicodinâmica e uma baixa confiabilidade. DSM-III: publicado em 1980, continha 494 páginas e 265 diagnósticos. Introduz critérios padronizados e uma abordagemdescritiva (ateórica), rompendo com a psicopatologia psicodinâmica. DSM-III-TR: publicado em 1987, continha 567 páginas e 292 diagnósticos. 13 DSM-IV: publicado em 1994, continha 886 páginas e 297 diagnósticos. Introduz o sistema multiaxial, com uma abordagem politética onde não precisava ter todos os sintomas para ter o diagnóstico. DSM-IV-TR: publicado em 2000, continha 943 páginas e 297 diagnósticos. DSM-5: publicado em 2013, continha 947 páginas e 370 diagnósticos. Abandona o sistema multiaxial, onde os transtornos eram divididos em eixos, e reorganizou os transtornos num novo sistema, onde os transtornos são divididos por similaridade e em fases da vida (neurodesenvolvimento até neurodegenerativos). Além disso, a partir do DSM-5 inicia-se a tentativa de inserir o Modelo Dimensional. DSM-5-TR: publicado em 2022, contém 1142 páginas e trouxe um transtorno novo: Transtorno do Luto Prolongado. Embora o DSM não seja perfeito, é o modelo de classificação mais utilizado atualmente e representa uma ferramenta valiosa para profissionais de saúde mental. Conhecer sua estrutura e sua evolução ao longo do tempo é fundamental para uma prática clínica informada e eficaz. 5 6 7 SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 14 Quando se trata de estudar e classificar os transtornos mentais, algumas instituições se destacam: American Psychiatric Association (APA): Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) O DSM adota um modelo categórico, onde cada transtorno é definido por um conjunto específico de características. Neste sistema, as psicopatologias são consideradas entidades separadas e o diagnóstico é baseado na presença ou ausência de um número de sintomas-chave Organização Mundial da Saúde (OMS): Classificação Internacional de Doenças (CID) A CID também utiliza um modelo categórico, descrevendo cada transtorno em termos de sintomas típicos. Assim como o DSM, a CID considera as psicopatologias como categorias independentes e o diagnóstico é feito através da correspondência dos sintomas do paciente com os perfis prototípicos descritos na classificação. Iniciativas em desenvolvimento 4 15 National Institute of Mental Health (NIMH): Research Domain Criteria (RDoC) O RDoC adota um modelo alternativo, sendo uma agenda de pesquisa acerca dos transtornos mentais e não um sistema diagnóstico em si. Ele busca entender os transtornos mentais em termos dimensionais, explorando os papéis de sistemas biológicos, psicológicos e comportamentais nas diferentes psicopatologias. Hierarchical Taxonomy of Psychopathology (HiTOP) O HiTOP representa uma abordagem alternativa, abandonando a noção de categorias fixas em favor de uma perspetiva dimensional. Neste modelo, os transtornos mentais são classificados em diferentes níveis de uma hierarquia complexa, com um fator geral no topo responsável por explicar uma variedade de sintomas psicopatológicos. O diagnóstico pelo modelo HiTOP visa descrever perfis de sintomas, adotando uma abordagem mais flexível e dimensional. Em vez de classificar os transtornos em categorias independentes (abordagem qualitativa) o HiTOP reconhece que as psicopatologias são extremos de experiências comportamentais, afetivas, cognitivas e físicas (abordagem quantitativa). SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 16 Representação hierárquica das relações entre as dimensões do modelo HiTOP: Representação hierárquica das relações entre as dimensões do modelo HiTOP: Nota: Os superespectros destacados em cinza são hipotéticos e demandam validação empírica. As variâncias do subfator mania são explicadas pelos espectros do transtorno do pensamento e internalizante, e isso está sendo mais bem analisado empiricamente (razão das setas estarem em cinza). Parte dos sintomas e traços delineados é apresentada na terceira coluna da tabela. Fonte: Oliveira e Trentini (2023, p. 349) SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 17 Então, podemos utilizar os novos modelos, RDoC e HiTOP, na prática clínica? NÃO! O RDoC e o HiTOP têm surgido como modelos alternativos por entenderem a insuficiência e fragilidade do modelo categórico do DSM proposto pela APA nas últimas décadas. No entanto, o modelo vigente de classificação permanece sendo o DSM-5-TR. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 18 A dúvida quanto a se o psicólogo pode dar diagnóstico ainda persiste entre alguns profissionais, muitas vezes atribuída à Lei nº 12.842/2013 (Ato Médico). No entanto, é importante destacar que o inciso do Art. 4º, que originalmente limitava o diagnóstico exclusivamente à Medicina, foi vetado. Além disso, a Resolução CFP n.º 006/2019 enfatiza que é facultado ao psicólogo o uso de manuais de classificação, como a CID e o DSM. Isso significa que, legalmente, os psicólogos estão autorizados a realizar diagnósticos psicológicos. Acesse a Lei clicando aqui Acesse a Resolução clicando aqui 5 Iniciativas em desenvolvimento 19 https://www.google.com/url?q=https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Resolu%25C3%25A7%25C3%25A3o-CFP-n-06-2019-comentada.pdf&sa=D&source=docs&ust=1713826386010968&usg=AOvVaw2NICnZh2VQ-U7h2ynNCCra https://www.google.com/url?q=https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Resolu%25C3%25A7%25C3%25A3o-CFP-n-06-2019-comentada.pdf&sa=D&source=docs&ust=1713826386010968&usg=AOvVaw2NICnZh2VQ-U7h2ynNCCra Entretanto, é crucial entender que dominar o diagnóstico não se resume a rotular todas as pessoas com transtornos. O papel do psicólogo vai além disso, envolvendo uma avaliação cuidadosa e contextualizada, que considera não apenas os sintomas apresentados, mas também o contexto social, cultural e individual do indivíduo. Diagnosticar adequadamente requer habilidades técnicas e éticas, além de uma compreensão profunda da psicopatologia e dos instrumentos de avaliação disponíveis. É um processo delicado que exige sensibilidade e responsabilidade por parte do profissional. Portanto, embora os psicólogos tenham o direito e a capacidade de realizar diagnósticos psicológicos, é essencial lembrar que isso deve ser feito com cuidado e respeito, visando sempre o bem-estar e a qualidade de vida dos clientes! Psicólogo pode dar diagnóstico, desde que saiba! SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 20 Fundamentos da Psicopatologia: DO BÁSICO AO AVANÇADO E S P E C I A L 5 A N O S AULA 2 21 O que você vai encontrar nessa aula: 1 2 3 4 5 6 7 8 Semiologia dos transtornos mentais Avaliação das funções psíquicas Função psíquica "juízo de realidade" Função psíquica "pensamento" 3 eixos da psicopatologia Definição de transtorno mental Causa do transtorno mental Cura do transtorno mental e prognóstico SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 22 Semiologia dos transtornos mentais1 A semiologia é a ciência dos signos que não se restringe à psiquiatria ou à psicologia. É um campo de grande importância para o estudo da linguagem, da música, das artes em geral e de todos os campos de conhecimento e de atividades humanas que incluem a interação e a comunicação entre dois interlocutores por meio de sistemas de signos. A semiologia visa o estudo dos signos, dos significados, e na psicopatologia ela está relacionada ao estudo dos sinais e sintomas dos transtornos mentais que são interpretados como um significado. E qual a diferença entre sinais e sintomas? Sinais são observáveis. Exemplo: cuidado pessoal, roupas, limpeza, comportamentos verbais e não verbais. Sintomas são subjetivos e dependem do relato do paciente. Exemplo: pensamentos, sentimentos, alucinações, delírios etc. 23 Esse estudo dos sinais e sintomas é muito importante em psicopatologia pois não temos marcadores biológicos para transtornos mentais que direcionam o processo diagnóstico. É essasemiologia que complementa a entrevista diagnóstica em psicopatologia. Em resumo, a semiologia psicopatológica une sinais e sintomas dos transtornos mentais para chegar em um significado, um signo, que vai ser o nome que vai ser dado a determinado transtorno. Porém, falar em psicopatologia é falar em uma "arte" não exata, pois da mesma forma que não existem marcadores biológicos para um determinado transtorno, também não existem sintomas patognomônicos. Ou seja, a presença de um sintoma x não significa a presença de um transtorno Y. Um mesmo sintoma pode estar presente em vários transtornos. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 24 SEMANA DA PSICOPATO 2024 E-BOOK EXCLUSIVO Se não dá pra diagnosticar um paciente seguindo apenas os seus sinais e sintomas, por que precisamos estudar sobre eles? Porque só é possível identificar e diferenciar aquilo que se conhece. E o que precisa ser considerado na hora de avaliar um sintoma na psicopatologia? Patogênese: a forma dos sintomas. É a sua estrutura básica, semelhante nos diversos pacientes e nas diversas sociedades. Exemplo: alucinação, delírio, ideia obsessiva, fobia etc Patoplastia: o conteúdo dos sintomas que são oriundos da história do indivíduo e de sua subjetividade. Elementos que mudam a depender de aspectos culturais e da personalidade do próprio indivíduo. Ex: o conteúdo de culpa, religioso ou de perseguição de um delírio, de uma alucinação ou de uma ideia obsessiva. Entender os sinais e sintomas é fundamental para entender e fazer bem o diagnóstico do seu paciente. 25 Para os transtornos mentais, utilizamos a seguinte semiotécnica: entrevista direta com paciente e familiares e demais pessoas com quem o paciente convive. E por que isso? É importante conversar com alguém que convive com o paciente porque muitos transtornos são egossintônicos. Egossintônico - sentido como parte de si mesmo, como o jeito de ser da pessoa. Ex: transtorno da personalidad Egodistônico - sentido como estranho. O indivíduo nota uma mudança em seu funcionamento. Ex: Depressão. Então, tem muitas coisas que precisamos saber e entender para além de conhecer todos os diagnósticos, dentro da psicopatologia descritiva. Além disso, desse processo de avaliação dos sinais e sintomas, também precisamos avaliar as funções psíquicas. Para chegar nesses sinais e sintomas, temos técnicas e procedimentos específicos de observação e coleta. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 26 Avaliação das funções psíquicas2 As funções psíquicas estão relacionadas a nossa forma de captar a realidade e de sermos influenciados por ela. São as funções psíquicas que integram a vida mental. São construtos aproximativos da psicologia e da psicopatologia que permitem uma comunicação mais fácil e um melhor entendimento dos fatos. Além disso, principalmente por questões didáticas, as funções psíquicas são divididas em dois tipos Funções psíquicas elementares ou básicas: consciência, atenção, orientação, vivências do tempo e do espaço, sensopercepção, memória, afetividade, vontade, psicomotricidade e o agir, pensamento, juízo de realidade e linguagem; Funções psíquicas compostas ou complexas: o eu/self, personalidade, inteligência e cognição social. 2 Avaliação das funções psíquicas 27 Didaticamente falando, fica mais fácil dividir dessa forma, mas é importante destacar que as funções psíquicas não são entidades separadas umas das outras, com vida própria. Elas são um todo integrado da vida mental, que funciona de forma integrada, inclusive. Os transtornos mentais não se tratam apenas de agrupamentos de sintomas que coexistem. Esses sintomas possuem uma ligação estrutural entre si e as funções psíquicas fazem parte disso. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 28 Da mesma forma que não existe um sintoma exclusivo para cada transtorno, também não há uma função psíquica exclusiva para cada disfunção. Porém, a depender do transtorno - ou do tipo de transtorno - temos uma ou outra, ou várias funções psíquicas que podem estar alteradas. Funções mais afetadas nos transtornos psico-orgânico Nível de consciência, Atenção (também nos quadros afetivos, como na mania), Orientação, Memória, Inteligência, Linguagem (também nas psicoses) Funções mais afetadas nos transtornos do humor e da personalidad Afetividade, Vontade, Psicomotricidade, Personalidade Funções mais afetadas nos transtornos psicótico Sensopercepção, Pensamento, Juízo de realidade, Vivência do eu e alterações do Self SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 29 E como se avalia essas funções psíquicas? Existem alguns instrumentos que podem auxiliar, mas essa avaliação é feita quase que majoritariamente por entrevista clínica. Entre os testes e escalas estão: Para avaliar Bateria Psicológica para Avaliação da Atenção (BPA) Teste de Dígitos (Digit Span ou Extensão de dígitos) das baterias WISC-III e WAIS-II Teste Stroop - teste livre Teste de Bourdon Testes de desempenho contínuo – TDC CTT: Teste das Trilhas Colorida TMT: Teste de Trilhas A e Teste de Cancelamento dos Sino Teste FDT (Teste dos Cinco Dígitos Teste Stroop (Stroop Test) atenção A atenção se refere ao conjunto de processos psicológicos que torna o ser humano capaz de selecionar, filtrar e organizar as informações em unidades controláveis e significativas. 30 Para avaliar Escala de depressão e Ansiedade de Hamilton (HAD Escala de Ansiedade de Beck Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica Questionário de Sensações Corporai Escala de Medo da Avaliação Negativ Escala de avaliação de mania de Young, BDI – inventário de depressão de Beck afetividade Para avaliar Subtestes Dígitos e Vocabulário do WISC-IV e do WAIS-II Subteste de Memória Lógica da Wechsler Memory Scale (WMS) Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT) Subtestes de Memória das baterias CERAD e CAMCOG Teste de Retenção Visual de Bento Teste Comportamental de Memória de Rivermead memória As demais funções psíquicas não contam com tantos instrumentos disponíveis, por isso essas 3 foram trazidas a título de exemplo. A “Afetividade” é um termo genérico, que compreende várias modalidades de vivências afetivas: 1. Humor ou estado de ânimo 2. Emoções 3. Sentimentos 4. Afetos 5. Paixões A memória é a capacidade de codificar, armazenar e evocar as experiências, impressões e fatos que ocorrem em nossas vidas. Tudo o que a gente aprende na nossa existência depende intimamente da memória. 31 O que é? Produzir juízos é uma atividade humana por excelência. Ajuizar quer dizer julgar. Todo juízo implica, certamente, um julgamento, que, por um lado, é subjetivo, individual e, por outro, social, produzido historicamente, em consonância com os determinantes socioculturais. É por meio dos juízos que o ser humano afirma sua relação com o mundo, discerne a verdade do erro, assegura-se da existência ou não de um objeto perceptível (juízos de realidade ou de existência), assim como distingue uma qualidade de outra (juízos de valor). Juízos falsos podem ser produzidos de inúmeras formas e podem ser ou não patológicos. 3Função psíquica "Juízo de realidade" 32 Erro simples x delírio Em psicopatologia, a primeira distinção essencial a se fazer é entre o erro simples e as diversas formas de juízos falsos determinados por transtornos mentais, sendo a principal delas o delírio. O erro se origina da ignorância, do julgar apressado, do uso de premissas falsas ou da carência de lógica no pensamento. Os erros simples são social ou psicologicamente compreensíveis, enquanto o delírio tem como característica principal serem incompreensíveis. Os erros são passíveis de correção pela experiência, pelas provas e pelos dados que a realidade oferece, por se aprender a pensar com lógica, diferente dos delírios. 33 1. Ideias prevalentesou sobrevaloradas O que são? As ideias prevalentes são ideias que, por conta da importância afetiva que têm para o indivíduo, acabam predominando sobre os demais pensamentos. É comum o paciente dizer: “Não consigo pensar em outra coisa”. Alguns exemplos de ideias prevalentes ou sobrevaloradas em alguns transtornos ou alterações patológicas Anorexia Nervosa (observa-se também na bulimia) “Tenho certeza de que estou muito gorda”, “Minha barriga está enorme” Transtorno Dismórfico Corporal “Meu nariz é disforme, enorme e muito feio” Ansiedade de Doença : “Estou convencido de que tenho câncer de estômago” Ciúmes patológico não delirante “Tenho certeza de que minha mulher está tendo um caso.” 34 Principais alterações psicopatológicas do juízo de realidade 2. O Delírio O que é? É a principal alteração do juízo de realidade. Equivale a um erro do ajuizar que tem origem no adoecimento mental. Ideias delirantes típicas, observadas na prática clínica. Por exemplo: “Tenho certeza de que meus pais (ou os vizinhos) querem me envenenar”, “Eu sou a nova divindade que tem poderes para acabar com o sofrimento no mundo a hora que quiser”, ”Implantaram um chip em meu cérebro que comanda meus pensamentos”. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 35 Karl Jaspers descreveu três características ou indícios externos que, do ponto de vista prático, são muito importantes para a identificação clínica do delírio: 1. O indivíduo que apresenta o delírio tem convicção extraordinária, uma certeza subjetiva praticamente absoluta. Sua crença é total; a seu ver, não se pode colocar em dúvida a veracidade de seu juízo delirante. 2. É impossível a modificação do delírio pela experiência objetiva, por provas explícitas da realidade, por argumentos lógicos, plausíveis e aparentemente convincentes. 3. O delírio é, quase sempre, um juízo falso; seu conteúdo é impossível. De maneira geral, os delírios podem ser divididos em delírio primário e secundário. Delírio primário ou ideias delirantes verdadeiras - O delírio primário é psicologicamente incompreensível, não tem raízes na experiência psíquica do ser humano sadio; por isso, é impenetrável. O verdadeiro delírio expressa uma quebra radical na biografia do sujeito. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 36 As chamadas intuições ou ideias delirantes são as ideias que surgem como que a partir do nada, sem nenhuma relação com as informações perceptuais. Podemos ter, como exemplo, as seguintes afirmações: “o diabo vai me pegar”, “o senhor diz que é meu médico e que quer me ajudar, mas eu sei que também está com eles”, “tenho certeza de que os marcianos pretendem acabar comigo” ou “sei que o mundo está para se findar”. Delírio secundário, ou ideias deliroides, e os delírios compartilhados - Delírio secundário ou ideias deliroides são aqueles que, apesar de absurdos, surgem em decorrência de situações desencadeadoras compreensíveis, explicáveis e relacionadas com os fatores que as causaram (eventos traumáticos, depressão, mania etc.). Por exemplo: ideias de grandeza em pacientes maníacos; ideias de culpa, ruína ou perseguição em pacientes deprimidos; ideias persecutórias em prisioneiros, refugiados, vítimas de violência etc Os delírios podem ocorrer eventualmente em mais de uma pessoa. São os chamados delírios compartilhados da loucura a dois (folie à deux). Nesses casos, em geral há um sujeito realmente psicótico, com esquizofrenia ou transtorno delirante, por exemplo, que apresenta delírio primário e, ao interagir intimamente com outra pessoa influenciável (ou com mais pessoas; folie à trois, à quatre etc.), acaba por gerar o delírio em tal pessoa. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 37 Surgimento e evolução do delírio: estados pré-delirantes Em geral, os delírios surgem após um período pré-delirante, denominado humor delirante. Nesse período, o paciente experimenta aflição e ansiedade intensas, sente como se algo terrível estivesse por acontecer, mas não sabe exatamente o quê. Curiosamente, após a revelação do delírio, o indivíduo muitas vezes se acalma, como se tivesse encontrado explicação plausível para a perplexidade anteriormente inexplicável. 38 a) Delírios de perseguição O indivíduo acredita com toda a convicção que é vítima de um complô e está sendo perseguido, que querem envenená-lo, prendê-lo, torturá-lo, matá-lo, prejudicá-lo no trabalho ou na escola, desmoralizá-lo, expô-lo ao ridículo ou mesmo enlouquecê-lo. Exemplo: “Sei que todas as câmeras da rua e os celulares das pessoas ficam registrando onde estou. Isso é coisa dos comunistas que querem me matar!”. b) Delírio de referência (de alusão ou autorreferência) O paciente acredita ser o centro das atenções, más intenções e conspirações, e de que as pessoas estão sempre voltadas para ele, observando-o, fiscalizando-o, falando mal dele, olhando para ele etc. Exemplo: "Eles estão falando de mim." SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO Principais tipos de delírio: 39 c) Delírio de influência ou controle (também denominado vivência de influência) O paciente acha que sua mente é manipulada ou influenciada por pessoas ou entidades sobrenaturais, frente às quais não pode resistir. Exemplo: Paciente acredita que há uma antena que envia raios que controlam seus pensamentos e seus sentimentos. d) Delírio de grandeza ou missão (ou de enormidade) O paciente possui convicção delirante de ser superior às demais pessoas. Tal superioridade pode ser no âmbito da inteligência, beleza, poder, riqueza, talento, linhagem familiar, características sobrenaturais e religiosas. Exemplo: “Eu inventei o micro-ondas, o telefone celular e a internet. Abdiquei do reconhecimento e do dinheiro porque os homens fracos precisam mais disso que eu.” SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 40 e) Delírio religioso ou místico O paciente acha que foi escolhido por Deus para salvar o mundo e proclama que recebe mensagens espirituais das divindades, que é o portador da Verdade Revelada por Deus, que é onisciente, que pode operar milagres, que está em luta contra o demônio etc. Exemplo: "Eu sou o mensageiro do Senhor." f) Delírio de ciúmes e de infidelidade O paciente está absolutamente convencido de que o parceiro está tendo ou terá um relacionamento sexual com outra pessoa, mesmo sem nenhuma evidência, de tal forma que esta convicção se torna elemento essencial na sua vida psíquica. Exemplo: “Eu vejo como ela dá bom dia para o porteiro! Ele até abriu a porta para ela! Eu sei que estão me traindo!” SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 41 g) Delírio erótico (erotomania, síndrome ou delírio de Clerambault) Aqui, o indivíduo afirma que uma pessoa, geralmente de destaque social ou de grande importância para o paciente, está totalmente apaixonada por ele e irá abandonar tudo para que possam ficar juntos, se casar. h) Delírios de falsa identificação É quando o paciente acredita que as pessoas com as quais ele interagia foram substituídas por duplas ou sósias. Tais sósias o estariam enganando e, de modo geral, agindo ou tencionando agir contra ele. Também pode acontecer quando o paciente crê que diferentes pessoas de seu ambiente são, de fato, uma só pessoa que muda de aparência rapidamente; em geral para lhe causar algum mal. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 42 i) Delírio de ruína (ou niilista) Há uma convicção delirante de não ter recursos suficientes para sobreviver. O paciente, mesmo dispondo de dinheiro ou bens, acha- se irremediavelmente arruinado, falido, desgraçado, à beira da miséria. Cada perda financeira é vivida como a perda de uma parte de si mesmo. Exemplo: “Vou perder tudo, não vou ter dinheiro para mais nada. Preciso parar o tratamento e sair de casa. Vou morar na rua e virar mendigo.” j) Delíriode culpa e de autoacusação Envolve uma convicção delirante de ter feito alguma coisa errada e sentir-se culpado por isso. Exemplo: “Eu roubei uma caneta no hotel há 20 anos. Tem um mandamento na bíblia que proíbe isso! Eu sei que vou para o inferno.” SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 43 k) Delírio hipocondríaco É uma convicção delirante de estar gravemente doente. Mesmo com exames provando sua saúde, o paciente se apega à certeza da doença, às vezes utilizando probabilidades marginais e exceções raríssimas para corroborar sua crença. Exemplo: “Não adianta me mostrar os exames de novo! O vírus está aqui, eu sei! Esses exames só têm 99% de sensibilidade e especificidade. O vírus pode ter mutado ou estar escondido em um linfonodo!” SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 44 Como avaliar o delírio e as demais alterações do juízo de realidade? Existem perguntas que podem ser feitas numa entrevista diagnóstica a fim de investigar e avaliar essas alterações. É importante começar a entrevista com perguntas neutras (idade, estado civil, onde mora etc.). Depois de estabelecer esse contato, vamos com cuidado “chegando perto” dos delírios. Sempre que o paciente relatar o delírio ou algo dele, podemos perguntar “como é que você sabe disso?”, “como chegou a essas conclusões?”. 45 Delírios de perseguição: Você tem motivos para desconfiar de alguém? Alguém tentou prejudicá-lo? Recebeu ameaças? Foi roubado ou enganado? Alguém o persegue? Tem inimigos? Insultam-o? Por que motivos? Trata-se de um complô, de uma “armação”, de uma máfia? Como se comporta sua família em relação a você? Também querem prejudicá-lo? E seu cônjuge, confia nele? Também quer prejudicá-lo? Quando começou a perseguição e por que motivo? Você está certo do que me disse ou acha que podem ser “coisas de sua imaginação”? Você não está enganado? Como pensa defender-se desses perigos? Delírios de referência: Observou se as pessoas falam de você quando conversam? Tem notado se, na rua ou em outro lugar, alguém o segue ou espia? Alguém faz gestos ou sinais quando você passa? Viu nos jornais ou na televisão alguma coisa a seu respeito? Conhece as pessoas que fazem essas coisas? Que intenção elas têm? Entre as perguntas que podem ser feitas nesse processo de avaliação estão: 46 Delírios de influência: Já sentiu algo externo influenciando seu corpo? Já recebeu algum tipo de mensagem? Alguma força externa influencia ou controla seus pensamentos? Já teve a sensação de que alguém ou algo pode ler sua mente? Já sentiu que seus pensamentos podem ser percebidos ou ouvidos pelos outros? Tem a sensação de que controlam seus sentimentos, seu corpo ou suas vontades? Ideias/delírios de ciúmes: Você confia no seu cônjuge? Tem motivos para suspeitar de sua fidelidade? Tem provas de que o enganou ou o traiu? Como foi que começou? Como tem certeza de que o traiu? Delírios de grandeza: Sente-se especialmente forte ou capaz? Tem algum talento ou alguma habilidade especial? Tem projetos, realizações especiais para o futuro? Aumentou ultimamente sua capacidade para o trabalho? Observou se uma pessoa importante se interessa por você? Você é uma pessoa rica? Delírios religiosos: Você é uma pessoa religiosa? Já teve contato ou recebeu influências de espíritos ou forças sobrenaturais? Você sente que tem uma relação especial com Deus? Teve contato com forças sobrenaturais, como espíritos, anjos ou demônios? Já conversou com Deus? Já conversou com espíritos? 47 Função psíquica "Pensamento"4 O que é? Pensamento é a interpretação que se faz das situações do mundo. Sua constituição é resultado da agregação de: • conceitos (essência das coisas): elemento estrutural básico do pensamento que se forma a partir das percepções e representações. O conceito é algo puramente cognitivo, intelectivo, não devendo ter qualquer resquício sensorial. Não é possível visualizá-lo, ouvi-lo ou senti-lo. Ex: conceito de cadeira, conceito de utilidade. • juízo (relação entre os conceitos): juízos são afirmações ou negações de relações entre conceitos e é através deles que a gente determina o que é verdadeiro e o que é falso. Ex: a cadeira é útil. • raciocínio (relação dos juízos): relaciona conceitos e juízos formando uma narrativa ou argumentação. 48 O pensamento está fortemente ligado ao juízo de realidade, pois se o juízo de realidade for falho, a forma de pensar também estará alterada. É importante destacar que: Erros de pensamento podem acontecer na população sem transtornos mentais, como é o caso dos erros e vieses, que são comuns e sistemáticos. O viés de confirmação consiste em uma tendência relativamente comum de muitas pessoas em distorcer, de modo inconsciente, os dados e as percepções da realidade para confirmar hipóteses previamente formuladas no início de um raciocínio. O viés de salto para as conclusões se verifica quando conclusões apressadas, sem base nas evidências factuais, são formuladas com grau de certeza incompatível com tais evidências 49 O processo do pensar e suas alterações Uma forma de analisar o pensamento é distinguindo os seguintes aspectos do processo de pensar: o curso, a forma (ou estrutura) e o conteúdo (ou temática) do pensamento. O curso do pensamento é o modo como o pensamento flui, sua velocidade e seu ritmo ao longo do tempo. Já a forma do pensamento é sua estrutura básica, sua arquitetura, preenchida pelos mais diversos conteúdos e interesses do indivíduo. Por sua vez, o conteúdo do pensamento pode ser definido como aquilo que lhe dá substância, seus temas predominantes, o assunto em si. A forma e o curso do pensamento estão diretamente relacionados pois muitas vezes a alteração de curso acaba alterando a forma e vice-versa. 50 As principais alterações do curso do pensamento são a aceleração, a lentificação, o bloqueio e o roubo do pensamento. Também conhecido como taquipsiquismo, refere-se à aceleração do pensamento, com uma ideia se sucedendo à outra rapidamente, podendo até ser difícil acompanhar o ritmo do indivíduo. Também conhecido como bradipsiquismo, corresponde a lentificação do pensamento. O discurso pode se tornar tão lento que chega a parecer sem sentido, confundindo a avaliação. Há certa latência entre as perguntas formuladas e as respostas. Há uma interrupção abrupta no fluxo do pensamento ou da fala, sem motivo aparente. O paciente relata “eu não consigo pensar por que a minha mente para de repente”. · Aceleração do pensamento · Lentificação do pensamento · Bloqueio ou interceptação do pensamento Vale lembrar que situações ansiogênicas e de fadiga podem ocasionar bloqueios episódicos, como os famosos “brancos” que ocorrem com estudantes em provas ou apresentações, o que não representa necessariamente um evento patológico. Alterações do curso do pensamento 51 Roubo do pensamento Alterações da forma do pensamento. · Afrouxamento das associações É uma vivência, frequentemente associada ao bloqueio do pensamento, onde o indivíduo tem a nítida sensação de que seu pensamento foi roubado de sua mente, por uma força ou ente estranho, por uma máquina, uma antena etc. As alterações formais incluem: afrouxamento das associações, descarrilhamento, dissociação e incoerência do pensamento e desagregação do pensamento. Nesse caso, embora ainda haja lógica entre as ideias, é possível observar o afrouxamento dos enlaces associativos. As associações parecem mais livres, não tão bem articuladas. · Descarrilhamento do pensamento · Dissociação e incoerência do pensamento · Desagregação do pensamento Aqui o pensamento passa a se extraviar de seu curso normal, toma atalhos, desvios, pensamentos supérfluos, retornando aqui e acolá ao seu curso original. Com o agravamento do processo patológico, o pensamento pode tornar- se totalmente incoerente e incompreensível. Exemplo: “Ontemà tarde eu vim à clínica porque estamos em ano de eleições e o padeiro abre somente às oito horas.” Nesse caso, há uma profunda e radical perda dos enlaces associativos, total perda da coerência do pensamento. Sobram apenas “pedaços” de pensamentos, conceitos e ideias fragmentados, muitas vezes irreconhecíveis, sem qualquer articulação racional. 52 SEMANA DA PSICOPATO 2024 E-BOOK EXCLUSIVO Alterações do conteúdo do pensamento O conteúdo do pensamento é aquilo que preenche a estrutura do processo de pensar. A principal alteração do conteúdo do pensamento é o delírio. A observação clínica indica que os principais conteúdos que preenchem os sintomas psicopatológicos são: 1. Persecutórios 2. Depreciativos, de ataque à autoestima 3. De poder, riqueza, grandeza ou missão 4. Religiosos, místicos, mágicos 5. Eróticos, sexuais, de ciúmes 6. De culpa 7. Conteúdos hipocondríacos 53 SEMANA DA PSICOPATO 2024 E-BOOK EXCLUSIVO Outras alterações do pensamento (incluindo juízo e raciocínio) Pensamento mágico Pensamento inibido Pensamento prolixo Pensamento obsessivo O pensamento mágico (PM) pressupõe que uma relação puramente subjetiva de ideias corresponde a uma associação objetiva de fatos. Por exemplo: "porque vi um carro batido hoje cedo, concluo que meu pai irá morrer atropelado nos próximos dias. Aqui, ocorre a inibição do raciocínio, com diminuição da velocidade e do número de conceitos, juízos e representações utilizados no processo de pensar; o pensamento torna-se lento, difícil, rarefeito, pouco produtivo à medida que o tempo flui. Aqui, o indivíduo não consegue chegar a qualquer conclusão sobre o tema de que está tratando, a não ser após muito tempo e esforço. O paciente dá longas voltas ao redor do tema e mescla, de forma imprecisa, o essencial com o supérfluo. Aqui predominam ideias ou representações que, apesar de terem conteúdo absurdo ou repulsivo para o indivíduo, se impõem à consciência dele de modo persistente e incontrolável. 54 Ruminações ou pensamento ruminativo perseverativo As ruminações são formas de pensamento repetitivo que implicam preocupações e pensamentos negativos recorrentes, vivenciados de forma passiva. O paciente se fixa em palavras ou informações usadas anteriormente que, no contexto atual da conversa, não fazem mais sentido. Como avaliar o pensamento? Existem algumas formas de avaliar o pensamento e uma delas é conduzindo a entrevista com perguntas específicas. Perguntas para verificar o desenvolvimento e a estrutura global do pensamento: · Que diferença há entre a mão e o pé? Entre o boi e o cavalo? Entre a água e o gelo? E entre o cristal e a madeira? · Entre 1 kg de chumbo e 1 kg de palha, o que pesa mais? Que diferença há entre falar uma coisa errada e dizer uma mentira? E entre a admiração e a inveja? E entre ser uma pessoa econômica e ser uma pessoa mesquinha, um “pão-duro”? · Que semelhanças há entre o carro, o trem e o avião? SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 55 Ao longo da entrevista, verificar o curso do pensamento: Como flui o pensamento do paciente, seu curso (velocidade, ritmo), forma e conteúdos? O pensamento é lento e difícil ou rápido e fácil? O raciocínio alcança seu objetivo, chega a um ponto final, ou fica “orbitando” em temas secundários? Verificar as formas e os tipos de pensamentos: O pensamento é coerente e bem compreensível? Ou é vago, com trechos incompreensíveis? O pensamento é predominantemente incompreensível, muito incoerente? Há associações por assonância? Há fuga de ideias? É concreto ou revela capacidade de abstração e uso de símbolos e categorias de generalização? O pensamento respeita a realidade ou segue os desígnios dos desejos e temores do paciente? SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 56 Os 3 eixos da psicopatologia5 A psicopatologia tem eixos e, com isso, diferentes formas de ver os transtornos mentais. São 3 os eixos principais Não trabalha com a ideia de diagnóstico, estuda o “fenômeno”. Seu principal divulgador e estudioso foi Karl Jaspers que seguia o método fenomenológico de investigação e descrição dos fenômenos tal como a consciência os percebe, excluindo toda teorização sobre sua causa. A psicopatologia fenomenológica seria uma vertente sem classificações. Psicopatologia Fenomenológica 57 Psicopatologia Psicodinâmica A Psicodinâmica é uma abordagem da psicologia que está diretamente ligada às teorias trabalhadas pela Teoria Psicanalítica. Essa abordagem trabalha os conflitos que estão no nosso inconsciente. Freud foi seu criador e principal divulgador. Atualmente a psicanálise não é considerada ciência e a psicopatologia psicodinâmica tem sido cada vez mais abandonada. Para a psicopatologia psicodinâmica interessa o conteúdo das vivências, os movimentos internos de afetos, desejos e temores do indivíduo, sua experiência particular, pessoal, singular, não necessariamente classificável em sintomas previamente descritos. As causas para os transtornos mentais estariam no passado do indivíduo, na sua história de vida, nos seus vínculos parentais e traumas. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 58 Modelo atual, aceito desde 1980 com a chegada do DSM 3, e tem como precursor Kraepelin que se opunha às ideias de Freud. Para a psicopatologia descritiva, interessa fundamentalmente a descrição das formas de alterações psíquicas, as estruturas dos sintomas, aquilo que caracteriza e descreve a vivência patológica como sintoma mais ou menos típico. Essa psicopatologia se baseia em um método de classificação pautado na nosologia e entende que a causa de todos os transtornos mentais é de origem multifatorial, possuindo influência genética, biológica, ambiental, familiar e personalidade. Psicopatologia Descritiva ou Ateórica SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 59 O que é um transtorno mental?6 Atualmente, o DSM-5-TR define transtorno mental como um conjunto de sinais e sintomas caracterizado por perturbação clinicamente significativa na cognição, regulação emocional ou comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Os transtornos mentais também são frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. 60 Qual a causa do transtorno mental?7 Encontrar a causa para um transtorno mental parece ser a busca daqueles que recebem o diagnóstico de um. Será que foi o trauma que passou na infância? Ou aquela experiência constrangedora na adolescência? Hoje já é muito definido na literatura que a causa de todo transtorno mental é multifatorial. Ou seja, é uma somatória de fatores que contribuem para que o transtorno se manifeste na vida do indivíduo. Não falamos em relação de causa e efeito quando se trata de transtorno mental pois o processo não é tão simples assim. Fica mais fácil entender a causa multifatorial de um transtorno mental quando entendemos a diferença entre correlação e causalidade. A correlação é um dado estatístico e não é um dado suficiente para estabelecer causalidade. Correlação é o que o senso comum chama de coincidência. Podemos dizer que ser assaltado tem correlação com o diagnóstico de TEPT, mas não podemos dizer que é a causa dele, pois se assim o fosse, todas as pessoas que fossem assaltadas teriam o diagnóstico de TEPT e não é o que acontece, correto? Estamos sempre em busca de uma resposta quantitativa para um problema que é qualitativo. 61 Para provar a causalidade a gente precisa de muitos estudos científicos, especialmente ensaios clínicos randomizados. Apenas métodos científicos mais rigorosos podem atribuir causalidade. O problema é que as relações causais unilaterais e unifatoriais são raras na psiquiatria, por issoa multifatorialidade é a teoria mais aceita dentro da Psicopatologia. O que significa essa multifatorialidade do transtorno mental? Significa que muitos aspectos estão por trás da manifestação de um transtorno mental. E um deles são os aspectos biológicos e genéticos. Evidências crescentes mostram que nós herdamos uma tendência a sermos tensos, irritados e ansiosos. Contudo, uma vulnerabilidade genética não “causa” ansiedade ou pânico diretamente. Ou seja, acontecimentos estressantes e outros fatores no ambiente podem “ativar” esses genes e desencadear vulnerabilidades psicológicas e biológicas para a ansiedade. Para a psicopatologia ateórica a união de inúmeros fatores junto a um ambiente desfavorável pode desencadear um transtorno mental. Que é o que chamamos de causa multifatorial. Lembre-se: “achados extraordinários requerem feitos extraordinários”. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 62 Modelo da tripla vulnerabilidade 8 O modelo da tripla vulnerabilidade é a teoria do desenvolvimento dos transtornos mentais mais aceita e envolve Genétic Vulnerabilidade psicológica - aspectos da personalidad Componente psicológico específico - trauma, abandono, abuso De acordo com a teoria criada por David H. Barlow, certas predisposições podem influenciar na vulnerabilidade de uma pessoa ao medo, por exemplo. Ainda segundo essa linha de pensamento, a soma desses tipos de vulnerabilidade é um fator que ajudaria a contribuir para o desenvolvimento do transtorno de pânico, por exemplo. O modelo da tripla vulnerabilidade do pânico ficaria assim: Vulnerabilidade biológica: quando a ansiedade e o afeto negativo são herdados como características genéticas - pai ou mãe com essas características. Vulnerabilidade psicológica: quando alguma experiência vivenciada durante o desenvolvimento da pessoa leva a sensações que fogem ao seu controle, associado a fatores de personalidade Vulnerabilidade ambiental: quando a pessoa possui sensações derivadas de uma impressão constante de ameaça e perigo. psicólogo americano e professor na Universidade de Boston 63 Sendo assim, se uma pessoa está sob grande pressão, particularmente de estressores interpessoais, determinado estressor pode ativar suas tendências biológicas de ser ansioso e suas tendências psicológicas de sentir que não é capaz de administrar a situação e de controlar o estresse. Então, sabemos que a causa dos transtornos mentais é uma causa de múltiplos fatores - multifatorial. Mas em todos os transtornos todos os fatores têm o mesmo peso? Genética, ambiente, história de vida e personalidade determinam cada transtorno da mesma forma? Hoje sabemos que não. Fatores diferentes têm pesos diferentes para cada transtorno. Por exemplo: Nos transtornos alimentares temos uma influência genética, mas as pressões do ambiente parecem ser bastante determinantes. No transtorno de personalidade antissocial entende-se que os fatores genéticos podem apresentar vulnerabilidade, porém, o desenvolvimento da criminalidade pode requerer fatores ambientais, como falta de contato de boa qualidade na infância com pais biológicos ou substitutos - ou ambientes invalidantes como chamamos hoje na psicologia. Outro exemplo dos diferentes pesos da genética e ambiente é na esquizofrenia. A esquizofrenia é um dos transtornos mais biológicos que existem. Como sabemos disso? Com estudo de gêmeos idênticos. Se o ambiente fosse exclusivamente responsável pela esquizofrenia, esperaríamos pouca diferença entre gêmeos idênticos e fraternos com relação a esse transtorno. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 64 Caso apenas os fatores genéticos fossem relevantes, ambos os gêmeos idênticos sempre teriam esquizofrenia (seriam concordantes) e os gêmeos fraternos apresentariam o transtorno 50% do tempo. A pesquisa dos estudos sobre gêmeos indica que a verdade está em algum lugar entre essas duas possibilidades. Então, podemos seguramente fazer uma generalização: os genes são responsáveis por tornar alguns indivíduos vulneráveis à esquizofrenia. O TDAH é considerado altamente influenciado pela genética. Influências ambientais desempenham um papel relativamente pequeno no transtorno, quando comparadas a muitos outros - como depressão e ansiedade que tem influência mais forte do ambiente e de fatores psicológicos. Na depressão, por exemplo, as melhores estimativas das contribuições genéticas para a depressão alcançam aproximadamente 40% para mulheres, mas parecem ser significativamente menores para os homens (por volta de 20%). Isso significa que 60% a 80% das causas de depressão podem ser atribuídas a fatores ambientais. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 65 Existe cura para o transtorno mental? 9 Não falamos em cura de transtorno mental, pois não podemos garantir que os sintomas não reaparecerão. Em saúde mental falamos em remissão de sintomas e isso não significa que o transtorno sumiu, significa que houve um retorno à funcionalidade. Quando falamos em remissão total, estamos falando em torno de 70% de melhora. Quando falamos em remissão parcial, em torno de 50%. Quanto de remissão podemos esperar nos principais transtornos? Isso vai depender do tipo de transtorno, pois dependendo da sua categoria o prognóstico é melhor ou pior. Transtornos Episódicos, como transtornos depressivos e transtornos de ansiedade, possuem o ambiente como o fator desencadeante principal. Nos transtornos episódicos é mais fácil falar em remissão total Transtornos Crônicos, como a esquizofrenia e o transtorno bipolar, possuem uma base genética significativa e nenhum tratamento inibe essa questão genética e biológica. Podemos falar em remissão desses transtornos, mas o tratamento medicamentoso não será interrompido. Mesmo que a remissão não seja total podemos falar em retorno a funcionalidade. Remissão significa retorno à funcionalidade. 66 Transtornos do Neurodesenvolvimento, como o TDAH e o TEA, são os transtornos com os quais já se nasce com. A genética é preponderante e o ambiente pode contribuir para uma expressão fenotípica mais grave ou menos grave. A remissão total é mais difícil nesses casos. Transtornos Degenerativos, como o Alzheimer, uma vez iniciado o processo degenerativo não regride. Entender todos os aspectos apresentados nesta aula é fundamental para que você seja capaz de avaliar o seu paciente corretamente e oferecer a ele a melhor intervenção disponível para a sua demanda. Psicopatologia não se resume a conjunto de sinais e sintomas, como ficou claro. Por isso precisamos estudar e nos aprofundar nesta área do conhecimento a fim de não reproduzirmos erros antigos ou nos mantermos apegados a modelos obsoletos. SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 67 Introdução ao em Saúde Mental (DSM-5-TR) Manual Diagnóstico ATUAL E S P E C I A L 5 A N O S AULA 3 68 O que você vai encontrar nessa aula: SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO Qual a implicação do DSM-5-TR na sua prática clínica? Definição de transtorno mental Divisão do DSM-5-TR Categorias diagnósticas do DSM-5-TR Estrutura de apresentação dos transtornos Outras seções importantes do DSM Diferença entre traço e transtorno Principais mudanças trazidas pelo DSM-5-TR Instrumentos de avaliação 1 2 3 4 5 6 7 8 9 69 No contexto da prática clínica em saúde mental, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) desempenha um papel crucial. A versão mais recente, o DSM-5-TR, tornou-se o padrão de referência a partir de janeiro de 2023, substituindo as versões anteriores. Para os profissionais que desejam manter-se atualizados, é essencial dominar as mudanças e atualizações dessa nova edição. Lembre-se… Após o lançamento do DSM-5-TR, as edições anteriores tornaram-se obsoletas. Qual a implicação do DSM-5-TR na sua prática clínica? 1 70Definição de transtorno mental2 Retomando a definição de transtorno mental trazida pelo DSM: Um transtorno mental é uma síndrome caracterizada por uma perturbação clinicamente significativa na cognição, regulação emocional ou comportamento de um indivíduo, refletindo uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Geralmente, esses transtornos estão associados a um sofrimento significativo ou incapacidade em atividades sociais, ocupacionais ou outras atividades importantes. No entanto, uma resposta previsível ou culturalmente aprovada a um estressor comum ou perda não é considerada um transtorno mental. É fundamental destacar que comportamentos socialmente desviantes ou conflitos entre o indivíduo e a sociedade não são classificados como transtornos mentais, a menos que resultem de uma disfunção no indivíduo, conforme descrito acima. 71 SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO Cada transtorno identificado no Manual deve atender a essa definição. Embora nenhuma definição seja capaz de abranger todos os aspectos dos transtornos contidos no DSM, alguns elementos são essenciais a definição caracteriza um transtorno mental como causador de um distúrbio clinicamente significativo em vários domínios, resultando em sofrimento ou prejuízo. Por vezes, o prejuízo pode ser evidente, mesmo que o sofrimento não seja percebido pelo indivíduo afetado a disfunção identificada é atribuída aos distúrbios subjacentes nos processos psicológicos, biológicos ou do desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental, requerendo uma avaliação abrangente desses processos a definição exclui disfunções esperadas ou culturalmente aceitáveis, como tristeza temporária após a perda de um ente querido a disfunção não é considerada um transtorno mental se decorrer de um desentendimento entre o indivíduo e sua cultura mais ampla. Lembre-se: o diagnóstico não se resume apenas aos critérios do DSM. 72 Divisão do DSM-5-TR 3 O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5- TR) é organizado em três seções principais: Seção I: essa parte fornece informações introdutórias sobre o DSM-5-TR, incluindo instruções sobre o uso do manual e considerações importantes. Aqui, são apresentadas orientações gerais, juntamente com advertências sobre o uso responsável do DSM. Além disso, são fornecidos alertas específicos para questões forenses, destacando que as informações diagnósticas do DSM devem ser utilizadas com cautela nesses contextos, devido ao risco de interpretações inadequadas. Seção II: essa seção é dedicada à apresentação dos transtornos mentais, organizados em grupos e capítulos com base em semelhanças e estágios do ciclo de vida, começando na infância com os transtornos do neurodesenvolvimento e terminando na velhice com os transtornos neurodegenerativos. O DSM-5-TR inclui mais de 300 diagnósticos distribuídos em 19 categorias diagnósticas nessa seção. Seção III: aqui são apresentados instrumentos de avaliação e modelos emergentes, como o modelo alternativo para os Transtornos de Personalidade, que é totalmente dimensional. 73 Categoria 1: Transtornos do Neurodesenvolvimento Os Transtornos do Neurodesenvolvimento são condições com início no período do desenvolvimento e podem afetar o funcionamento pessoal, acadêmico ou profissional. Eles se manifestam precocemente, em geral antes de a criança ingressar na escola. Esses transtornos podem variar desde dificuldades específicas de aprendizado até déficits mais amplos em habilidades sociais e intelectuais. Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno do Desenvolvimento Intelectua Transtornos da Comunicação Transtorno do Espectro Autista (TEA Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH Transtorno Específico da Aprendizage Transtornos Motores 74 Categoria 2: Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos Essa categoria engloba transtornos caracterizados por anormalidades em um ou mais dos cinco domínios: (1) delírios, (2) alucinações, (3) pensamento (discurso) desorganizado, (4) comportamento motor grosseiramente desorganizado ou anormal (incluindo catatonia) e (5) sintomas negativos. Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno Delirant Transtorno Psicótico Brev Transtorno Esquizofreniform Esquizofrenia Transtorno Esquizoafetivo Observação: é importante mencionar que o Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos inclui o Transtorno da Personalidade Esquizotípica. Esse transtorno é incluído neste capítulo do DSM porque é considerado parte do Espectro da Esquizofrenia, mas sua descrição completa está no capítulo "Transtornos da Personalidade”. 75 Categoria 3: Transtorno Bipolar e Transtornos Relacionados A posição dos transtornos dessa categoria representa uma ponte (em termos de sintomatologia, história familiar e genética) entre o Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos e os Transtornos Depressivos. Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno Bipolar Tipo Transtorno Bipolar Tipo Transtorno Ciclotímic Transtorno Bipolar Induzido por Substâncias Categoria 4: Transtornos Depressivos A caraterística comum desses transtornos é a presença de vazio, humor triste ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo. O que difere entre eles são os aspectos de duração, principalmente. Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno Disruptivo da Desregulação do Humo Transtorno Depressivo Maior Transtorno Depressivo Persistent Transtorno Disfórico Pré-menstrua Transtorno Depressivo Induzido por Substância/Medicamento 76 Categoria 5: Transtornos de Ansiedade Os Transtornos de Ansiedade são marcados pela presença de ansiedade excessiva ou persistente, afetando várias áreas da vida do indivíduo. Além disso, estão associados a prejuízos sociais, ocupacionais ou em outras áreas do funcionamento. Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno de Ansiedade de Separaçã Mutismo Seletiv Fobia Específic Transtorno de Ansiedade Social Transtorno do Pânic Agorafobi Transtorno de Ansiedade Generalizada Transtorno de Ansiedade Induzido por Substância ou Medicamento 77 Categoria 6: Transtorno Obsessivo- Compulsivo e Relacionados O Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtornos Relacionados compartilham comportamentos repetitivos e compulsivos e, por isso, foram agrupados na mesma categoria. Eles estão localizados logo após os Transtornos de Ansiedade devido ao componente de ansiedade presente nos transtornos dessa categoria. Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC Transtorno Dismórfico Corpora Transtorno de Acumulaçã Tricotilomania Transtorno de Escoriação (skin-picking Outro Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtorno Relacionado Especificado Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtorno Relacionado Não Especificado 78 Categoria 7: Transtornos Relacionados a Trauma e a Estressores Os Transtornos Relacionados a Trauma e a Estressores compartilham uma característica: apresentam um evento estressante desencadeante seguido por respostas emocionais intensas. Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno de Apego Reativ Transtorno da Interação Social Desinibid Transtorno do Estresse Pós-traumátic Transtorno de Estresse Agud Transtornos de Adaptação Transtorno do Luto Prolongado Categoria 8: Transtornos Dissociativos Os Transtornos Dissociativos são caracterizados por perturbação e/ou descontinuidade da integração normal de consciência, memória, identidade, emoção, percepção, representação corporal, controle motor e comportamento. Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno Dissociativo de Identidad Amnésia Dissociativ Transtorno deDespersonalização/Desrealização 79 Categoria 9: Transtorno de Sintomas Somáticos e Relacionados Os transtornos dessa categoria compartilham um aspecto em comum: a proeminência de sintomas somáticos associados a sofrimento e prejuízo significativos. Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno de Sintomas Somáticos Transtorno de Ansiedade de Doença Fatores Psicológicos que Afetam outras Condições Médicas Transtorno de Sintomas Neurológicos Funcionais Transtorno Factício Categoria 10: Transtornos Alimentares Os Transtornos Alimentares são caracterizados por uma perturbação persistente na alimentação ou no comportamento alimentar, resultando em consumo ou absorção alterada de alimentos, comprometendo significativamente a saúde física ou o funcionamento psicossocial do indivíduo. Nessa categoria, estão incluídos: Pic Transtorno de Ruminaçã Transtorno Alimentar Restritivo/Evitativ Anorexia Nervos Bulimia Nervos Transtorno de Compulsão Alimentar 80 Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno de Insôni Transtorno de Hipersonolênci Narcolepsi Transtornos do Sono Relacionados à Respiraçã Transtorno do Sono-Vigília do Ritmo Circadian Transtornos de Despertar do Sono Não REM (NREM Transtorno do Pesadel Transtorno Comportamental do Sono RE Síndrome das Pernas Inquieta Transtorno do Sono Induzido por Substância/Medicamento Categoria 11: Transtornos da Eliminação Categoria 12: Transtornos do Sono-Vigília Os Transtornos da Eliminação envolvem a eliminação inapropriada de urina ou fezes e geralmente são diagnosticados pela primeira vez na infância ou na adolescência. Nessa categoria, estão incluídos: Enures Encoprese Os Transtornos do Sono-Vigília abrangem uma variedade de condições que afetam o sono e a vigília. Geralmente, os indivíduos com esses tipos de transtorno apresentam queixas de insatisfação envolvendo a qualidade, o tempo e a quantidade de sono. O sofrimento e o prejuízo resultantes durante o dia são características centrais compartilhadas por todos esses transtornos. 81 Categoria 13: Disfunções Sexuais As Disfunções Sexuais abrangem uma variedade de transtornos nos quais os indivíduos enfrentam dificuldades em alcançar um desempenho sexual. Nessa categoria, estão incluídos: Ejaculação Retardad Transtorno Eréti Transtorno do Orgasmo Feminin Transtorno do Interesse/Excitação Sexual Feminin Transtorno da Dor Gênito-Pélvica/Penetraçã Transtorno do Desejo Sexual Masculino Hipoativ Ejaculação Prematura Disfunção Sexual Induzida por Substância/Medicament Outra Disfunção Sexual Especificada e Não Especificada Categoria 14: Disforia de Gênero O termo Disforia de Gênero foi incluído no DSM-5 de 2013, substituindo o termo “transtorno de identidade de gênero", usado anteriormente no DSM-IV. A mudança da terminologia reflete um foco na disforia como um problema clínico, em oposição a identidade de gênero em si. Nessa categoria, está incluída Disforia de Gênero (em crianças e adolescentes e adultos) 82 Categoria 15: Transtornos Disruptivos do Controle de Impulsos e da Conduta Os transtornos dessa categoria são caracterizados pela falha repetida em resistir, pelo menos em curto prazo, a um impulso, necessidade ou desejo de realizar um ato que seja recompensador, apesar das consequências, que geralmente causam sofrimento e prejuízos significativos no funcionamento. Nessa categoria, estão incluídos: Transtorno da Oposição Desafiant Transtorno Explosivo Intermitent Piromani Cleptomania 83 Categoria 16: Transtornos Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos Os Transtornos Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos abrangem uma ampla variedade de condições associadas ao abuso de drogas e outras substâncias, utilizadas pelas pessoas para alterar seu modo de pensar, sentir e se comportar. Além dos transtornos relacionados a substâncias, este capítulo também inclui o Transtorno do Jogo, pois os comportamentos de jogo ativam sistemas de recompensa semelhantes aos ativados por drogas de abuso e produzem alguns sintomas comportamentais que podem ser comparados aos produzidos pelos Transtornos por Uso de Substância. Nessa categoria, estão incluídos: Álcoo Cafeín Cannabi Alucinógeno Inalante Opioide Ansiolítico Estimulantes (anfetamina, cocaína Tabaco e outras substâncias 84 Categoria 17: Transtornos Neurocognitivos Os Transtornos Neurocognitivos (TNCs) englobam uma variedade de condições em que o déficit clínico primário está na função cognitiva, sendo transtornos adquiridos em vez de transtornos do desenvolvimento. Nessa categoria, estão incluídas duas classes de Transtornos Cognitivos: Delirium: uma condição frequentemente temporária na qual se apresentam a confusão e a desorientação; Transtorno Neurocognitivo Maior ou Leve: uma condição progressiva marcada pela deterioração gradual de uma série de capacidades cognitivas. Dentro da classe de Transtornos Neurocognitivos Maiores ou Leves, temos os seguintes subtipos: Transtorno Neurocognitivo Maiores ou Leve Transtorno Neurocognitivo Maior ou Leve Devido a Doença de Alzheime Transtorno Neurocognitivo Vascular Maior ou Lev Transtorno Neurocognitivo Maior ou Leve Devido a Doença de Parkinson Transtorno Neurocognitivo Maior ou Leve Devido a Doença de Huntingto Transtorno Neurocognitivo Maior ou Leve Devido a Doença Corpos de Lev Transtorno Neurocognitivo Maior ou Leve Devido a Doença Devido a Infecção por HI Transtorno Neurocognitivo Maior ou Leve Devido a Lesão Cerebral Traumátic Transtorno Neurocognitivo Maior ou Leve Devido a Doença de Príon. 85 A partir daqui o DSM sai da ordem do curso de ciclo vital, pois não se tem um consenso exato de que fase da vida esses transtornos podem aparecer (adolescência ou vida adulta). Assim, o DSM deixa Transtornos da Personalidade e Parafílicos para o final Categoria 18: Transtornos da Personalidade Um Transtorno da Personalidade é um padrão persistente de emoções, cognições e comportamentos, difuso e inflexível, resultando em um sofrimento emocional duradouro para a pessoa afetada e/ou para outros e pode causar dificuldades no trabalho e nos relacionamentos. Nessa categoria, estão incluídos: O grupo A, conhecido como o grupo dos esquisitos ou excêntricos, que inclui Transtornos da Personalidade Paranoid Transtornos da Personalidade Esquizoid Transtornos da Personalidade Esquizotípica O grupo B, conhecido como o grupo das pessoas que se mostram dramáticas, emotivas ou imprevisíveis, que inclui Transtornos da Personalidade Antissocia Transtornos da Personalidade Borderlin Transtornos da Personalidade Histriônic Transtornos da Personalidade Narcisista O grupo C, conhecido como o grupo dos ansiosos ou medrosos, que inclui Transtornos da Personalidade Evitativ Transtornos da Personalidade Dependent Transtornos da Personalidade Obsessivo-Compulsiva Observação: na Seção III do DSM, quase no final do manual, você vai encontrar o modelo alternativo para os Transtornos de Personalidade. É um modelo de personalidade totalmente dimensional baseado nos fatores de personalidade ou Big Five, como costuma ser mais conhecido. 86 Categoria 19: Transtornos Parafílicos Os Transtornos Parafílicos estão associados a comportamentos sexuais atípicos que podem ser prejudiciais para o indivíduo ou para os outros. Nessa categoria, estão incluídos: Voyeurism Exibicionism Frotteurism Masoquismo Sexua Sadismo Sexua Pedofili Fetichism Transtorno Transvéstico 87 Estrutura de apresentação dos transtornos6 A seção II do DSM é a mais longa pois é nela que todos os transtornos mentais, de todas as categorias diagnósticas, são apresentados. Em termos de estrutura para apresentação dos transtornos da seção II, o DSM se divide em três componentes principais: a classificação diagnóstica, os conjuntos de critérios diagnósticos e o texto descritivo.88 Cada diagnóstico do DSM possui um código de diagnóstico derivado do sistema de codificação usado por todos os profissionais de saúde, conhecido como Classificação Internacional de Doenças (CID). 1. Classificação diagnóstica SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 89 Para cada transtorno incluído no DSM, um conjunto de critérios diagnósticos indica os sintomas que devem estar presentes (e por quanto tempo). Embora esses critérios ajudem a aumentar a confiabilidade diagnóstica (ou seja, a probabilidade de dois profissionais chegarem ao mesmo diagnóstico ao avaliar um paciente), é importante lembrar que esses critérios devem ser usados por profissionais treinados usando julgamento clínico; eles não devem ser usados pelo público em geral. Após a avaliação dos critérios diagnósticos, os clínicos devem considerar a aplicação de subtipos de transtornos e/ou especificadores, conforme apropriado. Quando aplicáveis, critérios específicos para definir a gravidade do transtorno (p. ex., leve, moderada, grave, extrema), características descritivas (p. ex., com insight bom ou razoável; em ambiente protegido) e curso (p. ex., em remissão parcial, em remissão completa, recorrente) são fornecidos com cada diagnóstico. 2. Conjuntos de critérios diagnósticos SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 90 O texto descritivo fornece informações contextuais para auxiliar na tomada de decisão diagnóstica e aparece imediatamente após os critérios diagnósticos de cada transtorno, descrevendo o transtorno sistematicamente. Faz parte do texto descritivo: as características diagnósticas, a prevalência, desenvolvimento e curso, comorbidades etc. 3. Texto descritivo SEMANA DA PSICOPATOLOGIA 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 91 Outras seções importantes do DSM 7 Uma seção importante que o DSM traz para a maioria dos transtornos é a seção de subtipos e especificadores, que servem para aumentar a especificidade do diagnóstico. Os subtipos são indicados pela instrução "Determinar" no conjunto de critérios (p. ex., em anorexia nervosa, determinar se tipo restritivo ou tipo com compulsão alimentar purgativa). Em contrapartida, especificadores não têm o propósito de ser mutuamente excludentes ou coletivamente exaustivos, por isso mais de um especificador pode ser aplicado a um determinado diagnóstico. Os especificadores (diferentemente dos subtipos) são indicados pela instrução "Especificar se" (p. ex., no transtorno de ansiedade social, "Especificar se: somente desempenho") e também servem para indicar gravidade. Em resumo: podemos ter especificadores e subtipos tanto para acrescentar alguma característica para aquele transtorno (exemplo: com sintomas ansiosos - o que diminui um pouco as comorbidades) como também para especificar a gravidade dos transtornos. 92 Outra seção é a de Transtornos Mentais Especificados e Não Especificados, que costuma levantar muita dúvida. Essa seção serve para apresentações que não se encaixam exatamente nos limites diagnósticos dos transtornos em cada capítulo. Utilizamos "Transtorno Mental Especificado" quando o clínico sabe especificar o motivo pelo qual os critérios para tal transtorno não foram satisfeitos e "Transtorno Mental Não Especificado" quando o clínico não sabe especificar ou optou por não especificar o motivo pelo qual os critérios para tal transtorno não foram satisfeitos. 93 Diferença entre traço e transtorno 8 Fechar critérios para um transtorno mental não é simples, por isso não é a maioria das pessoas que possui um transtorno. Contudo, em contrapartida, um número maior de pessoas possui traços de alguns transtornos que, mesmo não sendo suficientes para um diagnóstico, costumam ser suficientes para causar sofrimento e prejuízos, pois a lógica do transtorno se aplica ao traço. Um exemplo são os traços de personalidade que são padrões persistentes de percepção, de relacionamento e de pensamento sobre o ambiente e si mesmo que são exibidos em uma ampla variedade de contextos sociais e pessoais. Os traços de personalidade constituem transtornos da personalidade somente quando são inflexíveis e mal-adaptativos, causando prejuízo funcional ou sofrimento subjetivo significativos. Percebe a diferença entre traço e transtorno? Você pode possuir traço da personalidade dependente e não ter todos os critérios suficientes para um Transtorno da Personalidade Dependente. 94 Essa ideia de traço vem do modelo dimensional que tem sido estudado há muito tempo - desde 1999 - e se baseia na ideia de que podemos descrever o ser humano a partir de um número de dimensões nas quais as pessoas se distribuem numa curva normal (em forma de sino). Traços ou dimensões são encontrados em variados graus entre as pessoas e descrevem a frequência de comportamentos que expressam tais disposições ao longo do tempo na vida do indivíduo, ou seja, operam em bases probabilísticas: as pessoas variam de estatura baixa a alta, por exemplo, com a maior parte situada no meio da curva. 95 Principais mudanças trazidas pelo DSM-5-TR 9 O DSM-5-TR é a primeira revisão publicada do DSM-5. Esse manual revisado integra os critérios diagnósticos originalmente publicados do DSM-5, com pequenas modificações para mais de 70 transtornos, com atualização no texto descritivo que acompanha cada transtorno, bem como com a inclusão de um novo diagnóstico, transtorno do luto prolongado, e dos códigos dos sintomas para informe de comportamento suicida e de autolesão não suicida. Além disso, o DSM-5-TR inclui uma revisão abrangente do impacto do racismo e da discriminação no diagnóstico e nas manifestações dos transtornos mentais. A maioria das alterações foram relativamente pequenas e servem para corrigir erros, esclarecer ambiguidades ou resolver inconsistências entre os critérios diagnósticos e o texto. Vejamos cada uma delas na página seguinte: 96 Diagnósticos e códigos de sintomas adicionados O DSM-5 já havia incluído uma categoria de Transtorno de Luto Complexo Persistente como uma “condição para um estudo mais aprofundado” na seção 3 do manual. No DSM-5-TR, esse transtorno foi adicionado à seção 2, no capítulo de Transtornos Relacionados a Traumas e Estressores, pois estima-se que após a perda não violenta de um ente querido, 1 em cada 10 adultos enlutados apresenta o risco de desenvolver Transtorno do Luto Prolongado. Esse transtorno representa uma reação prolongada e mal-adaptativa que só pode ser diagnosticada depois que tiverem passado pelo menos 12 meses e no caso de crianças, pelo menos seis meses, desde a morte de alguém com quem o enlutado tinha um relacionamento próximo. Transtorno do Luto Prolongado 97 Transtorno de Humor Não Especificado O transtorno de humor não especificado é uma categoria recém- adicionada. Aplica-se a apresentações nas quais predominam sintomas característicos de um transtorno do humor que causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento. No entanto, no momento da avaliação, eles não preenchem todos os critérios para nenhum dos transtornos nas classes diagnósticas de transtorno bipolar ou depressivo e é difícil escolher entre transtorno bipolar não especificado e transtorno relacionado e transtorno depressivo não especificado. Transtorno Neurocognitivo Leve Induzido por Estimulante Esse transtorno foi adicionado aos tipos existentes de transtornos neurocognitivos leves induzidos por substâncias (álcool, inalantes e sedativos, hipnóticos ou substâncias ansiolíticas), em reconhecimento ao fato de que sintomas neurocognitivos, como dificuldades de aprendizado e memória e função executiva, podem estar associados ao uso de estimulantes. 98 Códigos de sintomas adicionados: Os códigos da CID-10-CM para comportamentosuicida e autolesão não suicida foram adicionados ao capítulo "Outras condições que podem ser foco de atenção clínica" que apresenta condições e problemas que não são transtornos mentais em si, mas para os quais é útil ter uma forma sistemática de registro. Comportamento suicida: essa categoria pode ser usada para indivíduos que tenham se envolvido em comportamento potencialmente autolesivo com pelo menos alguma intenção de morrer como resultado do ato. Autolesão não suicida: essa categoria pode ser usada para indivíduos que tenham se envolvido em danos autoinfligidos intencionais ao seu corpo que provavelmente induziram sangramento, contusões, ou dor (por exemplo, corte, queimadura, esfaqueamento, pancada etc.) na ausência de intenção suicida. 99 Exemplos de mudanças nos critérios diagnósticos ou definição de especificadore Como era no DSM-5: A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia. A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado por todos os itens a seguir, atualmente ou por história prévia. Transtorno do Espectro Autista Como ficou no DSM-5-TR: Transtorno Bipolar Tipo I Como ficou no DSM-5-TR: Como era no DSM-5: A. A ocorrência do(s) episódio(s) maníaco(s) e depressivo(s) maior(es) não é mais bem explicada por transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou transtorno do espectro da esquizofrenia e outro transtorno psicótico com outras especificações ou não especificado. B. Pelo menos um episódio maníaco não é melhor explicado por transtorno esquizoafetivo e não é sobreposto à esquizofrenia, transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante ou outro espectro de esquizofrenia especificado ou não especificado e outro transtorno psicótico. 100 Todas as mudanças, como as apresentadas aqui, são bem sutis, apenas ajustando o texto para que fique mais compreensível ou menos redundante. Os critérios diagnósticos foram revisados para vários transtornos, principalmente para esclarecimento. Isso inclui mudanças nos conjuntos de critérios para os seguintes diagnósticos: Transtorno do Espectro Autista, Episódio maníaco, Transtorno Bipolar I e Bipolar II, Transtorno Depressivo Maior, Transtorno Depressivo Persistente, TEPT em crianças, Transtorno Alimentar restritivo/ evitativo, Delirium, Transtornos Mentais Induzidos por Substância/ Medicamento. Além disso, há mudanças nas definições de especificadores para vários transtornos. Esses incluem alterações nos especificadores de gravidade para episódio maníaco, o especificador de humor congruente/incongruente de humor para transtorno bipolar, o especificador de características mistas para transtorno depressivo maior e o especificador pós-transição para disforia de gênero. 101 Atualização da terminologia O DSM-5-TR também inclui atualizações de terminologia e nomenclatura. O termo “neuroléptico”, aplicado a uma classe de medicamentos, é um termo anacrônico que enfatiza os efeitos colaterais. Não será mais usado, exceto no caso da amplamente utilizada “síndrome neuroléptica maligna”. A terminologia nos especificadores de disforia de gênero foi atualizada para usar linguagem culturalmente sensível, por exemplo, “gênero desejado” foi alterado para “gênero experimentado”, “procedimento médico transexual” foi atualizado para “procedimento médico de afirmação de gênero”, “tratamento hormonal transexual” para “tratamento hormonal de afirmação de gênero”, “homem de nascimento” para “indivíduo designado homem no nascimento” e “mulher de nascimento” para “indivíduo designado mulher ao nascimento”. 102 Transtornos renomeados Dois transtornos foram renomeados para adotar o uso atual: Deficiência Intelectual agora é Transtorno do Desenvolvimento Intelectual e Transtorno de Conversão agora é Transtorno de Sintomas Neurológicos Funcionais. Além disso, o parêntese “(Fobia Social)” no Transtorno de Ansiedade Social foi removido. 103 Cultura, Racismo e Discriminação A mudança girou em torno da linguagem e da substituição de termos. Por exemplo: o termo “racializado” é usado em vez de “raça/ racial” para destacar a natureza socialmente construída da raça. Os termos “minoria” e “não-branca” são evitados porque descrevem grupos sociais em relação a uma “maioria” racializada, prática que tende a perpetuar hierarquias sociais; o termo emergente “Latinx” é usado no lugar de Latino/Latina para promover terminologia inclusiva de gênero e o termo caucasiano não é usado. 104 No entanto, é importante lembrar que: quando um novo manual é lançado, o antigo fica desatualizado. Transição na conceitualização de transtornos da personalidade Embora os benefícios de uma abordagem dimensional para os Transtornos da Personalidade tenham sido identificados nas edições anteriores, a transição de um sistema diagnóstico categórico de transtornos individuais para outro baseado na distribuição relativa de traços de personalidade não foi amplamente aceita. No DSM-5-TR, os transtornos da personalidade categóricos permanecem praticamente inalterados em relação à última edição. Contudo, um modelo "híbrido" alternativo é proposto na Seção III para guiar novas pesquisas, separando avaliações de funcionamento interpessoal e a expressão de traços de personalidade patológicos para seis transtornos específicos. Em resumo, as alterações do DSM-5-TR consistem em pequenos ajustes. Não se trata de um DSM-6, mas de uma revisão do DSM-5. 105 Instrumentos de avaliação 10 Conhecer o DSM é importante, pois o levamos em consideração durante o processo de avaliação diagnóstica. No entanto, um diagnóstico em saúde mental não é feito apenas através de checklist de critérios diagnósticos. Outras etapas são muito importantes e a principal delas é a que envolve a entrevista, que será apresentada na próxima aula. Além disso, é possível utilizar fontes complementares como é o caso dos instrumentos de avaliação que auxiliam na avaliação de sinais e sintomas. 106 Escalas livres Transtorno Bipolar • Mood Disorder Questionnaire (MDQ) - rastreio da sintomatologia • Young Mania Rating Scale (YMRS) - avalia a severidade dos sintomas maníacos • Bipolar Depression Rating Scale (BDRS) - avalia os sintomas depressivos e estados mistos em pacientes com Transtorno Bipola TOC • Brown Assessment of Beliefs Scale (BABS) ou a Nepean Beliefs Scale (NBS) - quantifica a capacidade de insight do paciente • Inventário de obsessões e compulsões (OCIR) • Y BOCS - Yale Brown Obsessive Compulsive Scal Depressão • Escala de Depressão de Hamilton (HAD) - avaliação da severidade dos episódios depressivos. Ansiedade social • Escala de Ansiedade Social de Liebowitz (LSAS) - Avalia como a ansiedade social desempenha um papel em uma variedade de situações • Escala de Ansiedade Social - Reduzida (SPS-6) - Mensura e rastreia o Transtorno de Ansiedade Social 107 TAG • Inventário fatorial de personalidade revisado Escala de Ansiedade de Hamilton - Avalia a gravidade dos sintomas ansiosos • Escala Beck (BAI) - Avalia sintomas como nervosismo, tontura, incapacidade de relaxar etc. De uso exclusivo por psicólogos • Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS) - Rastreia ansiedade clinicamente significativa e sintomas depressivos em pacientes internado Testes específicos - exclusivos do psicólogo • WISC-IV e WAIS-III - avalia a função psíquica composta inteligência • FDT – Five Digit Test - velocidade de processamento da atenção e controle inibitório • Teste de Trilhas Coloridas - avalia atenção • Trail Making Test - avalia a atenção (Parte A) e a flexibilidade mental e a capacidade de alternar entre categorias cognitivas •RAVLT - detecta problemas de memória, em demência e em pré- condições de demência • BVMT - Memória episódica visuoespacial 108 Outras escalas úteis • Inventário Fatorial de Personalidade revisado - teste que avalia a personalidade a partir dos 5 grandes fatores - Big Five. • BFP- Bateria fatorial de personalidade • Inventário de habilidades sociais • Escala para avaliação de tendência a agressividade • Escala de avaliação de impulsividade • Escala de desregulação emocional • Escala de desesperança BECK - BHS • Escala de ideação suicida BECK - BSS • Inventário de ansiedade BECK - BAI • Inventário de depressão de BECK- BDI II • Escala OQ-45 - serve para mensurar a evolução do paciente no tratamento. Atenção: nenhuma dessas escalas ou testes substitui a entrevista clínica na avaliação do paciente. 109 O DSM tem suas limitações e isso está escrito no manual, inclusive. Ele não tem a proposta de ser perfeito, de abarcar tudo e de resolver todas as questões. Muitas das críticas que são feitas passam pela não compreensão do que é o manual. Não é o ideal, mas é o melhor que temos até o momento. Ainda não encontramos uma forma melhor de agrupar os transtornos mentais, então por enquanto seguimos com essa. Para considerar... 110 Entrevista Diagnóstica NA PRÁTICA! E S P E C I A L 5 A N O S AULA 4 111 1 2 3 4 5 6 O que você vai encontrar nessa aula: SEMANA DA PSICOPATO 2024 E-BOOK EXCLUSIVO Desafios do diagnóstico em saúde mental A importância do relato do paciente Tipos de entrevista clínica Entrevista inicial x entrevista psicológica As 10 etapas da entrevista diagnóstica Requisitos para uma boa entrevista 112 Desafios do diagnóstico em saúde mental1 O objetivo do diagnóstico em saúde mental é o mesmo que em qualquer outra área da saúde: servir de norte para a condução do tratamento. Porém, muitos desafios envolvem esse processo e alguns deles são O diagnóstico é subjetivo e depende da observação do profissional Como não temos marcadores biológicos, a avaliação diagnóstica depende da observação do profissional e do que o paciente relata ou apresenta. Ausência de sintomas patognomônicos Em saúde mental não há sintomas exclusivos de cada transtorno mental. Um mesmo sintoma pode fazer parte de vários diagnósticos. Entre os transtornos mentais a sintomatologia é compartilhada. Relato do paciente Durante o processo de avaliação, dependemos do relato do paciente e esse, por sua vez, depende do vínculo, do comprometimento e engajamento, do tempo de investigação e do recorte feito pelo paciente. Percebe como são muitas variáveis? 113 A importância do relato do paciente 2 Em grande parte, o sucesso em uma entrevista vai depender do relato do paciente e de familiares, em alguns casos. Algumas variáveis costumam interferir na qualidade desse relato e são elas o vínculo, alteração das funções psíquicas e o tempo. O vínculo O relato depende diretamente da qualidade do vínculo. O paciente pode escolher recortes para compartilhar com o terapeuta a depender de como ele se sinta nessa relação. Porém, a qualidade do vínculo depende de alguns fatores, como: A condução da entrevista O modo como uma pergunta é formulada, o tom de voz utilizado, o olhar, os gestos, tudo isso pode orientar o relato do paciente. A motivação do paciente Se o paciente procurou ajuda espontaneamente, pode-se esperar que ele tenha uma certa preocupação com seu estado e predisposição maior em colaborar. A situação é diferente quando o paciente é trazido contra sua vontade. 114 Funções psíquicas que podem afetar o relato É muito importante que o entrevistador entenda de psicopatologia, dos transtornos e seja capaz de verificar as funções psíquicas que podem estar alteradas no paciente, já que isso interfere na qualidade do seu relato e no seu processo de avaliação. O relato estará comprometido se o paciente apresentar alterações no juízo de realidade, no pensamento, consciência e linguagem, por exemplo. Para isso, o profissional precisa avaliar Eixo longitudinal: dados referentes à biografia do paciente Eixo transversal: avaliação do estado mental, relacionado ao estado mental no momento do exame psíquico do paciente. 115 A entrevista clínica reúne um conjunto de técnicas de investigação que tem um objetivo definido: descartar ou confirmar um diagnóstico, por exemplo. Existem alguns tipos de entrevista e cada um deles tem uma indicação, bem como limitações. Os tipos de entrevista são: aberta, estruturada e semi-estruturada. O objetivo da entrevista é o que irá direcioná-la. Entrevista aberta Na entrevista aberta, o entrevistador não segue um roteiro rígido e predeterminado, possibilitando que o entrevistado fale o mais livremente possível. Esse tipo de entrevista nos dá a oportunidade de observar a organização do paciente, por meio da observação da ordem em que os assuntos são comunicados, da associação entre eles, das interrupções, das respostas emocionais etc. Suas principais limitações são: a dificuldade para formulação de diagnósticos consistentes, em razão da investigação não sistemática dos sintomas; o tempo imprevisível e, muitas vezes, longo para a obtenção de informações e o grau de organização ou desorganização do paciente, que vai interferir muito nisso tudo. Tipos de entrevista clínica 3 116 Entrevista estruturada Na entrevista estruturada, o modo como se obtêm as informações, a sequência das perguntas e os registros dos resultados são predeterminados. São perguntas feitas previamente em uma ordem que não deve ser modificada, sem muita abertura para novas perguntas. A principal vantagem desse tipo de entrevista é aumentar a confiabilidade. Em razão disso, as entrevistas estruturadas são um importante instrumento para as atividades de pesquisa e estudos epidemiológicos e são pouco usadas na prática clínica. Entrevista semi-estruturada A entrevista semi-estruturada tem um nível de estruturação mais fluido, a critério do entrevistador e a depender da condição do paciente. Esse tipo de entrevista possibilita certa flexibilidade na sequência e/ou no modo de reformular as perguntas. Ou seja: você tem um roteiro prévio, mas você é livre para adicionar ou retirar perguntas conforme a necessidade que você for vendo ali na hora. 117 Regra de ouro da psicopatologia: Quanto mais desorganizado estiver o paciente, mais estruturada deve ser a entrevista. Além disso, os primeiros contatos com pacientes muito tímidos, ansiosos ou paranoides devem envolver perguntas mais neutras, como nome, endereço, profissão, o que gosta de fazer etc. Perguntas mais quentes e, por vezes mais constrangedoras para o indivíduo, devem ser feitas gradativamente depois. 118 Entrevista inicial x avaliação psicológica 4 Uma entrevista inicial é feita no contexto da clínica, do hospital, do CAPS e o principal objetivo é coletar dados com foco no tratamento. Ela também faz parte da avaliação diagnóstica, mas essa por sua vez vai além disso. A entrevista em psicopatologia faz parte da entrevista clínica e tem como objetivo coletar dados para fazer uma formulação de caso que guiará o tratamento do paciente. Uma avaliação psicológica é um processo diferente, estruturado, que não visa tratamento, mas visa a emissão de um documento psicológico: laudo, relatório parecer etc. Para isso, instrumentos padronizados podem ser utilizados. De uma forma geral, a avaliação psicológica pode ser definida como um conjunto de técnicas e procedimentos que tem o objetivo de verificar determinadas características psicológicas de uma pessoa, sendo o psicólogo o único profissional habilitado por lei para exercer essa função, podendo usar testes psicológicos para isso. 119 As 10 etapas da entrevista diagnóstica 5 A entrevista em psicopatologiapossui 10 etapas que precisam ser seguidas da forma que são apresentadas. Porém, antes da etapa número um, temos a etapa que chamamos aqui de etapa zero, pois ela precisa vir antes de todas as demais. Conhecer essas etapas é muito importante, mas antes disso é imprescindível saber o que devemos e o que não devemos fazer durante essa entrevista. 120 DÊ ao paciente uma breve explicação do propósito da entrevista antes de começar. USE a visão geral para estabelecer a relação e dar o tom para a entrevista. Esteja presente com o paciente, demonstrando uma postura não julgadora, ao mesmo tempo que mostra profissionalismo e limites adequados. USE a visão geral para coletar informações sobre os sintomas e o funcionamento do paciente. OBTENHA uma visão geral suficiente do estado atual no começo da entrevista para entender o contexto no qual a condição se desenvolveu. USE perguntas abertas para capturar as percepções que o paciente tem do problema nas próprias palavras dele. FAÇA perguntas com intuito de esclarecimento para extrair detalhes nas palavras do próprio paciente. Por exemplo: “Você pode me falar sobre isso?” ou “Você quer dizer que...?”. O que fazer em uma entrevista clínica: 121 NÃO peça desculpas pelas perguntas que está fazendo ou pela extensão da entrevista. NÃO deixe que os pacientes desafiadores tomem o controle da entrevista. NÃO deixe os indivíduos serem desnecessariamente tangenciais. Redirecione aqueles que fornecem informações desnecessárias para a conclusão da entrevista diagnóstica. NÃO seja defensivo com pacientes que são irritados ou hostis. Use declarações reflexivas para demonstrar empatia. NÃO ignore os relatos de sofrimento do paciente. Demonstre empatia enquanto mantém uma postura objetiva. NÃO faça perguntas detalhadas. NÃO faça perguntas tendenciosas. Mantenha-se aberto para formular hipóteses. Use perguntas fechadas de forma moderada. NÃO use a entrevista como uma lista de verificação ou um teste de falso ou verdadeiro. NÃO chame uma crença religiosa subculturalmente aceita ou uma ideia supervalorizada de delírio. NÃO confunda ruminações ou obsessões com alucinações auditivas. O que não fazer em uma entrevista clínica: 122 Etapa 0: Estabelecimento do Rapport Acolhiment Validação Etapa 1: Dados Demográficos e História Pessoa Nome, idade, sexo, estado civil, ocupação etc História educacional e familiar História médica e psiquiátrica pessoal, incluindo qualquer diagnóstico prévio e tratamentos anteriores História de desenvolvimento, eventos traumáticos ou estressantes na vida do paciente. Observação sobre essa etapa: Essas informações normalmente são coletadas em um contato inicial com o paciente. Algumas delas constam na ficha de inscrição do paciente e as demais fazem parte da entrevista de anamnese. Com essas considerações em mente, vamos às etapas de uma entrevista em psicopatologia. 123 Etapa 2: Queixa Principa Uma descrição detalhada do motivo pelo qual o paciente está buscando ajuda psicológica Quando começaram os sintomas, sua gravidade e como têm impactado a vida do paciente. Observação sobre essa etapa: É muito importante que as anotações realizadas durante a entrevista sejam feitas utilizando as palavras do próprio paciente, mesmo que pareçam sem sentido. O mesmo vale para as informações coletadas com o acompanhante, no caso de paciente psicótico ou desorganizado. Além disso, é válido sempre fazer resumo do que o paciente relatou. Essa é uma forma de ajudar o entrevistador a entender melhor o que foi dito e reforça o vínculo, pois o paciente se sente ouvido e compreendido. Etapa 3: História da Doença Atua Detalhes sobre os sintomas atuais do paciente, incluindo sua natureza, duração e padrão de ocorrência Fatores desencadeantes e situacionais associados aos sintomas Como os sintomas afetam as diferentes áreas da vida do paciente (trabalho, relacionamentos, hobbies etc.). Etapa 4: História Psiquiátric História de transtornos psiquiátricos na família História de doenças mentais anteriores do paciente Uso de substâncias psicoativas (álcool, drogas, medicamentos). 124 Etapa 5: História do Desenvolviment Marcos importantes do desenvolvimento infantil, como marcos motores, linguísticos, sociais e emocionais Eventos significativos durante a infância e adolescência que possam ter impactado o desenvolvimento emocional do paciente. Observação sobre essa etapa: Se o paciente se mostrar resistente para trazer dados sobre sua história de vida ou relatar não se lembrar de nada que mereça ser compartilhado, não devemos insistir. Isso pode acontecer porque o paciente não se lembra ou porque o vínculo ainda não é suficiente. Assim, vamos investigar coisas básicas ao invés de insistir e comprometer mais ainda o vínculo. Etapa 6: Avaliação do Humor e do Afet Exploração dos estados de humor atuais do paciente (tristeza, ansiedade, irritabilidade etc.) Avaliação do afeto, ou seja, a expressão emocional do paciente durante a entrevista (apático, eufórico, deprimido etc.). 125 Etapa 7: Avaliação do Pensamento e Cogniçã Exame da clareza do pensamento, coerência, lógica e organização das ideias Investigação de pensamentos intrusivos, obsessões, compulsões, delírios ou alucinações. Observação sobre essa etapa: Aqui nessa etapa você pode investigar pontos que julgue necessários. Alguns exemplos de perguntas que podem ser feitas a depender da demanda são Ansiedade psíquica: você está preocupado com alguma coisa? Você tem se sentido tenso ou ansioso durante a maior parte do tempo? (Quando se sente assim, você consegue saber por quê? De que maneira as suas ansiedades ou preocupações afetam o seu dia a dia? Existe algo que ajude a melhorar essa sensação? Sentimentos de culpa: nos últimos dias, você tem se sentido um peso para sua família ou colegas? Você tem se sentido culpado por alguma coisa feita no passado? Você acha que o que você está passando agora é um tipo de castigo? (Por que você acha isso? Humor deprimido: como tem estado o seu humor (alegre, triste, irritável)? Você acredita que pode melhorar? (Como esse sentimento tem afetado o seu dia a dia? Desconfiança: você está com a impressão de que as outras pessoas estão falando ou rindo de você? (De que maneira você percebe isso?) Você tem achado que tem alguém com más intenções contra você ou se esforçando para lhe causar problemas? (Quem? Por quê? Como você sabe disso?) 126 Autoestima exagerada (hostilidade): nos últimos dias, você tem se sentido com algum talento ou habilidade que a maioria das pessoas não tem? (Como você sabe disso?) Você acha que as pessoas têm inveja de você? Você acredita que tenha alguma coisa importante para fazer no mundo? Nos últimos dias, você anda impaciente ou irritável com as outras pessoas? (Conseguiu manter o controle? Tolerou as provocações? Chegou a agredir alguém ou a quebrar objetos? Conteúdo incomum do pensamento (preocupação somática): você acredita que alguém ou alguma coisa fora de você esteja controlando seus pensamentos ou suas ações contra sua vontade? Você tem a impressão de que o rádio ou a televisão mandam mensagens para você? Você sente que alguma coisa incomum esteja acontecendo ou está para acontecer? Você sente que tem alguma coisa incomum acontecendo no seu corpo ou cabeça? Etapa 8: Avaliação do Comportamento e da Atitud Observação do comportamento não verbal do paciente (postura, gestos, expressão facial) Avaliação da atitude do paciente em relação à entrevista (cooperação, resistência, abertura) É de crucial importância que o terapeuta faça sua própria avaliação quanto ao paciente ser ou não psicótico. Observação sobre essa etapa: Essa etapa depende da observação do entrevistador e não de perguntas feitas ao paciente. 127 Etapa 9: Avaliação do Risc É fundamental que seja capaz de determinar rapidamente se o pacienteé um suicida Exploração de qualquer risco imediato de suicídio, autolesão, violência contra os outros ou comportamento de risco Avaliação do sistema de apoio social do paciente. Para isso: Faça perguntas claras sobre o risco de suicídio. Não tenha medo de perguntar O paciente já teve ideação, plano, tentativas de suicídio? Qual método? E comportamento autolesivo não suicida? Qual método Caso o paciente apresente risco, é necessário realizar uma avaliação completa do risco e encaminhar imediatamente para um psiquiatra É fundamental que o profissional seja capaz de determinar rapidamente se o paciente é um paciente suicida ou não. Nessa etapa também deve ser explorado qualquer risco imediato de suicídio, autolesão, violência contra os outros ou comportamento de risco Aqui também deve-se avaliar o sistema de apoio social do paciente. Observação sobre essa etapa: Nessa etapa, é preciso ficar atento a discursos que são disfarçados, como “eu queria dormir e não acordar”, ou “eu já passei as senhas do banco para minha esposa” ou ainda “a vida não tem mais sentido, o que eu estou fazendo aqui, queria que Deus me levasse". A avaliação de risco suicida acontece na etapa 9, mas ela precisa ser revista constantemente. 128 Etapa 10: Conclusão e Formulação Preliminar Resumo dos principais pontos discutidos durante a entrevista. O feedback recíproco é importante para estabelecer: (a) se o terapeuta compreende o problema do paciente (b) se o paciente compreende o que diz o terapeuta. O terapeuta resume a narrativa do paciente ou detecta os problemas principais. Por exemplo: transcorrido um terço da entrevista inicial, sintetiza o problema do paciente e checa se entendeu corretamente Formulação preliminar dos diagnósticos diferenciais e hipóteses de trabalho Discussão sobre os próximos passos do tratamento, incluindo possíveis intervenções e encaminhamentos necessários. 129 Requisitos para uma boa entrevista 6 É importante destacar que os detalhes da entrevista podem variar dependendo do contexto clínico, das preferências do terapeuta e das necessidades específicas do paciente. Além disso, um objetivo terapêutico primordial na primeira entrevista - além de coletar dados - é a produção de pelo menos algum alívio de sintomas ou redução do sofrimento. Além disso, é preciso considerar a necessidade de fazer adaptações com relação a forma de comunicação a depender do público (criança, adolescente, adulto e idoso) e do contexto (clínica, CAPS, hospital). A estrutura da entrevista se mantém, ou seja, as informações que precisam ser coletadas se mantêm, mas a forma de coletar, de se comunicar, sofre alteração por adaptação ao contexto. Além de coletar dados, a entrevista precisa proporcionar alívio do sofrimento. 130 Assim, de forma resumida, esses são os 10 passos em uma entrevista diagnóstica Dados Demográficos e História Pessoa Queixa Principa História da Doença Atual (HDA História Psiquiátric História do Desenvolviment Avaliação do Humor e do Afet Avaliação do Pensamento e Cogniçã Avaliação do Comportamento e da Atitud Avaliação de Risc Conclusão e Formulação Preliminar Entrevista é treino, mas humanidade não se treina. Seu paciente não é um dado a ser desvendado, é uma pessoa que precisa ser acolhida e ter seu sofrimento amenizado. Na prática, tenha em mente 4 pontos Qual é o problema (queixa principal)? Qual o impacto disso na vida do paciente Como e por que o paciente desenvolveu esse problema? E por que agora? Como eu resolvo o problema? Quais são os recursos necessários? Terapia? Qual é o padrão-ouro para essa demanda? É necessário o uso de medicação psiquiátrica? Se sim, encaminhar. Para isso, 5 habilidades são necessárias Capacidade de coletar bem os dado Saber sintetizar os tipos de informações coletada Saber fazer o exame psíquic Saber sintetizar e formular hipótese Criar um plano de manejo/tratamento 131 5 Passos para um em Psicopatologia DIAGNÓSTICO ASSERTIVO E S P E C I A L 5 A N O S AULA 5 132 O que você vai encontrar nessa aula: SEMANA DA PSICOPATO 2024 E-BOOK EXCLUSIVO 1 2 3 4 5 6 O que é diagnóstico? O que é um diagnóstico diferencial? Comorbidade x especificador Passos para realizar um bom diagnóstico diferencial Algoritmo para diagnóstico diferencial Diagnóstico diferencial entre transtornos 133 O que é diagnóstico?1 O diagnóstico é a habilidade de distinguir ou decidir. Serve para identificar condições mórbidas nos pacientes. Quanto mais preciso, melhor; quanto mais amplo, mais impreciso. Na elaboração, são considerados sinais observados e sintomas relatados pelo paciente. A formulação do diagnóstico envolve hipóteses testadas até a decisão clínica ser concretizada. No diagnóstico diferencial, o profissional não pode chutar; precisa saber com segurança. 134 O que é um diagnóstico diferencial? 2 O diagnóstico diferencial é uma prática crucial na identificação de transtornos mentais. Consiste em uma avaliação minuciosa dos sintomas compartilhados por diferentes condições, a fim de determinar o diagnóstico mais provável. Isso é especialmente desafiador na psicopatologia, onde muitos transtornos têm sintomas sobrepostos. Ao nos depararmos com um paciente e seus sintomas apresentados, o trabalho inicial é selecionar os transtornos que poderiam estar relacionados. Por exemplo, para sintomas como humor deprimido e fadiga, a lista de possibilidades pode incluir Transtorno Depressivo Maior, Transtorno Bipolar, entre outros. Uma vez estabelecida uma lista de diagnósticos diferenciais, o próximo passo é coletar informações adicionais, como histórico pessoal, observações de terceiros, registros médicos e exames laboratoriais. Esses dados ajudam a refinar a lista de diagnósticos diferenciais até chegarmos ao diagnóstico mais provável. É importante manter a mente aberta para a possibilidade de novas informações alterarem o diagnóstico ao longo do tratamento. Por exemplo, um diagnóstico inicial de Transtorno Depressivo Maior pode evoluir para Transtorno Bipolar se novos dados revelarem episódios maníacos anteriores não relatados. 135 Comorbidade x especificador 3 A comorbidade refere-se à presença de dois ou mais transtornos em um mesmo paciente. Isso significa que os transtornos coexistem e podem exigir abordagens de tratamento específicas para cada um. Já o especificador é um elemento que descreve características específicas de um transtorno. Pode ser usado para indicar a gravidade, circunstâncias específicas de início ou sintomas adicionais associados. A diferença crucial entre especificador e comorbidade reside na intensidade e gravidade dos sintomas. Comorbidade requer que os critérios para cada transtorno sejam atendidos de forma significativa, enquanto especificadores são usados para detalhar características específicas do transtorno. 136 Passos para realizar um bom diagnóstico diferencial 4 O diagnóstico diferencial é uma etapa crucial na prática clínica, por isso os clínicos precisam dominá-lo. São 5 os passos para um bom diagnóstico diferencial. Esses passos são amplamente reconhecidos na literatura científica e ajudam a identificar com precisão os transtornos subjacentes. Vejamos cada um deles a partir da página seguinte: 137 Passo 1: Excluir Transtorno Factício Passo 2: Excluir Uso de Drogas e Substâncias Passo 3: Excluir um Transtorno Devido a Condição Médica Geral O primeiro passo é descartar a possibilidade de que o paciente esteja simulando sintomas para obter atenção ou vantagens específicas. Em seguida, é essencial investigar se o paciente fez uso de drogas, medicamentos ou outras substâncias que possam estar influenciando seus sintomas. Devemos considerar se os sintomas podem ser atribuídos a uma condição médica subjacente, como problemas de tireóide ou infecções. 138 Passo 4: Determinaro Transtorno Primário Específico Passo 5: Estabelecer Limites com a Existência de um Transtorno Mental Após excluir essas possibilidades, o próximo passo é identificar o transtorno primário que melhor explica a sintomatologia apresentada pelo paciente. Isso é fundamental para fornecer um tratamento adequado. Nesse passo também diferenciamos Transtorno de Adaptação e Outras Condições Especificadas e não Especificadas Residuais. Por fim, é importante distinguir entre comportamentos considerados normais e aqueles que indicam a presença de um transtorno mental. Isso requer uma avaliação cuidadosa para determinar se os sintomas estão causando sofrimento significativo ou prejudicando o funcionamento do indivíduo. 139 Algoritmo para diagnóstico diferencial5 Problemas comportamentais em adolescentes Quando um adolescente apresenta comportamentos disruptivos como brigas, confusões, xingamentos e violações da lei, a avaliação começa pelo uso de substâncias, que é frequentemente considerado antes de transtornos de comportamento como Transtorno de Conduta Se o uso de substâncias é descartado, considera-se se os comportamentos ocorrem no contexto de explosões de raiva desproporcionais, acompanhadas de irritabilidade constante. Se sim, explore a possibilidade de Disruptivo da Desregulação do Humor Se não, questione se há sintomas persistentes de hiperatividade, impulsividade e desatenção que começaram antes dos 12 anos e aparecem em múltiplos ambientes. Se confirmado, investigue TDAH Se não, analise se há um padrão de questionamento e desafio à autoridade. Se sim, e se isso é persistente e incomum para o estágio de desenvolvimento, considere Transtorno de Conduta ou Transtorno de Oposição Desafiante Se comportamentos ocorrem com movimentos estereotipados e déficits persistentes na comunicação e interação social, pense em Transtorno do Espectro Autista (TEA). 140 Distratibilidade Se um paciente apresenta queixas de falta de concentração e desatenção, o algoritmo inicia pela consideração do uso de substâncias ou efeitos colaterais de medicamentos como benzodiazepínicos Se descartado uso de substâncias ou medicamentos, avalie se é decorrente de condições médicas gerais com alterações da consciência. Em idosos, pode indicar Delirium Se o paciente é jovem e sem alteração de consciência, considere se há incapacidade de filtrar estímulos e sintomas de humor elevado ou deprimido, podendo indicar Transtorno Bipolar ou Depressivo Maior Se não há sintomas de humor ou psicóticos, mas há persistência de desatenção, impulsividade e/ou hiperatividade, TDAH torna-se uma hipótese viável. Alucinações auditivas Ao enfrentar um caso de alucinações auditivas, comece verificando se pode ser um comportamento factício ou decorrente do uso de substâncias ou medicamentos Se houver uso de substâncias e alteração da consciência, pense em Delirium Se houver uso de substâncias sem alteração da consciência e alucinações graves, investigue transtorno psicótico induzido por substâncias Se não há uso de substâncias, avalie condições médicas, especialmente em idosos Se não há outras condições médicas e as alucinações não são culturalmente aceitas, analise a possibilidade de transtornos de humor ou transtornos conversivos Se as alucinações são acompanhadas de outros sintomas psicóticos persistentes por mais de 1 mês, considere transtornos como Esquizofreniforme ou, se mais duradouros, Esquizofrenia. 141 Ansiedade A ansiedade é uma das queixas mais frequentes em contexto clínico. Quando um paciente se apresenta com ansiedade, é fundamental não assumir imediatamente um diagnóstico, como o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), sem uma análise detalhada. Ao se deparar com um paciente ansioso, é importante investigar o uso de substâncias ou medicamentos. Tipos de Transtornos de Ansiedade: Se após descartar fatores externos os sintomas persistirem, considere os seguintes cenários Ataques de Pânico: se a ansiedade surge abruptamente e atinge um pico de intensidade rapidamente, pode ser um indicativo de Transtorno de Pânico, especialmente se os ataques são frequentes e disruptivos Agorafobia: se a ansiedade é desencadeada em situações onde é difícil encontrar rotas de fuga, como em pontes ou lugares lotados Transtorno de Ansiedade Social: se a preocupação central é o medo de passar vergonha ou ser julgado em situações sociais Fobia Específica: se o medo é ligado a objetos ou situações específicas, como elevadores ou insetos Transtorno de Ansiedade de Doença (anteriormente hipocondria): se há uma preocupação persistente e irracional de estar doente, com preservação do insight Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC): se há pensamentos recorrentes e intrusivos que são vivenciados como indesejáveis e causam ansiedade significativa. Muitos jovens, por exemplo, usam psicoestimulantes como Ritalina ou Venvanse sem prescrição médica, buscando melhorar o desempenho nos estudos. Essas substâncias podem causar efeitos colaterais como taquicardia e tremores, que são sintomas ansiosos. Além disso, o consumo excessivo de cafeína também pode provocar ansiedade em indivíduos sensíveis. Verificar condições médicas, como disfunções na tireoide, também é essencial. 142 Depressão e ansiedade: Caso a ansiedade esteja acompanhada de profunda tristeza, pode ser um indicativo de Transtorno Depressivo Maior com Sintomas Ansiosos. Autolesão Não Suicida Frequentemente associada ao Transtorno da Personalidade Borderline, a autolesão também deve ser considerada em outros contextos, como mania no Transtorno Bipolar, especialmente se ocorrer em um estado de humor elevado. Avaliar sempre outras condições psicóticas ou de personalidade antissocial, especialmente se há comportamentos agressivos contra terceiros. 143 Diagnóstico diferencial entre transtornos 6 - Diagnóstico Diferencial entre Bipolar e Esquizofrenia e Esquizoafetivo A confusão entre Transtorno Bipolar Tipo 1 e Esquizofrenia muitas vezes ocorre devido à presença de sintomas psicóticos em ambos. No entanto, há características distintivas Esquizofrenia: marcada por delírios persistentes, alucinações, desorganização verbal e comportamental, e sintomas negativos, como embotamento afetivo e dificuldade em compreender metáforas Bipolar: os sintomas psicóticos ocorrem exclusivamente durante episódios de alteração de humor e tendem a resolver com a estabilização do humor. Para distinguir, é crucial conhecer a história clínica do paciente e observar a evolução dos sintomas com a melhora do episódio de humor Transtorno Esquizoafetivo O Transtorno Esquizoafetivo apresenta sintomas de transtornos de humor junto com características da Esquizofrenia, com sintomas psicóticos que persistem mesmo após a resolução dos sintomas de humor. 144 - Diagnóstico Diferencial entre Bipolar e Transtorno da Personalidade Borderlin Transtorno da Personalidade Borderline (TPB): esse transtorno da personalidade é marcado por instabilidade nos relacionamentos, na imagem de si mesmo e na afetividade. Uma característica central é o medo intenso de abandono. A principal diferença entre esses dois transtornos é que no TPB, a instabilidade afetiva é mais reativa e ligada ao contexto interpessoal, enquanto no Transtorno Bipolar, as alterações de humor podem ocorrer sem um gatilho externo claro e são mais episódicas. - Diagnóstico Diferencial entre Esquizofrenia e TOC Esquizofrenia e Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) podem parecer similares devido à presença de pensamentos intrusivos no TOC, que podem ser confundidos com delírios ou alucinações típicos da Esquizofrenia. Contudo, a principal diferença reside na capacidade de crítica dos pacientes. No TOC, os pacientes geralmente reconhecem que seus pensamentos obsessivos e compulsões são irracionais ou exagerados, embora não consigam controlá-los. Já na Esquizofrenia,essa crítica está frequentemente ausente, e os delírios ou alucinações são vivenciados como reais. 145 - Diagnóstico diferencial entre Transtorno Depressivo Maior e Transtorno Depressivo Persistente O Transtorno Depressivo Maior é caracterizado por episódios de depressão severa que duram pelo menos duas semanas, incluindo humor deprimido, perda de interesse ou prazer, e outros sintomas como alterações significativas no peso, sono, e energia. O Transtorno Depressivo Persistente é menos intenso porém mais crônico, com sintomas persistentes de tristeza ou humor depressivo na maior parte do dia, por um período mínimo de dois anos. O Transtorno Depressivo Persistente é muitas vezes considerado uma característica de personalidade devido à sua natureza persistente, com pacientes frequentemente apresentando irritabilidade e pessimismo como traços constantes. 146 Diagnóstico diferencial entre episódio depressivo no Transtorno Bipolar e Transtorno Depressivo Maior A depressão vivenciada em ambos os contextos pode ser muito similar, mas a diferenciação é feita pela história clínica do paciente. No Transtorno Bipolar, episódios de mania ou hipomania são evidências- chave, enquanto no Transtorno Depressivo Maior não existem tais episódios. Especificadores no Transtorno Depressivo Maior Existem especificadores que ajudam a detalhar o diagnóstico do Transtorno Depressivo Maior, como a presença de sintomas ansiosos, características psicóticas, catatonia, início no periparto e padrão sazonal. Comorbidades da Depressão A depressão pode coexistir com uma variedade de outros transtornos, como ansiedade, uso de substâncias, pânico, TOC, anorexia, bulimia e Transtorno da Personalidade Borderline. O especificador ansioso na depressão é usado quando os sintomas ansiosos são presentes mas não intensos ou frequentes o suficiente para justificar um diagnóstico separado de Transtorno de Ansiedade. 147 Diagnóstico diferencial entre TAG x TOC e TAG x Transtorno de Pânico O TAG é caracterizado por ansiedade e preocupação excessivas, com dificuldade em controlar a preocupação, acompanhadas de sintomas como tensão muscular, inquietação e irritabilidade, persistindo por pelo menos seis meses. O TOC é diferenciado do TAG pelos pensamentos intrusivos obsessivos, que são mais intensos e persistentes, comparados às preocupações mais generalizadas do TAG. O TAG pode incluir ataques de pânico, mas estes não são tão frequentes ou imotivados como no Transtorno de Pânico. Diagnóstico diferencial entre TAG e TDAH Embora o TAG e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) sejam diferentes em suas características principais, eles podem interagir na medida em que a ansiedade e preocupação do TAG afetam a concentração, podendo confundir-se com a desatenção típica do TDAH. No entanto, a desatenção no TDAH está mais relacionada à dificuldade em manter o foco devido à atração por estímulos externos ou novidades. 148 Diagnóstico diferencial entre o Transtorno da Personalidade Obsessivo-Compulsiva (TPOC) e o TOC O TPOC é marcado por uma preocupação persistente com ordem, perfeccionismo e um controle excessivo sobre si mesmo e os outros. Isso inclui uma dedicação intensa ao trabalho e produtividade, dificuldade em delegar tarefas e uma abordagem avarenta com gastos pessoais e alheios. Os indivíduos com TPOC apresentam rigidez, teimosia e uma expressão de afeto controlada, geralmente interagindo de forma formal e séria. Ao contrário do TOC, o TPOC não envolve obsessões ou compulsões, como rituais ou pensamentos intrusivos recorrentes. As semelhanças entre os dois se limitam à rigidez comportamental, e ambos os diagnósticos podem coexistir no mesmo indivíduo. 149 Diagnóstico diferencial entre Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) O TEA caracteriza-se por déficits na comunicação social e na interação social em diversos contextos, juntamente com padrões de comportamento repetitivos e restritos. O TDAH, por sua vez, manifesta-se através de sintomas de desatenção, hiperatividade e impulsividade, que são inapropriados para o nível de desenvolvimento do indivíduo e prejudicam seu funcionamento diário. Embora ambos possam apresentar dificuldades sociais, as causas são diferentes. No TEA, o isolamento é devido a dificuldades na comunicação, enquanto no TDAH é frequentemente resultado da impulsividade e hiperatividade. Muitos indivíduos com TEA também podem apresentar TDAH, o que pode causar confusão nos diagnósticos. 150 Diagnóstico diferencial entre Transtorno da Personalidade Antissocial e Transtorno de Conduta O Transtorno da Personalidade Antissocial é aplicado a adultos (18 anos ou mais) e inclui um padrão de desrespeito e violação dos direitos dos outros, com comportamentos como enganação, impulsividade, irritabilidade, irresponsabilidade e falta de remorso. O Transtorno de Conduta é diagnosticado em crianças e adolescentes e é caracterizado por um padrão de comportamento que viola as normas sociais e os direitos dos outros, incluindo agressão a pessoas ou animais, destruição de propriedade e desonestidade. A principal diferença entre os dois é a idade dos indivíduos. A idade é determinante para o diagnóstico; Transtorno de Conduta é para menores de 18 anos, enquanto Transtorno da Personalidade Antissocial é para maiores de 18 anos. 151 Diagnóstico diferencial entre Transtorno Opositor Desafiante (TOD) e Transtorno de Conduta O TOD caracteriza-se por um humor irritável e comportamento desafiante e vingativo. Os sintomas incluem explosões de raiva, baixa tolerância à frustração e dificuldades de relacionamento. O Transtorno de Conduta manifesta-se por comportamentos mais extremos, como crueldade e violação das leis. O TOD tende a ser menos severo que o Transtorno de Conduta e mais focado em problemas de desregulação emocional, sem envolver violações legais graves como as associadas ao Transtorno de Conduta. 152 Diagnóstico diferencial entre Transtorno da Personalidade Narcisista e Transtorno da Personalidade Antissocial A principal diferença entre esses dois transtornos é que o narcisista tem menos problemas com a lei, já que se preocupa muito com a sua imagem. Os dois têm em comum a falta de empatia, o fato de não se preocuparem com o sentimento dos outros. O antissocial rouba e mata, por exemplo, para tirar proveito, por isso costuma ter muitos problemas com a lei. O narcisista, por sua vez, é manipulador, mas tem pouco ou nenhum problema com a lei. Saber realizar um diagnóstico diferencial é imprescindível para um diagnóstico assertivo, capaz de orientar o melhor tratamento disponível para a demanda do paciente. Como qualquer outra habilidade, essa exige treino e uma boa forma de treinar é através da simulação de situações, como o que foi feito na aula de hoje. 153 FIM! 154