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0 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO - DHE CURSO DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA GABRIELA FÁTIMA SPOHR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: LINGUAGEM, LUDICIDADE E CONHECIMENTO Santa Rosa – RS 2016 1 GABRIELA FÁTIMA SPOHR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: LINGUAGEM, LUDICIDADE E CONHECIMENTO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pedagogia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciado em Pedagogia. Orientadora: Profª Dra. Maria Regina Johann Santa Rosa – RS 2016 2 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus pela força, saúde para poder chegar até aqui. Agradeço à minha mãe Noeli e ao meu pai Gladimir, pelo apoio, carinho e incentivo para que este dia chegasse. Agradeço à minha irmã Giovana pelo carinho e ajuda. Agradeço ao meu namorado Elias que de forma especial e carinhosa me deu força e coragem, me apoiando nos momentos de dificuldades. Agradeço à minha Professora orientadora Drª Maria Regina Johann pela paciência, dedicação na orientação e incentivo que tornaram possível a conclusão desta monografia. Agradeço a todos/ as professores/as que de uma forma ou outra contribuíram no meu aprendizado acadêmico. Agradeço aos meus amigos pela força e apoio. Enfim agradeço a todos que de alguma maneira contribuíram para que este dia chegasse. 3 Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes. Rubem Alves 4 RESUMO Esta pesquisa trata da linguagem musical na Educação Infantil enfatizando que ela é uma linguagem expressiva e poética e, por isso, é um modo próprio de conhecimento. Por essas razões evidencio a importância de se trabalhar com a música em sala de aula para além de ser ela um recurso didático às áreas de conhecimento, mas como linguagem específica que a música é. A partir destes argumentos tomo como referência a ideia de Ostetto (2003) de que a escola deve ampliar o repertório musical dos alunos permitindo-lhes um pensar crítico acerca da construção do gosto e que isso implica, por outro lado, que a própria professora necessita questionar-se acerca de seu repertório musical e de sua bagagem de conhecimentos e vivências em torno da música e da cultura musical cotidiana. A partir dessas noções argumento que a linguagem musical tem uma especificidade e necessita ser vivida na escola para além de divertir, de reforçar saberes e tematizar festas do calendário escolar, como Festa Junina, festas religiosas, Dias das Mães, entre outros. Ao aprofundar os estudos sobre a música é possível perceber que as crianças conseguem interagir melhor umas com as outras, usarem sua imaginação, sua criatividade. Assim, meu objetivo foi o de compreender o valor da música tanto para o desenvolvimento quanto para o aprendizado das crianças a partir da musicalidade trabalhada em sala de aula. Portanto, a música é de suma importância na aprendizagem das crianças, pois ela faz com que a criança se envolva com a música bem como amplie e enriqueça o seu desenvolvimento cognitivo e sua motricidade. Ainda, a música é fundamental no processo de ensino aprendizagem, pois contribui no processo de memorização dada sua proximidade com a ludicidade, ampliando as interações entre as crianças e a professora. PALAVRAS CHAVE: música. aprendizagem. educação do sensível. 5 RESUMEN Esta investigación se ocupa del lenguaje musical en el jardín de infancia haciendo hincapié en que se trata de un lenguaje expresivo y poético y, por lo tanto, es una forma particular de conocimiento. Por estas razones evidencio la importancia de trabajar con la música en la clase, además de ser su recurso didáctico para las áreas de conocimiento, sino como un lenguaje específico que es la música. A partir de estos argumentos hay como referencia la idea de Ostetto (2003) que la escuela debe ampliar el repertorio musical de los estudiantes que les permite el pensamiento crítico sobre la construcción del gusto y lo que ello implica, por otra parte, que el propio profesor necesidades cuestionando acerca de su repertorio musical y sus conocimientos y experiencias alrededor de la música y la cultura musical todos los días. A partir de estas nociones argumento de que el lenguaje musical contiene una especificidad y debe ser vivido en la escuela, además de diversión, para mejorar el conocimiento y las partes de tematizar el año escolar, como en Fiesta Junina, fiestas religiosas, días de la madre, entre otros. Para estudiar más a fondo la música se puede ver que los niños pueden interactuar mejor con los demás, usar su imaginación, la creatividad. Por lo tanto, mi objetivo fue comprender el valor de la música, tanto para el desarrollo y aprendizaje de los niños por la musicalidad trabajada en la clase. Por lo tanto, la música es muy importante en el aprendizaje de los niños, ya que hace que el niño se involucra con la música, así como amplíe y enriquezca su desarrollo cognitivo y su función motora. Aún, la música es fundamental en el proceso de enseñanza y aprendizaje, ya que ayuda en el proceso de memorización dada su proximidad a la alegría, el aumento de las interacciones entre los niños y el maestro. PALABRAS CLAVE: música. el aprendizaje. educación del sensible 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 7 METODOLOGIA ................................................................................................................ 9 1. A FORMAÇÃO DA PROFESSORA DA EDUCAÇÃO INFANTIL NA PERSPECTIVA DA LINGUAGEM MUSICAL: FORMAÇÃO, CONHECIMENTO E SENSIBILIDADE ESTÉTICA .......................................................................................... 10 1.1 A música na escola: desafios à Educação Infantil ....................................................... 13 2. MÚSICA: LINGUAGEM, EXPRESSÃO E CONHECIMENTO SENSÍVEL ............ 17 2.1 Música: Linguagem sensível ........................................................................................ 17 2.2 Música: Conhecimento sensível ................................................................................... 19 ............................................................................................................................................ 21 3. A FORMAÇÃO DO GOSTO MUSICAL DA PROFESSORA: UMA AUTORREFLEXÃO FORMATIVA ................................................................................21 3.1 UM OLHAR SOBRE MINHA FORMAÇÃO MUSICAL ......................................... 21 ................................................................................................. Erro! Indicador não definido.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 25 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 27 7 INTRODUÇÃO O tema desta pesquisa trata da música na Educação Infantil na perspectiva de ser ela uma linguagem expressiva e um conhecimento sensível. Destaca a relevância da música no contexto escolar como um âmbito constitutivo da formação das crianças e, nesse horizonte, defendo que a linguagem musical necessita ser apreciada, fruída e vivenciada em suas diversas vertentes estéticas. Desta perspectiva, apresento aspectos que evidenciam a importância da formação da professora, neste caso, da pedagoga, uma vez que ela será responsável pela iniciação da criança no rico universo simbólico e artístico que é a música, incluindo, obviamente, todas as suas vertentes, como as cantigas, as parlendas, as trovas e as paródias. A escolha deste tema foi motivada pela vontade de compreender melhor a necessidade de trabalhar com a música em sala de aula e o que ela permite à criança desenvolver. Porém, alerta–se que este trabalho não tem pretensões de responder a estas questões ao modo de uma prescrição, senão tematizá-las na perspectiva de contribuir para o debate a respeito do lugar da linguagem musical na educação escolar, mais especificamente, na etapa da Educação Infantil. Destaca-se que ao aprofundar este estudo evidenciamos que a música é de grande valia para o desenvolvimento da criança, bem como, para ser discutida e abordada em sala de aula ou até mesmo fora dela. Esta questão desperta o meu interesse, afinal, como professora, acredito que é preciso trazer para a sala de aula propostas diferenciadas, como a música que contribui para que a criança se constitua como ser social e cultural. Ao trabalhar ou ensinar música está se proporcionando às crianças um momento de alegria e ludicidade. A música em sala de aula desenvolve nas crianças a autonomia e a interação, pois as crianças gostam de música pela sua simples proximidade com o brincar. Assim, destaco como este trabalho está estruturado, e saliento que ao me referir aos profissionais da Educação Básica que trabalham na etapa da Educação Infantil, vou assumir o termo professoras da Educação Infantil, em reconhecimento à prevalência das mulheres no 8 exercício desta tarefa, invertendo a lógica de gênero que tradicionalmente trata as professoras como professores. O primeiro capítulo apresenta em seu título A formação da professora da Educação Infantil em perspectiva da linguagem musical: formação, conhecimento e sensibilidade estética. Trata da formação da professora que atua na Educação Infantil, vinculando tal questão à formação inicial, ou seja, argumentando que a linguagem musical necessita ser um saber de professora destas etapas da educação escolar. A música como linguagem e conhecimento é o tema desenvolvido no segundo capítulo, momento em que as noções de música como expressão e comunicação de ideias, de culturas e de valores, bem como de linguagem e conhecimento sensível, estético e poético são evidenciados como aspectos importantes da música no âmbito escolar. Neste item, busca-se destacar que a vivência musical tem relevância para além das questões que lhe são inerentes, tais como, a produção de bem estar, de alegria, de favorecimento de um ambiente mais lúdico e integrador. Interessa-nos, reconhecer isso, mas ir além, destacar que a música é necessária à formação do humano, tendo em vista sua formação estética, cultural, ética e formadora de sua cidadania. Já, no terceiro capítulo, trato da música em meu horizonte de formação, ou seja, como a música fez parte da minha infância, da minha juventude e, ainda, da minha constituição enquanto professora pedagoga. Estes aspectos foram articulados às percepções minhas em relação aos desafios à Educação Infantil e, nesse sentido, relaciono esses referenciais a uma reflexão própria, na medida em busco pensar e repensar a minha própria formação docente. Nas considerações finais faço uma reflexão acerca desse tema evidenciando que a música não deve ser tratada e vista na escola apenas como um momento lúdico, de brincadeira e diversão, mas, sim como um vasto campo de conhecimento, de experiências, que desenvolvem e contribuem na constituição da criança. 9 METODOLOGIA Esta pesquisa tem uma natureza teórica, assim, a metodologia utilizada para a configuração do trabalho A Música na Educação Infantil: linguagem, conhecimento e ludicidade deu-se através das leituras e estudos realizados a partir de textos e livros que abordam questões referentes à linguagem musical e sua presença no contexto escolar. Para fundamentação teórica, utilizaram-se como principais referências, Ostetto (2003), Melchior (2013), Rossato (2002), Caetano e Gomes (2012), Chiqueto, Araldi (2009), entre outros. Assim, o trabalho permitiu algumas problematizações e reflexões a respeito da música na escola, dos desafios de ensinar esta linguagem às crianças e, ainda, os dilemas enfrentados pelas professoras no que diz respeito à sua formação para enfrentar essa questão. 10 1. A FORMAÇÃO DA PROFESSORA DA EDUCAÇÃO INFANTIL E NA PERSPECTIVA DA LINGUAGEM MUSICAL: FORMAÇÃO, CONHECIMENTO E SENSIBILIDADE ESTÉTICA A música é uma linguagem fundamental na vida dos homens, pois, independentemente do lugar e da época, ela é vivenciada tanto como elemento de prazer quanto de trabalho. No entanto, nas escolas brasileiras, a música ainda não ocupa um lugar de relevância como linguagem expressiva e modo de comunicação e conhecimento estético. Sua inserção tem sido lenta e de modo mais sistemático há pouco tempo, isto porque ela tem-se tornado uma área de conhecimento escolar obrigatória na Educação Básica. O destaque que a música tem tido na escola deve-se à Lei n. 9.394/96 a qual revitaliza a área da arte em suas diferentes linguagens (dança, artes visuais, teatro e música), enfatizando que “[...] o ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos campos da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (art. 26,§2º). No entanto, esta lei não foi suficiente para que a música tivesse um espaço efetivo nos currículos e, por isto, os profissionais da área se mobilizaram, criando uma comissão que rearticulou o lugar da música dando-lhe mais visibilidade no ambiente escolar. Isto não significa que todas as linguagens artísticas devam ser vivenciadas na escola, mas a música, assumiu um destaque mediante tal movimento coorporativo. A partir desta ação, a escola viu-se diante de um dilema: a necessidade de ofertar a linguagem musical e a pouca oferta de profissionais habilitados para tal demanda. No entanto, além da necessidade de formação de um professor específico de música, ainda temos a demanda desta linguagem para a Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Isto evidencia a precariedade da formação da professora que atua nestas etapas de ensino uma vez que a mesma tem noções gerais, básicas, sobre a linguagem musical, dificultando sua atuação no ensino desta linguagem.Diante disso, constatamos que a professora deveria ter uma formação mais aprofundada sobre esta linguagem e área de conhecimento no decorrer do seu curso de formação. Enquanto professora, é preciso dar conta de trabalhar com uma disciplina na qual não se teve um embasamento tão aprofundado, pois não foi tão desenvolvida no tempo de formação e, assim, fica mais difícil desenvolver uma aula na qual a música seja um 11 conhecimento a ser ensinado e vivenciado. Ainda, para desenvolver esta linguagem na educação infantil é necessário entendê-la nesse tempo/espaço de educação e escolarização, dispondo, inclusive, de materiais a ela adequados. “[...] Entretanto, para que haja a possibilidade de a música cumprir esse papel na formação dos indivíduos, é necessário que os conteúdos próprios da linguagem musical sejam trabalhados [...]” (BARBOSA, p.99). No entanto, geralmente o que se vê é o componente de música na formação da/o pedagoga/o sendo apresentado de modo não aprofundado como deveria, uma vez que o currículo deste curso tem uma ampla exigência de temas e conteúdos, o que dificulta dedicar mais de tempo às linguagens artísticas. Em vista disso, a/o professora/o sente-se pouco preparada e insegura, inclusive para desenvolver propostas baseadas nas linguagens artísticas e, em especial, na música a qual requer um domínio básico das noções de ritmo, melodia, instrumentos, e metodologias de exploração sonora e conteúdos musicais. E também, o entendimento de como se insere este tema nos diferentes níveis da Educação Básica, uma vez que ao trabalhar com esta linguagem em sala de aula, ela necessita de uma abordagem própria tanto na educação infantil quanto no ensino fundamental. Segundo Rossato “[...] para a criança, a música faz parte do seu ser, é prazer, comunicação, movimento, criação, imaginação, percepção, informação, conhecimento” (2002, p.30). A música potencializa o desenvolvimento da imaginação, da criatividade, memorização da interatividade com os outros, bem como auxilia na aprendizagem de forma mais lúdica. Neste sentido, Rossato (2002, p.32) observa que: Não nos restam dúvidas de que a música, nas suas mais diversas forma de expressão, é capaz de contribuir para a estimulação das inteligências múltiplas, auxiliando para uma aprendizagem mais eficiente, prazerosa, interferindo positivamente na auto-estima do indivíduo, respeitando a sua singularidade. E mais, com a música em sala de aula é possível conhecer melhor a identidade do aluno, sua cultura, sua origem, bem como seus gostos e costumes, ou seja, respeitando a singularidade de cada um. “Reconhecendo a música como uma linguagem e com possibilidades variadas de exploração no contexto criativo, faz-se ela de suma importância no currículo escolar” (CAETANO; GOMES, 2012, p.71). A música ao ser trabalhada em sala de aula proporciona ao aluno uma forma diferente de se expressar, e também possibilita ao mesmo mostrar sua capacidade de criar, de interpretar e analisar os contextos envolvidos na música. Através da música o aluno também consegue expor sua criatividade, bem como conhecer a sociedade que o cerca. Segundo Caetano; Gomes “[...] A música possibilita 12 desenvolver a linguagem, aprender a explorar o meio em que vive e interagir socialmente” (2012, p.77), e, deste modo, é possível, sim, ir além da melodia, e fazer toda uma leitura de mundo a partir das músicas que apreciamos. A música, no contexto da escola, contribui para a formação da criança como ser social, pois possibilita a comunicação e a expressão pela especificidade da linguagem musical; nisso reside a sua riqueza e a sua contribuição para a formação da criança. Conforme Caetano; Gomes, “a música é uma forma de expressão, é manifestação de sentimento, um meio de comunicação existente na vida dos seres humanos. Devido à sua importância, deve ela estar presente no contexto educacional” (Ibidem, p. 74). O papel da música em sala de aula não é apenas o de conhecer e compreender como funcionam os instrumentos musicais, mas, também, abordá-la de modo amplo e reflexivo, problematizando o seu texto tendo em vista de alargar as possibilidades de interpretação da criança. Neste sentido, uma professora sensível oportuniza tempo/espaço às crianças para a reflexão e a relação entre a música e o contexto no qual se inserem. É deste modo que a música trabalhada em sala de aula possibilita que a criança desenvolva sua criatividade, sensibilidade de compreender o que a música nos permite pensar, bem como desenvolver seu senso crítico. Ao desenvolver estas habilidades a criança está ampliando seu conhecimento, pois, a partir da música é possível abordar quais instrumentos são usados em determinada música. Ao explorar os instrumentos consegue-se apreciar melhor a mesma, assim como também se pode compreender o contexto da música, sua cultura e o artista que interpreta a mesma. E assim, o conhecimento inicia no momento em que a criança começa a brincar com os sons produzidos por determinados instrumentos e músicas. Segundo Brito (2003, p.35): A criança é um ser “brincante” e, brincando, faz música, pois assim se relaciona com o mundo que descobre a cada dia. Fazendo música, ela, metaforicamente, “transforma-se em sons”, num permanente exercício: receptiva e curiosa, a criança pesquisa materiais sonoros “descobre instrumentos”, inventa e imita motivos melódicos e rítmicos e ouve com prazer a música de todos os povos. E, assim, a criança amplia e aperfeiçoa seu conhecimento sobre a música, bem como, se desenvolve como um ser social, interativo e cultural, ampliando desta forma sua capacidade de criar e reinventar músicas. Ao mesmo tempo em que brinca, cria e recria músicas, está colocando nelas sua própria ideia e, assim, vai aprimorando seu conhecimento, bem como, seu raciocínio. 13 1.1 A música na escola: desafios à Educação Infantil Percebo que a música faz parte do dia a dia da escola bem como da vida pessoal do aluno e de certa forma, encanta as crianças e permite, inclusive, que elas criem seus próprios gostos musicais por influências da mídia, da TV, dos pais e dos amigos. Porém, sabe-se que normalmente os repertórios musicais ouvidos pelas crianças não são os mais adequados, uma vez que geralmente elas ouvem músicas comerciais, ou seja, aquelas veiculadas pela mídia. Por isso, algumas letras musicais apresentam conteúdo de qualidade duvidosa, merecendo, assim, análise e reflexão. Já passou o tempo em que se podia dizer que “gosto não se discute”, que o gosto é de cada um, porém em sala de aula a professora precisa ter claro que não é assim, uma vez que “[...] atrás de um gosto há sempre um sujeito, uma história, práticas culturais” (OSTETTO, 2003, p.41). Cada criança tem uma cultura, uma história diferente, por isso é preciso que a professora conheça seus alunos para permitir a problematização e, com isso, a ampliação do repertório e do gosto musical. A professora precisa trabalhar a dimensão estética da música, e pode fazer isso a partir de uma conversa sobre o gosto de cada um, o que não significa desfazê-lo, mas questionar acerca do estilo, do tema e da composição musical. Podemos iniciar com as principais referências musicais que são geralmente trabalhadas na educação infantil, como as cantigas de roda, as cantigas folclóricas e as cantigas didáticas, mas deste ponto inicial é necessário avançar às músicas regionais, nacionais, clássicas, entre outras. Permitir à criança conhecer este universo musical contribui para o entendimento de que o gosto musical muda conforme o tempo, a época, a sociedade e que as crianças de hoje apreciam músicas diferentesdas de outras épocas, o que nos permite pensar que o gosto é também uma construção social e histórica. No entanto, segundo Ostetto, “[...] ninguém pode gostar do que não conhece” (2003, p.51) então, cabe à professora ensinar e levar essas novas opções de músicas para que aprendam as mesmas e aprendam a apreciá-las. O papel da professora nessa questão de gosto musical é de suma importância, pois é preciso deixar claro que os gostos musicais são adquiridos, muitas vezes, de acordo com o meio social no qual a criança está inserida. Deste ponto de vista, a professora poderia enriquecer o repertório musical das crianças possibilitando que ao longo da sua formação básica elas construam critérios para escolher o que desejam apreciar. Se a escola assume em seu projeto pedagógico que a música é uma linguagem expressiva e que é, ainda, um patrimônio da humanidade, isso vai formando uma cultura 14 musical escolar que vai enriquecendo a arte na escola e as noções de cada criança, na medida em que elas apreciam, conhecem e vivenciam diferentes estilos e propostas musicais. Neste caso é necessário que a professora proporcione diferentes repertórios musicais e trate sobre cada um e no que os mesmos permitem pensar. No decorrer da formação sobre as diferentes músicas e sobre o que elas mais gostam de ouvir, as crianças vão tendo experiências e vivências com as demais que estão à sua volta, pois cada uma tem seu gosto de acordo com o meio ao qual está inserida. De acordo com Ostetto “[...] é verdade, as crianças trazem suas experiências, vivências, conhecimentos construídos na relação que estabelecem com o seu contexto, com o mundo a sua frente, ao seu redor” (2004, p. 56). Mas, a professora não poderia chegar à criança e dizer que ela não deve ouvir certo estilo musical, por que o mesmo não é bom, mas, sim, precisa respeitar o gosto “[...] permitindo que ouçam e cantem aqueles ritmos” (Idem), e, ao mesmo tempo, possibilitar a reconstrução do mesmo, isso porque “[...] não se trata de negar a entrada na instituição educativa de qualquer tipo de música trazida pelas crianças, porque seria como negar a história dessas crianças” (Ibidem, p. 58). Em seguida, a professora poderá fazer questionamentos sobre o que a criança pensa sobre a música, interpretando a mesma. Com isso, imagina-se que se considera o gosto e a cultura musical da criança, mas também lhe é permitida a ampliação e a reflexão acerca do mesmo, pois os gostos musicais são muito particulares e advindos da cultura de cada um, os estilos musicais fazem parte da história de cada ser humano. Neste processo de ver e analisar o gosto musical de cada criança é possível criar discussões produtivas sobre os diferentes repertórios musicais, pois se cada um expuser e defender o que tem de bom em cada repertório será possível criar uma aula em que haverá compartilhamento de saberes, de gostos musicais e culturais, enriquecendo a todos. Ao fazer isto, a professora estará proporcionando uma ampliação de saberes, específicos e culturais. É neste horizonte que Ostetto observa: A educação intercultural pressupõe troca, partilha de saberes, aposta na diversificação dos processos de ensino-aprendizagem, uma vez que nos espaços educativos circulam saberes, valores, hábitos e formas de agir diversos; diferentes representações e interpretações da realidade (Ibidem, p.59). A professora tem o papel fundamental de nutrir as crianças tendo em vista ampliar o gosto musical a ser apreciado e analisado. O gosto é de cada um e precisa ser respeitado, mas nada impede de o mesmo ser questionado acerca de sua qualidade estética. E é isto que a 15 professora pode fazer, questionar e analisar para que seu aluno tenha a sabedoria de escolher qual o melhor repertório a ser ouvido e apreciado. Neste sentido, observamos que a escola é uma instituição artificial que visa tratar de aspectos da cultura humana que, muitas vezes, não são abordados no âmbito familiar, por isso cabe à professora proporcionar situações de ampliação do repertório artístico e cultural das crianças, iniciando-se na Educação Infantil. Neste sentido, faz parte do ensino-aprendizagem da Educação Básica o desenvolvimento de aspectos, tais como: o estranhamento e a desconstrução de valores, a ampliação do repertório cultural, a abordagem da arte como linguagem expressiva e estética e, deste modo, enfatizar a arte como patrimônio artístico e cultural da humanidade. No horizonte de uma escola republicana e democrática, entendemos que a educação escolar assume um lugar fundamental na formação do sujeito, uma vez que na escola entramos em contato com pessoas, conhecimentos, valores e atitudes que enriquecem nossa formação e ampliam o que já trazemos da família. É neste sentido que as Diretrizes da Educação Básica Nacional enfatizam que a Educação Básica é a “base”, donde procede a expressão “básica”. “Base” provém do grego básis, eós substantivo: pedestal, fundação, verbo: andar, pôr em marcha, avançar [...] a Educação Infantil é a raiz da educação básica, o ensino fundamental é o seu tronco e o ensino médio é seu acabamento. É dessa visão holística de “base”, que se pode ter uma visão consequente das partes. A educação básica torna-se um direito do cidadão à educação e um dever do Estado (CURY, 2008). Neste sentido, ensinar sobre música no contexto da Educação Infantil põe-se como obrigação da escola tenho em vista um direito da criança de acessar o patrimônio artístico e cultural do país e da humanidade. Isso por que a escola não somente ensina os conteúdos universais que herdamos da humanidade, mas, também, permite à criança conhecer o conjunto das linguagens e manifestações que sua cultura lhe transmite. Por isso concorda-se com Cury (2008, p. 10) quando diz: A função social da educação assume a igualdade como pressuposto fundamental do direito à educação, sobretudo nas sociedades politicamente democráticas e socialmente desejosas de maior igualdade entre as classes sociais e entre os indivíduos que as compõem e as expressam. Essas são as exigências que o direito à educação traz, a fim de democratizar a sociedade brasileira e republicanizar o Estado. Assim como a educação é um direito de todos, é direito da criança ter acesso à disciplina de música na escola. Apesar de muitas vezes não se ter uma professora específica é preciso que alguém se sinta desafiado em levar a música para a sala de aula e abordando-a de 16 tal maneira que se torne uma linguagem acessível para o desenvolvimento da criança. Pois é seu direito usufruir, conhecer e aprender música no contexto de sua formação básica escolar. 17 2. MÚSICA: LINGUAGEM, EXPRESSÃO E CONHECIMENTO SENSÍVEL 2.1 Música: Linguagem sensível A música é uma linguagem sensível, transmitida através de instrumentos musicais ou até mesmo cantada, sendo, por isso, uma forma de comunicação, expressão e conhecimento que vem desde os nossos ancestrais e que, pela sua especificidade sonora, toca os sentidos das pessoas de modo muito especial. Ao ouvir uma música ou canção, temos a oportunidade de experienciar diversas sensações, entre elas alegria, euforia, tristeza, excitação, melancolia. Por tocar imediatamente aos sentidos ela tem a capacidade de influenciar nossas sensações e sentimentos e, por isso, também é caracterizada como um patrimônio artístico e cultural imaterial, ou seja, não vemos ou tocamos a música, mas, sim, ouvimos e sentimos a música. Além desta sua particularidade, a música também evidencia a cultura e a história dos povos. A música é uma forma de expressão e comunicação e se realiza por meio da apreciação e do fazer musical; é uma maneira de expressãoe comunicação de ideias, de culturas, de valores. Assim, quando ouvimos uma música nos vem logo à mente uma determinada recordação ou lembrança, geralmente contornada por uma emoção. Segundo Melchior, “[...] a música deve ser entendida primeiramente como uma linguagem, um veículo para expressar sentimentos e emoções das mais variadas” (2013, p.64). Ao contrário do que geralmente pensamos, a música traz consigo um vasto campo de conhecimento onde percebemos sua contribuição na construção do conhecimento, bem como ajuda no desenvolvimento da sensibilidade, criatividade, ritmo, imaginação, atenção, concentração. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (2001) “[...] a música sempre esteve associada às tradições e às culturas de cada época” (p.75). Deste modo, varia muito de um lugar para o outro a maneira de expressão em cada música, pois depende muito da cultura de determinado local para a criação de determinado repertório musical. A música é uma maneira de expressão, pois faz parte da vida das pessoas e se legitimou como um modo próprio de dizer algo, e pode transmitir, através de suas letras, várias emoções e sentimentos. Normalmente ela tem um propósito, por ter sido escrita e interpretada. A música, para ter um sentido, precisa ter criticidade, valorizar o ser humano e fazer com que seu ouvinte reflita sobre o que a letra fala. Deste modo é possível que o aluno 18 veja a importância de se olhar para o conteúdo que esta música traz, quais são os instrumentos usados que permitiram tal música ou sonoridade. Assim, é possível desenvolver a música na sala de aula de forma diversificada e interdisciplinar, pois cada aluno vem de uma cultura diferente. Se cada um for falar um pouco das músicas que gosta e porque gosta, teremos uma socialização de culturas e musicalidades, as quais poderão gerar novos campos de conhecimento, explorando a cultura e a origem de cada uma. E, tudo isso articulado ao repertório musical que o próprio professor também proporcionar através de seus planejamentos. Assim, de acordo com Mendes e Cunha (2001, p.87): Ao buscar compreender a maneira como as diferentes culturas representam suas realidades por meio da música, o educador pode obter contribuições profundas para o objetivo geral da educação, de maior conhecimento e valorização de cada grupo étnico e de maior respeito entre esses grupos. Ao trazer essas diferentes culturas para a sala de aula, trabalha-se com a interdisciplinaridade, pois, ao falar das diferentes culturas, estarão envolvidas as demais áreas do conhecimento. Conforme Ponso (2014, p.14) “[...] a música é um saber específico, não como um caráter fechado em si, mas que auxilia, interage, enriquece e é aprendida em conjunto com as demais áreas do conhecimento, seja a matemática, a literatura ou a história”. Para além da noção de música como um elemento que permite a interdisciplinaridade, necessitamos, também, proporcionar a apreciação e a vivência musical como uma linguagem estética em si, e isto significa a possibilidade de ser vivenciada sem estar condicionada a outras áreas de conhecimento ou temáticas escolares. Esta troca de informações entre as diferentes culturas irá possibilitar um vasto campo de experiências, de novos conhecimentos em relação aos demais. Tanto no conhecimento de novos repertórios musicais, quanto no conhecimento de novos ritmos e, até mesmo, dos instrumentos musicais usados para criar os mais variados repertórios musicais. Contudo é através da música que podemos cultivar valores que nos tornam pessoas melhores, sabendo respeitar e ouvir os demais, o que pensam e o que querem dizer a partir da musicalidade. 19 2.2 Música: Conhecimento sensível Ao tratar a música como um campo de conhecimento, podemos dizer que este conhecimento pode ser sensível, pois através da música podemos expressar e manifestar sentimentos, sensações e percepções de mundo de um modo especial, ou seja, poeticamente. A linguagem musical contribui muito na formação do aluno, pois enriquece seu repertório cultural, artístico e estético, ampliando sua linguagem e sua convivência com os outros e, ainda, na sua forma de expressão artística. Segundo Chiqueto e Araldi (2009, p.6), “[...] durante o processo de musicalização, a criança desenvolve a capacidade de expressar-se de modo integrado, realizando movimentos corporais enquanto canta ou ouve uma música”. Deste modo, ela é significativa, pois, mesmo não tendo um professor específico, é possível proporcionar à criança um momento de pesquisa, exploração e descoberta sobre o que é de seu interesse. Ao conviver de modo mais intenso e efetivo com a música, a criança irá reconhecer seu valor na sociedade, bem como irá interpretar de uma forma mais ampla o que acontece à sua volta, conseguindo através das músicas vivenciar muitas experiências, tais como lúdicas, estéticas e cognitivas. De acordo com Melchior (2013, p. 64): A educação musical pretende nesse sentido trabalhar a música formando não um músico profissional, mas um sujeito capaz de interpretar, sentir, identificar-se com o mundo a sua volta e fazê-lo compreender a sua importância dentro da sociedade de modo a vivenciar a experiência musical por meio do canto, do manejo, de jogos rítmicos [...]. Como podemos ver, a música é uma linguagem que interage diretamente no dia a dia da criança. Muitas vezes é por meio da musicalidade que a criança se desenvolve de um modo mais amplo, sabendo questionar, criar e reinventar até mesmo a própria música. A música contribui muito no desenvolvimento da criança, bem como, amplia o conhecimento da mesma. Ao falar da música, é possível falar com as crianças sobre a relação da música com a poesia, pois de certa forma a poesia é algo que se escreve de acordo com o que se está sentindo. Ao escrever uma poesia, o autor coloca nela o que está sentindo. Este sentimento pode ser de alegria, tristeza, enfim, conforme a inspiração do autor no momento. E com a música acontece o mesmo. A música tem um propósito ao ter sido composta, ela traz em si uma emoção, um sentimento, pois cada música em sua composição traz um pouco de poesia, no entanto a ela é atribuída uma melodia, um ritmo, no qual são usados instrumentos que fortalecem sua escrita. 20 Em sala de aula, a professora precisa instigar a criança a inventar suas músicas ou até mesmo suas poesias, pois com isso consegue, muitas vezes, perceber como está o emocional da criança. O emocional da criança tem uma relação muito importante com o seu desenvolvimento integral e com a sua relação com as demais crianças. Ao estimular a criança a criar as suas músicas, a professora está estimulando sua aprendizagem de um modo diferenciado, pois “nesse processo de aprendizagem musical, é extremamente importante que o aluno se familiarize com as diferentes maneiras de se escrever e organizar suas músicas [...]” (ZAGONEL, 2012, p.24). Ao propor à criança criar suas músicas e poemas, está se oferecendo a ela um campo novo para adquirir conhecimentos, bem como, para transmitir o que está sentindo a partir das suas criações. 21 3. A FORMAÇÃO DO GOSTO MUSICAL DA PROFESSORA: UMA AUTORREFLEXÃO FORMATIVA 3.1 UM OLHAR SOBRE MINHA FORMAÇÃO MUSICAL Desde muito pequena gostei de música, quando pequena ouvi muita música gauchesca, sertaneja de raiz, músicas da Xuxa, Eliana e música de igreja, pois minha mãe é ministra 1 , então, ouvia muito cantarem estas músicas. Junto com meus pais sempre ouvia música sertaneja de raiz,gauchesca e até mesmo as músicas que eram tocadas nas emissoras de rádio. Durante minha escolarização aprendi e cantávamos as cantigas de roda que hoje as professoras ainda cantam junto com seus alunos. O que fazíamos muito era ensaiar uma música para apresentar para o Dia das Mães, dos Pais ou alguma outra programação da escola. De vez em quando tínhamos que criar uma paródia sobre algum tema que estava sendo trabalhado em sala de aula, mas nada além disso. Então, a música não foi explorada e trabalhada em sala de aula como conhecimento de linguagem e conhecimento expressivo, algo que despertasse interesse para a música. Sempre gostei muito de ouvir vários estilos musicais, mas não tem um que posso dizer que é o preferido. Atualmente o que mais ouço é sertanejo universitário, gauchesca, sertaneja de raiz, algumas missioneiras, internacionais. Porém, a partir deste trabalho passei a me questionar sobre os repertórios musicais que ouço: será que são bons o que eles me transmitem? Ouço por que gosto ou por que é o que mais aparece na mídia? O que estas músicas contribuem para a minha formação enquanto pessoa e enquanto professora da Educação Infantil? Durante meu curso de licenciatura, ao fazer o componente de música, a partir dos questionamentos da professora, é que comecei a me perguntar sobre os meus gostos musicais e uma questão ficou presente em mim: como trabalhar com os meus alunos em sala de aula um estilo musical que talvez nem eu mesma aprecie? Como tratar de músicas que nem eu mesma conheço? Como levar para a sala de aula as músicas de Beethoven, por exemplo, se nem mesmo eu as aprecio? O que posso dizer para os alunos em relação às contribuições 1 Ministra de Igreja é a pessoa que substitui e realiza as funções do padre na ausência do mesmo. 22 deste estilo musical se não estudei sobre este compositor? Como produzir nas crianças um reconhecimento sobre a importância do Samba como patrimônio cultural do Brasil e sua vinculação às origens afrodescendentes, se como professora não conheço essa história, não faz parte de minha cultura musical ouvir samba? Fazendo esta autoavaliação fui me dando conta de que para ensinar sobre música necessito saber de música. É esta relação que vai me permitir dar um testemunho às crianças e falar de algo que também estou conhecendo melhor e, por isso, reconhecendo mais o seu valor enquanto conhecimento e patrimônio cultural da humanidade. Foi neste sentido, que me desafiei a ampliar meu repertório de apreciação musical através das provocações que a minha professora orientadora me fez. A ideia é ouvir todos os dias um estilo musical diferente e prestar atenção no que acontece a partir destas vivências de apreciação musical: ouvir e pensar sobre o que ouço. Para poder falar para meu aluno da importância de ouvir estilos musicais variados e que os mesmos precisam e devem questionar-se sobre o que apreciam, é preciso primeiro que eu, na condição de professora, também me autorize a ampliar minhas referências musicais, entendendo que assim me autorizo melhor a propor o mesmo com meus alunos. Permitir às crianças a apreciação de um repertório musical variado e a exploração de sonoridades pode ser uma iniciação à cultura musical escolar para uma professora que não possui o conhecimento específico sobre música, como é o meu caso. Assim, neste capítulo vou me dedicar a pensar nisto como algo que pode me ajudar a alargar meus próprios horizontes culturais e, quem sabe, tornar-me mais sensível à música como um âmbito importante de minha constituição como professora. Para alargar meus próprios horizontes me desafiei a ouvir músicas que não estava habituada como a música clássica de Vivaldi: “As quatro Estações”, Vinicius de Moraes e Toquinho – “Aquarela”, “A casa”, “O pato”, “O caderno”, (Músicas da coleção Arca de Noé), Caetano Veloso – “Alegria, Alegria”, entre outras. Ao ouvir estas músicas é possível alargar o pensamento sobre o que estou ouvindo bem como o que sinto ao ouvir estes repertórios musicais. Ao ouvir a música clássica, a primeira impressão e sensação é de estranheza e, ao me deparar como esta sensação é até um pouco desanimador, pois é possível ver quão vazia é a lista de repertórios que se tem para transmitir para os alunos. Pois, primeiro eu, professora, preciso apreciar e me tornar mais sensível para determinados repertórios musicais, entre eles a música clássica, para que depois eu possa levar estes repertórios para a sala de aula e mostrar a meus alunos a riqueza de coisas que podemos aprender ao ouvir estes repertórios musicais. 23 Mas, para isso, também preciso educar minha escuta musical, para adquirir, assim, o hábito e criar gosto em ouvir estes estilos musicais uma vez que a professora “[...] é responsável por organizar esse repertório a fim de conjugar as músicas já conhecidas pelos alunos a outras experiências musicais ainda não vividas [...]” (SPERB, 2014, p.48). Depois de algum tempo ouvindo músicas clássicas, é possível sentir uma tranquilidade, alegria e leveza no ambiente enquanto se ouve estas músicas, pois elas de certo modo são composições que variam os tons e a intensidade com que são tocadas e isto estimula nosso ouvido a prestar atenção bem como nos tornam mais atentos e sensíveis. Estas músicas precisam ser estimuladas em sala de aula com os alunos para proporcionar a eles momentos de atenção, concentração e relaxamento, fazendo com que os mesmos possam se descobrir a partir da música que está sendo apreciada por eles. Depois me propus a ouvir as músicas de Vinicius de Moraes e Toquinho como “Aquarela” e “O caderno” e então foi possível fazer uma viagem para a infância, para as fantasias que vivi nesta linda fase da vida, e que hoje ficam na lembrança; os primeiros dias na escola as primeiras letras que aprendi a escrita do nome, os colegas, a professora. Lembranças estas que vêm à cabeça ao ouvir uma música que às vezes nos era proporcionada, a graça de apreciar. No entanto, não era questionada quanto ao que se sentia ou o que ela representava ao ser ouvida. E, ao ouvir estas músicas me questiono: vou privar meu aluno destas oportunidades e destes mesmos questionamentos ou vou fazer diferente do que aprendi? O que quero é tornar meus alunos capazes de ouvir uma música e saber dizer o que eles sentiram, bem como que lembrança ela lhe trouxe, mas acredito que, para que eles façam isso, é preciso que tenham a mim como a base. Também preciso dar meu testemunho, ser uma espécie de exemplo. Assim, é possível concordar com Trierweiller de que “[...] o sujeito se constitui na relação com o outro, em sua incessante interação com um contexto social e cultural que influi sobre ele, mas não se sobrepõe a ele [...]” (2016, p.5). É isto que busco fazer em relação aos alunos, permitindo que se constituam a partir das inter-relações do grupo, tendo a mim como propositora, a mediadora desta vivência estética musical. Entendo que assim, possam entender que nossas aulas são tempos/espaços de vivências que têm intencionalidades pedagógicas, articuladas ao ensino dos conteúdos escolares. Isto muda o modo de lidar com a proposta de apreciação musical, na medida em que, mostro que além das músicas que eles gostam de ouvir em seu cotidiano, na escola, nós iremos conhecer muitas outras, que inclusive poderão vir a gostar. 24 Ao ouvir todas estas músicas, bem como fazer uma viagem ao meu passado, foi gratificante, pois foi possível recordar, a partir disso, alguns momentos únicos que vivi nos meus primeiros anos da escola. E se quero que o meu aluno aprecie e goste dos mais variados estilos musicais,devo oferecer isso a eles, mas em primeiro lugar devo gostar, apreciar e curtir estes repertórios, para assim, poder falar para meus alunos das minhas sensações, dos meus sentimentos ao ouvir determinadas músicas. Ao apreciar estes repertórios musicais com os meus alunos, foi possível desenvolver a ideia de que além de gostar destas músicas é preciso também reconhecer o valor simbólico delas, do patrimônio cultural ao qual elas pertencem, bem como é pertinente abordar as questões de que a música foi se modificando junto com a sociedade. Como a música foi sendo modificada pela sociedade, é preciso desafiar o aluno a explorar as suas diversas possibilidades de recriar, pois a música é uma obra de arte, que pode ser criada e recriada em contexto escolar. De acordo com Trierweiller, Olhar a arte no espaço escolar, especialmente quando temos a incumbência desafiadora de ensinar e aprender, é perceber a alfândega interpretante – o dentro e o fora – o cruzamento entre os repertórios pessoais constituídos no entreposto do tempo&espaço, e o diálogo com as produções do grande tempo da cultura. Trata-se de ir sempre, cada vez mais além, já que raramente convivemos com alfândegas intrigantes, vibrantes que experimentam e ousam na argila, no papel, no movimento, no recorte, na fotografia, na dança e em tudo o que for possível ou quase impossível (apud MARTINS, 2016, p.9). Mas para que os alunos compreendam a música como uma arte é importante que os mesmos apreciem músicas de boa qualidade estética, conheçam diferentes estilos musicais, bem como consigam compreender que nem sempre o que está em alta na mídia é o melhor para ser apreciado. É preciso questionar nosso aluno sobre o que ele está ouvindo, o que isto contribui na vida dele. De meu ponto de vista, quem deve proporcionar estes momentos para os alunos é a professora e, é por isso que o seu repertório musical precisa ser amplo e com variações de estilos musicais. Diante disso, reafirmamos que a música no contexto escolar deve ser abordada nos diferentes contextos, nas diferentes culturas, bem como, nos mais variados estilos, respeitando a individualidade de cada aluno. Deste modo é possível ter a música em sala de aula como um meio constitutivo da formação artística, cultural e estética das crianças e, neste horizonte, defendo que a linguagem musical necessita ser apreciada, fruída e vivenciada em suas diversas vertentes estéticas. 25 Ao trazer a música para a sala de aula como uma linguagem musical, e usando-a de forma lúdica, desafiamos a criança a criar e interpretar aquilo que gosta. Conforme Schroeder, “[...] é importante assinalar também, em relação à questão metodológica, que, além das atividades de execução e/ou apreciação, dentro desse caráter lúdico são sempre propostas atividades de criação” (2012, p.09). Com estas atividades de criação é preciso que as crianças saibam quais os instrumentos usados para compor a melodia da música, em que contexto esta música está inserida. “Acredito que é justamente nesse momento em que criam suas próprias atividades que os alunos consolidam seu aprendizado no tópico em questão” (Idem). Estes aprendizados são construídos aos poucos com os estímulos da professora desejando que seus alunos, saibam escolher músicas com boa qualidade estética, poética, bem como, tenham algum significado na sua constituição enquanto pessoa. A música em sua essência, transmite-nos emoções e sentimentos e os mesmos variam de acordo com as músicas que ouvimos, bem como trazem em sua melodia e composição muito da cultura de cada um. Música é cultura, é arte. 26 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este trabalho produziu em mim muitas reflexões sobre a música na Educação Infantil especialmente a partir da noção de que o objetivo da música na escola é ampliar o olhar da criança para além da sala da aula. Através dessa noção, ampliei minhas referências de ensino de música além do domínio de um instrumento musical, ou da leitura das partituras, mas como uma linguagem que permite várias vivências, especialmente às de apreciação, interpretação e recriação, numa situação como a que se coloca a mim: a de ser uma professora sem formação específica em música. Após este estudo, percebi como a música faz diferença ao ser abordada em sala de aula. É possível abordar uma série de questões através das músicas oportunizando aos alunos o melhor desenvolvimento do seu senso crítico, e a exposição de suas ideias. A música vai além do lúdico na sala de aula. Ela tem o potencial de desenvolver na criança sua capacidade de raciocínio, de criar e desenvolver sua capacidade de interpretação para com o que está a sua volta. Podendo, assim, apreciar e vivenciar a música e as cantigas como um patrimônio cultural e artístico e, ainda, um conhecimento de valor estético. Por isso cabe à professora da Educação Infantil levar às crianças os mais variados repertórios musicais, permitindo que conheçam, reconheçam e apreciem. Para que ao longo de sua formação escolar possam construir um amplo repertório musical que se configurará num saber estético que poderá lhe permitir rever seus gostos, suas escolhas e, ainda, pensar criticamente acerca da própria indústria cultural da arte e da música. Desse modo, a escola contribui na formação ética, estética e artística de seus alunos e possibilita que façam suas escolhas musicais com mais autonomia e senso crítico, ampliando, desse modo, o conhecimento da música como uma linguagem e um patrimônio da humanidade. 27 REFERÊNCIAS ALVES, Rubem. Se fosse ensinar a uma criança a beleza... Disponível em <http://pensador.uol.com.br/frase/MTU1NzUx/ > Acesso em 10 jun. 2016. BARBOSA, Maria Flávia Silveira; Música na Educação Infantil: Reflexões e Proposta didática para Professores não-especialistas. Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/450/1/01d14t07.pdf> Acesso em 28 maio 2016. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. n. 9.394/96, Brasília, 1996. FURASTÉ, P. A. Normas técnicas para o trabalho científico: explicitação das normas da ABNT. 17. ed. Porto Alegre: Dáctilo-Plus, 2014. BRITO, Teca Alencar de. Música na Educação Infantil: Propostas para a formação integral da criança. 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