Prévia do material em texto
2011 História Do Brasil imperial Prof. Jó Klanovicz Copyright © UNIASSELVI 2011 Elaboração: Prof. Jó Klanovicz Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 981.07 K633h Klanovicz, Jó. História do Brasil Imperial/ Jó Klanovicz. Centro Universitário Leonardo da Vinci –: Indaial, Grupo UNIASSELVI, 2011.x ; 148.p.: il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-316-7 1. História do Brasil Imperial 2. Brasil Império I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título III apresentação Por meio desta publicação você conhecerá a disciplina História do Brasil Imperial, organizada em dois eixos: o primeiro, temporal, o segundo, temático. O temporal parte da vinda da família real portuguesa para o Brasil e a subsequente transferência da sede administrativa portuguesa para uma colônia (fato inédito na história política mundial). Por outro lado, o eixo temático aborda questões que vão desde história política, passando por historiografia e ensino de história do Brasil Imperial. O conteúdo desta disciplina está assim organizado: A Unidade 1, intitulada “A construção político-administrativa do Império” – tem como perspectiva algumas das questões mais prementes no que tange à independência brasileira, à centralização político-administrativa imperial e a constituição de elites nacionais, à emergência de nativismos e nacionalismos brasileiros, às guerras no Cone Sul – componente importante na consolidação territorial e geográfica no século XIX. A Unidade 2 trata da consolidação do império “nos trópicos” em termos de descrição de suas estruturas econômicas, socioculturais, as suas políticas desde os primeiros anos até a desestabilização do regime, no final do século XIX. A terceira unidade congrega discussões historiográficas sobre o tema abordado e a relação existente entre a historiografia sobre o Brasil Império e o ensino de História do Brasil Imperial. Estimado(a) acadêmico(a), bons estudos e mãos à obra!!! Prof. Jó Klanovicz IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII UNIDADE 1 - A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO ................1 TÓPICO 1 - ANTECEDENTES DA INDEPENDÊNCIA ................................................................3 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................3 2 MOVIMENTOS CONTRÁRIOS AO DOMÍNIO PORTUGUÊS..............................................4 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................9 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................10 TÓPICO 2 - INDEPENDÊNCIA..........................................................................................................11 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................11 2 D. JOÃO VI, D. PEDRO E A INDEPENDÊNCIA .........................................................................17 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................24 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................25 TÓPICO 3 - CENTRALIZAÇÃO E ELITES POLÍTICAS ...............................................................27 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................27 2 A CONSTITUIÇÃO DE 1824 ............................................................................................................29 3 PROBLEMAS PARA A CENTRALIZAÇÃO .................................................................................30 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................34 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................35 TÓPICO 4 - NACIONALISMOS E NATIVISMOS ........................................................................37 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................37 2 CARACTERÍSTICAS DOS NATIVISMOS ...................................................................................37 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................42 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................43 UNIDADE 2 - A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS ...............................45 TÓPICO 1 - ESTRUTURAS ECONÔMICAS ..................................................................................47 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................47 2 ASPECTOS GERAIS DA ECONOMIA ..........................................................................................50 2.1 O CAFÉ ............................................................................................................................................51 3 ESCRAVIDÃO .....................................................................................................................................55 3.1 A CULTURA AFRICANA ...........................................................................................................57 4 O ABOLICIONISMO E O FIM DA ESCRAVIDÃO ....................................................................58 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................61 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................63 TÓPICO 2 - INSTITUIÇÕESPOLÍTICAS DO SEGUNDO IMPÉRIO ......................................65 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................65 2 POLÍTICAS INTERNAS ...................................................................................................................69 2.1 AS REVOLTAS ................................................................................................................................69 2.2 AS GUERRAS NO CONE SUL ...................................................................................................71 sumário VIII RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................75 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................77 TÓPICO 3 - ESTRUTURAS SOCIOCULTURAIS ...........................................................................79 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................79 2 REGIONALISMOS ............................................................................................................................79 3 GÊNERO ...............................................................................................................................................81 4 VIDA URBANA ..................................................................................................................................84 5 CENAS DO BRASIL MIGRANTE ..................................................................................................88 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................91 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................93 TÓPICO 4 - O ESFACELAMENTO DO IMPÉRIO .........................................................................95 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................95 2 VENTOS REVOLUCIONÁRIOS E REPUBLICANOS ................................................................95 2.1 OS CLUBES E OS POLEMISTAS REPUBLICANOS .................................................................96 3 OS MILITARES, GUERRA E POLÍTICA .......................................................................................97 4 A QUEDA DA MONARQUIA .........................................................................................................98 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................99 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................101 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................102 UNIDADE 3 - HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL ......................103 TÓPICO 1 - UM POUCO DE HISTORIOGRAFIA .........................................................................105 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................105 2 A INVENÇÃO DO BRASIL ..............................................................................................................106 3 PERIODIZANDO A HISTÓRIA DO BRASIL ..............................................................................106 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................107 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................108 TÓPICO 2 - INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) ...................109 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................109 2 O IHGB E O SÉCULO XIX ................................................................................................................110 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................122 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................124 TÓPICO 3 - HISTORIOGRAFIA RECENTE ....................................................................................125 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................125 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................128 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................129 TÓPICO 4 - ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL IMPERIAL ...................................................131 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................131 2 SABER E FAZER: REDIMENSIONAMENTO DA RELAÇÃO “HISTÓRIA-ENSINO” ......131 3 RELAÇÃO “DIDÁTICA-HISTÓRIA” ............................................................................................132 4 LINGUAGENS, INSTRUMENTOS, ESPAÇOS ...........................................................................135 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................138 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................139 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................141 1 UNIDADE 1 A CONSTRUÇÃO POLÍTICO- ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS Esta unidade tem por objetivos: • compreender a emergência do Brasil Imperial em meio ao contexto de uma economia-mundo de fins do século XVIII e início do século XIX; • identificar os principais eventos constituintes do Brasil como Império; • refletir sobre o processo de independência da colônia; • analisar a situação interna do Império do Brasil e sua relação com os de- mais países da América do Sul. Esta unidade de estudos está dividida em quatro tópicos e em cada um deles você encontrará atividades que o(a) ajudarão a compreender os conteúdos apresentados. TÓPICO 1 – ANTECEDENTES DA INDEPENDÊNCIA TÓPICO 2 – INDEPENDÊNCIA TÓPICO 3 – CENTRALIZAÇÃO E ELITES POLÍTICAS TÓPICO 4 – NACIONALISMOS E NATIVISMOS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 ANTECEDENTES DA INDEPENDÊNCIA 1 INTRODUÇÃO A independência foi um processo que não ocorreu num único instante. Ela foi resultado de várias articulações políticas, econômicas e sociais locais, na América Portuguesa, em paralelo a desarticulações do Antigo Regime na Europa. Nesse sentido, pode-se dizer que desde o final do século XVIII há tensões entre a metrópole e os interesses de colonos no Brasil, o que acabou por fomentar movimentos de separação, em meio aos diversos tipos de nativismo. A força militar, representada pela eficiência e rapidez das tropas napoleônicas e suas tentativas de expandir o controle sobre a Europa, a partir da França, e bloquear os interesses da tradicional inimiga, a Inglaterra, causou,simultaneamente, o desequilíbrio político do continente, o que acabou por modificar, em certa medida, as próprias relações entre Portugal e a América Portuguesa, representada, especialmente, pela transferência da família real de Lisboa para o Brasil. Nesse sentido, é interessante pontuar que a Independência brasileira, como processo, tem inúmeros focos, em diferentes datas e locais. Pode-se dizer, em certa medida, que alguns eventos, conjunturas políticas, sociais e econômicas, além de personalidades, tiveram peso e relevância nesse cenário antecedente aos eventos políticos que vão redundar na separação política do Brasil com relação a Portugal, oficialmente deflagrada em 7 de setembro de 1822. NOTA Olá!!! Que bom vê-lo(a) novamente! Agora que começamos nossos estudos em História do Brasil Imperial, vai aí uma boa dica: como instrumento para entender a questão das independências no século XIX, sugiro que você leia o texto de Heitor de Andrade Carvalho Loureiro, A independência brasileira: considerações historiográficas, publicado na revista Ibérica n. 13, 2010, disponível em: <http://www.estudosibericos.com/arquivos/ iberica13/independencia-brasileira.pdf>. Acesso em: 24 jul. 2010. UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO 4 2 MOVIMENTOS CONTRÁRIOS AO DOMÍNIO PORTUGUÊS Entre os eventos característicos desse processo estão a Conjuração Mineira (1789), a Conjuração Baiana (1798) e a Revolução Pernambucana (1817), que são consideradas, do ponto de vista da história política nacional, rebeliões separatistas, por representarem, de pronto, a oposição de interesses locais e metropolitanos. A Conjuração Mineira, por exemplo, foi motivada pela decadência da produção de minérios na segunda metade do século XVIII e pelas dificuldades de produtores brasileiros em pagar os tributos cobrados à colônia pelo reino. A exacerbação da derrama, como instituição violenta para obrigar a população da capitania das Minas (atual estado de Minas Gerais) a entregar parte de seus bens para pagar as dívidas, ocasionou o levante de muitas partes contra a metrópole. Muitos colonos estavam descontentes com essa situação, seguida dos altos preços cobrados por mercadorias importadas, tais como calçados, tecidos, ferramentas, manufaturas em geral, que estavam proibidas de serem fabricadas no Brasil por meio de uma legislação que datava de 1785. Somava-se a isso a prerrogativa de ocupação de cargos administrativos da colônia somente por portugueses, a proibição da impressão de jornais e livros no Brasil, o que dificultava, em muito, a emergência de elites locais. Nesse cenário de descontentamento, muitos membros das elites mineiras, uns vivendo no Brasil e outros voltando da Europa, embalados pelos ventos revolucionários, pela exacerbação dos sentimentos liberais, acabaram por começar a reunir-se em Vila Rica, estabelecendo táticas de conspiração contra o governo português e dando início aos preparativos de insurreição. Diversos indivíduos, como Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga, todos poetas, ou os padres José de Oliveira Rolim, Carlos Correia de Toledo e Melo e Manuel Rodrigues da Costa, DICAS Você pode fazer uma pesquisa iconográfica sobre os movimentos contrários ao domínio português na América, diretamente na internet, e buscar perceber neles, padrões de leitura e representação. TÓPICO 1 | ANTECEDENTES DA INDEPENDÊNCIA 5 mas também militares como Francisco de Paula Freire Andrade, Domingos de Abreu, Joaquim Silvério dos Reis e Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), embrenharam-se por esse processo insurrecional, reivindicando um governo republicano, tomando a Constituição dos Estados Unidos da América como modelo, propondo São João D’El Rei como a capital do novo país, prevendo o serviço militar obrigatório e apoiando a industrialização como base do desenvolvimento, sob os auspícios da ideologia maçônica que deu origem ao mote da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Esses líderes acabaram, inclusive, por desenhar a nova bandeira brasileira, caracterizada por um triângulo verde sobre um fundo branco, com os dizeres “Libertas quae sera tamen”, embora não fazendo menção a problemas locais como escravidão ou concentração de terras e de renda. Às vésperas de uma derrama, eclodiu a revolta em Vila Rica em 1789, e os insurgentes buscaram prender o novo governador da região quando do início da cobrança do imposto, o Visconde de Barbacena, com o apoio da população local. Enquanto esses acontecimentos se desenrolavam em Vila Rica, ficou combinado que Tiradentes deveria ir ao Rio de Janeiro com o objetivo de divulgar as ações insurgentes e tentar conseguir apoio em armas, dinheiro e munição. O projeto foi frustrado porque foi denunciado por Joaquim Silvério dos Reis, em troca de perdão de dívidas pessoais. Por outro lado, o visconde de Barbacena não realizou a cobrança da derrama, e começou a prender os conspiradores, que demoraram três anos para ser julgados. Apenas Tiradentes assumiu integralmente a participação na conspiração, enquanto os outros insurgentes buscaram dissimular suas ações. Todos eles foram desterrados nas colônias portuguesas da África, enquanto Tiradentes foi condenado à morte, enforcado em 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro, depois esquartejado e seus membros distribuídos pelas cidades onde buscava apoio, numa condenação característica do Antigo Regime, baseada no suplício. UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO 6 FONTE: Disponível em: <http://olhopop.files.wordpress.com/2010/04/tiraden tes_ esquartejado_28pedro_amc3a9rico2c_189329.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. Na Bahia eclodiu um movimento nitidamente popular, com a participação de artesãos, escravos, ex-escravos, burgueses em geral, soldados e alfaiates, padres, médicos e advogados. Um dos motivos era a dificuldade econômica acarretada a Salvador devido à transferência da capital para o Rio de Janeiro em 1763. A Bahia permaneceria FIGURA 1 – TIRADENTES. IMAGEM DE PEDRO AMÉRICO (1888) TÓPICO 1 | ANTECEDENTES DA INDEPENDÊNCIA 7 com uma população miserável, sobrecarregada de tributos, que contestava com frequência a exploração da metrópole. O sucesso da independência dos Estados Unidos da América (1776), as realizações da Revolução Francesa (1789) acabaram por ser divulgadas na Bahia por meio de intelectuais, burgueses e profissionais liberais, empolgando parcela da população soteropolitana. Os grupos de revoltosos começaram a se encontrar em reuniões secretas, para organizar a conspiração em comum acordo com diversas camadas da população. As propostas eram a proclamação de um governo republicano, democrático, livre de Portugal, o livre comércio (contra o mercantilismo), o aumento do soldo e a abolição da escravidão. Entre os líderes desse movimento estavam os soldados Lucas Dantas de Amorim Torres, Luís Gonzaga das Virgens e Romão Pinheiro, o padre Francisco Gomes, o farmacêutico João Ladislau de Figueiredo, o professor Francisco Barreto, o médico Cipriano Barata e os alfaiates João de Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira. A rebelião estourou em 12 de agosto de 1798, por meio de cartazes espalhados por toda a cidade de Salvador, enquanto que o então governador de Pernambuco, Fernando José de Portugal, iniciava a repressão, que acabou com vários dos representantes presos, condenados com diversas intensidades, desde suplícios até degredos. Por outro lado, a Revolução Pernambucana, ocorrida mais tarde, em 1817, vinha na esteira de uma série de revoltas daquela capitania contra o regime colonial, desde a Insurreição Pernambucana contra os holandeses até a Guerra dos Mascates entre Olinda e Recife (1710-11). O motivo agora era o tradicional aumento de impostos causado pela transferênciada corte portuguesa para o Brasil em 1808. O movimento angariou adeptos em Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte e buscou resolver a situação financeira da capitania, tendo por objetivo a libertação do Brasil do domínio português e a constituição uma república em Recife. Alguns representantes desse movimento foram o comerciante Domingos José Martins e padres que acabaram por derrubar o governador e implantar um novo governo, decretando a extinção de impostos, a liberdade de imprensa, de religião e a igualdade entre cidadãos. A revolução acabou sendo reprimida por tropas deslocadas da Bahia e do Rio de Janeiro, tendo seus participantes sido presos e executados. UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO 8 Esses movimentos separatistas, no todo, acabaram por mostrar a insatisfação com a exploração e a opressão de Portugal sobre a América Portuguesa e a impossibilidade de manutenção do sistema colonial e de seu correspondente sistema econômico (o mercantilismo), no Brasil. 9 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico você estudou que: • A independência foi um processo que não ocorreu num único instante. Ela foi resultado de várias articulações políticas, econômicas e sociais locais, na América Portuguesa, em paralelo a desarticulações do Antigo Regime na Europa. • A História do Brasil é periodizada de acordo com os marcos institucionais, começando com a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, um dos detonadores do processo de independência do país. • A Independência brasileira, como processo, tem inúmeros focos em diferentes datas e locais. Pode-se dizer, em certa medida, que alguns eventos, conjunturas políticas, sociais e econômicas, além de personalidades, tiveram peso e relevância nesse cenário antecedente aos eventos políticos que vão redundar na separação política do Brasil com relação a Portugal, oficialmente deflagrada em 7 de setembro de 1822. • Houve dissensões locais frente ao domínio português da América, que se deslocam entre o século XVIII e o início do século XIX. 10 AUTOATIVIDADE Elabore um quadro de eventos pré e pós-independência, que são exemplos de movimentos locais contra o domínio português da América, enfatizando líderes, datas, o relato dos eventos e seus símbolos iconográficos, tais como bandeiras ou representações de indivíduos importantes em cada um. 11 TÓPICO 2 INDEPENDÊNCIA UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A independência do Brasil estava lançada em plena relação com o que Eric Hobsbawm denominou de Era das Revoluções (2007), amparada em plenos ideais republicanos, contrários à manutenção do mercantilismo, em plena expansão do capitalismo e dos princípios de uma industrialização efetiva, da independência dos Estados Unidos da América, da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas. As guerras napoleônicas, no esforço de atingir a Inglaterra, acabaram por englobar diretamente Portugal, na medida em que o país, que se mantinha oportunamente neutro, acabou por ser forçado a tomar partido na contenda, entre França e Inglaterra, com a imposição do bloqueio continental francês. Diversos autores concordam que o início do século XIX foi um período de incertezas para o reino de Portugal, que estava, por conseguinte, pressionado. O Tratado de Badajós (1801) fez Portugal devolver Olivença para a Espanha, então aliada de Napoleão no bloqueio contra a Inglaterra. O reino português percebia que o incremento do poder da França faria com que o país tivesse que abandonar sua posição, buscando acordos secretos com Londres e pagando indenizações para as tropas francesas. Com as portas de Portugal pressionadas pelas tropas francesas, altamente rápidas e eficientes, a própria Inglaterra persuadiu a corte portuguesa a transferir- se para o Brasil, obrigando-a, também, a abandonar a sua inconsistência em termos de política internacional de acomodações para outra de incondicional apoio à política inglesa, ainda em 1808. A escolta que a Inglaterra ofereceu para a transmigração da corte para o Brasil obrigou o soberano português a satisfazer a voracidade comercial inglesa. Desembarcando na Bahia em 24 de janeiro de 1808, já em 28 “abriu as portas do Reino ao comércio de todas as nações amigas, primeiro ato de represália contra Napoleão” (LOSSO, 2008, p. 5). O reino de Portugal, longe de Lisboa, concedia dessa maneira privilégio à Inglaterra, na época, a única potência da Europa capaz de manter e proteger uma possante marinha mercante (HOLANDA, 1985). UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO 12 O Brasil acabou, enfim, por se tornar a sede da monarquia entre 1808 e 1821. Ao chegar a Salvador em 1808, D. João VI decretou a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, liberando a importação de quaisquer produtos vindos de países como a Inglaterra, o que beneficiou diretamente aquela nação em plena industrialização. No mesmo ano, o rei revogou a proibição de instalação de manufaturas e indústrias na América Portuguesa, o que, se por um lado foi um passo importante para a liberalização dos mercados, por outro, não representou grande benefício prático na medida em que o surto manufatureiro colonial não conseguiria concorrer com o preço mais barato e a qualidade dos produtos ofertados por ingleses. FONTE: Disponível em: <http://hemi.nyu.edu/unirio/studentwork/imperio/projects/RicardoBrugger/ image002.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. A partir de 1810, o Tratado de Comércio anglo-lusitano fez emergir no Brasil a movimentação financeira necessária à sustentação das elites comerciais locais e inglesas, que pagariam apenas 15% de direitos para as mercadorias transportadas nos portos regionais pelo pavilhão inglês, ao passo que onerava em 16% as próprias importações de Portugal (HOLANDA, 1985, p. 101). O Brasil, nesse sentido, preparava sua independência política, sem quebrar a dependência econômica, favorecendo o escoamento de produtos ingleses manufaturados e imobilizados pelo bloqueio continental, abrindo comércio à Inglaterra, abastecendo tropas em luta, servindo de ponto seguro de apoio inglês contra as ideias da República Francesa (liberdade, igualdade, fraternidade) que se espalhavam na América. “Por outro lado, Portugal parecia estar abandonado FIGURA 2 – CERIMÔNIA DE ACLAMAÇÃO POPULAR DE D. JOÃO VI PELA ELEVAÇÃO DO BRASIL A REINO UNIDO, AMBIENTADA PELO PRINCIPAL ARTISTA DA CORTE PORTUGUESA, J. B. DEBRET TÓPICO 2 | INDEPENDÊNCIA 13 à sua própria sorte, o que fez com que suas elites comerciais, prejudicadas por ficarem do outro lado do Atlântico, não tardassem a se insurgir contra Napoleão, com as despesas custeadas pelo Brasil” (HOLANDA, 1986, p. 102). Entre 1808 e durante a década de 1810, o Brasil custearia o restabelecimento da soberania de Portugal, invadiria a Guiana Francesa e ainda se envolveria na Guerra da Cisplatina, com vistas a anexar a Banda uruguaia, considerada presa fácil do débil império espanhol. D. João VI beneficiou a terra com a revogação das restrições antes existentes sobre as indústrias no país, favoreceu a introdução de máquinas, garantiu direito a inventores, facilitou importação de matéria-prima para a indústria e fábricas, fundou a Escola da Marinha, de Artilharia e fortificações como a Imprensa Régia, o Jardim Botânico, a Biblioteca Pública, a Academia de Belas-Artes, uma fábrica de pólvora e um hospital do exército, porém sob um sistema monetário metálico e defeituoso, sob um sistema tributário assistemático e cheio de problemas, com uma economia acanhada e um primeiro Banco do Brasil do qual o estado era mero acionista. Essa foi a situação administrativa da colônia entre 1808 e 1821, com poucas alterações no meio do caminho. Fatos de destaque: o Rio de Janeiro acabou por ganhar ares europeus com a transferência da família real parao Brasil, por meio da instalação de diversas instituições e órgãos públicos, com o estabelecimento dos ministérios e tribunais, a Casa da Moeda, o Banco do Brasil e outros tantos. Na mesma época é que a América Portuguesa abre-se para missões naturalistas, científicas e artísticas, que tiveram importância decisiva para a descrição do interior do Brasil, suas paisagens e costumes, bem como suas dinâmicas socioeconômicas, ambientais e suas distâncias e geografia. Obras como as de Debret, ou de Rugendas, ou as descrições de David Porter traduziram a dimensão do Brasil por meio da imagem de paisagens, de costumes, de pessoas, ou por meio de textos. Essas imagens e versões escritas do período joanino deixavam não apenas as impressões naturais e geográficas, ou por assim dizer, “fisionômicas” do Brasil, mas também expressavam posicionamentos políticos e impressões sobre a própria relação entre colônia e metrópole. O texto de David Porter (apud HARO, 1990, p. 220), de 1812, falando da capitania de Santa Catarina, nos ajuda a exemplificar tal relação: Antes de ir mais longe, devo dizer alguma coisa sobre Santa Catarina. Os portugueses se estabeleceram naquela ilha (atual Florianópolis) há setenta anos, aproximadamente, e a Vila, que parece em situação próspera, está situada no ponto da ilha mais próximo ao continente, e pode ter cerca de dez mil habitantes; aí reside o Capitão Geral. Parece lugar de comércio; UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO 14 vários bergantis e barcos estavam, ainda, em frente à Vila, e os mercados eram numerosos e bem abastecidos do corrente vendível, a bom preço. A Vila está situada em lugar ameno, a baía, que fica em frente, parece cômoda; os habitantes são habilidosos. É defendida por dois pequenos fortes, um em frente ao outro em local que avista a terra. As casas, em geral, são construídas com elegância. Mas, nada de mais belo do que a grande baía, ao norte, formada pela Ilha de Santa Catarina e o continente. Nada ali falta daquilo que pode proporcionar a visão de um lugar lindo: belos povoados e casas dispostas em círculo, praias que, gradativamente, conduzem ao morro, e este coberto até o topo de plantas sempre verdes. Um clima sempre temperado e saudável; ilhotas, esparsas aqui e acolá, e todas verdes, um solo fertilíssimo; tudo combina para dar à gente a impressão do mais belo lugar do mundo. Nós chegamos, desafortunadamente, na estação oposta à das frutas; não mais se podia ter laranjas naquele momento, mas me foi dito que na estação delas se podia ter em abundância e por uma bagatela. Aqueles habitantes parecem ser os mais felizes de quantos vivem sob o domínio português; provavelmente porque estão mais longe de Portugal, estão menos sujeitos aos impostos e opressões, mas, sempre se queixam. Existem aí dois regimentos da guarnição de Santa Catarina, que, quando lhes faltam provisões, um oficial vai à casa dos colonos, se apropria de seus cereais e gado e lhes dá um bônus do governo, que jamais é extinto. FONTE: Disponível em: <http://www.gilsoncamargo.com.br/blog/uploads/2007/06/curitiba-1827- debret.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. FIGURA 3 – VISTA DE CURITIBA. JEAN-BAPTISTE DEBRET (1827) TÓPICO 2 | INDEPENDÊNCIA 15 FONTE: Disponível em: <http://www.pousodoalferes.com.br/site/images/artigos/rugendas_ ouropreto.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. Sobre a transferência da família real, Luiz Felipe de Alencastro (1997) descreve o seguinte: FIGURA 4 – JOHANN MORITZ RUGENDAS, OURO PRETO (1824) A transferência da corte trouxe para a América Portuguesa a família real e o governo da Metrópole. Trouxe também e, sobretudo, boa parte do aparato administrativo português. Personalidades diversas, funcionários régios continuaram embarcando para o Brasil atrás da corte, dos seus empregos e dos seus parentes, após 1808. Concretamente, além da família real, 276 fidalgos e dignatários régios recebiam verba anual de custeio e representação, paga em moeda de ouro e prata retirada do Tesouro Real do Rio de Janeiro. Luccock calcula em 2 mil o número de funcionários régios e de indivíduos exercendo funções relacionadas com a Coroa. Juntem- se ainda os setecentos padres, os quinhentos advogados e os duzentos “praticantes” de medicina residentes na cidade. Terminadas as guerras napoleônicas, oficiais e tropas lusas vêm da Europa para a corte fluminense. Segundo o almirante russo Vassíli Golôvin, que fez duas estadias na cidade, em 1817 havia no Rio de Janeiro de 4 a 5 mil militares. No total, pelo menos 15 mil pessoas transferiram-se de Portugal para o Rio de Janeiro no período. Para melhor medir a força desse empuxo burocrático, convém lembrar que em 1800, quando a capital dos Estados Unidos mudou-se de Filadélfia para a recém-construída Washington, o contingente de funcionários do governo federal americano não excedia o milhar, contando-se desde o presidente John Adams aos cocheiros do serviço postal. UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO 16 De resto, administradores e colonos de outras partes do império português, notadamente Angola e Moçambique, também migram para o Rio. Em seguida, Portugal atravessa uma fase de instabilidade política que contribui para manter no Rio de Janeiro, até meados do século, uma parte dos interesses lusitanos anteriormente transferidos para o Brasil. De seu lado, setores mais comprometidos da monarquia espanhola saem dos países sul- americanos tomados por revoluções republicanas e mudam-se para o Rio de Janeiro, único refúgio da legalidade monárquica no Novo Mundo. A parcimônia de dados disponíveis não permite que se meça precisamente o fluxo migratório em direção à nova corte sul-americana. Mas é possível captar as mudanças comparando os dados dos censos efetuados na cidade em 1799 e 1821. Entre uma e outra data, a população urbana, excluídas, portanto, as freguesias rurais do município, subiu de 43 mil para 79 mil habitantes. Em particular, o contingente de habitantes livres mais que dobrou, passando de 20 mil para 46 mil indivíduos. Não foram só reinóis e monarquistas latino-americanos que aportaram na corte fluminense. O enxerto burocrático suscitou uma procura de moradias, serviços e bens diversos, atraindo para o Rio mercadorias e moradores fluminenses e mineiros. Enfim, chegam mais africanos, dado que a baía de Guanabara convertera-se, desde o final do século XVIII, no maior terminal negreiro da América. Nesses primeiros momentos de transferência da corte para o Brasil, D. João VI declarou guerra contra a França napoleônica e invadiu a Guiana Francesa (1809), devolvendo-a apenas em 1817, quando Napoleão Bonaparte foi derrotado na Europa. No mesmo tom, contra a América Espanhola, D. João VI tratou de invadir a banda uruguaia ao sul do Rio Grande do Sul, transformando-a em Província Cisplatina. Essa província tornar-se-ia independente só em 1828. Portugal conseguia, paulatinamente e graças ao apoio inglês, voltar-se contra a invasão napoleônica, porém acabaria por se defrontar com problemas econômicos e com o governo lisboeta do comandante militar inglês, Lorde Beresford. Em meio à difusão de ideais iluministas, essas dificuldades acabaram por contribuir sobremaneira para a eclosão, em 1820, da Revolução Liberal na cidade de Porto, norte português. Em síntese, insatisfeitos com o fim do pacto colonial, comerciantes, nobres e militares portugueses, que estavam sob a tutela do governo inglês desde a desocupação do exército de Napoleão, exigiam a convocação do órgão legislativo de Portugal, que não se reunia desde 1698. As Cortes Constituintes da Nação Portuguesa elaboraram uma constituição, à qual D. João VI jurou obediência antes de partir de volta a Portugal, deixando seu filho D. Pedro como príncipe regente. TÓPICO 2 | INDEPENDÊNCIA 17 Enquantoa movimentação liberal alastrava-se em Portugal e no Brasil, é necessário lembrar que os últimos anos do governo joanino no Brasil foram permeados por uma administração rotineira, corrupta, sob a face de um absolutismo resoluto – embora muitos dos administradores buscassem reformar as instituições e abusos burocráticos. Contudo, poucos em Portugal poderiam desenhar o que estava por acontecer no Brasil nos idos de 1820, na medida em que “[...] a monarquia tradicional parecia consolidada, a república do Recife estava vencida com relativa facilidade e a anexação da Banda uruguaia estava em vias de completar-se” (HOLANDA, 1985, p. 153). Em 1821 foram enviados representantes brasileiros para as “cortes”, que pouco puderam fazer além de assistir a uma tentativa de recolonização. Tanto o processo de eleição como a atuação dos representantes brasileiros no Parlamento português foram marcados por violentos conflitos sociais, que não raro acabaram se transformando em batalhas pelas ruas das cidades brasileiras, como no Rio de Janeiro, em março e abril de 1821. Segundo Sérgio Buarque de Holanda (1985), costuma-se datar o embarque de D. João VI para Portugal como o início da desagregação, cujo último denotador seriam os decretos recolonizadores e cujo coroamento viria no 7 de setembro. Se, por um lado, os liberais revoltosos de Porto defendiam reformas liberalizantes em Portugal, muitos deles acabavam por querer restabelecer o controle por meio de uma espécie de recolonização do Brasil. Nesse sentido, propunham a restauração de monopólios e privilégios aos portugueses na colônia, bem como a anulação dos esforços de uma administração que se tornaria autônoma cada vez mais. Na realidade, quando o rei partiu, o Brasil já entrara havia alguns meses no processo final de sua emancipação política. A autoridade absoluta já estava desmantelada e a prática da soberania popular – ainda informe – levaria fatalmente à soberania (HOLANDA, 1985, p. 157). De todas as formas, é necessário descrever alguns processos que aconteceram durante a regência de D. João VI no Brasil para termos compreensão da independência em sua complexidade. 2 D. JOÃO VI, D. PEDRO E A INDEPENDÊNCIA A transmigração da família real para a colônia trouxe consigo efeitos indiretos, porém inevitáveis. Um deles foi a emergência da discussão, na esfera política, da possibilidade de independência da América Portuguesa frente à metrópole. Esse debate acabou sendo encabeçado por alguns indivíduos favoráveis à independência que acabaram por constituir, ainda na Europa, o Partido Brasileiro. De fato, esse grupo de pessoas estava organizado por aristocratas rurais que tinham interesse direto na autonomia, mas também reunia UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO 18 burocratas e comerciantes, tanto brasileiros como portugueses de nascimento que tinham vínculos econômicos, políticos e socioculturais fortes com a América. Um dos principais representantes desse movimento foi Gonçalves Ledo. Outro, que deixou profundas marcas inclusive nos traços políticos da independência e dos primeiros momentos do Brasil independente, foi José Bonifácio de Andrada e Silva. Este último, intelectual brasileiro que foi, inclusive, professor da Universidade de Coimbra, prestigiosa instituição acadêmica lusitana, tecia importantes críticas à política e aos traços administrativos e burocráticos daquele país. É o que pode ser identificado em alguns de seus aforismos acerca de Portugal: Em Portugal todo homem de bem que diz verdades é detestado; e se ele tem pretensões à filosofia, então, se o não haja, está exposto às perseguições da chusma imensa dos obscurantes. A astúcia particular de cada chefe que entra no governo português exerce tal ação no ministério que a autoridade soberana só na aparência o é – submissão em palavras e resistência oculta e lenta, porém constante e sucessiva, paralisam tudo o que é contrário a seus interesses particulares – o clero e frades turbulentos e hipócritas perseguidores, a nobreza vil e intrigante, o povo miúdo ignorante e obstinado; donde nascem e se sustentam ódios, cabalas e vinganças recíprocas e contínuas […]. Os abusos do poder têm feito o povo português desconfiado e baixo; a má-fé e a opressão o forçam a que evite o não ser enganado e seja antes enganador. (ANDRADA E SILVA, 1999, p. 186). FONTE: Disponível em: <http://semanact.mct.gov.br/upd_blob/0000/757.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. FIGURA 5 – JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA (1763-1838) TÓPICO 2 | INDEPENDÊNCIA 19 O Partido Brasileiro tratou de se aproximar de D. Pedro em sua luta contra a recolonização proposta por algumas medidas estabelecidas por Portugal após o retorno de D. João. O Partido Brasileiro acabou elaborando um documento que reuniu milhares de assinaturas, que pedia a permanência de D. Pedro no Brasil e que o mesmo não se submetesse às ordens das cortes portuguesas, em meio à convocação de vários representantes brasileiros para as discussões políticas na metrópole. Em 1821, as Cortes chamam D. Pedro I de volta a Portugal. A recusa do príncipe regente em obedecer, publicamente declarada em 9 de janeiro de 1822 (Dia do Fico), seria o início de um atrito que culminaria nos eventos de 1822, cujo símbolo mais evidente é a cena pintada 66 anos depois, por Pedro Américo. FONTE: ACERVO do Museu Paulista Universidade de São Paulo (Museu do Ipiranga). Disponível em: <http://peregrinacultural.files.wordpress.com/2008/09/o-grito-do-ipiranga-quadro-de-pedro- americo-1888-museu-do-ipiranga-sp.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. FIGURA 6 – O GRITO DO IPIRANGA (PEDRO AMÉRICO, 1888) A simbologia da figura “O Grito do Ipiranga” não deve nos indicar erroneamente que a separação entre Brasil e Portugal foi um ato heroico, fruto da vontade de um príncipe impetuoso. Se atentarmos para o fato de que a tela foi pintada meio século após o acontecimento, podemos interpretá-la muito mais como a tentativa de construir um passado comum entre os brasileiros, em meio ao processo de identificação do Brasil no rol das nações de final de século, bem como na observância dos processos de emergência das nacionalidades, característico da sociedade do século XIX. UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO 20 O processo pode ser balizado entre janeiro de 1822, com a inequívoca manifestação pública de D. Pedro, de que ficaria no Brasil, e março de 1824, quando é promulgada a primeira Constituição do Império do Brasil, sendo D. Pedro I coroado Imperador. Entre janeiro e setembro de 1822, D. Pedro I tomou uma série de decisões que desagradaram profundamente o governo de Portugal. A primeira delas foi convocar uma Assembleia Constituinte em junho, visando elaborar a lei básica que deveria regulamentar a vida dos brasileiros, em confronto cada vez mais inevitável com a metrópole. Depois, tratou de organizar uma Marinha de Guerra enquanto determinou o retorno a Lisboa de tropas portuguesas que estavam estacionadas no Brasil. Por fim, declarou que nenhuma lei portuguesa entraria em vigor no Brasil sem sua autorização pessoal. Frente a essas primeiras determinações, D. Pedro I tratou de viajar para Minas Gerais e São Paulo, a fim de acalmar determinados setores e grupos e a preveni-los sobre os acontecimentos recentes, e a autonomização da colônia. Na volta de Santos para São Paulo, recebeu correspondência das Cortes de Portugal, comunicando a anulação da Assembleia Constituinte por ele proposta a 7 de setembro de 1822. Foi no meio da viagem, portanto, que D. Pedro I declarou, oralmente, a independência do Brasil. É importante considerar que as declarações de independência não tinham apenas importância metafórica. No contexto do direito internacional do século XIX, elas representavam alguns ideais expressos de liberdade,e consolidavam-se não como normas abstratas, mas como prêmios arduamente conquistados. Por um lado, colocavam ex-colônias de frente, na arena jurídica, com as ex-metrópoles e com a comunidade internacional de países autônomos e independentes, que, seguindo suas próprias agendas políticas internacionais, jogavam com a aceitação ou relutância dessas mesmas declarações. No caso do Brasil, os primeiros países que reconheceram sua independência foram os Estados Unidos da América e o México. Os EUA reconheceram mais rapidamente independências na América do Sul na primeira metade do século XIX, do que na segunda metade do século, a despeito de permanecer com uma política externa de não interferência nessa parte do continente. Thomas Jefferson em pessoa começou a fomentar a resistência aos impérios ibéricos ainda no início de 1786, quando se encontrou clandestinamente em Nîmes, França, com um estudante brasileiro de medicina, José Joaquim Maia e Barbalho, que, sob o pseudônimo de “Vendek”, carregou consigo até 1822, uma cópia da Declaração de Independência, elaborada em comum com Jefferson. Não há evidência, contudo, que a declaração oral de independência feita por D. Pedro I em 1822, tenha sido influenciada pela declaração estadunidense de Jefferson. TÓPICO 2 | INDEPENDÊNCIA 21 Os grupos e as ideias que estiveram envolvidos nesse processo podem ser acompanhados no seguinte trecho, do livro A Independência e a Construção do Império, de Cecília Helena de Salles Oliveira (1995, p. 98-99): No entendimento do grupo de Nogueira da Gama, assim como na concepção de José Bonifácio, a proposta separatista [entre Brasil e Portugal] estava profundamente vinculada à convicção de que construir a Independência do Brasil implicava a organização de um governo representativo, que ao mesmo tempo harmonizasse os interesses provinciais e garantisse o equilíbrio entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Isso quer dizer que esses políticos, mesmo sendo opositores de Gonçalves Ledo e dos republicanos, dividiam com ele a certeza de que o absolutismo monárquico e a legislação do Antigo Regime não mais respondiam à dinâmica social. A grande diferença entre eles estava no fato de os membros da Regência considerarem que o ajustamento de interesses, liberdades e direitos entre os homens livres requeria uma constituição sustentada pelos cidadãos e pela autoridade do príncipe. A gravidade dos conflitos e a presença da população escrava faziam com que não acreditassem que o poder soberano da nação pudesse ser exercido pela Assembleia Legislativa. Temiam que as divergências de opinião entre deputados de diferentes tendências provocassem manifestações sociais fora de controle. Ao mesmo tempo que entendiam ser fundamental o consentimento do povo para a legitimidade do novo governo, sustentavam um amplo espaço de atuação para o Poder Executivo, pretendendo centralizar as decisões políticas nas mãos do príncipe e da Corte do Rio de Janeiro, base para a criação de um Império. Defendiam, desse modo, uma monarquia constitucional em que o povo tivesse asseguradas as liberdades civis e o direito de representação, estando formalmente protegido do arbítrio e do abuso de poder, em que as províncias se subordinassem ao poder central e na qual os proprietários teriam participação política efetiva, já que era a propriedade de riquezas e bens o fundamento da plena cidadania. Confrontos houve no Brasil, principalmente nas ruas do Rio de Janeiro, onde tropas leais à metrópole acabaram por ser repelidas e derrotadas. D. Pedro acabou sendo orientado política, administrativa e intelectualmente por José Bonifácio de Andrada e Silva e acabou abrindo caminho para a coroação como D. Pedro I. UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO 22 O processo de independência não teve participação popular e trouxe consigo o fim do período colonial não necessariamente promovendo mudanças na esfera social, política e econômica local. A independência representou o corte dos laços políticos com a metrópole, porém não os de ordem econômica, uma vez que o país continuou ancorado numa elite aristocrática rural, com economia escravista, sem mobilidade social, onde não existiu um projeto claro e preciso de “nova nação”. Do ponto de vista econômico é importante considerar a dependência econômica que o emergente país encontrou como estrutura desde a vinda da família real em 1808 até 1822. Diversos historiadores, principalmente os de formação econômica, apontaram essas dificuldades. Vejamos alguns trechos extraídos de alguns dos principais pensadores a esse respeito. FONTE: Disponível em: <http://www.arqnet.pt/imagens3/imag120301.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. FIGURA 7 – VOYAGE PITTORESQUE ET HISTORIQUE AU BRÉSIL, III, PARIS, FIRMIN DIDOT FRÈRES, 1839. LITOGRAFIA AQUARELADA DE JEAN-BAPTISTE DEBRET O caminho para a coroação foi rápido, ao passo em que a Independência era reconhecida, primeiramente pelos Estados Unidos da América, depois pelos Estados Unidos Mexicanos. Portugal reconheceu a independência brasileira somente após o pagamento de uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas, dinheiro esse que D. Pedro I conseguiu como empréstimo, da Inglaterra. TÓPICO 2 | INDEPENDÊNCIA 23 Celso Furtado (2007, p. 93-94), em Formação econômica do Brasil, afirmou que: “A abertura dos portos”, decretada ainda em 1808, resultava de uma imposição dos acontecimentos. Vêm em seguida os tratados de 1810 que transformam a Inglaterra em potência privilegiada, com direitos de extraterritorialidade e tarifas preferenciais a níveis extremamente baixos, tratados esses que constituirão, em toda a primeira metade do século, uma séria limitação à autonomia do governo brasileiro no setor econômico. Caio Prado Júnior (2007, p. 133) observa que Deriva daí [do processo de abertura de portos e submissão à Inglaterra], como consequência imediata que se faria profundamente sentir, o desequilíbrio da vida financeira do país. O comércio internacional do Brasil se torna quase permanentemente deficitário. Entre 1821 e 1860 só excepcionalmente ocorrem anos com balanços positivos. […] O déficit será saldado pelo afluxo de capitais estrangeiros, sobretudo empréstimos públicos, que efetivamente começam a encaminhar-se para o Brasil desde que o país é franqueado ao exterior. Mas isto representava apenas solução provisória que de fato ia agravando o mal para o futuro, pois significava novos pagamentos sob a forma de juros, dividendos, amortizações, e, portanto, novos fatores de desequilíbrio da balança externa de contas. A economia brasileira ficará na dependência de um afluxo regular e crescente daqueles capitais estrangeiros de que não poderá mais passar sem as mais graves perturbações […]. Mas este mesmo afluxo não impedirá a drenagem de todo ouro existente e daquele que continuava a ser produzido no país. 24 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico você estudou que: • A Corte Portuguesa chega à Colônia e instala toda uma estrutura burocrática, legal e financeira, dinamizando a sociedade e rompendo os laços coloniais, elevando o Brasil à categoria de reino unido. 25 AUTOATIVIDADE Identifique os elementos que compuseram a primeira estrutura do Brasil, enquanto país autônomo, desvinculado da metrópole europeia. Pense nos legados destas estruturas para o Brasil contemporâneo. 26 27 TÓPICO 3 CENTRALIZAÇÃO E ELITES POLÍTICAS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Alguns autores consideram que a construção do império no imediato período que secundou a independência não passou de um acordo de cavalheiros entre bacharéis e as províncias futuras do país. É claro que essa afirmação é demasiada simplista para se entender a construção do Brasil como império a partir da ascensão de D. Pedro I ao trono,oficialmente ratificada com sua coroação em dezembro de 1822. De todas as formas o Estado que nasce acaba sendo um Estado vinculado a oligarquias, e o processo de centralização do país em termos políticos, administrativos e burocráticos precisa ser interpretado à luz das dinâmicas dessas mesmas elites. Devemos observar, contudo, que esse processo de centralização administrativa e burocrática, que levou ao aparelhamento do estado e à sua unificação política, ao contrário do que afirmam diversas levas de historiadores, principalmente de orientação republicana, foi rápido e eficiente, apesar de violento e vertical. Historiadores do Brasil convencionaram ser possível dividir a história do Império do Brasil a partir de um recorte cronológico específico, do qual o primeiro período é chamado de Primeiro Reinado, entre 1822 e 1831. Nesse momento é que identificamos os processos de centralização político-administrativa do Brasil. A proclamação da Independência, em 7 de setembro de 1822, que efetivamente reverberou como um grito de autonomia perante Portugal, afastou o risco da recolonização e reposicionou D. Pedro no eixo da nova ordem política, abrindo espaço para a inserção do Brasil no sistema internacional. Nesse sentido é necessário observar que a constituição do Brasil foi rápida, ao contrário do que ocorreu em outras ex-colônias americanas, que passaram por longos períodos de guerra externa, guerras civis e guerras de unificação. O Brasil ex-colônia conseguiu manter sua integridade territorial, e esse elemento acabou sendo preponderante para a consolidação do império posteriormente. 28 UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO Já dissemos que a independência brasileira foi reconhecida primeiramente por dois países, os Estados Unidos da América e os Estados Unidos Mexicanos, em meio à reação absolutista que se seguiu à derrota de Napoleão Bonaparte em 1815. Por outro lado, é necessário considerar que os EUA, em 1824, propunham a Doutrina Monroe, que tecia um acordo com a Europa, no qual os estadunidenses concordavam em não intervir e opinar sobre a política europeia, desde que a Europa não reagisse à autodeterminação dos povos americanos. A Doutrina Monroe foi caracterizada pela expressão “A América para os americanos”. Incontinente, a Inglaterra trabalhou como mediadora junto às cortes portuguesas pelo reconhecimento da independência brasileira, o que aconteceu efetivamente em 1825, quando foi assinado um Tratado de Paz e de Aliança entre Portugal e Brasil, documento esse que também impunha ao Brasil a não aceitação de união com quaisquer outras colônias portuguesas. O tratado foi oficialmente reconhecido pelas nações europeias. Em 1823 foi convocada uma Assembleia Constituinte composta por 90 deputados pertencentes à aristocracia (grandes proprietários, membros da Igreja, juristas). Grande parte dos constituintes defendia a construção de uma monarquia constitucional que limitasse os poderes do imperador, que provesse liberdades individuais, mas que não modificasse as estruturas socioeconômicas. Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva, apresentou à Assembleia um esboço de constituição que apresentava como princípios a soberania do poder legislativo (senadores e deputados), que subordinavam o poder executivo (imperador) e as forças armadas. A ideia era estabelecer o voto censitário como instituição, podendo então votar quem apresentasse comprovante de elevada renda, obtida, principalmente, pela atividade agrícola e avaliada segundo o número de escravos e de terras de cada interessado em votar. De um modo objetivo, essa proposta foi denominada de “Constituição da Mandioca”, e ela limitava, de um lado, a participação popular, e de outro, o poder do imperador. D. Pedro I percebeu o alcance negativo que tal proposta poderia ter sobre seu reinado e, utilizando pretextos como a crítica da oposição representada por setores aristocratas, burocratas e das Forças Armadas, dissolveu a Constituinte, ordenando, ainda em novembro de 1823, a prisão e o exílio de muitos deputados, entre eles o antigo conselheiro, José Bonifácio de Andrada e Silva. José Bonifácio de Andrada e Silva (1999, p. 125), antes aliado, agora referia- se ao imperador nos seguintes termos: PÉRFIDO PEDRO O império perseguiu os únicos homens que podiam defender a realeza no Brasil; e por isso está hoje em perigo de perder-se. É do caráter de Pedro o preferir a atividade do crime à tranquilidade da virtude, que não pode alimentar as paixões de um atroz. TÓPICO 3 | CENTRALIZAÇÃO E ELITES POLÍTICAS 29 Pensamentos prontos como o raio vinham-se à cabeça e projetos atrevidos e quiméricos pululavam-lhe nos miolos. […] Pérfido Pedro, quando me fazia amizades com a metade do rosto, com a outra se azedava da minha popularidade e no seu corrompido coração tramava calúnias, que espalhava contra mim – clandestinamente espalhava entre os seus escravos rumores surdos, que me eram desfavoráveis, e por todos os meios procurava abortar os meus planos e projetos. Com a máscara da franqueza iludia a minha boa-fé, e acolhia os meus mais secretos pensamentos, que espalhava às escondidas, desnaturando-os e empeçonhentando-os. Quando obrava despropósitos, dizia que lhos tinha aconselhado; e quando cedia às minhas representações, diz que se tinha arrependido de ter cedido à amizade que bazofiava de ter por mim. 2 A CONSTITUIÇÃO DE 1824 Depois da dissolução da Assembleia Constituinte, o imperador criou um conselho de Estado, reduzido, com a missão de auxiliá-lo na redação da primeira constituição do império, que seria outorgada em 25 de março de 1824. O processo de redação da Lei teve diversos passos, desde as cópias do texto que foram enviadas aos municípios brasileiros para que eles dessem sugestões, até a redação final que disfarçava o autoritarismo, tendo como inspiração a Constituição da França, outorgada por Luís XVIII, em 1814. A Carta brasileira de 1824 constituía uma monarquia hereditária, com a divisão dos poderes em Executivo (na mão do imperador e dos ministros de Estado, que responsabilizar-se-iam pela execução das leis), Legislativo (que incluía a Câmara dos Deputados e o Senado, considerados por conseguinte legisladores), o Judiciário (constituído pelos juízes e tribunais) e o Moderador (atribuído ao imperador, com a missão de regular os outros poderes). Essa constituição acabara de combinar, portanto, características político-administrativas e burocráticas marcadamente constitucionalistas a elementos absolutistas. Os deputados teriam mandato de quatro anos e seriam escolhidos por eleições indiretas, nas quais os eleitores “de paróquia” escolheriam os “eleitores de província”, que seriam os representantes oficialmente instituídos para votarem em deputados e senadores numa segunda eleição. Poderia votar quem tivesse mais de 25 anos de idade (exceto bacharéis e militares), e que fossem homens. Apesar de D. Pedro I ter outorgado uma constituição diferente daquela proposta por Andrada e Silva, a capacidade de votar continuou tendo por base a renda do cidadão votante: 100 mil réis para votante de paróquia; 200 mil réis para eleitor de província; 400 mil para deputado e 800 mil para senador. Cabe dizer ainda que a constituição previa um conselho de Estado composto por membros vitalícios, a divisão administrativa do país em províncias dirigidas por presidentes nomeados pelo imperador, a oficialização da religião católica com o reconhecimento de seus membros como funcionários públicos. 30 UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO Acompanhe na grafia original o trecho inicial da Constituição de 1824: FONTE: Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3 %A7ao24. htm>. Acesso em: 24 jul. 2010. Do Imperiodo Brazil, seu Territorio, Governo, Dynastia, e Religião Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha à sua Independencia. Art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na fórma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado. Art. 3. O seu Governo é Monarchico Hereditario, Constitucional, e Representativo. Art. 4. A Dynastia Imperante é a do Senhor Dom Pedro I actual Imperador, e Defensor Perpetuo do Brazil. Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. 3 PROBLEMAS PARA A CENTRALIZAÇÃO Veja como estava traçada a organização político-administrativa dos primeiros momentos do Império do Brasil, conforme a descrição de Luiz Felipe de Alencastro:(1997, p. 18-19): Desde 1828, o Primeiro Reinado começa a erodir o autonomismo municipal, restringindo a competência das câmaras às matérias econômicas locais e proibindo que os vereadores deliberassem sobre temas políticos DICAS Se você quiser analisar todo o conteúdo da primeira Constituição do Brasil, acesse o link <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao24. htm> e boa pesquisa!!! TÓPICO 3 | CENTRALIZAÇÃO E ELITES POLÍTICAS 31 provinciais ou gerais. A regionalização instaurada pelo Ato Adicional (1834) cria as assembleias provinciais, mas a tendência antimunicipalista prossegue. Nesse movimento, o governo central subtrai a autonomia das municipalidades e, sobretudo, a competência jurídica e policial dos juízes de paz eleitos em cada cidade e dos juízes de paz eleitos em cada cidade e dos juízes municipais indicados pelas câmaras. Ora, o exercício do poder público por autoridades designadas pelos presidentes de províncias, ou seja, pelo governo central – em detrimento das autoridades locais escolhidas pelos proprietários, eleitores qualificados da região –, afigurou-se como uma ameaça à ordem privada, isto é, à ordem em geral. Esse embate pode ser ilustrado pelo levante ocorrido nos sertões do Maranhão, a Balaiada (1839-1841), conflito típico de uma região desconjuntada pelo recuo do comércio interno, pelo novo desenho da geografia econômica do país. A dissolução da Assembleia Constituinte pelo imperador D. Pedro I, associada à imposição da Constituição de 1824, provocou protestos em inúmeras províncias, principalmente no Nordeste do país, que não conseguira reverter os problemas econômicos regionais, ainda mais com a crise de produtos como o algodão e o açúcar, que não tinham competitividade com o preço de congêneres estrangeiros, bem como as dificuldades no que diz respeito ao pagamento de impostos cobrados pelo governo central. É importante considerar que o Nordeste já havia sido sacudido por revoltas autonomistas antes da transferência da corte portuguesa para o Brasil e durante a regência joanina. A Província de Pernambuco, por exemplo, que havia se levantado em 1817 contra o governo português, acabou novamente se rebelando quando da nomeação do seu novo presidente por D. Pedro I. Esse evento desembocou na criação da Confederação do Equador, articulada pelo presidente deposto da Província de Pernambuco, Manuel de Carvalho Paes de Andrade, e pretendia-se separatista, republicano, popular e urbano, e que acabou tendo adesão de Rio Grande do Norte, do Ceará e da Paraíba. Essas províncias, agora unidas, adotaram provisoriamente a Constituição da Colômbia, e tiveram como ideólogos republicanos o frei Joaquim do Amor Divino Rebelo (frei Caneca) e Cipriano Barata (veterano dos levantes da Bahia de 1798 e de 1817 em Pernambuco). A repressão central à Confederação do Equador contou com empréstimos financeiros da Inglaterra, e com o envio de tropas à região nordeste sob o comando de Francisco Limo e Silva e pelo oferecimento de serviços especializados de guerra de Lorde Cochrane, militar inglês e herói nacional britânico. Dezesseis revoltosos foram condenados à morte, incluindo o frei Caneca. 32 UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO A Bahia também passava por conflitos desde 1821. Naquele ano, a Bahia já havia se levantado contra Portugal, a partir de conflitos entre soldados portugueses e brasileiros nas ruas de Salvador. Nesse período alicerçou-se um nativismo interessante na região, que veio a proclamar a independência da Bahia, e sua posterior incorporação ao Império do Brasil, em 1823. A independência da Bahia, se não trouxe uma separação daquela província do restante do país, serviu para balizar e para construir alguns elementos identitários nacionais, que foram incorporados pelo Brasil no futuro, tais como Maria Quitéria de Jesus (1792-1853), uma militar brasileira que passou a ser incorporada no panteão nacional a partir da República. Enquanto o Estado centralizado lutava com as forças centrífugas, a balança comercial era deficitária, o país convivia com dívida externa e com uma economia totalmente frágil. O café brasileiro começou a despontar no mercado internacional apenas em 1820, mas ainda o açúcar e o algodão tinham prevalência na balança comercial de exportações. Diante desse quadro, associado aos elevados gastos com a organização do Estado, D. Pedro I lançou mão de um recurso que será copiado por governos futuros do país, que foi autorizar sucessivas emissões de dinheiro, gerando inflação e ocasionando a falência do Banco do Brasil, em 1829. Esse clima de instabilidade econômica fez com que D. Pedro I passasse a enfrentar oposicionistas que em artigos criticavam o autoritarismo imperial, principalmente a partir da desarticulação violenta da Confederação do Equador. Muitos dos críticos do imperador atacavam-no como se fosse antibrasileiro, com intenções recolonizadoras, e com muita proximidade aos grupos portugueses. Eventos críticos como a Guerra da Cisplatina e a Guerra da Sucessão, em Portugal, depois da morte de D. João VI em 1826, impediram D. Pedro I de permanecer à frente do governo brasileiro: primeiro porque se reacenderam os temores brasileiros de uma recolonização, e segundo, porque Pedro seria um dos indicados a assumir o trono português. Em Portugal, a situação estava posta da seguinte maneira: D. Pedro estava sendo pressionado para abdicar do trono em nome de sua filha Maria da Glória, que tinha sete anos de idade na época, e que, até atingir a maioridade, seria representada por um regente que era seu tio, D. Miguel. Mas D. Miguel proclamou-se rei assumindo o poder sozinho. D. Pedro I iniciou uma guerra contra o irmão para garantir a coroa à filha, usando para isso dinheiro e tropas do Brasil. Aliados do imperador, visando diminuir a pressão da opinião pública, trataram de assassinar o principal opositor de D. Pedro I, em São Paulo, no ano de 1830, Líbero Badaró. Depois disso, inúmeras manifestações contrárias ao governo agitaram cidades em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. TÓPICO 3 | CENTRALIZAÇÃO E ELITES POLÍTICAS 33 No caso do Rio de Janeiro, apoiadores do imperador trataram de organizar uma recepção calorosa para D. Pedro I, com vistas a compensar as manifestações de desapreço vindas de Minas Gerais. Isso não diminuiu a margem de atuação da oposição, o que deu origem a diversos conflitos de rua, principalmente na noite de 13 de março de 1831, que ficou conhecida como a Noite das Garrafadas, a principal manifestação de oposição ao imperador, e que foi muito similar às lutas liberais da Europa, contra a restauração imposta pelo Congresso de Viena (1815). Visando dissuadir os opositores,o imperador constituiu, poucos dias depois desse evento, um ministério liberal totalmente composto por brasileiros, aniquilando-o em seguida, para daí em diante nomear um novo ministério composto por colaboradores tendenciosamente absolutistas. D. Pedro I, pressionado pelas elites e pelas Forças Armadas, abdicou do trono em 7 de abril de 1831, indo em seguida para Portugal, onde travou batalha e venceu D. Miguel, e assumiu o trono com o título de D. Pedro IV. Em 1834, abdicou do trono português em favor de Dona Maria da Glória, sua filha. FONTE: Disponível em: <http://hemi.nyu.edu/unirio/studentwork/imperio/projects/Ricard oBrugger/image005 .jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. FIGURA 8 – D. PEDRO I COM PEDRO II AINDA MENINO NA SACADA DO PAÇO IMPERIAL, EM ATO PÚBLICO, DEPOIS DE ABDICAR DO TRONO, EM 7 DE ABRIL DE 1831 34 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico você estudou que: • O processo de centralização administrativa e burocrática do Império do Brasil levou ao aparelhamento do Estado e à sua unificação política, apesar de violenta e vertical. • A dissolução da Assembleia Constituinte pelo imperador D. Pedro I, associada à imposição da Constituição de 1824, provocou protestos em inúmeras províncias, principalmente no Nordeste do país, que não conseguira reverter os problemas econômicos regionais, ainda mais com a crise de produtos como o algodão e o açúcar que não tinham competitividade com o preço de congêneres estrangeiros, bem como as dificuldades no que diz respeito ao pagamento de impostos cobrados pelo governo central. • D. Pedro I, pressionado pelas elites e pelas forças armadas, abdicou do trono em 7 de abril de 1831, indo em seguida para Portugal, onde travou batalha, venceu D. Miguel e assumiu o trono com o título de D. Pedro IV. Em 1834, abdicou do trono português em favor de Dona Maria da Glória, sua filha. 35 AUTOATIVIDADE Caracterize a construção do Império do Brasil a partir das relações internas e das forças descentralistas que havia no período. 36 37 TÓPICO 4 NACIONALISMOS E NATIVISMOS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO 2 CARACTERÍSTICAS DOS NATIVISMOS O período que vai da chegada da família real à abdicação de D. Pedro I foi marcado pela emergência de nativismos e nacionalismos no Brasil. Num primeiro momento, esses dois sentimentos estavam vinculados a um preceito comum, o antilusitanismo que pode ser interpretado genericamente como uma expressão de incompatibilidade de interesses entre colônia e metrópole, que teve consequências e infiltração profundas no todo social brasileiro, e que ainda parece estar presente na cultura nacional, principalmente no anedotário do cotidiano. De onde vem esse antilusitanismo? Em certa medida, é possível afirmar que já no período colonial esse processo se desenrola, principalmente quando pensamos em obras como a de Gregório de Mattos e em revoltas do período, que eram um indício de que as hostilidades com relação à coroa portuguesa se avolumavam. Lembremo-nos, por exemplo, do escárnio que a população fluminense tecia sobre os membros da corte, chamando-os de “toma-larguras, devido a suas casacas abertas de longas abas pendentes”. Nesse sentido, coube a D. João VI proceder a uma ruptura inevitável, enquanto sua memória, para usar a expressão de Ricardo Luiz de Souza, passou a conviver com a antipatia da historiografia brasileira e com a imagem depreciativa que se entranhou no imaginário popular. O sentimento antilusitano consolidou-se em razão de uma necessidade característica da ex-colônia, que era a de construir uma identidade nova que rompesse com o passado colonial. Não é à toa que um líder como frei Caneca referia-se à colônia nos seguintes termos: “[...] trezentos anos já não digo de infância, sim de vil escravidão, ainda não sucedeu a povo nenhum do globo, por mais desfavorecido da fortuna e natureza” (MELLO, 2001, p. 38), criticando, assim, o monopólio dos empregos e do comércio por portugueses, que só foi enfraquecido no início do século XX. Ricardo Luiz de Souza enfatiza que não é gratuita a hostilidade aos portugueses, ainda mais se considerarmos que, dos 67% dos portugueses que entraram no Brasil em 1827, 44,8% dos que entraram em 1828 e 41% dos que entraram em 1829 destinavam-se a caixeiros e que isso resultava em críticas como a que foi feita pelo farmacêutico carioca, Ezequiel Correia dos Santos, que publicou um jornal intitulado “Nova Luz Brasileira”, entre 1829 e 1831, e que descrevia 38 UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO os portugueses como “caixeiros imprudentes com presunção de possuir a cor branca que é a cor conquistadora ou dos senhores” (SOUZA, 2007, p. 73). No período pós-independência, o nativismo foi exacerbado. Manifestações antilusitanas tomaram a forma de violência efetiva, tais como espancamentos de portugueses na Bahia em 1826, ou atentados a propriedades e pessoas no Rio de Janeiro, no mesmo ano. Esses eventos não se restringiram apenas à Bahia e ao Rio de Janeiro, e foram registrados muitos casos de chacinas, espancamentos, roubos e depredações de patrimônio em diversas regiões. Em certa medida, guardadas as construções lusitanistas e brasileiristas que opunham, ora os “trabalhadores” portugueses vitimados desses conflitos contra os “orgulhosos e indolentes brasileiros”, ou vice-versa, fato é que o antilusitanismo foi um dos caminhos para o reconhecimento da nacionalidade brasileira, bem como para enfraquecer as identificações regionais que ainda predominavam na época da independência, mas também para tocar em temas importantes como a tomada de consciência de diferenças entre mulatos e negros. Em Recife, no ano de 1823, versos separavam marinheiros e caiados (os marinheiros como portugueses, e os caiados como brasileiros brancos), e prometiam eliminar ambos em benefício de negros e pardos. Com a abdicação de D. Pedro I, os nativismos acabaram por adquirir novo formato. O inimigo político não existia mais, mas sim eram prementes as reformas que precisavam articular a nacionalidade num processo de construção de um novo país. Nesse sentido, era necessário reafirmar o corte com o passado colonial, do qual ainda os portugueses, que residiam no Brasil, eram vistos como herdeiros. Essa racionalização refletiu-se em propostas como a que surgiu em 1831, e que tentava proibir a entrada de portugueses no Brasil por dez anos. Mesmo no período regencial, o antilusitanismo continuou forte e impregnado no novo país. O projeto de Hino Nacional proposto por Francisco Manuel da Silva, e que ficou conhecido no período regencial como Hino ao 7 de Abril, descrevia os portugueses como monstros, em três versos diferentes: Os bronzes da tirania Já no Brasil não rouquejam; Os monstros que o escravizavam Já entre nós não vicejam. (estribilho) Da Pátria o grito Eis que se desata Desde o Amazonas Até o Prata TÓPICO 4 | NACIONALISMOS E NATIVISMOS 39 Ferrões e grilhões e forcas D’antemão se preparavam; Mil planos de proscrição As mãos dos monstros gizavam. FONTE: Disponível em: <http://www.sohistoria.com.br/curiosidades/hino/>. Acesso em: 24 jul. 2010. O período regencial, contudo, promove uma virada nesse antilusitanismo e nativismo. A nacionalidade passa a ser tratada em outras arenas que não apenas a política, partindo para o mundo da economia, da sociedade, da literatura e do jornalismo. O Jornal “O Echo de Pernambuco”, por exemplo, traz, na edição de 30 de janeiro de 1851, uma expressão interessante e explícita do antilusitanismo e do nativismo brasileiros, numa crítica à criação do Gabinete Literário Português de Recife: O Gabinete Litterario Portuguez quando por aqui se espalhou a noticia de que o Sr. João Vicente Martins tinha criado nesta província um gabinete litterario portuguez, pouco apreço demos a isso, entendendoque sendo pouco os portuguezes que sabem ler e escrever correctamente a sua língua, e que teem alguns conhecimentos, essa instituição tinha por fim fazê los aprender alguma cousa e applicarem se a leitura: realmente não atinamos com o fim, a que parece hoje dirigir-se essa associação; mas agora em vista de certos fatos, e melhor refletindo sobre o caso, cremos que esse gabinete traz machiavelismo, e compreende mais política, do que instrucção. Quem é o Sr. João Vicente Martins para promover a criação de um gabinete litterario em Pernambuco, e onde sómente entrem portuguezes? É um senhor que tem alguma habilidade, que passa por cirurgião homeopatha, que é muito vivo; mas que não ta num caso de um litterato, que só almeja o saber, a instrução, e que sacrifica seus dias e sua fortuna neste empenho. Mas supponha-se que Sr. João Vicente Martins é uma grande capacidade, o que é só por hypothese adimittimos, e que ama a sciencia, e por isso a applicação aos estudos, e gosta de vê-la progredir, ainda assim achamos um pouco extraordinário que andando por tanta parte do Brasil, só se lembrase da criação de um gabinete litterario em Pernambuco, e na quadra atual, onde é mister muito tino e circumspecção em nossas acções para não nos fazermos supeitos de pertencer á esta ou aquella política, e de promovermos a queda ou sustentação e engrandecimento deste ou daquele partido. E porque este gabinete havia ser só de portuguezes? Conhecemos 40 UNIDADE 1 | A CONSTRUÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA DO IMPÉRIO nessa cidade e mesmo pela província alguns portuguezes muito poucos, que são homens de lettras; mas a mór parte são ignorantissimos e nenhum interesse de instrucção os poderia levar á criação desse gabinete......, porquanto só cuidam do commercio, que sabem, que se instituio o gabinete litterario? Não, o fim é meramente político, ao menos assim parece a muita gente, e como era precisa em Pernambuco uma sociedade de portugueses, que executasse os planos da rua da Quitanda do Rio, e as ordens do Sr. Clemente Pereira, eis o gabinete litterario criado aqui no Recife, a sociedade por consequência instalada, e tudo a caminho. Não se persuada o Sr. João Vicente Martins, que nós o maltratamos por isso, nem que redigimos este artigo para satisfazer os seus inimigos d’arte, os cirurgiões e médicos allopathas (como agora são chamados,) que escarnecem da homeopathia, não: a redação do Echo não esta disposta a servir ás paixões de ninguém, e apreciando a medicina homeopathica pelos seus effeitos, que tem observado, não podia trazer á terreiro esta questão do gabinete litterario portuguez para assim ridicularisar a homeopathia. Não somos médicos, não temos portanto a necessária instrucção para darmos um voto scientifico sobre as duas medicinas, que se guerreão; mas somos inclinado a crer que a homeopathia é medicina, que cura, e que sua descoberta foi um beneficio para a humanidade. Não tendo pois nada o gabinete litterario com a homeopathia, esta claro que não é senão o amor de nosso paiz que nos faz apresentar estas considerações sobre a criação do tal gabinete, e para a qual há tanto empenho. Andão emissários pelo matto procurando portuguezes para o gabinete: o que é isto Sr. João Vicente? Que zelo, que desejo ardente de metter os pobres marinheiros, que vivem lá pelos engenhos e fazendas de algodão, no gabinete litterario? Sr. João Vicente, este seu gabinete litterario traz água no bico...........! Se é pois verdade, como parece, que o sr. João Vicente Martins largando por momentos a medicina veio criar em Pernambuco uma associação portugueza consinta que lhe digamos e aos que cahirão na corriola, que nada mais impolitico, extemporâneo. Estamos todos em uma situação anormal, a sociedade brasileira, e principalmente a pernambucana acha-se deslocada, e em estado de fermentação pelos ódios dos partidos, pelas perseguições e barbáries, que se ha feito aos opposicionistas, que mal podem fallar e escrever, mas sem direito de vida e propriedade, sem garantia alguma, etc.: ora, este estado não póde durar, hade acabar por força, porque a violência é um estado extranatural: para que pois os portuguezes se querem expôr e arriscar, concorrendo agora deste ou daquele modo para continuação desta compressão, que esmaga os brasileiros? Para que se metter em política no Brasil, uma terra que não é delles, que não os gosta, e onde eles podião viver bem, tratando só de seus interesses? Há em Portugal algum brasileiro, que se intrometta na política TÓPICO 4 | NACIONALISMOS E NATIVISMOS 41 da rainha, ou do povo? Fizemos lá algum gabinete litterario? Influímos lá de modo algum para os Cabraes venção ou não venção as eleições? Não, porque rasão pois os Srs. Portugueses lá no Brasil de metter-se a políticos, e bolirem com o que não lhes pertence? Recuem emquanto é tempo; não fiem em ninguém, nem mesmo nos guabirus, porque quando se vivem perdidos, que lhe há de pagar o pato hão de ser os portuguezes. Senhores, vivei comnosco, sem trahir-nos, sede sinceros, não leveis a população do Brasil a praticar um excesso. O conselho é prudente. Do Echo Pernambucano. FONTE: Disponível em: <http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1212590952 _ARQUIVO_GabinetePortuguesdeLeituradePernambuco-Re-construindoidentidadesesimbologiasd oser imigranteportugues.pdf>. Acesso em: 1 ago. 2010. 42 RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico você viu que: • Os nativismos tornaram-se emergentes, primeiro como resposta à descolonização e à separação de Portugal, depois como elemento articulador da construção da identidade nacional. 43 AUTOATIVIDADE Analise a letra atual do Hino Nacional do Brasil, contrastando-a com a proposta apresentada neste tópico, tendo como ponto de partida a construção da nacionalidade e da identidade brasileiras frente a Portugal. O que permanece e o que desaparece quando o hino trata do domínio português? 44 45 UNIDADE 2 A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • interpretar a consolidação do Império do Brasil desde a abdicação de D. Pedro I ao golpe que instala a República no país; • identificar os principais eventos envolvidos nesse processo; • refletir sobre o processo de organização e centralização do império; • analisar a situação interna do Império do Brasil e sua relação com os de- mais países da América do Sul. Esta unidade de estudos está dividida em quatro tópicos e em cada um deles você encontrará atividades que o(a) ajudarão a compreender os conteúdos apresentados. TÓPICO 1 – ESTRUTURAS ECONÔMICAS TÓPICO 2 – INSTITUIÇÕES POLÍTICAS DO SEGUNDO IMPÉRIO TÓPICO 3 – ESTRUTURAS SOCIOCULTURAIS TÓPICO 4 – O ESFACELAMENTO DO IMPÉRIO 46 47 TÓPICO 1 ESTRUTURAS ECONÔMICAS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Podemos dividir a História do Império de acordo com o ocupante do trono. Entre 1822 e 1831, D. Pedro I é Imperador do Brasil, num período denominado Primeiro Reinado. Uma crise na Coroa Portuguesa acaba convencendo o Imperador a deixar o Brasil, assumindo o trono de Portugal e legando ao seu filho o trono brasileiro. Além disso, o Império estava mergulhado numa grave crise econômica e social, e vários setores sociais sentiam-se desprestigiados por um imperador que parecia mais alinhado com os interesses europeus. Também deve ser mencionado que a popularidade de D. Pedro I não era a de outrora, quando liderou a independência do país. Manifestações públicas tornaram-se violentas, sendo a Noite das Garrafadas o melhor exemplo, quando nativistas e “portugueses” se enfrentaram nas ruas do Rio de Janeiro, quando da realização de uma recepção ao Imperador, que chegava de Minas Gerais. Entre 1831 e 1840 temos um período em que o país assistiu a uma sucessãode regências, enquanto D. Pedro II não ocupasse o trono, em virtude de sua pouca idade. Logo após a abdicação de D. Pedro I, funcionou uma Regência provisória, composta por três indivíduos, que governaram o país entre maio e julho de 1831, quando é sucedida por uma Regência Trina Permanente. Esta nova regência funciona até 1835, não obtendo sucesso no controle das agitações populares, mas acabou incrementando o arcabouço legal do Império, limitando o Poder Moderador dos regentes e instituindo a Regência una. Alternadamente, a regência foi então ocupada por Feijó (1835-1837) e por Araújo Lima (1838-1840). FONTE: Alencastro (1997, p. 188) FIGURA 9 – PRIMEIRO DAGUERREÓTIPO TIRADO NO BRASIL E NA AMÉRICA DO SUL, POR LUIS COMPTE, EM 1840: O PAÇO IMPERIAL, ONDE SE SITUAVA O CORAÇÃO DO IMPÉRIO UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 48 Durante o Período Regencial, podemos identificar três forças políticas importantes: • Restauradores ou Caramurus – grupo identificado com D. Pedro I, que deseja a volta do Imperador. • Liberais moderados – defendiam a manutenção da estrutura social, política e econômica, com todos os privilégios das elites e da aristocracia rural. • Liberais exaltados – defensores da República, identificados com setores sociais urbanos e médios. Desde 1835 cogitava-se antecipar a ascensão ao trono de D. Pedro, que estava prevista pela Constituição para 1843, quando completaria dezoito anos. “O ambiente conturbado das regências e o caráter descentralizador das medidas animavam a elite carioca no sentido de apostar na saída monárquica” (SCHWARCZ, 1998, p. 67). Diversos setores se articulavam para atribuir maioridade a D. Pedro II para que ele pudesse assumir o trono, inclusive com o apoio de jornais cariocas que atribuíam, ainda em pleno século XIX, um caráter sagrado a esse processo: Adeus tempo da verdadeira monarquia em que a realeza era considerada como símbolo da divindade sobre a terra. Hoje em dia não há mais respeito por coisa alguma. Vejam só o tutor quer fazer do Imperador simplesmente um rei cidadão […] se o jovem monarca objeto de nosso amor e de nossas queridas esperanças for senão um rei cidadão como o atual rei da França, que será de nós todos! […] o Paço é considerado simplesmente como o domicílio do Imperador. Que lástima!! (SCHWARCZ, 1998, p. 67). FONTE: Disponível em: <http://www.historiabrasileira.com/files/2009/12/Francisc o_ de_Souza_Lobo_-_Retrato_de_Dom_Pedro_II.jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. FIGURA 10 – D. PEDRO II, COM 15 ANOS. FRANCISCO DE SOUSA LOBO. MUSEU DE ARTE SACRA DE SÃO PAULO TÓPICO 1 | ESTRUTURAS ECONÔMICAS 49 D. Pedro II tem, assim, sua maioridade decretada quando contava com 15 anos, em 1840, marcando o início do Segundo Reinado, que durará até 1889, com a proclamação da República. As forças políticas do período regencial lutaram para influenciar no processo de condução da política do segundo reinado. Estas forças se aglutinaram em dois grupos: liberais e conservadores. Foram os liberais que formaram o primeiro Ministério de D. Pedro II. Em 1840, estes dois grupos participaram de uma eleição marcada pela violência de ambas as partes, que foi posteriormente anulada pelo Imperador. Na tentativa de pacificar o país, imerso numa série de revoltas, o Ministério Liberal foi substituído por um Ministério Conservador, inaugurando um revezamento que marcaria todo o Segundo Reinado. FONTE: Panorama do Rio de Janeiro. Victor Frond, 1861. Consultado em Alencastro (1997) FIGURA 11 – CAPITAL DO IMPÉRIO DO BRASIL, ENTÃO O PRINCIPAL CENTRO URBANO DA AMÉRICA DO SUL A coroação representou uma agenda carregada, com muito peso sobre os cofres públicos, mas que teve uma importância fundamental para a consolidação do “império tropical” do Brasil. A mobilização para a cerimônia de coroação deu feição especificamente política a uma narrativa imperial que, pela primeira vez, teve impacto no país, ligando o dia do Fico à Independência, e agora aos ilustres da pátria com nomes gravados em peças de arquitetura. A Typographia Nacional imprimiu normas e regulamentos para os espetáculos monárquicos, conforme os que são apresentados e discutidos por Lília Moritz Schwarcz, na obra As Barbas do Imperador. A monarquia vai-se consolidando entre 1841 e 1864, por meio da desarticulação de rebeliões regenciais. UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 50 2 ASPECTOS GERAIS DA ECONOMIA Quando passa da condição de Colônia para a de Império, o Brasil mantém sua economia calcada na exportação de produtos agrícolas para as nações que se industrializavam naquele momento. Gilberto Freyre já havia dito em Casa-Grande e Senzala, em 1933 (FREYRE, 2003), que o Brasil acabou se constituindo a partir do patriarcalismo, do patrimonialismo, da escravidão e do estamento. Em certa medida, mesmo com os esforços capitalistas que se apoderavam de determinadas fatias das elites monarquistas do segundo reinado, esses referentes parecem não ter sido quebrados, visto que a base da manutenção econômica do império continuaria por muito tempo sendo escravista-exportadora. É preciso dizer que, a partir da independência, há um estímulo econômico que atinge todos os setores no país, com o incremento da exportação, proporcionada, em certa medida, inclusive pela desvalorização da moeda brasileira, que vai facilitar o comércio exterior, embora dificultando a importação de certos elementos necessários à modernização. Com a tolerância a estrangeiros que começa a se estabelecer, há também um fluxo cada vez maior de viajantes no país, o que vai substituindo, em certa medida, a mediocridade da vida colonial, que também correspondia a uma economia medíocre, de poucos produtos e de escassez. A abertura dos portos levou, também, à abertura e transformação de hábitos, mas também criou grandes perturbações internas no que diz respeito ao comércio, incluindo o país, quase que de automático, em sucessivos déficits exteriores. Caio Prado Júnior (2007, p. 157)) considera que, nas transformações ocorridas no Brasil no curso do século XIX, nenhuma terá contribuído para modificar a fisionomia do país como a verdadeira revolução que se opera na distribuição de suas atividades produtivas: “[...] tal revolução já se pode observar em seus começos na primeira metade do século; mas é na segunda que se caracteriza propriamente e se completa”. Vejamos o que o autor Prado Júnior (2007, p. 157) explica: Dois fatos (aliás, intimamente relacionados) a constituem; um de natureza geográfica: é o deslocamento da primazia econômica das velhas regiões agrícolas do Norte para as mais recentes do Centro-Sul (o Rio de Janeiro e partes limítrofes de Minas Gerais e São Paulo). Outro é a decadência das lavouras tradicionais do Brasil – da cana-de-açúcar, do algodão, do tabaco – e o desenvolvimento paralelo e considerável da produção de um gênero até então de pequena importância: o café, que acabará por figurar quase isolado na balança econômica brasileira. TÓPICO 1 | ESTRUTURAS ECONÔMICAS 51 O renascimento agrícola iniciado em fins do século XVIII e grandemente impulsionado depois da abertura dos portos e da emancipação política do país, favorece, sobretudo, de início, as regiões agrárias mais antigas do Norte: as províncias marítimas que se estendem do Maranhão até a Bahia. Elas voltam então para ocupar a posição dominante desfrutada no passado e que tinham parcialmente perdido em favor das minas. Mas este novo surto do Norte brasileiro não durará muito; já na primeira metade do século XIX, o Centro-Sul irá progressivamente tomando a dianteira nas atividades econômicas do país. E na segunda, chega-se a uma inversão completa de posições: o Norte, estacionário, senão decadente; o Sul, em primeiro lugar, em pleno florescimento. No Segundo Reinado,a exploração detinha-se especialmente no açúcar e no café, dois setores agrícolas que alimentavam diretamente a organização burocrático-administrativa e política do Estado imperial, em pleno acordo com a lógica da presença e do domínio privado sobre os interesses públicos e a confusão entre público e privado, característica da política brasileira. Mas apesar da aparente continuidade colônia-império, havia novas forças sociais, marcadamente formadas pela industrialização e urbanização. No norte do país, o cacau e a borracha emergiam como alvo de valor comercial no mercado externo, atraíam migrantes, imigrantes, interesses estratégicos e dinheiro, que eram traduzidos em modificação das feições urbanas, especialmente de Manaus e de Belém do Pará, mas também introduzindo uma quantidade significativa de empregados assalariados na economia nacional. Mesmo que a economia permanecesse elitista, ia-se tornando cada vez mais produtiva e eficiente, bem como o Estado ia ofertando, simultaneamente, melhores aparelhos de cobrança de impostos, dotando gradualmente o território de estruturas necessárias ao escoamento da produção, e, também, realizando estudos em diversas áreas com vistas a dominar efetivamente todo o território nacional, dando a ele uma identidade. 2.1 O CAFÉ O cultivo comercial de café no sistema-mundo europeu apareceu com a introdução de cultivares nas colônias francesas do Haiti e da Guiana Francesa, ainda no século XVII, quando era considerada uma bebida de luxo na Europa. Não se sabe ao certo como essa cultura acabou sendo introduzida no Brasil, mas há suspeitas de que tenha entrado via Pará, no início do século XVIII, dando início a um rápido percurso de expansão, que foi do cultivo e consumo domésticos à produção comercial efetiva no Rio de Janeiro, já na segunda metade do mesmo século. UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 52 A produção brasileira passou a ter escala no final do século XVIII, quando as colônias francesas produtoras começaram a entrar em crise, tanto devido ao processo revolucionário na metrópole como aos seus desdobramentos locais. O café, que então estava sendo cultivado em lavouras próximas à cidade do Rio de Janeiro, vai sendo difundido para a Zona da Mata de Minas Gerais e pelo litoral fluminense, fixando-se, devido a características edafoclimáticas ideais, no vale do Paraíba, uma ampla região situada entre as províncias do Rio de Janeiro e de São Paulo. Nessa região, ele acabaria por se tornar a principal atividade agrícola, tendo alcançado São Paulo em 1825 e o noroeste dessa província em 1850. O principal produto de exportação do Brasil foi o café, neste período, tanto para os EUA quanto para a Europa. O café passa a ocupar esta posição após o declínio do ciclo minerador, e as vastas áreas de São Paulo e do Rio de Janeiro terão suas economias centradas na cafeicultura. Esta atividade econômica marcou profundamente a sociedade brasileira, desde fomentar o aparecimento de uma sólida elite rural, que passou a interferir em outros ramos da economia, como incentivar o ciclo migratório de europeus para novas áreas de cultivo, ao longo do século XIX. O açúcar também continuou por muito tempo sendo considerado um importante produto na balança comercial de exportação do país. No entanto, no século XIX voltou a sofrer a concorrência da mercadoria das Antilhas, que também verteram muitas áreas da pecuária para a cana-de-açúcar, já que esse produto continuou tendo muita procura em todo o mundo. A concorrência com o açúcar antilhano aumentou no final do século XIX, quando os EUA, declarando guerra à Espanha, acabaram por se apoderar de Cuba, do Havaí e de Porto Rico, principais regiões de cana da América Central. A mecanização da agricultura e das fábricas, impulsionada pela revolução que tomou conta da tecelagem na Inglaterra a partir do final do século XVIII, e sua intensificação na metade do século XIX, ampliou o consumo e a produção de algodão brasileiro, embora fossem os EUA os principais fornecedores para a Inglaterra. O Brasil teve sua industrialização limitada pelo pacto colonial, mas mesmo durante os primeiros anos da independência não foram feitos esforços no sentido de industrializar o país. Podemos dizer que será a partir de 1840 que medidas industrializantes serão implementadas pelo Império, e o sucesso do Barão de Mauá é exemplo do dinamismo econômico que marcou o período. No entanto, novas diretrizes modificarão este cenário já na década de 1860, impedindo uma sólida industrialização, que viria a acontecer apenas no século XX. Francisco Carlos Orlandini, do Instituto de Economia da Universidade de São Paulo, sintetiza a expansão produtiva do Brasil do segundo império nos seguintes termos: TÓPICO 1 | ESTRUTURAS ECONÔMICAS 53 Uma das características da conformação histórica do mercado mundial em geral, e do café em particular, foi o surgimento de uma “especialização regional”, combinando a expansão do comércio e transformações produtivas, tanto no plano regional quanto internacional. Como é possível de se imaginar, em quaisquer destas situações estão sendo redefinidas as relações entre os indivíduos envolvidos. Ao lado da pimenta, nos séculos XII e XIII, do álcool, no século XVI e, mais tarde, do chá, açúcar, cacau e tabaco, o café faz parte de um conjunto de produtos que, como nos diz Fernand Braudel, “conquanto não sejam alimentos básicos, são todos grandes personagens chamados a transformar, a perturbar a vida cotidiana dos homens”. Ao lado da cana-de-açúcar, do ouro e de alguns outros produtos, o café cumpre o papel de colocar algumas regiões da antiga colônia portuguesa na dinâmica do sistema mundial, com a peculiaridade de acompanhar a emancipação política do país, sustentando a Monarquia recém-instaurada – com a utilização do trabalho escravo até que se organizasse o abastecimento de força de trabalho com a introdução de trabalhadores livres – e, mais tarde, servindo de apoio à transição para o novo regime político. Dentro da rede de caminhos estabelecidos sob o impulso econômico da exploração do ouro, alguns posseiros se juntam aos comerciantes que abasteciam os tropeiros, iniciando o povoamento que intensifica a incorporação de novas terras. De acordo com Stanley Stein, as primeiras fazendas de café, ao longo das trilhas dos tropeiros eram os únicos pontos de povoamento existentes na região. Assim, ao mesmo tempo em que se dedicavam à produção propriamente dita, os pioneiros deveriam também se desincumbir das necessidades de moradia e alimentação do grupo e da escravaria, daí a devastação da floresta, associada tanto à abertura de novas áreas de cultivo de café e de alimentos, como para o fornecimento de madeira às construções. No Oeste Paulista, o açúcar teve papel semelhante ao do café no Vale do Paraíba, descrito por Stein. A partir do cultivo da cana-de-açúcar, a terra é incorporada ao cálculo econômico e se reorganiza a vida social nessa região. Tanto é assim que, para dar vazão à produção de açúcar, é pavimentada a primeira articulação do interior da província com o mercado mundial, com a criação da “Calçada de Lorena”, em 1789. Aos poucos o ganho obtido com o açúcar se transfere para o café, um mercado em expansão, principalmente se comparado ao açúcar paulista, de menor qualidade que o do norte, o qual por sua vez, já encontra problemas no mercado internacional. Dessa forma se entende como que quatro anos depois da maior exportação de açúcar pelo porto de Santos, o café se torna, pela primeira vez, o principal produto exportado por ali: a literal maturação do investimento do lucro com o comércio de açúcar. Essa passagem da produção local para a exportação do café foi favorecida pela topografia do Oeste Paulista, seu relevo mais achatado ajudou no plantio em regiões mais altas,protegendo o café do UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 54 ar frio das baixadas, poupando o trabalho exigido pela plantação nas chamadas meias-laranjas do Vale do Paraíba. Na sofisticação do processo produtivo, mais precisamente, no beneficiamento do café, reside o primeiro passo da transformação que se opera no chamado Oeste Paulista; é nesse momento que os desdobramentos da Primeira Revolução Industrial alcançam o interior paulista, criando uma peculiar combinação entre mecanização e escravidão, onde o beneficiamento de café contribui para a economia de força de trabalho. A diversificação econômica, que leva ao crescimento da cidade de Campinas, irá caracterizar o aspecto urbano da produção cafeeira no Oeste Paulista, diferenciando-a da organização econômica encontrada no Vale do Paraíba. Assim sendo, pode-se dizer que o café supera os obstáculos que inibiram sua continuidade nesta região – a saber, a exaustão do solo e a elevação do custo da mão de obra – através de uma combinação particular entre a mecanização – pelos processos de beneficiamento – e a utilização da mão de obra escrava na lavoura, que caracteriza essa nova expansão da agricultura de exportação pelo território paulista. No século XVII, o cálculo da carga a ser transportada levava em conta o peso que um homem conseguia levar às costas. Mais tarde as tropas de mulas impuseram a revisão destes números, no entanto, os caminhos utilizados, tanto num caso como no outro, continuaram os mesmos, daí que a velocidade com que as distâncias eram vencidas não se alterava em muito; o calor recomendava que as jornadas fossem cumpridas entre duas da manhã e meio-dia, no mais tardar, e o cálculo do frete levava em conta os trechos mais acidentados onde eram comuns os acidentes com animais, assim como a perda da carga. Depois de a maquinaria tomar parte na produção de café, é a vez da ferrovia, um dos maiores ícones da sociedade moderna, oferecer um novo fôlego à ordem escravocrata, contribuindo para que a produção paulista se mantivesse no mercado internacional. Daí que, da mesma forma que a ocupação do solo pela agricultura mercantil de exportação teve esse caráter localizado, dificultando a organização de um mercado interno para além das formações regionais delimitadas, também o uso da tecnologia aconteceu condicionado pela dinâmica do mercado mundial. Incorporando transformações que permitem manter a base da organização produtiva, o café se constitui ao longo do século XIX como o principal produto brasileiro no mercado internacional. Nessa trajetória, sua produção inicialmente esparsa, se concentra em grandes propriedades, dinamizando a economia regional a ponto de levar a ferrovia ao interior do território paulista, pouco depois do seu surgimento na Europa. Quantidades crescentes de café foram colhidas ao longo do século XIX, a partir da expansão da área plantada nessa região. TÓPICO 1 | ESTRUTURAS ECONÔMICAS 55 O consumo de café aumenta, as regiões produtoras passam por transformações importantes, mas a maneira como o produto era colocado no mercado mundial, no entanto, continua relativamente intocada ao longo desse período. Tal como antes de 1822 quando o comerciante europeu ocupava um lugar estratégico no abastecimento da colônia, no caso das fazendas de café, o comércio mediava o contato com o “mundo exterior” às fazendas. Da mesma forma que o avanço da cafeicultura pelo interior paulista transformou antigos pousos de tropeiros em centros urbanos de grande destaque, o comércio deste café pelo porto de Santos reorganizou um antigo espaçamento constituído ainda no período colonial. A partir da terceira década do século XIX o café ocupa o lugar do açúcar no predomínio do comércio feito por este porto. E o crescimento das exportações leva à aglutinação das atividades diretamente envolvidas neste processo na região próxima à zona portuária da cidade. A ferrovia, a estrutura de crédito e a forma de colocação do café no mercado, aspectos inerentes à Era Moderna, prestam-se à manutenção da base escravista que marca o tecido social como um todo, e atribuem um caráter peculiar a esta estrutura produtiva. FONTE: Disponível em: <http://www.sep.org.br/artigo/1243_64e2267b3dea6349a7 f61851dfe7bc60. pdf>. Acesso em: 12 jul. 2010. 3 ESCRAVIDÃO A base para essa estruturação da economia brasileira foi, obviamente, a mão de obra escrava, especialmente quando o assunto era a agricultura de exportação. Essa escravidão tem sido motivo de pesquisas cada vez mais acuradas na história sociocultural, principalmente no que diz respeito à sua instituição no mundo moderno. Vale destacar que a escravidão moderna é distinta de outras formas de escravidão encontradas na história humana e que, mesmo no caso do Brasil, os africanos não foram os primeiros a ser escravizados. No início da ocupação do território foi largamente utilizada a mão de obra escrava dos nativos do continente. A escravidão é uma situação em que um indivíduo, ou grupo, está sujeito às vontades de outro indivíduo. Este fenômeno é identificável em diversos momentos da História dos mais diferentes povos e países, mesmo que em cada vez que se apresente assuma contornos diferentes. No caso da História da América do Sul, os primeiros a ser escravizados foram os povos que ocupavam o território quando da chegada dos europeus, no século XVI e ao longo dos dois seguintes. Já no século XVI inicia-se o tráfico de africanos para trabalharem no novo continente recém-“descoberto”. Era o começo oficial do tráfico negreiro, que se manteve em funcionamento até a segunda metade do século XIX. Homens, mulheres e crianças de algumas regiões do Continente Africano transformaram-se em mercadorias, sendo comercializados com a autorização da Coroa Portuguesa. UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 56 FONTE: Johann Moritz Rugendas, Voyage pittoresque dans le Brésil, 1883 apud Alencastro (1997, p. 100) Quando o Brasil se transforma em um país autônomo, no século XIX, a escravidão de africanos era um elemento fundamental da dinâmica social. A presença dos escravos era notável tanto no campo quanto nas cidades. “Vale lembrar que o Rio de Janeiro, onde a Corte estava sediada, era o local com o maior contingente de escravos do Império, com aproximadamente 20% da população total sendo composta de cativos” (CASTRO apud ALENCASTRO, 1997, p. 342). O status destes cativos era o de uma propriedade. Seus proprietários poderiam dispor de seu escravo como melhor lhes conviesse. Existia mesmo um código legal regendo esta relação, como fica patente no trecho seguinte, retirado de um recurso apresentado em 1874 num tribunal: O escravo é um ente privado dos direitos civis; não tem o de propriedade, o de liberdade individual, o de honra e reputação; todo o seu direito como criatura humana reduz-se ao da conservação da vida e da integridade do seu corpo; e só quando o senhor atenta contra este direito é que incorre em crime punível. Não há crime sem violação de um direito. (CASTRO apud ALENCASTRO, 1997, p. 338). A distribuição dos cativos era irregular entre as províncias e regiões do Brasil. Segundo o censo de 1872, no Amazonas apenas 1,7% da população total era formada por escravos africanos. Já no Rio de Janeiro, no mesmo ano, a proporção atingia 32,3%. Um terço da população da corte era formado por africanos e seus descendentes escravizados. FIGURA 12 – CENA DO PORÃO DE UM NAVIO NEGREIRO TÓPICO 1 | ESTRUTURAS ECONÔMICAS 57 3.1 A CULTURA AFRICANA Thiago Losso (2008, p. 23) afirma categoricamente que não é possível existir uma “cultura africana”. “A África é um continente diversificado, com povos singulares. Os escravos que vieram para o Brasil eram originários de algumas regiões específicas da África, como Angola e Guiné. Alémdisso, eram capturados indivíduos nas colônias portuguesas da África” (LOSSO, 2008, p. 23). No entanto, podemos falar de uma cultura africana permeando a cultura brasileira, colaborando com alguns elementos para formar o conjunto simbólico que poderia, em tese, expressar uma pretensa identidade nacional. Passando pela culinária e pela arte, ritmos e religiões, a marca dos escravos africanos permanece no Brasil contemporâneo. Basta lembrar alguns elementos do nosso cotidiano: o candomblé, a capoeira, o samba [...]. (LOSSO, 2008, p. 23) Os africanos não aceitaram pacificamente a escravatura, e os episódios de revoltas e resistências estão sendo cada dia mais investigados pelos historiadores. Podemos pensar em dois fenômenos que nos permitem acompanhar as estratégias de luta contra a opressão. “Alguns escravos que conseguiam fugir acabaram criando reduções, que passavam a acolher fugitivos das fazendas ou das cidades” (LOSSO, 2008, p. 23). Estes refúgios eram nomeados Quilombos, e seus habitantes são conhecidos como quilombolas. Ainda hoje, descendentes destas populações ocupam a terra de seus ancestrais. O mais conhecido e importante dos quilombos foi o Quilombo dos Palmares, onde viveu Zumbi dos Palmares, ainda hoje celebrado pelas populações de origem africana como um herói que lutou contra a escravidão. Com contornos diferentes, a Revolta dos Malês foi uma outra forma de resistência contra a escravidão. Ela teve lugar em Salvador, em 1835, quando escravos se rebelaram. Esta revolta só pode ser compreendida em seu significado mais adequado quando atentamos que seus adeptos eram alfabetizados. De larga maioria muçulmana, os revoltosos propunham uma nova organização social, tendo um plano de ação e coesão dado tanto pela sua etnia quanto pela religião que os unia. UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 58 4 O ABOLICIONISMO E O FIM DA ESCRAVIDÃO Formalmente, a escravidão foi abolida no Brasil através de uma lei de 1888, que ficou conhecida como Lei Áurea. No entanto, este ato não deve ser entendido como o ponto principal da abolição da escravatura. Para Thiago Losso (2008, p. 24): o abolicionismo é uma corrente de opinião importante no Brasil do século XIX, e suas lutas foram fundamentais para acabar com a escravidão, num processo lento, que foi feito de acordo com os interesses dos proprietários, através de uma série de leis anteriores, que paulatinamente puseram fim a um dos principais pilares da economia do país. Em 1850, é promulgada uma lei que proíbe o tráfico de africanos. Apesar de esta atividade continuar pelas próximas décadas, já não era legal e estava sujeita às penalidades da lei. Em 1871, a Lei do Ventre Livre define como liberto aquele nascido de mãe escrava. Com a decretação do fim da vinda de novos escravos e com a não escravização dos descendentes de escravos, a escravidão estava já com os dias contados. DICAS Proceda a um levantamento rápido sobre a cultura afro-brasileira e sobre as representações da resistência negra à escravidão dentro da cultura popular brasileira da atualidade. TÓPICO 1 | ESTRUTURAS ECONÔMICAS 59 FONTE: Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/fotos/PrimeiroMaio/ lei_aurea_fac_simile.jpg>. Acesso em: 18 fev. 2008. As quase duas décadas que separam a Lei do Ventre Livre da Lei Áurea foram de longo e tumultuado debate sobre como proceder com o fim da escravidão. A campanha abolicionista teve em José do Patrocínio um de seus mais destacados representantes. No trecho que segue, escrito pelo historiador José Murilo de Carvalho (apud PATROCÍNIO, 1996, p. 9), podemos ver algumas facetas deste personagem. O filho do padre João Carlos Monteiro e de sua escrava de 13 anos, Justina Maria do Espírito Santo, nascido em Campos, em 1853, conhecido oficialmente como José Carlos do Patrocínio, que era Zeca para os amigos, Zé do Pato, para o povo, Proudhomme, para os combatentes da abolição, foi um homem complexo FIGURA 13 – FAC-SÍMILE DA CARTA ORIGINAL DA LEI ÁUREA UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 60 que viveu na fronteira de mundos distintos, se não conflitivos. A começar pela fronteira étnica: pai branco, mãe negra, um mulato, como se dizia na época, cor de tijolo queimado, em sua própria definição. Depois, a fronteira civil: mãe escrava, pai senhor de escravos e escravas. A fronteira do estigma social, a seguir: [...] oficialmente registrado como exposto, só mais tarde constando o nome da mãe, nunca legalmente reconhecido pelo pai. Mais: a fronteira entre o mundo interiorano em que se criou e viveu até os 15 anos e o mundo da corte em que exerceu a atividade profissional e política. Ainda: a fronteira intelectual de uma formação superior, mas de baixo prestígio, a de farmacêutico, convivendo com a formação dos bacharéis em direito, medicina e engenharia. Por fim, a fronteira entre o reformismo e o radicalismo políticos A luta pela abolição foi travada tanto no Parlamento quanto na imprensa. José do Patrocínio, um republicano intransigente, destacou-se por seus libelos abolicionistas, creditando à escravidão grande parte dos males da sociedade do seu tempo. “Publicando seus textos em jornais como a Gazeta de Notícias ou Gazeta da Tarde (ambos no Rio de Janeiro), Patrocínio fez de sua pena uma arma contra a escravidão, defendendo tanto os cativos quanto aqueles que propunham indenizações pelos maus-tratos” (LOSSO, 2008, p. 25). 61 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico você estudou que: • Podemos dividir a História do Império de acordo com o ocupante do trono. • Durante o Período Regencial, três forças políticas foram importantes: os Restauradores ou Caramurus (grupo identificado com D. Pedro I), os Liberais Moderados (que defendiam a manutenção da estrutura social, política e econômica, com todos os privilégios das elites e da aristocracia rural) e os Liberais Exaltados (que eram defensores da República, identificados com setores sociais urbanos e médios). • Desde 1835 cogitava-se antecipar a ascensão ao trono de D. Pedro II, que estava prevista pela Constituição para 1843, quando completaria dezoito anos. • D. Pedro II tem, assim, sua maioridade decretada quando contava com 15 anos, em 1840, marcando o início do Segundo Reinado, que durou até 1889, com a proclamação da República. • Quando passa da condição de Colônia para a de Império, o Brasil mantém sua economia calcada na exportação de produtos agrícolas para as nações, que se industrializavam naquele momento. • No Segundo Reinado, a exploração detinha-se especialmente no açúcar e no café, dois setores agrícolas que alimentavam diretamente a organização burocrático-administrativa e política do Estado imperial, em pleno acordo com a lógica da presença e do domínio privado sobre os interesses públicos e a confusão entre público e privado, característica da política brasileira. • O principal produto de exportação do Brasil foi o café, neste período, tanto para os EUA quanto para a Europa. O café passa a ocupar esta posição após o declínio do ciclo minerador. As vastas áreas de São Paulo e do Rio de Janeiro tiveram suas economias centradas na cafeicultura. • Esta atividade econômica marcou profundamente a sociedade brasileira, desde fomentar o aparecimento de uma sólida elite rural, que passou a interferir em outros ramos da economia, como incentivar o ciclo migratório de europeus para novas áreas de cultivo, ao longo do século XIX. 62 • A base para essa estruturação da economia brasileira foi, obviamente, a mão de obra escrava, especialmente quando o assunto era a agricultura de exportação. • Não existe uma cultura “africana”. A África é um continente diversificado, com povos singulares. Os escravos que vieram para o Brasil eram originários de algumas regiões específicas daÁfrica, como Angola e Guiné. Além disso, eram capturados indivíduos nas colônias portuguesas da África. • Formalmente, a escravidão foi abolida no Brasil através de uma lei de 1888, que ficou conhecida como Lei Áurea. No entanto, este ato não deve ser entendido como o ponto principal da abolição da escravatura. O abolicionismo é uma corrente de opinião importante no Brasil do século XIX e suas lutas foram fundamentais para acabar com a escravidão, num processo lento, que foi feito de acordo com os interesses dos proprietários, através de uma série de leis anteriores, que paulatinamente puseram fim a um dos principais pilares da economia do país. 63 AUTOATIVIDADE Caracterize o Segundo Império a partir da intersecção entre seus aspectos econômicos e sua estrutura política. 64 65 TÓPICO 2 INSTITUIÇÕES POLÍTICAS DO SEGUNDO IMPÉRIO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO O Império do Brasil estabeleceu um sistema baseado numa monarquia democrática representativa e parlamentar, onde o Imperador era o chefe de Estado e chefe de governo, ao mesmo tempo, embora fosse o presidente do Conselho de Ministros efetivamente o mandatário, em meio a um sistema multipartidário. O Poder Executivo era exercido pelo governo; o Legislativo era dirigido tanto pelo governo quanto pelas duas câmaras da Assembleia Geral (o Parlamento); o Judiciário, por fim, era independente do Executivo e do Legislativo. A administração do império era distribuída em 20 províncias e a capital, Rio de Janeiro. Desde que o país havia adquirido a independência de Portugal em 1822, a nação passou a ser quase que inteiramente a favor da manutenção da monarquia como forma de governo. Havia, em certa medida, algumas razões para essa escolha política. O medo de que vários grupos sociais pudessem perder o poder e cair no caos político e social experimentado pela maioria das recém-formadas repúblicas da antiga América Espanhola constituía a principal preocupação das elites brasileiras. Os países vizinhos, como já vimos, conviveram com tentativas de desmembramento territorial, golpes de estado, ditaduras e com a ascensão de caudilhos. Nesse sentido, percebia-se a necessidade de compor uma estrutura política que permitisse ao Brasil não apenas proporcionar algumas vantagens às elites, tais como a liberdade, mas também que garantisse a estabilidade nacional, em conformidade com o liberalismo. Apenas uma entidade neutra, completamente independente de partidos, grupos e ideologias opostas poderia alcançar esses objetivos. Embora fosse uma monarquia constitucional, o país manteve e tratou de construir algumas tradições. A manutenção da monarquia acabava também por ser um atrativo à manutenção de tradições culturais de europeus, de indígenas e de africanos que viviam no país na primeira metade do século XIX, o que acabava por consolidar esse regime político na medida em que somente a monarquia seria capaz de amalgamar três grupos distintos formadores do país: africanos, indígenas e europeus. Por outro lado, a escolha de um membro da Casa de Bragança como rei, além de estar conforme o momento histórico pelo qual o novo país e o velho continente passavam, também residia no fato de o príncipe Pedro ser UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 66 descendente homem de uma linha pura de reis portugueses. A Casa de Bragança teve origem com Afonso, Primeiro Duque de Bragança, filho ilegítimo de João I da Casa de Aviz, que, por sua vez, era filho de Pedro I da Casa da Burgundia, que foi fundada 300 anos antes, em 1143, por Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal. D. Pedro I e depois D. Pedro II emergiam com pleno apelo popular, e numa tradição de mais de 300 anos (ou setecentos anos na história de Portugal), e tudo isso servia para consolidar uma unidade nacional. Um terceiro elemento para a escolha da monarquia foi a necessidade de complementaridade e inserção do Brasil no contexto dos poderes da época, todos localizados na Europa. A possibilidade de a Europa intervir em países jovens americanos reforçou o desejo de prevenção dessa trama a partir da adoção da forma republicana de governo ao custo das cóleras internas dessas regiões, tais como a questão do desmembramento em pequenas nações, fracas e em constante rivalidade umas com as outras. Por outro lado, manter o regime monárquico no Brasil permitiria livrar o país desses problemas, na medida em que poderia também reforçar seus interesses internacionais. O Brasil era, então, um país sob o regime parlamentarista. A maior diferença entre parlamentarismo e presidencialismo está no fato de que no primeiro caso, chefes de Estado e de governo são duas pessoas distintas, enquanto que no segundo ambos os papéis acabam sendo concentrados numa só pessoa. Na monarquia brasileira, o imperador era o chefe de Estado e o chefe de governo. Essa característica básica do republicanismo presidencialista acabou sendo transplantada para a Constituição Brasileira. A Constituição de 1824 foi menos parlamentar do que o rascunho preparado para a Assembleia Constituinte. De fato, o sistema monárquico brasileiro tornou-se único no mundo inteiro, quase que como uma espécie de “monarquia presidencial”. Isso não significa, contudo, que o monarca pudesse ter prerrogativas que fossem assemelhadas àquelas de um tirano ou de um ditador. As garantias individuais como as de liberdade e dignidade haviam sido inseridas nos artigos da Constituição. O imperador não poderia atuar nas áreas reservadas aos poderes Legislativo e Judiciário, contudo, influenciava suas decisões a partir do Poder Moderador. A instituição do Poder Moderador nos remete ao papel do imperador no Brasil. Ele representava a unicidade, a permanência e a estabilidade governamentais, além da ordem legal, da identidade nacional, e era a soma das variações de região, de classe, de partido, de raça. A legitimidade do Brasil e dos brasileiros passava, portanto, pela personificação do império e pela centralidade do imperador como símbolo da nação. Seguindo o modelo ditado pelo liberalismo do século XIX, a Constituição de 1824 garantiu ao monarca a proteção sob o sistema representativo, e o desenvolvimento de seu poder passou pelo mais importante e original elemento de centralização política: o Poder Moderador. Esse quarto poder era direcionado pessoalmente pelo Imperador, e promovia o balanço entre os outros poderes. TÓPICO 2 | INSTITUIÇÕES POLÍTICAS DO SEGUNDO IMPÉRIO 67 Entre as prerrogativas do Imperador estavam a isenção de quaisquer responsabilidades por erros do governo e no que diz respeito ao Poder Moderador, suas atribuições eram basicamente as de qualquer monarca atual: aparecer no parlamento no intervalo das sessões, sancionar decretos e resoluções da assembleia, estender os poderes ou dissolver a câmara dos deputados, convocando, de imediato, eleições para compor uma nova legislatura, apontar e destituir ministros de estado, perdoar ou modificar sentenças judiciais, além de garantir anistias. A dissolução da Câmara dos Deputados não deve ser confundida com o fechamento do Congresso Nacional, ou Parlamento; a destituição da Câmara dos Deputados não pode ser confundida com golpe de Estado, na medida em que, no sistema parlamentarista, é uma instituição legal. Em 58 anos como imperador, D. Pedro II, a pedido do Conselho de Ministros, dissolveu onze vezes a câmara. É necessário pensar, nesse sentido, na comunhão entre o Imperador e o sistema parlamentarista. José Paranhos, Visconde do Rio Branco, tem sido considerado como um dos maiores presidentes do Conselho de Ministros do Brasil. O primeiro passo para essa guinada e implantação de uma instituição parlamentar ocorreu em 1824, a partir da Constituição, que permitia que a Assembleia Geral liderasse a política da nação. O segundo passo, em 1826,quando começou a ocorrer a prestação de contas do governo perante a Câmara de Deputados. Por fim, em 1847, a criação do gabinete do Presidente do Conselho de Ministros, equivalente à figura do Primeiro Ministro, que abraçava funções do Poder Executivo. Esse processo resultou na consolidação do parlamentarismo no país. O parlamentarismo se consolidou no país e acabou sendo motivo de muitos debates ainda no século XIX. A figura da prestação de contas do governo, bem como do Conselho de Ministros à Câmara dos Deputados, acompanhados da publicidade dada às discussões entre deputados e senadores foi motivo, inclusive, de críticas sobre o exagerado parlamentarismo no Brasil. Em certa medida, essas críticas levavam em conta a subjacente vontade de autonomia das províncias, na medida em que, para o século XIX, o esforço de liberdade de expressão em um país que convivia com políticas de formulação da identidade e da nacionalidade, não poderia levar em consideração os elementos federalistas como as reivindicações de autonomia interna. Há um debate historiográfico muito forte sobre essa questão, uma vez que, se a constituição de 1824 havia estabelecido a centralização como ordem do dia no que diz respeito à organização político-administrativa do Brasil, esse elemento conviveu, historicamente, com tentativas e sentimentos federalistas ao longo de toda a história do Brasil imperial. A divisão constitucional das competências entre governos provinciais e o governo central acabava por garantir relativa independência de interesses, uma UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 68 vez que cada província tinha o direito de decidir sobre cobrança de impostos, sobre força policial, sobre serviços públicos, sobre empregos etc. Além disso, as constantes negociações entre províncias e governo central, para responder a problemas de manutenção da unidade nacional, acabaram por prover os instrumentos necessários para ambos (DOLHNIKOFF, 2005). Alguns observadores de fim de século afirmavam que o Brasil era uma “coroa democrática”, na medida em que os últimos projetos governamentais encaminhavam o país para o fim da vitalicidade do cargo de Senador, que passaria a ser eleito por voto. Claro que esse processo não chegou a termo, devido ao golpe republicano. Nos 58 anos de império de D. Pedro II, o Brasil consolidava-se, a partir da institucionalização do próprio império, da pulverização de sua máquina administrativa, do desenvolvimento de protocolos capazes de explicar o que seria esse Brasil, Império dos Trópicos. A primeira figura desenhada sobre D. Pedro II era a de “pai dos brancos”, representação que significava muitas coisas, desde a figura de pai da nação, até a de bom administrador, civilizado, que sabia distribuir riqueza. Certamente, grande parte desses aspectos derivava do Poder Moderador. Lília Schwarcz, ao problematizar a institucionalização do próprio D. Pedro II como imagem do império, recorre à cosmologia Jê-Timbira que trata da origem do homem branco com base nas aventuras de Aukê, que acaba por ser identificado como o próprio D. Pedro II: Uma rapariga de pátio de nome Amcukcwéi estava grávida. Certo dia, quando em companhia de muitas outras tomava banho, ouviu de repente o grito de “preá”. Admirada, olhou para todos os lados sem descobrir de onde o ruído partira. Logo depois escutou-o novamente. Voltando para casa, deitou-se na cama de varas, e o grito se fez ouvir pela terceira vez, reconhecendo ela, agora, que o som partira do interior de seu próprio corpo. Foi a criança quem falou: “Minha mãe, tu já estás cansada de me carregar?”. “Sim, meu filho”, respondeu ela, “saia [...]” Amcukwéi começou a sentir as dores de parto e foi só para o mato. Deitando folhas de pati no leito do chão prometeu: “Se fores menino eu te matarei, se fores menina eu te criarei [...]”. Nasceu um menino e Amcukwéi cumpriu sua palavra: cavou um buraco, sepultou seu filho, ainda vivo, e voltou para casa. Sua mãe, vendo-a chegar, perguntou pela criança e, quando se inteirou do sucedido, ralhou com a filha: que tivesse trazido o menino porque ela, a avó, o criaria. Não contente com isso, a mãe de Amcukwéi desenterrou a criança e depois de lavá-la trouxe-a para casa. Amcukwéi não lhe quis dar de mamar, mas a avó o amamentou. Foi então que o pequeno Aukê levantou-se e disse: “Então não me queres criar?”. Amcukwéi, muito assustada, respondeu: “Sim, eu te criarei”. Aukê cresceu rapidamente. Ele possuía o dom de transformar-se em qualquer animal […] então, um dia, seu tio resolveu matá-lo. Estando TÓPICO 2 | INSTITUIÇÕES POLÍTICAS DO SEGUNDO IMPÉRIO 69 o menino sentado no chão comendo um bolo de carne, o tio bateu nele, forte e por trás, com um cassetete, enterrando-o atrás da morada. Na manhã seguinte, porém, o menino, cheio de terra, voltou […] Seu tio resolveu desfazer-se dele de outra maneira: chamou-o para buscar mel […] Chegando ao cume da terceira serra, o irmão de Amcukwéi agarrou o menino atirando-o em seguida no abismo. Mas Aukê transformou-se em folha seca e desceu vagarosamente em espirais até o chão […] O tio, no entanto, logo concebeu um novo plano para matar Aukê: sentando-o numa esteira, deu-lhe comida […] Foi então que o abateu pelas costas, usando um cassetete, e queimou-lhe o corpo inteiro. Abandonaram em seguida a aldeia, mudando-se para um lugar bem longe. Algum tempo depois Amcukwéi pediu aos chefes e conselheiros que mandassem buscar as cinzas de Aukê […] Quando os dois chegaram ao lugar, descobriram que Aukê tinha se transformado em homem branco: construíra uma casa grande e agora criava negros […] e cavalos de madeira do bacuri. O rapaz chamou os dois enviados e mostrou-lhes a sua fazenda. Depois mandou chamar Amcukwéi para que morasse com ele. Aukê é agora o imperador D. Pedro II, pai dos brancos. FONTE: Schwarcz (2000, p. 12) 2 POLÍTICAS INTERNAS 2.1 AS REVOLTAS Durante todo o Período Regencial, o país foi sacudido por revoltas, que apesar de suas particularidades, tinham em comum o fato de se insurgirem contra o poder da Corte sediada no Rio de Janeiro. A Cabanagem teve lugar no Pará, entre 1835 e 1840, se constituindo num grande movimento popular, sendo que parte da população da província foi morta durante o enfrentamento com as tropas imperiais. O movimento possuía uma agenda de reformas sociais e melhoria das condições de vida da população. Na Bahia eclodiu, em 1837, a Sabinada, que durou até o ano seguinte, acabando depois da morte e encarceramento de milhares de indivíduos. Suas reivindicações eram de caráter republicano e contrárias ao poder central. No Maranhão, ainda em 1838, surge a Balaiada, numa província formada quase que exclusivamente por sertanejos e africanos escravizados. No Rio Grande do Sul, temos um dos episódios mais marcantes deste fenômeno de revoltas que sacudiram o Império. A Revolução Farroupilha durou dez anos, entre 1835 e 1845, atravessando os anos finais das regências e os iniciais do Segundo Reinado. Esta revolta teve contornos republicanos, federalistas e UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 70 separatistas. Bento Gonçalves, rico fazendeiro e comandante da força pública local, toma Porto Alegre, iniciando a revolta, que acaba fundando a República Rio-Grandense em 1836, e auxiliando a criação da República Juliana (1839), com sede em Laguna, atual Estado de Santa Catarina. A revolta é debelada em 1845, quando o Império convence os revoltosos a depor armas, concedendo-lhes anistia e incorporação ao Exército. FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/43/ Guerra _farrapos.jpg/300px-Guerra_farrapos.jpg>. Acesso em: 24 jul. 2010. Edu Silvestre de Albuquerque, ao discutir a Guerra dos Farrapos, fala da origem do termo “farrapo”: FIGURA 14 – GUERRA DOS FARRAPOS,JOSÉ W. RODRIGUES Logo após a independência brasileira, o grupo político conservador buscou, no apoio ao centralismo político do Imperador D. Pedro I e nas sociedades militares espalhadas pelo país, manter seu poder. Esse grupo político também incluía os portugueses, que desejavam manter os privilégios comerciais herdados do período colonial. Em oposição surgiram os liberais nacionalistas, que se dividiam em dois grupos: os moderados (ou chimangos) e os exaltados (ou farroupilhas). Se é verdade que essa oposição também reunia grupos com diferentes visões políticas, desde monarquistas até republicanos, também é verdadeiro que de uma forma ou de outra defendia uma maior limitação do poder do imperador e algum nível de autonomia provincial, sobretudo para o grupo dos farroupilhas. Para uns essa maior autonomia poderia ser obtida via monarquia federativa, para outros somente através de uma república federativa. TÓPICO 2 | INSTITUIÇÕES POLÍTICAS DO SEGUNDO IMPÉRIO 71 2.2 AS GUERRAS NO CONE SUL Outro elemento marcante do Império do Brasil é formado pelo conjunto de conflitos que tem lugar no extremo sul do continente, ao longo de todo o século XIX, tornando instável toda a bacia do Rio da Prata. Já em 1851 o exército foi enviado para uma campanha no Uruguai, onde o caudilho argentino Juan Manuel Rosas e o presidente uruguaio – Manuel Oribe – pretendiam criar um Estado formado pelos territórios da Argentina, Uruguai e Paraguai. Comandado por Caxias, o exército imperial do Brasil depõe o grupo político que empreendia a construção deste novo Estado e empossa, como mandatários dos dois países, figuras alinhadas com os interesses da coroa brasileira. Em uma campanha, em 1852, o exército derruba Rosas, na Argentina. Desenhava-se, assim, um clima de tensão regional do Cone Sul que pode ser localizado entre as décadas de 1850 e 1860, que atinge repercussões internas no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Paraguai. No Paraguai, Francisco Solano López ascendeu ao poder em 1862, depois de Carlos Antonio López, que tinha modernizado o exército a partir de importação de material bélico e de técnicos, vindos principalmente da Inglaterra. Francisco Solano acabou alterando substancialmente a política externa paraguaia, que era de aproximação com países como o Brasil, passando a interferir nos interesses de outras nações no que diz respeito à navegação do Prata. Na Argentina, ocorre um processo de reunificação nacional sob a liderança e domínio às vezes violento, de Buenos Aires e no Brasil, o Partido Liberal substituiu o conservador no governo. Data desse mesmo período a moratória sobre a definição das fronteiras entre Paraguai, o Império brasileiro e a Confederação Argentina. Solano López assumiu um país sem dívidas, unificado, com avanços tecnológicos significativos devido à presença de técnicos estrangeiros, uma modernização de caráter militar e defensivo. Os paraguaios começaram a querer interferir em assuntos do Prata, ao mesmo tempo em que, na Argentina, Urquiza perdia militarmente a disputa para Bartolomé Mitre, com resistências federalistas em Corrientes e Entre Ríos à dominação de Buenos Aires. O combate ao governo central de Buenos Aires fez com que a oposição argentina das províncias buscasse apoio internacional. Uma das forças era formada pelos blancos, que estavam no poder no Uruguai. Outra era o Paraguai, que se aproximava do Uruguai para conseguir saída ao oceano, com vistas a ampliar seu comércio com a Europa. O porto de Montevidéu acabava por se tornar o catalisador das crises internas da Justamente por não fazerem parte do grupo político conservador – detentor do poder –, os farroupilhas passaram a ser chamados pejorativamente de “farrapos”, em alusão aos pobres de roupa esfarrapada. FONTE: Silvestre de Albuquerque (2003, p. 13). UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 72 Argentina, e da tentativa de expansão do Paraguai, sendo que tudo isso redundava na obstrução, também, por parte do Uruguai, aos interesses do Brasil, tais como a renovação de tratados de comércio e navegação e o uso de mão de obra escrava no Uruguai por fazendeiros brasileiros. O Paraguai emergiu como um Estado que tentou começar a arbitrar questões entre Argentina e Uruguai, em diversas áreas, principalmente na política, frente aos sucessivos planos de blancos e colorados, de fomentar revoltas extranacionais no Prata. Em plena guerra civil, o Uruguai se via inclusive pressionado pela opinião pública do Rio de Janeiro, que demandava intervenção imediata do Brasil naquele país com vistas a garantir a segurança de proprietários de terra brasileiros na banda oriental. Por sua vez, a Argentina descobriu que tinha afinidades com o Brasil em se tratando de interesses sobre o Uruguai, uma vez que colorados uruguaios estavam influenciando demasiado na política interna de centralização do poder na Argentina. O Brasil tinha dado um ultimatum ao Uruguai, que foi entendido pelo esforço diplomático paraguaio como uma tentativa brasileira em desequilibrar os estados do Prata. O Paraguai, por sua vez, comunicou que não se responsabilizaria por quaisquer consequências dos atos brasileiros, e manifestações começaram a emergir naquele país, com o apoio de Solano López, que vislumbrou no processo a possibilidade de o Paraguai emergir como potência regional. Em setembro de 1864, Solano López afirmava publicamente romper com o Brasil caso o império enviasse tropas para o Uruguai e afirmava poder invadir com tropas paraguaias os territórios entre os rios Apa e Branco. A representação brasileira em Assunção informava ao Rio de Janeiro, naquele mesmo mês, que o exército paraguaio já tinha 30 mil homens e que a Marinha daquele país dispunha de 11 vapores, números que não impressionavam o Brasil, pois do total de soldados 14 mil eram recrutas. (DORATIOTO, 2002, p. 62). O Paraguai invadiu parte do Mato Grosso, que, apesar de ter sido alertado de uma improvável guerra do Brasil contra o país vizinho, tinha utilizado seus poucos recursos para reforçar a defesa de todo o território com apenas duas centenas de soldados, e solicitado verbas para o Rio de Janeiro, que não foram atendidas até meados de 1865 (tropas guaranis já tinham entrado no território mato-grossense em janeiro). A Guerra do Paraguai, então, havia começado em 1864 e acabou em 1870, deixando a economia paraguaia destruída e 75% da população do país morta. Entre os acontecimentos marcantes da guerra, figuram uma aproximação argentino-brasileira, com vistas a pacificar o Uruguai, e o equipamento dos exércitos brasileiro e argentino com a realização de empréstimos da Inglaterra. Outros foram os elementos marcantes do fim do conflito. De um lado, a alforria de muitos africanos e seus descendentes, para que pudessem lutar no Exército do Brasil, que foi um forte impulso para o movimento abolicionista. TÓPICO 2 | INSTITUIÇÕES POLÍTICAS DO SEGUNDO IMPÉRIO 73 De outro lado, o Exército brasileiro assume noção de sua importância, e passa a constituir-se num grupo coeso, com muita influência de ideias republicanas. Como resultado negativo para o Brasil, deve ainda ser mencionada a enorme dívida contraída junto à Inglaterra, para manter a guerra. A longa duração da guerra, que perdurou de dezembro de 1864 a março de 1870, criou uma nova realidade, uma “vida intensa”, no Rio de Janeiro. Na capital do Império do Brasil, soldados entravam e saíam e, numa época em que não existia o telégrafo internacional, esperava- se a chegada de navios vindos do Rio da Prata com notícias da frente de batalha. O cotidiano se alterou nas outras duas capitais aliadas, Buenos Aires e Montevidéu, por onde passavam tropas brasileiras enviadas ao Paraguai e doentes evacuados da frente de batalha. Na Argentina, sobretudo, onde se abasteciam o Exércitoe a Marinha imperial, a economia foi dinamizada, e enriqueceu fazendeiros e comerciantes. A Guerra do Paraguai repercutiu na consolidação dos Estados nacionais argentino e uruguaio; foi o momento do apogeu da força militar e da capacidade diplomática do Império do Brasil, mas, de forma paradoxal, contribuiu para o acirramento de contradições do Estado monárquico brasileiro, enfraquecendo-o. O Paraguai, por sua vez, tornou-se a periferia da periferia, na medida em que sua economia se tornou satélite da economia da Argentina após o término do conflito. (DORATIOTO, 2002, p. 18). FONTE: Disponível em: <http://hemi.nyu.edu/unirio/studentwork/imperio/projects/ RicardoBrugger/image008.jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. FIGURA 15 – DESFILE MILITAR EM 1° DE MARÇO DE 1870, DEPOIS DA VITÓRIA SOBRE A GUERRA DO PARAGUAI, ÂNGELO AGOSTINI UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 74 FONTE: Disponível em: <http://hemi.nyu.edu/unirio/studentwork/imperio/ projects/ RicardoBrugger/image014.jpg>. 1 ago. 2010. FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/_AurZecAJGdc/S7Uf2pRGrxI/AAAAAAAAA5w /AaerqMK9TBA/s320/24a15f2.gif>. Acesso em: 1 ago. 2010. FIGURA 16 – CHARGE, DA ÉPOCA, COM CHICO DIABO ATRAVESSANDO UMA LANÇA NO “MONSTRO MAIS BÁRBARO E HEDIONDO”, FRANCISCO SOLANO LÓPEZ, DESTRUÍDO EM SUA PRÓPRIA PÁTRIA FIGURA 17 – FOTOGRAFIA DE SOLDADOS PARAGUAIOS PRESOS 75 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico você estudou que: • O Império do Brasil estabeleceu um sistema baseado numa monarquia democrática representativa e parlamentar, no qual o Imperador era o chefe de Estado e chefe de governo, ao mesmo tempo, embora fosse o presidente do Conselho de Ministros efetivamente o mandatário, em meio a um sistema multipartidário. • Desde que o país havia adquirido a independência de Portugal em 1822, a nação passou a ser quase que inteiramente a favor da manutenção da monarquia como forma de governo. • A instituição do Poder Moderador remete-nos ao papel do imperador no Brasil. Ele representava a unicidade, a permanência e a estabilidade governamentais, além da ordem legal, da identidade nacional e era a soma das variações de região, de classe, de partido, de raça. A legitimidade do Brasil e dos brasileiros passava, portanto, pela personificação do império e pela centralidade do imperador como símbolo da nação. • O parlamentarismo consolidou-se no país e acabou sendo motivo de muitos debates ainda no século XIX. A figura da prestação de contas do governo, bem como do Conselho de Ministros à Câmara dos Deputados, acompanhados da publicidade dada às discussões entre deputados e senadores, foi motivo, inclusive, de críticas sobre o exagerado parlamentarismo no Brasil. • A divisão constitucional das competências entre governos provinciais e o governo central acabava por garantir relativa independência de interesses, uma vez que cada província tinha o direito de decidir sobre cobrança de impostos, força policial, serviços públicos, empregos etc. • Nos 58 anos de império de D. Pedro II, o Brasil consolidava-se, a partir da institucionalização do próprio império, da pulverização de sua máquina administrativa, do desenvolvimento de protocolos capazes de explicar o que seria esse Brasil, Império dos Trópicos. • No tocante às políticas internas durante todo o Período Regencial, o país foi sacudido por revoltas que, apesar de suas particularidades, tinham em comum o fato de se insurgirem contra o poder da Corte sediada no Rio de Janeiro. • A Cabanagem teve lugar no Pará, entre 1835 e 1840, constituindo-se num grande movimento popular, sendo que parte da população da província foi morta durante o enfrentamento com as tropas imperiais. 76 • Na Bahia eclodiu, em 1837, a Sabinada, que durou até o ano seguinte, acabando depois da morte e encarceramento de milhares de indivíduos. Suas reivindicações eram de caráter republicano e contrárias ao poder central. • No Maranhão, ainda em 1838, surge a Balaiada, numa província formada quase que exclusivamente por sertanejos e africanos escravizados. • No Rio Grande do Sul, temos um dos episódios mais marcantes deste fenômeno de revoltas que sacudiram o Império. A Revolução Farroupilha durou dez anos, entre 1835 e 1845, atravessando os anos finais das regências e os iniciais do Segundo Reinado. Esta revolta teve contornos republicanos, federalistas e separatistas. • Outro elemento marcante do Império do Brasil é formado pelo conjunto de conflitos que tem lugar no extremo sul do continente, ao longo de todo o século XIX, tornando instável toda a bacia do Rio da Prata. • Já em 1851 o exército foi enviado para uma campanha no Uruguai, onde o caudilho argentino Juan Manuel Rosas e o presidente uruguaio – Manuel Oribe – pretendiam criar um Estado formado pelos territórios da Argentina, Uruguai e Paraguai. • A Guerra do Paraguai começou em 1864 e acabou em 1870, deixando a economia paraguaia destruída e 75% da população do país morta. Entre os acontecimentos marcantes da guerra, figuram uma aproximação argentino- brasileira com vistas a pacificar o Uruguai e o equipamento dos exércitos brasileiro e argentino com a realização de empréstimos da Inglaterra. 77 AUTOATIVIDADE Disserte sobre a possibilidade de um “Brasil” imperial e, além de tudo, “imperialista” com relação à América do Sul, levando em consideração o caráter de centralização governamental que ocorreu no segundo império. 78 79 TÓPICO 3 ESTRUTURAS SOCIOCULTURAIS UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO 2 REGIONALISMOS O Brasil do século XIX é multiforme, polissêmico e busca construir-se dentro de uma esfera sui generis de relações socioculturais, que vai ser influenciada sobremaneira por diversos eventos. Entre eles destacamos os de origem regionalista, pelos recortes de gênero, de classe e de raça, que vão desembocar, também, nas representações existentes sobre o próprio império, e, principalmente, sobre o seu fenômeno mais importante e chamativo, que é a cidade. Nesse sentido, ao falarmos de estruturas socioculturais do Brasil Império, buscamos descrever sucintamente três elementos que dão o tom para a conformação social e cultural do país naquele momento: os regionalismos, que deslocam o olhar das macroestruturas do império para suas forças locais, provinciais, em termos estéticos e identitários; as relações de gênero, que servem para ler amplamente o cotidiano das cidades brasileiras, e, por fim, as cidades e seus problemas, principalmente os de origem sanitária. Elites regionais, principalmente as de caráter bastante liberal, respondiam com a construção de culturas regionais às tentativas de centralização do poder, tendo por base investimentos derivados da grande propriedade, com interesses diferentes dos do Estado, porém mascarados quando aproximados a esse. Pinheiro (2009, p. 1) afirma que: [...] a relação de conivências entre esses dois pontos fez com que cada um protegesse seus interesses, acobertando mutuamente as ilicitudes do outro no âmbito institucional. Para o autor, esse problema residia nas relações que foram estabelecidas pela Metrópole desde a colônia para evitar a formação de um ser nacional antimetropolitano. E continua: O regionalismo nascido desta cultura deu o tom da política no Brasil do Império, onde a grande propriedade é aí o interlocutor privilegiado do Estado. Foi de tal forma profunda a relação que no Brasil, ainda hoje, só é possível pensar a unidade nacional dentro da fragmentação regional. Por isso os conflitos regionais já naquele período nunca foram separatistas. Eram sempre um acerto de contas dos interesses regionais com o poder central. A ambos sempre interessou manter essa relação, muito autoritária e conservadora, pelo conjunto de privilégio que encerra. (PINHEIRO, 2009, p. 1). 80 UNIDADE 2 | ACONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS Fato é que ao querer romper com Portugal, o Brasil vai questionando a si próprio a partir de sotaques regionais, sendo que sua identidade vai sendo construída a partir desse processo de separação. Nesse sentido, já foi dito muito na história brasileira que o país se pensa por meio da problematização de suas regiões. Marçal de Menezes Paredes lembra que a mobilização da identidade brasileira passou, nesse sentido, a organizar o próprio “passado” português do país, elaborando fronteiras simbólicas em escala regional, na intersecção portuguesa no regionalismo brasileiro. Os exemplos desse regionalismo afloram historicamente. Paredes (2008, p. 3) pontua a publicação de “Contos Rio-Grandenses (introdução)”, no número cinco da Revista Mensal do Partenon Literário, em novembro de 1872, como símbolo da busca da identidade regional propulsionada a partir de um acerto de contas com Portugal: Um acerto que tem o endosso do naturalismo, tão caro, em diferentes registros, ao repertório teórico disponível naquele contexto intelectual do final do século XIX. O autor, Victor Valpírioi, inicia chamando a atenção para a premência de “fazermos independência literária e estabelecermos na federação das letras república à parte”. Rápido se surpreende o mesmo sentido estético da americanização, observado no manifesto republicano de 1870, opção que o leva a ressaltar a importância do “cunho americano” na produção literária, chamando atenção para o “raio de sol das Américas, que doira as nossas frontes juvenis [e que] espelhar-se brilhante nas produções da musa dos brasileiros. Valpírio (apud PAREDES, 2008, p. 5) começa a elaborar a identidade regional gaúcha nos seguintes termos: [...] não é o bom lavrador do Minho, que após prolongado trabalho em suas geiras descansa ao crepitar dos velhos cepos no fogo da lareira, – o audaz gaúcho que voa nos pampas do sul montado no furioso bagual, tendo por pátria a solidão sem fim, sem amores nem família, sem laços que o detenham em sua vida errante! Não é o barqueiro do Douro, não é o saudoso pescador do Tejo, – o intrépido jangadeiro dos mares do norte, que no frágil lenho arrosta a sanha do oceano seu descôr; – o robusto caboclo do Pará, que entronizando na piroga corta com o remo subtil as argentas escamas do rei das águas! O trabalhador da Beira, que passa longos serões ao lado do fogo na debulhada do trigo, – das não é o escravo brasileiro, que ao cantar do galo à meia-noite, mal dormido, corre ao som do sino da charqueada, tremendo de frio que corta, sob o açoite ameaçador do capataz, a cancha, para matar bois até dia alto, e daí até a noite lidar com carnes: isto, meses seguidos, uma safra inteira TÓPICO 3 | ESTRUTURAS SOCIOCULTURAIS 81 FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/_w1a3otOpT6g/S2Dy3shIGsI/AAAA AAAABZE/XNu9Q3C-IcU/s400/Le%C3%B3n+Palli%C3%A8re,+el+gaucho+cantor+1865 .jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. 3 GÊNERO O Brasil de meados do século XIX era um país continental com apenas sete milhões de habitantes, com uma sociedade altamente estratificada e economia plenamente amparada no trabalho escravo. Não é de admirar que, para muitos dos que representavam o Brasil em telas, o território não era nada mais do que a caracterização completa do atraso. Com exceção do Rio de Janeiro, o interior do território era formado por cidades que, de fato, eram pequenas vilas desorganizadas, desuniformes, onde se convivia nas ruas com porcos, galinhas, esgoto, lixo e o problema crônico da violência, a presença de tropas. No ambiente urbano, ou melhor, rurbano que se desenvolve nesse país, a mulher acabou sendo retratada em três formas: a imperatriz, a senhora da fazenda e a escrava. Elas quase sempre não são mencionadas, ou pintadas, mas alguns visitantes acabam detectando sinais de mudança significativos nas vidas de mulheres com o passar dos anos do império. “Uma família brasileira clássica consistia numa família patriarcal, com a presença de um marido autoritário, cercado de concubinas escravas, que dominava os filhos e uma mulher submissa, passiva, indolente, que vivia enclausurada em casa, gerava inúmeras crianças e abusava dos escravos” (HAHNER, 2003, p. 38). [...] os cuidados do lar [...] Aos dezoito, uma mulher brasileira atingiu sua plena maturidade. Poucos anos mais tarde, ela torna-se corpulenta e mesmo pesadona: seus ombros se inclinam, passeia com um andar bamboleante e desajeitado. Começa a decair, perde o bom humor de FIGURA 18 – O CANTOR GAÚCHO, DE LEON PALLIERE, 1865 82 UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS seu semblante [...] e aos vinte e cinco, ou trinta no máximo, torna-se uma perfeita e enrugada velha. Nem todas as mulheres enquadravam-se nessa observação de Luccock, e o comportamento mudava de classe para classe social. Mulheres da elite eram cercadas por conceitos como honra da família, honra feminina, e, nesse sentido, acabavam subjugadas, mesmo, pelo poder patriarcal, na medida em que não tinham sequer o direito ao exercício da sexualidade, não podendo ter direito sobre os próprios corpos, e ao controle da reprodução de descendentes, uma vez que estavam plenamente vinculadas à hierarquia social. Não é possível determinar e atribuir o mesmo peso e as mesmas relações para homens e mulheres da classe pobre, pois essa, em oposição aos fazendeiros, comerciantes e profissionais liberais, não estava sob o alvo do mesmo esforço despendido para impor submissão e passividade. (HAHNER, 2003, p. 40). Hahner (2003, p. 41) lembra que até as tentativas das autoridades ou de patrões para controlar-lhes o comportamento podiam ser repelidas: Mulheres livres e pobres, lutando para sobreviver em São Paulo, atravessavam sem restrições praças e ruas públicas, agregavam- se nas fontes, nos tanques de lavar roupa, ou na beira dos rios, para exercer seu trabalho como lavadeiras. Empregavam-se como domésticas, cozinheiras, amas de leite ou costureiras. Algumas vezes, como vendedoras ambulantes enfrentavam não apenas a fome, mas também a polícia, regulamentos burocráticos e taxas impostas à sua minúscula atividade comercial. Mesmo as escravas vivendo nas casas de seus senhores usufruíam de uma certa independência; aquelas cujo trabalho exigia que andassem pelas ruas e lojas da cidade podiam ter aí suas vidas privadas, longe dos olhos indiscretos de seus patrões. Com relação às escravas, também é necessário considerar as especificidades da vida privada no país e as mudanças operadas a partir de uma relativa urbanização, da chegada de imigrantes europeus, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, e as peculiaridades da vida econômica que se alterava continuamente desde esse período até o advento da república. Ainda segundo June Hahner (2003, p. 41-43): Às vezes, as escravas também podiam conquistar uma certa autonomia pessoal, particularmente nas cidades. Embora tudo permanecesse “propriedade privada”, as experiências e situações específicas das escravas diferiam muito. Não apenas gênero, mas a raça, a ocupação e a localização ajudavam também a determinar muitos aspectos de suas vidas [...] Certamente as escravas, diferentemente das mulheres livres, podiam ser violentamente separadas de seus filhos e obrigadas a servir como amas de leite da prole de seus donos. E as escravas permaneciam sujeitas à violência sexual e às investidas de seus senhores. Algumas, apesar de tudo, conseguiam construir uma precária vida familiar ou pessoal, embora o controle final sempre permanecesse na mão de seus donos. À noite algumas escravas, como alguns homens e mulheres livres, saíam para locais de dança, ritos religiosos e festividades, ou apenas para encontrar com seus maridos, amantes e amigos que trabalhavam em diferentes lares. Nas cidades, as escravas, não raro,conquistavam considerável liberdade pessoal: podiam atravessar a cidade (com permissão de seus senhores) vendendo comida que preparavam ou frutas e vegetais que colhiam, enquanto suas senhoras geralmente TÓPICO 3 | ESTRUTURAS SOCIOCULTURAIS 83 permaneciam encerradas em suas casas, a salvo das vulgaridades ou dos perigos da rua. Não poucas escravas e escravos, com suas atividades comerciais, acumulavam fundos suficientes para adquirir a liberdade. Dentro das religiões afro-brasileiras, as mulheres negras pobres podiam ocupar posições de alta respeitabilidade e de liderança. Por outro lado, mulheres que pertenciam à elite tinham status diferente. Às viúvas era reservada a possibilidade de emancipação do sistema patriarcal, uma vez que se tornavam, automaticamente, chefes de família. Em certa medida, essas mulheres tinham até uma relativa liberdade sobre o próprio corpo. Mesmo assim, mulheres da elite tinham pouca chance de escolher os parceiros de casamento. Machado de Assis reforçou inúmeras vezes a ligação entre casamento e propriedade, entre casamento e patriarcado. Personagens como Virgília, ao se casar com Brás Cubas, em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1885) eram o exemplo desse binômio, que aparecia para o jovem personagem na figura de uma vaga de senador ou deputado seguida de uma festa de casamento. Em outros casos, a possibilidade do enlace matrimonial era cortada transversalmente pela classe social, travestida de problemas físicos, como é o caso de Eugênia, filha de Dona Eusébia, no mesmo livro de Machado de Assis. O personagem principal, apesar de ter-se interessado pela moça, resolveu abandoná-la quando percebeu a frugalidade de seus hábitos e de sua vida, argumentando que ela não servia para o casamento porque “era coxa”. (MACHADO DE ASSIS, 2010 [1885]). É claro que sobre esse tema estamos falando exclusivamente de um mundo urbano da capital do país. Grande parte da documentação que pode ser obtida do período, ao tratar-se de mulheres ou de família, advém desse mundo urbano. É um mundo de privilégios, também, e as transformações que são operadas no mundo privado das relações entre homens e mulheres não deixam de ser, também, a própria representação das elites do Império sobre o seu mundo cotidiano. Isso, contudo, não deve invalidar as representações que são elaboradas, na medida em que compreendem uma certa relação de contiguidade com a realidade social. A partir dessa documentação é possível, por exemplo, pensar as relações entre homens e mulheres não apenas nas generalidades de uma estrutura de família patriarcal, senão também nas especificidades dessa mesma família, o que compreende, por exemplo, até a educação feminina, presa a uma elite minoritária, e, mesmo assim, infinitamente pior do que a dos homens. Pensar, portanto, a educação de mulheres no Brasil do século XIX significa pensar uma educação muito reduzida, que não passa muito do universo da alfabetização. Nesse sentido é que se pode afirmar que “a educação das meninas permaneceu extremamente atrasada em relação à dos meninos”. (HAHNER, 2003, p. 56). Em 1808, John Luccock observou que a educação feminina no país “[...] não devia ir além dos livros de orações, porque seria inútil à mulher, nem deveriam elas escrever, pois, como foi justamente observado, poderiam fazer um mau uso desta arte”. (LUCCOCK apud HAHNER, 2003, p. 56). A autora estabelece, a partir das observações de Luccock, em 1808, o desenvolvimento dessa problemática no país nos seguintes termos: 84 UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS Duas décadas mais tarde, um brasileiro de classe alta, em longa viagem pelo interior do país, notava ainda maior resistência à educação feminina na população em geral, considerando-se um verdadeiro crime uma mulher alfabetizada: “se uma mulher aprende a ler, será capaz de receber cartas de amor”. De acordo com uma quadrinha popular que define claramente o que as mulheres deveriam ou não aprender a fim de cumprir seu principal papel na sociedade ou de nela atuar: Menina que sabe muito/É menina atrapalhada/Para ser mãe de família/Saiba pouco ou saiba nada [...]. (HAHNER, 2003, p. 57). June Hahner (2003) observa ainda que paulatinamente um deslocamento da educação doméstica para um outro tipo de educação feminina foi sendo processado ao longo do império: A ideia de educação escolar para meninas foi-se somando lentamente à ideia mais antiga de educação doméstica embora a escolaridade que lhes destinavam não fosse idêntica à dos meninos. Não seria por muito tempo que visitantes estrangeiros, como o francês Charles Expilly fez em suas observações, iriam poder aplicar às moças da classe alta brasileira o provérbio português “uma mulher é suficientemente educada quando pode ler com propriedade seu livro de orações e sabe como escrever a receita de geleia de goiaba; mais do que isso põe o lar em perigo”. Com o tempo as meninas ricas não apenas aprenderam a preparar bolos e doces e a coser, bordar e fazer renda, mas também puderam estudar francês, piano e a dançar, e, com tais predicados, oferecer uma companhia mais encantadora e elegante nos encontros sociais. Hermann Burmeister, um naturalista alemão no Rio de Janeiro, em 1850, notava que antes “os pais preferiam saber que sua filha era a melhor dançarina da escola que a que mais sabia ler e escrever e traduzir do inglês ou francês”. Embora os dois missionários, Kidder e Fletcher, acreditassem que o número de escolas para meninas estivesse aumentado, ressaltavam que “em oito casos sobre dez, o pai brasileiro pensa que cumpriu seu dever ao enviar sua filha por poucos anos a uma escola de moda dirigida por algum estrangeiro: aos treze ou quatorze anos ele a retira, acreditando que sua educação está terminada” (HAHNER, 2003, p. 57-58). 4 VIDA URBANA A vida urbana no Brasil precisa ser colocada entre parênteses durante o Império. Há poucas cidades que têm ar de cidades propriamente ditas: Belém do Pará, Salvador, Rio de Janeiro, Porto Alegre, mas, principalmente, Rio de Janeiro. São Paulo desponta na segunda metade do século XIX. Curitiba é um vilarejo, e no Paraná, por exemplo, é fácil encontrar uma Paranaguá mais equipada do que a atual capital. Desterro (atual Florianópolis) é o exemplo de uma cidade capital de província que respira ares nada cosmopolitas. Mas é nessa esteira de realidade social urbana que observadores estrangeiros como o reverendo Robert Walsh atestam que TÓPICO 3 | ESTRUTURAS SOCIOCULTURAIS 85 Os costumes do povo também apresentaram uma mudança sensível num espaço de tempo muito curto. Muitas famílias nativas, antigas e respeitáveis, de hábitos muito grosseiros e de mentes igualmente limitadas devido à sua vida isolada no campo, agora se dirigiam à capital, onde festas e cerimônias de aniversário na corte atraíam multidões. Aqui, ao se misturarem com estrangeiros, portugueses e ingleses, eles perdiam rapidamente o ranço causado pelo isolamento e voltavam para casa com novas ideias e hábitos de vida, que também eram adotados por seus vizinhos, disseminando dessa forma o progresso por todo o país. (WALSH, 1985, p. 84 [1828-9]). Em síntese, Walsh quer dizer que as cidades vão-se desenvolvendo com o passar do século. Em primeiro turno, motivadas pelas transformações econômicas que atingem diferentes províncias e pela relativa autonomia que é ofertada a elas no segundo império. São Paulo cresce com o café, o Sul se expande para o interior com o estabelecimento de colônias, com as ferrovias, com o estabelecimento da presença estatal em diferentes rincões que escapam ao litoral. Em certa medida, a presença da cópia dos hábitos, tão bem descrita por Walsh, se aplica, quase que como instituição, nesse Brasil imperial. Mas as cidades são, em sua maioria, acanhadas, embora enfrentando pressõessociais e econômicas que podem ser aproximadas, se pensarmos em termos de diferenciação de classe e de raça, bem como de uma eminente política urbana que se aproxima cada vez mais de um discurso técnico para querer minar seu caráter propriamente ideológico, classista, racista etc. Essas observações são muito bem analisadas pelo historiador Sidney Chalhoub, em Cidade Febril: cortiços e epidemias na corte imperial, obra que foi primeiramente publicada em 1996. Não são apenas textos literários que esboçam as cidades do império, mas também aqueles de ordem técnica, de engenharia ou de medicina, e que vão desenhando o panorama de problemas que até hoje são atribuídos, nesses novos mundos urbanos, a algumas classes e a algumas raças. De todas as formas, a vida urbana no país do segundo império é traçada por encontros e desencontros entre escravos, trabalhadores livres e pobres, soldados, pequena e grande burguesia e uma elite que mescla fazendeiros num ambiente de classe e estamento. Raymundo Faoro (2001, p. 15), em Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio, descreve com acuidade essa sociedade urbana, seguindo os rastros de textos de Machado de Assis, nos seguintes termos: Nitidamente, há uma estrutura de classes – banqueiros, comerciantes e fazendeiros – sobre outra estrutura de titulares, encobrindo-a e esfumando-lhes os contornos. É a camada da penumbra que decide os destinos políticos, designa deputados e distribui empregos públicos. São as “influências”, os homens que mandam, que se entendem com os executores e dirigentes das decisões do Estado. Duas faixas se separam, com clareza, no conteúdo e no conceito, na ação social, não raro entrecruzando-se e se confundindo. Para simplificar e com antecipação: a classe em ascensão coexiste com o estamento; muitas vezes, a classe perde sua autonomia e desvia-se de seu destino para mergulhar no estamento político, que orienta e comanda o Segundo Reinado. 86 UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS Há uma sociedade de classe em plena expansão, cifrada, nas expressões mais gloriosas, nos banqueiros, nos prósperos comerciantes, nos capitalistas donos de rendas, nos senhores de terras e de escravos. O dinheiro é a chave e o deus desse mundo, dinheiro que mede todas as coisas e avalia todos os homens. Falcão, personagem de um conto publicado em 1883, ao relatar o enterro de um amigo, para referir o esplendor do préstito de 1864, não achou melhor expressão do que dizer: “- ‘Pegavam no caixão três mil contos!’ E, como um dos ouvintes não o entendesse logo, concluiu do espanto, que duvidava dele, e discriminou a afirmação: - ‘Fulano quatrocentos, Sicrano seiscentos... Sim, senhor, seiscentos; há dois anos, quando desfez a sociedade com o sogro, ia em mais de quinhentos; mas suponhamos quinhentos...’ E foi por diante, demonstrando, somando e concluindo: - ‘Justamente, três mil contos!’ A situação econômica, definida no patrimônio ou na percepção de rendas, determina a classe, o tipo de classe a que pertence o homem. A classe não é uma comunidade, embora, com base na solidariedade que inspira, possa levar às mais variadas formas comunitárias. A sociedade de classes, malgrado se firme e se estruture com maior energia, não domina o campo social. Entre dois polos, a colônia e a fase do encilhamento, mostra ela desenvolvimento sensível, com a mudança de uma estrutura. A velha sociedade de estamentos cede lugar, dia a dia, à sociedade de classes. Na medida em que a classe “sobe” em importância e relevância social no Brasil do segundo império, a ideia de classe pobre como território de perigo social começa a se alicerçar, e a discursividade que opera para essa construção parte de diversos setores também emergentes na segunda metade do século XIX, tais como o setor científico. Um desses exemplos da emergência do conhecimento científico, acompanhado da pejorativização e da problematização, na esfera pública, dos pobres e das condições das cidades brasileiras reside na “ideologia da higiene”, no Rio de Janeiro, que vai culminar em eventos como a Revolta da Vacina (1904), já no regime republicano, mas que aparece anteriormente disseminada em explicações sobre epidemias de Febre Amarela. Doenças como essas abrirão o caminho para pensar a cidade, suas relações com raça, gênero e classe social, a ligação dessas três categorias com outras como ambiente, clima e criminalidade. “Parece que a administração da Corte começou a notar a existência de cortiços no Rio de Janeiro nos primeiros anos da década de 1850” (CHALHOUB, 2006, p. 29). Até então, a discussão em torno das cidades não passava pelos problemas de insalubridade, mas emergiu a partir de uma epidemia de Febre Amarela em 1850, e outra de cólera cinco anos depois. Para Sidney Chalhoub (2006, p. 32-33), [...] as classes pobres não passaram a ser vistas como classes perigosas porque poderiam oferecer problemas para a organização do trabalho e a manutenção da ordem pública. Os pobres ofereciam também perigo de contágio. Por outro lado, o próprio perigo social representado pelos pobres aparecia no imaginário político brasileiro de fins do século XIX através da metáfora da doença contagiosa: as classes perigosas continuariam a se reproduzir enquanto as crianças pobres permanecessem expostas aos vícios de seus pais. […] Por outro lado, os pobres passaram a representar perigo de contágio no sentido literal mesmo. Os intelectuais médicos grassavam nessa época com miasmas na putrefação, ou como economistas em tempos TÓPICO 3 | ESTRUTURAS SOCIOCULTURAIS 87 de inflação: analisavam a “realidade”, faziam seus diagnósticos, prescreviam a cura e estavam sempre inabalavelmente convencidos de que só a sua receita poderia salvar o paciente. E houve então o diagnóstico de que os hábitos de moradia dos pobres eram nocivos à sociedade, e isto porque as habitações coletivas seriam focos de irradiação de epidemias, além de, naturalmente, terrenos férteis para a propagação de vícios de todos os tipos. Chalhoub expõe as opiniões prevalentes no Rio de Janeiro de 1876 acerca da estrutura urbana e da sua relação com a população pobre, citando excertos da proposta de posturas elaborada por Pereira Rego, que, preocupado com a proliferação de cortiços na cidade, apresenta o seguinte arrazoado acerca do mundo urbano: O aperfeiçoamento e progresso da higiene pública em qualquer país simboliza o aperfeiçoamento moral e material do povo, que o habita; é o espelho, onde se refletem as conquistas, que tem ele alcançado no caminho da civilização. Tão verdadeiro é o princípio, que enunciamos, que em todos os países mais cultos os homens, que estão à frente da administração pública, procuram, na órbita de suas atribuições, melhorar o estado de higiene pública debaixo de todas as relações, como um elemento de grandeza e prosperidade desses países [...] Entre nós, porém, força é confessar que as municipalidades […] têm-se esquecido um pouco dos melhoramentos materiais do Município e do bem-estar, que deles pode resultar a seus concidadãos, tanto que sobre alguns pontos essenciais e indispensáveis ao estado higiênico, parece que ainda nos conservamos muito próximos aos tempos coloniais. (REGO apud CHALHOUB, 2006, p. 34). FONTE: Disponível em: <https://fnnpea.bay.livefilestore.com/y1mpAPBulJhe2O8cOoJW- vp_xlakkZH 9b6ny5vwXiATi1JSaO8YGeFo24yPr372l68UkR2YTwQxONUUkGISf9uXWK- 3FPfMBcEQU5mx273XdxDepVjorP_xXJynbnJRXLgEFvd9gLZ6Exqy0oBi14GgCaA/Rio%20 de%20Janeiro%20-%20final%20do%20s%C3 %A9culo%20XIX%20-%20corti%C3%A7o%20 na%20Rua% 20dos%20Inv%C3%A1lidos.jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. FIGURA 19 – CORTIÇO DA RUA DOS INVÁLIDOS. RIO DE JANEIRO, FINAL DO SÉCULO XIX 88 UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS Os recortes significativos de classe rementem à discussão, por exemplo, sobrea possibilidade da mobilidade social, e é unânime a opinião de estudiosos sobre esse tema: a dificuldade de ocorrência dessa mesma mobilidade, na medida em que a zona intermediária entre os ricos e a massa da população permanecia estreita e incerta (HAHNER, 2003, p. 52). Enquanto professores mal pagos de escolas primárias, guarda-livros e empregados de escritório poderiam considerar-se muito acima das classes pobres, os ricos percebiam pouca diferença entre eles. Pequena em tamanho se comparada com a classe média da Europa ocidental ou dos Estados Unidos, a assim chamada classe média brasileira carecia de unidade e, sempre que possível, procurava imitar a classe alta em seu estilo de vida e aparência. Legalmente separados de outros trabalhadores urbanos, ainda que muitas vezes fazendo o mesmo serviço, estavam os escravos. E assim ia-se delineando a cidade brasileira em contornos não muito nítidos, porque principalmente estava sendo representada “branca” ao invés de mestiça, “afrancesada”, ao invés de brasileira, portanto, distorcida, com uma elite que resolvia seus problemas a partir de outro referencial. Ajanayr Michelly Sobral Santana e Patrícia Cristina Aragão (2010), ao destacarem os novos hábitos e costumes da corte brasileira do segundo império, mostram as suas contradições, como a imposição de “melhores” hábitos de civilização com seus costumes europeus, mais que convivia com uma densidade de escravos, num país quase negro com seus costumes africanos. Assim, o Império de D. Pedro II oscilava entre os bailes e concertos com as ruas do trabalho escravo. Dessa forma a Corte tentava fazer da escravidão uma coisa invisível, e esta era e seria, até o final do reinado de D. Pedro II, a grande contradição do seu Império (SANTANA, ARAGÃO, 2010). 5 CENAS DO BRASIL MIGRANTE Até meados do século XIX, enquanto ainda perdura o comércio internacional de escravos, a imigração permanece quase um simples projeto e discurso. Fazendeiros de café ou de cana não tinham interesse algum em fomentar a mão de obra assalariada como base para suas empresas, e continuavam a empregar maciçamente escravos. Essa situação mudará com a Lei de Terras de 1850, que impulsionará, por meio da proibição de tráfico de escravos, uma política imigrantista, promovendo até a possibilidade de serem criadas colônias estrangeiras em diversas regiões do Brasil. Como afirma Luiz Felipe de Alencastro e Maria Luiza Renaux, (2004, p. 293): determinados a consolidar a grande propriedade e a agricultura de exportação, os fazendeiros e o grande comércio buscaram angariar proletários de qualquer parte do mundo, de qualquer raça, para substituir, nas fazendas, os escravos mortos, fugidos e os que deixavam de vir da África. Preocupados, ao contrário, com o mapa social e cultural do país, a burocracia imperial e a intelectualidade tentavam fazer da imigração um instrumento de “civilização”, a qual, na época, referia-se ao embranquecimento do país. TÓPICO 3 | ESTRUTURAS SOCIOCULTURAIS 89 Manuel Felizardo respondendo ao senador Vergueiro, em 1862, falando de imigração, ataca a necessidade de o estado ter de promover a migração, se antes quem a promovia eram os próprios fazendeiros: Ninguém desconhece a necessidade que todos os lavradores têm de aumentar o número de seus trabalhadores […] E como até há pouco suprima-se os lavradores dos braços necessários? As fazendas eram alimentadas pela aquisição de escravos, sem o menor auxílio pecuniário do governo […] Ora, se os lavradores se supriam de braços à sua custa, e se é possível obtê-los ainda, posto que de outra qualidade, por que motivo não hão de procurar alcançá-los da mesma maneira, isto é, à sua custa? Será justo que a nação contribua para que dez, vinte, cem ou duzentos fazendeiros sejam supridos de braços à custa do país inteiro? (ALENCASTRO; RENAUX, 2004, p. 298). O resultado efetivo é que um contingente cada vez maior de imigrantes ajudava a construir o país. Ao longo de todo o século XIX (e inclusive durante as primeiras décadas do século XX), o país foi destino de europeus que viam no Brasil uma opção às dificuldades sociais profundas pelas quais passavam seus países. Alemães, italianos, poloneses e outros povos chegaram ao Brasil com um status bem diferente daquele desfrutado pelos africanos: não eram escravos, mas sim trabalhadores livres e, em alguns casos, pequenos proprietários rurais. FONTE: Alencastro (1997, p. 324) FIGURA 20 – CENÁRIO TÍPICO DE UMA PROPRIEDADE RURAL DE IMIGRANTES EUROPEUS A vinda de europeus está relacionada com o fim do tráfico negreiro e a consequente necessidade de suprir o fim da mão de obra africana, cujo transporte se tornara atividade ilegal. 90 UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS Muitos destes trabalhadores se instalaram em fazendas de café no Estado de São Paulo, trabalhando em esquema de parceria ou de forma assalariada. Já outros seguiram outro modelo de imigração, criando comunidades homogêneas etnicamente no sul do Brasil, em especial nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Assim como aconteceu com os africanos, os europeus vieram de regiões distintas da Europa e aqui mesclaram seus traços culturais com os de outras comunidades, colaborando para elaborar o complexo cultural brasileiro. FONTE: Alencastro (1997, p. 350) Na figura que retrata a cena de uma casa de imigrantes no Rio Grande do Sul é possível identificar elementos típicos do Brasil integrados ao cotidiano dos imigrantes europeus. Nas regiões de colonização europeia do Sul ainda é possível identificar os elementos culturais europeus no cotidiano das comunidades, e muitas destas cidades tornaram-se dinâmicos centros industriais no século XX. No caso de São Paulo, muitos imigrantes acabaram se instalando na capital e foram fundamentais para a industrialização da cidade e também para a organização dos trabalhadores, a partir da experiência política reivindicatória de esquerda europeia. FIGURA 21 – CENA DE UMA CASA DE IMIGRANTES NO RIO GRANDE DO SUL 91 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico você estudou que: • Às tentativas de centralização do poder, elites regionais, principalmente as de caráter bastante liberal, respondiam com a construção de culturas regionais, tendo por base investimentos derivados da grande propriedade, com interesses diferentes dos do Estado, porém mascarados quando aproximada a esse. • Com exceção do Rio de Janeiro, o interior do território era formado por cidades que, de fato, eram pequenas vilas desorganizadas, desuniformes, onde se convivia nas ruas com porcos, galinhas, esgoto, lixo e o problema crônico da violência, a presença de tropas. • O ambiente urbano ou, melhor, rurbano que se desenvolveu nesse país, a mulher acabou sendo retratada em três formas: a imperatriz, a senhora da fazenda e a escrava. Elas quase sempre não são mencionadas ou pintadas, mas alguns visitantes acabaram detectando sinais de mudança significativos nas vidas de mulheres com o passar dos anos do império. • Uma família brasileira clássica consistia numa família patriarcal, com a presença de um marido autoritário, cercado de concubinas escravas, que dominava os filhos, e uma mulher submissa, passiva, indolente, que vivia enclausurada em casa, gerava inúmeras crianças e abusava dos escravos. • A vida urbana no Brasil precisava ser colocada entre parêntesis durante o Império. Há poucas cidades que tinham ar de cidades propriamente ditas: Belém do Pará, Salvador, Rio de Janeiro, Porto Alegre, mas, principalmente, Rio de Janeiro. • As cidades são, em sua maioria, acanhadas, embora enfrentando pressões sociais e econômicas que podem ser aproximadas, se pensarmos em termos de diferenciação de classe e de raça, bem como de uma eminente política urbana que se aproxima cada vez mais de um discursotécnico para querer minar seu caráter propriamente ideológico, classista, racista etc. • De todas as formas, a vida urbana no país do segundo império é traçada por encontros e desencontros entre escravos, trabalhadores livres e pobres, soldados, pequena e grande burguesia e uma elite que mescla fazendeiros num ambiente de classe e estamento. 92 • Até meados do século XIX, enquanto ainda perdura o comércio internacional de escravos, a imigração permanece quase um simples projeto e discurso. Fazendeiros de café ou de cana não tinham interesse algum em fomentar a mão de obra assalariada como base para suas empresas e continuavam a empregar maciçamente escravos. • Um contingente cada vez maior de imigrantes ajudava a construir o país. Ao longo de todo o século XIX (e inclusive durante as primeiras décadas do século XX), o país foi destino de europeus que viam no Brasil uma opção às dificuldades sociais profundas pelas quais passavam seus países. • Alemães, italianos, poloneses e outros povos chegaram ao Brasil com um status bem diferente daquele desfrutado pelos africanos: não eram escravos, mas sim trabalhadores livres e, em alguns casos, pequenos proprietários rurais. • Nas regiões de colonização europeia do Sul ainda é possível identificar os elementos culturais europeus no cotidiano das comunidades e muitas destas cidades se tornaram dinâmicos centros industriais no século XX. • Houve um importante fluxo de trabalhadores europeus para o Brasil, durante o século XIX, sendo que estes indivíduos tanto vinham trabalhar como assalariados em fazendas como se tornavam pequenos proprietários rurais. 93 AUTOATIVIDADE Pesquise na Internet a Lei de Terras (1850), ou Lei “Eusébio”, e busque discutir a relação existente entre esta lei e a chegada de imigrantes europeus no país. 94 95 TÓPICO 4 O ESFACELAMENTO DO IMPÉRIO UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO 2 VENTOS REVOLUCIONÁRIOS E REPUBLICANOS Neste tópico estudaremos a respeito da queda da monarquia, bem como sobre o desenvolvimento das ideias republicanas. Durante o século XIX, o Ocidente foi sacudido por uma série de agitações sociais e políticas, resultantes do mundo industrializado que se expandia, criando situações inusitadas e desigualdades sociais e econômicas com novos contornos. Uma das ideias típicas desta conjuntura, e que se difundiu também no Brasil, foi o republicanismo. A ideia republicana está alicerçada na defesa dos interesses públicos, na satisfação dos interesses dos indivíduos, sem os privilégios nobiliárquicos que caracterizam os regimes monarquistas. FONTE: Alencastro (1997, p. 231) FIGURA 22 – ÚLTIMA FOTO DA FAMÍLIA IMPERIAL BRASILEIRA ANTES DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA 96 UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS No Brasil, as agitações republicanas ainda estavam ligadas ao abolicionismo, criando uma situação de insatisfação tanto em relação aos escravismos quanto à monarquia. A Coroa, por sua vez, passava a desagradar também os proprietários de escravos, que além de ver sua mão de obra principal ser retirada de sua tutela, não recebiam indenizações pelo que acreditavam ser sua propriedade, no caso os escravos. Já havia precedentes para o questionamento da monarquia, materializados nas várias revoltas que tiveram o país como palco. Desde a Inconfidência Mineira, passando pela Revolução Pernambucana de 1817, ou ainda a Confederação do Equador ou a Revolução Farroupilha, são exemplos de movimentos que tinham em seu ideário ideias republicanas. A insatisfação com a monarquia foi apresentada em panfletos como o Manifesto Republicano, publicado num jornal sugestivamente intitulado “A República”, que defendia o federalismo, a extinção do cargo de senador vitalício e a separação entre a Igreja e o Estado. Também foram organizados partidos que defendiam a ideia, sendo o mais conhecido o Partido Republicano Paulista, que contou com a adesão dos grandes produtores de café de São Paulo. 2.1 OS CLUBES E OS POLEMISTAS REPUBLICANOS Polemistas liberais, como Rangel Pestana, viram suas ideias difundirem-se pela sociedade após a publicação do Manifesto Republicano, inspirando a criação de associações que defendiam ideias republicanas, conhecidas como Clubes Republicanos. Estes clubes foram comuns no Estado de São Paulo, principalmente nos municípios de Sorocaba, Jundiaí, Piracicaba e Itu. Os republicanos realizaram em 1873, na cidade de Itu, a primeira convenção republicana do país, criando o Partido Republicano Paulista. Eram 133 convencionais, sendo 78 cafeicultores e 55 de outras profissões. Esta reunião ficou conhecida como Convenção de Itu e congregou intelectuais, produtores de café e militares partidários da República. Desta convenção participaram figuras que fariam parte do regime que seria instalado em 1889, como Américo de Campos, Bernardino de Campos, Campos Sales e Prudente de Morais, que seria Presidente da República anos mais tarde. TÓPICO 4 | O ESFACELAMENTO DO IMPÉRIO 97 3 OS MILITARES, GUERRA E POLÍTICA FONTE: Disponível em: <http://www.senado.gov.br/comunica/historia/conven.htm>. Acesso em: 18 fev. 2008. A Guerra do Paraguai foi um momento crucial para a formação do Exército brasileiro. Antes desta campanha existia uma força pública que não estava organizada e comandada nacionalmente, a Guarda Nacional. Durante a guerra, o Exército se constitui como uma força política. De um lado, as batalhas forjaram uma identidade para o Exército, dotando-o de autoridade. Ao longo da guerra, os militares brasileiros também tiveram contato com outros países, cujas ideias republicanas organizavam a sociedade, e os militares passaram a possuir um espaço político mais largo do que o ocupado pelos militares brasileiros. Estabeleceu-se uma relação tensa entre militares e a Coroa, sendo que alguns deles foram punidos, como no caso dos coronéis Sena Madureira e Cunha Matos, que haviam se manifestado publicamente contra decisões do Império. Estes conflitos envenenaram ainda mais a opinião dos militares contra a monarquia, e as ideias republicanas prosperaram nas casernas, através de figuras como Benjamin Constant, um positivista que participou dos debates públicos da época, defensor fervoroso da causa republicana. Um ponto importante da constituição do Exército em força política foi a criação do Clube Militar, em 1887. Este clube representaria os militares daquele momento em diante, e foi um passo fundamental para que o Exército Brasileiro tivesse um papel decisivo na queda da monarquia brasileira. FIGURA 23 – CONVENÇÃO DE ITU 98 UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS 4 A QUEDA DA MONARQUIA A insatisfação com a monarquia era patente no final da década de 1880. Militares, grandes proprietários rurais e o clero estavam em franca discordância com os rumos tomados pelo país. Num último esforço para manter o regime de pé, D. Pedro II nomeia o Visconde de Ouro Preto presidente do Conselho de Ministros, incumbido de realizar algumas reformas exigidas pelas forças sociais e políticas descontentes com a Coroa. Estas reformas giravam em torno de velhas demandas republicanas, como o federalismo, manifesto em maior autonomia das províncias; a extensão do direito de voto, fundamental para montar uma estrutura política permeável aos múltiplos interesses de diversos grupos sociais; e ainda o fim do senado vitalício, símbolo dos privilégios hereditários típicos de regimes monárquicos. Como o Parlamento rejeitou o projeto de Ouro Preto, o Imperador fechou a casa legislativa do Brasil. Este ato gerou uma série de manifestações públicas de repúdio, que tiveram nos militares seus mais entusiastas aderentes. Um evento simboliza muito bem este conflito, que envolveu um regime político que estava por desaparecer no Brasil: o Baile da Ilha Fiscal.A Coroa organizou este baile em 9 de novembro de 1889, sendo que a opulência marcou a decoração da festa, até o cardápio da janta que foi servida aos convidados. Compareceu ao baile toda a família imperial, além de políticos e militares alinhados com a monarquia. FONTE: Alencastro (1997, p. 359) FIGURA 24 – CARDÁPIO DO BAILE DA ILHA FISCAL TÓPICO 4 | O ESFACELAMENTO DO IMPÉRIO 99 LEITURA COMPLEMENTAR A saída de D. Pedro foi descrita de forma contraditória. Dizem alguns biógrafos que o povo correu ao porto a fim de dar seu último adeus ao Alagoas, que partia com a antiga bandeira da Coroa imperial. Tais relatos, que transformam a expulsão em uma “festa de despedida”, destoam, porém, das crônicas da época. Raul Pompeia, em página melancólica, descreve os últimos momentos do imperador no Brasil de modo bastante distinto: Uma noite histórica (Do alto da janela do Largo do Paço). Às três da madrugada de domingo, enquanto a cidade dormia tranquilizada pela vigilância tremenda do Governo Provisório, foi o Largo do Paço teatro de uma cena extraordinária, presenciada por poucos, tão grandiosa no seu sentido e tão pungente, quanto foi simples e breve. Obedecendo à dolorosa imposição das circunstâncias […] o governo teve necessidade de isolar o Paço da cidade, vedando qualquer comunicação do interior com a vida da capital. Muitos personagens do Império e diversas famílias, ligadas por aproximação do afeto à família imperial, apresentaram-se a falar ao Imperador e aos seus augustos parentes, retrocedendo com o desgosto de uma tentativa perdida […]. Quando anoiteceu foi fechado o trânsito pelas ruas que o rodeiam […]. Um boato oficial […] espalhara a notícia de que o Sr. D. Pedro de Alcântara (que se sabia dever embarcar para a Europa em consequência da revolução do dia 15) só iria para bordo no domingo de manhã […]. Pobre D. Pedro! Em homenagem à severidade da determinação do governo revolucionário, ninguém queria ter sido testemunha da misteriosa eliminação de um soberano […]. Às três horas da madrugada, menos alguns minutos entrou pela praça um rumor de carruagem. Para as bandas do paço houve um ruidoso tumulto de armas e cavalos. As patrulhas que passeavam de ronda reiteravam-se todas a ocupar as estradas do largo, pelo meio do qual, através das árvores, iluminando sinistramente a solidão, perfilavam-se os postes melancólicos dos lampiões de gás. Apareceu então o préstito dos exilados. 100 UNIDADE 2 | A CONSOLIDAÇÃO DE UM IMPÉRIO NOS TRÓPICOS Nada mais triste. Um coche negro, puxado a passo por dois cavalos, que se adiantavam de cabeça baixa, como se dormissem andando. À frente, duas senhoras de negro, a pé, cobertas de véus, como a buscar caminho para o triste veículo. Fechando a marcha um grupo de cavaleiros, que a perspectiva noturna detalhava em negro perfil […]. Quase na extremidade do molhe o carro parou e o Sr. D. Pedro de Alcântara apeou-se – um vulto indistinto entre outros vultos – para pisar pela última vez a terra pátria […]. O embarque foi rápido. Dentro de poucos minutos ouvia-se um ligeiro apito, ecoava no mar o rumo igual da hélice da lancha; reaparecia o clarão da iluminação interior do barco; e, sem que se pudesse distinguir nem um só passageiro, a toda a força de vapor, o ruído da hélice e o clarão vermelho afastavam-se da terra. FONTE: Pompeia (apud SCHWARCZ, p. 465-466) 101 RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico você estudou que: • Influenciado pela conjuntura internacional, o Brasil assiste, no século XIX, à proliferação de ideias republicanas entre determinados setores sociais, que passam a se organizar em associações. • A monarquia entrou em conflito com vários setores sociais, conseguindo granjear a antipatia dos militares, do clero e dos cafeicultores escravagistas. • O exército brasileiro constitui-se como grupo coeso durante a Guerra do Paraguai e desempenhou um importante papel na derrubada da Monarquia e na construção da República no Brasil. • A proclamação da República não teve participação da população, tendo sido um movimento praticamente encaminhado por elites, especialmente a militar. 102 AUTOATIVIDADE 1 Identifique os principais setores sociais que se opuseram ao Império nos seus últimos anos, pensando que tipo de conflito permeou a relação de cada setor com a Coroa do Brasil. 2 As agitações republicanas ficaram restritas a setores da elite da sociedade brasileira do final do século XIX. Descubra quais foram estes setores, suas estratégias de atuação política e a relação que mantiveram com a causa abolicionista. 103 UNIDADE 3 HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade você será capaz de: • compreender a historiografia sobre o Brasil Imperial; • discutir as relações entre historiografia, história e ensino de história refe- rente ao Brasil Imperial. Esta unidade de estudos está dividida em quatro tópicos e em cada um deles você encontrará atividades que o(a) ajudarão a compreender os conteúdos apresentados. TÓPICO 1 – UM POUCO DE HISTORIOGRAFIA TÓPICO 2 – INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) TÓPICO 3 – HISTORIOGRAFIA RECENTE TÓPICO 4 – ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL IMPERIAL 104 105 TÓPICO 1 UM POUCO DE HISTORIOGRAFIA UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Podemos pensar na História como uma disciplina acadêmica que procura construir uma narrativa sobre o passado, no sentido de torná-la compreensível aos contemporâneos. Assim, deve ficar claro que a História em si não é o passado, mas sim um texto sobre o passado. O tempo passado está encerrado em seu momento, e nós somos capazes apenas de acessar alguns fragmentos que resistiram ao tempo. Construir a História é encadear estes fragmentos de forma coerente e organizada, tentando compreender os eventos do passado nos termos em que eles foram concebidos pelas pessoas que deles participaram. Tarefa pretensiosa e fadada à incompletude, tratar historiograficamente do passado nos obriga também a separar este discurso da memória. Todos têm uma memória construída através dos contatos com o mundo, que acompanham relatos sobre fatos e acontecimentos. Mas a memória é algo muito particular, muitas vezes, cortada por desejos, angústias e vontades. Assim, nossa memória distingue-se da História, que deve ser organizada racionalmente. Em algumas situações, como quando tratamos do Brasil contemporâneo, temos que construir a História de um tempo que vivemos, que experimentamos. É nestes momentos que o afastamento e o controle da nossa memória são mais necessários. Quando tratamos da História do Brasil, lidamos com nossa memória, no sentido de que estamos nos referindo a um dos pilares da nossa identidade. A História, em que fundamos nosso passado comum, é um dos elementos que constitui a nossa ideia de sermos “brasileiros”. Assim, nossa primeira tarefa é pensar a forma como contamos esta História (LOSSO, 2008, p. 3-5). UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL 106 2 A INVENÇÃO DO BRASIL 3 PERIODIZANDO A HISTÓRIA DO BRASIL É correto afirmar que o Brasil foi inventado. Mais coerente que imaginá- lo “descoberto” (LOSSO, 2008, p. 3). A ideia de Brasil, realmente, começa a tomar forma no final do século XVII, e vai ser elaborada das mais diversas formas ao longo do século XIX, com o evidente e fundamental estímulo dos eventos que marcam o fim da Colônia Portuguesa e a construção do Império do Brasil. O território que hoje conhecemos como Brasil foi definido no século XIX, e o processo de construção da identidade nacional seria um processo lento, que se estenderia ainda ao longo do século XX. Uma das formas de construir uma ideia do Brasil, além de seu território, porexemplo, é periodizar sua História. O historiador, quando seleciona os elementos que farão parte de sua narrativa, já está fazendo opções e a forma de periodizar esta História indica a maneira como é compreendida a existência do país. Thiago Losso (2008, p. 4) observa que: o uso e a importância atribuídos às datas é algo ainda debatido entre historiadores. A História, quando se constitui em disciplina acadêmica, teve na datação uma das formas mais eficazes de conferir autoridade ao que afirmava. As datas eram tratadas como o elemento que dotava de cientificidade e autenticidade a narrativa sobre o passado. Depois de muitas críticas e da emergência de formas distintas de construção da História, as datas deixaram de ocupar este lugar central nas narrativas historiográficas, quando a historiografia passa a priorizar a reflexão sobre os eventos, buscando sua compreensão. 107 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico você viu que: • Pode-se pensar na História como uma disciplina acadêmica que procura construir uma narrativa sobre o passado, no sentido de torná-lo compreensível aos contemporâneos. • Deve ficar claro que a História em si não é o passado, mas sim um texto sobre o passado. • Construir a História é encadear estes fragmentos de forma coerente e organizada, tentando compreender os eventos do passado nos termos em que eles foram concebidos pelas pessoas que deles participaram. • A memória é algo muito particular, muitas vezes, cortada por desejos, angústias e vontades. Assim, nossa memória distingue-se da História, que deve ser organizada racionalmente. • A ideia de Brasil, realmente, começa a tomar forma no final do século XVII e vai ser elaborada das mais diversas formas ao longo do século XIX, com o evidente e fundamental estímulo dos eventos que marcam o fim da Colônia Portuguesa e a construção do Império do Brasil. • O uso e a importância atribuídos às datas é algo ainda debatido entre historiadores. 108 AUTOATIVIDADE Disserte sobre a concepção de história como ciência e possíveis formas de articular a ideia de presente com o passado, a partir da discussão sobre a invenção ou o descobrimento do Brasil. 109 TÓPICO 2 INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Lilia Schwarcz comenta que vários historiadores têm procurado entender a originalidade da monarquia brasileira vinculando-a à chegada da família real ao Brasil em 1808. (SCHWARCZ, 2000, p. 35). De fato, a monarquia brasileira é sui generis e, desde que a área de conhecimento da História estabeleceu a disciplina de História do Brasil como um eixo de pesquisa, tanto em nível acadêmico como fora dele, esse campo que compreende todo o século XIX é um dos mais promissores. A formação do país como nação emerge desse momento. Emerge, também, todo um arcabouço político, administrativo e burocrático que deixou inúmeros registros para a atividade de História, tanto no que diz respeito ao ensino, quanto à pesquisa. Nesse sentido é que a fuga da família real de Portugal para o Brasil representou não um acidente fortuito, mas antes um momento angular da história nacional e de um processo singular de emancipação. (DIAS apud SCHWARCZ, 2000, p. 35). Há um país emergente do século XIX, todos os problemas e vantagens do período em termos de estabelecimento de explicações e narrativas históricas e historiográficas. Em outros termos, se o país se construía como nação, carecia de História, ao mesmo tempo em que a própria História, como campo do conhecimento, começava a ser estabelecida a partir de diversas forças produtoras desse mesmo conhecimento, que, no século XIX, advém de posturas liberais, positivistas, culturalistas, economicistas ou marxistas. Se o século XIX vê surgir a História como ciência, também devemos, então, pensar o estabelecimento de uma historiografia brasileira ligada a diferentes vertentes desse campo de conhecimento, que acabou sendo padronizada, num primeiro instante, pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1838. O Artigo 1º do Estatuto de 1838 estabelecia como objetivos desse instituto que eram “coligir, metodizar, publicar ou arquivar os documentos necessários para a História e a Geografia do Brasil”. (IHGB, 2010). O IHGB, em sessão de 25 de novembro de 1838, elegeu seu primeiro conselho ou diretoria, constituído pelo Presidente, Visconde de São Leopoldo, pelo Vice-Presidente e Diretor da Seção de Geografia, Marechal Cunha Matos, pelo Vice-Presidente e Diretor da Seção de História, Cândido José de Araújo Viana, pelo 1º Secretário (perpétuo) e Diretor da Comissão de Estatutos, Redação da Revista, 110 UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL Biblioteca e Arquivo, Cônego Januário da Cunha Barbosa, pelo 2º Secretário, Dr. Emílio Joaquim da Silva Maia, pelo Orador, Major Pedro d’Alcântara Bellegarde, pelo Tesoureiro e Diretor da Comissão de Fundos, José Lino de Moura. Grande parte dos membros fundadores do IHGB já tinha transitado em instituições congêneres na Europa e tratou de estabelecer o mesmo modelo de atuação do órgão fundado no país em 1838. Concepção positivista, pragmática e utilitária da História, mas também necessária e fundamental para a manutenção e para a construção do conhecimento histórico no país, a proposta de atuação do IHGB deixou profundas marcas na historiografia nacional, as quais, muitas vezes, estão impregnadas principalmente em livros didáticos e manuais de História. Entre os principais movimentos organizados pelo instituto, ainda na metade do século XIX, aparece a proposição de uma forma homogênea de construção da história do Brasil. Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) elaborou uma monografia intitulada Como se deve escrever a história do Brasil, em 1845, que acabou cristalizando algumas concepções que serão repetidas no futuro, tais como o balizamento da fundação do Brasil a partir da mistura de três raças (negros, indígenas e europeus). 2 O IHGB E O SÉCULO XIX Portanto, é no próprio século XIX que surgem as primeiras interpretações sobre o Brasil no sentido de uma história da nação. É claro que os alicerces do Brasil deveriam estribar-se, especialmente, na História, uma vez que esse campo do conhecimento, no século XIX, estava intimamente ligado com as macroexplicações da origem do país, com base em fatos e datas importantes que pudessem orientar moral e pragmaticamente o país para o futuro. Assim sendo, a História servia para vários fins: o primeiro, promover a separação entre o novo país e a antiga metrópole, embora isso não significasse negar o passado europeu do novo Brasil, uma vez que isso lhe conferia algumas vantagens, ainda mais numa era de racionalização e cientifização do racismo, que atribuía a populações autóctones o atraso e os problemas de desenvolvimento da nação. A instituição do IHGB em 1838, seguida da maioridade de D. Pedro II em 1840, acabou por concentrar uma discussão interessante sobre o passado do país, e sobre sua juventude no rol das nações modernas da época. Uma das questões que passariam a habitar a agenda desse instituto versava sobre o significado de ser brasileiro, ou se quem nascesse no novo país deveria ser chamado de brasiliano, brasileiro ou brasiliense. É claro que essas prerrogativas de nascimento não incluíam negros e seus descendentes, uma vez que a própria Constituição de 1824 considerava brasileiros todos os portugueses que permaneceram no país após a independência e tivessem aderido à “causa do Brasil”, além de homens livres nascidos no país. TÓPICO 2 | INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) 111 O país passava, portanto, pela construção de uma comunidade imaginada, e precisava afirmar a sua unidade como civilização branca e europeia. Nesse sentidoé que o IHGB tratou de patrocinar e apoiar sobremaneira pesquisas de caráter arqueológico, com vistas a explicar e fornecer subsídios para a questão da identidade e de um projeto de futuro. A construção do passado da nação foi saudada da seguinte maneira na Revista do IHGB em 1839: “As associações congêneres da Europa e da América saudaram jubilosas a chegada da nova companheira (o IHGB), que, qual robusta indígena das florestas brazileiras se apresentava garrida e bem disposta para a rude missão de trabalhar pelo engrandecimento de sua tribu” (REVISTA DO IHGB, 2010). FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5b/ IHGB_revista_1889.jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. FIGURA 25 – EXEMPLAR DA REVISTA TRIMENSAL DO IHGB, 1889 O IHGB trata, então, de lançar um concurso, em 1840, que premiaria a melhor escrita da História do Brasil. Quem venceu o pleito foi o naturalista alemão Karl F. P. von Martius, com a monografia “Como se deve escrever a história do Brasil”, que foi escrito em Munique no ano de 1843, e acabou sendo publicado na Revista Trimestral do IHGB em 1845 (REVISTA DO IHGB, 2010). 112 UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/thumb/4/47/CFPhVonMartius.jpg/250px-CFPhVonMartius. jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. Mas o grande historiador do século XIX, ou melhor, o primeiro historiador que trabalhou sistematicamente com a História do Brasil foi Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878). Segundo José Honório Rodrigues (2008, p. 151), esse historiador sobrepujou em sua época todos os seus contemporâneos: Varnhagen escreveu História Geral do Brasil entre 1854 e 1857, coincidentemente na forma não de capítulos, mas sim de doutrinas, que se revelou no primeiro esforço de uma história total do país desde o descobrimento até sua época. Mas há outros livros importantes em sua trajetória, tais como História dos Holandeses no Brasil, e História da Independência, ambos representaram, em sua época, um novo avanço historiográfico e uma nova aquisição da consciência nacional. FIGURA 26 – KARL FRIEDRICH PHILIPP VON MARTIUS (1794-1868) Von Martius doutorou-se aos 20 anos em medicina pela Universidade Fredericus Alexander. Acabou interessando-se por botânica e ingressou numa expedição para o Brasil em 1817, com vistas a explorar a flora da América Portuguesa. Devemos lembrar que esse mesmo período é o da estruturação das ciências naturais, especialmente da Botânica e da Geografia. Ao lado do zoólogo Johan Baptiste von Spix, percorreu várias regiões do território brasileiro recolhendo informações sobre fauna, flora e sociedade. A principal obra de Von Martius acabou sendo a Flora brasiliensis, que é referência até hoje. TÓPICO 2 | INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) 113 FONTE: O autor FIGURA 27 – FAC-SÍMILE DO ÍNDICE DE HISTÓRIA GERAL DO BRASIL, DE FRANCISCO DE VARNHAGEN [mimeo.] Na História Geral do Brasil, é importante ressaltar que Varnhagen escapa à narrativa somente presa ao rol dos governantes, capitães-mores, generais e bispos, e trata de incluir outros pontos de vista que não apenas o de uma história política e factual. Ele escreve seus textos em plena defesa de D. Pedro I, e D. Pedro II, seu mecenas, mas principalmente para atacar uma história escrita que fazia 114 UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL severas críticas ao “absolutismo do primeiro imperador”, concepção esta calcada na história brasileira da época a partir dos textos de José Bonifácio de Andrada e Silva e de seus seguidores. Todos os seus textos acabaram tornando-se histórias oficiais do Brasil, imaginado por ele como uma reinvenção da Europa nas Américas, por meio de um critério específico no qual Portugal deixou sementes na terra americana, que frutificaram na forma de Brasil. É claro que decorre disso uma animosidade e um desprezo sobre os indígenas, sobre seu papel na construção da nacionalidade, além de determinados vazios temáticos na obra. Contudo, se isso representa risco e crítica, apresenta também vantagens, na medida em que o autor pode apropriar-se de uma gama diversificada de documentos para o seu trabalho. FONTE: Rodrigues (2008, p. 155) FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4d/ Francisco_Adolfo_de_Varnhagen.jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. Veja o que Rodrigues (2008, p. 173) fala acerca de Francisco Adolfo de Varnhagen: Nós o admiramos, isto é, nos maravilhamos de sua capacidade de incorporar essa vasta matéria informe, num contexto integrado, pela primeira vez realizado por historiador nacional. Sua consciência erudita – das mais eruditas que o país produziu, marcou sua obra. Em 1850, quando escrevia sua História Geral, ele enviou ao Instituto FIGURA 28 – FRANCISCO ADOLFO DE VARNHAGEN (1816-1878) TÓPICO 2 | INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) 115 Histórico uma carta em que esta consciência se define bem. “Para ajuizar os fatos é necessário que o historiador tenha erudição no assunto, crítica histórica, independência de caráter, luzes gerais dos conhecimentos humanos e consciência.” Responsabilidade e consciência ele as tinha; que a consciência não fosse tão imparcial quanto ele pensava não importa. Era um historiador comprometido, como somos todos. Varnhagen justificou com mão de ferro o domínio colonial, a submissão do povo, os direitos da minoria mais dominante que criadora, sem cuidar que o grande problema no Brasil é assegurar os direitos da maioria. Sua obra é ciclópica pelo esforço, pela perseverança, pela erudição, pelo conhecimento revelador. Acompanham Varnhagen, na esteira dos pioneiros da história do Brasil, Capistrano de Abreu (1853-1927), mas também Rodolfo Garcia (1873-1949) e Afonso Taunay (1876-1958). José Honório Rodrigues afirma que Garcia, Capistrano de Abreu e Varnhagen formam uma trindade da historiografia brasileira, por terem proposto técnicas de estudo, metodologias de pesquisa, descoberto e catalogado documentos, e terem aplicado ciência ao conhecimento histórico. (RODRIGUES, 2008). FONTE: Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/ thumb/b/be/Capistrano_de_Abreu.jpg/150px-Capistrano_de_Abreu.jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. Capistrano de Abreu, se não tem a vastidão de Varnhagen, tem uma apurada percepção psicológica, com extraordinária capacidade teórica, influenciando gerações futuras de historiadores. Rodolfo Garcia acabou sendo discípulo de Capistrano de Abreu, descobrindo a autoria de diversos documentos FIGURA 29 – JOÃO CAPISTRANO DE ABREU (1853-1927) 116 UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL históricos brasileiros considerados importantes para a história nacional. Essa prática já havia sido adotada por Capistrano, que tinha trabalhado com alguns documentos jamais utilizados antes por quaisquer historiadores brasileiros, tais como os autos dos processos da inquisição na América Portuguesa. Enquanto Capistrano de Abreu dava um trato bastante sociológico a seus trabalhos, Garcia parecia nem acreditar na existência da sociologia (RODRIGUES, 2008, p. 180). Rodolfo Garcia publicou Dicionário de Brasileirismos (1915), Nomes de Aves em língua tupi (1929), Glossário das palavras e frases da língua tupi (1932), Doutrina Cristã na Língua Brasílica da Nação Kariri (1942), além de Nomes Geográficos Peculiares ao Brasil e Bibliografia de Geografia do Brasil (1921). Rodrigues (2008, p. 181) afirma que, “[...] para Rodolfo Garcia, o Brasil foi mais conservador do que Portugal”. E para isso apontou como causa o afrancesamento da língua portuguesa em Portugal, devido não só às missões francesas, como às influências da literatura francesa, enquanto que o Brasil, com os seus portos fechados ao comércio,até 1808, conservou-se quase imune a outras influências que não fossem a Mãe Pátria. FONTE: Disponível em: <http://www.cearamirim.com/rodolfogarcia1- custom-size-240-300.jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. Se no final do século XIX, a história do Brasil caminhava, ainda, para uma escrita que privilegiava o litoral, é devido a influências como a de Frederick Jackson Turner (1861-1932) que Capistrano de Abreu, ao escrever Capítulos de História Colonial (lançado em 1907), alteraria profundamente o olhar brasileiro, deslocando-o para o interior. Contudo, o próprio Capistrano de Abreu declarava que ainda não dispunha de textos que dessem conta de uma escrita da história das bandeiras. Coube a Afonso Taunay essa escrita. Em História Geral das Bandeiras, FIGURA 30 – RODOLFO GARCIA (1873-1949) TÓPICO 2 | INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) 117 FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/_5w7Fz_h2xQg/ SSLRnCp_UxI/AAAAAAAADvM/4Y_oyu0oJRs/s200/Afonso_d%E2%80% 99Escragnolle_Taunay.gif>. Acesso em: 1 ago. 2010. Entre Capistrano de Abreu e Taunay, Rodrigues (2008, p. 195) sintetiza que: Cada geração deve escrever a história sob o impulso do presente, para que melhor o possamos captar e adquirir. Uma maior intimidade com a antropologia, por exemplo, ter-lhe ia [Taunay] evitado o reparo de Roquete Pinto, ao recebê-lo na Academia Brasileira de Letras: não sabia se ele fora bem inspirado consagrando, no primeiro volume de sua História das Bandeiras, um capítulo ao que chamava “arianização progressiva dos paulistas”, porque a antropologia ensina que o sangue ariano é uma utopia. Em segundo lugar convém lembrar que Taunay desobedeceu a um dos princípios mais rigorosos da história, ao transcrever os documentos sem indicar exatamente de onde os transcreve. Ele sempre cita a fonte, mas descuida-se de precisar exatamente onde se encontra ou donde foi transcrita. Ao correr das transcrições, interrompidas por digressões nem sempre correspondentes, Taunay cita no próprio texto, sem enumerar a cota do documento arquival ou o volume e página da revista ou livro. Os pesquisadores e estudiosos precisam reler o documento citado. Não foi Taunay o único que pecou deste pecado. Capistrano de Abreu, nos Capítulos de História Colonial, a mais perfeita síntese de nossa história, embora citando, deixou de indicar a procedência de fontes e livros. Como Capistrano, Taunay não tinha dúvida sobre a necessidade imprescindível de obedecer a esta regra metodológica. FIGURA 31 – AFONSO D’SECRAGNOLLE TAUNAY (1876-1958) esse escritor acabou por despontar no cenário da historiografia nacional. Entre 1924 e 1930, Taunay publicou os primeiros 6 volumes de sua História Geral das Bandeiras Paulistas. Em 1936 saía o sétimo volume e, em 1946, 1948, 1949 e 1950, os quatro últimos (RODRIGUES, 2008). 118 UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL Se Varnhagen afirmava, em sua História Geral do Brasil, que: [...] a história dos primeiros anos do Império não a poderemos nós por enquanto escrever tão conscienciosamente quanto o desejávamos; não só porque as contemplações e resguardos que se devem aos vivos pediriam uma redação que não ataria, vem com a imparcialidade que guardamos do passado, como poder os documentos e correspondências dos estadistas que nessa época figuravam só agora começam a ser dados ao prelo”. (RODRIGUES, 2008, p. 161). A situação recente sobre a independência, sobre os primeiros anos do Brasil império e sobre o império até sua queda mudou drasticamente de figura. Já Capistrano de Abreu se encaixa no que Laura de Mello e Souza chama de ensaístas formativos do Brasil, que vão de 1907 a 1936. No caso de Capítulos de História Colonial, desse autor, é interessante destacar que o escritor descobriu a autoria de vários documentos, enfatizou a formação do país a partir de uma leitura da cultura material e argumentou que o ambiente específico e adverso do país teria moldado o brasileiro comum. Seu livro acabou sendo uma obra na qual a ênfase era dada aos “[...] homens capazes de penetrar todos os sertões durante anos a fio não tendo outro sustento senão caças do mato, bichos, cobras, lagartos, frutas bravas e raízes de vários paus”. (SOUZA apud FREITAS, 1998, p. 30). No período republicano, opera-se um evento interessante que é a relativa negação ou ridicularização do período do reinado de D. Pedro I, numa tentativa de desconstrução de suas ações para favorecer a construção da república como elemento aglutinador da nacionalidade. De qualquer forma, alguns autores apresentam-se pessimistas e antiufanistas, ao contrário de escritores do final do século XIX que se orgulhavam do Brasil e do império que foi capaz de construir. FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_2Mp2pOYiP_Y/SVuEMl4il7I/A AAAAAAAAKQ/UacfaLk9yOw/s400/paulo-prado.jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. FIGURA 32 – PAULO PRADO AO CENTRO DA IMAGEM TÓPICO 2 | INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) 119 Retratos do Brasil (1928), de Paulo Prado, é um exemplo desse modo de escrita e entendimento da história nacional. Sua escrita tinha um caráter eminentemente cultural, com uma tipologia que qualificava a história e o desenvolvimento da sociedade a partir de sentimentos. Para Paulo Prado, a história do país se dividia na transição de uma época de luxúria, marca dos primeiros anos, passando para a fase da cobiça a partir do estabelecimento de atividades econômicas e expansão territorial, chegando na tristeza e no romantismo, que é a marca da decadência luso-brasileira. Devemos lembrar em todo momento que Paulo Prado escreve na mesma época em que Mário de Andrade lança Macunaíma, obra, por sua vez, dedicada a Paulo Prado. Para ambos, e para o modernismo que se assenta na década de 1920, o Brasil é uma grande terra de delinquentes, o degredo e o purgatório por excelência, do português transplantado. Entre as vantagens oferecidas pela obra de Prado estão as fontes apresentadas, muitas delas organizadas por Capistrano de Abreu. Obra que modifica o panorama da escrita da história no Brasil, arrancando-a definitivamente de uma cientifização demasiada, em termos realistas do século XIX, para uma esfera de história cultural, em consonância com outras partes do mundo, é a obra Casa-Grande e Senzala, que Gilberto Freyre lança em 1933. FONTE: Disponível em: <http://www.nordesteweb.com/not07_0904/20 040710Gilberto_Freyre.jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. O livro problematizava a filiação dos brasileiros a um país arcaico e foi revolucionário em termos de inovação documental e temática que acabou sendo seguida por outras duas de porte similar: Sobrados e Mucambos (1936) e Nordeste (1937). Gilberto Freyre usou, nessa escrita de história, documentos como anúncios de jornais, diários particulares, correspondências familiares, escritos de viajantes, FIGURA 33 – GILBERTO FREYRE (1900-1987) 120 UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL livros de receita de cozinha, fotografias e outras imagens, cantigas de roda e informações folclóricas e uma larga tradição oral. O que diferencia Casa-Grande e Senzala de outras obras é a inovação metodológica, que parte de um critério de diferenciação entre raça e cultura, e que tira a capacidade de a categoria “raça” ser capaz de explicar alguma coisa em termos históricos no desenvolvimento do Brasil. É claro que a esse avanço, Freyre opunha outras informações contraditórias em sua análise. Uma delas é a ideia de que a exploração econômica violenta e iníqua, que imperou no Brasil, teria sido atenuada pela mestiçagem, que serviu, em última instância, para “diminuir” as distâncias entre a casa senhorial e a senzala. Nesse sentido, foi o primeiro autor, contudo, a atribuir uma positividade à mestiçagem. O início de uma história culturalmadura e rigorosa, do ponto de vista teórico-metodológico, vem com a afinidade teórica com a moderna historiografia francesa e alemã, e com a combinação de História, Antropologia e Sociologia nas obras de Fernando de Azevedo e Sérgio Buarque de Holanda. FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_VVxjHzA2hQ4 / SCmQBQVdL_I/AAAAAAAAAIw/9XiClu6U2NE/s320/Fernando+de+ Azevedo.gif>. Acesso em: 1 ago. 2010. O primeiro lançou, em 1943, A Cultura Brasileira, onde se percebe a decadência do tom ensaístico e fluido dos anos 1930 em contraponto a uma abordagem mais precisa da problemática das relações entre História e Cultura na formação do Brasil. (SOUZA apud FREITAS, 1998). Sérgio Buarque de Holanda aprimora esse produto, lançando Monções (1945), Caminhos e Fronteiras (1957) e Visão do Paraíso (1959), também em escape definitivo do seu primeiro livro de impacto, Raízes do Brasil, de 1936. FIGURA 34 – FERNANDO DE AZEVEDO (1894-1974) TÓPICO 2 | INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) 121 FONTE: Disponível em: <http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2002/jusp601/ilustras/ilustra 1011.jpg>. Acesso em: 1 ago. 2010. Entre as décadas de 1940 e 1970, diversas produções tiveram lugar na historiografia brasileira principalmente aquelas ligadas à economia, e partindo de uma perspectiva marxista, que caiu em desuso a partir do golpe militar de 1964. FIGURA 35 – SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA (1902-1982) 122 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico você estudou que: • Quando tratamos da História do Brasil, lidamos com nossa memória, no sentido de que estamos nos referindo a um dos pilares da nossa identidade. • É correto afirmar que o Brasil foi inventado; mais coerente que imaginá-lo “descoberto”. • Uma das formas de construir uma ideia do Brasil, além de seu território, por exemplo, é periodizar sua História. • A monarquia brasileira é sui generis e desde que a área de conhecimento da História estabeleceu a disciplina de História do Brasil como um eixo de pesquisa, tanto em nível acadêmico como fora dele, esse campo que compreende todo o século XIX é um dos mais promissores. • Se o século XIX vê surgir a História como ciência, também devemos, então, pensar o estabelecimento de uma historiografia brasileira ligada a diferentes vertentes desse campo de conhecimento, que acabou sendo padronizada, num primeiro instante, pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), fundado em 1838. • Entre os principais movimentos organizados pelo instituto, ainda na metade do século XIX, aparece a proposição de uma forma homogênea de construção da história do Brasil. • O grande historiador do século XIX, ou melhor, o primeiro historiador que trabalhou sistematicamente com a História do Brasil foi Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878). • Acompanham Varnhagen na esteira dos pioneiros da história do Brasil, Capistrano de Abreu (1853-1927), Rodolfo Garcia (1873-1949) e Afonso Taunay (1876-1958). • No período republicano, operou-se um evento interessante que foi a relativa negação ou ridicularização do período do reinado de D. Pedro I, numa tentativa de desconstrução de suas ações para favorecer a construção da república como elemento aglutinador da nacionalidade. 123 • Obra que modifica o panorama da escrita da história no Brasil, arrancando-a definitivamente de uma cientifização demasiada em termos realistas do século XIX para uma esfera de história cultural, em consonância com outras partes do mundo, é a obra Casa-Grande e Senzala, que Gilberto Freyre lança em 1933. • O início de uma história cultural madura e rigorosa, do ponto de vista teórico- metodológico, vem com a afinidade teórica com a moderna historiografia francesa e alemã e com a combinação de História, Antropologia e Sociologia nas obras de Fernando de Azevedo e Sérgio Buarque de Holanda. 124 AUTOATIVIDADE Detalhe as diferentes correntes historiográficas acerca do Brasil Império desde a criação do IHGB até a década de 1950. 125 TÓPICO 3 HISTORIOGRAFIA RECENTE UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO João Miguel Teixeira de Godoy, em artigo recente (2009), mapeia a produção nova em termos de historiografia no Brasil. Para ele, assim como para outros especialistas, tais como João Paulo Pimenta (2009), observa-se no país uma crescente diversificação dos estudos e das reflexões sobre a trajetória e as características da produção dos historiadores. Nada melhor do que delimitar, parafraseando Godoy (2009), três momentos importantes dessa nova historiografia acerca do Brasil. Para esse autor a primeira das fases da historiografia brasileira parte da década de 1940, com a produção já citada no tópico anterior. Uma segunda fase desenvolve-se no final dos anos 1970. Trata-se de um momento em que vários estudos de historiografia surgiram elaborados por profissionais universitários: o de Pedro de Alcântara Figueira (1973), de Maria Odila da Silva Dias (1974) sobre Southey; o de José Roberto do Amaral Lapa (1981) “A história em questão”; Maria de Lourdes Mônaco Janotti (1977) sobre João Francisco Lisboa; o de Raquel Glezer (1977) sobre José Honório Rodrigues; o de Carlos Guilherme Mota (1977), “Ideologia da cultura brasileira”; o de Sergio Miceli (1979), “Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945)”, entre outros. Apesar de alguns desses estudos trazerem uma preocupação de caráter mais acadêmico, contendo reflexões metodológicas, por exemplo, predomina certa intenção de pensar o papel e a inserção dos intelectuais na ordem política. (GODOY, 2009, p. 68-69). Godoy ainda descreve uma terceira geração, mais recente ainda, que tem se dedicado ao estudo da historiografia sobre o Brasil. São obras como “Domínios da história”, organizada por Cardoso e Vainfas (1997); “Historiografia brasileira em perspectiva”, organizada por Freitas (2000); o trabalho de Fico e Polito (1992), “A História no Brasil (1980-1989)”, o de Arruda e Tengarrinha (1999), “Historiografia luso-brasileira contemporânea”; o de Iglésias (2000), “Os historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira”, entre inúmeros outros trabalhos, desde artigos publicados em periódicos até a produção estrangeira publicada em volume crescente no Brasil nestes últimos anos” (GODOY, 2009, p. 69). O autor ainda observa que “Nesse momento, diferentemente dos anteriores, percebem-se UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL 126 um debate e uma tentativa de diálogo entre matrizes teóricas e interpretativas distintas que dividem, nem sempre de maneira discreta, a comunidade dos historiadores a respeito do conhecimento histórico e do sentido da trajetória da sociedade brasileira”. (GODOY, 2009, p. 69). Não há fórmulas para se escrever história do Brasil Império na atualidade, mas, sim, inúmeros meios e temas que podem ser explorados na diversidade que ora se apresenta na História como campo de conhecimento. A cultura da natureza e a história ambiental, por exemplo, despontam como áreas de grande interesse na atualidade. Trabalhos como os de José Augusto Drummond, Um Sopro de Destruição (2003), são exemplos desse caminho promissor. Temas como relações de gênero, escravidão, o mundo atlântico conectado no século XIX ainda continuam fortes. Mais ainda, as relações entre História e Saúde, que despontaram a partir de trabalhos de história nova hoje já considerados como clássicos, como é o caso de Cidade Febril (1996), de Sidney Chalhoub. A produção historiográfica atual sobre Brasil Império vem sendo trabalhada especialmente no âmbito da Associação Nacional de História (ANPUH), que tem sede em São Paulo, mas com núcleos em todos os Estados do Brasil e no Distrito Federal. Essa associação organiza a Revista Brasileira de História e o Simpósio Nacional de História, tradicionalmente, a cada doisanos. Os núcleos regionais tratam, em sua maioria, da organização dos encontros regionais e muitos deles já têm revistas especializadas. Além disso, é importante ressaltar que grande parte das universidades, que têm cursos de História, tendem a organizar suas próprias publicações. Assim sendo, é importante considerar, para qualquer pesquisa ou trabalho em sala de aula, o que está sendo publicado nesses espaços, uma vez que a maioria das revistas publicadas no Brasil estão disponíveis de maneira gratuita na internet. TÓPICO 3 | HISTORIOGRAFIA RECENTE 127 DICAS Para que você conheça mais sobre o assunto, a sugestão é que você acesse os seguintes sites de referência no que diz respeito a publicações especializadas de História do Brasil Imperial: • Revista Brasileira de História: <http://www.scielo.br/revistas/rbh/paboutj.htm>. • Revista Tempo: Revista do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense: <http://www.historia.uff.br/tempo/site/>. • Revista História da Historiografia: <http://www.ichs.ufop.br/rhh/index.php/revista>. • Revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos: <http://www.coc.fiocruz.br/hscience/>. • Luso-Brazilian Review: <http://uwpress.wisc.edu/journals/journals/lbr.html>. • Topoi: Revista do Programa de Pós-graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro: <http://www.revistatopoi.org>. • Anos 90: Revista do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: <http://www.seer.ufrgs.br/index.php/anos90>. • Esboços: Revista do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/esbocos>. • Varia Historia: Revista de História da Universidade Federal de Minas Gerais: <http://www. fafich.ufmg.br/varia/entrada>. 128 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico você viu que: • Observa-se no país uma crescente diversificação dos estudos e das reflexões sobre a trajetória e as características da produção dos historiadores. • Não há fórmulas para se escrever a história do Brasil Império na atualidade, mas, sim, inúmeros meios e temas que podem ser explorados na diversidade que ora se apresenta na História como campo de conhecimento. 129 AUTOATIVIDADE Elabore um quadro demonstrativo de 10 autores de História do Brasil e suas respectivas ideias e depois procure semelhanças e diferenças de perspectivas entre eles. 130 131 TÓPICO 4 ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL IMPERIAL UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO 2 SABER E FAZER: REDIMENSIONAMENTO DA RELAÇÃO “HISTÓRIA-ENSINO” Quando falamos de História do Brasil Império, é importante também pensarmos esse saber a partir de sua interação e materialização, que se dá unicamente pela sala de aula, pelo ensino. Este tópico pretende discutir um pouco a questão do Ensino de História do Brasil Império. Para tanto, trabalharemos sobre a relação entre saber e fazer, no que diz respeito ao redimensionamento da relação “História-Ensino”, a relação existente entre Didática e História, a situação político-pedagógica atual no Brasil em termos de ensino de História, as linguagens, instrumentos e espaços de interesse para isso. Nas últimas duas décadas, o ensino de História passou a ser encarado de uma maneira mais ampla, não apenas por especialistas da área de Ciências da Educação, mas também da História e da Historiografia como um todo. Observou-se que uma operação necessária e fundamental deveria ser feita no que diz respeito a essa disciplina escolar, opondo a ideia de “SABER-FAZER” àquela de “LECIONAR-APRENDER”. Isso significou, em certa medida, o reposicionamento de historiadores e educadores no que tange à formação dos historiadores e historiadoras, ao conceito de espaço escolar para a História, ao papel político do aprendizado dessa disciplina, bem como aos papéis sociais e pedagógicos do professor e de estudantes. Maria Auxiliadora Schmidt trouxe para a arena de disputa um novo conceito de aula de História. Para ela, a aula representava “[...] o momento em que, consciente do saber que possui, o professor de História pode oferecer a seu aluno a aquisição do saber existente, por meio de um esforço e uma atividade com a qual ele retorne à atividade que edificou esse mesmo saber”. (SCHMIDT, 2002, p. 54-68). UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL 132 Essa questão ainda deve ser debatida com afinco, por opor duas dimensões da relação saber-fazer. A primeira delas é a dimensão prática do aprendizado da História, que está ligado a métodos, instrumentos e linguagens a ser aprimorados e apresentados. A segunda é teórica e está relacionada à articulação de métodos, instrumentos e linguagens às matrizes disciplinares propriamente ditas, que seguem o rumo das agendas políticas que variam de país para país, de estado para estado, de município para município. Em todos os casos, quando falamos do conhecimento histórico e de sua relação com o saber-fazer em sala de aula, estamos falando propriamente das repercussões práticas do saber (RÜSEN, 2007). Assim, o trabalho do ensino de História deve levar em consideração “funções” e “formas” desse mesmo conhecimento, diluídas na figura do historiador-professor, e do estudante- aprendiz. Por muito tempo, trabalhou-se com a ideia de um Historiador-Professor altamente especializado em seu campo de saber, com função meramente formadora. Hoje, sabe-se que o campo de conhecimento da História, que abrange três dimensões (História propriamente dita, Ciência da História e História como Ciência), acaba por imprimir um novo caráter a esses profissionais, que precisam, cada vez mais, desempenhar as funções motivadora, propedêutica, mediadora e formadora. Por outro lado, aquele estudante-aprendiz que era considerado apenas o receptáculo do conhecimento vindo de fora, também teve seu status alterado, e precisa ser pensando na esfera escolar como alguém que, a partir das informações e dos conhecimentos que recebe, tanto da História como de outras áreas, carrega esses dados que podem ser usados até para a alteração de sua vida prática. Nesse sentido, chegamos a outro nível da relação saber-fazer histórico, que é aquela que contrapôs, no tempo, Didática, História e Historiografia. 3 RELAÇÃO “DIDÁTICA-HISTÓRIA” Até o início do século XIX, a preocupação fundamental para os estudos históricos envolvia a didática e o método. Basicamente, exigia-se de um historiador que ele soubesse escrever um texto fácil de ser lido, que soubesse lecionar bem e que soubesse aprender bem os conteúdos propostos nessa área. Johann Gustav Droysen (1808-1884) foi o principal defensor desse interesse que deveria envolver o universo do ofício do historiador naquele período. Para ele: TÓPICO 4 | ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL IMPERIAL 133 Do interesse didático exsurge a carência dessa forma histórica universal, na qual somente se justifica a ciência histórica como tal. Pois é somente nessa forma que ela se realiza plenamente, constituindo-se na totalidade que lhe é concebida. (DROYSEN apud RÜSEN, 2007, p. 88). Com a cientifização da História mesmo a partir da segunda metade do século XIX, a Didática acabou sendo apartada da disciplina especializada da História, tornando-se uma “aplicação” pedagógica, externa ao saber dos historiadores, e à margem da profissionalização como mero acessório. Por outro lado, esse mesmo campo acabaria, nesse período, por ser absorvido como subcampo do conhecimento nas Ciências da Educação. O método historiográfico, que compreendia também as questões didáticas, acabou se restringindo à formatação de regras de pesquisa, e não estaria, daí por diante, vinculado aos aspectos conjuntos de forma e função. A objetivação da narrativa foi um dos primeiros acontecimentos resultantes dessa objetivação do conhecimentohistórico. Tudo isso acabou reverberando em manuais escolares. Esses livros, que seguem não só a agenda política e os interesses editoriais, mas também são fruto da discussão e disputa de perspectivas de quem os escreve, através e depois de múltiplas mediações, esse livro acabou sendo incorporado à discussão em nível geral sobre a relação entre Didática e História. No Brasil, ainda em 1953, por exemplo, diversos intelectuais historiadores, preocupados com o desempenho escolar e com a necessidade de prover as escolas com material didático inovador, foi firmado um acordo entre a Campanha do Livro Didático e Manuais de Ensino (CALDEME) com o prof. Américo Jacobina Lacombe (1909-1993), para a elaboração de um manual de História do Brasil, assinado em 16 de dezembro. Dizia o acordo que: A elaboração do manual será orientada pelo objetivo de promover, entre os professores [...] um movimento de renovação no tocante à matéria a ser ensinada e aos métodos de ensiná-la, a fim de tornar a matéria e o método mais adequados aos interesses do adolescente e ao ambiente em que vive. (MUNAKATA, 2004, p. 513). Essa necessidade vinha ao encontro de uma situação desesperadora que opunha professores de história e historiadores acadêmicos. Derivou daí que, entre as décadas de 1950 e 1960, houve a maximização dos aspectos didáticos dos textos de história, seguidos de uma escrita antiacadêmica, com vistas a ressaltar a figura do professor de História e não, necessariamente, o historiador. Por outro lado, a academia estabelecia a primazia da pesquisa e uma crítica acirrada ao eurocentrismo, ainda prevalente no ambiente escolar. (MUNAKATA, 2004, p. 513). Nos anos 1970, a ênfase em métodos e técnicas de ensino acabou por promover, ainda que indiretamente, a simplificação dos conteúdos. A discussão sobre ensino e suas novas perspectivas serviu para opor Thompson, Williams e Hobsbawm à Pedagogia dos Conteúdos. UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL 134 Na década de 1990, um passo importante no sistema de educação acabou sendo a construção de um novo marco legal (a Lei 9.394), que impulsionou, por exemplo, a discussão em torno de Parâmetros Curriculares Nacionais, a ideia de difundir e promover estudo para todas as crianças. O ensino de História passou a ter de considerar conceitos básicos de cultura, de organização social e de trabalho; noções de tempo e de espaço históricos; noções de antes e depois; noções de geração e duração; história local para articular com história nacional e mundial, continuou sendo um problema nesse contexto, além da dificuldade em trabalhar diferenças entre culturas. Por outro lado, os Parâmetros Curriculares de 5ª a 8ª séries (6ª a 9ª) levavam em conta a necessidade de a História ser ensinada por profissionais especializados; consideravam esse período de aprendizado altamente oportuno para discutir história social ou sociocultural; preconizavam a focalização do ensino em conceitos; entendiam a história como processo e, com isso, tentavam diminuir a distância entre eles. Como resultado, emergiu uma história para o exercício da cidadania, com ênfase em temas para o ensino de história que buscava uma autonomia intelectual, a superação do marxismo e a incorporação do neomarxismo de Edward Thompson, da micro-história de Carlo Ginzburg e das novas histórias francesas. Contudo, o problema ainda era e ainda continua sendo a de se ensinar história com o fim de auxiliar alunos para meramente serem aprovados em vestibulares. NOTA Nesse sentido, afloraram inúmeras obras sobre a relação História e Ensino, entre o Saber e o Fazer históricos em sala de aula, tais como: BITTENCOURT, Circe. (org.) O saber histórico na sala de aula. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2002. ______. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2005. RICCI, Cláudia. Quem é quem no ensino de história em São Paulo. São Paulo: Annablume, 1992. CARRETERO, Mario (org.). Ensino da história e memória coletiva. Porto Alegre: ArtMed, 2007. FONSECA, Thais Nivia. História e Ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. REIS, Carlos Eduardo dos. História Social e Ensino de História. Chapecó: Argos, 2004. LUCINI, Marizete. Tempo, narrativa e ensino de história. São Paulo: Mediação, 2000. DIAS, Maria de Fátima Sabino. (org.). História da América: ensino, poder e identidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004. TÓPICO 4 | ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL IMPERIAL 135 Esses historiadores têm discutido com afinco a questão do ensino de História, partindo de diferentes pontos de vista, porém teorizando um espaço de pesquisa que é preocupante e que pode estar no cerne da discussão em torno da motivação de ensinar e aprender história no Ensino Fundamental e Médio, bem como o de teorizar as inúmeras relações existentes entre pontos de interesse específicos nesse regime historiográfico. 4 LINGUAGENS, INSTRUMENTOS, ESPAÇOS Não é possível determinar que tipo de História é válido para ser desenvolvido em salas de aula. Mas é necessário lembrar que aqueles que trabalham com o conhecimento histórico e com sua materialização na forma de comunicações em salas de aula prescindem de uma gama imensa de temas, conteúdos, eventos, instrumentos, linguagens e espaços para o trabalho, como, por exemplo, Brasil Imperial. Entre os instrumentos, linguagens e espaços para o aprendizado da História do Brasil Imperial, figuram na atualidade livros didáticos e paradidáticos, objetos de arte, museus, ruas de cidades, práticas socioculturais, atividades esportivas, folclore, programas de televisão, cinema, música, pesquisas que podem ser realizadas em campo, teatro, mas também florestas, recortes de jornal, internet (youtube, foruns de discussão, listas de e-mails, páginas de referência e de fontes). Em certa medida, historiadores ainda não são muito práticos com essas tecnologias, uma vez que grande parte de seu próprio aprendizado dá-se por livros e não necessariamente por outros meios. Nesse sentido é que é importante pensar a função prática do saber histórico em sala de aula, seu efeito determinante sobre o processo histórico de conhecimento, em particular sobre o ponto inicial de todo esse conhecimento: a pergunta histórica – Por quê? Como? Onde? Quando? Quem? O quê? Por outro lado, o prejuízo do distanciamento entre História e Didática pode ser observado por meio do impedimento de os historiadores tomarem posição direta quanto ao uso do saber que produzem, e à perda do espaço de trabalho no ensino, em museus, em demais instituições que prescindem do conhecimento histórico. Em contrapartida, a História deve ser uma oportunidade institucionalizada de inovação e de pesquisa, em contraste com a ideia e o conceito e a prática do uso de “manuais” de história, escapando dos livros de “receita” de ensino. Deve-se dar atenção, ao saber-fazer histórico em sala de aula, à formatação e ao efeito cultural da validação das informações contidas em produções como livros didáticos para a prática de ensino. Esse processo de mudança estabeleceria um novo referente do saber-fazer histórico: uma função prática que produz efeitos no aprendizado, por um lado, e um modo fundamental da cultura na qual o conhecimento acadêmico de história se conforma, se realiza e se difunde no mundo não acadêmico por outro. (RÜSEN, 2007. p. 88). UNIDADE 3 | HISTORIOGRAFIA E ENSINO SOBRE O BRASIL IMPERIAL 136 Com relação ao ensino, diversas áreas, no Brasil, têm-se tornado verdadeiros mananciais de produções que podem e devem ser exibidas, lidas, estudadas, problematizadas e interpretadas em sala de aula, tanto como documentos históricos plenamente relacionados com seus próprios momentos de produção, mas também como representações interessantes e filtradas do passado do país. É fato que, com relaçãoao século XIX brasileiro, não existe ainda fonte mais acessível do que a literatura que é consagrada e de fácil aquisição em todo o país e que vai desde poetas, passando por cronistas e romancistas, mas que também inclui textos jornalísticos, almanaques e outras escritas criativas. Esses textos revelam forças políticas, interesses, determinados tipos de comportamento, de relações sociais, de estruturas de classe, de gênero, das relações entre as sociedades e o mundo natural, enfim, uma infinidade de temas, que ainda estão, muitas vezes, subalternos e precisando de historiadores e historiadoras interessados em estudá-los. Mas a segunda metade do século XX e o começo do século XXI têm proporcionado aos brasileiros outros documentos e instrumentos de trabalho, principalmente para os estudos históricos. Um olhar de superfície serve para afirmarmos, sem dúvida, que a televisão e o cinema despontam como meios efetivos de representação do passado nacional, aflorando a cada tempo, algumas produções interessantes. Dessa forma, citamos aqui algumas das produções que podem ser usadas, quando pensamos em televisão e cinema, sobre o Brasil Imperial: • Independência ou Morte, de Carlos Coimbra, com Tarcísio Meira, Glória Menezes, Kate Hansen e Dionísio Azevedo. • Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, de Carla Camurati, com Marieta Severo e Marco Nanini. • Tiradentes, o filme, de Oswaldo Caldeira, com Humberto Martins. • Os Inconfidentes, de Joaquim Pedro de Andrade. • Tiradentes, o Mártir da Independência, de Geraldo Vietri. • Netto Perde Sua Alma, com Werner Schünemann. • Abolição, de Zózimo Bulbul. • Xica da Silva, de Cacá Diegues. • A Paixão de Jacobina, de Fábio Barreto, com Letícia Spiller, Thiago Lacerda. TÓPICO 4 | ENSINO DE HISTÓRIA DO BRASIL IMPERIAL 137 • O Guarani, de Norma Bengell, com Márcio Garcia e Tatiana Issa. • A casa das sete mulheres, de Jayme Monjardim, baseada no livro homônimo de Letícia Wierzchowski, conta a história de Bento Gonçalves; com Camila Morgado, Werner Schünemann, Thiago Lacerda, Eliane Giardini, Nívea Maria, Daniela Escobar e Luis Mello. • Mad Maria, de Benedito Ruy Barbosa, baseada na obra homônima de Márcio Souza, com Ana Paula Arósio, Tony Ramos, Antônio Fagundes. • Chiquinha Gonzaga, de Jayme Monjardim, com Regina Duarte. • Amazônia, de Galvez a Chico Mendes , escrito por Glória Peres, sobre a história do Acre. • O Quinto dos Infernos, de Antônio Calmon, sobre a vida de Dom Pedro I. • Gaijin, Caminhos da Liberdade, de Tizuka Yamasaki. • Memórias póstumas é um filme brasileiro de 2001, do gênero comédia dramática, dirigido por André Klotzel, e com roteiro baseado na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. • O tempo e o vento foi uma minissérie da Rede Globo exibida de 22 de abril a 31 de maio de 1985, em 25 capítulos. O roteiro é baseado na obra homônima de Érico Veríssimo, adaptada por Regina Braga e Doc Comparato, e dirigida por Paulo José. Apesar de levar o nome da trilogia escrita por Érico Veríssimo, a minissérie desenvolve apenas tramas abordadas no primeiro volume da obra: “O Continente”. Foi exibida em comemoração aos vinte anos da emissora. 138 RESUMO DO TÓPICO 4 Neste tópico você viu que: • Quando falamos de História do Brasil Império, é importante também pensarmos esse saber a partir de sua interação e materialização, que se dá unicamente pela sala de aula, pelo ensino. • Nas últimas duas décadas, o ensino de História passou a ser encarado de uma maneira mais ampla, não apenas por especialistas da área de Ciências da Educação, mas também da História e da Historiografia como um todo. • Observou-se que uma operação necessária e fundamental deveria ser feita no que diz respeito a essa disciplina escolar, opondo a ideia de “SABER-FAZER” àquela de “LECIONAR-APRENDER”. • Essa questão ainda deve ser debatida com afinco, por opor duas dimensões da relação saber-fazer. A primeira delas é a dimensão prática do aprendizado da História, que está ligado a métodos, instrumentos e linguagens a serem aprimorados e apresentados. A segunda é teórica e está relacionada à articulação de métodos, instrumentos e linguagens às matrizes disciplinares propriamente ditas, que seguem o rumo das agendas políticas que variam de país para país, de estado para estado, de município para município. • O trabalho do ensino de História deve levar em consideração “funções” e “formas” desse mesmo conhecimento, diluídas na figura do historiador- professor e do estudante-aprendiz. 139 AUTOATIVIDADE Elabore um plano de aula sobre Brasil Império, levando em consideração as observações apresentadas neste tópico. 140 141 REFERÊNCIAS ALENCASTRO, Luiz Felipe de. (Org.). História da vida privada no Brasil: Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. ALENCASTRO, L. F. de; RENAUX, M. L. In: História da vida privada no Brasil: Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Projetos para o Brasil. São Paulo: Abril, 1999. ARRUDA, J. J.; TENGARRINHA, J. M. Historiografia lusobrasileira contemporânea. Bauru: EDUSC, 1999. BARMAN, Roderick J. Princesa Isabel do Brasil: gênero e poder no século XIX. São Paulo: Unesp, 2005. BITTENCOURT, C. Ensino de história: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2005. BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 1 ago. 2010. ______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/L9394.htm>. Acesso em: 1 ago. 2010. ______. Lei n. 6.683, de 28 de agosto de 1979. Concede anistia e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6683. htm>. Acesso em: 1 ago. 2010. ______. Diário Oficial da União, 28 ago. 1979. Disponível em: <http://portal. in.gov.br/in>. Acesso em: 1 ago. 2010. CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (Orgs.). Domínios da história. Rio de Janeiro: Campus, 1997. CARRETERO, Mario (Orgs.). Ensino da história e memória coletiva. Porto Alegre: ArtMed, 2007. 142 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Cia. das Letras, 2006. ______. Machado de Assis historiador. São Paulo: Cia. das Letras, 2003. DEBRET, Jean-Baptiste. Caderno de viagem. Texto e organização de Julio Bandeira. Rio de Janeiro: Sextante, 2006. DIAS, Maria de Fátima Sabino. (Org.). História da América: ensino, poder e identidade. Florianópolis: Letras contemporâneas, 2004. DIEHL, A. A. A cultura historiográfica brasileira: do IHGB aos anos 1930. Passo Fundo: Ediupf, 1998. DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia. das Letras, 2002. DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005. DREGUER, Ricardo; TOLEDO, Eliete. História: cotidiano e mentalidades. São Paulo: Atual, 2000. FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo: Globo, 2001. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995. FICO, C.; POLITO, R. 1992. A história no Brasil 1980-1989: elementos para uma avaliação historiográfica. Ouro Preto: UFOP, 1992. v. 1. FIGUEIRA, P. de A. Historiografia brasileira 1900-1930. Tese de doutoramento – Faculdade de Filosofia e Letras de Assis, São Paulo, 1973. FONSECA, Thais Nivia. História e Ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs.). O antigo regime nos trópicos: a dinâmica imperialportuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 143 FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia. Rio de Janeiro, c. 1790 – c. 1840. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. FREITAS, Marcus Cesar. (Org.). Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. São Paulo: Global, 2003. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. GLEZER, R. O fazer e o saber na obra de José Honório Rodrigues: um modelo de análise historiográfica. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1977. GODOY, João Miguel Teixeira de. Formas e problemas da historiografia brasileira. História Unisinos, n.13. p. 66-77, jan./abr. 2009. HAHNER, June E. Emancipação do sexo feminino: a luta pelos direitos da mulher no Brasil, 1850-1940. Florianópolis/Santa Cruz do Sul: Mulheres/UNISC, 2003. HARO, Martin Afonso Palma de. Ilha de Santa Catarina: relato de viajantes estrangeiros nos séculos XVIII e XIX. Florianópolis: UFSC/Lunardelli, 1990. HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 2007. HOLANDA, Sérgio Buarque de (Org.). História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1985. v. 4. IGLÉSIAS, F. Historiadores do Brasil: capítulos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Belo Horizonte: UFMG, IPEA, 2000. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO. Disponível em: <http://www.ihgb.org>. Acesso em: 19 mar. 2010. JANCSO, I. Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2005. KNAUSS, Paulo; ABUD, Kátia. Cadernos Cedes – História e Ensino. v. 67. [mimeo]. LAPA, J. R. do A. A história em questão: historiografia brasileira contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1991. 144 LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986. LOSSO, Thiago. Caderno de Estudos História do Brasil Imperial e Republicano. Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2008. LUCINI, Marizete. Tempo, narrativa e ensino de história. São Paulo: Mediação, 2000. MACHADO DE ASSIS. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril, 2010. [1885]. MALERBA, J. Teoria e história da historiografia. In: J. MALERBA, J. (Org.). A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006. MARTINS, Ana Luiza. O trabalho nas fazendas de café. 8. ed. São Paulo: Atual, 1994. MELLO, Evaldo Cabral de. Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Ed. 34, 2001. MICELI, S. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979. MUNAKATA, Kazumi. Dois manuais de história para professores: história de sua produção. Estudo e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 3, p. 513-529, set./dez. 2004. OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A independência e a construção do Império. São Paulo: Atual, 1995. PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. PAREDES, Marçal de Menezes. A intersecção portuguesa no regionalismo brasileiro: os casos do “gaúcho” e do “sertanejo”. IX Encontro Estadual de História – Associação Nacional de História – Seção Rio Grande do Sul. Vestígios do passado: a história e suas fontes. 2008. Disponível em: <http://www.eeh2008. anpuh-rs.org.br/resources/content/anais/1212361405 _ARQUIVO_Ainterseccaop ortuguesanoregionalismobrasileiroAnpuh-RS2008.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2010. PATROCÍNIO, José do. Campanha abolicionista: coletânea de artigos. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1996. PIMENTA, João Paulo G. The independence of Brazil: a review of the recent historiographic production. E-JPH, v. 7, n. 1, 2009, p.1-21. PINHEIRO, Israel de Oliveira. O regionalismo no Brasil Império. Revista Ágora, 145 Vitória, n.9, 2009, p.1-26. Disponível em: <http://www.ufes.br/ppghis/agora/ Documentos/Revista_9_PDFs/agora_Israel%20de%20Oliveira%20Pinheiro.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2010. PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2007. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O Mandonismo Local na vida política brasileira e outros estudos. São Paulo: Alfa-Ômega, 1976. REIS, Carlos Eduardo dos. História Social e Ensino de História. Chapecó: Argos, 2004. REVISTA do IHGB. Disponível em: <http://www.ihgb.org.br/rihgb.php>. Acesso em: 24 jun. 2010. RICCI, Cláudia. Quem é quem no ensino de história em São Paulo. São Paulo: Annablume, 1992. ROCHA, João Cezar de Castro. Literatura e cordialidade: o público e o privado na cultura brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, 1998. RODRIGUES, José Honório. História e historiografia. Petrópolis: Vozes, 2008. RÜSEN, Jörn. História viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UnB, 2007. SANTANA, Ajanayr Michelly Sobral; ARAGÃO, Patrícia Cristina. Entre bailes e batuques: a corte “afrancesada” de D. Pedro II. Disponível em: <http://www. anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2006%20-%20Ajanayr%20Michelly%20 Sobral%20Santana%20TC.PDF>. Acesso em: 15 jul. 2010. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem Burguesa e Liberalismo Político. São Paulo: Duas Cidades, 1978. SCHMIDT, Maria A. A formação do professor de História e o cotidiano na sala de aula. In: BITTENCOURT, C. (Org.). O saber histórico na sala de aula. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2002. SCHWARCZ, Lilia M. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Cia. das Letras, 2000. SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da vida privada no Brasil: Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 146 SILVA, Fernando Teixeira da; NAXARA, Márcia Regina Capelari; CAMILOTTI, Virgínia C. (Orgs.). República, liberalismo, cidadania. Piracicaba: UNIMEP, 2003. SILVEIRA, Mauro César. A batalha de papel: a charge como arma na guerra contra o Paraguai. Florianópolis: UFSC, 2009. SILVESTRE DE ALBUQUERQUE, Edu. A revolução farroupilha (1835-1845). São Paulo: Saraiva, 2003. SOIHET, Rachel et al (Orgs.). ALMEIDA, Maria Regina Celestino de; AZEVEDO, Cecília; GONTIJO, Rebeca (orgs.). Mitos, projetos e práticas políticas: memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. SOUZA, Ricardo Luiz de. Identidade nacional e modernidade brasileira. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpaolo. História geral e do Brasil. São Paulo: Scipione, 2001. WALSH, Roberto. Notícias do Brasil (1828-1829). São Paulo: Universidade de São Paulo, 1985. 147 ANOTAÇÕES ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ 148 ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________