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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO – 1º GQ Autores: Ana Beliza, Manuel Camelo, Mirela Coimbra, Pablo Medeiros, Rafaela Lago, Reginaldo Júnior, Vítor Ximenes. INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Aula de Baltar (04/08/2016) I- Definição II- A Sociedade Internacional III- Descentralização da Sociedade Internacional e as Particularidades do D. I. P. IV- Negadores do D. I. P. V- Diferenciação do Direito Internacional Privado Antes de tudo, é importante falar sobre a denominação da disciplina. O D. I. Pub. É muito mais antigo que o D. I. Priv., na medida em que o Privado só se firma no séc. XIX e o Púb firma-se desde o séc. XVII, sendo que do séc. XVII ao XIX, essa disciplina teve diversos nomes (Ex: Direito das Nações; Direito dos Povos; Direito entre os Povos), sendo que o termo “Direito Internacional” surge no fim do séc. XVIII, na obra de Jeremy Bentham, e, anos depois, quando sua obra foi traduzida para o francês, acrescentou-se o termo “Público” como uma forma de diferenciar do D. I. Priv que tava começando a surgir. O fato é que não é em todos os países que o termo “Público” é utilizado (Ex: EUA; Inglaterra), sendo usado apenas Direito Internacional (International Law). OBS: sendo que, uma vez mencionada apenas a expressão “Direito Internacional”, caso fique na dúvida se é o Pub. Ou o Priv., considere como sendo o Público. I- Definição Classicamente, do século XVII até o século XX, essa disciplina foi definida como sendo o ramo do direito que regula a conduta exterior dos Estados ou que regula as relações mútuas dos Estados, quer dizer, por muito tempo, ao definir esse remo do direito, a doutrina sempre levou em conta os sujeitos desse ramo. O problema é que essa definição foi ficando obsoleta com o passar do tempo. Particularmente, ela se tornou obsoleta no século XX, porque nesse séc. surgiram outros sujeitos do Direito Internacional. Se antes, apenas os Estados participavam da vida jurídica Internacional, no séc. XX, a coisa muda de figura, no momento em que se constituem as Organizações Internacionais (Ex: ONU), pois essas organizações atuam também na vida jurídica internacional. São dotadas de personalidade jurídica, possuem direitos, possuem deveres, elas próprias emanam normas que são vinculantes para os países membros da Organização. Então, se se tem organizações como essas, as quais atuam como pessoas jurídicas, não da mais pra dizer que o Direito Internacional regula apenas a conduta exterior dos Estados, porque ele também regula as Organizações Internacionais. No mesmo período que surgiu a ONU, também surgiram os Direitos Humanos, após a Segunda GUERRA Mundial, o que trouxe também uma inovação do ponto de vista dos sujeitos do Direito Internacional, pois, quando surgem os Tratados de Direitos Humanos, os indivíduos se tornaram portadores de direitos no plano internacional. OBS: sendo que antes dos Direitos Humanos o indivíduo não possuía proteção jurídica no âmbito internacional, possuindo apenas uma proteção nacional. Isso quer dizer, que, por exemplo, antes dos DH, se um indivíduo estivesse dentro do território de um país C, ele estaria protegido apneas pelas leis de C. No momento que ele se retirasse desse país e fosse pro território de B, estaria sujeito unicamente as leis de B e nunca sujeito a proteção dos Tratados Internacionais. O problema é que, antes do surgimento dos DH, muitos países possuíam legislações discriminatórias contra, por exemplo, estrangeiros, membros de etnias diferentes, ou de religiões diferentes etc. Ou seja, antes dos DH, um indivíduo poderia, assim, sair de um Estado onde ele tinha proteção e ir para um Estado onde ele não tinha direito algum, nem direito a igualdade perante a lei, nem direito a vida, nem direito a liberdade individual. Isso quer dizer que, antes dos DH, o indivíduo estaria sujeito apenas a proteção das normas de Direito Doméstico de cada país. Quando surgem os DH, isso muda de figura, porque todos os países ratificaram um só tratado, o mesmo tratado de DH, determinando um rol de garantias fundamentais, que tem força de lei e que, por ser um Tratado Internacional, trata-se de uma norma jurídica com validade e vigência no território de todos os países membros. Sendo assim, um indivíduo que se encontrava num país C e foi para um país B, após o surgimento desses Tratados de DH, claro que irá se deparar com uma legislação diferente (Ex: trabalhista, previdenciária, tributária, civil etc.), mas, pelo menos, aquele rol de garantias fundamentais, asseguradas nos tratados de DH, vai ser igual, os direitos humanos que C assumiu, por tratado, são iguais aos que B assumiu. Então, se esses DH são válidos em C, também o são em B, e em E, e em D, de modo que, a partir de agora, se esse indivíduo se desloca através das fronteiras, não importa para onde ele vá, sempre haverá um rol mínimo de direitos fundamentais ao qual ele tem direito. Por isso que se diz que, com os direitos humanos, o indivíduo se tornou um portador de direitos no plano internacional, não importando para onde ele vá, ele é titular de certos direitos que foram estipulados e assegurados por meio de normas internacionais, por meio dos tratados. Sendo assim, se o indivíduo também é sujeito de direito Internacional, se as Organizações Internacionais também são sujeitos de Direito Internacional, não se pode mais dizer que esse direito regula apenas a conduta exterior dos Estados, porque ele regula também a conduta internacional dos indivíduos e das Organizações Internacionais. Portanto, os doutrinadores passaram a definir esse ramo do direito de outro modo, como sendo o remo do direito que rege a sociedade internacional ou que regula a conduta dos sujeitos dessa sociedade. Sendo que o foco da definição foi transferido do sujeito para o ambiente, o meio. Só que essa definição também não resolve o problema, porque fica a pergunta: o que essa a sociedade internacional? (continuem lendo e saberão bjs). II- A Sociedade Internacional Os autores dizem que a sociedade internacional, como toda sociedade, pressupõe uma inter-relação entre sujeitos, mas com uma particularidade, segundo os autores, que ela é formada por coletividades humanas politicamente organizadas (vulgo Estados). Sendo que se utiliza essa expressão (coletividades humanas politicamente organizadas) para realçar o fato de que o Estado não foi a primeira forma de organização política humana. Com isso, esses autores querem dizer o seguinte: a sociedade internacional surgiu naquele momento remoto da história humana em que as primeiras famílias, tribos e clãs passaram a se relacionar de modo permanente, seja para fazer guerra, seja para fazer comércio, que eram as únicas relações de fato que essas coletividades possuíam entre si. Então, nessa definição, desde o momento que existe ser humano, existe sociedade internacional, pois, desde o momento que existe ser humano, ele passa a se organizar em coletividades e, desde o momento que existem coletividades, elas passam a guerrear contra outras coletividades, só que essa sociedade, então, teria evoluído, se modificado, ao longo do tempo (tribos, clãs → Cidades Estados→ Feudos→ Estados Soberanos). Entretanto, será que se pode falar na existência de apenas uma única sociedade internacional? Não seria mais justo falar da existência de várias sociedades regionais que, em determinado momento da história, acabaram se encontrando? Porque a história do Direito Internacional fala na existência de uma sociedade internacional, quando na verdade havia várias sociedades regionais? Pelo fato dessa disciplina ter sido criada por europeus, para atender as suas finaliddes e foi elaborada de acordo com os valores europeus. No momento do surgimento da disciplina, a sociedadeinternacional que existia era uma sociedade ocidental, cristã, europeia, só que ela foi tomando conta do globo e se expandindo e sujeitando diversos povos ao seu domínio, incluindo diversos povos pouco a pouco, mas não como sujeitos e sim como objetos (Colônias). Então, essa é a história dessa disciplina, ela evolui de acordo com os valores europeus e de acordo com os seus objetivos. Entretanto, em que momento de fato teve-se uma constituição de uma única sociedade internacional, em que momento da história, todos os povos passaram a estar interligados? Isso se dá no fim do séc. XIX (entre 1870 e 1890), nesse período, os últimos pedaços de terra existentes, no globo, “sem dono”, governados por povos originários, foram tomados por potências europeias. Então, só se pode falar de uma única sociedade internacional plenamente integrada, no fim do séc. XIX. OBS: essa integração não veio com a globalização, veio 100 anos antes. III- Descentralização da Sociedade Internacional e as Particularidades do D. I. P. Os autores falam que essa sociedade internacional é uma sociedade descentralizada, porque levam em conta apenas o aspecto formal dessa sociedade. Na verdade, estão fazendo uma comparação com a sociedade doméstica, a sociedade nacional de um país. Uma sociedade doméstica, como a brasileira, é centralizada pela figura de um poder central e é composta por indivíduos, mas acima desses indivíduos existe o Estado, o qual elabora as leis e que aplica essas leis de cima para baixo, se valendo da força se for necessário. É uma sociedade centralizada pelo poder do Estado. Em contra partida, segundo os autores, na sociedade internacional não existe um poder central, não existe um super Estado mundial superior aos Estados. Nela tem-se uma sociedade de Estados e não de indivíduos, onde não existe um poder central encarregado de elaborar leis e aplicá-las forçosamente, a sociedade internacional é uma sociedade regulada pelos próprios sujeitos, os próprios Estados. É, portanto, uma regulação horizontal e não vertical (de cima pra baixo). Essa descentralização acaba trazendo algumas particularidades que o Direito Internacional possui em comparação com o Direito Interno de um país: a) ausência de hierarquia: como não existe, na sociedade internacional, um super Estado mundial, então também não existe uma super Constituição mundial, ou seja, não existe hierarquia de normas (todos os tratados valem exatamente a mesma coisa), não existe nem mesmo hierarquia entre as fontes (os costumes e os princípios também valem o mesmo que os tratados), diferença considerável em relação ao direito doméstico, onde geralmente os costumes e os princípios são aplicados diante das lacunas legislativas; b) as normas internacionais são criadas pelos mesmos sujeitos regulados por ela: não se tem um Estado que crie as normas que vão regular a vida internacional, são os próprios Estados que fazem isso coletivamente; c) são os próprios Estados que atuam para aplicar essas normas jurídicas: como não existe um super Estado Mundial, também não existe um super Poder de Polícia Mundial, não existe um Super Estado que irá impor o respeito as leis internacionais. É o próprio Estado vítima de uma violação que irá agir contra o Estado violador (se ele não tomar inciativas, ele não verá respeitado o seu direito). IV- Negadores do D. I. P. Isso pode gerar alguns problemas, os quais trazem algumas questões. Parece algo bem anárquico. Já surgiram alguns teóricos, ao longo da história, que afirmavam que o Direito Internacional não era direito. Havia dois grandes grupos de teóricos: 1) Diziam que NÃO existem normas internacionais: acreditavam que o Direito Internacional não surge numa sociedade organizada, existe numa sociedade anárquica, desigual, onde cada Estado é soberano, correspondendo a um ser político que luta pelos seus interesses (cada um possui um poder econômico, político e militar diferenciado), onde os mais fortes usam a sua força contra os mais fracos para fazer prevalecer os seus interesses. Ou seja, o que se tem, não são normas jurídicas, são imposições dos mais fortes. E ainda diziam para não se deve ter pena dos mais fracos, pois, quando esses últimos podem, quando tem algum poder, eles fazem a mesma coisa que fazem com eles, com Estados mais fracos ainda. 2) Diziam que EXISTEM normas internacionais, MAS elas não são jurídicas, são normas de cortesia ou de convivência, possuindo caráter moral, não jurídico: acreditavam que existem normas, mas essas normas não fazem parte de um ordenamento. Não se tem um sistema, apenas normas esparsas, dispersas. Não havendo um ordenamento jurídico, não se tem autoridade central, não há um sistema de punição centralizado tal qual o de um Estado nacional. Esses autores tocam em temas polêmicos e interessantes, mas não dá pra concordar com eles, pois o Direito Internacional é sim um direito. É bem diferente dos ramos do direito doméstico, mas existem normas, basta observar a quantidade de tratados que existem no mundo e não são apenas normas morais, são normas jurídicas, os Estados se sentem obrigados a cumpri-las. Ordinariamente os tratados são cumpridos. As violações são episódios. Os Estados se sentem obrigados a cumprir esses tratados e essa é a prova de que eles são obrigatórios. Se um Estado descumpre um tratado, o Estado vítima questiona o seu cumprimento, exige que se cumpra, leva o caso para um processo internacional, faz pressão diplomática com os aliados para coagir o Estado violador a respeitar os dispositivos do tratado. Sendo assim, são normas jurídicas sim. Entretendo, se o Direito Internacional, para ser aplicado depende dos próprios Estados, o que acontece se algum Estado não quer se sujeitar a um tratado que ele mesmo firmou? Pode sofrer alguns processos internacionais e alguns pedidos de sanções. Mas e quando é um Estado muito forte que viola os direitos de um Estado muito fraco? Exemplo: Iraque em 2003 (Carta da ONU: só é possível usar a força, nas relações internacionais se houver uma autorização prévia do conselho de segurança da ONU e não houve essa autorização para os EUA entrarem lá. Foi uma guerra ilegal, mas os EUA não sofreu sanções por causa disso, ao contrário, a própria ONU se adaptou aos EUA, ao invés de freá-lo, porque depois que a guerra era um fato consumado, os EUA foram atrás de apoio e as potências da ONU foram ajudar na reconstrução do Iraque. Em termos de doutrina jurídica, isso favoreceu a doutrina da legitima defesa preventiva, a qual, de fato existe na cartilha da ONU, mas, ainda assim, não nesses casos). Mas essa adaptação não é particularidade do direito internacional, é particularidade de todo direito, pois o Estado aplica o direito por meio da força. Quando falta essa força, o direito é ineficaz. Exemplo: direito sindical (entre 2011 e 2014, os operários da construção civil de SUAPE protagonizaram uma série de greves com acordo e descumprimento, até que fizeram uma greve completamente ilegal e explosiva, não tendo, por exemplo, participação do sindicato, convocação de assembleia prévia etc. O TRT decidiu que a greve era ilegal, mas concedeu todas as reinvindicações dos grevistas, porque a categoria correspondia a 40.000 indivíduos, os quais nunca poderiam ser contidos pela força policial do estado de Pernambuco. Sendo assim, o Estado teve que ceder, pois não tinha força de fazer valer a lei trabalhista). Para que se faça um Estado relutante cumprir um tratado, é preciso que haja Estados mais fortes para coagir esse Estado relutante. Tudo isso pra dizer que não dá para concordar com esses argumentos desses negadores do direito. O direito internacional é sim um ramo do direito, possui normas jurídicas que são vinculantes, são obrigatóriase são exigíveis. V- Diferenciação do Direito Internacional Privado Os critérios clássicos de diferenciação são (são critérios imprecisos e que estão ficando para trás): a) Sujeitos: I) D. I. Público – seres de natureza pública, Estados, Governos, Organizações Internacionais (que são organizações públicas, compostas por Estados) e o indivíduo enquanto ser político, enquanto ser humano, enquanto ser dotado de direitos humanos II) D. I. Privado – pessoas privadas, Físicas ou Jurídicas, mas pessoas de natureza jurídica privada que desenvolvem relações internacionais com outras pessoas privadas (Ex: compra e venda; relação familiar com pais de nacionalidades diferentes) b) Fontes: I) D. I. Público – principal fonte são os Tratados (que são normas internacionais elaboradas no plano internacional por dois ou mais Estados coletivamente) II) D. I. Privado – surgiu como um ramo do direito interno (Ex: Estatuto do Estrangeiro) Entretanto, muitas vezes, essas diferenciações tem importância acadêmica apenas, não possuindo importância prática alguma. HISTÓRIA E TEORIA DO DIREITO INTERNACIONAL Aula de Baltar (09/08/2016) I- Antiguidade II- Idade Média III- Idade Moderna a) A paz de Vestfália e a formação do Estado Soberano b) O “Direito da guerra e da paz”, de Hugo Grotius IV- Idade Contemporânea a) Da Revolução Francesa (1789) ao Congresso de Viena (1815) b) A libertação Nacional c) A “Nação como Sujeito do Direito Internacional” de Mancini d) O Imperialismo do séc. XIX e) A “autolimitação do Estado” de George Jellinek f) O Direito Internacional no Período entre Guerras g) Hans Kelsen e a “Soberania da Ordem Jurídica Internacional” h) O Direito Internacional após a 2ª Guerra Mundial i) Globalização e Ordem Internacional j) O séc. XXI Contexto Político Internacional Ordem Jurídico- Política Internacional Ordem Jurídica- Econômica Internacional Pós 2ª Guerra (1945- 1979) Bipolarização do Mundo (EUA X URSS) Terceiro Mundo (não alinhados) ONU Surgimento dos Direitos Humanos (PIDCP e PIDESC) Início da Integração Europeia (CECA) Descolonização da Ásia e da Africa FMI e Banco Mundial GAT Nacionalismo Econômico e Político Globalização (1980- 2000) Crise das Dívidas Públicas do 3º Mundo Dissolução da URSS Hegemonia Norte- Americana Adesão aos Tratados de Direitos Humanos Liberalização Econômica OMC BITs Século XXI (2001- ...) Crise Econômica de 2008 Primavera Árabe (Correntes Fascistas) Queda dos Governos de Centro-Esquerda Eleições nos EUA (Hilary Clinton x Donald Trump) I- Antiguidade O primeiro aspecto desta disciplina é verificar quando ela surgiu, qual foi o ponto de partida. Os manuais trazem duas respostas diferentes para essa pergunta: parte dos autores dizem que o Direito Internacional existe desde quando existe a humanidade, desde quando existem tribos, comunidades e clãs humanos, ou seja, desde esse passado remoto já havia uma sociedade internacional e, portanto, também direito internacional. Outros autores datam essa disciplina num período mais recente: na modernidade, com a paz de Vestfália e o surgimento do Estado Soberano. É bem verdade que o Direito Internacional que conhecemos, elaborado por Estados, surgiu sim na Idade Moderna. Entretanto, não é correto dizer que somente na Modernidade é que passou a existir esse direito, pois há indícios históricos de sua existência em épocas anteriores. Ex: o tratado internacional mais antigo de que se tem registro, o Tratado de Pérola, é do ano de 1272, a.C., celebrado entre o Império do Egito e o Império Hitita, em que representava uma aliança militar entre ambos, bem como previa algo semelhante à extradição. Não é só na Antiguidade que há registros históricos. Também os gregos e os romanos têm alguns registros, sobretudo os primeiros. As cidades-estados gregas chegaram a celebrar uma diversidade de acordos entre si (só Atenas e Esparta celebraram uns 100 tratados de paz, já que guerreavam entre si e a forma de firmar a paz foi através do Direito Internacional, através de tratados). Os gregos conheceram a arbitragem, mas não a arbitragem privada, comercial, mas uma arbitragem pública criada para dirimir as divergências entre cidades-estados. Até mesmo os primeiros rudimentos de organizações internacionais (algo semelhante à ONU) foram criados pelos gregos, uma verdadeira associação de estados, a exemplo de um tipo de organização chamada Anfictionias, que era organizações feitas através de diversos tratados bilaterais feitos entre os estados e que tinham a finalidade de administrar os santuários religiosos comuns ao povo grego. No tempo dos romanos se diz que houve uma interrupção do Direito Internacional, ou que pelo menos ele não continuou a se desenvolver. De fato, houve pouco desenvolvimento de tal direito. Roma era uma cidade-estado conquistadora, e, por ter conquistado vários povos, acabou tornando-se um grande império, o qual geralmente não se relacionava com outros povos na base da igualdade – a própria Roma estabelecia o seu império, o seu domino sobre os outros povos. A consequência disso é que só excepcionalmente Roma celebrou tratados. Geralmente ela fazia seu próprio direito, que era aplicado sobre os outros povos, unilateralmente. Tem autores que citam uma parte do Império Romano que seria dedicado ao Direito Internacional: o jus gentium e o jus fetiale. Estes eram dedicados ao Direito Internacional, já que eram sobre os povos conquistados, mas tinha suas normas criadas por Roma, enquanto que o jus civilis era o direito sobre seus próprios cidadãos. O jus gentium foi criado só depois que Roma tinha conquistado uma série de povos, significando um conjunto de normas que regiam a vida dos povos que ela conquistava. Era um Direito Internacional na medida em que regulava a vida de outros povos, só que foi um direito que não foi criado através de acordos, era uma norma romana, só que regulava a vida dos demais povos que estava sob seu domínio. Por sua vez, o jus fetiale, regulava as relações do próprio governo romano em face das demais nações – era um Direito Internacional Público por excelência - , só que, da mesma forma que o jus gentium, ela era criado unilateralmente do Roma. Portanto, também não era um Direito Internacional no sentido próprio da palavra. II- Idade Média Quando Roma se desintegra, a Europa Ocidental vai para um período de verdadeira desintegração social. Foi um cenário extremamente conturbado, de crises, revoltas de escravos, invasões de povos estrangeiros. O fato é que o cenário que sucedeu à desintegração do Império Romano foi um cenário de destruição completa. Pode-se dizer que tal evento (o fim do Império Romano), que marca a transição da Antiguidade para a Idade Média, não foi exatamente uma evolução, pois muitos morreram, muitas cidades e ferramentas foram destruídas. Quem sobreviveu a esse episódio tinha uma verdadeira terra arrasada diante de si. Não havia mais as ferramentas nem os conhecimentos que haviam sido adquiridos. Muita coisa precisou ser reinventada. Então foi um verdadeiro passo à trás para a humanidade. Eram sociedades extremamente fechadas, que tinham a única preocupação de continuarem existindo. Por isso, eram preocupadas em adquirir alimentos, vestuários, os itens mais essenciais à subsistência – tudo feito por aquelas pessoas que residiam naquelas sociedades. Também precisavam se proteger contra invasores externos e que, por isso, precisavam se fechar, viver somente para si próprios: eram os feudos. Para completar, ainda havia a ideologiacristã, conservadora, que contribuía para que essas sociedades continuassem a ser fechadas. O fato é que naquela época o ser humano normal nascia e crescia numa pequena vila de camponeses – não havia uma sociedade internacional no início da Idade Média. Como não havia, ou havia muito pouca vida internacional, o Direito Internacional também pouco se desenvolveu no início da Idade Média. A Idade Média começa no ano de 476 d.C, quando se desintegra o Império Romano. O Direito Internacional medieval só pode ser observado, de fato, em meados do século XII, ou seja, centenas de anos depois, somente depois que se desenvolvem correntes de comércio. A partir do século XII o Direito Internacional volta a se desenvolver como fruto da retomada da vida internacional dos povos. Muita coisa do que se criou nessa época (conceitos jurídicos do Direito Internacional) vingou e perdura até hoje, sobretudo no direito de guerra, que atualmente conhecemos como sendo o direito humanitário (não é o mesmo que direitos humanos! É o direito de guerra), como por exemplo os conceitos de beligerante e não beligerante (uma potência beligerante é parte do conflito, e, para assim ser considerada, basta a movimentação de tropas); foi na Idade Média que se criou a proibição do uso de certas armas para combate (hoje em dia tem armas que não podem ser usadas). Entretanto, a principal característica do Direito Internacional na Idade Média era o papel da Igreja Católica, pois representava um superpoder mundial, a autoridade política máxima da sociedade internacional e, com isso, comandava todo o mundo ocidental cristão. A ideia de que no Direito Internacional não existe um poder central, como visto na aula passada, não se aplica a essa época, já que existia a Igreja Católica como essa autoridade máxima: nada sobre a vida internacional passava sem haver alguma interferência sua. Por ex: príncipes e reis não podiam celebrar tratados se não houvesse uma autorização prévia da Igreja; o papa tinha poder para criar normas jurídicas que eram válidas e obrigatórias em todo mundo ocidental – isso era feito através dos concílios de Deus (hoje os concílios ainda existem, mas são válidos apenas para a própria igreja católica); o papa podia declarar nulo um tratado e desobrigar determinado monarca do compromisso assumido; sem a sanção do papa nenhum rei poderia ser coroado; o papa tinha poderes até mesmo para sancionar os príncipes e reis, o que era feito através da excomunhão. OBS: naquela época, poder político e religião não haviam sido separados, então ser excomungado significava ser expulso do mundo de Deus e, portanto, expulso da igreja e do mundo dos homens, da vida civil – perdia-se direitos – era uma punição severa. III- Idade Moderna Quando ocorreu a transição da Idade Média para a Modernidade, tudo isso é alterado, tendo representado uma verdadeira revolução econômica, social e política. Mas não foi uma revolução feita pelas camadas populares, e sim por nobres. Imagine um pedaço do continente europeu. Naquela época, as fronteiras dos Estados não estavam delimitadas. Na verdade, não existiam estados; o poder estava descentralizado nas mãos de pequenas autoridades políticas: os nobres. Cada um tinha pedaço de território, cada um dentro desse território produzia aquilo que a população local necessitava, cada um tinha um exército de cavaleiros e cada um representava o direito e o estado em seu pequeno pedaço de chão. Cada pedaço de chão era controlado por um nobre diferente, todos subordinados à Igreja Católica. A divisão dessas terras estava mais ou menos assim: A passagem para a Modernidade representou uma subversão completa a isso. Como isso se deu? A nossa história começa com ovelhas na Inglaterra. Naquela época, os camponeses que vivam nesses pedaços de chão retiravam seu sustento do cultivo de terras comuns. Eram grandes pedaços de terra, que não eram propriedades individuais de ninguém, nem do senhor, nem individual dos camponeses, eram propriedades coletivas, que pertenciam à coletividade de camponeses que pertenciam à determinada região. E isso era um título jurídico de propriedade, criado pela Igreja Católica. O problema é que essas terras dos camponeses passaram a ser expropriadas pelos próprios senhores feudais, pois queriam utilizar essas terras para pastar ovelhas, já que a indústria da lã estava se desenvolvendo. Foi a primeira indústria que deu origem ao sistema capitalista (indústria da lã, na Inglaterra). E para que essa indústria pudesse se desenvolver, os camponeses tiveram que perder suas terras. Existia uma geração de nobres jovens que percebia que aquele negócio da lã era algo extremamente rentável, particularmente para que se envolvia com o comércio internacional na Europa. Eram rendas que a vida agrária feudal não oferecia. Então os jovens nobres se lançavam no negócio de lã, e boa parte dele expropriou camponeses para isso. A importância disso é que houve um grande boom econômico. Internamente, isso criava um problema. Não se tinha ainda uma sociedade aberta ao comércio, o que se tinha era uma sociedade autossuficiente, voltada para sua própria subsistência. O comércio naquela época era feito em dias marcados. Para que as feiras e os mercados pudessem funcionar, a Igreja Católica estabelecia um dia, o dia da Paz de Deus, em que os senhores destinavam seus cavaleiros para fazer a guarda dos mercados e dos comerciantes – era esta a razão de ser desse dia: assegurar que as atividades comerciais pudessem existir, já que ainda não havia o poder de polícia ostensivo e, por isso, poderia haver muitos roubos e saques por uma massa de camponeses famintas, que estavam perdendo suas terras. Só que esses dias de Paz de Deus eram dias pontuais, o que acabou criando um problema, pois as atividades econômicas continuavam crescendo. Logo um dia de Paz ficou pouco e, assim, tornou-se necessário vários dias de Paz, como um verdadeiro estado permanente de Paz. As ideias desses nobres comerciantes começavam a conflitar com a Igreja Católica. Aqueles queriam avançar com o comércio, já esta, não. A Igreja Católica proclamava juros baixos, preços justos, e tais nobres queriam que o mercado se autorregulasse, deixando que os preços fossem estabelecidos pelo próprio mercado, sem restrições e limitações. Também tinha outro problema: para que se pudesse ter um estado de paz permanente (todos os dias tivessem exércitos nas ruas), essas autoridades tinha uma séria dificuldade para fazer isso, pois cada uma tinha poucos efetivos, poucos soldados. O que fazer então? Se aliar, juntar forças. E essa ideia de se aliar também se fortalecia pelas oposições que tudo isso sofreu, já que os camponeses se erguiam contra as expropriações (revoltas), e a própria Igreja Católica se opunha a tudo que estava sendo feito. Também havia uma parte da nobreza que era fiel à igreja e que, portanto, fazia uma oposição interna. Era preciso, então, se aliar para combater as oposições e para assegurar que as atividades comerciais iam continuar progredindo. Essas alianças foram feitas através de uma centralização de poder. Aliaram-se da seguinte forma: primeiramente, decidiram fazer mais dias de Paz de Deus e o imposto coletado do mercado não seria transferido para a Igreja, ficavam consigo e dividiam. Depois decidiram se juntar e colocar o poder nas mãos de um rei e o seguir; em troca, prometia-se um bom cargo na Corte, ou mesmo a promessa de receber dinheiro em troca de tal aliança. Muitas vezes também essa aliança era feita mediante guerras, até conquistar o território daquele nobre que não queria se juntar aos demais. E foi dessa forma que as pequenas autoridades políticas centralizaram o poder nas mãos de um rei e, a partir de então, os territóriospassaram a ser delimitados. Foi assim que se deu a formação do Estado Soberano, através das alianças que tais autoridades fizeram entre si, visando a promover as atividades comerciais a romper com a oposição imposta pela Igreja Católica. (os territórios começaram a ficar maiores, com menos divisões comparadas à Id. Média) Só que a formação desse Estado Soberano não eliminou, logo de início, a oposição da igreja, pelo contrário, aguçou o problema. Após uma série de atritos, houve uma guerra propriamente dita, que dominou boa parte da Europa Ocidental ao longo do século XVII, foi a Guerra dos Trinta Anos, que foi travada na Europa, mas que reverberou nas colônias (a ex da invasão holandesa em Pernambuco – foi nessa época – Portugal era aliada da Igreja, e a Holanda era uma potência rival). Foi a maior guerra até então já vista. Terminou em 1648 e, em termos de destruição, só veio a ser superada pela Primeira Guerra Mundial, 300 anos depois. E entre 1648 e 1919 não houve um período pacífico exatamente, pois teve Napoleão, que alterou o mapa da Europa 30 vezes no intervalo de 10 anos. Também houve nesse meio tempo o auge do período colonial, no século XIX (imperialismo). Não era, portanto, um período pacífico. Mas nada disso foi superado pela Guerra dos Trinta Anos. Esta foi muito marcante para o Direito Internacional. Era uma guerra que tinha dois lados: a Igreja e o Sacro Império Romano-Germânico e, do outro lado, monarcas absolutistas (queriam liberdade política para se autogovernar), e o que se disputava era o poder, a soberania. A Igreja dizia que a soberania pertencia à Deus e este a transmitia ao papa, e era o papa que distribuía a soberania para os reis. Já os reis diziam que a soberania pertence à Deus, que a transmite diretamente para os reis, sem a necessidade do papa. Os monarcas absolutistas venceram a guerra. A paz foi estabelecida em Vestfália, em 1648. Para muitos, esse é o episódio em que se origina o Direito Internacional, pois foi aqui que a soberania do Estado foi conquistada e reconhecida. Os tratados de paz reconheciam que os reis tinham liberdade política para se relacionarem uns com os outros, sem ter que pedir autorização à Igreja Católica. Quer dizer, houve uma verdadeira revolução do Direito Internacional. Se antes se tinha um Direito Internacional comandado pela Igreja Católica, agora esta havia sido destronada, e quem assumiram o seu posto foram os reis. Agora, o Direito Internacional passou a ser criado pelo Estado Soberano. Isso foi uma mudança muito significativa para a sociedade internacional, já que dessa época até os dias de hoje o Direito Internacional é criado e comandado pelos Estados, através de acordos que celebram entre si. Nesse período histórico, um dos autores mais influentes foi Hugo Grotius, com seu principal livro “Direito da Guerra de da Paz”, que foi publicado durante a Guerra dos Trinta Anos. Ele era assessor de monarcas. Criou uma teoria jurídica, influenciada por tais acontecimentos, em que defendia o lado nos monarcas. Todo o livro é fundamentado por passagens bíblicas (para legitimar suas ideias, e não para explicá-las), sobretudo do Antigo Testamento, e textos religiosos da Antiguidade, para justificar as guerras que os monarcas absolutistas estavam fazendo naquele período. Grotius afirma que a soberania é um poder de superioridade que pertence ao rei, este é que é o Soberano, e se ele é o soberano, ele é superior. Sua palavra vale mais que de qualquer pessoa (súditos) naquele seu território, bem como superior à forças externas dentro de seu território, pois só quem manda neste é o próprio monarca. Com a premissa de que a soberania pertence ao rei, Grotius classifica as guerras em justas e injustas. Diz que há três tipos de guerras: pública, privada (feita entre particulares – naquela época, para ser guerra, bastava qualquer estado de violência, mesmo que fossem duas pessoas brigando) e mista. Para ele, a guerra privada tinha se tornado ilícita desde o surgimento do Estado Soberano, pois, já que surgiram os Tribunais (estes só surgiram quando o Estado surgiu), tinha-se que submeter os litígios aos mesmos. Com isso, Grotius está legitimando o Soberano: quem resolve os litígios nos Tribunais? O Estado. E quem é o Estado? O rei, o soberano. As guerras mistas são feitas entre pessoas privadas e públicas, que também são ilícitas, pois pessoas privadas não podem ir contra o público, ou seja, o Estado, o Soberano. Este é um ser superior, e, ainda que governe contra os interesses dos súditos, devem obedecê-lo, não tendo nenhum direito de agir contra o rei. Deve-se obedecer o soberano tal qual um filho obedece, à contragosto, um pai. Já o contrário (o público contra o privado) seria lícito, porque, afinal de contas, o Estado é soberano, e pode fazer o que quiser. Também há as guerras públicas, feitas por governantes de povos diferentes, e não há nada no direito da natureza e no direito de Deus que impeça essas guerras. Contudo, para que essas guerras públicas possam surtir efeitos jurídicos ao seu término, é preciso que se cumpra a solenidade da Declaração de Guerra. Tais efeitos jurídicos são os efeitos de conquista de territórios – se cumprida a solenidade, quem vence a guerra se investe no direito de se apropriar dos bens dos súditos do vencido, bem como no direito de governá-los. Aula de Baltar (11/09/2016) [Continuação...] O professor primeiramente chamou a atenção para o fato de que o período histórico abordado, nessa aula, data de uns 150 anos depois dos acontecimentos da aula passada (Paz de Vestfália). A razão de ser disso é que anteriormente analisou-se o período de ascensão da monarquia absolutista, ao passo que agora passa-se a analisar o seu declínio, marcado pela Revolução Francesa, com um fenômeno internacional. IV- Idade Contemporânea No fim do século XVIII, toda a Europa Ocidental ainda tinha uma estrutura política herdade do feudalismo, praticamente todos os países da Europa eram governados por monarquias absolutistas, sendo a Inglaterra a única exceção (que tinha feito a sua mini revolução 100 anos antes), mas as relações de produção ainda eram herdadas do feudalismo, a servidão ainda existia. Entretanto, esse mundo feudal agrário estava cada vez mais ficando para trás em comparação com o mundo do comércio e das manufaturas. Os nobres adquiriam cada vez mais gastos, consumiam cada vez mais e seus rendimentos não acompanhavam o crescimento dos gastos. Ante a isso, o mundo do comércio e da manufatura oferecia perspectivas financeiras muito superiores ao mundo agrário feudal. Quem participava do comércio ou da indústria ficava extremamente rico, mais rico do que um nobre que viesse de uma família tradicional e que tivesse uma grande quantidade de terras. Sendo que isso começou a afetar a forma de pensar da época. As pessoas perceberam que o mundo do comércio e da manufatura era mais dinâmico e que a Inglaterra, principal potência da época, tornou-se grande potência por causa do comércio e da manufatura e passaram a tentar imitá-la. Os reis da Europa passaram, de alguma forma, a tentar estimular o crescimento econômico. Na cabeça das pessoas, isso dava também uma mudança na hora de pensar. As ciências começaram a ser usadas na produção econômica, o que acabou trazendo um grande incremento para ela (ligando a razão à produção econômica, conseguiu-se criar riquezas). Surgiu, assim, o iluminismo como um período de crença na razão humana e na intelectualidade, surgindo também uma ideologia individualista que buscava individualizar a sociedade humana e o ser humano dentro dessa sociedade. As pessoas da época não conseguiam entender a ordem política oriunda do feudalismo, sobretudo os jovens, que estavam vendo o mundo do comérciose desenvolver, não dando para entender porque uma pessoa que nascia como nobre permanecia como nobre o restante da vida, mesmo que fosse uma pessoa desprezível, que dilapidasse o patrimônio de uma família tradicional, não entendendo também porque pessoas que não nasciam como nobres, ainda que tivessem as maiores qualidades do mundo, que fossem capazes de construir bastante riquezas, porque não eram consideradas nobres e sim seres inferiores na escala hierárquica. Não dava para entender o tradicionalismo ignorante da Igreja, nem aquela ordem política herdada do passado. Então, essas classes médias e pequenos proprietários, sobretudo de jovens, tinham aquela realidade política como sendo irracional. A vontade de mudança, por sua vez, começou a atingir a cabeça dos reis também, os quais tentaram fazer algum tipo de mudança: vários demitiram a velha burocracia de Estado e contrataram novos funcionários, essencialmente jovens, vindos de universidades e que refletiam a forma iluminista de pensar; muitos mandaram seus assistentes, auxiliares e conselheiros fazerem programas de administração, de modernização administrativa; muitos reis adotaram slogans do iluminismo. Entretanto, a monarquia não estava exatamente preparada para realizar as mudanças que ela mesma queria, ela dependia dos nobres e não tinha como abolir a servidão e eles sabiam que qualquer programa de governo esclarecido precisava conter o fim da servidão, mas não tinham como levar isso a diante, pois acabar com a servidão representava acabar com a renda dos nobres e os reis dependiam dos nobres para governar. Não era, portanto, uma mudança para os de cima realizarem, eram mudanças para os de baixo realizarem e, de fato, a servidão só foi abolida com a Revolução Francesa. a) Da Revolução Francesa (1789) ao Congresso de Viena (1815) Ela não foi a única revolução da Época, ao redor da Europa, fim do séc. XVIII, foi um período conturbado, houve levantes revolucionários na Bélgica, na Holanda, mas foi na França onde a coisa foi realmente explosiva. Isso se deve ao fato que lá as contradições eram maiores, economicamente a França era a segunda economia da época (só perdia para a Inglaterra), sendo um país consideravelmente desenvolvido e essa classe média jovem que se desenvolvia era muito numerosa, só que, ao mesmo tempo, politicamente era um dos países mais atrasados, tinha a monarquia mais absolutista e mais típica de toda a Europa, possuindo um regime civil mais odioso. Foi a principal revolução popular da época, foi ela que destronou o rei e acabou abolindo a ideia de que todo poder emana do rei e que o rei é um soberano e um ser supremo. No lugar dessas ideias, criou outras ideias: a) a de que todo poder emana do povo; b) de cidadania; c) de direitos individuais. Possuía, inclusive, um manifesto formal, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que rra um programa político subversor, pois, ao determinar a igualdade perante a lei (igualdade formal), levava ao fim os privilégios dos nobres. Isso foi visto como um fenômeno de importância internacional. Nos demais países, todos os revolucionários e militantes contrários ao absolutismo viram a França como o primeiro passo para a libertação mundial de toda a humanidade. Os adversários da Revolução, por sua vez, também viam esse evento como um evento de proporção internacional, particularmente como uma ameaça. Para os demais reis da Europa era necessário conter as ideias subversivas da França e o resultado disso é que eles não reconheceram o governo revolucionário francês. OBS: esse assunto será abordado mais tarde: quando há mudanças bruscas de governo, através de golpes ou revoluções, o governo que assume o poder de um país, através desses métodos, precisa obter o reconhecimento dos demais países, os quais precisam declarar que reconhecem esse governo como sendo legítimo No caso do governo francês, ele não foi reconhecido, ao contrário, os demais reis da Europa formaram uma coalisão militar e invadiram a França revolucionária com o objetivo de restaurar o trono, restaurar o poder. Nesse primeiro confronto, a França saiu vitoriosa, conseguindo expulsar as forças invasoras. No entanto, no mesmo momento em que expulsava-os do seu território, ela própria iniciou um movimento expansionista (política externa ofensiva). Somente entre 1798 e 1808 o mapa da Europa foi alterado mais de 30 vezes. Foi um expansionismo desenfreado, o qual acabou colocando em cheque uma ideia que governa as relações com os demais países, a Balança de Poder, que consiste na ideia de que a paz mundial seria mantida caso os países possuíssem entre si o mesmo poderio militar e político, devendo haver um equilíbrio de forças entre as potências europeias, pois, se uma delas se tornasse muito mais forte que as outras, iria atacar as demais; para evitar isso, então, elas todas deveriam manter mais ou menos o mesmo poderio bélico e ninguém se aventuraria de atacar ninguém. Isso não significava que as relações eram pacíficas, especialmente não em relação as colônias, o equilíbrio de forças dava-se somente com relação as potências europeias. Ante a territórios longínquos, a conquista era lícita, era possível conquistar territórios dominados por povos bárbaros. No entanto, com vistas ao equilíbrio de forças, se uma potencia europeia conquistasse um território colonial na África, para preservar o equilíbrio, ela teria o dever de repartir o território conquistado. O problema com a França napoleônica é que ela tomou tudo para si e não repartiu nada com ninguém, o que gerou um desequilíbrio de poder na Europa. A consequência é que houve novas guerras, as quais seguiram até 1815, quando se instaura o Congresso de Viena. A formação das coalisões é curiosa, de um lado tinha a França revolucionária, que queria a hegemonia política e econômica mundial, pelo que destruir a Inglaterra era o principal objetivo, tomando suas colônias, e do outro lado, contra a França, juntou-se todo mundo, a Inglaterra, potência mais desenvolvida da época, único país que não era formado por uma monarquia absolutista, a qual tinha interesses econômicos, e os demais países, governados pelas monarquias absolutistas, todos com objetivos políticos, querendo restaurar a monarquia na França e impedir que a Revolução se espalhasse por todo o continente. O Congresso de Viena acabou por estabelecer uma paz nessa guerra, uma paz reacionária, no sentido de que seu objetivo político maior era frear o processo revolucionário que se arrastava e se espalhava. Foi o principal objetivo do Congresso, do ponto de vista político. Houve, além disso, algumas inovações jurídicas importantes, algumas até mesmo de caráter modernizante, por exemplo: a) estabeleceu-se como regra a total liberdade de navegação pelos rios europeus e isso desempenhava uma função comercial (era um pequeno passo em direção a liberalização comercial); b) criou as primeiras regras escritas de diplomacia, até então ela era ditada com base nos costumes; c) importância humanitária – aprovou a proibição do Tráfico Negreiro como regra internacional, a qual tinha também um caráter modernizante (ideia de que a abolição da escravidão estava conectada com o objetivo de desenvolver o mercado de trabalho assalariado). No entanto, quanto ao seu objetivo político, de frear a revolução e dar uma sobrevida ao absolutismo, nisso o seu êxito foi muito breve, porque em menos de 10 anos depois do Congresso de Viena, a monarquia absolutista voltou a ser alvo de insurreições pontuais, dessa vez de modo espalhado, começando nas colônias, onde os regimes políticos eram mais odiosos e nelas foi onde o absolutismo voltou a ser pressionado. b) A libertação Nacional Na década de 1820, tem-se a libertação nacionalde toda a América Latina, incluindo o Brasil (cuja independência não pode ser tomada como base para o restante da América latina, pois somente aqui a independência foi feita como um acordo de elites, diferentemente do restante da América Latina, onde a independência foi conquistada, sendo fruto de vitórias dos movimentos de libertação nacional), tem-se também a libertação da Grécia com relação a Turquia, além de terem lutado também, porém sem êxito, os sérvios, os montenegrinos, os bósnios, os albaneses. Na década de 1830, quem conquista a independência é a Bélgica em face da Holanda, sendo que nesse período a libertação nacional era o tema político que inquietava a Polônia, a Itália, a Alemanha, a Irlanda. Finalmente, entre 1848 e 1870, teve-se a libertação nacional de alemães, italianos, húngaros, poloneses, romenos, tchecos, croatas, dinamarqueses, entre outros povos. Pode-se dizer, portanto, que entre as décadas de 1820 até 1870 a libertação nacional de uma diversidade de povos é que foi a grande marca do cenário político jurídico internacional. Grande parte dessas lutas, na Europa, praticamente todas elas foram inspiradas pelas ideias francesas. Libertação da Nação (essa palavra foi trazida para a política pela França, não se falava essa palavra antes da Revolução Francesa, foi ela que trouxe essa ideia para o vocabulário político e jurídico, assim como trouxe direuitos individuais, soberania popular, cidadania, nacionalidade, todos termos trazidos por ela). Quando falamos libertação nacional está implícito que isso foi influenciado pela França. c) A “Nação como Sujeito do Direito Internacional” de Mancini A teoria do DI, nesse período, foi completamente influenciada por esses acontecimentos. Um dos autores mais famosos da época era um italiano, chamado Pasquale Stanislao Mancini. Ele era defensor da unificação e libertação da Itália e o seu principal livro, chamado “Direito Internacional” é um livro composto por palestras que ele ministrou nas Universidades de Roma e de Turim, durante os anos de 1850 a 1852, pouco antes da Itália se unificar. Criou uma teoria jurídica para legitimar a sua causa, a qual diz que a Nação é que é o sujeito do DIP. Nação - para ele, é uma associação natural de indivíduos, surgindo na natureza e que começou por uma família, que, com o passar do tempo, foi se tornando mais numerosa, foi se espalhando por um pedaço de terra, afeiçoando-se a esse lugar onde vive, criando laços subjetivos com aquela terra, criando um modo de vida próprio de acordo com aquele laço com a terra, de acordo com os laços subjetivos entre as pessoas, desenvolvendo uma cultura própria, um idioma próprio, com religião própria, com estética própria, com música, dança, culinária próprios, virando uma Nação. É uma associação humana étnica e culturalmente homogênea, que, segundo Mancini, teria surgido naturalmente. Seria um determinado povo que tem uma história comum. O problema ele diz que isso é fruto da natureza, o que não é (p. ex. no período dele, nsa Itália, apenas 7% da população falava italiano). Então, aquilo que ele acreditava que era nação, na verdade, não existia. Entretanto, era uma palavra “da moda” na época e que se cruzava com um romantismo das artes nesse momento. A explicação que ele dava de nação era bastante romântica, não científica. Para Mancini, esse grupo homogêneo que é a Nação é o sujeito do DI e, sendo ele o sujeito de direitos, é ele que tem deveres. Então, se a Nação tem direitos na sociedade internacional, ela tem primeiramente o direito a soberania, o direito a se autogovernar. Portanto, se temos alguma Nação colonizada, que está sendo impedida de se autogovernar, tem-se uma violação ao direito da Nação. Na prática, ele cria uma teoria jurídica para dizer que o regime colonial é ilícito, sendo lícito lutar por libertação. d) O Imperialismo do séc. XIX Mancini esperava, em seu livro, que, uma vez que as Nações europeias fossem livres, o mundo iria caminhar para um período prolongado de paz. Ledo engano. Exatamente nos últimos 30 anos do séc. XIX, entre 1970 e 1900, que viu-se foi um aumento considerável da violência de Estado, período conhecido como imperialismo do séc. XIX. A palavra imperialismo não foi criada pela esquerda, foi pela direita e, na época, não designava algo ruim, designava algo bom, prosperidade. Uma Nação imperialista representava um país próspero. Nesse período, teve-se uma grande expansão do regime colonial, o qual chegou ao seu limite, chegou até o máximo de onde podia chegar, a totalidade dos territórios, deixando de haver territórios governados apenas por povos originários. Em 1900, todos os territórios de países subdesenvolvidos tinham se tornado colônias de alguma potência europeia. É verdade que esse colonialismo não foi criado ali e muitos motivos levavam a ele, o status, as rivalidades (se uma potência conquistasse determinado território, as demais não queriam ficar por trás), além de um novo motivador, de cunho econômico, qual seja o capitalismo e a necessidade de mercados para investir, pois os mercados europeus estavam abarrotados, passando a existir a exportação de fábricas, não de produtos, passando a haver uma exportação do próprio dinheiro, foi ai que surgiram as multinacionais, fazendo com que o capitalismo se tornasse uma economia essencialmente conectada, uma economia mundial. O problema disso é que isso significava um boom econômico diante de um sistema jurídico internacional despreparado para tudo aquilo, não havia regras para regulamentar essas relações. Aliás, não havia a liberdade de comércio que hoje existe, onde cada país vende e compra o que quer, naquela época existiam os monopólios. Assim, se uma potência industrial queria matérias primas, logo tratava de conquistar um território que eventualmente pudesse oferecê-las. Foi esse elemento econômico, a necessidade de exportar capitais que acabou levando a uma necessidade de intensificar as relações comerciais internacionais diante de um sistema jurídico regido pelo monopólio. Foi isso que levou o sistema colonial ao limite, a própria expansão mundial do sistema capitalista. Trouxe resultado. O crescimento econômico daquela época foi impressionante. Ex: a produção de ferro nos cinco maiores países produtores passou de 11 para 23 milhões de toneladas, no intervalo de 20 anos; a produção de aço saltou de 500 mil para 11 milhões de toneladas. Esse aço e esse ferro tinham uma finalidade, construir parques industriais. Foi nessa época que se desenvolveu a indústria norte americana e a indústria alemã, russa, sueca etc. Isso foi um período de boom econômico, o regime colonial levou a esse boom econômico também. OBS crítica do Prof.: geralmente quando escutamos a palavra desenvolvimento econômico, ela é usada de modo acrítico. Geralmente acreditamos que o desenvolvimento econômico é aquilo que há de melhor para. Depende, depende dos custos sociais que esse desenvolvimento econômico irá causar, não são todos que ganham, tem quem perca, sempre tem quem perca. E, no caso desse período histórico especificamente, quem sustentou o desenvolvimento econômico dos países europeus foram, sobretudo os povos coloniais, eles que sofreram horrores para que esse desenvolvimento econômico impressionante pudesse acontecer. Sempre é necessário a gente se perguntar: quais são os custos sociais do desenvolvimento econômico? Os Estados tiveram a preocupação de criar um DI que pudesse regular essas novas relações econômicas. Esse foi realmente um período de boom das relações internacionais entre Estados e foi um período de grandioso desenvolvimento do DI. Foi um período onde se desenvolveram uma diversidade de tratados. Representava uma mudança considerável em relação aos períodosanteriores, onde os tratados eram eventuais. Muitas vezes tínhamos um país que tinha tratado com o outro, mas não tinha tratado internacional com mais ninguém. Essa era a lógica, tratados bilaterais entre países, cada país tinha poucos tratados. Nesse período , começam a surgir vários tratados em diversas matérias, tratados de comércio (foi nessa época que se desenvolveu o sistema multilateral de comércio, não foi na globalização nos anos 90, foi 100 anos antes, fruto de tratados internacionais) e tem clausulas que foram criadas nesse período que continuam existindo no sistema da OMC (Organização Mundial de Comércio). Não foi uma questão apenas quantitativa esses tratados, os tratados antes disso eram geralmente bilaterais, entre dois países. Nessa época, por sua vez, começou a se tornar frequente e corriqueiro o estabelecimento de grandes Convenções Internacionais (tratados de 50, 70, 80 países membros). Dentre os tratados de navegação, que é uma área fundamental para o comércio, tiveram: o Estatuto de Navegação do Mar Negro; o Regime do Canal de Suez; o Regime do Canal do Panamá; as Duas Atas de Navegação do Danúbio, tudo isso foram convenções internacionais que contiveram dezenas de Estados Membros. Tivemos nessa época uma grande conferencia em Berlim que aprovou o tratado que dispunha sobre as condições de colonização da Bacia do Congo na África. Também houve a conferência antiescravista, que também criou uma nova convenção internacional na matéria. Esquema: Se antes os Estados possuíam considerável grau de liberdade, pois não deviam muito aos outros, agora cada Estado passa a estar conectado um com o outro, todo mundo deve uma coisa a alguém, todos estão conectados juridicamente. Foi esta a realidade jurídica internacional criada por esse período histórico. Esses países não apenas criaram esses vínculos jurídicos entre si, todos eles recriaram as suas constituições, acrescentando um dispositivo onde se determinava que esses tratados tinham valor de lei doméstica, ou seja, não só celebraram compromissos internacionais, eles se comp0rometeram a cumprir esses compromissos em suas próprias constituições e ainda criaram um tribunal para julgar eventuais violações desses tratados: a Corte Permanente de Arbitragem da Haia (1899), o primeiro tribunal permanente criado (os tribunais antes eram ad hoc, criados para julgar o caso, julgou dissolve o tribunal). e) A “autolimitação do Estado” de George Jellinek Pode-se dizer, então, que esse período, fim do séc. XIX, todo o período do imperialismo, foi também um período de grande desenvolvimento do DI. A partir daí pode-se dizer que o DI tornou-se realmente um sistema institucionalizado, um ordenamento que possui até mesmo um tribunal. Um dos principais autores dessa época, senão o principal é George Jellinek, o qual era um positivismo (corrente que dominou esse período histórico), seu livro chama-se Teoria Geral do Estado (1899). Sua grande inovação foi dizer que a soberania não era um poder absoluto, porque os Estados não gozam de liberdade total, a liberdade dos Estados é limitada pelos compromissos jurídicos que esse Estado assume. Diante dos tratados, o Estado não tem a opção de cumprir ou não cumprir, é uma obrigação jurídica, ele tem o dever de cumprir. A liberdade do Estado é restringida pelos compromissos jurídicos internacionais que ele assume. Os compromissos que o Estado assume, se o Estado não é parte do tratado, não está ligado a ele. O Estado tem a opção de aderir ou não ao tratado, se ele não adere, permanece livre, mas e ele adere, estará obrigado com ele. Então, a soberania não é uma liberdade total, é uma liberdade limitada pelos compromissos que o próprio Estado aceitar. É o poder de se autolimitar, é poder que o Estado tem de escolher os compromissos jurídicos aos quais irá se submeter. Aula de Baltar (16/09/2016) [Continuação...] f) O Direito Internacional no Período entre Guerras As últimas décadas do século XIX foram marcadas por um grandioso “boom” econômico, mas na virada do século XX esse cenário de bonança econômica se desfez, e se inicia uma crise econômica muito séria que começava nas potencias europeias. Nos primeiros anos do século XX essa crise econômica impediu que os Estados pudessem vivenciar momentos de bom senso. Foi um momento de desagregação, cada Estado visava o seu. Não só não houve grandes inovações no Direito Internacional, mas também mais que isso, os próprios Estados se atritavam, e esses atritos levaram à Primeira Guerra Mundial. Nesses primeiros anos do século XX não teve nenhuma inovação, não teve nada de novo. O que realmente interessou surgiu pós-primeira guerra, como parte dos acordos de paz – estabelecido em Versalhes. O tratado de Versalhes que estabeleceu a paz e trouxe uma série de inovações. A maior preocupação das potencias era evitar nova guerra, pois foi uma experiência traumática. Todos estavam preocupados em evitar que uma nova guerra daquela viesse a acontecer. A primeira inovação jurídica foi criada com essa finalidade, que foi a Liga das Nações. A ideia básica para a Constituição da Liga era que a paz era algo muito importante, e para que ela possa ser preservada é preciso administra-la cotidianamente, pensou-se em criar então uma organização internacional, uma associação de Estados, servindo de organização para os Estados e com poder para intervir caso a situação fugisse do controle. Os estados-membros se comprometiam a não usar a força nas suas relações internacionais e mútuas (Outra inovação, pois foi o primeiro tratado que passou a prever a ilicitude do uso das forças nas relações mútuas internacionais). Criou-se então uma organização cujos membros são estados; constituída através de tratados internacionais; com estatuto de funcionamento próprio e com personalidade jurídica e vida própria. Uma segunda inovação trazida por Versalhes foi uma nova divisão territorial. As potencias que foram derrotas tiveram suas colônias tomadas. Uma parte dessas colônias acabaram se tornando estados independentes, havendo nova divisão territorial na Europa, na qual algumas ex-colônias alemãs e turcas se tornaram estados soberanos e independentes. O critério importante para a delimitação dos estados e suas fronteiras, é o da autodeterminação dos estados, cada nação tem direito a independência, e por isso precisa se constituir em Estado próprio. A ideia de nação significava o povo com as mesmas características étnicas e culturais, o povo com identidade própria. Isso era um problema, pois cada nação/povo era um Estado, então pensou-se em delimitar o território de acordo com a ocupação efetiva do solo, no entanto, em determinado pedaço podia existir um povo com uma cultura, religião, cultura, culinária, etc.. A ideia básica era que cada povo desse ia ganhar um estado seu, com suas fronteiras e vão corresponder a ocupação efetiva do solo. Cada povo – um estado próprio. No entanto, essa divisão perfeita dos povos não existia na vida real, pois estava todo mundo misturado. Muitos estados, depois dessa delimitação, continuaram a ter dentro de sua população, grupos étnicos minoritários que pertenciam a outros povos. O problema é que os países adotavam legislações discriminatórias, que poderiam impor as minorias, por exemplo, tributação maior ou sujeitar as propriedades das minorias a confisco; ou não previam igualdade de direitos; ou que não permitiam que essas minorias falassem seu idioma ou professasse sua religião. E isso era um fator de instabilidade, e essas minorias se revoltavam. Quando chega o fim da Primeira Guerra, a Inglaterra, principal potencia, pensa que precisa cuidar de estabilizar o Oriente médio e todos os outros países. Para acalmar a turma é preciso permitirque essas minorias vivam com algum grau de dignidade, então resolveram que é importante que os governos dos países assegurem garantias fundamentais a essas minorias étnicas- o direito à vida, liberdade individual, religiosas, direitos que respeitem sua etnia pra que eles se acalmem. Então ela resolver delimitar as fronteiras dos estados, mas condicionar a independência deles – ele vai se tornar independente, mas para isso vai ter que ratificar um tratado internacional que prevê a concessão de direito fundamentais para essas minorais étnicas. E foi isso que aconteceu. Os estados que se formaram a partir do fim da Primeira guerra mundial, todos ratificaram algum tratado internacional que previa a concessão de direitos fundamentais para essas minorias étnicas e religiosas. Esse é o ancestral mais próximo dos direitos humanos que conhecemos. O governo do país se comprometia por tratado a respeitar os direitos fundamentais das minorias étnicas e religiosas. Isso se tornou num verdadeiro sistema internacional de proteção a minorias. Havia órgão associados à liga das Nações que permitiam que se um indivíduo de minoria sofresse alguma violação dos seus direitos fundamentais, se o governo do estado violasse o tratado, esse indivíduo, vitima da violação, possuía a possibilidade de processar o estado violador perante órgãos internacionais de supervisão. Só tinha esses direitos quem era da minoria étnica. (O sistema de proteção das minorias era um elemento de administração da ordem internacional. Instrumento para estabilização da ordem.). Outra inovação foi o sistema de mandato, que era associado à Liga das Nações. Império Otomano e Alemanha perderam a guerra e com isso perderam suas colônias. Uma parte das colônias se tornaram estados independentes. A outra continuou colônias. A inovação foi o título jurídico estabelecido para essa nova colonização. Esse título era o sistema de mandato. A ideia básica era que esses territórios que pertenciam a Alemanha iam passar a ser governados por uma potencia mandatária, um país vai receber o direito de governar aquele território através da Liga das Nações, que vai estabelecer um mandato para que a potência governe o território enquanto a liga fiscaliza o exercício desse mandato. Essa fiscalização da liga não existia. Alguns autores pensam que esse sistema era uma forma de compensar os vitoriosos pela Guerra. Quem realmente ganhou território aqui, foram Inglaterra e França. Além disso, a outra inovação foi a paz imposta sobre a Alemanha. Eles se baseavam na ideia que a Alemanha teria sido a culpada pela Guerra. Então a paz foi estabelecida sobre duras condições a Alemanha. A finalidade maior era transformar a Alemanha numa potência de segundo escalão. O que eles queriam era eliminar um concorrente, era estabelecer sobre a Alemanha condições das quais ela não conseguia se recuperar. Tomaram suas colônias, ocuparam parte de seu território, afundaram a marinha e limitaram suas forças armadas a uma quantidade reduzida homens e impuseram reparações econômicas, com a ideia de que a Alemanha devia indenizar os demais países pela destruição causas na guerra. Essas indenizações retiravam da Alemanha qualquer possibilidade de autogoverno, pois não deixava um centavo, toda a receita do estado era retirada, era sacada, e ninguém estabelecia o quanto ela devia. A Alemanha tinha que pagar, mas o valor ninguém dizia. Durante dois anos as receitas alemãs foram tomadas sem que ninguém estipulasse o valor devido. E quando estipularam, todos acharam que era uma dívida impagável. O tratado de Versalhes ficou muito mal visto pela população alemã. Todo mundo na Alemanha condenada Versalhes como um tratado injusto, ilegítimo. Todos os partidos da Alemanha tinha a ideia de que a primeira medida a ser feita era retirar a Alemanha do tratado e descumprir as sanções. O tratado era uma grande fonte de insatisfação e que acabou contribuindo com a subida de Hitler ao poder. Outro acontecimento importante e que teve consequências muito sérias foi o fenômeno econômico do crack da bolsa econômica norte americana em 1829, começou nos EUA e se alastra mundo afora. A produção industrial caiu 1/3, o comercio mundial caiu cerca de 60% - é muito alarmante, é crise geral e levou junto os outros países, principalmente os subdesenvolvidos. O desemprego foi muito alarmante, principalmente na Alemanha, onde 44% da população com idade de trabalhar procurava emprego e não achava. Diante dessa situação econômica tão aguda e generalizada, o que os Estados fizeram foi tentar proteger suas próprias economias nacionais, todo mundo se fechou economicamente para preservar a indústria e mercado. O livre comércio que tinha sido estabelecido deixou de ser praticado, e quase todos desvalorizaram sua moeda, sendo assim os produtos se tornam mais baratos no comercio internacional. Diminui-se o custo de produção em relação ao preço de venda. O produto fica mais competitivo, e tudo isso era ilegal e eram medidas que violavam tratados internacionais, principalmente os de livre comercio que haviam sido celebrados no fim do século XIX. A primeira grande consequência que a crise econômica trouxe para o direito internacional foi uma interrupção do sistema multilateral do comercio. Ele deixou de funcionar, era letra morta. Tinha o tratado, mas ninguém cumpria e nem cobrava que o outro também cumprisse. Só que a principal consequência da crise foi política. Nos países onde havia algum tipo de satisfação politica, ela diminui, e onde não tinha insatisfação política ela acabou surgindo, e elas eram generalizadas. A situação social era grave e todos queriam mudanças. Boa parte dos jovens europeus procuravam empregos por meses e não achavam, e isso começou a gerar sérias insatisfações. Essas insatisfações levaram a uma mudança brusca na política de países da América Latina, Europa e Ásia. Essa virada brusca na política acabou favorecendo a direita, sobretudo a ultradireita. Foi ela que assumiu o governo de diversos países. Houve ascensão do nazi-fascismo, que tinham objetivos muito claros, que eram impedir que as insatisfações se transformações em revoluções sociais. A união soviética não sofreu nada com a crise, pois estava fechada economicamente para o livre comercio então ela não foi arrastada para o buraco. Essa realidade politica acabava fazendo com que os partidos comunistas acabavam ganhando visibilidade. A missão dos governos de ultradireita era frear a ascensão da esquerda, e Hitler soube fazer isso se apropriando da metodologia da esquerda. Ele se confundiu com a esquerda, ele mobilizada a população para uma mobilização de baixo para cima, para uma transformação radical da sociedade- era um linguajar típico da esquerda revolucionária. E isso deu certo. O partido da esquerda errou bastante, pois podia ter freado a ascensão de Hitler, uma vez que eram mais fortes, no entanto, não estavam enxergando que o crescimento do nazismo estava acontecendo num ritmo mais acelerado do que o deles. Depois que o nazismo ficou mais forte, o partido comunista alemão começou a dizer que o nazismo era mais forte, e não o combateram. Isso acabou tirando a confiança no partido comunista. Hitler aplicava a pancadaria na esquerda e diante das massas falava o linguajar da esquerda, e conseguiu ganhar espaço e força. Ele se tornou chefe de governo no ano de 33. Só que, a essa altura, o cenário internacional já estava tenso. O Japão invadiu a China. Hitler sobe ao poder e retira a Alemanha do tratado de Versalhes e da liga das Nações. No mesmo ano a Itália invade a Etiópia e em 36 se retira da liga. No mesmo ano, a Alemanha ocupa a Renânia e se forma a coalização militar entre Alemanha, Itália e Japão que ficou conhecida como Potências do Eixo.Em 1937 o Japão invade a China novamente e pro Japão começa ai a guerra mundial, pois ele só para de guerrear em 45. Em 38 a Alemanha anexa a Áustria e depois toma a metade a Tchecoslováquia. Em 39 a Itália ocupa a Ubânia enquanto a Alemanha invadia a Polônia e tomava o que faltava da Tchecoslováquia. A década de 30 foi muito conturbada. A violência começa em 31 e a guerra só em 39, porque esperaram tanto tempo sem fazer nada contra a violência? As potencias não conseguiam fazer nada contra Hitler e as demais potencias do eixo, em 36 a liga das nações impôs um conjunto de sanções contra a Itália, por causa da invasão a Etiópia, mas as potencias começaram a achar que essas sanções não iam dar em nada, pois o eixo não ia sair de onde invadiu. A Inglaterra e França nessa época eram as únicas que faziam parte ainda da liga das nações, e não podiam fazer nada contra o eixo e ainda estavam muito frágeis por causa da primeira Guerra Mundial, então não tinham recursos financeiros para enfrentar uma nova guerra, não tinham reconstruído seus exércitos, não tinham homens para isso, e na Inglaterra o império britânico estava ruindo em boa parte de suas colônias, ou ela cuidava do império ou de Hitler, e preferiu cuidar de seu império. A França sozinha não podia fazer nada sozinha. As limitações da Inglaterra e França eram as da Liga. Sendo assim, elas revogaram as sanções impostas, só que quando fazem isso, fica claro que a liga não tem força para assegurar a paz, e ela foi criada para manter a paz, para servir de fórum de negociação, mas também deveria ser uma organização que agiria como braço forte na hipótese de ter ameaça a paz. O eixo era ameaça e ela foi incapaz de agir contra eles, consequentemente, era ruiu, perdeu a moral. A guerra se iniciou. A liga ruiu, todo o ordenamento internacional também, a delimitação territorial feita já não correspondia mais aos fatos, o sistema de proteção das minorias também ruiu. Hitler entrou no território polonês com argumento de defesa em que, se a Polônia não ia proteger os alemães que viviam em seu território, então ele ia entrar pra fazer. Assim começa a Segunda Guerra Mundial, pois com a invasão a Polônia muita gente declara guerra a Hitler. g) Hans Kelsen e a “Soberania da Ordem Jurídica Internacional” KELSEN – livro: Teoria pura do direito – publicado em 34 Era austríaco, mas boa parte de sua vida se deu nos EUA. Para ele o direto é um sistema hierarquizado de normas. No topo da hierarquia temos a norma fundamental que legitima todo o resto do ordenamento. Ela teria alguma importância hierárquica maior que as outras normas, e as de hierarquia inferior precisariam todas respeitar os ditames da fundamental, pois se isso não acontece as de hierarquia inferior são expulsas do ordenamento, são revogadas, anuladas. Para Kelsen a norma fundamental era o direito internacional, especificamente o princípio pacta sunt servanda – o que foi pactuado deve ser cumprido. Esse princípio, para Kelsen, fundamentaria ou justificaria a obrigatoriedade dos tratados, a principal fonte do direito internacional. O direito mundial é um sistema só, é um único ordenamento. O ordenamento que é composto pela diversidade de ordenamentos nacionais, pelas constituições e ordenamentos jurídicos dos diversos países. Mas é um sistema que é hierarquizado pelo direito internacional. É esse direito internacional que iria coordenar os distintos ordenamentos nacionais. A Constituição estaria hierarquicamente abaixo dos tratados. Para ele o estado é completamente determinado pelo direito internacional. Ele falava isso contra Hitler, que justificava suas atitudes na Constituição Alemã. Hitler alegava que a Constituição o deu direitos para fazer o que fazia. A Constituição que regulamenta a soberania alemã. Em nome da Nação suprema ele (Hitler) podia tudo. Kelsen tirava essa ideia de que o direito internacional era mais importante que o nacional, pois para ele o direito internacional determina o Estado. Para ele a soberania do estado não é absoluta. Não existe essa soberania absoluta, pois o estado é totalmente determinado pelo direito. Ele só atua naquilo que o direito internacional permite. O estado só tem poder dentro do seu estado, na área geográfica permitida pelo direito internacional. Ele dava alguns exemplos – O estado pode legislar sobre qualquer matéria, mas se ela for previamente regulada por um tratado, o estado não vai poder criar uma lei doméstica que seja incompatível com o tratado, pois vai violá-lo. Ou seja, o estado só atua naquilo que o direito internacional permite, portanto o direito internacional é que determina a atuação do estado. É ele que possibilita, que condiciona, estipula o modo que poderá ser feito. Sendo assim, o direito internacional é superior e a constituição dos países deve respeitá-lo. Ele dizia que isso é uma teoria pacifista, pois contrariamente a constituições da Alemanha, por exemplo, os tratados determinam que o uso da força é ilícito, especificamente o pacto da Liga das Nações, é esse tratado que ele recorre para dizer que a conduta de Hitler estaria ferindo o Direito Internacional. A preocupação dele era com o conteúdo do direito. Ele queria, com sua teoria, condenar a conduta de Hitler como ilícita. É uma teoria fruto dos fatos e uma posição política adotada por Kelsen diante da luta política mundial. Soberania do Estado enquanto supremacia não existe, o estado não era supremo, a principal força e poder. A principal força era o direito internacional é a ordem jurídica internacional, por isso a soberania do estado não existe, a soberania é da norma internacional, é ele que era suprema. (Diferente do que pensa Jellinek, que tinha doutrina seguida por Hitler, para o qual havia a autolimitação do estado). E WEQBEC dizia que o direito internacional impõe limites ao poder do estado. Aula de Baltar (18/09/2016) [Continuação...] Esta é nossa última aula sobre história do direito internacional; na próxima, começa a parte mais dogmática da disciplina, que é dedicada às fontes h) O Direito Internacional após a 2ª Guerra Mundial Na aula passada, tratamos do período entre guerras, e, hoje, o fim do segundo grande conflito mundial é o marco da nossa aula. Deve-se ter sempre em mente o contexto político-internacional que havia naquelas épocas; em última instância, o direito internacional foi um produto desse contexto. A tabela (colocada no quadro), diferenciando os períodos históricos, é uma forma de facilitar o estudo, de fixar, para que se possa comparar as características que prevaleceram neste período (olhar a tabela). Quando acabou a Segunda Guerra Mundial, tínhamos um mundo dividido politicamente em três blocos de força, sendo dois principais: EUA e URSS; que saíram da guerra como as principais potências do mundo, cada um liderando um polo de estados. Esses blocos eram blocos antagônicos na política internacional, com políticas bastante distintas. Além desses dois, tínhamos o terceiro: os países do terceiro mundo; foi nesse período que surgiu a expressão ‘terceiro mundo’; países desenvolvidos, capitalistas, como, por exemplo, Brasil e os demais países sul-americanos, a India e vários países asiáticos e norte africanos. Todos esses países se uniram, afirmando que o colonialismo norte americano era uma ameaça, assim como a União Soviética. O que eles queriam era não se sujeitar a nenhum dos dois. Temos, então, a bipolarização do mundo, com a divisão EUA X URSS e os países do terceiro mundo (ou não aliados). Como a divisão era entre essas duas potências, todo o direito internacional refletia essa condição. A verdade é que, apesar de divididos, EUA e URSS tinham um acordo de manter relações pacificas entre si; era um acordo tenso, pois poucodepois tivemos a guerra fria, e, certo tempo depois, a corrida armamentista, nuclear, tornando o cenário internacional extremamente tenso. Apesar dessas divergências, um conflito direto entre eles não eclodiu justamente porque tinham um acordo de preservar as relações entre si. O maior aspecto desse acordo certamente foi a ONU, que teria a finalidade de liderar a reconstrução da política internacional, abalada pelo conflito. Ela foi criada por mais de 50 países inicialmente, mas os seus principais criadores com certeza foram os países que venceram o nazi-fascismo; vejam a ONU como um resultado de negociações que se iniciaram entre os países que combatiam o nazi-fascismo, e isso significava especialmente os EUA e a URSS, que foram os principais países a combatê-los durante a guerra. Uma outra inovação do período foi no sistema de direitos humanos, que foi uma forma de superar o sistema de implantação de minorias que a gente falou na aula passada – quem era membro de uma minoria étnica, ganhava proteção jurídica através dos tratados internacionais, que asseguravam a essas minorias direitos fundamentais, como direito à vida, à liberdade religiosa... – só que esse sistema só atribuía direitos a pessoas que pertencessem a essas minorias, quem não era da minoria não estava protegido pelos tratados. Eram direitos que se atribuíam em razão das diferenças. Os direitos humanos tentam superar isso porque seguem direitos que são defendidos não pelas diferenças, mas pela igualdade. Quer dizer, os direitos humanos tentam prever garantias fundamentais, assim como o sistema de minorias, sendo também criado através de tratados, assim como os tratados de minorias; só que estes garantiam direitos para quem interessasse; os direitos humanos acreditam em direitos para todos, desde que sejam seres humanos. A razão de atribuir direitos não é a diferença étnica, são para todos, é quem é igual, é a igualdade. Essa é a diferença marcante. Então, podemos dizer aqui que temos o surgimento dos direitos humanos. O passo inicial foi a declaração universal de direitos humanos de 1948, só que, para que se chegasse até ela, tivemos um monte de polêmicas, pois, na hora de dizer o que eram os direitos humanos, EUA e URSS não conseguiam concordar. Para os EUA, os direitos humanos significavam liberdades individuais: direito à vida, direito a não ser preso, direito a um tratamento igualitário, liberdade de manifestação e de expressão religiosa. E para a URSS, eram os direitos sociais, que pudessem assegurar uma condição digna da existência: arrumar um emprego, salário justo, liberdade sindical, direito à saúde e educação, etc. E isso não era apenas um programa ideológico; tinha um quê propagandista, é verdade, fazia parte da guerra fria. Enquanto os EUA voltavam a sua ideia de direitos humanos para opor a URSS, diziam: “aqui nós temos liberdade política”, “temos uma ordem melhor”. Os soviéticos diziam o mesmo: “nossa ordem é melhor porque nós asseguramos direitos sociais para todos; é uma ordem socialmente igualitária, aqui ninguém passa necessidade, existe uma cooperativa social que protege a todos...” Só que no fundo, nenhum dos lados estava realmente disposto a se sujeitar a um tratado internacional que viesse a alterar os seus sistemas no regime; ninguém estava disposto a isto. Quero que entendam que aqui tínhamos ordens realmente diferentes e incompatíveis. Por exemplo, os EUA defendiam que o direito a propriedade individual era um direito humano. Isso a URSS nunca poderia reconhecer. Ela tinha feito uma revolução política para eliminar o direito a propriedade; impossível assinar um tratado internacional, no qual iria se comprometer a permitir a propriedade no seu território; significaria voltar atrás em sua revolução, e nisto não estavam dispostos. Os EUA também tinham seus problemas com os direitos humanos, particularmente com a ideia de direitos sociais. Eles diziam: “olha, se algum país quiser promover o emprego como política publica, tudo bem, mas ele não está obrigado juridicamente a fazê-lo, pois se não, a gente teria de admitir a seguinte situação: caso o indivíduo esteja desempregado, ele pode processar o Estado para exigir um posto de trabalho”. Para os EUA, isso era impensável; para a URSS, isso era algo que se resolvia no âmbito administrativo. Então, essas incompatibilidades representavam um problema nas negociações. Curiosamente, em 1948, a declaração universal de direitos humanos surgiu. E dentro dela, temos as duas considerações, Se vocês leem os artigos contidos na declaração, verão que existem artigos que corresponderiam aos direitos humanos na concepção dos americanos e também artigos que falam sobre direitos sociais. Como se conseguiu fazer isto? Simples. Formalmente, essa declaração não é um tratado internacional, formalmente, não é vinculante; quem participou de sua elaboração não assinou compromisso de transformar aquilo em algo realmente obrigatório. Porque a declaração é apenas uma resolução da assembleia geral da ONU, e elas não são obrigatórias. Só que os Estados estavam querendo transformar aquela declaração em um tratado, por isto, mesmo depois de 48, continuaram negociando um tratado. E negociaram, e negociaram, e negociaram... até perceberem que as políticas eram realmente incompatíveis. E então eles desistiram da ideia de celebrar um único tratado. Resultado é que surgiram dois tratados de direitos humanos, ambos elaborados em 1976. Um deles chama-se Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; neste, temos um rol de direitos patrocinados pelos EUA, as liberdades e garantias individuais, os direitos humanos de primeira geração. E também foi celebrado outro tratado: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Neste, tínhamos um catalogo de direitos sociais, direitos de segunda geração, patrocinados pela URSS. i) Globalização e Ordem Internacional Neste mesmo período histórico, temos mais dois elementos muito importantes na ordem política e jurídica internacional. Um deles é o início da integração europeia. A União Europeia, enquanto tal, com esse nome, implantou uma união monetária, no qual temos o Euro. Como órgão que tem grande controle sobre as economias europeias só surge a partir da década de 90, só que os primeiros passos para o seu surgimento se dão em 52. Nessa época, foi criada a Unidade Europeia do Carvão e do Aço, que era, sobretudo, um acordo entre Alemanha e França no qual eles se associariam economicamente para reconstruírem suas economias após a Segunda Guerra Mundial. A finalidade primeira da integração europeia era a própria reconstrução da Europa; reconstruí-la para fazer dela novamente uma grande potência, para fazer frente aos EUA. Aqui, o objetivo eram as matérias primas que serviriam para a reconstrução da indústria, arrasada pela guerra. Só que não somente as grandes potências protagonizaram momentos importantes para o direito internacional. Os países subdesenvolvidos tiveram momentos importantes. Eram países capitalistas de terceiro mundo, mas que eram usados, e tinham como objetivo desenvolver suas indústrias nacionais, porque acreditavam que, fazendo assim, podiam se transformar numa potência de primeiro mundo; acreditavam que o desenvolvimento era uma estrada que qualquer país poderia passar, desde que adotassem a política econômica correta. Eram países extremamente nacionalistas. Esses países rejeitavam a liderança norte- americana e a soviética, e se aproveitavam da briga entre eles, fazendo alianças com ambos quando lhes fosse conveniente, tentando se aproveitar ao máximo das situações para alcançar seus interesses. Eles adotavam normas que deixavam claras as suas estratégias políticas, e começaram a se encontrar e realizar conferências, aprimeira foi em 55, e, depois, passam a utilizar a própria Assembleia da ONU como palco para formularem suas reivindicações; juntos, eram maioria, e se aproveitavam dessa maioria, fazendo aprovar resoluções que atendessem aos seus interesses, que correspondessem aos seus objetivos econômicos, políticos e sociais. Mas esse movimento só fez crescer por perto, porquê, a partir da década de 50 começamos a ter o movimento de descolonização na Ásia, e, a partir das décadas de 60 e 70, temos a descolonização na África; nesse período, não foi um ou dois ou três Estados que se tornaram independentes, foram mais de 50, então tivemos uma grande leva de países que se tornaram independente naquela época. Economicamente, tínhamos o mundo muito diferente de hoje. Depois que chegamos no fim da década de 60, se olhássemos para o mundo, veríamos que 1/3 da humanidade vivia em países onde não havia propriedade privada, porque tivemos outras revoluções socialistas entre a segunda guerra e a década de 60: a chinesa, a cubana... E todos esses países eram fechados ao livre comércio, não aceitavam empresas multinacionais no seu território, e não praticavam esse livre comércio, eles tinham o monopólio estatal como sistema econômico. Nada que eles vendiam ou compravam era feito sem o controle do Estado; ele tinha o controle sobre o ingresso e sobre a saída de toda a riqueza. Só que não eram apenas esses países que eram fechados para a economia internacional, os países do terceiro mundo também eram, e, aliás, os países de primeiro mundo eram bem mais fechados do que hoje; nacionalismo econômico era uma marca generalizada na ordem internacional. Os EUA, por exemplo, praticavam um intervencionismo estatal na economia desde a década de 30, que foi resultado da crise de 29. O líder da recuperação econômica americana (*não consegui entender o nome dele, desculpa) disse: “a melhor forma de recuperarmos a economia é com a intervenção do Estado”. O próprio Estado passa a investir na economia, realizando obras públicas, criança subsídios econômicos para setores industriais que achavam importantes, erguendo valores comerciais em setores que consideravam vulneráveis para que seus produtores domésticos não fossem ameaçados por competidores internacionais e produtos importados. Eles impuseram restrições para o ingresso de produtos estrangeiros, apesar de permitirem esse ingresso, criaram instituições de proteção social, uma rede de proteção social, com auxílios e benefícios: seguro desemprego, maternidade, auxílios de moradia, etc. Isso os países do primeiro mundo também fizeram, só que o nacionalismo industrial nos países de terceiro mundo era bem mais aguçado. Eles queiram se tornar países de primeiro mundo desenvolvendo a própria indústria, e, para fazer isto, adotaram políticas semelhantes a essas dos EUA; na verdade, chamavam a estratégia de estratégia de distribuição de produtos importados. Eles diziam: “vamos desenvolver a indústria doméstica; vamos começar pelos setores nos quais importamos, não queremos mais importar, queremos produzir aqui dentro; vamos deixar de importar, e vamos desenvolver uma indústria nacional nesse ramo para que a gente não dependa da importação desses produtos... vamos criar subsídios, vamos criar empréstimos com condições de pagamento facilitadas, vamos proteger esses setores da competição estrangeira, vamos criar uma indústria de base, para oferecer matérias primas para as novas industrias”, aí, então, a criação das empresas estatais. E esse nacionalismo econômico, no terceiro mundo, se voltava especificamente para as riquezas naturais desses países, porque eles sempre foram países vendedores de matérias primas: um vendedor de petróleo, o outro de produtos agrícolas, de carne, ferro, urânio, etc. Cada um tinha uma riqueza natural, e dependia disso para sobreviver no comércio internacional. Só que, em muitos desses países, as riquezas naturais ainda se encontravam sob controle de metrópole... (o áudio fica muito ruim nessa parte)..., principalmente na África. Os contratos de exploração de petróleo, por exemplo, ou de ouro ou de urânio, foram feitos através de licitações realizadas, muitas vezes, através de corrupção. Só que os países africados que se tornavam independentes politicamente diziam: “essa independência política significa muito pouco, porque minha economia depende quase que integralmente daquela riqueza”. Por exemplo, na Bolívia, 80% do PIB vem do petróleo e do gás, e isso era a situação de todos esses países, quase todas as suas economias dependiam de uma riqueza natural. E eles diziam “puxa, mas eu não controlo essa riqueza natural, e se eu não controlo ela, eu não controlo minha economia”, ou pelo menos, no caso da Bolívia, ela não controlava 80% de sua economia. E aí eles diziam: “queremos desenvolver nossa indústria; para isso, precisamos de recursos; queremos desenvolver o sistema de seguridade social, precisamos de recursos, mas a única fonte de riqueza que nós temos são aquelas riquezas naturais que estão sendo controladas por uma empresa que pertence à antiga metrópole. Quer dizer, a antiga metrópole continua mandando na minha economia, o elo colonial ainda não foi rompido. “Queremos independência total, e, inclusive, queremos controle sobre essas riquezas naturais, para que possamos nos desenvolver econômica e socialmente”. E esse passou a ser um dos grandes pleitos dos países do terceiro mundo, a soberania permanente sobre os recursos naturais, e eles passaram a expropriar investidores internacionais e a tomar diretamente controle sobre essas riquezas; o Brasil foi parte disto, lembre-se da Petrobras, “o petróleo é nosso”, isso foi um produto dessa época histórica, de 1952, mais especificamente. Não foi só o Brasil que estatizou os setores econômicos e tomou o controle e monopolizou o petróleo; isto foi, na verdade, generalizado ao redor do terceiro mundo, quase todos os países da América Latina fizeram isto, quase todos os países da Ásia e da África que se tornaram independentes naquela época fizeram isto. E isso não era um programa de esquerda, era um programa político de direita, uma direita nacionalista. Todos os países, ou quase todos, eram formados por ditaduras, assim como o Brasil e outros países da América Latina. Diante de um cenário mundial econômico como esse, digamos que as instituições internacionais econômicas tinham pouco poder; foram criadas instituições jurídicas e econômicas nesse período: por exemplo, logo após a Segunda Guerra Mundial foram criados o FMI e o Banco Mundial. Só que eles quase não tinham poder nessa época, e tinham uma forma de atuação bem diferente da de hoje. Naquela época, eles emprestavam dinheiro com base em critérios técnico; muitos países conseguiram empréstimos do Banco Mundial com a finalidade de criar empresas estatais, como a Petrobras; e o critério era técnico: “se o projeto é bom, se for viável, emprestamos o dinheiro”. Além disso, até foi criado um acordo de livre comércio, um tratado internacional importante (GATT). É o principal tratado de comércio internacional, que ordenava o sistema multilateral de comércio. Isso foi um avanço em relação ao livre comércio que havia sido criado no século 19, que era formado de tratados bilaterais, entre dois países, só; este é a primeira grande convenção internacional. Mas isso tudo tinha pouca força, porque uma das características da ordem econômica internacional era o nacionalismo econômico, então, os países do terceiro mundo que queriam desenvolver sua indústria tinham de proteger sua indústria de produtos importados, por isso os países não poderiam acatar esse tratado pois ele era contrário às estratégias econômicas que tinham adotado, era contrário ao nacionalismo econômico. O que os países ao redor do mundo queriam àépoca era que a regulamentação da ordem econômica fosse feita apenas no âmbito internacional; nada de direito internacional se metendo nisso... “nós é que vamos regular”. Então, esse nacionalismo econômico significava que temas como o investimento estrangeiro, que é um dos principais temas do direito do comercio econômico internacional, está sujeito apenas à regulação nacional, às leis nacionais, não haviam tratados que dispusessem sobre. Bom, uma coisa importante, não era só nacionalismo econômico, era nacionalismo político também; todos esses países eram governados por ditaduras, que tinham função de assegurar no plano internacional a soberania estatal sobre a economia, então os regimes políticos eram essencialmente ditatoriais, e como países nacionalistas, não aceitavam qualquer tipo de interferência em seus assuntos domésticos. A consequência é que eles não aceitaram inicialmente os tratados de direitos humanos, simplesmente não os retificaram, pois acharam que, caso viessem a aceitá-los, sofreriam interferências. Um país que ratifica um tratado como esse assume o compromisso de adaptar sua ordem jurídica ao tratado. E eles diziam: “isso não vamos fazer, então não vamos ratificar o tratado”. Enquanto EUA e URSS brigavam para determinar o que eram os direitos humanos, esse pessoal também dava sua interpretação, e em sua interpretação, os direitos humanos significavam: direito a autodeterminação dos povos, ou seja, à ordem política, o que atendia aos anseios da Ásia e da África, nos movimentos de descolonização, e, ao mesmo tempo, diziam que eram os controles de suas próprias riquezas naturais, a verdadeira soberania econômica. E curioso, os dois tratados, em seus primeiros artigos, falam exatamente sobre isto. Apesar de os tratados de direitos humanos trazerem as reivindicações do terceiro mundo, esses países não aderiram aos tratados no começo. Se olharmos durante esse período, de 1966 até 79, veremos que apenas cerca de 30 países haviam aceitado esse tratado. Quando chegamos em 79, a coisa muda de figura completamente; vamos à outra ordem política, jurídica e econômica internacional. Em 79, tivemos a crise do petróleo; ela atingiu a todos, os primeiros a senti-la foram os países do primeiro mundo, particularmente os EUA e alguns países europeus, como a Inglaterra. Esses países vinham de um período no qual o crescimento econômico se dava a taxas cada vez menores, e, no entanto, estavam gastando quantias de dinheiro cada vez maiores para manter o crescimento econômico. Esse intervencionismo estatal na economia só fez crescer, e quanto o PIB crescia um pouquinho menos eles diziam: “devemos investir ainda mais na economia”. Só que aquilo estava dando cada vez menos resultado, a inflação estava crescendo, a economia indo para a estagnação, e aí vem a economia de 79; e as economias, que vinham crescendo a taxas cada vez menores, tiveram um baque, e, junto com isso, a inflação daquela época foi para índices galopantes. Esse é um período onde a taxa inflacionária americana alcançou a taxa mais alta em sua história. Então, era preciso mudar. Esse cenário econômico acabou contribuindo para que uma visão econômica liberal, que, até então, era uma visão minoritária, se fortalecesse; começou a se pensar que toda aquela intervenção do Estado na economia era ineficiente, trazendo poucos resultados, ou resultados cada vez menores, e passou-se a achar que todos aqueles gastos impediam o controle da inflação. “Como é que a gente vai reduzir a inflação se o Estado está gastando e gastando e gastando, estimulando a demanda e estimulando a demanda? Tem que reduzir os gastos do Estado e renunciar à demanda, e isso levará à baixa da inflação”. Então passou-se a achar que era necessário uma reestruturação da economia, e que o intervencionismo estatal era o problema que precisava ser resolvido, porque ele tornava tudo caro; para um industrial, era difícil reduzir preços, quando ele tinha um alto custo de produção, com tributos, com legislação social, com seguridade, e todos esses gastos, que vinham com a intervenção do Estado; então, para reduzir os gastos, devemos reduzir também a intervenção do Estado. E eles partem para uma reformulação econômica doméstica: privatizar as empresas estatais que haviam sido criadas, eliminar os subsídios a setores industriais estratégicos, reduzir os gastos do Estado com proteção social, reformas trabalhistas, que flexibilizaram direitos de trabalhadores. Só que tudo isso teve um impacto muito curioso nos países de terceiro mundo. Quando os países do primeiro mundo resolveram combater a inflação domesticamente, elevaram a taxa de juros doméstica; o problema é que os países de terceiro mundo vinham contraindo empréstimos para que pudessem financiar importações, e, ao longo da década, foram tomando quantias cada vez maiores, mas, quando veio a crise de 79 e os países de primeiro mundo foram obrigados a aumentar a taxa para combater a inflação, essa elevação teve uma repercussão direta nos contratos de empréstimos, pois tais contratos eram feitos em dólar, e o dólar estava sujeito às taxas norte americanas, e a dívida dos países de terceiro mundo imediatamente triplicou. O que aconteceu? Os antigos banqueiros, antigos credores desses países, disseram: “vocês não vão pagar... eu não vou emprestar mais nada para vocês, virem-se para pagar, não vou fazer um novo empréstimo para vocês, pois não têm como pagar”. Esse foi um momento de vulnerabilidade dos países de terceiro mundo; eles simplesmente quebraram, estavam todos extremamente endividados. Esse é um elemento do contexto político internacional: a crise das dívidas públicas do terceiro mundo. Quando esses países se viram vulneráveis, passam a desempenhar um papel muito importante na política e no direito internacional – até agora eram coadjuvantes. Mas quando chegamos neste momento histórico, quando os países de terceiro mundo se viram afogados nessas dívidas, saíram desse pessoal controlado pelos países do primeiro mundo, como EUA e Reino Unido. O que estes fizeram? Disseram: “precisam de dinheiro? Nós emprestamos... só que, como garantia de pagamento, vocês terão de realizar uma reformulação da ordem econômica de vocês; a empresa estatal que tinham, terão de privatizar, aquele tributo de importação é muito alto, terão de eliminá-lo ou reduzi-lo para a entrada de produtos importados; nada de subsídios”. Isso passou a ser uma condição para os empréstimos. O cenário internacional vai ainda se alterando quando chegamos em 1991, com a dissolução da URSS. Ela é a principal adversária dos EUA, então, se o livre comércio não avançava ao redor do mundo, em boa medida isso se dava pela oposição soviética; se deixa de existir essa oposição, os EUA ganham terreno livre para defender os seus interesses; temos como marca política, portanto, a hegemonia norte americana. Curioso... eu li um livro de um sujeito chamado Henry Kissinger, que foi secretário de estado norte americano por muito tempo, inclusive durante a década de 70, ditadura, tudo isso; esse cara, no seu livro, comentando a dissolução da URSS, diz essas palavras: “nós, americanos, nos sentimos tentados a reformular a ordem internacional de acordo com nossos interesses”. Não tinha mais oposição; se antes, nesse período, eles enfrentavam não só a URSS, mas o terceiro mundo, a derrota dos seus adversários lhes deu uma grande hegemonia. Então, com ela, os EUA partiram para uma reformulação econômica internacional; os países da URSS seguiram um caminho muito parecido com os caminhos do terceiro mundo, celebrando contratos de empréstimos, só que aqui as coisas foram até mais drásticas, pois esses países, enquanto havia a URSS, se protegiam através da coletividade, formando um grupo, internacionalizavam entre si,ninguém de fora conseguia entrar economicamente. Quando acabou a URSS, esses países independentes enfrentam o mercado internacional sozinho; a liberação econômica para eles se dá de modo extremamente abrupto, da noite para o dia. Essa é uma das grandes marcas da ordem econômica do mundo, que começa nos EUA e no Reino Unido, mas que se espalha para os países do primeiro mundo e para os países do terceiro mundo, e se espalha pelos países que faziam parte da URSS. Temos aqui, com essa liberalização econômica, não só a reforma das leis domésticas que esses países possuíam, eles alteraram suas leis mas, além disse, foram criadas instituições internacionais importantes. Por exemplo, nessa época, foi criada a Organização Mundial de Comércio, e isto representava um grande desenvolvimento do direito internacional do comércio em comparação com o tratado anterior (o GATT). Por três motivos: o primeiro é que, diferente do GATT, se encontra uma grandiosa adesão dos países, o Brasil, inclusive, negociou sua entrada durante o governo Collor, na década de 90, e a entrada efetiva se deu no governo Itamar; então se vocês olharem o Brasil nessa época, o Brasil que estava começando a participar do neoliberalismo, era assim em todo o hemisfério sul; isto trouxe diferenças para nossa vida prática; para ingressar, o Brasil teve de eliminar um monte de barreiras para a entrada de produtos importados; produtos importados, no Brasil, antes disto, era um luxo sempre, ter carro importado era coisa para ricaço; o segundo é que, diferente do GATT, a OMC não cuida somente de comércio de mercadorias, mas também de serviços, da propriedade intelectual e aspectos relacionados investimentos estrangeiros, e é uma organização internacional, não apenas um tratado; temos uma organização que atua cotidianamente, que é dotada do principal tribunal que existe, capaz de estabelecer sansões econômicas diretamente para os países. É outro cenário econômico comercial. Se antes a regulação dos investimentos estrangeiros era auferida pelas leis nacionais, a partir de agora passara a ser pelos tratados internacionais, os BITS (tratados bilaterais de investimentos). Esses tratados se desenvolveram bastante ao longo da década de 90; para ter uma ideia, no começo dos anos 90, havia cerca de 500 BITS espalhados pelo mundo; no fim, tínhamos quase 3.000; em 10 anos, tivemos a celebração de cerca de dois mil BITS; agora, eram contratos bilaterais, entre dois países, apenas. O Brasil nunca foi parte disso, Fernando Henrique ainda chegou a assinar 14 tratados, só que o Congresso não autorizou, considerando que era ofensivo a soberania. O problema é que esses tratados se desenvolveram tanto que, na prática do congresso internacional, começou-se a dizer que as cláusulas que eram repetidas em nesses mais de três mil tratados correspondiam a costume internacional. Isso foi tão amplamente praticado que virou a prática; mesmo que não assinou um tratado como esse, pratica cláusulas de livre comércio, geralmente contidas nesses tratados, até mesmo o Brasil, que não faz parte. j) Século XXI Toda essa reforma econômica no mundo trouxe um lado social muito sério. Essa reforma trouxe uma redistribuição da riqueza muito profunda na sociedade, se alterou previdência, a intervenção estatal na economia; levou ao desemprego, levou a baixa de renda, etc. Isso era um problema a ser administrado, particularmente porque os governos dos países de terceiro mundo, na virada de 79 para 80, eram todos governo ditatoriais, assim como o governo Brasileiro, e estavam no meio de grande descredibilidade popular e insatisfação; não foi só o Brasil que passou por movimentos populares, todos os países do terceiro mundo tinham governos sem aprovação popular. Então o pessoal pensou: “como um governo impopular como esse vai conseguir fazer uma reforma econômica? Não vai, vai ser derrubado; temos que colocar governos com credibilidade popular; vamos forçar uma mudança nos regimes políticos nesses países; eles precisam ter um governo para o povo, uma eleição, democratização, e eles têm um regime onde as oposições são suprimidas, elas têm que ter o direito de, pelo menos, eleger um parlamentar, então, também temos que conceder direitos políticos, direitos humanos”. Então foi isso, os países do terceiro mundo e da antiga URSS, que realizavam os contratos de empréstimos com esse pessoal, passaram a sofrer um novo condicionante, não era mais só fazer uma reforma econômica, mas também fazer uma reforma política. Então, o FMI e o Banco Mundial passaram a exigir, nos contratos de empréstimo, que os países de terceiro mundo aderissem aos tratados de direitos humanos. Assim, tivemos uma grandiosa adesão a esses tratados no fim da década de 90. Os direitos humanos chegaram no cenário internacional como um instrumento de administração da sociedade internacional, como um meio para reformar as ordens políticas dos países do terceiro mundo de modo a estabilizá-los, para que a reforma econômica funcionasse. Aula de Baltar (22/09/2016) [Continuação...] OBS: Diante do que foi mencionado na aula passada, permaneceu em branco a parte do quadro que relatava o Direito Internacional no século XXI e a proposta é olhar para o contexto político internacional, econômico e jurídico. É uma temática mais complexa, de fato. É observado no contexto político internacional: a) A crise econômica de 2008; b) A primavera árabe, ao redor do Oriente Médio e Norte da África, a fim de derrubar regimes políticos. Assiste-se correntes fascistas conseguirem tomar o poder. O estado Islâmico é isso. Deu- se inicio a uma Elite Totalitária a fim de tomar o controle do petróleo da região; c) Na América Latina os governos da centro-esquerda estão caindo. Não é só o PT; d) Nos EUA observa-se Trump quase vencendo depois do desgaste do governo de Barack Obama. FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL Aula de Baltar (22/08/2016) I- Fonte e Norma II- Fontes Materiais e Fontes Formais III- Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ) a) Tratados b) Costumes c) Princípios Gerais do Direito d) Jurisprudência e) Doutrina f) Resoluções de Organizações Internacionais g) Atos Unilaterais I- Fonte e Norma A aula de hoje explorará temas introdutórios. Daqui ao 1º GQ talvez só fale-se de Tratados. A primeira informação trata-se de um contexto histórico. “A humanidade não sabia que ela própria criava o direito. Antes da modernidade, quando se forma o Estado soberano, ainda achava-se que o direito era fonte da natureza, sendo criado por Deus.” (OBS: Não entendi o nome desse autor). Hugo Grócio, outro autor, foi da transição, concordando com as ideias Feudais, dando amostras de que surgia novas ideias. Advogava que existiam três fontes do direito, sendo: a) Deus: Confunde natureza com as leis de Deus. Quando um indivíduo é vítima do ataque, tem direito a legítima defesa. De onde vem essa regra? Aquilo que deu aos animais para auto-defesa e preservação, deu aos homens. Confunde o instinto natural com o direito e afirma que foi Deus que deu. ; b) O Estado; c) O consenso entre as nações. A humanidade só percebe que ela mesma cria o direito com a queda da Igreja Católica. Preocupa-se com que modo, fontes, pode-se criar o direito? Foi com essa pergunta que passaram a estudar as fontes do Direito Internacional. Muitos manuais trazem essa distinção para introduzir a matéria: a) Normas: Própria regulação jurídica, determinação da lei, proibição ou permissão para se realizar algo. Para serem válidas e vinculantes, devem estar contidas dentro de uma fonte do direito. b) Fontes: Meio utilizado para enunciarmos a norma. A fonte é o veículo da norma, o que enuncia. Uma só fonte, porexemplo, contém diversas normas. Contudo, cada uma cumpre um papel. Por isso, um só Tratado poderá conter uma pluralidade de regras. Todavia, o inverso é verdadeiro, já que uma só determinação da conduta tem diversas normas ao mesmo tempo. Quando fala-se em diversidade de fontes, é particular do Direito Internacional, que difere do direito interno, que tem-se a lei e usa-se os costumes quando há uma lacuna da lei. Usa-se os princípios e costumes, quando a lei foi omissa. No Direito Internacional não é assim, já que todas as fontes possuem o mesmo valor: Tratados, princípios e valores possuem a mesma força. São fontes primárias, com a mesma importância que as escritas, os Tratados. Quando olha-se uma sentença produzida por Tribunal Internacional, para decidir casos, nota-se o usufruto dos princípios e costumes. Ex: Suponhamos que determinado estado utiliza-se da força ilegal sobre outro estado. Estará violando um Tratado Internacional, contudo, ao mesmo tempo, o estado também viola o Princípio da não intervenção e da solução pacífica, mandando o Estado opressor se abster da agressão, ou seja, temos uma norma e onde ela está contida? Em um Tratado e nos princípios. Podemos ter uma situação em que uma só norma está prevista em uma diversidade de forma e todas devem ser invocadas, valendo a mesma coisa. II- Fontes Materiais e Fontes Formais Há, ainda, uma distinção é a que separa fontes materiais da formais. a) Fontes formais: Essas são procedimentos, meios que o direito reconhece como aptos para criar obrigações. Dizem respeito a forma, não ao conteúdo. b) Fontes materiais: São o conjunto das circunstancias históricas, políticas, morais, filosóficas e psicológicas que moldam o conteúdo da norma, não a forma. Um exemplo disso foi os DH que surgiam como rejeição moral aos Nazistas. Dizemos, portanto, que essa rejeição moral corresponde a uma fonte material nos Direitos Humanos. Isso moldou o seu conteúdo. Outro exemplo é que nos DH tivemos uma divisão que foi fruto das divergências do EUA e URSS, e os Eua acreditavam que eram liberdades individuais e o URSS que eram direitos coletivos e o resultado dessa divergência foram dois tratados celebrados para cada rol dos DH. Os sociais são programáticos, não exigíveis, já que os exigíveis são de 1º geração. É uma herança negativa da guerra fria. Foi uma divisão política que contribuiu para moldar as fontes materiais. Tem a ver com as circunstâncias fáticas que influenciaram os Direitos Humanos. Essas fontes materiais são postas em último plano no Brasil, não sendo estudado o processo político ideológico da formação do direito. Muitos autores afirmam que fonte material não e tema do direito e sim da história e da sociologia. Apenas as normas válidas atrofiam o estudo, sem saber se as normas são compatíveis com a sociedade. Se só se estuda as leis, teríamos uma limitação. Existem tribunais internacionais que decidem litígios valendo-se de fontes materiais, como Corte Europeia de Direitos Humanos em que as fontes materiais são levadas para a própria audiência. Uma das mais conhecidas é o direito a igualdade e não discriminação por parte das instituições do Estado. Só que a Corte Européia de DH admite o tratamento discriminatório, já que temos duas pessoas na mesma situação, precisam ser tratadas de modo igualitário, porém, se o Estado tiver razões para tratar de modo discriminatório, isso será legítimo para o tratamento discriminatório. Na hora do litígio, tudo entra no debate. EX: Uma senhora turca processou governo nessa corte por um tratamento discriminatório por parte do estado, em relação ao Direito de Família de que as mulheres casadas devem adotar o sobrenome do marido e os homens casados não. Há um tratamento diferenciado quanto ao gênero, impondo as mulheres um dever que não é dado ao homem. Temos um tratamento igualitário resta saber se a Turquia tem o que como justificativa? Disseram ser uma questão cultural e a mulher encontra-se em uma situação material de dependência econômica e financeira, garantindo uma unidade familiar de dependência. Não foi justificativa plausível sobre norma jurídica e sim a realidade social e econômica, não tocando em regras jurídicas para justificar o que estava acontecendo e condenou o Estado da Turquia a revogar a sua lei civil, pois é contrário aos Tratados de Direitos Humanos. Outro caso são três senhores islâmicos que processaram o Reino Unido porque queriam ingressar nesse território e suas esposas foram aceitas e eles não Afirmaram que tinham um tratamento discriminatório, já que pessoas da mesma situação de imigrantes tiveram um tratamento diferido. ( Segundo Baltar, essa é uma distorção, já que a sociedade e machista). A corte concordou que imigrantes homens possuem mais dificuldades de entrar no Reino Unido que mulheres. Justificaram que segundo os nossos estudos os homens que entram no território são mais propensos a buscar empregos que as mulheres. Queremos proteger o nosso mercado de trabalho. Não falou nada sobre direito e sim sobre o mercado de trabalho. A corte não concordou que era um tratamento legítimo, devendo fazer isso com regras igualitárias e não discriminatórias. Teve que revogar suas leis de ingresso. O que seria uma justificativa plausível com os DH? A Corte afirma quando for compatível com o princípio que rege as sociedades democráticas. A jurisprudência da corte baseia- se em ideologia. III- Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ) No fim do século XIX é lembrado que o positivismo jurídico teve grande influencia nas faculdades de Direito, influenciando como a doutrina tratou as fontes. A ideia foi escrever um Tratado Internacional elencando quais as fontes, sendo desnecessário, pois as mesmas já regulavam o Direito Internacional. Em 1907 houve a primeira tentativa de codificar as fontes do DI, a Convenção da Haia de 1907, tendo só importância histórica para o nosso estudo, pois esse Tratado nunca foi ratificado, não se tornando obrigatório. Só foi feita após a 2ª Guerra Mundial, a Corte Internacional de Justiça (CIJ), pertencente a ONU, com competência geral em qualquer matéria, não sendo delimitado. É o mais importante, pois o TPI, por exemplo só julga casos de penal, como genocídio, por exemplo. O CIJ tem competência geral, por exemplo, em Direito do Comércio, DH. E seu tratado constitutivo prevê no art. 38 um rol de fontes do Direito Internacional. Art. 38: A Corte cuja função é decidir de acordo com o Direito Internacional as controvérsias que lhe forem submetidas aplicará: a- As convenções internacionais, quer gerais ou especiais, que estabeleçam regras estabelecidas por Estados Litigantes O resto irá ser comentado próxima aula a) Tratados São a principal fonte do DIP, haja vista que são a mais usual, assim como numerosa. Por ser uma fonte escrita oferecem um grau de previsibilidade que os Princípios e Costumes não dão. Parecem uma lei, pois é uma fonte escrita, se dispõe em artigos e contém disposições gerais, impessoais e exigíveis, podendo regular qualquer matéria ( direito de família, contratos, sucessões, ambiental, processo, etc) , mas a sua diferença com relação a lei é que é uma norma produzida internacionalmente e com vigência internacional. Seu processo de elaboração dar-se através de negociação e de acordo celebrado por governos de dois ou mais países. Uma vez que existe a aceitação mútua (Ratificação) do acordo, o tratado entra em vigor. Difere dos contratos pelo seguinte fato: Nem sempre apresentam prestações e contraprestações mútuas, no mais das vezes, em um Tratado, e nem sempre os direitos previstos nele serão direcionados aos Estados membros (EX: Tratados de Direitos Humanos).Sendo uma fonte escrita, dá mais ideia de previsibilidade. São dispostos como lei e temos regras gerais e impessoais, sua diferença em relação a lei é que é uma fonte internacional criada através de negociação e acordo entre países, que é feito através da ratificação. É através da ratificação que o tratado entra em vigor. É um acordo e pode ser semelhante ao contrato, com prestação e contraprestação. EX: Tratado em matéria tributária, Tratado de Direitos Humanos que são atribuídos as populações dos estados. Como esses direitos tornam-se vinculantes? Quando os países ratificam os Tratados, assegurando as pessoas do Território os Direitos Fundamentais. “O tratado é como uma lei, fonte escrita, contendo regras impessoais, sendo fonte que surge não através de processo legislativo doméstico, mas de negociação, acordo entre estados. Pela ratificação, tem vigência, território no tratado de todos os países.” (BALTAR, Rafael. 2016). b) Costumes Quanto aos costumes, o Estatuto da CIJ traz isso na alínea b: o costume internacional como prova de uma prática geral aceita como sedo direito. Ou seja, no costume temos um elemento objetivo, prática reiterada, repetida e generalizada. Todos que encontravam-se na situação agiam da mesma forma. Não basta que seja uma conduta praticada por todos, é preciso que os Estados olhem pra essa conduta como regra, fruto de uma imposição, a ponto dos Estados esperarem de você essa conduta, exigindo que o Estados não descumpram essa conduta reiterada. Os países de terceiro mundo se beneficiaram com os costumes da guerra fria, a exemplo da soberania interna sobre os recursos naturais e de nacionaliza-los. Surgiu na guerra-fria, sendo aplicado amplamente, sendo uma conduta lícita. Teve uma prática geral e uma aceitação. O que Evo Morales fez em 2005 o Brasil sofreu, já que tomou todo o petróleo e gás e o Brasil teve um grande prejuízo. c) Princípios Gerais do Direito A respeito dos Princípios gerais do direito, as explicações são singelas, sendo os princípios práticas reiteradas. EX: Dignidade da Pessoa Humana. A partir da guerra fria até hoje, a sociedade internacional declarou princípios, criando um fórum onde todos os países encontram-se na Assembleia Geral, declarando-se os Princípios. EX: Declaração Universal de Direitos Humanos. A partir desse período os princípios passaram a ser declarados e já nascem para o mundo do direito. Em 1945 o regime colonial ainda não tinha acabado e a justificativa ideológica era o povo bárbaro. d) Jurisprudência e) Doutrina Não é fonte formal, são meios auxiliares, não criando regras jurídicas, só obrigam as partes. O que a doutrina escreve não se torna obrigatório. A jurisprudência é a internacional, da Corte Europeia, Corte Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo. A doutrina é todo e qualquer instrumento jurídico que não seja obrigatório, nos servindo como doutrina. Não é obrigatório, mas de grande importância ao auxílio. No artigo 38 o rol e exemplificativo, não taxativo. OBS: Dependendo da organização internacional, temos o caráter obrigatório das resoluções ou não. Olha-se o caráter constitutivo, para saber quais os poderes, órgãos e competências. Olha-se para o Tratado em que se cria. f) Resoluções de Organizações Internacionais ONU; OIT; OMC – pode haver resoluções obrigatórias e não obrigatórias. g) Atos Unilaterais Criados pelo estado, por que ele quer, sem contraprestação, sem reciprocidade, sendo unilateral. EX: Reconhecimento de governo. Quando se tem uma mudança brusca de governo, por golpe ou revolução, cria-se o problema se o governo que assume é legitimo ou não, através do reconhecimento. Na década de 70 a França realizava intervenções nucleares e a sociedade internacional queria sua suspensão. Ocorreu uma conferencia internacional e a França suspenderia os exercícios nucleares. Ai a Austrália e nova Zelândia processaram a França. Os Ministros de Estado são representativos, não falando individualmente, são palavras do Estado Frances. Ele assumiu unilateralmente o compromisso de suspensão e se isso não ocorreu, suspendera esse compromisso. Se ela mesmo estabeleceu esse ato unilateral, criou um dever para si. TRATADOS, CONVENÇÃO, PACTO, CARTA, AJUSTE, PROTOCOLO- TODOS TERMOS USADOS PARA DAR NOME AOS TRATADOS. ALGUNS AUTORES DIZEM: a) Carta: Tratado que cria organizações internacionais (Carta da ONU); b) Protocolo: Emenda a outros Tratados; c) Convenção: Tratados multilaterais Os tratados podem ser chamado de convenção, pacto, carta, protocolo, sendo termos para designar uma coisa só, tratados. São a principal fonte por ser a mais numerosa e regular as principais matérias INTRODUÇÃO AO DIREITO DOS TRATADOS Aula de Baltar (25/08/2016) I- Definição II- Terminologia III- Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 IV- Condições de Validade V- Classificação Durante esse período de aula, o 1º GQ nós vamos esgotar o estudo das fontes, dos tratados e vamos ainda realizar a uma aula de revisão e outra para fazer um exercício valendo ponto extra. Vamos falar sobre aspectos bem gerais sobre os tratados. I- Definição A) Tratados: são a principal fonte do DIP, pois é o mais usual e mais numeroso. Por ser uma fonte escrita, oferece um grau de previsibilidade que os princípios e os costumes não oferecem. Parecem uma lei, pois são uma fonte escrita, se dispõe em artigos e contém disposições geral, impessoais e são exigíveis, podendo regular qualquer matéria (dir. de família, contratos, sucessões, ambiental, trabalho, processo, etc), mas sua diferença em relação a lei é que o tratado é norma internacional, produzida internacionalmente e com vigência internacional. Seu processo de elaboração não se dá no Poder Legislativo de um país, como são as leis. O tratado é produzido através de um processo de negociação e de acordo celebrado por governos de 2 ou mais países. Uma vez que exista a aceitação mútua – ratificação - do acordo, o tratado entra em vigor. Difere-se dos contratos porque nem sempre apresentam prestações e contraprestações mútuas, em um Tratado, não há isso no mais das vezes. No contrato, geralmente, o direito que uma parte tem, advém da obrigação da outra. Tem em comum que ambos VER 10:50. Nem sempre os direitos previstos nos tratados serão direcionados aos Estados membros (ex. Tratados de Direitos Humanos); nos contratos os beneficiários são as próprias partes, essa é a regra. Em um Tratado que verse sobre Direitos Humanos temos normas que vão beneficiar os indivíduos, como o direito à vida, a propriedade, igualdade perante à lei. Então as pessoas que são titulares de um tratado como esse são os próprios indivíduos. Exemplo: Um dos principais tratados sobre direitos humanos: O pacto internacional sobre direitos civis e políticos. “Art. 6º §1º: O direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser regulado por lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”, Os Estados que ratificaram esse tratado firmaram acordo que essa disposição será obrigatória nos seus territórios. Os compromissos, portanto, foram firmados entre os Estados. Mas quem são os beneficiários, os titulares dos direitos tratados nesse tratado? A pessoa humana. O indivíduo que vive no território de A ou B. Então vejam que isso não parece, nem de longe, um contrato. Em um contrato não se estabelece o direito à vida e sim obrigações mútuas e benefícios mútuos entre os sujeitos contratantes. Em um tratado se estabelecem leis, gerais, impessoais, mas que possuem validade internacional. II- Terminologia Os tratados possuem vasta terminologia.Diversos nomes para cada tipo: Tratado, Convenção, Pacto, Carta, Ajuste, Protocolo – todos termos usados para dar nome aos tratados. Na doutrina alguns autores dizem: a. Carta – tratado que cria organizações internacionais. Ex. Carta da ONU b. Protocolo – emendas a outros tratados. c. Convenção – tratados multilaterais. Quando temos dezenas de países, por exemplo Apesar disso não há um critério cientifico, preciso, que nos apresente esses termos. Por exemplo, a O.I.T. tem o tratado responsável pela sua formação é chamado de Constituição. A Constituição da O.I.T e não Carta, como a doutrina tentou explicar. Não há, portanto, regramento preciso, não há lógica. Não pensem, que essas nomenclaturas são intercambiáveis, exemplo, se foi dado o nome de “Constituição da O.I.T”, não mude para Carta, pois foi o tratado que deu origem a organização internacional. O nome escolhido deve ser respeitado. III- Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 A “Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969” 1 regula o processo de extinção, dita as normas processuais de elaboração, as formas de aplicação dos tratados, como será feita a supervisão, os requisitos de validade. É como se fosse a grande norma regente, muitos doutrinadores a chamam de “o tratado dos tratados”. Os doutrinadores entendem que ela introjeta, internaliza diversas normas costumeiras, mas o professor de certa forma, discorda, pelo seguinte: Baltar nos explica que essa convenção começou a ser desenhada no final dos anos 1940, o acordo foi celebrado em 1969 e possuía uma cláusula que previa que, o tratado só entraria em vigor quando cerca de 35 países o ratificassem, o que ocorreu somente na década de 1980. Esse tratado foi ratificado pelo Brasil somente em 2009, decreto 7.030/09. Então se só possui normais costumeiras, por que tanto tempo para essa ratificação, do Brasil, por exemplo? Bem, ele explana que talvez até possua muitas normas praticadas por diversos países da Europa, mas por outros países, não. Como a ratificação desse tratado faria a sua observância, o respeito aos seus artigos, ser obrigatório, demorou tanto para que outros países o ratificassem. Em seu artigo 2º, §1º, alínea a, traz um conceito de tratado, como segue: “Para os fins da presente Convenção: a) “tratado” significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica; ” Então ele deve ser obrigatoriamente escrito. Se for acordo falado, não será tido como um tratado. Se não for regido pelo direito internacional, será outra coisa, mas não um tratado. O referido artigo não traz a possibilidade de as Organizações Internacionais celebrarem tratados, mas isso se deu em função de que, naquela época, essa possibilidade era muito escassa e não se discutia, por exemplo se elas eram dotadas de personalidade jurídica. Até certa circunstância (o assassinato de um agente da ONU), obrigar um debate – doutrinário e jurisprudencial - sobre o tema e foi decidido/entendido, pela Corte Internacional, que sim, a ONU é dotada de personalidade e, portanto, pode celebrar acordos, tratados, etc. Com isso, nasceu a necessidade da elaboração de outro tratado. A “Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1986” que vai ter a finalidade específica de regular os tratados internacionais que tenham como, pelo menos um integrante, uma Organização Internacional. Então se todos são Estados estrangeiros, o que regulará será o de 1969. Se possuir uma Organização internacional sequer, será o de 1986, certo migos? O professor ficou dando exemplos, com o intuito de nos explicar qual seria a convenção aplicada, a de 1986 ou a de 1969 em cada caso. Basicamente isso supraescrito. Esquema: Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1986 1 www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm VI- Condições de Validade Com relação aos requisitos de validade. Quais são? 1. Partes capazes; 2. Objeto lícito; 3. Forma prescrita ou não defesa em lei; 4. Ausência de vício de consentimento. Nessa esteira, pensem o seguinte: Como ficam os tratados firmados por grupos rebeldes, grupos de oposição por exemplo? Hoje na Síria há diversos grupos opostos comandando partes diferentes dos territórios daquele país. Com certeza eles já firmaram tratados internacionais, do contrário não estariam tendo acesso a treinamento militar, a material bélico. Mas como fica a obediência a esses tratados firmados, porque veja, se a oposição celebra um contrato, depois o governo não vai querer assumir esse compromisso. Concorda? Então quando vocês encontrarem na doutrina que esses grupos insurgentes podem celebrar tratados, olhem com desconfiança pois desses tratados sempre surgem inúmeras controvérsias. Outro ponto, um estado como Pernambuco, pode celebrar tratados internacionais? Bem, à luz do direito internacional a única exigência é que os sujeitos sejam considerados Estado soberano. Então a resposta deverá ser encontrada em nossa Constituição. Será que a Constituição permite que Pernambuco celebre tratados? A resposta é negativa. Não é dada essa faculdade aos estados federados brasileiros, a Constituição brasileira concentrou nas mãos da Presidência da República toda a capacidade de representar o país internacionalmente. Outro tema que pode surgir em relação a capacidade é a sua habilitação. Não é toda pessoa que pode representar o Estado, é preciso que seja uma pessoa habilitada, que seja uma autoridade pública competente, que possua plenos poderes para isso. Essa autoridade pública é chamada pelo direito internacional de plenipotenciário. Dentro de um estado, algumas figuras só pelo cargo que ocupam já possuem esses poderes. O chefe de Estado que no nosso caso é o Presidente da República, o Ministro de relações exteriores e os diplomatas. Consul, não! Somente essas três figuras, são autoridades oficiais que representam os seus estados nas relações exteriores, ou seja, possuem os plenos poderes (plenipotenciário). Pode ocorrer que uma autoridade pública, que não possui esses plenos poderes ser outorgada por meio de um documento chamado de “carta de plenos poderes”. Isso surgiu ainda no período medieval. Quando o Rei precisava celebrar um acordo e não podia se dirigir até o local, ele enviava um funcionário da corte, representante seu, e lhe outorgava poderes para tanto através desse mandato, a carta de plenos poderes. Isso ocorre até hoje. Por exemplo, na RIO+20 havia representantes de diversas empresas e diversos chefes de Estado. Foi uma conferência tão grande que os países mandaram vários representantes para que eles estivessem presentes nas diversas rodas de negociação e era tanta gente que se fez necessário outorgar direitos de representação a pessoas diversas e isso foi feito através dessa carta de plenos poderes. Senadores, deputados não possuem essa capacidade de representação, mas a presidência pode lhes conferir, entendem? Prosseguindo nas condições de validade, vamos para objeto lícito. Como isso é auferido no Direito Internacional? Não temos parâmetros, não existe um Código Penal. A Convenção de Viena traz um parâmetro que é repetido pela doutrina que “um tratado não pode contrariar uma norma jus cogens, uma norma cogente, imperativa do Direito Internacional”. Mas quais são essas normas no Direito Internacional? Não há determinação para o que é isso no Direito Internacional e a doutrina se contraria até hoje sobre esse ponto. O que se entende é quejus cogens é uma norma amplamente aceita pelos diversos Estados. E é pelo motivo de ser amplamente aceita que deve ser respeitada nos Tratados, sob pena de nulidade. Bem, ele diz que nem a doutrina nem a jurisprudência concordam sobre o tema. Então simplesmente guardem o que é consenso: jus cogens é uma norma amplamente aceita pelos diversos Estados e por isso é tão poderosa. Vale salientar que nunca um tratado foi anulado por violar uma norma jus cogens. Mudando novamente, do ponto de vista formal há exigência de o Tratado ser escrito. Por fim, para a celebração de um Tratado é preciso que não exista erro, dolo ou coação. Vício de consentimento. Dificilmente um Estado alegaria que participou da elaboração de um Tratado com por erro, o professor nunca viu. O dolo para nós consiste em induzir o outro ao erro e aqui no máximo encontraremos nos livros exemplos disso de Estados europeus que entregaram mapas falsificados a outras nações, coisa realmente muito antiga. Por último, não pode haver coação. O professor nunca viu nem mesmo exemplos disso mas pode-se fazer referência a isso. No caso de países de “3º mundo” foram coagidos, na época da guerra fria, diziam que a pressão diplomática, econômica, política, pode ser mais danosa que a coação militar e que por isso esse tipo de coação deveria ser entendida como coação ilegal. Mas, na verdade, isso nunca ensejou a anulação de um contrato. VII- Classificação Por fim, o professor explicou o seguinte: a doutrina gasta inúmeras páginas tratando da classificação dos tratados, mas que tal nível de especificação é desnecessária. Nos apresenta apenas duas, pois retomaremos essa classificação: 1. Tratados bilaterais: Dois membros 2. Tratados multilaterais: três ou mais Processo de celebração dos Tratados Temos dois tipos de tratados: O simples e os complexos (ou em sentido estrito). Seguem esses procedimentos a) Processo de negociação b) Assinatura ou adoção de texto c) Aprovação parlamentar d) Ratificação Após isso, ele entra em vigor. Se obedecem essas regras são chamados de tratados em sentido estrito ou complexos. Só que após a 2ª Guerra Mundial uma das preocupações foi a reconstrução dos países; a intenção era agilizar esse procedimento e criaram uma forma mais rápida de elaboração, uma forma prática, chamado de tratado simples ou de forma simplificada, na qual se dispensa a ratificação para que o tratado goze de validade. ELABORAÇÃO E ENTRADA EM VIGOR DOS TRATADOS Aula de Baltar (30/08/2016) I- Negociação II- Adoção de Texto III- Assinatura IV- Ratificação V- Competência para Ratificar Tratados no Brasil VI- Promulgação e Publicação I- Negociação O processo de produção de um tratado se dá no plano internacional, iniciando-se através do processo de negociação entre representantes de Estados, as negociações se estabelecem através de troca de notas informativas. Um Estado envia a outro uma correspondência informando que é do seu interesse negociar e celebrar um tratado com outro Estado sobre determinada matéria. Geralmente as negociações são conduzidas pelo poder Executivo, mas isso depende do sistema constitucional de cada país. Mas nem sempre os chefes de estados participam diretamente das negociações, os ministros das relações exteriores e diplomatas são figuras bem comuns nas negociações do tratado. Não existem normas jurídicas que venham a regulamentar o processo de negociação, o processo é inteiramente definido por critérios políticos. Os países decidem como as negociações devem se proceder, se é em grupo, blocos, com texto base ou não, com proposta ou contra proposta, enfim, o formato da negociação é estabelecido pelos negociadores, a única regra que eles estão sujeitos é o princípio da boa fé. Eles devem respeitar a boa fé durante o processo negocial. Cada um dos países, ao longo da negociação, vai eliminando os aspectos que considera secundário para que seja possível um acordo. II- Adoção de Texto Quando as negociações tem fim, o texto do tratado é adotado. A adoção do texto do tratado é um ato contínuo nas negociações. Com o fim das negociações, automaticamente têm-se a adoção do texto do tratado. Em um tratado bilateral, isso é feito com o mero consentimento das partes. O problema é quando existem muitos países negociadores, pois é muito difícil que oitenta países, por exemplo, concordem integralmente com cada ponto do tratado. No geral, cada membro vai apresentar pelo menos uma proposta de substituição de uma palavra por outra, de modo que o consenso absoluto sobre cada palavra do tratado é difícil de ser alcançado em caso de negociação muito ampla. Nesse caso, quando há um processo de negociação envolvendo muitos membros, ocorre uma votação para que o texto do tratado seja adotado. A adoção do texto do tratado está prevista no artigo 9º, da Convenção de Viena de 1969. Artigo 9 Adoção do Texto 1. A adoção do texto do tratado efetua-se pelo consentimento de todos os Estados que participam da sua elaboração, exceto quando se aplica o disposto no parágrafo 2. 2. A adoção do texto de um tratado numa conferência internacional efetua-se pela maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes, salvo se esses Estados, pela mesma maioria, decidirem aplicar uma regra diversa. Um tratado multilateral celebrado numa conferência internacional tem seu texto adotado por votação no quórum de dois terços dos Estados presentes e votantes. A importância da adoção do texto do tratado, do ponto de vista da sua celebração, é porque é a partir da adoção do texto que passam a valer as cláusulas que irão reger as fases seguintes de elaboração do tratado. Classicamente os tratados só entram em vigor com a ratificação, mas muitas vezes a assinatura e ratificação possuem prazos estipulados para acontecer, ou condições. Estipula-se um prazo de abertura ou de encerramento do tratado. E também podemos ter cláusulas parecidas que venham a regulamentar a ratificação. Essas cláusulas que regulam a assinatura e a ratificação estão contidas no tratado, geralmente vêm no final do tratado em um capítulo chamado “cláusulas gerais”. Teoricamente o tratado só entra em vigor com a ratificação, então essas cláusulas que pertencem ao tratado também deveriam entrar em vigor com a ratificação, ma o problema é que essas cláusulas versam sobre como a ratificação deve feita, então ela precisa viger antes do tratado ser ratificado para que a forma de ratificar seja obedecida. Essa é a importância da adoção do texto, pois as cláusulas que versam sobre como se dá a assinatura e como se dá a ratificação passam a valer a partir da adoção do texto. Isto consta no artigo 24, parágrafo 4º da Convenção de 1969. Entrada em Vigor dos Tratados e Aplicação Provisória Artigo 24 4. Aplicam-se desde o momento da adoção do texto de um tratado as disposições relativas à autenticação de seu texto, à manifestação do consentimento dos Estados em obrigarem-se pelo tratado, à maneira ou à data de sua entrada em vigor, às reservas, às funções de depositário e aos outros assuntos que surjam necessariamente antes da entrada em vigor do tratado. III- Assinatura Depois da adoção do texto do tratado, a próxima fase é a assinatura. A assinatura representa um consentimento do tratado, quem assina diz que concorda e que deseja se sujeitar a ele. A assinatura manifesta as intenções dos Estados em relação aquele tratado, mas é uma aceitação de caráter provisório porque posteriormente o tratado terá que ser ratificado. Existem tratados que podem entrar em vigor com a assinatura, mas isso foi uma inovação após o período da Segunda Guerra Mundial. Classicamente a assinatura representa uma manifestaçãode consentimento, mas é uma manifestação provisória porque o Estado ainda terá que dar uma manifestação definitiva através da ratificação. A assinatura, classicamente, não confere vigência ao tratado, apenas representa um aceite provisório do tratado. Mas não seria verdade dizer que a assinatura não produz efeitos, ela produz efeitos jurídicos, criando um dever para aquele Estado que assina o tratado. Esse dever é o dever de não frustrar o objeto/finalidade do tratado, não criar empecilhos para que o tratado não se torne vigente. Exemplo = Criação de um tratado de desarmamento nuclear. Quem adere o tratado e o ratifica, estará sujeito ao dever de destruir todo seu material bélico nuclear dentro do prazo de dois anos. Imagine-se que uma potência nuclear assinou esse tratado, se ela assinou o tratado, mas não ratificou, então ela ainda não estará sujeita ao dever de se desfazer das armas. Se ela assinou é porque realmente planeja no futuro se desfazer de suas armas nucleares, não estando obrigada a se desfazer das armas agora, mas ela não pode continuar a produzir mais armas, pois assinou um tratado que visa eliminar essas armas. Obs.: A assinatura não significa a obrigação de cumprir os termos do tratado. Significa a boa fé com relação ao tratado. IV- Ratificação A ratificação é o momento que tradicionalmente produz a vigência do tratado. É o principal ato formal para conferir vigência ao tratado. Atualmente, a ratificação ainda se relaciona com algum tipo de controle, mas é um controle exercido pelo poder Legislativo sobre o poder Executivo, pois muitos países possuem um momento intermediário entre a assinatura e a ratificação. É um momento que é um ato interno e não internacional, sendo assim um ato de controle do poder Legislativo sobre o poder Executivo. Esse ato se dá entre a assinatura e a ratificação, ele é o Referendo do poder Legislativo. A existência da ratificação permite que os países tenham em suas legislações domésticas um procedimento de controle. Se o tratado ganhasse vigência somente com a assinatura, não existiria a possibilidade de controle, então de certa forma a ratificação até hoje se relaciona com a ideia de controle. A ratificação não é um ato de controle, ela permite a existência de controle, mas ela não é ato de controle. A ratificação é um ato internacional, e sua função é conferir vigência a um tratado, esse é seu efeito jurídico. É um ato de ordem política, equivalendo à adoção de uma lei, e essa natureza política trás duas consequências, a primeira é a total discricionariedade para ratificar. Nenhum Estado está obrigado a ratificar um tratado, cada Estado faz isso através de uma análise de conveniência política. Nem mesmo quem assina o tratado se obriga com isso a ratificar. A segunda consequência importante da natureza política da ratificação é o fato que não existe prazo geral para ratificar tratados. É verdade que cada tratado pode estipular um prazo de ratificação, um prazo inicial e final. E lembre-se que se o prazo for estipulado, ele passa a valer com a adoção do texto. Mas se um tratado não contiver um prazo para sua ratificação, entende-se que não há prazo algum. Ex = A convenção de Viena de 1969, e o Brasil só ratificou em 2009. A ratificação se consuma através de um documento oficial chamado carta de ratificação. É uma correspondência trocada entre os Estados. SE existem dois países que negociam um tratado e o assinam, para que eles venham a ratificá-lo, cada um precisa enviar para o outro sua carta de ratificação. Com o procedimento das cartas, considera-se que o tratado entrou em vigor. Nessa carta de ratificação, o Estado afirma que aceita as obrigações contidas no tratado. No caso de tratado multilateral é diferente. Imagine que exista um tratado entre Brasil, Índia e China, e eles assinam o tratado e agora precisam ratificá-lo. Isso também será realizado através das cartas de ratificação, mas nesse caso as cartas não são trocadas entre todos, pois os países negociadores vão escolher um, entre eles, para que este venha a exercer a função de depositário do tratado. Vamos supor que a China foi escolhida como depositária, o que vai acontecer é que todo mundo vai enviar para China a sua carta e, ao receber as cartas, considera-se que o depósito da carta foi feito e consequentemente a consumação da ratificação. O depositário recebe as catas de todos e informa aos demais sobre as ratificações feitas (artigo 16 da Convenção de Viena de 1969). Antes da Convenção de Viena de 1969, a ratificação era considerada como marco indispensável para a vigência do tratado. Essa era a regra contida no tratado que precedeu a convenção de Viena, era a Convenção de Havana de 1928. Essa convenção dizia que os tratados não são obrigatórios se não depois de ratificados pelos estados contratantes, ainda que essa cláusula não conste nos plenos poderes dos negociadores e nem figure no próprio tratado. Mas após a Segunda Guerra Mundial, essa regra foi subvertida, os EUA e Europa buscavam intensificar suas relações comerciais para possibilitar a reconstrução da Europa, mas o problema é que eles começaram a achar que a existência desse procedimento para o tratado era um fator de demora na celebração de acordos comerciais. Com isso, alteraram suas leis domésticas de modo a dar poderes para as autoridades publicam confiram validade ao tratado apenas com a assinatura. E isso foi feito, tornando assim uma prática internacional. O direito internacional olhou para essa situação fática e acolheu. A Convenção de Viena trouxe uma ideia distinta da Convenção de Havana, pois estabeleceu que a ratificação só é necessária se o tratado exigir ou se o direito interno (constituição) dos países contratantes exigir. Quando isso acontecer nós teremos um tratado simples ou acordo em forma simplificada. Isso consta no artigo 14 da Convenção de Viena. Artigo 14 Consentimento em Obrigar-se por um Tratado Manifestado pela Ratificação, Aceitação ou Aprovação 1. O consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado manifesta-se pela ratificação: a)quando o tratado disponha que esse consentimento se manifeste pela ratificação; b)quando, por outra forma, se estabeleça que os Estados negociadores acordaram em que a ratificação seja exigida; c)quando o representante do Estado tenha assinado o tratado sujeito a ratificação; ou OBS.: Assinar o tratado sujeito a ratificação significa assinar e dizer que o tratado só vai valer depois da ratificação. d)quando a intenção do Estado de assinar o tratado sob reserva de ratificação decorra dos plenos poderes de seu representante ou tenha sido manifestada durante a negociação. OBS.: Quando se diz que é uma decorrência dos plenos poderes do representante, isso significa que ele não tem autoridade para fazer diferente. Ele possui poderes limitados, pois o direito doméstico não confere a ele poderes para assinar e dar vigência ao tratado. Qual o efeito jurídico da assinatura do tratado? Depende do tipo do tratado. Se for um tratado simples, a assinatura confere vigência. Se for um tratado em sentido estrito, cria um dever de não frustrar o objeto e finalidade do tratado. V- Competência para Ratificar Tratados no Brasil *Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; No artigo 84, da Constituição Federal, temos todas as competências do presidente enquanto chefe de estado. Só cabe ao presidente celebrar tratados, ma o que é celebrar tratados? É tanto o estabelecimento do conteúdo do tratado, quanto conferir-lhe vigência. O presidente está sujeito a um controle exercido pelo poderLegislativo, o “referendo” que o inciso VIII fala acontece exatamente entre a assinatura e a ratificação. O tratado é inteiramente conduzido pelo chefe de estado, mas o chefe de estado está sujeito a um ato interno de controle realizado pelo Congresso Nacional, representando o referendo. O Congresso Nacional não pode alterar o conteúdo do tratado, pode apenas referendá-lo ou não, além do poder de apresentar reservas ao tratado. A reserva é uma exclusão de dispositivo do tratado, ou uma codificação. Ex = Tratados econômicos envolvendo países subdesenvolvidos, pois geralmente eles requerem reservas para dilatar o prazo de implementação das reformas contidas no tratado, para fins de adaptação. Ademais, ainda há a possibilidade da reserva excluir algum dispositivo do tratado em relação ao estado que a apresentou. OBS.: A apresentação de reserva significa uma aceitação com exceções. Se o Congresso Nacional referenda um tratado, o Congresso irá emitir um decreto legislativo que autoriza o presidente a ratificar o tratado. É importante salientar que a decisão do congresso que referenda o tratado não vincula o presidente, não ficando este obrigado a ratificar o tratado. Mas se o Congresso Nacional rejeitar o tratado, ou seja, não o referendar, a[i então essa decisão vincula o presidente. VI- Promulgação e Publicação Realizada a ratificação, no momento do depósito, o tratado já está valendo internacionalmente. O Brasil já pode ser cobrado a cumprir o tratado pelos demais países membros. No entanto, o tratado ainda precisa ser incorporado ao ordenamento jurídico doméstico, e isso é feito através da promulgação do tratado, realizada por ato do presidente da república através do decreto presidencial. Nesse decreto, o presidente ordena que o tratado seja cumprido internamente. Com essa ordem de cumprimento, o tratado se torna uma norma plenamente integrada ao ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, ocorre a publicação que é realizada no Diário Oficial. Publica-se desde o decreto legislativo, o decreto de internalização e promulgação e o texto do próprio tratado. APLICAÇÃO DOS TRATADOS Aula de Baltar (01/09/2016) I- Fundamento de Obrigatoriedade dos Tratados II- Efeitos dos Tratados a) Princípio da Relatividade b) Efeitos dos Tratados sobre Terceiros Estados c) Modificação e Extinção dos Efeitos III- Conflitos entre Tratados IV- Garantias de Execução I - Fundamento de Obrigatoriedade dos Tratados Um problema que a doutrina tenta responder é: porque um tratado é obrigatório? O que justifica o fato de um tratado criar direitos e deveres exigíveis? E toda doutrina responde de modo unânime e a resposta que se dá é que existe uma norma superior aos tratados que diz que os tratados são obrigatórios. E que norma é esse? É um princípio que diz que o que é pactuado deve ser cumprido. A obrigatoriedade resulta do próprio acordo. A convenção de Viena, em seu art. 26, “pacta sunt servanta” explicita a origem da obrigatoriedade do tratado. II - Efeitos dos Tratados O tratado obriga as partes a cumprir os termos dos tratados. A obrigatoriedade de seus termos. Quando a doutrina estuda os efeitos dos tratados, ela não está olhando pra os efeitos em si, mas para seu alcance. Quais Estados encontram-se obrigados pelo tratado? a) Princípio da Relatividade e b) Efeitos dos Tratados sobre Terceiros Estados Significa que os efeitos do tratado estão restritos aos Estados que aderiram aos seus termos. Só obrigam às partes do acordo. Sempre envolveu disputas coloniais. Isso também consta na Convenção de Viena, no art. 34,tem-se o princípio da relatividade expresso. A regra é que o tratado não cria direitos e deveres a terceiro Estado, a não ser que este terceiro tenha consentido. Esse consentimento não significa que o terceiro tenha aderido ao tratado. Caso o terceiro Estado aceite, ele só estará vinculado àquele dispositivo que cria direito ou obrigação. Essa aceitação de um direito ou dever não representa adesão ao tratado, representa um acordo colateral ao tratado. A convenção prever regras explicitando quais condições e os modos pelo qual o terceiro Estado consente o dever ou obrigação constante no tratado. Como se dá essa aceitação? São as regras dos arts. 35 e 36 Art. 35, que cria um dever, nesse caso a aceitação deve ser expressa e por escrito. Art. 36, criação de um direito, nesse caso a aceitação pode ser implícita. c) Modificação e Extinção dos Efeitos É possível que haja modificação ou extinção de um direito ou dever. Vai ser preciso a aceitação do terceiro Estado e das partes (art. 37, § 1º) para extinção ou modificação de obrigação. O paragrafo segundo trata da extinção ou modificação de direito criado a terceiro Estado, estabelecendo que: “qualquer direito que tiver nascido para um terceiro Estado nos termos do artigo 36 não poderá ser revogado ou modificado pelas partes, se ficar estabelecido ter havido a intenção de que o direito não fosse revogável ou sujeito a modificação sem o consentimento do terceiro Estado.” III - Conflitos entre Tratados Não existe o critério hierárquico, pois todos os tratados têm o mesmo valor. O primeiro critério que se usa, é o da vontade das partes. O tratado pode conter um dispositivo, resolvendo qual disposição deverá prevalecer. Se dois tratados colidem, eles próprios podem ter cláusulas que resolvem o conflito (art. 30, §2º). A própria convenção de Viena, traz esse tipo de disposição (art. 30, § 1º). São cláusulas hipotéticas criam regras gerais. Se os tratados conflitantes não possuírem essas cláusulas, vale o critério cronológico. O mais recente prevalece (art. 30, §3º), isso se as partes forem as mesmas. Se as partes não forem as mesmas, resolve-se com base no princípio da relatividade. Ex.: três Estados (E1, E2 e E3) firmaram o tratado 1, após apenas dois Estados (E1 e E2) firmaram o tratado 2 versando sobre o mesmo tema. Utilizando o princípio da relatividade, o tratado 1 regulará as relações entre E1 e E3 e entre E2 e E3, enquanto o tratado 2 regulará as relações entre os Estados E1 e E2. V- Garantias de Execução O problema do cumprimento do tratado sempre foi uma fonte de preocupação. O resultado dessa preocupação foi que os Estados sempre criaram mecanismos para fiscalizar e monitorar o cumprimento dos tratados. Essas garantias não impõem, garantem que os tratados serão coercitivamente cumpridos. São mecanismos criados para averiguar se os países que aderiram ao tratado estão cumprindo com suas disposições. O tratado pode ter seu próprio sistema de supervisão. Mecanismo de supervisão “ad hoc” tem uma finalidade específica, única. Fiscalizar determinado tratado. Garantias institucionais, geralmente fazem parte de uma organização internacional, possuem caráter permanente de funcionamento, fiscalizam todo direito criado pela organização internacional em questão. DIREITO INTERNO E DIREITO INTERNACIONAL: CONFLITO ENTRE TRATADO E LEI Aula de Baltar (06/09/2016) I – Monismo e dualismo II – A posição do Direito Internacional a) Observância dos Tratados b) Inconstitucionalidade extrínseca III – A posição do Direito Brasileiro a) Tratado X Constituição b) Tratado X Lei ordinária c) Tratado de Direitos Humanos I – Monismo e dualismo Quando um tratado é celebrado, ele ganha validade não só no plano internacional, mas também no plano doméstico. No plano internacional, ele se torna obrigatório com a ratificação. Mas depois que esta acontece, o tratado precisa ser atraído para dentro do ordenamento nacional, ou seja, precisa ser transformado em norma interna, o que é feito com a promulgação do tratado através de um Decreto do Presidente da República.A partir deste momento, o tratado torna-se uma norma do Direito brasileiro e começa a viver lado a lado com as outras normas que compõem esse ordenamento. Mas o que acontece se a norma contida no tratado regulamentar uma matéria que já é regulada por uma lei brasileira, isto é, quando se há um conflito entre o que determina o tratado e o que determina uma lei brasileira? O primeiro estudo nessa matéria foi feito no século XIX, por Triepel (obra em 1899). Essa foi a época do grande desenvolvimento internacional, com muitos tratados firmados, e também quando se acreditava que os estados estavam vinculados uns aos outros. Antes não era assim, pois o Direito Internacional não tinha esse caráter universal. Então, no mesmo período histórico em que começavam a se desenvolver tantos tratados, surgiu um problema: como tais tratados irão relacionar-se com as normas jurídicas internas de cada país? Triepel afirmava que conflitos como esse jamais podiam acontecer, pois o Direito interno e o Direito internacional são duas coisas separadas, cada uma com seu âmbito de aplicação, não podendo se invadir e, por isso, impossível de se conflitarem. Assim, dizia que o Direito Internacional aplicava-se sobre os Estados, tendo nascido pela vontade coletiva de tais Estados, enquanto o Interno aplicava-se sobre os cidadãos, tendo nascido pela vontade individual de um Estado. O direito interno é regido pela subordinação dos indivíduos em face do Estado (é uma relação verticalizada), enquanto o direito internacional tem uma relação horizontal, surgido pela soberania de cada estado. Portanto, para Triepel, cada um desses direitos tem sua própria vida, e nunca se encontram nem se conflitam entre si. Tratado e lei interna só podem conflitar caso tratem da mesma matéria, mas para ele isso não podia acontecer, pois cada um tinha seu âmbito de atuação. Direito interno e direito internacional correspondem a duas ordens jurídicas, separadas, que jamais se tocam. Daí porque sua teoria é chamada de dualista. Essas ideias logo se mostraram equivocadas, porque o tratado, além de poder versar sobre a vida dos Estados, também podem reger a vida de cidadãos, de pessoas físicas ou jurídicas. Ex: em um tratado sobre comércio, as empresas dos países deverão transacionar de acordo com as normas do Tratado, e não pelas suas leis domésticas; o Tratado de Direitos Humanos diz respeito às pessoas físicas. Por isso, pode-se dizer que o Direito Internacional e o Direito Interno possuem, no mínimo, áreas de convergências: Direito interno Direito Internacional Conflito É notório, portanto, que Direito interno e Direito internacional se cruzam, e, se isso acontece, eles podem se conflitar se tiverem regras diferentes. Acabou surgindo, então, uma corrente teórica oposta à dualista, a qual afirmava que ambos os direitos seriam, na verdade, partes de um único sistema jurídico mundial: teoria monista. Se eles se encontram, significa que podem se conflitar. Uma vez havendo o conflito, como ele deve ser solucionado? Para responder essa pergunta, os monistas se dividiam – uma parte acreditava que a lei interna sempre deveria prevalecer devido à soberania do Estado (monistas nacionalistas); outra parte afirmava que o tratado teria primazia na solução dos conflitos (monistas internacionalistas), a ex. de Kelsen (para este, o Direito internacional possuía uma posição hierárquica superior até mesmo à Constituição dos Estados); outros afirmavam que em casos de conflito não haveria primazia nem da lei nem do tratado, mas um ou outro prevalecerá a depender do caso (monistas moderados). OBS: alguns livros, ao invés de chamar “monismo moderado”, chama essa corrente de “dualismo moderado”. Do ponto de vista prático, é a mesma coisa. Havia ainda correntes que criticavam não só as posições adotadas, mas criticavam a própria pauta do debate, a ex. do autor soviético Grove, que dizia que qualquer separação entre Direito interno e Direito internacional é tão artificial quanto as diferenças entre política interna e política internacional. Ele dizia que vivemos em uma sociedade internacional que representa um sistema de estado, onde cada estado cumpre um papel: existem estados subalternos e estados desenvolvidos, e o papel que um país cumpre dentro do sistema acaba refletindo tanto no seu direito interno quanto no direito internacional. A crítica de Grove é muito interessante – se o problema é analisado diante de uma perspectiva histórica, e não como um problema de normas, percebe-se que é uma análise mais profunda: o BR adotou a atual CF em 1988, a qual significou transição democrática, mas isso não foi uma realidade só brasileira, mas sim internacional, pois ao longo das décadas de 80 e 90 uma grande quantidade de países adotou mudanças democráticas nas suas Constituições (em toda América Latina, em boa parte da Ásia, em boa parte da África, no leste Europeu), e tudo isso foi coordenado através de Tratados de Direitos Humanos – foram estes que guiaram a reforma constitucional dos países do Terceiro Mundo. Então, quem tem primazia: Direito interno ou Direito internacional? O problema não é decidir quem tem primazia, mas se perguntar sobre primazia. A Constituição e o Tratado de Direitos Humanos aparentam estar completamente vinculados, ser parte de um único processo, o qual é determinado por uma posição subalterna que o Brasil ocupa no sistema internacional. Essa relação histórica trazida por Grove é importante, mas não é a solução para quando um conflito entre ambos os direitos surgir, é preciso alguma regulação normativa, pois algum deverá prevalecer. Então, como resolver situações que envolvam tais conflitos? Depende de quem responde a essa pergunta. O Direito Internacional responde de forma diferente da resposta do Direito brasileiro. Há, portanto, incompatibilidades entre ambos: entre a Convenção de Viena (posição do Direito Internacional) e a Constituição Federal do BR e jurisprudência do STF (posição do Direito Interno). Quando se diz que depende de quem responde, deve sempre ter em mente um litígio, um processo judicial, cuja tramitação poderá ocorrer numa Corte Internacional, onde prevalecerá as disposições da Convenção de Viena, ou num Tribunal Brasileiro, onde o caso será julgado conforme as regras brasileiras. Tal conflito deve sempre envolver pelo menos dois estados, cada um invocando para si uma norma diferente (ex: estado A diz que o litígio deve ser resolvido com uma norma do Tratado, enquanto o estado B diz que deve ser resolvido com base em alguma lei doméstica). II – A posição do Direito Internacional a) Observância dos Tratados Quando um conflito entre uma norma internacional e uma interna acontece perante um Tribunal Internacional, o tema é regulado pelo art. 27 da Convenção de Viena, que dispõe o seguinte: Artigo 27 Direito Interno e Observância de Tratados Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46. Então, um estado não pode invocar o seu direito interno para justificar o descumprimento de um Tratado, ou seja, para o Direito Internacional, se tratado e lei colidem, o tratado sempre prevalece. Perceba- se que nesta disposição não há nenhuma referência ao fato de que a lei doméstica é constitucional ou infraconstitucional, falando apenas em “direito interno”, sem fazer distinção, porque o Direito Internacional não reconhece a hierarquia de normas que se tem no âmbito interno, mas apenas que existem leis internas e leis internacionais, devendo este sempre ser respeitado em face daquele. Quer dizer, o direito internacional adota uma posição monista internacionalista (emcasos de conflito, prevalece sempre o tratado). c) Inconstitucionalidade extrínseca Existe somente um caso em que a única possibilidade por desrespeito a uma norma doméstica pode gerar a nulidade de um tratado. Isso se dá não quando há um conflito material (não é o caso de regras que são incompatíveis), mas quando uma lei doméstica, relativa ao processo de celebração do tratado, é desrespeitada. Ou seja, é um problema formal: a regra constitucional, que regula a celebração dos tratados, não foi observada. Isso é o que se chama inconstitucionalidade extrínseca. É uma inconstitucionalidade de forma, e não de conteúdo. Não é o caso de a regra de um tratado ser contrária à regra de lei interna, mas simplesmente o caso de tratado que foi celebrado sem a observância do procedimento estabelecido pela Constituição – isto está previsto no art. 46 da Convenção de Viena: Nulidade de Tratados Artigo 46 Disposições do Direito Interno sobre Competência para Concluir Tratados 1. Um Estado não pode invocar o fato de que seu consentimento em obrigar-se por um tratado foi expresso em violação de uma disposição de seu direito interno sobre competência para concluir tratados, a não ser que essa violação fosse manifesta e dissesse respeito a uma norma de seu direito interno de importância fundamental. 2. Uma violação é manifesta se for objetivamente evidente para qualquer Estado que proceda, na matéria, de conformidade com a prática normal e de boa fé. Então, se uma norma de direito interno, de importância fundamental, que estabelece o processo de celebração de um tratado, é desrespeitada, tem-se uma causa de nulidade do tratado. Qual é a regra brasileira que, se violada, enseja esse tipo de nulidade? A regra que determina quem são autoridades competentes para celebrar tratados: o Presidente da República celebra tratados, os quais estão sujeitos à referendo do Congresso Nacional. Não se pode dizer apenas que cabe ao PR celebrar tratados, mas ele só faz isso se tiver autorização do CN. Essa é a regra da CF. Então, se essa regra for desrespeitada (se, por ex, outra autoridade que não o PR ratificar um tratado), tem-se uma violação de uma norma constitucional sobre competência para celebrar tratados. Será, portanto, um ato nulo. OBS: Presidente da República, Diplomatas e Ministro das Relações Exteriores têm plenos poderes para negociar sobre tratados, MAS quem tem competência para celebrá-los em nome do BR é apenas o Presidente da República! Então, o direito internacional apenas reconhece que os procedimentos constitucionais não foram seguidos, e, ao reconhecer, o direito internacional considera que um tratado como esse é nulo. É a única hipótese em que o direito internacional admite que o desrespeito a uma norma doméstica venha a ensejar a nulidade de um tratado – somente quando há um vício formal, quando uma autoridade que não tem plenos poderes celebra um tratado. Quando se tem conflitos materiais, sempre o tratado irá prevalecer. OBS: em questão de prova, para identificar qual disposição deve prevalecer, primeiro deve-se verificar quem é o órgão julgador do litígio. Se for um Tribunal Internacional, são as regras acima mencionadas que valem (sempre as regras internacionais irão prevalecer, com a exceção da inconstitucionalidade extrínseca). Se o conflito for julgado em um Tribunal Internacional, este aplicará as regras internacionais em sua solução. - Exemplo do caso julgado na Corte Interamericana da Guerrilha do Araguaia: Os membros do regime militar responsáveis por torturar, matar e ocultar os cadáveres de militantes oposicionistas praticaram uma série de violações aos Tratados de Direitos Humanos. Só que eles não podem ser responsabilizados por tais violações porque existe uma lei brasileira que os anistiam (a Lei de Anistia, surgida na década de 80), a qual anistiou a todos, não somente aos que fizeram oposição ao regime militar, mas também aos torturadores. Portanto, eles não podem ser responsabilizados criminalmente. Tem-se aqui, então, uma incompatibilidade entre o Tratado de Direitos Humanos e a Lei de Anistia brasileira, que impede que esses torturadores sejam responsabilizados. Antes de esse caso chegar na Corte Interamericana, ele foi julgado pelos Tribunais Brasileiros, onde foi decidido que a Lei de Anistia deveria prevalecer. Ao ser levado para a referida Corte, esta decidiu pela primazia do Tratado, tendo o Brasil sido condenado. III – A posição do Direito Brasileiro a) Tratado X Constituição No direito brasileiro, os conflitos ora surgidos são resolvidos de forma diferente. Art. 102, inciso III, b, CF: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; Pela CF brasileira, o STF pode declarar um tratado como sendo inconstitucional: os tratados celebrados pelo BR estão sujeitos à controle de constitucionalidade. Ou seja, eles precisam ser compatíveis com a Constituição, porque se forem declarados inconstitucionais, serão afastados do nosso ordenamento. Então, a CF, trazendo este dispositivo, acaba resolvendo o problema quando se tem um conflito: se o tratado está sujeito à controle de constitucionalidade, então é porque o tratado é inferior à CF – se contrariá-la, será revogado. Tem-se, portanto, uma regra explícita prevista na própria CF brasileira. b) Tratado X Lei ordinária O problema é quando surge um conflito entre Tratado e lei ordinária, porque a CF não tem nenhuma disposição prevendo expressamente quem deve prevalecer neste caso. A única disposição prevista, e que a doutrina busca interpretar, é essa mesma do art. 102, inciso III, b, da CF (“de tratado ou lei federal”), ou seja, tratado e lei federal são colocados lado a lado, e simultaneamente abaixo da CF. Para muitos autores, isso significa que tratado e lei ordinária são equiparados, possuindo o mesmo patamar hierárquico no direito brasileiro. Entretanto, um grupo majoritário da doutrina brasileira levanta-se contrário a essa posição, dizendo que tratado e lei federal não podem ter um mesmo status, porque se assim o forem, caso venham a colidir entre si, deverão ser adotadas aquelas regras gerais de resolução de conflitos previstas no direito interno: prevalecerá a mais recente em detrimento da mais antiga, ou a mais especial em detrimento da mais geral. Quer dizer, se o tratado for mais recente ou mais especial que a lei doméstica, ele prevalece sobre esta, e vice-versa. Esses autores majoritários afirmam que isso não pode acontecer, por dois motivos: primeiro, isso criaria uma situação injusta (para o direito internacional, se um estado desejar se retirar de um tratado, ele precisa praticar um ato formal, chamado denúncia do tratado, o que é um procedimento estipulado no próprio tratado. As vezes tal denúncia pode durar mais de um ano. Os autores dizem que esse é um único meio que o Direito Internacional admite como apto para que o estado se retire, sozinho, de um tratado. Se o estado emitir uma lei contrária ao tratado e mais recente que este, o direito internacional não vai considerar que o tratado foi revogado, nem que o tal direito internacional não se aplica mais a esse estado – ou esse estado denuncia o tratado, ou ele vai continuar vinculado ao tratado. Portanto, o direito internacional não reconhece a edição de uma lei posterior como sendo meio apto para que o estado se retire de um tratado. O único meio para isso é a denúncia. Suponha-se, então, que o estado não denuncia o tratado e emite uma lei contrária e posteriora ele. Aos olhos desse estado, estará se cumprindo sua lei (estará agindo de modo lícito perante seu direito interno), mas para o direito internacional ele estará agindo de modo ilícito, o que ensejaria uma responsabilização no âmbito internacional. Por isso, os autores dizem que não se pode admitir que uma lei posterior revoga um tratado ou que um tratado posterior revoga uma lei, porque isso levaria a se acreditar que a emissão de uma lei posterior irá revogar o tratado, e o direito internacional não reconhece isso como modo de se revogar um tratado. O que os autores defendem é que os tratados tenham uma posição de primazia – uns acreditam que a primazia do tratado é absoluta (superior à CF), outros, que é superior às leis ordinárias, mas inferior à CF. Contudo, essa não é a posição do STF. Para esta Corte, Tratados e leis ordinárias são, sim, equiparados, possuindo a mesma hierarquia. Por isso, uma vez conflitados, deve-se atentar à regra do mais recente ou do mais especial. c) Tratado de Direitos Humanos Os tratados de Direitos Humanos têm status de Constituição. Interpretação do art. 5º, § 2º, da CF: § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Os direitos e garantias fundamentais da CF não excluem outros direitos e garantias fundamentais adotados em Tratados. Ora, se a CF não impede que novos direitos e garantias fundamentais sejam adotados por meio de tratado, significa que tais direitos adotados em tratados adentram a CF, acrescentando outros direitos e garantias fundamentais à Carta Magna, possuindo, portanto, status de norma constitucional. Para corroborar tal entendimento, surgiu a EC nº 45/2004, acrescentando o § 3º ao art. 5º, da CF: § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Então, se o tratado de direitos humanos está sujeito ao mesmo procedimento especial de votação das ECs (votação em dois turnos das duas Casas, por maioria de 3/5), ele ganha status de EC. Entretanto, surgiu um problema: a EC nº 45 é de 2004, e a maioria dos tratados de direitos humanos ratificados pelo BR é anterior a essa data, não tendo passado pelo procedimento previsto para as EC. Qual seria, portanto, o status de tais tratados, anteriores à EC 45/2004? O STF, no julgamento de caso relativo ao depositário infiel (o BR possui dois tipos de prisão por dívida, mas o Pacto de São José da Costa Rica só admite um tipo de prisão civil: a de pensão alimentícia), decidiu que os Tratados de Direitos Humanos possuem status supralegal caso não tenha sido submetido ao procedimento das ECs, que é o caso do Pacto citado. Portanto, são superiores às leis ordinárias e inferiores à CF. Por fim, sobre os Tratados de Direitos Humanos, tem-se dois tipos: os sujeitos ao procedimento das ECs, os quais têm status de norma constitucional, e os anteriores à 2004 que já haviam sido celebrados, que têm status supralegal, com base na jurisprudência do STF.