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Propedêutica Médica II – Hemorragia Digestiva. Pro.ª Nataly Ana Maria Guirro 1 HEMORRAGIA DIGESTIVA Definição: qualquer sangramento proveniente do trato gastrintesinal. De acordo com o ângulo ou ligamento de Treitz, se divide em: - Alta: todo sangramento que ocorre acima do ângulo de Treitz (esôfago, estômago, primeira, segunda, terceira ou quarta porção duodenal). - Baixa: todo sangramento que ocorre abaixo do ângulo de Treitz (jejuno, íleo, intestino grosso, ânus, canal anal). *ângulo de Trietz: flexura duodeno-jejunal, transição duodeno-jejunal ou porção fixa entre o final do duodeno e início do jejuno. Essa porção permanece fixa por conta do ligamento de Treitz. Avaliação clínica inicial do paciente com suspeita de hemorragia digestiva: • História clínica: Na anamnese, perguntar para o paciente: 1. Tempo desse sangramento 2. Sinais e sintomas principais (melena, hematêmese, enterorragia) 3. Avaliar afecções de base (HAS, DM ... ) 4. Uso concomitante de medicações (AINEs, anticoagulantes orais) • Exame físico 1. Estado geral: importante para avaliarmos se esse sangramento está afetando seu estado geral. 2. Presença de palidez cutâneo-mucosa (mucosa ocular, jugal, oral), cianose (palidez), má perfusão periférica 3. Mensuração da perda sanguínea: é importante para determinar como será a reposição. 4. Medição da pressão arterial e da freqüência cardíaca em pé e deitado: nas duas posições, pois, normalmente, com o paciente deitado, retiramos a ação da gravidade, melhorando o retorno venoso. Assim, em uma perda sanguínea pequena, que não altere significamente o estado hemodinâmico, podemos não notá-la na aferição. Quando colocamos o paciente em pé, com essa ação da gravidade e diminuição do retorno venoso conseguimos notar essas alterações hemodinâmicas. Assim, conseguimos mensurar a perda sanguínea. • História clínica e diagnósticos prováveis Uso de AINE ou warfarina - ÚLCERA GASTRODUODENAL Enxerto aortofemural ou aneurisma - FÍSTULA AORTOENTÉRICA, AORTOESOFÁGICA, AORTOGÁSTRICA ... Hepatopatia crônica, etilista - VARIZES ESOFAGOGÁSTRICAS Propedêutica Médica II – Hemorragia Digestiva. Pro.ª Nataly Ana Maria Guirro 2 Polipectomia prévia (retirou pólipo anteriormente) – HDB (Hemorragia Digestiva Baixa). Púrpuras, equimose,hematomas e petéquias - VASCULITES, LEUCEMIA, PLAQUETOPENIAS Ausência de dor abdominal – ANGIODISPLASIAS (dilatação de vasos da submucosa, sem causa específica, podendo ser genética. Diferente das varizes que, para que ocorram , deve haver hipertensão portal). Vômitos ou soluços intensos - SÍNDROME DE MALLORY WEISS (essa síndrome acontece quando paciente apresenta vômitos que não param. Há um aumento da pressão intragástrica, intraesofágica ... esse aumento súbito de pressão causa lesões/erosões na mucosa do esôfago, e há sangramento). Classificação do Grau de Choque usada no ATLS (Não precisa saber, por enquanto) Já deitado Propedêutica Médica II – Hemorragia Digestiva. Pro.ª Nataly Ana Maria Guirro 3 Reposição: - perde leve à moderada: repor com solução fisiológica ou ringer lactato. - moderada à maciça: dar um derivado ... HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA CAUSAS (mais frequentes): Doença ulcerosa péptica: responsável por 40 a 50 dos casos de hemorragia. Pode estar associada ou não à presença do H. pylori. Má formação arteriovenosa Síndrome de Mallory-Weiss Neoplasias: quanto mais idoso e, com histórico na família, maior é a probabilidade. Lesões agudas da mucosa gastroduodenal (AINES, AAS, Álcool): lesões, normalmente, causadas por fatores externos. Gastrite que se inicia com erosões, hiperemia, e sangramento em pequena quantidade, e que também pode acontecer no duodeno. Esofagite: pode ter várias causas como a ingesta de medicação, refluxo que irrita a mucosa e causa sangramento. Varizes esofágicas, gástricas e duodenais: normalmente, acontecem na hipertensão portal. A passagem do fluxo de sangue que vem da veia porta, para cair na cava inferior, é dificultada. Calibre dos cordões varicosos = Pequeno calibre: < 5mm; Médio calibre: + 5mm; Grosso calibre: > 5mm. Outras causas (mais raras): fístula aórtica, lesão de Dieulafoy (um vaso, normalmente uma artéria, de submucosa do estômago que fica visível na mucosa e causa sangramento local – visível na endoscopia), pólipos, hemofilia, vasculites, leucemias, SIDA, síndrome de Boerhave é uma complicação da Síndrome de Mallory-Weiss. Também é causada por vômitos incoercíveis, que não param, ou soluços ... qualquer coisa que cause o aumento da pressão intra-abdominal, gerando uma lesão de todas as camadas (perfuração) do esôfago. CLÍNICA: Hematêmese: vômito com sangue. É um sinal de que ESTÁ SANGRANDO ( sangue é irritativo para a mucosa, gerando vômito quando entra em contato). Melena: fezes escuras, “em borra de café”, com odor fétido, aspecto gosmento... Essa cor é devido à digestão do sangue, a conversão da bilirrubina... Propedêutica Médica II – Hemorragia Digestiva. Pro.ª Nataly Ana Maria Guirro 4 - Pode permanecer por vários dias após interrupção do sangramento ativo ou maciço, pois, o trânsito intestinal pode ser lento e o paciente ainda está eliminando parte do sangue ingerido que ficou ali parado. É um sinal de que HOUVE SANGRAMENTO. - Para que a melena ocorra, o volume necessário de sangue é de: > 400mL em trânsito gastrintestinal lento (maior que 8 horas) *Porém, > 60 mL já escurecem as fezes Enterorragia: evacuar sangue em grande quantidade. - Raro, pois, é um sangramento alto; assim, há todo um trato para esse sangue passar e ser digerido. Mas pode acontecer na HDA, desde que haja um sangramento maior que 1000ml e o trânsito intestinal seja rápido (menor que 4 horas), não havendo tempo para digerir. - é comum na HDB. Sangramento oculto: paciente sangra todos os dias bem pouco (menos que 60 ml, pois, não cora as fezes). - Hemorragia com volume insuficiente para causar alteração da coloração das fezes. Detectado em exames laboratoriais (pesquisa de sangue oculto nas fezes) e geralmente apresenta-se com anemia e sem repercussões hemodinâmicas. * pesquisa de sangue oculto nas fezes: coleta das fezes após dieta branca (sem carne vermelha ... tudo que possa alterar a coloração das fezes. Há muito falso positivo. DIAGNÓSTICO: Exame físico: - Mensurar sinais vitais (PA, FC, FP...) - Exame físico abdominal : analisar dor, presença de lesões, ou alterações sugestivas. Ex: paciente cirrótico apresenta ascite, circulação colateral, icterícia.. - Toque retal: pois, no toque iremos analisar como essas fezes estão (coloração, consistência ...) Complementar com endoscopia digestiva alta, na procura dessa lesão. Ela deve ser feita precocemente, nas primeiras 12 a 24 horas do sangramento. Chega até o duodeno (terceira porção no máximo). TRATAMENTO: Todo paciente precisa repor volume, mesmo que a perda seja pequena. Medicamento: - inibidor da bomba de prótons: omeprazol . Trata tanto uma úlcera gastroduodenal quanto uma lesão aguda de mucosa ... Ligadura elástica: varizes de esôfago. Borrachinha que forma uma alça na varize, provocando isquemia, fechando sua luz. Pode ser feito por endoscopia. Drogas vasoativas: usadas em pacientes com descompensação hemodinâmica. Normalmente, é usada somatostatina ou octreotide. Essas drogas diminuem a Propedêutica Médica II – Hemorragia Digestiva. Pro.ª Nataly Ana Maria Guirro 5 pressão no território esplâncnico (tronco celíaco, mesentéricas... circulação abdominal). Assim, com uma menor pressão nesses vasos, a chance de sangramento é menor. Balão de sengstaken-blakemore: em um serviço em que não há endoscopia, esse balão pode salvar vidas. Esse balão é passado como uma sonda, normalmente, pelo nariz do paciente (pode ser passado pela boca). Há duas “bexiguinhas” que são insufladas quando estão no local, uma fica no estômago (fundo gástrico) e a outra no esôfago. Elas comprimem as varizes, aumentando a pressão em suas paredes e interrompendo o sangramento diretamente onde está sangrando. Não pode ficar insuflado por mais de 24 horas, pois, pode ocorrer necrose devido isquemia da parede. Desinsuflar, e se: -paciente continuar sangrando: insufla novamente. -paciente não sangrar mais: retirar balão e fazer endoscopia. HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA - Uma diferença da HDA é que as causas têm correlação com o grupo etário do paciente. CAUSAS: Comum: Doenças orificiais: - Hemorróida: vaso dilatado no canal anal, devido perda da sustentação. (Pode ocorrer pelo esforço para evacuar, ou por predisposição genética, idade ... ). - Hemorróida trombosada: quando forma-se um trombo dentro da hemorróida. Ali, pode haver um rompimento e, consequentemente, sangramento. - Fissura anal: corte na mucosa anal. Paciente refere dor ao evacuar e sangue no papel. Se crônica, pode nem haver dor. Colite isquêmica: rara. Infamação da mucosa intestinal, formando pontos de isquemia seguidos de sangramento. Adolescentes e adultos jovens: Divertículo de Meckel : divertículo(bolsa no intestino) que aparece na transição do jejuno para o íleo. Normalmente, dentro desse divertículo há um vaso, que acaba sangrando. Comum em crianças. Tratamento: cirurgia (ressecção) ou uma técnica mais moderna, que é a cauterização desse vaso através da enteroscopia (exame endoscópico que chega até o intestino delgado), que permite chegar até esse divertículo. *hemorragia digestiva obscura ou de local/origem indeterminada: antigamente, a endoscopia digestiva alta chegava até no máximo à terceira porção do duodeno e a Propedêutica Médica II – Hemorragia Digestiva. Pro.ª Nataly Ana Maria Guirro 6 colonoscopia no grosso. Hoje, a enterosopia permite visualizar todo o intestino delgado e investigar. Doença inflamatória intestinal: - retocolite: acomete o reto e o cólon (geralmente, cólon esquerdo), acometendo mucosa e submucosa. Há sangramento, dor abdominal. - Doença de Crohn: pode atingir qualquer parte do trato gastrintestinal, desde a boca até o ânus. São, geralmente, lesões mais profundas, chamadas de transmural. Normalmente, paciente pode fazer áreas de esteose, sangrar. Pode haver sintomas extraintesteinais: uveíte, lesões de pele ... Pólipos: normalmente inflamatórios, de intestino. Adultos após os 60 anos: Doença diverticular (a segunda mais frequente) Ectasia vascular: é a mesma coisa que a má formação arteriovenosa. Pólipos Neoplasia (a mais frequente) Doença inflamatória intestinal: menos frequente, pois, a doença inflamatória possui picos de aparecimento. Esse comportamento é chamado bimodal: aparece pela primeira vez no jovem/adolescente e, posteriormente, no idoso. CLÍNICA: Enterorragia: evacuar sangue. Pode ser sangue vivo ou fezes com grande quantidade de sangue. Comum na hemorróida. Hematoquezia: fezes com rajas de sangue (pequena quantidade), ou sangue sai no papel ou sangue que pinga no vaso (pequena quantidade de sangue que não sai junto com as fezes, mas depois). Pode ocorrer em neoplasia, doença infamatória, doença diverticular... DIAGNÓSTICO: Exame físico: - Mensurar sinais vitais (PA, FC, FP...) - Ectoscopia: cianose, icterícia - Toque retal: identificar se é enterorragia, hematoquezia. Analisar se há fissura, hemorróida. - Anuscopia: coloca-se um especulo no canal anal. Serve para confirmar hemorróida, fissura... Porém, não será possível analisar o resto do intestino. - Retosigmoidoscopia: feita com o retosigmoidoscópio. Não utilizado mais atualmente. Aparelho rígido, sem sedação, 20 a 30 cm. Pelo tamanho, é possível visualizar somente o canal anal, reto e início do sigmóide. Hoje, usa-se o próprio aparelho de colonoscopia, que é flexível. - Colonoscopia: há uma câmera + um canal que injeta ar ou líquido + uma lente + um canal de trabalho (por dentro do aparelho é possível passar pinças, clipes ...) Propedêutica Médica II – Hemorragia Digestiva. Pro.ª Nataly Ana Maria Guirro 7 permite a realização de biópsia. Permite visualizar todo o intestino grosso: canal anal, reto, sigmóide, descendente, transverso, ascendente e ceco (e às vezes, vávula ileo-cecal). - Enteroscopia(de duplo balão): visualiza o intestino delgado. Entra pela boca, passa pelo ângulo de Treitz e chega no intestino delgado. Possui dois balões (há de um balão só, mas é menos utilizado) que são insuflados. Esse exame não é de fácil acesso. Assim, alguns exames alternativos podem ser utilizados. Ex: - Arteriografia: estudo de todo o território abdominal = tronco celíaco, mesentérica superior, inferior ... É injetado um contraste e analisa-se a ocorrência de vazamento. - Cintilografia - Trânsito intestinal CURIOSIDADE: Manometria: exame que avalia o esfíncter. Manometria anorretal: utilidade hipertonicidade predispõe à fissura e consquentemente, sangramento. E, muitas vezes, a fissura cicatriza após o sangramento, não sendo possível visualizá-la no exame físico. Manometria esofágica TRATAMENTO: Todo paciente precisa repor volume Medidas específicas: - tumor ressecção seguida de religação. Com uma área de segurança (5cm), retirando os linfonodos = cirurgia oncológica. - divertículo que parou de sangrar ressecar a área e religar o trânsito (sutura) - pólipo: retirar com uma haste que passa por dentro do aparelho de colonoscopia e mandar para estudo. - angiodisplasia: cauterização do vaso que sangra, também pelo aparelho da colonoscopia. OBSERVAÇÕES A maioria das hemorragias (60%), tanto alta como baixa, cessa espontaneamente em 48 horas. Porém, mesmo assim, devem ser investigadas. A grande maioria das hemorragias, 85%, é HDA e 15% é HDB. Antes do enteroscópio, 75% HDA, 15% HDB e 10% de origem não determinada (que era do intestino delgado, principalmente do quarto duodenal). A hemorragia digestiva alta é responsável por 1 a 2% das internações hospitalares de urgência no Brasil. Se não tratadas, a morbimortalidade é alta, principalmente de varizes de esôfago Propedêutica Médica II – Hemorragia Digestiva. Pro.ª Nataly Ana Maria Guirro 8 - Nas varizes de esôfago, quando o paciente sangra pela primeira vez, o risco de morte já é alto (em torno de 30%). Quando ele sangra pela segunda vez, a mortalidade passa para 50%. Ter atenção quando paciente relata que vomita sangue, ou “que está saindo sangue pela boca”, pois, pode ser: - hemoptise: exteriorização de sangue proveniente da via área inferior (pulmão, laringe, traquéia) = “tosse com sangue”. - epistaxe: sangue que provém de via aérea superior e sai pela cavidade nasal. Normalmente, paciente relata: “sangue sai pelo nariz e pela boca”. Isso ocorre pois ele pode estar engolindo o sangue e depois cuspindo.