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Um grito lilás: cartografia da violência às mulheres do campo e da floresta 
 Vanderléia Laodete Pulga Daron 
Introdução 
Ao nos preocupamos com o desafio de conhecer, a partir de dados ou 
informação científico-tecnológica, a presença da violência contra a mulher no campo e 
na floresta, deparamo-nos com um grande silêncio. Não encontramos dados de pesquisa 
social, investigação epidemiológica ou produção científica com densidade analítica, 
evidenciação estatística ou de descrição na cultura relativos à violência perpetrada 
contra as mulheres que, em contrapartida não está ausente. Encontramos evidência de 
sua presença ao buscar dados informais, relatos de vida, confidências, biografias e 
documentários focais, denúncias e reivindicações feitas pelos movimentos de mulheres 
e organizações sociais populares do campo e da floresta. O silenciamento dos dados e 
da informação compartilha o silenciamento da dor sofrida em situações de abuso e 
violação de direitos pelas mulheres que vivem e trabalham nos campos e florestas do 
Brasil. 
A metáfora do grito, ao mesmo tempo de dor e de expressão de luta, liberdade e 
emancipação, se associa à metáfora da cor lilás, que fala das políticas do feminino e 
feminista, mas que pode falar das marcas da violência no corpo das mulheres. O grito 
das mulheres organizadas vem demonstrar que a par de levantar de dados e informações 
parece necessário levantar a voz dessas mulheres, a par de não derrubar a floresta e a 
vegetação nativa, de acabar com o latifúndio e os crime no campo, parece necessário 
derrubar a violência contra as mulheres, materializada pela invasão de seus corpos, 
subjetividade e bens sociais, culturais e simbólicos. Uma engrenagem social de 
silenciamento parece se expressar na cultura do campo e floresta e na produção 
científica ou letrada sobre o cotidiano das mulheres na correlação feminilidades, 
violência, trabalho rural e na floresta, família rural e de floresta, campo e floresta. Esse 
conjunto, como segmento, não parece constituir um território de conhecimentos e 
análises. A força de vida presente no campo e na floresta pela biodiversidade, produção 
de alimentos, aromáticos, condimentares, medicinais e extração de matérias primas à 
produção de bens e insumos não pode prescindir da força de vida das mulheres. Ao 
 
contrário, essas forças de vida associadas elevarão a qualidade da vida humana e das 
relações socioculturais da cidadania nacional. 
O grito e as vozes das mulheres do campo e da floresta organizadas vêm 
exigindo por meio de lutas, caravanas e marchas, políticas públicas para o 
enfrentamento e o fim da violência, cuja expressão se deu na Marcha das Margaridas, na 
criação do Fórum Nacional de Enfrentamento à violência contra as mulheres do campo 
e da floresta e no lançamento da campanha mundial da Via Campesina pelo fim da 
violência contra as mulheres camponesas. 
Assim, este ensaio, resultado de uma das ações propostas pelo Fórum e assumida 
pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República 
(SPM/PR) constitui um instrumento para as mulheres avançarem na elevação da 
expressão de liberdade e se associa às políticas para as mulheres na reversão de 
exclusões, submetimentos e violações do feminino. As marcas da violência no corpo, na 
subjetividade e na circulação das mulheres do campo e da floresta precisam ser 
revertidas em voz e outra (ou nova) força de vida. Assim, precisamos constituir um 
conjunto de recursos de procura de dados e de análises para remexer no silêncio. Nossa 
militância e envolvimento político com os movimentos de mulheres do campo e da 
floresta contribuíram com a preocupação por um trabalho sério, de caráter 
cientificamente disciplinado e respeitoso das vivências pessoais e as convivências com 
as mulheres que vivem e trabalham no campo ou na floresta. 
Este ensaio pretende dar visibilidade às iniciativas para atravessar essa realidade 
silenciada e contribuir a sua transvaloração, isto é, além de superar a reprodução da 
violência, inverter valores que a admitem para valores que a rejeitem. Rejeitem da 
mesma forma que se deve rejeitar quaisquer formas de relação que não promovam a 
qualidade de vida entre seres potentes, tanto na afirmação de sua dignidade, como na 
afirmação da alegria e construção de coletivos geradores de mais vida. O ensaio dá 
linguagem e expressão à tradição recente nas políticas públicas para as mulheres, de 
constituir direitos em direção a uma cidadania alargada por políticas da existência, não 
apenas os direitos sociais, civis e políticos. Representa, também, entretanto, o 
compromisso com depoimentos que nos foram confiados e realidades presenciadas, uma 
 
síntese provisória entre o desafio de conhecer e a convocação por transformar. Levantar 
a voz e derrubar a violência é um desafio para nós, para as mulheres do campo e da 
floresta, para a pesquisa e produção de conhecimento, para os sistemas de saúde, de 
educação, de segurança pública, de desenvolvimento agrário e para as políticas públicas 
relativas às mulheres. 
Campo, floresta, mulheres, trabalho e família 
Antes da apresentação de resultados do estudo, contextualizamos sua produção. 
O lugar “campo e floresta”, em primeiro lugar. O campo e a floresta não são lugares 
bucólicos ou de natureza em estado puro, são lugares construídos socialmente e com 
historicidade. Como nos disse o geógrafo Milton Santos (2001), são territórios vivos e 
constituídos por um conjunto de sujeitos sociais que produzem, no seu cotidiano, as 
formas de ser e viver do campo e da floresta. São territórios que se constituem por meio 
das relações que os indivíduos estabelecem entre si, dos afetos, das memórias, da 
cultura, do exercício de cidadania e do grau de enraizamento que os indivíduos mantêm 
com as “forças locais”, provenientes de laços subjetivos e estratégias micropolíticas de 
sentir, agir, pensar e desejar. São povos indígenas; comunidades tradicionais; 
remanescentes quilombolas; quebradeiras de côco, trabalhadores (as) extrativistas e 
pescadores (as); populações ou sociedades ribeirinhas, do agreste, da caatinga ou do 
sertão; refugiados e descendentes de imigrantes; população negra, retirantes; 
trabalhadores rurais sem terra; agricultores (as) e camponeses (as), entre tantos modos 
singulares de vida, de cultura e de enraizamento ou deslocamento por território de 
habitar marcados com as condições básicas de sobrevivência. 
Oliveira (2008), em sua tese de doutorado, abordando as políticas de 
desenvolvimento na Amazônia, chama a atenção para esse fato, desconhecido ou 
ignorado pelas políticas oficiais na história do País até muito recentemente, que é a vida 
na floresta. Há potência no encontro com estes “territórios” para a construção de uma 
democracia mais densa e forte, a resistência dos povos da floresta deve ser entendida 
como luta para a construção de novas lógicas e outros projetos de cidadania coletiva. 
Um desafio que se coloca é o da apreensão dessas realidades com a textura que 
elas têm. Intervir nessas realidades precisa ser com as suas singularizações sobre nós, 
 
não o contrário. Ao invés de buscar-lhes a para a apreensão de nosso olhar e valores, 
precisamos apreender-lhes e deles não nos separamos para a formulação de 
conhecimentos e políticas protetoras e potencializadoras da vida. Destacar a potência 
existente nesses territórios, distantes da hegemonia da razão urbana, letrada, industrial, 
consumista e abstrata, não deve nos impedir de ver e ouvir as diferentes naturezas da 
violência e os desenhos de limite que constituem esses lugares. O campo e a floresta 
têm sido historicamente, no Brasil, espaços de conflito e disputa econômica, social e 
política, nos quais o silenciamento e a invisibilidade configuram estratégias perversas de 
exploração, expropriação e opressão. Os conflitos de classe, os massacresperpetrados 
como luta para a construção do território nacional, a espoliação das condições de vida e 
trabalho, transfiguradas em empregabilidade e renda precárias são condições mescladas 
com as de vida e violência. Por certo, impregnam violências de gênero, raça/etnia, 
geração, classe social e orientação sexual. A dor física ou moral no corpo violentado e 
mutilado não é menor por existirem condições explicativo-analisadoras mais amplas. A 
violência de gênero, entretanto, atravessa e singulariza as violências de geração, 
raça/etnia, classe e orientação sexual. É sobre essa violência que aportaremos nosso 
esforço de consolidação de dados e informações, tendo em vista o campo e a floresta 
nas políticas para as mulheres. 
A violência contra as mulheres é um dos temas que mais preocupa as análises 
sobre o feminino e ocupa a pesquisa sobre as mulheres e as feminilidades. Também é 
um dos problemas que mais oprime o cotidiano das mulheres, o que se expressa com 
veemência para milhares de mulheres no Brasil e no mundo. No caso específico das 
mulheres do campo e da floresta, esta realidade ainda está para ser reconhecida em 
números, características, conseqüências, processos de subjetivação, potências de vida 
perdidas, cenários de saúde-doença desenhados, assim como mortes e lesões 
perpetradas. O silêncio rompido deve ser um aliado das mulheres, suas feminilidades e 
organizações, não a imposição de culturas sociais de prevenção e tratamento que não 
lhes digam respeito. 
Por conta desta necessidade, a convite da Secretaria Especial de Políticas para as 
Mulheres, apresentamos este ensaio que descreve um inicial levantamento e análise de 
pesquisas, dados e denúncias que tiveram como objeto a violência de gênero contra as 
 
mulheres do campo e da floresta, isto é, o levantamento de algumas pesquisas com este 
enfoque no Brasil, depoimentos, cartas e relatos de mulheres do campo e da floresta 
para a tematização/reflexão que auxilie na proposição e acompanhamento de práticas 
junto ao plano de ações do Fórum Nacional e da Política Nacional de Enfrentamento à 
Violência contra as Mulheres, em especial às mulheres do campo e da floresta. 
A metodologia que utilizamos foi a da identificação e análise de pesquisas, 
estudos e monografias sobre a temática, a consulta e análise do registro de dados da 
Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180, da Secretaria Especial de Políticas para as 
Mulheres, a sistematização de cartas, depoimentos e relatos de mulheres que vivem no 
campo ou na floresta, a que tivemos acesso pessoalmente ou mediante disponibilização 
em sítios eletrônicos. 
Trata-se de uma elaboração teórica que associa diferentes insumos de 
conhecimento e seu cotejamento em uma estratégia interpretativa cuja intenção é a da 
produção de um saber aproximativo. O objetivo foi o de ampliar a compreensão do 
fenômeno da violência a que estão submetidas às mulheres do campo e da floresta, 
tendo em vista alimentar a formulação, gestão e avaliação de políticas públicas para as 
mulheres na esfera governamental e para as ações educativas e de controle social de 
movimentos sociais, feministas, organizações de mulheres e do Fórum Nacional de 
Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres do Campo e da Floresta. Os dados e 
fatos materiais (os registros na Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180, os 
resultados das pesquisas anteriores e os depoimentos das mulheres) foram combinados 
com dados e fatos narrados nos raros estudos encontrados e nas vivências de assessoria 
e educação popular junto à juventude, aos movimentos sociais, feministas, não 
governamentais, de mulheres do campo e da floresta desde a década de 1980. 
O texto foi estruturado por uma “análise da situação de vida” das mulheres do 
campo e da floresta, segundo as marcas de múltiplas formas de violência, utilizando-nos 
dos elementos disponíveis na Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. Em seguida, 
vem o “tema da violência” como um fenômeno apresentando por estudos e pesquisas 
existentes sobre a violência no campo e na floresta contra as mulheres. Após, com base 
nos estudos existentes, uma “abordagem do silêncio e da invisibilidade” relativos à 
 
violência contra as mulheres do campo e da floresta. Por fim, uma “análise do 
protagonismo” das mulheres do campo e da floresta e, ainda, o processo de “construção 
e implantação” da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e 
as ações estratégicas para enfrentar a violência contra as mulheres do campo e da 
floresta. 
Com esse trabalho, embora de caráter preliminar, portanto, inconcluso ou “em 
aberto” esperamos ofertar um mote para estudos mais profundos e com dados de base 
primária. Esperamos, também, poder contribuir com as mulheres, movimentos sociais, 
feministas e políticos na luta pela qualificação da vida, afirmação dos direitos 
democráticos na cidadania e produção de existências saudáveis e alegres, afastadas de 
toda e qualquer violência que possa ser prevenida por valores que afirmam e protegem a 
vida. Estas reflexões, aliadas à Campanha “Mulheres donas da própria vida: viver sem 
violência, direito das mulheres do campo e da floresta” pretende contribuir para 
fortalecer a energia e a força de vida biodiversa e sustentável que contêm o campo e a 
floresta. 
Levantar a voz, com todas as vidas-mulheres, como atiça Cora Coralina: 
 
TODAS AS VIDAS 
Cora Coralina 
 
Vive dentro de mim 
uma cabocla velha de mau-olhado, 
acocorada ao pé do borralho, 
olhando pra o fogo. 
Benze quebranto. 
Bota feitiço... 
Ogum. Orixá. 
Macumba, terreiro. 
Ogã, pai-de-santo... 
 
Vive dentro de mim 
a lavadeira do Rio Vermelho, 
Seu cheiro gostoso 
d’água e sabão. 
Rodilha de pano. 
Trouxa de roupa, 
pedra de anil. 
Sua coroa verde de São-Caetano. 
 
Vive dentro de mim 
a mulher cozinheira. 
Pimenta e cebola. 
Quitute bem feito. 
Panela de barro. 
Taipa de lenha. 
Cozinha antiga 
toda pretinha. 
Bem cacheada de picumã. 
Pedra pontuda. 
Cumbuco de coco. 
Pisando alho-sal. 
 
Vive dentro de mim 
a mulher do povo. 
Bem proletária. 
 
Bem linguaruda, 
desabusada, sem preconceitos, 
de casca-grossa, 
de chinelinha, 
e filharada. 
 
Vive dentro de mim 
a mulher roceira. 
– Enxerto da terra, 
meio casmurra. 
Trabalhadeira. 
Madrugadeira. 
Analfabeta. 
De pé no chão. 
Bem parideira. 
Bem criadeira. 
Seus doze filhos. 
Seus vinte netos. 
 
Vive dentro de mim 
a mulher da vida. 
Minha irmãzinha... 
tão desprezada, 
tão murmurada... 
Fingindo alegre seu triste fado. 
 
Todas as vidas dentro de mim: 
Na minha vida 
a vida mera das obscuras. 
 
 
 
Um cotidiano marcado pela violência na situação de vida das mulheres do campo e 
da floresta no Brasil 
As mulheres do campo e da floresta, junto com as mulheres trabalhadoras, as 
indígenas e as negras, sabem ou sentem, no seu cotidiano de vida, o significado da 
exclusão de direitos sociais, civis e políticos, a ausência de políticas públicas com 
enfoque de gênero, a falta de acesso aos bens e serviços essenciais e a dificuldade de 
acesso aos postos e lugares de poder. Também as análises históricas e as produções 
teóricas do feminismo atestam e exemplificam a realidade das mulheres na vida social. 
Um processo histórico, econômico e sociocultural de lutas registra o massacre 
dos povos do campo e da floresta para permanecerem vivendo em territórios cuja 
propriedade, mais que individual deveria ser da cidadania nacional, uma vez que 
relacionados com as necessidades básicas da sobrevida humana e com a manutenção 
dos ambientes naturais para a sobrevida da biodiversidade que dá sustentabilidade ao 
futuro da espécie. Intensas disputas marcam a luta pela terra no Brasil, as mulheres 
sempre estiveram à frente destes processos de luta e resistência e sobre elas condições 
específicas de existência marcam otrabalho, a maternidade, a sexualidade, o uso da 
liderança, o exercício da segurança e a produção de imagens femininas. Quanto ao 
campo e a floresta, em meio aos silenciamentos, permanece a imagem de mulheres e 
homens que foram assassinados justamente pela defesa do direito de viver coletivo. É o 
caso de Chico Mendes, Margarida Alves e Roseli Nunes, entre outros. As marcas da 
violência no campo e na floresta brasileiros evidenciam as contradições de um projeto 
de sociedade com hegemonia capitalista liberal, em uma democracia jovem e uma 
cidadania de ascensão recente. 
A presença vigorosa das mulheres, entretanto, não difere da vivência da opressão 
por violência, como experimentada pelas mulheres na história nacional e mundial. A 
submissão ou o contato com a violência, para a as mulheres do campo e da floresta, 
demarca uma face ainda mais opressiva de suas vidas. Para analisar o fenômeno da 
violência contra as mulheres do campo e da floresta, tema pouco pesquisado e com uma 
realidade silenciada, faz-se necessário reconhecer que a igualdade de direitos vem sendo 
historicamente negada às mulheres, constituindo-se em fator de discriminação, 
 
evidenciado relações desiguais de poder na família e no trabalho e encetando modos de 
inserção social preconceituosos e desfavorecidos. 
No que se refere à agricultura no Brasil, desde o período colonial, assistimos à 
apropriação da terra por grupos minoritários, em detrimento do acesso à terra para quem 
nela trabalha, produz e vive, mas o Brasil passou do desenvolvimento agro-exportador 
do período colonial ao modelo urbano-industrial e, desde a década de 1930 em diante, o 
País se transformou de rural em urbano. Com isto, os problemas econômicos e sociais 
próprios do processo de urbanização e industrialização se fizeram presentes, agregando 
as migrações do campo para a cidade em busca de trabalho e renda e uma sobrevida 
miserável no campo ou na floresta. Na floresta, território de populações não afeitas à 
urbanização, a expulsão se deu pela invasão extrativista predatória da ecologia. 
A ocupação da terra ou a preservação das áreas de floresta, no Brasil, seguiu o 
modelo de acumulação do capital e evasão de divisas para a economia internacional. 
Aos povos do campo e da floresta não se assegurou o direito de posse e ocupação 
sustentável da terra, originando tanto a expulsão dos camponeses e trabalhadores rurais, 
quanto o aniquilamento de comunidades quilombolas e indígenas pela exploração de 
terras e matérias primas ou, ainda, imposição de rotas de tráfico internacional de drogas. 
Todos aqueles que pudessem ameaçar o avanço do capital no campo ou na floresta 
seriam dominados ou poderiam ser eliminados, seja pela expulsão ou mesmo pelo 
massacre e assassinato. 
O agronegócio se impôs, fortalecendo o latifúndio, as empresas transnacionais, o 
uso de tecnologias químicas, a mecanização e a produção de monoculturas para a 
exportação, em detrimento da produção de alimentos. Este modelo ameaça os pequenos 
agricultores, camponeses e os povos que vivem na floresta, sobrecarregando as 
mulheres que têm atribuições dentro e ao redor da casa, pois têm de suprir a família de 
cuidados e alimentação, enquanto grande parte dos homens buscam renda fora do 
domicílio, subempregos e biscates. Crescem a pobreza, as desigualdades e as péssimas 
condições de vida. As mulheres saem para o trabalho fora do domicílio, mantendo as 
ocupações do domicílio, iniciam em trabalhos que antes eram dos homens em busca de 
renda e sobrevivência, abalando “pré-conceitos” no interior das relações de família e 
 
afeto. Surgem o trabalho não reconhecido e/ou não remunerado, cresce a 
comercialização do corpo e desponta a humilhação das mulheres e das crianças, como 
subproduto da economia, das políticas de subjetivação, dos preconceitos de gênero e da 
dominação masculina. 
Nossa intenção não é a de fazer uma análise minimamente aprofundada sobre os 
processos de desenvolvimento no capitalismo, especialmente no campo e na floresta, 
apenas apontar o contexto violento vivido nesses ambientes, contexto em a presença da 
violência perpassa a história brasileira, um dos poucos países do mundo desenvolvido 
em que ainda não se realizou a Reforma Agrária. É pertinente salientar que, apesar da 
força hegemônica do capital transnacional e suas agências econômicas, políticas e 
sociais, o povo brasileiro e governos democrático-populares vêm, também 
historicamente, reagindo, por meio de organizações, lutas e movimentos sociais e 
populares, inclusive pela defesa da soberania nacional. 
No âmbito do Brasil, segundo Melo (2002, p. 10)1, o mercado de trabalho 
brasileiro, para o qüinqüênio de 1993 a 1998, apresentou um claro corte de gênero. 
Observou-se uma taxa de participação do dobro de mulheres, em relação aos homens, 
no trabalho sem remuneração. Um índice que chega, segundo a autora, a ser 
escandaloso quando se observa o caso das mulheres rurais, onde 81% das mulheres 
trabalham sem remuneração. Esses dados, de um lado, desnudam a questão da 
invisibilidade do trabalho feminino e, de outro, explicam a maior pobreza das famílias 
rurais. As mulheres trabalhadoras rurais enfrentam as dificuldades do conjunto dos 
trabalhadores rurais e acabam sentindo na pele as marcas da sobrecarga do trabalho de 
sol a sol na roça, além do cuidado com a casa, a comida, as roupas, os animais da 
economia doméstica, o pomar e a horta, entre outras tarefas cotidianas. 
Embora as mulheres tenham assumido o trabalhado na roça ao lado ou em pé de 
igualdade com os homens, o reconhecimento constitucional da ocupação de 
trabalhadora rural só foi conquistado em 1988, com muita luta das mulheres. Ainda 
assim, sem ter havido mudança na administração dos bens produzidos coletivamente. A 
condição da mulher da roça foi expressada pela letra de uma música escrita por um 
 
1
 Hildete Pereira de Melo é professora da Faculdade de Economia, da Universidade Federal 
Fluminense. 
 
compositor gaúcho em 1989, onde as mulheres haviam conquistado o reconhecimento 
de trabalhadoras rurais, mas ainda não tinham assegurado seus direitos previdenciários. 
Antônio Gringo (1989) compôs “Mulher da roça”, música que passou a ser usada como 
forma de divulgação para a sociedade da problemática vivida pelas mulheres do campo: 
Ela desperta antes de clarear o dia. Acende o fogo, tira o leite pro café. 
Atende os filhos, ajuda a tratar os bichos. Tudo ela faz com amor e muita 
fé. Vai pra roça, ao meio dia faz o almoço. Lava os pratos enquanto o 
pessoal sesteia. Limpa a cozinha, amassa o pão, estende a roupa. A sua 
vida de serviço é sempre cheia. Mulher da roça a tua fé e coragem é o 
que dá força pro roceiro lavrador. Tu és exemplo de luta e trabalho, e tão 
poucos reconhecem teu valor. Volta pra roça e só vem de noitezinha. É 
pasto, é vaca, são os filhos, o jantar. Outra vez as panelas, a cozinha. É 
alta noite já é hora de deitar. Passam dias, passam meses, passam anos. A 
vida inteira é sempre a mesma rotina. As tuas férias são na roça e nas 
panelas. Essa mulher não nasceu com essa sina. Mulher da roça, quero 
através do meu canto, gritar por ti, lutar contigo também. Deixa as 
panelas e briga por teus espaços. Por mais justiça e os direitos que tens. 
Atendimento e assistência hospitalar sabemos bem, nunca te foi 
concedido. Mulher da roça só pode se aposentar no dia em que morrer o 
seu marido. 
 
Uma realidade de sobrecarga de trabalho, opressão, discriminação e violência, 
tomadas as especificidades locorregionais, atinge milhões de mulheres que vivem nos 
campos e florestas do Brasil, mais precisamente 15.152.189 mulheres2. Esse número 
traduz-se em pessoas concretas, com aparência física, constituição psíquica, vivências 
afetivas, condições específicas de trabalho e renda, escolarização, situação conjugal eafetiva e distribuição no território vivo do Brasil, com suas características particulares, 
que reescrevem as condições individuais e sociais destes povos. 
Segundo Lorenzoni (2007, p. 83), aproximadamente 90% das mulheres 
camponesas começam a trabalhar ainda crianças, algumas na adolescência, sem carteira 
 
2
 Considerando os dados do IBGE – Censo Demográfico 2000, a população estimada para 2007, 
era de 169.799.170 habitantes em geral no Brasil, destes 86.223.155 são mulheres e 83.576.170 
são homens. Deste total geral de habitantes, a população urbana é de 137.953.959 habitantes, 
sendo que 71.070.966 são mulheres e 66.882.993 são homens. Já a população rural é de 
31.845.211 habitantes, sendo 16.693.022 são homens e 15.152.189 são mulheres que vivem no 
campo e na floresta. 
 
assinada, sem benefícios sociais e sem assistência previdenciária. A mulher do campo e 
da floresta, de modo geral, vive no anonimato e na invisibilidade. É muito pouco 
lembrada ou citada em todos os contextos e dimensões de nossa sociedade. Quando ela 
aparece, normalmente é de modo inclusivo nos totais gerais da população feminina, nas 
somas das pesquisas ou em outras situações, mas suas especificidades geralmente não 
aparecem nestas situações. 
A cultura masculino-patriarcal, historicamente construída, impõe determinados 
papéis para as mulheres e outros papéis para os homens e, assim, justifica-se, ainda, a 
divisão sexual e intelectual do trabalho. As mulheres passam a ocupar funções na área 
de serviços e de representação, cujos espaços de decisão ainda prevalecem como lógica 
prioritária dos homens e/ou do poder patriarcal e de dominação. Certamente, esse é um 
processo que exige, de um lado, a atuação das mulheres, mas, de outro, mecanismos de 
democratização e incentivo de sua presença nas entidades rurais e instâncias de 
participação político-social de debate do campo. O mesmo no caso da floresta. 
Por conseqüência do anonimato e da invisibilidade do trabalho doméstico e da 
divisão sexual e intelectual do trabalho, essa também é a realidade concreta quando se 
trata da questão da violência. Além disto, quando as mulheres aparecem na mídia, em 
geral é por conseqüência de suas próprias organizações e de suas lutas, que acabam 
chamando a atenção pública, então a sua presença na luta e organização para derrubar a 
violência às mulheres qualificará o desenvolvimento de políticas públicas nessa direção 
e o seu protagonismo na sua própria vida. 
 
Múltiplas formas de violência contra as mulheres do campo e da floresta 
 
Estatísticas internacionais indicam que uma em cada três mulheres é ou já foi 
agredida pelo parceiro. No Brasil, estudos baseados nos boletins de ocorrência emitidos 
pelas delegacias de polícia apontam que cerca de 25% da população feminina é vítima 
de violência. Segundo documentos da Organização das Nações Unidas (ONU), a 
violência contra as mulheres está fortemente enraizada por todo o planeta, a 
discriminação atinge as mulheres do berço ao túmulo. Além de sofrer violência física, 
 
as mulheres são discriminadas no acesso à saúde, à educação, ao mercado de trabalho e 
ao título de posse da terra. 
Segundo a ONU, as mulheres, em 2005, representavam 70% da população em 
estado de miséria. No Relatório de Desenvolvimento Humano, de 2008 (CONEXÃO 
PROFESSOR, 2009), a análise da desigualdade entre os sexos no mercado de trabalho 
estava particularmente relacionada com a pobreza. Segundo o editorial do site Conexão 
Professor, um estudo do Centro Internacional para o Crescimento Inclusivo (agência de 
educação e pesquisa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), 
demonstra que, se salários de homens e mulheres fossem similares, a proporção de 
pobres no Brasil poderia cair 20%. O citado estudo mostraria que, no Brasil, que tem 
um Índice de Desenvolvimento Humano de 0,498 e ocupa a 81ª colocação no ranking 
de 108 países, o rendimento feminino é, em média, 56% menor que o masculino. Este 
dado se verifica mesmo em face de as brasileiras apresentarem uma esperança de vida 
maior ao nascer (75,8 anos, contra 68,4 dos homens), uma taxa de alfabetização maior 
(89,9% das mulheres com mais de 15 anos estavam alfabetizadas em 2006, contra 
89,4% dos homens) e uma mais elevada freqüência à escola (89,4% das mulheres contra 
85,1% dos homens). 
Outro fator de discriminação sobre as mulheres pode ser detectado no âmbito da 
cultura popular, com a irrupção letras de música que discriminam e depreciam a mulher, 
colocando-a em uma condição inferior e subordinada ao homem, veiculando a idéia de 
que apanhar é parte da sexualidade erótica, como nas músicas Um tapinha não dói (“um 
tapinha eu vou te dar porque: dói, só um tapinha não dói...”), Ajoelha e chora (“quanto 
mais eu passo o laço, muito mais ela me adora...”) ou Lapada na rachada (“vai, dá 
tapinha na bundinha, vai que eu sou sua cachorrinha, vai, que eu tô muito assanhada”). 
Os comerciais de televisão utilizam imagens de mulher em comportamentos de posição 
inferior, onde seu corpo é objeto. Além disso, a educação ainda é sexista, ou seja, educa 
as mulheres para o cumprimento de papéis socialmente determinados, reforçando 
comportamentos discriminatórios. 
Considerando as pesquisas realizadas sobre a violência contra as mulheres do 
campo e da floresta, apesar de estas serem poucas, temos acesso a elementos muito 
significativos e elucidativos de uma dura realidade, por vezes cruel, e amplamente 
silenciada. A violência a que as mulheres do campo e da floresta estão submetidas 
 
envolve do cárcere privado à desconsideração do direito de posse de objetos e 
documentos, passando pela agressão física, abuso sexual, constrangimento e 
humilhações. 
Neste processo, a exploração pelo trabalho doméstico, na roça ou na extração 
florestal, a dominação social e a opressão de gênero são pilares que sustentam a análise 
do fenômeno da violência contra as mulheres. O respeito à vida, aos direitos humanos e 
à cidadania, especialmente para as mulheres camponesas ainda está longe de ser 
efetivado. Ao contrário, observa-se uma acentuação da lógica mais perversa de 
imposição da opressão, exploração, discriminação, dominação e violência sobre as 
mulheres brasileiras quanto mais nos aproximamos da vida no campo ou na floresta. 
A dureza cotidiana vivida pelos camponeses, homens e mulheres, no processo 
produtivo agrícola a que são submetidos no contexto histórico e econômico-estrutural, 
como apresentado anteriormente, e pelas mulheres, em especial que, além de 
vivenciarem o mesmo processo dos homens, têm acrescidos os impactos da reprodução 
humana, da manutenção da casa, do subemprego e dos preconceitos culturais, coloca o 
sofrimento na vida privada e vida social como experiência sem estranhamento. O 
espaço familiar, visto como aquele em que as pessoas buscam a segurança, o afeto, o 
carinho, entretanto, tem sido, para muitas mulheres, recanto da violência física e 
psicológica. À violência doméstica se agrega a sobrecarga de trabalho e de 
responsabilidades não valorizadas pela sociedade, bem como duras formas de 
preconceito, discriminação e tabus que cercam o cotidiano da mulher que vive e mora 
na roça. Depoimentos, cartas, histórias contadas pelas mulheres nos encontros, nos 
grupos de mulheres ou em grupos focais, demonstram medo, ansiedade, angústia, 
sentimento de culpa e impotência diante da realidade. 
Se a condição de vida das mulheres do campo está associada à situação de vida 
no meio rural desde a época colonial, a outra face da cultura patriarcal e machista que 
tem caracterizado as relações sociais de gênero predominantes na sociedade brasileira 
têm a ver com a violência conjugal, mantida escondida para não revelar as facetas cruéis 
dos ambientes domésticos. Segundo pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo,em 2001 (VENTURINI; RECAMÁN & OLIVEIRA, 2004, p. 24), “cerca de uma em 
 
cada cinco brasileiras declara ter sofrido algum tipo de violência”. 
Não existem dados específicos quanto às denúncias e boletins de violência à 
mulher do campo e da floresta. Não há dados desagregados em relação à violência, as 
informações encontram-se dispersas e não existem procedimentos homogêneos de 
coleta de dados, nem de validação dos mesmos entre as instituições. A única base com 
alguma especificidade é aquela que vem se constituindo a partir da criação da Central de 
Atendimento à Mulher/Ligue 180, criada pela Secretaria Especial de Políticas para as 
Mulheres, da Presidência da República, em 25 de novembro de 2005. 
Ao analisarmos os dados apontados pelas pesquisas realizadas, eles revelam que 
as mulheres em geral e as do campo e da floresta vivenciam as múltiplas faces da 
violência. Para melhor contextualizar as múltiplas faces de violência que marcam o 
cotidiano das mulheres do campo e da floresta, apresentamos de maneira separada, 
embora aconteçam de maneira entrelaçada, as várias formas de agressão e violência às 
mulheres que vivem nesses territórios distantes do acesso aos bens sociais e culturais da 
cidade e peculiares ao campo e à floresta. A base de dados corresponde aos números 
coligidos pela Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
A violência de gênero 
A violência reproduzida pelas desigualdades de gênero perpetradas nas 
diferentes organizações privadas e aparelhos estatais, como também nos diferentes 
grupos que constituem a sociedade e que, assim, formalizam e institucionalizam a 
violência de gênero contra as mulheres é parte do cotidiano das mulheres. A violência 
de gênero tem suas bases na existência de relações desiguais de poder entre homens e 
mulheres, incidindo, portanto contra as mulheres e às feminilidades. 
A violência de gênero está no cotidiano das mulheres do campo e da floresta, 
que sofrem a violência exercida pelos homens, particularmente no âmbito doméstico em 
suas formas mais agressivas e no ambiente de trabalho em suas formas discriminatórias 
de acesso ao poder e à renda. Todo ato que resulte em dano ou sofrimento moral, físico, 
 
sexual, político, psicológico, econômico ou perda patrimonial para a mulher é violência 
de gênero. Essa condição da violência não tem fronteira de classes, religião, idade ou 
ambiente, ocorre a qualquer tempo e em qualquer local, no trabalho, nas ruas ou em 
casa. É o resultado de um sistema que oprime, explora e discrimina o feminino. 
Uma das situações mais comuns é a violência exercida pelo companheiro em 
estado alcoolizado ou sob efeito de drogas ou entorpecentes. A maioria dos agressores e 
mesmo das mulheres afirma que a agressão se deu como um efeito da droga, o que não 
deixa de ser verdade. No entanto, acaba se escondendo o fato de a cultura machista e 
patriarcal predominante é que permite ou incentiva a agressão na medida em que sua 
expressão se dá pela violência contra a mulher e não contra um amigo, colega ou 
companheiro com quem compartilha o consumo do álcool ou outras drogas. 
Inúmeros profissionais de áreas estratégicas para o acolhimento e atendimento à 
mulher em situação de violência acabam, muitas vezes, culpabilizando a própria mulher 
pela forma como agem, em função da força hegemônica da discriminação de gênero 
naturalizada na sociedade. Faz-se primeira e profundamente necessário o 
reconhecimento deste tipo de violência e a sua identificação. 
 
Violência doméstica e familiar contra as mulheres do campo e da floresta: as 
agressões físicas, sexuais, morais, verbais, psicológicas e patrimoniais 
Na vida da mulher do campo e da floresta, a violência física está interligada e 
com índice maior de incidência no espaço familiar, dentro da casa ou unidade 
doméstica. Geralmente é praticada por um membro da família que vive com a mulher e 
está situada no âmbito das relações interpessoais, da intimidade afetiva. As agressões 
domésticas incluem abuso de poder, abusos físicos, sexuais e psicológicos, a 
negligência e o abandono. Ela é praticada dentro do lar ou no espaço simbólico 
representado pelo lar, fundamenta-se em relações interpessoais de desigualdades e de 
poder entre mulheres e homens ligados por vínculos consangüíneos, de afetividade, de 
afinidade ou de amizade. 
 
Esta face da violência é muito grave porque ela passa por várias fases, 
compondo um ciclo/espiral que pode se tornar vicioso, repetindo-se ao longo de meses 
ou anos (LORENZONI, 2005). A violência doméstica é a maior responsável pelos 
feminicídios. De acordo com a pesquisa “A Mulher brasileira nos espaços público e 
privado”, realizada pela Fundação Perseu Abramo (VENTURI; RECAMAN & 
OLIVEIRA, 2001), há estimativa de que cerca de 6,8 milhões de mulheres brasileiras já 
foram espancadas ao menos uma vez. Contrariando o senso comum, as pesquisas 
indicam que o lugar menos seguro para a mulher é a sua própria casa. Esta realidade 
também está contida na vida das camponesas. O risco de uma mulher ser agredida em 
casa, pelo marido, ex-marido, namorado ou atual companheiro, é nove vezes maior do 
que o de sofrer alguma violência na rua. E o pior, é que não adianta gritar, pois as 
distâncias entre os vizinhos em determinadas situações é de dezenas e até centenas de 
quilômetros. Para sair desta situação, elas ainda dependem do próprio agressor em 
função das distâncias. No caso da região amazônica e/ou regiões de mata pode-se levar 
dias ou semanas para o deslocamento do lugar onde se mora até um local de recurso. 
Os dados da Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180, com relação ao ano de 
2008, identifica-se que 24.729 mulheres utilizaram a Central para denunciar situações 
de violência. Destas, 22.538 residem na área urbana, 1.167 residem na área rural e 1.024 
não informaram se residem em área urbana ou rural. 
Relato de violência contra a mulher – 2008 
Não informado 1.024 4,1% 
Zona Rural 1.167 4,7% 
Zona Urbana 22.538 91,1% 
Total 24.729 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
 
 
Tendo em vista que apenas 4,7% do total das mulheres que fizeram a denúncia 
pertenciam à zona rural, este dado sugere que podem existir dificuldade das mulheres do 
campo e da floresta terem condições de acesso para efetuar denúncias. Entretanto, 
apesar do percentual ser baixo, os dados que se seguem são reveladores da situação 
cruel em que estas mulheres se encontram. 
No caso da tipificação da violência doméstica e familiar, 93,7% das mulheres do 
campo e da floresta que as denunciaram, assim as afirmaram. Apenas 6,3% das 
violências denunciadas ocorreram fora da casa ou família. As mulheres convivem com a 
violência dentro de seus lares. 
Violência doméstica e familiar – 2008 
Não 74 6,3% 
Sim 1.093 93,7% 
Total 1.167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
 
Ao analisar os tipos de violência que as mulheres do campo e da floresta 
denunciaram ter sofrido em 2008, identifica-se a violência física com 64,1% , seguida 
da violência psicológica com 23,7%, violência moral com 5,8% , violência sexual 3,5%, 
violência patrimonial com 1,7% e cárcere privado com 1,2%. No entanto, quando 
vamos analisar os relatos das denúncias, o que ocorre é que todas as mulheres são 
vítimas dos vários tipos de violência ao mesmo tempo. 
Tipo de violência – 2008 
Cárcere privado 14 1,2% 
Violência física 748 64,1% 
Violência moral 68 5,8% 
Violência patrimonial 20 1,7% 
Violência psicológica 276 23,7% 
 
Violência sexual 41 3,5% 
Total 1.167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
Na verdade, segundo as mulheres do campo e da floresta que denunciaram em 
2008, sofrem de vários tipos de violência ao mesmo tempo e das formas mais cruéis, 
conforme tabela abaixo: 
Tipo de crime – 2008 
Ameaça 256 21,9% 
Assédiomoral (trabalho) 1 0,1% 
Assédio sexual (trabalho) 1 0,1% 
Atentado violento ao pudor 9 0,8% 
Calúnia 4 0,3% 
Cárcere privado 14 1,2% 
Difamação 51 4,4% 
Estupro 28 2,4% 
Exploração sexual 3 0,3% 
Injúria 13 1,1% 
Lesão corporal grave 61 5,2% 
Lesão corporal gravíssima 15 1,3% 
Lesão corporal leve 648 55,5% 
Negligência 2 0,2% 
Perseguições 19 1,6% 
Tentativa de homicídio 22 1,9% 
Violência patrimonial 20 1,7% 
Total 1.167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
Esta realidade aparece em depoimentos anônimos, colhidos das cartas 
encaminhadas pelas mulheres do Movimento de Mulheres Camponesas à Ouvidoria da 
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM/PR) em 2008, tais como: 
 
“(...) está havendo muitos casos de tráfico de mulheres, ou seja, meninas 
também menores de idade que são transportadas para outras cidades e 
estados”. 
“Quando eu vivia acorrentada com cadeado, eu pensei em fugir só com a 
roupa do corpo e meus filhos, mas ele descobriu não sei como e falou que 
se eu fosse embora ele ia me procurar e me mataria eu e meus filhos iria 
amarrar e deixar pendurado numa árvore para todos ver”. 
 
A crueldade se revela aprofundada ao analisarmos os dados relativos ao risco de 
morte a que as mulheres do campo e da floresta estão expostas, que é de 42,9%, seguido 
pelo espancamento, presente em 26,8% das denúncias, explicitadas nos dados da 
Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180 de 2008. O mais sério é a constatação da 
freqüência. Este tipo cruel de violência é diária, semanal ou mensal, que somadas 
perfazem 86,7%, ou seja, a violência é parte do cotidiano de vida das mulheres que 
chegam à denúncia. Provavelmente, por isso, cheguem à denúncia, enquanto o comum 
das mulheres talvez não o faça. Vejamos a tabela: 
Freqüência com que sofre a violência – 2008 
Diariamente 754 64,6% 
Mensalmente 56 4,8% 
Não informado 23 2,0% 
Raramente 63 5,4% 
Semanalmente 202 17,3% 
Uma vez 69 5,9% 
Total 1.167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
 
 
Da mesma forma que as mulheres urbanas, as do campo e da floresta, que se 
encontram em situação de violência, têm como agressores pessoas de seu convívio 
diário, com forte vínculo afetivo e familiar, ou seja, 72,7% dos agressores são o próprio 
cônjuge, a pessoa com a qual a mulher, em tese, tem fortes sentimentos de amor e afeto 
e aceitou, se não escolheu, para construir uma vida compartilhada. Entretanto, chama a 
atenção o índice de 12,4% dos agressores estarem na categoria “outros”. Assim, na 
busca ativa das denúncias aparecem nesta categoria: companheiro, que mora junto, ex-
marido, ex-namorado, ex-companheiro e colega de trabalho, entre tantas designações 
que indicam afinidade e vínculo afetivo e de convivência de vários anos. Em um 
depoimento anônimo de mulher camponesa, do Estado de Rondônia (2008), colhemos: 
A minha vida não é vida! Sou separada, mas meu ex-esposo não me dá 
espaço, não me deixa me divertir. Mesmo estando separada dele, ele acha 
que sou dele, que ele é meu dono. Já fui espancada, ele me diz várias 
coisas feias, mas nunca o denunciei, pois tenho filhos com ele e ele já me 
ameaçou com tiro na cara e disse, também, que se me pegar conversando 
com alguém, ele matará nós dois. Eu já fui violentada sexualmente 
quando tinha apenas 10 anos por um senhor de idade, gostaria de pedir 
ajuda às autoridades, pois com esses maus tratos até hoje estou 
traumatizada. 
Relação com o agressor – 2008 
Amigo 43 3,7% 
Companheira 45 3,9% 
Cônjuge 848 72,7% 
Desconhecido 9 0,8% 
Filho 16 1,4% 
Irmão 17 1,5% 
Namorada 1 0,1% 
 
Namorado 17 1,5% 
Não informado 1 0,1% 
Outros 145 12,4% 
Pai 7 0,6% 
Vizinho 18 1,5% 
Total 1167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
 
Sobre o estado civil, cabe salientar que, ao declará-lo, a maioria das mulheres 
afirmou ter união estável (43%) ou ser casada (26,9%), o que traduz uma situação de 
violência presente na cultura do casamento, conforme vemos abaixo. 
Estado Civil – 2008 
Casado 314 26,9% 
Divorciado 17 1,5% 
Não informado 133 11,4% 
Outros 6 0,5% 
Separado 41 3,5% 
Solteiro 150 12,9% 
União estável 502 43,0% 
Viúva 4 0,3% 
Total 1167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
 
Segundo a percepção de mulheres do campo e da floresta, em pesquisa realizada 
por Nádia Rebouças3 (2008), “a violência doméstica e familiar praticada pelo marido ou 
companheiro é mais escondida, pois revela toda a intimidade da família e é a face mais 
emblemática da violência contra a mulher, pois mostra toda a fragilidade feminina 
frente à cultura e aos valores machistas da sociedade”. A onipotência alimenta o ciclo 
de violência e fragiliza a mulher, conforme constatou sobre a percepção das mulheres, a 
pesquisa feita por Rebouças, empresa de consultoria em comunicação: 
(...) uma mulher que é agredida, sair do privado é difícil. Ela mantém 
relações afetivas, ela compartilhou segredos. Ela não compartilha com 
uma pessoa estranha. Mostrar uma fragilidade é difícil, é terrível. O 
homem vai fazer de tudo para que isso não aconteça, vai mantê-la sob 
ameaça. 
Expressões como “minha filha, se está ruim com ele, pior sem ele”, alimentam a 
submissão da mulher diante da violência e são comuns. A mulher fica totalmente 
fragilizada, conta Rebouças (2008), apresentando depoimentos, como: 
Eu conheço uma história que os dois moravam no trabalho. Um dia ela 
encontrou o marido dela com outra pessoa que era trabalhadora também. 
O que mais chocou era o beijo que ele dava nela, o que ele dizia para a 
outra. Há quantos anos ele não dizia a mesma coisa ou dava um beijo 
nela. Os filhos ficaram todos contra ela. Essa é a violência que elas 
sofrem. Esse lado do carinho, do companheirismo não tem. Isso que as 
mulheres mais sofrem. 
 
3
 Agência de Publicidade que realizou a pesquisa de percepção sobre a violência contra as 
mulheres do campo e da floresta para o planejamento de comunicação da campanha “Mulheres 
donas da própria vida: viver sem violência, direito das mulheres do campo e da floresta”, uma 
das ações estratégicas do Fórum de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e 
da Floresta lançada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da 
República em setembro de 2008 no Rio de Janeiro. 
 
A maior parte das mulheres violentadas tem dependência financeira com o 
agressor, o que agrava a situação, pois acabam se submetendo em função, também, das 
dificuldades de sobrevivência dela e de seus filhos. 
Dependência financeira – 2008 
Não 487 41,7% 
Não informado 40 3,4% 
Sim 640 54,8% 
Total 1.167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
 
 
 
Outro elemento fundamental, é que a maioria das mulheres tem filhos e, na 
análise dos relatos de denúncia das violências, os filhos (crianças, adolescentes e jovens 
em sua maioria) acabam sendo vítimas da violência junto com as mulheres, convivendo, 
crescendo e sendo educados num ambiente de relações de violência, medo, impunidade 
e silêncio. Todos sabem e vivem a violência, mas ninguém fala sobre o assunto, pois 
fica “velado”, ocultado e silenciado. 
Outro aspecto a ser observado, tem a ver com a idade em que as mulheres 
começam a ser vitimadas pela violência: quando crianças, na juventude, na fase adulta 
ou na terceira idade. Nas mulheres que denunciaram, aparece a faixa etária entre os 20 e 
os 40 anos de idade como a idade em que mais sofrem violência. 
 
 
Faixa Etária – 2008 
0 – 10 4 0,3% 
10 A 20 88 7,5% 
20 – 30 432 37,0% 
30 – 40 336 28,8% 
40 – 50 160 13,7% 
50 – 60 57 4,9% 
60 – 70 7 0,6% 
70 – 80 3 0,3% 
Não Informado 80 6,9% 
Total 1.167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180.O nível de escolaridade é outro aspecto para a observação, pois revela que a 
violência não escolhe, mas as mulheres do campo e da floresta têm menos condições de 
acesso à educação, como se pode ver. 
Escolaridade – 2008 
Analfabeto 26 2,2% 
Ensino fundamental 169 14,5% 
Ensino fundamental incompleto 272 23,3% 
Ensino médio 172 14,7% 
Ensino médio incompleto 77 6,6% 
Ensino primário 101 8,7% 
Ensino primário incompleto 132 11,3% 
Ensino superior 31 2,7% 
Ensino superior incompleto 9 0,8% 
Não informado 178 15,3% 
Total 1167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
 
 
As denúncias foram feitas pelas próprias vítimas em 90% dos casos presentes 
em todos os estados da federação, o que não significa que a realidade seja exatamente 
assim, pois o número de mulheres do campo e da floresta que denunciaram ainda é 
baixo, não sendo possível ter a dimensão real deste universo. Também porque como é a 
própria vítima a denunciante, o fator de acesso é relevante, assim como a coragem para 
denunciar da própria mulher que sofre a violência. Estes dados servem para perceber 
que a violência está em todos os estados. 
 
Unidade da Federação/Brasil 
AC 3 0,3% 
AL 31 2,7% 
AM 3 0,3% 
AP 2 0,2% 
BA 131 11,2% 
CE 35 3,0% 
DF 31 2,7% 
ES 20 1,7% 
GO 52 4,5% 
MA 24 2,1% 
MG 125 10,7% 
MS 11 0,9% 
MT 16 1,4% 
NI 72 6,2% 
PA 63 5,4% 
PB 21 1,8% 
 
PE 64 5,5% 
PI 3 0,3% 
PR 52 4,5% 
RJ 65 5,6% 
RN 24 2,1% 
RO 7 0,6% 
RR 2 0,2% 
RS 61 5,2% 
SC 11 0,9% 
SE 18 1,5% 
SP 205 17,6% 
TO 15 1,3% 
Total 1.167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
 
A realidade de violência doméstica e familiar que se revela com os dados das 
denúncias feitas em 2008, na Central de Atendimento à Mulher, dá evidência de que 
este fenômeno existe, apesar de não se tratar deste assunto na sociedade em geral e nem 
nas políticas públicas. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres é que tem o 
atributo de acolher demandas das organizações de mulheres do campo e da floresta na 
perspectiva de formulação e implementação de políticas para o conjunto das mulheres 
brasileiras. 
É possível afirmar que essa forma de violência se constitui num verdadeiro foco 
de resistência às transformações sociais de gênero e um grave entrave ao 
desenvolvimento pessoal das mulheres. Além dos agravos para a saúde física e mental, 
 
a convivência cotidiana em uma relação violenta vai destruindo a capacidade produtiva 
da mulher, seu desenvolvimento (em termos de educação e trabalho), sua qualidade de 
vida e sua auto-estima. Esta realidade continua comprometendo também as futuras 
gerações, compondo um padrão de subjetivação não questionado/estranhado. 
No caso da pesquisa realizada por Lorenzoni (2005), todas as mulheres que 
responderam ao questionário e deram depoimentos, romperam o silêncio (algumas 
falando pela primeira vez) e contaram as situações desesperadoras porque passaram. 
Neste grupo pesquisado, a violência física foi perpetrada no corpo das mulheres por 
meio de empurrões (22%); socos (9,2%); tapas (15,5%) e surras (8,5%). Predominando 
a incidência de empurrões, tapas e socos, estes dados aparecem em 45 questionários 
individuais de 170 aplicados e revelaram que 27% das mulheres camponesas 
pesquisadas sofreram ou sofriam violência física. 
No caso da pesquisa feita pelo Movimento de Mulheres Camponesas do Estado 
de Santa Catarina (2002), com a pergunta “O que é violência para você?”, as mulheres 
responderam: agressão física (51,32%), agressão política (23,09%), agressão moral 
(21,70%) e agressão econômica (3,89%). Ao conceituarem cada uma das modalidades, 
elas assim explicaram: 
• agressão física: agressão relacionada ao uso de drogas, o estupro, os maus tratos, a 
agressão por espancamento, a mulher ser maltratada, ter uma vida “judiada” na roça; 
o marido bater na mulher, as brigas de casal ou um bater no outro, as brigas na 
família, a violência sexual, “judiar” das crianças, maus tratos aos idosos, estuprar e 
matar meninas e crianças, as brigas por causa de bebida, torturas, os pais que 
espancam filhos, a bebedeira e o consumo de drogas; 
• agressão política: a presença da morte e de doenças; o modelo de educação 
moralista; a discriminação; a violação dos direitos; a fome e o explorar demais as 
mulheres, pois as mulheres são totalmente discriminadas, trabalham em casa e 
trabalham fora, mas quando precisam de auxílio, não têm; marido alcoólatra; falta de 
atendimento à saúde; crianças na rua; morte de inocentes; não poder sair de casa para 
nada; desigualdade social; racismo; salário baixo; não ter condições de 
sobrevivência; trabalhar demais; o País que gera violência; crime; descasos do 
 
governo; falta de diálogo na família; policiais corruptos; 
• agressão moral: o desrespeito, o ato de agressão psicológica e tudo o que faz mal 
para as pessoas, o marido não dar valor, os palavrões, os mal entendidos, as calúnias, 
o abuso e humilhação, a rejeição e não ser valorizada como mulher, os preconceitos, 
ser obrigada a fazer algo que não queria e tudo o que prejudica física, moralmente ou 
tira a liberdade da mulher agricultora, a discriminação e o machismo, as dificuldades 
de uma filha de agricultora; 
• agressão econômica: o roubo e o assalto, a falta de condições de trabalho, a fome e 
os baixos salários, a desigualdade social. 
Em seguida, foi questionada qual a maior violência já enfrentada. Responderam 
agressão política 28% das mulheres, agressão moral 12% e agressão física 10%, não 
responderam 26,18% e responderam outras 23,82%. 
No cotidiano destas mulheres encontram-se casos de agressões físicas como ser 
espancada e maltratada pelo marido, violência sexual e casos de estupro. Essas situações 
mostram que as mulheres carregam sentimentos de culpa, elas dizem “não conseguir se 
manter com dignidade”. Enfrentam as conseqüências das drogas, do alcoolismo e do 
medo da violência do pai quando estava bêbado, bem como das brigas entre pai e mãe. 
Ainda revelam a sobrecarga de trabalho e que são muito “judiadas” na roça. 
Muitas mulheres revelaram que a maior violência que enfrentaram foi a agressão 
moral. Esta estava ligada aos mais diferentes casos como a profissão de trabalhadora 
rural, o lugar de trabalho, o preconceito por ser do interior ou por ser filha de 
agricultora. Algumas disseram que o modelo de educação reforça o sentimento de culpa. 
A mulher foi educada para ser responsável e manter a honra da família, por isso é 
obrigada a agüentar o casamento, é feio e vergonhoso engravidar antes de casar ou se 
separar. Encarar um relacionamento fora dos parâmetros tidos como normais exige 
coragem. Enfrentar as críticas e calúnias por ser separada ou mãe solteira exige uma 
decisão firme e muitas vezes a disposição de enfrentar sozinha, contrariando familiares. 
Há entre as mulheres, aquelas que, diante da carga de obrigações, se submetem, 
chegando até o ponto de agüentar situações desagradáveis e de violência como a traição, 
a infidelidade etc.. 
 
As mulheres também falaram sobre a violência relacionada à questão de gênero, 
como o desprezo por ser mulher, herança de uma cultura patriarcal e machista, onde a 
mulher é considerada inferior, seu trabalho tem pouco valor, até mesmo o trabalho da 
casa não é considerado. Lembraram que 31 milhões de mulheres no Brasil estão fora do 
“mercado de trabalho”, mas sempre trabalharam a vida toda: cozinhando, passando, 
lavando, limpando, cuidando de filhos, dos idosos, dos doentes etc.. Que a lei brasileira 
não reconhece este tipo de trabalho. Poderão ser, todos esses, motivos para ser permitida 
toda a sorte de humilhação, discriminação, desaforo e imposição de sofrimento. As 
mulheres agricultoras enfrentam cotidianamente agressões que podem ser articuladas 
como políticas relacionadas à estrutura social: os preços altosno mercado e, por outro 
lado, os preços baixos dos produtos que vendem, a desvalorização do campo, as 
dificuldades climáticas secas ou sob excesso de chuvas, a falta de dinheiro para 
investimento em melhora das condições da propriedade, falta de emprego e crise (“a 
mulher tem uma vida de só trabalhar, trabalhar”). Revelam o desencanto e o desânimo 
de trabalhar na roça, em outras palavras, pensam em uma vida melhor na cidade. 
É interessante observar que 26,18% não responderam esta questão e 23,02% 
deram outras respostas, derivando para outros assuntos. Quando se trata de falar sobre a 
maior violência que a mulher agricultora enfrenta, surge o alerta sobre o silêncio em 
certos tipos de violência. A violência social, relativa aos direitos de cidadania e 
decorrente das condições de trabalho é evidenciada. Há o silêncio ou não enfrentamento 
da questão sobre a violência vivida no ambiente doméstico, de casal e entre pares de 
luta e jornada. Entre as mulheres, 28% destacaram a violência política, 12% falaram 
sobre a agressão moral e 10% atribuíram como maior violência a agressão física. Por 
outro lado, 23,02% das mulheres contam que não enfrentam nenhuma violência e nunca 
a enfrentaram. 
A violência moral acontece quando a mulher é vítima de agressões verbais 
repetidas que acabam com a auto-estima. Sofre acusações, calúnia, injúria ou difamação 
da honra ou da reputação, como ser chamada de “prostituta” e de “vagabunda” ou 
acusada de “ter amante”, entre outras. 
No caso do Rio Grande do Sul, a pesquisa do Movimento de Mulheres 
 
Camponesas deste Estado procurou investigar a violência doméstica e familiar. A 
pesquisa foi realizada com 170 mulheres e detectou uma vigorosa presença das 
violências moral, psicológica e sexual no ambiente doméstico e familiar. 
A violência moral esteve presente para 45,8% das mulheres, que sofreram 
agressão verbal por meio de palavrões; 45,9% por deboche, 37,5% por acusações, 
29,5% por calúnias, 13,5% foram chamadas de prostitutas, 29,5% foram chamadas de 
burras e 27,5% foram chamadas de vagabundas por seus companheiros. 
Na violência psicológica, danos e ameaças a pessoas queridas, impedimentos de 
contatos com a família e amigos e danos a animais de estimação. A mulher teria a sua 
auto-estima atingida por agressões verbais constantes. Essa violência seria mais sutil, 
mas não menos danosa, fragilizando a capacidade de reação da mulher frente às 
situações de violência. Esta caracterização se afirmou nas respostas, onde 19,5% 
sofreram ameaças de surra; 17,5% de serem mandadas embora; 16,5% de que o 
companheiro arrumaria outra mulher; 13,5% foram ameaçadas de morte; 32,7% foram 
proibidas de sair de casa ou sair só quando o marido deixasse; 13% foram proibidas de 
passear; 11% foram proibidas de ir a festas; 5,5% foram proibidas de ir a Igreja; 13% 
foram proibidas de ir às reuniões do Movimento (MMC/RS)4; 4,5% foram proibidas de 
viajar e 11,7% só poderiam usar as roupas que o marido gostasse. A violência aparece 
articulada com a repressão ao direito de ir e vir e à imposição de medo à autoridade do 
companheiro. A agressão psicológica se caracteriza pela ação ou omissão destinada a 
degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa, por 
meio de intimidação, manipulação, insultos, ameaça direta ou indireta, intimidação (por 
exemplo: de morte, de separação e de ficar sem ver os filhos); humilhação e ironia 
(chamada de estúpida, burra, louca, gorda, velha e feia); isolamento (impedida de sair 
de casa, de cultivar amizades etc.); ser criticada pelo desempenho sexual; ser comparada 
a outras mulheres, tanto no aspecto sexual como no da beleza, fazendo a mulher se 
sentir desprezível ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, 
à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal. 
Com relação à violência sexual, foi caracterizada a ação que obriga a mulher a 
 
4
 MMC/RS – Movimento de Mulheres Camponesas do Rio Grande do Sul. 
 
manter contatos sexuais que não quer ou a participar de relações sexuais com o uso da 
força ou da intimidação, coerção e chantagem, independentemente da sua vontade 
pessoal. Aqui, se colocam o caso em que as mulheres foram obrigadas a praticar atos 
sexuais que não desejavam com seu próprio marido. No que se refere às camponesas, o 
estupro pelo próprio marido aconteceu com 54,5% das mulheres pesquisadas, revelando 
que as mulheres não têm o direito de decidir sobre seu corpo e sobre o seu prazer. 
Consideraram como violência sexual o fato de serem obrigadas a realizar alguns atos 
com terceiros. Ainda se pode acrescentar o impedimento do uso de contraceptivos, 
quando o parceiro se nega a usar camisinha e proíbe a mulher de usar camisinha 
feminina. A vergonha ou o medo normalmente reduzem ao silêncio vítimas e familiares 
presentes ou cientes da violência. Neste sentido, percebe-se que ainda está no universo 
feminino, que o homem tem direitos sobre o corpo da mulher e a ela cabe cumprir o seu 
papel de esposa. Continua vigente o denominado “débito conjugal”, caracterizado pelo 
dever de manter relações sexuais com o cônjuge. Presas a esse conceito, as mulheres 
participam do sexo com o companheiro, mesmo que não estejam com desejo de manter 
relações sexuais (cf. SAFFIOTI, 1997)5. 
Outro elemento muito forte nos depoimentos das mulheres e relativo à 
sexualidade foi o constrangimento frente à prostituição, prática comum de grande parte 
dos homens do meio rural, especialmente em regiões de monocultivo. Não é valorizado 
o sofrimento das mulheres casadas com o sentimento de traição e nem é tratado como 
violência o papel da indústria do entretenimento sexual. Também está presente em 
diversas regiões do campo e da floresta o turismo sexual, a prostituição e o tráfico de 
mulheres (e o de jovens e crianças). O comportamento dos homens envolve a “dupla 
moral”, com uma fachada de família nuclear e uma família em segredo, com uma 
amante para o “lazer” sexual. A violência provocada pela indústria do entretenimento 
sexual, a pornografia, a prostituição, o comércio e tráfico de seres humanos, 
especialmente de mulheres e crianças e o turismo sexual geram bilhões de dólares por 
ano para alguns enriquecerem em detrimento dos direitos fundamentais de muitas 
 
5
 Consta, ainda, do Código Penal Brasileiro que a violência sexual pode ser caracterizada de 
forma física, psicológica ou como ameaça, compreendendo o estupro, a tentativa de estupro, a 
sedução, o atentado violento ao pudor e o ato obsceno. 
 
mulheres6. 
A tendência evidenciada nestes dados sobre a violência também é expressada na 
pesquisa realizada pela Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da 
CONTAG (Confederação Nacional de Trabalhadores da Agricultura Familiar) com 529 
mulheres agricultoras sindicalizadas. Destas, 54,8% afirmaram ter sofrido violência nos 
espaços doméstico e familiar, sendo que destas 31,4% sofreram violência física, 44,2% 
violência psicológica, 30,8% violência moral, 16,4% violência sexual e 12,3% violência 
patrimonial. Os atos de violência em 63,8% dos casos foram cometidos pelo marido ou 
companheiro, com registros de violência cometida pelo pai, irmão, padrasto e 
namorado. 
Esta mesma pesquisa evidenciou que 27,4% já sofreram ameaças de morte, 
81,6% declararam conhecer outras mulheres trabalhadoras rurais que sofrem violência 
doméstica e familiar. Considerando que as mulheres pesquisadas são sindicalizadas, o 
que torna mais alarmante é a declaração por parte de 18,9% das mulheres que 
atualmente vivem situações de violência doméstica e familiar e que as mulheres 
submetidas a relações familiares e sociais de poder e dominação são constrangidas a 
calar, 28,7% das mulheres pesquisadas declararam sofrerem caladas.Violência pela sobrecarga, exploração e não reconhecimento do trabalho 
As mulheres do campo e da floresta vivem, no seu cotidiano, a tripla jornada de 
trabalho, imposta pela lógica patriarcal e do desenvolvimento capitalista que determina 
alguns papéis para homens e outros para mulheres. Além de trabalhar na roça lado a 
lado com o companheiro, marido, pai ou irmão, as mulheres, cultivam os alimentos para 
 
6 Para ter uma idéia: “As cifras dessas indústrias são colossais: estima-se que, em 2002, a 
prostituição gerou lucros de 60 bilhões de euros e a pornografia, 52 bilhões (Dusch, 2002, 109 
e 101); a cifra dos negócios das agencias de turismo sexual operando pela Web é avaliada em 1 
bilhão de euros por ano; os lucros do tráfico para fins de prostituição são avaliados entre 7,8 e 
13,5 bilhões de euros por ano (Konrad, 2002). São dezenas de milhões os seres humanos, 
principalmente as mulheres e as crianças, submetidos à alienação do comércio de seu sexo”. 
(POULIN, Richard, 2005, “Quinze Teses sobre o Capitalismo e o Sistema Mundial de 
Prostituição” in SOF Sempreviva Organização Feminista. Desafios do Livre Mercado para o 
Feminismo. Nalu Faria (org): São Paulo: SOF, 2005, p. 40-41). 
 
o auto-sustento da família e não têm este trabalho reconhecido como trabalho produtivo. 
Assumem o conjunto dos afazeres domésticos e os cuidados com os animais, plantas e o 
cuidado com os filhos e das pessoas doentes, portadoras de deficiências e dos idosos. 
No estudo monográfico de Antunes (2009, p.26), sobre a invisibilidade do 
trabalho da mulher camponesa, verifica-se que das 06 horas às 24 horas as mulheres 
camponesas estão envolvidas em um cotidiano de trabalho entre o mundo da casa e da 
roça, com picos das 09 horas às 19 horas. Das pesquisadas, 37,5% vivem uma rotina de 
19 horas de trabalho por dia, destacando-se a presença da tripla jornada de trabalho 
nesse cotidiano das mulheres camponesas, conforme mostra o gráfico abaixo. 
 
Fonte: ANTUNES, Adriana. A invisibilidade do trabalho e da geração de renda de mulheres 
camponesas do MMC-RS. 2009.p.26 
Este conjunto de responsabilidades não é considerado como trabalho, o que faz 
 
com que a mulher seja explorada, não reconhecida pelo que produz e faz. Esta 
sobrecarga, aliada com a exploração e a invisibilidade do trabalho, faz com que a 
mulher seja violentada num dos seus direitos fundamentais: o trabalho e a dignidade. A 
mulher trabalhadora rural sofre maior impacto de discriminação que a mulher urbana. 
Além de trabalhar uma média de seis horas mais do que os homens, sua mão-de-obra é 
desconsiderada em termos econômicos e financeiros, uma vez que o trabalho de cultivo 
de horta, cuidado com os animais e aves domésticas para o consumo da família não são 
considerados produtivos. Quando elas trabalham na lavoura, a situação é um pouco pior, 
já que, geralmente, ganham menos do que os homens. 
 
Violência pela desvalorização, pobreza e condição social 
A mulher camponesa, historicamente, só consegue estudar enquanto a escola 
rural de sua comunidade ou perto de sua comunidade permite. Conforme dados do 
IBGE (censo de 2000), a população feminina no meio rural com 15 anos de idade ou 
mais, no Brasil, soma um total de 6,33%. Destas, 4,53% são alfabetizadas e 1,80% são 
analfabetas. A pesquisa realizada por Lorenzoni revela que 70% das mulheres rurais não 
têm o ensino fundamental completo, a maioria tem apenas até 3ª série, o que não 
corresponde sequer ao antigo ensino primário (4 primeiros anos do ensino fundamental). 
Com relação ao nível superior, das 170 mulheres participantes, apenas 4 concluíram o 
curso de graduação e 9 estavam cursando Pedagogia ou Administração e 
Desenvolvimento Rural. 
Ao lado do analfabetismo, vem a condição de pobreza. A mulher do campo e da 
floresta sofre a violência da humilhação pela sua condição social, até bem pouco tempo 
não reconhecida como ocupação profissional. Mesmo assim, muitas vezes lhes é negado 
o direito previdenciário sob o argumento de serem apenas domésticas e não 
trabalhadoras rurais. Por estas e outras razões, são consideradas ignorantes, muitas 
vezes chamadas de “grossas”, “burras”, “feias”, “relaxadas”, “mal ajeitadas” e outras 
designações, desrespeitadas no seu jeito de ser mulher, de falar e de trabalhar 
(LORENZONI, 2005). Em 1994, uma pesquisa do MMC/SC, revelou que 61,3% das 
mulheres agricultoras estudaram de 3 a 4 anos, 19,8% estudaram de 5 a 8 anos e 6,6% 
 
mais que 8 anos (MMC/SC, 2002). 
Outra forma de violência que as mulheres do campo e da floresta enfrentam é a 
dificuldade de acesso à documentação que, muitas vezes, acaba impedindo as mulheres 
de terem acesso aos direitos previdenciários pelo fato de não poderem comprovar por 
não ter documentos pessoais e profissionais. Esta necessidade fez com que a 
Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR)7 realizasse a partir 
de 1989 a Campanha Nacional de Documentação da Mulher Trabalhadora Rural, que 
posteriormente foi assumida como Política Pública no governo democrático popular no 
Rio Grande do Sul (entre 2001 e 2002) e, no governo Lula, através do Programa de 
Documentação da Mulher Trabalhadora Rural, a fim de enfrentar e reverter esta 
realidade. 
No que concerne à saúde, a mulher do campo e da floresta sofre a violência da 
falta de atendimento adequado às suas necessidades, especialmente no que diz respeito 
ao atendimento aos direitos sexuais e reprodutivos. Nesse sentido, se coloca a violência 
como a ausência do Estado para prover esta assistência. A inadequada assistência ao 
parto é vista como uma forma de violência contra as mulheres. Os preconceitos 
presentes nos profissionais de saúde e na organização dos serviços de saúde contra as 
populações do campo e da floresta fazem com que sejam freqüentes as violações de 
direitos das mulheres. É necessário lembrar também que a forma de organização dos 
hospitais muitas vezes reforça a discriminação, não apenas contra as mulheres, mas 
também contra negros, migrantes e pobres. Historicamente, o meio rural tem ficado sem 
políticas específicas de atenção à saúde. Somado a isso, existe a falta de estradas, 
transporte e nesses casos são as mulheres que ficam nos hospitais ou longe dos recursos 
com os filhos ou familiares doentes. (LORENZONI, 2005). 
Quando precisam tratar a saúde, não encontram atendimento, lhes falta o acesso 
a medicamentos e não dispões de recurso financeiro para acessar atendimentos privados 
ou farmácias comerciais. Elas contam que “é muita exploração e indiferença com os 
 
7
 A Articulação de Mulheres Trabalhadoras Rurais envolvia as mulheres agricultoras dos 
Movimentos Autônomos que criaram o MMC – Movimento de Mulheres Camponesas, as 
Mulheres do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, as mulheres do MPA – 
Movimento dos Pequenos Agricultores, entre outras. Atualmente as mulheres camponesas 
destes movimentos se articulam no espaço das Mulheres da Via Campesina. 
 
pobres, fazem isto porque temos pouco estudo” (MMC/SC, 2002). 
Além disto, nos depoimentos das mulheres do campo e da floresta ficou evidente 
o peso dos tabus relacionados ao corpo e a sexualidade que faz com que muitas destas 
mulheres tenham vergonha e/ou medo de procurar atendimento. Alguns relatos 
revelaram que o marido ou cônjuge/companheiro não permite que a mulher procure um 
atendimento ginecológico que, por medo, mesmo tendo a possibilidade do acesso não 
vai ou não lhe é permitido que vá. Num dos relatos feito por mulheres da região Norte 
do Brasil foi informado que as mulheres junto com as profissionais de saúde tiveram 
que esconder uma mulher para que seu marido não percebesse que ela estava em 
consulta com o ginecologista. No entanto, ao saber do fato, ele bateu tantonela que seu 
rosto e corpo ficaram cheios de hematomas e ela não quis mais buscar o atendimento à 
saúde. 
 
Violência produzida pelo modelo tecnológico utilizado no processo produtivo no 
meio rural 
As mulheres trabalhadoras rurais convivem com um processo permanente de 
desconstituição da cultura camponesa de subsistência que historiamente vem sendo 
responsável pela produção diversificada de alimentos, cuidado com a natureza e a 
sobrevivência da família, com o uso de tecnologias próprias da agricultura camponesa e 
familiar. Paralelo a isto, a produção de monocultura para exportação, que traz no centro 
de seu pacote fórmulas químicas de fertilizantes e agrotóxicos. Em todas as culturas 
produtivas, o agrotóxico é usado, acarretando conseqüências danosas ao ambiente 
natural e aos trabalhadores de sua manipulação e uso. 
Nestas situações, as mulheres ficam expostas a conseqüências que fogem de seu 
controle, inclusive a má formação do fetos em gestantes trabalhadoras rurais. Dados de 
uma pesquisa realizada na cidade de Passo Fundo, interior do Rio Grande do Sul, 
abrangendo os anos nos anos de 1983 a 1986, com 300 crianças nascidas com má 
formação genética, encontrou 120 mães com histórico de contato com agrotóxicos. A 
pesquisa decorreu da surpreendente taxa de nascimentos com má formação, 5 vezes 
 
maior que as expectativas estatísticas (cerca de 20 casos para cada mil nascimentos, 
quando a média nos Estados Unidos era de 2 a 4 por mil nascidos vivos). Destes, foram 
33% com má formação neurológica, 30% com má formação gástrica e 37% com má 
formação óssea (TAGLIARI, 2000). 
Os casos de contaminação por agrotóxicos, segundo dados da OMS, 2005, os 
EUA tiveram 323.000/ano - graves doenças, ao passo que nos países em 
desenvolvimento é de 3 milhões de intoxicações agudas/ano e 220 mil mortes (OMS, 
2005). No Brasil foram 300.000/ano intoxicações e 10.000 óbitos/ano (TAGLIARI, 
2005). 
 
Violência no campo e os crimes na luta pela terra 
Das famílias que vivem no campo em péssimas condições de vida, 
concretamente as mulheres e as crianças são as que mais sofrem. A violência no campo 
acontece quando as famílias camponesas, mesmo com sua pequena propriedade, não 
conseguem produzir o suficiente para manter as despesas básicas da estrutura familiar. 
Isto se agrava ainda mais quando as famílias camponesas não têm terra, vivem de 
arrendamento ou de parcerias nas terras de outros. As mulheres são as que mais se 
agoniam, pois os filhos quando estão com fome é a elas que vão pedir comida. A falta 
de uma renda mínima, materiais para os filhos estudarem, frustrações de safra, ausência 
de uma política agrícola adequada, enfim, a decepção com a vida no campo (sem 
perspectiva de sobrevivência), se tornam sobrecarga cotidiana às mulheres. 
A realidade de violência no campo, enquanto luta pela terra e pela resistência na 
terra é enfrentada pelas famílias camponesas. Essa realidade é dura e engloba, desde o 
endividamento bancário, até o rebaixamento de preço nos seus produtos para a venda, 
que impede a recuperação econômica, além da falta de terra para produzir, falta de 
políticas públicas na agricultura que garantam a permanência no campo, com a 
produção de alimentos saudáveis, e crédito especial para as mulheres. Além disso, há a 
crueldade das elites agrárias na forma intolerante com que tratam a luta pela terra. São 
ameaças de morte, crimes, massacres e chacinas. No caderno “Conflitos no Campo 
 
Brasil, lançado na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Brasília, em 
2004, estão os dados sobre os conflitos pela terra, violências como o despejo e 
expulsões e os números da violência contra pessoas, como assassinatos, ameaças de 
morte e prisões. Também há o registro sobre o trabalho análogo à escravidão e conflitos 
pela água, dentre outras informações. 
Os dados de 2004 deixam claro que os conflitos e a violência se mantêm em 
patamares elevados. No ano de 2007, foram registrados 1.801 conflitos, o maior número 
destes 20 anos de pesquisa, envolvendo 1.083.232 pessoas (número somente inferior a 
2003 e 1998). Em média, no Brasil, 1 a cada 29,4 habitantes de área rural esteve 
envolvido em conflitos rurais em 2004. A análise dos números revela, ainda, que os 
índices de conflitividade (número dos conflitos em relação ao número da população 
rural) são maiores onde se dá a expansão do agronegócio, notadamente nos estados da 
região Centro-Oeste e região Sul, inclusive com processos violentos de repressão e 
criminalização. 
 
Violência institucional e estrutural 
A violência institucional e estrutural é causada por desigualdades de gênero, 
étnicas raciais e econômicas, predominantes em diferentes sociedades. Essas 
desigualdades se formalizam e institucionalizam nas diferentes organizações privadas e 
aparelhos estatais, como também nos diferentes grupos que constituem essas 
sociedades. 
No caso da sociedade em que vivemos, a violência étnico-racial, a violência de 
classe e a violência de gênero viabilizam a concretização de um tripé. A violência não 
apenas existe, mas se torna parte da garantia de bem estar de alguns apesar do 
sofrimento de milhões. Não se trata, contudo, de uma situação sem saída, ainda por 
transgressões à lei ou aos processos de subjetivação. As mulheres são agentes relevantes 
à transgressão numa sociedade atravessada pelo patriarcado. A transgressão é feminina 
na medida em que visa à reversão do patriarcado, do machismo e do poder masculino de 
dominação. A tradição em uma democracia jovem e de cidadania incipiente é que quem 
 
elabora as leis não as destina para si próprios, mas para aqueles a que pretende dominar-
explorar. A violência está formalmente instalada na estrutura do sistema social 
capitalista neoliberal vigente em nosso país. 
No que se refere à violência contra a mulher, além dessa estrutura 
institucionalizada, ela se alimenta, produz e reproduz na estrutura familiar; na educação, 
por meio da escola; na religião; no sistema penal, da forma como está; na simbologia 
que está na linguagem expressa de forma mais explicita nas músicas e piadas; nos meios 
de comunicação social e pela mídia que alimenta todas as outras formas de violência 
contra a mulher. 
 
Violência étnico-racial 
As mulheres negras e caboclas têm uma carga de trabalho superior a qualquer 
outro segmento da sociedade. Acumulam tarefas domésticas, responsabilidades com os 
filhos, cuidados com a saúde da família, trabalhos no roçado, além de impulsionarem 
atividades comunitárias, como mutirões de limpeza, promoção de festas, rezas etc.. O 
início da vida sexual é precoce, com o primeiro filho geralmente aos 16 anos, sendo alto 
o índice de mães solteiras. As famílias são numerosas e os partos feitos em casa, por 
parteiras leigas. O pré-natal é praticamente inexistente e a mortalidade perinatal, 
materna e infantil muito elevada. 
Um dos depoimentos que marcou fortemente foi de uma mulher negra que vive 
no meio rural que afirmou ter feito um procedimento cirúrgico sentindo muita dor, pois 
o profissional de saúde teria dito que não precisava a mesma dose de anestésico porque 
as mulheres negras sentiam menos dor. 
Vale destacar, também, que, pelos relatos das denúncias feitas em 2008, a 
maioria das mulheres vítimas de violência no campo e na floresta fazem parte da 
população negra, cor de pele identificada como preta (9,3%) ou parda (38,9%), seguida 
da população branca (31,2%), o que nos faz refletir também sobre a relação da violência 
de gênero aliada às questões étnico-raciais. 
 
Cor/Raça – 2008 
Amarela 18 1,5% 
Branca 364 31,2% 
Indígena 9 0,8% 
Não informado 214 18,3% 
Preta 108 9,3% 
Parda 454 38,9% 
Total 1167 100,0% 
Fonte: Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180. 
 
A invisibilidade desta condição cotidiana que as mulheres do campo e da 
floresta vivenciamé o ponto de reflexão acerca das raízes desta situação de 
invisibilidade e de silêncio. 
 
Violência contra as mulheres do campo e da floresta como fenômeno a ser 
desvelado 
Num contexto social marcado pela presença de variadas formas de violência no 
cotidiano, cabe tratar a violência contra as mulheres do campo e da floresta como um 
fenômeno a ser interpretado em sua singularidade. De fato, estamos, como sociedade, 
nos voltando para a violência como grave problema social, mas a violência contra as 
mulheres do campo e da floresta não encontrou ainda espaço de visibilidade e não há 
conhecimento, ainda, sobre suas formas de expressão para sejam orientadas 
intervenções políticas e exploração de saberes. Este fenômeno ainda não tem 
reconhecimento e nem lugar no campo da pesquisa e produção de conhecimentos. Os 
estudos e pesquisas a este respeito se dão mais no campo focal ou específico, 
 
fundamentais para esta reflexão, mas ainda insuficientes para traçar um panorama de 
análise histórica e atual. 
Neste sentido, uma primeira constatação é sobre a invisibilidade social do 
fenômeno da violência contra as mulheres do campo e da floresta, o que não significa 
que este fenômeno não ocorra. Pelo contrário, as pesquisas que orientam a presente 
reflexão apontam dados reveladores desta realidade como silenciada. Não há, entretanto 
uma prática social desse conhecimento, bem como não há linguagem apropriada para 
nomeá-lo e informação consistente sobre peculiaridades, seus determinantes e seus 
condicionantes de situação e chances de reversão. 
Hoje recebi flores... 
(Autor/a desconhecido/a) 
 
Hoje recebi flores! 
Não é meu aniversário ou nenhum outro 
dia especial; 
Tivemos nossa primeira discussão 
ontem à noite. 
Ele me disse muitas coisas cruéis que 
me ofenderam de verdade. 
Mas sei que está arrependido e não as 
disse a sério, 
Porque ele me enviou flores hoje. 
 
Não é o nosso aniversário ou nenhum 
outro dia especial. 
Ontem ele atirou-me contra a parede e 
começou a asfixiar-me. 
Parecia um pesadelo, mas dos pesadelos 
acordamos 
E sabemos que não é real. 
Hoje acordei cheia de dores e com 
golpes em todos os lados. 
Mas eu sei que está arrependido porque 
ele me enviou flores hoje. 
 
E não é São Valentim ou nenhum outro 
dia especial. 
Ontem à noite me bateu e ameaçou me 
matar. 
Nem a maquiagem, ou as mangas 
compridas poderiam esconder 
os cortes e os golpes que me ocasionou 
desta vez. 
Não pude ir ao emprego hoje, porque 
não queria que me vissem 
Mas eu sei que está arrependido porque 
ele me enviou flores hoje. 
 
E não era dia das mães ou nenhum outro 
dia. 
Ontem a noite voltou a bater-me, mas 
desta vez foi muito pior. 
Se eu conseguir deixá-lo, o que vou 
fazer? 
Como poderia eu sozinha manter os 
meus filhos? 
O que acontecerá se faltar dinheiro? 
Tenho tanto medo dele! 
Mas dependo tanto dele que tenho medo 
de deixá-lo 
Mas eu sei que está arrependido porque 
ele me enviou flores hoje. 
 
Hoje é um dia muito especial: é o dia do 
meu funeral. 
Ontem finalmente conseguiu matar-me. 
Bateu-me até eu morrer. 
Se ao menos eu tivesse tido a coragem e 
a força para o deixar... 
Se tivesse pedido ajuda profissional... 
Hoje não teria recebido flores! 
 
 
O poema “Hoje Recebi Flores” traduz um pouco do drama cotidiano de um ciclo 
de violência marcado pela brutalidade, sutileza, medo, angústia, dor e dificuldades que 
cada mulher enfrenta na tentativa de rompê-lo. No entanto, muitas vezes é morta antes 
mesmo de enfrentar esta situação. 
Em alguns lugares, como é o caso da floresta, a situação é mais arriscada. 
Relato feito pela Secretaria da Mulher Extrativista do Conselho Nacional de 
Seringueiros (CNS), revela que a violência é cruel e que as formas de enfrentamento 
desta situação são muito difíceis, “... muito forte os assassinatos de mulheres, um dos 
casos houve reação de mulheres que lincharam o assassino e impediram o 
sepultamento do cadáver no cemitério da comunidade”. (CNS, 2008, p. 2). Para as 
mulheres chegarem a uma forma de reação destas, a realidade com a qual convivem 
deve ser de muita crueldade. 
Entretanto, a luta das mulheres vem conquistando alguns espaços e ferramentas, 
como é o caso da Lei Maria da Penha, instâncias públicas de ouvidoria e recebimento de 
denúncias, espaços de abrigo e proteção e estratégias de encaminhamento de casos. Para 
as mulheres do campo e da floresta ainda falta o lugar do acolhimento, a visibilidade do 
fenômeno com suas causas e conseqüências e a formulação e implementação de 
políticas públicas direcionadas a derrubada da violência às mulheres do campo e da 
floresta. 
Assim, espaços e práticas sociais em que mulheres do campo e da floresta em 
situação de violência possam expressar de algum modo o problema e buscar algum tipo 
de intervenção, têm sido próprios ao encaminhamento de alternativas. Entre essas, a 
organização das mulheres camponesas; trabalhadoras rurais, da mata e da floresta; 
quebradeiras de coco; quilombolas; indígenas e ribeirinhas em coletivos de luta 
feminina. Daí a importância de escutar o que estas organizações têm a dizer sobre a 
temática e o fenômeno. 
Cabe destacar que a criação da Central de Atendimento à Mulher/Ligue 180, 
pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República vem 
sendo um espaço de escuta e acolhida importante, cujos dados forma analisados na 
presente reflexão. A violência é um termo polissêmico e vem sendo utilizado de várias 
 
formas, trazendo em si uma abordagem ampla que vai desde as formas de tortura, até as 
formas mais sutis de violação dos direitos fundamentais do ser humano. Estudiosos do 
tema da violência, em geral contribuem às reflexões trazendo a dimensão da relação 
com o contexto social e estrutural, outros chamam a atenção para as formas mais sutis 
que perpassam a sociedade e as relações enraizadas em elementos histórico-culturais e 
há ainda a micropolítica das relações cotidianas onde o desejo e práticas do desejo se 
fazem presentes. 
A violência contra a mulher, enquanto categoria sociológica de análise, e sua 
derrubada, como bandeira de lutas, vem sendo apresentada pelos movimentos sociais 
feministas e/ou de mulheres e se refere às mais variadas formas de agressão física, 
sexual e psicológica cometida por parceiros íntimos, o estupro, o abuso sexual, o 
assédio moral e sexual no trabalho, a violência étnico-racial, a violência de gênero, a 
violência pela sobrecarga de trabalho, a desvalorização e o preconceito até a violência 
estrutural e institucional que autoriza abusos, martírios, assassinatos e massacres. 
Dentre as várias abordagens sobre o fenômeno da violência e da violência contra 
as mulheres, é fundamental considerar a visão que contribui para um olhar mais amplo 
do fenômeno. Daí a importância de considerar a visão de gênero a partir da abordagem 
feminista, cuja contribuição vai além da descrição de como as relações sociais se dão, 
mas, sobretudo, analisa o porquê dessas relações acontecerem de determinada maneira, 
em determinado lugar e questão de poder-saber e subjetivação. 
Adentrando na questão da violência contra a mulher do campo e da floresta, se 
colocam as questões de especificidade, como as do território da vida (o meio rural, o 
campo, a mata, a floresta e as águas) e a necessidade de uma abordagem de sociedade, 
gênero e violência. 
Apesar da quase inexistência de estudos, as pesquisas desenvolvidas sobre a 
temática8 da violência contra as mulheres do campo e da floresta em uma ótica de 
gênero, sob o viés do feminismo, permitem compreender a complexidade de sua 
produção e, portanto de seu manejo ou contorno de transmutação. A expressão 
 
8
 Existem pesquisas sobre a violência contra as mulheres, mas em relação especificamenteàs 
mulheres do campo e da floresta poucas pesquisas foram realizadas. 
 
“violência contra a mulher” se refere a qualquer ato de violência que tenha por base o 
gênero e que resulta ou pode resultar em dano ou sofrimento de natureza física, sexual 
ou psicológica. Conforme a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 
Pequim, em 1996, coerções ou privações arbitrárias da liberdade que se reproduzam na 
vida pública ou privada ocorrem sob a forma de violência. 
Ao buscar dados nacionais sobre a violência contra a mulher no Brasil, o 
Instituto Patrícia Galvão (2008) sistematizou as fontes hoje existentes até 2007: 
• Dados Estatísticos Sobre Violência Contra As Mulheres No Amapá (2006-2007); 
• Pesquisa Ibope/Instituto Patrícia Galvão (2006); 
• Co-ocorrência de violência física conjugal e contra filhos em serviços de saúde - 
IMS/Uerj (2006); 
• Perfil da violência de gênero perpetrada por companheiro – Unisinos (2005); 
• Perfil da violência sexual na Paraíba, levantamento dos crimes entre 1998 e 2005 – 
UFPB (2005); 
• A violência nas relações de conjugalidade: invisibilidade e banalização da violência 
sexual? – Fiocruz (2004); 
• Representações sociais de profissionais de saúde sobre violência sexual contra a 
mulher: estudo em três maternidades públicas municipais do Rio de Janeiro – 
UFRJ/Fiocruz (2004); 
• Qualidade de vida e depressão em mulheres vítimas de seus parceiros – Faculdade de 
Medicina da UFCE; 
• Pesquisa nas delegacias de mulheres do Rio de Janeiro aponta que as mulheres 
agredidas apóiam a proibição da venda de armas de fogo; 
• Pesquisa sobre violência sexual – Unifesp; 
• Pesquisa sobre abuso sexual de mulheres por padres - Católicas pelo Direito de 
Decidir; 
• Pesquisa DataSenado sobre violência doméstica contra a mulher (2005); 
• Pesquisa Ibope/Instituto Patrícia Galvão (2004); 
• A mulher brasileira nos espaços público e privado – Fundação Perseu Abramo 
(2001); 
 
• Violência contra a mulher e saúde no Brasil – OMS / FMUSP / CFSS / SOS Corpo / 
FSPUSP / UFPE; 
• Violência doméstica e sexual entre usuárias dos serviços de saúde – Departamento de 
Medicina Preventiva, da Faculdade de Medicina da USP; 
• Vitimização 2002 – Ilanud e Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da 
República; 
• Violências públicas e privadas -Nupevi/IMS/Uerj; 
• Homens, violência de gênero e saúde sexual reprodutiva – Noos / Promundo; 
• Dados sobre violência contra a mulher no Estado de São Paulo – Fundação Seade; 
• Serviço de atendimento a vítimas de violência no Hospital Pérola Byington – União 
de Mulheres de São Paulo; 
• Mapa da violência contra a mulher em São Paulo – OAB; 
• Mapeamento nacional de pesquisas sobre violências contra as mulheres – Nigs/Ufsc; 
• Violência física doméstica e gestação: resultados de um inquérito no puerpério – 
Imip (2001); 
• Mulheres cuidando de mulheres: um estudo sobre a Casa de Apoio Viva Maria, Porto 
Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil – Universidade Luterana do Brasil (1998); 
• Relações entre violência doméstica e agressividade na adolescência – Ufrgs (1998). 
Dentre os principais elementos revelados nessas fontes, é necessário apontar que 
são dados em relação à violência contra as mulheres, não tratando especificamente das 
mulheres do campo e da floresta. No entanto, vale destacar o que pensa a sociedade 
sobre a violência contra as mulheres, identificada através de pesquisa sobre violência 
contra a mulher, encomendada pelo Instituto Patrícia Galvão ao Ibope Opinião, com 
apoio da Fundação Ford e realizada em setembro de 2004. A pesquisa trabalhou com 
uma mostra representativa da população adulta brasileira, com a realização de 2.002 
entrevistas pessoais em todos os estados brasileiros, capitais e regiões metropolitanas. 
Cidades menores foram selecionadas probabilisticamente, dentro da proporcionalidade 
por tamanho de município. A margem de erro máximo, para o total da amostra, foi de 
2,2 pontos percentuais para mais ou para menos. O intervalo de confiança estimado foi 
de 95%. Dentre os principais resultados, “a violência contra a mulher é o problema que 
mais preocupa homens e mulheres”. A partir de uma lista de problemas, homens e 
 
mulheres reconhecem que a violência contra a mulher, tanto dentro como fora de casa, é 
o problema que mais preocupa. No caso, 30% apontam a violência contra a mulher 
dentro e fora de casa em primeiro lugar, na frente de uma série de outros problemas, 
como câncer de mama e de útero (17%) e a Aids (10%). Os indicadores de preocupação 
com a questão de violência não mostram diferenças entre os sexos, tampouco na maioria 
das variáveis estudadas. Isto é, trata-se de um problema amplamente difundido no 
conjunto da sociedade. Algumas diferenças são importantes: a preocupação com a 
violência doméstica (dentro de casa) é mais significativa nas regiões Norte e Centro-
Oeste, chegando a 62% das respostas. 
Outro elemento importante é que 91% dos brasileiros consideram muito grave o 
fato de as mulheres serem agredidas por companheiros e maridos. As mulheres são mais 
enfáticas (94%), mas, ainda assim, 88% dos homens concordam com a alta gravidade do 
problema. A percepção da gravidade da violência contra a mulher se confirma quando 
90% dos brasileiros acham que o agressor deveria sofrer um processo e ser 
encaminhado para uma reeducação. O contraste entre a quase unanimidade destas 
opiniões e a realidade concreta na vida das mulheres é gritante. São poucos os casos que 
chegam a processo e escassas as instituições que trabalham com a reeducação do 
agressor. A idéia de que a mulher deve agüentar agressões em nome da estabilidade 
familiar é claramente rejeitada pelos entrevistados (86%), assim como o chavão em 
relação ao agressor, “ele bate, mas ruim com ele, pior sem ele”, que é rejeitado por 80% 
dos entrevistados. Com relação ao chavão conformista “ele bate, mas ruim com ele, pior 
sem ele”, há diferenças significativas e culturalmente relevantes: as mulheres (83%) 
tendem a rejeitar mais do que os homens (76%); os mais jovens (83%) mais do que os 
mais velhos (68%). Em uma pergunta que pede um posicionamento mais próximo 
daquilo que o entrevistado pensa, 82% respondem que “não existe nenhuma situação 
que justifique a agressão do homem a sua mulher”. Em contrapartida, 16% (a maioria 
homens) conseguem imaginar situações em que há essa possibilidade. Observa-se que 
19% dos homens admitem a agressão, assim como 13% das mulheres. Além disto, 
homens e mulheres fazem o mesmo diagnóstico: 81% dos entrevistados apontam o uso 
de bebidas como o fator que mais provoca violência contra a mulher; em segundo lugar, 
mencionado por 63% de entrevistados, vêm as situações de ciúmes em relação à 
companheira ou mulher. Menos importantes, mas citadas por três em cada dez 
 
entrevistados, vêm as questões econômicas: desemprego (37%) e problemas com 
dinheiro (31%). 13% citam a eventualidade de falta de comida em casa e 14% 
dificuldade no trabalho. É opinião geral, em todos os segmentos da amostra, que os que 
mais perdem nas situações de violência doméstica são os filhos do casal: assim pensam 
63% dos entrevistados. 14% das mulheres dizem que elas perdem mais e 16% dos 
homens se reconhecem como os maiores perdedores. O que estes números sugerem é 
que todos perdem quando há violência na casa. Trata-se de um flagelo e uma epidemia 
que atinge a todos. 
Em outra pesquisa, esta realizada pela Fundação Perseu Abramo, durante o ano 
2001, o Núcleo de Opinião Pública (NOP) estudou o universo feminino e formulou 125 
perguntas, aproximadamente, para uma pesquisa nacional sobre mulheres com uma 
amostra de 2.502 entrevistas pessoais e domiciliares, estratificadas em cotas de idade e 
peso geográfico por natureza e porte do município, segundo dados da contagem 
populacional do IBGE/1996 e Censo IBGE/2000. O NOP perguntouàs mulheres de 15 
anos de idade ou mais, residentes em 187 municípios de 24 estados das 5 macrorregiões 
brasileiras, entre os dias 06 e 11 de outubro de 2001, a respeito de temas como saúde, 
trabalho, sexualidade, violência, educação, trabalho doméstico, cultura política e lazer. 
Dentre os principais dados está que “uma em cada cinco brasileiras declara 
espontaneamente já ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem” e a 
conclusão de que “a cada 15 segundos uma mulher é espancada por um homem no 
Brasil”. Cerca de uma em cada cinco brasileiras (19%) declara espontaneamente ter 
sofrido algum tipo de violência por parte de algum homem. Um terço das mulheres 
(33%) admite já ter sido vítima, em algum momento de sua vida, de alguma forma de 
violência física (24% de ameaças com armas ao cerceamento do direito de ir e vir, de 
22% de agressões propriamente ditas e 13% de estupro conjugal ou abuso). 27% 
sofreram violências psíquicas e 11% afirmaram já ter sofrido assédio sexual. Um pouco 
mais da metade das mulheres brasileiras declara nunca ter sofrido qualquer tipo de 
violência por parte de algum homem (57%). 
Dentre as formas de violência mais comuns, apontadas na pesquisa abordada, 
destacam-se a agressão física mais branda, sob a forma de tapas e empurrões, sofrida 
 
por 20% das mulheres; a violência psíquica de xingamentos, com ofensa à conduta 
moral da mulher, vivida por 18%, e a ameaça através de coisas quebradas, roupas 
rasgadas, objetos atirados e outras formas indiretas de agressão, vivida por 15%. 
Além disto, 12% declaram ter sofrido a ameaça de espancamento a si próprias e 
aos filhos e também 12% já vivenciou a violência psíquica do desrespeito e 
desqualificação constantes ao seu trabalho, dentro ou fora de casa. Espancamento com 
cortes, marcas ou fraturas já ocorreu a 11% das mulheres, mesma taxa de ocorrência de 
relações sexuais forçadas (em sua maioria, o estupro conjugal, inexistente na legislação 
penal brasileira), de assédios sexuais (10% dos quais envolvendo abuso de poder), e 
críticas sistemáticas à atuação como mãe (18%, considerando-se apenas as mulheres que 
têm ou tiveram filhos). 9% das mulheres já ficaram trancadas em casa, impedidas de 
sair ou trabalhar; 8% já foram ameaçadas por armas de fogo e 6% sofreram abuso, 
forçadas a práticas sexuais que não lhes agradavam. 
A projeção da taxa de espancamento (11%) para o universo investigado 
(61,5 milhões) indica que pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras 
vivas, já foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se que 
entre as que admitiram ter sido espancadas, 31% declararam que a última 
vez em que isso ocorreu foi no período dos 12 meses anteriores, projeta-
se cerca de, no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por ano no 
país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam aumentando ou 
diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia, 243/hora ou 4/minuto – uma a 
cada 15 segundos. 
Com relação à freqüência e duração entre as mulheres que já sofreram 
espancamento, 1/3 (32%) afirma que isso só aconteceu uma vez, enquanto outras 20% 
dizem ter ocorrido 2 ou 3 vezes. A declaração de espancamento por mais de 10 ou 
várias vezes é comum a 11% das mulheres que já passaram por isso, além de 15% que 
não determinam a quantidade, mas o tempo em que ficaram expostas a esse tipo de 
violência. Há mulheres que sofrem ou sofreram espancamentos por mais de 10 anos, ou 
mesmo durante toda a vida (4%, ambas). 
No que se refere a quem são os agressores, a responsabilidade do marido ou 
parceiro como principal agressor varia entre 53% (ameaça à integridade física com 
armas) e 70% (quebradeira) das ocorrências de violência em qualquer das modalidades 
investigadas, excetuando-se o assédio. Outros agressores comumente citados são o ex-
 
marido, o ex-companheiro e o ex-namorado, que somados ao marido ou parceiro 
constituem sólida maioria em todos os casos. 
No que se relaciona ao pedido de ajuda, em quase todos os casos de violência, 
mais da metade das mulheres não pede ajuda. Somente em casos considerados mais 
graves como ameaças com armas de fogo e espancamento com marcas, cortes ou 
fraturas, pouco mais da metade das vítimas (55% e 53%, respectivamente) recorrem a 
alguém para ajudá-las. O pedido de ajuda perante ameaças de espancamento à própria 
mulher ou aos filhos; tapas e empurrões e xingamentos e agressões verbais ocorre em 
pouco menos da metade dos casos (46%, 44% e 43%, respectivamente). Cerca de pouco 
mais de um terço das mulheres pediram ajuda quando vítimas de impedimento de sair, 
sendo trancadas em casa; quebra-quebra em casa; assédio sexual e críticas sistemáticas à 
atuação como mãe. Nas demais situações de violência o pedido de ajuda é inferior a 
30%. Em todos os casos de violência, o pedido de ajuda recai principalmente sobre 
outra mulher da família da vítima - mãe ou irmã, ou a alguma amiga próxima. 
No que tange à denúncia, os casos de denúncia pública são bem mais raros, 
ocorrendo principalmente diante de ameaça à integridade física por armas de fogo 
(31%), espancamento com marcas, fraturas ou cortes (21%) e ameaças de espancamento 
à própria mulher ou aos filhos (19%). 
Outro aspecto relevante apontado por esta pesquisa, diz respeito às causas e 
fatores. O ciúme desponta como a principal causa aparente da violência, assim como o 
alcoolismo ou estar alcoolizado no momento da agressão (mencionadas por 21%, 
ambas), razões que se destacam, em respostas espontâneas sobre o que acreditam ter 
causado a violência sofrida, superando em larga escala as demais menções. 
Como proposta de combate à violência contra a mulher, a pesquisa apontou a 
criação de abrigos para mulheres e seus filhos, vítimas de violência doméstica, é a que 
merece maior adesão (43% na primeira resposta, 74% na soma de 3 menções), dentre 
oito ações de políticas públicas sugeridas. Criação de Delegacias Especializadas no 
atendimento a mulheres vítimas de violência (21%) aparece como segunda principal 
medida de combate à violência contra a mulher, seguida por um serviço telefônico 
gratuito - SOS Mulher e um serviço de atendimento psicológico para as mulheres 
 
vítimas de violência (propostas empatadas tecnicamente com 13% e 12%, na ordem). 
Quando aceitas como respostas múltiplas, o ranking é semelhante, com taxas 
evidentemente mais altas (74%, 60%, 44% e 51%, respectivamente). 
No caso das mulheres do campo e da floresta, a análise das mais variadas formas 
de dano ou sofrimento, ou seja, de violência, vem apontando a necessidade de 
identificá-la na complexidade com que se apresenta no cotidiano das mulheres 
camponesas e/ou trabalhadoras rurais e agricultoras. 
As duas pesquisas realizadas com mulheres camponesas, uma desenvolvida pelo 
MMC/SC9, no ano de 2002, intitulada “Violência praticada contra a mulher 
agricultora de Santa Catarina”, sob coordenação de Zenaide Collet, Rosane Schiavini 
e Sirlei K. Gaspareto e 11 pesquisadoras do próprio movimento capacitadas para esta 
tarefa, realizada em 15 municípios do Estado de Santa Catarina, sendo que cada um 
corresponde a uma das regiões do Estado onde este movimento está organizado10. 
Foram aplicados 500 questionários, seguindo os critérios da faixa etária, etnia, 
participantes e não participantes do MMA/SC. A pesquisa foi aplicada em 15 
municípios, dos quais, 11 existem organização MMA/SC, e em 4 municípios não há 
 
9
 Esta pesquisa originou da necessidade de atualização do diagnóstico desta realidade, pois em 
1994 o MMC/SC juntamente com o DESER realizou uma pesquisa de amostragem em 11 
municípios de diferentes regiões do estado. Entrevistou 782 mulheres agricultoras. A pesquisa 
realizada, foi sobre quatro eixos centrais: a mulher e a produção – reprodução – saúde - 
participação social. Entre os dados pesquisados verificou-se várias faces de violênciacometida. 
61,3% das agricultoras freqüentaram até 4 anos a escola e 11,7% são semi-analfabetas; 18% das 
agricultoras não possuem carteira de identidade, 43,7% não possuem CPF e 9,1% não tem titulo 
de eleitora. 61,3% das agricultoras freqüentaram até 4 anos a escola e 11,7% são semi-
analfabetas; 18% das agricultoras não possuem carteira de identidade, 43,7% não possuem CPF 
e 9,1% não tinham titulo de eleitora; 90,6% das mulheres agricultoras entrevistadas, declaram 
ter iniciado o trabalho agrícola antes dos 14 anos de idade e 84% responderam que trabalham na 
roça em atividades pesadas como: roçar, arar a terra, aplicar veneno, processar fumo, etc. 
Embora a visão que perpassa a sociedade, é de que a mulher agricultora não produz 
economicamente. Por outro lado, é reservado à mulher agricultora o cuidado da casa, dos 
filhos(as), do marido, da saúde, da horta, do cuidado as pessoas idosas ou doentes da família e 
as mesmas revelam que 71% dos maridos nunca ou raramente fazem algum trabalho doméstico. 
10
 Os municípios pesquisados foram: Tunápolis (Regional de Descanso), Anchieta (Regional de 
São Jose do Cedro), Ipuaçú (Regional de Xanxerê), Pinheiro Preto (Regional de Tangará), 
Capinzal (Regional de Joaçaba), Ipumirim (Regional de Concórdia), - Palmitos (Regional de 
Chapecó), Pinhalzinho (Regional de Pinhalzinho), Maravilha (Regional de Maravilha), 
Urussanga (Regional Sul), Laguna Regional das Pescadoras, Frei Rogério (Regional de Lages), 
Rio do Campo (Regional de Rio do Campo), Santa Terezinha do Progresso (Regional de Campo 
Erê) e Jardinópolis(Regional de Quilombo). 
 
atuação do Movimento organizado. O público pesquisado foram as mulheres pequenas 
agricultoras com até 50 hectares, ou seja, 20 alqueires, sem terra, com idade superior a 
15 anos. Quanto à origem étnica os questionários buscaram contemplar as mais 
diferentes etnias como alemãs, luso-brasileira, polonesas, italianas, açorianas, negras. 
Essa pesquisa dá conta de traçar um perfil das mulheres do campo, levantar as 
concepções que estas mulheres têm de violência e apresentar dados relativos às 
situações de violência física, psicológica, sexual, e social enfrentadas por elas em seu 
cotidiano, como veremos adiante. 
A outra pesquisa intitulada “A violência nas relações de gênero e classe: uma 
interpretação a partir das mulheres camponesas no Rio Grande do Sul”, 
especialmente dentro do universo de abrangência do Movimento de Mulheres 
Camponesas11 no Estado, atingindo um público de aproximadamente 4.500 mulheres. A 
identificação das faces da violência deu-se por meio de depoimentos, entrevistas, 
levantamentos de informações, 170 questionários aplicados em 60 municípios com 
perguntas para serem respondidas de forma objetiva, individualmente, sem identificação 
pessoal para garantir que as mulheres pudessem responder com mais liberdade, já que 
em outro momento o movimento aplicou um questionário acerca desta temática e 
grande parte das mulheres não responderam. Por isso, a opção pela não identificação e 
pela ampliação da pesquisa envolvendo o universo de abrangência do movimento no 
Rio Grande do Sul. Foram também realizadas consultas às Delegacias de Mulheres no 
estado sobre boletins de ocorrências policiais de violência e as publicações sobre o 
assunto. Esta pesquisa apresenta alguns referenciais teóricos e elementos geradores da 
violência contra a mulher camponesa, a identificação e análise da violência como 
cotidiano na vida da mulher camponesa, contextualizando-a como um fenômeno 
mundial, com dados mais globais e sobre o Brasil, e, no Rio Grande do Sul, apresenta a 
importância do Movimento de Mulheres Camponesas e uma análise sobre os 
mecanismos e as estratégias de combate à violência apontada pelas mulheres 
pesquisadas e pelo universo maior do próprio movimento. 
 
11
 Pesquisa realizada em 2005, por Carmem Lorenzoni, do MMC/RS, sob orientação de 
Vanderléia L. P. Daron e apresentada no Curso de Especialização em Estudos Latino-
Americanos da Universidade Federal de Juiz de Fora em parceria com a Escola Nacional 
Florestan Fernandes, fazendo a delimitação do tema para o Rio Grande do Sul. 
 
Outra pesquisa relevante foi realizada por Sandra Mônica da Silva12 e intitulada 
“A violência na Amazônia brasileira, do descobrimento à atualidade: fio condutor 
de um inacabado processo de ocupação territorial”, apresenta a violência como um 
dos fatores mais presentes e persistentes no processo de ocupação econômica da 
Amazônia e levando em consideração as colocações de autores como Foucault, Adorno, 
Chauí e Galtung. Identifica na história da ocupação da Amazônia Brasileira, momentos 
e episódios, em que o poder fez uso da violência para domesticar e disciplinar os 
indivíduos, usando-os – e a seus corpos – como estratégia de acumulação. É um estudo 
importante para a compreensão do processo histórico-atual das populações da região 
Amazônica, no qual as mulheres fazem parte. Entretanto, não é uma pesquisa específica 
sobre a violência contra as mulheres do campo e da floresta, mas traz elementos que 
contribuem para a compreensão geral do fenômeno da violência nesta região. 
Outra pesquisa, coordenada por Ana Paula Portella, uma das coordenadoras do 
SOS Corpo, de Recife, entidade que realizou, juntamente com a Organização Mundial 
da Saúde e a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP, a pesquisa 
“Violência doméstica e saúde da mulher”, em 2001, com mulheres de 15 a 49 anos, 
no município de São Paulo e em 15 municípios da Zona da Mata de Pernambuco (que 
possui área urbana e rural). Foi a primeira pesquisa feita no Brasil em termos 
populacionais. "Há vários aspectos alarmantes nesta pesquisa. O primeiro é a própria 
magnitude do problema: uma em cada quatro mulheres em São Paulo, uma em cada três 
mulheres na Zona da Mata e uma em cada duas usuárias do SUS de Recife, já sofreram 
violência física dos parceiros. Esses dados são muito altos e indicam a relevância e 
urgência do problema. O segundo é o diferencial de gravidade entre Pernambuco e São 
Paulo, que chama a atenção para a necessidade de se observar os contextos específicos 
nos quais a violência acontece. Finalmente, esse diferencial pode ser resultado da 
existência de serviços de atenção às mulheres e de fatores como maior escolaridade e 
maior acesso à informação, o que nos dá algumas pistas sobre formas de enfrentamento 
do problema. 
Outra pesquisa reveladora de uma realidade de vida dos trabalhadores (as) dos 
 
12
 Publicada em Ciência & Desenvolvimento, Belém, v. 2, n. 4, jan./jun. 2007, p. 205. 
 
canaviais paulistas é a pesquisa “A morte ronda os canaviais paulistas”13 feita por 
Maria Aparecida de Moraes Silva da USP, procura dar visibilidade às condições de 
trabalho impostas pelas usinas, cujos resultados têm sido o enorme desgaste físico, 
responsável por 13 mortes no período de 2004-2005, sem contar a legião de verdadeiros 
mutilados, após 10 ou 15 anos de trabalho: os trabalhadores dos canaviais paulistas. 
Grande parte destes trabalhadores é proveniente das áreas mais pobres do país: nordeste 
e Vale do Jequitinhonha/MG. Segundo estimativas do Pastoral do Migrante, são em 
número de 50 mil migrantes nesta região, enquanto para o conjunto do estado 
ultrapassam a casa dos 200 mil. Na sua maioria são jovens, que se deslocam todos os 
anos a partir do mês de março e nesta região permanecem em alojamentos construídos 
pelas usinas ou nas pensões das cidades-dormitórios, até o início do mês de dezembro. 
São os chamados migrantes temporários, embora esta migração seja permanentemente 
temporária, pois esta situação existe desde o início da década de 1960 (Silva, 1999). A 
partir do ano 2000, no entanto, assiste-se ao processo de mudança da cartografia 
migratória. Muitos dos migrantesatuais são provenientes do Maranhão e Piauí, estados 
que, no passado, tinham pouca participação neste processo. Uma das explicações dada 
para a mudança da cartografia migratória reside no fato de que houve uma enorme 
intensificação do ritmo do trabalho, traduzida em termos da média de cana cortada, em 
torno de 12 toneladas diárias. Este fato está diretamente relacionado à capacidade física, 
portanto, à idade, na medida em que acima de trinta anos de idade, os trabalhadores já 
encontram mais dificuldades para serem empregados. Desta sorte, a vinda destes outros 
migrantes cumpre a função de repor, por meio do fornecimento de maior força de 
trabalho, o consumo exigido pelos capitais cuja composição orgânica é maior. Esta 
migração é essencialmente masculina. Enquanto os homens partem, as mulheres ficam. 
Elas cuidam da roça ou se empregam enquanto quebradeiras de coco. Algumas delas 
partem com os maridos, e, às vezes, até com os filhos, para lhes preparar a comida e 
lavar suas roupas. Nas periferias das cidades-dormitórios paulistas vivem em 
minúsculos quartos alugados nos fundos-de-quintais, de onde geralmente saem, à espera 
dos maridos que trabalham no corte da cana (Vetorassi, 2006; Silva et al., 2006). 
Além disto, o que marca na busca de informações sobre a violência contra as 
 
13
 Texto publicado na Revisa Abra, V. 33, N. 2, ag/dez, 2006, p. 11-143. 
 
mulheres camponesas é a violência que enfrentam pelo fato de lutarem por terra, por 
diretos e pela defesa da soberania. São inúmeras notícias, reportagens e textos que 
informam e/ou analisam este tipo de violência que criminaliza os movimentos sociais, 
especialmente do campo. Esta situação não é de agora, haja vista que Margarida Alves, 
líder sindical, foi assassinada por lutar pelos direitos das mulheres e do conjunto dos 
trabalhadores do campo. 
A realidade de violência é referenciada nos dados apresentados pelo Brasil sobre 
as mulheres trabalhadoras rurais no documento “O Brasil e o cumprimento da 
CEDAW – Contra-informe da sociedade civil ao VI Relatório Nacional Brasileiro à 
Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a 
Mulher – CEDAW – período 2001 – 2005, apresentado em julho de 2007. Este 
documento: 
traz questionamentos que expõem a fragilidade da situação das mulheres 
no país, agravada quando se trata de afrodescendentes, indígenas, 
residentes em zonas rurais, moradoras urbanas de menor poder 
aquisitivo, prostitutas, portadoras de necessidades especiais, presidiárias, 
chefes de família, lésbicas, mulheres vivendo com HIV/Aids, enfim, de 
meninas, de jovens ou idosas e de outros grupos de mulheres 
marginalizadas ou socialmente excluídas. Em vista disso, o texto 
evidencia a persistência de muitas desigualdades de gênero, em 
específico, no que concerne às dificuldades de acesso às políticas 
públicas, aos bens públicos e ao bem-estar social. Desigualdades que se 
acentuam devido ao pertencimento étnico, geracional, regional ou 
socioeconômico, e dificultam o avanço das mulheres na sociedade 
brasileira.” (CONTRA-INFORME, 2007). 
 
Este documento enfoca a Igualdade de Direitos, enfatizando as recentes 
mudanças processadas nos Códigos Civil e Penal brasileiros, e a importância do advento 
da Lei Maria da Penha (11340/2006), que visa coibir a violência doméstica e familiar 
contra a mulher em todo o país, considerando, contudo, carências no âmbito das 
garantias jurídico-legais e das práticas cotidianas para efetivar a cidadania das mulheres 
brasileiras. O mesmo enfoque é utilizado para avaliar outros avanços nas políticas 
públicas, entre eles, os da criação de mecanismos institucionais de defesa dos direitos 
das mulheres. Além disto, aborda os problemas da Violência e da Discriminação como 
 
práticas recorrentes na sociedade brasileira e obstáculos ao pleno desenvolvimento 
social, econômico e cultural das mulheres. Obstáculos estes mais evidentes quando 
articulados com questões como idade, origem étnica, procedência rural, orientação 
sexual ou a condição de exclusão múltipla 
Também analisa as Ações Afirmativas, reforçando a idéia de tratar-se de 
estratégias necessárias para sustentar políticas de identidade e de igualdade de 
oportunidades para mulheres, afrodescendentes, indígenas e outros segmentos excluídos 
ou discriminados da sociedade brasileira. 
O documento, ao analisar os Estereótipos, Padrões Culturais e Imagens da 
Mulher, evidencia a necessidade de modificar procedimentos e mentalidades que 
imputam papéis sociais secundários ao segmento feminino e forjam imagens negativas e 
distorcidas de mulheres e meninas. Em vista disso, evidencia a necessidade das agências 
de socialização, entre elas: a escola, a família e os meios de comunicação, empenharem-
se para a modificação de tais mentalidades. Ressalta, ainda, a pertinência do 
desenvolvimento de ações, programas e campanhas que desconstruam estereótipos e 
valorizem o papel das mulheres em todos os espaços de atuação social. 
O Tráfico de Meninas e Mulheres e a Exploração Sexual são tratados no 
documento, evidenciando um quadro preocupante e situações que vão desde a 
dificuldade de visualizar o problema, incluindo as que denotam a falta de preparo para 
dar-lhe tratamento adequado, passando pela impunidade, e chegando a entraves legais, 
como o que se expressa no Código Penal brasileiro, no qual o crime sexual ainda não é 
encarado como violação de Direitos Humanos, mas como um crime contra os costumes. 
Ao que se soma o fato do tráfico para fins sexuais afetar, predominantemente, mulheres 
e meninas negras e morenas, com idade entre 15 e 27 anos, geralmente de classes 
populares, com baixa escolaridade e que habitam áreas urbanas periféricas, carentes de 
saneamento, transporte e de outros bens sociais comunitários. 
Além disto, o documento refere-se ao Direito à Vida Pública e Política, fazendo 
alusão ao nível reduzido da presença feminina nas instâncias dos Poderes Executivo, 
Legislativo e Judiciário e ao fato das dificuldades de ocupar espaços em esferas de 
decisão política serem problemas afeitos a segmentos identificados por traços de gênero, 
 
classe ou raça/etnia. Refere-se, ainda, ao fato do Brasil figurar entre os países pior 
colocados quanto ao empoderamento político das mulheres (elegebilidade), 
identificando que apesar do advento das cotas, desde as eleições de 1996, a sub-
representação feminina permanece um padrão recorrente no cenário político brasileiro. 
Também examina a Participação e a Representação Internacional, exemplificando esse 
ponto a partir da experiência de atuação feminina na Reunião Especializada da Mulher 
(REM) no Mercosul, tida como de suma importância em razão do protagonismo das 
mulheres dos países que compreendem a região, porém, sem receber o respaldo 
necessário das instâncias governamentais. Quando se extrapola o âmbito do Mercosul, o 
fato de haver pouca possibilidade de participação e de representação de mulheres em 
fóruns internacionais e em delegações oficiais também é mencionado. 
O tema da Realização Educacional e da Cidadania mostra que as conquistas 
obtidas pelas mulheres em termos de acesso e permanência na escola ou o aumento dos 
anos de estudo, não resultaram em melhores condições de trabalho, em menos 
desemprego, em maiores salários ou na ocupação de postos de chefia e decisão. 
Situação semelhante verifica-se em relação à carreira científica, na qual a realidade 
vivida pelas pesquisadoras vai além de uma mera questão quantitativa, acentuando as 
distâncias de gênero no que confere à obtenção de bolsas de pesquisa e à presença no 
topo da carreira, embora elas tenham presença marcante na base da pirâmide. O registro 
dessa realidade dá indícios das muitas possibilidades de se examinar indicadores sociais 
para a compreensão da dinâmica de gênero queperpassa o contexto das oportunidades 
educativas, bem como da sua intersecção com as relações de classe e raça/etnia, cujos 
efeitos muitas vezes são mais nefastos dos que os que demarcam as desigualdades entre 
homens e mulheres. 
As questões relativas ao Trabalho, Seguridade Social, Pobreza e Exclusão 
Social, direcionando a atenção para aspectos relativos à situação de emprego e salário, e 
para a esfera da previdência e seguridade social, mostra um quadro de defasagens 
salariais que faz com que as mulheres recebam menores salários que os homens, fato 
mais crucial para categorias como a das trabalhadoras domésticas e a das trabalhadoras 
rurais. Estas, não raro, com dificuldade de comprovar seus rendimentos e muitas vezes 
marginalizadas do processo produtivo tradicional, se vêem desprotegidas e sem 
 
garantias trabalhistas que lhes permitam o acesso aos benefícios da Seguridade Social, 
ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ao Seguro Desemprego ou à Licença- 
Maternidade. Realidade mais problemática quando se trata de mulheres negras e pobres, 
vítimas do racismo e do sexismo. 
A análise sobre a Saúde da Mulher e os Direitos Sexuais e Reprodutivos, elucida 
questões relacionadas aos elevados índices de gravidez na adolescência, à falta de 
acesso à contracepção de emergência ou à realização de aborto em condições inseguras 
constituem alguns dos tantos problemas que precisam ser tratados urgentemente como 
objeto de saúde pública no Brasil. Ao que se somam problemas relacionados à sub-
notificação de casos de morte materna, à má qualidade do atendimento à gestante, à 
incidência de mortes por câncer de mama ou ao aumento dos casos de HIV/Aids entre 
as mulheres. No mesmo sentido, a necessidade de percorrer longas distâncias em busca 
de atendimento médico, conjugada à pouca oferta desses serviços, têm dificultando o 
acesso à saúde por parte de vários segmentos de mulheres. Acesso este também 
dificultado por fatores pertinentes à etnicidade ou à orientação sexual, reveladamente 
fontes de preconceito e de discriminação quando se trata de atendimento à saúde. 
As Desigualdades na Vida Econômica e Social são examinadas no documento 
com base em indicadores que retratam as desigualdades nas condições de vida de 
grupos étnicos e raciais. No Brasil, as declarações formais de direitos iguais, presentes 
em leis nacionais e internacionais e protegidas pela Carta Constitucional de 1988, não se 
mostram suficientes para garantir a titularidade jurídica (legal e de direitos) das 
mulheres e, em particular, das mulheres negras e indígenas, refletindo, entre outras 
desigualdades, as relativas ao acesso ao trabalho, à renda, à saúde, à educação e aos 
cargos de poder. 
Por fim, a abordagem sobre as Mulheres Trabalhadoras Rurais analisa que os 
programas nacionais voltados à agricultura familiar, incluindo os de acesso ao crédito e 
à documentação para a trabalhadora rural ainda são insuficientes. 
É destacado o protagonismo do Movimento das Mulheres Camponesas do 
Brasil, cujas mobilizações têm tornado visível a realidade desse segmento e 
impulsionado o reconhecimento de suas necessidades e carências. 
 
Destaca-se o papel da Marcha das Margaridas, coordenado pela Contag, no 
sentido de explicitar a necessidade de construção de uma Campanha Nacional de 
Combate à violência contra as mulheres do campo e da floresta. As mulheres da Marcha 
das Margaridas enfatizam a presença deste fenômeno no cotidiano das mulheres 
trabalhadoras rurais, afirmando que a violência doméstica se dá no universo da família 
onde este espaço é o mesmo tanto para a convivência familiar, quanto para o trabalho. O 
espaço de moradia é o mesmo do trabalho, pois envolve os afazeres domésticos e o 
trabalho na propriedade agrícola que está neste mesmo universo de convivência, onde 
os agressores são os mesmos da convivência familiar e de trabalho. Este é um elemento 
diferenciado do universo urbano. As dificuldades de transporte, as distâncias e a falta de 
equipamentos públicos para as mulheres trabalhadoras rurais. A entidade vem atuando 
com as mulheres trabalhadoras rurais o tema da violência articulado com a saúde. 
Além destes estudos apontados, vale salientar que os dados da Central de 
Atendimento à Mulher -Ligue 180, criado pela Secretaria Especial de Políticas para as 
Mulheres, registrou em 2008 1.167 denúncias de violência cometida contra mulheres 
trabalhadoras rurais. Destas, 17,6% são do estado de São Paulo, 11,2% da Bahia e 
10,7% de Minas Gerais, citando os três estados com maior índice. Estes dados reforçam 
a existência de situações de violência doméstica contra as mulheres do campo e da 
floresta no Brasil, considerando ainda que estes dados são sub-notificados, pois poucas 
mulheres acabam denunciando em função das distâncias, da condição em que se 
encontram e da realidade em que vivem. 
 
Breve análise das referências encontradas sobre o tema da “violência contra as 
mulheres do campo e da floresta” 
Ao fazer o levantamento das referências que existem sobre a violência contra as 
mulheres do campo e da floresta, utilizando como descritores: “violência contra a 
mulher, violência contra a mulher do campo, violência contra a mulher do campo e da 
floresta, violência doméstica – mulher trabalhadora rural, violência contra mulheres 
camponesas, violência contra a mulher rural”, pode-se identificar que existem mais 
referências relativas ao tema da violência contra as mulheres, não especificamente das 
 
mulheres trabalhadoras rurais ou do campo e da floresta. Quando a busca vai adentrando 
nos descritores mais específicos, as referências existentes são no campo de informes ou 
notícias, mais centradas na violência de classe, ou seja, a violência contra as mulheres 
ou os movimentos que lutam e/ou resistem contra o capital ou contra os poderes 
instituídos no contexto histórico-atual dos projetos de sociedade que se vive. 
No que tange a estudos acadêmicos, artigos, monografias, dissertações e teses, 
dentre as fontes pesquisadas são quase inexistentes as referências, com exceção dos 
estudos já apontados. O que se percebe são estudos que expressam alguns elementos 
que podem nos ajudar a fazer uma problematização deste fenômeno. 
Ao realizar a pesquisa de dados sobre “violência doméstica” na base de dados 
LILACS, que é uma das principais bases de conhecimento científico na área da saúde 
coletiva, aparecem 1073 descrições. No entanto, ao acrescentar o descritor “mulher”, 
este número baixa para 212 estudos. Ao analisar mais especificamente os estudos 
publicados no Brasil, baixa para 106 estudos, sendo que 3 deles são sobre a violência 
doméstica contra mulheres no México e um na Argentina e dois estavam fora desta 
classificação, restando 100 estudos sobre a violência doméstica contra mulheres. Destes, 
nenhum faz a caracterização em mulheres rurais ou urbanas. 
Não foi encontrada em nenhuma base de dados estudos relativos à violência 
doméstica contra mulheres do campo e da floresta e nem violência contra mulheres do 
campo e da floresta. 
Destes 100 estudos, o interessante é que 19 são publicações, em sua maioria 
relativas às Políticas que vem sendo desenvolvidas pelo governo federal a partir de 2003 
e as demais são de entidades defensoras dos direitos das mulheres (Conselhos, ONGs de 
caráter feminista, especialmente), evidenciando a importância e o papel que a Secretaria 
de Políticas para as Mulheres vem desempenhando na visibilidade e na formulação de 
políticas para as mulheres. Desde o momento em que essa temática passa a ser objeto de 
uma política pública, o tema torna-se visível para a produção científica e passa a ser 
objeto de estudos e pesquisas, ainda com caráter bastante genérico e, portanto, com 
menor capacidade de gerar respostas específicas e com maior capacidade de interferir 
no cotidiano singular das mulheres das diferentes raças,culturas, situações econômicas, 
 
escolhas afetivas, regiões, localização territorial em espaços urbanos e rurais etc.. Do 
universo dos 19 estudos que refletem e/ou abordam este tema pela perspectiva da 
política para as mulheres, quatro são vinculadas à Secretaria Especial de Políticas para 
as Mulheres, quatro são vinculadas à violência e saúde publicadas pelo Ministério da 
Saúde. Um caso é de políticas de âmbito municipal; um outro é da área da Segurança 
Pública; dois são de universidades públicas, dois de Fórum e/ou Conselho de Direitos 
das Mulheres e cinco vinculados às Organizações Não Governamentais, Redes de apoio 
às mulheres, cujas publicações foram entre os anos de 1996 a 2002. Os estudos 
vinculados às políticas públicas do governo federal são a partir de 2003, evidenciando a 
relevância e o papel que vem cumprindo principalmente a Secretaria Especial de 
Políticas Públicas para as Mulheres. 
Deste universo, 50 casos se referem à pesquisa empírica, sendo 4 nos anos de 
1997 e 1999 e 13 são de 2000 a 2002 e 37 são de 2003 em diante, revelando a 
importância de se elaborar políticas públicas que incentivem a busca e a pesquisa. 
Com relação à abordagem teórica são 31 as pesquisas realizadas, destas, 10 
foram na década de 1990, 4 entre 2000 e 2002, 14 de 2003 em diante. Das pesquisas 
anteriores ao ano de 2003, grande parte são relatos de iniciativas em municípios e 
entidades com uma agenda mais progressista de atuação no âmbito das políticas 
públicas. 
Apesar de nenhum destes estudos e pesquisas analisar o fenômeno da violência 
doméstica contra mulheres do campo e da floresta, demonstra que os estudos sobre esta 
temática são muito recentes, a maioria deles vêm de formulações realizadas, 
desencadeadas e/ou apoiadas pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e de 
análises feitas na área da saúde ou pelo viés da saúde. 
Por outro lado, na análise sobre os estudos teóricos que trazem a abordagem 
feminista e/ou de gênero no fenômeno da violência contra a mulher, as singularidades 
urbano-rural-floresta não se apresentam. 
 
 
 
Pesquisa sobre material bibliográfico em violência à mulher do campo e da floresta 
 
Descritor 
 
Sites 
utilizados 
Violência 
contra a 
mulher 
Violência 
contra a 
mulher do 
campo 
Violência 
contra a 
mulher 
rural 
Violência 
contra a 
mulher do 
campo e da 
floresta 
Violência 
contra 
mulheres 
camponesas 
Violência 
doméstica – 
mulher 
trabalhadora 
rural 
Google 2.550.000 1.180.000 537.000 220.000 28.400 20.800 
Google 
Acadêmico 16.800 13.300 7.400 1.910 941 1.310 
Lilacs 162 03 02 0 0 0 
Scielo 71 06 01 0 0 0 
Paho/Opas 62 0 0 0 0 0 
 
Descritor 
 
Sites 
utilizados 
Violência 
doméstica 
Violência 
doméstica – 
mulher 
Violência 
doméstica – 
mulher – 
publicados Brasil 
Violência 
doméstica – 
mulheres 
camponesas 
Violência 
doméstica – 
mulher rural 
Lilacs 1.073 215 106 0 0 
 
Descritor 
 
 
Sites 
utilizados 
Violência 
contra a 
mulher 
Violência 
contra a 
mulher do 
campo 
Violência 
contra 
mulher 
rural 
Violência 
contra a 
mulher do 
campo e 
da floresta 
Violência 
contra 
mulheres 
camponesas 
Violência 
doméstica 
– mulher 
trabalhad
ora rural 
 
Ibict 102 22 3 0 0 0 
Capes 611 1 9 1 4 1 
Nigts-
Ufsc 0 0 0 0 0 0 
 
 
O silêncio teórico, de análise empírica do fenômeno da violência (doméstica) 
contra as mulheres do campo e da floresta não é a demonstração de que este fenômeno 
não faz parte da vida destas mulheres. Pelo contrário, é a demonstração de uma 
realidade ocultada e invisibilizada no Brasil, assim como historicamente estas mulheres 
foram consideradas “mão de obra invisível” na agricultura brasileira (sem ter o 
reconhecimento profissional) e “sombra do marido” (sem ter seus próprios 
documentos). A conquista da profissão com o reconhecimento constitucional como 
“trabalhadora rural” só ocorreu em 1988, e seus direitos previdenciários (a partir de 
2000 e com muitas dificuldades de acesso ainda no contexto atual) depois de muitos 
anos de lutas, de campanhas pela valorização e reconhecimento como mulher e como 
 
trabalhadora rural. No entanto, grande parte do trabalho desenvolvido pela mulher do 
campo e da floresta, mesmo trabalhando mais horas que o homem, ainda parte deste 
trabalho não é reconhecido, não é valorizado e nem valorado (do ponto de vista 
monetário). Assim, a invisibilidade do fenômeno da violência contra a mulher do campo 
e da floresta se situa neste contexto mais amplo da condição histórico-atual destas 
mulheres. O momento atual parece traduzir não mais um silêncio absoluto, mas um 
conjunto de silêncios relativos, ainda associados à denúncia genérica dessa violência e, 
por isso mesmo, ainda distante do cotidiano da vida das mulheres submetidas a ela. As 
mulheres vitimadas por violência não são mulheres em geral, situadas em um plano 
genérico de existência. São mulheres singulares, situadas em relações concretas de 
poder e situações objetivas de vida. As políticas que devem ser construídas para 
qualificar a vida e afirmar direitos de existir também precisam ser singulares e 
concretas, caso contrário o que se afirmará será apenas uma informação retificada, com 
grande capacidade de se tornar distante do cotidiano de todas as mulheres. 
Por isso, a iniciativa da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres junto 
com o Fórum de Enfrentamento à violência contra as mulheres do campo e da floresta é, 
sem dúvida, um dos marcos fundamentais para o desvelamento e a tomada de posição 
para transformar esta realidade marcada por um cotidiano de violências. Mas, repetindo, 
não violências genéricas e situações afastadas do cotidiano, mas violências concretas e 
associadas às condições singulares de existência. 
Além disto, na busca junto ao Banco de Teses e Dissertações da CAPES, IBICT, 
NIGS-UFSC, por palavras descritoras, não por títulos aparecem algumas teses e 
dissertações com estas palavras. Entretanto, ao analisar os títulos, nenhum deles tem a 
identificação direta sobre este tema, portanto, não sinaliza foco em violência contra as 
mulheres do campo e da floresta nestes estudos. Aparece elementos que estabelecem 
alguma interface como, por exemplo, a saúde e a violência, história de vida das 
mulheres. 
Cabe destacar que ao analisar as monografias, estudos, teses e dissertações sobre 
a violência, contra a mulher sistematizadas no livro “Gênero e violência:pesquisas 
acadêmicas brasileiras (1975-2005)” de Miriam Pillar Grossi, Luzinete Simões Minella 
 
e Juliana Cavilha Mende Losso, apresenta dados comparativos e teses, dissertações, 
monografias e outros trabalhos científicos produzidos neste período sobre gênero e 
violência, uma obra riquíssima e de referência para analisar este fenômeno da violência 
e sua relação de gênero. Mas, na busca dos títulos destes estudos não há nenhum 
voltado especificamente à violência contra as mulheres rurais, camponesas, agricultoras, 
do campo e da floresta. 
O mesmo ocorre com outra obra fundamental que apresenta as referências na 
área da violência sexual, “Bibliografia estudos sobre violência sexual contra a mulher: 
1984-2003” de Kátia Soares Braga e Elise Nascimento (org) e Débora Diniz (Ed.), que 
ao analisar os títulos não aparece nenhum especificamente relacionado à violência 
contra as mulheres do campo e da floresta. 
 
Silêncio e a invisibilidade da violência contra a mulher do campo e da floresta 
O país já conta com o Fórum de Políticas contra a Violência no Campo e na 
Floresta, instalado como resposta à demanda da última Marcha das Margaridas, 
realizada em Brasília, em setembro de 2007. Uma iniciativa fundamental, da maior 
importância, e que exigirá a mobilização de esforços do Estado e do conjuntodas 
organizações que lutam por direito e justiça no País. O Fórum tem o objetivo de debater 
e formular propostas de políticas públicas relacionadas a esta problemática, adequadas à 
realidade das mulheres trabalhadoras rurais. 
As trabalhadoras rurais e os movimentos que lutam por uma vida sem violência, 
se deparam com inúmeros desafios para avançar no enfrentamento da questão da 
violência contra as mulheres que vai desde a busca de informações e análises sobre a 
violência sofrida pelas mulheres nos diferentes contextos em que vivem; até a 
formulação de ações de enfrentamento à violência cometida pelos parceiros, a violência 
cometida pelos patrões/latifundiários e pela polícia, além do problema das grandes 
distâncias, do isolamento, da baixa escolaridade, da presença (e da legitimação) das 
armas de fogo nos ambientes doméstico e profissional. 
 
No campo e na floresta é que a cultura de discriminação de gênero está 
enraizada com o patriarcado que se articula com o capitalismo, por isso, as camponesas 
merecem atenção especial, já que nas áreas rurais há um menor número de redes de 
serviços especializadas no atendimento à mulher vitimada. A sociedade está lutando 
contra esse tipo de violência com debates e protestos. 
As histórias de vida, os depoimentos, as estórias que são contadas, ao revelarem 
a dura realidade em que se encontram as mulheres, especialmente do campo e da 
floresta, evidenciam a necessidade de se repensar o desenvolvimento no meio rural, as 
relações sociais entre os seres humanos, a relação com a natureza e a biodiversidade e a 
formulação e implementação de um conjunto de políticas públicas para o campo e a 
floresta. 
Interessante observar que este silenciamento e invisibilidade também se encontra 
nas reflexões sobre as correntes teóricas ou as linhas de orientação teórico-
metodológicas feministas orientadoras dos estudos sobre a violência de gênero e/ou 
sobre a violência contra as mulheres, violência doméstica e intra-familiar. 
Desta constatação emergem interrogações: quais as razões ou causas desta 
invisibilidade da violência contra as mulheres do campo e da floresta? Este fenômeno 
não existe na realidade do campo e da floresta? De que maneira se apresenta? Que 
semelhanças e diferenças têm com a violência em geral e com a violência das regiões 
urbanas? Que conseqüências esta invisibilidade traz para estas mulheres e para a 
sociedade? 
Estas e tantas outras questões podem se apresentar para problematizar e refletir 
esta condição de violência pelo fato de não ter o direito de ver explicitado na sociedade 
uma realidade cruel de milhões de mulheres que vivem no campo e na floresta, distante 
de tudo e de todos, que, em casos de violência não tem a quem recorrer e nem as 
condições objetivas para buscar o atendimento, o cuidado e o acolhimento devido. 
Constatações como estas, especialmente para quem vive no campo e na floresta, 
como também as evidências concretas que os poucos estudos existentes apresentam é de 
uma realidade assustadora e não aceitável num país que vem lutando pela 
 
democratização, cidadania e dignidade humana. 
Por isto, a opção feita nesta análise busca trazer as evidências apresentadas nos 
estudos feitos, na pesquisa de percepção14, nas vozes das mulheres que atuam nos 
movimentos e organizações do campo e da floresta e das próprias experiências e 
práticas sociais de vínculo com mulheres camponesas, trabalhadoras rurais, agricultoras, 
do campo e da floresta. 
O contexto cotidiano das mulheres do campo e da floresta é marcado pela 
sobrecarga de trabalho, exploração, opressão, discriminação e violência. Esta realidade 
traduz as múltiplas faces da violência que operam no contexto de suas vidas e se 
materializa no seu corpo. Por isto, não é possível analisar a violência doméstica 
desvinculada deste contexto de vida e da complexidade com este fenômeno acontece no 
território vivo do campo e da floresta. 
As mulheres trabalhadoras rurais, camponesas, do campo e da floresta, além de 
enfrentarem a dureza das conseqüências deste modelo capitalista perverso como todos 
os trabalhadores rurais, acabam sentindo na pele as marcas da sobrecarga de trabalho 
(de sol a sol na roça, o cuidado com a casa, comida, roupas, animais, pomar, horta, entre 
outras tarefas cotidianas), da opressão, discriminação e violência que têm crescido. 
Estas marcas, na esfera da economia, especificamente na produção, as mulheres 
enfrentam exatamente o centro da lógica neoliberal que é acabar com a soberania 
alimentar dos povos, pois são as mulheres que historicamente vêm cumprindo esta 
função na propriedade. Mesmo que as mulheres sempre tenham trabalhado ao lado dos 
homens na roça, o reconhecimento da profissão de trabalhadora rural só foi conquistado, 
com muita luta das mulheres, em 1988, sem, contudo ter havido mudanças na 
administração dos bens produzidos coletivamente. Ainda, a par disto, o fato de serem as 
geradoras da vida humana, as mulheres acabam assumindo o conjunto das 
responsabilidades (no espaço privado) dos cuidados, da proteção, da educação dos 
filhos, reproduzindo a força de trabalho que sustenta o próprio sistema. 
 
14
 Pesquisa de Percepção feita pela Agência Rebouças para a Secretaria de Políticas para as 
Mulheres. 
 
Na esfera da política, encontramos, quase que em todos os espaços, a mulher 
ocupando as funções de serviços e de representação. Porém, quando se trata de espaços 
de decisão, ainda há muito que avançar, pois permanece a lógica prioritária dos homens. 
Claro que este é um processo histórico e que exige atuação das mulheres, de um lado e, 
de outro, mecanismos de democratização e incentivo à participação dentro das famílias, 
nas comunidades rurais, nas entidades (movimentos, sindicatos, cooperativas,...), 
partidos, etc. Também requer condições para que as mulheres possam participar, como a 
divisão das tarefas domésticas, rodízio de participação em mobilizações, solidariedade, 
entre outras, que precisam ser construídas para que a participação não fique só no 
discurso, mas se efetive. 
Na esfera da cultura, muito caminho ainda há por trilhar, pois a opressão e 
discriminação sobre as mulheres se sustentam pela ideologia burguesa machista que, 
quando não consegue a hegemonia pelo convencimento das mulheres de que sua 
condição é esta e que deve ser assim, usa da repressão e da violência para oprimir as 
mulheres. Neste campo, percebe-se um crescimento de músicas que discriminam e 
colocam a mulher numa condição inferior ao homem ou de que apanhar faz bem (como 
a música “um tapinha não dói”, e “ajoelha e chora”); bem como, reforço a formas de 
comportamento que colocam a mulher numa posição inferior; propagandas que utilizam 
o corpo da mulher como objeto. Além disto, a educação ainda é sexista, ou seja, educa 
mulheres para cumprirem um determinado papel social e homens para outro, reforçando 
comportamentos discriminatórios. Neste campo se situa o lado mais perverso deste 
sistema, onde as mulheres são educadas para a submissão e educam os filhos(as), a 
família e a comunidade nesta mesma direção. As mulheres acabam reproduzindo a 
própria lógica discriminatória sem se dar conta disto. 
Diante desta realidade fica evidente que o respeito aos direitos humanos, 
especialmente das mulheres, ainda está longe de ser cumprido, pelo contrário, vem se 
acentuando a lógica mais perversa de imposição da opressão, exploração, discriminação 
e dominação das classes populares, sobretudo das mulheres. 
Ao mesmo tempo em que a violência se constitui como expressão da realidade 
cotidiana das mulheres do campo e da floresta, é um tema que incide diretamente sobre 
 
todas as mulheres do campo e da floresta por fazer parte de seu cotidiano, é algo que 
produz medo tanto nas mulheres como na sociedade, de tal modo que omedo e o 
silêncio são cúmplices da violência. 
Este fenômeno da violência, associado à exploração, opressão e discriminação 
de gênero, raça/etnia, classe/ geração e orientação sexual compõem faces de um mesmo 
processo histórico-sócio-cultural que vem impondo como padrão das relações humanas 
a lógica de dominação, exploração, discriminação e violência que se reproduz 
socialmente como algo natural, cuja implicação desta naturalização é a aceitação social 
desta dura realidade. 
Assim, percebe-se que da mesma maneira com que se “naturaliza” a violência, a 
opressão, a discriminação e a exploração de gênero, raça/etnia, classe, geração e 
orientação sexual, se justifica o domínio, nesta mesma lógica, dos seres humanos sobre 
a natureza, ou seja, a chamada “Mãe Terra”, onde não há limites para o domínio e 
exploração, colocando em risco, inclusive, a possibilidade de vida no Planeta Terra. 
Neste sentido, é importante ressaltar que o universo simbólico e a matriz 
ideológica que justifica e naturaliza estas formas de dominação e exploração são as 
mesmas: a semente é colocada na “mãe terra” para “Produzir”! a mulher para 
“Reproduzir”! Mulher e Terra são apenas meios, instrumentos para “produzir” e 
“reproduzir”. Desta forma, justifica-se o uso de qualquer tipo de ação, intervenção 
humana sobre a terra (exploração, domínio, uso abusivo de tecnologias que destroem as 
formas de vida na terra, entre outros mecanismos de apropriação, poder e domínio em 
favor dos interesses mercantis da terra como negócio lucrativo para alguns que se 
apossam dela como propriedade privada, como também das riquezas naturais presentes 
nela (água, florestas, biodiversidade,...). Como esta forma de tratar a natureza foi se 
constituindo hegemonicamente como natural, torna-se inquestionável. 
Da mesma forma, para a mulher foi sendo construído historicamente o papel 
central na reprodução humana, especialmente no que tange às funções biológicas de 
gerar a vida. Junto com isto, a delegação de todas as responsabilidades para com os 
filhos (cuidado, afeto, educação,...), com as tarefas cotidianas de reprodução da vida 
(como o preparo dos alimentos, a limpeza, o cuidado com a casa, roupas, entre outras 
 
tarefas do trabalho doméstico). Este conjunto de tarefas rotineiras de reprodução da 
força de trabalho que não é valorizado, nem reconhecido compõe um universo diário de 
envolvimento e sobrecarga de trabalho para as mulheres em geral, e mais 
especificamente as do campo e da floresta que precisam dar conta de todo o trabalho 
produtivo na terra e, ao mesmo tempo, do trabalho doméstico e do trabalho produtivo 
para viabilizar o sustento da família como a horta, o pomar, o manejo de animais, a 
preservação das sementes, das plantas medicinais, entre outras ações fundamentais para 
a garantia da vida e da saúde de suas famílias. 
A cultura patriarcal e machista, associada aos interesses do mercado capitalista 
utiliza a força de trabalho das mulheres para manter e sustentar o modelo de agricultura 
centrado no agronegócio, nos monocultivos, na utilização de tecnologias pesadas e 
devastadoras do ambiente, como é o caso do uso indiscriminado de agrotóxicos (no caso 
do Brasil utilizando agrotóxicos já proibidos em outros países), da mão-de-obra escrava, 
da dependência dos agricultores em relação às indústrias transnacionais que a cada dia 
expulsa mais gente do campo para as periferias da cidade e vem produzindo 
adoecimento progressivo nas populações do campo e da floresta que adoecem e morrem 
de todas as causas muito mais do que as populações do meio urbano. 
Além disto, a reprodução cultural deste padrão patriarcal e machista se dá no 
âmbito familiar e social e se reproduz pela ação tanto das mulheres como dos homens. 
Assim, as relações humanas, sociais, econômicas, políticas e culturais se 
produzem e reproduzem de forma historicamente naturalizada na lógica da 
discriminação, exploração, dominação e violência de gênero, raça/etnia, classe, geração 
e orientação sexual no campo e na floresta e ocorre como fenômeno singular na vida 
destas mulheres. 
Neste processo histórico de naturalização deste padrão de violência encontram-
se as influências religiosas, políticas, econômicas, culturais, antropológicas, 
sociológicas que dão lugar de propriedade de alguém a terra, o gado, a máquina, a 
mulher e que tem suas origens e fundamentos no patriarcado e se entrelaçaram e/ou se 
fortaleceram especialmente nas sociedades de classes e de desigualdades sociais. 
 
As percepções e evidências trazem uma realidade dura e complexa onde a 
cultura patriarcal, racista e de exploração/dominação está enraizada no corpo, nas 
relações familiares, nas relações sociais, políticas e econômicas e nas relações com a 
natureza. 
Esta realidade complexa está presente na trajetória histórica de sujeitos sociais 
que historicamente lutam para sobreviver e resistem no campo enquanto classe social e 
que toda vez que estas vozes se apresentam socialmente são caladas pela imposição, 
pela força e pela violência institucionalizada que criminaliza estes sujeitos políticos e 
sociais, como também as organizações nas quais fazem parte. 
No caso das mulheres do campo e da floresta há a marca simbólica destas vozes 
silenciadas por meio do assassinato de Margarida Alves, entre tantas outras ocultadas no 
registro histórico, mas muito vivas na vida das mulheres camponesas. 
Adentrando na análise deste fenômeno das várias formas de violência cotidiana e 
simbólica – através da linguagem e da imagem, as pessoas vão internalizando conceitos 
discriminatórios que podem levar à violência. Ao dizer que “mulher tem que esquentar a 
barriga no fogão e esfriar no tanque”, assim como afirmar que “um tapinha não dói” ou 
“quanto mais eu passo o laço muito mais ela me adora - ajoelha e chora” presente em 
letras de músicas cantadas em festas e bailes, especialmente no meio rural, é um modo 
de naturalizar ideologicamente a exploração feminina e a desvalorização da mulher. 
As propagadas de bebidas alcoólicas com mulheres semi-nuas é um tipo de 
publicidade que trata a mulher apenas como um objeto de prazer a ser usufruído e 
consumido pelos homens. Só isso já é uma forma de violência. 
Neste universo do “invisível”, casos em que o marido ou namorado proíbe a 
mulher de pintar as unhas, usar determinada roupa, de sair de casa. E elas se submetem, 
pois no fundo acham que não têm direito de decidir sobre seu corpo. Um dos aspectos 
menos discutidos – tabu na sociedade brasileira – é o abuso sexual de meninas dentro de 
casa, muitas vezes pelo próprio pai. A menina cala porque já introjetou a noção de que 
deve servir ao homem, ainda mais com autoridade paterna. 
 
Ao visitar um grupo de mulheres camponesas15 no interior do Rio Grande do Sul 
em 2003 que estavam reunidas havia um cartaz na parede com o nome de sete mulheres 
do grupo que haviam morrido nos últimos anos. Uma das líderes, ao referir-se à saúde 
das mulheres, fez alusão ao cartaz enfatizando as verdadeiras causas da morte delas: 
Estas foram companheiras que morreram por causa do machismo e escravidão, 
agrotóxicos e medicamentos químicos. Uma delas, o marido era tão egoísta e 
machista que, como ele sabia que tinha câncer de intestino e ia morrer logo, 
enquanto teve forças, matou a mulher a pauladas e depois se matou, para não 
dividi-la com os filhos e com o grupo de mulheres. (Entrevista com L.M.P.D., 
2003). 
As histórias de vida, os depoimentos, as estórias que são contadas, ao revelarem 
a dura realidade em que se encontram as mulheres, especialmente as trabalhadoras 
rurais, camponesas, do campo e da floresta, evidenciam a necessidade de se repensar o 
modo de vida no campo. A dureza cotidiana vivida pelos camponeses, homens e 
mulheres, no processo produtivo agrícola a que são submetidos no contexto histórico-
atual, e das mulheres, que,além de vivenciarem o mesmo processo dos homens, têm 
acrescidos os impactos da reprodução humana, da força de trabalho e cultural. O espaço 
familiar, visto como aquele em que as pessoas buscam a segurança, o afeto, o carinho, 
tem sido para muitas mulheres o recanto da violência física e psicológica, associada à 
sobrecarga de trabalho e de responsabilidades não valorizadas pela sociedade, bem 
como às duras formas de preconceito, discriminação e tabus que cercam o cotidiano de 
cada mulher que vive e mora na roça. Depoimentos, cartas, histórias contadas pelas 
mulheres nos encontros, nos grupos de mulheres, demonstram o quanto essa condição 
produz medo, ansiedade, angústia, sentimento de culpa e impotência diante da 
realidade. As mulheres vão desvelando essa face oculta à medida que vão participando 
de algum grupo, movimento de mulheres ou trabalho sindical com mulheres que vem se 
constituindo como espaços de acolhimento, de valorização, de reconhecimento da 
mulher como ser humano e sujeito político e social. 
Ao perguntar às mulheres quais as maiores dificuldades que enfrentam em sua 
 
15
 Parte da pesquisa realizada em 2003 que deu origem a Dissertação de Mestrado. Educação, 
Cultura Popular e Saúde: Experiências de Mulheres Trabalhadoras Rurais. 
 
 
organização, o que mais aparece é a dificuldade de participarem, ou seja, de saírem de 
casa, de perderem o medo e a vergonha, de conseguirem se libertar dentro do espaço 
familiar na sua relação com o marido, onde muitas são estupradas, pisadas e não 
ouvidas. 
Uma adolescente de 13 anos, filha de pesquisador americano que esteve no 
Brasil, ao visitar as mulheres rurais junto com seu pai pesquisador, escreveu: 
Você sabia que para as mulheres brasileiras, ir à Brasília, capital do país, e marchar 
pelos direitos das mulheres é mais fácil do que convencer seus próprios maridos a 
lavar a louça? Às vezes, mudar coisas grandes, como leis, é mais fácil do que mudar a 
forma como as pessoas pensam sobre as mulheres. Eu me dei conta disso durante um 
jantar em que minha família e eu fomos com três líderes do movimento de mulheres no 
Brasil. Quando meu pai quis ajudar a lavar a louça, os homens disseram: "Não faça 
isso. Depois as mulheres vão querer que a gente lave”! (Emma Sokoloff-Rubin [Girls 
on the Go3] 
Além destes aspectos é importante analisar o contexto de violência sob a ótica de 
uma profissional da saúde. A estória contada por uma médica psiquiátrica16 caracteriza 
um pouco, de forma figurativa, o contexto de violência em que se encontra e o que 
ocorre com uma mulher ao buscar atenção à sua saúde. Ilustrativamente a personagem é 
chamada de “Maria com vergonha de ser mulher”: 
Vamos acompanhar a trajetória de uma mulher que vamos chamar “Maria com 
vergonha de ser mulher” no serviço de saúde à procura de alívio para seu sofrimento. 
Ela tem em geral de 30 a 45 anos de idade, mas com aparência de muito mais, quase não 
consegue mais trabalhar fora, mas em casa a jornada continua a mesma. E, quando 
chega à médica de loucos, já passou por vários especialistas: neurologista, 
ginecologista, cardiologista... As suas queixas são vagas: dor de cabeça, irritabilidade 
com as crianças, isteria, desinteresse pela vida, desinteresse por seus afazeres, sensação 
de vazio na cabeça, dormência no coração, sem prazer nas relações sexuais, choro sem 
motivo, palpitações, entre outras. Mas já tem o rótulo: É só nervos! Mas não tem 
solução. O único jeito é tomar uns medicamentos - “todos fraquinhos” (Lexotam, 
Diempax, etc.), receitados por aqueles que não sabem o que fazer com suas queixas e 
lembram que as mulheres são as que mais consomem medicamentos. Nas consultas 
seguintes, refazemos com “Maria com vergonha de ser mulher”, um caminho de 
 
16
 Assuncion Caputti é uma médica psiquiatra feminista. A história apresentada foi relatada 
durante a Oficina Estadual do MMTR sobre a Saúde da Mulher, realizada em Passo Fundo em 
julho de 2000; foi uma homenagem especial feita às mulheres da 1ª Conferência Municipal da 
Mulher de Bom Jesus/RS – abril de 2000. 
 
 
desconhecimento e silêncio sobre seu corpo e de submissão ao que se convencionou ser 
mulher. Mas ela sente um desconforto, um mal-estar com este papel, essa situação que 
não consegue expressar em palavras, que lhe foram cassadas ao longo do tempo, só 
através de sintomas físicos ou emocionais que os profissionais de saúde, em geral, não 
aprenderam a decifrar e que tentam abafar com a medicação. Tentamos então, ajudar a 
“Maria com vergonha de ser Mulher” a recuperar sua voz, sua auto-estima, abrir a 
“caixa de Pandora”17 e entender seu silêncio. Ao abrir esta caixa, percebe-se que: a) 
ainda menina foi molestada sexualmente por um adulto em quem confiara e que a usou 
seja por ameaça ou porque não acreditaram nela; b) vendo sua mãe apanhar todo dia do 
pai, pensou que era natural; c) ao se tornar mãe, ainda adolescente, perambulou sozinha 
pelos hospitais atrás de uma vaga, porque afinal ela não se cuidou, porque ser mãe é 
padecer no paraíso; d)na 20ª vez que não se cuidou apareceu o parceiro e exigiu que 
abortasse, mas como é proibido, deu um jeito sozinha e foi parar na emergência do 
hospital, onde a deixaram sangrar quase até morrer porque tinha cometido um crime; e) 
aos 35 anos de idade começou a se sentir meio esquisita antes de menstruar, estava com 
TPM (Tensão Pré Menstrual); f) aos 37 anos, como sangrava demais, tiraram seu útero e 
limparam tudo, afinal, já tinha 4 filhos. Ela queria tratar e conservar seu útero, sua mãe 
menstruou até os 52 anos, mas mais uma cruz calou e submeteu-se e pensou “que bom 
que tenho um calmante senão enlouqueço.”Mas tudo veio à tona quando sua filha de 14 
anos falou (porque ela ainda tinha voz) que o padrasto alcoolizado tentara molestá-la 
sexualmente. Dona Maria achou que era a hora de resgatar sua voz na voz da filha. Não 
podia ser conivente com o silêncio com o que tinha acontecido. Precisava resgatar sua 
auto-estima e tornar-se “Maria Sem Vergonha de Ser Mulher”. (MMTR, 2000). 
A estória transcrita traduz na vida de uma mulher um conjunto de situações 
cotidianas que ela enfrenta e a que se submete, acabando muitas vezes sem força de 
reação, doente; faz refletir sobre os estereótipos construídos historicamente sobre a 
mulher e que incidem em seu processo de saúde/doença e na forma como ela é tratada. 
Por muito tempo, a mulher foi vista como “fábrica de bebês”, de modo que bastava 
cuidar do útero e mamas em seu corpo; por conta disso, pensar a saúde da mulher era o 
mesmo que pensar o processo reprodutivo. Ademais, a mulher é a “cuidadora”, mas 
ninguém pergunta o porquê dela ser a cuidadora e o porquê de ninguém cuidar da 
cuidadora. Buscando compreender um pouco mais o que se passa com as mulheres, a 
estória procura trazer à tona alguns aspectos assustadores, quais sejam: as mulheres têm 
entre três a quatro vezes mais depressão que os homens, uma população de “loucas” 
poder-se-ia dizer; são as que mais consomem remédios; têm sintomas que não são de 
depressão, mas próprios do desgaste do seu dia-a-dia onde ninguém ouve seus planos, 
seus desejos, sua sexualidade; o trabalho de casa não reconhecido, o sofrimento e a dor 
que vive não são identificados pelos profissionais de saúde. Mais sério ainda é que, por 
 
17
 Conforme o mito de Pandora, havia uma caixa cheia de segredos que ninguém poderia tocar. 
 
trás disso, muitas vezes há a violência doméstica, a violência física, o abuso sexual, que 
permanecem como segredos, por conta do silêncio de quem sabe e da sociedade, que 
são os cúmplices dessa situação. 
Esse cotidiano, marcado pela sobrecarga, pela opressão, discriminação, 
exploração e violência, faz parte do universo das mulheresbrasileiras, especialmente 
das trabalhadoras rurais e urbanas, apesar de não ser exclusividade das mulheres das 
classes populares, pois a discriminação de gênero perpassa as classes sociais. No 
entanto, as possibilidades que se colocam para as mulheres das classes populares é 
diferente das que estão na classe dominante, pois as relações de gênero e classe se 
entrelaçam. A estória transcrita traz elementos do processo de saúde/doença que 
envolvem o indivíduo nas questões objetivas, subjetivas e intersubjetivas, com o meio 
em que vivem, as relações que estabelecem com as pessoas, com a natureza e as 
relações sociais no espaço da produção e na esfera da reprodução, do poder e da cultura. 
São aspectos que na maioria das vezes os profissionais de saúde sequer consideram na 
relação que estabelecem com as pessoas que procuram os serviços de saúde. Os 
processos de atenção às doenças, construídos pela medicina moderna, não dão conta da 
complexidade que é pensar a saúde, cujo centro deveria ser a compreensão da “teia da 
vida”, e não somente as doenças como são hegemonicamente tratadas atualmente. 
Por outro lado, a estória traduz a possibilidade da busca e do processo de 
transformação de uma mulher com vergonha, culpa, submissão, medo e resignação para 
uma mulher sem vergonha, liberta, que aprendeu a ter voz e fazer valer seus direitos, 
que exige que os profissionais de saúde a escutem, que se coloca enquanto sujeito ativo, 
construtora da história. Levanta a necessidade de a violência ser encarada como 
problema de saúde pública; de que o sistema público de saúde se implemente como uma 
nova forma de pensar a atenção integral à saúde de todos e das mulheres, com 
participação popular e controle social, com o respeito às diferenças, o acolhimento às 
queixas das mulheres em espaços de escuta e de educação em saúde. 
No entanto, ao tratar da influência da cultura religiosa na submissão e até mesmo 
justificação da submissão das mulheres, é preciso considerar que ela está inserida 
concretamente no universo e na vida da mulher camponesa, como uma questão muito 
 
atual, complexa e difícil de tocar. A relação da religião com a violência não é um tema 
que aparece na superfície, sendo imediatamente perceptível. Não se pode também 
relacionar automaticamente a pertença a uma única religião como causa ou maior 
incidência de violência, mas ter presente as mais variadas igrejas cristãs. 
Cristãos ou não, participantes ou não, vivendo no ocidente, estamos todas e 
todos sob alguns dos pilares da influência religiosa. Daí a influência de muitos valores e 
da organização social patriarcal, estruturadora da discriminação, desqualificação e 
exclusão das mulheres em muitas esferas da vida pública e na vida privada. O mito do 
“pecado original” produz grandes conseqüências na construção psico-cultural da culpa 
feminina e da sexualidade da mulher, juntamente com sua incapacidade de ser sujeito de 
sua história. Vale dizer que várias religiões vêm, historicamente, tendo um papel 
fundamental na subordinação feminina impondo uma cultura patriarcal, machista, 
androcêntrica onde a figura masculina que prevalece. Muitas mulheres até hoje 
suportam horrores caladas e muitas delas levam ao túmulo uma história de vida sob 
intenso sofrimento, entendendo como normal. 
Ao observar casos de extrema violência, (os que causam maior impacto), ouve-
se dizer que é por “falta de religião”. Este tipo de afirmação revela um pensamento em 
que a religião significa o sinônimo de paz, ausência de violência, relações mais justas, 
mais humanas, etc. Mas quando visitamos a história deste continente, isto parece ironia. 
Desde 1500, com a chegada dos europeus colonizadores, a experiência religiosa mostra-
se exatamente o contrário do imaginário popular religioso. Ela é, em si, uma experiência 
intrinsecamente violenta. A violência vem acoplada à religião cristã desde o início da 
colonização branca deste continente. 
Esse conjunto simbólico se cristalizou na cultura ocidental provocando e 
justificando verdadeiras atrocidades na violência de gênero. As mulheres introjetaram 
na sua identidade esses mitos cristãos, difundidos até a modernidade pela correia da 
instituição eclesial cristã. Atualmente não se pode mais atribuir somente à Igreja esse 
discurso, pois ela impregnou-se na cultura e espalha-se pelas esferas mais 
diversificadas, especialmente pela identidade de gênero. Por isto, a desconstrução dessa 
identidade é um processo muito lento e complexo. Abandonar símbolos e mitos requer a 
 
criação de novos referenciais. A recriação de referenciais também passa por re-criar 
uma organização social, instituições e modelos de relações diferentes entre mulheres e 
homens. 
Especialmente, se faz necessário abordar a discussão de religião e violência de 
gênero/raça/classe diante de uma tendência fundamentalista das grandes religiões no 
mundo. Infelizmente, os que detêm o poder nas Igrejas: católica, protestante, islâmica, 
pentecostais, evangélicas, entre outras, assumem uma perigosa posição fundamentalista 
incapaz de acolher com carinho e respeito o outro (a), em sua alteridade, sem destruí-lo. 
Percebe-se como o fundamentalismo avança na idéia da verdade única, religião única, 
poder único e o Vaticano defende a idéia fundamentalista da cultura única, da 
democracia única e história única. É uma tendência que está se fazendo visível em plena 
secularização – provocada por muitas motivações e querendo justificar muitas ações 
também - e aponta ameaça para o avanço da emancipação das mulheres que está sendo 
conseguida com muita luta e rupturas conflituosas. 
Cabe destacar, também, que a estrutura familiar se constitui como um dos 
espaços do ciclo de produção e reprodução da violência cotidiana onde a família, na 
forma como a conhecemos hoje, é considerada uma instituição social básica, 
fundamental para a formação do indivíduo. Cabe aos pais zelar pelo desenvolvimento 
físico, emocional de seus filhos, provendo as suas necessidades básicas garantindo-lhes 
proteção e segurança, numa relação de amor, carinho e afetividade. A família18 é 
considerada a célula mãe da sociedade, baseada nas relações de amor, co-
responsabilidade e compromisso. Lá se geram e cultivam novas vidas e os pais têm o 
compromisso de cuidar destas novas vidas tanto no crescimento como em todos os 
níveis: humano, social, psicológico-afetivo, cultural, entre outros. No entanto, o 
paradoxo é que ao mesmo tempo em que a família é lugar de acolhimento, amor e 
cuidado, vem sendo também um dos espaços onde as mulheres mais sofrem. 
Ao penetrar mais profundamente no cotidiano das famílias, deparamo-nos com 
fatos e situações inimaginadas. Quando se trata da violência cotidiana, doméstica, em se 
 
18
 Família aqui compreendida de forma ampliada como o espaço de convivência afetiva, que 
envolve ou não laços consangüíneos, mas tem os laços de afeto, convivência e compromissos. 
 
tratando da família camponesa, é importante frisar que neste contexto, se encontra muito 
viva ainda hoje, uma estrutura familiar bastante conservadora, rígida nos princípios, 
mantendo ainda a reprodução da cultura patriarcal. Somando a isso, temos também o 
impacto da violência estrutural e conjuntural nas relações interpessoais, o que afeta 
profundamente as relações familiares, levando à produção e reprodução de modelos de 
comportamento violentos no cotidiano social e familiar. Crianças que vivem em 
situação de violência familiar aprendem a usá-la como forma de vida e tem grandes 
possibilidades de reproduzi-la nos seus relacionamentos, tanto na condição de crianças 
quanto na de jovem ou adulto (ARAÚJO, 1960). 
Na estrutura familiar camponesa, a violência contra a mulher ocorre dentro do 
ambiente doméstico, portanto na família, onde o agressor é sempre alguém de confiançae do convívio da vítima (pai, padrasto, irmão, vizinho, tio, compadre, marido, 
namorado, companheiro, amante). Isto vem contradizer a forma de organização do 
núcleo familiar, onde a família é colocada pela sociedade como um espaço de segurança 
da mulher. Em outras palavras até de “proteção” da mulher. 
A violência no espaço doméstico, quando não se dá de forma evidente, ocorre 
com freqüência no cotidiano das mulheres, embutida e disfarçada através do 
pensamento dominante como a segurança da cultura machista de que “a mulher é 
propriedade do homem” de forma a perpetuar o poderio do macho sobre a fêmea, a 
conveniência da sociedade de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” e 
reforçada também pela pregação da Igreja quando impõe às mulheres obediência e 
submissão. 
Na família se produz e reproduz a construção de uma relação de poder: fazendo 
com que a mulher reconheça e assimile a sua inferioridade, as mulheres apreendem uma 
visão de si mesmas como objetos. Ao lado disso, vem à educação para o medo – o medo 
da violência, de sair às ruas, de ficar fora de casa, de falar, de protestar, da violência 
sexual, de enfrentar o mundo, entre outros e principalmente a construção da 
personalidade para o medo. 
Outro elemento que torna mais difícil lidar com a violência doméstica é a 
humilhação. As relações pessoais e afetivas são permeadas pela agressividade o que é 
 
contraditório com o discurso “oficial” e religioso do amor eterno, casamento, etc. 
O espaço doméstico reproduz todas as faces da violência nas relações de gênero: 
física, sexual, psicológica, moral, que vem desde a humilhação, ameaças de morte e 
assassinatos, bem como na tensão de causar danos físicos ou emocionais, criando um 
ambiente permanente de pânico e terror. O homem controla a mulher pela força da 
intimidação. 
Assim, muitas são as razões que impedem que as mulheres rompam com o ciclo 
da violência e com o silêncio. A primeira constatação ao iniciar este trabalho junto às 
mulheres camponesas foi de que as mulheres se tivessem que se identificar (colocar seu 
nome) quando pesquisadas, não falariam com sinceridade, ou até não falariam nada 
sobre a sua vida com relação à violência. 
 “Eu só falo e conto se você promete que não vai contar prá ninguém, que o meu 
marido e a família nunca vão saber19”. A razão da solicitação desta mulher é a mesma 
de tantas outras. Significa medo, muito medo ligado às ameaças recebidas pelo próprio 
agressor se ela falar. 
Outra razão é a vergonha de expor uma situação de sofrimento em muitos casos, 
de anos, falando de situações dolorosas, da intimidade, revelando a humilhação vivida 
dentro de casa. Além da vergonha muitas dependem emocionalmente ou 
financeiramente do agressor: outras até acham que “foi só daquela vez”, ou até que 
foram elas as culpadas pelo acontecimento; outras não falam nada por causa dos filhos, 
porque tem medo de apanhar ainda mais ou porque não querem prejudicar o agressor, 
que pode ser preso ou condenado socialmente. Tem ainda aquela idéia “ruim com ele, 
pior sem ele”. “É muito difícil acabar com a violência contra as mulheres porque 
procurar uma delegacia é muito humilhante para a mulher e muitas vezes o 
companheiro agressor fica muito mais agressivo20”. “Meu pai era machista e ele passou 
isso pras filhas e filhos. Hoje o machismo toma conta e as mulheres não têm coragem de 
 
19
 Depoimento de uma mulher camponesa. 
20
 Depoimento de uma mulher camponesa. 
 
se defender e de tomar qualquer atitude com respeito à agressão21”. 
Outra razão está ligada sutilmente à cultura e religião. “Minha mãe me ensinou 
que devo sempre agradar meu marido e obedecer ele em tudo, tenho que cumprir 
minhas tarefas de esposa se não ele vai procurar fora e eu estou fazendo pecado”. 
Algumas dizem que casaram na Igreja e por isso, não podem se separar porque 
prometeram ser fiel até o fim da vida e se fizerem isso é pecado. 
As conseqüências da violência na vida da mulher camponesa são graves e se 
manifestam em sentimentos negativos que vão paulatinamente se constituindo no 
cotidiano de suas vidas deixando marcas profundas de medo. Medo de reagir, de 
denunciar e a violência ser maior; medo da separação e não ter como sobreviver; medo 
de ficar sozinha; medo de seus pais não a aceitarem de volta; medo de perder seus 
filhos; em alguns casos, medo da morte; medo do que os outros vão dizer e medo de se 
impor como mulher capaz de mudar essa situação. 
É importante destacar que as mulheres têm muito medo de expressar as 
violências que sofrem no seu cotidiano. Aliado ao medo existe um sentimento de 
impotência que as coloca cada vez mais em situação de submissão, reproduzindo essa 
cultura para seus filhos e filhas, como também um sentimento de culpa e a culpa em 
dois aspectos: 1) por não ter conseguido resistir diante das formas de violência; 2) por 
achar que é culpada pelo que aconteceu porque não foi suficientemente obediente, dócil, 
submissa e que o homem é diferente e pode fazer o que quer. Outra razão muito incisiva 
somada ao medo é a vergonha de que outras pessoas possam saber do que acontece na 
intimidade, na integridade física, psicológica de suas vidas. Esses fatores todos 
contribuem e intensificam a evidência de que a violência é uma das formas de controle 
da sociedade sobre a vida das mulheres. 
É importante destacar que a influência da “indústria do entreterimento, da 
prostituição, do tráfico de mulheres e adolescentes” que movimenta bilhões de dólares 
 
21
 Depoimento de uma mulher camponesa. 
 
 
por ano22, é uma realidade que se faz presente no meio rural também, com 
especificidades próprias em áreas de grandes monocultivos, em regiões onde prevalece 
as comunidades tradicionais. 
Mas para mudar o quadro existente e propiciar condições de mudanças faz-se 
necessário criar espaços comunitários onde as mulheres possam levar seus problemas, 
amarguras e dificuldades, assim como suas esperanças e desejos e ter certeza de que 
terão retorno às suas propostas, sabendo que o primeiro passo para desfazer a sensação 
de abandono que afeta a maioria delas é verificar que muitas estão na mesma situação e 
que, juntando forças é possível modificá-la. Isto significa tornar-se parte de um conjunto 
integrado, reivindicativo, pró-positivo, apesar das grandes questões a serem enfrentadas 
no contexto da pobreza, das distâncias, da falta de serviços, entre outros. 
As condições objetivas e concretas das mulheres do campo e da floresta para 
enfrentarem estas múltiplas formas de violência cotidiana e a complexidade com que se 
apresenta a violência doméstica é um grande desafio, pois as condições de acesso às 
políticas e recursos já existentes estão longe de ser uma realidade para estas mulheres. 
Acabam dependendo de quem as agride para poder se deslocar do interior para a cidade, 
as áreas são muito distantes, a precariedade das estradas e a falta de transporte coletivo e 
de infra-estrutura, aliadas às questões emocionais apontadas anteriormente, colocam a 
exigência e o compromisso ético do Estado e da Sociedade para com a defesa da vida e 
da dignidade destas mulheres. 
 
 
 
 
 
22
 Para maior aprofundamento sobre o tema buscar em FARIA, Nalu; POULIN, Richard. 
Desafios do livre mercado para o feminismo. P.40 a 69. SOF: São Paulo, 2005. 
 
 
Rompendo o silêncio das mulheres do campo e da floresta no enfrentamento à 
violência 
Sempre que penso nas mulheres, me vem a imagem de um rio enorme e 
caudaloso que temos que atravessar. Umas apenas molham os pés e 
desistem, outras nadam até a metade e voltam, temendo que lhe faltem as 
forças. Mas há aquelas que resolvem alcançar a outra margem custe o 
que custar.Da travessia, vão largando pedaços de carne, pedaços delas 
mesmas. E pode parecer aos outros que do lado de lá vai chegar um trapo 
humano, uma mulher estraçalhada. Mas o que ficou pelo caminho é tão 
somente a pele velha. Na outra margem chega uma nova mulher... 
(Zuleica Alambert) 
 
As principais conquistas de direitos das mulheres do campo e da floresta 
ocorreram com muita organização, lutas e mobilizações destas mulheres. Assim, a 
conquista do reconhecimento da profissão de trabalhadora rural e dos direitos 
previdenciários como Segurados Especiais ao conjunto dos trabalhadores/as rurais como 
a aposentadoria, salário maternidade às mulheres, entre outros, foi resultado de quase 
vinte anos de lutas e mobilizações das mulheres do campo. 
O mesmo ocorreu com a Campanha pelos Direitos Previdenciários das 
Trabalhadoras Extrativistas Vegetal da Floresta, lançada pelo MAMA, por organizações 
de mulheres extrativistas, pela Secretaria de Mulheres do Conselho Nacional dos 
Seringueiros e pela Secretaria de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (Acre e 
Rondônia): que foi transformado em Projeto de Emenda Constitucional aprovado em 
todas as instâncias do Congresso Nacional. O processo de articulação das parteiras para 
o reconhecimento de sua profissão na categoria de parteiras tradicionais da floresta 
também é exemplo deste processo de lutas e mobilizações. 
Assim, desde o ano de 2000, a CNS Mulher vem firmando suas lutas específicas 
como mulheres seringueiras na luta por direitos das mulheres, o empoderamento da 
mulher como condição para o fortalecimento das comunidades; o fortalecimento 
institucional e das mulheres em sua vida pessoal, familiar e junto aos movimentos 
sociais; seu empoderamento. 
 
Não se trata aqui de descrever as revoltas e resistências camponesas e o papel 
das mulheres do campo e da floresta como protagonistas, mas de sinalizar que a 
expressão concreta da trajetória destas mulheres é a resistência, a luta e a mobilização 
como formas de chamar a atenção da sociedade e do Estado sobre sua condição de vida 
e de violência historicamente invisibilizados. 
Assim como a luta das próprias mulheres do campo e da floresta vem tornando 
visível o trabalho da mulher e seu reconhecimento, sua identidade, o mesmo ocorre com 
o fenômeno da violência contra as mulheres do campo e da floresta. São as próprias 
mulheres organizadas na Marcha das Margaridas, no Movimento de Mulheres 
Camponesas, na organização das mulheres da Via Campesina, das Mulheres do 
Conselho Nacional de Seringueiros/as, da Marcha Mundial de Mulheres, do Movimento 
Articulado de Mulheres da Amazônia (MAMA), do Fórum Nacional de Enfrentamento 
à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta, assim como grupos e 
organizações de mulheres do campo e da floresta que vem desenvolvendo lutas, 
campanhas e ações cotidianas de denúncia, de resistência e educativas para a superação 
de todas as formas de violência contra as mulheres. Deste modo, o fenômeno da 
violência contra as mulheres do campo e da floresta vem sendo trazido para a sociedade 
e para o espaço da formulação das políticas públicas pelas mulheres do campo e da 
floresta através de suas organizações. 
A Marcha das Margaridas traz a expressão do trabalho que as mulheres 
vinculadas à Contag – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura vem 
desenvolvendo no campo da saúde e do enfrentamento à violência. Este tema vem 
perpassando seus Congressos desde 1985, depois a criação da Comissão nacional de 
Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag nos anos de 1990, os cursos e oficinas de 
formação com as mulheres, o projeto de saúde e as Marchas das Margaridas em 2000, 
2003 e 2007 que se traduziu como reivindicação junto à SPM/PR para a criação do 
Fórum Nacional e a construção de políticas públicas relativas ao enfrentamento da 
violência contra as mulheres do campo e da floresta. 
O Movimento de Mulheres Camponesas tem como pauta a questão da violência 
desde seu surgimento, na então Organização das Mulheres da Roça em 1983, 
 
perpassando o período em que se chamava de Movimento de Mulheres Trabalhadoras 
Rurais, através da articulação da luta pela valorização da mulher, reconhecimento de seu 
trabalho e na luta pelos direitos. Este fenômeno é tão forte no campo e na floresta que as 
mulheres do MMC e da Via Campesina definiram em 2008 na Conferência 
Internacional da Via Campesina em Moçambique pela realização de uma “Campanha 
mundial da Via Campesina para acabar com as violências contra as mulheres”. Afirmam 
em seu documento de lançamento da referida campanha que 
a sociedade capitalista mostra a cada dia suas contradições, especialmente na 
desigualdade de gênero, na divisão sexual do trabalho que mantém as mulheres como 
responsáveis pelo trabalho doméstico e com o cuidado dos filhos, doentes e idosos nas 
famílias. Mostra suas contradições na violência doméstica onde se escondem e 
mascaram relações de poder, submissão e violência naturalizadas, onde a sociedade 
“lava as mãos” e aplica a máxima: “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. 
Estes valores são repassados de geração em geração, perpetuado e reforçado pelas 
religiões que usam de seus instrumentos,ritos e normas para justificar e manter o 
patriarcado, e com isso, afirmar que a mulher deve ser submissa ao homem. A cultura 
capitalista patriarcal se sustenta em quatro pilares: a) Dependência econômica das 
mulheres, o desemprego, e subemprego nas cidades. No campo, o trabalho das mulheres 
não é reconhecido como gerador de renda e riqueza, é visto como uma ajuda ao 
marido/companheiro; b) Não decisão sobre o próprio corpo, a mulher não decide. O 
homem, o Estado, a religião, a família, e muitos movimentos sociais impõe um padrão 
de obediência e comportamento às mulheres impedindo-as de decidir sobre si mesmas; 
c) Participação política - pouca participação das mulheres nos espaços de poder e 
decisão,desde os espaços domésticos, até as direções ficam com os homens 
(propriedade, igrejas, partidos, espaço de decisão do aparelho estatal, movimentos 
sociais ); d) A Violência contra as mulheres – não conseguindo dominar por outras vias, 
usa-se a violência física e psicológica contra as mulheres que é naturalizada (honra dos 
homens, o machismo, o controle, o poder)”. (VIA CAMPESINA, 2008). 
Cabe salientar que a luta pelo enfrentamento à violência é marcado nas 
organizações do campo em toda sua trajetória pela repressão e conflitos no campo que 
demarcam a luta pela terra e as demais lutas dos povos do campo e da floresta no Brasil, 
incluindo-se mortes, assassinatos e lideranças marcadas para morrer, onde, em torno de 
20%, são mulheres. É neste contexto de desigualdades, injustiças e conflitos de classe 
que as mulheres do campo e da floresta incluem na sua agenda política o direito de 
viverem sem violência e o enfrentamento a todas as formas de violência, incluindo a 
violência doméstica e familiar velada, silenciada e ocultada ao longo do processo 
histórico. 
 
 
A implantação da política nacional de enfrentamento à violência contra as 
mulheres e os desafios para o campo e a floresta 
 
Ações e Campanhas de Enfrentamento à violência contra as Mulheres 
A luta das mulheres do campo e da floresta aliada à capacidade política da 
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República vem 
produzindo um processo inovador no campo das políticas públicas para as mulheres em 
especial às do campo e da floresta. 
Além das ações que vem sendo protagonizadas pelas mulheres do campo e da 
floresta, aconteceram um conjunto de ações de enfrentamento à violência contra as 
mulheres. Assim, as campanhas desenvolvidas para o enfrentamento à violência contra 
as mulheres em geral, pelo que se conhece foram: 
1. “Quem ama não mata” – um forte movimento pela defesa da vida das mulheres e 
pela puniçãodos assassinos ocorreu entre as décadas de 1920 e 1930 e 1970, 
desenvolvida por Promotores e Feministas. 
2. “Campanha Bem Querer Mulher” surgiu como uma iniciativa do Unifem - Fundo 
de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (www.unifem.org.br), em 
associação com a The Key - Organizações e Marcas Cidadãs, empresa especializada 
nos temas de interesse público. (www.thekey.com.br) ,com dois objetivos: 
• Lançar o primeiro Fundo Nacional para a Não-Violência à Mulher e estimular a 
sociedade a contribuir com a causa, gerando recursos a partir da venda de produtos 
com a marca da campanha e do licenciamento de marcas que têm interesse na mulher 
como seu público-alvo. 
• Trazer o tema ao conhecimento público, informando a população sobre a enorme 
mazela associada ao problema. Trata-se de promover o entendimento acerca das 
formas de violência contra a mulher e das dimensões assumidas no país. 
 
3. “Campanha Brasileira do Laço Branco”: Homens pelo fim da violência contra a 
mulher promovida pela Rede de Homens pela Equidade de Gênero” que tem o 
objetivo de sensibilizar, envolver e mobilizar os homens no engajamento pelo fim da 
violência contra a mulher. Suas atividades são desenvolvidas em consonância com as 
ações dos movimentos organizados de mulheres e de outras representações sociais 
que buscam promover a eqüidade de gênero, através de ações em saúde, educação, 
trabalho, ação social, justiça, segurança pública e direitos humanos. 
4. “Campanha Violência Contra a Mulher: onde tem violência, todo mundo perde” 
do Instituto Patrícia Galvão com apoio da Prosare - Comissão de Cidadania e 
Reprodução e Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Uma campanha 
publicitária protagonizada por homens e dirigida a homens agressores e tem como 
mensagem: Onde tem violência, todo mundo perde e como proposta: Estímulo para 
mudança de atitude do agressor. Uma campanha de comunicação social voltada para 
homens agressores. A proposta foi colocar os homens no centro do debate sobre a 
violência doméstica. As mensagens da Campanha são um convite a uma mudança de 
atitude e do comportamento masculino frente à violência doméstica. Essas mudanças 
dependem, sobretudo, de aspectos culturais e de mentalidades, campo em que a 
mídia pode ser bastante eficaz. 
Assim, cabe salientar que as campanhas vêm se constituindo como importantes 
estratégias para construir o debate com a sociedade e para o avanço na implementação 
de Políticas Públicas. 
 
Implantação da Política Nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres 
Até 2002, a base do Programa Nacional de Combate à Violência contra a 
Mulher, sob a gerência da Secretaria de Estado de Direitos da Mulher (SEDIM), do 
Governo Federal, era o apoio à construção de Casas Abrigo e à criação de Delegacias 
Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM). 
Com a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), no 
 
primeiro ano do Governo Lula, em 2003, as ações mudaram de foco e ganharam nova 
envergadura, com o início da formulação da Política Nacional de Enfrentamento à 
Violência contra as Mulheres. 
A necessidade e a importância dessa política foi reafirmada na I Conferência 
Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em 2004, e no Plano Nacional de 
Políticas para as Mulheres que estabeleceu como um de seus eixos estruturantes o 
enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres. 
Com o objetivo de colocar as novas diretrizes em prática, o Estado passou a 
promover a criação de novos serviços (como os Centros de Referência, as Defensorias 
da Mulher) e a propor a construção de redes de atendimento para assistência às 
mulheres, em todo o país. 
O conceito de violência adotado pela Política Nacional fundamenta-se na 
definição da Convenção de Belém do Pará e abarca diferentes formas de violência 
contra a mulher: Violência doméstica: compreende, entre outras, as violências física, 
psicológica, sexual, moral e patrimonial (Lei Maria da Penha); Violência ocorrida na 
comunidade, cometida por qualquer pessoa, compreendendo, entre outros, a violação, o 
abuso sexual, a tortura, o tráfico de mulheres, a prostituição forçada, o seqüestro e o 
assédio sexual; Violência institucional cometida pelo Estado ou seus agentes. 
Este processo só vem sendo possível de ser realizado pela existência da SPM e 
da consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as com 
programas e ações implementados desde a sua criação. 
As principais realizações foram: 
1. Sanção da Lei Maria da Penha: legislação moderna que trata do enfrentamento à 
violência doméstica e familiar contra a mulher em cumprimento aos acordos 
internacionais da Convenção de Belém do Pará e da Convenção para a Eliminação 
de todas as formas de Violência contra as Mulheres (Cedaw). A Lei é a expressão 
da Política Nacional, pois entende de maneira multidimensional o fenômeno da 
violência contra a mulher e propõe o seu enfrentamento em várias dimensões. A Lei 
 
foi resultado de uma ampla mobilização da sociedade envolvendo no seu processo 
de discussão e elaboração um consórcio de organizações não-governamentais 
(Advocacy, Agende, Cladem, Cfemea, Cepia e Themis), a Bancada Feminina do 
Congresso Nacional e a realização de diversas audiências públicas pelo país. 
2. Criação do Observatório da Lei Maria da Penha: tem como objetivo monitorar a 
aplicação da legislação junto ao Judiciário, Executivo e à Rede de Atendimento às 
Mulheres em situação de Violência. É constituído por um consórcio composto por 
12 instituições com diferentes responsabilidades e papéis: Núcleo de Estudos 
Interdisciplinares sobre a Mulher da Universidade Federal da Bahia, seis 
organizações não-governamentais (Agende, Cepia, Coletivo Feminino Plural, 
Themis, Rede Nacional Feminista de Saúde e a Rede Feminista Norte e Nordeste de 
Estudos e Pesquisas sobre Mulheres e Relações de Gênero), Cladem/Brasil e 
núcleos universitários (Núcleos de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher - 
NEPeM/UnB, Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos - 
NEPP-DH/UFRJ, Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher e Gênero - 
NIEM/UFRGS e o Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulheres 
e Relações de Gênero - GEPEM/UFPA). 
3. Ampliação dos serviços especializados de atendimento à mulher: o país conta 
hoje (2007) com 403 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher 
(DEAM), 99 Centros de Referência, 65 Casas Abrigo, 15 Defensorias Públicas da 
Mulher, além dos novos serviços que começaram a ser criados em 2006, a partir da 
aprovação da Lei Maria da Penha – os Juizados e Varas de Violência Doméstica e 
Familiar contra a Mulher, que h4. Capacitação dos profissionais da Rede de 
Atendimento: desde 2003, a SPM e seus parceiros e parceiras trabalham na 
qualificação dos profissionais que atuam nos serviços da rede. Com o Pacto 
Nacional, a meta é intensificar essa capacitação e preparar os Centros de Referência 
para acolher também as mulheres vítimas do tráfico e da exploração sexual. Nesses 
quase cinco anos, 7.5 mil pessoas foram capacitadas entre operadores do Direito 
(juízes e promotores), policiais e profissionais da Rede de Atendimento às 
Mulheres em situação de Violência. 
 
5. Padronização do atendimento: Das Delegacias Especializadas: SPM, Ministério da 
Justiça e delegacias elaboraram normas de padronização para o atendimento nas 
Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs). Dos Centros de 
Referência: são considerados estruturas essenciais no enfrentamento à violência, 
pois visam promover a ruptura da situação de violência e a construção da cidadania, 
por meio de ações globais e de atendimento interdisciplinar (psicológico, social, 
jurídico, de orientação e informação). A criação de um padrão de atendimento para 
esses serviços, em todo o país, garantiuo funcionamento baseado em um marco 
conceitual. 
6. Criação e consolidação da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180: 
também é uma das portas de entrada da Rede de Atendimento. Serviço criado no 
dia 25 de novembro de 2005, pela SPM, com o objetivo primeiro de orientar as 
mulheres em situação de violência sobre seus direitos e sobre onde buscar ajuda, 
funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana e a ligação é gratuita. Além de 
apoiar as mulheres, o Ligue 180 auxilia no monitoramento da rede de atenção à 
mulher e é uma importante fonte de informação para a Política Nacional de 
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. 
7. Ouvidoria da SPM: é um espaço de escuta qualificada que procura atuar por meio 
da articulação com outros serviços de ouvidoria de todo o país, encaminhando os 
casos que chegam para os órgãos competentes federal, estadual ou municipal. 
Também proporciona atendimentos diretos sobre diversos assuntos, inclusive sobre 
o tema violência contra as mulheres. 
8. Construção de um banco de dados com informações: atualizadas mensalmente 
sobre a oferta de serviços especializados em todas as Unidades da Federação. 
9. Pactos federativos para a implementação do PNPM: Desde o lançamento do Plano 
Nacional de Políticas para as Mulheres, a SPM firma pactos com governos 
estaduais e municipais para a implementação das 199 ações previstas no Plano 
Nacional. Dentre os eixos do Plano, há o enfrentamento à violência contra as 
mulheres que prevê a criação ou consolidação dos serviços da Rede de 
Atendimento às Mulheres nos municípios. Nesses cinco anos, foram assinados 
 
termos de compromisso com 24 estados e mais de 300 municípios. 
10. Plano Nacional para o Enfrentamento à Feminização da Epidemia do 
HIV/Aids e outras DSTs: lançado no dia 7 de março de 2007, é uma parceria entre 
a Secretaria Especial de Políticas para as mulheres, o Ministério da Saúde, por meio 
do Programa Nacional de DST e Aids e da Área Técnica de Saúde da Mulher. O 
plano conta com o apoio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), do 
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Fundo de 
Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM). Estabelece um 
conjunto de medidas para reduzir os índices de contaminação entre as mulheres. 
11. Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna: lançado em março de 
2004, pelo Ministério da Saúde em parceria com a SPM, visa à qualificação de 
equipes nas maternidades de referência do SUS. 
12. Política Nacional de Direitos Sexuais e Reprodutivos: tem como objetivo garantir 
os direitos de mulheres, homens e adolescentes a uma vida sexual plena e saudável. 
13. Iniciativas na área da prevenção: desenvolvimento de programas e ações que 
visam a desconstrução de mitos e estereótipos de gênero e que promovam a cultura 
da igualdade. Na mídia: Campanha “Sua vida recomeça quando a violência 
termina” realizada em 2004 e 2005 para marcar o Dia Internacional da não-
Violência contra a Mulher; Apoio à campanha “16 dias de ativismo pelo fim da 
violência contra as mulheres”, coordenada pela organização não-governamental 
Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (Agende), desde 2003; 
Mobilizações em torno do Dia Internacional da Mulher (8 de março); 
Monitoramento, por meio da Ouvidoria da SPM, de campanhas publicitárias que 
retratam a mulher de forma preconceituosa na mídia; Seminários “A Mulher e a 
Mídia”, realizados de 2003 a 2007; Programa de rádio “Mulherio”, veiculado pela 
Rádio MEC do Rio de Janeiro, nos anos de 2005 e 2006; Apoio à Campanha do 
Laço Branco – “Homens dizem não à violência contra as mulheres”, de âmbito 
nacional, desenvolvida pelo Programa de Apoio ao Pai (Instituto Papai), de 
Pernambuco, nos anos 2003, 2004 e 2005; Apoio a diversas campanhas e ações 
regionais. Na educação: Promoção da reflexão sobre o tema da igualdade no mundo 
 
acadêmico, por intermédio do Programa Mulher e Ciência. Realizado anualmente, a 
partir de 2005, tem como propósito disseminar e estimular a elaboração e a 
divulgação de estudos e pesquisas no campo das relações de gênero, provocando o 
debate nas universidades e escolas públicas. Inclui edital de pesquisas acadêmicas 
no campo de estudos de gênero no valor de R$ 1,2 milhão, a promoção de 
encontros de núcleos e gênero de pesquisa das universidades e o Prêmio 
Construindo a igualdade de Gênero – um concurso de redação para estudantes do 
ensino médio e de artigos científicos para estudantes de graduação e graduados. A 
iniciativa é resultado da parceria da SPM com o Ministério da Ciência e 
Tecnologia, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e 
Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Educação. Formação de docentes de quinta 
oitava série no tema gênero, sexualidade e relações étnico-raciais, por intermédio 
do Programa Gênero e Diversidade na Escola. Lançado em 2006, já capacitou 
1.200 professores e professoras. É resultado da parceria da SPM com a Secretaria 
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), o Ministério da 
Educação, o Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos 
(CLAM) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e o Conselho 
Britânico. 
14. Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas: por entender que o 
tráfico de pessoas é uma violação dos direitos humanos e insere-se no marco da 
violência contra as mulheres e meninas, a SPM participou ativamente da elaboração 
dessa política, aprovada pelo Presidente da República no dia 26 de outubro de 
2006. A política propõe ações integradas nas áreas de Justiça e Segurança Pública, 
Relações Exteriores, Educação, Saúde, Assistência Social, Promoção da Igualdade 
Racial, Trabalho e Emprego, Desenvolvimento Agrário, Direitos Humanos, 
Promoção dos direitos da Mulher, Turismo e Cultura. São atribuições da SPM: 
desenvolver uma metodologia de atendimento específica às vítimas do tráfico; 
qualificar os profissionais da rede para o atendimento às mulheres traficadas; 
incentivar o atendimento às mulheres vítimas do tráfico nos Centros de Referência; 
apoiar programas de qualificação profissional, geração de emprego e renda, dentre 
outras. 
 
15. Desenvolvimento de ações e material específico (seminário, livros e capacitação) 
destinados aos profissionais que atuam em serviços, especializados ou não, que 
atendem ou têm a missão de acolher mulheres adolescentes e jovens em situação de 
violência. Esta ação é uma parceria do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente 
(NESA/UERJ) com a SPM. 
 
O desafio de Implantação de Ações Estratégicas de enfrentamento à violência 
contra as mulheres do campo e da floresta 
O lançamento e implantação da Campanha e Política Nacional de Enfrentamento 
da Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta é de uma dimensão 
profundamente estratégica e desafiadora pelas exigências, singularidades e perspectivas 
que irá construir no sentido de enfrentar a violência na perspectiva de superação e 
construção de novas formas, valores e comportamentos de relações humanas equânimes, 
de poder compartilhado, de expressão de autonomia, alteridade e cidadania de todos os 
sujeitos do campo e da floresta, respeitando as diferenças e singularidades de gênero, 
raça/etnia, orientação sexual, geracional, de respeito às necessidades especiais e de 
fortalecimento de um novo modo e uma nova ética de relação dos seres humanos com a 
natureza. Esta campanha e política, direcionada às populações do campo também deverá 
ter incidência na sociedade em geral. 
O primeiro grande desafio é a que compreensão se tem a respeito da violência 
contra as mulheres e como trabalhar o enfrentamento para a superação desta realidade, 
pois a trajetória e acúmulo das organizações é o enfrentamento à violência de classe, a 
resistência para preservar ou conquistar a terra, a água, à vida no campo e na floresta.Como mulheres, temos o direito de sermos felizes e de não sofrer violência. Assim, é 
preciso aliar à luta pelo direito à terra, a água, à floresta, o direito de viver sem violência 
dentro das nossas casas. 
Para isto, a compreensão e análise de como se dá a violência contra as mulheres 
dos territórios do campo e da floresta é fundamental, pois requer a explicitação das 
especificidades e singularidades de territórios vivos onde não há informações, as 
 
dificuldades de acesso são imensas, as estruturas, equipamentos e políticas públicas ou 
inexistem ou são precárias, as dificuldades de acesso ao conjunto de direitos demarca a 
realidade. 
Parece ser necessário a construção e/ou o fortalecimento de espaços singulares, 
próprios e autônomos destas mulheres para debater, apropriar-se de forma individual e 
coletiva desta situação e preparar-se para o diálogo com os homens nas mesmas 
condições de igualdade a fim de superar a cultura da violência, opressão e discriminação 
e construir novos valores e relações humanas e com a natureza. O sentido de diálogo 
aqui não exclui as diferenças de opinião ou os conflitos que certamente perpassarão 
estes processos. O importante é a explicitação dos mesmos, o debate e o enfrentamento 
deste fenômeno que vem mutilando e matando as mulheres do campo e da floresta de 
forma cruel e como se a violência fosse algo “natural”. Enfrentar significa não aceitar a 
naturalização da opressão, exploração, discriminação e violência. São fenômenos 
construídos histórica mente e se retroalimentam nas relações de poder político, 
econômico e cultural. Por isto, podem ser rompidos e superados pela ação dos seres 
humanos. 
Para isto é preciso repensar os projetos de desenvolvimento da sociedade, as 
políticas públicas, as concepções de família e as relações humanas permeadas pela 
expressão da emancipação e da cidadania de todos os seres humanos; bem como a 
matriz ideológica e as formas dos humanos se relacionarem com as outras formas de 
vida no planeta. 
Neste sentido, a construção tanto da Campanha como da Política de 
Enfrentamento da Violência Contra as Mulheres do Campo e da Floresta com as 
próprias mulheres, através de suas formas organizativas nacionais e locorregionais 
sendo protagonistas desta construção de ações transformadoras desta realidade e das 
relações humanas é um desafio fundamental. Ao lado disto, parece ser determinante 
também, o envolvimento do conjunto dos atores que atuam no campo e na floresta, 
entidades, homens, mulheres, jovens, igrejas, instituições de ensino, pesquisa e extensão 
rural, instituições da saúde, entre outros, no sentido de construir novos valores, 
políticas, ações, práticas e relações permeadas pela não violência. 
 
Assim, a abordagem desta campanha e das ações específicas da Política de 
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, especialmente do campo e da floresta 
precisam articular o jeito, a linguagem e os modos de vida da população do campo e da 
floresta com a perspectiva popular e feminista que dá sentido às lutas pela emancipação 
das mulheres e dos povos, que prima pelo caráter participativo e protagônico dos 
sujeitos sociais e que quer a superação de todas as formas de violência, opressão, 
exploração e discriminação sobre os seres humanos. 
Além disto, a combinação de ações específicas da Campanha com a construção 
de Políticas Públicas estruturantes de Estado equânimes e que articulem o conjunto das 
áreas tanto públicas, quanto da sociedade é um desafio estratégico. 
Será necessário também incidir em espaços estratégicos formadores de opinião e 
produtores de universos simbólicos na sociedade como: Estado com suas instituições, 
Instituições de Ensino, de Saúde, Instituições Religiosas, os setores da imprensa e 
comunicação, as organizações da sociedade civil, entre outras. Fomentar a pesquisa, 
estudos e reflexões sobre esta temática em todos os espaços e níveis é determinante. 
Enfim, esta Campanha e as ações estratégicas têm um caráter essencialmente 
político-educativo no sentido de construir um processo nacional de visibilidade, 
problematização e reflexão sobre o fenômeno da violência, em especial a violência 
doméstica contra as mulheres do campo e da floresta, suas raízes histórico-culturais e a 
importância de superação destas formas de se relacionar, o que, na verdade, é um ganho 
para toda sociedade. 
 
 
 
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