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Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Medicina 8° Período MEDICINA DA MULHER OBSTETRÍCIA JOÃO PAULO ALVIM MAULER MED 106 2 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ÍNDICE ESTUDO DA BACIA MATERNA ...................................................................................................... 3 ASSISTÊNCIA PRÉ-NATAL .............................................................................................................. 7 ESTÁTICA FETAL .......................................................................................................................... 10 PARTO: ASSISTÊNCIA CLÍNICA .................................................................................................... 12 MECANISMO DO PARTO............................................................................................................. 18 PUERPÉRIO NORMAL E PATOLÓGICO ........................................................................................ 22 PARTOGRAMA ............................................................................................................................ 27 MODIFICAÇÕES NO ORGANISMO MATERNO ............................................................................ 35 SÍNDROMES HIPERTENSIVAS NA GESTAÇÃO ............................................................................. 38 DISTÓCIA DE OMBRO ................................................................................................................. 43 DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL ............................................................................................. 45 FÓRCIPE ....................................................................................................................................... 50 SOFRIMENTO FETAL AGUDO ...................................................................................................... 53 APRESENTAÇÃO PÉLVICA ........................................................................................................... 60 SOFRIMENTO FETAL CRÔNICO ................................................................................................... 62 DIABETES GESTACIONAL ............................................................................................................ 67 GESTAÇÃO MÚLTIPLA ................................................................................................................. 71 ABORTAMENTO .......................................................................................................................... 74 HEMORRAGIAS DA SEGUNDA METADE DA GESTAÇÃO ............................................................ 76 INFECÇÕES PERINATAIS - TORCH ............................................................................................... 81 3 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ESTUDO DA BACIA MATERNA A espinha ciática delimita o meio da bacia, o plano zero da bacia. Olhando uma mulher, externamente, não dá para saber se ela tem uma bacia que facilita o parto. Só se consegue fazer essa análise no toque. É preciso introduzir o dedo dentro da vagina buscando as partes ósseas: ver se a espinha ciática é proeminente ou não, se o promontório1 está muito anteriorizado, se o cóccix está muito anteriorizado, se a bacia é estreitada na profundidade. Só o diâmetro da bacia não diz se o bebê passa ou não. O parto não depende só do tamanho da bacia, mas também da posição do feto. Normalmente o bebê vem em occipito-anterior, com a fontanela menor junto ao púbis da mãe. Quando o bebê põe a cabeça para fora, ele roda a cabeça e o ombro, e um ombro sai primeiro, e depois o outro. Tem importância também a flexão da cabeça do bebê. Se ela está bem fletida (A), o diâmetro dela é mais ou menos de 9,5 cm. Se ele deflete um pouco (B), na posição de bregma, o diâmetro já tem 11 cm. Se ele vem de nariz (C) o diâmetro tem 12 cm, e se ele vem de face (D) tem 13,5 cm, e nesses casos em que a cabeça não está bem fletida fica mais difícil de o bebê passar (mas só 1% dos partos o bebê deflete a cabeça). 1 O sacro localiza-se entre os dois ossos ilíacos e se articula com eles por meio da articulação sacroilíaca. Juntamente com a 5a vértebra lombar, constitui o ângulo sacrovertebral, cujo vértice é denominado promontório. 4 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 O bebê pode vir em apresentação cefálica, mas ele pode vir em apresentação pélvica. Parto pélvico é mais difícil. Não se sabe se a cabeça é proporcional à bacia, porque a cintura escapular vem primeiro, e o pior para passar fica por último. O feto pode ainda se apresentar “atravessado” na bacia, é a apresentação córmica. Esse parto é impossível. É preciso vir de cabeça ou de pé. Normalmente em uma parto desses se coloca a mão lá dentro e puxa o bebê pelo pé. A grande bacia é separada da pequena bacia pelo estreito superior (do promontório à borda da sínfise púbica). A grande bacia não traz problemas obstétricas, mesmo em mulheres com grandes deformidades ósseas. O problema está na pequena bacia. Existe uma linha imaginária do promontório à borda superior da sínfise púbica. É o estreito superior da bacia. Numa mulher de bacia ginecóide essa distância mede aproximadamente 11 cm, e é chamada de conjugata vera anatômica. Existe outra linha da borda inferior da sínfise púbica até o coccix, que é o estreito inferior da bacia. Ele mede aproximadamente 9,5 cm. Se introduzir o dedo dentro da vagina de uma mulher e tentar alcançar o promontório, essa linha é a conjugata diagonalis, e normalmente tem 12 cm. Se tirar 1,5 cm da conjugata diagonalis obtêm-se a conjugata vera obstétrica (que va do promontório À face posterior do púbis). Ela não pode ser medida, mas apenas inferida. No toque, se alcançou fácil o promontório, é sinal que a bacia é estreita. Se não alcançar, é um bom sinal, de estreito superior amplo. Para inferir o menor diâmetro do estreito superior tira 1,5 cm dessa medida. O estreito médio é a distância entre as espinhas ciáticas. Ele é a parte mais estreita da pequena bacia, medindo 10,5 cm no diâmetro transverso e 12 cm ântero-posteriormente. Quando se faz o toque na paciente, deve-se procurar a espinha ciática. Se ela está muito pontiaguda, protusa, não é bom, porque mostra que o estreito médio é estreitado. 5 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 O estreito inferior é encontrado no toque, tentando tocar o cóccix. O estreito inferior, antes do bebê passar, mede 9,5 cm. Quando o bebê passa, ele empurra o cóccix para trás, e a distância aumenta para 11 cm. Muitas vezes, o feto, 15 dias antes do parto, entra dentro da bacia materna, e a cabeça chega até o estreito médio, na primípara principalmente, enquanto na multípara isso geralmente ocorre durante o trabalho de parto. Isso porque na primípara os músculos e ligamentos estão bem íntegros. Uma mulher, em contração, prestes a ter o primeiro filho, e ele ainda está lá na grande bacia, não desceu, o que se pensa é que ou o bebê não vai conseguir passar pelo tamanho da cabeça, ou tem algo o segurando lá em cima (um cordão segurando o bebê, por exemplo). No final da gravidez o útero chega até o rebordo costal, e a mulher fica com dificuldade de respirar. Quando o bebê se posiciona, insinua, isso melhora. No entanto, lá embaixo começa a comprimir mais a bexiga. O feto, para passar, passa pelo canal da parturição, e ele se acomodando aos maiores diâmetros da bacia, ele vai fazendo movimentos tais que ele passa pelo canal do parto, que é um canal estreitado. Existemos planos de Hodge, que dividem a bacia em 4 planos: um que passa acima da sínfise púbica, um que passa abaixo da sínfise púbica, um que passa no nível das espinhas ciáticas e um que passa ao nível do cóccix. Esses planos são usados para relatar a posição do feto durante o parto, por exemplo (”feto no plano 3 de Hodge”). Existem também os planos de De Lee, que são mais usados. O plano zero é no nível das espinhas ciáticas. Para cima dela os planos são negativos, e para 6 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 baixo são positivos, medidos em centímetros. Para fazer essa medida, se introduz o dedo na vagina da paciente, e toca a cabeça do bebê, e em seguida vai na espinha ciática. Se estiverem na mesma direção, é plano 0. Se não, mede-se a diferença para saber o plano. 7 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ASSISTÊNCIA PRÉ-NATAL Os objetivos da assistência pré-natal são diagnosticar e confirmar a gravidez, diagnosticar doenças maternas pré-existentes, orientar a gestante quanto a hábitos de vida, quanto ao parto, aleitamento materno e puericultura, acompanhar a evolução da gravidez (com visitas regulares, a princípio mensais, mas se necessário mais curtos), diagnosticar e tratar intercorrências gestacionais, adotar medidas preventivas para proteção da gestante e do feto. O início da assistência pré-natal deve ser o mais precoce possível. O ideal seria a mulher procurar o médico quando tem intenção de engravidar. Seria uma consulta pré-concepcional. Uma vez grávida, ela deve ter um mínimo de 7 consultas, idealmente. O roteiro da consulta deve seguir os mesmos tópicos de qualquer observação clínica, com anamnese, exame físico e exames complementares, quando necessário. Na anamnese é preciso identificar a paciente, inclusive a raça (algumas ocorrências são mais comuns em uma raça), idade, profissão, estado civil, procedência (às vezes vem de zona endêmica de alguma enfermidade). Nunca subestimar a queixa da paciente, e retratar a queixa da forma que ela diz. Na história familiar, investigar se tem caso de cardiopatia, diabetes, hipertensão crônica, casos neurológicos, passado de neoplasia. Se ela tem passado de hepatite B ou C, HIV e sífilis (se ela não sabe, os exames complementares vão ajudar). Na história patológica pregressa, doenças que ela eventualmente já teve, cirurgias que fez, se sofreu algum acidente, se já tomou transfusão de sangue (ainda hoje não é incomum uma transfusão aparentemente compatível, mas que sensibiliza a mulher, podendo gerar uma reação ao feto futuramente). Na história ginecológica, perguntar sobre o ciclo menstrual, se ela já fez cirurgia ginecológica, a história sexual, e sobre o uso de anticoncepcional. Na história obstétrica, saber de gestações anteriores, o tipo de parto (vaginal ou cesariana), se teve abortos (provocados ou espontâneos), o período interpartal (se deu tempo do organismo se recuperar das modificações gestacionais entre uma gravidez e outra), se ela amamentou os filhos, por quanto tempo, e como foi o período neonatal, o puerpério dela. Na história obstétrica atual, provavelmente a mulher não estaria fértil até 10 dias após o primeiro dia da última mentruação. A conta para o dia do nascimento da criança, pela regra de Naegele, leva em conta 280 dias de gestação. Para isso, soma-se 7 dias ao primeiro dia da menstruação, e depois soma-se 9 meses (ou subtrai-se 3 meses). Se a mulher não tem a informação do dia da última menstruação, pode-se lançar mão da ultrassonografia, que é bastante precisa, sobretudo no início da gravidez. Com 5 semanas já é possível fazer uma ultrassonografia. Ela é muito precisa, o erro é de 1 dia. Até 20 semanas é bastante preciso, mas o ideal é em torno de 12 ou 13 semanas, em que o erro máximo é de 2 ou 3 dias. A partir daí a margem de erro vai aumentando. A ultrassonografia com 30 semanas já não vai ser tão precisa. Ainda na história obstétrica atual é preciso conhecer os hábitos da mulher, se ela fuma, bebe, se usa alguma droga lícita ou ilícita, se ela pratica alguma atividade física. Se ela pratica, pede- se moderação, mas não parar a atividade. Para quem nunca teve, não é hora de começar. No sistema nervoso, saber se ela tem dor de cabeça, tonteira, alteração visual. Testar sensibilidade dolorosa e tátil nas diferentes regiões do corpo. No trato gastrointestinal, são comuns na gestação sialorréia, pirose, constipação intestinal, vômitos (sobretudo no primeiro trimestre de gestação). Saber se ela tem alguma falta de ar, tosse, perda de sangue pelo nariz. 8 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Saber se ela tem asma. No aparelho urinário, são comuns as infecções do trato urinário. Na gestação, por efeito da progesterona e por compressão, são comuns as estases urinárias, o que predispõe a infecções. No aparelho locomotor pesquisar se tem varizes, suspeita de trombose. Com a gravidez, a coluna sofre uma curvatura, a lordose, que pode facilitar compressão de raízes nervosas, e dores que irradiam pela perna. Ainda no exame físico, é preciso obter o peso inicial, aferir a pressão arterial, contar o pulso, observar as mucosas, se estão normocoradas e hidratadas. Examinar a glândula tireóide. Ver se tem varizes. Realizar uma ausculta cardíaca. Na cabeça aparecem sinais próprios da gravidez. Cloasmas são manchas hiperpigmentadas que algumas mulheres têm mesmo fora da gravidez. O estrogênio associado à exposição solar criam essas manchas. O sinal de Halban é um aumento dos pelos na região da testa e face. Nas mamas, aparece a rede de Haller. Com a gravidez, a mama vai ficando mais túrgida. Com isso aparece uma rede subcutânea de veias e artérias. Em volta do bico do seio, aparecem os tubérculos de Montgomery, que nada mais são que ductos galactóforos que não chegaram no bico do seio. A aréola secundária é uma segunda aréola mais clara em volta da aréola, que também fica mais pigmentada. O abdome inicialmente fica globoso e depois fica ovóide. Mas pode ser reto em paciente mais jovens. Existe também o abdome em pêndulo. A altura uterina se mede a partir da borda superior da sínfise púbica. Mede-se na linha mediana, da borda da sínfise púbica até onde faz a curvatura para descer. Ali coloca-se a mão reta, perpendicular à pele da paciente, com a fita métrica entre os dedos. Na palpação, usam-se as manobras de Leopold- Zweifel. A primeira manobra visa delimitar a altura do fundo uterino (não é medir). Vai-se palpando, com a paciente deitada, tomando por base o rebordo costal ou o apêndice xifóide. Antes dos 3 meses não se consegue palpar o fundo do útero. A segunda manobra visa diagnosticar a situação (relação do maior eixo fetal com o maior eixo materno; transversal, longitudinal ou oblíqua) e posição fetal em relação aos flancos da mãe e localizar o dorso do feto. A terceria manobra é para identificar a apresentação fetal (parte da criança que está em primeiro lugar no canal do parto; cefálica, pélvica ou córmica) e sua altura. A quarta manobra é para verificar o encaixamento da apresentação, se já está dentro da bacia. Por definição é a relação entre o maior diâmetro da apresentação (geralmente a cabeça) e o diâmetro superior da pelve materna. Na palpação, se o maior diâmetro da apresentação tem mobilidade, é porque ainda não está encaixado. Quando encaixa, a mobilidade fica restrita, limitada. 9 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Ainda no exame físico, a ausculta fetal pode ser feita com o estetoscópio de Pinard, entre 18 e 22 semanas. Já com o sonar Doppler, se escuta o coração do bebê com 10 a 12 semanas. A ultrassonografia pode mostrar com 5 semanas. É preciso ainda fazera inspeção do aparelho genital externo, inclusive o exame especular, com coleta de citologia cervical, teste de Schiller, colposcopia e, se for preciso, biópsia. O toque deve ser feito na primeira consulta, para verificar resistência do períneo, elasticidade e tamanho da cavidade vaginal, consistência e dilatação do colo. Em termos de exames laboratoriais, é comum fazer hemograma completo, tipagem sanguínea, glicemia de jejum e teste oral de tolerância à glicose, sorologia para sífilis (VDRL), hepatite B e C e toxoplasmose (IgG e IgM), HIV, TSH, exame simples de urina (EAS) e urocultura, exame parasitológico das fezes (3 amostras). A ultrassonografia no primeiro trimestre é sempre transvaginal. A translucência nucal é feita entre 11 e 14 semanas, depois disso ela fica imprecisa. Ela tem relação com a síndrome de Down (não é patognomônico, mas é suspeita forte). A ultrassonografia morfológica, para ver se o feto está bem formado, é feita entre 20 e 24 semanas. No terceiro trimestre se faz a ultrassonografia obstétrica com Doppler, para ver o fluxo das artérias. A vitalidade fetal pode ser avaliada no final da gestação, através de 3 exames. A cardiotocografia basal mede a atividade uterina e a frequência cardíaca fetal comparativa a essa atividade uterina. Mas as informações que ela traz são tardias. O perfil biofísico fetal é uma mistura da cardiotocografia com a ultrassonografia, e já é mais preciso. Mas o que mostra alteração precoce é a Dopplervelocimetria. Vacinação na grávida: dT (não tem problema para a grávida, porque é feita por engenharia genética, é só a proteína antigênica, não tem microorganismo vivo). Febre amarela é feita se a mulher vai para área endêmica. Evita-se no primeiro trimestre porque a vacina é feita com vírus vivo atenuado. Anti-rábica é a mesma coisa, faz se for indicada. Anti-gripal toda gestante deve tomar (não tem vírus vivo, apenas proteínas antigênicas). O ácido fólico, idealmente, deve ser dado desde um mês antes de engravidar até completar 3 meses de gestação. O ácido fólico previne as doenças ou lesões do tubo neural do feto. A suplementação com ferro reduz o risco de hemoglobina menor que 10, então ela é feita de rotina. Não há comprovação científica de que haja beneficio em suplementação de vitaminas. Propedêutica obstétrica 1º trimestre: Hemograma completo, tipagem sanguínea, glicemia de jejum, TSH, Sífilis, Toxoplasmose, Rubéola, HBsAg, HCV, HIV 1/2, Urina tipo 1, Urocultura, Exame parasitológico de fezes, Exame preventivo, USG (TN de 11 a 14 semanas). 2º trimestre: Hemograma completo, EAS, Urocultura, Toxoplasmose, Rubéola IgG (se 1º negativo), VDRL, TOTG 75 (24 a 28 semanas), USG morfológica. 3º trimestre: repetir os exames do 2º trimestre, investigar colonização genital por Streptococo beta-hemolítico (na cavidade vaginal e no ânus). 10 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ESTÁTICA FETAL Estática fetal é como o feto se posiciona dentro do útero. Geralmente, no início da gravidez, essa posição é variável. Com 28 semanas o feto tem 1 kg, com 32 semanas ele chega aos 2 kg, e com 36 semanas ele chega aos 3 kg. É nessa fase (terceiro trimestre) que a posição do feto começa a se estabilizar. A posição mais frequente é de cabeça para baixo. Para saber a posição da criança dentro do útero existem as manobras de Leopold. A mão que encontra mais resistência corresponde ao dorso. Verifica- se também se a criança já entrou no púbis, se a cabeça está no plano 0 de De Lee. O feto pode estar longitudinal ou transverso (na posição transversa o bebê não nasce). Atitude fetal é a relação das partes fetais entre si. Geralmente ele fica em flexão generalizada. Na cabeça do feto, existem as suturas e as fontanelas: anteriormente a fontanela bregmática (em forma de losango), e posteriormente a fontanela lambdóide (em forma de Y). Essas fontanelas podem ser sentidas no toque. A apresentação mais frequente é em occipito. No toque, acha-se a sutura sagital, segue-se ela até encontrar a fontanela lambdóide. Ela pode estar em occipito anterior, occipito posterior, occipito transverso direito ou occipito transverso esquerdo. A situação fetal pode ser longitudinal ou transversa, sendo que a grande maioria fica na situação longitudinal (99,5%, apenas 0,5% em transverso). A situação oblíqua é uma transição, e no momento do parto ele vai se estabilizar em longitudinal ou transversa. Apresentação fetal é a região fetal que está no estreito superior da pelve. Pode ser cefálico (96,5%), pélvico (3%). Na situação transversa, a apresentação é córmica. Na situação longitudinal, a apresentação pode ser cefálica ou pélvica. Na apresentação cefálica, o feto pode estar em occipito (A), quando estiver totalmente flexionado. Mas ele pode estar também em graus diferentes de deflexão. Se ele defletir um 11 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 pouco ele fica em bregma (B), mais um pouco em glabela, nariz (C), e mais um pouco de face (D). O problema dele defletir é que aumenta o diâmetro, e dificulta a passagem. Apenas 1% dos fetos defletem (95,5% vem fletido). Para saber se o feto está insinuado, através do toque coloca o dedo na cabeça do feto e outro na espinha ciática. Se ambos estiverem no mesmo plano, ele está insinuado. Na apresentação pélvica, ele pode estar na pélvica completa, de nádegas, de joelhos ou de pés. A posição fetal pode ser direita ou esquerda (em relação ao dorso). Na situação transversa, ele pode estar em posição anterior ou posterior (dorso anterior ou posterior). Pode-se também dar a posição do feto de acordo com a posição da pelve. Sinclitismo é quando o bebê está descendo pelo canal do parto, e a distância entre o parietal posterior e anterior é igual (A). Quando o parietal posterior desce mais, isso é assinclitismo posterior (B). Quando o parietal anterior desce mais, isso é assinclitismo anterior (C). 12 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 PARTO: ASSISTÊNCIA CLÍNICA O objetivo da assistência clínica ao parto é acompanhar a exteriorização do feto. O trabalho de parto é um evento fisiológico, que envolve 5 variáveis (5 P’s): poderes (motor uterino, contratilidade uterina), passageiro (feto, tamanho e posição fetal), passagem (pelve materna), preparo psicológico materno (a mãe precisa ser participativa) e assistente (provider). O trabalho de parto é dividido didaticamente em período premonitório (pré-parto), que é o período de pródromo (o “ensaio” do parto), e o trabalho de parto propriamente dito, dividido em período de dilatação, período expulsivo, período de dequitação e período de observação. O período preparatório pode ser um período bem longo. O período de dilatação tem uma fase latente e uma fase ativa. O período expulsivo pode ser chamado também de período pélvico. O começo do período premonitório é bastante variável, mas geralmente ele começa a partir de 36 semanas de gestação. A gestante relata que a barriga está ficando “dura” de vez em quando, de forma rápida, com ritmo irregular e sem dor. Essas contrações são as chamadas de Braxton-Hicks. O fundo do útero desce, porque o feto começa a se insinuar na bacia da mãe. Existe um amolecimento e apagamento do colo. O colo normalmente é bicudo, e quando chega próximo ao trabalho de parto, nessa fase, ele começa a tomar uma consistência amolecida, deixa de ser grosso, e começa a apagar. Ocorre a eliminação de uma secreção mucóide, que é o tampão mucoso (uma secreção mucóide com raias de sangue), que indica que o trabalho de parto está próximo. Ocorre ainda a orientação e abaixamento do colo. Normalmente o colo uterino é posterior, e ele começa a centralizar,amolecer e apagar. O trabalho de parto é uma síndrome clínica. Acontece uma alteração da contratilidade uterina, com uma contratilidade uterina eficaz, superior a 60 UM (unidades de Montevideo). Isso significa de 2 a 3 contrações (com dor), que duram de 20 a 30 segundos, em cada 10 minutos. Aqui o colo já tem de 2 a 4 cm de dilatação, com um apagamento de 30 a 50%. Em multípara é 13 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 diferente de nulípara. Na nulípara o colo afina (apagamento) para depois dilatar. Na multípara o colo apaga e dilata ao mesmo tempo. Há ainda a formação da bolsa das águas, modificação da posição do colo (que já tinha começado no período premonitório). Aqui a contração obedece o triplo gradiente descendente (TGDP). Nos cornos uterinos tem os marcapassos da contração uterina. Começa a contração em um desses marcapassos, irradia para o outro corno uterino, vem para o corpo e depois para o colo. Ou seja, ele tem que ser mais intenso no fundo do que no corpo e no colo, e tem que ser descendente, porque é assim que faz dilatar o colo uterino. Normalmente a primeira queixa é dor, normalmente começando nas costas, vem para a barriga, que fica dura. Ela pode reclamar de perda de líquido (atenção porque grávida perde urina também). Elas reclamam do tampão mucoso, sangramento vaginal (um sangramento discreto pode acontecer com a dilatação do colo do útero). A idade gestacional pode ser calculada pelo ultrassom (quanto mais precoce melhor, a partir de 6 semanas) ou pela data da última menstruação. Tem que investigar enfermidades prévias ou que se manifestaram na gravidez. No exame clínico, avaliar contração uterina, avaliar o bem-estar fetal através de ausculta fetal, ver o cartão de pré-natal, para ver os exames, a história, a paridade da mulher. Avaliar rotura da membrana amniótica e as características do líquido amniótico. Isso pode ser feito passando o espéculo, visualiza o colo, pede para a paciente fazer uma força (Valsalva) e perceber se tem líquido saindo. Na maioria das vezes essa saída de líquido é muito nítida, nem precisa passar espéculo. Esse líquido, no bebê a termo, com tudo bem, é um líquido claro, com alguns grumos. Isso indica maturidade fetal. O líquido pode vir esverdeado, que é um líquido meconial, e isso pode ser um sinal de sofrimento fetal. Cada um dos períodos clínicos do trabalho de parto tem características próprias e uma conduta diferenciada. Dentro do período de dilatação, há a fase latente. Ela é o final do período premonitório e início do trabalho de parto. As contrações já passam a ser regulares, ter um ritmo. A diferença é que são dilatações de intensidade baixa. O ritmo de dilatação do colo é um ritmo bem pequeno, de 0,6 a 1 cm por hora. Essa fase só pode ser considerada prolongada se durar mais de 20 horas em nulíparas e 14 horas em multíparas. A fase ativa do período de dilatação tem duração média de 6 a 12 horas, e está sujeita a variações individuais. O ritmo de dilatação na nulípara normalmente é um pouco mais lenta, de 1 cm/h, enquanto na multípara é de 1,5 cm/h. Pelos estudos atuais a fase ativa começa a ser considerada partir de 6 cm de dilatação. Para considerar que há um problema de progressão do trabalho de parto, começa a contar essa fase ativa com 6 cm de dilatação e a bolsa rota, e depois de 4 horas com contrações eficazes não mudou a dilatação (ou 6 horas de contrações ineficazes). O final do período de dilatação, a dilatação completa, é com 10 cm. 14 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Na assistência clínica à dilatação, existem muitas controvérsias. A paciente pode deambular, sentar ou tomar banho. Quanto menos deitada ela ficar, mais rápida é a progressão do trabalho de parto. Não há consenso sobre consumo de líquidos e a ingestão de sólidos deve ser limitada, porque o trabalho de parto pode virar uma urgência. Não deve-se realizar toques sucessivos. O risco de infecção aumenta, e não tem objetivo. Tricotomia, clister e acesso venoso não são necessários de rotina. Ter um acompanhante é direito da parturiente por lei. A monitorização de todo o trabalho de parto deve ser feito no partograma. O partograma que a maioria das maternidades usam tem espaço para registrar dilatação, altura da apresentação, variedade de posição, frequência cardíaca fetal, dinâmica uterina, condição da bolsa das águas e aspecto do líquido amniótico e uso de medicações. A monitorização e o registro da dilatação cervical é feito através do toque vaginal. Através do toque é possível ver não só a dilatação do colo, mas as condições das membranas amnióticas e a altura do pólo fetal, a consistência e a variedade de posição. Na monitorização das condições fetais pode ser feita a cardiotocografia intraparto e a ausculta fetal intermitente (com o estetoscópio de Pinard ou com o sonar). A ausculta deve ser feita antes, durante e após as contrações uterinas. O valor normal, na média, é de 140 batimentos (entre 120 e 160). Sugerem sofrimento fetal bradicardia, taquicardia, arritmias. O intervalo de ausculta é de 30 minutos nas gestantes de baixo risco e 15 minutos nas gestantes de alto risco. O feto, durante o trabalho de parto, cada contração uterina é um estado de estresse, hipóxia. 15 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 O feto hígido, saudável, consegue compensar essas situações. É importante ter conhecimento e interpretar quando realmente existe risco para o concepto. A monitorização e registro da contração uterina, através da dinâmica uterina, é feita com a mão na barriga, por 10 minutos. Começa com um padrão de 2 a 3 contrações de 25 a 30 segundos, vai aumentando para mais ou menos 4 de 40 segundos, até chegar, no período expulsivo, a 5 contrações de 50 segundos em 10 minutos. É preciso ficar atento e monitorar as condições maternas. Por exemplo, um padrão de contração ruim pode ser preciso medicar com ocitócito. Tocolítico é usado para inibir trabalho de parto prematuro. Isso é importante porque é comum a paciente que usou tocolítico ter hipotonia depois do parto. Avaliar o uso de sedativos, analgésicos, anticonvulsivantes. Existe a conduta ativa de trabalho de parto. Se está achando que a medida de fundo de útero está muito grande, se tem chance de existir uma desproporção céfalo-pélvica, pode fazer a prova de trabalho de parto. A prova de trabalho de parto é indicada em nulíparas com gravidez a termo, em trabalho de parto, com fetos com volume acima da média e com pólo cefálico ainda não está encaixado, o bebê ainda não insinuou. O objetivo é comprovar se, com contrações adequadas, e sem obstáculos a sua descida o pólo cefálico penetra na bacia e atinge o plano zero de De Lee, dentro de um prazo determinado (2-5h). Normalmente rompe bolsa artificialmente, usa ocitocina, estimula contratilidade uterina. Espera de 2 a 5 horas. Se a apresentação não insinuou, normalmente quer dizer desproporção céfalo-pélvica, e isso é igual a cesariana. A amniotomia (romper a bolsa artificialmente) normalmente tem como condição para ser realizada o pólo cefálico encaixado na pelve materna (com exceção da prova de trabalho de parto). O ideal é, rompeu a bolsa, fica com o dedo lá e deixa o líquido escoar bem devagar para não ter problema com o cordão. É bem comum fazer prolapso de cordão, o cordão vir para fora durante a amniotomia, e aí vira urgência. É obrigatória a ausculta do batimento cardíaco fetal imediatamente após o procedimento. As indicações da amniotomia são prova de trabalho de parto, avaliação do líquido amniótico, e quando precisa fazer monitorização invasiva. As complicações são amniorrexe prolongada (quando fica de bolsa rota um tempo grande e não evolui,e aumenta o risco de infecção), prolapso de cordão umbilical (o líquido, quando o bebê não está insinuado, escorre de uma vez só e o cordão vem junto), ruptura de vasa prévia. O uso de ocitocina é indicado quando tem uma fase ativa prolongada, ou seja, as contrações uterinas são ineficazes, o paciente já deambulou, e não evolui. A dose são 5 U (1 ampola) em 500 mL de soro glicosado. Começa com um gotejamento baixo (12 gotas por minuto) e vai aumentando, sem ultrapassar 40 gotas por minuto. No alívio da dor pode usar peridural contínua. Normalmente a peridural é feita com 5 a 7 cm de dilatação, membrana rota, apresentação cefálica e insinuação completa. Ela alivia as dores, mas altera o padrão de contração uterina, exigindo o uso de ocitocina. Durante o período expulsivo, pode atrapalhar a paciente a realizar a força, aumentando a incidência de fórceps. A meperidina é um medicamento utilizado para alívio temporário das dores, e hoje praticamente não se usa. Se for usado muito no final do trabalho de parto, é comum depressão respiratória no recém-nascido. Banho morno, massagens, geram um alívio da dor. O período expulsivo inicia com a dilatação completa do colo e termina com a expulsão total do feto. Hoje, só se pode considerar período expulsivo quando a parturiente começa a ter puxo espontâneo. Se ela não tem a vontade de fazer força, não se considera período expulsivo. Esse 16 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 período tem duração muito variável. O padrão de contração aumenta muito (5 a 6 contrações de 50 a 60 segundos em 10 minutos), e depende muito da participação da parturiente, porque o que é eficaz mesmo é ela fazer força quando ela sente necessidade. Depende também da resistência dos genitais e da participação da equipe obstétrica. Não é preciso delimitar a duração do período expulsivo pelo tempo, mas sim de acordo com a vitalidade fetal e a exaustão materna. Mas não pode se considerar período expulsivo prolongado para nulíparas quando tem menos de 3 horas e 2 horas para multíparas, considerando o início do período expulsivo quando surgem os puxos espontâneos (“vontade de fazer cocô”). Não houve relação significativa entre duração do segundo período e os índices de APGAR no quinto minuto nem entre a incidência de convulsões neonatais e o aumento da admissão em UTI neonatal. É comum associar período expulsivo prolongado com sofrimento fetal agudo, mas hoje se sabe que não é assim que funciona. Na assistência clínica à expulsão, a literatura convencional diz que a paciente fica na posição ginecológica, faz-se anestesia, porque na maioria das vezes se faz episio. No parto humanizado a parturiente escolhe a posição mais confortável, se usa método de analgesia não farmacológica, e a episiotomia não é realizada. O que se tem de evidência científica hoje é que a episiotomia não deve ser rotina. É preciso fazer a ausculta dos batimentos cardíacos fetais a cada 5 minutos. O obstetra deve aguardar puxos maternos, não adianta ficar mandando fazer força. O clampeamento do cordão deve ser feito em até 3 minuto, exceto se mãe HIV positivo ou Rh-. A manobra obstétrica de Kristeller (subir na barriga da parturiente e fazer força) não é mais indicada. A manobra de Ritgen é auxiliar a deflexão do pólo cefálico, fazendo proteção perineal é mais na literatura clássica. Auxiliar na restituição e delivramento dos ombros (manobra de McRoberts, figura ao lado), principalmente quando tem distócia de ombros. É uma manobra eficaz. Ocitocina, episiotomia e fórceps devem ter a necessidade avaliada. O fórceps vai ser usado quando tiver sofrimento fetal agudo caracterizado no período expulsivo. A episiotomia é uma incisão no períneo para ampliar o canal de parto. Existem vários tipos: mediana, médio-lateral direita e médio-lateral esquerda. Cada uma vai ter sua indicação, seus prós e contras. Hoje a recomendação é episiotomia seletiva. Um bom serviço não deve ultrapassar a taxa de 10% de episiotomias. Ela deve ser usada para evitar lacerações maternas graves ou facilitar partos difíceis. A maioria das lacerações são muito leves, não justificam a episiotomia. O período de dequitação é o período de saída da placenta. Ele começa imediatamente após o desprendimento total do feto e termina após a saída da placenta. Dura entre 15 e 30 minutos. Não precisa fazer manobra intepestiva para tirar a placenta, como tracionar o cordão. Normalmente vai apoiar a mão no fundo do útero, avaliando a consistência. Deixar pender o cordão para baixo e, na medida em que a placenta vai exteriorizando, vai rodando ela (manobra de Jacob-Dublin), e o próprio peso dela faz ela desprender. Assim que ela sair, fazer uma inspeção nela, para ver se não ficou resto de membrana lá dentro. A OMS recomenda o uso de 10 UI de ocitocina (IM) para reduzir a incidência de hemorragia no pós-parto. Fazer uma avaliação cuidadosa do canal de parto, ver se não está ficando nenhuma 17 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 laceração para trás, para evitar hemorragia. Se foi feita episiotomia, fazer episiorrafia, por planos. Suturar se tiver laceração. O período de observação é quando é mais frequente de acontecer hemorragia. É importante nesse momento perceber que o sítio onde a placenta estava sofre uma miotaponagem. O útero fica duro porque está muito contraído, o que se chama de ligaduras vivas de Pinnard. Manter a paciente sob observação até uma hora após o parto, usar analgésico, gelo em vulva, principalmente se tiver laceração, episio. Isso evita hematoma, alivia a dor. Avaliar hemorragia puerperal, involução uterina e o estado geral da paciente. 18 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 MECANISMO DO PARTO O mecanismo do parto estuda os movimentos passivos do concepto durante o trabalho de parto, que visam adaptar os diâmetros fetais aos pélvicos, e esses movimentos são impulsionados pela contratilidade uterina, além dos músculos da parede abdominal. No móvel, existe o ovóide cefálico, que é a parte de maior dificuldade de passagem, porque é formado pelos ossos da calota craniana, que têm menor capacidade de adaptação, e o ovóide córmico, em que os diâmetros são mais facilmente redutíveis. O tronco, com a redução do diâmetro bitrocantérico, a partir do momento em que os braços se aconchegam sobre o tórax, e os membros inferiores se aconchegam também sobre o tórax, com a coxa fletindo sobre o tronco e a perna sobre a coxa, reduzindo então os diâmetros do ovóide córmico. O canal do parto começa na vagina e vai até a fenda vulvar. Durante o trabalho de parto, o colo se dilata e se apaga, a dilatação chegando a 10 cm. Esse caminho é formado por partes mole e estrutura óssea da mãe, que é a pequena bacia. A pequena bacia é a parte óssea do trajeto do parto, e ela tem como limite superior o estreito superior, que vai do promontório à borda superior da sínfise púbica, e o limite inferior, ou estreito inferior, vai da borda inferior da sínfise púbica até a ponta do cóccix. Os diâmetros que formam essa bacia são: a conjugata vera anatômica vai da borda superior da sínfise até o promontório (11 cm), a conjugata vera obstétrica vai da borda posterior da sinfise púbica até o promontório (10,5 cm), a conjugata diagonalis vai da borda inferior da sínfise púbica até o promontório (12 cm), e da borda inferior da sínfise púbica até o cóccix (9,5 cm na posição original e 11 cm com a passagem do concepto e retropulsão do cóccix). Se o concepto chega no limite superior da pelve com um diâmetro maior que 10,5 cm ele não passa. Por isso a flexão da cabeça é fundamental. A apresentação mais comum é a cefálica, fletida, em que o diâmetro que se apresentaao estreito superior da pelve materna é o suboccipito-bregmático, que mede 9,5 cm. Se ele tem algum grau de deflexão, a cabeça do bebê não passa pela pelve. Os tempos do mecanismo do parto começam com a insinuação, ou encaixamento, em que cabeça do bebê já está dentro do osso púbico, passou o estreito superior. A maior circunferência da apresentação passa pela área do estreito superior. Com isso, ao palpar o abdome materno, não se consegue mobilizar a cabeça, ela já está fixa, encaixada no osso. Essa insinuação só é possível com a redução do diâmetro da cabeça. Para reduzir, o feto que está com a cabeça em posição indiferente (ligeiramente defletida, apresentando à pelve o diâmetro 19 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 occipito-frontal, que mede 12 cm) tem que fazer uma flexão completa. À medida em que a sutura sagital é orientada no sentido do diâmetro oblíquo esquerdo anterior (na maior parte das vezes) ou transverso e a cabeça se flexiona mais, a cabeça consegue se encaixar. Normalmente, a variedade de posição em que ocorre o encaixamento ou insinuação é o occipito anterior esquerdo ou occipito transverso (lembrando que a referência é a fontanela lambdóide e sua relação com o púbis). O maior eixo do ovóide toma a direção do canal do parto, ou seja, o feto se alinha com a direção do canal do parto. No momento em que o feto está insinuado, o ponto mais baixo da apresentação está na altura das espinhas ciáticas (plano zero de De Lee). A insinuação nas primíparas acontece antes do início do trabalho de parto. Já na multípara, a insinuação ocorre no curso do trabalho de parto. A cabeça pode se insinuar em occipito anterior esquerdo ou transverso. Quando a cabeça se insinua em transverso, ela se insinua através do movimento de assinclitismo. Além da flexão, ela faz um movimento de lateralização, para que entre no estreito superior uma metade de cada vez, uma das metades do crânio desce antes da outra. Quando o primeiro parietal a entrar é o anterior, chama-se de assinclitismo anterior, ou obliquidade de Nägele. Quando o primeiro parietal a entrar é o posterior, chama-se assinclitismo posterior, ou obliquidade de Litzmann (figura abaixo). Qual parietal entra primeiro não faz diferença na prática. O importante é esse movimento, que é fisiológico, para facilitar a insinuação transversa. Então, os movimentos que permitem a insinuação do feto são a flexão e, no caso da apresentação transversa, a lateralização ou assinclitismo. Depois da insinuação acontece a descida. O feto vai se aprofundar mais no canal do parto. Nesse momento, a cabeça enche a escavação pélvica e roda. Chama-se de movimento turbinal ou penetração rotativa. Ele não desce reto, ela vai rodando e descendo. À medida em que ele vai penetrando mais na pelve, ele também vai rodando. De occipito anterior esquerdo ou transverso ele roda para occipito anterior. Nesse momento, o ápice da cabeça atinge o assoalho pélvico. A circunferência máxima já está no estreito médio. A rotação interna da cabeça é quando a sutura sagital vai para o sentido ântero-posterior. Ela precisa estar nesse sentido para a cabeça se desprender na hora do parto. A cabeça distende a musculatura do diafragma pélvico, e isso dá à mãe uma vontade maior de fazer força para expulsar, pelo estímulo no assoalho pélvico. A sutura sagital está em AP. A pequena fontanela ou fontanela 20 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 lambdóide está em relação direta com o púbis (occipito púbico ou occipito anterior), e a grande fontanela voltada para o sacro. Nesse momento em que a cabeça desce, o ombro desce também. No mesmo momento em que a cabeça roda para ântero-posterior, os ombros vão entrar no estreito superior da bacia. Eles entram normalmente em diâmetro transverso em relação à pelve da mãe. O diâmetro normal biacromial é de 12 cm, é incompatível. Mas é mais fácil fazer a redução, é só o ombro se aconchegar mais sobre o tórax. No momento em que o ombro entrou na pelve, a região sub-occipital do bebê fica sob a arcada púbica, e vai sofrer uma deflexão e um movimento de báscula. Logo depois que a cabeça nasce (e nesse momento pode ser necessário ajudar a direcionar durante a assistência ao parto), ela faz um ligeiro movimento de flexão (pela própria gravidade) e ela vai rodar para o lado em que ela estava lá dentro da pelve antes de fazer a rotação interna, ou seja, vai rodar para a posição em que estava no momento da insinuação (occipito anterior esquerdo, na maioria das vezes, ou transverso). Isso ocorre para que os ombros também façam a rotação interna. Nesse momento em que há a rotação externa da cabeça vai haver uma rotação interna das espáduas. A cabeça já tem uma tendência a fazer essa rotação, mas pode ser necessário ajudar. O ombro, que estava em oblíquo ou transverso, vai ficar em ântero- posterior. O ombro nasce em ântero-posterior. O ombro anterior fica sob a arcada púbica e o posterior em relação ao assoalho pélvico. Para o desprendimento do ombro também é preciso dar assistência. O primeiro ombro a soltar é o ombro anterior. O obstetra está segurando a cabeça do bebê pelo pescoço, e faz um movimento para baixo, para soltar o ombro anterior, e depois para cima, para soltar o posterior. O quadril e as pernas saem com facilidade (segurar para não escorregar). À medida em que o ombro se desprende, a mão do obstetra vai escorregando pelo corpo para pegar o pé. 21 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 22 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 PUERPÉRIO NORMAL E PATOLÓGICO O puerpério é uma fase muito importante. É um período que inicia logo após o parto, e o fim, para a maioria dos autores, é 6 semanas após o parto. Todas as alterações que ocorreram durante a gestação vão voltar nessa fase. Pode ser dividido didaticamente em puerpério imediato, do primeiro ao décimo dia, puerpério tardio, do 11o ao 42o dia, e puerpério remoto, que vai além do 43o dia. O útero, imediatamente após o parto, está no nível da cicatriz umbilical. Ele vai involuindo em torno de 1 cm ao dia. O útero nessa fase tem uma consistência firme, mostrando que ele está normocontraído. Esse tônus uterino endurecido é chamado de globo de segurança de Pinard. O que ajuda na involução uterina é a amamentação. Com a sucção, libera ocitocina, e a mulher vai tendo contrações uterinas, fazendo a involução ser mais eficaz e mais rápida. O colo uterino, imediatamente após o parto, está com 4 cm, mas ele vai retornando e, após uma semana, ele já está com em torno de 2 cm. O orifício fica com um aspecto em fenda. A vagina durante a gestação fica mais edemaciada, atrófica, congesta. A recuperação de todas essas alterações que ocorreram na gestação vai ocorrer até por volta do 25o dia. Nas mulheres que amamentam, essa atrofia tende a regredir após o término da amamentação. Na mulher que teve parto vaginal, o hímen vai se apresentar, após o parto, com carúnculas multiformes ou mirtiformes. O epitélio escamoso de revestimento da vagina vai sofrer uma descamação, que é chamada de crise vaginal, e ocorre logo após o parto. O trato urinário, sob a ação principalmente da progesterona, mas também do estrogênio, sofre um relaxamento das paredes da bexiga e ureter, uma hipotonia. Por isso também a gestante tem uma chance maior de infecções do trato urinário. Essas alterações regridem em por volta de 2 a 8 semanas após o parto. Nas mamas, a lactação pode ser dividida em mamogênese ou crescimento e desenvolvimento mamário, lactogênese ou início da secreção láctea, e lactopoiese, que já é a presença do colostro e a produção láctea continuada. A ejeção do leite, ou descida, pode demorar até 72 horas na paciente queteve parto cesáreo. Os lóquios são a descamação e descida endometrial que ocorre após o parto, aquele sangramento. Inicialmente ele é vermelho, sanguinolento (rubros). Depois, por volta do sétimo dia ele já está mais claro, seroso. Em torno do 15o dia, ele já está branco ou amarelo claro e passa a ser chamado lóquios alvos. Os cuidados no puerpério imediato, nas primeiras horas após o parto, é importante verificar sinais vitais, como pulso, PA, temperatura, FC e sangramento vaginal (muito importante, porque se tiver sangrando muito tem que ver o motivo). Avaliar o tônus uterino, ele deve estar contraído, na altura da cicatriz umbilical. Estimular a deambulação precoce. A amamentação deve ser estimulada imediatamente após o parto. Fazer os cuidados antissépticos da ferida operatória ou episiotomia. No parto cesáreo o que se orienta é álcool 70, não precisa ficar tampando aquela região. Retirar os pontos com 10 a 15 dias de pós-parto. Quando a paciente foi submetida a episiotomia, orienta-se a lavar com água e sabão e os pontos caem de forma espontânea. Analgésicos e sulfato ferroso (40 mg de ferro elementar até 60 dias pós-parto) 23 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 devem ser orientados no pós-parto imediato. A revisão puerperal deve ser feito na primeira semana de pós-parto, e é feita a mesma avaliação. Na revisão puerperal tardia, com 30 a 40 dias, deve-se orientar a paciente ao retorno de suas atividades (físicas, sexuais), a ter um dieta adequada e continuar o sulfato ferroso até 60 dias. O mais importante é orientar a contracepção2. O intervalo interpartal deveria ser de pelo menos 2 anos entre uma gestação e outra. Não pode usar estrogênio nessa fase, porque pode interromper a lactação ou passar para a criança. Só pode usar anticoncepcionais com progesterona. O que mais se usa é o desogestrel 75 mcg, de forma contínua, e a mulher fica sem menstruar com ele. Outra opção seria o injetável trimestral, o acetato de medroxiprogesterona de 150 mcg, e a paciente também fica sem menstruar. Pode ser usado ainda o DIU de cobre ou o DIU Mirena, que tem hormônio, mas só de ação local e não sistêmica, e por isso é seguro. PUERPÉRIO PATOLÓGICO As complicações puerperais mais comuns são hemorragia pós-parto, infecções, doenças tromboembólicas, alterações mamárias e alterações do humor. As hemorragias pós-parto são as complicações mais graves que podem acontecer. A hemorragia precoce é aquela que ocorre até 24 horas após o parto, e a tardia a que ocorre de 24 horas até 6 a 12 semanas. Hemorragia pós-parto é um sangramento maior que 500 mL no parto vaginal ou maior que 1000 mL no parto cesáreo. É difícil de quantificar, mas é qualquer sangramento que leve a uma instabilidade hemodinâmica na paciente. É preciso tratar imediatamente essa paciente, senão ela pode evoluir para choque hipovolêmico. As 4 principais causas (4T) são tônus (atonia ou hipotonia, 70% das causas; na paciente que está sangrando muito a primeira coisa a fazer é colocar a mão na barriga dela, porque o que é mais grave e pode levar a mulher ao óbito é uma atonia ou hipotonia; se o útero está contraído tem tempo para agir, não precisa correr), trauma (lacerações do trato genital inferior, 20% dos casos), tecidos retidos (9%), trombina (coagulopatias, 1%). Placentação anormal é a implantação da placenta de maneira anormal no útero. Na placenta normalmente implantada se delimita bem o endométrio. A placenta acreta é aquela que já atinge o miométrio. A increta já invadiu o miométrio e a percreta já atravessou o miométrio, atingiu serosa. Os fatores de risco são histerotomia prévia (qualquer paciente que já tenha feito alguma cirurgia uterina, seja cesariana ou outra, porque há o risco da placenta implantar naquela cicatriz uterina), placentação anormal prévia, tabagismo (tende a provocar que a placenta fique mais retida, aderida a planos profundos), multiparidade. 2 Existe a amenorreia da lactação, em que teoricamente a mulher não ovula enquanto está amamentando, mas isso não é tão seguro, porque algumas ovulam. Na mulher que não amamenta, ela pode voltar a ovular com 6 semanas. 24 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 A principal causa é a atonia uterina, que é a contração ineficaz do miométrio. A principal indicação de histerectomia pós-parto é a atonia ou hipotonia uterina. Os fatores de risco são hipotensão arterial (às vezes pela própria anestesia), anestesia geral (causa relaxamento de todos os músculos, inclusive da musculatura uterina), superdistensão uterina (gestações gemelares, polidramnia, fetos macrossômicos), multiparidade, trabalho de parto prolongado (o útero entra em fadiga), parto precipitado, atonia uterina prévia, corioamnionite (infecções). O tratamento começa com as medidas gerais. A primeira coisa é fazer um acesso venoso calibroso, com 2000 a 3000 mL de soro fisiológico ou ringer lactato. Faz-se reserva de hemoderivados (nem sempre vai precisar). Coloca-se sonda vesical de demora para controlar o débito urinário. O mais importante, a medida que realmente salva a paciente, é a massagem uterina. Tem que ter alguém massageando o útero durante todo o procedimento. Na manobra de Hamilton uma mão é introduzida na vagina, e a outra vai pelo abdome, comprimindo o útero para ver se ele volta a contrair. Existem drogas que são uterotônicas, que estimulam a contração uterina. Pode fazer de 10 a 40 UI de ocitocina e correr de maneira rápida no soro de 1000. A metilergonovina é outra medicação, que pode usar 0,2 mg via intramuscular (contraindicada em pacientes cardiopatas e hipertensas). O misoprostol é uma prostaglandina que também estimula a contração uterina, e pode fazer por via retal (800 a 1000 mcg). Se nada disso resolver, o tratamento é cirúrgico. No tratamento cirúrgico, pode-se fazer a sutura compressiva do útero (B-Lynch), que é um procedimento difícil, é preciso ter experiência para fazer. Nada mais é do que dar pontos no útero, da região anterior à posterior, com o intuito de comprimir o útero para ver se estimula a contração uterina. Isso tudo é para tentar preservar o útero da paciente. Pode tentar ligadura de artéria hipogástrica, ligadura de artéria uterina, para tentar diminuir o fluxo para o útero e diminuir a hemorragia. Se nada disso surtir efeito, tem que histerectomizar. Hoje o Ministério da Saúde recomenda, para todas as pacientes, seja no pós-parto vaginal ou de cesariana, a profilaxia de atonia ou hipotonia uterina com 10 UI de ocitocina IM. Os restos ovulares são outra complicação que provoca hemorragia puerperal (cotilédones avulsos, acretismo placentário: placenta aderida). Pode-se fazer uma medida simples, uma curagem com a própria mão para retirar o excesso, ou então curetagem uterina. As lacerações podem ser no fundo vaginal, não estando tão visível, ou perineais, ou do colo. O tratamento é com sutura das lacerações. E as coagulopatias são causas mais raras. Outra complicação são as infecções puerperais. O primeiro sinal muitas vezes é a febre. Mas é preciso entender o que é a febre puerperal, porque muitas vezes no pós-parto imediato a mulher tenha uma febrícula. Febre puerperal é tempertura axilar maior ou igual a 38o por 2 dias consecutivos, nos primeiros 10 dias pós-parto, excluídas as primeiras 24 horas (porque nessas primeiras 24 horas é comum ter febre e não ser infecção). Vai haver a contaminação da cavidade uterina com bactérias da flora vaginal ou da pele, que é o mais comum. A mais comum é a endometrite. Ela é muito precoce, ocorre com 3 a 4 dias de pós-parto. 25 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Normalmente ela surgena área de implantação da placenta. Essa paciente vai ter febre, dor à palpação abdominal. Ela vai estar, ao toque, com o útero amolecido, doloroso. Quando faz a mobilização do colo do útero ela sente muita dor. Ela tem lóquios (sangramento) fétidos. Vai ter leucocitose com desvio à esquerda. A principal causa de endometrite é o parto cesariano. O principal fator predisponente é cesariana (o mais frequente), mas também pode ser virulência da flora bacteriana, trabalho de parto prolongado + bolsa rota + toques vaginais frequentes, antissepsia inadequada, obesidade, infecções maternas (ITU), diabetes mellitus, anemia/estado nutricional (desnutrição), técnica operatória. Os agentes causadores podem ser polimicrobianos. A mais prevalente é a E. coli, que é a principal responsável pelo choque séptico. Geralmente são aeróbios, ou anaeróbios, ou a Clamídia (presente na flora vaginal, é mais responsável por infecções mais tardias). O diagnóstico da endometrite é clínico, não precisa de exames. Pode pedir um leucograma, exame de urina (comum de ter ITU porque a mulher é sondada no parto cesáreo). Exames de imagem só em caso de estar pensando em um abscesso, não resolveu com o tratamento clínico. O tratamento é feito com aminoglicosídeo + anaerobicida. O padrão-ouro é gentamicina 5 mg/kg Ev em dose única diária + clindamicina 600 mg EV de 8/8 horas. Outras infecções que fazem diagnóstico diferencial são pelviperitonite, abscesso pélvico, sepse, infecções perineais, celulite, tromboflebite pélvica séptica (quando começa o tratamento para endometrite, a paciente tem melhora clínica mas continua fazendo picos febris; fazer heparina para a trombose), infecções do trato urinário, complicações respiratórias. A profilaxia da endometrite é feita com cefalotina ou cefazolina. É feita à incisão da pele (2 g EV) na cesariana, pelo anestesista. As doenças tromboembólicas (trombose venosa profunda, tromboembolismo pulmonar) são menos frequentes. É mais na frequente nas pacientes que já têm predisposição. Heparina profilática no pós-parto imediato não é indicada na maioria dos serviços. Nas alterações mamárias, o ingurgitamento mamário é uma complicação muito frequente, em que a mama fica endurecida. Isso acontece porque a mulher está produzindo muito leite e a criança não está dando conta desse volume, a oferta está sendo maior que a demanda. Tem que fazer a ordenha dessa mama. Não pode deixar, porque senão pára a produção de leite. Outra maneira é colocar bolsa de água fria, para diminuir um pouco a produção que está em excesso. Outra complicação são as fissuras mamilares, pela pega errada do bebê. O bebê tem que abocanhar toda a aréola. Orientar a pega correta, evitar higiene excessiva da mama. Outra medida é expor as mamas ao sol. Nenhuma das alterações mamárias devem levar a mulher a parar de amamentar. A mastite é uma complicação infecciosa. A mama fica endurecida, tem sinais flogísticos. A mulher vai ter alterações sistêmicas, como febre alta, prostração. O principal agente que causa a mastite é aquele que está na boca do bebê ou na pele, que é o Staphilococcus aureus. O tratamento é com compressa fria, uso de analgésicos, antiinflamatórios, antibiótico (cefalosporina de primeira geração trata muito bem, normalmente cefalexina 500 mg de 6/6 horas por 7 a 10 dias). Todos os autores dizem que a paciente pode continuar amamentando, 26 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 mas é questionável. O abscesso mamário na maioria das vezes é uma mastite que evoluiu, e aí tem que drenar. As alterações de humor principais são o episódio transitório (blue puerperal), depressão pós- parto e psicose pós-parto. O blue puerperal é autolimitado. A paciente fica, no pós-parto imediato, principalmente quando é primeiro filho, com labilidade emocional, mais ansiosa, mais nervosa, com choro fácil. Não afeta as atividades da paciente. Inicia no puerpério imediato (quarto ou quinto dia pós-parto). A primiparidade é a principal causa. O tratamento é suporte familiar. A depressão pós-parto tem início mais tardio que o blue. Pode ser um blue que não resolveu e evoluiu. Tem duração variável e etiologia desconhecida. Ocorre em 10 a 15% dos casos. A paciente que já tem uma história de depressão pode ter uma depressão pós-parto, porque é uma fase em que ela vai ficar mais vulnerável. Se ela tem eventos traumáticos na gravidez (perda de familiar, óbito fetal) pode predispor também. A principal causa é a separação do recém-nascido. Os sintomas são humor disfórico, pessimismo, perda de prazer, insônia ou hipersonia, anorexia ou hiperfagia, sentimentos de culpa, idéias suicidas. Aqui, além do suporte familiar, tem que entrar com medicação, psicoterapia. A psicose pós-parto é um quadro grave, sendo a principal causa de infanticídio. A criança tem que ser separada da mãe. Ela tem quadro de paranóia, alucinações, desorganização dos pensamentos. Tem que fazer antipsicótico, às vezes estabilizador de humor. 27 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 PARTOGRAMA O partograma é a representação gráfica do trabalho de parto. Ele sintetiza várias informações importantes, e a partir dele pode se acompanhar e documentar a evolução do parto, diagnostiar alterações, indicar a tomada de condutas apropriadas para correções de desvios. Ele ajuda a evitar intervenções desnecessárias. A OMS propõe que ele seja obrigatório em toda maternidade. Não é utilizado para partos domiciliares ou acompanhados por pessoas não treinadas em obstetrícia. Ele também não é usado na vigência de complicações que impliquem em uma ação imediata. O partograma é iniciado quando se identifica que a gestante está na fase ativa do trabalho de parto. Sabe-se que a paciente está na fase ativa do trabalho de parto quando ela tiver de 2 a 3 contrações eficientes em 10 minutos, com dilatação cervical mínima de 3 a 4 cm. A fase ativa é dividida em 3 fases principais: fase de aceleração, fase de inclinação máxima e fase de desaceleração. Geralmente na fase de desaceleração é que começa de forma mais intensa a ocorrer a descida do bebê. No eixo X do partograma são colocadas as horas, tanto a hora real quanto o tempo de atendimento. No eixo Y, à esquerda há a dilatação cervical (de 1 a 10) e à direita há a descida da apresentação (nos planos de De Lee e Hodge). A dilatação cervical é representada na forma de um triângulo, e a apresentação e variedade de apresentação na forma de uma circunferência. São traçadas duas linhas no partograma: a primeira é a linha de alerta, que é desenhada a partir da primeira hora seguinte à dilatação cervical inicial. A segunda linha, a linha de ação, é traçada 4 horas depois da linha de alerta, paralela a ela. Elas permitem acompanhar a dilatação, para ver se está normal ou não. O normal é o parto acontecer à esquerda da linha de ação. Se a dilatação ultrapassa a linha de alerta, ainda está normal, mas é um sinal para acompanhar mais de perto. Se ultrapassa a linha de ação, é necessário tomar uma conduta médica (não necessariamente cirúrgica). 28 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 29 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 No partograma ainda se registram as condições das bolsas d’água e do líquido amniótico. O Ministério da Saúde recomenda que o toque seja realizado a cada duas horas. Além disso, a parte de baixo do partograma dá informações sobre a frequência das contrações, dos batimentos cardíacos fetais, da administração de medicamentos, e se foi realizado algum procedimento. Os partos disfuncionais são divididos em 2 grandes grupos: as distócias no período de dilatação e as distócias no período pélvico. Fase ativa prolongada (pág. 30) Na fase ativaprolongada, a dilatação está ocorrendo, mas está muito devagar, menos de 1 cm/h. O normal seria acima de 1,2 cm/h. A principal causa é a hipocinesia uterina ou discinesia. Para corrigir, pode-se estimular a deambulação (às vezes basta isso para acelerar o processo do parto), fazer administração de ocitocina ou fazer a rotura artificial da bolsa das águas. Parada secundária da dilatação (pág. 31) Ao toque, não há evolução da dilatação em 2 toques sucessivos com intervalo de duas horas ou mais. Normalmente, a causa principal é a desproporção céfalo-pélvica. Nesse caso, não tem outro jeito senão fazer o parto por via alta (cesárea). Repare na figura que os batimentos cardíacos fetais começam a cair, e o líquido amniótico estava com mecônio, sinais de sofrimento fetal. Parto precipitado (pág. 32) Nesse caso, a dilatação cervical completa, a descida e a expulsão do feto ocorrem num período menor do que 4 horas. Pode ser um útero hipercinético fisiológico, ou pode ser por causa da administração inadequada de ocitocina. Pode ocorrer sofrimento fetal e pode ter laceração do trajeto. A conduta vai ser suspender a infusão de ocitocina, se essa for a causa, e fazer uma revisão detalhada do canal do parto após a dequitação, em busca de lacerações que podem trazer complicações no futuro. Note a hipercinesia representada pela quantidade de contrações. Período pélvico prolongado (pág. 33) A velocidade da dilatação está normal, mas o bebê está descendo muito devagar. Em dois toques sucessivos, ele desceu menos do que devia ou não desceu. A principal causa é a contratilidade uterina deficiente. Isso pode ser corrigido com administração de ocitocina ou rotura artificial das membranas. Em alguns casos o uso do fórceps pode ser indicado. Parada secundária da descida (pág. 34) O bebê não está descendo mais. Em 2 toques sucessivos, com intervalo de uma hora, com a dilatação completa, não há evolução da descida. A principal causa é a desproporção céfalo- pélvica, relativa (a cabeça do bebê se encontra em uma posição inadequada para a descida) ou absoluta (a cabeça do bebê é maior do que a pelve materna). Da mesma forma, a correção é com cesariana. 30 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 31 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 32 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 33 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 34 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 35 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 MODIFICAÇÕES NO ORGANISMO MATERNO Uma gestante pode apresentar constipação fisiologicamente. Nesse caso, recomendar a ela ingerir mais fibras, beber mais água e praticar exercícios físicos. Evita-se muito medicar uma gestante. Ingerir laticínios e evitar doces. Uma gestante com intolerância a lactose tem que repor com 1000-1300 mg de cálcio por dia. Esse aporte de cálcio é devido a formação do esqueleto fetal. Como atividade física, o obstetra costuma recomendar muito a hidroginástica pois não tem ação da gravidade e relaxa a gestante. A grávida pode apresentar uma postura antálgica, uma marcha anserina para compensar o peso do feto e dores cervicais e lombares. Evita dar anti-inflamatório pois pode levar a oligodramnia, entre outros. A lombalgia se corrige com atividade física, pilates, recomendações. O máximo que a gestante pode engordar são 12 kg, ou seja, 1-1,5 kg por mês. Se engordar muito pode dar a lombalgia. O que causa as modificações no corpo da mulher são fatores hormonais e mecânicos. Um exemplo hormonal é o estrogênio fazendo crescer a mama. Um mecânico é a condição de volume abdominal que a faz mudar a marcha. Na gestante, as relações entre o calcitriol e o paratormônio (PTH) são inversamente proporcionais. O estrogênio faz a mão da gestante ficar avermelhada (eritema palmar). Podem surgir telangiectasias no corpo. A linha alba pode escurecer pela ação do estrogênio, progesterona e MTH. A gestante não pode expor a face ao sol sob o risco de surgir melasmas (deve usar então filtro solar). As mamas devem ser expostas ao sol (mínimo 10 minutos) para o mamilo engrossar e a criança ao sugar não formar rágades no mamilo da mãe. Os tubérculos de Montgomery são hipertrofia de glândulas sebáceas para manter o mamilo mais úmido. Não se deve espremê-los. Nas mamas congestas pode-se ver congestão venosa, a rede venosa de Halley (ação do estrogênio, progesterona e prolactina). Quanto ao metabolismo, ocorre deposição de gordura máxima em torno de 30 semanas. Há aumento de resistência insulínica (é máxima entre 24-28 semanas). Isso ocorre pra glicose “sobrar” pro feto em difusão facilitada. O feto é um parasita verdadeiro. Grávida faz hipoglicemia facilmente por conta disso. Recomendar alimentação a cada 3 horas. Se a grávida tem baixa reserva insulínica, ela acaba desenvolvendo o diabetes gestacional. O estrogênio, progesterona, cortisol e o hormônio lactogênico placentário são hormônios contrainsulares. Esse efeito diabetógeno é muito comum do LPH que vai mobilizar lipídio em ácido graxo como fonte de energia pra mãe e por isso sobra glicose e aminoácidos pro feto. Após jejuns prolongados, há formação de corpos cetônicos que são muito agressivos ao cérebro fetal. Por isso não deve fazer jejum prolongado. Há hemodiluição por aumento do volume sanguíneo. Em parte é pelos eritrócitos (aumenta 25%) e parte pelo plasma (aumenta 50%), mas o plasma aumenta mais do que os eritrócitos, então há hemodiluição. O rim tende a perder um pouco de proteína na gestante (normal: 300mg proteína/dia). Isso faz com que ela se edemacie pela perda protéica. Aumentam os fatores de coagulação. Há acréscimo de 7,5 L de água, sendo 1,7 L nos tecidos. A filtração glomerular aumenta, mas há aumento de volume de água no corpo materno e isso acontece pela aldosterona que mantem a osmolaridade. Há um hiperaldosteronismo secundário na gravidez. 36 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Há aumento do débito cardíaco pelo maior volume sanguíneo. A pressão cai no início da gravidez. Até 20 semanas, ela se mantêm ou cai um pouco. Pode ser preciso diminuir a dose das que usam anti-hipertensivo. Se tem aumento de volume circulante, a pressão não cai porque há vasodilatação periférica, e isso pode causar hipotensão, lipotimia. Há aumento da frequência cardíaca. O hematócrito cai e a hemoglobina também. Se for gestação gemelar, aumenta ainda mais 33% no volume sanguíneo, o que pode ser muito perigoso na cardiopata. A grávida deitada pode sentir dispneia e isso pode ser solucionado virando a barriga dela pro lado esquerdo. No decúbito dorsal o feto fica em cima da veia cava inferior e prejudica o retorno venoso que prejudica o débito cardíaco. Se ela referir edema, não dá diurético, pois este diminui o intravascular, mas esse edema está no interstício. O intravascular se relaciona com débito cardíaco da mãe e do feto. Orienta o uso de meia elástica de média compressão e prática de exercício físico. Na obstetrícia, a gradação do edema é diferente: + edema MMII, ++ edema MMSS, +++ edema face e ++++ anasarca. Neutrofilia é normal também e não necessariamente significa infecção. Plaquetopenia acontece e é normal. Mas a plaqueta aumenta a sua função, sua adesividade, para compensar. O risco de tromboembolismo é 4-10x maior na gravidez. Quem já teve eventos tromboembólicos devem ser desaconselhadas da gravidez. A hipercoagulabilidade é maior no pós-parto, principalmente pelo 5º-6º dia. Não se deve recomendar que ela fique parada, logo que ela puder ela deve dobrar e esticar as pernas e deambular. Os triglicérides e colesterol aumentam. A gestante não pode usar estatinas, tem que ser resolvido na dieta e atividade física. As hemorroidas e as varizes podem aparecer nagravidez e devem ser tratadas conservadoramente. Evitar cirurgias e medicamentos. A filtração glomerular aumenta, os ureteres e pelve renal dilatam. Se houver hidronefrose, geralmente é à direita pela posição dextrodesviada do útero. Isso não quer dizer patologia, é fisiológico. Há estase da urina, predispondo a infecção. ITU é fator de risco para prematuridade, rompimento de bolsa, amniorrexia prematura, sepse, abortamento. Durante a gravidez devem ser feitos exames de urina e urocultura periódicos. Há mais risco de ITU também porque a grávida apresenta poliúria pela compressão da bexiga pelo útero e um fluxo retrógrado urinário. Há queda de ureia e creatinina séricos pois há maior filtração e eliminação. Glicosúria é fisiológica, assim como proteinúria. É comum congestão nasal, hiperemia, rinite, sangramento nasal e gengival. Não pode usar vasoconstritor. Há aumento do trabalho respiratório e do volume inspirado e expirado. Acontece da grávida focar a atenção na respiração e isso “favorecer” uma dispneia, basta orientá-la. Com mais O2, tende a fazer alcalose, mas isso não acontece porque ocorre excreção de HCO3-. No período de dilatação, a grávida faz taquipneia. No período expulsivo, ao fazer força para expulsar o fato ela faz uma pequena acidose. Náuseas e vômitos são muito comuns. Para evitar antiemético, recomendar comer a cada 2-3h (poucas quantidades); estômago cheio e vazio podem levar a náuseas e vômitos. Pirose e gengivite também ocorrem. Podem ocorrer estrias, aumento de pelos, melasmas, alopecia, acne e aumento de glândulas sudoríparas. A vagina apresenta fluxo mais abundante. O útero fica macio (sinal de Hegar), aumentado de volume, palpável com 12 semanas de gravidez, dextrovertido. O fundo do útero tem mais actinomiosina que outras regiões, exatamente pro feto “descer”. Com 22 semanas o útero fica mais ou menos no umbigo. Se tiver no fim da gravidez, o útero fica no rebordo costal. 37 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Sinais de probabilidade da gravidez: menstruação atrasada, colo do útero macio, vulva com vestíbulo azulado. Sinais de certeza da gravidez: ausculta do batimento cardíaco (com 12 semanas no sonar e com 20 semanas no Pinard), rechaço fetal intrauterino (sinal de Puzos – o feto rechaça a mão do obstetra ao toque). 38 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 SÍNDROMES HIPERTENSIVAS NA GESTAÇÃO É a doença mais importante da obstetrícia. Ela acomete 10% das primíparas. É a maior causa de morte materna e neonatal. A hipertensão que antecede a gravidez é diferente de pré- eclâmpsia. A pré-eclâmpsia é uma condição específica da gravidez, e é resultado da má adaptação do organismo daquela mulher à gravidez. A hipertensão é quando a PA é maior do que 140x90 mmHg. Deve-se fazer duas medidas com um intervalo de pelo menos 4 horas entre elas. Essa aferição deve ser feita após um tempo de repouso, com a paciente sentada, usando um manguito de tamanho adequado. Deve-se diferenciar hipertensão arterial crônica, pré-eclâmpsia, eclâmpsia, hipertensão arterial crônica superposta por pré-eclâmpsia e hipertensão gestacional. Hipertensão crônica é aquela em que a mulher já tem pressão maior que 140x90 mmHg antes da gravidez. Hipertensão gestacional é quando o aumento da pressão se dá depois de 20 semanas de gestação (lembrando que geralmente a pressão da gestante cai até a 20a semana). A paciente não tem história de hipertensão, e nesse caso não há proteinúria. Normalmente esses quadros se normalizam 3 meses após parto, ou então ela fica hipertensa crônica. A pré-eclâmpsia é quando tem hipertensão com proteinúria (> 300 mg/dia). O primeiro sinal de quem perde proteína é edema3 (a proteína é que segura a água dentro do vaso). O edema já não é mais considerado parte da tríade sintomática característica (porque toda grávida tem algum grau de edema), hoje em dia considera-se apenas a hipertensão + proteinúria. Também considera-se pré-eclâmpsia quando a mulher não tem perda de proteína, mas quando a hipertensão está acompanhada de cefaleia, vista borrada, dor no andar superior do abdome. Nesse caso o prognóstico é pior. A pré-eclâmpsia é leve quando a pressão está entre 140x90 mmHg até 160x110 mmHg, com proteinúria de 300 mg até 2 g. A pré-eclâmpsia grave é pressão maior que 160x110 mmHg, e a proteinúria é maior que 2 g. Às vezes a creatinina está maior que 1,2. Pode ter dor epigástrica, distúrbios visuais, cefaleia, cianose. São fatores de gravidade. Alguns autores dizem que a pré- eclâmpsia grave é quando a proteinúria é maior que 5 g. A eclâmpsia é quando há pré-eclâmpsia associada a convulsão. Aí tem vasoespasmo cerebral, isquemia, edema difuso. Em 50% dos casos, ocorre durante a gestação. Em 25%, durante o parto e em 25% no puerpério. A eclâmpsia tardia é após 72 horas pós-parto, mas isso é muito raro. Nesse caso, pensar em tromboflebite ou trombose cerebral. Existe um tipo de eclâmpsia, a eclâpsia comatosa, que é rara e grave, em que a paciente entra direto em coma, sem convulsionar. Na necrópsia se vê lesões hepáticas extensas. Na pré-eclâmpsia sobreposta a hipertensão crônica há um início agudo de proteinúria com piora da hipertensão. A paciente já era hipertensa, e aí a PA piora e ela começa a perder proteína. A paciente que já é hipertensa tem maior chance de desenvolver pré-eclâmpsia. E aí a PA sistólica está maior que 140, o ácido úrico começa a subir, a atividade de renina plasmática fica menor que 4, e nesse caso há 86% de chance de ter pré-eclâmpsia. 3 É um edema abrupto, que acomete mãos e face. 39 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Quando a mulher engravida, existem duas ondas de invasão de tecido trofoblástico. Uma via é intersticial, e outra é endovascular. Essa via de tecido trofoblástico transforma as artérias espiraladas de baixo calibre em artérias de maior calibre. Isso acontece na mulher saudável. Na mulher com pré- eclâmpsia, com 16 a 20 semanas de gestação, não ocorre a segunda onda de migração endovascular do tecido trofoblástico, e não ocorre modificação das artérias espiraladas, que se mantêm com baixo calibre. O feto vai receber menor aporte sanguíneo, e por isso cresce menos. Isso é igual a sofrimento fetal crônico. Essa placenta produz substâncias que são vasoconstritoras e procoagulantes. Na grávida normal existem substâncias tais que são vasodilatadoras e anticoagulantes. Na pré- eclâmpsia ocorrem alterações no endotélio. Com tem endotélio no corpo inteiro, a doença é sistêmica. Há um aumento de um fator do tipo tirosinocinase, que leva à hipóxia placentária. Na gravidez normal, há fator de crescimento endotelial, que produz óxido nítrico e prostaciclinas. Essas substâncias fazem vasodilatação. Quando tem pré-eclâmpsia tem diminuição desse fator de crescimento endotelial, e faz vasoconstrição. Não se sabe porque (fatores genéticos, ambientais ou outros) há uma placentação defeituosa. Essa placentação defeituosa faz isquemia, libera citocinas pro-inflamatórias, que vão levar a hipertensão, perda de proteína no rim, distúrbios cerebrais, distúrbios hepáticos. Numa placenta saudável a gente tem o fator tirosinocinase que desencadeia a produção dos fatores de crescimento placentários e de crescimento vascular. Eles promovem uma placenta saudável e um endotélio saudável com fatores anticoagulantes e vasodilatadores. Então é tudo para vasodilatar e aumentar o fluxo sanguíneo. A placenta doente vai ter esse fator 40 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 tirosinocinase-símile que ocupa os receptores e esses fatores de crescimento vascular e placentário não irão se formar. Então você vai ter fatorespró-coagulantes e vasoconstritores e uma disfunção endotelial, que é difusa, em maior ou menor grau. Na etiopatogenia há invasão trofoblástica anormal, transformação incompleta das artérias espiraladas, alteração de tolerância imunológica materno-fetal, dano endotelial. Há um fator genético envolvido. A doença tem estágios. Existe um estágio pré-concepcional, de exposição ao sêmen e acumulação de células T regulatórias, que vão fazer a tolerância a antígenos feto-paternos. Na pré-eclâmpsia, no estágio 1 há uma resposta parcial de tolerância materna ao trofoblasto (o sistema imunológico da mãe reconhece o trofoblasto como estranho, liberando citocinas e gerando uma reação inflamatória). O estágio 2 é uma placentação defeituosa e o estágio 3 a reação inflamatória sistêmica com disfunção endotelial. O endotélio defeituoso extravaza líquido, e ela faz edema. Dentro do vaso há pouca água, há hipovolemia (não pode ficar dando diurético). Com a disfunção endotelial, tem menos óxido nítrico, menos prostaciclina (que são vasodilatadores), mais endotelina 1, mais tromboxano A2 (vasoconstritores), maior sensibilidade à angiotensina II (contrário do que ocorre na gravidez normal), mais vasoespasmo, levando a mais hipertensão, que somada à lesão vascular generalizada, leva à hipóxia e às vezes necrose hemorrágica do órgão. No rim há endoteliose capilar glomerular, com perda de proteína. Na grávida normal, há um aumento da filtração glomerular, com queda de uréia, creatinina e ácido úrico em cerca de 50%. Na grávida com pré-eclâmpsia há uma queda da filtração glomerular em cerca de 40% em relação à gravidez normal, e aí os níveis de uréia e creatinina podem ficar próximos aos de mulher não grávida. Ácido úrico acima de 5,5 é sinal de gravidade. No fígado pode dar necrose hemorrágica, depósito de fibrina, aumento de enzimas hepáticas, dor no andar superior do abdome. Existem duas teorias para explicar a convulsão. Uma que é há redução do fluxo sanguíneo cerebral, com isquemia, edema e eventual infarto de tecido. A outra é pela elevação brusca da PA, causando ruptura da pressão distal, com aumento da pressão hidrostática, hiperperfusão, extravazamento de plasma e hemácias, determinando edema. Ou seja, o que mata a mulher é hemorragia cerebral. Por isso é preciso segurar a PA, não deixar ela subir. No útero, o feto tem crescimento restrito, com sofrimento fetal crônico. Se a criança está com pouco crescimento, pouco aporte sanguíneo, ela faz oligodrâmnio. A circulação fica reduzida, causando infartos na placenta. Às vezes descola mais a placenta que numa gestação normal. Quando a paciente tem um descolamento prematuro de placenta (DPP), atrás dela vai formando um coágulo tentando parar aquela hemorragia. Nos casos mais avançados, aquele coágulo vai infiltrando pela camada muscular do útero. O útero, quando tira o bebê, o que faz ele parar de sangrar é a contração, que comprime os vasos sanguíneos, fazendo parar o sangramento. Esse útero não contrai. O que vai ter que fazer é uma histerectomia. Esse é o famoso útero de Couvelaire. O fluxo sanguíneo nessa mulher não é contínuo. Como o endotélio está alterado, as hemácias esbarram nesse endotélio, ficando alteradas (esquizócitos), e fazendo muita hemólise. Essas mulheres ficam anemiadas mesmo sem terem tido hemorragia. 41 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Na síndrome HELLP existe hemólise, com anemia, aumento das enzimas hepáticas, presença de esquizócitos. No Doppler da artéria umbilical e artéria cerebral, muitas vezes vai ser ver o fenômeno de centralização, em que o organismo do feto joga o sangue todo para o cérebro, em detrimento de outros órgãos. Há um aumento de fluxo para o cérebro. Na eclâmpsia a morte ocorre por hemorragia cerebral. É a primeira causa de morte. A segunda causa de morte é o edema agudo de pulmão. Os fatores de risco para ter eclâmpsia são história familiar, hipertensão prévia, pré-eclâmpsia anterior, obesidade (se uma mulher chega no consultório falando que já perdeu um filho e está acima do peso, a primeira providência é mandar ela perder peso com dieta e exercício), diabetes, gemelar, anticorpo antifosfolipídeo, doença renal, proteinúria, mulher com mais de 40 anos. A pré-eclâmpsia é fator de risco para doença coronariana, AVC e doença cardiovascular (8 vezes mais risco em quem tem pré-eclâmpsia grave). Uma paciente com pré-eclâmpsia leve não precisa internar. O antihipertensivo a usar é a metildopa (1.000 mg/dia). A paciente deve fazer repouso (diminui a atividade do sistema nervoso simpático, diminuindo a PA; aumento o fluxo sanguíneo uterino; aumenta o fluxo sanguíneo renal, aumentando a filtração glomerular, a diurese e a eliminação de sódio). Se a PA diastólica passar de 110 mmHg tem que internar. Na pré-eclâmpsia grave tem que internar a paciente. Tratar a hipertensão aguda, com hidralazina., 1 ampola de 20 mg em 1 ml diluída em 19 ml de água destilada, e fazer 1 ml a cada 30 minutos. Monitorar a cada 30 minutos e, se não melhorou, fazer mais 1 ml. Pode fazer isso 6 vezes. Se não tem hidralazina, pode dar nifedipina por via oral, 1 comprimido de 10 mg, podendo repetir a cada 30 minutos, no máximo 5 comprimidos. Não pode fazer a pressão baixar demais, porque ela já está hipovolêmica, e pode gerar isquemia. A PA deve ficar lá por 90/100. A droga que vai salvar o cérebro da mulher é o sulfato de magnésio. Ele não tem ação antihipertensiva, mas previne ou controla as convulsões. Ele faz vasodilatação no cérebro, protegendo-o da convulsão. Além disso, o sulfato de magnésio também protege o cérebro fetal. A dose terapêutica é de 4,5 a 7,5 mEq/L. Na dose tóxica (10 mEq/L) ela perde reflexo patelar, mais um pouco (15 mEq/L) ela entra em parada respiratória e (com 25 mEq/L) parada cardíaca. Geralmente é preciso ter gluconato de cálcio perto, que é o antídoto do sulfato de magnésio. Pelo esquema de Pritchard, pega-se uma ampola de sulfato de magnésio 50% com 10 mL (5 g), dissolvendo 8 mL (4 g) em 12 mL de água destilada. Vai injetando devagar na paciente, marcando no relógio 20 minutos. Como faz vasodilatação, a mulher sente um calor. Quando faz a reação segura um pouco e depois continua, perfazendo os 20 minutos. Além disso, faz-se uma ampola no glúteo da paciente a cada 4 horas4. Existe outro esquema para a dose de manutenção, que é em bomba de infusão. Pega uma ampola de sulfato, joga em um frasco de soro glicosado de 500 mL. Faz-se 100 mL por hora (1 g). 4 Se tiver em um lugar sem recurso, depois de fazer isso manda ela pra um hospital com maternidade nessas 4 horas. 42 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Para monitorar, ver diurese, reflexo patelar, se as incursões respiratórias estão diminuídas ou não (se tiver, ela pode estar intoxicando com o sulfato; aí suspender e às vezes usar o gluconato de cálcio). Alguns autores dizem que se a convulsão continuar deve-se dar diazepam. Mas existem sérias críticas ao uso do diazepam na paciente com pré-eclâmpsia. Para outros autores, se a convulsão não melhorou, é porque a dose de sulfato de magnésio está pequena. Na pré-eclâmpsia grave, a mulher com uma eclâmpsia iminente, ou síndrome HELLP, tentou estabilizar e não conseguiu, se ela tem menos de 24 semanas de gestação (o feto não sobrevive com 24 semanas), tira o feto. Se a gestação está entre 24 e 34 semanas, estabilizar o quadro (hipotensor, sulfato de magnésio) e dar corticóide para aumentar produção de surfactante e a chance do feto sobreviver. Após o parto, há uma melhora rápida. O maior risco de convulsão é nas primeiras 24 horas, então mantém o sulfato de magnésio. Monitorar os níveis desulfato, PA e débito urinário. Cuidado com a sobrecarga hídrica pelo risco de edema agudo de pulmão. Na eclâmpsia, internar, controlar a PA, tratar a convulsão e interromper a gestação. Não tem conduta conservadora. Na síndrome HELLP também interrompe a gestação. 43 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 DISTÓCIA DE OMBRO Existem várias posições possíveis para o parto. A posição vertical leva a menos dores, pela ação da gravidade, não altera batimentos fetais e não altera a taxa de cesáreas e resultados neonatais. Isso na fase de dilatação. A fase de expulsão é menos demorada, as dores são menos intensas, reduz a episiotomia, e os puxos são mais eficientes. No entanto tem mais laceração de segundo grau e um aumento no risco de sangramento. A posição de 4 apoios, Gaskin ou posição inglesa é muito usada pelas inglesas. Ela facilita o nascimento quando o feto está em posição occipito posterior. Ela dificulta a distócia de ombro e tem os benefícios gravitacionais da posição vertical. A posição indígena ou de cócoras é desconfortável para mulheres ocidentais. Ela retifica o eixo longitudinal do canal do parto e aumenta em 1,5 cm a superfície do plano de saída da pelve. A posição semi-sentada é muito usada nos EUA. Ela causa menos compressão na veia cava. É preferível à tradicional litotomia. A posição francesa é em decúbito lateral esquerdo, e é ideal para mulheres com cardiopatias. É boa para parto a fórcipe. Evita a hipotensão. A distócia de ombro se dá quando a cabeça do feto nasce, e na hora do ombro anterior sair ele agarra no púbis materno. É quando entre a saída da cabeça e a saída do resto do corpo já se passou um minuto. A distócia de ombro acontece em cerca de 1,4% dos partos, 24% dos partos de fetos com mais de 4,5 kg de mães não diabéticas, e 50% dos fetos com mais de 4,5 kg e mães diabéticas (o feto de mãe diabética tem desproporção entre as partes fetais, com aumento do diâmetro biacromial e do abdome). Mais de 50% das distócias de ombro acontecem em fetos com peso normal. Os fatores de risco para distócia de ombro são macrossomia fetal, mãe diabética, obesidade materna, multiparidade (a multípara não tem músculo), história prévia de macrossomia com distócia de ombro, indução de trabalho de parto, anestesia, fórcipe. Como complicações, a morbidade e mortalidade perinatal estão elevadas, assim como a morbidade materna, especialmente devido a hemorragia pós-parto e lacerações do períneo de 3º e 4º graus. A complicação fetal mais frequente é a paralisia do plexo braquial, depois a fratura de clavícula e do úmero. As paralisias normalmente se resolvem em 6-12 meses, mas 10% são definitivas. Manobras nocivas devem ser evitadas, como fazer mais força sobre o fundo de útero (manobra de Kristeller), que aumenta a impactação, ou a tração da cabeça fetal. O que deve ser feito é aumentar o tamanho da pelve da mãe e alterar o diâmetro biacromial do feto. 44 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 A manobra a ser feita é a manobra de McRoberts, que gira a sínfise púbica e retifica o sacro. Com isso facilita a passagem da criança. Joga-se a perna da mãe para trás. Com isso faz-se uma rotação cefálica do púbis, reduz a lordose lombar, gira a sínfise púbica sobre o ombro impactado. Quando gira a sínfise púbica, o ombro cai na cavidade. Além disso aumenta a força expulsiva. A segunda manobra é vir alguém por cima da mãe e fazer uma força no abdome da mãe empurrando o ombro impactado. Essas duas manobras juntas liberam o ombro em 60% dos casos. Outra manobra é colocar a mão por dentro, atrás do ombro impactado, tentando abaixá-lo. O problema é o risco de laceração dessa manobra. Outra manobra é rodar 180o o ombro posterior do bebê. Além disso outra manobra, muito difícil, é introduzir a mão na vagina para puxar o braço posterior do feto. Outra solução é colocar a mulher na posição de Gaskin (4 apoios). O ombro anterior que antes estava preso vai para posterior e se solta. Nessa posição se aumenta 1 cm a conjugata obstétrica e 2 cm o diâmetro sagital da pelve. Existe um mnemônico chamado ALEERTA: pedir Ajuda, Levantar as pernas (manobra de McRoberts), fazer Episiotomia, fazer manobras Externas, Remover o braço posterior e depois manobras internas (Toque), e finalmente Alterar a posição da paciente (Gaskin). A abordagem deve ser calma e precisa. Cada tempo de manobra deve durar mais ou menos um minuto. Tem 5 minutos para desimpactar o feto. Existem ainda manobras de terceira linha, manobras heróicas, como fratura proposital de clavícula, tração bidigital do ombro posterior, manobra de Zavanelli (recolocar a cabeça do bebê dentro do útero e fazer cesárea), tração do ombro posterior com tipóia, histerotomia, sinfisiotomia. 45 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL É uma alteração que acontece com o feto ou neonato, em que há uma hemólise, com consequente anemia e graus variáveis de icterícia, por incompatibilidade sanguínea entre a mãe e o feto. Isso acontece a partir do momento em que o feto tem em suas hemácias antígenos de origem paterna e que não são reconhecidos pela mãe. A gestante vai então produzir anticorpos específicos contra esse antígeno da hemácia fetal, que vão causar uma destruição das hemácias, levando a anemia. Também como consequência dessa hemólise, o organismo fetal vai iniciar uma atividade aômala em focos extramedulares de hematopoese. Com isso ele vai ter uma depleção proteica, e vai desenvolver um quadro de ascite, hidrotórax, edema generalizado (anasarca) por hipoproteinemia. Além disso, vai-se ver formas imaturas de hemácias no sangue periférico (eritroblastos; daí o outro nome da doença, eritroblastose fetal). Em 98% dos casos a doença hemolítica vem de uma incompatibilidade do grupo ABO ou Rh. Outros tipos de anticorpos do sistema sanguíneos, os chamados anticorpos irregulares, são raros (2%) e trazem consequências variáveis. Quando a incompatibilidade é ABO (o feto tem antígeno A ou B e a mãe é O) normalmente os sintomas são discretos, os sinais clínicos são pouco perceptíveis e os casos são menos graves, e na maioria das vezes passam despercebidos (icterícia ou anemia leve, que nem chegam a ser diagnosticados). Os casos de incompatibilidade Rh (mãe Rh - e feto Rh +) são mais graves, e muitas vezes o feto é seriamente afetado. Esse comprometimento normalmente acontece a partir da segunda gestação. Para que ocorra a doença hemolítica perinatal, é preciso que haja incompatibilidade sanguínea materno-fetal, tem que haver aloimunização materna, ou seja, a mãe deve produzir anticorpos, esses anticorpos devem passar para o organismo fetal, e esse anticorpo tem que agir na circulação fetal. Na incompatibilidade sanguínea materno-fetal, o feto deve possuir nas hemácias o antígeno de herança paterna que está ausente no organismo da gestante, e é capaz de despertar a produção imunológica nessa gestante, de anticorpos específicos contra esses antígenos. O fator Rh é o que gera quadros mais graves, e por isso é que se deve preocupar mais. Existem dois genes: D e CE, que estão no cromossomo 1, e que codificam 3 maiores grupos de antígenos Rh: D, Cc e Ee. O D é que determina se o indivíduo é Rh positivo ou negativo. Quando ele está presente, o indivíduo é Rh +, e quando está ausente o indivíduo é Rh -. Entretanto, existe uma variação, que é o DU ou D fraco. Esse D fraco é uma variante do antígeno D, e quem o possui pode se comportar como um indivíduo Rh +. Um indivíduo com D negativo mas D fraco positivo, embora na avaliação do tipo sanguíneo venha Rh -, vai-se considerar o indivíduo Rh +. A incompatibilidadevai acontecer em cerca de 10% dos casais. A aloimunização materna é quando a mulher produz anticorpos contra esse antígeno. Para que ela produza anticorpos ela tem que ter contato com o antígeno. Normalmente, a gestante pode ter tido um contato com esse antígeno se ela recebeu, antes de engravidar, transfusão de um sangue incompatível. Pode-se suspeitar que uma gestante RH - já seja aloimunizada na primeira gestação se ela recebeu alguma transfusão de sangue anterior, que inadvertidamente foi de sangue incompatível (o que é raro). A outra situação é se ela já teve uma gestação de um feto discordante, e aí durante a gravidez ela pode ter contato com o sangue do feto (é 46 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 normal que ocorram hemorragias feto-maternas espontâneas durante a gravidez), oferecendo uma carga antigênica pequena para a gestante, que é insuficiente para estimular o sistema imunológico, mas durante o parto esse contato é mais volumoso, e em 92% dos casos em que ocorre essa aloimunização, a origem é o momento intraparto, principalmente na cesariana, na extração manual da placenta (acreta ou percreta), ou quando há descolamento prematuro de placenta, em que há um sangramento intenso intrauterino, ou se há necessidade de fazer algum procedimento invasivo durante a gestação. Na paciente que já teve aborto, também há risco dela ter produzido anticorpos anti-Rh (não tem como saber o tipo sanguíneo do aborto, então se o pai é Rh +, deve-se considerar essa possibilidade e usar a imunoglobulina anti-Rh). O importante é que se fique atento na primeira gestação para prevenir, de forma que na gestação seguinte não haja complicação fetal. Para que haja resposta imunológica primária através de linfócito B é preciso que ela tenha contato com 0,1 mL de sangue. A primeira resposta imunológica é através da produção de IgM, que é um anticorpo de curta duração e que não atravessa a barreira placentária. A partir do primeiro contato com o antígeno, pode levar de 5 a 16 semanas para que o anticorpo seja produzido. É por isso que na primeira gestação é raro que o feto sofra os efeitos desse anticorpo. Já numa resposta secundária, o linfócito B já tem uma memória, e é necessário um volume menor (0,01 mL) para que haja essa resposta imunológica, e o anticorpo produzido é o IgG, que atravessa a barreira placentária. Então, numa segunda gestação, é preciso de alguns dias para que ocorra a produção de anticorpos do tipo IgG, que atravessam a placenta e atingem o feto. A IgG pode ser de 2 tipos, 1 ou 3. Dependendo do tipo, o comprometimento fetal será maior ou menor. A IgG do tipo 1 é produzida mais precocemente, atinge teores mais elevados e com isso acomete o feto de forma mais grave. É comum que o feto acometido por esse anticorpo tenha ascite, edema, depleção proteica. A igG 3 já é produzida mais tardiamente, em níveis menores, e o comprometimento do feto é mais leve. A gestante pode produzir um tipo ou o outro. Depois da incompatibilidade e da aloimunização, é preciso que haja a passagem dos anticorpos da gestante para o organismo fetal. O tipo de anticorpo que atravessa a placenta é o IgG. Aí vai ter uma resposta anti-A ou anti-B se a mãe for O e o feto A ou B, e anto-Rh se a mãe é Rh - e o feto Rh +. Depois que esses anticorpos atingem a circulação fetal, eles vão fazer uma reação antígeno- anticorpo. Isso vai causar uma hemólise. A intensidade do quadro clínico vai depender do tipo de anticorpo produzido, e vai desde um quadro de icterícia, anemia e hidropsia (o feto tenta compensar essa anemia produzindo mais hemácias em focos extramedulares e consumindo toda a proteína que ele tem no organismo; ficando hipoproteico, o líquido extravaza para o terceiro espaço, e vai ter um quadro de edema generalizado ou hidropsia). Em metade dos casos vai ter apenas um quadro de icterícia leve, e a criança sobrevive bem no pós-parto, sem sequela nenhuma. Em 25% dos casos há uma morte neonatal logo após o parto, normalmente por kernicterus (doença neurológica que acontece a partir da impregnação dos núcleos da base por bilirrubina). Essa doença, se não leva à morte, traz sequelas, principalmente no fim do primeiro ano de vida. Em 25% dos casos o bebê morre ainda dentro do útero. E ocorre um agravamento da doença a cada gestação. Como identificar que naquela gravidez pode estar havendo, ou haja um risco, uma doença hemolítica perinatal? Através de dados epidemiológicos de gestações anteriores, da 47 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 comprovação da incompatibilidade samguínea entre mãe e pai, e se ela tem um ultrassom mostrando alguma alteração que possa sugerir edema no feto, ou na placenta, se tem polidramnia, derrame pericárdico, ascite, e se a circunferência abdominal está maior do que o esperado para a idade gestacional (por hepatoesplenomegalia devido à produção de hemácias extramedular e ascite). Uma forma de acompanhar a evolução da doença é a medida seriada da circunferência abdominal. Quanto mais a circunferência abdominal está crescendo de forma anômala em relação ao esperado da idade gestacional é sinal de que a doença está piorando. O ultrassom também pode servir para monitorar procedimentos invasivos. O exame mais usado hoje é o doppler da artéria cerebral média do feto. Depois do parto, identifica-se em um recém-nascido ou natimorto se há sinais de edema, se tem sinais de anemia leve (10 a 15%) ou formas ictero-anêmicas de intensidades variadas. Mesmo depois de nascer, o bebê continua com anticorpos na circulação, e precisa de acompanhamento se há suspeita de doença hemolítica. A icterícia normalmente relacionada à hemólise é uma icterícia grave, e é preciso fazer um diagnóstico diferencial com a iterícia fisiológica do recém nascido: a icterícia fisiológica é geralmente mais tardia, começa por volta do segundo dia, não persiste mais que duas semanas e a resolução é espontânea. Uma icterícia muito precoce, já nas primeiras horas pós-parto, com hepatoesplenomegalia, provavelmente não é fisiológica. Ficar atento a sinais e sintomas neurológicos. O bebê que tem comprometimento do SNC pela bilirrubina pode ter algumas alterações específicas, como sonolência, espasmos involuntários, contrações da musculatura involuntárias. A anemia grave vai ser identificada por uma palidez cutâneo-mucosa e uma hepatoesplenomegalia. Isso tudo na incompatibilidade Rh. Na incompatibilidade ABO dificilmente acontece um comprometimento intra-útero. É difícil o bebê já nascer com algum sinal clínico de icterícia ou anemia, no máximo uma icterícia leve. Na gravidez, para evitar que isso aconteça, é primeiro, em todos os pré-natais, deve-se solicitar o grupo sanguíneo e fator Rh da mãe, e se for Rh - e DU -, do pai também. Se a gestante é RH - e DU -, solicita-se o tipo sanguíneo do pai. Se o pai é Rh + ou DU +, está identificada a incompatibilidade. Se a mãe não sabe quem é o pai, ou o pai não quer fazer exame de sangue, vai-se conduzir como se ele fosse Rh +. Se foi identificada a incompatibilidade, é preciso identificar se a mãe já tem anticorpos na circulação (ela pode já ter anticorpos se não usou a vacina em gestação anterior, se recebeu uma transfusão incompatível, se teve um aborto). Sempre que a mãe é Rh - e existe a possibilidade do feto ser Rh +, é preciso ver se ela já foi aloimunizada (ou seja, se teve contato com o antígeno e tem anticorpos circulantes). Isso é feito normalmente através do teste de Coombs indireto. O teste positivo significa que há anticorpos circulantes. Nesse caso é preciso titular, quantificar essa positividade para acompanhar. Se ele for negativo, se repete mensalmente a partir de 20 semanas. A tipagem sanguínea fetal, se possível (só é feitaem serviços de medicina fetal através de punção do cordão), já identifica o tipo sanguíneo fetal. Se ele tem o mesmo tipo sanguíneo da mãe, já não precisa fazer mais nada. Se não tem como fazer a análise do sangue fetal, vai repetir o Coombs mensal. Se a gestante é Rh - não imunizada (Coombs indireto negativo), se o pai for Rh +, vai fazer o Coombs mensal a partir de 20 semanas. Vai fazer o Rh do recém-nascido depois do parto. Se for Rh -, não há nada a fazer, não precisa de nenhuma profilaxia. Se o bebê for Rh +, faz-se a imunoglobulina anti-Rh (vacina), que se faz na mãe no pós-parto para que ela não desenvolva 48 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 anticorpos após o contato de grande volume com o sangue fetal durante o parto. Também se faz uma dose de imunoglobulina com 28 semanas, se o Coombs for negativo. Se o pai for Rh - e o Cooms for negativo, não precisa ficar fazendo Coombs mensal durante a gestação, mas faz-se o Rh do recém-nascido após o parto. Se o Coombs vier positivo no início da gravidez, ou seja, a mulher tem anticorpos e o feto vai ser agredido por aqueles anticorpos e tem risco de doença hemolítica perinatal, aí precisa de um acompanhamento especializado, porque esse feto pode precisar de uma transfusão intrauterina. Ele vai desenvolver hemólise. A profilaxia é feita com aplicação de imunoglobulina anti-Rh nas primeiras 72 horas pós-parto. Não pode dar alta para a paciente sem ter o tipo sanguíneo e fator Rh dela e do feto. São feitos 300 μg IM, e essa dose anula uma hemorragia feto-materna de até 25 mL. Caso se receba essa paciente no controle pós-parto no posto de saúde, verifica-se que seria necessária a vacina e ela não fez, tem relatos de efeito até 28 dias pós-parto. Durante a gravidez, é feita sempre uma dose na mãe Rh - com Coombs indireto negativo, com 28 semanas, que reduz em até 10 vezes a incidência da doença hemolítica perinatal. Claro que se conseguir fazer a tipagem sanguínea do feto durante a gestação e ele for Rh -, essa profilaxia é desnecessária. Sempre que se fizer algum procedimento invasivo durante a gestação vai se aplicar a imunoglobulina, bem como se houver alguma transfusão incompatível ou após sangramentos na gravidez. Nesses casos, se faz a dose usual (300 μg) e repete a cada 12 semanas até o parto. Após abortamento, se foi precoce (6 a 12 semanas), pode fazer uma dose mais baixa (50 μg). No caso da mãe RH - já imunizada (Coombs positivo), faz-se a titulação do Coombs. Se a titulação do Coombs vai subindo ao longo da gestação, com certeza o feto é Rh + (porque o sistema imune da mãe está sendo estimulado a produzir cada vez mais anticorpos). Se a titulação está abaixo de 1:8, e na repetição mensal ela se mantém abaixo de 1:8, dificilmente vai haver um comprometimento grave do feto (quanto maior a titulação do Coombs, mais grave o comprometimento e maior a chance de morte fetal). Faz-se também o ultrassom para acompanhar o feto, para agir no momento em que ele estiver grave e com risco de morte intrauterina. Não há mais nada a se fazer pelo feto. O ultrassom vai mostrar as alterações já citadas. Usa-se muito também o doppler de artéria cerebral média. Se há uma alteração da velocidade máxima sistólica, ou seja, a circulação do feto está hipercinética (1,5 múltiplo da mediana para cima), já se sabe que há comprometimento de moderado a grave (a anemia reduz a viscosidade sanguínea, aumenta o débito cardíaco e causa uma síndrome hipercinética). Através do doppler então já se consegue identificar se o feto precisa de algum procedimento intrauterino. A análise espectrofotométrica do líquido amniótico já foi praticamente abandonada (retirava-se o líquodo e fazia-se uma análise da quantidade de bilirrubina no líquido). A cordocentese é indicada nos casos em que a velocidade máxima sistólica mostra uma anemia moderada ou grave, e tira-se o sangue do feto para confirmar, fazendo confirmação da tipagem sanguínea e hematócrito, e para possibilitar tratamento intrauterino. É aí que entra a intervenção médica na mãe já imunizada, através de transfusão intrauterina. Resumindo a conduta, todas as gestantes devem ter solicitação de tipagem sanguínea e fator Rh na primeira consulta. Se o Rh for negativo, deve-se tipar o parceiro. Também é feito o Coombs indireto em todas as gestantes que forem Rh -. Se o Coombs for negativo, faz-se profilaxia obrigatoriamente com 28 semanas e no pós-parto. Se o Coombs for positivo, menor 49 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 que 1:8, vai repetindo mensalmente até o termo. Se ele permanecer nesse valor, dificilmente vai haver um recém-nascido hidrópico ou com anemia grave no pós-parto. Se a titulação for maior que 1:8, a partir de 20 semanas já começa a fazer o doppler da artéria cerebral média e ultrassom. Se os dois forem normais, repetir a cada 7 a 14 dias. Se o doppler vier anormal, confirma-se em 1 a 3 dias. Se confirmar a alteração, e o feto tiver menos de 35 semanas, o feto vai ser submetido a uma transfusão intrauterina para que ele consiga atingir o mais próxima da maturidade para que a gestação possa ser interrompida. Se ele tem mais de 35 semanas, faz- se a interrupção da gravidez. No recém-nascido, retira-se o sangue do cordão e confirma-se o tipo sanguíneo e fator Rh e fazer o Coombs direto (avalia a sensibilização das hemácias pelos anticorpos maternos). Todos os recém-nascidos de mãe Rh -, tem que tirar o sangue do cordão. Se negativo o Coombs direto não afasta a incompatibilidade ABO (ele é específico para incompatibilidade Rh). A tranfusão intrauterina é usada para tratar uma anemia grave ou uma hidropsia fetal, e é feita só nos fetos prematuros (os maduros se retira do útero). Se transfunde concentrado hemácias O-, porque o volume tem que ser pequeno. A cateterização é feita na veia umbilical. A melhora que a transfusão traz é transitória (a hemólise continua). A função dela é permitir um tempo maior do feto dentro do útero para ele amadurecer. Em 14 dias já tem que repetir a transfusão, se o feto ainda for muito prematuro, mesmo prazo da segunda para a terceira transfusão. Depois disso, se ainda precisa de transfusão (feto comprometido muito precocemente), o intervalo passa a ser de 3 semanas. No pós-parto pode ser necessária hemotransfusão complementar, porque os anticorpos maternos continuam circulando no neonato por semanas. No pós-parto, a fototerapia pode ser uma terapia coadjuvante, porque ela vai destruir a bilirrubina (que é fotossensível), transformando na biliverdina, que é atóxica. No caso de incompatibilidade ABO, em que o comprometimento intrauterino é raro, normalmente o que se usa mais é a fototerapia. 50 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 FÓRCIPE O fórcipe não é usado na rotina. Se usa na condição em que é preciso retirar o feto do ventre materno, sob uma condição de sofrimento fetal ou alguma condição materna (trabalho de parto prolongado que leva a mulher à exaustão, e a força de preensão materna é fundamental). O fórcipe apreende a cabeça do feto e o extrai do canal pélvico-vaginal. O fórcipe é formado por colheres, que têm um cabo, pode ter aleta para ajudar a firmar a mão. Existe uma curvatura cefálica para acomodar a cabeça do feto, uma curvatura perineal e uma curvatura pélvica. As colheres são fenestradas, para ajudar a fixar a cabeça do feto. O fórcipe faz uma pega biparietomalomentoniana. Existem vários tipos de fórcipes. O mais simples e o mais usado é o fórcipe de Simpson-Braun, que é um fórcipe de alívio. É usado quando só falta o feto defletir a cabeça. Existe o fórcipe de Kielland, que é aplicado no fundo da vagina, e permite rodar o feto. Ele é um fórcipe mais reto, com curvaturasmenos pronunciadas, mais adequado para rotações. Existe um quadro chamado de cabeça derradeira, quando o feto está em apresentação pélvica, e sai do canal do parto primeiro as pernas, tronco, e a cabeça agarra. Nesse caso pode-se usar o fórcipe de Piper, se falhar a manobra de Mauriceau. Antes de aplicar o fórcipe, verifica-se se a posição fetal está em occipito anterior mesmo. Passa-se o fórcipe e, antes de puxar, certifica-se que o feto está em OA mesmo. A tração é feita seguindo a linha de direção de Sellheim. Puxa-se primeiro para baixo e depois para cima para o feto defletir. 51 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Existem algumas condições de aplicabilidade do fórcipe. A aplicação do fórcipe só pode ser feita se o colo estiver com dilatação completa (se tiver colo ao redor da cabeça e passar o fórcipe vai arrancar o colo). É importante que não haja também qualquer impedimento para o canal do parto, como bexiga cheia, reto cheio. Além disso, a bacia deve ser proporcional ao concepto (desproporção cefalopélvica é uma contraindicação). Em relação ao feto, só se faz fórcipe se o concepto estiver vivo (o feto morto não oferece dificuldade à expulsão, além disso é um procedimento que envolve riscos, e o feto morto pode-se esperar ele sair sem o uso do fórcipe), a cabeça deve estar no mínimo insinuada (abaixo do plano 0 de De Lee). As membranas devem estar rotas. Se as membranas não estão rotas e há necessidade de aplicar o fórcipe, deve-se romper as membranas. As indicações maternas de aplicabilidade são quando a mãe tem alguma doença em que ela não pode fazer muito esforço (insuficiência cardíaca, por exemplo), ou quando a mãe já está exausta ou pouco cooperativa, em caso de um períneo muito firme, com musculatura rígida (geralmente esperando se resolve), em caso de cicatriz uterina prévia (a mulher que já fez uma cesariana não pode ficar muito tempo fazendo força, porque pode ter rompimento de útero; uma cesariana prévia não contraindica parto normal, mas duas cesarianas já contraindicam). As indicações fetais vão ser quando tiver uma cabeça derradeira (no parto pélvico) ou em caso de sofrimento fetal agudo (os batimentos fetais começam a cair durante o período expulsivo). O fórcipe alto é quando a cabeça está acima do plano zero de De Lee, e não é feito mais. O fórcipe médio é com a cabeça na altura dos planos 0 ou +1, médio-baixo no plano +2, baixo nos planos +3 ou +4, e existe o fórcipe só para desprendimento da cabeça. No fórcipe de alívio o colo deve estar todo dilatado, a cabeça deve estar baixa, o feto deve estar em occipito anterior, a cabeça deve estar no assoalho pélvico, apoiando-se nos levantadores do ânus. A mulher pode estar na posição de litotomia, mas pode-se fazer em outras posições também. A primeira coisa a se fazer é articular as colheres do fórcipe como elas vão ficar após aplicadas. Faz-se a apresentação do fórcipe à vulva, simulando como ele vai ficar quando aplicado. Aplica-se primeiro a colher esquerda. Pega-se a colher com delicadeza. Coloca-se a mão esquerda entre a cabeça do feto e a pelve materna. Introduz-se a colher entre a mão e a cabeça do feto, com delicadeza, jogando a força da colher sobre a mão, e não sobre a cabeça do feto. Pede-se o auxiliar para segurar esta colher, para que se possa, da mesma forma, introduzir a outra colher. Se tudo é feito de forma adequada, as colheres naturalmente se encaixam e articulam. Depois que passou as duas colheres, confirma-se que o feto está em OA, e aí sim se traciona. Primeiro puxa-se horizontalmente e depois puxa-se para cima. 52 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 É importante, ao fazer o fórcipe, fazer anestesia. Pode ser uma raqui ou peridural, ou mesmo um bloqueio do pudendo bilateralmente. É obrigatório fazer uma episiotomia ampla. É preciso ter espaço para passar as colheres e tracionar. Alguns serviços usam ventosas, que são colocadas na cabeça do feto no momento de contração, fazendo a tração. Quando cessa a contração retira-se a ventosa, recolocando no momento de nova contração. 53 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 SOFRIMENTO FETAL AGUDO Sofrimento fetal é quando falta algo para o feto. Sofrimento fetal crônico é quando falta nutriente para o feto se desenvolver. Sofrimento fetal agudo é falta de oxigênio. O sofrimento fetal agudo ocorre durante o trabalho de parto. Existe uma situação em que ocorre sofrimento agudo fora do trabalho de parto, que é o descolamento de placenta. No sofrimento fetal agudo ocorre uma redução das trocas materno-fetais, gerando hipóxia fetal, acidose e/ou hipercapnia. Esses são parâmetros gasométricos. A melhor forma de ver isso é através do sangue do feto, tirado por cordocentese, que seria o padrão-ouro. Mas não se faz isso, com a mulher em trabalho de parto, contraindo. O sofrimento fetal agudo é uma avaliação subjetiva. O trabalho de parto normal por si só é um processo de crescente acidemia, tanto que o pH do feto vai diminuindo ao longo do parto. O feto é exposto a eventos hipóxicos repetidos, e se ele não tem uma reserva, quando entra em trabalho de parto ele sofre. Hipóxia é a segunda causa de morte fetal (a primeira é a prematuridade). A fisiopatologia se baseia em qualquer fator que interfira nas trocas entre o sangue materno e o do feto. O que causa essa interferência são alterações uteroplacentárias (hiperatividade uterina, hipovolemia materna, hipotensão materna) e alterações fetoplacentárias (alteração posicional ou compressiva do cordão). A hiperatividade uterina vai ser algo que faz o útero contrair mais ou não parar de contrair (hipersistolia, taquissistolia, hipertonia). Hipovolemia materna pode ser por hemorragias agudas ou desidratação. Hipotensão materna por causa da hipovolemia, mau posicionamento da mãe (ficar de barriga para cima) ou anestesia. Pode haver uma patologia funicular (vasa prévia, quando o vaso passa entre a cabeça do feto e o colo do útero, ou trombose do cordão), alteração posicional (circular de cordão, nós, prolapso ou procidência) ou alteração compressiva (oligodramnia). O diagnóstico de sofrimento fetal agudo é feito através de medida do pH fetal, monitorização dos movimentos fetais e avaliação da frequência cardíaca fetal. São meios indiretos, pois não se usa fazer cordocentese para coleta de sangue. A monitorização dos movimentos fetais é fácil de fazer, toda mulher sabe, mas é difícil definir o que é uma redução significativa. Lembrar que hipóxia leva a redução da movimentação fetal. Se orienta a paciente a, após refeição ou atividade leve, deitar em decúbito lateral esquerdo e contar os movimentos. Se ele movimentar 5 a 10 vezes em uma hora, está bom. Ou, se não for possível parar por esse tempo, contar 10 movimentos em 12 horas, durante atividades usuais. Mas essa monitorização não consegue prevenir óbito, porque quando se detectar que o feto não está mexendo, muitas vezes ele já morreu. Existe ainda a microanálise do sangue fetal, que pode ser feita por cordocentese, mas é mais comumente feita por microgota de sangue do couro cabeludo. Isso é feito, com a mulher em trabalho de parto, se rompe a bolsa dela, passa o espéculo, e colhe sangue do couro cabeludo do feto. Mede-se o pH. Se tiver maior que 7,25 o feto está saudável. Se estiver entre 7,20 e 7,25, tem que repetir em 30 minutos. E se estiver menor que 7,20 tem comprometimento fetal. Lembrando que o parto é um evento hipóxico, e chegando lá no final o pH pode estar menor que 7,15. Mas esse procedimento não é tão comumente feito também. Finalmente, a avaliação da frequência cardíaca fetal é o meio ais utilizado. O feto já tem sistema nervosoautônomo. O parassimpático faz a frequência cardíaca variar, e o simpático 54 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 vai fazer o coração acelerar. Geralmente os neurônios do córtex fazem variabilidade, e os neurônios do tronco fazem só o feto manter uma frequência basal. O córtex é igual o simpático, tem um menor limiar de resposta à hipóxia, e o tronco cerebral é igual o parassimpático, demora mais a sofrer com a hipóxia. Logo, o que vai ser afetado primeiro é o simpático, parando a aceleração. Nesse momento já morreu neurônio do córtex, e é preciso tentar intervir antes disso. Se começar a diminuir variabilidade, o parassimpático também já está falhando, tem lesão de tronco cerebral. Então, primeiro há perda do estímulo simpático, perdendo as acelerações. Se não tem aceleração na cardiotocografia, é preciso ficar de olho. Depois perde-se a variabilidade, e só depois há bradicardia e desaceleração. E por último, o feto perde os movimentos, respiração e o tônus. Pode-se avaliar os batimentos cardíacos fetais através de ausculta intermitente ou cardiotocografia. A ausculta intermitente é com sonar ou estetoscópio de Pinard. Ela pode ser feita, durante o trabalho de parto, a cada 30 minutos, ou a cada 15 minutos no período expulsivo. Se for de alto risco, a cada 15 minutos, e a cada 5 minutos no período expulsivo. É preciso escutar sempre durante a contração e 30 segundos depois que ela acabar. Se o feto tiver bradicardia em pelo menos 50% do tempo em 3 contrações consecutivas, é sofrimento fetal. A monitorização contínua, em relação à ausculta intermitente, não reduziu mortalidade e morbidade fetal. Parece que reduziu a quantidade de convulsões, mas é uma diferença mínima. Além disso, aumentou a taxa de cesarianas e parto instrumental. A cardiotocografia registra a frequência cardíaca, contrações uterinas e movimentos corpóreos do feto. Ela registra a pressão abdominal. Ela tem um valor preditivo positivo ruim, mas o valor preditivo negativo é bom (uma cardiotocografia boa, a chance do feto estar bem é 98%). Na cardiotocografia abaixo, a linha A registra a frequência cardíaca fetal. A linha B mostra movimentação fetal (a mãe aperta um botão sempre que sente o feto se mexendo). A linha D é a pressão abdominal, mostrando as contrações uterinas. 55 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 A linha de base é vista onde os batimentos estão mais ou menos constantes, na linha média entre as oscilações. Ela deve ficar em torno de 110 e 160 bpm. Se tiver bradicardia não necessariamente é sinal de sofrimento fetal. Se tem variabilidade e aceleração, pode ser um feto que tem um bloqueio, pode ser um feto mais quieto, ou a mãe toma algum tipo de droga depressora do SNC. A taquicardia também não é necessariamente patológica. A variabilidade é a diferença no intervalo da frequência cardíaca fetal. Não se considera variabilidade durante acelerações. Se a variabilidade estiver ausente, o quadro é muito ruim. A variabilidade mínima (ou padrão comprimido) é com 5 bpm ou menos. Ondulatória ou fisiológica vai de 6 a 25 bpm, significa que o feto está bem. Variabilidade sinusoidal é patológico, significa feto com anemia grave (é uma aceleração maior, formando sinos), é um padrão terminal, o feto está morrendo. O saltatório (padrão que acelera e desacelera) pode ser fisiológico, geralmente está relacionado a compressão de cordão. Na cardiotocografia abaixo, nota-se que a variabilidade está diminuindo. Pode ser sinal de sofrimento, ou pode ser que o feto esteja dormindo. Para saber se ele está dormindo, acorda o feto (coloca-se uma buzina na barriga da mãe para acordar o feto), e na hora os batimentos fetais aceleram. Nas imagens na próxima página, 1 é ausência de variabilidade, 2 é variabilidade mínima, 3 é o fisiológica, 4 é saltatório e 5 é sinusoidal. Se existe variabilidade normal, o feto ainda não tem hipóxia. A variabilidade reduzida é o sinal isolado mais confiável de sofrimento fetal. A cardiotocografia tem alta taxa de falso positivo. Uma cardiotocografia alterada não é necessariamente sinal de sofrimento fetal. A aceleração é um aumento transitório da frequência cardíaca fetal de, no mínimo, 15 bmp, com duração de 15 segundos a 2 minutos. Se durar menos de 15 segundos, entra na variabilidade. A aceleração é o melhor preditor de bem estar fetal. Se o feto tem 2 acelerações em 20 minutos, ele está reativo. Se não tem aceleração por 40 minutos, o feto é não reativo, e precisa-se encaminhar para pronto atendimento, porque provavelmente algo não está bem. Desaceleração é uma queda transitória da frequência cardíaca fetal, de pelo menos 15 bpm em 15 segundos. Se durar mais de 2 minutos é chamada de prolongada, e é desfavorável. 56 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Existem 3 tipos de desaceleração intra-parto (DIP). Cefálico, precoce ou tipo I, coincide com a contração. Tem formato de V, com amplitude maior que 15 segundo e menor que 2 minutos. Acontece por compressão do pólo cefálico do feto durante a contração uterina, levando a aumento da pressão intracraniana, e ele faz manobra vagal e desacelera. Isso é fisiológico. A desaceleração tipo II, ou tardia, está associada a insuficiência uteroplacentária. É a mais grave. Ela tem formato de U (cai devagar e volta devagar). Ela vem após a contração. Ela é ruim porque a contração uterina é o momento de maior sofrimento para o feto, e essa desaceleração mostra que ele não está conseguindo recuperar bem após uma contração. 57 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 A desaceleração variável, umbilical, ou tipo III, geralmente é causada por compressão do cordão umbilical. Como o feto não vai apertar o cordão sempre do mesmo jeito, vai ser variável. É variável na forma, duração e intervalo. Geralmente é uma queda abrupta. Ela não tem relação com a contração. Existem um sistema de classificação da cardiotocografia. O tipo I é quando o bebê está bem. A linha de base está normal (110-160 bpm), com variabilidade (6-25 bpm), acelerações presentes ou ausentes (pode ser que o feto esteja dormindo), não vai ter desaceleração ruim (pode ter a cefálica). O tipo III é o feto em sofrimento. Esse é o que precisa interromper rápido, senão o feto vai morrer. É quando tem padrão sinusoidal, ou variabilidade ausente e desacelerações. O tipo II é qualquer coisa que não seja tipo I ou II. Pode ser uma cardiotocografia normal ou alterada, e a avaliação é subjetiva. A cardiotocografia anteparto é feita no pré-natal, e vai ser classificada em reativa (2 acelerações em 20 minutos) ou não tranquilizadora, caso em que será preciso encaminhar 58 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 para atendimento. Não se faz cardiotocografia em todo mundo no pré-natal. Será feita no paciente que tem algo que pode causar sofrimento agudo (hipertireoidismo, diabetes, doença vascular, etc). Existe um mnemônico para lembrar como avaliar a cardiotocografia, que é DR CONIVADO. Defina Risco (pensar se pode ter sofrimento fetal). COntrações (ver se a paciente tem contrações, se está em trabalho de parto). NIvel de base (ver a linha de base). Variabilidade. Acelerações. Desacelerações. Opinião (interromper ou não). Mecônio pode ser sinal de sofrimento fetal agudo. Quando o feto faz hipóxia, tem estímulo vagal, e há relaxamento de esfíncter. Porém, em gestação avançada, mais de 40 semanas, vai ter mecônio, é sinal de maturação do sistema gastrointestinal. Tudo depende do contexto. Para tratar o sofrimento fetal agudo, deve-se corrigir a causa da hipóxia. Se a paciente está com a barriga para cima, virar de lado, ela pode estar fazendo hipotensão. Administrar oxigênio à mãe, administrar líquido intravenoso em infusão rápida (amãe pode ter tipo hemorragia, hipotensão). Interromper infusão de ocitocina (porque ela aumenta a contração, às vezes faz taquicardia, taquissistolia, e isso faz sofrimento fetal). Pode fazer tocólise para diminuir a contração (0,25 mg terbutalina IV ou SC). Algo teórico é uma amnioinfusão, que é recolocar líquido na bolsa, para corrigir uma compressão de cordão, por exemplo. A prevenção pode ser feita mantendo a mãe em decúbito lateral esquerdo. Não efetuar amniotomia precoce. Não acelerar o parto que progride normalmente, só usar ocitocina se o parto não estiver evoluindo. Não induzir o parto quando houver comprometimento da vitalidade fetal. Corrigir prontamente a hipovolemia, hipoglicemia e distúrbios hidro- eletrolíticos maternos. Avaliar aspiração de vias aéreas de RN se mecônio presente. Caso clínico: G.A.A., 24 anos, G3P2, IG: 35 sem. Paciente queixa dor abdominal de forte intensidade. Nega sangramento ou perda de líquido. Nega intercorrências em gestação atual e passadas. Nega comorbidades ou alergias. Nega etilismo e tabagismo. Ao exame: PA 120x70 mmHg, hidratada, afebril, hipocorada +/4. AU 35cm, DU 5/30’’/10’, BCF 136 bpm (com desacelerações durante contração). Toque: colo dilatado 3cm, grosso, posterior, cefálico, BI. Realizada cardiotocografia na admissão. 59 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Nota-se que as contrações da mãe não estão de acordo com o grau de dilatação. No início da cardiotocografia a variabilidade está boa. Tem desaceleração variável, e a variabilidade começa a cair. Provavelmente o que está acontecendo é por causa desse excesso de contrações, provavelmente uma taquissistolia. A conduta é tocólise e interrupção imediata da gestação caso não haja melhora dos parâmetros. Obs.: o papel da cardiotocografia corre à velocidade de 1 cm por minuto. 60 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 APRESENTAÇÃO PÉLVICA O parto pélvico deve ser feito com a ajuda de um auxiliar. O pediatra e o anestesista devem estar na sala. A paciente deve estar, preferencialmente, anestesiada, pelo menos com anestesia locorregional. É bom que se faça uma episiotomia ampla para facilitar o parto, dando espaço para as manobras. São partos com manobras, e partos difíceis. Para permitir o parto pélvico, é preciso fazer uma avaliação cuidadosa da bacia materna e das condições do feto. É preciso ter uma boa noção da proporcionalidade entre a cabeça do feto e a bacia materna. A cintura escapular geralmente sai fácil. A criança fica presa pelos braços e pela cabeça. É importante fazer uma alça com o cordão umbilical, para que não haja compressão. Na apresentação pélvica o feto está longitudinal, com as nádegas no estreito superior da pelve. Sabe-se que a apresentação é pélvica porque ao toque a cabeça é dura, e a cintura pélvica é macia. Quando a criança está com as nádegas apenas na pelve materna, com as pernas estendidas, isso se chama apresentação pélvica simples, ou incompleta, ou modo de nádegas. Quando as pernas se dobram e encaixam no estreito superior da pelve, é a apresentação pélvica completa ou pelvipodálica. O sulco interglúteo é a referência no toque, e se sente também o sacro do feto. No final da gestação, apenas 3% dos fetos estarão em apresentação pélvica. O feto pode virar até por volta da 30ª semana, mas quanto mais tarde isso acontecer, mais desconforto vai causar para a mãe. A forma mais frequente de apresentação pélvica é a sacro anterior esquerda (65%). Alguns fatores que levam a ter parto pélvico são parto pretermo, anencefalia e hidrocefalia, gemelaridade, tumores uterinos, vícios pélvicos (alterações ósseas), polidrâmnio, brevidade do cordão (impede o bebê de virar). O diagnóstico é feito pelas manobras de Leopold. A ausculta do foco será no andar superior do abdome. Ao toque, quando se acha algo macio, pode ser nádega ou face. Ao encontrar um buraquinho, segue em linha reta para a lateral. Se achar osso, é o ísquio. Se ao deslocar lateralmente se fizer um triângulo, é face. 61 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Depois que já se soltou a pelve, o tronco e os braços da criança, joga-se o corpo dela para cima para soltar a cabeça. É a manobra de Bracht. Se a cabeça não sair, é a chamada cabeça derradeira, em que pode ser preciso usar um fórcipe de Piper. À medida em que a pelve e tronco vai saindo, apenas se certifica de que o feto está com o dorso virado para o médico. Rotaciona-se o corpo axialmente para um lado para que um braço saia, depois para o outro lado para que se solte o outro braço. Durante o parto o auxiliar deve fazer um pressão sobre a cabeça fetal, evitando a deflexão da cabeça. 62 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 SOFRIMENTO FETAL CRÔNICO O sofrimento fetal crônico decorre da diminuição lenta e progressiva (crônica) da oxigenação e aporte de nutrientes ao feto. Na maioria das vezes, está associado a gestações de alto risco, com insuficiência placentária. É aquela placenta que, por algum motivo, não é capaz de nutrir e oxigenar adequadamente o feto. Os principais fatores de risco são aqueles que vão levar a uma gestação de alto risco: as doenças hipertensivas (principalmente tanto a hipertensão crônica, a gestante que já era hipertensa, quanto a pré-eclâmpsia), o diabetes mellitus (principalmente aquele diabestes prévio, porque a mulher que tem um diabetes prévio normalmente já tem algum grau de vasculopatia e que pode causar insuficiência placentária), problemas cardíacos, doenças autoimunes (principalmente lúpus, síndrome do anticorpo antifosfolípide), nefropatias, anemia materna (anemia falciforme, talassemias) e fetal (principalmente a isoimunização Rh), malformações fetais, pós-datismo (a placenta fica calcificada, envelhece) e gestações múltiplas (principalmente quando tem uma placenta só), tabagismo (altera o carreamento de oxigênio) e outras drogas. É um processo lento, e o organismo fetal vai tentando se adaptar, vai se adequando para tentar sobreviver. A centralização do fluxo sanguíneo fetal é um mecanismo compensatório. É uma tentativa do feto sobreviver diante de fenômeno hipóxico. Pela falta de nutrietes e oxigênio, o feto redireciona o fluxo sanguíneo para órgãos nobres, que são cérebro, coração e suprrarenal. Ele vai vasodilatar seletivamete os vasos desses órgãos e vasconstringir os outros (rins, pulmões, intestinos, sistema ósteo-muscular). A centralização vai ser vizualizada no Doppler. A diminuição da perfusão nos rins do feto vai ser responsável pela diminuição do líquido amniótico, já que este é formado em sua maioria pela urina do feto. Nos intestinos vai ter enterocolite necrotizante. No sistema osteomuscular, vai ter crescimento intrauterino restrito (CIUR). Então vai ter um quadro de insuficiência placentária, com diminuição de trocas entre mãe e feto. Vai haver uma adaptação do feto na tentativa de sobreviver, que é o fenômeno de centralização, com as seguintes consequências: CIUR, oligodrâmnio e alterações da vitalidade fetal. O crescimento intrauterino restrito acontece em fetos que apresentam redução do potencial de crescimento no decorrer da vida intrauterina. O diagnóstico é feito através do ultrassom normalmente. É o peso fetal abaixo do percentil 10 para a idade gestacional. No ultrassom, se fazem várias medidas. O próprio aparelho estima o peso do bebê. Além disso, a circunferência abdominal fetal abaixo do percentil 10 para a idade gestacional ou queda de 2 desvios padrão da média de peso para a idade gestacional são sinais de SFC. Porém, alguns bebês são constitucionalmente pequenos (PIG), cerca de 50 a 70% dos fetos considerados CIUR, e não estão em sofrimento (pode terpais pequenos, por exemplo). Diante da gravidade que é um CIUR, não se pode simplesmente achar que é um feto pequeno. Então, sempre que se está diante de um feto PIG, é preciso investigar se não há alguma patologia que justifique o CIUR. Isso porque fetos com CIUR apresentam maior mortalidade intrauterina e neonatal, maior morbidade perinatal e, mesmo mais tarde, na vida adulta, vão ter maior incidência de doenças crônicas (HAS, DM, cardiopatia). É um recém-nascido com tendência a fazer hipoglicemia, policitemia, tende a ser prematuro. 63 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 As causas de CIUR podem ser maternas, fetais ou placentárias. Entre as maternas, estão idade (principalmente adolescência, porque a adolescente já tem uma demanda grande para si mesma; além disso, tem uma imaturidade biológica, principalmente se a gravidez acontece nos primeiros 2 anos após a menarca), um quadro de desnutrição (baixo peso antes de engravidar ou ganho de peso insuficiente durante a gravidez), condições sócio-econômicas desfavoráveis, doenças maternas (principalmente as que cursam com vasculopatia), uso de drogas, de álcool, tabagismo, exposição a teratogênicos, altitudes elevadas. No caso do feto, são causas as cromossomopatias, anomalias congênitas, infecções congênitas, gestações múltiplas. E nas causas placentárias, transferência placentária deficiente, anomalias estruturais da placenta ou do cordão umbilical. No primeiro trimestre de gravidez há principalmente fenômenos de hiperplasia, em que as células vão principalmente se multiplicar para formar tecidos e órgãos. No segundo trimestre, há um predomínio de hiperplasia e hipertrofia. A organoganogênese vai acabar e o feto vai crescer também. E no terceiro trimestre há principalmente hipertrofia. O feto já está todo formado, e vai ganhar peso até o parto (com aumento de depósito de glicogênio no fígado e acúmulo de gordura no abdome; é importante porque a circunferência abdominal é um dos primeiros parâmetros que vai se alterar no CIUR assimétrico). No CIUR do tipo I ou simétrico, a injúria é precoce, acontece no primeiro trimestre normalmente, na fase de hiperplasia celular. O feto é proporcionalmente pequeno. Essas alterações são irreversíveis. São os casos mais raros (1/3 dos casos). Comum em infecções congênitas (TORSCH), anomalias cromossômicas. No tipo II ou assimétrico, é mais tardio, mais na fase de hipertrofia, mais comum no terceiro trimestre. Está muito relacionada com insuficiência placentária. Os tecidos periféricos é que são acometidos primeiro, principalmente o abdome. Há uma redução gradual no ritmo de crescimento, havendo desproporção entre os segmentos do feto. É a maioria (2/3 dos casos). O tipo III ou misto é uma injúria que começa precocemente, e ou vai ter uma nova injúria mais pra frente, ou esta vai se perpetuar ao longo de muito tempo. Normalmente é uma infecção congênita lá no começo, ou uma doença cromossômica, e uma insuficiência placentária lá no final. O feto já é globalmente pequeno, e além disso ele vai ter um comprometimento mais evidente em certos segmentos. Para investigar e fazer diagnóstico de sofrimento fetal crônico, a primeira coisa a se fazer é um cálculo de idade gestacional correto. É a partir daí que se determina em qual momento essa injúria ocorreu, se tem mais relação com insuficiência placentária ou não (ela só vai se manifestar, na maioria das vezes, mais pra frente; isso porque a principal característica dela é não acontecer aquela segunda onda de invasão trofoblástica, que acontece após 28 semanas, na segunda metade da gravidez). O jeito mais certo de calcular a idade gestacional é pela data da última menstruação (naquela paciente que tem certeza dessa data), pelo ultrassom ou pelos dois. O melhor ultrassom é aquele mais precoce, após 6 semanas de gravidez. Além disso, é preciso investigar os fatores de risco para SFC e CIUR. Calcular o IMC materno e medir a altura uterina. Os cartões de pré-natal têm um gráfico que comparam o tempo de gestação com a altura uterina. O ultrassom consegue mostrar várias coisas: o tamanho do feto, volume de líquido amniótico, quantidade de movimentação fetal. O Doppler é muito importante para ver o processo de centralização. É uma maneira fidedigna de mostrar aquela adaptação do feto ao sofrimento crônico. Vão se medir os segmentos biparietal, circunferência craniana e abdominal, comprimento do fêmur, e o próprio aparelho calcula o peso do feto. 64 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 O cálculo do líquido amniótico é feito de 3 maneiras: subjetiva (o ultrassonografista olha e avalia subjetivamente se o volume está normal ou diminuído), o ILA (o abdome da mãe é dividido em 4 quadrantes, e mede-se os bolsões verticais de líquido em cada quadrante) e a medida do maior bolsão vertical. Oligdrâmnio é quando o ILA é menor que 5 cm, ou o menor bolsão menor que 2 cm. O ultrassom avalia, através do Doppler, a vitalidade fetal, aquele processo de centralização. O Doppler é capaz de detectar o sofrimento fetal bem no início, quando o feto ainda está compensado. É o primeiro exame a se alterar. Vão ser medidas ondas de velocidade do fluxo em determinado vaso. Com isso, ele vai quantificar a resistência de fluxo em determinado leito vascular. Isso aparece no laudo através de elevação dos índices doplervelocimétricos (índice de resistência, índice de pulsatilidade e relação sístole/diástole). As principais artérias a serem estudadas são as artérias uterinas, as umbilicais e a cerebral média. O uso da artérias uterinas hoje é muito controverso. As artérias uterinas mostram as alterações hemodinâmicas que vão acontecer no organismo materno. Com as ondas de invasão trofoblástica, com a destruição do endotélio vascular, os vasos vão ficar menos resistentes, para ter maior fluxo. O Doppler mostra exatamente isso. Quando não tem essas ondas de invasão trofoblástica, ou a segunda onda, não há diminuição da resistência dos vasos, e o vaso que devia ter baixa resistência vai ter alta resistência. Isso aparece no Doppler através da presença de incisura protodiastólica e elevação dos índices doplervelocimétricos. Hoje quase não se usa Doppler de artérias uterinas. Quando se pede, pede por volta de 28 semanas. O que é importante mesmo é o Doppler das artérias umbilicais e cerebral média. Fisiologicamente há artérias umbilicais com baixa resistência e cerebral média com alta resistência. No sofrimento fetal crônico há a seleção de órgãos nobres para receber maior vascularização, e isso é feito através da centralização. Há um aumento da resistência das artérias umbilicais e redução da resistência da artéria cerebral média. Isso é mostrado no Doppler pela relação umbílico-cerebral (divisão da resistência na umbilical pela resistência na cerebral média) maior que 1. Isso é a centralização. O bebê centralizou, e não pôde resolver porque ou era um feto muito prematuro ou não foi feito o diagnóstico, e a injúria se mantém, a insuficiência placentária progride. O fluxo nas artérias umbilicais vai se tornar cada vez menor (é como se a resistência ali ficasse cada vez pior). Vai ter a diástole zero, que é ausência de fluxo diastólico, até chegar a um ponto que na diástole não vai acontecer nada, até volta um pouco de fluxo, que é a diástole reversa. Nesse ponto o feto está perdendo a capacidade de compensar. O ducto venoso é a alteração mais tardia de todas. Só depois que já tem diástole reversa é que altera o ducto venoso. Em algumas situações não pode interromper a gestação, como um feto extremamente prematuro, em que, apesar da injúria crônica, ainda é melhor para ele permanecer dentro do útero. Nesses casos, sabe-se que é hora de interromper quandoaltera o ducto venoso, porque aí é o fim da linha para o feto: ou tira ou ele vai morrer. 65 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 O ducto venoso é um shunt, uma comunicação, entre a veia umbilical e a veia cava inferior. O sangue vem da veia umbilical, passa pelo ducto venoso para a veia cava inferior, vai para o átrio direito, passa pelo forame oval para o átrio esquerdo, e dali para a circulação sistêmica fetal. A insuficiência útero-placentária vai primeiramente aumentar a resistência na artéria umbilical, com redistribuição do fluxo sanguíneo fetal (centralização fetal) e diminuição da resistência da artéria cerebral média. A seguir vai haver a diástole zero na umbilical, seguida pela diástole reversa e, finalmente, o ducto venoso reverso. Nesse ponto não tem opção, tem que resolver. Outros exames de vitalidade fetal são a cardiotocografia anteparto e o perfil biofísico fetal. A cardiotocografia anteparto avalia a reatividade dos batimentos cardíacos fetais. Essa reatividade é um dos primeiros parâmetros a alterar diante da hipóxia. O exame mostra a frequência cardíaca do feto, movimentos fetais e contrações uterinas. O que se avalia nesse caso é a variação da frequência cardíaca fetal frente a alguns estímulos. Normalmente esse exame só tem valor depois de 28 a 32 semanas, porque se depende do sistema nervoso simpático do feto estar eficaz, gerando descarga adrenérgica para ele ser um feto reativo. A cardiotocografia dá muito falso positivo, e alguns autores a desrecomendam. No entanto, é um exame barato, e muitas vezes a única opção em algumas instituições. O perfil biofísico fetal avalia alguns parâmetros fetais que vão se alterar perante a hipóxia. O que se altera primeiro diante de uma hipóxia é primeiro a cardiotocografia, depois o movimento respiratório fetal, depois os movimentos fetais e depois o tônus. O quadro abaixo mostra as variáveis avaliadas, em que se dá nota 2 ou 0 a cada uma. A nota máxima é 10/10. 66 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 Normalmente o principal parâmetro que leva a decidir quando interromper a gravidez é o volume de líquido. Uma nota 10/10, ou 8/10 com oligdrâmnio é um feto normal, não existe uma recomendação específica. Com notas menores, se o feto com mais de 37 semanas é um feto maduro, então normalmente se encaminha para parto. Se tiver um feto imaturo, vai continuar acompanhando. Uma nota de 6/10, com líquido amniótico normal, se tiver 37 semanas faz o parto. Se o feto é imaturo, avalia-se primeiro o líquido amniótico. Se estiver diminuído, avalia se dá tempo de fazer corticóide para resolver a gravidez. Se o líquido está normal, vai acompanhar. De acordo com a nota, se decide a frequência de acompanhamento. A conduta diante de um SFC depende da idade gestacional e do quanto o feto está afetado. Deve-se avaliar se há condições de monitorar esse feto. Deve-se pesar se é pior o risco de prematuridade ou o risco de morte intrauterina (por isso naquele feto de 28 semanas só vai tirar se o ducto venoso alterar). Sempre que possível, que tiver tempo, tentar fazer o corticóide (24 a 34 semanas). A via de parto preferencial é a cesárea (a maioria dos livros fala que é decisão individualizada; porém o trabalho de parto gera hipóxia para o feto, e a chance de evoluir para um sofrimento fetal agudo e óbito é grande). 67 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 DIABETES GESTACIONAL É o diabetes diagnosticado durante a gravidez que não preenche os critérios clássicos para o diagnóstico de diabetes prévio. Isso é importante porque antigamente se a paciente já fosse diabética e fosse diagnosticada durante a gravidez, era diabetes gestacional. Os critérios clássicos de diabetes prévio são a paciente que já tem os sintomas de diabetes (poliúria, polidipsia, perda de peso) e mais glicemia casual maior que 200 mg/dL, ou glicemia de jejum maior que 126 mg/dL ou uma glicemia 2 horas após a ingestão de 75 g de dextrosol maior que 200 mg/dL. Quando a paciente engravida, a resistência insulínica aumenta. Principalmente por volta de 24 a 28 semanas, existe um pico de hormônios contra-insulínicos. Esses hormônios hiperglicemiantes servem para manter a homeostase da glicemia, garantir o aporte de glicose para o feto. As células pancreáticas passam a ter uma resposta melhorada, passando glicose para o feto e mantendo a glicemia da mãe. Isso acontece normalmente. Na mãe com diabetes gestacional, acontece um aumento da resistência insulínica, só que o pâncreas da mãe não tem reserva, é incapaz de aumentar proporcionalmente a produção de insulina. O resultado disso é o aumento da glicemia. Passa muita glicose para o feto e ainda sobra muita glicose. O diabetes gestacional é qualquer grau de intolerância à glicose, reconhecida ou diagnosticada pela primeira vez na gravidez, desde que a mulher não tenha critério clássico de diagnóstico de diabetes prévio. Existem ainda conceitos mais novos, como o Overt Diabetes, que é a hiperglicemia materna diagnosticada no início da gestação, e que é um diabetes pregresso desconhecido. No início da gestação ainda não deu tempo de haver liberação dos hormônios contra-insulínicos.Existe ainda a mild hiperglicemia, que é a hiperglicemia materna associada à gestação independente dos critérios diagnósticos para diabetes gestacional. Às vezes a paciente não tem critérios para diabetes, mas quando olha a glicemia dela ao longo do dia, ela tem alguns picos de hiperglicemia. Os fatores de risco para diabetes gestacional são antecedente familiar de diabetes, antecedente pessoal de diabetes, antecedente obstétrico de macrossomia, malformação ou óbito fetal sem outra causa, antecedente de diabetes gestacional, idade superior a 25 anos, polidramnia, macrossomia ou malformação na gestação atual, obesidade ou ganho de peso excessivo na gestação atual, uso de drogas hiperglicemiantes (corticóides, diuréticos tiazídicos), síndrome dos ovários policísticos, hipertensão arterial crônica e intolerância à glicose anterior à gestação. Inicialmente, a grávida tem uma exaustão de glicose. No primeiro trimestre de gravidez, ela come menos, está enjoada, e ela transfere carboidrato para o feto. Por isso, há uma tendência à hipoglicemia de jejum e, com isso, tem uma diminuição da necessidade de insulina. Nesse período, é importante orientar a nutrição adequada da gestante (intervalos curtos entre refeições). Essa paciente começa a quebrar triglicérides no tecido adiposo para produzir energia, e começa a ter corpos cetônicos e ácidos graxos livres. Essas pacientes podem ter até um hálito cetônico. A partir da 24ª semana, ela começa a ter pico de hormônios contra- insulínicos, a fim de garantir o aporte de glicose. São eles o glucagon, glicogênio, e é importante o lactogênio placentário. Ele garante a homeostase glicêmica da paciente. O feto começa a produzir insulina a partir da 12ª semana de vida. A mãe tem uma resistência insulínica aumentada, e se ela não tiver um aumento proporcional de insulina, vai passar muita 68 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 glicose pela placenta. O excesso de glicose no feto vai levar a uma maior produção de insulina fetal. A insulina é um hormônio que determina adiposidade, aumenta a lipogênese. O feto começa a engordar, aumentar o depósito de tecido adiposo, contribuindo para a macrossomia fetal. Existe a classificação de Priscila White do diabetes. A classe A é o diabetes gestacional, sendo o A1 aquele tratado com dieta e o A2 com insulina. A partir do B já é diabetes prévio. A classe B é o diabetes com início após os 20 anos, com menos de 20 anos de duração. A classe C é o diabetes com início entre 10 e 19 anos. A classe D é aquele de início antes dos10 anos, normalmente com mais de 20 anos de evolução (aqui já começa a ter dano vascular, geralmente retinopatia não proliferativa). A classe F é a paciente que já é nefropata, a classe H a paciente que tem cardiopatia, a classe T aquela que já fez transplante renal, e a classe R a que tem retinopatia proliferativa. A terapêutica na gravidez, qualquer que seja a classe, é sempre com insulina. O diabetes gestacional sem vasculopatia, ou diabetes prévio sem vasculopatia é bem diferente da paciente que já tem vasculopatia, no que diz respeito à evolução da gravidez. O dano vascular determina diferença. Porque diagnosticar o diabetes gestacional? Uma das respostas é para evitar complicações maternas e fetais, mas também é uma oportunidade única para o rastreamento do diabetes, uma chance de detecção de alterações da tolerância à glicose, e a chave para prevenção do diabetes clínico no futuro, através da modificação de hábitos de vida. Por isso é importante rastrear o diabetes gestacional em todas as gestantes, e não só nas pacientes de risco. As complicações fetais do diabetes gestacional são polidramnia, macrossomia, CIUR, malformações congênitas, abortos, hipoglicemia, policitemia e hiperbilirrubinemia. Entre as complicações maternas, bacteriúria assintomática, pielonefrite, vaginites, retinopatia diabética, cetoacidose, nefropatia. O feto fica macrossômico porque passa muita glicose para o bebê, estimulando a liberação de insulina, que é um hormônio anabolizante. E o CIUR? Ele acontece naquela mãe que tem vasculopatia prévia. O dano vascular se estende para a placenta, e vai haver hipóxia. O dano vascular é que determina o CIUR. Quando há hipóxia, podem haver malformações. O estresse oxidativo inibe a expressão de certos genes reguladores. Quanto maior a glicemia materna, maior a chance do bebê ter complicação. A diabética prévia, então, precisa de um controle prévio antes dela engravidar. Se ela não está fazendo um bom controle, ela tem mais chance de ter hiperglicema. Se ela tem mais hiperglicemia, ela vai ter mais estresse oxidativa e mais chance de ter malformação. Entre as malformações, podem ser cardíacas (tetralogia de Fallot), renais, esqueléticas e do tubo neural, gastrointestinais. A hiperglicemia determina uma doença vascular materna, levando a insuficiência placentária e consequentemente facilita os abortos de repetição. Existem riscos que o diabetes gestacional ocasiona para a mãe, como tocotraumatismo (na hora que o bebê muito grande vai nascer), aumento da chance de cesariana. A mãe pode ter pré-eclâmpsia ou hipertensão gestacional, já que ela ganhou muito peso, e são fatores de risco associados. Ela tem risco aumentado de ter diabetes tipo 2 no futuro. Para o feto, que recebe muita glicose, e a partir da 12ª semana começa a produzir insulina, vira um feto macrossômico. Ele pode desenolver malformações. Ele pode ter traumatismos durante o parto. Ele pode até ser um natimorto por conta de alteração metabólica. O bebê, quando 69 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 nasce, está acostumado a produzir muita insulina, mas ele deixa de estar exposto a excesso de glicose, e pode ter hipoglicemia. Além disso, o excesso de insulina bloqueia o surfactante, podendo levar a síndrome do desconforto respiratório. A hipocalcemia no neonato não se sabe muito bem porque acontece, mas acredita-se que tenha a ver com a hipoglicemia e hipomagnesemia, e pode levar até ao óbito. Esse bebê está em hipóxia, e com isso ele aumenta a quantidade de hemácias. Ele fica policitêmico, mas com isso tem hiperviscosidade e libera mais bilirrubina. No futuro, a criança ou já na vida adulta, ele pode ter obesidade, diabetes tipo 2 e síndrome metabólica, por causa dos epigenes (o ambiente modelando os genes; o feto se desenvolve numa situação de estresse, em que ele tem que poupar energia, armazenar). O rastreamento do diabetes gestacional é feito, na primeira consulta, com a glicemia de jejum ou hemoglobina glicada. Se a glicemia é menor que 92, ela é a princípio normal. Se a glicemia é maior ou igual a 126, significa diabetes pré-gestacional. A glicemia de jejum entre 92 e 125 significa diabetes gestacional, o diagnóstico está fechado, não precisa fazer teste de sobrecarga de glicose. A paciente com glicemia menor que 92 vai fazer o teste de sobrecarga com 75 g de dextrosol entre a 24ª e 28ª semana (pois é o momento em que acontece o pico de hormônios contra-insulínicos). Se a glicemia de jejum for maior ou igual a 92, após a primeira hora maior ou igual a 180 ou após a segunda hora maior ou igual a 153, a paciente tem diabetes gestacional (basta um dos 3 valores alterado). Na assistência a essa gestante, além da propedêutica básica, é importante avaliar função renal (principalmente na paciente com diabetes prévio, para classificar na Priscila White), fundo de olho (mapeamento de retina). Se tiver uma hemoglobina glicada maior que 9,5% há um risco aumentado de malformações. Os ultrassons feitos são no primeiro trimestre (com translucência nucal), segundo trimestre (Doppler das artérias uterinas), perfil biofísico (a partir de 32 semanas). A cardiotocografia é feita, a partir de 30 semanas, semanalmente no diabetes gestacional controlado ou sem complicações, a cada 3 dias no diabetes pré-gestacional ou insulino dependente, e diária na paciente internada. A dieta para essa paciente é com bloqueio do consumo de açúcares. O adoçante a ser usado é o aspartame. O valor calórico diário é de 40 kcal/kg/dia (na paciente com peso abaixo do ideal), 30 kcal/kg/dia (paciente eutrófica) ou 25 kcal/kg/dia (paciente obesa). Isso será dividido em 6 refeições diárias. Como exercício físico, caminhada de 3 a 4 vezes por semana, por 15 a 30 minutos. A paciente com vasculopatia deve ser acompanhada mais de perto. As metas de tratamento são glicemia de jejum entre 90 e 95, pós-prandial (2 horas) menor que 120, e depois de uma hora menor que 140, glicada menor que 6,0%. O limite inferior é 70. A insulinoterapia deve ser iniciada quando, após se estabelecer dieta, ainda se tem 20% dos valores alterados no perfil glicêmico. A insulina normalmente se inicia com NPH, 0,2 UI por kg de peso, fazendo 2/3 pela manhã e 1/3 à noite. Os picos podem ser corrigidos com a regular. A via de parto não tem recomendação específica, sendo recomendada por condições obstétricas específicas. O parto vaginal pode ser feito na paciente com bom controle glicêmico, sem antecedentes de morte perinatal ou macrossomia e sem complicações associadas, como HAS. Considera-se a cesariana se o feto tiver um peso estimado maior que 4,5 kg, ou a mãe tiver complicações associadas. A gestação em pacientes controladas com dieta pode chegar até 40 semanas. Paciente em insulinoterapia ou diabetes anterior, interromper entre 38, 39 70 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 semanas. Gestação com polidramnia, macrossomia, alterações vasculares, 38 semanas. Antes de 37 semanas, individualizar os casos. Essa resolução não significa cesariana, pode ser indução do parto. Durante o trabalho de parto, realiza-se a monitorização contínua da glicemia. O ideal é que a glicemia materna fique entre 80 e 110. Pede-se para reduzir a dose da insulina naquele dia, porque ela vai ficar em dieta zero. Após o parto, com a retirada da placenta, os hormônios contra-insulínicos caem, e o mecanismo de hiperglicemia deixa de existir, exceto na paciente previamente diabética. Na alta hospitalar, vai suspender a insulina. Na paciente com diabetes prévio, vai reduzir as doses e avaliar. Pode voltar às drogas que ela usava antes de engravidar. Na paciente com diabetes gestacional, faz um TOTG com 6 semanas de puerpério. Se a glicemia de jejum estivermenor que 110, e o TOTG menor que 140, ela é considerada normal. Sabe-se que cerca de 40% das pacientes com diabetes gestacional vão desenvolver diabetes do tipo 2 após 12 anos da gestação. Como orientações gerais, alimentação saudável, perda de peso e realização de atividade física. 71 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 GESTAÇÃO MÚLTIPLA A gestação múltipla pode ser classificada quanto ao número de fetos (dupla, tripla, quádrupla...), quanto ao número de ovos fertilizados (zigotia), quanto ao número de placentas (corionia: monocoriônica, se uma placenta; dicoriônica, se placentas diferentes), quanto a número de cavidades amnióticas (amnionia: monoamniótica, se uma cavidade única; diamniótica, se cavidades diferentes). Quanto ao número de ovos fertilizados (zigotia), os monozigóticos são os gêmeos verdadeiros ou univitelinos. Corresponde a 1/3 das gestações gemelares. É quando ocorre a fertilização de um óvulo por um único espermatozóide. A placenta pode ser tanto monocoriônica quanto dicoriônica. Esses gêmeos vão ter o mesmo genótipo, com mesmo sexo, grupo sanguíneo e mesmas características físicas e patologias. Os dizigóticos são os gêmeos fraternos ou bivitelinos. A fertilização é de 2 ovos por 2 espermatozóides. Eles vão se desenvolver de maneira completamente separada. A placenta é sempre dicoriônica (2 placentas) e serão diamnióticos. Quanto ao número de placentas, todos os gêmeos dizigóticos serão dicoriônicos e diamnióticos. Os gêmeos monozigóticos vai depender da época da divisão do zigoto. Se a divisão do zigoto acontecer antes de 4 dias após a fertilização, eles vão se dividir na fase de mórula ainda, e vai ter 2 blastocistos. Então eles vão ser dicoriônicos e diamnióticos. Quando eles se dividem de 4 a 8 dias após a fertilização, eles vão se dividir na fase de blástula, e vai ter 2 botôes germinativas. Nesse caso vai ser monocoriônica e diamniótica. Se a divisão ocorre de 9 a 13 dias após a fertilização, eles vão ser monocoriônicos e monoamnióticos. E se a divisão ocorre mais do que 13 dias após a fertilização, os gêmeos serão siameses. Entre os fatores de risco para gestação múltipla, a história familiar é o mais importante, a presença de gêmeos na família, principalmente a da mãe, principalmente para gestação dizigóticas. A idade avançada também (a partir dos 35 anos), sendo que até os 37 anos de idade a mulher tem uma chance muito grande de ter gestação gemelar. Depois disso, já começa a diminuir pela diminuição da produção hormonal. A história pessoal de gemelaridade (já ter gêmeos), a raça negra (1:80) e o uso de técnicas de reprodução assistida aumentam o risco de gestação gemelar. O diagnóstico é clínico. A anamnese, história de gestação gemelar na família. O quadro de hiperêmese gravídica está relacionado com os níveis de hCG. Quanto maiores os níveis de hCG maior a chance da mulher fazer hiperêmese. Então, quadros de hiperêmese gravídica excessiva falam muito a favor de níveis muito elevados de hCG, e se suspeita de uma gestação gemelar. Além disso, o fundo uterino maior que o esperado para a idade gestacional leva a pensar em gestação gemelar, e quando se ausculta dois focos (é preciso ter uma diferença de pelo menos 10 batimentos entre um outro para se ter certeza que são 2 focos). Laboratorialmente, um hCG acima da faixa esperada para a idade gestacional (acima de 50 mil no primeiro trimestre). O diagnóstico ultrassonográfico é o de certeza. A partir de 5 semanas já se consegue ver os 2 sacos gestacionais. Na sexta a sétima semana já se visualiza os embriões, e os batimentos cardíacos já estão presentes. Na 12ª semana é que se consegue definir pelo ultrassom a corionicidade. Quando se tem o sinal do lambda, a placentação é dicoriônica. Existe tecido coriônico em forma de cunha no septo intergemelar, entre 2 membranas amnióticas. O sinal do T é quando não existe córions entre as membranas (placentação monocoriônica). 72 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 As complicações podem ser maternas, fetais e neonatais. Existe a hiperêmese gravídica (pelos níveis elevados de hCG), risco aumentado de abortamento, anomalias congênitas (lembrando que a gestação monozigótica é considerada um evento teratogênico), queixas exacerbadas (dor lombar, dispnéia, dificuldade para andar, edema, varicosidades, etc). Além disso, o simples fato de ser uma gestação gemelar aumenta o risco de prematuridade (pelos fenômenos compressivos), baixo peso ao nascer, amniorrexe prematura. Há risco de pré- eclâmpsia/eclâmpsia, diabetes gestacional, polidramnia, placenta prévia e DPP (pela maior área da placenta e maior risco de hipertensão), maior incidência de cesárea, depressão pós- parto e dificuldade com aleitamento. Outras complicações podem ser anemia (demanda de ferro é maior, mas não se faz suplementação de ferro de maneira aumentada por ser gemelar), hemorragia pós-parto (relacionada ao crescimento uterino excessivo, e é comum depois do parto a mulher não fazer contração eficiente do útero, que fica hipotônico), CIUR. A morte perinatal é 6 vezes maior e mortalidade materna 2 vezes maior. Das complicações exclusivas da monocorionicidade, a mais importante é a síndrome de transfusão gêmelo-gemelar. Ela ocorre em 15% das gestações monocoriônicas, e ela pode ocorrer a partir de 15 a 26 semanas. Quando ela ocorre antes de 24 semanas, a chance de mortalidade de um ou ambos os fetos é de 80 a 90%. Há a transfusão de sangue de um gêmeo para o outro, através de anastomoses vasculares na placenta. Essas anastomoses podem ser tanto artério-arteriais, artério-venosas ou veno-venosas. O gêmeo doador vai ficar hipovolêmico, hipotenso, oligúrico, oligdramnia, com CIUR, até ele entrar em falência cardíaca. O gêmeo receptor está hipertenso, com hipertrofia cardíaca, poliúria, polidramnia, hidropsia devido à hipervolemia. O diagnóstico não é pelo peso dos fetos. É pelo volume de líquido amniótico. A síndrome acontece em gêmeos monocoriônicos e diamnióticos. A medida do maior bolsão no gêmeo receptor vai estar maior que 8 cm (polidramnia) e no gêmeo doador menor que 2 cm (oligodramnia), independente dos tamanhos dos fetos. No tratamento pode ser feita amniocentese seriada (vai com uma agulha, retirando a quantidade de volume excessivo do líquido amniótico, para tentar manter a gestação; é um procedimento arriscado, pois a chance de romper a bolsa é grande). É feita em casos mais tardios. Em casos mais precoces teria que fazer muitas amniocenteses, e por isso nesses casos deve-se fazer o tratamento definitivo. O tratamento definitivo é com a oclusão dessas anastomoses. Ela é feita através de coagulação a lasar fetoscópica, feita por laparoscopia. É feita em casos graves antes de 24/25 semanas. A perfusão arterial reversa do gemelar ou malformação acardíaca é outra complicação. Nesse caso um gêmeo é completamente normal, e o outro não tem coração. Um coração vai estar fazendo a circulação de 2 corpos. Esse gêmeo vai entrar em falência se não tratar. É uma complicação muito rara. Vai haver também anastomose entre 2 artérias umbilicais. O feto anômalo está recebendo sangue não oxigenado que vem do feto normal, através de um fluxo reverso da artéria umbilical. O feto normal está com o coração sobrecarregado. O feto anômalo vai ter várias outras malformações, porque ele fica numa situação de hipóxia grave. O feto “bomba”, se continuar fazendo a função de 2 corpos, vai entrar numa situação de cardiomegalia, polidramnia, hidropsia, derrame pleural e pericárdico, até entrar em falência cardíaca e ir a óbito. O grande objetivo é solucionar a vitalidade do feto normal, porque o outro não tem jeito, já que ele não tem a área cardíaca. Esse feto ficatodo deformado, com membros deformados, cabeça rudimentar ou ausente. 73 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 O tratamento definitivo é com a oclusão bipolar do cordão do acardíaco, que pode ser guiado por ultrassom ou fetoscopia. O tratamento visa evitar a deterioração do feto bomba. Gêmeos acolados ou gemelaridade imperfeita corresponde a 1% dos gêmeos monocoriônicos. Em alguns casos será incompatível com a vida. São aqueles gêmeos em que a divisão é muito tardia (mais de 13 dias após a fertilização). A conduta na gestação múltipla é iniciar o pré-natal o mais precoce possível. Lembrando que gestação gemelar é uma gestação de alto risco. Normalmente as consultas serão mensais até 24 semanas, quinzenais até 34 semanas e semanais após esse período. O ganho de peso aceito é de até 12 a 14 kg em média. Vai se suplementar ácido fólico e ferro da mesma forma que na gestação única. Ela vai ter uma demanda maior, mas se precisar suplementa, não faz a princípio diferente da gestação única. A ultrassonografia será mensal até 32 semanas, e quinzenal a partir desse período. Em gestações monocoriônicas, faz-se ultrassom quinzenal desde o diagnóstico de gemelaridade. Como essa paciente tem uma chance maior de praturidade, no ultrassom morfológico (20 semanas) se faz a medida do colo uterino. Se o colo estiver com medida igual ou menor a 2,5 cm, ela tem risco de parto prematuro antes de 32 semanas de 30%. Essa paciente deve fazer progesterona natural hidrolizada (hormônio que mantém a gestação) até por volta de 36 semanas. Corticóide para amadurecer o pulmão do feto tem uso controverso. Alguns autores dizem que deve se fazer em todas as pacientes por volta da 32ª semana, mas isso não é recomendado. Se ela entrar em trabalho de parto antes de 34 semanas, pode fazer (betametasona 12 mg IM, repetir em 24 horas, ou dexametasona de 12/12 horas até completar 4 doses), mas não se faz profilaticamente. A tocólise (inibição do parto) também não tem indicação de se fazer profilaticamente. Só se faz naquelas pacientes que entrarem em trabalho de parto prematuro. É preciso avaliar a apresentação para definir a via de parto. O mais comum é que eles estejam cefálico/cefálico, o que permite o parto vaginal. Quando o primeiro está cefálico e o segundo não cefálico, é preciso que o peso do segundo feto (estimado pelo ultrassom) seja menor que 25% do peso do feto, para que se possa deixar evoluir para parto vaginal. Se for maior que 25% é melhor fazer cesárea, porque há chances de complicações. Sempre que o primeiro feto não está cefálico, a indicação é cesárea. A literatura diz para interromper as gestações monocoriônicas com 37 semanas, mas pode levar até 38, 39, se estiver evoluindo bem. A via de parto depende do número de fetos, da situação, apresentação, idade gestacional, peso fetal, existência de membranas amnióticas, vitalidade e condições do colo uterino. As indicações para cesárea é quando tem mais de 2 fetos, gestações monoamnióticas (controverso, indicação relativa), gestações gemelares em que o primeiro feto não estiver em apresentação cefálica, quando tiver alterações da vitalidade fetal, em caso de gêmeos unidos ou anomalias congênitas, síndrome de transfusão feto-fetal e gestações diamnióticas com prematuridade extrema. Quando o primeiro feto está de nádegas, ele pode até descer, mas o parto não acontece, porque o segundo concepto funciona como obstáculo à passagem. Na maioria das vezes se perde esse primeiro feto. Por isso quando o primeiro não está cefálico se prefere fazer cesárea. Quando os 2 estão cefálicos, pode acontecer de não progredir, porque uma cabeça encaixa na outra. Se um está pélvico e o outro córmico não tem como fazer parto vaginal. 74 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 ABORTAMENTO Aborto é extremamente frequente. A maioria são perdas precoces, abaixo de 12 semanas, com uma média de 8 semanas. O aborto é a perda fetal antes de completar 20 semanas de gravidez, ou feto menor que 500 g. O aborto pode ser espontâneo ou provocado. Quanto à idade gestacional o aborto pode ser precoce (até 12 semanas) ou tardio (acima de 12 semanas). A principal causa de aborto é cromossomopatia (trissomias, monossomias, translocações cromossômicas), cerca de 40 a 50% dos casos. Outras causas são alterações uterinas, alterações hormonais (como insuficiência de corpo lúteo, hipotireoidismo), trombofilias, causas ambientais (infecções, tabagismo, desnutrição). As formas clínicas de aborto são ameaça de aborto, aborto inevitável, abortamento incompleto, abortamento infectado, abortamento retido, abortamento de repetição e aborto completo. A ameaça de aborto é a paciente que tem um sangramento genital, abaixo de 20 semanas, com cólica. Ao exame, o útero está com tamanho compatível com o atraso menstrual, o colo está fechado e com sangramento discreto. A conduta é repouso, fazer ultrassom e usar antiespasmódico (Buscopan Duo: cimeticona + paracetamol), evitando relação sexual (na relação sexual existe um estímulo mecânico, com o pênis tocando no colo uterino e estimulando contração, e um estímulo hormonal, porque no sêmen tem prostaglandina, que estimula contração uterina). A ultrassonografia vai mostrar que o feto está vivo, em boas condições. Então, ameaça de aborto é quando tem um sangramento com o colo fechado, mostrando que não tem perdas. Se a gravidez tem mais de 12 semanas, pode simplesmente ouvir o coração do feto. Mas mesmo assim vale a pena fazer o ultrassom. O aborto inevitável é caracterizado por cólicas mais intensas, sangramento com volume aumentado. Ao exame o colo está aberto, a bolsa pode estar rota ou não, o útero pode estar menor do que o esperado, e às vezes até há eliminação de partes fetais durante o exame. A conduta, na gestação com até 12 semanas, é curetagem ou aspiração manual intra-uterina (AMIU). Na gestação acima de 12 semanas, internar a paciente e experar ela expulsar o feto completamente, para depois curetar. Isso porque nesse período já tem calota craniana, e se for esvaziar o útero corre o risco de perfuração. O aborto incompleto é caracterizado por história de sangrameto genital intenso, com eliminação de “fragmento”. Ao exame o colo está pérvio, o útero está muito menor que o esperado (já eliminou o feto), tem restos placentários intra-útero. O diagnóstico é clínico. Para diferenciar do aborto inevitável, o aborto inevitável o feto está sendo expulso, é um trabalho de abortamento. No aborto incompleto isso já aconteceu, só ficaram restos. A conduta é curetagem. O aborto infectado é, na maioria das vezes, o aborto criminoso. É muito difícil ter aborto infectado sem manipulação intra-útero. A infecção chega no útero (grau I), e do útero ela ascende. Ela pega anexos, trompas, pelve (grau II), e evolui para um quadro séptico (grau III). Tem secreção purulenta, junto com sangue, febre, um toque extremamente doloroso. Se a mulher não for tratada ela vai ter sepse e morre. A conduta é o esvaziamento uterino (curetagem). A antibioticoterapia é com gentamicina + metronidazol ou clindamicina. Após 72 75 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 horas afebril, pode suspender o antibiótico. Se ela não melhorar, tem que ver se tem abscesso e drenar. Se mesmo assim não melhorar, tem que fazer histerectomia. O abortamento de repetição é a perda de 3 ou mais gestações, abaixo de 20 semanas. Essas perdas podem ser consecutivas ou não. É preciso pesquisar a causa. A insuficiência de corpo lúteo é uma causa. Incompetência istmo-cervical é outra. A incompetência istmo-cervical é quando o colo é incompetente. A técnica recomendada é fazer cerclagem uterina pela técnica de MacDonald. É preciso que se tenha vitalidade fetalcomprovada, 10 a 14 semanas, colo com até 4 cm de dilatação, bolsa íntegra. Não pode haver infecção uterina. O aborto completo é quando há eliminação total do embrião/feto e anexos. Ao exame, o colo está fechado, útero menor que o esperado, sem sangramento. O ultrassom mostra cavidade vazia. Ultrassom com endométrio menor que 18 mm é considerado aborto completo. O aborto retido é quando o feto morre dentro do útero mas não é eliminado. Normalmente ele fica preso por 4 semanas. O colo está fechado, com útero menor do que o esperado. Há involução dos sintomas gravídicos. Se tem mais de 12 semanas, espera a eliminação fetal (faz misprostol oral e vaginal, e a seguir um vaginal a cada 4 horas; normalmente não se chega ao terceiro comprimido e a cavidade esvazia; depois que esvaziou faz a curetagem). Se tiver menos de 12 semanas faz curetagem. 76 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 HEMORRAGIAS DA SEGUNDA METADE DA GESTAÇÃO DESCOLAMENTO PREMATURO DE PLACENTA É a separação total ou parcial da placenta normalmente inserida (se a placenta não está inserida no local normal não é descolamento prematuro) no corpo uterino, após 20 semanas de gestação e antes da expulsão fetal. A incidência é de 6 a 7 por mil partos. Em 20% dos casos o sangramento não aparece externamente. O prognóstico materno e fetal são reservados (30% de mortalidade materna e até 90% de mortalidade fetal). O descolamento prematuro pode ter causas traumáticas (internas ou externas). As causas externas podem ser uma queda, agressão, acidente. As internas podem ser cordão curto (quando a criança se movimenta traciona o cordão), escoamento rápido de polidrâmnio (o útero reduz de tamanho e pode causar o descolamento; por isso o escoamento de líquido amniótico deve ser lento, cerca de 5 mL por minuto), movimentos fetais excessivos, retração uterina após parto de 1º gemelar, hipertonia uterina. Entre as causas não traumáticas, hipertensão arterial, baixa condição sócio-econômica, multiparidade, idade materna avançada, DPP anterior, cesariana prévia (local de cicatriz não é uma área propícia para implantação da placenta, o que pode predispor a DPP), CIUR (conjunção de fatores que pode levar a um déficit de vascularização na placenta), corioamnionite, gemelaridade, diabetes mellitus, tempo prolongado de rotura das membranas, tabagismo (quem fuma está provocando áreas de restrição vascular na rede capilar), etilismo, drogas ilícitas (todas são prejudiciais). O quadro clínico do DPP é rico, por isso não se depende de exames complementares para o diagnóstico. Em 80% dos casos vai ter dor abdominal súbita e sangramento (geralmente sangue escuro). Pode ter sinais de hipovolemia, dependendo de quanto sangrou (taquicardia, hipotensão), sinais de CIVD (consumo de fatores de coagulação, principalmente o fibrinogênio), aumento do tônus uterino (o sangue fora dos vasos irrita a superfície uterina, que contrai, empurrando o coágulo e fazendo descolar mais a placenta, levando a um ciclo vicioso, até chegar a um ponto em que o útero fica todo contraído, útero “lenhoso”), batimentos cardíacos fetais ausentes ou de difícil ausculta (pelo sofrimenro fetal, pode chegar até à morte fetal), aumento da tensão da bolsa das águas (por isso na terapêutica se usa ruptura das membranas, a fim de diminuir a resistência), sangramento oculto (mas vai ter aumento da altura do fundo uterino). O diagnóstico pode ser clínico, laboratorial, ultrassonográfico, ou pela cardiotocografia. A cardiotocografia é pouco específica (vai mostrar sinais de sofrimenro fetal). O ultrassom mostra achados tardios. No laboratório, todos os exames demoram, não são úteis para um diagnóstico rápido. Por isso o diagnóstico é eminentemente clínico. O tratamento é individualizado. Em geral é interromper a gravidez. O tratamento clínico é com acesso venoso calibroso e infusão de soro fisiológico ou ringer lactato, sonda vesical (observar a diurese horária), oxigenioterapia generosa (máscara ou cateter nasal com 6-7 litros/minuto), 77 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 monitorização de pressão arterial, frequência cardíaca e diurese, além de transfusões de sangue, se necessário. O tratamento obstétrico primeiro é a amniotomia. Quando rompe as membranas, escoando o líquido amniótico, diminui a resistência. Se o feto estiver vivo, viável, pode fazer cesariana. Parto vaginal só se estiver iminente. Se o feto está inviável ou morto, da mesma forma, parto vaginal só se estiver iminente. O parto deve ocorrer entre 4 e 6 horas. No puerpério imediato, monitorizar hemorragias. Entre as complicações do DPP, existe a atonia uterina pós-parto (útero de Couvelaire). O útero fica com aspecto marmóreo, com áreas rosadas e áreas azuis, onde o sangue extravazou e fez uma dissecção das fibras do miométrio (pode injetar ocitocina para ver se o útero responde; se não pode ter que fazer histerectomia). Pode ter discrasia sanguínea, dependendo do tanto que sangrou, e consumo de fatores de coagulação. Pode ter insuficiência renal aguda pré-renal (pela perda volumétrica, se a pressão cair para menos de 8 mmHg o rim não filtra; basta dar volume para fazer a pressão subir). Pode ter síndrome de Sheehan (hipofunção hipofisária em decorrência de uma hipotensão prolongada). PLACENTA PRÉVIA É uma forma de gravidez heterotópica, e se define como implantação da placenta no segmento inferior do útero após 28 semanas de gestação, cobrindo, total ou parcialmente, o orifício interno do colo uterino. Acontece em 0,5 a 1% das gestações. A morbidade que essa patologia traz são sangramento anteparto (sem sentir nada), hemorragia intraparto, necessidade de hemotransfusão, histerectomia puerperal pode ser necessária. Pode estar associada a acretismo placentário, em que a placenta invade o miométrio e dificulta sua resposta de contração. Fica um resto de placenta dentro do útero, e o útero não contrai satisfatoriamente. A placenta prévia pode ser marginal, parcial ou total. Os fatores de risco para placenta prévia são multiparidade, idade materna avançada, endometrite, cicatrizes uterinas prévias, abortamento provocado (curetagem rude), tabagismo, grande volume placentário (gestação gemelar, por exemplo, para dar conta de nutrir mais de um feto). O quadro clínico é um sangramento vivo (sangue vermelho vivo), indolor, que inicia e cessa subitamente, sem fazer nada. Sem outros sintomas. O bebê pode estar com a frequência cardíaca normal, o útero flácido (ao contrário do DPP). No diagnóstico clínico pode se fazer o toque vaginal e o exame com espéculo. No diagnóstico complementar, a ultrassonografia é útil, para mostrar a placenta. Quando não se consegue o diagnóstico com o ultrassom, pode-se até apelar para a ressonância. O diagnóstico diferencial é com DPP, rotura uterina, rotura do seio marginal e rotura de vasa prévia. Na placenta prévia, se a hemorragia é importante, se está afetando a mãe, vai interromper a gestação. Se não é tão importante, mas a gestação está a termo (37 semanas completas) 78 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 interrompe também. Se não atingiu o termo, faz conduta conservadora. Geralmente a interrupção será com cesariana. As complicações da placenta prévia podem ser atonia pós-parto e hemorragia (acretismo placentário), infecção puerperal, laceração do trajeto, parto prematuro, amniorrexe prematura, apresentações anômalas, discinesias uterinas. ROTURA UTERINA É um evento obstétrico grave. Ocorre durante a gestação ou no parto. Tem incidência muito baixa (0,015 a 0,2%). A mortalidade perinatal é elevada (perto de 90%) e a mortalidade materna é variável (cerca de 30%).Os fatores de risco são cesárea prévia (local suturado é mais frágil, e pode romper com a dilatação), multiparidade (quanto mais filhos a mulher tem mais forte fica o corpo uterino e mais fino e frágil fica o segmento inferior), trabalhos distócicos negligenciados, desproporções cefalopélvicas mal avaliadas. É uma complicação rara e grave. Pode ser traumática ou espontânea. A traumática é quando tem uma queda sobre o ventre, traumatismo direto sobre o abdome, ferimentos penetrantes, manuseio da cavidade uterina, versão por manobras externas (para colocar o feto em apresentação cefálica). A espontânea pode ser por cirurgias prévias (cesarianas, miomectomias, correção de malformações, correção de útero duplo) e zonas patológicas da matriz com resistência diminuída (degeneração gordurosa ou hialina, inflamação, necrose, endometriose, adenomiose, acretismo placentário). Quanto à localização, pode ser fúndica (cicatriz de cirurgias do fundo uterino) ou deiscência de cicatriz de cesárea no segmento inferior ou na face ventral do corpo uterino. Cicatriz de cesárea é sempre um ponto de fragilidade na superfície uterina. O quadro clínico inicial é uma dor súbita e intensa, com sinais de hemorragia interna e pode ter sangramento vaginal também, podendo levar ao choque. Na segunda metade do processo, a tendência é o útero contrair e expulsar o feto para dentro da cavidade abdominal. A dor tende a reduzir. Há metrorragia. O diagnóstico é clínico. Ultrassonografia é dispensável. Se não tiver um sangramento significativo, pode fazer uma punção transvaginal do fundo de saco de Douglas. 79 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 A rotura pode ser espontânea ou provocada. A provocada não intencionalmente pode ser por tocurgias pélvicas (versão interna, extração podal, fórcipe, embriotomia, delivramento artificial), aumento da contratilidade uterina por uso inadequado de ocitocina (ao usar ocitocina deve se preocupar em provocar contrações o mais fisiológicas possíveis), compressão do abdome para acelerar expulsão do feto. No quadro clínico, existe uma síndrome clássica, síndrome de distensão segmentária, ou síndrome de Bandl-Frommel. O sinal de Brandl é que, com a rotura uterina, o corpo fica mais encorpado, e se forma um degrau, que recebe o nome de anel de Bandl. É o corpo uterino bem definido com o segmento fino. O sinal de Frommel é o útero, antes de romper, que faz muita força, e ligamentos que vão dos cornos uterinos até os grandes lábios ficam tensos. Ficam duas cordas palpáveis em forma de V. A rotura uterina consumada causa uma dor súbita, lancinante, localizada na região hipogástrica. Pára o trabalho de parto. Há hemorragia abdominal e ascenção do pólo apresentado. O tratamento é com laparotomia imediata. Hemostasia rápida, fazendo histerorrafia ou histerectomia. Antibioticoterapia profilática. ROTURA DE VASOS PRÉVIOS É uma anomalia de inserção do funículo umbilical na placenta, na qual os vasos umbilicais cruzam o segmento inferior uterino, colocando-se à frente da apresentação. Em vez do cordão estar entrando pelo meio, ele sai pela beirada da placenta. Com isso fica fácil ele passar adiante da apresentação fetal, o que provoca sangramento. Ocorre uma inserção velamentosa do cordão. A frequêcia é de 0,5 a 1% nas gestações simples, 10% nas gemelares e até 100% nas gestações trigemelares. A rotura desses vasos leva a anemia aguda e morte do feto em 100% dos casos. A compressão dos vasos leva a uma mortalidade fetal de 50 a 60%. O diagnóstico é pelo sangramento vaginal, presença do funículo umbilical ao toque. A ultrassonografia endovaginal e dopplerfluxometria ajudam no diagnóstico. A conduta é sempre cesárea. Os fatores de risco são alterações morfológicas placentárias, inserção baixa de placenta, gemelaridade, perdas sanguíneas vaginais intermitentes durante a gestação. ROTURA DO SEIO MARGINAL Geralmente o diagnóstico é feito no pós-parto, ao se examinar a placenta. É uma lesão de vasos sanguíneos localizados nas bordas da placenta. O quadro clínico é de placenta prévia. 80 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 81 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 INFECÇÕES PERINATAIS - TORCH TOXOPLASMOSE A incidência de toxoplasmose na gestação é baixa. A transmissão fetal quando a infecção materna ocorre no primeiro trimestre é de cerca de 15%. No entanto, quando a infecção materna ocorre mais no final da gravidez, a transmissão chega a 90%. A gravidade da doença para o feto é inversamente proporcional. Ou seja, quanto mais no fim da gestação, menos consequências para o feto, e quanto mais para o início da gestação, maior o risco de sequelas fetais. O que pode acontecer é abortamento, catarata, microcefalia, CIUR, hidropsia fetal, surdez e esplenomegalia. A transmissão é basicamente por via oral, pela ingestão de oocistos ou cistos teciduais em comida ou água contaminada, consumo de carne crua ou mal cozida, ou por mãos mal lavadas após manipular jardins com fezes de gato. Pode ser ainda por transfusão sanguínea (é possível, mas incomum). Após a ingestão do oocisto, ele vai eclodir no intestino e invadir as células intestinais. Lá eles se reproduzem muito, rompendo a célula e liberando grande quantidade de microorganismos. Nesse momento é que aparecem os sintomas. Os sintomas de fase aguda são muito inespecíficos, com febre, sintomas gripais e enfartamento ganglionar, com duração de aproximadamente 4 semanas. O diagnóstico é feito com dosagem dos anticorpos maternos, IgG e IgM. O IgM fica positivo 15 dias após a contaminação, e geralmente permanece positivo até 4 meses (mas dependendo da técnica pode ser detectada até um ano). O IgA geralmente em uma semana positiva, e na maioria das vezes desaparece com 4 meses. O IgG fica positivo após a segunda semana, e a partir daí fica sempre positivo. O IgM é o marcador agudo, e o IgG o marcador de cicatriz. Na suspeita de infecção aguda, ou seja, IgM positivo, pode-se lançar mão do IgA (na prática quase não se usa) e fazer o teste de avidez para IgG (interação antígeno-anticorpo). Uma avidez menor que 30%, significa uma infecção com menos de 4 meses. Se a avidez é maior que 60%, tem mais de 4 meses de doença. Entre 30 e 60% é indeterminado, não ajuda muito. Se IgG e IgM estão negativos, significa que a paciente nunca teve a doença, e é susceptível à doença. Orientá-la sobre os cuidados, e o ideal é fazer uma avaliação mensal dessa paciente (nem sempre se conseque, mas deve fazer trimestral pelo menos). Se a IgM está negativa e a IgG positiva, significa que a paciente já teve a doença e está imune, ela não está suceptível. Não precisa mais de rastreamento (a não ser que seja paciente imunodeprimida, cujo rastreamento deve ser trimestral). Se o resultado for IgG negativo e IgM positivo, pode ser uma infecção aguda inicial (em que o IgG ainda não positivou), mas pode ser também um falso positivo. Nesse caso pode pedir um IgA (e se vier positivo confirma infecção aguda; nesse caso, tratar), além de repetir o IgM e IgG, com um intervalo de duas semanas (para dar tempo de, se for o caso, o IgG positivar). Se o IgA vier negativo, e o IgG continuar negativo, provavelmente estamos diante de um falso positivo. Nesse caso repetir o rastreamento mensal. Porém, se o IgG virou, veio positivo, trata-se de uma doença aguda em evolução, e faz o tratamento. Se no primeiro exame veio IgM positivo e IgG positivo, lança-se mão do teste de avidez. Só se faz o teste de avidez com menos de 16 semanas. Se deu baixa avidez, sabe-se que tem menos de 4 meses de doença, e deve-se tratar. Se deu alta avidez, é porque a doença tem maisde 4 meses, ou seja, aconteceu antes da gestação, e não traz problemas para o feto. É uma IgM 82 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 apenas residual, que ainda não negativou. Porém, IgM e IgG positivos com mais de 16 semanas, não precisa fazer teste de avidez, considera-se infecção aguda e trata-se. O tratamento, no início da gravidez, é com espiramicina (3 g/dia: 1 g de 8/8 h). O objetivo é diminuir o risco de transmissão placentária. O diagnóstico de infecção fetal é com PCR no líquido após a 18ª semana, ou pode fazer a análise no sangue do cordão após 22 semanas. Antes desse período, o feto está em formação, e não adianta descobrir se ele está afetado, porque as drogas que se usam para tratamento podem alterar a formação fetal, ser teratogênicos. Por isso não se faz o tratamento fetal antes de 20 semanas, faz o tratamento materno tentando diminuir a transmissão placentária. Se fez o PCR e deu negativo, mantém a espiramicina até o parto. Faz ultrassom mensal, e após o nascimento fazer pesquisa de IgM no 5º dia, fundoscopia e TC. Se a PCR for positiva, o feto está infectado, e deve ser tratado. Faz 4 semanas de pirimetamina (50 mg/dia), sulfadiazina (3 g/dia) e ácido folínico (15 mg 2x/semana), alternando com 2 semanas de espiramicina (3 g/dia). Manter isso até 36 semanas, e depois disso manter só a espiramicina até o parto. Fazer ultrassom quinzenal. Após o nascimento, pesquisar IgM no 5º dia, fundoscopia e TC, além de punção lombar. RUBÉOLA A rubéola é uma doença exantemática, geralmente com característica centrífuga. Tem como características rash cutâneo, febre baixa, cefaléia, anorexia, coriza, conjuntivite, linfadenopatia suboccipital, retroauricular e cervical. O diagnóstico é muito parecido com a toxoplasmose, só muda um pouco o tempo. O IgM fica positivo logo após o exantema e permanece por até 80 dias. O IgG atinge o pico em 15 a 30 dias, mantendo o título constante. A diferença é que aqui não há tratamento. O diagnóstico é feito para acompanhamento apenas. A rubéola é uma doença de notificação compulsória. A rubéola congênita, quando transmitida nas primeiras 12 semanas, leva a malformações graves em até 90% dos casos. Em 20% dos casos vai haver abortamento. Após 18 semanas, é quase nulo o risco de malformação fetal. Entre 12 e 18 semanas, quando acontece alguma coisa, é surdez. Vai se fazer a pesquisa de infecção fetal com 18 semanas, por PCR no líquido amniótico. Se der negativo o feto não está infectado. Se der positivo acompanha com ultrassom. Se o ultrassom der alterado, não tem o que fazer, apenas orientar os pais sobre os riscos. Se o ultrassom for normal, fazer cordocentese a partir de 22 semanas para avaliar comprometimento fetal sistêmico (LDH, GGT, fosfatase alcanina, anemia, leucocitose). A síndrome da rubéola congênita é uma tríade, composta por malformação cardíaca, catarata e surdez. Pode ter persistência do canal arterial, estenose da artéria e válvula pulmonar, coarctação da aorta, CIA e CIV, retinopatia, microcefalia, CIUR. A profilaxia é por vacinação. Não se faz vacinação contra rubéola na gravidez, é contra- indicada. Também não se faz em imunodeprimidas e em quadros febris. SÍFILIS Ela é dividida em adquirida e congênita. A adquirida pode ser precoce (primária, secundária e latente recente) e tardia (latente tardia e terciária). A sífilis primária acontece de 10 a 60 dias após o contato. É uma lesão papular indolor, que evolui para lesão ulcerada (cancro), e desaparece em 4 a 6 semanas. A sífilis secundária aparece 2 a 8 semanas após o cancro, e é caracterizada por rash cutâneo em região palmar e plantar, febre, cefaléia, dor articular, perda 83 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 de peso e queda de cabelo. Os sintomas desaparecem em 1 a 3 meses. A infecção latente recente é aquela com menos de um ano e a tardia com mais de um ano. A sífilis terciária cursa com comprometimento cardiovascular e de SNC. Ela pode aparecer em até 40 anos após infecção. Quando ela começa a dar sinal, podem aparecer lesões gomosas. O diagnóstico pode ser feito por identificação direta das espiroquetas nas lesões. Mas o que se faz rotineiramente é a dosagem do VDRL, que é um teste não treponêmico. É um teste de alta sensibilidade (bom para rastreio). Ele tem baixa especificidade (pode ter falsos positivos). Pode ocorrer falso negativ o no HIV e no fenômeno prozona. Depois do tratamento, o VDRL se negativa no segundo ano, ou na fase latente e terciária. Se o VDRL deu título baixo, para saber se é sífilis ou falso positivo, faz o FTA-Abs. Ele é mais sensível e mais específico. Porém ele permanece sempre positivo depois de uma exposição. Se o título do VDRL trata. Se for baixo, pode fazer o FTA-Abs para confirmar. A transmissão vertical por via placentária pode acontecer em qualquer momento da gravidez, porém é maior após 16 semanas. Está relacionada à treponemia materna (quanto maior a treponemia, maior o risco de transmissão; na fase primária é quase 100% o risco de transmissão, nas fases tardias o risco é menor). Na sífilis congênita pode se encontrar ao ultrassom hepatomegalia, ascite, hidropsia e espessamento placentário (é exuberante). O tratamento é com penicilina benzatina. A dose depende da fase. Mas como, na maioria das vezes, não tem como saber em que fase está, na dúvida trata com 3 doses. Na gestante o tratamento tem que ser com penicilina benzatina (eritromicina na obstetrícia não serve, porque só trata a mãe, não passa para o feto). Se a paciente é alérgica, tem que fazer dessensibilização. Quando se faz o tratamento, a lise das espiroquetas libera toxinas, e pode causar uma reação na mãe (reação de Jarish-Herxheimer), com febre, mialgia, cefaléia e hipotensão. Não confundir com alergia a penicilina. O acompanhamento é com VDRL. Para que se considere a gestante tratada, o tratamento deve ter sido concluído até um mês antes do aprto, o tratamento deve ter sido com penicilina benzatina, deve haver documentação do tratamento, deve haver queda do VDRL e o parceiro precisa ser testado e tratado. 84 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 CITOMEGALOVÍRUS É a infecção congênita mais frequente. A transmissão fetal é por infecção materna aguda ou reativação viral. Contaminação se dá por contato com secreções corpóreas, transfusão sanguínea e transplante. Pode dar febre, fadiga, mialgia, faringite, tosse, náusea, diarréia e cefaléia. Adenomegalia cervical. A transmissão vertical se dá por via transplacentária ou por contato direto com secreções vaginais na hora do parto, e por leite materno também. A maioria dos RN que são acometidos pela doença são assintomáticos. Os que têm alguma coisa (5 a 15%) podem apresentar surdez ou retardo mental. Dos sintomáticos, 20% podem apresentar doença citomegálica, que é hepatoesplenomegalia, icterícia, petéquias, púrpura, baixo peso, prematuridade, retinocoroidite e trombocitopenia. Destas, 1/3 morrem em poucas semanas. Das que sobrevivem, 90% ficam com algum tipo de sequela. Quando a infecção se dá com menos de 20 semanas, a repercussão é mais grave. Não se faz rastreio de citomegalovírus, pois não há o que fazer. O tratamento é controverso. As drogas que poderiam ser usadas causam problemas para o feto. O diagnóstico é com IgG, igual na toxoplasmose. No ultrassom pode-se encontrar CIUR, ascite, anasarca, dilatação ventricular, oligo ou polidramnia, calcificações hepáticas, microcefalia, espessamento placentário, calcificações periventriculares, óbito intrauterino e hiperecogenicidade intestinal. ESTREPTOCOCOS DO GRUPO B A colonização materna pelo estreptococo está relacionada a um risco 25 vezes maior de sepse neonatal. Por isso se faz o rastreio. Sem profilaxia, ocorrem 2a 3 casos em mil. Com a profilaxia, caem 80% dos casos (no máximo 0,5 caso por mil). De 10 a 30% das mulheres são colonizadas, mas não têm sintomas. O diagnóstico é feito com o swab, por volta de 35 a 37 semanas. É feito nessa época para se ter segurança de um resultado negativo, pois se houver colonização em 4 ou 5 semanas não há risco fetal. O swab é passado no intróito vaginal e no esfíncter anal. Não pode fazer higiene local até 6 horas antes da coleta. Os fatores de risco para sepse neonatal são parto prematuro, febre durante o trabalho de parto, amniorrexe por mais de 18 horas, sepse em gestação anterior, bacteriúria por estreptococo do grupo B durante a gravidez atual (mesmo que tratado). Nesses casos, mesmo com swab negativo tem que fazer a profilaxia. Caso a gestante relate sepse em gestação anterior, ou tenha bacteriúria por estreptococo durante a gestação, nem precisa fazer o rastreio, já vai ter que fazer a profilaxia. O tratamento é feito com penicilina G EV (500.000 inicial, 2.500.000 de 4/4 horas até o nascimento) ou ampicilina EV (2 g inicial, 1 g de 4/4 horas até o nascimento). Pode ser também cefazolina EV (2 g inicial e 1 g de 8/8 horas), clindamicina EV (900 mg inicial e 900 mg de 8/8 horas) ou eritromicina EV (500 mg inicial e 500 mg de 6/6 horas). HERPES Existem dois tipos: o HSV-1 (o labial) e o HSV-2 (genital). São aquelas vesículas que eclodem e viram úlceras planas. A transmissão vertical acontece, em 85%, no parto ou próximo a ele. Outras formas de transmissão são menos comuns. O diagnóstico clínico não é muito sensível. Porém o resto é difícil de fazer. O método de escolha seria isolamento por cultura do líquido vesicular. Cerca de 70% dos RN acometidos pela herpes a mãe era assintomática e nem sabia que tinha. A transmissão vai ser no momento do parto por contato direto com as lesões. A doença 85 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 neonatal acontece 3 semanas após o parto. Metade vai ter doença apenas cutânea, e a outra metade pode ser sistêmica, e geralmente leva a óbito. A infecção intrauterina é rara. Quando ocorre, pode levar a abortamento, morte intraútero, anomalias congênitas. Quando a infecção materna é primária o risco de infecção neonatal é de 40%, mas quando é infecção recorrente o risco é de 5%. O tratamento é a escolha correta da via de parto. Se a paciente tem lesão na hora do parto, faz-se indicação de cesariana. Se não tem sintomas e lesões, a indicação é obstétrica. A amamentação é contra-indicada somente se a mãe tem lesões nas mamas ou mãos. O tratamento não é indicado de rotina durante a gravidez, a não ser que se encontre lesões pouco antes do parto e se queira parto vaginal. O tratamento é feito com drogas antivirais, como aciclovir. HEPATITE B A transmissão é por transfusão sanguínea, relação sexual, saliva e leite materno. Quando não tem tratamento preventivo da mãe portadora de hepatite B, 90% dos RN serão portadores crônicos, 25% vão morrer de cirrose ou carcinoma, e a sobrevida é de 50 anos. Na forma aguda, 1% podem ter hepatite fulminante que leva a óbito, e até 90% dos casos a resolução é espontânea, e em torno de 5% pode cronificar. Desses, até 30% podem ter hepatite ou cirrose e 20% podem ter carcinoma. Dos marcadores da hepatite B, o HbsAg vai ficar positivo alguns dias após o início da doença e negativa após a icterícia. Se ele permanecer positivo por mais de 6 meses, é porque a doença evoluiu para a forma crônica. O HbcAg é o antígeno da cápsula viral. O HbeAg está relacionado à replicação viral. O anti-HbsAg fica positivo quando a doença já se resolveu, e o anti-HbeAg indica parada da replicação. O objetivo na gestação é identificar uma mãe com hepatite B para fazer a prevenção de transmissão para o RN. Não se faz tratamento na gravidez. O risco de transmissão fetal é de 8% na forma crônica e 80% na forma aguda. A doença materna crônica tem pouca influência na gestação. Na forma aguda vai depender do comprometimento materno. Não há tratamento na gestação. Se faz apenas medidas de suporte. Na hepatite B se contra-indicam as condutas invasivas. A via de parto não faz diferença em relação à hepatite B. Teoricamente existe um risco de transmissão pelo leite, mas a maioria dos artigos não contra-indicam o aleitamento. A transmissão transplacentária é rara, sendo mais comum perinatal. A transmissão é maior na hepatite aguda que na crônica. Se a mãe está replicando (HbeAg +), a chance de transmissão é de quase 90%. Se o anti-Hbe é positivo (replicação parou), a transmissão é menor de 20%. Se o HbeAg é negativo e anti-Hbe também, o risco é menor ainda, menos de 10%. Se a mãe é HbsAg positiva, se faz a profilaxia do RN, que é o que mais protege a criança. Faz imunoglobulina e a primeira dose da vacina nas primeiras 12 horas. HEPATITE C 50% apresentam sintomas, que podem ser inespecíficos. Pode ter alteração dos marcadores hepáticos. Cerca de 80% dos casos são na forma crônica. A prevalência em gestantes é baixa. A mãe que tem hepatite C e ganha peso geralmente desenvolve diabetes gestacional. O RN pode apresentar baixo peso e pode necessitar de UTI neonatal. Não se sabe exatamente em que momento ocorre a transmissão vertical. O tipo de parto não tem interferência, a indicação 86 JOÃO PAULO MAULER – MED 106 é obstétrica. Nos casos em que ocorre co-infecção de hepatite C com HIV, há uma recomendação de se indicar cesariana. Não há contra-indicação para amamentação. O tratamento materno, apesar de existir, na gravidez não é indicado, pois as drogas são teratogênicas. ARBOVIROSES A dengue tem mesmo tratamento clínico da não gestante. Há risco aumentado de descolamento prematuro de placenta. A zika tem clínica de exantema, febre baixa, artralgia, cefaléia, hiperemia conjuntival não purulenta. O vetor é que transmiste. Pode acontecer transmissão perinatal e sexual. Embora tenha sido encontradas partículas virais no leite, a princípio não parece haver transmissão. Pode apresentar complicações neurológicas, como Guillain-Barré, mas geralmente em adulto. O tratamento é de suporte, não existe tratamento específico. O risco fetal é maior no primeiro trimestre de gestação, que é quando ocorre a maior parte dos casos de microcefalia. A prevenção é com preservativo, repelente.