Prévia do material em texto
MÓDULO I - CONCEITOS ELEMENTARES E CORRENTES
TEÓRICAS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Unidade 1 - As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo: Dilemas e
Perspectivas
Unidade 2 - Conceitos Fundamentais
Unidade 3 - Correntes Teóricas das Relações Internacionais
Unidade 4 - O Realismo
Unidade 1 - As Relações Internacionais no Mundo
Contemporâneo: Dilemas e Perspectivas
Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a:
identificar os principais pontos da agenda de relações internacionais
contemporâneas;
estabelecer o conceito e as características da Globalização;
estabelecer a importância das relações internacionais para o Brasil;
assinalar a evolução histórica e a importância de Relações Internacionais
como disciplina acadêmica.
Em um curso de educação a distância por meio da Internet, o estudante tem
um papel central no estabelecimento de uma relação de qualidade com o
conteúdo proposto. Portanto, procure organizar-se para ter o melhor
aproveitamento possível do curso.
Pág. 2 - As Relações Internacionais no mundo contemporâneo
Antes de iniciar os estudos desta unidade, assista ao primeiro vídeo
educacional da série: Conexão Mundo ("Aldeia Global - Mundo Digital"),
disponível na página do ILB.
Conexão Mundo é uma série de 20 programas sobre relações internacionais
que oferece informações necessárias à compreensão dos novos processos de
intercâmbio entre as nações. Os programas enfocam toda a história das
relações entre os povos, os tratados e políticas para a nova ordem
internacional e procuram desvendar conceitos como o de “globalização”,
“blocos econômicos” etc.
As últimas décadas do século XX foram marcadas pela intensificação das
relações entre os povos, de uma maneira como nunca experimentada
anteriormente. Cada vez mais, as distâncias estão menores, tempo e espaço
perdem o significado que tinham para nossos pais e avós, e as pessoas de
diferentes locais do globo tomam consciência de que “a menor distância entre
dois pontos é uma tecla”.
O século XXI chegou trazendo grandes conquistas: o mundo está menor,
globalizado, interligado física e eletronicamente; pode-se tomar café em Londres
e almoçar em Washington; as fronteiras perdem sua importância; o sistema
internacional vê-se cada vez mais integrado; a tecnologia alcança milhões de
pessoas, e não há limite ao conhecimento humano. O último século do segundo
milênio presenciou uma evolução tecnológica inimaginável!
Pág. 3 - O Processo de Globalização
O termo globalização pode ser entendido como fenômeno de aceleração e
intensificação de mecanismos, processos e atividades, com vista à promoção de
uma interdependência global e, em última escala, à integração econômica e
política em âmbito mundial. Trata-se de conceito revolucionário, envolvendo
aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos. Registre-se, ademais, que
essa é apenas uma das várias conceituações do fenômeno, o qual não é recente,
mas se acelerou a partir da segunda metade do século XX.
Um dos aspectos mais importantes da globalização envolve a ideia crescente do
“mundo sem fronteiras”. Isso é perceptível em termos como “aldeia global” e
“economia global”. Poucos lugares do mundo estão a mais de dez dias de
viagem, e a comunicação através das fronteiras é praticamente instantânea.
Em nossos dias, com as economias interligadas, blocos se formam, com
consequências que ultrapassam os benefícios econômicos, pois as conquistas
sociais e políticas de um membro do bloco logo deverão chegar aos territórios
de todos os outros. Princípios como a democracia e a prevalência dos direitos
humanos podem ser defendidos e arguídos em troca de benefícios econômicos.
Cite-se, por exemplo, o caso de países como Grécia, Portugal e Espanha, que,
para serem aceitos na então Comunidade Europeia, tiveram que promover
importantes mudanças econômicas, sociais e políticas. O mesmo se aplica à
Turquia, que aspira a tornar-se parte da moderna Europa.
No caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), há a chamada "cláusula
democrática", a qual estabelece que apenas países sob regimes democráticos
podem participar do bloco. Essa cláusula evita as alternativas autoritárias em
alguns países do Mercosul, em momentos de crise institucional.
Assim, o atual processo de globalização envolve a integração econômica
mundial em diversos níveis, com a redução das distâncias em virtude do
desenvolvimento de mecanismos de produção e distribuição de bens em escala
global, e do fortalecimento dos meios de comunicação. Nesse contexto, novos
atores, como as organizações não governamentais, as empresas transnacionais,
a opinião pública e a mídia, ganham destaque ao influenciarem a conduta dos
Estados.
Uma leitura essencial sobre o tema é o artigo de Paulo Roberto de Almeida,
“Contra a Antiglobalização”.
Pág. 4 - Dilemas da Globalização
Entretanto, a globalização também é marcada por problemas em escala mundial.
Nesse sentido, há a criminalidade, que ultrapassa as fronteiras dos Estados, com
organizações criminosas exercendo suas atividades ilícitas no âmbito
internacional. Crimes como o narcotráfico, o tráfico de armas, o tráfico de
pessoas e de animais e a pirataria, todos esses há muito não são problemas
exclusivos de um ou outro país, mas questões globais que devem ser encaradas
sistemicamente. E a base do crime organizado é a lavagem de dinheiro, que
movimenta cerca de um trilhão de dólares por ano no mundo, ou 4% do Produto
Interno Bruto (PIB) mundial, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Assim, ao lado das grandes conquistas, há novos e grandes desafios: parte
significativa da população mundial ainda permanece no século XIX. Nações ricas
e prósperas convivem com Estados que comportam milhões de miseráveis.
Alguns locais do globo ainda não saíram da Idade Média! Novas e antigas
doenças afligem milhões. Cite-se, ainda, a parte significativa da raça humana
que sofre com a fome, a pobreza, as guerras. A sociedade internacional
presencia crises econômicas, políticas, culturais e sociais. E o destino da
humanidade permanece uma grande incógnita.
Pág. 5 - Meio Ambiente, Direitos Humanos, Conflitos Internacionacionais
Outro importante tema de relações internacionais neste mundo globalizado
envolve os problemas ambientais. Cada vez mais a humanidade toma
consciência de que o meio ambiente não pode ser tratado como assunto interno
dos Estados e que os danos ambientais ultrapassam as fronteiras. A terra é um
corpo único e seus recursos são patrimônio de todos os seres humanos e das
futuras gerações. Daí que os males causados ao meio ambiente afetam toda a
humanidade.
Convém registrar que, para Relações Internacionais como disciplina acadêmica
ou área do conhecimento, empregaremos iniciais maiúsculas, enquanto que,
quando nos referirmos ao objeto de estudo, usaremos o termo em minúsculas.
No último quartel do século XX, a proteção ao meio ambiente passou a ser uma
das grandes preocupações da comunidade internacional, não só na esfera de
governo, mas também entre todos os habitantes do planeta. A Conferência do
Rio de Janeiro de 1992 exerceu essa salutar influência, e multiplicaram-se nas
últimas décadas os tratados sobre todos os aspectos ambientais, tanto assim
que se calcula em mais de mil os tratados internacionaisassinados sobre o tema.
Também a proteção aos direitos humanos é um assunto em voga, sobretudo
quando notícias de violações a esses direitos nos chegam de todas as partes do
planeta. No moderno sistema internacional, agressões contra uma pessoa
devem ser consideradas crimes contra toda a raça humana. O intenso trabalho
das cortes internacionais de direitos humanos na Europa e no continente
americano refletem essa nova realidade.
Ademais, à medida que nos aproximamos uns dos outros, surgem também os
conflitos, outro componente marcante da agenda internacional desde sempre. E
no extremo dos conflitos, temos a guerra, sob suas diferentes formas. Nesse
sentido, o século XX foi marcado por uma grande quantidade de guerras por todo
o globo, inclusive com dois conflitos que envolveram praticamente toda a
sociedade internacional.
De fato, uma das grandes certezas do século XXI é que nele ainda
presenciaremos o fenômeno da guerra. Entretanto, alguns cogitam mesmo que
a guerra, neste século, não será mais entre países, mas entre civilizações
(HUNTINGTON, 1998).
Pág. 6 - Importância do conhecimento de Relações Internacionais
Eis, portanto, o grande paradoxo global: ao lado de grandes conquistas, grandes
desafios! E é nesse contexto que se percebe a necessidade de conhecimento
das relações internacionais. Atualmente, quem não estiver informado sobre o
que ocorre no mundo poderá ver-se bastante limitado, pessoal e
profissionalmente.
Hoje, a sociedade internacional está tão interligada, tão integrada em um
processo de globalização, que situações ocorridas na China podem afetar a nós,
brasileiros, do outro lado do planeta. Daí que o problema do outro passa a ser
também um problema nosso, e o bem-estar de cada homem passa a significar o
bem-estar de toda a humanidade. Nesse contexto, se você não é parte da
solução, é parte do problema!
Assista à aula proferida pelo Professor Doutor Joanisval Brito Gonçalves, por
ocasião de curso presencial ministrado no ILB. Aqui
Aumente o som de seu equipamento e bons estudos!
O Brasil e as Relações Internacionacionais
Como quinto maior país do globo em população e dimensão territorial, e estando
entre as maiores economias do planeta, com condições e pretensões de se
tornar uma grande potência, o Brasil não pode se furtar a ter um papel de
destaque nas relações internacionais. As transformações e acontecimentos no
mundo globalizado farão cada vez mais parte de nosso dia a dia, em uma
tendência praticamente irreversível.
Estamos estrategicamente localizados, temos fronteiras com praticamente todos
os países sul-americanos, e com o Atlântico, principal via para a Europa e a
África. Ademais, somos uma nação tida como pacífica e respeitadora do direito
internacional e com incontestáveis atributos de liderança regional. Finalmente,
não devemos desconsiderar nossas maiores riquezas: os recursos naturais e um
povo multiétnico, empreendedor e, nos dizeres de Gilberto Freyre, com suas
peculiares “características antropofágicas”.
Pouco significativa diante de suas potencialidades é a atuação brasileira no
cenário internacional. Apenas nas últimas décadas do século XX é que o Brasil
começou a se fazer mais presente. Isso coincide com o surgimento e o
desenvolvimento dos primeiros cursos de Relações Internacionais no País e com
o aumento do interesse nas questões internacionais por parte de diversos
setores da nossa sociedade.
É premente a necessidade de que os brasileiros tenham algum conhecimento de
Relações Internacionais. Na Administração Pública, essa demanda é mais
evidente. No Poder Legislativo, é fundamental que aqueles que assessoram os
legisladores conheçam as principais linhas da política internacional tão bem
quanto conhecem a política interna brasileira. Afinal, política interna e política
externa estão estreitamente relacionadas: as ações daquela afetarão e serão
afetadas por esta e vice-versa.
Um sítio interessante para o estudante e o profissional de Relações
Internacionais é o Inforel, que traz cobertura atualizada das questões gerais da
área e também de defesa nacional, além de artigos com análises interessantes.
Pág. 7 - As Relações Internacionais e a Constituição Brasileira
A importância das relações internacionais também pode ser percebida na
maneira como o tema é tratado na Constituição Federal. A Carta Magna, já em
seu Título I, referente aos “Princípios Fundamentais”, estabelece, no art. 4º, os
princípios que regem as relações internacionais do Brasil:
· independência nacional;
· prevalência dos direitos humanos;
· autodeterminação dos povos;
· não intervenção;
· igualdade entre os Estados;
· defesa da paz;
· solução pacífica dos conflitos;
· repúdio ao terrorismo e ao racismo;
· cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
· concessão de asilo político.
Ainda no que concerne à Lei Maior, também os direitos e garantias fundamentais
estão intimamente relacionados às experiências vivenciadas pela comunidade
das nações ao longo de sua história. Foi graças às revoluções em países como
a Inglaterra, a França, os EUA e a Rússia, e à difusão desses princípios para
além de suas fronteiras, que o mundo moldou uma cultura de direitos
fundamentais que hoje são inquestionáveis em todo o planeta. E a violação a
esses direitos gera repulsa da comunidade internacional.
A Constituição de 1988 inovou ao elencar, de forma sistemática, os princípios
que regem nossas relações internacionais. Para maior aprofundamento,
sugerimos a leitura do artigo 'Os princípios das relações internacionais e os 25
anos da Constituição Federal', do Professor Alexandre Pereira da Silva,
disponível na Biblioteca deste curso, em 'Textos complementares'.
Vereshchetin (1996), por exemplo, vê no que chama de “fator direitos humanos”
um dos principais meios de retomada de uma cultura mínima de proteção
internacional no pós-Guerra. O relacionamento entre Estado e indivíduo, que
tradicionalmente foi objeto de preocupação de leis internas, não mais pode ser
considerado uma questão puramente doméstica dos países.
A Constituição da Rússia de 1993, por exemplo, trouxe como princípio a
incorporação das normas internacionais ao sistema jurídico interno e a
prevalência dos acordos internacionais dos quais a Federação Russa faça parte,
caso estes estabeleçam regras que difiram daquelas estipuladas em lei interna.
Isso tem se mostrado uma tendência constitucional em vários países. Quando
não há dispositivos legais expressos, as cortes constitucionais têm dado o rumo
da interpretação.
Na década de 1990, as cortes constitucionais da Hungria e da Polônia, por
exemplo, decidiram que a Constituição e as normas internas deveriam ser
interpretadas de tal forma que as normas internacionais geralmente aceitas
tivessem força efetiva.
Há, portanto, em todo o planeta, sinais de uma crescente interdependência até
mesmo no campo jurídico, e o Tribunal Penal Internacional nada mais é que uma
expressão e consequência disso.
Pág. 8 - O Poder Legislativo e as Relações Internacionais
As relações internacionais do Brasil passam efetivamente pelo Poder Legislativo.
Em nosso sistema jurídico-político, quaisquer tratados que o Brasil celebre com
outras nações ou com organizações internacionais devem necessariamente
passar peloaval do Congresso Nacional antes de serem ratificados.
O art. 49 da Constituição Federal de 1988 é claro ao estabelecer, logo nos dois
primeiros incisos, as competências exclusivas do Congresso Nacional:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
II - autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a
permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele
permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei
complementar;
(...)
E o Senado Federal, por sua vez, tem atribuições mais específicas, pois é a Casa
Legislativa que avalia e aprova nossos embaixadores, autoridades máximas das
missões diplomáticas brasileiras, designados para representar o País no
Exterior. Compete também ao Senado autorizar as operações externas de
natureza financeira dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Cada Casa Legislativa possui comissões encarregadas dos temas de relações
exteriores e defesa nacional. No Senado Federal, por exemplo, a Comissão de
Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), composta por 19 membros
titulares e 19 suplentes, é competente para tratar das questões que envolvam as
relações internacionais do País.
A legislação brasileira evidencia a importância do Poder Legislativo nos destinos
das relações internacionais. E quanto mais o Brasil busque integrar-se na
comunidade das nações e ocupar o seu devido papel de destaque, mais
importante se faz o conhecimento, na esfera do Legislativo, dos principais temas
da área.
Pág. 9 - O Estudo das Relações Internacionais
Antes de concluirmos a primeira Unidade, convém apresentar algumas
considerações gerais sobre o estudo das relações internacionais como
disciplina, as áreas de atuação do profissional da área e a realidade brasileira.
O estudo de Relações Internacionais envolve conhecimentos gerais de Direito,
Economia, Administração, História, Filosofia, Sociologia, Antropologia,
Estatística e, sobretudo, de questões internacionais contemporâneas.
O interesse por temas de relações internacionais aumentou mais ainda após os
atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Ao assistirmos àqueles
dramáticos acontecimentos em tempo real, alguns véus foram retirados, e aos
poucos tomamos consciência de que as distâncias físicas se estreitavam ao
mesmo tempo em que as distâncias culturais e sociais aumentavam. O
terrorismo passa também a ser uma questão global, que afeta países nos
hemisférios Norte e Sul, no Ocidente e no Oriente.
No campo profissional, as relações internacionais são aplicáveis em diversas
áreas. No Brasil, há profissionais dessa área atuando em vários setores da
Administração Pública e da iniciativa privada.
Em termos de carreira, uma das mais conhecidas é a diplomacia. O diplomata é
o legítimo representante do Governo e da nação junto a outros povos e
organizações internacionais. Para se tornar um diplomata no Brasil, é necessário
o ingresso na carreira por meio de concurso público, promovido pelo Instituto Rio
Branco (IRBr) do Ministério das Relações Exteriores. Aprovado no concurso, e,
submetido a um período de treinamento no IRBr, o diplomata inicia uma carreira
como Terceiro Secretário, podendo chegar a Embaixador.
Palácio do Itamaraty
Fonte:www.inforel.org
No serviço público, além da Chancelaria, o profissional de relações
internacionais tem diante si alternativas de trabalho nos vários órgãos da
Administração Federal, Estadual e Municipal. Afinal, sempre há uma “assessoria
internacional” em cada ministério, secretaria, autarquia e empresas públicas. E
o perfil do internacionalista se destaca. Constata-se a presença de profissionais
de relações internacionais nas principais carreiras de Estado.
Na iniciativa privada, outro leque de alternativas se abre aos que possuem
formação na área. Além das grandes corporações multinacionais e
transnacionais, as empresas brasileiras de médio e grande porte já percebem a
necessidade de atuarem em uma economia globalizada. Assim, em um mundo
cada vez mais integrado econômica e financeiramente, as empresas precisam
de profissionais que as auxiliem a se integrarem e a permanecerem no sistema
internacional. Aquelas que desconsideram essa percepção frequentemente
acabam por sucumbir.
Além disso, há a possibilidade de trabalho nas centenas de Organizações
Internacionais e Organizações Não Governamentais que atuam no globo: ONU,
OEA, OIT, OMC, OPEP, UNESCO, FAO, Greenpeace, WWF e outras. Brasília
tem representação da maior parte dos organismos internacionais dos quais o
Brasil é membro e, com isso, o mercado do profissional de relações
internacionais se amplia na capital federal.
Pág. 10 - Relações Internacionais como disciplina independente
Até o início do século XX, as relações internacionais não eram estudadas como
disciplina independente. O estudo do tema estava sempre sob o manto de outras
ciências, como o Direito, a Economia, a Sociologia e a Ciência Política.
À medida que a sociedade internacional tornava-se mais complexa e as relações
entre os Estados mais diversificadas, relações estas que envolviam conflito e
cooperação, e que muitas vezes culminavam em situações que interferiam
diretamente no cotidiano das pessoas e na política interna das nações,
percebeu-se a crescente necessidade de teorias que explicassem a conduta dos
atores em um cenário internacional. Essas teorias e seu estudo deveriam
constituir uma nova área do conhecimento, independente e com autonomia para
gerar suas próprias percepções da realidade. Daí o aparecimento das primeiras
cátedras de Relações Internacionais pelo mundo.
Os cursos de Relações Internacionais surgiram na primeira metade do século
XX, nas principais universidades europeias e norte-americanas. Foram
constituídos com o objetivo de produzir conhecimento que explicasse como se
desenvolviam as relações entre os Estados. Naquele contexto, as perguntas que
impulsionariam o estudo estavam intimamente relacionadas ao grande trauma
da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), conflito sem precedentes até então,
que envolvera diversas nações do globo e causara pesadas perdas, sobretudo
no território europeu. Assim, os temas centrais eram:
O que havia conduzido o mundo a uma situação de conflito tão drástica?
O que leva os Estados à guerra?
É possível se evitar o conflito entre os povos?
Como agem os atores internacionais e quais forças que interferem na
conduta desses entes?
Claro que, no decorrer do século XX, o estudo de Relações Internacionais
diversificava-se à medida que os laços entre os povos tornavam-se mais
complexos e novos temas, como cooperação, desenvolvimento, integração, paz,
direitos humanos e globalização, vinham à baila. Atualmente, a disciplina é
ampla e alcança as mais diferentes áreas de estudo, e evolui à medida que
também evolui a complexidade da sociedade internacional. De fato, hoje há
cursos de Relações Internacionais nas principais universidades do mundo e
profissionais da área atuando nos mais variados segmentos dos setores público
e privado.
O primeiro curso de Relações Internacionais no Brasil foi instituído na
Universidade de Brasília, na década de 1970, fazendo da capital da República o
referencial brasileiro em estudos internacionais. Até meados da décadade 1990,
havia apenas dois cursos de Relações Internacionais no Brasil – na Universidade
de Brasília e na Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro). Hoje, são dezenas
de instituições que oferecem a graduação em Relações Internacionais por todo
o País. Trata-se, portanto, de carreira de grata expansão. Mesmo assim, a
contribuição brasileira para as relações internacionais ainda é muito incipiente,
sobretudo para um país que tem potencial para se tornar uma grande potência
entre seus pares.
Feitas essas primeiras considerações acerca do tema de nosso curso, realize as
atividades propostas e, em seguida, passemos às teorias e aos principais
conceitos utilizados pelos profissionais e estudiosos das Relações
Internacionais.
Unidade 2 - Conceitos Fundamentais
Ao final desta unidade, o aluno deverá ser capaz de identificar e definir os
seguintes conceitos fundamentais de relações internacionais:
• Sociedade Internacional;
• Atores;
• Forças Profundas;
• Sistema Internacional;
• Potência;
• Hegemonia.
Lembre-se sempre dos objetivos estabelecidos, que devem servir de guias
para o estudo do conteúdo e para a autoavaliação do cursista. Tenha um bom
aproveitamento!
Pág. 2 - Conceitos Fundamentais
Essencial para o desenvolvimento de nosso curso é a compreensão de conceitos
fundamentais de Relações Internacionais. Nesse sentido, seria complicado
tentar iniciar qualquer análise de Relações Internacionais sem as noções desses
conceitos. Dentre eles ressaltamos:
Sociedade Internacional;
Atores;
Forças Profundas;
Sistema Internacional;
Potência;
Hegemonia.
Antes de iniciar o estudo desta unidade, sugerimos que assista atentamente
aos dois vídeos seguintes do Conexão Mundo,
“Conceitos Fundamentais de Relações Internacionais”, disponíveis no sítio do
ILB.
A seguir, vamos procurar identificar os elementos mais importantes desses
conceitos.
Sociedade Internacional
Um dos primeiros aspectos com o qual se depara aquele que inicia o estudo de
Relações Internacionais refere-se à temática que envolve a Sociedade
Internacional.
Como definir Sociedade Internacional? Quais os elementos constitutivos desse
conceito?
A ideia de Sociedade Internacional – termo cunhado por Hugo Grócio no século
XVII – permite direcionar a atenção para a atuação padronizada dos Estados.
Apesar da ausência de uma autoridade central no cenário internacional, os
Estados exibem padrões de atuação que estão sujeitos a, e constituídos por,
restrições de diversas naturezas – históricas, sistêmicas, legais e morais, entre
outras.
Num primeiro momento, podemos relacionar Sociedade Internacional à evolução
histórica das relações entre os grupos, povos e, mais tarde, Estados-nações
organizados em âmbito espacial determinado. Podemos identificar a evolução
da Sociedade Internacional a partir das relações entre os grupos primitivos da
Antiguidade, passando pelos reinos e impérios e chegando à Idade
Contemporânea, com a ascensão do Estado nacional e soberano nos séculos
XVIII e XIX e o seu declínio, no século XX, frente a um sistema cada vez mais
globalizado e interdependente.
Pág. 3 - Sociedade Internacional
Podemos falar em Sociedade Internacional antes mesmo da formação dos
Estados nacionais, que só se deu, nos moldes como os concebemos hoje
(compostos de povo, território e soberania), há dois séculos. Mesmo que não
houvesse consciência dos povos a esse respeito, não há como negar a
existência “de fato” de uma Sociedade Internacional na Antiguidade. Afinal, a
partir do momento em que surgem os primeiros grupos independentes e
diferenciados, exercendo relações políticas, culturais ou comerciais entre si, tem-
se uma Sociedade Internacional embrionária. Das tribos passaram-se aos
reinos, às cidades-estados e aos impérios, e estes, vistos em um contexto macro
e nas relações entre si, formavam a Sociedade Internacional do mundo antigo.
Claro que o primeiro modelo de Sociedade Internacional, inserido em um
Sistema Internacional da Antiguidade, refletia mais um conjunto de sociedades
regionais localizadas, muitas vezes sem qualquer contato entre si e até sem
consciência da existência umas das outras. Era uma época em que as forças
naturais limitavam a comunicação entre Oriente e Ocidente, e a “Sociedade
Internacional do sistema grego” mantinha pouco contato com a “Sociedade
Internacional do extremo oriente” – na qual o império dinástico chinês era o
principal ator.
Somente com as grandes navegações e o expansionismo europeu pelo planeta
é que se estrutura uma Sociedade Internacional global. Assim, desde o século
XVI, o mundo vai-se tornando cada vez mais integrado, seja pela força da
economia e do comércio, seja pela força dos canhões e das conquistas coloniais
europeias. Paul Kennedy, em sua obra já clássica Ascensão e Queda das
Grandes Potências, analisa, com clareza, como o extremo oeste do continente
euro-asiático, conhecido como Europa, com uma diversidade de povos e reinos
autônomos e marcado por conflitos regionais e fratricidas, consegue expandir-
se pelo mundo e, em pouco mais de dois séculos, tornar-se o centro de uma
sociedade global, subjugando forças tradicionais como a China e o Império
Otomano.
O termo “internacional” foi utilizado pela primeira vez em 1780, pelo filósofo
inglês Jeremias Bentham, em sua obra Princípios de Moral e Legislação. Essa é
a época do apogeu dos Estados nacionais, com o início do declínio do
absolutismo no continente europeu. Era um período em que a ideia de nação
ainda estava muito ligada à figura do soberano. A Sociedade Internacional
representava, para os europeus, a “Cristandade”, com seus paradigmas e
princípios seculares. O Estado soberano era o principal ator internacional.
Foi com a Revolução Francesa que o conceito de nação deixou de ter caráter
puramente simbólico e passou a relacionar-se diretamente à questão da
soberania. Esta passou a residir essencialmente na nação, onde o súdito tornou-
se cidadão e as relações entre os Estados, até então simbolizados e conduzidos
pelos monarcas, estenderam-se às relações entre os povos. O século XX
esclarece essa nova perspectiva: as relações entre nações não são
necessariamente relações entre os Estados, muito pelo contrário.
Pág. 4 - Sociedade Internacional
Não há dúvida de que essa Sociedade Internacional é dinâmica e tem sua
evolução diretamente relacionada à evolução dos grupos, povos, reinos,
Estados, Impérios e nações, enfim, de todos os atores que a compõem ou a
compuseram e das forças que influenciam a sua atuação.
Qual é, então, o conceito de sociedade internacional?
A resposta para essa pergunta é percebida de maneira diferenciada pelos
teóricos das Relações Internacionais, que podem ser reunidos em três grandes
grupos (CERVERA, 1991).
Para os teóricos do primeiro grupo, é simplesmente impossível definir Sociedade
Internacional. Limitam-se, assim, ao estudo dos componentes da Sociedade
Internacional e à evolução das relações entre eles.
Os teóricos do segundo grupo dedicam-se a analisar a Sociedade Internacional
em contraposição a outros grupos sociais. Por essa ótica, a pergunta que se
busca responder é “Como é a Sociedade Internacional?” É irrelevante,portanto,
para esses autores, a formulação de um conceito teórico para Sociedade
Internacional. De qualquer maneira, eles não deixam de apresentar sua definição
de Sociedade Internacional, mas apenas para instrumentalizar suas explicações,
como veremos adiante.
O terceiro grupo, majoritário, afirma não só ser possível, mas também
necessário, proceder à definição do termo “Sociedade Internacional”, para que
se possa tratar com mais propriedade o estudo dos fenômenos internacionais e
das relações que se desenvolvem em seu meio. Uma vez que concordamos com
essa percepção, apresentaremos nosso conceito de Sociedade Internacional.
Antes, porém, vejamos alguns conceitos de autores renomados.
Colliard (1978) afirma que Sociedade Internacional é o “conjunto de seres
humanos que vivem sobre a terra”. Percebemos uma definição genérica e
abrangente, que põe completamente de lado as estruturas em que os seres
humanos estão agrupados, como as nações ou os Estados nacionais. Para o
autor, o conceito de Sociedade Internacional confunde-se com o de
“humanidade”. Chega-se a perceber mesmo uma concepção idealista, pois a
Sociedade Internacional teria em primeiro plano o indivíduo, independentemente
de suas origens e do grupo ou povo a que pertence.
Hedley Bull (2002), com base em uma análise sistêmica, definiu Sociedade
Internacional como um “grupo de comunidades políticas independentes que não
formam um sistema simples”.
Juan Carlos Pereira (2001) apresenta uma definição mais precisa e completa:
“um âmbito espacial e global em que se desenvolve um amplo conjunto de
relações entre grupos humanos diferenciados, territorialmente ou
geograficamente organizados e com poder de decisão.” O autor acredita que a
Sociedade Internacional estaria evoluindo para uma Comunidade Internacional.
Rafael Calduch Cervera (1991) define Sociedade Internacional como “aquela
sociedade global (macrossociedade) que compreende os grupos com um poder
social autônomo, entre os quais se destacam os Estados, que mantêm entre si
relações recíprocas, intensas, duradouras e desiguais sobre as quais é
assentada certa ordem comum”.
Por fim, cabe apresentar nossa própria conceituação de Sociedade
Internacional, que é baseada na corrente historiográfica, pela qual buscamos
reunir elementos que consideramos essenciais para a compreensão do termo e
de sua evolução desde a Antiguidade. A nosso ver, Sociedade Internacional
pode ser definida como o conjunto de entes que interagem de maneira sistêmica
em uma esfera internacional sob a influência de forças profundas.
Desmembremos esse conceito para melhor compreensão.
Pág. 5 - Ator Internacional
A primeira parte de nosso conceito de Sociedade Internacional trata de um
conjunto de entes. Esses entes nada mais são do que os Atores internacionais.
Ator internacional é toda autoridade, organização, grupo ou pessoa que
representa ou pode vir a representar um papel de destaque na Sociedade
Internacional. A percepção desses atores varia conforme o tempo e a corrente
teórica que os identifica, mas podemos destacar aqueles que, na atualidade,
podem ser considerados os mais importantes: os Estados nacionais, os atores
governamentais interestatais (as organizações internacionais), os atores não
governamentais interestatais (i.e., organizações não governamentais e
empresas multi- e transnacionais, entre outros) e os indivíduos.
Não são todas as pessoas, grupos ou organizações que podem ser identificados
como Ator Internacional. Para nossa classificação, é necessário que a atuação
desses entes tenha destaque em escala global. Por exemplo, uma associação
estabelecida dentro de determinado país e voltada em suas atividades e
interesses prioritariamente ao âmbito interno daquele país não é um Ator
internacional.
Não obstante, qualquer grupo, organização ou indivíduo pode vir a tornar-se Ator
internacional. Grandes empresas transnacionais de hoje foram, no passado,
pequenas organizações comerciais, algumas de natureza familiar, que atuavam
exclusivamente no interior de seu país de origem, não sendo à época Atores
internacionais. À medida que essas empresas cresceram, expandiram-se para
além das fronteiras de seus Estados de origem e começaram a atuar e influir na
Sociedade Internacional, tornaram-se Atores internacionais.
Pág. 6 - Sistema Internacional
O segundo aspecto de nosso conceito de Sociedade Internacional refere-se à
atuação sistêmica na esfera internacional. Adotamos uma abordagem sistêmica,
em que o aspecto relacional é importante. Sistema pode ser conceituado como
“conjunto de elementos e instituições entre os quais se possa encontrar alguma
relação” ou, ainda, “conjunto ordenado de meios de ação ou de ideias, tendente
a um resultado”. A abordagem sistêmica em relações internacionais vê o
conjunto de inter-relações entre os Atores internacionais como sujeito a padrões
e normas – enfim, a forças profundas –, que remetem ao conjunto mais amplo,
o sistema internacional como um todo.
As primeiras considerações a respeito do modelo sistêmico para explicar as
Relações Internacionais tomaram por base referências da Biologia e da Química.
Nesse sentido, pode-se associar a noção de sistema ao corpo humano, no qual
vários subsistemas – circulatório, nervoso etc. – são compostos de órgãos que
se relacionam e dependem uns dos outros. A ideia de sistema, portanto, está
relacionada a um ordenamento nas relações entre componentes e à
interdependência entre esses componentes.
Raymond Aron, em sua obra clássica Paz e Guerra entre as Nações, recorreu
ao conceito de sistema para evocar a dinâmica das relações internacionais.
Assim, a Sociedade Internacional tem características suficientemente estáveis
para que possamos percebê-la como um sistema onde os Atores conduzem suas
relações dentro de certos padrões.
Cabe aqui, também, apresentar um conceito de Sistema Internacional, de acordo
com Frederic S. Pearson e J. Martin Rochester (2000, p. 641):
Sistema Internacional. Conjunto de relações em âmbito mundial nas áreas
política, econômica, social e tecnológica, em torno do qual ocorrem as relações
internacionais em um dado momento.
Há ainda autores que separam as noções de Sociedade Internacional e de
Sistema Internacional para identificar certos períodos históricos. Por exemplo,
Sociedade Internacional teria como substrato a ideia de concerto e harmonia
internacional, que alguns defendem corresponder, por exemplo, à Europa do
pós-1815. Em contrapartida, Sistema Internacional traduziria a existência de
vários polos de poder que interagem entre si e não necessariamente se
harmonizam no todo, o que alguns autores defendem corresponder ao mundo
pós-1945.
Pág. 7 - Forças Profundas
Finalmente, de acordo com a nossa concepção de Sociedade Internacional, o
terceiro elemento fundamental são as “forças profundas”. A ideia de “forças
profundas” origina-se da corrente historiográfica das Relações Internacionais
cujos principais expoentes foram Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle. De
acordo com esses historiadores, as forças profundas nada mais seriam que
determinados fatores que influenciariam as ações das coletividades.
As condições geográficas, os movimentos demográficos, os interesses
econômicos e financeiros, os traços da mentalidade coletiva, as grandes
correntes sentimentais – todas essas forças profundas formaram o quadro das
relações entre os grupos humanos e, em grande parte, lhes determinaram o
caráter. Ohomem de Estado, nas suas decisões ou nos seus projetos, não pode
negligenciá-las; sofre-lhes a influência e é obrigado a constatar os limites que
elas impõem à sua ação. Todavia, quando ele possui quer dons intelectuais, quer
firmeza de caráter, quer temperamento que o levam a transpor aqueles limites,
pode tentar modificar o jogo de semelhantes forças e utilizá-las para seus
próprios fins.
Juan Carlos Pereira denomina tais forças profundas de “fatores condicionantes”
(PEREIRA, 2001, p. 44). Identifica alguns desses fatores: fator geográfico, fator
demográfico, fator econômico, fator tecnológico, fator ideológico/sistema de
valores, fator político-jurídico e fator militar-estratégico.
Portanto, a Sociedade Internacional é composta de entes – Estados,
organizações internacionais, organizações não governamentais, empresas
transnacionais, indivíduos, entre outros – que são influenciados pelas forças
profundas – fatores geográficos, demográficos, migratórios, políticos,
econômicos e financeiros, ideológicos, religiosos, tecnológicos etc. – em suas
ações sistêmicas na esfera internacional.
Uma leitura complementar recomendada é a do texto sobre Rio Branco e as
Forças Profundas, de Arno Wehling:
Visão de Rio Branco – o homem de estado e os fundamentos de sua política.
Além do clássico Histoire des Rélations Internationales, obra-mestra da
historiografia francesa das relações internacionais, caberia destacar dois livros
de
Renouvin e Duroselle já traduzidos para o português: Introdução à História das
Relações Internacionais – publicada em 1967 pela Difusão Europeia do Livro,
de
São Paulo – e Todo Império Perecerá – um dos últimos grandes trabalhos de
Duroselle, lançado no Brasil em 2000.
Pág. 8 - Potência
Além dos conceitos já tratados, cabem, neste curso introdutório, algumas
observações – ainda que sem aprofundamento – a respeito de outros conceitos
essenciais para viabilizar nosso entendimento dos temas tratados no decorrer
das próximas unidades. Passemos a eles.
Potência
O Sistema Internacional é composto por uma diversidade de atores. Nesse
contexto, o Estado ocupa papel de destaque, mas existem diferenças marcantes
entre os Estados na esfera internacional e o grau de influência (poder) que eles
exercem. Assim, importante para a compreensão das relações internacionais é
a ideia de Potência e das diferentes gradações dessa classificação.
Há inúmeras definições para Potência.
Segundo Martin Wight (2002), Potência é “um Estado moderno e soberano em
seu aspecto externo, e quase pode ser definido como a lealdade máxima em
defesa da qual os homens hoje irão lutar”.
Rafael Calduch Cervera (1991), por sua vez, cita o conceito de Potência
Internacional segundo C. M. Smouts, ou seja, como aquele Estado “mais ou
menos poderoso segundo sua capacidade de controlar as regras do jogo em um
ou mais âmbitos-chaves da disputa internacional e segundo sua habilidade de
relacionar tais âmbitos para alcançar uma vantagem”.
Ao tratar da capacidade dos Estados de influenciarem a Sociedade
Internacional, Martin Wight relaciona Potências Dominantes, Grandes Potências,
Potências Mundiais e Potências Menores. Potências Dominantes e Potências
Mundiais seriam subdivisões do gênero Grande Potência, uma vez que ambas
as categorias se referem a Estados com interesses globais e capacidade de
influência significativa no Sistema Internacional. Em última análise, a
diferenciação poderia ser restringida a Grandes Potências e Potências Menores.
Wight define Potência Dominante como aquela capaz de medir forças contra
todos os rivais juntos. E cita exemplos ao longo dos séculos, como Atenas, à
época das Guerras do Peloponeso, o Império Romano, a Espanha de Carlos V
e de Filipe II, a França de Luís XIV, a Grã-Bretanha no século XIX e os EUA no
século XX.
Outro termo muito utilizado e cujas características vão além da Potência
Dominante, conforme definida por Wight, é o de Superpotência. Esse termo,
cunhado com o advento da Guerra Fria, designava exclusivamente URSS e
EUA. Esses países, em virtude de suas capacidades nucleares – com poder de
destruição global –, inúmeras vezes associadas ao poderio militar convencional
e à influência político-ideológica mundial, tinham status único na comunidade
das nações.
Gounelle (1992) indica quatro características das Superpotências:
têm capacidade de intervir em qualquer parte do globo;
dispõem de amplo arsenal, capaz de causar danos diferenciados dos
armamentos convencionais e composto tanto de armas nucleares quanto de
outros meios de destruição em massa;
assumem a liderança de uma aliança militar (os EUA da OTAN e a URSS do
Pacto de Varsóvia);
pretendem oferecer um modelo universal de sociedade.
Convém lembrar que a ideia de Superpotência ultrapassa em muito o poderio
exclusivamente militar. De fato, a capacidade de destruição massiva do planeta
é o elemento central do conceito de Superpotência, mas o aspecto de liderança
de um bloco de nações e de pretensões de estabelecimento de uma sociedade
universal em seus moldes político-econômico-ideológico-sociais não pode ser
desconsiderado.
Pág. 9 - Potência
Atualmente, com o colapso da URSS, restou, no planeta, apenas uma
Superpotência: os EUA. Alguns autores vislumbram a possibilidade de a China
vir a ocupar, na segunda metade do século XXI, o lugar da URSS. Entretanto,
ainda não há que se falar na China como Superpotência, uma vez que esta, além
de não dispor de arsenais nucleares capazes de fazer frente ao poderio de
Estados como EUA e Rússia, não tem pretensões – nem condições – de projetar
um modelo sócio-político-cultural-ideológico seu para o mundo. A Rússia, por
sua vez, apesar de dispor de arsenais nucleares com capacidade de destruição
massiva do planeta, não pode ser chamada de Superpotência, exatamente
porque também não tem condições de aspirar a qualquer pretensão hegemônica
no sistema internacional, como fazia a URSS. Assim, os EUA, considerados os
vencedores da Guerra Fria, são hoje o único Estado com as características
básicas da superpotência, e, de fato, essa nação tem-se tornado tão poderosa
que já se cunha o conceito de Hiperpotência, algo sem precedentes na História.
A Hiperpotência dispõe de um aparato bélico superior ao das demais Potências
juntas. Esse aparato não se resume ao acervo das armas de destruição em
massa, mas inclui armamento convencional significativo e capacidade de
operação militar em mais de um teatro no globo. Ademais, trata-se de uma
Economia de peso diante do sistema, sua influência na política internacional é
marcante e, ainda, consegue projetar seu modelo sócio-cultural e político para
outras regiões do planeta.
Assim, os EUA não encontram, no início do século XXI, adversários militares à
altura, e são a Grande Potência econômica e a liderança mundial. Do ponto de
vista econômico, por exemplo, apenas a coalizão das grandes economias
europeias pode fazer frente aos EUA, o mesmo se podendo dizer das economias
asiáticas. A projeção de poder dos norte-americanos no mundo não encontra
precedentes, e alguns analistas já começam a analisar a política externa
estadunidense como uma política de império. De qualquer maneira, o conceito
de Hiperpotência ainda encontra-se em desenvolvimento.
O conceito de Wight para Potência Dominante tem grande proximidade com a
ideia de hegemon, ou seja, uma potência tão poderosa que seria necessáriauma
coalizão de todas as demais nações para contê-la. A concepção de hegemon
ultrapassa a esfera exclusivamente político-militar, de modo que o Estado que
detém esse título influencia a Sociedade Internacional em esferas diversas,
como a cultura, a estrutura social interna, a Economia e até o Direito. Além disso,
essa influência do hegemon não ocorre necessariamente de maneira impositiva.
De fato, a hegemonia, como veremos a seguir, envolve um misto de coerção e
consenso. Finalmente, convém lembrar que o hegemon continua influenciando
a Sociedade Internacional mesmo após perder esse status.
Interessante observar que a hegemonia dos EUA hoje é mantida mais por outros
meios – o que alguns autores chamam de soft power (poder suave) –, como a
presença marcante na compilação e divulgação de notícias e diversões, na
produção de bens de consumo, nas inúmeras formas de cultura popular e sua
identificação com a liberdade política e de mercado, do que propriamente por
meio do hard power (poder militar).
Além da potência hegemônica, há outros atores estatais com capacidade
significativa de influência na Sociedade Internacional. Esses são as Grandes
Potências, as quais, inclusive, disputam a hegemonia entre si e aspiram tornar-
se a potência dominante, chegando, muitas vezes, a alcançar esse objetivo. De
fato, as relações internacionais seriam um grande tabuleiro onde essas
Potências disputariam poder em um jogo de influência. Como exemplos atuais
de Grandes Potências teríamos China, França, Rússia, Alemanha, Japão e Grã-
Bretanha.
As potências menores constituem a maioria. Seu grau de influência no sistema
varia significativamente. Nesse grupo, poderiam ser relacionadas desde as
Potências Mundiais menores – como Espanha e Índia – até as Potências
Regionais – Argentina e Egito, por exemplo. Vale destacar que uma Potência
Menor hoje pode vir a tornar-se uma Grande Potência e até a Potência
Dominante. Os EUA são um bom exemplo disso.
Pág. 10 - Potência
Max Gounelle (1992) comenta que, à medida que dispõe de capacidade de
influenciar de maneira significativa os outros entes da Sociedade Internacional
em prol de seus interesses particulares, um Estado pode ser classificado como
Microestado, Potência Local, Potência Média, Grande Potência ou
Superpotência.
Os microestados são aquelas pequenas soberanias que persistem em nossos
dias e que, em sua maioria, tiveram origem na formação histórica dos Estados
nacionais europeus ou no processo de descolonização. Encontram-se
constantemente sob amplo grau de dependência frente a uma Potência e
integram-se a grupos de Estados organizados no seio de organizações
internacionais. Conviria exemplificar nessa categoria países como o Principado
de Mônaco e a República de San Marino, diversos Estados-arquipélagos no
Pacífico ou até algumas Repúblicas da América Central e Caribe. Apesar de
minimamente influentes na Sociedade Internacional, esses entes ganham força
quando se associam e se fazem representar em organismos internacionais onde
tenham poder de voto igual ao de outros Estados.
As Potências Locais são as mais numerosas. Participantes das atividades
comuns da vida internacional, esses entes têm como objetivos principais sua
própria sobrevivência e a defesa de sua soberania territorial. De maneira geral,
não têm grandes pretensões internacionais de projeção de poder e acabam
também associados às Grandes Potências ou a Potências Regionais. Como
exemplos para essa categoria, temos países como Bolívia, Paraguai, Camboja,
Albânia e Moçambique.
São classificados como Potência Regional ou Potência Média aqueles Estados
aptos a representarem certo papel de destaque em grandes áreas geopolíticas.
Egito, Síria, Nigéria, Brasil, Argentina e Irã são exemplos de Potências Regionais
ou Médias. Esses países exercem influência em virtude de suas aptidões de
liderança sob certos limites geográficos, fundadas em seus potenciais materiais
ou demográficos, sua envergadura ideológicas ou seu peso militar, econômico e
até social.
Gounelle, no entanto, diferencia Potências Regionais de Potências Médias ao
afirmar que estas últimas têm ambições mundiais restritas às suas próprias
capacidades. Tais pretensões poderiam ser limitadas a domínios específicos
(nuclear, cultural, econômico, diplomático). A França, a Alemanha, a China e o
Japão estariam nessa categoria. De fato, o que Gounelle relaciona como
Potências Médias seria o que se costuma chamar mais apropriadamente de
Grandes Potências, ou seja, Potências com interesses globais e capacidade de
influenciar a Sociedade Internacional em diferentes domínios. Ao chamar
Potências como China e Grã-Bretanha de Potências Médias, Gounelle o faz
comparando-as às Superpotências – à época, URSS e EUA.
Pág. 11 - Hegemonia
Tomamos como base para o conceito de Hegemonia a obra International
Relations: the Key Concepts, de Martin Griffiths e Terry O’Callaghan (London:
Routledge, 2002).
Hegemonia, em grego, significa “liderança”. Em sentido amplo, portanto, em
Relações Internacionais, o hegemon é o líder – ou o Estado líder – de um grupo
de nações.
Para que os conceitos de hegemonia e de hegemon sejam aplicáveis, presume-
se que haja uma certa ordem na Sociedade Internacional. Daí que, apesar de
ser o Estado mais poderoso no cenário internacional, o hegemon só pode
exercer sua liderança (hegemonia) se houver relações de poder entre entes em
um meio internacional.
Hegemonia consiste, então, no exercício de uma liderança ou comando em uma
sociedade, com base em recursos de poder. Esses recursos fundamentam-se
em dois aspectos: coerção e consenso. Assim, toda relação de poder tem por
base os graus de coerção e consenso exercidos por um ente ou mais de um
sobre os demais. À medida que é alterada essa relação, muda também a
liderança no grupo.
Para o exercício da hegemonia, o hegemon deve ter capacidade de atuar nas
esferas de consenso e coerção. Uma relação que se baseie apenas na coerção
– por meio de recursos de força militar ou econômica – não pode ser
verdadeiramente hegemônica, da mesma maneira que é impossível a liderança
da comunidade internacional com fulcro apenas no consenso dos demais atores.
As relações internacionais têm sido marcadas pela disputa, por parte das
Potências, da hegemonia na Sociedade Internacional. Essa hegemonia, além de
política, pode ser militar, econômica, cultural ou ideológica. Pode ser regional ou
global. Um Estado que seja a Potência hegemônica em uma dessas áreas muito
provavelmente o será na maioria das outras. É claro que tal liderança pode ter
diferentes gradações e que uma grande Potência econômica em nossos dias
pode não ter o mesmo poder de influência cultural ou até militar no cenário
internacional.
A Sociedade Internacional será sempre marcada por um hegemon, cujo
interesse é manter o status quo do sistema, diante de outras Potências que não
pouparão esforços para se tornar o hegemon. De acordo com a teoria da
estabilidade hegemônica, o hegemon tem que ter capacidade de garantir a
ordem do sistema, ordem que deve ser percebida pelos demais entes da
comunidade como positiva a seus interesses. Para isso, o hegemon deveria
dispor de alguns atributos: liderança em um setor econômico ou tecnológico e
poder político baseado no poder militar. Podemos acrescentar a esses atributos
a capacidade de obter consenso sobre sua liderança.
Pág. 12 - Hegemonia
Para Robert Gilpin, a estabilidade internacional depende da existênciade uma
hegemonia, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer “bens
públicos” internacionais, como lei, ordem e moeda estável. Conforme didática
explicação de Griffiths (2004, p. 26-27):
(...) os mercados não podem crescer em produção e distribuição de bens e
serviços se não houver um Estado que forneça certos pré-requisitos. Por
definição, os mercados dependem da transferência, por meio de um mecanismo
de preço eficiente, de bens e serviços que possam ser comprados e vendidos
entre os principais agentes particulares que permutam direitos de posse. Mas os
mercados dependem do Estado para lhes dar, por coerção, regulamentos, taxas
e certos “bens públicos” que eles sozinhos não podem gerar. Isto inclui uma
infraestrutura legal de direitos e leis de propriedade para fazer contratos, uma
infraestrutura coerciva que assegure a obediência à lei, além de um meio de
permuta estável (dinheiro) que assegure um padrão de avaliação dos bens e
serviços. Dentro das fronteiras territoriais do Estado, os governos fornecem tais
bens. É claro que, internacionalmente, não existe Estado no mundo capaz de
multiplicar sua provisão em escala global. Baseando-se na obra de Charles
Kindleberger e na análise de E. H. Carr sobre o papel da Grã-Bretanha na
economia internacional no século XIX, Gilpin argumenta que a estabilidade e a
“liberalização” da permuta internacional dependem da existência de uma
“hegemonia”, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer “bens
públicos” internacionais, como lei, ordem e uma moeda estável para o comércio
financeiro.
Em termos gerais, essa é a Teoria da Estabilidade Hegemônica.
É uma teoria importante e voltaremos a ela na Unidade 4, ao tratarmos do
debate teórico travado entre neorrealistas e neoliberais.
As Potências hegemônicas são as Grandes Potências na concepção de Wight,
e o hegemon nada mais é que a Potência Dominante. A hegemonia político-
ideológica no planeta, por exemplo, era disputada pelas Superpotências no
contexto da Guerra Fria, mas a URSS dificilmente poderia ser caracterizada
como ameaça à hegemonia econômica dos EUA.
Deve-se esclarecer, todavia, que, durante a maior parte da Guerra Fria,
imaginava-se que a União Soviética se tornaria uma grande potência
econômica.
Isso é especialmente válido para os anos 30: enquanto as economias
ocidentais agonizavam por causa da crise de 1929, a economia soviética
crescia a taxas espantosamente altas.
Pág. 13 - Hegemonia
Complementando os estudos sobre o conceito de Hegemonia, atente para
esta aula do Professor Joanisval. Aqui .
Essas observações introdutórias são suficientes e fundamentais para a
compreensão das unidades seguintes e para a discussão dos temas tratados
neste curso.
Artigo interessante para concluir os estudos desta Unidade é o texto de João
Marques de Almeida, sobre Hegemonia Americana e Multilateralismo.
Unidade 3 - Correntes teóricas das Relações Internacionais
Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:
indicar e caracterizar as principais correntes teóricas das Relações
Internacionais no Século XX;
identificar os principais debates teóricos da disciplina
Pág. 2 - Teorias de Relações Internacionais
O objeto material de qualquer ciência se define pela parcela de realidade que se
pretende conhecer mediante a formação de teorias e a utilização de um método
científico (CERVERA, 1991). A teorização sobre as Relações Internacionais
surgiu quando se buscou explicar a existência e as condutas dos entes
internacionais. É na Grécia Antiga, com a obra de Tucídides, História da Guerra
do Peloponeso, que se tem a primeira manifestação embrionária de uma teoria
de Relações Internacionais.
Há algo que as ciências naturais e as ciências sociais, conforme Karl Popper,
certamente têm em comum: a necessidade da teoria para se desenvolverem.
Nas palavras de Tomassini (1989, p. 55):
"A ciência exige algo mais do que fatos e descrições de fatos. Exige uma
explicação de por que ocorreram, que efeitos causaram e algumas predições
(ou, no caso das ciências sociais, conjecturas) sobre seu comportamento
provável no futuro, uma mescla de causalidade, teleologia e prospecção. No
campo das ciências sociais, como em outras ciências, a teoria é chamada a
ministrar essas explicações, pondo ordem ao mundo heterogêneo e muitas
vezes incompreensível dos fatos isolados, e a arriscar algumas predições."
A Teoria do Equilíbrio de Poder
Começamos por essa teoria por uma razão simples: para muitos estudiosos da
política internacional, a Teoria do Equilíbrio de Poder, também conhecida como
Teoria do Balanço de Poder, é o que mais próximo existe de uma teoria política
das relações internacionais. Arnold Toynbee, conhecido historiador, chegou
mesmo a dizer que tal teoria constituía uma “lei” da História.
Na era moderna, com o surgimento e desenvolvimento do Estado-nação,
multiplicaram-se também as teorizações a respeito das relações internacionais.
Em um contexto de anarquia internacional e de conflito entre os Estados, as
práticas dos agentes e dos atores na Sociedade Internacional levaram à
formulação de uma teoria que pode ser considerada a precursora da análise
convencional realista das relações internacionais, a Teoria do Equilíbrio de
Poder.
A Teoria do Equilíbrio de Poder percebe o cenário internacional em uma situação
de equilíbrio, no qual o poder é distribuído entre os diversos Estados. Quando
um Estado começa a se destacar e a buscar aumentar seu poder frente aos
demais, há uma perturbação no equilíbrio, e faz-se necessária uma coalizão das
Potências para conter o Estado “pretensioso” e restaurar a ordem. Assim,
pressupondo o Estado como um ator racional, a teoria defende que o balanço ou
o equilíbrio de poder é a escolha preferível e, portanto, a tendência do sistema
internacional. A Teoria orientou as relações internacionais nos quatro séculos
compreendidos entre a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918). Foi útil para justificar as condutas dos Estados e ações de
governantes em um contexto anárquico e conflituoso, como será visto nas
Unidades 2 e 3 do módulo seguinte deste nosso curso.
Alguns autores distinguem entre o equilíbrio de poder como uma política (esforço
deliberado para prevenir predominância, hegemonia) e como um padrão da
política internacional (em que a interação entre os Estados tende a limitar ou
frear a busca por hegemonia e, como resultado, resulta num equilíbrio geral).
Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as consequentes mudanças no cenário
internacional e no equilíbrio de forças, em virtude dos traumas causados pelo
conflito e do desenvolvimento do discurso pacifista junto à opinião pública
internacional, a Teoria do Equilíbrio de Poder foi questionada. Sob o argumento
de que essa doutrina não poderia perdurar em um sistema em que a guerra
deveria ser evitada a qualquer custo, o imediato pós-guerra foi marcado por
novas concepções sobre as relações internacionais, baseadas em uma nova
corrente teórica, a qual se fundamentava no Direito Internacional, na solução
pacífica das controvérsias e na busca de uma estrutura supranacional que
garantisse a paz: o Idealismo das Relações Internacionais.Foi, portanto, na primeira metade do século XX que os primeiros teóricos de
Relações Internacionais começaram a desenvolver suas explicações sobre o
tema em um contexto de disciplina autônoma. Claro que, em virtude de um objeto
de estudo tão complexo, diversas foram as correntes teóricas instituídas nas
últimas décadas. Como não é este um curso de teoria, pretendemos apresentar
apenas as linhas gerais das correntes mais reconhecidas.
Pág. 3 - A fase idealista
O Idealismo, como ficou conhecida a primeira grande corrente teórica de
Relações Internacionais, surge em um contexto do final de um conflito muito
marcante, a Primeira Guerra Mundial, e reflete a crescente preocupação
daqueles que então começavam a teorizar sobre as relações internacionais:
Como se poderia buscar a paz na Sociedade Internacional, ou melhor,
como evitar o conflito, sobretudo bélico, entre os Estados?
No que se refere ao contexto internacional, lembra Arenal (1984), o clima nunca
poderia ter sido mais favorável ao Idealismo. A Grande Guerra havia
demonstrado a fragilidade da tradicional diplomacia europeia como meio para
assegurar a ordem e a paz internacional. As enormes perdas humanas e
materiais produzidas pelo conflito foram responsáveis, também, pelo advento de
uma opinião comum universal segundo a qual a guerra deveria ser erradicada
como instrumento de política dos Estados. Pregava-se, ademais, o
estabelecimento de um modelo de segurança coletiva capaz de evitar novas
contendas.
Assim, sob os auspícios do discurso idealista e moralizante do presidente
estadunidense Woodrow Wilson, foi criada a Sociedade (ou Liga) das Nações
(SDN), com o objetivo de ser a organização central de um sistema de segurança
coletiva e um fórum em que os Estados pudessem resolver suas contendas de
maneira pacífica. A SDN, portanto, contribuía para acentuar o otimismo frente ao
futuro da Sociedade Internacional e estabelecia os fundamentos de um sistema
dirigido para preservar a paz. Nesse contexto, a teoria internacional dominante
se orientava pelos caminhos do Idealismo, dos projetos de organização
internacional, do estabelecimento de mecanismos tendentes à solução pacífica
e de propostas de desarmamento. Importância significativa foi dada pelos
idealistas ao Direito Internacional e às instituições jurídico-normativas que
garantissem a ordem nas relações entre os Estados: ganhava força o
institucionalismo nas relações internacionais.
Anarquia internacional não significa “desordem”, mas, sim, ausência de um
governo central superior aos Estados (que são soberanos e só prestam contas
a si mesmos e a outros Atores do sistema). Anarquia é, portanto, ausência de
governo.
O Idealismo partia do princípio de que as relações internacionais encontram-se
em estado de natureza, ou seja, de anarquia internacional. As nações devem
buscar, destarte, superar essa anarquia e estabelecer um contrato social em
âmbito internacional que ordene as relações entre os povos. Os Estados,
acreditavam os idealistas, deveriam portar-se de acordo com os mesmos
princípios morais que guiam a conduta do indivíduo. Para estimular ou obrigar
esses Estados a seguir tais princípios, seria fundamental que se
institucionalizasse, em escala mundial, o interesse comum de todos os povos em
alcançar a paz e a prosperidade. O estudo de Relações Internacionais, como
disciplina autônoma, mostrou-se como uma ciência da paz.
Pág. 4 - A fase idealista
O Realismo e o Idealismo encerram, na verdade, duas visões de mundo opostas,
em que o ponto de partida é a dicotomia anarquia x ordem. Apesar de Tucídides,
com História da Guerra do Peloponeso, antes mesmo de surgirem os conceitos
de soberania e a tese do estado de natureza, já ter iniciado a moldar uma
concepção anárquica do mundo, é com Thomas Hobbes, em Leviatã, e, em
seguida, com John Locke, em O Estado de Guerra (Capítulo III da obra Segundo
Tratado do Governo Civil), em que se explora, pela primeira vez, o estado de
natureza anárquico a respeito das relações internacionais.
Segundo Lijphart (1982), as noções de soberania e de anarquia internacional
inspiraram três teorias interligadas: a do governo mundial, a do equilíbrio de
poder (ou balanço do poder) e a da segurança coletiva.
Segundo a teoria do governo mundial, dado que a anarquia é responsável pela
tensão internacional, é necessário celebrar um contrato social internacional para
instituir um governo mundial soberano e único, para pôr fim à anarquia.
A teoria do equilíbrio de poder, ao contrário, defende que a luta pelo poder entre
os Estados soberanos tende a gerar um equilíbrio, o qual não alimenta uma
tensão perpétua, mas cria uma ordem internacional.
Para a teoria da segurança coletiva, o melhor seria que os Estados se
empenhassem em tomar medidas coletivas contra todo agressor, o que acabaria
atenuando a anarquia internacional.
Todas essas teorias aceitam a tese de que a anarquia reina entre os Estados
soberanos. Segundo Inis L. Claude, citado por Lijphart, essas três teorias
correspondem a estágios sucessivos de uma progressão em direção a uma
centralização cada vez mais repleta de autoridade e poder (no sentido balanço
de poder > segurança coletiva > governo mundial). O mundo nunca passou do
segundo estágio, o qual foi, na verdade, o foco da maior parte dos autores
idealistas.
Historicamente, no desenvolvimento do sistema de Estados da Europa,
soberania é normalmente associada aos trabalhos de Jean Bodin e Thomas
Hobbes, nos quais significava o direito de exercer poder irrestrito. Todavia, a
história do sistema de Estados modernos, do século XVII em diante, é uma
tentativa de se distanciar da rigidez dessa concepção original em busca da ideia
de igualdade formal.
Para as Relações Internacionais, é particularmente importante a visão
construída por Hugo Grócio sobre a sociedade internacional a partir da teoria do
contrato. Grócio, considerado o pai do Direito Internacional, defendeu ser o
direito um conjunto de normas ditadas pela razão e sugeridas pelo appetitus
societatis. A base da doutrina de Grócio é a solidariedade, ou potencial
solidariedade, entre os Estados em relação à aplicação da lei internacional, e
procura estabelecer uma ordem mundial restringindo os direitos dos Estados de
irem para a guerra por motivações políticas e promover a ideia de que a força só
pode ser legitimamente usada em nome dos objetivos e anseios da comunidade
internacional como um todo.
Grócio, como se observa, apresenta uma hipótese inversa à do equilíbrio de
poder. Para ele, existe um fundamento comum de normas morais e jurídicas, e
o mundo é uma sociedade composta de Estados onde reina um consenso
normativo suficientemente amplo e intimidador para que a noção de estado de
natureza e de anarquia internacional não seja aplicável. A tese de Grócio parte
da noção de anarquia, mas a minimiza para efeitos de teorização,
desconsiderando a relação necessária entre anarquia e guerra, relação esta
reduzida a mera “hipótese” (e não a um “dado” ou “premissa”, como fazem os
realistas).
Pág. 5 - A fase idealista
A teoria e a prática das relações internacionais desde a Primeira Guerra Mundial,
principalmente com o Pacto da Liga das Nações (o Pacto de Paris), a Carta da
Organização das Nações Unidas (ONU) e a Carta do Tribunal Internacional de
Nuremberg, derivamda fórmula grociana, que concebe a sociedade
internacional de forma ordenada, fruto da analogia com a alegoria da sociedade
doméstica usada pelos teóricos do contrato social dos séculos XVII e XVIII.
Edward Hallett Carr, autor do clássico Vinte Anos de Crise: 1919-1939, cuja
primeira edição foi lançada logo após o desencadeamento da Segunda Guerra
Mundial, em 1939, analisa a dicotomia entre uma perspectiva utópica e a prática
realista dos Estados e ilustra bem a maneira como os idealistas viam as relações
internacionais e os argumentos que utilizavam ao tratarem das interações entre
os povos:
O aspecto teleológico da ciência da política internacional tem estado evidente
desde o princípio. Surgiu de uma grande e desastrosa guerra; e o objetivo-
mestre que inspirou os pioneiros da nova ciência foi o de evitar a recidiva dessa
doença do corpo internacional. O desejo passional de evitar a guerra determinou
todo o curso e direção iniciais do estudo. Como outras ciências na infância, a
ciência política internacional tem sido marcada e francamente utópica. Ela se
encontra no estágio inicial, no qual o desejo prevalece sobre o pensamento, a
generalização sobre a observação, e poucas tentativas são efetuadas de uma
análise crítica dos fatos existentes e dos meios disponíveis. Neste estágio, a
atenção está concentrada quase exclusivamente no fim a ser alcançado.
Carr cita, ainda, o discurso do Presidente Wilson – que refletia o pensamento
idealista geral e que continha a resposta de Wilson: “se não funcionar, teremos
que fazê-lo funcionar!”, quando indagado se aquele modelo moralizante e
pacifista funcionaria – e esclarece:
"O advogado de um plano para uma força de polícia internacional, ou para a
‘segurança coletiva’, ou de algum outro projeto para uma ordem internacional,
geralmente responde à crítica, não com um argumento destinado a mostrar como
e por que ele pensa que seu plano funcionaria, mas sim, ou com uma declaração
de que ele tem que ser posto a funcionar porque as consequências de sua
ausência de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda por alguma
panaceia alternativa."
Após a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações foi um esforço específico da
política internacional de substituir o princípio do equilíbrio de poder pelo princípio
da segurança coletiva. Tal princípio, que sustentou a criação daquela
Organização, foi elaborado para remover a necessidade de equilíbrio ou
balanço. Para os realistas, essa sua remoção no período entreguerras teria sido
justamente a causa da Segunda Guerra Mundial. Como resultado, o sistema
internacional pós-1945 deixou de ser explicado em termos do princípio idealista
da segurança coletiva, e noções de bipolaridade e multipolaridade, típicas das
análises de balanço de poder, o substituíram. Chegou-se mesmo, nos períodos
mais quentes da Guerra Fria, em se falar de “balanço de terror”.
Para reforçar e ilustrar os conceitos acima, assista ao vídeo.
Pág. 6 - A fase realista
A década de 1930, entretanto, caracterizada por uma crescente instabilidade
internacional, consequência de comoções políticas, econômicas e ideológicas,
internas e internacionais, e pelo fracasso do sistema da Sociedade das Nações
e da política de apaziguamento das democracias europeias, marca a decadência
da perspectiva idealista para a teoria das Relações Internacionais. Nesse
período, tem-se o debate entre o Idealismo e uma nova corrente que ganhava
força, o Realismo Político.
Os acontecimentos internacionais novamente foram essenciais para a mudança
no aporte teórico. O Realismo representou, em um primeiro momento, a reação
dos especialistas às insuficiências teóricas e práticas dos idealistas, no contexto
de convulsões internacionais dos anos trinta e da própria Segunda Guerra
Mundial. Para os realistas, o apelo à opinião pública e à razão humanista,
preconizada pelos idealistas, mostrou-se incapaz de prevenir a guerra, fazendo-
se necessário retomar as ideias de segurança nacional e de força militar como
suportes da diplomacia. Apenas por meio de um poder efetivo, acreditavam, os
Estados poderiam assegurar a paz internacional e a solução pacífica das
controvérsias. Carr assinalava que o significado último da crise internacional era
"o colapso da total estrutura do utopismo baseado no conceito de harmonia de
interesses".
A pragmática nova geração de estudiosos do pós-Segunda Guerra Mundial
baseava-se no pensamento clássico maquiavélico e hobbesiano e via na defesa
dos interesses nacionais, em relação a poder, o grande eixo da conduta dos
Estados soberanos no meio internacional. O Realismo encontrou maior respaldo
nos EUA. Desse país, a doutrina realista difundiu-se pelo globo, tornando-se a
corrente teórica mais relevante para explicar as Relações Internacionais.
Abordaremos essa corrente com mais detalhes a seguir e também em unidade
própria.
Atualmente, cerca de 90% da produção acadêmica dos EUA em Relações
Internacionais têm por fundamento a corrente realista.
Pág. 7 - Behavioristas e pós-behavioristas
A terceira fase da Teoria das Relações Internacionais desenvolveu-se também
nos EUA como “resposta aos excessos do Realismo”. Trata-se de uma
aproximação com a vertente behaviorista da Sociologia. Essa corrente ficou
conhecida como behaviorista ou científica. Para Arenal (1984, p.82):
No início dos anos cinquenta, alguns especialistas norte-americanos em política
de segurança nacional repensam os postulados do realismo político, com base
no caráter impreciso e intuitivo dos mesmos para a análise da realidade
internacional, e buscam um enfoque de caráter científico capaz de dar resposta
à complexidade das Relações Internacionais. O impacto dos métodos de
pesquisa e os modelos das ciências físico-naturais são notados com força nas
pesquisas que começam a pôr em marcha. A partir desse momento, uma onda
de cientificismo, que trata de desenvolver uma ciência das Relações
Internacionais, com base na aplicação de métodos quantitativo-matemáticos,
invade as Relações Internacionais, impondo-se o que se denominou perspectiva
behaviorista ou conducista.
Para os behavioristas, o objetivo das Relações Internacionais é o
comportamento dos atores. O estudo desse objeto deve atentar para parâmetros
que envolvam fases como a coleta e a elaboração de dados, o tratamento
quantitativo desses dados e, finalmente, a produção de modelos dentro do rigor
científico das ciências exatas. Para os behavioristas, os estudos devem estar
sempre voltados para os casos concretos, a partir dos quais uma linguagem
científica das ciências sociais deve ser elaborada com base em dados empíricos,
rejeitando-se análises provenientes do Direito, da História ou da Filosofia. Entre
os vários enfoques da corrente behaviorista, convém destacar a Teoria da
Tomada de Decisões, a Teoria Sistêmica das Relações Internacionais e a Teoria
dos Jogos. Os autores científicos mais renomados são Morton Kaplan, David
Singer e G. T. Allison.
O desenvolvimento da corrente “científica” gerou um grande debate nos anos
sessenta entre os tradicionalistas filosófico-intuitivos (idealistas e realistas) e os
científicos (behavioristas).
Finalmente, Arenal identifica uma quarta fase, motivada pelo que David Easton
(1969) chamou de “nova revolução da ciência política”, e que se convencionou
chamar de pós-behaviorismo. Essa nova revolução ter-se-ia produzido devido a
uma profunda insatisfação com a pesquisa política e os ensinamentos
behavioristas,sobretudo por quererem converter o estudo da política em uma
ciência segundo o modelo físico-natural. As bandeiras levantadas pelos pós-
behavioristas são ação e relevância. O novo movimento, sem abandonar o
enfoque científico do behaviorismo, dirige sua atenção à conduta humana
enquanto tal e aos problemas reais do mundo, às motivações e aos valores
subjacentes a toda conduta. Busca-se uma pesquisa com ênfase ao caso
concreto, dando atenção a um objeto de análise que difere dos objetos das
ciências exatas. O pós-behaviorismo constituiu, portanto, a síntese do debate
entre as concepções tradicionalistas e as científicas.
Pág. 8 - Realismo, Pluralismo e Globalismo
Atualmente, a doutrina reconhece três grandes correntes teóricas das Relações
Internacionais: o Realismo, o Pluralismo e o Globalismo. São também chamados
de paradigmas teóricos, dado que as variadas teorias que existem na disciplina
podem ser encaixadas em uma dessas três correntes. O Realismo trabalha mais
com os conceitos de poder e equilíbrio de poder, o Globalismo com dependência,
e o Pluralismo, por sua vez, com os conceitos de processo de tomada de decisão
e transnacionalismo.
Vamos abordá-las brevemente a seguir.
Assistindo ao vídeo abaixo, ainda com o Professor Joanisval, um dos
conteudistas deste curso, você terá uma visão introdutória do surgimento do
Realismo. Aqui.
Realismo
O Realismo tem algumas proposições básicas.
Primeiro, o Estado é o ator principal no meio internacional, e o estudo das
relações internacionais foca essa unidade política. Atores não estatais, como as
empresas multinacionais, são menos relevantes para a análise, e as
organizações internacionais, como a ONU ou a OTAN, não possuem existência
autônoma ou independente, porque são compostas de Estados, as verdadeiras
unidades soberanas, independentes e autônomas, que determinam o
comportamento dessas organizações internacionais.
O Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, que era uma forma de
“gerência” do poder na visão realista, foi paralisado, durante a Guerra Fria, pelo
veto – os interesses de poder da URSS e dos EUA iam em sentidos opostos e,
por consequência, impediam a organização de funcionar. No pós-Guerra Fria,
apesar da superação das rivalidades dentro do Conselho, a Organização ainda
não funcionava automaticamente, dependendo, em cada circunstância, do
“interesse” dos Estados para atuar. Realistas citam, por exemplo, o contraste
entre a ação rápida na Guerra do Golfo e a inércia diante da crise iugoslava.
Segundo, os Estados são atores unitários. São unitários porque quaisquer
diferenças de visão entre os líderes políticos ou burocracias dentro do Estado
são, no final das contas, resolvidas, para que o Estado fale uma só voz.
Terceiro, os Estados são atores racionais. Isso porque, dados certos objetivos,
trabalham com alternativas viáveis para alcançá-los, à luz de suas capacidades,
por meio de uma análise de custo-benefício. Os realistas reconhecem a
existência de problemas como falta ou ruído de informação, incerteza, pré-
julgamento e erros de percepção, mas, contudo, pressupõem que os tomadores
de decisão não medem esforços para alcançar a melhor decisão possível.
Finalmente, para os realistas, a segurança nacional é a questão de maior
importância para a agenda de política exterior de qualquer Estado. Questões
políticas e militares dominam a agenda e são chamadas de “alta política” (high
politics). Os Estados atuam para maximizar o interesse nacional. Em outras
palavras, os Estados tentam maximizar a probabilidade de atingirem qualquer
objetivo que tenham estabelecido, o que inclui preocupações de alta política
relativas à sobrevivência do Estado (segurança) assim como os objetivos de
baixa política ligados a esse campo, como comércio, finanças, câmbio e bem-
estar.
A guerra responsiva dos EUA contra o Afeganistão, após os ataques terroristas
de 11 de setembro de 2001, e sua guerra preventiva contra o Iraque, em 2003,
evidenciam o conflito alta política x baixa política, pois, durante os quatro anos
do Governo Bush, os democratas o criticaram constantemente por ter
abandonado as questões de economia doméstica em nome da segurança
nacional. Até mesmo o direito interno foi suspenso nos EUA: vêm sendo negados
a vários suspeitos, estrangeiros e nacionais, direitos garantidos
constitucionalmente, em ampla afronta ao princípio do devido processo legal
(due process of law), conquista de mais de dois séculos da sociedade norte-
americana.
Pág. 9 - Pluralismo
Assista à aula introdutória, gravada no curso presencial no ILB, sobre
Pluralismo. Vamos lá!
Os anos de 1980 e 1990 deram força à corrente teórica conhecida como
Pluralismo, que veio para desafiar as proposições do Realismo. Nessa corrente
normalmente se enquadram os neoliberais.
O Pluralismo é baseado em quatro proposições básicas.
Primeiro, atores não estatais são importantes na política internacional.
Organizações internacionais, por exemplo, podem tornar-se, em algumas
questões, atores independentes, ao contrário do que defendem os realistas. Elas
são mais do que simples fóruns em que Estados competem e cooperam uns com
os outros. O corpo de funcionários de uma organização internacional pode reter
um grau expressivo de poder ao determinar os termos de uma agenda, assim
como ao fornecer informações sobre em quais representantes de Estado
baseiam suas demandas (como acontece com o FMI em relação aos países que
pedem empréstimos além de suas cotas, e, por consequência, precisam seguir
o receituário do “consenso de Washington”).
Similarmente, organizações não governamentais, como a WWF, e corporações
multinacionais, como a Petrobras, a IBM, a Sony, a General Motors, a Exxon, o
Citicorp, entre várias outras, também desempenham papéis importantes na
política mundial. Atualmente, lembram os pluralistas, até mesmo na área
comercial as ONGs têm sido chamadas a atuar.
Para os pluralistas, também não se poderia negar o impacto de atores não
estatais, como grupos terroristas (como a Al Qaeda), comerciantes de armas da
máfia russa, movimentos guerrilheiros, como as FARC colombianas etc.
Segundo, para os pluralistas, o Estado não é um ator unitário. O Estado é
composto de indivíduos, grupos de interesse e burocracias que competem entre
si. Apesar de as decisões serem noticiadas como decisões de “tal país”, é
geralmente mais correto se falar em decisão feita por uma coalizão
governamental particular, uma agência burocrática do Executivo ou mesmo um
único indivíduo. A decisão não é tomada por uma entidade abstrata chamada
“Brasil”, “China” ou “EUA”, mas por uma combinação de atores por trás da
definição da política externa.
Diferentes organizações podem apresentar perspectivas distintas em
determinada questão de política externa. Competição, formação de coalizões e
compromissos eventualmente resultarão numa decisão que será anunciada
como uma decisão do país. Essa decisão “estatal” pode ser o resultado de
lobbies levado a efeito por atores não governamentais (como o lobby dos
fazendeiros norte-americanos contra o fim dos subsídios agrícolas, das
empresas multinacionais, de grupos de interesse, ou mesmo de um ente amorfo,
a opinião pública). Assim, para os pluralistas, o Estado não pode ser visto como
um ator unitário, uma vez que tal rótulo perderia de vista a multiplicidade de
atores que formam e compõem a entidade chamada de “Estado-nação”.Terceiro, os pluralistas desafiam a suposição realista de que o Estado é um ator
racional. Dada a visão pluralista e fragmentada do Estado, pressupõe-se, ao
contrário, o choque de interesses, a barganha e a necessidade de compromisso
que nem sempre levam a um processo de tomada de decisão racional.
Por fim, para os pluralistas, a agenda da política internacional é extensa. Embora
a segurança nacional seja importante, os pluralistas também se preocupam com
um número variado de questões econômicas, sociais, energéticas e ecológicas
que têm surgido com o aumento da interdependência entre os países e as
sociedades nos séculos XX e XXI. Alguns pluralistas, por exemplo, enfatizam o
comércio e as questões monetárias e energéticas, as quais estariam no topo da
agenda internacional. Outros dedicam-se à solução do problema demográfico e
da fome no Terceiro Mundo. Outros, ainda, focam a poluição e a degradação do
meio ambiente. Nesse sentido, os pluralistas rejeitam a dicotomia entre alta
política (high politics) e baixa política (low politics) dos realistas.
Pág. 10 - Globalismo
Para introduzir o conceito de Globalismo, assista ao vídeo e, em seguida, leia
atentamente o texto que se segue!
Historicamente, o Globalismo se relaciona com o surgimento do Terceiro Mundo
na política mundial. Nesse sentido, representa uma visão ignorada e
desprestigiada da realidade internacional. Para eles, a hierarquia, como uma
característica chave, é mais importante do que a anarquia, dada a desigualdade
na distribuição do poder dentro do sistema.
Vimos que os realistas organizam seus estudos em torno da questão básica de
como a estabilidade pode ser mantida num macroambiente anárquico. Os
pluralistas se perguntam como mudanças pacíficas podem ser promovidas num
mundo que é crescentemente interdependente política, militar, social e
economicamente. Os globalistas, por sua vez, se concentram na questão de por
que tantos países do Terceiro Mundo na América Latina, na África e na Ásia não
têm conseguido se desenvolver. Para muitos globalistas, mais ligados à linha
marxista, essa questão faz parte de um campo maior de análise: o
desenvolvimento do capitalismo no mundo.
Os globalistas são guiados por quatro proposições.
Primeiro, é necessário entender o contexto global em que Estados e outros
atores interagem. Os globalistas argumentam que para explicar o
comportamento em qualquer nível de análise – o individual, o burocrático, o
societário e o estatal –, é necessário, antes, entender a estrutura geral do
sistema global no qual esses comportamentos se manifestam. Assim como os
realistas, globalistas acreditam que o ponto de partida da análise é o sistema
internacional. Numa extensão mais larga, o comportamento de atores individuais
é explicado por um sistema que fornece limitações e oportunidades.
Segundo, os globalistas realçam a importância da análise histórica na
compreensão do sistema internacional. Apenas rastreando a evolução histórica
do sistema é possível entender sua estrutura atual. O fator histórico chave e a
característica definidora do sistema como um todo é o capitalismo. Até mesmo
os Estados socialistas precisam operar dentro desse sistema econômico, que
constantemente restringe suas opções.
Terceiro, os globalistas assumem que existem mecanismos de dominação que
impedem que o Terceiro Mundo se desenvolva e que contribuem para o
desenvolvimento desigual ao redor do planeta. A compreensão desses
mecanismos requer o exame das relações de dependência entre os países
industrializados do Norte (América do Norte e Europa) e os vizinhos pobres do
Hemisfério Sul (América Latina, África e Ásia).
Finalmente, os globalistas defendem que os fatores econômicos são
absolutamente críticos para se explicar a evolução e o funcionamento do sistema
capitalista mundial e a relegação do Terceiro Mundo para uma posição
subordinada. A economia funciona como uma espécie de “alta política” para os
globalistas.
Para fins didáticos, podemos traçar o seguinte quadro, que relaciona os três
paradigmas das Relacões Internacionais:
Realismo Pluralismo Globalismo
Unidades
analíticas
Estado como
principal
unidade de
análise.
Estado e atores
não estatais, como
organizações
burocráticas,
elites, sociedades,
indivíduo, grupos
de indivíduos,
organizações
internacionais,
corporações
multinacionais,
organizações não
governamentais.
Estado, classes,
elites, sociedades e
atores não estatais
como operadores do
sistema capitalista.
Concepção de
ator
Estado unitário e
racional.
Estado não unitário
e não racional:
desagregado em
componentes,
alguns dos quais
com atuação
transnacional.
Estado não unitário e
racional, visto sob a
perspectiva histórica
do desenvolvimento
do capitalismo.
Dinâmica
comportamental
Estado como
maximizador de
seus próprios
interesses na
política externa.
Conflito, barganha,
formação de
coalizões e
compromissos nos
processos
transnacionais e de
tomada de decisão
em política
externa, não
necessariamente
levando a
resultados ótimos.
Política externa
como padrões
racionais de
dominação dentro e
entre Estados e
sociedades.
Agenda Segurança
nacional como
questão mais
importante.
Agenda múltipla,
com questões
sócio-econômicas
tão ou mais
importantes do que
questões de
segurança
nacional.
Questões
econômicas como
mais importantes.
Pág. 11 - Outras correntes teóricas
Registre-se, outrossim, que as correntes citadas nesta unidade são as mais
difundidas e tradicionais. Não obstante, neste contexto de pós-modernidade,
ganham força perspectivas de vanguarda, com destaque para o Construtivismo.
Porém, foge ao escopo deste curso a análise dessas outras correntes.
Passemos, portanto, aos principais debates que marcaram a Teoria das
Relações Internacionais no século XX.
OS GRANDES DEBATES TEÓRICOS
Idealismo X Realismo
O debate entre realistas e idealistas iniciou-se na década de 1930. Não obstante,
conforme acentua Arenal (1984), trata-se “de um debate que está presente, com
maior ou menor força, em toda a história da teoria internacional, inclusive tendo
recobrado força com novas perspectivas em nossos dias”. De acordo com John
Herz (1951, p.8), o Idealismo é um tipo de pensamento político que “não conhece
os problemas que surgem do dilema da segurança e poder”, ou que o faz
“somente de uma forma superficial”. O Realismo, por sua vez, ao contrário,
considera fatores de segurança e poder inerentes à sociedade humana.
Arenal relaciona as características essenciais do Idealismo e do Realismo na
Tabela 1:
TABELA 1: IDEALISMO X REALISMO
IDEALISMO
REALISMO
1) Crença no progresso: diante da
suposição de que a natureza humana
pode ser compreendida não como
imutável, mas como potencialidade
que se atualiza progressivamente ao
longo da História.
1) Pessimismo antropológico: nega a
possibilidade de evolução para uma
sociedade mais humanista. A política
de poder sempre foi e será o cerne
das Relações Internacionais.
2) Visão não determinista do mundo:
a fé no progresso careceria de sentido
se não fosse acompanhada de uma
similar crença na eficácia da mudança
por meio da ação humana.2) Visão determinista do processo
histórico: a ordem internacional
dificilmente pode ser modificada pela
ação humana. É possível
compreender o processo histórico,
mas não alterá-lo.
3) Racionalismo: considera que uma
ordem política é racional e possível na
Sociedade Internacional e que, como
os indivíduos são morais e racionais,
da mesma maneira os Estados são
capazes de comportarem-se de forma
racional e moral em suas relações. É
a racionalidade que conduz ao
progresso.
3) Distinção entre os códigos de
conduta moral do indivíduo e do
Estado: a ética pública é diferente da
ética na vida privada. O homem de
Estado, enquanto defensor da
comunidade nacional, não está
limitado em sua atuação pelas normas
éticas e morais que regem os
particulares. Daí o conceito de “razão
de Estado”, em virtude do qual
condutas inaceitáveis em âmbito
interno do Estado seriam plenamente
aceitáveis na política internacional.
4) Harmonia natural de interesses: os
Estados teriam interesses mais
complementares que antagônicos.
Daí a ideia de que é possível a
cooperação entre os povos por um fim
último de paz e integração.
4) Ausência de harmonia natural de
interesses: os Estados encontram-se
em uma competição constante, uma
vez que é difícil se obter a confiança
entre os entes estatais que lhes
permita escapar dessa situação.
Pág. 12 - Idealismo x Realismo
Assim, para os idealistas, a política é a arte do bom governo, e o poder político
não constitui fenômeno natural, lei imutável da natureza. A Sociedade
Internacional, em um primeiro momento, poderia até se encontrar em um estado
de natureza, mas a anarquia internacional seria naturalmente substituída não por
um sistema baseado no equilíbrio de poder, mas por uma ordem fundamentada
na lei internacional, em instituições e na cooperação entre os povos. Assim, a
conduta racional dos Estados os levaria à constituição de um poder
supranacional, uma confederação de nações, que garantiria a segurança e a paz
no Sistema (a “paz perpétua” de Kant).
Os realistas, por sua vez, consideram a política internacional uma constante e
interminável luta pelo poder, definido em capacidade de influência. Negam o
otimismo idealista. Atuar racionalmente significa agir em favor dos próprios
interesses; ou seja, de aumentar o poder, a capacidade ou habilidade de
controlar os outros entes internacionais. Partindo do princípio de que o homem
não é naturalmente bom e que se reúne em sociedade apenas porque é a melhor
maneira que encontrou para garantir a segurança essencial à sua sobrevivência
diante da guerra de todos contra todos, o Realismo percebe o Estado como um
gladiador envolvido em um combate perpétuo pela sobrevivência na Sociedade
Internacional anárquica em que as relações de força predominam.
O Realismo não considera a moral ou a ética como limites à ação do Estado,
mas a prudência, o senso de oportunidade e o cálculo racional. Essa
consideração explica o pragmatismo e a falta de credulidade em organizações
internacionais como instituições que não sejam apenas meros instrumentos de
alguns Estados no jogo de poder internacional. Um governo mundial baseado
apenas no Direito e no desejo global de paz é inconcebível para o Realismo.
Pág. 13 - Tradicionalistas x Científicos
O debate entre os enfoques clássico e científico ou entre tradicionalistas e
behavioristas ultrapassa, na ótica de Arenal, o debate entre realistas e idealistas.
Afinal, ensina o mestre, tanto os partidários da análise clássica quanto os da
perspectiva científica podem inscrever-se nas visões realista ou idealista. O
debate entre tradicionalistas e behavioristas tem caráter metodológico. Faremos
apenas algumas breves considerações introdutórias a esse respeito.
Luciano Tomassini (1989), ao relacionar as principais diferenças entre os dois
debates, lembra que, enquanto o primeiro debate (idealistas x realistas) tem sua
origem específica no âmbito das relações internacionais, o segundo
(tradicionalistas x científicos) está centrado na totalidade das ciências sociais,
tendo ocorrido em virtude da “revolução behaviorista”. Os científicos buscavam
alcançar, nas ciências sociais, o nível de exatidão similar ao das ciências exatas.
Daí a tentativa de adoção de técnicas semelhantes às utilizadas nas ciências
naturais – como as da química, da física e até da biologia – e a busca de “leis
naturais” para explicar as relações sociais.
Uma segunda distinção, segundo Tomassini, repousa no fato de que, enquanto
o primeiro debate referia-se a questões substanciais – aspectos da natureza
humana, dos fundamentos da Sociedade Internacional, da essência do poder –,
o segundo debate teve cunho metodológico. Nesse sentido, tanto pensadores
realistas quanto teóricos idealistas poderiam assumir uma perspectiva científica
em suas análises.
Finalmente, Tomassini assinala que, se o debate entre idealistas e realistas, por
tratar de questões substanciais, faz com que as duas correntes sejam
eternamente irreconciliáveis, o segundo debate estabelece uma paulatina
aproximação das colocações e um entendimento final, dando origem aos pós-
behavioristas. Os neorrealistas são o melhor exemplo desse resultado.
Os behavioristas criticavam os tradicionalistas pelo fato de estes dissociarem o
sistema internacional do sistema nacional, e também porque os tradicionalistas
ignoravam as variáveis internas – como, por exemplo, o processo de tomada de
decisão no âmbito interno –, as quais seriam, na concepção científica,
fundamentais para a compreensão da política exterior. Ademais, os
behavioristas não davam atenção a questões filosóficas e morais, como a busca
da paz, a moralidade da Sociedade Internacional, ou quais seriam os melhores
mecanismos para a estabilidade internacional baseada no crescimento e na
cooperação entre nações.
A resposta tradicionalista às críticas behavioristas fundamentava-se no fato de
que a Sociedade Internacional é complexa demais para que se chegue a “leis”
que expliquem o sistema e a conduta dos atores com base na análise de
variáveis isoladas. Lembravam, ainda, que o método quantitativo não permitia a
compreensão de situações chaves – fundamentadas em aspectos intuitivos ou
racionais. Finalmente, assinalavam que, devido ao sigilo, em Relações
Internacionais é longo o tempo até que se tenha acesso a determinadas
informações que seriam essenciais para “quantificar a análise científica”. Na
resolução de questões urgentes na Sociedade Internacional, não é possível,
outrossim, esperar até que se consigam os dados estatísticos ou a conclusão
das várias análises de casos em que os científicos querem basear-se.
Certamente foi de grande relevância a contribuição behaviorista para a análise
das relações internacionais. Afinal, foi possível aperfeiçoar os métodos da teoria
e sistematizar as análises sob uma perspectiva mais empírica. Não obstante, o
aspecto intuitivo ou racionalista das ciências sociais jamais poderá ser
desprezado. Nesse sentido, não se pode querer atribuir às ciências humanas
equivalência em relação às ciências naturais, exatas. Em Relações
Internacionais, assim como em qualquer ciência social, o homem – seja sob seu
aspecto individual, seja por meio de suas manifestações coletivas – é o objeto
central de estudo. Tentar explicar as relações humanas com base apenas nos
critérios exclusivamente quantitativos pode conduzir o analista a erro em sua
avaliação.
Pág.14 - A Teoria Sistêmica das Relações Internacionais
Segundo Tomassini, o enfoque sistêmico para explicar as relações
internacionais encontra-se “entre os aspectos substantivos que dividiram os
realistas e idealistas durante o primeiro pós-guerra e as questões metodológicas
que foram objeto das disputas entre tradicionalistas e científicos” após a
Segunda Guerra Mundial. Há, entretanto, aqueles que situam a corrente
sistêmica na escola científica.
A escola sistêmica encontra suas origens na década de 1950, quando se
começou a aplicar conceitos de análise de sistemas ao estudo das Relações
Internacionais. Sua principal diferença frente ao enfoque convencional consistia
no fato de que, enquanto os tradicionalistas concebiam as relações
internacionais como um conjunto de interações entre unidades independentes e
soberanas – os Estados –, não sujeitas a pautas nem a qualquer previsibilidade,
a análise sistêmica percebia as relações internacionais influenciadas ou
determinadas pela estrutura ou pelas tendências de uma unidade mais ampla,
que seria o Sistema Internacional em seu conjunto.
Um sistema geral pode ser definido como algo substantivado em um conjunto de
elementos ou partes interconectados. Essa conexão entre os diversos elementos
ocorre por meio de um princípio claramente identificável ou, mais simplesmente,
por um rol de interação hipotético entre seus distintos componentes. Pode-se
dizer, portanto, que um sistema é um conjunto de unidades que interagem entre
si de acordo com padrões relativamente regulares e perceptíveis, alguns dos
quais podem configurar subsistemas que se relacionam com o conjunto,
seguindo o mesmo tipo de padronizações, e cujos limites ou parâmetros também
são reconhecíveis, mas que, em geral, permanecem abertos a influências de um
meio ambiente externo.
A maior preocupação da perspectiva sistêmica está na interação entre os
componentes de um Sistema Internacional e nos efeitos que o sistema tem sobre
a conduta dos atores. Daí a atenção maior aos mecanismos e à estrutura do
conjunto que às partes específicas.
Tomassini conclui que os enfoques sistêmicos têm permitido conhecer e melhor
compreender as relações existentes entre as distintas unidades nacionais, o
Sistema Internacional em seu conjunto e os diversos subsistemas que operam
em seu interior. O enfoque também é importante para:
· a percepção das funções que desempenham as estruturas e sua influência
sobre o comportamento das distintas unidades;
· a necessidade de trabalhar com diferentes níveis de análise, com os limites
entre um Sistema Internacional e seus elementos contextuais;
· a natureza fechada ou aberta do sistema diante desse contexto; e
· a interação observável entre o sistema e os diferentes segmentos que o
integram.
Pág. 15 - A Teoria Sistêmica das Relações Internacionais
Um termo muito usado na análise sistêmica é o de “subsistema”, que também
será explorado no decorrer deste curso. Aplicado às Relações Internacionais,
normalmente vem associado à ideia de região – “subsistemas regionais” – ou às
relações dentro de um setor (subsistema econômico, militar etc.).
A região, concebida como um subsistema, implica categorizar o todo (ou
sistema) em partes distintas. O subsistema apresentaria as mesmas
características do sistema, sendo que em um nível diferente. A busca por
padrões e processos característicos se daria da mesma forma que na análise de
sistemas, embora não necessariamente apresentando os mesmos resultados.
Por exemplo, poder-se-ia considerar a integração uma tendência periférica em
um sistema mundial e, ao mesmo tempo, uma tendência dominante em um
subsistema. Essa é, particularmente, uma das conclusões de alguns
pesquisadores a respeito da formação de blocos econômicos. Dentro do sistema
mundial, esta seria uma tendência dominante apenas entre países periféricos, e
não entre as principais potências. Paulo Nogueira Batista Jr., por exemplo,
argumenta que os EUA e a União Europeia (UE) não têm e nem pretendem ter
acordo de livre comércio entre si. Tampouco está em cogitação uma área de livre
comércio entre os EUA e o Japão, ou entre o Japão e a UE. Isso não impede
que os EUA, a UE e o Japão mantenham inter-relacionamento comercial
substancial e crescente ao longo do tempo. O que os norte-americanos,
europeus e japoneses têm feito nas últimas décadas é negociar, no âmbito
multilateral, em rodadas sucessivas de liberalização, a gradual e seletiva
diminuição de barreiras ao comércio internacional.
Usamos o texto intitulado Estratégias Comerciais do Brasil: Alca, União
Europeia, OMC e Negociações Sul-Sul, preparado para o seminário “O Brasil
e Oportunidades de Integração”, patrocinado pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento e pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, realizado em
04 de novembro de 2003.
Concepções relativas a hierarquia, que normalmente eram empregadas no
estudo do sistema macropolítico da política internacional, podem ser aplicadas,
com a mesma validade, na análise de subsistemas regionais. Assim, um ator
estatal pode apresentar papel significante em um nível e apenas modesto em
outro. Índia e Brasil são bons exemplos. Além disso, dois processos sistêmicos
relevantes, como o conflito e a cooperação, podem igualmente se manifestar no
nível subsistêmico e, ainda, provocar um efeito spillover sobre o macrossistema.
O conflito palestino-israelense é ilustrativo disso.
Trataremos mais adiante, na Unidade 5, das ideias de subsistema
econômico, militar e ideológico, entre outras.
Entre os principais expoentes da escola sistêmica nas Relações Internacionais
estão Morton Kaplan, Karl Deutsch e Richard Rosecrance. No caso do
Neorrealismo, cuja perspectiva é eminentemente sistêmica, tem-se em Kenneth
Waltzseu grande expoente.
Sugerimos as obras de Waltz, particularmente Teoria das Relações
Internacionais
(Theory of International Politics) para o estudo mais aprofundado da perspectiva
neorrealista de relações internacionais, e, ainda, O homem, o estado e a guerra.
Pág. 16 - Realistas x Pluralistas
Outro debate relevante é o que se dá entre realistas e pluralistas. Os pluralistas
colocam o caráter anárquico da Sociedade Internacional e a importância da
segurança em segundo plano, o que é fortemente criticado pelos realistas, para
os quais nenhuma análise das relações internacionais será completa sem se
considerar a estrutura anárquica do Sistema e o dilema da segurança. Para os
pluralistas, dada a complexa interdependência da Sociedade Internacional, o uso
militar da força tende a ter menos utilidade na resolução de conflitos.
Os pluralistas nem sempre usam os conceitos de sistema e de equilíbrio nas
relações internacionais, dado que não concebem atores autônomos e
predeterminados no cenário internacional. Eles criticam as previsões baseadas
em análises de balança de poder dos realistas por serem demasiado genéricas.
Ao contrário do mundo idealizado pelos realistas, os pluralistas veem
indeterminação e imprevisibilidade, dado que não há separação entre política
externa e política interna, sendo aquela mera extensão desta, pois não deixa de
ser influenciada por fatores como a opinião pública, a indústria do lobby e
processos de barganha entre os atores internos (políticos, agências burocráticas
etc.). A noção de Estado-nação dos pluralistas, ao contrário do que concebem
os realistas, é difusa, irracional e altamente permeável.
A Teoria da Estabilidade Hegemônica,que vimos na Unidade 2 ao tratarmos de
hegemonia, é exemplo de uma tentativa de conjugação da perspectiva realista
com a pluralista. Alguns consideram essa teoria um “compromisso parcial” entre
ambas as correntes.
Outros debates
Há discussões mais recentes e igualmente relevantes, como os debates entre
neorrealistas e globalistas e entre neorrealistas e neoliberais. Vamos abordá-los
na próxima Unidade.
Também sobre o debate teórico de relações internacionais, veja o texto de
William Gonçalves, Relações Internacionais.
Pág. 17 - Mudanças na Teoria das Relações Internacionais
A partir de 1990, a Teoria das Relações Internacionais passou a enfrentar um
problema epistemológico, uma vez que estava acostumada a trabalhar com os
conceitos de Estado nacional, soberania, território nacional, interesse nacional,
entre outros. Alguns autores identificam, na década de 1990, a ramificação das
escolas da Teoria das Relações Internacionais em três direções: o Realismo,
nos EUA; o Pluralismo, na Europa e na literatura mais recente da América Latina;
e o Globalismo, nas interpretações da esquerda ainda presente na América
Latina e em outros países do Hemisfério Sul.
O Realismo passou a sofrer várias críticas devido à dificuldade do Estado em
administrar forças transnacionais. O Globalismo se enfraqueceu com a crise do
socialismo real. O Pluralismo se revelou inadequado, uma vez que as suas
preocupações com as questões sociais teriam sido desprezadas pela nova
política internacional (SARAIVA, 1997, p. 361-362).
Os seguintes movimentos passaram a ter relevância para a análise das relações
internacionais contemporâneas:
soma de fluxos transnacionais como fator que afeta o cotidiano das
pessoas e leva à crise do Estado-nação, cujo universalismo e soberania
são questionados;
relativização do conceito de soberania, surgindo expressões, nos meios
diplomáticos, como “soberania operacional”;
atores não estatais não necessariamente agem contra o Estado, mas
exigem mudanças de sua conduta – na política interna e externa;
atores não estatais forçam o Estado a levar em conta a Comunidade
Internacional, uma vez que a interdependência torna-se fato, e os
problemas globais (ecologia, migrações, epidemias, narcotráfico, direitos
humanos, terrorismo) passam a ser de responsabilidade de todos;
o Sistema Internacional passa a ser composto de sistemas confederados,
o que solapa a identidade tradicional;
a Economia desliga-se do espaço nacional e das regulamentações do
Estado, funcionando para o exterior.
A transição da bipolaridade para a globalização ocorreu, no entanto, sem que a
nova ordem internacional demonstrasse capacidade para superar problemas
globais, como o endividamento internacional, a hegemonia do mercado
financeiro, o arrocho econômico mundial requerido para o ajuste de economias
centrais e o desemprego estrutural. Esses também são temas importantes para
os teóricos de Relações Internacionais no século XXI.
Um filme interessante para se entender, na prática, teoria das relações
internacionais é “Sob a Névoa da Guerra” (Errol Morris, EUA, 2003),
documentário em que o ex-Secretário de Defesa dos EUA, Robert McNamara,
faz uma análise da política externa dos EUA na II Guerra Mundial.
Como sugestão de leitura, reforçamos a indicação da última grande obra de
Jean-Baptiste
Duroselle, Todo império perecerá: teoria das relações internacionais.
Interessante,
ainda, um livro básico para a compreensão do Realismo, A Política entre as
Nações,
de Hans Morgenthau. Finalmente, convém conhecer a Escola Inglesa de
Relações
Internacionais por meio de duas obras fundamentais: A Política do Poder, de
Martin
Wight, e A Sociedade Anárquica, de Hedley Bull. Veja a referência completa
sobre
essas obras na Bibliografia Complementar, no menu de apoio.
Unidade 4 - O Realismo
Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:
• identificar as características da principal corrente teórica das Relações
Internacionais e as críticas a essa corrente;
• descrever a evolução do pensamento realista nas Relações Internacionais
ao longo do século XX;
• discorrer sobre a validade do Realismo no século XXI.
Pág. 2 - O Realismo
A tentativa mais notória do século XX para explicar as relações internacionais foi
conduzida por um grupo de pensadores que contemplavam a realidade
internacional com base nas relações de força, poder e dominação. Esses autores
foram os representantes da corrente teórica conhecida como Realismo Político
ou, simplesmente, Realismo. Trata-se da doutrina mais clássica e aceita das
Relações Internacionais, chegando-se a ponto de muitos a considerarem o
tronco central do estudo teórico do tema. Após os ataques terroristas de 11 de
setembro de 2001, ela teve notório fortalecimento. Devido a essas
peculiaridades, optamos por dedicar uma unidade específica a essa corrente.
Entre os fundamentos do Realismo, buscaremos analisar as ideias que mais se
destacam, a saber:
a percepção de um sistema internacional anárquico, sem uma autoridade
central superior aos Estados e titular legítima do uso da força;
o caráter praticamente exclusivo do Estado como o único ou, ao menos,
o principal ator internacional;
o desprezo pelo institucionalismo e pelo papel efetivo das organizações
internacionais no sistema;
a percepção de que os Estados são entes unitários e racionais ao
conduzirem sua política externa;
a heterogeneidade desses atores, quanto a aspectos econômicos,
políticos, culturais etc.;
o predomínio da competição e da dimensão conflitiva sobre todas as
formas de relações entre os aaAtores internacionais;
a busca da racionalidade na conduta dos Estados, que atuam na esfera
internacional perseguindo sempre seu interesse nacional;
o interesse nacional definido com base no poder, que conduz a uma
paradoxal ordem internacional no sistema anárquico, ordem esta imposta
pelas Potências hegemônicas aos demais Estados e em benefício das
primeiras;
a preocupação com a segurança como umas das grandes orientadoras
da conduta dos atores, no que os realistas consideram ”alta política” (high
politics) em contraposição à chamada baixa política (low politics);
a ideia de equilíbrio de poder na ordem internacional, estabelecido pelas
Potências.
Pág. 3 - O Realismo
Os realistas tiveram por objetivo inicial definir as características que fariam do
campo de estudo das Relações Internacionais uma ciência própria. Daí
buscarem distinguir, preliminarmente, a política internacional da política interna
dos Estados. Desenvolveram, então, a percepção anárquica do sistema
internacional.
Assim, os realistas percebem o sistema internacional como anárquico, no qual
não existe poder central ou superior dos Estados soberanos. Para os realistas,
os Estados não reconhecem e não se submetem a qualquer autoridade que não
a sua própria, também não estando, em última análise, internacionalmente
sujeitos nem mesmo às regras do Direito. Nesse sentido, os Estados “são livres
para fazer sua própria justiça e podem recorrer à força para defender seus
interesses nacionais” (SENARCLENS, 2000, p. 16).
O pensamento realista inspira-se nas concepções de Thomas Hobbes sobre o
“estado de natureza”e, reproduzindo a visão hobbesiana sobre o homem,
percebe os Estados numa situação de guerra permanente – não
necessariamente de conflito armado –, na qual perseguem seus interesses
nacionais.
Nesse contexto anárquico, o Estado é visto internacionalmente como um ente
unitário e que atua em política externa de maneira racional, sendo o cálculo
estratégico essencial para garantir sua sobrevivência. Nesse sentido, o interesse
nacional definido em termos de poder guiará a conduta dos Estados, e, em meio
à guerra de todos contra todos, são essenciais para a sobrevivência de qualquer
ente a garantia de sua segurança e o aumento de sua capacidade de influência
no sistema.
Em âmbito interno, segundo Hobbes, os homens associam-se e abrem mão de
parte de sua independência para garantir sua segurança, transferindo uma
parcela de seu poder para um soberano – o Estado – que, tornando-se o único
e legítimo titular do uso da força (coerção), protege-os e garante a ordem. Na
esfera internacional, entretanto, declaram os realistas, não há uma autoridade
superior à qual os Estados estejam dispostos a transferir parcela de seu poder
ou soberania em troca de segurança.
Para garantir sua segurança, os Estados irão buscar aumentar seu poder –
definido pela capacidade de influenciar os demais Estados e de ser influenciado
o mínimo por eles –, projetando-o no sistema internacional. Esse poder
relaciona-se intimamente com o uso da força – sobretudo de poderio político-
militar e os aspectos econômicos relacionados a ele. Em outras palavras, quanto
mais forte for um Estado frente a seus pares, menos sujeito a ser subjugado por
estes ele se encontra.
Pág. 4 - O Realismo
Paradoxalmente, uma vez que é impossível a coexistência em um sistema
internacional caótico, os realistas acreditam que há uma ordem internacional
estabelecida pelas Potências – Estados mais poderosos –, que a impõem aos
demais Atores. A ordem se fundamenta, portanto, em um equilíbrio de poder
instituído pelas relações entre as Potências. Quando uma Potência aumenta sua
esfera de poder, entrará em atrito com as demais – que não aceitarão ver sua
capacidade de influência diminuída. Dessa maneira, o sistema poderá ser levado
ao desequilíbrio, chegando-se ao conflito entre os Estados poderosos, que
culminará, por sua vez, em uma nova ordem imposta pelos vencedores.
Os realistas não acreditam em uma ordem internacional instituída por princípios
morais e fraternos. Qualquer forma de cooperação internacional será conduzida
pelos Estados enquanto esses perceberem que a cooperação garantirá mais
segurança que a não cooperação. As instituições internacionais são frágeis e
somente prevalecem enquanto for mais conveniente para as Potências. No meio
internacional, o Direito acaba quando a força começa.
Destarte, para os realistas, os Estados só seguirão e defenderão o Direito
Internacional enquanto isso lhes for interessante. Caso as instituições jurídicas
internacionais contrariem interesses de um Estado, este não se furtará a violá-
las, desde que tenha capacidade –potencialidade de uso da força – para fazê-lo
e para suportar as reações dos outros Estados que defendam aqueles institutos.
Periodicamente, os governos recorrem à força e violam os princípios de Direito
Internacional, produzindo, inclusive, argumentos jurídicos para justificar sua
política de agressão.
Outro aspecto importante do pensamento realista é a percepção do Estado como
o único, ou, no mínimo, o principal Ator nas Relações Internacionais. Nessa
perspectiva, os demais Atores – reconhecidamente as organizações
internacionais – não seriam mais que instrumento de manobra das Potências
para garantir sua hegemonia na Sociedade Internacional. Segundo Senarclens
(2000, p. 18):
De fato, as grandes potências definem as condições da segurança internacional
e se arrogam em uma boa margem de manobra na interpretação dos princípios
da Carta das Nações Unidas. Elas dominam as organizações internacionais; as
utilizam continuamente para servir aos seus próprios fins [das grandes
Potências], notadamente para efetivar suas ambições políticas e seu desejo de
hegemonia. (...) Para os realistas, (...) o direito e a moral nas Relações
Internacionais não fazem mais que exprimir a racionalização dos interesses dos
principais Estados que dominam a política mundial.
(...) Definitivamente, as normas jurídicas e as instituições são frágeis; sua
implementação é frágil, uma vez que os Estados interpretam a seu bel-prazer as
obrigações que elas impõem; [os Estados] as transgridem invocando a defesa
de seus interesses nacionais. Contrariamente ao que ocorre na esfera estatal
interna, não há [no meio internacional] um poder legítimo capaz de instaurar e
assegurar uma ordem política impondo sua arbitragem frente aos conflitos entre
os Estados; nenhuma autoridade é capaz de produzir um conjunto de normas
jurídicas universalmente reconhecidas como legais. Não existe uma corte
internacional capaz de julgar de maneira sistemática e coerente as diferenças
entre os Estados, nem forças policiais [internacionais] que possam coibir
agressões a fim de estabelecer a paz. O indivíduo que viole a lei dentro de um
Estado é passível de sanção. O Estado que transgrida o direito internacional em
geral não é punido.
O institucionalismo, portanto, não encontra abrigo na perspectiva realista.
Pág. 5 - O Realismo
Ademais, a liberdade de ação dos Estados na esfera internacional estará
relacionada à força que cada um deles tenha frente aos demais. Em Paz e
Guerra entre as Nações, Raymond Aron, partindo do pressuposto de que os
Estados são soberanos – e, portanto, livres para perseguir sua própria justiça –,
admitiu que o direito desses entes de recorrer à força constitui uma das
especificidades das relações internacionais.
No que concerne ao meio internacional heterogêneo, os realistas afirmam que,
apesar de os Estados serem juridicamente idênticos e terem direitos iguais de
pronunciar-se perante o concerto das nações, na prática, a capacidade de
exercerem sua soberania varia consideravelmente.
O que os realistas buscam deixar claro é que não se pode querer igualar a China
a Liechtenstein, ou o Brasil à Somália, ou ainda, ou ainda, os EUA ao
Afeganistão. Não adianta, portanto, querer arguir o artigo 2º da Carta das Nações
Unidas para que se imponha o princípio da igualdade entre os Estados nas
relações internacionais. Os Estados são distintos uns dos outros quanto à
grandeza territorial, populações, localização geográfica, capacidade militar,
níveis de desenvolvimento em que se encontram, recursos econômicos,
capacidade de exploração desses recursos. É exatamente em virtude dessas
diferenças que os Estados terão maior ou menor influência no sistema
internacional e buscarão formas de defender seus interesses.
O artigo 2º da Carta da Nações Unidas dispõe que a ONU é "fundada sobre o
princípio da igualdade soberana de todos os seus Membros.
Destarte, para os realistas, a política internacional de cada Estado é conduzida
considerando-se as próprias potencialidades e as daqueles com os quais o
Estado vá relacionar-se. A heterogeneidade – econômica, política, militar,
cultural, ideológica, social – é a regra no sistema internacional, e não levar isso
em consideração pode ser tremendamente desastroso para qualquer Ator.
Pág. 6 - O conflito e a questão da segurança
A política internacional, como toda política, tem por base os conflitos
relacionados à distribuição do poder e dos recursoseconômicos. Os Estados
atuam na arena internacional considerando essa disputa por poder e por
recursos econômicos. E os governos não devem ter objetivos maiores que os da
defesa de seus “interesses nacionais”, entre os quais o mais importante é
assegurar sua sobrevivência. É exatamente a conduta dos Atores internacionais
em uma persecução - muitas vezes desordenada - por seus interesses nacionais
que leva à situação de conflito e caos. Daí a assertiva de Morgenthauem A
Política entre as Nações:
A política internacional, como toda política, é uma luta pelo poder. Quaisquer que
sejam os fins últimos da política internacional, o poder é sempre o fim imediato.
Os realistas percebem diferentes maneiras pelas quais os Estados buscam sua
segurança. Para assegurar a independência, dependendo da posição e do status
internacional, optam pela proteção de uma grande Potência, a participação em
sistemas de segurança coletiva ou em alianças políticas ou militares. De
qualquer maneira, a maioria dos Estados dispõe de forças armadas para garantir
sua segurança. Aqueles que renunciaram a elas (a Costa Rica é o caso mais
notório), necessariamente confiam sua defesa à proteção de uma Potência
hegemônica.
Philippe Braillard, em Teoria das Relações Internacionais (1990, p. 115), resume
bem os principais conceitos do pensamento de Morgenthau:
Para Morgenthau é o poder (power) e, mais precisamente, a procura pelo poder,
que é o fundamento de toda a relação política e que constitui, assim, o conceito
chave de toda a teoria política. Esta procura do poder está inscrita
profundamente na natureza humana, onde tem a sua origem, natureza que não
é essencialmente boa, já que ela confere a todos os homens um ardente desejo
de poder ou animus dominandi, e os faz, com frequência, agir como uma ave de
rapina, pelo menos ao nível das relações dos grupos sociais entre si. Temos, por
isso, no fundamento da teoria política de Morgenthau, uma visão filosófica do
homem, uma antropologia, marcada pelo pessimismo, que é fortemente
inspirada pela obra do teólogo Reinhold Niebuhr, um dos mestres do
pensamento da escola realista americana.
No que respeita particularmente à política internacional, a aspiração ao poder
por parte das diversas nações, cada uma procurando manter ou modificar o
status quo, conduz, necessariamente, a uma configuração que constitui o que
chamamos de equilíbrio [de poder] (balance of power) e as políticas que visam
conservar esse equilíbrio. Ao estabelecer uma ligação necessária entre a
aspiração das nações ao poder e as políticas de equilíbrio, Morgenthau pretende
evitar o erro cometido pelos que acreditam que podemos escolher entre a política
fundada no equilíbrio e uma política, de um gênero melhor, esquecendo que
todos os Estados procuram os seus interesses, exprimidos em termos de poder.
Também sobre o Realismo, veja o texto que trata da moral nas Relações
Internacionais numa perspectiva realista, de Marcelo Beckert Zapelini.
Pág. 7 - Críticas ao Realismo
Claro que o Realismo tem sofrido pesadas críticas ao longo de décadas. Por
exemplo, afirma-se que a teoria negligencia aspectos sociais, culturais ou
mesmo econômicos, dando valor exacerbado a fatores político-militares. Outra
crítica é de que o conceito de poder na perspectiva realista estaria mal definido
e seu emprego demasiado vago, uma vez que o poder seria, ao mesmo tempo,
“um fim, um meio, um motivo e uma relação”.
Há, ainda, aqueles que lembram que o interesse nacional definido em termos de
poder é discutível, uma vez que é complicado determinar e quantificar esse
interesse. Ademais, o Estado jamais poderia ser considerado um Ator unitário e
racional, e as decisões e ações de política externa são fruto de um complexo
conjunto de interesses de forças em diferentes níveis da sociedade interna. Daí
que interesse nacional seria um conceito bastante subjetivo, tanto em virtude da
diversidade das forças do interior do Estado que estabelecem quais são as
prioridades e os interesses da nação, quanto devido à heterogeneidade do
sistema internacional.
Finalmente, há a ponderação de que a teoria realista assenta-se numa visão das
relações internacionais limitada à configuração dessas relações nos séculos
XVIII e XIX, ou mesmo na primeira metade do século XX, sendo inadequada ao
sistema internacional contemporâneo, marcado pela diversidade de Atores e de
grupos, como organizações internacionais, organizações não governamentais e
empresas transnacionais.
O conhecimento da perspectiva realista é fundamental para a compreensão
das relações internacionais. Além da já citada obra de Morgenthau, sugere-se
a leitura dos trabalhos de Raymond Aron, com destaque para Paz e Guerra
entre as Nações e dos livros de Henry Kissinger.
Pág. 8 - O Neorrealismo
vídeo
Duração: 7min08
O Neorrealismo é uma versão mais atual do Realismo. Pegou emprestado
alguns elementos do cientificismo behaviorista e, assim, deu um renovo para a
corrente realista. O Neorrealismo deriva de um movimento epistemológico que
ficou conhecido como Estruturalismo. Segundo os estruturalistas, a sociedade
se define pelas condições de possibilidade de toda organização social. A análise
dos diferentes sistemas constitutivos da Sociedade Internacional e de sua
articulação mostra serem eles a aplicação de certo número de leis lógicas
encontráveis em toda sociedade. Tal ponto de vista se casou com algumas
perspectivas “clássicas”, como as que veem as “leis” da anarquia e do poder
como explicativas da realidade (como a “lei” do balanço de poder já estudada),
dando luz ao Neorrealismo. Para os estruturalistas, são essas as invariantes ou
constantes que dão unidade necessária à fundamentação científica. Enfim, para
os estruturalistas, o importante é identificar os padrões, os arranjos, as
organizações sistemáticas em determinado estado.
Em suma, o Estruturalismo foi fundamental para o desenvolvimento dos métodos
“científicos” ao ensinar que o processo científico básico é o analítico, da
decomposição das coisas, e que se deve privilegiar o aspectorelacional da
realidade, uma vez que as relações são constantes, enquanto que os elementos
podem variar.
Kenneth Waltz (2002) se utiliza do Estruturalismo para criar o seu Neorrealismo,
também chamado de Realismo Estrutural, ao final da década de 1970, que ele
modestamente chama de “revolução de Copérnico” no âmbito das Relações
Internacionais.
Waltz identifica três níveis de análise nas Relações Internacionais: o Indivíduo,
o Estado e a Sociedade (economia doméstica/sistemas políticos), e o Sistema
Internacional (ambiente anárquico). Dos três níveis de análise identificados por
ele, concentra-se no terceiro nível, para dizer que a anarquia é uma constante,
um “dado” na estrutura do Sistema Internacional. Enquanto esse primeiro critério
da estrutura, a anarquia, é uma constante, o segundo, a distribuição de
capacidades, é uma variável, pois varia entre os Estados. O referencial empírico
para essa variável é a quantidade de Superpotências que domina o sistema.
Dado o pequeno número de tais Estados – importante perceber que ele escrevia
na época da Guerra Fria –, e, além disso, para Waltz, não mais que oito já foram
importantes, a política internacional, segundo ele, poderia ser estudada em
termos da lógica de poucos sistemas.
O Neorrealismo foca mais as características estruturais do sistema internacional
estatocêntrico do que as unidades que o compõem (os Estados).Em outras
palavras, é a estrutura que molda e conforma as relações políticas entre as
unidades. Para Waltz, o Realismo tradicional, por se concentrar nas unidades e
nos seus atributos funcionais, é incapaz de trabalhar com mudanças de
comportamento ou na distribuição de poder que ocorre independentemente das
flutuações entre as próprias unidades. Assim, apesar de o sistema ainda ser
anárquico e as unidades ainda serem autônomas no Neorrealismo, a atenção
voltada para o nível estrutural fornecia-lhe uma imagem mais dinâmica e menos
restrita do comportamento político internacional emergente. O Neorrealismo
busca explicar como as estruturas afetam o comportamento e os resultados,
independentemente das características atribuídas ao poder e ao status.
Pág. 9 - O Neorrealismo
Para Waltz, o sistema internacional funciona como o mercado, o qual está
interposto entre os atores econômicos e os resultados que eles produzem. É o
mercado que condiciona seus cálculos, seus comportamentos e suas interações.
Assim, para ele, é a estrutura do sistema internacional que limita o potencial de
cooperação entre os Estados e que, por consequência, gera o dilema da
segurança, a corrida armamentista e a guerra.
Waltz lembra que as empresas devem desenvolver sua própria estratégia para
sobreviver em um meio competitivo, sendo difíceis ações coletivas que otimizem
o lucro a longo prazo.
Waltz usa a noção de poder estrutural – espécie de poder que pode estar
operando quando os Estados não estiverem agindo da forma que se esperava,
dada a desigualdade de distribuição de poder no sistema internacional. Percebe-
se que Waltz se inspirou em Durkheim, para quem a sociedade não é a simples
soma de indivíduos e que todo fato social tem por causa outro fato social, e
jamais um fato da psicologia individual. Em seu trabalho sobre o suicídio,
Durkheim procurou demonstrar que, mesmo no ato privado de tirar a própria vida,
conta mais a sociedade presente na consciência do indivíduo do que sua própria
história individual. Ou seja, o ambiente é mais importante do que o agente, e
essa é a tese por trás do Neorrealismo de Waltz.
Isolando a estrutura, Waltz argumenta que uma estrutura bipolar dominada por
duas Superpotências é mais estável que uma estrutura multipolar dominada por
três ou mais Superpotências, pois é mais provável que se sustente sem guerras
espalhadas no sistema. Para ele, há diferenças expressivas entre
multipolaridade e bipolaridade. Na multipolaridade, os Estados confiam em
alianças para manter a segurança, o que é inerentemente instável, uma vez que
existem potências demais para se permitir que qualquer uma delas trace linhas
claras e fixas entre aliados e adversários. Em contraste, na bipolaridade, a
desigualdade entre as Superpotências e cada um dos outros Estados assegura
que a ameaça posta a cada um deles seja mais fácil de ser identificada, e, no
sistema bipolar da Guerra Fria, a URSS e os EUA mantinham o equilíbrio central,
confiando mais nos próprios armamentos do que nos aliados. Ficam, assim,
minimizados os perigos decorrentes de previsões erradas. A intimidação nuclear
e a inabilidade das Superpotências em superarem mutuamente as forças
retaliadoras aumentam a estabilidade do sistema. Ou seja, para Waltz, a
estrutura do sistema em si gerava a estabilidade.
Os conceitos de multipolaridade e de bipolaridade serão abordados com mais
detalhes
no próximo módulo.
Waltz foi criticado por Raymond Aron, para quem a estabilidade da Guerra Fria
tinha mais a ver com as armas nucleares em si do que com a bipolaridade.
Muitos
críticos argumentaram que o modelo de Waltz era muito estático e
determinístico,
além de desprovido de qualquer dimensão de mudança estrutural (revolução).
Mas
essas, na verdade, são as características do Estruturalismo. Em Waltz, os
Estados
estão condenados a reproduzir a lógica da anarquia, e qualquer cooperação
que
ocorra entre eles ficará subordinada à distribuição de poder. Os neoliberais
criticam
Waltz por exagerar o grau de “obsessão” dos Estados pela distribuição de
poder e
por ignorar os benefícios coletivos que podem ser alcançados pela
cooperação.
Abordaremos esse debate entre neorrealistas e neoliberais mais à frente.
Outros acusaram Waltz de tentar legitimar a Guerra Fria sob o manto da
ciência.
Com o fim da Guerra Fria, um dos polos da estrutura ruiu, a URSS, o que não
se
harmonizava com as expectativas da teoria de Waltz, segundo as quais as
Superpotências amadureceriam para se tornar “duopolistas sensíveis” no
comando
de uma estrutura crescentemente estável.
Pág. 10 - Os Últimos Grandes Debates
Visto o Neorrealismo, agora podemos abordar os últimos grandes debates
teóricos de interesse para o presente curso introdutório. Tais debates, que
surgiram nas últimas décadas do século XX, refletem as teorizações que se
fizeram necessárias para explicar as significativas mudanças nas relações
internacionais produzidas pelo processo de globalização e pelo aumento da
interdependência entre os Atores.
Neorrealistas X Globalistas
Um dos últimos debates que merece referência neste curso é o que se dá entre
neorrealistas e globalistas.
Como visto, a corrente neorrealista surge com o objetivo de desenvolver uma
análise mais precisa das Relações Internacionais, baseada nos pressupostos
realistas clássicos, mas com adaptações que tinham que considerar a nova
realidade internacional mais complexa.
Como já referido, Waltz (2002) reafirma a perspectiva tradicional realista: o
princípio da soberania estatal confere à Sociedade Internacional características
próprias e limita os domínios da cooperação internacional, prejudicando qualquer
integração durável. O autor retoma a ênfase na teoria do equilíbrio de poder
diante do Sistema Internacional anárquico, no qual os Estados competem e
atuam em defesa de seus interesses, que podem ser percebidos como, no
mínimo, a sua própria preservação, e, no máximo, a dominação universal.
O Globalismo, por sua vez, usa algumas das categorias que o Neorrealismo usa
(como o poder estrutural), pois também deriva do Estruturalismo, mas surge
como uma corrente alternativa. Os globalistas reconhecem, como os
neorrealistas, que há limitações estruturais para a cooperação entre os Estados,
mas defendem que isso se dá mais em razão da hierarquia do que da anarquia
no Sistema. Para eles, a hierarquia, como uma característica chave, é mais
importante do que a anarquia, dada a desigualdade na distribuição do poder
dentro do sistema. Os globalistas enfatizam o poder estrutural e centram as
capacidades chaves no sistema econômico. Para eles, uma divisão peculiar do
trabalho ocorreu historicamente no sistema mundial como resultado do
desenvolvimento do capitalismo como a forma dominante de produção.
Como já referido na Unidade 3, o Globalismo busca explicar as relações
internacionais não em virtude de cooperação ou conflito, mas sob a ótica do
subdesenvolvimento de vários países. Os globalistas buscam analisar as
Relações Internacionais dentro de um contexto global e geral, assim como fazem
os neorrealistas, mas acreditam que o que deve ser explicado são as relações
de dominação, ou seja, como a minoria consegue dominar a maioria, doméstica
ou internacionalmente, e essa dominação encontra na Economia seu aspecto
central.
“Existe uma influência marxista no globalismo, principalmente nas análises sobre
o padrão de evolução histórica das relações de dominação (o conflito seria o
motor da dinâmica entre as classessociais). Existe também um enfoque na
totalidade, ou seja, não é possível entender o capitalismo sem entender as
relações de exploração. Afirmam também, nessa perspectiva global, que
qualquer solução localizada deve ser vista apenas como uma etapa da solução
global.” Miguel Burnier, Debate Interparadigmático das Relações Internacionais,
no Caderno Pet Jur n. IV.
Pág. 11 - Neorrealistas X Globalistas
O Globalismo vê um sistema-mundo capitalista composto por um núcleo (o
centro) e a periferia. As áreas centrais se engajaram, historicamente, nas
atividades econômicas mais avançadas: bancária, industrial, agricultura de alta
tecnologia etc. A periferia tem fornecido matéria-prima, como minérios e madeira,
para a expansão econômica do centro. O trabalho não qualificado é sufocado, e
aos países periféricos é negado o acesso a tecnologias avançadas nas
áreas/setores em que podem vir a competir com os países centrais. O
relacionamento polarizado entre as duas categorias é um dos motores do
sistema.
Assim, não basta um consenso ideológico a favor do capitalismo (como pensam
os neoliberais) ou uma concentração do poder militar entre as hegemonias do
centro (como pensam os neorrealistas) para que um conflito sério no sistema
possa ser evitado. Para os globalistas, não bastaria nenhum dos dois se não
fosse a divisão da maioria numa camada inferior maior.
Autores globalistas, como Immanuel Wallerstein, acreditam que o sistema-
mundo continuará a funcionar como tem feito nos últimos quinhentos anos, em
busca do acúmulo sem fim de bens e capital, e que a periferia será cada vez
mais marginalizada na medida em que a sofisticação tecnológica do centro se
acelerar.
Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência
Este último debate é o mais relevante para o mundo que se descortina diante de
nossos olhos neste início do século XXI. Também pode ser referido como um
debate entre neorrealistas e pluralistas, já que os liberais e neoliberais se reúnem
no paradigma pluralista.
Como pano de fundo desse debate temos a Teoria da Interdependência. Esse
debate teórico ganhou força nas décadas de 1980 e 1990 e perdura até os dias
de hoje. O debate se dá em torno de questões como: se o sistema internacional
mudou ou não sob o impacto da interdependência, e quais as implicações de tal
mudança para a teoria e prática das relações internacionais. No fundo, quando
surgiu o debate, a questão era se o modelo clássico da “anarquia” estava
perdendo seu poder explicativo frente à “interdependência” entre os Estados, se
a agenda tradicional das relações internacionais passou ou não a reduzir a
importância da “alta política” (high politics – segurança militar, dissuasão nuclear)
e a elevar a “baixa política” (low politics – comércio, finanças internacionais etc.).
Na época em que surgiu, a discussão era travada entre os que acreditavam que
o sistema internacional não estava sofrendo nenhuma mudança sistêmica (a
escola neorrealista) e os que argumentavam que o Realismo passou a ser um
guia inadequado para a compreensão das mudanças dramáticas ocorridas nas
relações internacionais como resultado das forças econômicas transnacionais (a
escola neoliberal).
Pág. 12 - Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência
A razão desse debate era a crise do sistema Bretton Woods, a crise de
conversibilidade do dólar e os choques de petróleo, eventos que abalaram todo
o mundo. E, claro, não se pode deixar de citar, o fracasso dos EUA na Guerra
do Vietnã.
Segundo Waltz (2002), a direção da interdependência econômica dependia da
distribuição de poder no Sistema Internacional. O significado político das forças
transnacionais não decorre de sua escala; o que importa é a vulnerabilidade dos
Estados às forças fora de controle e os custos da redução de exposição a essas
forças. Para Waltz, no sistema bipolar então vigente, o grau de interdependência
era relativamente baixo entre as Superpotências, e a persistência da anarquia,
como princípio central organizador das relações internacionais, garantia que os
Estados continuassem a privilegiar a segurança acima da busca por riquezas
(GRIFFITHS, 2004).
Do outro lado do debate estavam os neoliberais, que afirmavam que o
crescimento das forças econômicas transnacionais, como os fluxos financeiros,
a crescente irrelevância do controle territorial frente ao crescimento econômico
e a divisão internacional do trabalho tornavam o Realismo obsoleto. Os
benefícios coletivos do comércio e a influência dos fluxos financeiros para as
políticas domésticas dos Estados assegurariam uma cooperação maior entre os
Estados e contribuiriam para o declínio do uso da força entre eles.
Um dos fortes defensores das teses neorrealistas foi Stephen Krasner. Para
Krasner (1983), os Estados soberanos continuam sendo, nos tempos de hoje,
agentes racionais e interesseiros, firmemente preocupados com seus ganhos
relativos. Argumentou que os períodos de abertura na economia mundial
correspondem aos períodos nos quais um Estado é nitidamente dominante. No
século XIX, foi a Grã-Bretanha; no período 1945-1960, os EUA. Por
consequência, concorda com Waltz: o grau de abertura depende, em si, da
distribuição de poder entre os Estados. A “interdependência” econômica é
subordinada ao equilíbrio de poder econômico e político entre os Estados, e não
o contrário. A teoria da Estabilidade Hegemônica, vista na Unidade 2, trata desse
ponto.
Krasner também ataca os globalistas. Para ele, os Estados nem sempre colocam
a riqueza acima dos outros objetivos. O poder político e a estabilidade social
também são cruciais, e isso significa que, embora o comércio aberto possa
fornecer ganhos absolutos para todos os Estados que se comprometerem com
ele, alguns Estados ganharão mais do que outros, e essas diferenças de poder
são o principal fator determinante e explicativo do comportamento dos Estados.
Krasner ataca os globalistas pelo fracasso em explicarem o envolvimento dos
EUA na Guerra do Vietnã, que provocou tão intensas discordâncias domésticas
para tão pouco ganho econômico. Se os EUA frequentemente desejavam
proteger os interesses das corporações norte-americanas, reservaram o uso da
força em larga escala, todavia, para as causas ideológicas. Isso explicaria a
guerra contra o Vietnã, uma área de importância econômica insignificante para
os EUA, e a relutância no uso da força durante as crises do petróleo nos anos
de 1970, que ameaçaram o fornecimento do produto em todo o mundo
capitalista.
Pág. 13 - Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência
Krasner atacou de frente a “interdependência” neoliberal, e todo o
institucionalismo supostamente por trás dela. Segundo ele, Estados pequenos e
pobres do Sul tendem a apoiar os regimes internacionais que distribuem
recursos autoritariamente, ao passo que os Estados mais ricos do Norte
favorecem regimes cujos princípios e regras dão prioridade aos mecanismos de
mercado. Regimes internacionais “autoritários” são aqueles conjuntos de regras,
normas, princípios e procedimentos que aumentam os poderes soberanos dos
Estados individualmente, dando aos Estados o direito de regulamentar fluxos
internacionais (migração, sinais de rádio, ativos financeiros, aviação civil etc.) ou
de distribuir acesso a recursos internacionais (fundo do mar, atmosfera, etc.). Os
Estados do Terceiro Mundo procuram, na verdade, proteção. Tentam se proteger
contra a operação de mercados em que eles se encontram em desvantagem.
Não seria por outro motivo o apoio de países do Terceiro Mundoao Fórum Social
Mundial, cujas preocupações têm sido a regulamentação dos fluxos financeiros
internacionais e a imposição de uma tributação sobre eles (a chamada “taxa
Tobin”).
Regimes internacionais são normalmente definidos como princípios, normas,
regras e processos de tomada de decisão em torno dos quais as expectativas
do Ator convergem para uma dada questão setorizada (issue area). Os
regimes implicam não apenas normas e expectativas que facilitam a
cooperação entre os Estados, mas formas de cooperação.
Krasner, assim, identifica uma dicotomia regulamentação/Terceiro Mundo versus
desregulamentação/Primeiro Mundo, que, no fundo, evidencia relações de
poder. Krasner, desse modo, rejeita, mais uma vez, a hipótese de que os
Estados perseguem simplesmente riqueza, e argumenta que os Estados do
Terceiro Mundo também se envolvem em lutas pelo poder, querendo diminuir
sua vulnerabilidade ao mercado e exercer um controle estatal maior sobre ele (é
o que estaria por trás, por exemplo, das discussões na China sobre o controle
ou não dos fluxos de capital – deixar ou não fechada a conta de capital do
balanço de pagamentos). Assim, a soberania dá aos Estados do Terceiro Mundo
uma forma de “metapoder” ou poder de uma ideologia coerente para atacar a
legitimidade dos regimes do mercado internacional e as injustiças do capitalismo
global (GRIFFITHS, 2004).
Portanto, para os neorrealistas, a tentativa de estabelecer regimes internacionais
como meio de superar ou atenuar os efeitos da anarquia não funciona. Tais
regimes não disfarçam as diferenças de poder existentes nas relações
internacionais e tampouco conseguem alterar a importância da soberania dos
Estados.
Neoliberais como Robert Keohane (2001) tentariam derrubar essas teses,
buscando uma resposta positiva para a questão de se as instituições explicam
ou não o comportamento dos Estados. O argumento básico de Keohane é que,
num mundo interdependente, o paradigma realista é de uso limitado para ajudar
a compreender a dinâmica dos regimes internacionais, ou seja, as normas,
regras e princípios que governam as tomadas de decisão e as operações em
relações internacionais sobre determinadas questões, como o dinheiro.
Pág. 14 - Neorrealistas x Neoliberais e a Teoria da Interdependência
Os neoliberais usam o modelo da “interdependência complexa”. Trata-se de um
modelo explanatório das relações internacionais que pressupõe múltiplos canais
de contato entre as sociedades, uma ausência de hierarquia entre questões de
agenda e uma diminuição da utilidade do poder militar, ou um papel minimizado
para o uso da força. A “interdependência complexa” é o resultado da
multiplicação das interconexões globais e da aceleração de fluxos financeiros,
demográficos, de bens, serviços e de informações, com operadores
extremamente variados: organizações intergovernamentais, multinacionais,
organizações não governamentais, sociedade civil, dentre outros, os quais
passam a ganhar espaço nas decisões e discussões internacionais, e o Estado
deixa de ter o único papel relevante nas relações internacionais, embora ainda
proeminente.
Sob condições de interdependência complexa, os neoliberais afirmam que é
difícil para Estados democráticos delinearem e perseguirem políticas exteriores
racionais, como defendem os realistas.
Os neorrealistas, tornando o debate mais acalorado, responderam dizendo que
não é verdade que a distribuição de poder político e militar não se relacione com
a condição de interdependência complexa. A Teoria da Estabilidade
Hegemônica é normalmente citada como a conjugação das ideias do realismo
com as ideias pluralistas de interdependência (vide Unidade 2). Ela explica, por
exemplo, a ligação entre o poder hegemônico e o grau de interdependência
complexa no comércio internacional. Waltz, ao falar sobre a importância do
equilíbrio de poder, mostrou que a interdependência, longe de tornar obsoleto o
poder, dependia da habilidade e da disposição dos EUA em fornecer as
condições sob as quais os outros Estados estariam participando da concorrência
por ganhos relativos e cooperando para maximizar seus ganhos absolutos com
base em uma cooperação no comércio e em outros setores de controvérsia.
A Teoria da Estabilidade Hegemônica procurou responder ao argumento
neoliberal de que o crescimento da interdependência econômica entre os
Estados os estaria enfraquecendo e atenuando o relacionamento histórico entre
a força militar e a capacidade de sustentar interesses nacionais. Afinal, está a
interdependência econômica que testemunhamos no mundo atual reduzindo a
importância do poder militar? A resposta dessa teoria é negativa, como visto.
Portanto, para autores como Gilpin, a liderança hegemônica dos EUA e o
antissovietismo foram as bases do compromisso com o “internacionalismo
liberal” e com o estabelecimento de instituições internacionais para facilitar a
grande expansão comercial ocorrida entre os Estados capitalistas nos anos de
1950 e 1960 (chamados de “anos dourados” por Eric Hobsbawm). Giovanni
Arrighi, em sua obra O longo século XX, apresentou tese no mesmo sentido.
Sem a presença de um hegemon, não teria havido os anos dourados do pós-
Guerra.
Pág. 15 - Conclusão
O Realismo continua sendo a principal corrente teórica de Relações
Internacionais. No século XXI, análises sob uma ótica realista passam a
considerar diferentes fatores e novos Atores. Não obstante, esses novos
elementos não conduzem à decadência ou obsolescência do paradigma, mas,
sim, a novas adaptações. As teses neorrealistas são bons exemplos. De fato,
com as mudanças na política internacional que vêm ocorrendo neste início de
milênio, motivadas pelas pretensões hegemônicas de projeção de poder da
Hiperpotência norte-americana, nunca o mundo pareceu tão realista.
Nesta Unidade então, estudamos a principal corrente teórica das Relações
Internacionais: O Realismo. Volte ao início da Unidade e verifique se os
objetivos propostos foram alcançados.
Unidade 5 - Sociedade Internacional: Aspectos Gerais
• apresentar os aspectos gerais que caracterizam a Sociedade Internacional;
• assinalar as subestruturas que compõem a Sociedade Internacional e sua
importância na compreensão da mesma.
Outro fator importante, que pode contribuir para o aproveitamento do curso, é
sua organização pessoal e a disponibilidade de um tempo diário e preciso para
os estudos.
Pág. 2 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito
Em um primeiro momento, podemos relacionar a Sociedade Internacional à
evolução histórica das relações entre os grupos, povos e Estados-nações
organizados em âmbito espacial determinado. Assim, é possível identificar a
evolução da Sociedade Internacional a partir das relações entre os grupos
primitivos da Antiguidade, passando pelos reinos e impérios e chegando à Idade
Contemporânea, com a ascensão e o declínio do Estado-nação frente a um
sistema cada vez mais globalizado e interdependente.
Em nossas observações acerca da Sociedade Internacional, a análise histórica
pode ser de grande auxílio. Essa análise é definida como o estudo do grande
número de eventos ou fatos que transcenderam as fronteiras entre os Estados e
que relacionaram entre si as nações e os povos, de forma pacífica ou conflituosa.
Conceito de Sociedade Internacional
Convém apenas lembrar quedefinimos Sociedade Internacional como o
conjunto de entes que interagem de maneira sistêmica em uma esfera
internacional sob a influência de forças profundas. Passemos aos elementos
fundamentais da Sociedade Internacional.
Elementos Fundamentais e Sistema da Sociedade Internacional
Para Rafael Calduch Cervera (1991, p. 64-55), “a Sociedade Internacional é uma
sociedade global de referência”, ou seja, constitui “um marco social de
referência, um todo social em que estão inseridos todos demais grupos sociais,
quaisquer que sejam seus graus de evolução e poder”. É uma “sociedade de
sociedades, ou macrossociedade, em cujo seio surgem e se desenvolvem os
grupos humanos, desde a família às organizações intergovernamentais,
passando pelos Estados.”
A Sociedade Internacional pode ser percebida como um conjunto de sociedades,
sendo, portanto, heterogênea. Registre-se que há cerca de apenas três séculos
é que a Sociedade Internacional começou a adquirir características “globais”: até
recentemente, pouco contato havia entre as diversas “sociedades” dentro da
Sociedade Internacional.
Pág. 3 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito
Elementos Fundamentais e Sistema da Sociedade Internacional (cont.)
Outro ponto a que Calduch chama a atenção é que “a Sociedade Internacional
é distinta da sociedade interestatal”. Mesmo sendo o Estado o principal Ator
internacional, compreender a Sociedade Internacional apenas com base nas
relações interestatais conduziria a uma percepção obscura e, portanto, deficiente
da realidade. Não há como desconsiderar, sobretudo nos dias atuais, a presença
e influência cada vez maior de grupos diferentes dos Estados-nação no sistema
internacional. Ademais, convém lembrar que a doutrina aceita a existência de
uma Sociedade Internacional antes do surgimento dos Estados nacionais.
Calduch afirma, ainda, que não é possível considerar a existência de uma
Sociedade Internacional em seu sentido estrito, sem que seus membros
mantenham relações mútuas intensas e duráveis no tempo. Com isso, assinala
que a mera ocorrência de ações esporádicas e ocasionais não basta para se
considerar a existência de uma Sociedade Internacional.
Discordamos dessa percepção de Calduch. Afinal, o que não se pode conceber,
nos termos apresentados, é uma sociedade global, interdependente, como a dos
dias atuais. Entretanto, Sociedade Internacional sempre houve, mesmo que sua
principal característica fosse a falta de interação entre as sociedades/civilizações
que a compunham.
A Sociedade Internacional pode ser percebida na dicotomia “anarquia x ordem
comum”. Evidente que é anárquica por não possuir uma autoridade superior que,
legítima titular do uso da força, controle ou imponha a conduta a seus membros.
Não existe um governo mundial ou uma autoridade supraestatal. Assim, os
Atores conduzem suas relações internacionais de acordo com seus próprios
interesses e, ao menos no que concerne aos Estados, não aceitam, de maneira
geral, autoridade superior no sistema.
Todavia, relembre-se que anarquia internacional não é sinônimo de desordem.
Há uma ordem comum no meio internacional, estabelecida pelos próprios Atores
para viabilizar suas relações. Nesse sentido, o papel das grandes Potências é
essencial, pois são elas que definem os rumos do sistema. Não poderiam existir
“relações internacionais” sem um ordenamento mínimo na Sociedade
Internacional.
Essa ordem internacional emana da correlação de forças e poderes entre os
Atores internacionais. Pode-se dizer que esse ordenamento é estruturado com
base em elementos como extensão espacial, diversificação estrutural,
estratificação e hierarquia, polarização, grau de homogeneidade ou
heterogeneidade e de institucionalização. São os chamados “elementos da
estrutura internacional” (Esses elementos foram apresentados por Calduch, e as
observações que faremos a respeito são provenientes do estudo de sua obra.).
Variam conforme o tempo e as diferentes sociedades, podendo ser identificados
em todas elas.
Sobre as transformações na Sociedade Internacional, interessante a trilogia
de
Manuel Castells: A Sociedade em Rede (Paz e Terra, 2007), O Poder da
Identidade (Paz e Terra, 2000), Fim de Milênio (Paz e Terra, 2002).
Pág. 4 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito
A extensão espacial
Para Calduch, “a Sociedade Internacional é uma sociedade territorial”. Daí
considerar-se essencial para a análise de qualquer Sociedade Internacional o
conhecimento do “marco espacial” em que a referida sociedade se encontra
assentada.
A Sociedade Internacional sofrerá transformações em sua estrutura e dinamismo
sempre que sua dimensão espacial for alterada, ou, ainda, quando algum de
seus membros principais experimentar mudanças em seus limites fronteiriços ou
em sua zona de influência territorial direta – como ocorreu no Leste Europeu
para a URSS. Vale lembrar que, sendo o Estado o principal Ator internacional,
suas mudanças territoriais e reações a mudanças têm marcado as diferentes
sociedades internacionais.
Portanto, da mais remota Antiguidade aos dias atuais, a constante expansão
geográfica da Sociedade Internacional gerou conflitos e mudanças nos Atores e
nas relações de poder entre eles. O que deve ficar claro é que, até o século XX,
a característica da Sociedade Internacional era exatamente a composição
espacial de diferentes sociedades internacionais, ainda que com espaços
definidos e com crescentes intercâmbios culturais, comerciais, sociais e
políticos, mas com características distintas e espaço geográfico delimitado.
O século XX marca o limite espacial da Sociedade Internacional. Esse foi um
problema que surgiu quando a Sociedade Internacional alcançou dimensões
planetárias. Com o desenvolvimento tecnológico, a ideia de “globalização”
apresenta uma Sociedade Internacional não mais espacialmente limitada ao
continente europeu, ao Ocidente ou ao “mundo civilizado”, mas às dimensões do
planeta Terra.
Não se pode mais buscar soluções para problemas locais sem um pensamento
global. Os problemas da Sociedade Internacional globalizada têm efeitos em
todo o território do planeta. Entre esses “desafios” estão o fenômeno do
esgotamento dos recursos naturais, o crescimento exponencial da população
mundial, a deterioração ambiental ocasionada pela contaminação da terra, do ar
e das águas, o uso crescente da energia nuclear para fins civis ou militares, a
utilização do espaço estratosférico e das profundezas oceânicas. Acrescente-se
a significativa disparidade de renda na esfera internacional, marcada por uma
minoria da população do globo com alto padrão de vida e a maioria vivendo em
condições subumanas, na miséria absoluta, sob regimes autoritários e sem
quaisquer perspectivas de futuro digno. Essas condições implicam
necessariamente uma reestruturação da Sociedade Internacional, em que a
questão geográfica, isoladamente, cai para segundo plano.
Pág. 5 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito
A diversidade sistêmica
A Sociedade Internacional é composta de distintos subsistemas, cuja correlação
configura a ordem internacional imperante. Cada um desses subsistemas
corresponde a uma das áreas imprescindíveis para a existência da Sociedade
Internacional em seu conjunto. Calduch prefere chamá-los de “subestruturas”.
Cite-se, então, o subsistema econômico, no qual está a base material e produtiva
indispensável para a existência dos grupos humanos.Incluem-se aí tanto o
conjunto dos fatores e forças de produção quanto as inter-relações associadas
ao processo econômico (produção, comércio e consumo). O subsistema
econômico não pode ser descartado para a compreensão da Sociedade
Internacional, uma vez que a Economia é uma das “forças profundas” mais
influentes na conduta internacional dos Atores.
O segundo subsistema a ser considerado é o político-militar. Compõe-se das
comunidades políticas e organizações internacionais, bem como das relações
de autoridade e dominação que elas mantêm entre si em virtude de normas
jurídicas ou mediante o exercício do poder militar.
O terceiro subsistema é o cultural-ideológico. Forma-se, segundo Calduch, por
“atores e relações internacionais desenvolvidas a partir da existência de
conhecimentos, valores ou ideologias comuns a distintas sociedades humanas
e dos processos de comunicação que deles derivam”. O subsistema cultural-
ideológico, tão importante quanto os anteriores, desempenha um papel de
mediador entre a dimensão político-militar e a econômica, como foi
testemunhado, por exemplo, nos anos da Guerra Fria.
Naturalmente, cada um dos subsistemas está conformado de maneira particular,
em virtude das características exclusivas de cada um de seus componentes.
Suas respectivas evoluções seguem ciclos e ritmos de diferentes intensidade e
duração, provocando tensões, desajustes e crises, tanto entre os grupos que as
capitalizam quanto ao conjunto da Sociedade Internacional.
Pág. 6 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito
A estratificação hierárquica
A Sociedade Internacional constitui uma realidade complexa, cujos membros
ocupam níveis ou estratos segundo a desigualdade de poder – político,
econômico, militar, social, cultural/ideológico. Uma vez que há diferentes graus
de influência nos assuntos internacionais, existe uma hierarquia “de fato” entre
os Atores na Sociedade Internacional. Daí o conceito de Calduch para essa
estratificação: “conjunto das diferentes e desiguais posições ocupadas pelos
atores internacionais em cada uma das estruturas parciais que formam parte da
Sociedade Internacional.”
Uma primeira observação a ser feita a respeito da estratificação é que a
hierarquia internacional não é única e imutável em cada Sociedade Internacional
e muito menos homogênea para cada subsistema. Assim, a posição ocupada
por um Estado no Subsistema econômico internacional poderá não ser a mesma
no subsistema político-militar, ou vice-versa. Para exemplificar, a influência atual
do Brasil na economia internacional é bastante diferente de sua influência na
política ou de seu poder militar, e, mais ainda, de seu papel cultural-ideológico
internacional.
Calduch lembra, também, que, junto aos Estados soberanos, “deve-se
considerar aqueles grupos internacionais cujo protagonismo fica limitado a
certas áreas da vida internacional, por exemplo, o Fundo Monetário
Internacional, para o subsistema econômico; o [extinto] Pacto de Varsóvia, para
a política; a Agência de notícias Reuters, no plano cultural”. Claro que esses
outros membros da Sociedade Internacional não podem ser desconsiderados,
pois é inquestionável sua influência nos diferentes subsistemas, em alguns
casos muito superior à da maior parte dos Estados-nacionais.
Acrescentemos a relevância no papel de alguns indivíduos na Sociedade
Internacional contemporânea, os quais exercem, efetivamente, influência como
Atores internacionais. Inegável que Bill Gates, George Soros, o Papa João Paulo
II, ou mesmo Osama bin Laden, só para citar alguns nomes mais conhecidos,
mostraram-se mais influentes nas relações internacionais, sejam políticas,
econômicas ou até culturais, que muitos países. Portanto, na Sociedade
Internacional contemporânea, o indivíduo, entendido como Ator internacional,
também ocupa um estrato dessa hierarquia.
Assim, a estratificação hierárquica em cada um dos subsistemas internacionais
pode realizar-se atendendo às diferentes características de Atores (Estados,
organizações internacionais, organizações não governamentais, empresas
multinacionais/transnacionais, indivíduos, entre outros) ou, ainda, considerando
cada um dos grupos com capacidade de participação nos diferentes
subsistemas.
Pág. 7 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito
A polarização
Alguns Atores atraem para si outros em virtude da capacidade de influência no
sistema e da desigualdade entre os diferentes protagonistas do cenário
internacional. Introduzimos, aqui, um dos elementos essenciais para a
compreensão da estrutura do sistema internacional: a ideia de polarização.
Polarização pode ser definida como a capacidade efetiva de um ou vários Atores
internacionais para adotar decisões, comportamentos ou normas que sejam
aceitos pelos demais Atores e, por meio dos quais alcançam ou garantem uma
posição hegemônica na hierarquia internacional. Para os Atores que ocupam
essa posição de destaque, a manutenção da estrutura imperante mostra-se
questão de sobrevivência, pois qualquer sinal de mudança pode significar que
outro polo está a se estruturar, com a consequente – e, às vezes, fatal – alteração
no equilíbrio de poder no sistema. Enquanto a estratificação considera o conjunto
dos Atores, a polarização – ou polaridade – contempla somente aqueles que
dominam as relações básicas de cada subsistema internacional.
Portanto, ao tratarmos de polarização, consideramos os membros da Sociedade
Internacional nas posições superiores da estratificação hierárquica.
Segundo Calduch, os Atores à frente de cada subsistema internacional se veem
obrigados a intervir de modo crescente e constante nas relações internacionais,
com o objetivo de perpetuar sua hegemonia. A longo prazo, haverá uma
drenagem tão grande de seus recursos e capacidades para projetos e atuações
exteriores que esses Atores terão seu poder debilitado, tanto interna quanto
externamente. Um bom exemplo disso é o que ocorreu com a URSS na década
de 1980, que culminou no desaparecimento daquele Estado em 1991.
O caso da URSS é, como dito, apenas um exemplo. A “ascensão e queda das
grandes potências”, para usar os termos de Paul Kennedy, é um fato que pode
ser constatado em diversos momentos da evolução histórica da Sociedade
Internacional, sempre relacionado à incapacidade de manutenção da hegemonia
internacional nos diferentes subsistemas ao longo do tempo. A evolução é fatal:
um Ator hegemônico surge ainda quando o Sistema está polarizando por outro
ou outros atores; aos poucos, vai ocupando o vazio de poder fruto do
enfraquecimento desse ou desses, até adquirir capacidade suficiente para afetar
o Sistema. Entretanto, depois de determinado tempo – anos, décadas ou séculos
–, a única certeza é que surgirá um novo Ator para ocupar seu espaço no
Sistema Internacional. Assim como ocorre na natureza, numa lógica darwiniana,
ocorre também na Sociedade Internacional.
Entenda-se lógica darwiniana como a capacidade de um ente se adaptar a
determinado ambiente. É importante observar que um ente muito adaptado a
determinado ambiente e, portanto, bem-sucedido, pode desaparecer se as
condições se modificam.
Pág. 8 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito
Polarização (cont.)
Há três formas de polarização internacional:
unipolaridade;
bipolaridade; e
multipolaridade.
Entende-se por unipolaridade a situação em que um só Ator é capaz de dirigir,
de modo decisivo, a dinâmica de determinado subsistemainternacional. No seu
auge, o poder de influência desse Ator é incontestável, devido à incapacidade
de outro Ator fazer-lhe frente.
O exemplo clássico de unipolaridade político-militar está no Império Romano,
entre a derrota de Cartago (136 a.C.) e seu desmembramento (476 d.C.), no
contexto da Sociedade Internacional mediterrânea. Um exemplo atual poderia
ser a condição dos EUA, ao menos sob a perspectiva de poder militar, com o fim
da Guerra Fria e o colapso da URSS. Alguns autores, entretanto, discordam e
vislumbram um sistema multipolar no contexto geral.
A bipolaridade ocorre quando dois Atores dividem a hegemonia de um
subsistema. Os demais componentes do Sistema acabam migrando para a
esfera de influência de um dos dois Atores principais. É possível, ainda, que os
demais Atores optem por uma política pendular, tendendo a uma ou outra esfera
de influência conforme interesses específicos e, ao mesmo tempo, “jogando”
com a disputa entre os polos. Como exemplos de sistemas bipolares no plano
político citamos: Esparta e Atenas, na Grécia clássica; Cartago e Roma, no
mundo antigo; EUA e URSS, nas quatro décadas seguintes ao término da II
Guerra Mundial (1939-1945).
Finalmente, quando o domínio de um subsistema internacional é disputado por
mais de dois Atores, tem-se a multipolaridade. Como na bipolaridade, a
hegemonia na multipolaridade não tem uma direção única, o que obriga os
distintos polos a considerarem em suas condutas internacionais os interesses e
condutas de seus pares. Quanto maior o número de Atores polarizando o
Sistema, mais complexas e aleatórias são as relações internacionais.
Como exemplo de multipolaridade no subsistema político-militar tem-se o
Concerto Europeu, estabelecido em 1815, com a derrota de Napoleão, e que
perdurou por cerca de 100 anos na ordem europeia. Já para exemplificar a
multipolaridade econômica, apresentamos a Sociedade Internacional de nossos
dias, uma vez que, junto às Grandes Potências econômicas (EUA, Japão,
Alemanha, China), surgem também organizações intergovernamentais e blocos
econômicos (União Europeia, NAFTA, APEC, Mercosul etc.) e ainda empresas
multinacionais ou transnacionais (Exxon, General Motors, IBM, Citicorp),
algumas das quais com capacidade para influenciar o sistema de forma muito
superior à da maior parte dos Estados soberanos do globo.
Registre-se, ademais, que, para perdurar, a relação hegemônica deve basear-
se em dois alicerces: coerção e consenso. Não se pode exercer a liderança em
um sistema por muito tempo apenas com base no uso da força, ao mesmo tempo
em que hegemonia fundamentada simplesmente no consentimento dos pares
pode ser ameaçada por uma crise de legitimidade.
Pág. 9 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito
O grau de homogeneidade e heterogeneidade
A Sociedade Internacional encontra-se condicionada também pela presença ou
ausência de homogeneidade entre seus membros. Uma vez que existem Atores
com diferentes naturezas, composições, poder e objetivos, só é possível estudar
o grau de homogeneidade/heterogeneidade se forem comparados Atores
pertencentes a uma mesma categoria. Não se pode, portanto, comparar Estados
soberanos com organizações internacionais para se medir o grau de
homogeneidade de determinado subsistema.
Existe homogeneidade internacional quando são observadas identidades ou
similitudes internas fundamentais entre os Atores que pertençam a uma mesma
categoria e participem de um mesmo subsistema internacional, principalmente
entre os Atores estatais. Já a heterogeneidade é constatada com a existência de
divergências internas básicas entre os referidos Atores.
Uma análise das relações internacionais sob o enfoque do grau de
homogeneidade/heterogeneidade da Sociedade Internacional deve considerar:
1) a comparação entre Atores da mesma categoria; e
2) a não existência de categoria com grau de homogeneidade absoluto.
Sempre haverá diferenças entre os Atores, uma vez que a diversidade é uma
característica inata das sociedades que compõem a Sociedade Internacional.
Um terceiro aspecto que deve ser considerado é que um elevado índice de
homogeneidade em um subsistema internacional não se transfere
automaticamente aos outros subsistemas. Assim, há casos em que são
vislumbradas relações políticas homogêneas em contraposição à
heterogeneidade econômica e sociocultural em um mesmo grupo de Atores.
Finalmente, vale observar que, para alguns autores, os sistemas homogêneos
tendem a ser mais estáveis (ARON, 1986). Afinal, a homogeneidade permite
maior grau de previsibilidade na conduta internacional dos Atores. Trata-se,
entretanto, de uma tendência que não pode ser considerada de maneira
categórica, visto que ao próprio conceito de estabilidade são atribuídas
diferentes interpretações.
Muitas vezes, os Atores fazem uso dessa dicotomia
homogeneidade/heterogeneidade para conduzir seus interesses internacionais
e influenciar a conduta de outros Atores. Exemplos são os grupos que se formam
sob a égide de bandeiras como “nações civilizadas”, “países desenvolvidos”, “em
desenvolvimento” e “subdesenvolvidos”, “capitalistas, socialistas e não
alinhados”. Enquanto o caráter homogeneidade/heterogeneidade, em alguns
casos, realmente se faz presente, em outros nada mais se tem que uma forma
de apresentação internacional pouco condizente com a realidade.
Pág. 10 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito
O grau de institucionalização
O último elemento fundamental para o estudo das relações internacionais
identificado por Calduch é o grau de institucionalização, que, por sua vez,
resumiria todos os anteriores. Para o mestre espanhol, “o grau de
institucionalização de uma Sociedade Internacional é formado pelo conjunto de
órgãos, normas e valores que, independentemente de seu caráter expresso ou
tácito, são aceitos e respeitados pela generalidade dos Atores internacionais de
um mesmo subsistema, permitindo, dessa maneira, a configuração e a
manutenção de determinada ordem internacional.” (CALDUCH, 1991, p. 74).
Esse conceito traduz o entendimento e o consenso social que deve imperar entre
componentes de uma Sociedade Internacional ao estabelecerem ou modificarem
suas relações mútuas. Calduch defende que não se pode analisar o grau de
institucionalização apenas com base nas normas jurídicas: há normas que não
estariam envolvidas pelo Direito Internacional, ainda que este sintetize a maior
parte das instituições fundamentais da Sociedade Internacional.
Ao estudar as instituições internacionais e suas transformações, o analista
depara-se com a estrutura da ordem internacional, os interesses dos Atores e as
forças que influenciam as condutas dos membros da Sociedade Internacional ao
longo do tempo. As instituições estão relacionadas aos valores, às normas e aos
objetivos dos membros de uma sociedade e, mesmo, à essência de seus
subsistemas.
As mudanças nas instituições refletem, portanto, as transformações da própria
sociedade em que se encontram, suas formas de cooperação e seus
antagonismos.
Finalmente, Calduch afirma que a diplomacia, o comércio e a guerra são formas
de relações internacionais presentes em diversos tipos de instituições
internacionais. Daí não ser cabível, para a análise do grau de institucionalização
de uma sociedade, a exclusão de valores ou normas que emanem diretamente
da existência de conflitos bélicos.
Portanto, compreendendo as instituições de uma sociedade, pode-se
compreender seus membros,as forças que nela interferem e os reflexos das
relações entre os Atores.
Pág. 11 - Sociedade Internacional: Evolução Histórica e Conceito
O grau de institucionalização
Um exemplo recente de dificuldades geradas em modelos institucionais críticos
é a guerra em regiões menos desenvolvidas do globo. Enquanto o conflito entre
as Potências busca seguir determinadas “leis” de conduta, um confronto em
áreas menos desenvolvidas foge a qualquer padrão. Muitos oficiais ocidentais
ficaram perplexos ao combater em 2001 no Afeganistão, porque as milícias
afegãs “desconheciam os usos e costumes do direito de guerra das nações
civilizadas”. Não havia nada parecido com as instituições da guerra clássica no
cenário da Ásia Central, o que levou à violência exacerbada de ambos os lados
no combate.
Cite-se entre as principais as Convenções de Genebra de 1949 e seus
protocolos Adicionais, que regulamentam as condutas dos combatentes.
Assim, as instituições refletirão os subsistemas e a maneira como estão
ordenados. Pode-se, portanto, analisar as relações internacionais sob a ótica
das instituições que se manifestam no Sistema Internacional. É essencial,
portanto, ao internacionalista, conhecer as instituições que regem as estruturas
da sociedade objeto de seu estudo.
Assista à aula do Professor Joanisval Gonçalves, em duas partes, sobre
Sociedade Internacional, que engloba conceitos tratados neste primeiro módulo.
Vamos lá!
Parte 1-duração: 7min29
Parte 2 - duração: 7min08
Concluimos os aspectos teóricos de nosso curso introdutório. Nos módulos
seguintes será apresentada uma breve análise da evolução histórica da
Sociedade Internacional a partir da era moderna, com esses aspectos teóricos
operando como pano de fundo.
Pág. 12 - Conclusão do Módulo I
Concluimos os aspectos teóricos de nosso curso introdutório. Nos módulos
seguintes será apresentada uma breve análise da evolução histórica da
Sociedade Internacional a partir da era moderna, com esses aspectos teóricos
operando como pano de fundo.
Dois livros importantes para se compreender a ideia de sociedade
internacional são A Evolução da Sociedade Internacional, de Adam Watson
(Brasília: Ed. UnB, 2004) e A Sociedade Anárquica, de Hedley Bull (Brasília:
Ed. UnB, 2002). Bull e Watson são dois ícones da chamada Escola Inglesa de
Relações Internacionais, a qual tem uma perspectiva das relações
internacionais muito fundamentada nas ideias de sociedade internacional.
Você pode encontrar resenhas dos livros sugeridos na Internet:
# A Sociedade Anárquica e
# A Evolução da Sociedade Internacional
Parabéns! Você chegou ao final do Módulo I de estudo do curso Relações
Internacionais - Teoria e História.
Como parte do processo de aprendizagem, sugerimos que você faça uma
releitura do mesmo e resolva os Exercícios de Fixação. O resultado não
influenciará na sua nota final, mas servirá como oportunidade de avaliar o seu
domínio do conteúdo. Lembramos ainda que a plataforma de ensino faz a
correção imediata das suas respostas!