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Compliance Concorrencial Medidas disciplinares e ações de mitigação das consequências das violações à ordem econômica6 M ód ul o 2Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Enap, 2021 Enap Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Educação Continuada SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF Fundação Escola Nacional de Administração Pública Presidente Diogo Godinho Ramos Costa Diretor de Desenvolvimento Profissional Paulo Marques Coordenador-Geral de Produção de Web Carlos Eduardo dos Santos Equipe Alden Caribé (Conteudista, 2021). Ana Beatrice Neubauer (Revisora, 2021). Erley Ramos Rocha (Coordenador Web e Implementador Articulate, 2021). João Paulo Albuquerque Cavalcante (Diagramação e produção gráfica, 2021). Juliano Pimentel (Conteudista, 2021). Lavínia Cavalcanti (Coordenadora de desenvolvimento, 2021). Rodrigo Mady da Silva (Implementador Moodle, 2021). Desenvolvimento do curso realizado no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB / CDT / Laboratório Latitude e Enap. 3Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 1: Medidas disciplinares............................................................................................6 1.1. Da interdependência das ações de compliance......................................................................6 1.2. A aplicação das medidas disciplinares.....................................................................................6 Unidade 2: Medidas de mitigação de sanções legais..............................................................12 2.1. Acordo de leniência...............................................................................................................12 2.2. Termo de Compromisso de Cessação de Conduta.................................................................14 2.3. Como lidar com possíveis infratores......................................................................................17 Sumário 4Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 5Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Olá! Desejamos boas-vindas ao módulo 6 do curso Compliance Concorrencial. É um prazer ter você como participante e auxiliar na construção do seu conhecimento acerca desse tema. Neste módulo abordaremos os seguintes tópicos: Unidade 1: Medidas disciplinares Unidade 2: Medidas de mitigação de sanções legais M ód ul o Medidas disciplinares e ações de mitigação das consequências das violações à ordem econômica6 6Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 1: Medidas disciplinares Objetivos de Aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de identificar as diferentes medidas disciplinares aplicáveis nas faltas éticas apuradas no programa de compliance. 1.1. Da interdependência das ações de compliance Antes de iniciarmos nosso estudo sobre a aplicação das medidas disciplinares, é importante enfatizar que uma cultura de integridade se constrói por meio de um conjunto de ações interdependentes. O ideal de uma organização que mantém um programa de compliance concorrencial é que seus colaboradores não a envolvam em ilícitos concorrenciais. Para isso é que se desenvolve uma cultura organizacional de integridade, mediante ações de educação e normas internas claras. Porém, nunca ter colaboradores envolvidos em ilícitos é um cenário por vezes não realista. Para que a quantidade de ilícitos se mantenha em nível mínimo possível, é necessário conhecer o que de fato acontece nas relações da organização, detectando a violação o mais rapidamente possível. Uma vez detectados os ilícitos, é necessário impor consistentemente as medidas disciplinares, bem como manejar as ferramentas legais de mitigação de punições a pessoas jurídicas. Para fins de reforço da cultura de integridade como um todo, todas as fases do compliance são interdependentes. Quanto maior a educação, menos condutas detectadas; quanto mais detecção, mais esforço em seguir padrão de integridade e, por consequência, quanto mais consistente a aplicação das medidas disciplinares, maior o respeito geral pelas normas. E isso, em conjunto, demanda agilidade e rotina de documentação que assegurem os melhores benefícios em caso de pleito de acordos de benefícios às autoridades. 1.2. A aplicação das medidas disciplinares Medidas disciplinares são as consequências impostas aos membros de uma organização que descumprem as suas normas de conduta ética. A aplicação de medidas disciplinares sinaliza à organização que as regras têm eficácia, induzindo maior comprometimento e atenção. Duas coisas são muito importantes nessa matéria: o processo e a proporcionalidade entre a violação e a medida específica. 7Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública O processo É boa prática que toda aplicação de medida disciplinar seja precedida de apuração interna. Por meio dessa diligência, são levantadas provas que favorecem o conhecimento das circunstâncias detalhadas do suposto malfeito, bem como o esclarecimento de mal-entendidos. É ainda desejável que, uma vez concluída a apuração interna, seja formalizada acusação, com oportunidade de defesa do colaborador em prazo razoável. Após a defesa, a subsistência ou não da acusação deve, sempre que possível, ser julgada por comitê formado por representantes de no mínimo três unidades diferentes da organização. Para aumentar a transparência na composição, pode-se adotar prazos de mandato para a função e suplentes pré-designados. Esse comitê decidirá sobre a sugestão de medida disciplinar específica a ser aplicada ao colaborador, com imposição efetiva pelos representantes contratuais ou estatutários. O modo de funcionamento e deliberação do comitê pode ser decidido em regimento, com previsão de hipóteses de modos de investidura (nomeação pela instância máxima da organização), perda de mandato e substituição temporária. Pessoas com relacionamento próximo devem se declarar suspeitas para julgamento, com mecanismo de reconhecimento pelos demais integrantes em caso de omissão. O uso de órgão colegiado tem dois efeitos benéficos: • Aumenta as diferenças de ponto de vista na avaliação, garantindo certeza quanto à existência da violação. • Aumenta a independência do órgão decisório, o que é especialmente importante em julgamentos de malfeitos por pessoas que ocupem posição de alto escalão na organização. É possível ainda adotar arranjo em que o comitê de compliance tenha atribuição mais ampla do que a simples indicação de medidas disciplinares, absorvendo funções de monitoramento interno, indicação de contratação de provedores externos de serviços e sugerindo ações de garantia da efetividade do programa. 8Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A proporcionalidade No que diz respeito à dosimetria, ou seja, ao juízo de proporcionalidade que relaciona a violação e a medida disciplinar concretamente aplicada, recomenda-se gradualidade. Deve-se utilizar punições menos rigorosas para faltas relativamente menores e punições severas para faltas graves. Além da divulgação eficiente que assegure conhecimento preciso do código de conduta e do respeito ao adequado, o manejo das medidas disciplinares demanda aplicação consistente. Vale dizer: as mesmas regras aplicadas a pessoas diferentes em circunstâncias comparáveis devem gerar o mesmo efeito, independentemente da posição que ocupem na organização. Trata-se de proteger a cultura de integridade que pode ser ameaçada em caso de aplicação não consistente. As medidas disciplinares a utilizar podem ser: a advertência; a perda de bonificação por engajamento no programa de integridade; a suspensão; o retardamento da progressão profissional dentro da organização; o desligamento por justa causa; e a ação de responsabilização e reparação civil. Lembrando ainda que é vedado, pelo artigo 468 da CLT, o rebaixamento de função, conforme: 1. O art. 468 da CLT deixa explícito que o rebaixamento funcionaldo empregado é inadmissível. Logo, tal prática será sempre abusiva e nula. E assim o é porque resulta em menoscabo de alguns bens, dentre eles aqueles correspondentes ao âmbito estritamente pessoal da esfera jurídica do sujeito de direito, passíveis, assim, de serem ressarcidos pela via satisfativa.1 O parágrafo 1º, artigo 468, da CLT excepciona que: “Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.” Agora, saiba quais são as características básicas das diferentes opções de medidas a utilizar: Advertência É a comunicação que registra a ausência de conformidade na conduta de um colaborador. Para efeitos do compliance, não se trata de ausência de conformidade operacional, mas violação das normas de integridade. Perda de bonificação por engajamento no programa de integridade Visando alinhar os objetivos econômicos às normas de integridade, empresas podem bonificar colaboradores por engajamento. Em caso de falta, podem reduzir tal bonificação. 1_ TST, 7ª Turma, relatora Maria Doralice Novaes, RR - 19341-06.2007.5.02.0060, publicação em 13 ago. 2010. 9Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Suspensão É a interrupção temporária do vínculo do colaborador com a organização, incluído aí a exigibilidade de prestação do serviço, bem como a retribuição devida por esse serviço, incluindo benefícios e gratificações. Retardamento da progressão profissional Acontece quando há regras explícitas para progressão funcional e elas são atrasadas em razão de faltas. Desligamento por justa causa Acontece em situações de falta muito grave, com ato que implique elevada perda de confiança. Na relação de emprego, a demissão por justa causa implica em ausência da multa de 40% sobre o saldo do FGTS. Ação de responsabilização e reparação civil Medida extrema, acontece quando a organização busca responsabilizar individualmente um ou mais colaboradores por um prejuízo material decorrente do incumprimento do código de conduta. É necessário provar culpa, o que passa pela demonstração de ações de conscientização orientadas para aquele ou aqueles indivíduos. Também se deve provar o nexo de causalidade entre o dano e a conduta, ou seja, na ausência da conduta violadora, o dano não se materializaria. Seria, em princípio, proporcional tratar com advertências aquelas faltas que não configurem infrações à Lei de Defesa da Concorrência, mas que exponham a integridade empresarial a risco. Por exemplo: a falta reiterada de registros de reuniões com competidores (pautas, ata, gravações, etc.) quando essas reuniões são de alguma forma necessárias à finalidade da empresa, ou seja, não podem ser dispensadas. Comportamentos que configurem infração à ordem econômica podem ser tratados com maior severidade, bem como a acumulação de situações que tenham justificado a aplicação de advertências. Confere ainda maior segurança explicitar, sem rigidez absoluta, quais as medidas aplicáveis por tipos de infração. Para resguardo da legalidade das medidas, é importante forte documentação dos atos que implicaram as medidas disciplinares aplicadas. Uma vez sugeridas por comitê de compliance com base em processo documentado, as medidas disciplinares podem ser aplicadas a colaboradores com vínculo de emprego por meio de instância com poderes de administração sobre os empregados. Os diretores contratuais ou estatutários demandam medida da instância estatutária ou social com poderes para tanto (conselho de administração, assembleia, demais sócios, etc.). 10Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Referências BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. […] e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 2011. BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 1990. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programas de Compliance: orientações sobre a estruturação e benefícios da adoção de programas de compliance concorrencial. Brasília: CADE, 2016a. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/ Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Termo de Compromisso de Cessação para casos de cartel. Brasília: CADE, 2016b. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc- atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programa de Leniência Antitruste do Cade. Brasília: CADE, 2016c. Disponível em: https://cdn.cade.gov. br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de- leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. ICC. International Chamber of Commerce. The ICC Antitrust Compliance Toolkit: practical antitrust compliance tools for SMEs and larger companies. ICC Commission on Competition, 2013a. Disponível em: https://iccwbo.org/publication/icc-antitrust-compliance-toolkit/. Acesso em: 03 fev. 2021. ICC. International Chamber of Commerce. Why complying with competition law is good for your business: practical tool for smaller businesses to improve compliance. ICC Commission on Competition, 2013b. Disponível em: https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying- competition-law-good-business/. Acesso em: 03 fev. 2021. NIELS, G.; JENKINS, H.; KAVANAGH, J. Economics for Competition Lawyers. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press, 2016. SAGERS, C. L. Antitrust: Examples & Explanation. 2nd ed. Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, 2014. SCHAPIRO, M.; MARINHO, S. Compliance concorrencial: cooperação regulatória na defesa da concorrência. São Paulo: Almedina, 2019. https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://iccwbo.org/publication/icc-antitrust-compliance-toolkit/ https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying-competition-law-good-business/ https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying-competition-law-good-business/ 11Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública United Kingdom.Office of Fair Trade. How your business can achieve compliance with competition law. Londres: OFT, 2011. Disponível em: https://assets.publishing.service.gov.uk/ government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf. Acesso em: 03 fev. 2021. https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf 12Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 2: Medidas de mitigação de sanções legais Objetivos de Aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de identificar as principais características das medidas legais de mitigação de sanções por infrações concorrenciais. 2.1. Acordo de leniência O artigo 86 da Lei nº 12.529/2011 possibilita à organização que tenha se envolvido em ilícitos concorrenciais celebrar com o Cade acordo pelo qual dá conhecimento da conduta à autoridade em troca de isenção total ou abrandamento da multa que lhe seria aplicável. Há isenção total quando a infração reportada não era de conhecimento anterior por parte da autoridade concorrencial. Já o simples abrandamento da multa é aplicável no caso de haver conhecimento anterior dos fatos por parte do Cade, mas não se constatar elementos suficientes para condenação. Nos dois casos, a organização atua como colaboradora da administração pública e, por isso, a lei franqueia os benefícios. O acesso ao acordo se dá por meio de um pedido, seguido de negociação para aferição de interesse por parte do Cade. O momento de solicitar o acordo deve ser o primeiro em que se suspeite ter existido a conduta. Isso, porque o benefício é aplicável apenas em casos de infrações cometidas em concurso com outros agentes econômicos, e apenas para a primeira organização que firmar o acordo. É admitido e usual que as propostas das pessoas jurídicas sejam feitas em conjunto com as pessoas físicas que se envolveram nos fatos. Para ter êxito no pedido é necessário que a organização infratora: • Identifique os demais envolvidos na conduta. • Aporte adequado acervo de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. • Cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo. • Confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento. Além disso, é exigido do Cade que não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação da empresa ou pessoa física por ocasião da propositura do acordo. O artigo 87 da Lei nº 12.529/2011 confere ainda proteção penal, na medida em que, relativamente aos fatos reportados, há impedimento a oferecimento de denúncia por crimes tipificados na Lei 13Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no artigo 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal. O acordo de leniência assinado origina processo administrativo no qual os compromissários estão obrigados a cooperar, significa dizer, elucidar de modo veraz todos os fatos de interesse. Isso se verificando, uma vez que o processo se encerre, o acordo é declarado cumprido, com a extinção automática da punibilidade dos crimes (artigo 87, parágrafo único da Lei nº 12.529/2011). É requisito para o êxito no pedido de acordo de leniência o aporte de informações e documentos que comprovem a infração administrativa noticiada ou sob investigação. Para isso, é uma vez mais importante a adoção de rotinas que garantam documentação de atividades de risco. A maior parte das propostas de acordos de leniência que são rejeitadas pelo Cade decorre de documentação deficiente. Caso se deseje oferecer proposta de acordo de leniência antitruste, o representante da organização deve entrar contato com a unidade de negociação de leniência da Superintendência-Geral do Cade pelo telefone +55 61 3221-8563, pelo e-mail leniencia@cade.gov.br ou presencialmente em reunião marcada por um desses dois canais. Deve-se mencionar no pedido especificamente tratar do assunto "Pedido de Marker". Uma vez encaminhado à unidade de negociação de leniência antitruste, será necessário informar apenas: • A qualificação completa do proponente do acordo de leniência. • Os nomes dos outros participantes da conduta. • Os produtos ou serviços afetados. • A área geográfica afetada. • A duração estimada da infração a ser noticiada. Em posse dessas informações, a unidade de leniência apurará, junto aos registros do Cade, a inexistência de investigação anterior ou a existência de investigação carente de provas que assegurem condenação - situações nas quais estará autorizada a abertura de negociação de proposta. A proposta de acordo de leniência é sigilosa e é manejada por uma equipe do Cade exclusivamente dedicada a avaliar os pedidos. Vale dizer, essa equipe não se envolve em investigações de ofício (aquelas iniciadas sem proposta de acordo de leniência), isolando a possibilidade de uso não previsto para as informações. Em caso de rejeição de proposta, os documentos físicos que a instruíram são devolvidos e os digitais são excluídos dos servidores da autarquia. A forma atual do programa de leniência antitruste é produto do amadurecimento ao longo dos últimos vinte anos, quando se acumulou a assinatura de 101 acordos desse tipo. Não há histórico de descumprimento. mailto:leniencia%40cade.gov.br?subject= 14Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Fonte: https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/programa-de-leniencia/ estatisticas/estatisticas-do-programa-de-leniencia-do-cade O acordo de leniência é certamente a melhor opção possível para a mitigação de danos por responsabilização administrativa para uma organização. Além de grandes ganhos dentro de processos administrativos, acordos de leniência rendem dividendos reputacionais, pois sinalizam compromisso da organização com a apuração de malfeitos. Saiba mais A Escola Virtual de Governo oferece o curso Programa de Leniência Antitruste do Cade. Consulte também o Guia Programa de Leniência Antitruste do Cade, que presenta o conteúdo na forma de perguntas e respostas. 2.2. Termo de Compromisso de Cessação de Conduta O Termo de Compromisso de Cessação de Conduta (TCC) é uma segunda modalidade de acordo possível para mitigar sanções em processos administrativos de defesa da concorrência. O benefício é menor do que o oferecido no acordo de leniência, já que não é possível alcançar imunidade administrativa ou criminal. Em compensação, é possível para infrações em que não cabe leniência (condutas unilaterais, por exemplo); para interessados que tiveram pedidos rejeitados; ou para interessados que não conseguem se habilitar ao acordo de leniência porque já houve um signatário anterior. A proposta de TCC se reporta ao processo existente, mas é necessariamente autuado de forma autônoma. Ainda que o Regimento Interno do Cade aponte para a discricionariedade no https://www.escolavirtual.gov.br/curso/245 https://www.escolavirtual.gov.br/curso/245 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.83087574.1135330013.1612269325-741839812.1586804804 15Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública tratamento do pedido, esta é uma prática generalizada. A sua mera apresentação não implica confissão quanto à matéria de fato e nem quanto à ilicitude da conduta. As informações e documentos apresentados pelo proponente durante a negociação do TCC, subsequentemente frustrados, não poderão ser utilizados para quaisquerfins pelas autoridades que a eles tiveram acesso. Como não há possibilidade de imunidade, um elemento essencial do TCC é a pactuação de uma contribuição pecuniária, equivalente à multa esperada descontada de um percentual. Para casos de cartel, o percentual de desconto depende de três classes de fatores: amplitude e utilidade da colaboração, momento processual e posição do requerente na fila de colaboradores. A posição na fila é determinante quanto aos percentuais mínimos e máximos de desconto. Assim, o primeiro proponente de TCC pode ter reduzido de 30% a 50%, o segundo de 25% a 40%, o terceiro em diante até 25%. Tudo isso desde que o processo ainda não tenha vencido a etapa de relatório final da Superintendência-Geral do Cade – caso no qual o desconto máximo é limitado a 15%. Desse modo, da mesma forma que acontece no acordo de leniência, aqui o recomendado é haver pedido desse tipo o quanto antes. O tanto que deve variar o desconto entre os mínimos e máximos enquanto o processo ainda está na fase de instrução na Superintendência-Geral do Cade é determinado por uma tabela de pontuação na qual são enunciados tópicos acerca da amplitude e utilidade da colaboração e do momento processual. A seguir, entenda esses critérios com mais detalhes: PARÂMETROS POSIÇÃO NO REQUERIMENTO DE TCC Identificação dos participantes da infração Primeiro Segundo Terceiro e demais Se indica os participantes já identificados pelo Cade e apresenta outras informações sobre outros participantes ainda não identificados; ou 3 2 1 Se apenas indica os participantes já identificados pelo Cade. 0 0 0 Apresentação de informações sobre a infração Primeiro Segundo Terceiro e demais Informações que comprovam a infração são mais abrangentes que as da Leniência10 ou que os fatos de conhecimento do Cade; ou 4 3 2 Informações que comprovam a infração semelhantes às da Leniência ou que os fatos de conhecimento do Cade; ou 2 1,5 1 Informações que comprovam a infração menos abrangentes que as da Leniência ou que os fatos de conhecimento do Cade. 0 0 0 16Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Para além desses benefícios, se a organização descobrir e levar a conhecimento do Cade um novo cartel ainda não investigado, além da imunidade para o novo cartel, há descontos adicionais a título de desconto de leniência plus. Adicionalmente, registre-se que a proposta de TCC rejeitada não pode ser reapresentada, o que significa que não se deve ficar testando oportunisticamente os limites do interlocutor público. Apresentação de documentos que comprovam a infração Primeiro Segundo Terceiro e demais Documentos comprovam a infração e são mais amplos e úteis que os apresentados na Leniência / fatos de conhecimento do Cade; ou 8 6 4 Documentos comprovam a infração; ou 6 4,5 3 Documentos comprovam a infração em parte; ou 4 3 2 Documentos apresentados não comprovam a infração, mas auxiliam na instrução; ou 2 1,5 3 Não apresenta documentos. 0 0 0 Momento processual Primeiro Segundo Terceiro e demais TCC requerido antes da instauração de PA TCC requerido em até 3 meses contados de ações administrativas e/ou judiciais de natureza investigativa, instauração do IA, ou outra forma de conhecimento da existência de investigação pelo Representado; 5 4 3 TCC requerido entre o término do prazo anterior e a instauração do PA. 4 3 2,5 TCC requerido entre a instauração do PA e o término do prazo de defesa TCC requerido antes da juntada aos autos do comprovante de notificação do Compromissário; 3 2 1,5 TCC requerido entre o término do prazo anterior e o fim do prazo de defesa. 2 1 1 TCC requerido entre o término do prazo de defesa e o despacho de apresentação de novas alegações TCC requerido até 6 meses do encerramento do prazo de defesa; 1 0,5 0,5 TCC requerido entre o término do prazo anterior e o despacho de apresentação de novas alegações. 0 0 0 Pontuação Possível 0 -20 0 - 15 0 - 10 Fonte: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/ guias-do-cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17.pdf , páginas 24 e 25 17Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2.3. Como lidar com possíveis infratores A assunção, pela organização, de compromissos como acordo de leniência ou TCC exige colaboração plena que frequentemente não prescinde dos envolvidos. Ainda que os benefícios legais desses tipos de acordo os alcancem, pode criar-se uma relação delicada entre o colaborador infrator e a organização. Isso, porque as regras de compliance podem recomendar consequências graves, como a demissão por justa causa, frustrando, de alguma maneira, a motivação para a colaboração dessa pessoa física afetada. Nessa circunstância, pode ser necessário ajustar os tempos das medidas disciplinares do compliance e estabelecer contrato independente do vínculo de trabalho ou estatutário. Uma vez firmada a obrigação com o Cade, todos (pessoas físicas e jurídicas) são direta e independentemente vinculados à obrigação de colaboração com a própria autarquia. Referências BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. […] e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 2011. BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 1990. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programas de Compliance: orientações sobre a estruturação e benefícios da adoção de programas de compliance concorrencial. Brasília: CADE, 2016a. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/ Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Termo de Compromisso de Cessação para casos de cartel. Brasília: CADE, 2016b. 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Da interdependência das ações de compliance