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Compliance Concorrencial Sistema de monitoramento de desvios5 M ód ul o 2Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Enap, 2021 Enap Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Educação Continuada SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF Fundação Escola Nacional de Administração Pública Presidente Diogo Godinho Ramos Costa Diretor de Desenvolvimento Profissional Paulo Marques Coordenador-Geral de Produção de Web Carlos Eduardo dos Santos Equipe Alden Caribé (Conteudista, 2021). Ana Beatrice Neubauer (Revisora, 2021) Erley Ramos Rocha (Coordenador Web e Implementador Articulate, 2021) João Paulo Albuquerque Cavalcante (Diagramação e produção gráfica, 2021) Juliano Pimentel (Conteudista, 2021). Lavínia Cavalcanti (Coordenadora de desenvolvimento, 2021). Rodrigo Mady da Silva (Implementador Moodle, 2021) Desenvolvimento do curso realizado no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB / CDT / Laboratório Latitude e Enap. 3Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 1: Finalidade do sistema de monitoramento de desvios de conduta..........................6 1.1. O que é um sistema de monitoramento de desvio de condutas ............................................6 1.2. Para que serve um sistema de monitoramento de desvios de condutas ...............................6 Unidade 2: Ferramentas de detecção de desvios de conduta..................................................10 2.1. Reuniões periódicas para dúvidas ou debater situações.......................................................10 2.2. Rotinas de documentação de atividades sensíveis................................................................11 2.3. Hotlines..................................................................................................................................11 2.4. Programas privados de leniência ..........................................................................................14 2.5. Auditorias de regularidade....................................................................................................16 Unidade 3: Processo interno de apuração de desvios............................................................19 3.1. Princípios...............................................................................................................................19 3.2. Estrutura procedimental.......................................................................................................20 3.3. Encaminhamentos possíveis..................................................................................................22 Sumário 4Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 5Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Olá! Desejamos boas-vindas ao módulo 5 do curso Compliance Concorrencial. É um prazer ter você como participante e auxiliar na construção do seu conhecimento acerca desse tema. Neste módulo abordaremos os seguintes tópicos: Unidade 1: Finalidade do sistema de monitoramento de desvios de conduta Unidade 2: Ferramentas de detecção de desvios de conduta Unidade 3: Processo interno de apuração de desvios M ód ul o Sistema de monitoramento de desvios5 6Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 1: Finalidade do sistema de monitoramento de desvios de conduta Objetivos de Aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de identificar o que é um sistema de monitoramento de condutas desviantes dos valores de um programa de compliance, e a importância desse sistema para a elevação dos padrões de conformidade nas organizações. 1.1. O que é um sistema de monitoramento de desvio de condutas Sabe-se que um programa de compliance concorrencial consiste no conjunto integrado de ações de uma organização, cujo objetivo é elevar os padrões de respeito às leis e regulamentos de defesa da concorrência por seus representantes. É ainda conhecido que a base sobre a qual se fundamenta o programa são as ações de pactuação e comunicação, como a elaboração de código de conduta que deixe explícitas as diretrizes das organizações para o cumprimento das leis e os treinamentos de fixação das regras a serem seguidas, assim como o engajamento e mobilização dos funcionários. Mas somente difundir orientações não basta, é preciso que a comunicação gere alteração na cultura organizacional, para que os representantes das organizações naturalmente rejeitem comportamentos que possam constituir infração à ordem econômica. Também é necessário que o comportamento divergente seja conhecido e gere consequências. Esse conhecimento é o que viabiliza aperfeiçoamento cultural e responsabilização que desencoraje novas infrações, evitando a acumulação do potencial de sanções pela organização. As ferramentas que incentivam, reportam e registram rotina de risco, a ocorrência de faltas e processam a consistência sobre transgressão regulatória das organizações, são chamadas sistemas de monitoramento das condutas da comunidade de agentes sujeitas a compliance. 1.2. Para que serve um sistema de monitoramento de desvios de condutas Pode-se identificar quatro finalidades do sistema de monitoramento de condutas desviantes às regras de conduta de uma empresa ou entidade. Prevenção de irregularidades O primeiro é fazer-se conhecido e, dessa forma, corroborar um ambiente organizacional estimulante ao cumprimento. Do ponto de vista do código de conduta de uma organização, o desvio comportamental individual é um tipo de desonestidade em relação às expectativas da empresa ou entidade. O psicólogo Dan Ariely pesquisa comportamentos humanos tendo por referência experimentos 7Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública que simulam situações semelhantes às enfrentadas pelos indivíduos em seu cotidiano. Para entender essa primeira utilidade do sistema de monitoramento, convém conhecer um dos seus experimentos, chamado de Experimento da Matriz. Neste vídeo ele conta em que consiste o experimento e sumariza as conclusões a que chegou (se necessário, você pode utilizar legendas e o recurso de tradução automática do Youtube): Vídeo "Matrix Experiments and Big Cheaters v Little Cheaters". Como se pode observar no experimento, existe uma tendência ao comportamento oportunista quando as pessoas não percebem que estão sendo observadas. É o que justificou uma boa parte dos participantes informar números maiores de acertos do que os que tinham realizado, de modo a conseguirem acessar recompensa maior. Desse modo, concluímos que o sistema de monitoramento e, de maneira especial, a publicidade sobre sua existência indicam a tendência a evitar os desvios. Agilidade na detecção de irregularidades A segunda finalidade de um sistema de monitoramento efetivo é detectar desvios o tão mais rapidamente quanto eles aconteçam, evitando acumulação de danos à organização, a terceiros e ao mercado. Eficiência na documentação das irregularidades A terceira finalidade é assegurar documentação que possibilite uma apuração interna tempestiva, justa e eficaz. Por tempestiva quer-se dizer que, além de detectar rápido, deve viabilizar respostas sobre a consistência de supostos desvios identificados de forma célere – o que incentiva denúncias e aumenta a percepção de seriedade do programa. A mesma documentação assegurará o direito à defesa dos eventuais envolvidos, permitindo desfazer mal-entendidos e robustecer a confiança dos prepostos na instituição. Ainda, um sistema de monitoramento sólido assegura vincular consequências a eventuais malfeitos efetivamente apurados, emprestando eficácia ao código de conduta. Mitigação das consequências da detecção de irregularidades A quarta finalidade dos sistemas de monitoramento é admitir mitigação mais efetiva de consequências em caso de detecção, vez que permitem às organizações pleitearem acordos de leniência ou termos de compromisso de cessação de conduta. https://www.youtube.com/watch?v=Sq6WP6ZpX5I 8Enap Fundação EscolaNacional de Administração Pública O Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência dispõe de ferramentas de incentivo à colaboração privada na identificação de ilícitos. Fala-se das ferramentas do acordo de leniência (com isenção total de responsabilização administrativa e criminal) e do termo de compromisso de cessação de conduta (com desconto de até 50% da multa esperada). São tipos de contratos administrativos admitidos em lei pelos quais a autoridade responsável pelo enforcement público da lei antitruste confere benefícios em troca de informações e documentos. As vantagens são maiores segundo o tempo em que são ofertadas as informações (o momento processual e a ordem da fila em relação a coinfratores, quando existirem) e de acordo com a qualidade dos documentos e informações fornecidos em proposta. Estão mais preparadas para tais tipos de acordos as organizações cujos sistemas de monitoramento de desvios agem mais rapidamente e com maior qualidade no aporte de documentação. Saiba mais Para conhecer mais detalhadamente esses contratos, consulte Guias Cade de Leniência e TCC. Referências ARIELY, D. A mais pura verdade sobre a desonestidade. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012. BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. […] e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 2011. BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 1990. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programas de Compliance: orientações sobre a estruturação e benefícios da adoção de programas de compliance concorrencial. Brasília: CADE, 2016a. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/ Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Termo de Compromisso de Cessação para casos de cartel. Brasília: CADE, 2016b. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc- atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. https://www.gov.br/cade/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade https://www.gov.br/cade/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 9Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programa de Leniência Antitruste do Cade. Brasília: CADE, 2016c. Disponível em: https://cdn.cade.gov. br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de- leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. ICC. International Chamber of Commerce. The ICC Antitrust Compliance Toolkit: practical antitrust compliance tools for SMEs and larger companies. ICC Commission on Competition, 2013a. Disponível em: https://iccwbo.org/publication/icc-antitrust-compliance-toolkit/. Acesso em: 20 jan. 2021. ICC. International Chamber of Commerce. Why complying with competition law is good for your business: practical tool for smaller businesses to improve compliance. ICC Commission on Competition, 2013b. Disponível em: https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying- competition-law-good-business/. Acesso em: 20 jan. 2021. NIELS, G.; JENKINS, H.; KAVANAGH, J. Economics for Competition Lawyers. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press, 2016. SAGERS, C. L. Antitrust: Examples & Explanation. 2nd ed. Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, 2014. SCHAPIRO, M.; MARINHO, S. Compliance concorrencial: cooperação regulatória na defesa da concorrência. São Paulo: Almedina, 2019. United Kingdom. Office of Fair Trade. How your business can achieve compliance with competition law. Londres: OFT, 2011. Disponível em: https://assets.publishing.service.gov.uk/ government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf. Acesso em: 20 jan. 2021. https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://iccwbo.org/publication/icc-antitrust-compliance-toolkit/ https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying-competition-law-good-business/ https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying-competition-law-good-business/ https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf 10Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 2: Ferramentas de detecção de desvios de conduta Objetivos de Aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de identificar as ferramentas de detecção de desvios de conduta, considerando sua adequação aos diferentes tipos de organização. Os programas de compliance não são e nem devem ser iguais para todas as organizações. Suas estruturas e técnicas dependem dos riscos específicos de cada empresa ou entidade, das suas características, dos mercados em que atuam, bem como dos recursos disponibilizados para controle dos riscos. Idealmente, busca-se mapear o máximo de riscos e usar o mínimo de recursos suficientes e capazes de endereçar os riscos mapeados. São esses recursos de grande cobertura que garantem o maior custo-benefício. Um segundo ponto que merece ser lembrado é que nenhuma lista com técnicas de compliance é acabada. O que se costuma estudar são apenas práticas de sucesso, as melhores práticas. Cada organização pode encontrar ou projetar as ferramentas que entenda ter mais efetividade. Tendo em conta esses aspectos, são apresentadas a seguir exemplos de boas práticas em ferramentas de detecção de desvios em programas de compliance. 2.1. Reuniões periódicas para dúvidas ou debater situações Os códigos de conduta enunciam situações hipotéticas a evitar. Enquadrar um caso concreto em uma hipótese prevista em um código nem sempre é uma tarefa de resposta clara. Pode haver situações que ensejem dúvidas. Criar situações nas quais essas dúvidas enunciadas possam ser respondidas é um momento nobre do sistema de detecção de desvios. uma ideia. Registrar a dúvida e endereçar o comportamento assegura a transposição dos termos do código de conduta para as situações cotidianas, bem como pode servir de insumo para o aperfeiçoamento de sua redação.Adicionalmente, fortalece o aprendizado institucional e evita desvios, que é o objetivo último de todo o programa de compliance concorrencial. Uma forma simples e relativamente barata de inserir esse meio de detecção na cultura de uma empresa é a realização de reuniões periódicas para debater situações reais ou hipotéticas que ensejem dúvidas sobre conformidade. Fonte: Imagem de Joseph Mucira por PixabayDe fato, a dúvida é o pensamento que antecedea ação, é a fase no qual um potencial desvio ainda é somente https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&utm_medium=referral&utm_campaign=image&utm_content=5395567 11Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 2.2. Rotinas de documentação de atividades sensíveis Uma vez que se tenha mapeado as atividades de maior risco concorrencial, uma boa providência para detectar desvios é adotar uma rotina de maior registro e fiscalização dessas atividades. É certo que as atividades de risco não se confundem com as atividades de desvio, mas o registro de ações desse tipo facilitará a demonstração dos desvios, quando ocorrerem, bem como a mitigação de consequências. Se sabemos que determinado setor da empresa ou entidade necessita promover reuniões com competidores, por exemplo, pode ser adequado estabelecer que todas as reuniões devem ser gravadas, ou, alternativamente, devem obrigatoriamente ter ata fiel registrando temas discutidos. Na mesma linha, pode-se exigir que a participação de profissional de vendas em reuniões com competidores deva ter pautas declaradas e prévia aprovação de supervisor com formação em compliance. A fim de assegurar testemunha, pode-se adotar prática de permitir encontro entre membro da empresa e funcionário de empresas competidoras apenas em formação dupla (dois profissionais da empresa para a ocasião), especialmente quando encontro ocorrer em ambientes frequentes para pactos de cartelização, como restaurantes ou cafés. Pode-se ritualizar o recebimento de ligações telefônicas de profissionais da área comercial necessariamente com intermediação de assistentes com funções de, além de encaminhar a chamada, registrar data, hora e interlocutor. Por fim, deve ser de especial interesse a conservação por maior tempo de arquivos digitais (dados de e-mail, estação de trabalho, tablet, smartphone) de agentes com atuação em áreas da organização sujeitas a maior risco. 2.3. Hotlines Uma das técnicas que endereçam a maior quantidade de riscos e, por isso, é frequentemente usada é a instituição de hotlines – ou canais de denúncias. Por meio dos hotlines, as instâncias responsáveis recebem e apuram denúncias de violação às normas de conduta. Há tantas formas de instituir hotlines quantas as de organizar empresas ou associações, porém algumas práticas são consideradas especialmente Fonte: Foto por PIXNIO Fonte: Imagem de PublicDomainPictures por Pixabay https://pixnio.com/pt/objetos/livros/livros-documentos-educacao-informacao-conhecimento-leitura-pesquisa-escola-pilhas-estudo-trabalho https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&utm_medium=referral&utm_campaign=image&utm_content=2127 12Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública efetivas para que o canal de denúncias alcance o resultado esperado: detectar rapidamente desvios. São consideradas boas práticas na instituição de hotlines: Cultura de consultar e reportar De pouco adianta disponibilizar a ferramenta se ela não for utilizada. Para que a conformidade concorrencial tenha espaço na rotina da organização é necessário que os membros que a impulsionam se reconheçam como maioria e reconheçam que uma cultura organizacional saudável é um grande ativo para a sustentabilidade em longo prazo da empresa ou entidade. Um modo eficiente de preservar tal ativo é reportando desvios, caso os observe. Mas reportes ao hotline não precisam ser tarefa exclusiva dos colaboradores de uma organização. Uma vez que haja interesse, é possível aceitar acesso de qualquer sujeito que com ela tenha relação – incluindo fornecedores, vizinhos e clientes. Um leque mais amplo de observadores aumenta a eficiência da ferramenta. E não se pense que pode carecer de interesse, uma organização que se conserva por longo prazo tem mais momentos para retribuir os esforços de seus colaboradores, fornecedores e clientes. Deve-se ver ainda que, para que uma cultura organizacional saudável seja preservada, é necessário que o modo de conduta dos membros seja matéria de conversa no ambiente de trabalho. Algumas empresas e entidades utilizam o canal de denúncias também para que os agentes tirem dúvidas sobre conformidade dos seus comportamentos – o que é uma boa forma de aumentar o conforto em reportar e evitar desvios enquanto eles ainda possam estar em fase pré-execução. Se o canal para dúvidas é exclusivo, ganha a denominação de helpline. Não retaliação Um sistema de detecção é mais eficiente quando menos consequências gravosas possam ser experimentadas por potenciais denunciantes. A não retaliação parte do pressuposto de que o objetivo do denunciante é proteger a cultura organizacional, e é a este título que a entidade deve promover a apuração, sempre em nome próprio. Uma boa prática para evitar retaliação é instituir ferramentas para denúncias anônimas, como programas de computador de geração de caixas postais de remetentes identificados apenas por números ou códigos, por exemplo. Uma tecnologia simples pode ser o uso de endereço de e-mail com orientação de que denunciante não utilize e-mail pessoal para comunicações sobre a denúncia. Confidencialidade As denúncias são simples comunicações de desvios. Deve-se suceder a elas a apuração da procedência dos fatos, com confirmação ou negação de sua existência por meio de consulta a documentos, oitiva de pessoas, exame de gravações de sistemas de vigilância e outros tipos de ações de investigação interna. Com o objetivo de maximizar a capacidade de investigação, 13Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública causar o mínimo impacto no ambiente de trabalho e minorar consequências reputacionais por denúncias infundadas, os procedimentos gerados a partir do hotline devem ser confidenciais. Qualquer providência trabalhista ou disciplinar deve ser precedida de cautelosa apuração. Multiplicidade dos meios de comunicação Diz respeito a multiplicar as oportunidades para registro da informação. Bons hotlines devem ter acesso facilitado. Para isso podem se utilizar de mais de um canal para captação de consultas ou denúncias: página na intranet ou internet, caixa de e-mail específica, telefone. Em organizações que lidem com interlocutores de diferentes países, vale a pena aceitar reportes em mais de um idioma. O uso de sistemas informáticos facilita a disponibilidade 24 horas por dia. Informação do resultado ao denunciante Alimentar o patrimônio cultural de uma organização é algo que depende da consciência da importância da conformidade, mas também de motivação. Denunciantes carregam expectativas quanto ao seu reporte. Como realizam esse tipo de trabalho como meio de proteger a cultura de integridade de uma organização, sentem-se em algum grau recompensados quando conhecem o resultado de suas ações. Por isso é importante permitir ao denunciante consultar o estágio de tramitação de seu registro, especialmente o resultado final. Agilidade na apuração Apurações rápidas reduzem custo de instabilidades geradas pelas dúvidas que pairam nos casos de denúncias pendentes. A certeza permite que decisões sejam tomadas em segurança, por isso importa a agilidade no tratamento de demandas de hotlines ou helplines. Auditabilidade Os processos gerados pelo hotline devem ser auditáveis, para que se assegure a qualidade do funcionamento do canal. Especialização Em organizações pequenas é possível manutenção do hotline por unidades como departamento jurídico. Porém, deve-se ter em mente que há um ideal de que pessoas ou equipes responsáveis pelo hotline não devemintegrar unidades responsáveis por ações operacionais da organização, de modo a evitar vínculos de relacionamento que possam comprometer o profissionalismo, o sigilo e a impessoalidade nas apurações. Se considerar factível, para que se atinja essa especialização, a organização pode recorrer à terceirização do hotline, tendo em conta que há no mercado prestadores de serviço ofertando esse tipo de ferramenta. 14Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Tendo em conta que muitas são as formas que podem assumir um hotline, analise a seguir uma lista de perguntas que podem ajudar em seu desenho: • Serão aceitas apenas denúncias ou também admitidas dúvidas para orientação? • Que tipos de condutas serão aceitas para denúncia? • Compartilhará estrutura com outras necessidades regulatórias da organização (por exemplo: conformidade trabalhista ou ambiental)? • Quem será o responsável por implantá-lo e administrá-lo? • Como será a colaboração com os setores da empresa na elucidação das denúncias? • Aceitará comunicações de pessoas que não são colaboradores? • Quais serão os canais disponibilizados? • Como o reportante poderá ser atualizado acerca do andamento de sua comunicação? • Será adotada tecnologia para garantia de anonimato (caixa postal anônima)? • Como se garantirá a confidencialidade das apurações? • Haverá adoção de sistema informático exclusivo? • Quais serão os prazos para tratamento dos reportes? • Qual o fluxo que os reportes devem seguir (pode variar segundo o tipo)? 2.4. Programas privados de leniência Programas de leniência ou de anistia são aqueles nos quais o próprio infrator se autorreporta em troca de um benefício de isenção ou diminuição da sanção a que estaria previsto. No Brasil, há previsão legal de programas de leniência para infrações concorrenciais, de corrupção, no mercado de capitais e no sistema financeiro nacional. Empresas e entidades associativas dispõem de poder de comando sobre os seus colaboradores, o que inclui capacidade de aplicar consequências contratuais em razão de faltas cometidas por eles. A imposição dessas consequências contratuais acontece de modo disponível no interesse da contratante, e isso dá margem a que eventualmente alguns agentes possam ter consequências minoradas ou mesmo a isenção, tal qual ocorre com infrações administrativas por conta de algumas legislações. Programas de ferramentas de detecção são bons incentivos para confessar e reportar, pois as consequências gravosas podem ser o maior obstáculo para que o colaborador envolvido não reporte à organização sobre o ilícito no qual esteja envolvido. Fonte: imagem de Adam Radosavljevic por Pixabay. https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&utm_medium=referral&utm_campaign=image&utm_content=3298472 15Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Cabe à organização instituinte estabelecer as regras, o que pode incluir limites como vedação para empregados reincidentes, além disso, são requisitos essenciais dos pedidos de anistia ou leniência em programas de compliance: • Indicação de demais envolvidos. • Confidencialidade durante a negociação. • Exigência de indicação e/ou provimento de provas de todos os tipos, com alta valorização de provas documentais autênticas. Um exemplo paradigmático de instituição de programa privado de leniência foi o da empresa Siemens, relatado por Mario Schapiro e Sarah Marinho no livro Compliance Concorrencial: Cooperação Regulatória na Defesa da Concorrência, lançado em 2019. Como modo de demarcar um novo estágio do compliance naquele grupo empresarial, foi garantida a não punição interna pela realização de denúncias úteis. O programa ficou aberto por 90 dias e não por tempo indeterminado. Programas privados por tempo indeterminado podem aumentar detecção de condutas infratoras, mas é preciso ponderar que poderá, ao mesmo tempo, minar a própria política de compliance. Isso, porque se os envolvidos em infração sabem que podem infringir a qualquer momento e logo depois receber perdão, a conduta que se quer evitar passa a ter consequências insuficientes para desencorajá-la. Então, analisaremos alguns fatores para o êxito de programas privados de leniência: Publicidade e transparência Publicidade e transparência quanto às condutas admitidas e regras de elegibilidade. Quais condutas são admitidas a se autorreportar e que quem pode fazê-lo? Certeza quanto aos benefícios Uma vez esclarecidos a contento os fatos, os benefícios anunciados devem ser claros e automáticos, sem margem para comportamento oportunista da empresa ou entidade após obtenção do conhecimento. Confidencialidade quanto a pedidos recebidos Assim como em hotlines, a publicidade prematura coloca em risco provas e reputações de pessoas mencionadas. No caso do pedido de leniência, há ainda o constrangimento da confissão de conduta não desejada pela organização, de modo que a confidencialidade pode encorajar o autorreporte. 16Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Apuração por unidade especializada, se possível, terceirizada A parte operacional de recebimento e processamento do pedido de leniência tem ganhos de confidencialidade se for realizada por prestador de serviço externo. Entende-se que a realização desse trabalho por unidade interna pode aumentar rumores e fragilizar o ambiente organizacional. Elevação de percepção de risco de detecção em caso de não autor-reporte, com consequências gravosas em caso de omissão. Comportar-se segundo o código de conduta da organização é obrigação diária do colaborador. Um bom momento de lançar um programa temporário de leniência é quando de um grande remodelamento do programa de compliance, quando há reforço das ferramentas de detecção de desvios. 2.5. Auditorias de regularidade Mesmo na ausência de denúncias ou dúvidas, é possível que a organização tenha como rotina examinar de ofício o nível de conformidade das transações em que se envolve. Isso pode ser feito por meio de procedimentos de auditorias internas de regularidade ou conformidade. Auditorias são procedimentos de exames, análises, avaliações, levantamentos e comprovações metodologicamente estruturados para a avaliação da integridade dos processos adotados pela organização. Para a integridade concorrencial, importa saber se algum dos atos da auditada podem implicar responsabilização da organização, bem como em que grau de generalidade isso se deu. Assim, convém orientar a auditoria segundo o tipo de infração, conforme apresentado a seguir: Fonte: Imagem de Mohamed Hassan por Pixabay TIPO DE INFRAÇÃO AUDITORIA Abuso de posição dominante Os contratos comerciais são de especial interesse de auditoria concorrencial, já que podem evidenciar abuso de posição dominante ou, no caso de incorporação de empresa ou ativos não comunicado ao Cade, consumação antecipada de ato de concentração. Consumação antecipada de ato de concentração Abuso concorrencial de direito de petição O auditor pode reunir todas as ações contra competidores efetivos ou potenciais e avaliar quais são suas características, especialmente se, de alguma forma, os pedidos podem denotar finalidade de onerar, retardar entrada ou prejudicar funcionamento de competidor. Em organizações em que a reunião de documentação seja excessiva, pode-se avaliar por amostragem. https://pixabay.com/pt/?utm_source=link-attribution&utm_medium=referral&utm_campaign=image&utm_content=4576720 17Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública A auditoria pode ser promovida por divisão interna da empresa ou contratada por ela ou pela direção mediante provedor externo do serviço. No primeiro caso, fala-se em auditoria interna e, no segundo, auditoria externa. A conclusão de auditorias normalmente não se limita a reportar e documentar atos de desconformidade, mas também identificar as fragilidades nos processos que permitiram o desvio e sugestões de melhoria. Referências ARIELY, D. A mais pura verdadesobre a desonestidade. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012. BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. […] e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 2011. BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 1990. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programas de Compliance: orientações sobre a estruturação e benefícios da adoção de programas de compliance concorrencial. Brasília: CADE, 2016a. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/ Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Termo de Compromisso de Cessação para casos de cartel. Brasília: CADE, 2016b. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc- atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programa de Leniência Antitruste do Cade. Brasília: CADE, 2016c. Disponível em: https://cdn.cade.gov. Influência à adoção de conduta uniforme As reuniões de uma associação empresarial podem ser examinadas quanto à sua regularidade concorrencial mediante o exame das atas de reuniões de seus foros de ação, por exemplo. Uma preocupação especial nessas situações pode ser a influência à adoção de conduta uniforme, quando a associação suplanta a sua finalidade para coordenar ou induzir comportamento de mercado não rival entre seus associados. Cartelização Comunicações entre vendedores e demandantes, atas de reuniões ou depoimentos pessoais de pessoas engajadas no segmento de vendas ou marketing podem ser auditadas em buscas de indícios de cartelização. https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 18Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de- leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. ICC. International Chamber of Commerce. The ICC Antitrust Compliance Toolkit: practical antitrust compliance tools for SMEs and larger companies. ICC Commission on Competition, 2013a. Disponível em: https://iccwbo.org/publication/icc-antitrust-compliance-toolkit/. Acesso em: 20 jan. 2021. ICC. International Chamber of Commerce. Why complying with competition law is good for your business: practical tool for smaller businesses to improve compliance. ICC Commission on Competition, 2013b. Disponível em: https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying- competition-law-good-business/. Acesso em: 20 jan. 2021. NIELS, G.; JENKINS, H.; KAVANAGH, J. Economics for Competition Lawyers. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press, 2016. SAGERS, C. L. Antitrust: Examples & Explanation. 2nd ed. Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, 2014. SCHAPIRO, M.; MARINHO, S. Compliance concorrencial: cooperação regulatória na defesa da concorrência. São Paulo: Almedina, 2019. United Kingdom. Office of Fair Trade. How your business can achieve compliance with competition law. Londres: OFT, 2011. Disponível em: https://assets.publishing.service.gov.uk/ government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf. Acesso em: 20 jan. 2021. https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://iccwbo.org/publication/icc-antitrust-compliance-toolkit/ https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying-competition-law-good-business/ https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying-competition-law-good-business/ https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf 19Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 3: Processo interno de apuração de desvios Objetivos de Aprendizagem Ao final desta unidade, você será capaz de identificar os princípios que devem orientar o processo de apuração de desvios e sua estrutura procedimental. Uma vez detectadas as condutas suspeitas de violarem o código de conduta, elas precisam de tratamento subsequente. Busca-se, na fase posterior à detecção de condutas, evidências adicionais que permitam ter certeza sobre ocorrência, ilicitude e a identificação responsáveis. O meio pelo qual esses elementos são alcançados é o processo de apuração. 3.1. Princípios São princípios a serem observados nos atos do processo: Máxima confidencialidade A publicidade acerca da investigação pode motivar comportamentos oportunistas que dificultam o acesso a provas que esclareçam o fato objeto de apuração. Por isso, deve ser preservada a máxima confidencialidade em relação à apuração privada. Em reforço, sabe-se que rumores podem prejudicar o ambiente organizacional, de modo que devem ser adotadas cautelas para evitar vazamentos sobre a apuração, especialmente antes de oitivas, se houver. Imparcialidade e objetividade Os responsáveis pela investigação não podem ter favoritismo em relação aos possíveis implicados. Devem ainda dispor de linguagem objetiva e direta, que permita a todos interessados a clara compreensão da tese de desvio. Integridade pessoal e credibilidade dos investigadores A reputação do investigador é instrumento essencial à legitimação do processo, de modo que devem estar responsáveis pessoas íntegras e de alta acreditação. Prazos A celeridade é essencial para o resultado útil dos processos e por isso deve ser estabelecido um cronograma com prazos para as medidas de investigação a tomar. 20Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Preservação de documentos Em se tratando de instituir cultura de integridade ou conformidade, que é aquela na qual o colaborador internaliza disposição espontânea ao cumprimento das regras de defesa da concorrência, a organização não deve admitir encaminhamento de destruição de documentos uma vez constatado desvio. Tais documentos podem ser úteis para responsabilização disciplinar que proteja a cultura de conformidade. Podem ser úteis ainda para orientar melhoria de processos. Por fim, são fundamentais para pleitear qualificadamente benefícios em acordos administrativos legalmente admitidos, como o acordode leniência ou o termo de compromisso de cessação de conduta. Proteção de denunciante contra retaliação Sempre que houver denunciante ele deve ser protegido de represália, tendo em conta que evitar malfeitos assegura a sustentabilidade em longo prazo da organização. 3.2. Estrutura procedimental As investigações internas das organizações não possuem procedimento predeterminado, cabendo a cada uma delas escolher formular o que lhe pareça mais adequado. São questões a considerar quanto a elaboração de procedimento: Confira algumas características dos diferentes meios de apuração dos fatos: Revisão de documentos Os meios de esclarecer os fatos são livres. O mais comum é a revisão de documentos encontrados em arquivos centrais, gavetas, estações de trabalho e armários das equipes de apoio e dos 21Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública próprios envolvidos. O responsável por promover a revisão deve conhecer as suspeitas apuradas para conseguir reconhecer o significado de evidência relevante. Registros em áudio ou vídeo Se a infração ainda estiver em andamento e puder ser registrada por áudio ou vídeo, trata-se de provas muito valorizadas, mas, nesse caso, recomenda-se que ao menos um dos interlocutores tenha ciência da gravação para evitar violação de privacidade. Varreduras eletrônicas São comuns, ainda, varreduras eletrônicas nos servidores da empresa, em equipamentos de vigilância e em equipamentos providos para o exercício do trabalho (notebooks, tablets e celulares). O maior conhecimento dos indícios pode viabilizar a busca por palavras-chave usadas no contexto da infração, o que deve ser feito com o uso de programas adequados para esse tratamento. A prova digital é muito sensível a alterações, por isso deve ser manipulada apenas por quem tiver habilitação para conservar sua integridade na forma em que se encontra antes do exame. Deve-se atentar à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que protege o direito à privacidade dos colaboradores mesmo no ambiente de trabalho. Essa proteção é restrita, contudo, a matéria estranha ao trabalho. Como a responsabilização de organizações perante a Lei de Defesa da Concorrência independe de culpa (artigo 36 da Lei nº 12.529/2011), a princípio, registros de desvios de trabalho podem ser acessados em investigações privadas mesmo sem consentimento do titular, em razão de ser providência indispensável para cumprimento de obrigação legal ou regulatória do controlador da informação (artigo 11, inciso II, alínea a, da LGPD). Oitivas Outra família de evidências comum é a oitiva de pessoas que supostamente tenham conhecimento sobre a infração testada. Sempre que possível, deve ser gravada. Ela deve ser reservada aos últimos momentos da investigação interna porque torna a investigação mais transparente para o universo dos colaboradores. Os colaboradores suspeitos devem ser ouvidos por último e nenhuma providência disciplinar- trabalhista pode ser tomada até então. O Supremo Tribunal Federal é firme em garantir nesse particular o que chama de “eficácia horizontal do direito fundamental ao devido processo legal”, atingindo mesmo a relação entre particulares em uma organização. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. 22Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais 11. 3.3. Encaminhamentos possíveis Ainda que a metodologia de investigação interna indique uma hipótese a testar para fins de eleger diligências, na sua conclusão, vale o exame atencioso da tese de defesa usada para afastar a ilegalidade. Sempre que realista, deve ser admitida, tanto mais quando lastreada em entendimento de jurisprudência firme. Ao concluir pela existência da infração, deve se seguir consideração de iniciar reporte colaborativo com a autoridade de defesa da concorrência. Para esses casos, a Lei nº 12.529/2011, de 30 de novembro de 2011, prevê acordos de leniência e termo de compromisso de cessação de conduta como modalidades de acordos que evitem consequências mais graves para as organizações envolvidas. Referências ARIELY, D. A mais pura verdade sobre a desonestidade. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2012. BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. […] e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 2011. 1_ Recurso Extraordinário 201. 819. Ministra-relatora ELLEN GRACIE, relator para acórdão ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, maioria, julgado em 11 out. 2005. DJ 27 out. 2006. 23Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Presidência da República, Brasília, 1990. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programas de Compliance: orientações sobre a estruturação e benefícios da adoção de programas de compliance concorrencial. Brasília: CADE, 2016a. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/ Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Termo de Compromisso de Cessação para casos de cartel. Brasília: CADE, 2016b. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc- atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Guia Programa de Leniência Antitruste do Cade. Brasília: CADE, 2016c. Disponível em: https://cdn.cade.gov. br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de- leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804. Acesso em: 03 fev. 2021. ICC. International Chamber of Commerce. The ICC Antitrust Compliance Toolkit: practical antitrust compliance tools for SMEs and larger companies. ICC Commission on Competition, 2013a. Disponível em: https://iccwbo.org/publication/icc-antitrust-compliance-toolkit/. Acesso em: 20 jan. 2021. ICC. International Chamber of Commerce. Why complying with competition law is good for your business: practical tool for smaller businesses to improve compliance. ICC Commission on Competition, 2013b. Disponível em: https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying- competition-law-good-business/. Acesso em: 20 jan. 2021. NIELS, G.; JENKINS, H.; KAVANAGH, J. Economics for Competition Lawyers. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press, 2016. SAGERS, C. L. Antitrust: Examples & Explanation. 2nd ed. Alphen aan den Rijn: Wolters Kluwer, 2014. SCHAPIRO, M.; MARINHO, S. Compliance concorrencial: cooperação regulatória na defesa da concorrência. São Paulo: Almedina,2019. United Kingdom. Office of Fair Trade. How your business can achieve compliance with competition law. Londres: OFT, 2011. Disponível em: https://assets.publishing.service.gov.uk/ government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf. Acesso em: 20 jan. 2021. https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf?_ga=2.115214023.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17.pdf?_ga=2.43319653.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/2020-06-02-guia-do-programa-de-leniencia-do-cade.pdf?_ga=2.157598330.1762744349.1612482262-741839812.1586804804 https://iccwbo.org/publication/icc-antitrust-compliance-toolkit/ https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying-competition-law-good-business/ https://iccwbo.org/publication/icc-sme-toolkit-complying-competition-law-good-business/ https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/284402/oft1341.pdf Unidade 1: Finalidade do sistema de monitoramento de desvios de conduta 3.3. Encaminhamentos possíveis 3.2. Estrutura procedimental 3.1. Princípios Unidade 3: Processo interno de apuração de desvios 2.5. Auditorias de regularidade 2.4. Programas privados de leniência 2.3. Hotlines 2.2. Rotinas de documentação de atividades sensíveis 2.1. Reuniões periódicas para dúvidas ou debater situações Unidade 2: Ferramentas de detecção de desvios de conduta 1.2. Para que serve um sistema de monitoramento de desvios de condutas 1.1. O que é um sistema de monitoramento de desvio de condutas