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Glomerulonefrites → As glomerulonefrites (GNs) são um grupo heterogêneo de doenças que afetam os glomérulos renais, as unidades de filtração do rim; → Elas representam uma causa significativa de Doença Renal Crônica (DRC), sendo a terceira principal causa global de DRC terminal, perdendo apenas para a nefropatia diabética e a hipertensão. → Classificação: ● Primárias: Surgem isoladamente, sem uma doença sistêmica aparente como causa. O foco principal deste resumo será nas GNs primárias. ● Secundárias: Desenvolvem-se como parte ou complicação de uma doença sistêmica maior (ex: Lúpus, hepatites virais, diabetes mellitus). → As glomerulopatias costumam apresentar um padrão clínico típico que se divide em 5 síndromes clássicas. ● Síndromes Nefríticas Agudas; ● Síndromes Nefróticas; ● Síndromes Pulmão-Rim e Síndrome de Membrana Basal Glomerular; ● Síndromes Vasculares Glomerulares; ● Síndromes Associadas a Doenças Infecciosas. → É importante lembrar que as síndromes clínicas podem se sobrepor de forma que uma mesma doença pode ter apresentações diferentes. → Principais sinais e sintomas: proteinúria, hematúria, edema, hipertensão, queda da TFG e alterações metabólicas. PROTEINÚRIA → Na fisiologia glomerular, proteínas de baixo peso molecular podem ser filtradas pela barreira de filtração, mas logo são reabsorvidas pelos túbulos proximais e não são identificadas em exames de urina. Quando há lesão da barreira, pode-se observar perda de proteínas na urina; → Estrutura da barreira de filtração: ● Endotélio Capilar Glomerular: Esta é a camada mais interna e é bastante permeável, permitindo a passagem de muitas substâncias, mas não de células sanguíneas. ● Membrana Basal Glomerular (MBG): Esta é uma rede complexa que atua como um filtro crucial. ○ Possui carga elétrica negativa, o que repele proteínas que também têm carga negativa (como a albumina); ○ Contém poros pequenos para moléculas menores e uma baixa densidade de poros grandes; ○ É altamente permeável à água e moléculas pequenas (ureia, creatinina, glicose), mas praticamente impermeável a macromoléculas (como imunoglobulinas); ● Podócitos: São células especializadas que revestem a MBG e possuem prolongamentos chamados pedicelos, que se interligam por um diafragma em fenda e são a principal barreira física à passagem de proteínas. → Nas glomerulopatias, o mecanismo de perda de proteínas na urina é multifatorial: 1. Perda de Cargas Aniônicas da MBG: Uma das alterações fundamentais é a perda das cargas elétricas negativas na MBG. Isso reduz a repulsão eletrostática que normalmente impede a passagem de proteínas negativamente carregadas, como a albumina. 2. Aumento da Permeabilidade da MBG: ocorre um aumento na densidade de poros não discriminantes na MBG. Isso cria "buracos" maiores, permitindo que mais proteínas de diferentes tamanhos atravessem a barreira. 3. Lesão Podocitária: O dano direto aos podócitos compromete a integridade dos pedicelos e dos diafragmas em fenda, eliminando a principal barreira física à passagem de proteínas. 4. Mediação Imune: A maioria das glomerulonefrites é causada por uma resposta imune desregulada. ○ Deposição de imunocomplexos: Imunocomplexos (antígeno-anticorpo) circulantes podem se depositar no glomérulo. ○ Reação antígeno-anticorpo in situ: Anticorpos podem reagir diretamente com antígenos presentes no próprio glomérulo. ○ Essas reações ativam o sistema complemento e outras vias inflamatórias, o que, por sua vez, leva ao aumento da permeabilidade da MBG, resultando em proteinúria. 5. Aumento da Pressão Hidrostática Glomerular: Em algumas glomerulonefrites, há um aumento da pressão dentro dos capilares glomerulares. Essa pressão elevada empurra mais fluido e, consequentemente, mais proteínas através da barreira de filtração danificada. → Classificação da Proteinúria pela Seletividade: ● Proteinúria Seletiva: ○ Ocorre quando há principalmente lesão podocitária e perda de cargas aniônicas; ○ As proteínas encontradas são predominantemente de baixo peso molecular, como albumina e transferrina; ○ Isso é classicamente observado na glomerulonefrite por lesões mínimas. ● Proteinúria Não Seletiva: ○ Indica um aumento na densidade de poros não discriminantes da MBG, além da lesão podocitária; ○ Neste caso, além de albumina e transferrina, há também a presença de proteínas de maior peso molecular, como as imunoglobulinas, sugerindo um dano mais extenso à MBG; ○ É vista em condições como Nefropatia Membranosa (NM), Glomerulonefrite Membranoproliferativa (GNMP) e Glomeruloesclerose Segmentar e Focal (GESF). HEMATÚRIA → O conceito mais aceito atualmente refere-se ao fato de que, no curso da agressão renal, acabam ocorrendo soluções de continuidade na MBG que, associadas ou não a reação inflamatória local com vasodilatação, possibilitam a passagem de hemácias para o espaço de Bowman; → Essa passagem se faz pela diapedese, o que provoca intensa alteração da sua forma e, por isso, a maior parte dos eritrócitos encontrados na urina de pacientes com glomerulopatias apresenta-se dismórfica; → Codócitos e acantócitos representam os dismorfismos mais relacionados com lesão glomerular, assim como cilindros hemáticos, característicos de grandes lesões glomerulares; RETENÇÃO DE SÓDIO, EDEMA E HIPERTENSÃO → O edema presente nos pacientes portadores de nefropatia tem sido explicado por dois mecanismos diferentes – underfill e overflow; → Mecanismo de Underfill (típico da síndrome nefrótica): ● Problema Inicial: Perda maciça de proteínas (albumina) na urina (proteinúria), levando a hipoalbuminemia; ● Consequência: A baixa albumina diminui a pressão oncótica nos vasos, fazendo o líquido sair do sangue para o espaço entre as células, causando edema. ● Resposta Corporal: A perda de líquido dos vasos (hipovolemia relativa) ativa sistemas (SRAA, simpático) que tentam compensar retendo sódio e água. Isso agrava o edema e cria um ciclo vicioso. ● Manifestações: Edema, palidez, taquicardia, hipotensão postural e hipoalbuminemia importante. → Mecanismo de Overflow (Nefropatias sem Hipoalbuminemia Significativa): ● Problema inicial: O rim doente, particularmente em seus segmentos tubulares distais, perde a capacidade de excretar sódio adequadamente e passa a reabsorver mais sódio do que o normal. ● Consequência: A retenção de sódio e água aumenta o volume de sangue (hipervolemia), elevando a pressão dentro dos vasos. ● Formação de edema: O aumento da pressão hidrostática nos vasos força o líquido para o interstício, causando edema. ● Manifestações: Edema, hipertensão (pelo excesso de volume) e pode levar a sinais de insuficiência cardíaca congestiva (coração sobrecarregado). ALTERAÇÕES METABÓLICAS → Hipoalbuminemia: ● Perda Urinária Aumentada: O fator mais importante é a intensidade e duração da perda urinária de proteína. Com a lesão glomerular, grandes quantidades de albumina são filtradas e perdidas na urina. ● Catabolismo Aumentado: Mesmo a pequena quantidade de albumina que é filtrada normalmente é reabsorvida e metabolizada nos túbulos proximais. Na LRA, o aumento da filtração de albumina leva a um aumento da reabsorção tubular e do catabolismo proteico da própria albumina nos túbulos. ● Capacidade de Síntese Hepática: O fígado tenta compensar a perda, aumentando a síntese de albumina. No entanto, a capacidade de síntese hepática pode ser insuficiente para compensar a magnitude da perda urinária e o catabolismo aumentado. → Dislipidemia (hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia): ● Aumento da Síntese Hepática de Lipoproteínas: A hipoalbuminemia estimula o fígado a aumentar a síntese geral de proteínas para tentar repor a albumina perdida.Como parte desse processo, há uma maior síntese de LDL e VLDL. As LDLs são as principais carreadoras de colesterol, e as VLDLs, de triglicerídeos, levando ao aumento de ambos no sangue. ● Redução do Catabolismo de Lipídios: Há uma inibição da lipólise (quebra de gorduras) devido à redução da atividade da lipase lipoproteica (uma enzima essencial para metabolizar triglicerídeos) ou até mesmo à perda urinária dessa enzima. Isso resulta em um menor catabolismo dos lipídios, fazendo com que se acumulem no sangue. → Hipocalcemia: ● Ligação à Albumina: Uma parte significativa do cálcio no sangue está ligada à albumina. Assim, a hipoalbuminemia leva a uma hipocalcemia total, já que há menos albumina para ligar o cálcio. ● Perda de Proteínas Relacionadas ao Metabolismo do Cálcio: Além da ligação à albumina, pode haver perda urinária de proteínas importantes para o metabolismo do cálcio, como o 1,25(OH)2 colecalciferol (forma ativa da vitamina D) e o 24,25(OH)2 colecalciferol. Essa perda contribui para a queda do cálcio iônico, que é a forma biologicamente ativa do cálcio. → Hipercoagulabilidade: ● Em razão da perda urinária de proteínas esse efeito da hipoalbuminemia acaba estimulando o fígado a otimizar a síntese de lipoproteínas, por este mesmo mecanismo ocorre efeito semelhante com a produção dos fatores de coagulação; ● Tal fato acaba por desenvolver no organismo um estado de hipercoagulabilidade pelo acúmulo de fatores da cascata de coagulação. A perda de fatores antitrombóticos também tem importância na fisiopatologia desses eventos trombóticos. SÍNDROME NEFRÍTICA X NEFRÓTICA SÍNDROME NEFRÍTICA ● Proteinúria subnefrótica (150 mg a 3,5 g/24h); ● Hematúria com cilindros hemáticos; ● Oligúria; ● Hipertensão; ● Edema; ● Elevação de escórias nitrogenadas por diminuição da taxa de filtração glomerular. SÍNDROME NEFRÓTICA ● Proteinúria maciça > 3,5 g/24 horas no adulto e > 50 mg/kg/24 horas na criança; ● Hipertensão; ● Hipercolesterolemia; ● Hipoalbuminemia; ● Edema/anasarca; ● Hematúria microscópica. GLOMERULONEFRITE PÓS-ESTREPTOCÓCICA → Epidemiologia: ● Acomete mais os homens (2 a 3:1), com idade variando entre 6 e 10 anos, podendo, no entanto, incidir em qualquer faixa etária; ● Em geral, os adultos acometidos são portadores de comorbidades, como diabetes melito e alcoolismo. → Causa: Em geral, o aparecimento do quadro clínico é precedido, em 7 a 21 dias, por infecção estreptocócica (escarlatina, piodermite ou infecção de vias respiratórias superiores). Nem todos os estreptococos são nefritogênicos; o grupo A de Lancefield e, mais raramente, o grupo C ou G associam-se às lesões glomerulares. → Mecanismos: ● Reação imune cruzada: pode haver reação cruzada de anticorpos antiestreptococos contra componentes da própria MBG, especialmente laminina e colágeno. ● Autoimunidade: após a formação de IgG antiestreptococos, essa molécula sofre alterações (desialização ou ligação com proteínas dos estreptococos) que a faz ser reconhecida como antígeno. Forma-se uma IgG ou uma IgM anti-IgG. Esse imunocomplexo pode se depositar no rim e dar início à lesão glomerular ● Antígenos nefritogênicos dos estreptococos: já são reconhecidas estruturas da bactéria lesivas ao glomérulo (proteína M, NAPlr) ou, então, proteínas produzidas pelos estreptococos (estreptoquinase e SpeB) que se ligam ao glomérulo, ativando mecanismos imunes responsáveis pela lesão glomerular. → Curso Clínico: ● A apresentação clínica é bastante variável, e as principais síndromes clínicas apresentadas são síndrome nefrítica aguda, síndrome nefrítica rapidamente progressiva e glomerulonefrite assintomática subclínica; ● Os quadros assintomáticos são 4 a 9 vezes mais comuns que os sintomáticos; ● Com frequência, o paciente apresenta início súbito de edema, hematúria macroscópica e hipertensão arterial, e, eventualmente, dor lomba; ● O edema geralmente é pré-tibial e/ou bipalpebral e de pequena a moderada intensidade; ● A hipertensão arterial geralmente é leve; ● Quando a hematúria é intensa, o paciente pode apresentar queixa de disúria; ● Casos mais raros podem evoluir com hipervolemia, crise hipertensiva, edema agudo de pulmão ou encefalopatia hipertensiva com convulsões; ● Em geral, a função renal é normal ou discretamente alterada; ● Alguns pacientes podem evoluir com insuficiência renal aguda grave, oligúria ou até mesmo anúria, necessitando de terapia renal substitutiva (diálise). Nesses casos, é preciso realizar biopsia renal com o intuito de descartar diagnósticos diferenciais, como glomerulonefrite crescêntica; ● A biópsia renal não é necessária para diagnósticos, mas se for realizada mostra crescentes glomerulares e/ou necrose tubular aguda associados. O grau de insuficiência renal está diretamente relacionado com o grau de proliferação e a porcentagem de crescentes na biopsia renal. → Achados laboratoriais: ● Em dois terços dos casos, é possível identificar a presença de marcadores de infecção pregressa por estreptococos, como antiestreptolisina O, anti-hialuronidase, antiestreptoquinase, entre outros; ● O exame de urina revela hematúria, com hemácias dismórficas, cilindros hemáticos, leucocitúria e cilindros leucocitários; ● A proteinúria de 24 h em 90% dos casos é menor que 3 g; ● Pode-se evidenciar o consumo de complemento pela diminuição de CH50 e C3 em praticamente 100% dos casos. Essa redução é transitória e os níveis voltam ao normal em 4 a 12 semanas. → Tratamento: É principalmente de suporte. Isso inclui controle da pressão arterial (com anti-hipertensivos), manejo do edema (com diuréticos) e, em casos graves, suporte dialítico. A terapia imunossupressora não é indicada, a menos que o diagnóstico seja incerto e uma biópsia renal seja realizada para excluir outras causas. GLOMERULONEFRITE ASSOCIADA A INFECÇÕES → Alguns agentes infecciosos podem levar a quadros associados de glomerulonefrites, com deposição de imunocomplexos, predominantemente de IgA; → Entre eles, pode-se citar os estafilococos, o Schistosoma mansoni, os vírus da hepatite B e do HIV; → O principal agente envolvido nessa categoria é o estafilococo, que, diferentemente da glomerulonefrite pós-estreptocócica, apresenta um processo ativo de infecção, com antigenemia constante e estimulação de linfócitos B. → O Staphylococcus aureus está envolvido em 48% dos casos, sendo os pacientes na maioria do sexo masculino (66%) e com idade média de 56 anos. Os locais mais comumente envolvidos são pele (43%), pulmão (25%) e válvulas cardíacas (11%). → O depósito de imunocomplexos ocorre principalmente no mesângio (87%) e na região subepitelial (63%) → Na maioria dos casos, há consumo de C3 e C4, mostrando também uma ativação da via clássica do complemento; → A apresentação clínica se dá com edema em metade dos casos, porém a síndrome nefrótica ocorre em apenas 28% das vezes. GLOMERULONEFRITE RAPIDAMENTE PROGRESSIVA → A GNRP é uma condição grave caracterizada pela rápida perda da função renal (semanas a meses), independentemente da causa subjacente. → Epidemiologia: Mais comum em indivíduos de 50 a 60 anos, com predominância no sexo masculino (2:1). → Sinais e Sintomas Comuns: ● Edema e hematúria: Frequentemente presentes (macro ou microscópica). ● Hipertensão arterial: Quando presente, costuma ser leve (ocorre em 10-20% dos casos). ● Síndrome Nefrítica Aguda: Presente em 10-20% dos casos. ● Oligúria e edema: Sintomas em cerca de 60% dos pacientes. ● Síndrome Nefrótica: Rara (10-30% dos casos), mas pode ser a única manifestação. ● Sinais Sistêmicos: Mais de 90% dos pacientes apresentam sinais gerais como febre, astenia (cansaço), perda de peso, dor muscular e articular. Lesões em outrosórgãos e sistemas (pulmões, pele) são comuns, refletindo o caráter sistêmico da doença. → Fisiopatologia: Ocorre um intenso processo inflamatório nos glomérulos que leva à formação de crescentes glomerulares (proliferação de células no espaço de Bowman em forma de meia-lua). Esses crescentes comprometem severamente a função glomerular, levando à fibrose e perda total da função da unidade filtradora. → Classificação (Mecanismo Imunológico): ● Tipo 1: Mediada por anticorpos antimembrana basal glomerular (ex: Síndrome de Goodpasture ou Pulmão-Rim); ● Tipo 2: Mediada por deposição de imunocomplexos (ex: Nefrite Lúpica, GNPE atípica, Crioglobulinemia); ● Tipo 3 (Pauci-imune): Caracterizada pela ausência (ou poucos) depósitos imunes significativos, mas com evidência de hipersensibilidade celular e frequentemente associada a vasculites (ex: Granulomatose com Poliangiite - GPA, Poliangiite Microscópica - PAM). → Achados laboratoriais: ● Exame de Urina Tipo I: Quase sempre revela hematúria (micro ou macroscópica), frequentemente com dismorfismo eritrocitário (hemácias deformadas, indicando origem glomerular) e cilindros hemáticos, resultado da ruptura das alças capilares glomerulares e extravasamento de hemácias para os túbulos. ● Proteinúria: Presente em 100% dos casos, sendo nefrótica em 10-30%. ● Função Renal: A creatinina plasmática está elevada já na primeira consulta e mostra aumento progressivo em dias ou semanas. → Diagnóstico: Confirmado por biópsia renal, que mostra a presença de crescentes glomerulares em pelo menos 50% dos glomérulos. A imunofluorescência auxilia na classificação do subtipo (Tipo 1, 2 ou 3). NEFROPATIA POR IgA → Epidemiologia: ● A nefropatia por IgA ocorre em qualquer faixa etária, sendo incomum em pacientes com idade inferior a 10 anos e superior a 50 anos; a idade média ao diagnóstico é de 20 a 30 anos; ● Há predomínio em homens, de aproximadamente 3:1, sendo incomum em indivíduos de pele negra. → Fisiopatologia: ● Pacientes com Nefropatia por IgA frequentemente apresentam níveis elevados de IgA no sangue. Isso ocorre tanto pelo aumento da produção dessa imunoglobulina por linfócitos quanto pela diminuição de sua remoção pelo fígado e baço. Além disso, é comum encontrar imunocomplexos circulantes (complexos de anticorpos e antígenos). ● Contudo, o aumento da IgA ou a presença de imunocomplexos por si só não explicam a doença, já que outras condições podem apresentar IgA elevada sem causar nefropatia. ● A teoria mais aceita sugere que a doença surge da deposição dos imunocomplexos circulantes (formados pela IgA1 alterada e os anticorpos IgG anti-IgA1) nos rins, causando inflamação; → Apresentações clínicas: ● Surtos de Hematúria Macroscópica (30-50% dos casos): ○ É a forma mais frequente, caracterizada por episódios de sangue visível na urina (hematúria macroscópica); ○ Geralmente associada a infecções das vias respiratórias superiores (como gripes e resfriados) concomitante ou exercício físico; ○ Pode vir acompanhada de mal-estar, dores musculares leves e, ocasionalmente, dor ou dificuldade para urinar (disúria); ○ Os episódios duram de poucas horas a 2-3 dias e tendem a se repetir após infecções; ○ Entre os surtos, é comum encontrar proteinúria discreta (perda de proteína na urina) e hematúria microscópica. ● Síndrome de Hematúria Microscópica e Proteinúria Assintomáticas (30-40% dos casos): ○ Nesta forma, o paciente não apresenta sintomas perceptíveis. ○ O diagnóstico é feito por exames de urina de rotina, que revelam proteinúria não nefrótica (perda de proteína, mas em menor quantidade que na síndrome nefrótica) e hematúria microscópica. ○ Pode ser diagnosticada tardiamente, apenas quando o paciente já desenvolve insuficiência renal crônica. ○ Mais comum em indivíduos mais velhos. ● Síndrome nefrótica (5% dos casos); ● Hipertensão arterial (10 a 25%). → Achados laboratoriais: ● Proteinúria: Quase todos os pacientes apresentam proteinúria, geralmente em níveis baixos (1 a 2 gramas em 24 horas); ● Hematúria: É uma característica da nefropatia por IgA, presente em todos os casos. Pode variar de poucas hemácias por campo (microscópica) a muitas (macroscópica). ○ O dismorfismo eritrocitário positivo (alterações na forma das hemácias) é um achado importante, pois indica que a origem do sangramento é glomerular (dos glomérmnulos renais). ○ A presença de cilindros hemáticos (aglomerados de hemácias na urina) é rara, mas confirma a glomerulopatia. ● IgA Plasmática: Os níveis de imunoglobulina A (IgA) no sangue podem estar elevados em 20% a 50% dos casos. ● Biópsia de Pele do Antebraço: Em 25% a 50% dos pacientes, a biópsia de pele pode revelar depósitos de IgA, C3 (um componente do sistema complemento) e fibrina nos capilares da derme. ● Complemento: Os níveis do complemento total e de suas frações C3 e C4 são normais, o que ajuda a diferenciar a Nefropatia por IgA de outras doenças renais. GLOMERULONEFRITE MEMBRANOPROLIFERATIVA Atualmente, a antiga GNMP é dividida com base no padrão de deposição observado na imunofluorescência: ● GNMP Clássica: Apresenta um padrão de deposição complexo, com imunoglobulinas e frações do complemento. ● Glomerulopatias do C3: Caracterizam-se pela deposição exclusiva de frações do complemento. → Epidemiologia: ● A GNMP afeta predominantemente indivíduos jovens, com cerca de 70% dos casos ocorrendo antes dos 30 anos; ● Embora possa ser diagnosticada em qualquer idade, há uma discreta prevalência em mulheres (52% a 58%). → Fisiopatologia: ● A patogenia da GNMP ainda é obscura, mas a hipótese mais provável corresponde ao fato de ser uma doença por deposição de imunocomplexos circulantes. → Manifestações clínicas: ● Síndrome Nefrótica: É frequente, ocorrendo em 40% a 70% dos casos. ● Síndrome Nefrítica: Observada em cerca de 20% dos pacientes, sendo mais comum em jovens. ● Hematúria e Proteinúria Assintomáticas: Uma forma de apresentação comum (15% a 30% dos casos). ● Hematúria Macroscópica Recorrente: Menos comum (5% a 10% dos casos). ● Hipertensão Arterial: Elevada frequência, podendo atingir até 95% dos pacientes. → Achados laboratoriais: ● Proteinúria Nefrótica: Presente em cerca de metade dos pacientes (geralmente acima de 3,5 g/24h). ● Sedimento Urinário Ativo: Com hematúria microscópica em quase todos os casos e macroscópica em um terço. ● Alteração da Função Renal: Comum, com diminuição da filtração glomerular em 40% a 60% dos pacientes já na primeira consulta. ● Hipocomplementemia Persistente: Uma das características mais importantes, principalmente pela queda dos níveis de C3 (observada em 40% a 60% dos casos). Esse achado é crucial para o diagnóstico diferencial, pois outras síndromes nefróticas geralmente apresentam C3 normal. GLOMERULOPATIA DE LESÕES MÍNIMAS → Epidemiologia: ● A GLM é a causa mais comum de síndrome nefrótica em crianças (80 a 95%), respondendo, nos adultos, por aproximadamente 25% das nefropatias primárias que cursam com síndrome nefrótica; ● Ocorre principalmente na faixa etária entre 1 e 6 anos, porém tem sido descrita em todas as idades; ● Cerca de 70% das crianças acometidas são do sexo masculino; → Causas: ● A maior parte dos casos se classifica como primária ou idiopática; entretanto, o clínico deve estar atento a alguns casos secundários de ocorrência mais comum; ● Pacientes com idade superior a 50 anos e síndrome nefrótica secundária a lesões mínimas devem ser investigados quanto à possibilidade de doenças neoplásicas associadas. → Fisiopatologia: ● A proteinúria intensa (perda de proteína na urina) na glomerulonefrite por lesão mínima (GLM) ocorre principalmente devido a uma redução da carga negativada barreira de filtração dos rins. ● Uma teoria propõe que, em resposta a um estímulo, o corpo produziria linfocinas com cargas positivas que neutralizariam as cargas negativas da MBG, levando à proteinúria; ● Outra linha de pesquisa foca em uma resposta imunológica deficiente que causaria dano direto aos podócitos, as células essenciais na barreira de filtração. → Apresentação clínica: ● Síndrome nefrótica sem hipertensão arterial ou hematúria, com função renal conservada, podendo ser precedida por infecção inespecífica de vias respiratórias; ● Edema: ○ Em geral, o edema tem instalação rápida, levando à anasarca; ○ É comum cacifo em membros inferiores, mas o edema tem localização preferencial em região de face, pálpebras, sacral na posição de decúbito e, quando em posição ortostática, em membros inferiores; ○ Podem acompanhar o quadro ascite e derrame pleural; ● Quando há hipoalbuminemia prolongada, podem ser encontradas nas unhas linhas horizontais opacas e brancacentas, com alterações do relevo em sua superfície, denominadas linhas de Muehrcke; → Avaliação laboratorial: ● A proteinúria é nefrótica (maior que 3,5 g/24 h para adultos e maior que 50 mg/kg/dia para crianças) e seletiva, ou seja, constituída em sua grande maioria por albumina; ● A albumina plasmática encontra-se reduzida a valores inferiores a 2,5 g/dl; ● A hiperlipidemia acompanha o quadro de síndrome nefrótica, mas pode persistir por longos períodos; ● O sedimento urinário é geralmente normal; ● Infrequente, a hematúria microscópica pode ocorrer em cerca de 20% dos casos, e a macroscópica praticamente exclui o diagnóstico de lesões mínimas; ● Pode-se encontrar cilindros gordurosos ao exame do sedimento urinário; ● Os níveis séricos dos componentes do complemento (C3 e C4) são normais; ● Inicialmente, pode haver elevação discreta da creatinina (em torno de 25 a 30% dos casos). ● Na evolução dessa nefropatia, é raro o aparecimento de surtos de LRA. O mecanismo não é claro, porém tem-se proposto que ela seria consequência da obstrução intratubular por cilindros proteicos, da presença de edema intrarrenal ou secundária a hipoalbuminemia grave da síndrome nefrótica, levando à hipovolemia. GLOMERULOESCLEROSE SEGMENTAR E FOCAL → O termo “glomeruloesclerose segmentar e focal” refere-se a uma descrição morfológica que se aplica a um grupo heterogêneo de doenças, englobadas como uma única síndrome, caracterizada por proteinúria (geralmente nefrótica), retração de processos podocitários e lesões escleróticas acometendo segmentos de parte dos glomérulos; → A GESF pode ser classificada como primária (idiopática), genética e secundária, responsável por aproximadamente 7 a 15% das síndromes nefróticas em crianças; → É a mais frequente das glomerulonefrites nos pacientes adultos submetidos à biopsia renal (29,7%); → Quando se analisa apenas a população pediátrica, observa-se que a grande maioria dos casos ocorre em pacientes com idade inferior a 5 anos, enquanto, na população adulta, a maior parte dos pacientes apresenta síndrome nefrótica antes dos 40 anos de idade. → É mais comum em homens e em negros; → Quadro clínico: ● A apresentação da GESF primária se dá com proteinúria, frequentemente levando à síndrome nefrótica; ● Também pode se manifestar com hipertensão (45% dos casos), hematúria (45%) e alteração da função renal (30%); ● Nos casos de GESF secundária, a porcentagem de proteinúria não nefrótica com alteração da função renal é maior; ● Em geral, os casos de GESF genética manifestam-se com síndrome nefrótica grave durante a infância ou a adolescência. NEFROPATIA MEMBRANOSA → Epidemiologia: ● Ocorre em 20 a 40% dos pacientes adultos com síndrome nefrótica; ● A NM é uma doença de instalação insidiosa que ocorre mais frequentemente em homens (60 a 70% dos casos), com idade média oscilando entre 45 e 50 anos, porém pode se dar em qualquer faixa etária; ● Parece haver predomínio em indivíduos de pele branca. → Quadro clínico: ● Síndrome nefrótica em 70 a 80% dos casos, com proteinúria variando entre 5 e 10 g nas 24h; ● Casos mais insidiosos podem já apresentar alteração da função renal no momento do diagnóstico; ● Uma pequena porcentagem desses indivíduos (20 a 30%) pode, inicialmente, apresentar-se com proteinúria assintomática; ● Hematúria microscópica está presente em cerca de 30% dos adultos, porém, em crianças, sua frequência está próxima de 100%; ● Hematúria macroscópica característica está ausente; ● Os níveis séricos de creatinina costumam ser normais na primeira consulta, e a hipertensão arterial ocorre em torno de 50 a 70% dos pacientes. ● Na evolução, o dado que mais chama atenção é o alto índice de remissão espontânea, que chega a 40 a 60% dos casos, dependendo do tempo de seguimento avaliado; ● A função renal permanece estável na maior parte dos pacientes, enquanto um pequeno grupo (25 a 30%) evolui para insuficiência renal após 10 a 20 anos; raramente, observa-se progressão mais rápida para insuficiência renal terminal; ● A trombofilia representa uma complicação comum na NM, podendo se manifestar como embolia pulmonar ou, mais frequentemente, trombose de veia renal. → Causas: ● Em cerca de 60 a 80% dos casos, não se pode determinar a etiologia da NM, que é, então, classificada como primária ou idiopática; ● As principais doenças associadas à NM são neoplasias sólidas (trato gastrintestinal, próstata, ginecológicas, renal, pulmão), doenças autoimunes (LES, tireopatias) e infecções crônicas (sífilis, hepatite B, hanseníase, parasitoses).