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Literatura Surda Apresentação Hoje em dia, vive-se em tempos em que a singularidade e a igualdade tornaram-se um processo necessário e natural para garantir a inclusão comunicativa entre todos. Assim, a partir do ano de 2002, no qual se regulamentou, em 24 de abril, a Lei n.o 10.436/02, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, nasce a esperança de um povo em fundamentar-se no princípio oportunidade, equidade e igualdade, que pressupõe educação para todos por meio do reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão. Esta língua facilitadora, completa e ao mesmo tempo complexa ignora totalmente o mundo do silêncio pelos movimentos das mãos em conjunto com as expressões faciais e corporais, dando vida à arte de informar, comunicar e interagir, formando-se, dentre estes princípios, a literatura surda. Nesta Unidade de Aprendizagem, você irá estudar o conceito de literatura surda, reconhecendo suas características e diferenciando-a da literatura tradicional. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Conceituar literatura surda.• Reconhecer as características da literatura surda.• Diferenciar literatura surda da literatura tradicional.• Desafio De acordo com o IBGE 2015, o Brasil tem por volta de 10 milhões de surdos, entre eles surdos oralizados, sinalizados e bimodais, ou ainda surdos analfabetos. Imagine que você está iniciando a carreira docente e se depara pela primeira vez com um aluno surdo. Logo, você fica imaginando como irá se comunicar com ele, já que suas habilidades de comunicação por meio da Libras são praticamente nulas e que você não tem à sua disposição meios ou recursos que possam permitir essa interação. Não bastando a sua ausência comunicativa entre surdos, você descobre que esse aluno não tem um nível cultural que lhe permita ao menos improvisar algo. Diante do relato, responda: a) Mesmo não entendendo Libras, como você implicaria uma literatura com ênfase cultural a esta pessoa? b) Quais seriam os prejuízos culturais aos surdos que não têm acesso a uma literatura própria? c) O que você faria a partir desse momento para iniciar uma comunicação eficaz com esse aluno? Infográfico Os ouvintes estão presenciando, cada dia mais, a participação dos surdos nos espaços sociais, e isso representa uma mudança de comportamento dos surdos. Essa realidade ganhou força após o reconhecimento da Libras e, desde então, o interesse nesta língua vem crescendo. A convivência entre surdos e ouvintes nos mesmos ambientes solicita o compartilhamento do mesmo código linguístico. Nesse sentido, deve-se entender que a literatura surda é diferente da literatura portuguesa, e a Libras acaba se tornando a L2 dos ouvintes. O ouvinte pode escolher não aprender a Libras, mas deve ter conhecimento de sua importância para a comunicação com os surdos, além de colaborar para a inclusão deles na sociedade. Veja, no Infográfico, algumas características da literatura surda. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://statics-marketplace.plataforma.grupoa.education/sagah/75074fff-0dce-4a36-b04c-32b8eb229eec/f949a906-fa21-4f2c-8828-a64ec719a414.png Conteúdo do Livro As perspectivas inatingíveis confundem as pessoas e fragmentam os esforços de que todos têm a mesma condição de atingir o nível cultural, e por diversas vezes precisa-se falar sobre inclusão em um tom de mudança e aceitação. Acredita-se que tanto a inclusão quanto essa mudança são inevitáveis na vida de um homem. Convive-se a todo momento com pessoas “diferentes” e mudanças extremas. Ao escolher crescer, mudar e aceitar mudanças é uma escolha pessoal. Quem está envolto da inclusão ou que em convivência permanente com todo tipo de pessoa, seja ela em atendimento profissional, seja em meio social ou familiar, pode reduzir esse dreno na energia necessária para trabalhar em um único sentido: que todos sejam considerados iguais, mesmo sendo diferentes. O capítulo Literatura surda, da obra Libras, traz o conceito e as características da literatura surda e diferenças entre a literatura tradicional e a literatura surda dentre as perspectivas na visão de que tudo depende das práticas de igualdade para atingir um conhecimento literário, seja para ouvintes, seja para surdos. Assim, a comunicação e a interação vão possibilitar aos surdos e aos ouvintes uma cultura nivelada. Bons estudos. LIBRAS Daniel Neves Pinto Literatura surda Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Conceituar literatura surda. Reconhecer as características da literatura surda. Diferenciar literatura surda da literatura tradicional. Introdução Comunicar e interagir são necessidades de todos e vão além da busca por compreensão. Nesse sentido, a literatura surda ou a literatura por meio dos recursos da língua de sinais facilita o processo de construção cognitiva e a ampliação de vocabulário, fazendo com que o silêncio dos surdos não seja manifestado por preconceitos culturais e exclusão social, permitindo que seja reconhecida a existência de possibilidades, para essa comunidade, de recursos de conhecimento semelhantes aos dos ouvintes. Neste capítulo, portanto, você vai entender do que se trata a literatura surda, reconhecendo as suas características e diferenciando-a da literatura tradicional, voltada aos ouvintes. O que é literatura surda? A palavra literatura, em sentido amplo, aplica-se a todas as produções literárias de um país ou de uma época, sendo, portanto, um dos ramos essenciais do conhecimento humano. Literatura abrange os textos, orais ou escritos, sejam eles poesia, história, textos de gramática, eloquência, textos fi losófi cos ou teológicos, textos das ciências, dramas, etc. Entretanto, a literatura não pode ser reduzida à sua etimologia — litterae, litteratura —, que se refere à “coisa escrita”, ainda mais quando nos referimos à literatura surda. Distinguir os meios ou os recursos de literatura surda envolve um mundo totalmente diverso do habitual e preestabelecido em uma nação ouvintista que não conhece as culturas e as especificidades da comunidade surda. Enquanto define-se surdo por sua perda auditiva, dividimos o mundo em duas categorias que dependem do modo de comunicação: aqueles que se comunicam usando a verbalização e aqueles que se comunicam usando a língua de sinais. Diante desse ponto de vista, temos, portanto, uma dife- rença cultural, e não uma deficiência no sistema sensorial. De fato, algumas pessoas com surdez têm ou necessitam de uma reeducação oral, caso não tenham aprendido ou desenvolvido a comunicação por meio da Libras e tenham vivido, quase que exclusivamente, em meio a pessoas ouvintes. Ao contrário, um ouvinte com pais surdos pode ter aprendido a língua de sinais como língua materna e ter vivido principalmente em um ambiente social de cultura surda. É a partir desses fatos que podemos identificar e definir a literatura surda. A literatura da qual estamos falando deveria constituir um meio de acesso não só à cultura surda, mas à cultura dos países e comunidades de modo geral. Para crianças surdas, muitas vezes, é mais difícil adquirir referências culturais comuns; por isso, elas devem ser movidas pelo desejo e pela curiosidade que a própria literatura traz, como o de transmitir e receber informações e conhe- cimentos a fim de aprender outras culturas, outras ideias, distinguindo uma literatura realista de uma fantasiada e desfrutando do prazer que desenvolve a expressão de sentimentos e emoções. A expressão cultura surda refere-se a um conjunto de regras sociais, representações, práticas, conhecimentos, atitudes e valores do grupo social composto pelas pessoas surdas e suas famílias, que se comunicam com a língua de sinais e compartilham um mesmo sistema de referência, os mesmos lugares associativos e os mesmoshábitos. As principais características dessa literatura são o enriquecimento de vocabulário, a aquisição de conceitos e a decifração do acesso aos significados. Ser surdo é pertencer a uma cultura na qual os sinais, sejam escritos ou sinalizados, têm uma importância primordial na literatura voltada a ela. Quando a literatura retrata a questão dos surdos e da surdez, muitas das vezes, é concebida pelo viés patológico, e não no sentido socioantropológico que estabelece uma temática da diferença e não da falta dela (SANTOS; LIMA, 2016, p. 3). Literatura surda2 As pessoas com surdez não deveriam limitar-se às literaturas ouvintistas, o que poderia torná-las socialmente incapacitadas ao acesso à cultura. A literatura surda no Brasil ainda se encontra em criação e caminha a passos lentos, o que a torna uma definição em construção. Apesar disso, é importante destacar que a literatura surda não se dá apenas por meio do silêncio, mas por uma literatura não auditiva. A literatura é uma parte importante e valiosa de qualquer cultura e, para os surdos, não é diferente. Essa parte da cultura ajuda a explicar a identidade, as crenças e os modos de vida das pessoas com surdez, sendo apreciada e compartilhada não somente por essa comunidade. Não é possível articular os conceitos da literatura surda sem ao menos passar por suas exterioridades culturais e pela própria prática da linguagem não verbal, ou seja, sem o conhecimento mínimo da língua de sinais. Em relação ao conceito de literatura surda, vale apenas trazer a importância de que esta literatura se constitui na perspectiva de quem vive na comunidade surda e é usuário da língua de sinais como sua L1 (SANTOS; LIMA, 2016, p. 3). Cada comunidade de surdos se caracteriza por uma difusa biografia em meio a batalhas e conquistas. Por isso, também é importante o conhecimento histórico dos surdos para realizar uma análise mais profunda sobre o assunto. A ancestral história dos surdos até a contemporaneidade é fascinante e, ao mesmo tempo, desumana e cruel, pois, unifica estudos sobre deficiências e a afirmação da diferença física, caracterizando os surdos como pessoas impossibilitadas. Essa história e essa cultura não podem ser confundidas simplesmente com o que realmente é a literatura surda. Não se pretende, com isto, ignorar que esses fatos fazem parte desta literatura, mas sim deixar claro que a história e a cultura apresentadas em escrita de língua de sinais ou pela própria Libras não são o único repertório da literatura surda — precisa-se muito mais do que isso. É necessário que poemas, poesias, textos, ciência, etc. também estejam presentes na literatura de forma viável, em meios utilizados pelos surdos. As características da literatura surda A língua brasileira de sinais (Libras) não é uma linguagem escrita, cuja co- municação altera a legitimidade de uma interação cordial quando aplicamos uma entonação, mas leva a uma literatura com ocorrência incomum, afi nal, não conta com uma forma escrita alfabética que possa produzir uma literatura manuscrita ou oral. 3Literatura surda Suas narrativas são preservadas e sobrevindas de geração a geração pelo ato de arrolar histórias, piadas, trocadilhos, humor, canção, poesia, contos, entre outros por meio das mãos, do corpo e da face, em vez de oralizadas ou escritas — como acontece na literatura portuguesa —, refletindo sua experiência, tradição e seus valores. A língua, a história e a cultura surda estão entrelaçadas e não existem uma sem a outra para que sua literatura seja desenvolvida. A maioria dos países têm a literatura surda como uma língua natural de comunicação e educação das pessoas com surdez. No entanto, nem sempre foi assim, e, para isso, é necessário entender melhor a história e a cultura da língua de sinais para compreender como foi originalmente constituída uma literatura. A literatura do silêncio é a literatura visual, é um corpo de materiais literários que podem ser desde criativos até trabalhos técnicos ou científicos. Para Karnopp (2008, p. 14-15): [...] a literatura surda está relacionada com a cultura, contada na língua de sinais de determinada comunidade linguística, constituída pelas histórias produzidas em língua de sinais pelas pessoas surdas, pelas histórias de vida que são frequentemente relatadas. Com toda essa base, a literatura surda, por meio da língua de sinais, auxilia na compreensão, no aprimoramento e na construção de vocabulário nos mais variados contextos, que viabilizam uma ampliação de conhecimento da própria língua de sinais, propondo embasamento para auxiliar nos encaixes dos dife- rentes contextos e parâmetros e lembrando, sempre, das devidas expressões. A partir dos elementos supracitados, as características próprias de cada estrutura literária voltada às pessoas com surdez nos presenteiam com inú- meras possibilidades de recriação, permitindo, assim, que aprofundemos a compreensão da língua de sinais, investigando e expandindo o conhecimento por meio das literaturas surdas. Porém, os surdos, de certa forma, constituem um grupo acanhado de cultura linguística e precisam adaptar-se, em sua maioria, à literatura ouvintista. A literatura voltada aos surdos necessita de muito mais do que a simples oralização ou das palavras descritas no papel; ela carece de movimentos em classificadores, construção espacial, marcadores manuais e expressões faciais e corporais para que a significância se torne ainda mais viva e verdadeira. Sem esses elementos, não se produz uma literatura surda de qualidade e compreen- sível a esses usuários. Quando falamos em literatura surda ou por meio da língua de sinais, também entramos no campo da tradução, já que não trata apenas de obras nacionais: elas Literatura surda4 também podem ser traduzidas ou adaptadas, mas não necessariamente são literatura surda. O clássico filme “Mr. Holland – Adorável Professor” de 1995) é um bom exemplo, afinal, trata-se de um filme em que há um personagem surdo, mas isso não significa que o filme tenha sido feito especificamente para essa comunidade. Os surdos formam um grupo de fator particular, que necessita de uma combinação entre língua de sinais e cultura própria para atribuir aquilo que é visto, e não aquilo que é escrito. Sabe-se que não é impossível unir ambas as coisas, mas a construção literal descrita pelos próprios surdos é particular e para um público restrito nos interesses editoriais. No Brasil, por exemplo, o conto “Cinderela Surda”, escrito por Lodenir Becker Karnopp, Caroline Hessel e Fabiano Rosa, foi a primeira obra escrita em língua de sinais (no sistema SignWriting) voltada exclusivamente ao público surdo e, nesse fruto, estão inseridos elementos da identidade e cultura própria dessa comunidade. É difícil conhecer um escritor surdo que escreva voltado exclusivamente ao público de sua cultura. Alguns dos mais conhecidos no Brasil são, sem dúvida, além dos já citados acima, os instrutores do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Internacionalmente, a mais conhecida é Marlee Matlin, surda, atriz vencedora do Oscar de 1987 e que publicou três livros. Certamente, esses escritores estão classificados na categoria de “literatura surda”, um subgênero literário, já que o tema de que tratam não é apenas surdez, mas algo maior. Independentemente do autor surdo, é comum que a maioria escreva curiosi- dades e experiências do mundo do silêncio, não porque sua cognição descritiva seja restrita, mas pela necessidade de expor sua cultura, de lutar em favor dos seus direitos e de fazer com que suas mãos sejam ouvidas. Todas as obras literárias oralizadas e utilizadas por uma comunidade de forma verbalizada ou escrita são originadas e destinadas às pessoas ouvintes, o que exclui o aproveitamento da literatura surda, afinal, essas obras não são propostas para a comunidade que vive no silêncio. Como nenhum método amplamente aceito foi desenvolvido para o registro da língua de sinais por escrito,ele prossegue como uma linguagem puramente “visual-espacial”. Após a chegada da tecnologia e do mundo cibernético, as línguas de sinais puderam ser gravadas, preservadas e distribuídas, porém, em pequenas e amadoras demandas. Hoje, no mundo virtual, por meios dos sites de acesso a vídeos, é possível encontrar inúmeros trabalhos que podemos classificar como literatura surda. Mas quais trabalhos seriam esses? É possível encontrar documentários, histórias, músicas, principalmente, poemas e outras obras em línguas de sinais para todo tipo de gosto, idade e 5Literatura surda sexo. Mas você por acaso já ouviu falar em algum filme de longa-metragem com tradução em Libras? Muitos dizem: “mas os filmes têm o closed caption”! Sim, mas, embora o tenham, isso não configura um filme como dirigido à comunidade surda especificamente, já que a legenda não transpõe o mínimo realismo sonoro aos surdos. A Universidade Gallaudet, nos Estados Unidos, desenvolve, todos os anos, produções extraordinárias, belíssimas e destinadas exclusivamente à população que tem tem a língua de sinais como sua L1 — nesse caso, sim, obras literárias surdas. No Brasil, o INES, fundado e situado no Rio de janeiro, propõe ideias com essa mesma conveniência. A Universidade Gallaudet, fundada em 1864, nos Estados Unidos, é a única universi- dade do mundo especializada e desenvolvida para atender pessoas surdas desde o seu nascimento até a entrada na universidade, sendo uma verdadeira referência em educação de surdos. A chegada e a prevalência da tecnologia de vídeo digital permitiram que mais pessoas e instituições gravassem suas próprias produções em língua de sinais, com mais facilidade e com compartilhamentos jamais previstos. Plataformas como YouTube, Facebook, Instagram, WhatsApp contribuíram para uma maior exposição das criações literárias originais. Como a Libras não é universal e cada país possui sua própria língua de sinais, as influências históricas, culturais locais e regionais ultrapassam fron- teiras por esses meios virtuais e precisaram desenvolver a sua própria literatura — para o que se levou um bom tempo. Atualmente, existem, em média, 130 línguas de sinais, como a Língua Gestual Portuguesa (LGP), a Língua de Sinais Catalã (LSC), a Língua Ame- ricana de Sinais (ASL), a Língua de Sinais Sul-africana (SASL), a Língua de Sinais Japonesa (JSL) e a Língua de Sinais Francês (LSF), da qual se originou a Língua de Sinais Brasileira (Libras), entre outras. Com a evolução das línguas de sinais, criou-se um sistema de escrita de sinais voltado às pessoas com surdez, o chamado SignWriting, que potencializa a literatura surda, afinal, permite que os textos sejam transmitidos manual- mente. Porém, no Brasil, esse sistema ainda está em fase de desenvolvimento e há poucos profissionais que estudam a sua aplicação na literatura. Literatura surda6 Uma grande confusão acontece quando se ouve falar em “escrita de sinais”. Muitos entendem que essa escrita é o alfabeto manual desenhado no papel ou descrições dos próprios sinais de como ficaria a mão ao realizar uma palavra, mas não é assim que funciona. O SignWriting é um sistema de escrita de sinais que expressa os cinco parâmetros da língua de sinais por meio das configurações de mãos, pontos de articulação, orientação, movimento e expressões faciocorporais. A partir desse sistema, pode-se escrever qualquer palavra em qualquer língua de sinais do mundo. No Brasil, a escrita de sinais ainda está em fase de desenvolvimento, mas veja algumas palavras, o alfabeto e os números escritos em SignWriting. Alfabeto em SignWriting: Números em SignWriting: Palavras em SignWriting: A literatura surda, geralmente, apresenta usos criativos de sinais, expressões faciais e corporais, classificadores, empréstimos semânticos, entre outros elementos para facilitar o entendimento e propor uma comunicação eficaz. Um tipo mais comum de literatura surda no Brasil são as historinhas infantis por meio de narrativas desenvolvidas por diversas pessoas e instituições voltadas 7Literatura surda à educação. Esse tipo de trabalho é caracterizado pelo uso de uma série de classificadores que asseguram a realidade idealizada pelas mãos. Diferenças entre literatura surda e literatura tradicional Temos o costume de comparar a língua de sinais com a língua portuguesa, e isso é um grande erro. Da mesma forma, a literatura surda ou a literatura por meio da língua de sinais não se convenciona com a língua portuguesa, mesmo que os próprios surdos precisem adaptar-se à literatura dos ouvintes por carência de materiais literários específi cos. As línguas de sinais, por sua vez, tampouco têm a mesma estrutura linguística que as línguas orais. Podemos diferenciar inicialmente que uma se fala “com as mãos” e a outra “com a boca”, e essa diferença se faz no modo de apresentar uma literatura. Outro erro comum ao ver uma pessoa sinalizando é pensar que para cada palavra feita em uma frase em português será destinada um sinal. A seguir, vamos entender a diferença entre a literatura tradicional e a literatura surda. Literatura tradicional Historicamente, o que é chamado de literatura tradicional é a literatura oral que se desenvolve antes de qualquer literatura escrita. Podem ser considerados precisamente como textos pertencentes aos gêneros orais tradicionais contos, poesias, poemas, provérbios, textos, canções, rimas, entre outros. Assim, a literatura oral torna-se escrita ou pelo menos é transcrita, o que pode parecer contraditório. Na verdade, os textos em folha de papel de um livro perdem algumas de suas características naturais ou improvisadas. A literatura fornece várias definições da tradição oral de acordo com as mais variáveis opiniões e a origem do autor (história, sociologia, linguística, antropologia, filosofia, etc.). No geral, essas definições destacam a transmissão oral da memória coletiva e específica das sociedades tradicionais em oposição à transmissão escrita e específica para o mundo moderno. Dentre as transmissões orais voltadas a literatura, encontramos: a tradição oral, transmitida verbalmente por um povo sobre o seu pas- sado, em histórias passadas de geração em geração; a literatura oral, a partir de histórias transmitidas anonimamente. Literatura surda8 Diante do descrito, isso significa que qualquer sociedade tradicional é oral e que qualquer sociedade moderna é escrita? Não, a oralidade e a escrita não são sistematicamente opostas, as duas formas coexistem em todas as sociedades. A oralidade não é uma literatura secundária, mas é importante distinguir a literatura “verbalizada” da “oralizada”. Do mesmo jeito, a oralidade não é uma cultura padrão. Não é por falta de escrita que existe a literatura oral, mas porque essa corresponde às mais diversas necessidades e a preferências de busca por conhecimento. Vamos entender melhor quais seriam as literaturas tradicionais? Para isso, é importante que você entenda suas classificações. As literaturas tradicionais são classificadas por gênero, subgêneros, mídias, técnicas, entre outros. Em relação aos gêneros e subgêneros, encontramos, por exemplo: Épico-narrativo, na forma de contos, novelas, romances, fábulas, crônicas, etc. Fábulas, como “Chapeuzinho vermelho”. Lírico, em cantigas, versos, prosas e poesias. Dramático, em peças de teatro e filmes dos mais variados subtipos (comédia, pantomima, marionete, terror, etc.). Muitos confundem expressões corporais e faciais, sinais, gestos e pantomima, entendendo que tudo isso faz parte da língua de sinais. No entanto, a pantomima é um teatro gestual que utiliza o mínimo possível de palavras oralizadas e faz um maior uso de gestos, que não têm como base os sinais das línguas de sinais, como a Libras. Esse artifício de narrar com o corpo em modalidade cênica é excelente para come- diantes, cômicos, atores, etc. É uma representação praticamente universal, entendida facilmente por todos.Temos ótimos exemplos de “pantomima” representados por dois atores britânicos: Charlie Chaplin e Mr. Bean. A pantomima não está ligada às língua de sinais, costuma ser exagerada e chama muito a atenção de quem vê, mas pode ser um bom suporte para ajudar o ouvinte e até mesmo o surdo a se desprender da timidez e começar a fazer expressões de forma mais natural, uma vez que as expressões faciais e corporais são recursos mais difíceis na comunicação da língua de sinais. 9Literatura surda Em relação às mídias da literatura tradicional, temos livros (escrita), rotei- ros, meio oral, digital, etc. As mídias digitais também estão cada vez mais na vida das pessoas com surdez e, por meio delas, não apenas se interage, mas se pode procurar o que há de melhor na literatura. Na literatura tradicional brasileira, destacam-se vários grandes nomes, como, por exemplo: Aluísio de Azevedo (“O Cortiço”); Carlos Drummond de Andrade (“Contos de aprendiz”); Castro Alves (“O navio negreiro”); Cecília Meireles (“O menino azul”); José de Alencar (“O Guarani”); Machado de Assis (“Dom Casmurro”); Mario de Andrade (“Macunaíma”); Mario Quintana (“Eu passarinho”); Monteiro Lobato (“Sítio do Pica-pau Amarelo”). Literatura surda Atualmente, ainda não contamos com variados livros próprios à literatura surda no Brasil, mas podemos encontrar versões adaptadas ou transcritas por meio digital (em vídeo) pelos mais variantes meios eletrônicos, como o YouTube e em blogs, nos quais é possível buscar, como em qualquer lite- ratura, materiais de ótima qualidade, mas, infelizmente, também materiais que degradam a imagem cultural surda ou que não oferecem o mínimo de culturalidade pessoal. Apesar da escassez de obras escritas em língua de sinais disponíveis no Brasil para as pessoas com cultura e necessidade de uma literatura surda, podemos mencionar os seguintes autores e obras: Carolina Hessel, Fabiana Rosa e Lodenir Karnopp: autores que se dedicam exclusivamente à escrita ou à transcrição literal por meio da escrita da língua de sinais e escreveram os primeiros livros de literatura infantil em SignWriting no Brasil, “Rapunzel Surda” e “Cinderela Surda” (Figura 1). Literatura surda10 Figura 1. Exemplos de literatura infantil surda. Fonte: Adaptada de Escrita de sinais (2010). Sérgio Ribeiro: autor de “Textos em Libras” (Figura 2), em que reúne alguns textos de sua autoria na categoria didáticos, infantil, infanto- -juvenil e juvenil escritos em SignWriting. Figura 2. “Textos em Libras”, de Sérgio Ribeiro. Fonte: Adaptada de Ribeiro (2016). 11Literatura surda No YouTube, os surdos são “ouvidos” e têm a oportunidade de ouvir por meio das mãos. Por outro lado, para eles, o vídeo é uma forma de expressão em um mundo sem ruído, afinal, eles utilizam a tecnologia de reconhecimento de voz para criar legendas automaticamente e, mesmo assim, muitas vezes, é inútil, porque gostariam de ler em uma literatura surda. Acesse o link a seguir e assista a um vídeo sobre literatura surda no YouTube. https://goo.gl/rRGHjf ESCRITA DE SINAIS. Cinderela Surda e Rapunzel Surda. 30 ago. 2010. Disponível em: . Acesso em: 12 jan. 2019. KARNOPP, L. B. Literatura Surda. Florianópolis: UFSC, 2008. Disponível em: . Acesso em: 12 jan. 2019. RIBEIRO, S. S. Textos em Libras. 2016. Disponível em: . Acesso Em: 12 jan. 2019. SANTOS, A. B.; LIMA, S. A. A. Literatura Surda: algumas considerações. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 10., 2016, Aracaju. Anais... Aracaju: UNIT, 2016. Disponível em: . Acesso em: 12 jan. 2019. Leituras recomendadas KARNOPP, L. B.; HESSEL, C.; ROSA, F. Cinderela Surda. Canoas: Ed. Ulbra, 2003. KARNOPP, L. B.; HESSEL, C.; ROSA, F. Rapunzel surda. Canoas: Ed. Ulbra, 2005. PINTO, D. N. Língua Brasileira de Sinais. Aracaju: UNIT, 2012. Literatura surda12 Conteúdo: Dica do Professor A literatura surda deveria ser envolvida desde criança, desde o ensino infantil, com todas as práticas de leitura pela literatura própria, pela Libras, pela língua de sinais (SignWriting). A língua portuguesa não traz para o surdo um desenvolvimento conforme deveria. Nesta Dica do Professor, entenda melhor sobre essa ideia de prática e diferenças e tire suas dúvidas existentes sobre o assunto. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/82db7c6a9ea93d4ec454e469f562e09a Exercícios 1) Ao longo dos séculos, os surdos foram formando uma cultura própria centrada principalmente em sua forma de comunicação. Hoje, principalmente no Brasil, encontram-se poucos materiais que envolvem a literatura surda, afinal, os surdos têm uma cultura própria e uma forma de leitura e comunicação específica que a caracteriza, sendo uma língua de modalidade espaço-visual, isso porque: A) A comunicação ocorre unicamente por meio do tato e da escrita. B) A comunicação ocorre unicamente por meio do alfabeto e números da Libras. C) A comunicação ocorre por meio da visão e dos sinais explorados no espaço. D) A comunicação ocorre por meio da audição e de sinais explorados pelo corpo. E) A comunicação ocorre principalmente por meio do português na modalidade gestual. 2) Para os ouvintes, o tom e o volume da voz tornam-se um diferencial e um fator determinante ao expressar sentimentos ou expansão de raiva ou alegria. Já para os surdos, essa possibilidade não se tornaria enérgica, mas se a gradação da voz for bem substituída por um recurso da Libras, terá a mesma significação e eficácia. Qual recurso da Libras substitui o tom da voz humana no momento de se comunicar por meio de uma literatura visual? A) Livros literários em braille.• B) Obras literárias em SignWriting. C) Bilhetes literários em português. D) Manuais em expressão faciocorporal. E) Artigos oralizados por meio do YouTube. Para os ouvintes, o tom e o volume da voz tornam-se um diferencial e um fator determinante ao expressar sentimentos ou expansão de raiva ou alegria. Já para os surdos, 3) essa possibilidade não se tornaria enérgica, mas se a gradação da voz for bem substituída por um recurso da Libras, terá a mesma significação e eficácia. Qual recurso da Libras substitui o tom da voz humana no momento de aquisição de cultura por meio de uma literatura surda ocasionada pela mídia YouTube? A) Vibração. B) Oralização. C) SignWriting. D) Escrita em Libras. E) Expressões faciocorporais. 4) A maioria das pessoas com surdez não tem acesso a uma literatura específica, o que faz com que tenham pouco interesse pela leitura. Isso ocorre fundamentalmente porque: A) a literatura surda ainda é restrita em termos de produção e publicação. B) a literatura surda ainda é restrita a pessoas com alto poder aquisitivo. C) os materiais disponíveis são apenas de agrado da população surda adulta. D) os materiais disponíveis como literatura surda não chegaram às bancas do Brasil. E) os materiais disponíveis são exclusivos a associações de grandes centros de apoio a pessoas com surdez. 5) A inclusão da criança surda na escola visa a favorecer oportunidades para que ela possa desenvolver todos os aspectos cognitivos, adquirindo meios culturais e entrosamento na sociedade, construindo sua própria subjetividade. O desenvolvimento da criança surda depende de vários fatores que, somados e bem direcionados, proporcionam ao surdo pleno desenvolvimento como cidadão. Qual das ações abaixo condiz com oportunidade para o desenvolvimento literário do surdo? A) Conhecimentoe uso da Libras. B) Negação da cultura e identidade surda. C) Distanciamento e isolamento social do sujeito. D) Comunicação em língua oral com a criança surda. E) Conhecimento e desenvolvimento em SignWriting e braille.• Na prática A discussão social está intrinsecamente relacionada com as questões do uso da Libras e do desenvolvimento da cultura surda. Precisa-se compreender, do ponto de vista da inclusão, que a surdez possui características próprias na escrita, que necessita de materiais diferenciados, como a utilização de SignWriting. A inclusão dessa literatura visual é essencialmente um debate cultural, embora esteja sendo elaborado principalmente no âmbito da educação. Veja, na prática, como acontece a escrita da língua de sinais por meio do SignWriting. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Saiba mais Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Libras Pernambuco: Literatura Surda Este vídeo serve para entender melhor a literatura surda, só que, agora, por meio da própria literatura surda, em Libras. Os autores falam resumidamente sobre vários aspectos. É possível acompanhar a explicação mesmo não sabendo Libras. O material é dos professores Cristiano Monteiro e Rafaela, da Universidade Federal de Pernambuco (UFP). Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Cinderela Este vídeo traz a literatura surda por meio de uma mídia do gênero épico-narrativo. Trata-se de uma fábula interpretada por Reginaldo Silva que conta, por meio da Libras, o exemplo apresentado no capítulo: a história da "Cinderela surda". Com esta literatura surda, você terá a oportunidade de reviver a historinha infantil mundialmente conhecida, acompanhando por meio dos sinais. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Literatura Surda Este artigo complementará seus estudos e seus conhecimentos. O site conta também com um amplo catálogo de títulos e links, caso queira compreender melhor e mergulhar ainda mais na literatura surda. Os artigos são dos professores Lodenir Karnopp e Carolina Hesselda, da UFP. https://www.youtube.com/embed/Zt2Nuym7z4I https://youtu.be/QP9AGMPQCOk Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Metodologia da Literatura Surda No artigo a seguir, você terá a chance de complementar seus conhecimentos adquiridos sobre literatura surda e ver obras existentes que proporcionam aos surdos uma cultura em sua própria escrita. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. http://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoEspecifica/literaturaVisual/assets/369/Literatura_Surda_Texto-Base.pdf https://central3.to.gov.br/arquivo/299633/