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Texto 06 
 
TEMA 1 – PATOLOGIAS DO VAZIO 
TEMA 2 – NARCISISMO E MELANCOLIA 
TEMA 3 – MELANCOLIA NO CIBERESPAÇO 
TEMA 4 – PSICANÁLISE NO CIBERESPAÇO: ATENDIMENTO ON-LINE 
TEMA 5 – PSICANÁLISE NO CIBERESPAÇO: PRIVACIDADE E CONFIDENCIALIDADE 
 
Conversa inicial 
Psicanálise e ciberespaço 
Como você pôde perceber ao longo de nossos estudos, as relações entre 
narcisismo e cultura midiática compõem um tema bastante amplo, o qual buscamos 
abordar de variadas formas, mas, infelizmente, muitos temas não puderam ser 
discutidos. 
Nesta abordagem, trabalharemos questões relacionadas aos seguintes temas: 
patologias do vazio; narcisismo e melancolia; melancolia no ciberespaço; e 
psicanálise no ciberespaço sob duas vertentes: atendimento on-line e privacidade e 
confidencialidade. 
São temas diversos, mas acreditamos que eles se relacionam, de alguma forma, 
com o mundo digital. Temos certeza de que todo o conteúdo trabalhado até aqui 
forma uma boa base para que você possa aprofundar seus estudos e pesquisas de 
forma autônoma. Há muito a ser discutido. 
TEMA 1 – PATOLOGIAS DO 
VAZIO 
A discussão sobre esse tema é extremamente importante e é cada vez mais 
presente em nossa clínica. Podemos, sem dúvida, afirmar que as patologias são um 
desafio significativo para a prática clínica da psicanálise contemporânea. 
Apresentar aqui algumas questões para que você tenha uma base para estudos 
futuros. 
1.1 O que são as patologias do vazio? 
As patologias do vazio se referem a um conjunto de condições psicológicas e 
existenciais que emergem em resposta a um sentimento profundo de falta de 
sentido, direção ou substância na vida. São caracterizadas por uma sensação de 
vazio interior que afeta profundamente o funcionamento psíquico do indivíduo. 
Giovanetti (2002) descreve o vazio existencial como um sintoma central dos 
problemas existenciais do homem contemporâneo, manifestando-se na 
impossibilidade de sentir a vida e na dessubstancialização dos valores, ou seja, no 
esvaziamento dos significados das coisas. Ele ressalta que a desordem mental 
obedece à lei do tempo e, como vivemos em uma época marcada por uma cultura 
que valoriza o superficial e efêmero, as patologias do vazio refletem uma crise de 
significado e pertencimento. 
Dalgalarrondo (2019) apresenta essas patologias como parte de um conjunto de 
experiências emocionais em que o indivíduo sente um "sentimento de falta de 
sentimento" ou "sentimento de vazio afetivo", que pode ser extremamente 
angustiante e percebido como uma espécie de tortura interna. De acordo com o ele, 
esse estado emocional está frequentemente presente em quadros depressivos 
graves, nos quais a pessoa se sente como se estivesse "intimamente morta". 
Por sua vez, Barlow, Durand e Hofmann (2021) discutem essas patologias no 
contexto da dificuldade contemporânea de encontrar um sentido de vida, um 
problema que se manifesta de maneira difusa e indefinida, como um sentimento de 
vazio interior e de absurdidade da vida. 
Por meio de uma abordagem winnicottiana vamos entender que as patologias 
do vazio estão relacionadas a pacientes que tiveram falhas precoces (fase da 
dependência absoluta) no vínculo primitivo com seu cuidador principal, resultando 
em um estado de não integração que pode levar, na vida adulta, a um sentimento 
persistente de vazio e desconexão (Dias, 2017). 
Talvez você tenha ficado um pouco confuso: As patologias do vazio seriam 
decorrentes do mundo pós-moderno em que vivemos, ou seriam oriundas de falhas 
em conexões essenciais durante a formação do self? 
Devemos ter uma concepção holística sobre esse tema, mas não podemos 
deixar de perceber que todos concordam que o vazio não é apenas uma ausência de 
conteúdo emocional ou existencial, mas uma condição ativa que resulta em 
sofrimento psicológico significativo e se manifesta de maneiras diversas, 
dependendo do contexto individual e sociocultural. 
Outro fator que não podemos desconsiderar é o dano que as redes sociais 
podem causar àqueles que sofrem com essas patologias, uma vez que, em vez de 
proporcionarem conexão e preenchimento, muitas vezes ampliam a sensação de 
vazio ao promover interações superficiais, reforçar o falso self e incentivar a busca 
incessante por validação externa. Para esses indivíduos, o uso excessivo das redes 
sociais pode agravar a condição, tornando mais difícil encontrar sentido e conexão 
genuína na vida. 
1.2 Transtorno de personalidade borderline 
O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é uma condição psiquiátrica 
marcante na clínica contemporânea e que é frequentemente associada às 
chamadas "patologias do vazio". Esse transtorno está presente em uma parcela 
significativa da população, especialmente entre jovens adultos, e é caracterizada por 
uma profunda sensação de vazio interior que permeia a vida dos indivíduos 
afetados. Em muitos aspectos, reflete as dificuldades presentes em nossa 
sociedade com relação à falta de sentido e à fragilidade dos vínculos emocionais. 
Barlow, Durand e Hofmann (2021) afirmam que as pessoas com TPB 
frequentemente experienciam emoções intensas, variando rapidamente entre ódio, 
depressão e ansiedade. Esses indivíduos tendem a ter um senso crônico de vazio e 
uma incapacidade de manter relacionamentos estáveis. Ainda segundo os autores, 
esse transtorno também está frequentemente associado a comportamentos 
autodestrutivos, como automutilação e tentativas de suicídio. 
Dalgalarrondo (2019) também lista como características clínica do TPB os 
comportamentos autodestrutivos, relacionamentos interpessoais instáveis e 
intensos, autoimagem instável, impulsividade e instabilidade emocional, ressaltando 
ainda que o TPB é um dos transtornos mais frequentes em ambientes clínicos, com 
uma prevalência que varia entre 1% e 5% na população geral, sendo mais comum 
entre mulheres jovens e em populações urbanas e pobres. Ele também enfatiza que 
fatores causais incluem traumas emocionais importantes na infância, negligência, 
abuso físico e/ou sexual e problemas de ligação emocional com figuras parentais . 
Todos esses autores são unânimes em dizer que a cibercultura não apenas 
fornece um cenário que pode intensificar os sintomas do TPB, refletindo e 
perpetuando as dificuldades de identidade, relacionamentos e regulação emocional 
que caracterizam esse transtorno. 
1.3 Transtorno de Personalidade Narcisista 
(TPN) 
Apesar de já termos tratado mais detidamente acerca do narcisismo patológico, 
achamos por bem revisá-lo aqui, pois assim não se perderia da temática das 
patologias do vazio. 
O Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN) é caracterizado por um padrão 
dominante de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia, que 
surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos. As pessoas com 
esse transtorno possuem uma visão inflada de sua própria importância, 
frequentemente exagerando suas conquistas e talentos esperando ser reconhecidas 
como superiores sem que tenham realizado algo correspondente. Além disso, 
tendem a ser preocupadas com fantasias de sucesso ilimitado, poder, beleza ou 
amor ideal, acreditando serem "especiais" e únicas, demandando admiração 
excessiva. Outro aspecto marcante é a exploração das relações interpessoais, com 
as quais tiram vantagem dos outros para atingir seus próprios fins, além de 
apresentarem atitudes arrogantes (Barlow; Durand; Hofmann, 2021) 
Dalgalarrondo (2019), por sua vez, relaciona o TPN com aspectos culturais 
contemporâneos, em que o narcisismo é exacerbado pela cultura midiática, tendo 
em vista a valorização do individualismo, a competição e o sucesso pessoal. O 
contexto sociocultural facilita e intensifica as manifestações do transtorno à medida 
que as pessoas são continuamente incentivadas a se enxergar como únicas e 
especiais. 
Não podemos nos esquecer que o fundamental no narcisismo é o grau e a 
intensidade com que o amor éinvestido em si mesmo ou em outras pessoas. O 
indivíduo totalmente narcísico não se relaciona de fato com o mundo e, com isso, se 
empobrece. Por sua vez, o sujeito sem qualquer amor narcísico se sente vazio, sem 
valor, sem qualidades mínimas que o façam ser amado e digno de viver no mundo. 
Podemos perceber, portanto, que os extremos trazem preocupações que podem 
ser potencializadas ao considerarmos o meio digital. 
1.4 Falso self 
Winnicott descreve o falso self como uma construção defensiva que o indivíduo 
cria para se adaptar às expectativas externas em detrimento da expressão do seu 
verdadeiro self. 
O falso self, de acordo com Dias (2017), pode surgir quando as necessidades 
emocionais fundamentais de uma criança, na fase da dependência absoluta, não 
são atendidas de maneira adequada, especialmente na relação com seu cuidador 
principal. Nesse contexto, a criança desenvolveria um comportamento que agradaria 
os outros ou que a protegeria contra rejeições/feridas emocionas, mas que não 
refletiria suas verdadeiras emoções ou desejos. 
As patologias do vazio estão profundamente relacionadas ao conceito de falso 
self, pois o vazio existencial pode ser visto como uma consequência da dissociação 
entre o falso self e o verdadeiro self. Quando temos a dominação do primeiro, o 
indivíduo perde o contato com suas emoções genuínas e seus sentimentos 
autênticos, sendo levado a uma sensação de vazio interno. A vida, sob a máscara do 
falso self, torna-se desprovida de significado real, uma vez que as ações e 
relacionamentos são baseados em uma versão superficial de si mesmo, não no 
verdadeiro eu (Dias, 2017). 
TEMA 2 – NARCISISMO E 
MELANCOLIA 
Anteriormente, quando abordamos o narcisismo, vimos que o conceito trazido 
por Freud se refere, inicialmente, ao investimento libidinal que o indivíduo faz em si 
mesmo para, depois, voltar-se aos objetos externos. É um conceito que está 
diretamente relacionado com a formação do Eu, da autoestima e da capacidade de 
lidar com o outro de forma saudável. 
Pode parecer, portanto, esquisito trabalhar conjuntamente o conceito de 
narcisismo com o da melancolia, mas garantimos que não é. 
Contudo, faremos aqui uma distinção entre luto e melancolia, tendo por base o 
texto escrito por Freud em 1917, no qual ele analisa estas duas condições 
relacionadas à perda. 
Na melancolia, a perda experimentada pelo indivíduo é, muitas vezes, 
inconsciente e simbólica, ou seja, diferentemente do luto (cujo objeto perdido é 
claramente identificado), teremos uma perda que pode estar associada a algo que 
não é imediatamente reconhecido pelo indivíduo. Sendo assim, essa perda será 
internalizada e o Eu irá se identificar com o objeto perdido gerando uma profunda 
confusão interna e sofrimento. 
Freud (1917/2021) explica que, no luto, há um processo natural de retirada da 
libido do objeto perdido, permitindo que a energia emocional seja reinvestida em 
novos interesses ou objetos. Na melancolia, no entanto, esse processo é 
interrompido ou falha completamente. Dessa forma, a libido permanece fixada no 
objeto perdido, impedindo o indivíduo de seguir em frente. Essa fixação se 
manifesta como um profundo apego a este objeto perdido, ainda que de maneira 
inconsciente, o que resulta em uma incapacidade de se libertar da dor associada à 
perda. 
O sofrimento na melancolia não é apenas contínuo, podendo, porém, se agravar 
com o tempo, levando a uma diminuição da autoestima e uma autopercepção 
profundamente negativa. O melancólico se vê como indigno, culpado e sem valor, o 
que alimenta um ciclo vicioso de dor e autossabotagem. Essa deterioração contínua 
pode levar a complicações severas, como a depressão crônica e, em casos 
extremos, até ao suicídio. 
Por sua vez, no luto, como a perda é de um objeto identificado e reconhecido, o 
indivíduo aceita que algo/alguém foi perdido, tornando mais fácil o investimento 
libidinal em outros objetos. Freud (1917/2021) descreve esse processo como 
necessário e saudável para que o sujeito possa redirecionar essa energia de maneira 
progressiva, permitindo que a pessoa lamente a perda e, eventualmente, supere o 
apego emocional ao objeto. 
Freud (1917/2021) ressalta que o luto é uma resposta normal e saudável à 
perda, pois, além de consciente e transitória, não há a presença de uma 
autorrecriminação intensa ou sentimentos de indignidade comuns na melancolia. 
É nesse ponto que podemos fazer uma ligação entre narcisismo e melancolia. 
Sabemos que, com o desenvolvimento, a libido é transferida para objetos externos e 
que, no narcisismo, o termo “objeto” se refere a qualquer coisa ou pessoa em que o 
indivíduo investe sua libido e que é importante para sua autoestima e autoimagem. 
Vimos ainda que na melancolia haverá a perda (inconsciente) de um objeto que será 
internalizado, pois o Eu é incapaz de suportar a falta, gerando uma reabsorção do 
investimento libidinal. 
Freud (1917/2021) irá nos dizer que essa identificação narcisista significa que o 
Eu começa a tratar a si mesmo como se fosse o objeto amado e perdido, levando a 
uma autoagressão e autocrítica intensas, já que qualquer ressentimento ou 
ambivalência em relação ao objeto é agora direcionado ao próprio Eu. 
Diante desse contexto, teremos um indivíduo que poderá desenvolver intensos 
sentimentos de inadequação e culpa oriundos de um conflito entre o Supereu e o Eu. 
Freud (1917/2021) descreve essa situação como uma "fúria do Supereu" contra o 
Ego, que resulta em uma série de manifestações melancólicas, como a intensa 
baixa autoestima, a autocrítica severa e o desejo de autopunição. 
TEMA 3 – MELANCOLIA NO 
CIBERESPAÇO 
Ao imaginarmos um sujeito melancólico, é muito comum visualizarmos uma 
pessoa triste, abatida, sem interesse no mundo externo, com baixa autoestima e 
sentimento de desesperança. Talvez por isso você se pergunte o porquê de 
trabalharmos o tema “melancolia no ciberespaço”, uma vez que, muito 
provavelmente, abordaremos como o meio digital pode impactar negativamente 
uma pessoa melancólica. 
Realmente, a melancolia pode ser significativamente agravada pelo uso 
excessivo e distorcido das redes sociais. Nesse contexto, a interação nas 
plataformas digitais não apenas amplifica as sensações de perda, vazio e 
desconexão, contribuindo também para a criação de um ciclo vicioso que reforça o 
sofrimento emocional. 
Para indivíduos com tendências melancólicas, a desconexão entre o "Eu" 
projetado e o "Eu" real pode agravar o sentimento de alienação e perda, devido ao 
abismo entre a aparência e a realidade, tornando mais difícil o processo de 
reconciliação interna. O ciclo de reforço positivo que as redes sociais proporcionam, 
ao validar a imagem idealizada, não é capaz de preencher o vazio existencial; muito 
pelo contrário: ao constatar que as relações virtuais não proporcionam o apoio 
emocional profundo de que necessitam, os melancólicos podem sentir-se ainda 
mais solitários e desamparados. 
Outra característica da melancolia é o profundo sentimento de 
insegurança/insuficiência e, caso o sujeito não receba as curtidas e comentários 
necessários, as redes sociais irão se tornar uma armadilha bastante perigosa. 
Todo esse quadro, contudo, já foi visto em nossos estudos. Para justificar 
tratarmos desse tópico novamente, devemos ter uma abordagem diferente. É o que 
vamos tentar fazer a seguir. 
A afirmação de que mania e melancolia podem estar relacionadas pode parecer 
estranho, se levarmos em consideração que uma pessoa em quadro maníaco irá 
apresentar características opostas de outra melancólica, ou seja, estará com humor 
elevado, expansivo, com alto nível de energia, autoestima inflada, pensamento 
acelerado etc. 
Contudo, essa compreensão existe sendo a mania tida como um estado 
psicótico da melancolia, estando enraizada na psicanálise e na psicopatologia 
clássica, as quais abordam a relação entre esses dois estados comocomplementares ou, ainda, como fases distintas de um processo psicodinâmico 
único. Na literatura psicanalítica, a mania é, muitas vezes, entendida como uma 
defesa contra a melancolia, sendo vista como uma reação ao sofrimento psíquico 
que tenta negar ou mascarar a dor interna profunda associada à perda do objeto. 
Vimos que Freud (1917/2021) afirma que a melancolia envolve uma 
identificação com o objeto perdido, em que a energia libidinal que estava investida 
no objeto retorna para o Eu. Esse processo leva a um conflito interno, no qual o 
Supereu severo e punitivo agride o Eu, resultando em sentimentos de culpa, 
inferioridade e, em casos extremos, tendências suicidas. A mania, nesse contexto, 
pode surgir como uma forma de negar essa depressão, por meio de uma 
hiperativação psíquica e comportamental que visa sobrepujar a melancolia. 
Em termos psicopatológicos, Dalgalarrondo (2019) descreve a mania como um 
estado que pode incluir delírios de grandeza, aceleração do pensamento e 
comportamentos impulsivos, que são formas de expressar uma negação da 
realidade melancólica subjacente. Dessa forma, o indivíduo pode entrar em um 
estado de euforia extrema, tentando compensar a dor melancólica com uma 
atividade incessante e grandiosa. Contudo, essa euforia é frágil e instável, 
frequentemente levando a um colapso psíquico quando não consegue sustentar a 
dissonância entre a realidade e a fantasia. 
E de que modo isso se relaciona com o ciberespaço? No meio digital, esse 
processo maníaco pode ser observado em comportamentos de postagem excessiva 
e busca constante por validação. As redes sociais proporcionam um ambiente onde 
a realidade pode ser constantemente distorcida e recriada, permitindo ao indivíduo 
em estado maníaco "fugir" da realidade depressiva. A mania, nesse caso, se 
manifesta por meio da criação de uma persona idealizada, frequentemente 
desconectada da realidade do indivíduo. 
Tendo isso em vista, Dalgalarrondo (2019) sugere que essa forma de mania 
pode ser interpretada como uma expressão digital da psicose maníaca-melancólica, 
em que a realidade é substituída por uma fantasia de onipotência e perfeição. 
Quando a realidade virtual não é mais suficiente para sustentar essa fantasia, o 
indivíduo pode entrar em colapso, retornando à melancolia ou evoluindo para um 
estado psicótico mais grave. 
Devemos, portanto, ser muito cuidadosos em nossa clínica e compreender que 
um transtorno de humor requer uma abordagem integrada que leve em conta tanto o 
contexto individual quanto a interrelação entre diferentes sintomas e fatores 
psicológicos. Nesse sentido, Dalgalarrondo (2019) nos alerta que é fundamental 
sabermos diferenciar os sintomas primários daqueles que podem ser secundários a 
outras condições médicas ou psicológicas para evitarmos diagnósticos errados e, 
consequentemente, tratamentos inadequados. 
TEMA 4 – PSICANÁLISE NO 
CIBERESPAÇO: ATENDIMENTO 
ON-LINE 
O desenvolvimento da tecnologia, a ampliação do acesso à internet e aos 
aparelhos que nos mantêm conectados e o contexto pandêmico foram 
determinantes para a viabilização e aumento dos atendimentos “psi” de forma 
on-line. Podemos constatar inúmeros benefícios com esse tipo de atendimento; por 
outro lado, há diversas questões que ainda precisam ser discutidas. 
Haverá a substituição do presencial pelo on-line? Acreditamos firmemente que 
não, mas também acreditamos que é uma realidade que não irá retroceder. É por 
isso que inserimos os tópicos “atendimento on-line” e “privacidade e 
confidencialidade”. Vamos refletir um pouco mais sobre esse tema. 
4.1 Evolução 
A evolução do atendimento on-line na psicanálise é um processo que reflete a 
adaptação da prática clínica às transformações tecnológicas e às necessidades 
sociais. Cumpre ressaltar, entretanto, que o uso de tecnologias na psicanálise não é 
um fenômeno recente, tendo em vista que, desde o uso do telefone fixo, 
psicanalistas têm explorado maneiras de utilizar ferramentas de comunicação para 
manter contato com seus pacientes 
Inicialmente, o atendimento à distância era restrito a casos específicos e 
excepcionais. Essas práticas, embora já em uso há décadas, representavam apenas 
uma pequena fração do trabalho clínico, e eram vistas com certa desconfiança por 
uma parcela significativa da comunidade psicanalítica. No entanto, com o contexto 
pandêmico, a necessidade urgente de distanciamento social impôs uma transição 
quase instantânea para o ambiente virtual. Consultórios foram rapidamente 
"abandonados", e os analistas se viram forçados a migrar para os celulares e 
computadores, transformando esses dispositivos em seus novos espaços de 
trabalho. Essa mudança brusca fez com que o atendimento on-line passasse de 
uma prática marginal para a única forma viável de continuidade das análises, tanto 
para os analistas quanto para os pacientes (Capoulade; Pereira, 2020). 
4.2 Vantagens 
O atendimento on-line apresenta diversas vantagens, e uma das mais 
significativas é a ampliação do acesso à psicanálise para um público mais amplo e 
diverso, pois são eliminadas barreiras geográficas e é permitido que pacientes e 
analistas se conectem de qualquer lugar, o que é fundamental para aqueles que 
vivem em regiões mais afastadas. 
Capoulade e Pereira (2020) afirmam que, para além do aspecto geográfico, a 
flexibilidade desse tipo de atendimento possibilita a realização das sessões sem a 
necessidade de deslocamento, gerando economia de tempo e recursos. Dessa 
forma, há uma abertura de oportunidades para que indivíduos de diferentes 
contextos socioeconômicos tenham acesso a tratamentos psicanalíticos, 
democratizando o acesso a cuidados de saúde mental especializados. Essa 
flexibilidade pode ser particularmente benéfica em situações emergenciais, como a 
pandemia de Covid-19, quando o atendimento presencial se torna inviável. 
Outro benefício que nem sempre é lembrado se refere ao anonimato e 
privacidade que o ambiente virtual oferece, uma vez que, para muitos, são fatores 
encorajadores para o início do tratamento, especialmente em culturas ou 
comunidades nas quais o estigma sobre saúde mental é forte. 
4.3 Limites e desafios 
A despeito dos benefícios, ainda existem inúmeros desafios que devem ser 
cuidadosamente avaliados. 
A falta de pistas não verbais talvez seja o desafio mais significativo. No setting 
presencial, o analista pode observar gestos, expressões faciais, postura corporal e 
outros sinais sutis que fornecem insights importantes sobre o estado emocional do 
paciente. No ambiente on-line, muitos desses sinais podem ser perdidos ou 
distorcidos pela qualidade da conexão de vídeo e pelas limitações do 
enquadramento da câmera. 
A falta de pistas não verbais pode impactar negativamente a capacidade do 
analista de captar nuances importantes, tornando mais difícil a interpretação 
precisa do estado mental e emocional do paciente. Isso pode limitar a profundidade 
do trabalho analítico e dificultar a construção de um vínculo terapêutico sólido 
(Capoulade; Pereira, 2020). 
Problemas técnicos, como falhas na conexão de internet, atrasos no áudio ou 
vídeo, e a falta de contato visual direto podem interromper o fluxo da sessão e afetar 
a continuidade do trabalho analítico. Essas interrupções podem criar uma sensação 
de desconexão entre o analista e o paciente, tornando mais difícil estabelecer e 
manter o rapport necessário para um tratamento eficaz (Capoulade; Pereira, 2020). 
Essas questões técnicas, aliadas à ausência da presença física do analista, 
podem prejudicar a eficácia da transferência, tendo em vista uma atenuação da 
intensidade emocional de forma a afetar o processo analítico. Ao levarmos em 
consideração o papel fundamental da transferência, essa questão se torna bastante 
crítica. 
Outro desafio importante é a garantia de confidencialidade e a segurança das 
informações trocadas durante as sessões. Tal temapossui uma relevância tão 
grande que trataremos posteriormente em um tópico específico. 
4.4 Diferenças e adaptações 
Apesar dos benefícios, nem todos conseguem se adaptar ao atendimento 
virtual, e nos referimos aqui tanto a analistas quanto analisandos. 
No ambiente virtual, a presença física é substituída por uma presença virtual, 
mediada por telas e dispositivos digitais. Embora a comunicação seja possível, a 
sensação de "estar junto" é profundamente alterada. Por sua vez, o conceito de 
espaço terapêutico é desafiado e redefinido. O "espaço" onde a sessão ocorre é 
agora o ambiente imediato de cada participante, que pode variar de uma sala de 
estar a um escritório, ou qualquer outro lugar com acesso à internet. Essa 
descentralização do espaço terapêutico pode enfraquecer a sensação de segurança 
e neutralidade, elementos essenciais para o desenvolvimento da transferência e 
para a manutenção do quadro psicanalítico. Além disso, a intrusão de elementos 
externos ao espaço virtual, como ruídos domésticos ou interrupções técnicas, pode 
afetar negativamente o ambiente analítico e a concentração necessária para o 
trabalho psíquico (Capoulade; Pereira, 2020). 
Para tentarmos suplantar os limites, desafios e diferenças, algumas adaptações 
devem ser feitas. 
Plataformas de videoconferência seguras e confiáveis, equipamentos que 
ofereçam boa qualidade de áudio e vídeo e, conexão de internet estável são 
indispensáveis para o bom andamento das sessões. A gestão das possíveis 
distrações para se evitar interrupções externas, ruídos ou presenças de outras 
pessoas também é fundamental para garantir um ambiente tranquilo para 
concentração no processo analítico. 
Apesar de ser mais difícil em um ambiente virtual, devemos assegurar a 
manutenção do contato visual para assegurarmos um nível de conexão e suporte do 
vínculo. Devemos, portanto, estar atentos ao posicionamento da câmera, de forma a 
estarmos alinhados o máximo possível com o olhar do paciente. 
Outra adaptação necessária é recriar o sentimento de presença que é 
naturalmente mais forte em sessões presenciais. No ambiente on-line, isso pode ser 
trabalhado por meio da linguagem corporal, entonação de voz e o uso cuidadoso do 
espaço na tela. Mesmo que a presença física esteja ausente, podemos adotar 
técnicas para maximizar a sensação de presença emocional e psicológica, os quais 
essenciais. 
Finalmente, devemos orientar o paciente da forma mais ampla possível, não 
apenas com relação ao processo analítico, mas também quanto ao uso da 
tecnologia, a importância de um ambiente privado e sem interrupções, além de 
como lidar com possíveis problemas técnicos. Estabelecer essas orientações desde 
o início ajuda a preparar o paciente para o que esperar e como participar 
plenamente das sessões. 
TEMA 5 – PSICANÁLISE NO 
CIBERESPAÇO: PRIVACIDADE 
E CONFIDENCIALIDADE 
No tópico anterior, não trabalhamos, propositalmente, questões referentes à 
privacidade e à confidencialidade, uma vez que são temas centrais e, portanto, 
requerem atenção redobrada. Antes de tratarmos dos aspectos práticos, vamos, 
primeiramente, esclarecer a diferença entre privacidade e confidencialidade. 
5.1 Privacidade e confidencialidade 
Embora frequentemente utilizados de forma intercambiável, os termos 
privacidade e confidencialidade possuem significados distintos no contexto da 
psicanálise. A privacidade refere-se ao controle que o paciente e o analista têm 
sobre o ambiente em que a sessão ocorre e sobre as condições que garantem que a 
comunicação entre eles não será ouvida ou interrompida por terceiros. Já a 
confidencialidade diz respeito ao compromisso ético e legal do analista de proteger 
as informações compartilhadas durante as sessões, garantindo que essas 
informações não sejam divulgadas a terceiros sem o consentimento explícito do 
paciente (Capoulade; Pereira, 2020). 
Dessa forma, no contexto do atendimento virtual, quando falamos em 
manutenção da privacidade, estamos assegurando que estejamos em um local 
seguro e livre de interrupções durante a sessão. Por sua vez, a confidencialidade diz 
respeito ao uso de plataformas seguras e ao manejo responsável dos dados do 
paciente de forma a se evitar vazamentos e acessos não autorizados. 
5.2 Desafios 
No atendimento on-line, há três grandes desafios: os intermediários 
tecnológicos, a segurança das plataformas e o ambiente físico. 
Por intermediários tecnológicos entende-se as empresas e serviços que 
fornecem as ferramentas necessárias para que as sessões ocorram, como 
aplicativos de videochamada, provedores de internet e serviços de armazenamento 
de dados (Capoulade; Pereira, 2020). 
A presença de desses intermediários cria uma camada adicional de risco, tendo 
em vista se tratar de terceiros que podem ter acesso às informações transmitidas 
durante as sessões. 
O segundo desafio (crítico, diga-se de passagem) é a segurança das 
plataformas. Devemos escolher ferramentas que ofereçam critptografia de ponta a 
ponta, que não permitam acesso de pessoas/robôs não autorizados e que tenham 
certificados de padrões internacionais de segurança da informação. Aliado a isso, 
devemos mantê-las sempre atualizadas. 
O ambiente físico também é fundamental na proteção da privacidade. Assim, 
tanto analista quanto analisando devem estar em locais que não possam ser 
ouvidos ou interrompidos. O uso de fones de ouvido e a manutenção de portas 
fechadas são formas de se garantir um mínimo de privacidade e confidencialidade. 
5.3 Medidas de segurança 
Vamos, finalmente, falar de algumas medidas de proteção que devem ser 
adotadas por aqueles que pretendem atender (ou que já atendam) de forma on-line, 
tendo em vista ser nossa obrigação garantir que o atendimento ocorra da forma 
mais segura possível. 
Algumas das medidas listadas aqui já foram mencionadas anteriormente, mas 
devido á importância do tema, vamos abordá-las novamente. 
Plataformas que oferecem criptografia tendo em vista a proteção oferecida, 
uma vez que a criptografia impede que terceiros possam interceptar e decodificar as 
comunicações protegendo. Dessa maneira, a confidencialidade das conversas. 
Utilização de senhas complexas e autenticação de dois fatores, tanto para 
acessar as plataformas quanto para os dispositivos utilizados. 
Devemos fornecer orientações claras ao paciente sobre como proteger sua 
privacidade durante as sessões on-line. Isso inclui a escolha de um ambiente 
privado para a realização das sessões, o uso de dispositivos seguros e a 
compreensão dos riscos associados ao uso de redes Wi-Fi públicas, questões 
essenciais por dois motivos: manutenção da segurança e conscientização do 
paciente de que ele também é responsável pelo sigilo das sessões. 
Tanto os analistas quanto os analisandos (estes, quando possível) devem 
utilizar dispositivos pessoais que estejam protegidos por antivírus e outras 
ferramentas de segurança. Além disso, é importante que tais dispositivos sejam 
usados exclusivamente para as sessões e que estejam atualizados com as últimas 
versões de software, o que ajuda a proteger contra vulnerabilidades conhecidas. 
Antes de iniciar o atendimento on-line, é aconselhável que estabeleçamos 
contratos e acordos claros com o analisando, de forma a especificar as medidas de 
segurança que serão adotadas e os procedimentos a serem seguidos em caso de 
falhas tecnológicas. É aconselhável também que esses contratos abordem a 
confidencialidade das sessões e o manejo de dados pessoais, proporcionando uma 
base jurídica sólida para o atendimento. 
O consentimento informado é uma prática ética, mas que nem todos utilizam. 
Antes do início do tratamento propriamente dito, o analisando deve manifestar seu 
consentimento de como as sessões serão conduzidas e dar ciência/concordância à 
modalidade on-line, mesmo com todos os riscos envolvidos. 
Armazenamento seguro das notas e registros das sessões utilizandosistemas 
que ofereçam criptografia e acesso restrito. É fundamental que apenas o analista 
tenha acesso a elas e que haja proteção contra perda de tais dados. 
Destruição de dados quando estes não forem mais necessários. É importante 
que sejam destruídos de forma segura para evitar que sejam recuperados por 
terceiros. Contudo, devemos ressaltar que tais dados devem ser mantidos por um 
período após o término da análise. Se formos adotar as regras da psicologia, esse 
período é de cinco anos. 
Em relação à comunicação assíncrona (troca de mensagens ou e-mails), 
quando for necessária, é essencial garantir que esses meios também sejam 
seguros. Utilizar serviços que ofereçam criptografia de ponta a ponta e evitar o uso 
de plataformas não seguras são medidas que ajudam a proteger a privacidade do 
paciente. 
A atualização contínua das práticas de segurança é essencial para responder às 
novas ameaças e vulnerabilidades que surgem com o tempo. Devemos nos manter 
informados sobre as melhores práticas de segurança digital e atualizar nossos 
sistemas e protocolos regularmente para garantir que a proteção oferecida aos 
nossos analisandos esteja sempre atualizada. 
NA PRÁTICA 
Veremos agora um recorte clínico que retrata bem a complexidade do 
atendimento on-line. Ressaltamos que todos os dados e nomes foram alterados 
para que a privacidade e confidencialidade sejam preservados. 
Lucas estava atendendo de forma on-line Helena, e ela estava se demonstrando 
mais “aérea”. Durante a sessão, uma menina vem ao encontro de Helena e mostra 
algo a ela perguntando se estava certo. 
A menina era sua filha, que estava junto da mãe durante toda a sessão, mas em 
uma posição que Lucas não conseguia ver até o momento em que ela veio 
conversar com a mãe. 
FINALIZANDO 
Exploramos mais um pouco a intersecção entre psicanálise e o mundo digital ao 
trabalharmos temas complexos como as patologias do vazio, narcisismo e 
melancolia no contexto do ciberespaço, além dos desafios e adaptações 
necessários para a prática da psicanálise on-line. Esses tópicos ressaltam a 
importância de entender o impacto da cultura digital na saúde mental e o importante 
papel da psicanálise atualmente. 
Encerramos nossos estudos com a convicção de que, apesar dos muitos 
desafios, as ferramentas e conceitos apresentados formam uma base sólida para 
um aprofundamento autônomo dos estudos e práticas. O mundo digital oferece 
novas possibilidades, mas também exige de nós uma constante reflexão e 
adaptação para garantir que a psicanálise continue a cumprir seu papel fundamental 
na promoção do bem-estar mental e emocional. 
Muito obrigado pela sua atenção e participação. Continue estudando e 
refletindo sobre esses temas tão relevantes para a psicanálise contemporânea. 
 
	Conversa inicial 
	Psicanálise e ciberespaço 
	TEMA 1 – PATOLOGIAS DO VAZIO 
	1.1 O que são as patologias do vazio? 
	1.2 Transtorno de personalidade borderline 
	1.3 Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN) 
	1.4 Falso self 
	TEMA 2 – NARCISISMO E MELANCOLIA 
	TEMA 3 – MELANCOLIA NO CIBERESPAÇO 
	TEMA 4 – PSICANÁLISE NO CIBERESPAÇO: ATENDIMENTO ON-LINE 
	4.1 Evolução 
	4.2 Vantagens 
	4.3 Limites e desafios 
	4.4 Diferenças e adaptações 
	TEMA 5 – PSICANÁLISE NO CIBERESPAÇO: PRIVACIDADE E CONFIDENCIALIDADE 
	5.1 Privacidade e confidencialidade 
	5.2 Desafios 
	5.3 Medidas de segurança 
	NA PRÁTICA 
	FINALIZANDO

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