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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM Protagonismo e consolidação do tecnogênero videoaula: contribuições da Análise de Discurso Digital para a compreensão do trabalho contemporâneo de professores NATAL, RN 2025 RENATA INGRID DE SOUZA PAIVA Protagonismo e consolidação do tecnogênero videoaula: contribuições da Análise de Discurso Digital para a compreensão do trabalho contemporâneo de professores Tese apresentada ao Programa de Pós graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito para obtenção do título de doutora em Estudos da Linguagem, na área de concentração Linguística Teórica e Descritiva. Orientador: Prof. Dr. Samuel Ponsoni NATAL, RN 2025 Paiva, Renata Ingrid de Souza. Protagonismo e consolidação do tecnogênero videoaula: contribuições da Análise de Discurso Digital para a compreensão do trabalho contemporâneo de professores / Renata Ingrid de Souza Paiva. - Natal, 2025. 153 f.: il. color. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, Natal, RN, 2025.. Orientação: Prof. Dr. Samuel Ponsoni. 1. Discurso Digital - Tese. 2. Tecnodiscurso - Tese. 3. Tecnogênero - Tese. 4. Videoaula - Tese. 5. Precarização do trabalho - Professores. I. Ponsoni, Samuel. II. Título. RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'42 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 PAIVA, R. I. S. Protagonismo e consolidação do tecnogênero videoaula: contribuições da Análise de Discurso Digital para a compreensão do trabalho contemporâneo de professores. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem). Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. UFRN: Natal (RN), 2025. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Samuel Ponsoni Universidade do Estado de Minas Gerais Unidade Passos – UEMG Orientador e Presidente Profa. Dra. Tamires Cristina Conti Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR Examinadora Externa à Instituição Profa. Dra. Paula Camila Mesti Universidade Estadual de Londrina – UEL Examinadora Externa à Instituição Profa. Dra. Julia Lourenço Costa Universidade Estadual Paulista – UNESP Examinadora Externa à Instituição Profa. Dra. Stefania Montes Henrique Universidade do Estado de Minas Gerais Unidade Passos – UEMG Examinadora Externa à Instituição Natal, 14 de novembro de 2024. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. Guimarães Rosa Aos meus afetos, aos bons encontros e aos laços que foram sustentação e amparo durante cada etapa deste processo. AGRADECIMENTOS Não acredito em um ambiente educacional (em nenhum de seus graus) que haja um distanciamento daquilo que é saudável ou tolerável, seja em qualquer situação ou possibilidade. Fazer pesquisa, em nosso país, já é um caminho por si só desafiador, dificultar este espaço ou torná-lo ainda mais difícil, acredito, não ser a melhor saída e nem, muito menos, importante para mudar este cenário. Os fins não devem justificar todo e qualquer meio, os meios são importantes e requerem, ao meu ver, respeito, dignidade e espaço de diálogo. Segundo Critelli, “Habitar o mundo é sempre habitar um modo de se habitar o mundo”. Meu modo, durante os quase cinco anos não foi um modo, foram modos. Não estavam sempre coloridos, cheio de sorrisos e de coração quentinho. Os tempos foram desafiadores e, em boa parte do tempo, com gosto amargo. O doce e agradável surgiram também, mas custaram a ficar, custaram a perdurar por tempo suficiente para que eu pudesse me desprender, por um tempo maior, do amargor que insistia em pertencer aos dias. Ainda assim, sem romantizações, havia colo, abrigo, amor e carinho. Aos responsáveis por isto, dedico este espaço, meus agradecimentos e o gosto agradável que experimentei ao longo do caminho... Começo, pois, por mim, não apenas como um desabafo, mas como lembrete. A quem compreende todas as vírgulas deste texto, mas não só deste, como também da vida que deu vida a ele. Que conhece todas angústias e todas as lágrimas que foram derramadas, assim como conhece todos os sorrisos que, persistentes, saíram e se confraternizaram com a vida, a alegria e o amor. Agradeço a mim pela coragem, persistência e pela fé – principalmente pela fé em Deus que, acredito, zelar por mim e me dar forças para as labutas e desafios, a quem, em minhas orações e aqui, agradeço. Aos meus pais. À minha mãe pela escuta incansável, pelo cuidado diário, pelas milhares de formas de me dizer que acredita em mim e de me dar forças para seguir adiante, bem como pela mão que, estendida, sempre me disse estar ao meu lado, independente das minhas decisões. Ao meu pai, pela presença que é cuidado, pela mão estendida, olhos atentos, pelas palavras de incentivo e por me lembrar, sempre que possível, que meus objetivos precisam de mim. Vocês me ajudaram com Ao meu irmão, Rodrigo, pela escuta cuidadosa, pelos conselhos sempre tão atentos, por não deixar que a distância física distanciasse nosso laço e nossa união. Pela nossa valiosa amizade, pelo companheirismo e por todas as ligações, abraços e confidências. E, principalmente, por acreditar em mim em vários momentos que eu duvidei. À vovó Anita pela história, olhar experiente e abraços atentos e carinhosos. Agradeço à minha avó Teresa, meu avô Alcebíades e meu avô Antônio que, embora já tenham partido desta vida, são presentes na minha por suas histórias, seus frutos e, porque sei, zelam por mim. Também à Manuela, minha prima, que teve sua vida ceifada pelo feminicídio, mas que tem sua história, sorriso e alegria lembrados com carinho. Aos meus familiares que se fizeram presentes, de diversas formas, durante a execução deste projeto. Aos meus queridos amigos, irmãos que a vida me presenteou, Maria Clara e Victor. Vocês, cada um ao seu modo, se fizeram presente em cada etapa deste trabalho – e do que se dava em torno dele. Maria Clara sua clareza, amizade e companhia, desde que nos conhecemos, foram fundamentais para que eu chegasse até aqui. Victor, sua alegria, amizade e cuidado para que os estados ou países diferentes não nos distanciassem, foram abraços no coração. Obrigada pela presença constante e pelo espaço que sempre dispuseram para mim na vida de vocês! À Geissy e a Rita, amigas tão queridas, companheiras de trabalhos acadêmicos e de conversas com café com bolo. Agradeço pelo ombro, por me escutarem em estado contínuo de repetição, por escutarem meu silêncio, minhas lágrimas e por sorrirem, também, junto comigo. Aos meus amigos da escola e da vida: Jéssica, Matheus, Bruna e Larissa. Obrigada por estarem por perto, mesmo com os caminhos e agendas diferentes. Vocês foram muito importantes neste processo. E, em nome de vocês, estendo este agradecimento aos meus amigos de sempre, de perto, de longe, de palavras e de abraços. Aos amigos que fui fazendo ao longo deste caminho, principalmente aos que fiz na minha segunda graduação (uma das escolhas que mais me orgulho durante este caminho). Às psicólogas e aos psicólogos que se formaram junto comigoa aula presencial. A singularidade que perpassa essa discussão fica, sobretudo, a cargo de todo o ambiente em que está contida a web 2.0 e que produz esse tipo de tecnodiscurso (Paveau, 2021). Essa singularidade se manifestou não apenas na delimitação do tema, mas também orientou uma reflexão desafiadora sobre nosso objeto de estudo: há, nessa produção/interação/consumo das videoaulas apenas o compartilhamento de conhecimento ou podemos falar sobre a criação dele? Além de uma reflexão sobre o lugar de protagonismo dessas videoaulas. A indagação central que emergiu foi se, nesse contexto, as videoaulas se limitam apenas ao compartilhamento de conhecimento ou se podemos considerar também a criação desse conhecimento. Esse questionamento, que serviu como um dos pontos de partida, mediante outras reflexões já pontuadas, foi crucial para nos situarmos nas complexidades que os efeitos de sentido indicaram. Nesse cenário, a web 2.0 desempenha um papel de extrema significância ao moldar a natureza do tecnodiscurso em análise, destacando-se como um ambiente dinâmico e interativo que pode, por exemplo, influenciar a produção, bem como a disseminação e, com isso, o consumo de conteúdo do ramo educacional online. Isso posto, chegamos a uma interseção muito valiosa: tecnologia e discurso tornam-se um campo fértil para a exploração não apenas do compartilhamento, mas de reflexões advindas do tipo de produção e do que pode se ter como consequência dessas produções. Seguindo com o aprofundamento do debate, foi perceptível que a resposta à pergunta central, de todo modo, não seja trivial, pois implica uma complexidade de fatores que atravessam múltiplas dimensões e dinâmicas na produção e no consumo de videoaulas no ambiente digital. Compreendemos, portanto, que o desafio consistiu em se aproximar de como vem se dando as interações online e de como as interações se dão não apenas com o objetivo de responder se há ou não transmissão de conhecimento, mas de como se dá e de que maneira se configura essa perspectiva. 38 É, então, deste lugar que vislumbramos o “digital para além de uma mera forma de produção da tecnologia, mas como condição de produção político-ideológica do discurso, como condição e meio de produção e reprodução das formas de existência capitalistas” (Dias, 2018, p. 28). Perceber esse ambiente como um espaço de expressão do que compõe a sociedade, bem como das formas ideológicas e políticas de organizações sociais foi o que mobilizamos em alguns outros momentos da escrita: não deixar que as margens escapem e comportar uma análise que capture o que o todo, dentro de um recorte específico, corresponde em sua integralidade. 39 3 DA ANÁLISE DO DISCURSO À ANÁLISE DO DISCURSO DIGITAL: NOVAS PERSPECTIVAS E DESDOBRAMENTOS “Não há progresso sem mudança. E, quem não consegue mudar a si mesmo, acaba não mudando coisa alguma.” George Bernard Shaw Nesta seção, delimitamos e refletimos o caminho teórico traçado para ancorar esta pesquisa que se deu com base nos pressupostos fundamentais da Análise do Discurso (AD), bem como do modo de perceber e traçar algumas questões a fim de perceber a possibilidade da compreensão e prática de novas perspectivas, tendo como norte à Análise do Discurso Digital (ADD). Para tanto, dividimos essa parte do trabalho de forma que fosse possível compreender o fluxo de pensamento e as inquietações que foram mobilizando as teorias, de modo a compor o caminho percorrido. Parafraseando Authier-Revuz (2004), na compreensão de que sempre sob as palavras outras palavras são ditas, sinalizamos para a sequência em que as ideias foram postas nesta sessão como, de fato, um caminho percorrido em busca de sentido e de encontro com tantos dizeres. Todas estas vozes que conversam, desconversam e auxiliam o entendimento são, também, o modo como esta pesquisa encontrou de ir se materializando, ganhando forma e compreendendo as questões mobilizadas. 3.1 PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS DA ANÁLISE DO DISCURSO À LUZ DOS ESTUDOS DE MICHEL PÊCHEUX Iniciamos este tópico apontando para um contexto permeado pelo formalismo hermético da linguagem que a tinha como fechada em si própria, de modo a negar a exterioridade e a concebê-la como ferramenta de comunicação, apenas. Em torno de 1960 foi iniciada uma reflexão estruturalista a despeito da escrita, o que desencadeou na articulação entre a linguística, o marxismo e a psicanálise. Dessa união interdisciplinar, surge a análise do discurso que temos como ponto de partida – e de chegada. É, então, na década de 1960 que a AD reage às fortes tendências que representavam à época, a saber: o estruturalismo e a gramática gerativa transformacional. Neste momento, as discussões sobre a língua compreendem a ideia de um sistema de regras formais. Logo, o estruturalismo que ocupa o papel de inspiração para que a linguística se estabeleça nas ciências 40 humanas, ocupando um lugar interessante no intuito de viabilizar ferramentas que retratassem e investigassem a língua como sendo uma estrutura formal, ancorada num método proposto pela ciência. Na busca por unir o social e o linguístico, a AD alcançou diversas outras áreas do conhecimento o que garantiu o início do que podemos chamar de proliferação da expressão “análise do discurso”. As escolhas feitas tendo por base essa perspectiva, abarcam dimensões como as que dizem respeito aos quadros das instituições em que são produzidos os discursos, assim como ao próprio espaço em que cada discurso configura para si mesmo no interior de um interdiscurso, por exemplo. A inauguração desta perspectiva ligada à Escola Francesa é estabelecida com a publicação de Michel Pêcheux: “Análise Automática do Discurso”. Nesta obra, Pêcheux propõe reflexões sobre um sujeito que, até então, não havia ganhado um papel central na linguística. É na psicanálise que o autor encontra os desdobramentos suficientes para se pensar um sujeito afetado, um sujeito que está distante do que se entende por sujeito livre e dono de si. Ou seja, um sujeito descentrado. É dessa forma que resgatamos o movimento de inserção da psicanálise e do marxismo para a linguística, rompendo com uma ideia que se consolidou da linguagem apenas como um instrumento de comunicação. Por esse viés, perpassando pelo ideológico e pelo inconsciente - não mais como elementos externos -, se firmava uma forma de conceber a linguagem como constituinte de todo discurso e de todo sujeito. Esse foi o contexto que impulsionou a AD no Brasil, por volta dos anos 1980 e 1990. Com isso, já adiantamos o que era proposto com a AD: conhecer mais a fundo aspectos que se relacionavam com a linguagem, rompendo com a negativa dos elementos exteriores; objetivando rupturas com as consolidações postas; e, com base nisso, repensando as formas em que a linguística estava sendo “feita”. A AD, portanto, objetivou, sobretudo, uma nova forma de olhar para ideias e reflexões que perpassam os estudos da linguagem. Esse ponto de partida reflete um início de rompimentos e novos horizontes. Pêcheux (2006) organiza seus pensamentos sobre as formas de materialização da língua, sobre o discurso e sobre o sujeito: fundamentos que são basilares para a compreensão dos campos que essa pesquisa se localiza. A determinação desses fundamentos nos quais nos debruçamos à luz dos estudos de Pêcheux são norteadores dos desdobramentos/rompimentos que sugerem a Análise do Discurso Digital, proposta por Paveau (2021) e compreendida como aporte principal desta pesquisa. 41 Ao longo de todos esses anos, muito se fala sobre a língua e sobre a posição da qual as teorias ocupam-se dela. Acreditamos que é relevante a reflexão sobre esse lugar, essa função, esse conteúdo que perpassa pela concepção de língua para a AD. Isso reverbera diretamente nas análises, uma vez que estamos imersos nas mais diversas formas dese olhar para um corpus e de se compreender fenômenos e processos. Para tanto, localizar-se é de grande relevância. A discussão sobre o lugar da língua, ancorada por Pêcheux, tomou como ponto de partida a obra já referida anteriormente “Análise Automática do Discurso” (1997). Nesta obra, foi resgatada a forma como a língua era, anteriormente, concebida: como um estudo de textos e a partir de proposições que definiam esses textos e que o estruturam; ao passo que, a partir de Saussure (1998), essa língua passa a ser concebida como um sistema. Essa mudança de perspectiva retira o papel da língua de expressar um sentido e começa a concebê-la como um sistema. Ou seja, deixa a ideia de “função” e adere a uma perspectiva de “funcionamento”. Esse movimento, segundo (Pêcheux, 1997, p. 62) estabelece uma ideia de que “o que funciona é a língua, isto é, um conjunto de sistemas que autorizam combinações e substituições reguladas por elementos definidos”, a saber, esses elementos definidos seriam de tamanho/valor/dimensão inferiores ao texto. O texto, por sua vez, parece ter sido alvo de um posterior afastamento do campo de estudos da Linguística, pois vinculava-se à ideia de sentido que, mais tarde, voltava a ser questionada por Pêcheux (1997), propondo uma mudança de lugar de investigação que pudesse emergir conceitos exteriores à linguística. A linha de raciocínio seguida pelos postulados de Pêcheux (1997a) nos enlaçou para os processos de produção do discurso, onde a língua é concebida como uma espécie de fundo/espaço que os processos de produção de um discurso podem exercer seus efeitos. Dito de outro modo, a língua admite a posição de pano de fundo para que os mais variados processos que constituem o discurso possam se constituir, se formar e se realizar. Essa língua é a base e os desdobramentos desse estudo validam um olhar para o próprio funcionamento por meio da fonologia, morfologia, sintaxe e demais formas de investigar/enxergar/mapear as possibilidades de funcionamento. A respeito desse funcionamento e na tentativa de resumir essa perspectiva, recorremos a Pêcheux, onde determinou que o sistema da língua é, de fato, o mesmo para o materialista e para o idealista, para o revolucionário e para o reacionário, para aquele que dispõe de um conhecimento dado e para aquele que não dispõe desse conhecimento. Entretanto, não se pode concluir, a partir disso, que esses diversos personagens tenham o mesmo discurso: a língua se apresenta, 42 assim, como a base comum de processos discursivos diferenciados (Pêcheux, 1988, p. 91). No trecho, é reiterada a língua como a base comum para que possa se realizar o estabelecimento de processos discursivos dos mais variados, isso posto a partir do funcionamento fonológico, morfológico e sintático em que a língua se constitui. Nesse desenvolvimento de processos, também é resgatado o que, anteriormente, Pêcheux sinalizou como sentido. Esse sentido é constituído por todo esse mecanismo de funcionamento que desenhamos pela reflexão. Essa fase inicial de Pêcheux também era composta por um mecanismo de análise que compreendia, primeiro, uma análise linguística mais “crua” e, posteriormente, a investigação desses efeitos de sentido. Mais tarde, por volta de 1975, há uma ruptura desse modus operandi. Em “O Discurso: estrutura ou acontecimento?”, Pêcheux (1997) acredita que a análise deve ser feita de forma híbrida, havendo, portanto, a necessidade de intercalar análise puramente linguística e busca pelos efeitos de sentido, ou seja, interpretação. Seguindo por esse percurso, Pêcheux passa a se aproximar, entre 70 e 80 das teorias de Freud e Lacan e, neste momento, a língua ganhou uma conotação em que compartilha sua existência com a existência do inconsciente. Mesmo assim, ainda é dada uma espécie de lugar privilegiado à materialidade da língua, ainda que esse lugar também compartilhe com outra forma de se debruçar sobre essa materialidade. A discussão sobre o lugar da língua, perpassando por essas questões histórico- metodológicas-teóricas versam sobre nossa intenção de vislumbrar alguns caminhos percorridos para se compreender as nuances que habitam nas mais variadas formas de pesquisas – inclusive na análise do discurso. Outro conceito que ancora as pesquisas em AD é o de sujeito. O lugar em que essa concepção é concebida atravessa questões norteadoras importantes, como, por exemplo, autoria dos discursos; lugar em que o discurso é ou pode ser proferido e perspectivas que expressam o espelhamento das vozes, àquilo que se repete, porque se repete e de que modo é concebido, escolhido. Essas são postulações que versam sobre essa concepção e estabelecem a necessidade de, aqui, também refletirmos sobre esse lugar. É importante pontuar que, para a AD, o sujeito se encontra em um lugar plural de observação. Tomando como fonte de conhecimento as heranças da psicanálise, podemos apontá-lo como sendo constituído pela linguagem e/ou a partir dela. Além disso, são apontados fatores externos que o constituem, segundo Pêcheux (1988), os esquecimentos são responsáveis pela determinação do que constitui o sujeito. De um lado, o esquecimento como uma 43 “ocultação” e, de outro, um esquecimento que se relaciona com o campo do Outro/grande Outro, estabelecendo um atravessamento do discurso do Outro – ponto que apresentamos mais à frente na construção do raciocínio da concepção de discurso. Pêcheux (1988) se ancora nas reflexões de Althusser (1974) no que corresponde à ideologia para desenvolver sua própria concepção de sujeito. Resgatando esses postulados de Althusser (1974), compreendemos um sujeito como sendo uma espécie de “produto”/de um efeito ideológico, ou seja, a constituição de sujeito é feita como sendo o processamento do que resulta da ideologia – que é quem determina, por exemplo, espaço, identidade, nome, contexto histórico. Isso nos deixa claro a falta de escolha a que o sujeito é submetido, tendo em vista que tudo isso lhes é dado anteriormente. Utilizando essa mesma forma de pensar, Pêcheux (1988, p. 160) formula a questão envolvendo um sujeito interpelado que assume, portanto, uma posição no sistema de produção anterior ao que poderíamos conceber como “escolha”; ele afirma, ainda, que “é a ideologia que fornece as evidências pelas quais ‘todo mundo sabe’ o que é um soldado, um operário, um patrão”. Quando seguimos por um caminho de compreensão efetiva de que a língua é equívoca, podemos dizer que o sujeito assim como seu discurso também são, pois, o que determina esse equívoco é justamente “a dimensão onde todo enunciado está ‘suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente de seu sentido para derivar para um outro” (Pêcheux, 2006, p. 53). Assim como nossa escolha em começar conceituando a língua para AD, nessa reflexão, também seguiu a ideia posta de que a língua/linguagem precede o sujeito – sobretudo esse sujeito que se constitui a partir e por ela. Orlandi (2007) refere-se a essa percepção de maneira muito acertada quando reflete que um sujeito está sujeito à língua para que possa se constituir um sujeito da língua. Entretanto, essa percepção de sujeito constituído por uma interpelação ideológica em que é completamente determinada por fatores externos que já são pré-estabelecidos é contrastada, mais a frente, pela aproximação de Pêcheux com a concepção de sujeito psicanalista. Para uma melhor compreensão da diferença, nos aproximamos de Zizek (1996, p. 132) que concebeu uma explicação de sustentação para o que falta na concepção de interpelação baseada numa teoria althusseriana, antes de ser captado na identificação, no reconhecimento/desconhecimento simbólico, o sujeito ($) é captado pelo Outro através de um paradoxal objeto-causa do desejo em meio a 44 isso, (a), mediante o segredo supostamente oculto no Outro:$ a – a fórmula lacaniana da fantasia Isso abre margem para que possamos entender um sujeito que se constitui e carrega possibilidades de aproximação de seu ser, podendo o fazer fora da rede simbólica que o antecede – isso, portanto, é o que é ignorado na teoria althusseriana. Voltando um pouco para entender a distinção dos pensamentos, apontamos o que Pêcheux traz sobre significante – ponto que o aproxima, nesse contexto, ainda mais de Lacan, afirmando que “sujeito como processo (de representação) dentro do não-sujeito constituído pela rede de significantes” (Pêcheux, 1988, p. 151). Seguindo, Lacan (1998, p. 833) nos ajudou a compreender esse processo posto por Pêcheux em: Um significante é aquilo que representa o sujeito para o outro significante. Esse significante, portanto, será aquele para o qual todos os outros significantes representam o sujeito: ou seja, na falta desse significante, todos os demais não representariam nada. Já que nada é representado senão para algo. Isso corresponde a uma relação que determina o significante como carente de significação. O que nos levou ao entendimento de que assim como se pensa o discurso como só tendo uma relação de sentido se for na relação com outro discurso, o sujeito, da mesma forma, se constitui em relação com o Outro, isso corresponderia ao que Lacan (1998, p. 820) estabelece como “o lugar do tesouro do significante”. Por esse caminho, chegamos ao que seria o contraponto das ideias: a constituição se dá e se estabelece no depois, no que se pode considerar como a posteriori, pois é neste momento que o sujeito entra em contato com o Outro e, assim, pode se constituir. Essa virada supera de algum modo o que antes alegava uma constituição a partir de um efeito ideológico, dando lugar ao efeito do encontro com o Outro. Essa percepção foi vista, por exemplo, por Freud (2011), de modo a considerar que qualquer psicologia individual também é uma psicologia social, pois parte desse encontro, dessa relação estabelecida com o Outro. O resultado disso, numa visão pecheutiana é a ideia de que o sujeito não está limitado ao que se considera por condições de produção e ou da sua alienação ao grande Outro. O fato de Pêcheux ter estado em dúvida ou dividido em duas perspectivas que abarcam suas reflexões é o que nos coloca, novamente, ao que foi posto anteriormente: a impermanência de alguns dizeres quando atravessados pelo “novo” que se desdobra convocando nossas discussões. Posto, então, o lugar que a língua ocupa assim como a constituição que apresentamos de sujeito, passeamos sobre a concepção de discurso que determinou nosso direcionamento ao 45 encontro do que nos propusemos ao longo da pesquisa. Além de ser um norteador, a concepção a que nos filiamos é a que evoca um sentido de construção para o trabalho presente de maneira que corrobora a aproximação estabelecida. Dessa forma, afirmamos que as escolhas feitas perpassam por motivações que vão além do que a teoria pode compor, construir, estabelecer. Pensar em discurso é pensar em todo o projeto que foi a elaboração de um dizer, bem como de todo o processo que constituiu e constitui a autoria desta tese. Não obstante e a fim de expressar esse sentimento inicial, recorremos a Maldidier (2003, p. 15) para que a expressão pudesse acertadamente nortear esta escolha, vislumbrando que “o discurso me parece, em Michel Pêcheux, um verdadeiro nó”. Por considerar essa percepção um caminho singular de passagem, nos ancoramos na reflexão que entende esse nó e que o remete de modo a compreender o lugar do discurso como sendo o lugar teórico em que se intrincam, literalmente, todas as suas grandes questões sobre a língua, a história, o sujeito. A originalidade da aventura teórico do discurso prende-se ao fato que ela se desenvolve no duplo plano do pensamento teórico e do dispositivo da análise de discurso, que é seu instrumento (Maldidier, 2003, p. 15-16). Iniciar o entendimento de um conceito para discurso é, antes, necessário ir ao encontro das questões que versam sobre a língua, sobre a história e sobre o sujeito. Pois, são sobre esses pilares que podemos compreender de modo íntegro e aplicado o que a teoria alcança. Essa discussão é ampliada pela discordância estabelecida por Pêcheux (2006) que se contrapõe ao estado da posição “ilimitada” e com poucas restrições que era atribuído ao falante e, sobretudo, à fala. Segundo Pêcheux (2006, p. 81), o discurso “implica que não se trata necessariamente de uma transmissão de informação entre A e B mas, de modo mais geral, de um ‘efeito de sentidos’ entre os pontos A e B”, visão, portanto, que ultrapassa a ideia “jakobsoniana” que refletia o discurso de modo a caracterizá-lo como a transmissão de informação. Essa discordância de ideias se consolida a partir da reflexão que norteia a ideia da produção de um discurso, é desse caminho que Pêcheux se apropria para designar que os pontos que antes serviam de ponto de partida e de chegada da informação não se limitam aos sujeitos participantes, mas ao todo estabelecido, como sendo “lugares determinados na estrutura de uma formação social” (Pêcheux, 2006, p. 81). Aqui, se inicia, então, uma grande discussão sobre as posições sociais que compõem e direcionam os discursos produzidos. Essas posições sociais comportam o lugar designado e compreendido pelos pontos A e B. Ou seja, a partir de Pêcheux (2014, p. 82), essas posições são percebidas conforme os pontos 46 A e B atribuem, ancorados por formações imaginárias, cada um, tanto para si quanto para o outro, uma imagem que corresponde ao lugar que ocupam. Importante salientar que esse outro, o referente ao discurso, é visto como “um objeto imaginário (a saber, o ponto de vista do sujeito) e não da realidade física” (Pêcheux, 2014, p. 83). Pêcheux, nesse ínterim, baseou-se numa noção foucaultiana, a formação discursiva e aliado ao materialismo dialético, desenvolveu sua ideia e concepção a respeito, definindo-a como “aquilo que, numa conjuntura dada, determinada pelo estado de luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc”. (Pêcheux, 1997, p. 160). Para a ampliação dessa ideia é feito um resgate da questão que envolve a ideologia como basilar para o de formação discursiva, compreendendo, sobre as fronteiras das FD, que no que concerne à ideologia os aparelhos ideológicos do estado são, por sua própria natureza plurais: eles não formam um bloco ou uma lista homogênea, mas existem dentro de relações de contradição desigualdade-subordinação tais que suas propriedades regionais (sua especialização... nos domínios da religião, do conhecimento, da moral, do direito, da política, etc) contribuem desigualmente para o desenvolvimento da luta ideológica entre as duas classes antagonistas, intervindo desigualmente na reprodução ou na transformação das condições de produção (Pêcheux, 2006, p. 9). Esse dizer resgata alguns aspectos da teoria althusseriana que constitui o conceito de aparelhos ideológicos, compreensão fundamental para conceber as formações discursivas. Esses aparelhos comportam a prescrição de “práticas materiais reguladas por um ritual material, práticas que existem nos atos materiais de um sujeito” (Althusser, 1983, p. 92), o referido autor não compreendia uma prática que não estivesse pautada por um aparelho ideológico, sendo eles, portanto, efetivados por instituições diversas. Também alinhado com a ideia de ideologia de Pêcheux (2006, p. 11), temos que ela “não é idêntica a si mesma, ela só existe sob a modalidade da divisão, e não se realiza a não ser na contradição que com ela organiza a unidade e a luta dos contrários”. Isso corresponde à característica de heterogeneidade às formações discursivas, pois são compostas constitutivamente por várias vozes.Trazendo, na voz do autor, que a formação discursiva é “constitutivamente frequentada por seu outro” (Pêcheux, 1997, p. 57). Seguindo com o raciocínio proposto, essa constitutividade e esse outro resgatam o que, mais na frente, foi considerado como interdiscurso, conceito de suma relevância para compor o que foi sendo compreendido por formação discursiva. Para tomar a concepção de 47 interdiscurso, Pêcheux (1997, p. 160), antes, define que a ideologia é quem fornece “evidências que fazem com que uma palavra ou enunciado “queiram dizer o que realmente dizem” e que mascaram, assim, sob a ’transparência da linguagem’”. Então, é dito, também, que “toda formação discursiva dissimula, pela transparência do sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao ‘todo complexo com dominante’” (Pêcheux, 1997, p. 162), esse todo complexo dominante é o que definiria, portanto, o interdiscurso. Ou seja, o interdiscurso é uma espécie de grande campo formado por várias formações discursivas. Nesse sentido, quando a formação discursiva domina o sujeito, chega ao que Pêcheux determina como interpelação do indivíduo o que se articularia com o pré-construído, ou seja, o “sempre já-aí da interpelação ideológica que fornece-impõe a ‘realidade’ e seu ‘sentido’ sob a forma da universalidade” (Pêcheux, 1997, p. 164), além dessa, também seria desenvolvida uma articulação entre o sentido e o sujeito. Assim, chegaríamos à forma-sujeito, que, segundo o autor, tende a “absorver-esquecer o interdiscurso no intradiscurso” (1997, p. 167). Em outras palavras, faria correspondência com paráfrases e reformulações, tendo em vista aquilo que é dito antes e o que pode ser/e será dito depois, como se os falantes estivessem sempre reproduzindo um o discurso do outro. Para que esses fenômenos linguísticos sejam efetivados, na teoria, é importante levar em consideração os esquecimentos a que Pêcheux (1997) se refere, em que o sujeito está propenso. O esquecimento 1 que corresponderia a ordem do inconsciente e a afetação que a ideologia submete ao sujeito; e o esquecimento 2 que corresponde a enunciação, correspondendo às escolhas discursivas, àquilo que determina uma palavra e não outra. (Pêcheux, 1997). Não nos propusermos a aprofundar alguns destes aspectos, mas compreendemos a necessidade de caminhar por eles a fim de apontar que, ao longo dos estudos, diversas reflexões vão sendo elaboradas. Tanto as que reiteram, corroboram, validam, quanto as reflexões que também trazem outro modo de dizer, de compreender, de mediar as discussões. É acreditando que esse caminho é o que fomenta o ato de pesquisar que consideramos a necessidade de explorar alguns conceitos consolidados da AD. Para além disso, destacamos o caminho supracitado para mobilizar o discurso digital como uma das ramificações e derivações da AD, de base pecheutiana e, também, focaultiana, a partir dos anos 1980, avançando nos anos 1990, ganhando corpo a partir dos trabalhos de Paveau, Critiane Dias, dentre outros nomes. Ou seja, a filiação à mobilização da ADD se dá a partir de uma filiação, de forma mais ampla, à AD. 48 3.2 ANÁLISE DO DISCURSO DIGITAL: UM NOVO OLHAR Para explorar esse tópico, optamos pela apresentação de alguns pontos que representam novas perspectivas e formas de olhar para o objeto, vinculando-se, sobretudo, a uma análise ecológica. Nessa questão, observações foram feitas no que diz respeito a forma de interpretar os dados, assim como a singular forma de tratá-los pela perspectiva posta. Além disso, apresentamos o conceito de tecnodiscurso e tecnogênero. Esses conceitos são basilares para a composição e para a definição de nossas análises. 3.2.1 A análise ecológica do discurso e as novas perspectivas Há, a partir das mudanças nos âmbitos sociais, culturais e históricos, uma necessidade de atualização das nossas formas de olhar para os objetos que surgem. Essa necessidade é fruto, principalmente, das solicitações que a sociedade espera que a ciência possa suprir de algum modo. Dessa forma, no contexto da Linguística, mais precisamente da Análise do Discurso, Paveau, Lourenço e Baronas (2021, p. 69) afirmaram essa necessidade de “inventar novos conceitos, ferramentas e limites para dar conta do funcionamento dos discursos nativos da internet”. Com o intuito de que as novas pesquisas sejam ancoradas pela revisitação de trabalhos com dados sociais, históricos e linguísticos produzidos em ambientes digitais. Para corroborar o proposto, propusemos, antes, uma reflexão sobre o cerne de nossas análises que se ancoram numa análise ecológica do discurso. Esse tipo de análise é primordial dentro da proposta estabelecida por Paveau (2020) e se ancora, para sua constituição, em dois pilares de pensamento: o primeiro é baseado em Dipesh Chakrabarty (2009), no que diz respeito a provincialização da Europa; e o segundo é baseado em Eduardo Kohn (2017), na reflexão sobre como as florestas pensam. Dipesh Chakrabarty é resgatado por Paveau, com base em seu pensamento pós-colonial, uma vez que passa a empregar o termo “provincializar” em sua proposta de pensar a história dos países não ocidentais a partir das margens. Ou seja, diferentemente do já esperado: pensar a história a partir do centro europeu, de forma eurocêntrica. Essa concepção segue por um caminho de descentralização dos conhecimentos e costumes ocidentais, seguindo o fluxo oposto do aguardado. Esse mecanismo refletiu numa abordagem mais global e que passou a respeitar aspectos de realidade que eram considerados mais singulares, tanto em questões geográficas, quanto em questões outras. Outro ponto importante é que como efeito desse pensamento, a consequência posta é a do apagamento da distinção entre centro/margem. Esse 49 apagamento é o que implica numa perspectiva muito próxima de uma concepção pós-dualista, se aproximando, portanto, de uma visão ecológica. Já Kohn é retomado pois o referido autor utiliza esse modo de pensamento aplicado à linguagem. Em seu ensaio “Como as florestas pensam” há uma compreensão de que não devemos nos limitar ao signo linguístico como sendo os únicos elementos de significação, uma vez que existem ícones e indícios que também são usados por agentes não humanos. Ou seja, animais, árvores e plantas, todos esses agentes não humanos expressam outros modos de representação com propriedades distintas das modalidades simbólicas conhecidas. Vejamos, como exemplo de esclarecimento, a Figura a seguir: Figura 2 - Layout da aula “ANEXO, EM ANEXO ou NO ANEXO” com vista da página do Youtube Fonte: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1RtKdEMEnoY. Acesso em: 21 de outubro de 2024. Na figura, nos deparamos com um print que consegue abarcar todo o layout visitado por um internauta à videoaula, nele contém uma grande variedade de discursos, tecnografismos, produções multimidiáticas, etc. Essa visão global do ambiente em que a videoaula está inserida é extremamente importante para que possamos pensar nas possíveis formas de interação do usuário e de organização na web. Em uma visão que antecede esse aspecto pós-dualista, alguns caminhos poderiam ser seguidos, como a extração de excertos, a focalização em uma parte da imagem e/ou o direcionamento para que apenas um dos aspectos sejam investigados de modo que esteja separado do contexto de produção que, nesse caso, entraria como pano de fundo. A intenção https://www.youtube.com/watch?v=1RtKdEMEnoY 50 proposta é a de investigar a videoaula em seu ambiente não como figura x fundo, em que o fundo seriam todas as informações adjacentes, mas como componente do ambiente em que as informações que a cercam também a coconstroem de maneira horizontal e relevante. O que pontuamos como figura x fundo advém da Gestalt que trabalha com a ideia de que a figura tem um significado diferente de seu conjunto com o fundo, o quenos parece muito importante para compor essa base de análises. Para tanto, nos respaldamos em Cesarino (1985, p. 11) quando descreve que essa perspectiva: Assim, se o homem (e o aluno) existem com sentido apenas enquanto visto em relação ao fundo, isto é, em relação ao meio, um trabalho pedagógico só tem sentido dentro de uma preocupação que junte ao crescimento pessoal uma visão do mundo mais ampla, - ou seja, possibilitar ao indivíduo um desenvolvimento mais completo de suas possibilidades através do fornecimento de situações de pertinência (pertencer), sensação de dignidade e, daí, coragem e autoconfiança. Renova a preocupação de se prestar atenção aos aspectos emocionais do aprendizado. Além disso, de acordo com Polster (1979, p. 46) “a qualquer momento aquilo que é figura pode recuar ao fundo e alguma coisa no fundo pode se tomar figura” e, portanto, chegando ao que, talvez, seja o ápice de nosso entendimento em cruzar esses conhecimentos: “a figura não é parte isolada do fundo, ela existe no fundo. O fundo revela a figura, permite à figura surgir” (Ponciano, 1985, p. 74). Em suma, a perspectiva ressalta a natureza mutável da percepção visual que em determinado momento o que se considera figura pode alternar com o que é percebido como fundo e vice-versa. O que Ponciano (1985) pontuou colabora com a proposta já descrita de análise ecológica, visto que ele sugere uma interdependência intrínseca entre figura e fundo. O rompimento com as dicotomias, como trilhamos os caminhos metodológicos desta pesquisa, é, do mesmo modo, vetor que compreende esta interdependência das partes. Vejamos, enquanto a escolha por uma ou outra videoaula é feita, várias outras indicações são postas à disposição do usuário ao lado da reprodução do conteúdo (a depender da ferramenta utilizada para acessar, essa interação é modificada), como vemos na figura abaixo: 51 Figura 3 - Ampliação de alguns possíveis caminhos ao lado da videoaula no Youtube Fonte: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1RtKdEMEnoY. Acesso em: 21 de outubro de 2024. A cada escolha, um novo bloco se configura como indicação e essa questão é inteiramente ligada ao consumo daquele conteúdo, visto que a todo momento ele está em concorrência. Isso também acaba interferindo diretamente na produção deste conteúdo que não somente é pensada pelo viés de um bom conteúdo, mas de um conteúdo, sobretudo, que gere engajamento e que consiga driblar, de certa forma, a concorrência. https://www.youtube.com/watch?v=1RtKdEMEnoY 52 Quando nos referimos às interferências que dizem respeito à produção que reflete no engajamento, por exemplo, estamos pontuando que, nas plataformas digitais, como redes sociais, blogs e sites, há um nível de interação e envolvimento que o público consumidor daquele conteúdo tem com o que é produzido. O que se é observado é que, quanto maior é o engajamento, maior é a probabilidade que esse conteúdo alcance um público ainda maior, pois mais pessoas têm acesso e podem republicar o conteúdo, portanto, buscar esse engajamento e as formas de aumentar essa interação é de suma importância para quem tem interesse no crescimento nas redes. Uma análise ecológica perpassa pelas margens daquilo que obtemos como norte, de modo a descentralizar a análise, e a investigar o todo componente do processo, a fim de especificar um ponto. Em nossa pesquisa, essa análise se deu de modo que pudéssemos preservar o ambiente em que as videoaulas estão inseridas/são produzidas, olhando para o contorno que não é fundo, mas figura. Mais uma vez, nossa reflexão circunda a reflexão de que há algo que escapa o centro, o foco, o que já estamos, de certo modo, “acostumados”. Somando a isso, é nítido um apelo para que as margens sejam vistas e percebidas como espaços de potência e de elementos e questões que podem se distinguir do já visto, apontando singularidades importantes para o todo. Dentro dessa reflexão, estabelecemos uma conexão com outras formas de dizer, já que visamos compreender e perpassar um entendimento que segue por diversas possibilidades. Enquanto refletimos sobre as margens, o que escapa e a composição de um norte, Gregório de Matos, em outra época, nos presenteia com a estrofe: O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte Não se diga, que é parte, sendo todo. A intenção, aqui, não é analisar linguisticamente a estrofe apresentada nem tampouco desmembrá-la de sua realidade a fim de construir uma narrativa convincente, mas sim de pensar a partir de uma ilustração estética como a literatura, por exemplo, não possibilita uma análise em que se haja a separação do plano de expressão do plano de conteúdo. Tudo importa e tudo é importante. Nesta perspectiva, “o todo sem a parte não é todo”, todos os detalhes são importantes, todas as partes importam. Nas análises, é importante que se tenham direcionamentos, que se tenham compreensões profundas e no que diz respeito aos cortes, entretanto, é importante de igual modo que estejamos 53 atentos para a premissa que atesta a falta de totalidade em alguns desmembramentos – ainda que didáticos. A extração de excertos para o caso, por exemplo, não enquadraria uma reflexão sobre as videoaulas pela ADD, mas por outra vertente, por outra perspectiva e/ou de um modo o qual não corresponde ao proposto. Por esse direcionamento, Paveau (2020, p. 130) aponta que a web é um fator determinante para a implantação de uma prática pós-linguística. Nos últimos dez anos, esse espaço de fala se desenvolveu consideravelmente e mudou as práticas sociais, inclusive as linguísticas: a web 2.0, um dos serviços de internet mais usados, devido suas possibilidades conversacionais, colaborativas e participativas, de fato permite que o discurso linguístico dos/as amadores/as seja expresso de forma ilimitada tanto nos espaços públicos, quanto nos privados. Esse apontamento corresponde a um convite nos modos de pensar/olhar para o ambiente, sobretudo para o ambiente apontado, uma forma que se guia pela singularidade, seja a singularidade que perpassa o tempo, o contexto, o modo, e/ou o objeto em si. Essa reflexão que nos remete a uma visão pós-dualista foi o que comportou nossa escolha de perspectiva analítica, de modo a alinhar-se com o caminho em que a Paveau se direciona para pensar toda essa questão. Como podemos ver no trecho: Continuo a tecer a metáfora, de minha parte, desejando uma provincialização, não apenas da linguagem, mas da própria linguística, que me parece bem iniciada pelas práticas da linguística popular. Considerar, no próprio trabalho linguístico, os metadiscursos das pessoas comuns, incorporando suas experiências de vida, seus pontos de vista, suas posições morais, suas situações políticas e tudo o que compõe sua vida permite à linguística sair do logocentrismo que a priva da profundidade da vida dos sujeitos (a linguística da enunciação, por exemplo, permanece nas margens de suas vidas). A plena integração das condições de fala dos/as locutores/as nas práticas linguísticas, quer sejam elas dos/as produtores/as dos corpora ou de seus analistas, permite iniciar o programa de uma pós-linguística que respeita tanto os ambientes das pessoas que falam quanto suas palavras (Paveau, 2021, p. 132). Integrando a essa visão de respeito aos ambientes das pessoas que falam e do que elas falam, percorremos alguns aspectos fundamentais para a Análise do Discurso Digital (ADD). Esses aspectos que alguns pontos deslizam por uma amplitude de conceitos já concebidos e, em outros, escapam dessas concepções consolidadas uma vez que comportam uma visão pós- dualista e, quase sempre, global ou ampla de um mesmo objeto que, anteriormente, era focalizado por questões mais diretivas. 54 Iniciamos, pois, pelo que comporta um cenário de sumaimportância para nossa proposição de pesquisa. Isso posto, consideramos que a noção de ambiente é fundamental não só na ADD, mas em nossas reflexões. Como ponto de partida, temos que o conjunto dos dados humanos e não humanos no âmbito dos quais os discursos são elaborados. Esses dados dizem respeito a todos os domínios da existência: eles são sociais, culturais, históricos, materiais (objetos naturais e artefatos), animais, naturais, etc. A noção de ambiente é uma alternativa crítica à de contexto (ou de condições de produção ou de exteriores do discurso), comum em análise do discurso, que é mais centrada nos parâmetros sociais, históricos e políticos (Paveau, 2021, p. 49). Reiterando o fato de que essa noção é um rompimento com a noção de contexto, podemos estabelecer que ela versa sobre uma abordagem que adota, em sua forma de análise, uma perspectiva pós-dualista. Ou seja, há um claro rompimento de ideias que se dicotomiza seja a fim de uma separação puramente didática de análise, seja para constituir noções de pertencimento, relação ou simetria dos objetos. Essa ideia de uma abordagem dos discursos pós-dualista foi inserida em nossa pesquisa tanto pelo viés da coerência com a perspectiva teórico-metodológica escolhida/adotada, quanto pela aproximação da ideia que se funde ao observar o objeto por essa ótica. A dicotomização, ainda regente em diversas perspectivas, acreditamos, assume um valor importante para a focalização de alguns aspectos, entretanto, nossa busca, materializada nesta pesquisa, foi de encontro às reflexões que se estabelecem por meio de dicotomias. Nesse ínterim, a utilização dessa noção “supõe sair de uma concepção egocentrada e logocentrada dos discursos (na qual a produção dos enunciados está a cargo dos locutores e o trabalho dos linguistas está centrado unicamente na matéria linguageira de suas produções)” (Paveau, 2021, p. 49). Essa abordagem, portanto, comporta uma perspectiva pós-dualista que questiona a divisão que é feita entre mente e corpo; uma visão simétrica das materialidades linguageiras, visão que compreende uma produção compósita, formada por material não linguageiro e por material linguageiro; além de ser uma abordagem ecológica da produção dos enunciados, ou seja, o todo é observado e não apenas o conteúdo linguageiro (Paveau, 2021, p. 49). O que compreendemos ao adotar esse caminho, além da comprovação da percepção durante as análises, é a de que essa noção de ambiente, que se estabelece de forma crítica a de contexto, confere a possibilidade de saída de uma concepção egocentrada e logocentrada dos discursos. Com isso, o trabalho a qual os linguistas que assumem essa perspectiva se debruçam, 55 não se resume mais à concentração, apenas, da análise da matéria linguageira de suas produções, enquanto os enunciados ficam a cargo dos locutores. “Na análise do discurso digital, a noção de ambiente é central, uma vez que ela busca dar conta dos aspectos compósitos” (Paveau, 2021, p. 49). O que se considera como compósito está posto em Paveau (2021, p. 119): Um elemento de discurso é compósito quando se constitui por uma mistura entre o linguístico e o técnico. No âmbito da antropologia simétrica de Bruno Latour (Latour 1991), o termpo assemblage/mistura designa a articulação do social com o natural em um todo híbrido; da mesma forma, da perspectiva da ADD, o termo compósito designa a copresença do linguageiro e do técnico nos discursos nativos da internet. Essa ideia de elemento compósito pertence a uma ideia contrária a de distinção binária, e supõe vínculos “entre o humano e o não humano que vão além do simples uso de objetos para levar em conta realidades sociais verdadeiramente híbridas” (Paveau, 2021, p. 119). Isso fomenta a discussão sobre a noção de ambiente já que corresponde a um aspecto fundamental para que esse conceito seja compreendido, já que, como dissemos, as múltiplas possibilidades do aspecto compósito possibilitam a saída de uma concepção egocentrada dos discursos, expandido a compreensão da noção de ambiente. Seguindo, também salientamos que a noção de ambiente “não pertence à cultura teórica da análise do discurso nem das disciplinas do texto, do discurso e da interação em geral que falam, sobretudo, de contexto, ou de condições de produção” (Paveau, 2021, p. 50). Uma vez que a noção não advém de um lugar especificamente componente da análise do discurso, apontamos as bases que ancoram essa noção como vinda da abordagem cognitiva dos discursos e é no domínio da cognição social que essa noção é ampliada e se torna mais difundida. Essa cognição social “propõe, desde o início dos anos 1990, uma alternativa à cognição internalista clássica” (Paveau, 2021, p. 50). Ou seja, É um domínio muito mais amplo no qual várias correntes se constituíram, entre as quais a da cognição distribuída (distributed cognition). O princípio de base é o da mente estendida (extended mind) e os processos cognitivos são descritos como ‘distribuídos’ entre os agentes e seu ambiente, compreendendo este ao mesmo tempo os objetos e artefatos, mas também as estruturas sociais no sentido amplo (Paveau, 2021, p. 50). A reflexão se volta, então, para um sistema que não se constitui apenas pelo indivíduo, mas por todo um conjunto de agentes humanos, também dos agentes não humanos e sociais. 56 Portanto, toda a unidade de observação de análise se desloca de modo a se afastar de uma cognição individual. “O ambiente não é mais considerado como um pano de fundo para a cognição, mas como um conjunto de ‘recursos ambientais’” (Paveau, 2021, p. 50-51) Isso posto, é importante uma compreensão transparente de que o ambiente não se trata de um suporte ou ferramenta, mas de um componente estrutural dos discursos. Ou seja, o ambiente digital não é um espaço utilizado para que o tecnodiscurso seja produzido, depositado ou armazenado, esse ambiente faz parte da produção, como deixamos mais perceptível nas análises das videoaulas, na seção 6. Além disso, nessa configuração, o agente enunciativo também está presente e se encontra distribuído no ecossistema digital. Por fim, ainda sobre a noção apresentada, é importante atentar que, além do âmbito da cognição social, pela abordagem cognitiva dos discursos, a noção de ambiente também se integraliza a partir da Teoria do discurso A noção de ambiente é mobilizada desde o início na análise cognitiva do discurso (Paveau 2006, 2007), para dar conta da extensão da noção de contexto aos dados materiais e técnicos ausentes da análise do discurso em suas versões correntes (tecnologia discursiva). Em seguida, ela é instalada como noção alternativa à de contexto na abordagem simétrica dos discursos (Paveau 2009, 2010) para compreender melhor a relação constitutiva entre a ordem do discurso e a ordem da realidade, sobretudo material e técnica (Paveau, 2012a, 2012b). (Paveau, 2021, p. 51) Essa noção de ambiente é, inclusive, componente da abordagem ecológica dos discursos. Essa abordagem está presente com uma espécie de exigência às novas formas de análises de discursos digitais nativos principalmente pela particularidade que eles apresentam. A perspectiva ecológica de análise é, portanto, o segundo ponto fundamental da ADD ao qual nos debruçamos neste trabalho a fim de direcionar e ancorar o andamento das análises. Adiante, para discorrer a respeito de outro ponto fundamental da ADD, chegamos na concepção de escrileitor, ponto de suma importância para que o direcionamento analítico seja bem estabelecido e que corresponda uma eficácia em relação ao objeto proposto. Dessa forma, também apontamos o escrileitor como sendo uma noção bem singular nesse ambiente. Conceito que se objetiva com o sujeito produtor de discursos/ enunciador/ locutor sendo composto pela sua presença na web e por tudo o que dela pode ser observado. Dessa forma, mais doque um praticante da escrita no meio digital, o locutor é um usuário do tecnodiscurso, com experiências e interesses individuais de navegação, por isso Paveau sugere que ele deveria ser mais adequadamente chamado de “escrileitor”, pelo modo subjetivo como 57 põe em interface a escrita e a leitura de elementos multissemióticos (Paveau, 2021, p. 16). Essa noção, como já descrito no trecho, caminha por diversos aspectos importantes que passam por singularidade, experiências individuais, modo subjetivo e capacidade de por em interface a escrita e a leitura de elementos multissemióticos. Essa concepção diz sobre um sujeito que produz escrita e leitura, que interage de formas não convencionais na web e que amplia suas capacidades ao passo que amplia sua memória tecnodiscursiva: o acúmulo da bagagem sustentada ao longo das experiências individuais de navegação. A compreensão desse conceito se direciona para o entendimento do que diz respeito às formas de interação/produção no ambiente digital como sendo múltiplas, singulares e, cada vez mais, inovadoras. Perceber a produção de um discurso sendo construída por um sujeito, por um locutor, é deixar de lado toda uma perspectiva que leva em consideração as múltiplas formas de composição, a ligação que é estabelecida na coprodução desses tecnodiscursos – discurso que é produzido no ambiente digital –, assim como a interface que entra em evidência: a escrita e a leitura dos elementos multissemióticos. O escrileitor é, portanto, subjetivamente posto na posição que foi descrita. 3.2.2 O tecnodiscurso e suas possibilidades O discurso que é produzido nos espaços virtuais comporta em sua produção/compartilhamento singularidades que são de suma importância, como por exemplo a característica compósita a qual já discorremos sobre. Segundo Paveau (2021), o prefixo tecno- não se implica como apenas um morfema que atribui novos sentidos ou que muda propriamente dito o sentido do radical, mas sim uma opção teórica. Dito de outro modo, a utilização desse prefixo diz respeito às alterações no âmbito da tradicional episteme das ciências da linguagem. A episteme das ciências da linguagem, nas abordagens pós-dualistas e simétricas, rompe com o que se considera a dicotomia tradicional entre sujeito e objeto. A ideia proposta é a de colocar ambos em uma relação de interdependência e, por conseguinte, mais fluidez. Nessa perspectiva, temos a prevalência da compreensão de práticas discursivas diferentemente do que se encontra na episteme tradicional. Portanto, ao falarmos em tecnodiscurso estamos falando de discursos produzidos em ambiente digital e que não correspondem a uma ordem única e exclusivamente linguageira, todavia, perpassados pelas determinações técnicas, participam da coconstrução das formas linguageiras. (Paveau, 2021). 58 Assimilando, então, que essa escolha pelo prefixo tecno- não é apenas mais uma forma de dividir e afastar o conceito exposto, mas sim de evidenciar a complexidade do funcionamento desse espaço digital, principalmente da relação entre sujeito, linguagem, sociedade e máquina. (Paveau, 2021). A relação destacada pode ser percebida na interação entre as noções de ambiente e escrileitor, por exemplo, uma vez que em todas as noções apresentadas até aqui, perpassadas por um olhar ecológico, versamos sobre pontos muito específicos que fazem grande diferença nos efeitos da interação. Essa questão centraliza a discussão para a singularidade que foi sendo dita ao longo deste trabalho. Falamos, então, de um discurso que evidencia um espaço híbrido com relações pertencentes à sua composição, sem mais determinantes que possam eleger sujeitos únicos do dizer, nessa perspectiva, a relação que se estabelece para que o discurso seja criado acaba por dizer muito mais. Ou seja, quando o foco deixa de ser egocentrado e passa a ser ecológico, as possibilidades de se perceber os efeitos provocados são igualmente ampliadas. Para materializar e ilustrar essa reflexão, a autora estabeleceu seis características que, didaticamente, definem os tecnodiscursos. Essas características determinam, sobretudo, o funcionamento das produções, assim como seus limites/possibilidades de alcance. São essas características que “obrigam a repensar o instrumental teórico e metodológico da análise do discurso” (Paveau, 2021, p. 58). São elas: 1) composição; 2) deslinearização; 3) ampliação; 4) relacionalidade; 5) investigabilidade; e 6) imprevisibilidade. Para viabilizar a visualização dos componentes que perpassam pela característica proposta ao conceito elencado que foram basilares para as análises apresentadas na seção 6, elaboramos o Quadro 1 a fim de tornar não só visual, mas também didática as relações estabelecidas. Quadro 1 – Característica/Conceito do tecnodiscurso CARACTERÍSTICAS CONCEITOS 1) Composição Os discursos digitais nativos são compósitos, ou seja, são constituídos por uma matéria mista que reúne indiscernivelmente o linguageiro e o tecnológico de natureza informática, de forma manifesta (caso da hashtag ou do pseudônimo no Twitter, por exemplo, dotados de marcas de composição) ou não manifesta (caso de todos os tecnodiscursivos on-line que dependem dos programas informáticos). Esse tipo de composição 59 tecnolinguageira é desenvolvida por um hibridismo semiótico: os tecnodiscursos podem ser plurissemióticos, mobilizar simultaneamente, e na mesma simiose, texto, imagem fixa ou animada, som (por exemplo, a imagem macro ou o cartaz). (Paveau, 2021, p. 58). 2) Deslinearização Os discursos digitais nativos não se desenvolvem obrigatoriamente em um eixo sintagmático específico do fio do discurso, de acordo com a teoria pré-digital: eles podem ser deslinearizados pelos links hipertextuais, que direciona o texto fonte e seu leitor para outro discurso, em outra janela do navegador e outra situação de enunciação. (Paveau, 2021, p. 58). 3) Ampliação Os discursos digitais nativos revelam uma enunciação ampliada, por causa da conversacionalidade da web social (as publicações do blog são ampliadas pelos comentários) ou das ferramentas de escrita ubíquas como as da escrita colaborativa que permitem uma escrita coletiva num espaço enunciativo único, mas com a identificação dos diferentes enunciadores). (Paveau, 2021. p. 59). 4) Relacionalidade Os discursos digitais nativos estão todos inscritos numa relação: com outros discursos, por causa da reticularidade da web; com os aparelhos, por causa da sua natureza compósita que faz com que os enunciados sejam coproduzidos com a máquina; com os escritores e os (escri)leitores, que passa pela subjetividade da configuração das interfaces de escrita e de leitura. (Paveau, 2021, p. 59). 5) Investigabilidade Os discursos digitais nativos se inscrevem, no sentido material do termo, num universo que nada esquece e que é percorrido por ferramentas de busca e de redocumentação. Eles são, portanto, investigáveis, ou seja, localizáveis e coletáveis para eventuais menções, utilizações, repetições, etc. Essa 60 investigabilidade acontece devido à situação dos metadados: enquanto os metadados dos discursos pré-digitais são exteriores a eles (nos paratextos, por exemplo), os metadados dos discursos digitais nativos lhes são interiores (inscritos no código). (Paveau, 2021, p. 59). 6) Imprevisibilidade Os discursos digitais nativos são parcialmente produzidos e/ou formatados por programas e algoritmos, fato que os torna imprevisíveis para os enunciadores humanos, tanto no plano de sua forma (passando automaticamente de um lugar de enunciação pré-digital a um lugar digital, um enunciado muda de forma), quanto no plano de seu conteúdo (algumas ferramentas, como os programas, redocumentam os discursos nativos dispersos, criando conteúdos originais).(Paveau, 2021, p. 59-60). Fonte: Autoria própria a partir de Paveau (2021). Em conformidade com o exposto, depreendemos que “essas características específicas implicam a criação de instrumentos de análise adequados ou a adaptação de instrumentos já existentes em análise de discurso.” (Paveau, 2021, p. 60). Esse é um dos pontos, talvez, mais importante de nossa escolha pela Análise do Discurso Digital, além do objeto ser composicionalmente, estruturalmente e espacialmente singular, as formas de enxergá-lo também precisam estar em consonância, ou seja, é importante que os olhares voltados para os dados o interpretem de modo a não negligenciar a realidade que os comportam. Dito de outro modo, essas características nos remetem a um exercício de pensar os modos de olhar para os objetos na análise do discurso, bem como de compreendê-los e analisá- los. Algumas características específicas que correspondem aos corpora pesquisados são inteiramente vinculadas aos espaços em que eles são extraídos e essa extração é, muitas vezes, o que deixa questões à margem dos olhares. As características elencadas anteriormente compõem uma noção de discurso específica e só fazem sentido quando conferida no ambiente em que foram produzidas, corroborando, dessa forma, o que apontamos como norteador desta pesquisa. 61 3.2.3 O tecnogênero e seus desdobramentos A fim de apresentarmos a noção de tecnogênero de discurso, precisamos, antes, percorrer um caminho que abarque a definição de gênero do discurso, visto que essa noção é de grande valia para a AD. Deste modo, nos organizamos textualmente de maneira que a construção do pensamento perpassa pela noção de gênero do discurso e de gênero de discurso nos universos digitais para, só assim, discorrermos sobre a definição do tecnogênero de discurso e seus desdobramentos teóricos-metodológicos. Na construção desse caminho, a Paveau (2021) resgata a noção de gênero de discurso nos âmbitos social e cognitivo, para tanto, traz uma definição de Moirand (2003) que estabelece o gênero como “uma representação sociocognitiva interiorizada que temos da composição e do desenvolvimento de uma classe de unidades discursivas, às quais temos sido expostos na vida cotidiana, na vida profissional e nos diferentes mundos que atravessamos” (p. 19-20). Essa definição retrata uma perspectiva que concebe o gênero como uma espécie de constructo que estabelece um padrão de expressão social e cognitiva que abarca a construção da possibilidade de se planejar e interpretar “as atividades verbais e não verbais no interior de uma situação de comunicação” (Moirand, 2003, p. 19-20). Dito de outro modo, trata-se de uma forma textual que possibilita a criação/expressão dentro de atividades de comunicação. Isso remete às formas de interação que possibilitam a inserção dos sujeitos nas atividades comunicativas, permitindo que o gênero do discurso, estabelecido por um conjunto de normas coletivas e pré e extra-discursivas, seja plenamente utilizado. Para isso, os sujeitos precisam estar inseridos na cena tanto nos papéis de produtor quanto de receptor. Os gêneros dentro dessa definição, podem se constituir com base em uma designação que seria o nome que detém (debate, bilhete); uma composição àquilo que compreendemos como regras de composição, como, por exemplo, elementos obrigatórios (data, lugar); desenvolvimento sintagmático representado pela sequência das ideias; e, também, por uma seleção paradigmática o que resgataria possibilidades variantes dentro de um mesmo “bloco” paradigmático que seriam tidas a partir de um “quadro” em comum. (Paveau, 2021). Isso posto, percebemos o gênero do discurso como uma espécie de ferramenta de comunicação que envolve regras estabelecidas antes e durante sua produção, além disso, esses gêneros convocam sujeitos participantes em sua produção e funcionam como meio de expressão/interação. No que corresponde aos estudos de análise pré-digital, quem levantou reflexões pertinentes e que também nos despertaram o interesse em resgatar, foi Maingueneau (2017), 62 em sua obra “Gêneros do discurso e web: existem os gêneros web?”, que refletiu muitos aspectos que compõem os gêneros nos ambientes digitais se voltando muito mais para a noção de hipergênero do que ao próprio gênero. Essa noção, com base nas reflexões do autor, é transferida para o digital e segue a divisão: verbal x digital – como componentes de uma cenografia. Nessa percepção, o verbal seria, como já indica a titulação, os elementos linguísticos presentes; enquanto o digital abarca três dimensões distintas: “iconotextual, arquitetural e procedimental” (Maingueneau, 2013, p. 80-81). Nossa ideia, a priori, não é contrapor essas noções refletidas por Maingueneau – as quais não nos aprofundamos neste trabalho –, mas apresentarmos, historicamente, um dos pontos de cisão da Paveau (2021, p. 324) que se afasta dessas noções quando atesta que “essa distinção parece pouco adaptada aos universos digitais nativos, onde as produções são compósitas e multimidiáticas, e onde o ‘próprio’ verbal é mais uma ilusão do leitor do que uma realidade semiótica”. Ou seja, a autora ultrapassa as análises que outrora se limitavam a textos republicados da imprensa e dos blogs e que ignoravam questões como dispositivos técnicos e especificidades idiodigitais dos corpora digitais. Esses aspectos por último citados, correspondem, por exemplo, ao algoritmo, às possibilidades de interação com os iconográficos, aos elementos que coconstroem o ambiente digital e, sobretudo, ao todo que deve ser levado em consideração para pensar este espaço de produção. O que corresponde a uma percepção voltada para o período pré-digital, ainda que os “gêneros web” sejam intitulados deste modo, recebiam uma compreensão que estava muito mais vinculada ao pré-digital que ao ambiente digital. Paveau (2021, p. 325) afirma que “a tentação é a de concluir mais pela crise do dispositivo de pesquisa em análise do discurso, já que os discursos digitais nativos demandam análises ecológicas em seus contextos endógenos mais do que comparações com formas canônicas não digitais”. Isso remete, portanto, ao que estamos construindo como caminho de perspectiva ao longo deste trabalho: concordamos que não é com as mesmas lentes que alcançaremos resultados diferentes em contextos/ambientes diferentes, mas adequando, ao longo dos tempos, as lentes que possuímos. Resgatamos com essa possibilidade de adaptação/atualização outras de olhar para um objeto que, no digital, divide elementos relativamente semelhantes aos do pré-digital, mas que são diferentes em diversos outros que não podem ser esquecidos à margem. Os gêneros de discurso digital “se desenvolvem em seus ambientes discursivos e textuais” (Paveau, 2021, p. 328). Isso posto, resgatamos a definição de tecnogênero de discurso como: 63 um gênero de discurso definiremos o tecnogênero de discurso como um gênero de discurso dotado de uma dimensão compósita, derivada de uma coconstituição do linguageiro e do tecnológico. O tecnogênero pode derivar de um gênero pertencente ao repertório pré-digital, mas que os ambientes digitais nativos dotam de características específicas (como o comentário on-line), ou constituir um gênero digital nativo, portanto, novo (como a tuiteratura ou o artigo de imprensa na forma de antologia de links ou de tuítes) (Paveau, 2021, p. 328). Para compreendermos o dito de uma forma mais visual, vejamos a Figura 4 que corresponde ao layout de um tweet da conta da Tribuna do Norte (página jornalística do Estado do Rio Grande do Norte). Nesta figura, podemos ver um tweet composto por uma dimensão compósita – que reúne aspectos do linguageiro e do tecnológico. Figura 4 - Layout de um tweet da conta da Tribuna do Norte Fonte: Captura de tela da conta do Twitter da autora, acessada pelo notebook. Alémdisso, também podemos perceber que o ambiente que coconstrói esse gênero está envolto por diversos outros tecnogêneros que, juntos, compõem a cena tecnodiscursiva em questão. Um dos aspectos que podem auxiliar no entendimento dessa concepção é a possibilidade de interação entre conteúdos que se produzem a todo momento de interação; bem como no direcionamento que uma notícia, como a exposta, pode direcionar o internauta. No tweet, ao clicar na imagem e/ou em alguma das partes clicáveis da notícia, o internauta é levado para outro endereço da web e, neste, pode entrar em contato com a notícia na íntegra, como é possível visualizar na Figura 5. 64 Figura 5 - Layout da notícia “Lira: Se tivermos 7 de Setembro, vai ser festa linda, cívica, tranquila” Fonte: captura de tela obtido pela Autora a partir de um link de notícia do Twitter. Mesmo antes do direcionamento e do contato com a reportagem na íntegra, o internauta pode comentar o tuíte, compartilhar com ou sem comentário além de levá-lo, como um link, para outros ambientes digitais (como outras redes sociais). Todas essas possibilidades de composição que, de certa forma, se configuram por alguns padrões no meio digital, por vezes, resgatam heranças de gêneros pré-digitais, mas que não correspondem à concepção que eles detêm. Portanto, não mais contida numa perspectiva dual/dicotômica, a noção do tecnogênero é integrada ao linguageiro e ao tecnológico em que, ampliados, contém outras tantas noções envolvidas. “O tecnogênero de discurso é, portanto, marcado por ou derivado da dimensão tecnológica do discurso, o que implica um funcionamento e propriedades particulares.” (Paveau, 2021, p. 328). Partindo do exposto, apresentamos as tipologias tecnodiscursivas indicadas pela Paveau (2021) que estão ancoradas no prefixo tecno- e que, como já dissemos anteriormente, é uma composição tipológica que contém a singularidade do ambiente digital. Singularidade que discorremos ao longo da apresentação dos conceitos fundamentais aos quais nos filiamos para suprir os objetivos desta pesquisa. Na busca pela classificação dos tecnogêneros, a autora submete à classificação em algumas restrições tecnológicas, como, por exemplo, as noções de algoritmos, CMC, IPA, 65 interface de programação de aplicativos e afins. Essas restrições são de suma importância para o estabelecimento de critérios que possam perpassar as classificações indicadas. A classificação proposta por Paveau (2021) pode ser observada pela divisão que é feita para compor os critérios de análise, que são os seguintes: 1) Tecnogêneros prescritos 2) Tecnogêneros negociados 3) Tecnogêneros produsados Adiante, no Quadro 2, dispusemos da divisão das categorias seguida dos seus conceitos de forma mais didática. Quadro 2 – Categorias do Tecnogêneros e seus conceitos TIPOLOGIA TECNODISCURSIVA CONCEITOS 1) Tecnogêneros prescritos Falaremos de tecnogênero prescrito para designar gêneros de discurso propostos nos sistemas de escrita on-line e fortemente restringidos pelos dispositivos tecnológicos. O tecnogênero prescrito não existe off-line (mesmo que ele herde um passado genérico pré-digital como o comentário, por exemplo), depende inteiramente das ferramentas digitais e circula quase exclusivamente on-line. (Paveau, 2021, p. 329) 2) Tecnogêneros negociados O tecnogênero negociado é um gênero de discurso preexistente e estabilizado ou não nas produções pré-digitais, mas que adquire on-line traços propriamente tecnolinguageiros e tecnodiscursivos. Não é inteiramente dependente das ferramentas digitais e circula nos universos on-line e off- line. (Paveau, 2021, p. 330) 66 3) Tecnogêneros produsados Chamaremos de tecnogênero produsado, a partir da expansão do produsado para qualquer elaboração a partir das possibilidades técnicas do ecossistema, a um gênero de discurso nativo da internet produzido pelos internautas fora das restrições dos tecnogêneros prescritos e das rotinas dos tecnogêneros negociados. (Paveau, 2021, p. 331) Fonte: autoria própria a partir de Paveau (2021). À medida em que os conceitos foram perpassados, indicamos algumas relações com os exemplos apontados. E a fim de garantir uma melhor compreensão, organizamos essas relações neste espaço. Quando resgatamos, por exemplo, a classificação de tecnogênero prescrito, trazemos como ponto de partida uma postagem no X (antigo Twitter) como sendo um tecnogênero que não existe fora do digital e que carrega consigo elementos bem específicos de sua produção neste meio. Vamos observar na Figura 6. Figura 6 - Layout de uma reportagem do G1 no X (antigo Twitter) Fonte: disponível em: https://x.com/g1. Acessado em: 21 de outubro de 2024. A referida postagem (antigo tuíte) é largamente conhecida por sua limitação de caracteres que, antes, já foi bem expressa, hoje, por sua vez, comporta bem mais elementos. Ainda assim, o escrileitor deve trabalhar seu poder de síntese e/ou aderir a novas formas de https://x.com/g1 67 compor aquilo que quer compartilhar neste ambiente. Há formas diversas de fazê-lo, como, por exemplo, compartilhar a própria postagem (ferramenta segue o fio), comentar a própria postagem como continuação da ideia e/ou enviá-la como mensagem privada para alguém. Essas são só algumas possibilidades de ampliação. O que salientamos, aqui, é sua especificidade de produção/possibilidades e o quanto sua projeção de criação foi prescrita para o ambiente digital. Desse modo, resgatamos o que já foi dito a respeito de manter o mesmo olhar para objetos que, a depender da perspectiva em que estão sendo analisados, não se sustentam. Seguindo, diferente do que acabamos de apresentar, os tecnogêneros negociados já existiam nos componentes pré-digitais e, com a aderência das novas possibilidades se reconfiguram e/ou se adaptam ao ambiente digital. Entretanto, eles não são dependentes das ferramentas digitais e podem, facilmente, circular pelos dois ambientes. Paveau (2021, p. 330) aponta, como ilustração dessa noção: O caso do “top” ou da lista ordenada do melhor ou do pior, que encontraram on-line um ambiente e os dispositivos técnicos favoráveis, a tal ponto que esse gênero alimenta sites inteiros e lucrativos. Os tops podem decorrer de uma geração automática: os sites e os blogs listam os artigos mais lidos, os mais consultados e os mais comentados a partir de algoritmos. O tecnogênero de discurso é igualmente um gênero integrante dos procedimentos de cálculo. A respeito dos tecnogêneros produsados, precisamos, antes, compreender a expansão do que o termo produso quer dizer. A saber, corresponde “qualquer elaboração a partir das possibilidades técnicas do ecossistema, a um gênero de discurso nativo da internet” (Paveau, 2021, p. 331). Como exemplo, o cartaz digital exerce um papel fundamental para que a compreensão se dê, pois carrega consigo tecnografismos compostos por imagens-texto que concorrem e se estabilizam no ambiente digital. Assim dizendo, podemos ilustrar essa questão com a ideia de alguém que tira uma foto segurando uma folha em branco e, no ambiente digital, insere algum dizer. Ao circular a imagem, outros internautas podem adaptar essa imagem com um novo dizer. Desse modo, à medida que a imagem vai sendo compartilhada/conhecida no ambiente, vai ganhando um lugar “viral” e se constituindo de modo estável neste ambiente. Paveau (2021, p. 331), sobre estes tecnogêneros produsados, discorre que quando “já estabilizados e inscritos no repertório genérico da web se juntam propostas individuais que se estabilizarão ou não como tecnogêneros”. 68 Como exemplos bem estabilizados na web, temos as figuras da Gretchen que ao longo do tempo são adaptadas aos mais variados temas no âmbito digital. Como podemos ver nas Figuras abaixo: Figura 7 - Meme viral da Gretchen_1Fonte: Reproduções da web. Figura 8 - Meme viral da Gretchen_2 Fonte: Reproduções da web. 69 No exemplo, trouxemos duas imagens comumente encontradas no ambiente digital e que se destacam por estarem sempre presentes como figurinhas, gifs ou mesmo com a imagem estática. Essas imagens circulam ganhando sempre novas versões que, normalmente, se findam na alteração do texto e quando há essa alteração, todo o tecnodiscurso produzido também se transforma. Além dessas imagens, outras tantas da mesma figura pública são postadas, repostadas, criadas e recriadas, enquanto memes que viralizam no ambiente virtual. Essas produções possuem temáticas diferentes e são feitas a partir de um cenário específico, de uma notícia específica e/ou de algum assunto que esteja em alta. Além disso, também são utilizadas como forma de expressão de sentimentos, de reações às outras produções, acontecimentos e afins. Com base nisso, nós podemos compreender, portanto, que o conhecimento empírico da internet, sobretudo quando apontamos a web 2.0, é espaço de grandes e variadas possibilidades de construção/produção. Além disso, “permite de fato pôr em relevo formas textuais recorrentes e instaladas na cultura discursiva digital, boas candidatas ao estatuto de tecnogênero de discurso” (Paveau, 2021, p. 328). Quer dizer, não se trata apenas de um espaço de criação, mas, também, de recriação. 70 4 CAMINHOS METODOLÓGICOS “Porque cada um, independente das habilitações que tenha, ao menos uma vez na vida fez ou disse coisas muito acima da sua natureza e condição, e se a essas pessoas pudéssemos retirar do cotidiano pardo em que vão perdendo os contornos, ou elas a si próprias se retirassem de malhas e prisões, quantas mais maravilhas seriam capazes de obrar, que pedaços de conhecimento profundo poderiam comunicar, porque cada um de nós sabe infinitamente mais do que julga e cada um dos outros infinitamente mais do que neles aceitamos reconhecer.” José Saramago Talvez, a impossibilidade de retirada é o que nos torna e torna, igualmente, as experiências, os objetos, os olhares, as perspectivas: únicos. Esta seção delimitou os caminhos metodológicos a que este trabalho foi submetido, perpassando por dois grandes momentos, que são: aspectos metodológicos que compõem a pesquisa; e a descrição dos caminhos percorridos. Num primeiro momento, apresentamos um mapeamento abrangente dos direcionamentos teóricos que orientam as decisões, desde a escolha e o manuseio do corpus até a análise e interpretação dos dados e, por fim, da escrita dos resultados. Posteriormente, seguimos por uma descrição dos passos metodológicos adotados na execução da análise dos dados. Nesta etapa, destacamos as escolhas e justificativas que guiaram cada etapa analítica. 4.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS QUE COMPÕEM A PESQUISA Esta pesquisa foi proposta com base nos pressupostos fundamentais da Análise do Discurso Francesa. Para que pudesse ser desenvolvida, o corpus bem como as escolhas teórico metodológicas foram feitas considerando os parâmetros solicitados por essa vertente, tendo como parâmetro principal a forma como Análise do Discurso Digital – que consideramos, ao longo do trabalho, um caminho singular dentro dessa grande área teórica - compreende, categoriza e aponta caminhos de análise para o objeto. Nesse contexto, a metodologia não vem pronta ou está acabada e determinada antes de um contato inicial com os dados, mas é estabelecida concomitantemente à apropriação teórica e análise dos dados. A teoria e a metodologia, no sentido explicitado, andam juntas em razão do que o objeto vai solicitando, o que significa que essas condições não são dadas a priori. Assim, os estudos nessa linha de pesquisa possuem um caráter qualitativo e caracterizam-se a partir de duas grandes categorias muito presentes, quais sejam o estudo do objeto em seu contexto original e 71 o olhar para o sujeito do discurso. Mariani (1998, p. 108) reflete, complementando nossa discussão, que “os sentidos das palavras podem mudar conforme a situação em que são usadas e conforme o lugar social ocupado pelo sujeito que fala”. Por isso, nossa escolha por viabilizar que as análises fossem feitas de maneira que pudessem integrar os elementos presentes no ambiente digital, bem como as nuances e possibilidades a que pudéssemos mapear. Esse ambiente, com suas características próprias de interatividade e dinamismo, oferece elementos de produção singulares e fundamentais para a coprodução desses tecnodiscursos. Assim, nossa análise não considerou uma visão estática dos textos, mas uma compreensão macro dos elementos discursivos, embora este ponto também nos tenha aparecido como um desafio. Dito de outro modo, retirar fragmentos textuais de seus contextos/ambientes resulta, com base em nossa perspectiva, em perdas significativas de significados e nuances. O tecnodiscurso emerge desses ambientes digitais, não é, portanto, um conjunto de palavras, mas uma produção intrinsecamente ligada à forma como esses espaços funcionam e interagem. A fragmentação e deslocamento de textos pode alterar os sentidos e deixar à margem elementos fundamentais. Nossa abordagem metodológica, a partir disso, busca assegurar que a análise não se trate apenas de uma captura dos textos, mas também da consideração de todo o entorno que, segundo o que consideramos, fazem parte das produções tecnodiscursivas. Seguindo por esse caminho, selecionamos o canal Redação e Gramática Zica, localizado na plataforma digital YouTube, que possui mais de 300 vídeos e está no ar há mais de sete anos. O canal é dirigido por uma professora de português e é destinado para alunos interessados em videoaulas curtas sobre os mais variados assuntos que envolvem as produções de redações e questões gramaticais. O canal tem mais de mil inscritos e tem videoaula que passa de 240 mil visualizações – número significativo e bastante expressivo, visto que, nessa plataforma, as visualizações são uma importante informação, tanto comercial, quanto referencial. Para que pudéssemos aproveitar o corpus em harmonia com nosso objeto, optamos por analisar 8 (oito) videoaulas que foram postadas em 2020, sendo metade delas postada de forma gravada previamente e a outra metade realizada ao vivo e, posteriormente, fixada na plataforma. Essa escolha segue critérios organizacionais. Somando ao canal Redação e Gramática Zica, selecionamos o canal Professor Noslen, também localizado na plataforma digital Youtube. O canal possui mais de 900 vídeos e 4.95 M de subscritores. Na descrição, volta-se para o ensino de toda a língua portuguesa, com o intuito de facilitar a aprendizagem de maneira rápida e divertida, também se denomina o maior canal 72 de ensino de língua portuguesa do mundo. Deste canal, selecionamos 4 (quatro) videoaulas curtas, gravadas e postadas em 2020 a fim de que pudéssemos comparar os canais. Os dois canais experimentaram, durante o período da pandemia da covid-19, um engajamento significativo e nos anos subsequentes também, consolidando ainda mais suas já estabelecidas presenças na internet e nossa escolha por eles. A análise das videoaulas oferecidas por eles, portanto, especialmente considerando a expressiva influência que exercem na plataforma, proporcionou uma perspectiva mais ampla e complexa sobre o nosso objeto. Essa escolha por descrever os aspectos mais virais dos vídeos, assim como ao possível engajamento que a plataforma suscita como possibilidade, é presença constante e inerente às nossas reflexões, pois é nesse universo em que o dizer perpassa por questões comerciais, estruturais, coproduzidas e que nos ancoramos. Ou seja, não seria, ao nosso ver, compreensível propor a análise de um objeto sem que pensássemos no ambiente em que ele se origina, se constituie que compartilham histórias, momentos, desafios, sorrisos, lágrimas, abraços... Vocês fazem parte do doce que experimentei. Obrigada! A todos que dividiram comigo os espaços nos estágios que fiz nos últimos anos da graduação em psicologia. Vocês foram muito importantes e ajudaram a colorir dias cinzentos. Aos que fazem parte do Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Federal do Rio Grande do Norte: servidores, técnicos, professores, estagiários, usuários. Aos que dividiram comigo espaços importantes de leitura, discussão e aprendizado. Em nome de Rebecca, agradeço aos que me fizeram acreditar que é possível construir espaços respeitosos de diálogo e troca na pós. Aos bons encontros, a doçura de esbarrar com sorrisos que marcam, com olhares que afagam, com a reciprocidade de bons sentimentos e com os abraços que impulsionam. Ao meu orientador, Prof. Dr. Samuel Ponsoni, pela recepção tão gentil, pelo espaço saudável de diálogo e por acreditar em mim, no meu trabalho e na pesquisa que, juntos, poderíamos finalizar. À Profa. Dra. Julia Lourenço Costa e aos Prof. Dr. Samuel Ponsoni e Prof. Dr. Thomas Massao Fairchild, participantes da minha banca de qualificação, por terem disponibilizado tempo para contribuir com suas leituras, sugestões e apontamentos. À Profa. Dra. Nedja, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem, pela atenção e acolhimento. Obrigada! Aos professores, especialmente aos que de algum modo me marcaram positivamente e que não desistem de, dignamente, lutar por condições justas de trabalho, por uma educação de qualidade e pelo prestígio que merecem. Aos profissionais que estiveram ao meu lado. Seja os que me ajudaram no que diz respeito à saúde mental, seja os que cuidaram da minha saúde física. Aos que eu não citei diretamente ou que não pertencem aos espaços que apontei, mas que ao longo deste caminho, esbarraram com minhas angústias, me ofereceram um ombro, um tempo, um abraço... Obrigada! À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, agradeço pelo apoio financeiro de grande importância para a realização desta pesquisa. À Universidade Federal do Rio Grande do Norte por dar espaço aos mais diversos sonhos e objetivos, como deu ao meu, e por ter sido lugar (físico ou simbólico) de construção. “Não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos.” Anaïs Nin RESUMO O grande protagonismo social dado ao discurso digital, sobretudo no que concerne ao contexto pandêmico, despertou inquietações tanto pessoais quanto contextuais. No contexto educacional, os números impactantes de visualizações na plataforma Youtube crescem cada vez mais e, com isso, canais de videoaulas, dos mais variados conteúdos, ganharam e ganham ainda mais espaço na atualidade, influenciando diretamente o contexto contemporâneo de trabalho dos professores. Nesta perspectiva, a pesquisa visou definir, compreender e refletir questões que versam sobre o lugar/papel de protagonismo crescente e da consolidação das videoaulas, lidas, entendidas e analisadas aqui como tecnogêneros, publicadas na plataforma YouTube, atentando igualmente para a grande evidência que a quadra histórica mundial vem estabelecendo para o ambiente digital. Dessa forma, defendemos a tese de que é possível observar, com base nos postulados da Análise do Discurso Digital (ADD), que as videoaulas não apenas estabelecem seu protagonismo e características discursivas bem específicas, mas também impõem limites distintos às aulas de modo de produção convencional, tanto como produção, quanto como compartilhamento de conhecimento a partir desse formato. Ancorados nos conhecimentos da Análise de Discurso, à luz dos estudos de Pêcheux (1995), e lastreados principalmente pela Análise do Discurso Digital, perspectiva central de nosso trabalho, proposta por Paveau (2021), nosso trabalho de pesquisa foi desenvolvido a partir do corpus composto por 12 (doze) videoaulas, divididas a partir de dois canais digitais: 4 (quatro) gravadas e 4 (quatro) ao vivo, do canal Redação e Gramática Zica, e 4 (quatro) gravadas do canal Professor Noslen; os canais se destacam pelo alcance e números importantes para atestar a notável presença na internet. Os resultados encontrados, de modo geral, demonstram as nuances estabelecidas pelo ambiente digital, compreendendo as videoaulas como um tecnodiscurso e, nessa perspectiva, um tecnogênero digital. No que tange a aspectos de efeitos causados, compreendemos que as características apontadas, sobretudo a ampliação e a deslinearização, mobilizaram efeitos singulares: a ampliação ecoa as possibilidades, tanto nos comentários quanto no chat online, das mais diversas formas de interação que são postas pelos internautas, e a deslinearização também comporta o universo das possibilidades que são suscitadas a depender da interface, do perfil mapeado pela rede do escrileitor e das interferências que podem ocorrer a cada navegação. Além disso, discutimos o sucesso, o conhecimento compartilhado e a localização contextual embarcada pelo neoliberalismo e suas consequências para a classe de professores. Portanto, tratar dessas problematizações e questões teórico-analíticas foi o objetivo principal desta tese de doutoramento. PALAVRAS-CHAVES: Discurso Digital. Tecnodiscurso. Tecnogênero. Videoaula. Precarização do trabalho de professores. ABSTRACT The great social prominence given to digital discourse, especially in the context of the pandemic, has raised both personal and contextual concerns. In the educational context, the impressive number of views on the YouTube platform is growing more and more, and as a result, video lesson channels with the most varied content have gained and continue to gain even more space today, directly influencing the contemporary context of teachers' work. From this perspective, the research aimed to define, understand and reflect on issues that deal with the place/role of growing prominence and consolidation of video lessons, read, understood and analyzed here as technogenres, published on the YouTube platform, also paying attention to the great evidence that the world's historical period has established for the digital environment. Thus, we defend the thesis that it is possible to observe, based on the postulates of Digital Discourse Analysis (DDA), that video classes not only establish their protagonism and very specific discursive characteristics, but also impose distinct limits on classes in conventional production mode, both as production and as sharing of knowledge from this format. Anchored in the knowledge of Discourse Analysis, in light of the studies of Pêcheux (1995), and supported mainly by Digital Discourse Analysis, the central perspective of our work, proposed by Paveau (2021), our research work was developed from the corpus composed of 12 (twelve) video classes, divided from two digital channels: 4 (four) recorded and 4 (four) live, from the Redação e Gramática Zica channel, and 4 (four) recorded from the Professor Noslen channel; the channels stand out for their reach and important numbers to attest to their notable presence on the internet. The results found, in general, demonstrate the nuances established by the digital environment, understanding video classes as a technodiscourse and, from this perspective, a digital technogenre. Regarding the aspects of the effects caused, we understand that the characteristics pointed out, especially the expansion and delinearization, mobilized unique effects: the expansion echoes the possibilities, both in the comments and in the online chat, of the most diverse forms of interaction that are put forward by internet users,e é consumido – com base nos números de alcance. Essa questão, portanto, se mistura com o singular que perpassa o “pessoal” imbricado nos parâmetros desta pesquisa. A própria vivência no universo digital propõe questionamentos e impulsiona questões que transbordam o “estar lá”, ou seja, as temáticas observadas e postas em questão neste trabalham partem, sobretudo, de afetações e percepções que atravessam produções constantes nesse universo explorado e, cada vez mais, habitado. Para além das videoaulas, consideramos a necessidade de localizá-las historicamente e metodologicamente de uma maneira didática a fim de permitir que a sessão de análise pudesse se desenvolver de maneira fluida. Para tanto, mobilizamos um percurso que compreendeu uma transição epistemológica histórica e interacional, percorrendo um caminho inédito de investigação que se deu pela compreensão da estrutura prévia de uma aula presencial, da videoaula e das plataformas educacionais, como o Duolingo e o Talkpal. Esse modo não só abriu caminhos para a fluidez das análises como também possibilitou uma melhor compreensão da importância de nosso objeto, tal como o de sua localização diante do contexto apresentado que tece sobre especificidades do digital para além da estrutura propriamente dita, mas de um cenário complexo, político e tecnodiscursivo. Seguindo, o objetivo que foi pautado na análise deste trabalho se voltou para o rompimento com a perspectiva dualista, de modo que se compreenda que nada é pensado numa 73 dicotomia entre objetividade e subjetividade, mas sim num continuum, optando, então, por uma abordagem pós-dualista5. Em seus dizeres, Paveau (2021) propõe uma crítica ao logocentrismo predominante na linguística tradicional e, com isso, sugere uma “provincialização” tanto da linguagem quanto da disciplina linguística, o que embasa sua crítica e constroi o seu discurso pós-dualista. Com isso, há uma busca pela descentralização das abordagens normativas que por muitas vezes, a partir de suas perspectivas, ignoraram complexidades e profundidades importantes a serem consideradas, como, segundo ela, metadiscursos das pessoas comuns nas práticas linguísticas – o que inclui considerar suas experiências de vida, posições morais e políticas. Ao adotar uma perspectiva que não ignore essas complexidades a disciplina tende a fazer um caminho inverso, se afastando das margens superficiais e se aproximando da complexidade o que pode enriquecer a compreensão em torno da linguagem. É nesse ponto que Paveau (2020) sugere que a plena integração das condições de fala dos sujeitos nas práticas linguísticas pode inaugurar uma “pós-linguística”, possibilitando uma nova fase de ampliação de horizontes. Motivados, então, pelo entendimento desse olhar mais integrativo, percebemos a importância de não selecionar, no corpus, o material de forma a extraí-lo do ambiente em que é produzido/circulado, já que todo esse ambiente compõe a produção, ou seja, faz parte da produção. Observar e analisar todos esses aspectos significa não deixar que algo fique à margem, negligenciado ou, de certo modo, aquém dentro de uma seleção. Essa noção pós-dualista, acrescentando, vai além de uma abordagem que consideramos “logocentrada dos fenômenos discursivos, que concentra a análise apenas em formas linguageiras ou comunicacionais, em detrimento das restrições sociotécnicas e, mais amplamente, ambientais, para integrar os outros componentes da vida humana e não humana” (Paveau, 2021, p. 161). Em resumo, “a ecologia do discurso é uma abordagem da análise do discurso que toma como objeto não mais somente elementos linguageiros, mas o conjunto do ambiente nos quais eles se inscrevem” (Paveau, 2021, p. 159). Ou seja, não temos como protagonista o discurso, 5 A abordagem ecológica do discurso se baseia em um certo número de escolhas epistemológicas e teóricas pós-dualistas. O pós-dualismo é uma posição epistemológica que põe em questão a concepção dualista das relações entre espírito e mundo, espírito e corpo, linguagem e mundo, humano e não humano, fundadora do pensamento ocidental (Lakoff, Johnson 1999): numa perspectiva discursiva pós-dualista, não há ruptura de ordem entre linguístico e extralinguístico, entre discurso e contexto; a ordem da linguagem e aquelas da realidade formam um continuum. (PAVEAU, 2020, p. 160). 74 mas a somatória de elementos que constituem o ambiente. Esse método de trabalho é de suma importância para que formas tecnolinguageiras que carregam componentes tecnológicos não sejam descartadas como seriam em uma análise logocentrada. Compreender isso é identificar algumas nuances que se diferenciam de uma análise dualista, como, por exemplo, a noção de contexto, do extralinguístico, como sendo uma espécie de ecossistema que concebe, que “guarda” o discurso, tal qual um pano de fundo. A diferença se dá exatamente numa concepção que compreende esse ambiente como participante da elaboração, de modo a se destacar como co-produtor. Em vista disso, “o agente enunciativo se encontra, então, distribuído no ecossistema digital, e não mais definido como a fonte da produção verbal” (Paveau, 2021, p. 162) Outra noção que se diferencia nos modos de análise aqui contrastados é o de suporte. Na análise do discurso, essa noção que, antes, se comportava também de uma forma dualista, entendendo que haviam suportes digitais, por essa perspectiva se caracteriza como pertencente a apenas uma ordem: o tecnodiscurso. Ou melhor, há uma integração entre o tecno e o discurso, de modo a não permitir uma separação a fim de pensar a produção e um lugar de suporte para o que é linguageiro, mas, em contrapartida, perceber um discurso produzido em uma ordem única. Para ilustrar essa noção, trouxemos Paveau (2020, p. 162) ao afirmar que Na internet, de todo modo, o internauta escreve nos ecossistemas, nas máquinas, e não mais “sobre” ou “por meio” deles; o corpo, a máquina, as competências linguageiras e os textos produzidos pelo internauta são integrados em um dispositivo comum, que se baseia em uma materialidade única, porém compósita (grifos do autor). Com isso, a autora sugere que há uma mudança importante de perspectiva, o ambiente digital deixa de ser uma ferramenta ou meio de comunicação e o internauta passa a fazer parte de todo esse ecossistema digital com a escrita e a comunicação sendo influenciadas pela materialidade do ambiente, ou seja, a natureza compósita é fundamental para que a compreensão passe a ser diferente. Essa materialidade comporta a ideia de que há uma combinação de diferentes elementos tecnológicos e sociais se entrelaçando, como máquina, corpo humano e competências linguageiras. Adiante, com o intuito de justificar a escolha por um modo qualitativo de investigação, recorremos a um paradigma que visa, antemão, às manifestações singulares. Esse paradigma, conhecido por Paradigma Indiciário, é pautado nos detalhes – o que é muito interessante quando aliado à análise ecológica a qual citamos – e busca o que não é pressuposto ou levantado em 75 hipóteses nos dados, mas o que o corpus, em sua singularidade, pode, ao longo da investigação, proporcionar à pesquisa, visto que esse modo, proposto por Ginzburg (1986), parece mais produtivo para responder às questões e aos objetivos desta pesquisa. A investigação pautada nesse paradigma se ancora em procedimentos abdutivos de investigação, bem como de questões metodológicas, que enfatizam: I) os critérios de identificação dos dados a serem tomados como representativos do que se quer tomar como a “singularidade que revela”, uma vez que, em um sentido trivial do termo, qualquer dado é um dado singular; II) o conceito de “rigor metodológico”, que não pode aqui ser entendido no mesmo sentido que é tomado no âmbito de paradigmas de investigação centrados nos procedimentos experimentais, na replicabilidadee na quantificação. Para centralizar o estudo com base nesse mecanismo metodológico, é importante salientar que, diante da vasta singularidade dos dados, devemos compreender que o que posiciona a pesquisa é o olhar e as escolhas do pesquisador que está, certamente, filiado ou pertencente a algum lugar específico de fala. O que o conduzirá, portanto, é definido pelas diferentes filiações, programas de pesquisa, conduta e, sobretudo, olhar do pesquisador. Nessa mesma linha de pensamentos, refletimos sobre a importância de deixarmos que os dados “falem” frente ao que já está pressuposto, já que somente um programa de pesquisa que antecipadamente já definiu seus resultados pode dispensar-se da pergunta “o que ensinam os dados ou acontecimentos?”. Para aqueles que dispensam tal pergunta, trata-se apenas de buscar exemplos que corroborem os pontos de vista e definições antecipadamente fixadas (Geraldi, 1996, p. 147). Essa perspectiva está intimamente ligada aos interesses que pautamos em cima de nosso objeto, sobretudo pela singularidade e “novidade” a que nos ancoramos quando viabilizamos um universo caro à sociedade e, ao mesmo tempo, versátil. A construção do espaço digital se dá a todo momento, seja nos momentos que antecedem nossa análise, seja nos momentos que compreendem nossa análise, bem como se estendem ao que ainda virá de construção e reconstrução, como vem sendo. Toda essa dinâmica também diz sobre o objeto maior de investigação dos estudos da linguagem. Compreender a língua é se debruçar sobre as transformações sociais que reverberam em nossos estudos. Não há como esgotar as possibilidades quando entendemos e apontamos os agentes produtores e consumidores desse objeto como agentes ativos socialmente e, portanto, agentes que produzem e que cada vez mais buscam novas formas de interação, comunicação e 76 produção. Pensar na linguagem, nas relações e nas produções linguageiras, acreditamos, é pensar também sobre isso. Isso posto e tratando de produções singulares, únicas e diversificadas, o que esperávamos e conseguimos atestar ao passo que nos aprofundamos nos estudos é que, ao longo das investigações, os dados se comportaram de maneira construtiva e não, apenas, comprobatória. Esse direcionamento é dado, também, pela mobilização que foi feita pelas questões de pesquisa, assim como pelas inquietações que levaram à construção do projeto inicial. 4.2 DESCRIÇÃO DOS CAMINHOS PERCORRIDOS Nesta subseção organizamos os caminhos que percorremos nas análises, como se deram as escolhas e como foi feita a organização sequencial das ideias. Para tanto, como já exposto anteriormente, conforme proposto por Paveau (2021), devido à singularidade do tecnodiscurso é fundamental manter o corpus em sua inteireza durante as análises. Optamos, dessa forma, pela utilização de prints das páginas inteiras, preservando a totalidade do conteúdo e garantindo uma análise abrangente, exceto em situações pontuais. Inicialmente, foram apresentados e previamente analisados os discursos pré-digitais, digitalizados e nativos digitais para que as videoaulas pudessem ser localizadas e identificadas. Para tanto, partimos do que já é conhecido em torno de uma aula presencial; da análise das videoaulas; e de aplicativos de aulas gerenciados por IA. Este percurso oferece uma nova abordagem de análise, seja para localizar o nosso objeto, seja para delinear possíveis novos caminhos de investigação. No que diz respeito às análises propriamente ditas, partimos das categorias propostas por Paveau (2021) a respeito do tecnodiscurso, sendo elas: composição; deslinearização; ampliação; relacionalidade; investigabilidade; e imprevisibilidade. Essas categorias foram descritas no Quadro 3 que comportou a categoria e seus respectivos aspectos objetivados para análise. As análises das videoaulas gravadas foram dispostas em quadros e a organização se deu desde a titulação de cada uma delas. As videoaulas do canal Gramática e Zica foram intituladas de videoaula_GZ_1; videoaula_GZ_2; videoaula_GZ_3; e videoaula_GZ_4. Enquanto as videoaulas do canal Professor Noslen foram intituladas de videoaula_PF_1; videoaula_PF_2; videoaula_PF_3; e videoaula_PF_4. Além dessa organização, as videoaulas ao vivo do canal 77 Gramática e Zica seguem a seguinte sequência: videoaula_GZ_AV_1; videoaula_GZ_AV_2; videoaula_GZ_AV_3; e videoaula_GZ_AV_4. Nos quadros 4 e 5 foram apresentados os dados referentes às análises da estrutura das videoaulas gravadas do canal Gramática e Zica (quadro 4) e do canal do Professor Noslen (quadro 5). Eles estão divididos em três colunas que compõem o título da videoaula, o conteúdo e, por fim, a estrutura. Além desses, também elaboramos o quadro 6, que comportou a análise estrutural das videoaulas ao vivo do canal Gramática e Zica – que também seguiu a mesma estrutura dos quadros anteriores. Seguindo, analisamos as videoaulas em cada uma das características do tecnodiscurso elencadas pela Paveau. Com base nisso, elaboramos o Quadro 7 que permitiu a organização do que foi destacado em cada uma das categorias. Nele, incluímos as oito videoaulas gravadas (quatro de cada canal, iniciando com as quatro do canal Gramática e Zica e seguindo com as quatro do canal do Professor Noslen). O mesmo foi feito no Quadro 8, dessa vez, com as quatro videoaulas ao vivo do canal Gramática e Zica. Só então, partindo de toda a questão estrutural, assim como das questões reflexivas que foram suscitadas, que foi possível avançarmos para as diferenças e semelhanças que puderam ser viabilizadas entre as modalidades de videoaulas analisadas. As sutis diferenças foram destacadas nas categorias: composição, ampliação e relacionalidade. Findadas as questões composicionais das videoaulas e as reflexões postas sobretudo no que diz respeito às possibilidades interacionais dessas estruturas do tecnodiscurso, observamos o tecnogênero e os efeitos de sentido. Partindo da noção de Tecnogênero negociado, seguimos por um caminho de reflexão que resultou em delimitações para a localização do lugar ocupado pelas videoaulas. Por fim, nos debruçamos sobre as diferenças viabilizadas pelas distintas plataformas. Para isso, foram analisados os mesmos canais no Tiktok e conseguimos perceber a necessidade de trazer, para além da descrição da plataforma e das diferenças encontradas, prints que pudessem materializar e ilustrar o descrito. Finalmente, apontamos e refletimos os resultados encontrados. 78 5 VIDEOAULAS EM PERSPECTIVA: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS “[...] É nesse sentido que tomo o digital para além de uma mera forma de produção político- ideológica do discurso, como uma condição e meio de produção e reprodução das formas de existência capitalistas.” (Dias, 2018) Esta seção comporta um caminho de análise de apresentação dos discursos pré-digitais, dos discursos digitalizados e dos discursos digitais nativos, a fim de localizar as videoaulas. Para além disso, comporta as categorias de análise, a análise propriamente dita das videoaulas gravadas e das ao vivo; ou seja, os efeitos de sentido que puderam ser observados, seguindo com os resultados encontrados e as definições estabelecidas. As videoaulas selecionadas foram definidas, como já apresentadas em outros momentos, por critérios de alcance, engajamento, além de questões organizacionais que competem ao tecnogênero estudado. Os procedimentos seguiram a ordem de: a) apresentação das videoaulas, a partir de suas características estruturais preliminares; b) análise das videoaulas (gravadas e online), a partir das seis características do tecnodiscurso elencadas por Paveau (2021); c) diferenças/semelhanças constatadas, a partir das análises, das aulas gravadas dos distintos canais e, para o mesmo canal, das duas modalidades de videoaulas; d) os efeitos de sentido que foram observados.5.1 DISCURSO PRÉ-DIGITAL, DIGITALIZADO E NATIVO DIGITAL Compreendemos o quanto o termo digital consegue abarcar uma infinidade de perspectivas, tornando-se, ao longo do tempo e de seus usos, genérico, ou ainda pior, obtuso. Neste sentido, essa pluralidade, nas mais diversas situações tecnodiscursivas, nos solicita um posicionamento quanto aos seus modos de uso e ao que, ao longo de nossa pesquisa, estamos considerando como digital e em quais momentos podem ser compreendidos como digital. Para tanto, seguimos em consonância, enquanto referência, com as três ordens linguísticas do digital a que a Paveau (2015) se refere: numérisé, numérique, numériqué6. Essas ordens linguísticas do digital apontam: numérisé – é um documento digitalizado, ou seja, é o produto de uma postagem em ambiente digital; numérique – um discurso produzido em contexto off-line, em algum telefone, tablet etc., e que possui características da escrita no 6 Digitalizado, digital e nativo digital (Paveau, 2021). 79 teclado bem como as funções fornecidas pelos recursos do software de escrita, também pode ser colocado, opcionalmente, online, embora não seja destinado originalmente às redes; numériqué – discurso produzido de forma nativa em ambiente online, em redes sociais, sites, ou qualquer lugar digital que hospede produção de fala (Paveau, 2015). No intuito de visualizarmos a tipologia referente à cadeia editorial, a qual estamos inseridos, mobilizamos um percurso que compreende a transição epistemológica, histórica e interacional do que tratamos à medida que tentamos localizar o lugar das videoaulas no cenário pandêmico. Para tanto, apontamos o estereótipo de uma aula presencial, embora não tenhamos nos demorado neste aspecto, uma vez que decidimos adotar o compartilhamento do senso comum de conhecimento geral desse gênero; as videoaulas e sua localização crítica; e aulas nativamente digitais acessadas por aplicativos de aulas de idiomas. Esse percurso corresponde, além de um caminho de investigação pouco visto, um olhar cuidadoso para os possíveis caminhos críticos aos quais nos debruçamos. Deste modo, numa aula presencial, compreende-se uma estrutura prévia que deve ser pensada a fim de ajudar o aluno a conquistar os objetivos necessários. A aula é composta, também, por um professor – sujeito que ministra a aula. Nessa composição, a dinâmica professor-aluno gira em torno de um assunto que é central. Acontecendo de forma presencial, com recursos físicos e, mais recentemente, com o incremento dos mais variados recursos, as aulas que aqui chamaremos de convencional são baseadas em planos de aula que comportam a temática, objetivos, conteúdos, habilidades que devem ser desenvolvidas etc. Somado a isso, quando pensamos no gênero discursivo aula convencional, evocamos uma determinada forma de interação verbal que ocorre entre um professor e seus alunos em um processo educacional com características diferentes de outros tipos de comunicação oral, por exemplo. Dessa forma, citamos: i) o contexto educacional – enfatizando a sala de aula, um auditório ou, no caso das aulas online que veremos adiante, o próprio ambiente de ensino online; ii) os participantes – normalmente há um professor que conduz a aula e os alunos; iii) objetivos pedagógicos – compreende-se que o principal objetivo de uma aula é a transmissão de conhecimento, o ensinamento de conceitos, o desenvolvimento de habilidades e a promoção do aprendizado dos alunos; comunicação verbal, comunicação é predominantemente verbal; iv) organização estruturada – há uma estrutura contendo introdução, desenvolvimento e conclusão; recursos didáticos, o professor, normalmente, pode utilizar slides, quadro, projeções, materiais impressos, entre outros; v) avaliação do desempenho; vi) e estilo de linguagem, que pode variar dependendo do nível educacional e da matéria, entretanto, normalmente é formal e focado no tema/assunto proposto. 80 Tomaremos como referência a aula tradicional, pois advém dela as maiores referências para as demais modalidades que surgiram posteriormente. Além disso, há discussões que repercutem, hoje, a problemática que seria sua substituição pelas modalidades que estão sendo largamente utilizadas. O fato de não nos determos tanto na descrição desta modalidade diz respeito ao conhecimento prévio que compreendemos ser de conhecimento do/a leitor/a ao funcionamento e as dinâmicas componentes de uma aula tradicional, portanto, as maiores descrições se fizeram presentes quando foi necessário recorrermos às comparações devidas. De maneira geral, a videoaula é uma aula que utiliza recursos audiovisuais e multimídia, a fim de transmitir informações e conteúdo educacional envolvendo as mais diversas temáticas, sobretudo quando se trata do ambiente digital que cada vez mais engloba uma enorme diversidade de temas. No que tange a conteúdos de língua portuguesa, podemos encontrar aulas de redação, gramática, morfologia, entre outros conteúdos. A infinidade de temática é subsidiada pela imaginação e pelos cenários dinâmicos e criativos que o ambiente e a interação homem – máquina podem proporcionar. No exemplo a seguir (figura 9), notamos uma aula sobre a diferença entre a utilização dos termos “me” e “mim”. Figura 9 - Layout da aula “Quando usar ‘me’ e ‘mim’” na plataforma Youtube Fonte: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l1THA3vg5UQ. Acessado em: 21 de outubro de 2024. A partir da Figura 9, é possível notar, para além da utilização das palavras propriamente ditas, que teve a distinção explicitada, um ambiente propício para a criação e abertura de várias 81 outras possibilidades. Os recursos gráficos são componentes dos discursos e facilitam a interação que não se restringe ao comentário, mas que podem se materializar em curtidas e compartilhamentos. As pessoas que chegaram até essa dica podem, inclusive, pular para outra ou serem “capturadas” por propagandas, por vídeos de outros conteúdos, temas etc. Essas videoaulas podem ser caracterizadas quanto ao formato visual e auditivo, uma vez que combinam os mais diversos elementos dessas esferas: acesso remoto, o conteúdo é acessado de forma remota; flexibilidade de tempo, há uma flexibilidade de tempo dos alunos para assistirem às videoaulas num ritmo próprio; recursos técnicos, que incluem edições de vídeo e afins; organização estruturada, assim como nas aulas presenciais, uma videoaula, normalmente, segue uma estrutura organizada que engloba introdução, apresentação do conteúdo, exemplos e uma conclusão; acessibilidade, possibilidade de inclusão de legendas, tradução e demais recursos; e armazenamento permanente. Quando consideramos, portanto, a videoaula online ao vivo, diferenciamos da gravada, principalmente, no que diz respeito ao tempo de entrega e à interatividade. Nas videoaulas gravadas, além de uma flexibilidade de tempo que permite revisão, pausa, acesso permanente e que possibilita a produção e edição de vídeos, a videoaula online ao vivo se distingue no tempo real, justamente por acontecer no momento direto em que a interação vai se dar entre o professor e os alunos. Esta diferença proporciona resolução de dúvidas instantâneas, por exemplo. Em distinção às aulas apresentadas, trouxemos o Duolingo que é uma plataforma educacional online e que oferece cursos de aprendizado de línguas gratuitos. Essa plataforma se destaca por oferecer uma ampla variedade de idiomas, bem como por atender a falantes de diversos idiomas, o que permite aos usuários escolherem aprender uma língua estrangeira de acordo com as próprias preferências. 82 Figura 10 - Layout da página inicial do aplicativo Duolingo Fonte: autoria própria a partir de dispositivo móvel. As aulas na plataforma se dão a partir de “lições” que abrangem diversos aspectos da língua, como vocabulário,gramática, leitura, escrita e fala. Cada lição é projetada para ser bem interativa a fim de criar um ambiente bem envolvente para o usuário. O que se percebe é que essa abordagem interativa finda por otimizar o processo de aprendizado, uma vez que incorpora diferentes elementos digitais para manter o engajamento do usuário. Os exercícios são diversos e incluem preenchimento de lacunas, tradução, seleção de palavras, fala e escuta, o que proporciona uma experiência de aprendizado agregadora de vários elementos do ambiente digital. Nota-se que essa variedade é responsável por enriquecer a experiência de aprendizado, garantindo, também, maiores possibilidades para o desenvolvimento de habilidades linguísticas. Essa estrutura abrangente também permite que os usuários da plataforma possam experimentar diversos aspectos da língua de múltiplas maneiras interativas, de modo a promover uma aprendizagem mais “integrada”. 83 Figura 11 - Layout de uma página de atividades do aplicativo Duolingo_1 Fonte: autoria própria a partir de dispositivo móvel. Figura 12 - Layout de uma página de atividades do aplicativo Duolingo_2 Fonte: autoria própria a partir de dispositivo móvel. 84 Apontamos, nas Figuras 11 e 12, que há, também, a gameficação que é uma característica bem particular deste aplicativo, a contagem é feita a partir da barra que, ao longo das respostas certas, vai ficando verde (como exposta na Figura 12). Quanto mais acertos, mais próximo de completar a barra e, assim, passar para um nível acima. No caso de erros, há, também, penalidades. Elas são contadas pelos corações, tendo acabado os corações, o usuário precisa esperar por mais vidas (que são contadas em horas no plano grátis) ou adquirir mais delas comprando dentro do próprio aplicativo. Essa gamificação, portanto, determina que os usuários possam ganhar pontos, manter sequências de práticas diárias e competir com outros usuários. Também é possível acessar a plataforma de dispositivos variados, enquanto a interação na comunidade Duolingo proporciona suporte, motivação e a oportunidade de formar clubes para, inclusive, oportunizar a prática em conjunto. É importante destacar que, embora o aplicativo seja gratuito, há a versão Plus (versão paga) que oferece benefícios adicionais, como a remoção de anúncios, que proporciona uma experiência de uso mais fluida e sem interferência, e a disponibilidade de recursos offline, permitindo que os usuários continuem seus estudos mesmo sem a conexão à internet. Além disso, essa versão oferece vidas ilimitadas, o que elimina a necessidade de esperar por mais vidas ou comprá-las separadamente, por exemplo. Na Figura 13, podemos observar o mapa de fases por unidade que o aplicativo organiza. Cada um dos círculos clicáveis, que representam as etapas, são repletos de atividades, como as apresentadas nas Figuras 11 e 12. Cada etapa concluída faz com que o círculo seja preenchido pela cor da unidade e, assim, vai sendo possível avançar no mapa. 85 Figura 13 - Layout do mapa da Unidade 2 do aplicativo Duolingo Fonte: autoria própria a partir de dispositivo móvel. Além do Duolingo, também apresentamos o Talkpal, ferramenta que também se destaca no contexto do aprendizado de idiomas, sobretudo com sua proposta inovadora de utilizar tutores virtuais baseados em inteligência artificial. Os tutores são projetados para simular, de forma realista, interações humanas, proporcionando ao usuário uma experiência de aprendizado interativa e personalizada se alinhado à proposta da ferramenta. A inteligência artificial, nesse caso, é programada para entender e responder de maneira natural, oferecendo correções, feedback e sugestões conforme os avanços do usuário. Essa abordagem permite um aprendizado mais dinâmico e adaptado às necessidades individuais, por exemplo, podendo tornar o processo de aquisição de um novo idioma mais envolvente. Para facilitar a compreensão, seguem as Figuras 14 e 15 que comportam a interface do Talkpal. Nela, é possível visualizar as duas possibilidades de navegação na plataforma: a free, que corresponde ao “bater papo” e ao modo premium que corresponde a outras possibilidades de navegação, como “modo frase”, “modo de chamada”, e “interpretação de papeis”. Com um design bem dinâmico e relativamente simples, a plataforma não possui muitos caminhos, direcionando os usuários aos apresentados. 86 Figura 14 - Interface inicial do Talkpal_1 Fonte: Disponível em: https://app.talkpal.ai/dashboard. Acessado em: 21 de outubro de 2024. Figura 15 - Interface inicial do Talkpal_2 Fonte: Disponível em: https://app.talkpal.ai/dashboard. Acessado em: 21 de outubro de 2024. Quando se escolhe a opção não paga (bater papo), o usuário é direcionado para um bate- papo com uma tutora alimentada por Inteligência Artificial. Logo que o papo é iniciado, há algumas possibilidades, como podemos ver na imagem Figura 16 que direcionam o tema do assunto. Além disso, a interação pode ser feita por voz ou mensagem de texto e as mensagens enviadas pela tutora também podem ser escutadas por áudio. Para a pesquisa, escolhi a versão https://app.talkpal.ai/dashboard https://app.talkpal.ai/dashboard 87 que ensina a língua portuguesa e a tutora deu as seguintes opções para o início da conversa: diversão, interessante e você decide. Figura 16 - Layout do bate-papo com IA do aplicativo Talkpal_1 Fonte: Disponível em: https://app.talkpal.ai/dashboard. Acessado em: 21 de outubro de 2024. Ao escolher a opção “diversão”, como podemos ver na Figura 17, Ema (a tutora) deu continuidade ao bate-papo. Para responder, fui apresentada com a oportunidade de escolher entre a opção de interação “faça-me outra pergunta”. Ao proporcionar essa opção, o tutor virtual imediatamente formula uma nova pergunta, mantendo o diálogo ativo. Essa dinâmica interativa não apenas mantém o usuário engajado, mas também fornece uma experiência de aprendizado plural, já que consegue somar diferentes tópicos e, com base na Inteligência Artificial, incontáveis possibilidades. Essa habilidade programada de adaptação dos tutores alimentados por IA possivelmente garante um maior envolvimento dos usuários de manterem a conversa ativa e interessante, visto que ajustam as respostas e perguntas de acordo com o progresso e as escolhas do usuário, proporcionando, com isso, a personalização da experiência. https://app.talkpal.ai/dashboard 88 Figura 17 - Layout do bate-papo com IA do aplicativo Talkpal_2 Fonte: Disponível em: https://app.talkpal.ai/dashboard. Acessado em: 21 de outubro de 2024. Com base no exposto, é possível notar que há um caminho longo e cheio de nuances que versa por inúmeros lugares importantes para que possamos localizar as videoaulas e, mais importante, o lugar que elas se encontram, seja no que corresponde às características estruturais, seja no que diz respeito ao lugar discursivo/político e do papel que ocupam. Dessa forma, compreender o quanto o termo digital consegue abarcar uma infinidade de perspectivas e de como seu uso pode ser genérico, a depender do modo em que se é utilizado, é importante para que essa perspectiva dê lugar a especificidade do termo que, para nossa pesquisa, é muito caro. A pluralidade do digital e das mais diversas situações tecnodiscursivas nos solicita um posicionamento quanto aos modos de uso e ao que ao longo desse trabalho estamos considerando como digital e em quais momentos, dos quais já destacamos. Além disso, é importante destacar que a especificidade do digital em nossa pesquisa envolve considerações em quais momentos e de que maneiras o termo é aplicado. Essa análise, portanto, é feita, também, a fim de explorar nuances e caminhos que nos possibilitam enxergar a videoaulae suas características tanto no cenário educacional, na perspectiva comparativa, sobretudo política, quanto tecnodiscursiva, no vislumbre de suas características, lugar discursivo, possibilidades de interações e efeitos de sentido. https://app.talkpal.ai/dashboard 89 5.2 APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE As categorias que foram mobilizadas para compor esta análise são as propostas por Paveau (2021) a respeito do tecnodiscurso, que evidenciam especificidades dos discursos nativos da internet, atentando para a intensa integração na rede de relações algorítmicas. Esse funcionamento/circulação que também objetiva características linguísticas inéditas faz com que esse tipo de análise precise ocorrer em seu ambiente “original”, visto que a retirada da matéria linguageira propriamente dita prejudica demasiadamente a análise, pois, uma análise ecológica, como já foi ressaltado algumas vezes, garante um olhar ampliado para o corpus. Por essa razão, as imagens que foram selecionadas para compor a análise dos dados se dá de modo a “fotografar” a imagem global do ambiente. Ou seja, as telas são postas no arquivo a partir de prints que comportam todo o conteúdo componente daquela página visitada. As seis características do tecnodiscurso estudadas que subsidiaram a análise foram elencadas, neste trabalho, como categorias de análise. Essas categorias, aqui dispostas, são: 1) Composição; 2) Deslinearização; 3) Ampliação; 4) Relacionalidade; 5) Investigabilidade; 6) Imprevisibilidade. Por questões de organização, o foco de investigação que debruçamos em cada uma delas é descrito no quadro a seguir. Quadro 3 – Categorias de análise e os aspectos objetivados para análise CATEGORIAS ASPECTOS OBJETIVADOS PARA ANÁLISE 1) Composição “Esse tipo de composição tecnolinguageira é desenvolvida por um hibridismo semiótico: os tecnodiscursos podem ser plurissemióticos mobilizar simultaneamente, e na mesma simiose, texto, imagem fixa ou animada, som (por exemplo, a imagem macro ou o cartaz).” (Paveau, 2021, p. 58). ● Nessa categoria, a investigação se dá na varredura, categorização dos aspectos composicionais que podem ser elencados. 90 2) Deslinearização “Os discursos digitais nativos não se desenvolvem obrigatoriamente em um eixo sintagmático específico do fio do discurso, de acordo com a teoria pré-digital” (Paveau, 2021, p. 58). ● Nesta categoria, evidenciaremos, nas videoaulas, o que define essa não lineariedade em um mesmo eixo sintagmático. 3) Ampliação “Os discursos digitais nativos revelam uma enunciação ampliada, por causa da conversacionalidade da web social.” (Paveau, 2021. p. 59). ● Nesta categoria, observamos as formas de ampliação que podem ser categorizadas nas videoaulas, como comentários, escrita colaborativa e afins. 4) Relacionalidade “Os discursos digitais nativos estão todos inscritos numa relação” (Paveau, 2021, p. 59). ● Nesta categoria, observamos uma relação dos discursos digitais com outros discursos, outros aparelhos; e outros escrileitores. 5) Investigabilidade “Os discursos digitais nativos se inscrevem, no sentido material do termo, num universo que nada esquece e que é percorrido por ferramentas de busca e de redocumentação.” (Paveau, 2021, p. 59) ● Nesta categoria, investigamos as possibilidades de localização/rastreio das videoaulas na memória tecnodiscursiva (Paveau, 2021). 91 6) Imprevisibilidade Os discursos digitais nativos são parcialmente produzidos e/ou formatados por programas e algoritmos, fato que os torna imprevisíveis para os enunciadores humanos, tanto no plano de sua forma (passando automaticamente de um lugar de enunciação pré- digital a um lugar digital, um enunciado muda de forma), quanto no plano de seu conteúdo (algumas ferramentas, como os programas, redocumentam os discursos nativos dispersos, criando conteúdos originais). (Paveau, 2021, p. 59-60). ● Nesta categoria, foi feita uma busca pelas possíveis formas de se observar esta imprevisibilidade, bem como as materialmente pudessem ser elencadas. Fonte: autoria própria a partir de Paveau (2021). Portanto, o Quadro 3 comporta os aspectos que foram objetivados para ancorar as análises. Compreender o tecnodiscurso como resultante da reunião dessas categorias foi indispensável para que pudéssemos refletir em cima do que concerne a produção, sobretudo de sentido, no mundo contemporâneo em relação ao protagonismo das videoaulas. 5.2.1 Análise das videoaulas gravadas e ao vivo Com base em escolhas metodológicas e de organização, nesta subseção, as videoaulas gravadas dos dois canais estão categorizadas em duas tabelas. As do canal Gramática e Zica, estão intituladas de videoaula_GZ_1; videoaula_GZ_2; videoaula_GZ_3; e videoaula_GZ_4. Já as videoaulas do canal Professor Noslen, estão intituladas, na tabela subsequente, de videoaula_PF_1; videoaula_PF_2; videoaula_PF_3; e videoaula_PF_4. As videoaulas ao vivo são do canal Gramática e Zica e seguem, também, uma lógica metodológica sequencial, estas estão categorizadas, em outra tabela, como videoaula_GZ_AV_1; videoaula_GZ_AV_2; videoaula_GZ_AV_3; e videoaula_GZ_AV_4. 92 5.2.2 Apresentação das videoaulas a partir de suas características estruturais preliminares As videoaulas que foram selecionadas para compor essa análise pertencem a duas modalidades distintas de estruturação no que tange ao planejamento de sua execução. As videoaulas gravadas são realizadas em um tempo bem menor, em torno de 10 (dez) minutos, e compreendem uma dica ou a apresentação de um conceito breve; enquanto as videoaulas ao vivo levam cerca de 50 (cinquenta) minutos e delimitam um tempo bem maior para o desenvolvimento de um assunto/tema específico. No que corresponde às aulas gravadas, investigamos canais diferentes; no que diz respeito às modalidades distintas, observamos dentro do mesmo canal. De modo geral, as videoaulas compartilham aspectos estruturais, como saudação inicial; apresentação do funcionamento da aula e/ou contextualização da aula; diversas propagandas sejam para outras aulas ou sejam para o curso completo; saudação final e divulgação das demais redes sociais da professora. No que diz respeito aos aspectos que diferenciam, estruturalmente, essas videoaulas, focamos, principalmente, no chat on-line que permeia, nas aulas ao vivo, praticamente toda a dinâmica, pois possibilita que a professora possa interagir com os alunos simultaneamente à transmissão da aula; a interação por meio dessa ferramenta proporciona, por exemplo, que as pessoas que estão acompanhando a aula, respondam os exercícios também simultaneamente, recurso que, nas aulas gravadas, não pode ser usado. O fator tempo é bastante significativo, pois nas videoaulas gravadas, embora haja um “convite” para assistir à aula completa, o vídeo produz um conteúdo sem profundidade. Os conceitos são citados e, logo em seguida, exemplificados sem desdobramentos. É interessante olhar para a superficialidade que caracteriza essas aulas justamente para pensar o lugar delas no processo formador. Em contrapartida, nas videoaulas ao vivo, que possuem um tempo maior, é possível se debruçar com mais profundidade nos assuntos propostos. Portanto, nas videoaulas “menores”, o foco central gira em torno da dica, do “macete”, para não se errar mais a questão e, com isso, o conteúdo é direcionado em busca desse fim. Além disso, também destacamos a presença de exercícios/atividades em ambas as modalidades de videoaulas, sempre no intuito de “amarrar” o que está sendo apresentado. A sequência lógica que parece fazer mais sentido durante o planejamento é: apresentação do conteúdo + resolução de problemas envolvendo o conteúdo. Essa clássica maneira de apreensão de conteúdo, no contexto em que estamos analisando, nos parece precisar de outros mecanismos que façam com que oconsumidor daquele material se mantenha atento, vigilante. Esses 93 mecanismos são postos com efeitos de vídeo, transições, possibilidades de interações, tudo mobilizado pela professora. Para ilustrar como definimos essa estrutura, assim como percebemos as nuances de diferenças entre as videoaulas de canais diferentes e as modalidades das videoaulas apresentadas em um mesmo canal, elaboramos os quadros 4, 5 e 6 a fim de sistematizar essas informações. Os quadros estão divididos em três colunas: videoaulas, conteúdo e estrutura. Na coluna “conteúdo”, apontamos o título da videoaula que comporta o conteúdo ao qual ela vai se reportar e, na estrutura, a forma como essa videoaula é organizada. Quadro 4 – Estrutura das videoaulas gravadas do canal Gramática e Zica Videoaulas Conteúdo Estrutura videoaula_GZ_1 (gramática) ‘Menos”, ‘meio’ e ‘sós’ ● Saudação inicial ● contextualização do conteúdo (+ convite para assistir a aula completa) ● apresentação dos objetivos da aula / conceituação (breve) do conteúdo + exemplos ● proposta de atividade videoaula_GZ_2 (gramática) É proibida a entrada? ● Saudação inicial ● contextualização do conteúdo (+ convite para assistir a aula completa) ● apresentação dos objetivos da aula / ● conceituação (breve) do conteúdo + exemplos ● proposta de atividade videoaula_GZ_3 (gramática) ‘Possível’ e ‘alerta’ ● Saudação inicial ● contextualização do conteúdo (+ convite para assistir a aula completa) ● apresentação dos objetivos da aula ● conceituação (breve) do conteúdo + exemplos ● proposta de atividade videoaula_GZ_4 (gramática) Anexo, em anexo, no anexo ● Saudação inicial ● contextualização do conteúdo (+ convite para assistir a aula completa) ● apresentação dos objetivos da aula 94 ● conceituação (breve) do conteúdo + exemplos ● proposta de atividade Fonte: autoria própria. Neste quadro, podemos observar que no canal Gramática e Zica, as videoaulas gravadas seguem um padrão uniforme. Cada videoaula começa com uma saudação inicial, seguida pela contextualização do conteúdo, onde há um convite para assistir à aula completa, perpassando pela explicitação dos objetivos propostos para aqueles minutos de exposição, a conceituação do conteúdo, sempre a partir de exemplos e uma proposta de atividade. Esse formato foi observado em todas as videoaulas analisadas e, para além das estruturas, notamos que a uniformidade é “respondida” pelas pessoas que acessam com base nos comandos sugeridos. De fato, há o engajamento pelos comentários na execução da atividade proposta, as curtidas e compartilhamentos são os elementos que colocam o canal sempre em alta e a própria estrutura da aula já determina, também, a constância de quem as busca. No quadro a seguir, mapeamos as videoaulas gravadas do canal Professor Noslen. Quadro 5 – estrutura das videoaulas gravadas do canal Professor Noslen Videoaulas Conteúdo Estrutura videoaula_PN_1 Diferença de “ambos” vs “cada” ● Saudação inicial + convite para seguir o canal (engajar na plataforma) ● Breve apresentação do tema da aula ● Início da explicação + chamada para o engajamento no canal ● Contextualização do tema da aula (com referência e link de direcionamento para outra aula) e explicação propriamente dita com exemplos ● Finaliza convidando para o engajamento no canal, dessa vez, convidando para que compartilhem, nos comentários o que gostariam de aprender mais “com a gente”; e passando a agenda de postagens semanal. 95 videoaula_PN_2 Quando usar “me” e “mim” ● Saudação inicial (com chamada para engajamento no canal) ● contextualização do conteúdo e explicação propriamente dita com explicações (cotidianas) ● Chamada para as aulas que fazem complemento ao assunto abordado (aula de interjeição e uma paródia de preposição) ● Resumo da explicação com exemplos ● Finalização com chamada para engajar com o canal e com as demais plataformas. videoaula_PN_3 Diferença entre “este” e “esse” ● Saudação inicial (com a comemoração de 3 milhões de subscritos, na oportunidade, o professor já aproveitou e trouxe exemplos do conteúdo). ● Explicação do conteúdo com exemplos ● Resumo com um exemplo que abrange todo o conteúdo ● Finalização com agradecimento pelos 3M de inscritos + chamada para engajamento. videoaula_PN_4 Diferença entre “tua” vs “ sua” ● Chamada inicial com a apresentação do conteúdo ● Contextualização do conteúdo com a explicação propriamente dita a partir de exemplos ● Saudação final com chamada para engajamento. Fonte: autoria própria. Seguindo o que foi encontrado nas análises do canal Gramática e Zica, as videoaulas do canal do Professor Noslen também seguem um padrão, entretanto, há variações nos elementos encontrados e na organização das aulas. A saudação inicial está sempre acompanhada de algum elemento variável, como contextualização do conteúdo, chamada para interação no canal, 96 chamada criativa para introduzir o conteúdo ou apresentação de alguma questão que envolva o canal, como, no caso da videoaula_PN_3, a comemoração pelos 3 milhões de inscritos no canal. Diferentemente do canal Gramática e Zica, as videoaulas do canal Professor Noslen estão organizadas a pedir muito mais por engajamento, portanto, sempre que possível é feita essa observação e as pessoas que estão acessando são “chamadas” a curtirem, compartilharem, comentarem ou se inscreverem no canal. Isso também diminui o tempo destinado ao conteúdo propriamente dito. Outra diferença que podemos destacar é a ausência de uma proposta de atividade que é presente em todas as videoaulas do outro canal, neste, o conteúdo é explicitado por exemplos e a finalização da aula segue sem esse recurso. Para além disso, no canal Gramática e Zica, no início das videoaulas são apresentados os objetivos das aulas, o que a professora pretende que as pessoas que acessaram aquele vídeo aprendam ao final de cada aula, recurso que também não é utilizado no canal Professor Noslen. No que diz respeito às videoaulas ao vivo do canal Gramática e Zica, elaboramos o Quadro 6, com os respectivos conteúdos e as estruturas. Quadro 6 – estrutura das videoaulas ao vivo do canal Gramática e Zica Videoaulas Conteúdo Estrutura videoaula_AV_GZ_1 Formação de palavras ● Saudação inicial + interação no chat online ● apresentação do funcionamento da aula + convite para conhecer o curso completo ● apresentação e desenvolvimento do conteúdo com pausas para interação/retirada de dúvidas no chat online ● exercícios com tempo para resolução e em seguida realizados pela professora / proposta de engajamento na rede social Instagram / saudação final e informação sobre a próxima aula ao vivo videoaula_AV_GZ_2 Partícula “QUE” ● Saudação inicial + interação no chat online ● apresentação do funcionamento da aula + convite para conhecer o curso completo 97 ● apresentação e desenvolvimento do conteúdo com pausas para interação/retirada de dúvidas no chat on-line ● exercícios com tempo para resolução e em seguida realizados pela professora ● proposta de engajamento na rede social Instagram ● saudação final e informação sobre a próxima aula ao vivo videoaula_AV_GZ_3 Crase ● Saudação inicial + interação no chat online ● apresentação do funcionamento da aula + convite para conhecer o curso completo ● apresentação e desenvolvimento do conteúdo com pausas para interação/retirada de dúvidas no chat online ● exercícios com tempo para resolução e em seguida realizados pela professora ● proposta de engajamento na rede social Instagram ● saudação final e informação sobre a próxima aula ao vivo videoaula_AV_GZ_4 Coesão textual paraprovas de redação ● Saudação inicial + interação no chat online ● apresentação do funcionamento da aula + convite para conhecer o curso completo ● apresentação e desenvolvimento do conteúdo com pausas para interação/retirada de dúvidas no chat online ● exercícios com tempo para resolução e em seguida realizados pela professora ● proposta de engajamento na rede social Instagram 98 ● saudação final e informação sobre a próxima aula ao vivo Fonte: autoria própria. Nas videoaulas ao vivo do canal Gramática e Zica, a estrutura segue, também, uma sequência bem definida que se inicia com uma saudação inicial, combinada de uma interação no chat online – recurso diferencial, pois não aparece nas aulas gravadas. Logo em seguida, há a apresentação do funcionamento da aula, onde são fornecidas instruções sobre como a aula será realizada. Essa apresentação é bem semelhante aos objetivos apresentados das aulas gravadas, como se tratam de videoaulas do mesmo canal, acreditamos que essa semelhança também diz respeito ao funcionamento próprio das escolhas da professora. Durante a apresentação também é comum que haja o convite para que as pessoas participem do curso completo e, neste momento, são destacados os benefícios da continuidade dos estudos por esse fio. Nas aulas gravadas, também havia essa chamada para as aulas completas, agora, na modalidade ao vivo, a chamada é para o curso completo. Destacamos uma similaridade de funcionamento de divulgação que entrega uma parte do conteúdo projetando outra maior que deve ser acessada, adquirida. Após esse início, a aula segue com a apresentação e desenvolvimento do conteúdo principal, intercalados com pausas para interação e retirada de dúvidas no chat online, o que garante que os alunos possam acompanhar o material e tirar suas dúvidas em tempo real. A sequência é completa com a proposta de exercícios em que os alunos têm um tempo designado para resolver, findo esse tempo, a professora faz a correção on-line, junto com eles. Nas pausas e sempre que há brechas, há propostas de engajamento para a rede social Instagram. A aula é finalizada com uma saudação e informações sobre a próxima aula ao vivo. Essa estrutura é encontrada em todas as aulas analisadas do referido canal e, mediante as devidas distinções, há semelhanças com o modo de funcionamento das videoaulas gravadas do mesmo canal, mas é perceptível que os novos elementos, como o chat on-line, mudam a forma de interação e criam inúmeras possibilidades no ambiente digital. A partir desse olhar para a estrutura das videoaulas, percebemos algumas referências do planejamento de uma aula presencial, como, por exemplo, a presença dos objetivos da aula. Essa condição pode resgatar, assim como outras semelhanças, as “origens” da videoaula como 99 herdeira de uma aula tradicional e pré-digital e, portanto, suas intenções podem ser confusas no contexto atual. Nesse intervalo, alguns questionamentos foram suscitados, como: que lugar elas ocupam? Que lugar podem ocupar? Essas perguntas, certamente, podem encaminhar outra pesquisa, visto as tantas possibilidades de caminhos teóricos, metodológicos e ideológicos que elas podem abarcar. Para fins de localização social, espacial e histórica, optamos por compreender o lugar dessas videoaulas como sendo singularmente conquistado pelo avanço do ambiente digital. As demandas digitais aumentam, a procura pelo consumo de conteúdos e produções digitais também. Entretanto, falar em videoaulas nesse contexto, acreditamos, não se trata de uma substituição lenta e gradual do que consideramos por uma aula tradicional nos moldes pré- digitais, pelo contrário, acreditamos que as videoaulas podem ocupar um lugar, talvez, de complemento, de apoio, mas não de substituição. Em meio aos questionamentos e pontos de reflexão, queremos reiterar a reflexão de Dias (2018, p. 29) Entendo que é pela circulação (compartilhamento, viralização, comentários, postagens, hashtags, memes, links...) que o digital se formula e se constitui. De outro modo, diríamos que o discurso digital se formula ao circular. E isso faz diferença na produção dos sentidos. Essa mudança na ordem não quer estabelecer uma relação de anterioridade de um momento em relação ao outro, mas de perspectiva. Olhar o processo de produção dos discursos pela via da circulação tem a ver com um sentido que se produz no efêmero, no agora. É esse modo de existência dos discursos que se impõe ao pensarmos sua constituição. E é com um pensamento que perpassa por essa noção de constituição do digital partindo da circulação que reiteramos a ideia de um lugar de protagonismo das videoaulas e, também, de distanciamento dos comparativos que colocam esse tecnodiscurso numa mesma linha de comparação com a constituição/produção de discursos pré-digitais. Essa constituição, viabilizada e consolidada pela circulação, afasta análises que não compreendem esses aspectos, sobretudo quando pensamos num olhar analítico que visa uma compreensão global do contexto que essas videoaulas estão inseridas. Além do dito, ao longo das análises, fomos percebendo que o lugar delas é evidenciado pela produção e pelo consumo, não necessariamente por um lugar específico. Dessa forma, passamos a refletir que pensar em lugar como espaço específico seria não levar em conta o alcance que o ambiente digital proporciona às produções que circulam por ele. Pensar em um lugar para essas videoaulas nos moveu a partir de uma característica de 100 localização muito mais subjetiva, a qual chamamos de protagonismo. É desse lugar que as enxergamos. 5.2.3 Análise das videoaulas a partir das seis características do tecnodiscurso elencadas por Paveau (2021) Com base na descrição e direcionamento feitos a partir das características do tecnodiscurso, chegamos aos seguintes traços analíticos das videoaulas: No que compreende a Composição, notamos elementos primordiais no print apresentado (Figura 18), como tecnografismos, hiperlinks e comentários. Os tecnografimos se configuram como uma “produção semiótica que associa texto e imagem num compósito nativo de internet” (Paveau, 2021, p. 333), na interface apresentada, elencamos diversos tecnografismos que já se iniciam no próprio layout do vídeo, com os botões clicáveis de “iniciar”, “pausar”, “controle do volume de som”, além dos outros tecnografismos responsáveis por algumas questões de configuração, como velocidade do vídeo, resolução e afins. Fora do layout do vídeo, temos tecnografismos com o polegar “para cima” e “para baixo”, indicando os likes e deslikes do vídeo, ou seja, quem gostou e quem não gostou do conteúdo; além dos citados, existem outros que compõem o ambiente como um todo, mas, por questões metodológicas, elegemos os que foram citados. Figura 18 - Interface principal de uma videoaula na plataforma Youtube Fonte: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=A1zLCgyvzU8. Acessado em: 21 de outubro de 2024. https://www.youtube.com/watch?v=A1zLCgyvzU8 101 Os hiperlinks podem ser localizados em todos os vídeos que estão ao lado direito do vídeo que está sendo reproduzido, além disso, na Figura 19, que evidencia a legenda do vídeo, apresentamos diversos hiperlinks que redirecionam o escrileitor/consumidor de conteúdo para redes sociais da professora, bem como para outras aulas apontadas por ela. Esses links estão presentes em quase toda a interface e de vários modos, já que também podemos observá-los com formatos diferentes que não apenas o de um endereço de site. Os nomes clicáveis também são hiperlinks que direcionam quem está consumindo esse tipo de conteúdo para outras páginas/perfis na plataforma Youtube; além deles, a própria logo do Youtube funciona a partir de um hiperlink, pois, quando clicado, redireciona para a página inicial da plataforma. Esse modo decompor o ambiente é uma grande ampliação da constituição/produção desses tecnodiscursos que não se resume a excertos e nem especificamente a um dos componentes do ambiente, mas a sua totalidade. É isso, também, que nos redireciona para uma análise que retrata esse lugar de produção, reprodução e circulação de modo a transparecer uma visão global do que é visto/vivenciado pelo consumidor do digital. Figura 19 - Interface da legenda de videoaula na plataforma Youtube Fonte: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=A1zLCgyvzU8. Acessado em: 21 de outubro de 2024. No que compreende a Deslinearização, “os discursos digitais nativos não se desenvolvem obrigatoriamente em um eixo sintagmático específico do fio do discurso” https://www.youtube.com/watch?v=A1zLCgyvzU8 102 (Paveau, 2021, p. 58), portanto, apontamos, nas Figuras 20 e 21 o que notamos, no fio do discurso, que possa compreender essa não linearidade, ou seja, “desvio” do raciocínio ou complemento. Essa ideia é diretamente interligada ao que elucidamos com a ideia que concerne os hiperlinks. A deslinearização versa pelo caminho das possibilidades de constituição de uma sequência componente do tecnodiscurso. O raciocínio e/ou uma linearidade de leitura e de consumo que perpassa pelas escolhas do próprio internauta. Essas escolhas são atravessadas pelo que é disponibilizado para ele e, nessa disponibilização/apresentação de caminhos, há uma diferença nos modos de consumo que atravessam o aparelho pelo qual o conteúdo é acessado, a forma como o algoritmo se comporta para cada usuário e, sobretudo, na corrida pela atenção do consumidor. Aqui, falamos também sobre comerciais, as estratégias que os produtores de conteúdo utilizam para viabilizar seus conteúdos e o interesse de quem consome. Vejamos, nas Figuras que seguem, possibilidades de caminhos. Figura 20 - Interface principal e as possibilidades de deslinearização Fonte: Captura de tela do Youtube. 103 Figura 21 - Representação de um hiperlink na legenda de uma videoaula na plataforma Youtube Fonte: Captura de tela do Youtube. Na sequência de figuras, apontamos o link localizado na descrição do vídeo que redireciona quem está assistindo para outra aula. Além disso, todos os vídeos que estão localizados ao lado direito do vídeo principal também estabelecem esse papel, pois, uma vez que desperte mais o interesse de quem esteja assistindo a videoaula, será redirecionado para outro ambiente. Esse desvio é de suma importância para percebermos que as demandas de atenção que cada vez mais são solicitadas no ambiente digital buscam por novas formas de “prender” seu público-alvo em um fio específico – talvez, esse, seja um grande desafio desse meio. No que concerne à Ampliação, nos atemos aos comentários presentes em todas as videoaulas analisadas, como mostrado na Figura 5. O conteúdo localizado a partir dessa ferramenta vai desde um elogio à professora, até mesmo ao complemento do conteúdo trabalho em sala com algumas informações compartilhadas pelos alunos. Os comentários também incluem respostas solicitadas nas atividades, proporcionando um espaço para os alunos, oferecendo seu entendimento e prática do material ensinando. Além disso, encontramos pequenos desabafos dos alunos sobre suas experiências de aprendizado, como o intervalo de finalmente entender um conceito após outras tentativas frustradas. Essa diversidade de interações demonstra como os comentários funcionam como um espaço de coprodução do tecnodiscurso, onde alunos e professores (escrileitores) colaboram para enriquecer o processo de troca de conhecimento no ambiente digital. Os elogios ajudam a 104 manter um ambiente positivo e incentivador, enquanto os complementos e respostas demonstram um envolvimento das pessoas que acessam as videoaulas com o material. Os desabafos, por sua vez, oferecem outra visão dessa colaboração, apresentando, também, outras possibilidades de interação e caminhos de comunicação. A abundância de ofertas oferecidas por essa ferramenta não só enriquece o conteúdo das videoaulas, mas também fortalece a comunidade de aprendizado, criando uma rede de apoio e colaboração entre os participantes. Entretanto, sabemos que os conteúdos explicitados são limitados ao convite de outras “aulas completas”, a vendas de cursos, etc. Também é importante destacar que essa modalidade não é, por nós, vista como um caminho substituto para as aulas presenciais e consideradas tradicionais, mas como factíveis e como uma modalidade acessada por alguns fins por inúmeras pessoas. Na Figura 22, podemos observar a interface dos comentários. Figura 22 - Interface dos comentários de uma videoaula na plataforma Youtube Fonte: Captura de tela do Youtube. Sobre esse meio de ampliação, segundo Paveau (2021, p. 97), “o comentário online é uma das formas de tecnodiscurso mais frequentes na web, aparecendo em numerosos espaços de escrita: os blogs, as redes sociais digitais, os sites de imprensa e de informação, os sites comerciais, etc.”. Os comentários possuem algumas versatilidades bem interessantes para as videoaulas, uma vez que podem ser feitos a qualquer momento depois que elas são postadas. Isso implica uma interação que pode ser renovada a cada novo engajamento, além de uma forma 105 de participação não interferir a outra, já que existe a possibilidade de comentar o comentário, não aglomerando informações seguidas, mas categorizando essas informações na medida em que chegam. Além disso, a notável versatilidade bem como os possíveis pontos de alcance que essa ferramenta possibilita que se chegue, transforma essa característica em uma das mais importantes à teoria que aderimos. Nesse processo de ampliação que pode se dar simultaneamente, inclusive, destacamos questões que evidenciam todos os pontos de rompimento citados, assim como determinam o distanciamento das estruturas (e de suas respectivas análises) pré-digitais. A Relacionalidade dos discursos digitais nativos determina que estão “todos inscritos numa relação com outros discursos, por causa da reticularidade da web com os aparelhos” (PAVEAU, 2021, p. 59), é, portanto, essa natureza compósita que determina que os enunciados sejam coproduzidos pela máquina, pelos escrileitores e, também, pelas interfaces de escrita e de leitura que passam pela subjetividade da configuração desses dispositivos. Essa Relacionalidade se caracteriza como um “dos traços estruturais dos discursos digitais nativos, em particular na web” (Paveau, 2021, p. 311). Esses discursos nativos do digital uma vez produzidos no ambiente digital já passam a estabelecer uma relação que se manifesta em vários níveis, quais sejam: - relação com outros tecnodiscursos em decorrência da estrutura hipertextual da web; - relação com os aparelhos em decorrência da natureza compósita dos tecnodiscursos, literalmente, coproduzidos na máquina; - relação com os escritores e os escrileitores, que passa pela subjetividade da configuração das interfaces de escrita e de leitura, e que torna os tecnodiscursos ideodigitais, isto é, dependentes do ponto de vista único do internauta. (Paveau, 2021, p. 311) Com base nisso, partimos da noção de que todo e qualquer enunciado on-line é “materialmente relacional”, isso o diferencia, também materialmente, dos enunciados pré- digitais. (Paveau, 2020). E, de modo a sustentar a escolha por uma análise ecológica, nos pautamos na seguinte perspectiva: A relacionalidade dos tecnodiscursos implica de fato sua abordagem ecológica, isto é, sua análise em seus ambientes nativos; nessa perspectiva, o método por extração, por exemplo, no caso da análise automática de grandes ou médios corpus de tuítes afasta numerosos parâmetros de funcionamento dos tecnodiscursos (Paveau, 2020, 313).106 Essa relacionalidade está intimamente ligada a investigabilidade, como já discorremos, e isso também afeta a imprevisibilidade a qual os tecnodiscursos são submetidos. “A investigabilidade repousa no caráter relacional dos tecnodiscursos: se eles são ligados, então podem ser buscados, encontrados e redocumentarizados a partir da exploração dos links”. Esse buscador, então, funciona “a partir da exploração da coleta de dados das páginas visitadas a partir dos links que elas propõem” (Paveau, 2020, p. 312). Essa natureza interconectada dos discursos digitais permite que eles sejam constantemente recontextualizados e reinterpretados, adicionando camadas de complexidade e variabilidade que desafiam a integração tradicional sobre seu desenvolvimento e impacto. Esse aspecto relacional é importante à nossa observação, pois destaca que a forma como os tecnodiscursos se conectam e se interligam influencia diretamente como eles são descobertos e utilizados em novos contextos. Paveau (2020) esclarece que esse processo que busca a redocumentação é facilitado por mecanismos de coleta de dados que monitoram as páginas visitadas e os links propostos, esses buscadores funcionam por meio da exploração contínua dos dados, oferecendo uma visão dinâmica o que sugere, a cada interação, um vasto mosaico de informações que pode ser recompilado e reinterpretado de maneiras novas e inesperadas. Essa capacidade de coleta e reconfiguração de dados não apenas amplia a acessibilidade e a profundidade da investigação no ambiente digital, mas também realça a natureza mutável desses discursos. Para ilustrar essa noção, nas Figuras 23 e 24, destacamos algumas versões de uma mesma interface acessada por dispositivos diferentes a fim de corroborar a tese de que esse ambiente é moldado a depender das interações que sustentam sua produção. Logo, cada usuário da rede terá uma experiência diferente quando em contato com o sistema. Esse conceito, percebemos, define alguns parâmetros importantes para compor um quadro analítico: nessa perspectiva, não faz sentido, tomando como exemplos essas interfaces variadas, que o linguageiro seja extraído para uma análise, isso seria deixar à margem todas as nuances que essas interfaces podem gerar seja de modo interpretativo, por quem consome, seja de uma maneira coprodutora dos tecnodiscursos. Quando destacamos uma imprevisibilidade, estamos enfatizando as consequências de não poder, por exemplo, prever os caminhos aos quais um tecnodiscurso vai traçar, sobretudo controlar a forma como essa circulação vai se dar, podendo tomar vários caminhos, direcionamentos e várias possibilidades de circulação, como pontuamos. A fim de ilustrar a forma como observamos algumas possibilidades de acesso de uma mesma videoaula, vejamos a Figura 23 que contém a interface obtida a partir de um smartphone. Nela, observamos que há a redução de recursos visto a diminuição do espaço e a reorganização das informações, ainda 107 que o máximo deles seja preservado. Ainda é possível notar a presença dos diversos elementos de engajamento que são apresentados durante as aulas, como o “gostei”, “compartilhar”, “salvar”, assim como o espaço para que os comentários sejam abertos. Na interface para celular, a experiência com os comentários tira a visão completa da aula, ainda que seja possível seguir ouvindo sem nenhuma perda. Figura 23 - Interface de videoaula a partir do browser de um smartphone Fonte: Captura de tela do Youtube. Na Figura 24, temos a interface da videoaula a partir do aplicativo do Youtube para smartphone. 108 Figura 24 - Interface de videoaula a partir de aplicativo para dispositivo móvel Fonte: Captura de tela do aplicativo Youtube para dispositivos móveis. Nas figuras, é perceptível o quanto a experiência e a interação é alterada a depender da composição que formará o ambiente digital. Com base nos dados, destacamos o quanto o algoritmo sinaliza propagandas que detenham o perfil consumidor do usuário que está acessando às videoaulas, além disso, quando se trata de aplicativos da plataforma, também notamos um certo limite no que concerne à deslinearização, visto a disposição dos “desvios” no layout. Essas características são de suma importância para sustentarmos o quanto esses ambientes são co-produtores dos discursos digitais, pois, a cada configuração, percebemos novas possibilidades, novos desvios e novos estímulos de produções. Essa máxima nos relembra a premissa interessantíssima que agrega máquina, sujeito e ambiente digital, configuração em que todos participam e possuem protagonismo. É dentro dessa perspectiva que a análise ecológica faz ainda mais sentido, pois não desprivilegia ou deixa a margem evidenciando apenas alguns papeis. A Imprevisibilidade pode ser notada quando os discursos digitais nativos são parcialmente produzidos e/ou formatados por programas e algoritmos, fato que os torna imprevisíveis para os enunciadores humanos, tanto no plano de sua forma (passando automaticamente de um lugar de enunciação pré digital a um lugar 109 digital, um enunciado muda de forma), quanto no plano de seu conteúdo (algumas ferramentas, como os programas, redocumentam os discursos nativos dispersos, criando conteúdos originais) (Paveau, 2021, p. 59- 60). Paveau (2021) destaca a partir da imprevisibilidade e a complexidade dos discursos digitais nativos, que são parcialmente realizados e formatados por programas de algoritmos – característica que os torna únicos em comparação aos discursos tradicionais, pois, ao passarem de um contexto pré-digital para um contexto digital, sofrem transformações significativas em sua forma e conteúdo. No plano da forma, os anúncios digitais podem mudar significativamente devido aos processos automáticos impostos pelas plataformas digitais, que reconfiguram a maneira como as mensagens são apresentadas e percebidas pelos usuários, limitando o controle dos escrileitores. Já no plano do conteúdo, a autora sugere que as ferramentas digitais como programas de redocumentação podem reorganizar discursos com base em recombinações, por exemplo. Esse processo pode automatizar resultados imprevisíveis, uma vez que os algoritmos podem destacar ou modificar aspectos do conteúdo de maneiras que não foram previstas pelos enunciadores. Portanto, essa imprevisibilidade, tanto na forma quanto no conteúdo, destaca uma influência significativa da tecnologia na comunicação moderna. O ambiente digital sofre de forma direta com essas nuances que desafiam os enunciadores e os escrileitores a adaptarem suas práticas discursivas a fim de produzirem discursos nesse ambiente dinâmico e em constante evolução. As videoaulas apresentadas estabelecem alguns direcionamentos, o que os subsidia são as ferramentas que a professora tem disponível, como a legenda, seu tempo de fala no vídeo, e as ferramentas tecnodiscursivas. Dessa forma, conseguimos delimitar alguns desses possíveis caminhos, como: respostas das questões que são postas nas aulas; hiperlinks de outros vídeos que complementam a videoaula em questão, além das ferramentas como like, deslike, compartilhamentos e afins. Entretanto, as possibilidades não se findam nessas questões, pois também há espaço, por exemplo, para a utilização do material como consulta para uma pesquisa, bem como o download do vídeo para que possa ser utilizado em outro meio, inclusive, distante do ambiente digital, etc. Por fim, a Investigabilidade pode ser percebida quando precisamos localizar, na web, um determinado documento/vídeo/arquivo/site. “Os discursos digitais nativos se inscrevem, no sentido material do termo, num universo que nada esquece e que é percorrido por ferramentas 110 de busca e de redocumentação” (Paveau, 2021, p. 59). Na Figura 25, há a demonstração de uma pesquisa pelo nomeda videoaula no site google. Figura 25 - Demonstração da pesquisa pela videoaula no Google Fonte: captura de tela do Google A fim de comportar toda a análise referente às características do tecnodiscurso em nossa pesquisa, criamos o Quadro 7 para sistematizar as informações contidas nas videoaulas gravadas dos dois canais analisados Gramática e Zica e Professor Noslen (as quatro primeiras videoaulas, referentes ao canal Gramática e Zica estão grafadas com um cinza mais claro, enquanto as quatro videoaulas seguintes, referentes ao canal Professor Noslen, estão grafadas com um cinza mais escuro). O quadro está dividido de modo a destacar os pontos de congruência entre as análises feitas, deste modo, o que podemos refletir, em cima do exposto, é que em todas as videoaulas gravadas as seis características elencadas pela Paveau (2021) são constatadas de forma extremamente semelhante. 111 Quadro 7 – Análise das videoaulas gravadas com base nas características do tecnodiscurso (Paveau, 2021) CATEGORIAS Videoaulas (gravadas) Composição Deslinearização Ampliação Relacionalidade Investigabilidade Imprevisibilidade videoaula_ GZ_1 tecnografis mos/ hiperlinks/ comentários vídeos indicados pela plataforma/ links na legenda/ links nos comentários / links no próprio vídeo Comentários pode ser acessada por diversos meios podem ser investigadas pelas ferramentas/aplic ativos de busca disponíveis que tenham conexão com a internet uma vez disponíveis na internet podem ser acessadas e terem seu conteúdo modificado, alterado e republicado videoaula_ GZ_2 tecnografis mos/ hiperlinks/ comentários x x x x x videoaula_ GZ_3 tecnografis mos/ hiperlinks/ comentários x x x x x videoaula_ GZ_4 tecnografis mos/ hiperlinks/ comentários x x x x x videoaula_ PN_1 tecnografis mos/ hiperlinks/ co mentários x x x x x videoaula_ PN_2 tecnografis mos/ hiperlinks/ co mentários x x x x x videoaula_ PN_3 tecnografis mos/ hiperlinks/ co mentários x x x x x videoaula_ PN_4 tecnografis mos/ hiperlinks/ co mentários x x x x x Fonte: autoria Própria. No quadro, podemos observar que no que concerne à composição, os tecnografismos, hiperlinks e comentários estão presentes em todas as videoaulas analisadas, garantindo uma maior interação e dinamismo. Esses elementos são importantes para garantir as interações 112 solicitadas pelas modalidades apresentadas dentro do ambiente digital. Os tecnografismos enriquecem a apresentação visual do conteúdo, enquanto os hiperlinks proporcionam um acesso direto a materiais complementares e fontes adicionais. Os comentários, por sua vez, permitem uma comunicação direta entre os criadores de conteúdo e os espectadores, criando um espaço para perguntas, feedbacks e divulgação que são essenciais para um aprendizado mais profundo e engajado. Os recursos citados não apenas são informados para a clareza e compreensão do conteúdo, mas também incentivam a participação ativa dos escrileitores, fortalecendo esse vínculo – tão importante para a manutenção neste ambiente. A integração desses elementos interativos promove uma facilitação do processo, resultando na dinamicidade e na personalização que destacamos. No aspecto da ampliação, todas as videoaulas oferecem a possibilidade de inserção de comentários, o que permite um diálogo contínuo, promovendo um ambiente colaborativo de troca de conhecimento. Esses recursos interativos são diretamente relacionados com o engajamento dos escrileitores aos canais e a efetividade das videoaulas. No que concerne à relacionalidade, notamos que essas videoaulas podem ser acessadas pelos mais variados meios, como computadores, tablets e smartphones, tornando o conteúdo totalmente disponível e acessível. Na investigabilidade, trouxemos exemplos de como elas podem ser pesquisadas e acessadas no meio digital, demonstrando a facilidade com que os usuários podem encontrar e utilizar recursos. E, por fim, no que diz respeito a imprevisibilidade, atestamos que uma vez disponíveis na internet, estão passíveis de serem republicadas com alterações, outros sentidos ou com partes diferentes, a exemplo disso, é o caso dessa pesquisa, na qual utilizamos, como exemplo, as videoaulas que não foram elaboradas para este fim. 5.2.4 Diferenças/semelhanças viabilizadas entre as modalidades de videoaulas analisadas No que concerne às semelhanças e diferenças entre as videoaulas gravadas entre os distintos canais e as videoaulas ao vivo e gravadas do mesmo canal, pontuamos o quanto as videoaulas são semelhantes em todas as categorias analisadas. Tanto nas videoaulas gravadas quanto nas ao vivo, os elementos estruturais e os métodos de apresentação tendem a se repetir, criando um padrão consistente que reflete as práticas comuns dessa modalidade de ensino no ambiente digital. No entanto, a intenção é destacar, com base em nossas análises, as sutis, mas importantes diferenças que emergem nas categorias Composição, Ampliação e Relacionalidade. 113 Na categoria Composição, as videoaulas gravadas geralmente apresentam uma estrutura mais fixa, com recursos visuais e textuais integrados de maneira uniforme. Em contrapartida, as videoaulas ao vivo podem oferecer uma abordagem mais flexível e adaptativa, com interações em tempo real que permitem ajustes instantâneos de acordo com as respostas da audiência. Na Ampliação, as videoaulas gravadas frequentemente utilizam ferramentas de ampliação que são projetadas para maximizar a acessibilidade e a clareza do conteúdo, enquanto as videoaulas ao vivo, a interação direta do chat online pode oferecer essa possibilidade em tempo real. No que concerne à Relacionalidade, observamos que, embora o chat online esteja presente em todas as videoaulas gravadas e ao vivo, a forma como é utilizado pode variar: nas videoaulas gravadas, o chat pode ser menos dinâmico, funcionando mais como um complemento ao conteúdo; enquanto nas videoaulas ao vivo, o chat serve como ferramenta de promoção imediata de engajamento. Em suma, ainda que as semelhanças sejam importantes e latentes, as diferenças nas categorias mencionadas impactam nas dinâmicas discursivas. Para ilustrar esta diferença, elaboramos o Quadro 8 com as informações das videoaulas ao vivo. É importante, também, destacar que todas as outras categorias, bem como os outros aspectos observados nas categorias citadas são extremamente semelhantes. Isso se deve, acreditamos, ao fato do ambiente, modo de coprodução, sujeitos envolvidos e afins, manterem as mesmas características em ambas as modalidades de videoaulas, o que acarreta a sutil mudança, entretanto, fica a cargo, apenas, de novas ferramentas que o simultâneo proporciona. Quadro 8 – análise das videoaulas ao vivo com base nas características do tecnodiscurso (Paveau, 2021) CATEGORIAS Videoaulas (ao vivo) Composição Deslinearização Ampliação Relacionalidade Investigabilidade Imprevisibilidade videoaula_ AV_1 tecnografis mos/ hiperlinks/ comentários / chat on- line vídeos indicados pela plataforma/ links na legenda/ links nos comentários / links no próprio vídeo Comentário s/ chat on- line pode ser acessada por diversos meios (quando salvo na plataforma) / o vídeo ao vivo e seus recursos específicos só precisam ser acessados simultaneament e com a transmissão podem ser investigadas pelas ferramentas/aplic ativos de busca disponíveis que tenham conexão com a internet uma vez disponíveis na internet podem ser acessadas e terem seu conteúdo modificado, alterado e republicado 114 videoaula_ AV_2 tecnografis mos/ hiperlinks/ comentários / chat on- line x x x X x videoaula_ AV_3 tecnografis mos/ hiperlinks/and the delinearization also encompasses the universe of possibilities that are raised depending on the interface, the profile mapped by the writer-reader's network and the interferences that can occur during each navigation. In addition, we discuss the success, shared knowledge and contextual location embarked by neoliberalism and its consequences for the class of teachers. Therefore, addressing these problematizations and theoretical-analytical issues was the main objective of this doctoral thesis. KEYWORDS: Digital Discourse. Technodiscourse. Techno-genre. Video lessons. Precariousness of teachers' work. RÉSUMÉ La grande importance sociale accordée au discours numérique, notamment dans le contexte de la pandémie, a suscité des préoccupations à la fois personnelles et contextuelles. Dans le contexte éducatif, le nombre impressionnant de vues sur la plateforme YouTube augmente de plus en plus, et avec cela, les chaînes de cours vidéo, avec le contenu le plus varié, ont gagné et continuent de gagner encore plus d'espace aujourd'hui, influençant directement le contexte contemporain du travail des enseignants. Dans cette perspective, la recherche visait à définir, comprendre et réfléchir sur les questions qui traitent de la place/rôle du protagonisme croissant et de la consolidation des classes vidéo, lues, comprises et analysées ici comme des technogenres, publiées sur la plateforme YouTube, en prêtant également attention à la grande évidence que la période historique mondiale a établie pour l'environnement numérique. Ainsi, nous défendons la thèse selon laquelle il est possible d'observer, à partir des postulats de l'Analyse du Discours Digital (ADD), que les classes vidéo établissent non seulement leur protagonisme et leurs caractéristiques discursives très spécifiques, mais imposent également des limites distinctes aux classes de modes de production conventionnels. , à la fois comme production et comme partage de connaissances à partir de ce format. Ancré dans les connaissances de l'analyse du discours, à la lumière des études de Pêcheux (1995), et soutenu principalement par l'analyse du discours numérique, perspective centrale de notre travail, proposée par Paveau (2021), notre travail de recherche a été élaboré à partir du corpus composé de 12 (douze) cours vidéo, divisés en deux canaux numériques : 4 (quatre) enregistrés et 4 (quatre) en direct, de la chaîne Redação e Gramática Zica, et 4 (quatre) enregistrés de la chaîne du professeur Noslen ; Les chaînes se distinguent par leur portée et leurs chiffres importants qui attestent de leur présence notable sur Internet. Les résultats trouvés, en général, démontrent les nuances établies par l’environnement numérique, en comprenant les cours vidéo comme un technodiscours et, de ce point de vue, un technogenre numérique. En ce qui concerne les aspects des effets provoqués, nous comprenons que les caractéristiques indiquées, en particulier l'expansion et la délinéarisation, ont mobilisé des effets uniques : l'expansion fait écho aux possibilités, tant dans les commentaires que dans le chat en ligne, des formes d'interaction les plus diverses qui sont mises en œuvre. transmis par les internautes, et la délinéarisation englobe également l'univers des possibilités qui surgissent en fonction de l'interface, du profil cartographié par le réseau de l'écrivain-lecteur et des interférences qui peuvent survenir à chaque navigation. Nous discutons également du succès, du partage des connaissances et de la localisation contextuelle adoptés par le néolibéralisme et de ses conséquences pour la classe enseignante. C’est pourquoi aborder ces problématisations et ces questions théoriques et analytiques était l’objectif principal de cette thèse de doctorat. MOTS CLÉS: Discours numérique. Technodiscours. Technogenre. Leçon vidéo. Précarité du travail des enseignants. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Esquema 1 - A circulação como sustentação dos dizeres do digital Figura 1 - Layout da aula “’MENOS’, ‘MEIO’ E ‘SEU’” com vista da página do Youtube Figura 2 - Layout da aula “ANEXO, EM ANEXO ou NO ANEXO” com vista da página do Youtube Figura 3 - Ampliação de alguns possíveis caminhos ao lado da videoaula no Youtube Figura 4 - Layout de um tweet da conta da Tribuna do Norte Figura 5 - Layout da notícia “Lira: Se tivermos 7 de Setembro, vai ser festa linda, cívica, tranquila” Figura 6 - Layout de uma reportagem do G1 no X (antigo Twitter) Figura 7 - Meme viral da Gretchen_1 Figura 8 - Meme viral da Gretchen_2 Figura 9 - Layout da aula “Quando usar ‘me’ e ‘mim’” na plataforma Youtube Figura 10 - Layout da página inicial do aplicativo Duolingo Figura 11 - Layout de uma página de atividades do aplicativo Duolingo_1 Figura 12 - Layout de uma página de atividades do aplicativo Duolingo_2 Figura 13 - Layout do mapa da Unidade 2 do aplicativo Duolingo Figura 14 - Interface inicial do Talkpal_1 Figura 15 - Interface inicial do Talkpal_2 Figura 16 - Layout do bate-papo com IA do aplicativo Talkpal_1 Figura 17 - Layout do bate-papo com IA do aplicativo Talkpal_2 Figura 18 - Interface principal de uma videoaula na plataforma Youtube Figura 19 - Interface da legenda de videoaula na plataforma Youtube Figura 20 - Interface principal e as possibilidades de deslinearização Figura 21 - Representação de um hiperlink na legenda de uma videoaula na plataforma Youtube Figura 22 - Interface dos comentários de uma videoaula na plataforma Youtube Figura 23 - Interface de videoaula a partir do browser de um smartphone Figura 24 - Interface de videoaula a partir de aplicativo para dispositivo móvel Figura 25 - Demonstração da pesquisa pela videoaula no Google Figura 26 - Interface do TikTok – uso dos porquês em 15 segundos Figura 27 - Interface do TikTok – perfil da Professora Pamba Figura 28 - Interface do TikTok – perfil do Professor Noslen Figura 29 - Interface do TikTok – vídeos do perfil da Professora Pamba Figura 30 - Interface do TikTok – vídeos do perfil do Professor Noslen Quadro 1 – Característica/Conceito do tecnodiscurso Quadro 2 – Categorias do tecnogêneros e seus conceitos Quadro 3 – Categorias de análise e os aspectos objetivados para análise Quadro 4 – Estrutura das videoaulas gravadas do canal Gramática e Zica Quadro 5 – Estrutura das videoaulas gravadas do canal Professor Noslen Quadro 6 – Estrutura das videoaulas ao vivo do canal Gramática e Zica Quadro 7 – Análise das videoaulas gravadas com base nas características do tecnodiscurso (Paveau, 2021) Quadro 8 – Análise das videoaulas ao vivo com base nas características do tecnodiscurso (Paveau, 2021) LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AD – Análise do Discurso ADD – Análise do Discurso Digital IA – Inteligência Artificial OMS – Organização Mundial da Saúde ESPIII – Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional PNAD-COVID-19 – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios FMI – Fundo Monetário Internacional SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 19 1.1 JUSTIFICATIVA ......................................................................................... 22 1.2 QUESTÕES DE PESQUISA ....................................................................... 24 1.3 OBJETIVOS ................................................................................................. 24 1.3.1 Objetivo geral ........................................................................................... 24 1.3.2 Objetivos específicos ................................................................................ 24 2 VIDEOAULAS,comentários / chat on- line x x x X x videoaula_ AV_4 tecnografis mos/ hiperlinks/ comentários / chat on- line x x x X x Fonte: autoria própria. No quadro, é possível visualizar que a respeito de todos os aspectos analisados, as videoaulas ao vivo seguem o mesmo comportamento de construção, constituição e possíveis efeitos de sentido das videoaulas gravadas. Entretanto, há uma diferença que se constroi com a modalidade ao vivo que é a presença do chat on-line, mecanismo que viabiliza a interação de forma simultânea com o momento em que o conteúdo é construído, compartilhado, transmitido. Ou seja, o consumidor dessa modalidade de videoaula pode interagir com o produtor de conteúdo no momento exato em que é feita a transmissão. Ainda assim, as videoaulas ao vivo, posterior a transmissão, são fixadas na plataforma com todas as informações disponíveis, essa condição permite que elas se assemelhem ainda mais com as videoaulas gravadas uma vez que o chat on-line ficará registrado e não mais seguirá com sua função inicial. 5.2.5 O tecnogênero e os efeitos de sentido Partindo de trabalhos clássicos, poderíamos começar descrevendo a videoaula como “um gênero verbo-visual, isto é, alia múltiplas semioses. Embora o constructo teórico do Círculo de Bakhtin (1997) tenha sido ancorado na linguagem verbal, não impede a possibilidade de ampliação de suas ideias levando em consideração outras expressões linguísticas” (Oliveira, 2020, p. 39). E isso nos faria elencar a tríada tema, estilo e composição para que pudéssemos começar uma reflexão evidenciando um determinado gênero. Entretanto, ancorados numa mudança epistemológica a partir da partícula –tecno, objetivamos a tipologia com base nos estudos de Paveau (2021). 115 Na perspectiva citada, os tecnogêneros são divididos em três, sejam eles os prescritos, os negociados e os produsados. Os prescritos dizem sobre os gêneros propostos no sistema on- line e que são restringido pelos dispositivos tecnológicos, ou seja, esse tecnogênero não funciona, existe, offline; os negociados dizem respeito à gêneros do discurso preexistentes e estabilizados ou não numa era pré-digital, embora adquira traços digitais, em outras palavras, são tecnogêneros que sofreram adaptações no ambiente digital; os produsados são os tecnogêneros que surgem a partir de qualquer elaboração dentro das possibilidades técnicas do ecossistema, ele é característico por ser “um gênero nativo da internet, produzido pelos internautas fora das restrições dos tecnogêneros prescritos e das rotinas dos tecnogêneros negociados” (Paveau, 2021, p. 330) Em nossa análise, seguimos a proposta elaborada pela descrição da noção Tecnogênero negociado, pois trata-se de discursos já estabelecidos e consolidados, seja ou não na era pré- digital, ainda que se manifestem características digitais, ou seja, que passaram por modificações no contexto digital. Nesta perspectiva, temos que não há uma dependência das ferramentas digitais, uma vez que pode circular tanto nos universos on-line quanto off-line. No dicionário das formas e das práticas, contamos com o exemplo da produção de trolls, Que não esperou, evidentemente, a internet para se desenvolver nos discursos sociais, mas que possui especificidades digitais, um lugar na economia discursiva e genérica da internet e da web em particular, e um reconhecimento genérico manifestado pelas antologias das quais é objeto (Paveau, 2021, p. 330). E, além dele, também podemos contar com o exemplo do “top”: Lista ordenada do melhor ou do pior, que encontraram on-line um ambiente e os dispositivos técnicos favoráveis, a tal ponto que esse gênero alimenta sites inteiros e lucrativos. Os tops podem decorrer de uma geração automática: os sites e os blogs listam os artigos mais lidos, os mais consultados e os mais comentados a partir de algoritmos. O tecnogênero de discurso é igualmente um gênero dos procedimentos de cálculo (p. 330). Portanto, isso ilustra a interseção entre o tecnogênero de discurso e os procedimentos de cálculo que indicam a produção e classificação dos conteúdos que estão integrados às operações algorítmicas na era digital. Logo, a geração automática dessas listas destaca a forte influência de geração considerável desses recursos e do alcance que todos esses mecanismos podem chegar nesse contexto e em outros. 116 Quando destacamos outros fatores, chegamos a um muito caro aos estudos da ADD, trata-se do comentário on-line, “entende-se, aqui, um texto produzido pelos internautas na web a partir de um texto primeiro, em espaços próprios para a escrita de blogs, sites de informação e redes sociais.” (Paveau, 2021, p. 97). Seguindo, Em uma perspectiva que considera os enunciados on-line como compósitos tecnolinguageiros que cointegram totalmente a dimensão tecnológica e a dimensão linguageira, o comentário on-line pode ser definido como um tecnodiscurso segundo, produzido num espaço escritural específico e enunciativo restrito, no seio de um ecossistema digital conectado (Paveau, 2021, p. 102). Além disso, há uma opinião dividida que se estabelece sobre o comentário, ele segue como uma das formas mais utilizadas no ambiente digital, além de mais utilizada, também o que ocupa os mais diversos espaços. Portanto, Emblemático da web social em seu início, principalmente nos blogs, em que constituía um dos interesses principais, sofre, então, atualmente uma estereotipação negativa: em perigo de extinção em blogs, mas onipresente nos sites de informação e nas redes sociais, ele aparece cada vez mais como um espaço de violência verbal com consequências negativas na difusão e na recepção da informação, assim como para a qualidade da comunicação on-line (Paveau, 2021, p. 97). Eles funcionam de uma forma que rompe com as barreiras do que se espera de uma aula tradicional e as possibilidades de interação, que notamos quando surgem comentários apenas com elogios, comentários com as respostas dos exercícios propostos meses depois do vídeo postado e/ou comentários que ampliam a discussão, percebemos o quanto não há como seguir por um caminho de comparação deliberada. Os comentários são singulares o suficiente para trazer questões postas à interação que se efetivam de modo a moldar o tecnogênero e a forma como ele mobiliza os escrileitores. Esse “molde”, todas essas possibilidades que os comentários possibilitam, apresenta a partir de uma visão hipotética, o quanto os produtores de conteúdo refletem em cima desses feedbacks a fim de planejar, direcionar e organizar os vídeos. É importante incluir quem consome o conteúdo, uma vez que o efeito é sentido de modo comercial também. Ou seja, o engajamento é fator determinante para que o conteúdo seja pensado, organizado e produzido, além de ser de extrema importância para visualizar os efeitos do que já foi postado. É dessa forma que o “valor” dos canais são estabelecidos. Na mesma perspectiva dos comentários, o chat on-line reflete uma adaptação do ambiente digital às novas demandas sociais, como, por exemplo, a interação simultânea. Essa 117 ferramenta é, sem dúvidas, uma das mais interessantes para a compreensão do poder de alcance dos moldes interacionais que os ambientes digitais ocasionam. Planejar, organizar e produzir um conteúdo e, ao mesmo tempo, receber o feedback é fator decisivo para que outros recursos sejam acionados a fim de aumentar o engajamento, alcançar mais pessoas e se beneficiar de um feedback positivo. O produtor/professor das videoaulas não mais conta com o tempo para saber a respeito da resposta de quem o consome, podendo ir, ao longo da própria transmissão, reorganizando o planejado, inserindo outras estratégias e/ou pedindo a própria opinião/sugestão de quem está ao vivo. Essa modalidade de interação, em se tratando do andamento da videoaula, privilegia a resoluçãode atividades, a retirada de dúvidas e o direcionamento para outros espaços, visto que as dúvidas surgem na medida que os conteúdos são abordados. É fato que quem assistir a aula posteriormente vai poder entrar em contato com o material de direcionamento, com as dúvidas, as resoluções, mas perderá a forma simultânea da coprodução do discurso por meio da Ampliação. Visualizamos uma diferença significativa entre esses dois perfis de consumidores, sobretudo no que diz respeito a coprodução simultânea do discurso, ocasionando, a quem está ao vivo, uma intervenção mais intensa de possíveis reorganizações, diferente da intervenção dos que já consomem o produto postado com determinado tempo limite. Nos ambientes que perpassam as mais variadas videoaulas dos mais variados campos de conhecimento, é muito comum que a deslinearização seja fator decisivo para a “captação” de novos consumidores ou fator decisivo para o direcionamento desses internautas para determinados lugares. No corpus, notamos que diversas vezes há uma indução desses internautas para que assistam outras videoaulas do mesmo canal e/ou se inscrevam e participem do curso completo. Essa perspectiva ressalta uma esfera comercial que circula por esses ambientes. A esfera supracitada de cunho comercial também surte efeito nas interações dos usuários com as interfaces que lhes são apresentadas, pois, há, por trás daquilo visível, o algoritmo que perpassa pelas estratégias de mapeamento de perfis. Esse algoritmo é o responsável por hierarquizar as possibilidades de desvio do fio do discurso. Acreditamos que esse aspecto não pode ser definido de maneira superficial, visto que uma das características mais intrínsecas do ambiente digital é que ele é composto por uma vasta complexidade de direcionamentos, cálculos, possibilidades, interfaces e afins. 118 5.2.6 As diferenças viabilizadas pelas distintas plataformas Nesta subseção, nos debruçamos sobre os mesmos canais que foram analisados no Youtube, dessa vez, no Tiktok. Para tanto, apontamos as semelhanças e diferenças entre as duas plataformas, compreendendo que ambas oferecem serviço de compartilhamento de vídeo, mas diferem significativamente em suas funcionalidades, principalmente quanto ao público-alvo e conteúdo. Diferente do Youtube, que foi lançado em 2005, com a ideia de vídeos de formato mais longo, o TikTok foi lançado em 2016, com a proposta de vídeos com formato mais curto. A proposta do TikTok com o formato dos vídeos de até três minutos é de que sejam mais propícios a viralizar, o consumo também passa a ser mais rápido, sobretudo pela interface vertical que permite a rolagem dos vídeos e facilita a descoberta de novos vídeos sem grandes interferências. O algoritmo também atua na plataforma, personalizando o feed para o usuário, aperfeiçoando a experiência e multiplicando os vídeos de conteúdos mais acessados, ou seja, se o usuário curte ou passa muito tempo acessando vídeos de um determinado nicho/tema, esses vídeos vão aparecer com mais frequência. No Youtube, percebemos que há mais espaços para que sejam proporcionadas discussões e interações mais profundas entre criadores e espectadores, com comentários mais detalhados, por exemplo, diferente do TikTok que perpassa pelo incentivo ao consumo mais veloz do conteúdo – vide o tamanho e formato dos vídeos. Como podemos observar no exemplo a seguir que trata da explicação do uso dos porquês em 15 segundos. Figura 26 - Interface do TikTok – uso dos porquês em 15 segundos Fonte: captura de tela do TikTok. 119 No Youtube, os professores tendem a oferecer aulas mais longas e detalhadas, mesmo as menores, pois o formato permite um detalhamento maior, bem como o aprofundamento de temas e a extensão com hiperlinks e formatação que amplia o conteúdo. Já no TikTok, o conteúdo é mais conciso e dinâmico, adaptado ao formato de vídeos bem mais curtos e de rápida absorção. Essa diferença na abordagem não apenas reflete as particularidades de cada plataforma, mas também destaca como os mesmos produtores de conteúdo precisam ajustar suas estratégias para se adequarem ao ambiente digital a fim de aumentarem o engajamento e garantirem a audiência. A partir disso, a análise possibilitou uma reflexão sobre como os professores podem maximizar o engajamento e a eficácia do aprendizado ao pensarem as adaptações para cada plataforma. Observando os perfis de ambos os professores, destacamos, como se pode ver na Figura 27, que a professora Pamba, com nome de usuário professorapambaof, possui 3.736 seguidores e 11,3 mil curtidas. Em sua descrição de perfil, ela menciona “+2 MILHÕES no Youtube”, o que indica um engajamento significativo na outra plataforma, e se autodenomina “Especialista em Redação, Gramática e Texto com humor.”. A professora, na descrição do perfil, também disponibiliza o endereço de seu site: redacaoegramatica.com.br. Figura 27 - Interface do TikTok – perfil da Professora Pamba Fonte: Captura de tela do TikTok. O que se pode perceber em seu estilo de conteúdo é o realce do humor, o vídeo fixado discute o oposto de “PARABÉNS” – os vídeos fixados são aqueles que ficam logo no início do 120 perfil – e tem mais de 283,1 mil visualizações. Os demais vídeos incluem dicas gramaticais, uso correto de palavras e frases cotidianas, a professora Pamba usa legendas e anotações nos vídeos para destacar pontos chaves do conhecimento que quer passar com o vídeo a fim de prender a atenção e direcionar o engajamento para aquela questão/resposta. Já o professor Noslen, com nome de usuário professornorlen e 814,3 mil seguidores e 6,6 milhões de curtidas, como podemos ver na Figura 28 (interface printada), se descreve como “Fouder do Clube do Noslen” e “Dono do maior canal de ensino de português do mundo”. O professor também inclui o endereço do seu site: clubedonoslen.com.br. O estilo de conteúdo se diferencia sutilmente do da professora, pois foca em lições práticas de gramática. O vídeo fixado aborda erros comuns na acentuação, com mais de 484,6 mil visualizações. Figura 28 - Interface do TikTok – perfil do Professor Noslen Fonte: Captura de tela do TikTok. Os vídeos do Noslen cobrem uma variedade maior de tópicos, desde regras gramaticais até erros comuns. Há, sobretudo, uma variedade na forma com que os vídeos são elaborados, os cenários e a formatação com uma tendência maior a relacionar os conteúdos com memes, por exemplo, o que aumenta consideravelmente o engajamento do conteúdo. Partindo da descrição dos perfis, destacamos a diferença dos perfis no que tange ao engajamento do público, à apresentação do conteúdo, ao foco e expertise, e à utilização da plataforma como um todo. O professor Noslen se destaca pelo engajamento significativamente maior que reflete alcance e popularidade amplos, enquanto a professora Pamba tem um seguimento mais nichado, enfatizando o humor e dicas práticas, atraindo um público bem mais específico e interessado 121 naquele conteúdo. Além disso, a professora utiliza uma formatação mais chamativa, com miniaturas brilhantes, coloridas, legendas atrativas, a fim de atrair seu público, como podemos ver na Figura 29. Figura 29 - Interface do TikTok – vídeos do perfil da Professora Pamba Fonte: Captura de tela do TikTok. Os vídeos já são formatados com o conteúdo interativo de forma lúdica, como a exemplo do vídeo da diferença entre “tem e têm”, as palavras expostas no vídeo além de servirem como uma espécie de legenda para atrair as pessoas também funcionam como conteúdo interativo e norteador do vídeo. A professora pode apontar, localizar-se, arrastar e formatar esse conteúdo de diversas formas com as opções oferecidas pela plataforma. E esse formato é utilizado, replicado, nos demais vídeos, como marca de seu perfil. Enquanto o professor Noslen incorpora vários ambientese lições mais práticas, mesclando a produção dos seus conteúdos entre a educação e o entretenimento a fim de expandir seu alcance, como podemos observar na Figura 30. 122 Figura 30 - Interface do TikTok – vídeos do perfil do Professor Noslen Fonte: Captura de tela do TikTok. Diferente da professora Pamba, Noslen não formata seus vídeos a partir das ferramentas mais lúdicas oferecidas pela plataforma, ele investe na variação dos cenários e, principalmente, das temáticas que estão como plano de fundo de seus conteúdos. O professor aposta nas tendências e memes que circulam, como podemos visualizar na utilização das personagens do filme Divertidamente2; uma das cenas de uma entrevista do programa da Blogueirinha; o vídeo em que utiliza o tema junino para contextualizar uma dúvida. Logo, há uma composição de atualidades e conteúdos que versam por muitos públicos o que possibilita o aumento do alcance. No que diz respeito à expertise, a Pamba se destaca em redação e gramática, realçando o humor como sua principal ferramenta de engajamento, já o Noslen se denomina o criador do maior canal de ensino de português, sugerindo a ampla variedade dos conteúdos que apresenta. Para esses pontos e para os demais, ambos os professores utilizam efetivamente os recursos que a plataforma TikTok oferece, como vídeos fixados para destacar conteúdos importantes, a organização das informações na descrição a fim de se apresentar e destacar sua própria autoridade, e, principalmente, a formatação dos vídeos que, diferente do Youtube, são mais curtos e requerem outros modos de organização. 5.3 COMPREENSÕES DE ANÁLISE O perceptível distanciamento do modelo tradicional de aula foi analisado tomando como referência os elementos que compõem diferentes abordagens, bem como os pontos de comparação, ruptura e disputa por espaço que o senso comum atribui a essas práticas. Em nossa análise, compreendemos de forma íntegra e ecológica que há maneiras de perceber, de 123 compreender e, sobretudo, de categorizar informações a partir dos aspectos teórico- metodológicos que são adotados. Nesse aspecto, apontamos, em um primeiro momento, o distanciamento daquilo que, por ora, é aproximado de maneira equivocada. O equívoco relatado é percebido quando os ambientes que compõem os cenários são deixados à margem e tratados, unicamente, como cenários. Pensar em uma aula tradicional, pensar em um gênero pré-digital por perspectivas que suportam essa análise e que não garante que comportam as novas modalidades de interação pautadas nos ambientes digitais. Ponto que permeou praticamente toda a nossa análise: o ambiente digital é repleto de singularidades que devem ser vistas por uma perspectiva ecológica a fim de não deixar que nada “escape” ficando à margem. Evidenciando o prefixo tecno-, conseguimos trilhar por um caminho de mudança epistemológica que ressalta compreensões próprias, ou seja, a utilização deste prefixo não diz respeito, unicamente, a algo que está localizado no digital ou a algo tecnológico, mas diz sobre uma perspectiva de pesquisa. Essa foi a tomada de decisão que proporcionou as reflexões que englobam os rompimentos com alguns caminhos pré-digitais, como o rompimento com o conceito de contexto e de enunciador – em que caminhos até os conceitos de ambiente digital e escrileitor. Além deles, também perpassamos pelos tecnodiscursos e tecnogêneros que, como dissemos, carrega não só o prefixo, mas todo um posicionamento frente ao corpus e a pesquisa como um todo. As videoaulas analisadas, tanto gravadas quanto ao vivo, são extremamente semelhantes no que diz respeito às características que definem o tecnodiscurso, com poucos pontos de divergência que estabelecem diferenças em algumas ferramentas proporcionadas pela modalidade ao vivo; além disso, estruturalmente, há, uma certa profundidade nas videoaulas ao vivo, enquanto nas gravadas notamos uma superficialidade para abordar as temáticas, atribuímos esse aspecto, principalmente, ao tempo de cada uma e, principalmente, ao formato que realmente prioriza uma performance mais de dicas quanto às videoaulas mais breves. Essas observações indicam que, embora compartilhem características fundamentais, as videoaulas gravadas e ao vivo apresentam nuances distintas em termos de abordagem, profundidade e enfoque. Sendo, neste caso, influenciadas pelas particularidades que cada formato apresenta. O enquadramento do tecnodiscurso analisado possibilitou que pudéssemos caracterizar o tecnogênero como sendo produsado, visto suas características pertinentes ao conceito. O produso ao qual deriva essa característica pode ser definido como 124 Uma palavra-valise que traduz produsage, um neologismo inglês proposto pelo pesquisador australiano Axel Bruns, que reúne em uma só palavra produção/production e uso/usage (Bruns 2008). O produso descreve o fato de que, em uma comunidade colaborativa on-line, a fronteira entre o produtor e o usuário de conteúdos se apaga: o “produsuário”. O produso permite a invenção de novos usos, e, ao mesmo tempo, uma melhora contínua dos conteúdos existentes (Paveau, 2021, p. 289) (grifos do autor). No que tange aos pontos que se sobressaíram, destacamos a ampliação e a deslinearização. A ampliação com uma discussão voltada para os comentários e para o chat on- line e todas as possibilidades de coproduções que são estabelecidas a cada nova interação do internauta com as videoaulas; assim como a deslinearização, também, com a infinidade de possibilidades que são suscitadas a depender da interface, do perfil mapeado pela rede do escrileitor e das interferências que podem ocorrer durante a navegação. Também foi realçada a distinção entre o comportamento dos mesmos professores em canais diferentes, visto que as plataformas solicitam, a medida em que são criadas e solicitadas socialmente, respostas e adequações diferentes. No Youtube, os professores têm uma liberdade de tempo maior, uma profundidade de interação para um detalhamento de comentários maior e mais proximidade com o público nesse quesito, enquanto no TikTok, a proposta é de velocidade e consumo rápido, portanto, os vídeos são curtos e a produção é variada, a utilização do entretenimento, do humor, de memes e atualidades para captar a audiência e viralizar os vídeos são bem maiores. O conteúdo é o foco central, mas para que o espectador seja preso ao vídeo, o pano de fundo precisa ser interessante o suficiente e todas essas formas de produção afetam discursivamente o conteúdo e a interação. Esta subseção, embora conclusiva, ainda abarca uma série de questões não necessariamente pontuais ao corpus e/ou ao objeto de análise, mas ao alcance diário das novas tecnologias, das novas formas de interagir e, principalmente, da infinidade de formas de se produzir discursos. É com base nisso que evidenciamos uma reflexão sobre produção/compartilhamento de conteúdo. 125 6 A (RE)PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO NA PRODUÇÃO/ COMPARTILHAMENTO DAS VIDEOAULAS O que sustenta a formulação dos dizeres no digital é a sua circulação. Ela é, como diz Orlandi (Barreto, 2006), o ângulo de entrada no processo de produção dos sentidos (Dias, 2018, p. 33). Para desenvolvermos a ideia que contorna este capítulo, atentamos para a compreensão de duas noções importantes a respeito do discurso digital. A primeira versa sobre a circulação que se alinha como uma espécie de porta de entrada para a produção de sentido neste ambiente; e, além dessa noção, refletimos sobre a tecnologia, como ferramenta primordial nesta construção. Essas noções, juntas, nos fizeram percorrer por um caminho de considerações que ancoram o nosso pensamento sobre os limites que sugerimos a respeito da reprodução e/ou compartilhamento de conhecimento a partir desse tecnogênero. Isso foi possível, além das noções que apontamos,também pela comparação e ampliação do pensamento de Benjamin (1987), quando escreve e reflete sobre reprodutibilidade técnica, sentidos da arte e chegada das técnicas de reprodução. Esse caminho foi ancorado pelos estudos de Dias (2018) e das possibilidades pensadas pela autora para refletir as noções que norteiam nosso pensamento. Para isso, dividimos esta perspectiva em “Reflexões iniciais” e em “É possível produzir conhecimento?” - pergunta norteadora que buscamos, com base em toda a pesquisa, responder. Além disso, também ponderamos, diante todo o exposto, como se configura essa conjectura diante do sistema neoliberal na sociedade contemporânea que vem passando por grandes transformações, sobretudo nas últimas duas décadas. Pois, devemos considerar e refletir como o neoliberalismo e a reestruturação produtiva pautados em uma perspectiva de acúmulo flexível recai em um caráter destrutivo, acarretando, muitas vezes, desemprego e precarização do trabalho. Pensar no lugar da videoaula, da sua ascensão e nos limites estabelecidos é, também, pensar nas condições de precarização de trabalho dos profissionais que são, muitas vezes, submetidos a jornadas de trabalhos exaustivas com argumentos de que são “mais simples” (Antunes, 2000). 126 6.1 REFLEXÕES INICIAIS Considerando, então, a circulação como a “sustentação” dos dizeres do digital que nós nos voltamos para esta noção tão cara aos estudos do tecnodiscurso. É envolto pela dinâmica da chegada da fotografia e do cinema, resultantes das novas técnicas de reprodução, que Walter Benjamin (1987) pensou na arte composta por uma “aura”, uma “singularidade” e um “aqui e agora”. Dessa forma, a arte findava por ser definida como sendo algo autêntico, único. Entretanto, o autor aponta a fundição, xilogravura, a impressão, assim como a gravura e a litografia como modos de reprodução técnica da arte. A respeito disso, segundo Benjamin (1987), por volta do início do século XX, a reprodução técnica começara, por alcançar um nível alto, a tomar seu próprio objeto e a submeter o que se tinha como consequências, seus efeitos, às modificações mais profundas. E, por causa disso, conquista seu próprio lugar entre os demais procedimentos do segmento artístico. Para o autor, essa perspectiva defende que há uma manifestação/representação perfeita da arte, algo que fica pelo caminho. Esse algo seria o que ele chama de “aqui e agora”, componente fundamental da criação da arte. Assim sendo, esse conceito versa sobre uma constituição única que se refere a um momento, um lugar e toda uma constituição que só aconteceria ali, naquele momento, dispondo à produção uma perspectiva única, autêntica e singular. Indo mais adiante em seu pensamento, podemos notar que, embora ele aponte essa perda por meio das técnicas de reprodução, algo se destaca no que concerne à autonomia dessas reproduções. A fim de ilustrar o quanto a fotografia tem capacidade de ser superior ao olho humano e uma reprodução por meio dessa técnica não passaria a ser consumida com tantos detalhes quanto a produzida por lentes apropriadas. Ainda assim, o autor afirma que há uma perna no que diz respeito ao “aqui e agora”. Assim, se chega ao que foi considerado como “aura” que corresponde exatamente ao que tratamos quando apontamos a arte como singular e única, bem como autêntica. Dito de outra forma, a aura se trata de uma espécie de existência única. E a reprodutibilidade é exatamente o que faz com que a obra de arte perca essa aura. A reprodutibilidade altera o que se considerava como sendo uma ocorrência única para uma ocorrência em massa. Mesmo assim, Walter Benjamin (1987) reflete que as percepções que envolvem esses conceitos são permeadas tanto pelas capacidades sensoriais quanto pelas questões históricas. O que nos leva ao entendimento da sociedade com algumas inovações, avanços, formas de 127 constituição dos discursos e afins. Isso se transforma, então, em uma necessidade, uma espécie de desejo dessa massa de multiplicar essas produções através da cópia, da reprodução, etc. Esse caminho que percorremos se assemelha ao que entendemos como a reprodução dos conteúdos advindos das videoaulas. Entretanto, para que a hipótese aqui levantada faça sentido, propusemos uma reflexão a respeito da noção de tecnologia. Nessa constituição, recorremos aos pensamentos de Dias (2018, p. 35) em meio a alegação de que Creio que a noção de tecnologia não é, hoje, sobretudo com o digital, algo que se coloque em questão. É algo da ordem daquilo que Pêcheux (1995, p. 159) chamou “norma identificadora” que, pelo funcionamento da ideologia, fornece as evidências pelas quais ‘todo mundo sabe’ o que é a tecnologia e a que ela veio. [...] Ao contrário do que parece se difundir, muito em função das possibilidades tecnológicas propiciadas pelo digital, tecnologia é um conceito extremamente opaco. Por esse motivo, iniciamos constatando a dificuldade em definir em um conceito fechado o que é a tecnologia, em contrapartida, sabemos o que significa enquanto utilizamos, precisamos e entramos em contato com ela. Nossa interpretação dessa noção fica a cargo da subjetividade que versa por uma ferramenta necessária, útil e cada vez mais presente no contexto histórico em que vivemos. Sobretudo em toda a questão contextual à pandemia – que apontamos em outras partes deste trabalho como sendo de grande importância reflexiva para nosso olhar analítico. A autora percebe, ainda, uma forma de corroborar essa questão afirmando que se propõe, por meio da perspectiva da linguagem e a partir do campo da Análise de Discurso, transformar ou objetivar o discurso digital como um objeto de análise possível. E, para tanto, insere a questão da tecnologia como possibilidade de se produzir questionamentos. Pois “novas tecnologias de linguagem representam uma possibilidade de reorganização do trabalho intelectual e do trabalho da interpretação” (Orlandi, 2007, p. 148). Adiante, também apontamos a reflexão Com efeito, uma vez que se filia a diferentes discursividades o conceito de tecnologia, através da deriva dos sentidos, vai sendo formulado de maneiras distintas, com escolhas (pré-conscientes) sintáticas e enunciativas que determinam o que é dito no interior de uma formação discursiva, e rejeita o não-dito (Dias, 2018, p. 39). Esse não-dito podemos conceber como semelhante ao que Pêcheux (1995) aponta como sendo o segundo esquecimento, essa noção estaria diretamente ligada, portanto, “do 128 funcionamento do discurso digital e tem efeitos nos modos de individuação dos sujeitos na sociedade, em condições de produção determinadas.” (Dias, 2018, p. 39). A autora traz, ainda, a comparação entre os sintagmas Tecnologia e Sucesso como sendo inseparáveis, pois, estão sempre juntos. “Em termos discursivos, diremos que o sucesso faz parte da relação simbólica da tecnologia com o mundo.” (Dias, 2018, p. 40). Seria o sucesso uma espécie de efeito de sentido da tecnologia marcado na história. Toda essa reflexão vai resultar no que podemos considerar como discursos da/sobre inovação. À luz do exposto, conseguimos depreender a ideia à qual apresentamos nesta seção. Seguindo por um caminho que compreende os limites da reprodução e/ou compartilhamento das videoaulas como estando ligada às noções do discurso digital como precedente de sua circulação, assim como da noção de tecnologia. Ambas noções ressaltam o sucesso desse tecnogênero, o qual, em outros momentos, apontamos como ocupando um lugar de protagonismo no cenário atual. Tomando como ponto de partida a comparação estabelecida no início deste tópico, visualizamos a videoaula como a arte que é reproduzida a partir do desejo da massa. Nesse caso, a aura ou o que poderia corresponder a essa noção, ressaltando o “aqui e agora” não seria determinante, uma vez que o que sustenta o discurso digitalé, sobretudo, a sua circulação. Aqui, essa reprodução não resultaria em uma perda, mas na multiplicação do sucesso. Para uma visualização desse caminho de sentidos, elaboramos o seguinte esquema: Esquema 1 – A circulação como sustentação dos dizeres do digital Fonte: autoria própria. Videoaula Arte produzida Desejo da massa de reproduzir Circulação Sucesso 129 Com base no esquema, apontamos que o caminho que perpassa pela videoaula como a arte produzida se reproduz a partir do desejo da massa de reproduzir, replicar e, uma vez compartilhada, encaminhada, elaborada por diferentes temáticas essa arte percorre o ambiente virtual a fim de alcançar a circulação desejada. Essa circulação é o que atesta o sucesso. Quando olhamos para os canais analisados, podemos atestar o sucesso das videoaulas também pelos números de alcance/replicabilidade/reprodução. Então, trazendo essa questão de “não perda” que identificamos a necessidade de olhar para a linguagem, uma vez que apontamos a questão histórica como necessária para compreender todo esse caminho. Indo além, trouxemos a reflexão de Dias (2018, p. 51) que entende que essa ideia afasta qualquer abordagem meramente pragmática ou mesmo histórico- cronológica do digital e da tecnologia em geral, é que por meio da linguagem e suas formas é possível observar como os sujeitos se relacionam, produzem sentidos para as coisas do mundo, em seu funcionamento. Nessa dinâmica, pensar os limites que sugerimos em relação à reprodução e/ou compartilhamento de conhecimento por meio das videoaulas requer um aprofundamento da noção de conhecimento e da própria produção/reprodução desse conhecimento. A fim do avanço da discussão, delimitamos e percorremos aquilo que interpretamos como sendo a dinâmica para o alcance do sucesso no ambiente digital como ponto de sustentação. 6.2 É POSSÍVEL PRODUZIR CONHECIMENTO? Para que pudéssemos, de algum modo, responder a esta questão, recorremos à obra de Foucault, a fim de refletirmos, com base em alguns dos conceitos utilizados por ele, como poderíamos delimitar a noção de conhecimento para, a partir disso, considerarmos as possibilidades e alcances das produções das videoaulas. Iniciando, pois, este caminho, partimos da construção de um sentido para o discurso com base em Foucault (2012, p. 25) que compreendia, na perspectiva Arqueológica, o discurso a partir de uma perspectiva da “descontinuidade, de ruptura, de limiar, de limite, de série, de transformação”. Para compreender o discurso, o autor partia da reflexão do enunciado por entendê-lo como unidade elementar do discurso. Para acompanhar a compreensão, vamos seguir a mesma direção do pensamento de Foucault (2012, p. 130): 130 Chamaremos enunciado a modalidade de existência própria desse conjunto de signos: modalidade que lhe permite ser algo diferente de uma série de traços, algo diferente de uma sucessão de marcas em uma substância, algo diferente de um objeto qualquer fabricado por um ser humano; modalidade que lhe permite estar em relação com um domínio de objetos, prescrever uma posição definida a qualquer jeito possível, estar situado entre outras performances verbais, estar dotado, enfim, de uma materialidade repetível. No trecho, Foucault reflete o enunciado se distanciando de uma existência materializada do contexto da língua, ou seja, ele assume um lugar de distanciamento de uma simples coleção de marcas físicas (como símbolos). Os enunciados, portanto, se dispõem em relação a uma certa ordem que é norteada, a cada tempo, por um conjunto de regras, normas, “práticas invisíveis”. É dessa forma que relacionamos a função enunciativa e as formações discursivas, uma vez que se coincidem na definição de condições historicamente determinadas para o exercício de suas funções. Tomando o enunciado como ponto de partida, é importante gerir a produção desses discursos uma vez que essa concepção nos traz ao objeto de nossa discussão: a produção das videoaulas. Para isso, com a palavra, Foucault (2013, p. 9) a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. O autor traz a produção como reflexo de um conjunto de práticas discursivas e de discursos que se organizam, a cada tempo, em formações discursivas a fim de possibilitar a emersão de certos saberes. Apontamento que interfere na produção do discurso, que perpassa por “lutas, vitórias, ferimentos, dominações, servidões, através de tantas palavras, cujo uso há muito tempo reduziu as asperidades” (Foucault, 2013, p.8) Pensando na descontinuidade presente nas reflexões e conceito de discurso, sobretudo na ruptura e transformação que também comportam o que seria o discurso, é importante pensarmos como algo que não está puramente ou simplesmente acabado em uma determinada época, mas, pelo contrário, em constante descontinuidade, permeado por posições sociais, necessidades e novas práticas sociais. Logo, entendemos o discurso também como reflexo de uma época. Nessa perspectiva, pensar nas videoaulas é compreender as necessidades que surgem com base nas novas relações e interações sociais. A quem servem essas modalidades ou, melhor 131 dizendo, quais poderes, ainda que não necessariamente visíveis, estão por trás da força necessária para o protagonismo dessa modalidade? Embora tenhamos, no meio do caminho, o triste contexto pandêmico que comportou a necessidade de isolamento e, com isso, a busca por essa e outras modalidades de ensino, como podemos pensar o contínuo antes e mesmo após esse contexto crítico? Voltando alguns passos, na tentativa de elucidar uma compreensão mais profunda a respeito dos discursos e enunciados, nos voltamos para o conceito de saber, aquilo que podemos encontrar especificado em uma prática discursiva como: “o domínio constituído pelos diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico”, ou seja, por objetos que podem ou não ser reconhecidos e, também, como “o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso.”, espaço onde os sujeitos podem se posicionar, emitir opiniões – opiniões que também são historicamente proveniente de um conjunto de enunciados, discursos, formações discursivas, práticas discursivas e dispositivos que se organizam e controlam (Foucault, 2013, p. 220). Além disso, o autor também determina um saber como “campo de coordenação e de subordinação dos enunciados em que os conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam”, bem como “por possibilidades de utilização e de apropriação oferecidas pelo discurso” (Foucault, 2013, p. 220). Esses trechos fazem alusão ao surgimento dos conceitos e termos não se darem de forma isolada, mas sim dentro de um sistema discursivo e, quando se trata das possibilidades de apropriação oferecidas, compreende-se a não fixidez do saber. Em suma, o saber se comporta como um produto das condições que determinam o que pode ser considerado e como os conceitos são definidos e aplicados. Para tanto, quando olhamos para a descontinuidade discursiva a partir da não rigidez do saber, compreendemos o papel do sujeito na construção do saber, pois as possibilidades de utilização e apropriação do discurso perpassam por questões sociais e discursivas, práticas, normas e relações de poder, não há, portanto, como pensar numa relação direta e permanente quando, na verdade, estamos diante de uma complexa teia de relações. Adiante, para além do senso comum do que haveria de ser conhecimento, todo esse caminho foi para que pudéssemos chegar ao que traz Foucault (2013, p. 230-231): A descrição da episteme apresenta, portanto, diversos caracteres essenciais:abre um campo inesgotável e não pode nunca ser fechada; não tem por finalidade reconstituir o sistema de postulados a que obedecem todos os conhecimentos de uma época, mas sim percorrer um campo indefinido de relações. 132 O autor expande o conceito de episteme fazendo alusão ao inesgotável, um campo aberto. Assim, essa compreensão traz o que já discorremos a respeito da não fixidez, da descontinuidade. Isto é, o conhecimento também não assume uma forma fixa ou conclusiva, estando sempre sujeito às inesgotáveis possibilidades de uma determinada época. Além disso, o objetivo da episteme também não se fecha no mapeamento de um conjunto de normas ou postulados, é importante apontar para um nível profundo e mais específico do conhecimento, bem como é dada a relação das diferentes formas de saber que se relacionam e se transformam ao longo do tempo e das relações sociais. Portanto, no lugar de buscar essa rigidez, essa estrutura estática, a episteme assume um papel muito mais relacional que explora as interconexões e as dinâmicas de produção e transformação do conhecimento. Caminhando dessa forma, concordamos que, por entre esses conceitos, o conhecimento é composto por inúmeros saberes que não seguem uma estrutura fixa, rígida ou limitada, mas flexível e oriunda de um momento, de uma época que envolve, também, e principalmente, relações de poder que determinam quais e de que forma os discursos ganham poder e forma. Por isso, então, é importante se inteirar da história e compreender de que maneira o discurso ganha essa legitimação, isso só é possível levantando contexto, condições de mundo, interesses e afins (Foucault, 2013). Ademais, também apontamos, de acordo com Foucault (2013), o conhecimento como um produto, uma invenção e não algo intrínseco ao homem, como parte fundante dos sujeitos. Para compor essa ideia, trazemos a reflexão feita pelo autor no que concerne à ciência e ao conhecimento formados com base nas relações, como já apontamos, entre poderes e sujeitos. Nessa perspectiva, uma análise causal, em compensação, consistiria em procurar saber até que ponto as mudanças políticas, ou os processos econômicos, puderam determinar a consciência dos homens de ciência o horizonte e a direção de seu interesse, seu sistema de valores, sua maneira de perceber as coisas, o estilo de sua racionalidade: assim em época em que o capitalismo industrial começava a recensear suas necessidades de mão- de-obra, a doença tomou uma dimensão social: a manutenção da saúde, a cura, a assistência aos doentes pobres, a pesquisa das causas e dos focos patogênicos tornaram-se um encargo coletivo que o Estado devia, por um lado, assumir e, por outro, supervisionar (Foucault, 2013, p. 199). Dessa forma, quando destacamos o contexto pandêmico ao qual nos debruçamos, podemos refletir de que modo a reorganização social, as mudanças políticas, os processos econômicos e, principalmente, a direção de interesses que se impuseram em práticas discursivas 133 e formações discursivas delimitaram o contexto supracitado em razão do crescente protagonismo (e de suas consequências) das videoaulas. Trouxemos essa perspectiva a fim de situar as videoaulas, uma vez que foi a partir de sua formação, das escolhas metodológicas, conceituais e de práticas que observamos como propusemos sua localização. Ou seja, partindo do que discorremos até então, pensar essa localização, é se voltar para formações discursivas que permeiam esse contexto e compreendem o controle discursivo. Além disso, compreendendo essa localização como distante de uma independência de todo esse aparelhamento contextual, nos voltamos para àquilo que foi norteador para este caminho: a presença ou não da (re)produção de conhecimento nessas videoaulas. Sabendo, ao longo do dito, que ecoa a não fixidez proposta nos conceitos elencados, bem como de nossa compreensão acerca do conhecimento produzido, reproduzido e compartilhado nas videoaulas como reflexo de uma época, das necessidades sociais e, mais que isso, de uma organização social que carece, para além desse caminho teórico de uma constante reflexão política. Ainda, junto dos conceitos que abordamos, citamos o poder como componente fundamental em vários deles, esse componente, portanto, é visto como A multiplicidade de correlações de força imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas de sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; [...] Onipresença do poder: não porque se produz a cada instante, em todos os pontos, ou melhor, em toda relação entre um ponto e outro. O poder está em toda a parte; não porque engloba tudo e sim porque provém de todos os lugares (Foucault, 2005, p. 88). O poder, portanto, emerge de diversas relações e molda práticas sociais e a estrutura das instituições. Também não é estático e está em constante movimento e transformação, sendo, dessa forma, resultado das dinâmicas e interações que vão ocorrendo ao longo do tempo. Destacamos também a onipresença apresentada pelo autor, pois diz respeito a não centralização desse fenômeno, apontando sua presença em vários contextos. Compreendendo que o poder “não se concentra em um único lugar ou em uma única instituição”, e que o poder “é aquele que faz parte do corpo social, ele está presente em todas as esferas, em todas as práticas sociais, constituindo para isso um campo de acontecimento ou um campo de correlações de força” (Morais, 2017, p. 193). No que concerne às videoaulas, apontamos o saber representado pelo conhecimento dos criadores de conteúdo que estão por trás dos vídeos. Esse conhecimento dos sujeitos emerge a partir de práticas discursivas, podemos destacar os mais variados, como acadêmicos, 134 especializados, práticos. Quando trazemos as videoaulas com os temas das aulas de português, provavelmente, o conhecimento transposto foi adquirido por meio de estudos, formação acadêmica etc. A produção de uma videoaula também versa pela influência de diversas forças que norteiam o conjunto de regras que dispõem o ambiente digital, sobretudo do que se espera dessas produções. Tudo isso influencia em decisões como o que incluir ou não no vídeo (o que dizer e como dizer), as questões que norteiam a estruturação do conteúdo, como responder às expectativas da audiência e o esperado pelas plataformas. Todo esse campo de forças e influências define como vai se dar a organização e apresentação do conhecimento. É importante perceber, então, o quanto é distante e confuso a comparação rasa feita entre esse tipo de produção e uma aula tradicional, presencial e dotada de outros contextos, forças e expectativas. Seguindo, é possível pontuar o campo de negociações contínuo de transformações neste tecnodiscurso que influenciam o campo contextual, pois, o escrileitor pode enfrentar desafios, resistências e precisar se adaptar, a cada momento, ao novo que é esperado pela audiência de tempos em tempos. A abordagem foucaultiana nos ajudou a compreender que o conhecimento não é apenas um conjunto de informações limitado ou delimitado, mas constantemente influenciado por forças que são regidas pelas interações sociais advindas das possibilidades resultantes das formações discursivas que se constituem em meio ao jogo de poder discursivo. 6.3 O SISTEMA NEOLIBERAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS É sabido que desde os anos 1970, juntamente com o fim do tratado de Breton woods7, nossa sociedade passou por mudanças de grande valor social significativo que foram advindas pelo neoliberalismo. Os governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher foram os principais impulsionadores de novas políticas de ordem liberal, caracterizadas a partir de objetivos de desregulamentação e redução expressiva dos gastos públicos e da intervenção estatal no mercado. Compreende-se que Essas políticas neoliberais continhamprincípios e valores de eficácia e eficiência e, até mesmo, incutiam sobre o indivíduo, que passava por constantes avaliações de desempenho sob a exigência de uma 7 “O Acordo de Bretton Woods refletia a hegemonia dos Estados Unidos no pós-guerra. Oficialmente, no papel de reserva internacional, o dólar foi vinculado à mercadoria que historicamente tem representado o dinheiro universal - o ouro. As demais moedas deveriam se alinhar ao dólar, tornando-se convertíveis a taxas de câmbio relativamente fixas. Mas, na realidade, do dollar shortage à crise do dólar, Bretton Woods foi sempre uma miragem” (Kilsztajn, 1989, p. 539). 135 produtividade sempre crescente, uma obrigação interna e externa de superação contínua dos seus limites (Menchise, Ferreira e Álvarez, 2023, p. 1-2) O que deixava claro a forte noção disciplinar de estímulo à concorrência, de forma a se expandir uma lógica de capital que não se baseava nas relações empresariais e institucionais, mas também nas individuais. Essa lógica que rapidamente ganhou espaço foi propulsora de um significativo aumento da desigualdade social, uma vez que as políticas socioeconômicas neoliberais se voltavam, principalmente, para a diminuição de direitos previdenciários e a precarização do trabalho. (Menchise, Ferreira e Álvarez, 2023) Partindo de Pierre Dardot e Christian Laval (2016), as políticas conservadoras e neoliberais parecem ter sido uma resposta à crise econômica e social do regime de acumulação fordista, esses governos enfrentaram a regulação macroeconômica keynesiana, a propriedade estatal de empresas, o sistema fiscal progressivo, a proteção social e as regulamentações que enquadram o setor privado, principalmente no que diz respeito ao direito trabalhista e à representação dos trabalhadores. O Brasil, em relação aos países da América Latina, foi o último país a implementar um projeto neoliberal – que se deu a partir de 1989 com a eleição de Fernando Collor –, mesmo com referências no contexto internacional e pressão de instituições como o FMI. Ainda assim, mesmo de forma tardia, não havia um plano pronto para ser implementado, mas conjunturas que foram se dando a partir da luta de classes (Filgueiras, 2006). Implementado, o projeto neoliberal tinha apoio e era formado por executivos de empresas, certos segmentos de profissionais liberais, a alta burocracia governamental, uma nova intelectualidade identificada com os valores e hábitos forâneos e um pequeno grupo de consultores e trabalhadores autônomos altamente qualificados, ocupados em atividades econômicas recém surgidas e típicas dos novos paradigmas tecnológicos. (Filgueiras, 2006, p. 4) Logo, a implementação foi sendo dada ao longo da luta de classes e, somado a isso, o projeto de política neoliberal contou com o apoio da classe média alta, esse segmento social se beneficiou diretamente das consequências advindas do novo projeto, ainda que esse benefício se concentrasse em uma parcela pequena e aumentasse ainda mais a desigualdade social. A partir disso Esse processo, de implantação e evolução do projeto neoliberal, passou por, pelo menos, três momentos distintos, desde o início da década de 1990, quais sejam: uma fase inicial, bastante turbulenta, de ruptura com 136 o MSI e implantação das primeiras ações concretas de natureza neoliberal (Governo Collor); uma fase de ampliação e consolidação da nova ordem econômico-social neoliberal (primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso - FHC); e, por último, uma fase de aperfeiçoamento e ajuste do novo modelo, na qual amplia-se e consolida-se a hegemonia do capital financeiro no interior do bloco dominante (segundo Governo FHC e Governo Lula) (Filgueiras, 2006, p. 186). Ora mais perceptível, ora menos, ao longo dos governos, isso têm gerado graves consequências, como, por exemplo, um aumento do desemprego, uma marcada precarização das condições de trabalho e uma crescente degradação na relação entre o ser humano e a natureza. Esta última impulsionada por uma lógica societal que finda por priorizar produções de mercadorias e que resulta na destruição do meio ambiente em escala global (Antunes, 2000). Bourdieu (1997) aponta que o neoliberalismo é uma utopia que está ancorada em uma destrutiva maquinaria que os dominadores tentam impor aos povos do mundo. Tendo sido originado como resposta ao Keynesianismo e ao aumento da intervenção estatal na economia, com seu marco de origem se dando na conferência de Mont Pélerin, essa utopia é caracterizada por um discurso que comporta a solução para diversos problemas, sejam econômicos, sejam sociais. Segundo Dardot e Laval (2016, p. 71), Se é verdade que a crise do liberalismo teve como sintoma um reformismo social cada vez mais pronunciado a partir do fim do século XIX, o neoliberalismo é uma resposta a esse sintoma, ou ainda, uma tentativa de entravar essa orientação às políticas redistributivas, assistenciais, planificadoras, reguladoras e protecionistas que se desenvolveram desde o fim do século XIX, uma orientação vista como uma degradação que conduzia diretamente ao coletivismo. O neoliberalismo vai, portanto, desenvolver-se a partir de várias linhas de força e se submetendo a várias tensões de fundamental importância. Nessa perspectiva, A grande diferença entre esse neoliberalismo e o liberalismo antigo, segundo Rougier, é a concepção que eles têm da vida econômica e social. Os liberais tendiam a ver a ordem estabelecida como uma ordem natural, o que os levava a sistematicamente tomar posições conservadoras, tendendo a manter os privilégios existentes. Não intervir era, em resumo, respeitar a natureza. Para Rougier ser liberal não é em absoluto ser conservador, no sentido da manutenção É, dos privilégios de fato resultante da legislação anterior. ao contrário, ser essencialmente "progressista”, no sentido de uma contínua adaptação da às ordem legal descobertas científicas, aos progressos da organização e da técnica econômica, às mudanças de estrutura da 137 sociedade, às exigências da consciência contemporânea. Ser liberal não é, como o "manchesteria no", deixar os automóveis circularem em todos os sentidos, seguindo seus caprichos, donde resultariam incessantes engarrafamentos e acidentes; não é, como o "pianista", estabelecer para cada automóvel uma hora de saída e um itinerário; é impor um código de trânsito, admitindo ao mesmo tempo que ele não é na época dos transportes rápidos o mesmo que era na época das diligências. Serge Audier, Le Colloque Lippmann, cit., p. 15-6 (Dardot e Laval, 2016, p. 80). O trecho nos faz refletir sobre alguns pontos importantes dessa diferença. O liberalismo clássico, por exemplo, tinha a ordem estabelecida como sendo natural, enquanto os neoliberais acreditavam que o mercado e a sociedade deveriam seguir seus próprios caminhos, sem intervenção do Estado, pois acreditavam que a ordem espontânea do mercado era o que poderia garantir o progresso. Diferente do liberalismo clássico, o neoliberalismo também busca um ajuste às novas descobertas científicas, avanços tecnológicos e, principalmente, às mudanças na estrutura social. Um ponto de importante destaque é a respeito da intervenção reguladora, o neoliberalismo não é contrário à intervenção do Estado, mas defende uma forma de intervenção que possa promover eficiência e modernização. Entretanto, é importante destacar que não foi apenas a força das ideias neoliberais que garantiu sua hegemonia. Elas se impuseram a partir do enfraquecimento das doutrinas de esquerda e do desabamento de qualquer alternativa ao capitalismo. Elas se afirmaram sobretudo num contexto de crise dos antigos modos de regulação da economia capitalista, no momento em que a economia mundial era afetada pelas crises do petróleo. Isso explica por que, diferentemente dos anos 1930, a crise do capitalismo fordistaresultou numa saída favorável não a menos capitalismo, mas, sim, a mais capitalismo. O principal tema dessa guerra ideológica foi a crítica do Estado como fonte de todos os desperdícios e freio à prosperidade (Dardot e Laval, 2016, p. 207). Os autores destacam que a ascensão do neoliberalismo se deu também como fruto do enfraquecimento das ideias de esquerda. O neoliberalismo emergiu, sobretudo na crise dos anos 1970 e 1980, quando os sistemas econômicos existentes estavam com suas falhas mais perceptíveis. Para além disso, eles ressaltam que a crítica ao Estado foi um dos temas centrais da ideologia neoliberal – em que o apontavam como responsável pelos desperdícios que impediam o crescimento econômico, em que afirmavam que a intervenção estatal era ineficaz. O 138 neoliberalismo se apresentou como uma alternativa eficiente e dinâmica, principalmente como uma resposta às crises econômicas e políticas que o período vinha enfrentando. A dependência à assistência é uma das constantes críticas do discurso neoliberal, essa crítica repousa sobre um postulado que diz respeito à relação do indivíduo com o risco. O “Estado de bem-estar”, querendo promover o bem-estar da população por meio de mecanismos de solidariedade, eximiu os indivíduos de suas responsabilidades e dissuadiu-os de procurar trabalho, estudar, cuidar de seus filhos, prevenir-se contra doenças causadas por práticas nocivas (Dardot e Laval, 2016, p. 211). Dessa forma, a proposta foi implementar os mecanismos de cálculo econômico individual em todos os domínios e níveis, especialmente no nível microeconômico do comportamento dos indivíduos. O que versaria, por um lado, na moralização dos comportamentos e, por outro, em uma maior eficiência dos sistemas sociais. (Dardot e Laval, 2016, p. 211). Surge, então, um novo discurso de valoração do risco, pois Se o indivíduo é o único responsável por seu destino, a sociedade não lhe deve nada; em compensação, ele deve mostrar constantemente seu valor para merecer as condições de sua existência. A vida é uma perpétua gestão de riscos que exige rigorosa abstenção de práticas perigosas, autocontrole permanente e regulação dos próprios comportamentos, misturando ascetismo e flexibilidade. A palavra- chave da sociedade de risco é "autorregulação" (Dardot e Laval, 2016, p. 213). O indivíduo passa a ser visto como inteiramente responsável pelo seu próprio destino e a sociedade passa a não ter mais nenhuma responsabilidade sobre ele, nesse contexto, a pessoa deve continuamente demonstrar seu valor a fim de justificar as condições de sua própria existência. Ou seja, a vida é descrita como constante gestão de riscos e constantemente solicita por autorregulação e adaptabilidade. Os sujeitos precisam gerir seus próprios riscos e responsabilidades. É comum observar o quanto são frequentes expressões de como a humanidade “atingiu seu ponto alto”, de modo a fetichizar questões, como o culto da sociedade democrática, “que teria finalmente realizado a utopia do preenchimento, até a crença na desmercantilização da vita societal, no fim das ideologias.” (Antunes, 2000, p. 35). Há também uma viralização do que seria uma sociedade capaz de possibilitar uma interação subjetiva, bem como os que enxergam o fim do trabalho como a realização concreta do reino da liberdade. O que trouxemos, conforme Antunes (2000, p. 36), é que 139 Ao contrário destas formulações, pode-se constatar que a sociedade contemporânea presencia um cenário crítico, que atinge também os países capitalistas centrais. Paralelamente à globalização produtiva, a lógica do sistema produtor de mercadorias vem convertendo a concorrência e a busca da produtividade num processo destrutivo que tem gerado uma imensa sociedade dos excluídos e dos precarizados, que hoje atinge também os países do Norte. Até o Japão e o seu modelo toyotista, que introduziu o “emprego vitalício” para cerca de 25% de sua classe trabalhadora, hoje já ameaça extinguí-lo, para adequar-se à competitividade que reemerge do ocidente “toyotizado” (grifos do autor). Logo, o autor destaca que há um contraponto, pois enquanto existem visões que sugerem estabilidade e uma certa prosperidade, também existe um cenário problemático que vem afetando não só os países periféricos, mas também os países centrais do sistema capitalista. Isso posto, se compreende que o avanço da globalização produtiva é também apontado como uma espécie de impulsionador para que ocorram transformações que resultam em mais competições e busca por produtividade, o que recai em processos destrutivos. Essa lógica, inerente ao sistema produtor de mercadorias, pode ser identificada, portanto, como sendo responsável por gerar uma ampla sociedade de excluídos e precarizados. Em suma, se compila uma complexidade do cenário contemporâneo que desafia percepções simplistas sobre o sucesso econômico e que destaca as consequências adversas da busca pela constante competitividade e produtividade em escala global. Além disso, também se ressalta que “quanto mais se avança na competitividade inter- capitalista, quanto mais se desenvolve a tecnologia concorrencial, maior é a desmontagem de inúmeros parques industriais que não conseguem acompanhar sua velocidade intensa” (Antunes, 2000, p. 36). O que reverbera, portanto, a lógica destrutiva citada anteriormente. A respeito da destruição da força humana de trabalho, temos que: Encontra-se hoje na condição de precarizada ou excluída Em verdade, estamos presenciando a acentuação daquela tendência que István Mésváros sintetizou corretamente, ao afirmar que o capital, desprovido de orientação humanamente significa, assume, em seu sistema metabólico de controle social que é essencialmente destrutiva, onde o valor de uso das coisas é totalmente subordinado ao seu valor de troca (Mézáros, 1995, especialmente parte2) (Antunes, 2000, p. 37). E mais: Se se constitui num grande equívoco imaginar-se o fim do trabalho na sociedade produtora de mercadorias e, com isso, imaginar que estariam criadas as condições para o reino da liberdade é, entretanto, 140 imprescindível entender quais mutações e metamorfoses vêm ocorrendo no mundo contemporâneo, bem como quais são seus principais significados e suas mais importantes consequências. No que diz respeito ao mundo do trabalho, pode-se presenciar um conjunto de tendências que, em seus traços básicos, configuram um quadro crítico e que têm direções assemelhadas em diversas partes do mundo, onde vigora a lógica do capital. E a crítica às formas concretas da des- sociabilização humana é condição para que se possa empreender também a crítica e a desfetichização das formas de representação hoje dominantes, do ideário que domina nossa sociedade contemporânea (Antunes, 2000, p. 37). A partir disso, pontuamos a necessidade de evitar a concepção equivocada de que o fim do trabalho em uma sociedade produtora de mercadorias resultaria, automaticamente, no estabelecimento das condições para a liberdade. No entanto, isso não nos tira a necessidade crucial de compreender as transformações que vêm acontecendo no mundo contemporâneo, de modo a identificar seus significados e suas consequências fundamentais. No que diz respeito ao trabalho, também se observa um conjunto de tendências que, em sua essência, formam um quadro crítico que apresenta direções semelhantes em diversas partes do mundo, onde a lógica do capital prevalece. E, portanto, o que se estabelece é uma crítica às formas concretas de desociabilização humana como condição essencial para a análise crítica e desfetichização das formas de representação que atualmente dominam a sociedade contemporânea. Dessa forma, deduzimos que as questões principais são entendimento e crítica. Entender e criticar as mudanças no mundo do trabalho é um passo fundamental para desvelar e, só assim,questionar as representações predominantes na sociedade atual. Uma vez que esse caminho seja adotado, é importante se munir de uma perspectiva reflexiva e crítica em relação às transformações sociais e econômicas em curso, para possibilitar a compreensão da complexidade desses processos e construir uma análise mais profunda. No contexto em que pautamos nosso estudo, a pandemia de covid-19, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-COVID-19) (IBGE, 2020a; 2020b), por volta de três milhões de pessoas ficaram sem trabalho no Brasil, para além das pessoas que mudaram para o trabalho remoto – o qual teve dinâmicas desafiadoras e que foram se materializando ao longo do tempo. Restringindo nossa discussão, trazemos a precarização do trabalho docente como não sendo um fenômeno recente tampouco é um processo homogêneo, ao contrário, possui várias dimensões que se aprofundam a partir das transformações do mundo do 141 trabalho na segunda década do século XXI. A pandemia da COVID-19, portanto, agrava o quadro de precarização das relações de trabalho, afetando profundamente os professores. Dentro disso, é importante compreender de que modo esse fenômeno se apresenta para as diferentes camadas do professorado brasileiro. Ainda que se compreenda o fenômeno da precariedade dos professores brasileiros, as diferentes camadas dessa problemática percorrem por diversos espaços, os quais possibilitam aprofundamentos que não dispusemos em nossa análise e reflexão. Entretanto, pontuamos a questão da necessidade de se reinventar que muitos precisaram durante o contexto em questão e, para além disso, das demandas crescentes por se apresentar na internet de modo a conquistar um espaço cada vez maior e, com isso, conquistar mais renda e sucesso. Esses contrapontos nos ligam a outro conceito bem difundido e refletido nos últimos tempos: a uberização. Pochmann (2016, p. 17) compreende esse fenômeno como sendo movido pelo trabalhador “negociando individualmente com o empregador a sua remuneração, seu tempo de trabalho, arcando com os custos do seu trabalho”. A uberização aparece, portanto, como um caminho aparentemente rápido e fácil para conseguir algum tipo de remuneração, dizendo que há lugar para todos e que o trabalhador é gerenciador de si próprio (ele trabalha quando quer e da forma que ele quiser). No entanto, o fato de existir uma empresa que se coloca como mediadora do encontro entre aqueles que fornecem o serviço e aqueles que querem comprar, não muda as relações de trabalho. O gerenciamento permanece nas mãos da classe dominante e a subordinação continua cabendo aos trabalhadores, que neste caso se inserem em jornadas extenuantes para terem algum rendimento, arcam com todos os custos advindos do próprio trabalho e no final do mês muitas vezes acabam ganhando menos que um salário mínimo. Essa lógica que vem assolando o mundo do trabalho e atingindo fortemente um amplo contingente de trabalhadores desempregados tem se estendido para o setor público (Silva, 2019, p. 247). O autor critica a falsa flexibilidade e autonomia que são prometidas por algumas modernizações do trabalho que escondem e perpetuam exploração e subordinação dos trabalhadores. Apontando que, mesmo que algumas empresas apontem a aparente autonomia, como no que diz respeito ao controle de horário e modo de trabalho, por exemplo, nas mãos dos trabalhadores, o que acontece, de fato, é a centralização desse controle nas mãos da classe dominante, como antes acontecia. 142 Colaborando com o que pontuamos, trazemos Apple (1987, p. 37) enquanto aponta, no que diz respeito ao Estado: “procura criar um indivíduo que seja um empreendedor, ousado e competitivo”. O que indagamos, a partir disso, é: a que custo? No que diz respeito às videoaulas, durante a pandemia de covid-19, findaram por se tornar, além da abrangência de possibilidades que carrega na internet, uma ferramenta educacional utilizada para mitigar, de certo modo, os impactos do fechamento de escolas e universidades em todo o mundo – tendo em vista a necessidade posta de estarmos em distanciamento social e imersos em medidas de quarentena. Dessa forma, instituições educacionais foram se moldando ao ensino remoto e pareceram “não ter muito tempo” para isso. Nessa perspectiva, a videoaula ganha protagonismo para além do espaço já consolidado que já possuía, isso colabora diretamente com a necessidade embutida neste contexto de adaptar o conteúdo da aula convencional a uma videoaula curta, de dicas. Essa conjuntura foi possível, como apontamos na seção anterior, a partir das categorias discursivas digitais: ambiente digital, tecnodiscursos, escrileitor, entre outros. Essas categorias coadunam dentro de um contexto de condições históricas de produção de discursos sobre ensino em consonância com a noção de capital neoliberal, resultando na precarização da profissão do professor de diversas formas. Em meio ao desprestígio social e simbólico que acomete esses profissionais, o contexto sócio-histórico se tornou propulsionador da necessidade de integração do ambiente digital, não apenas como um espaço a mais, como possibilidade importante, mas como mais uma perspectiva de busca por espaço e prestígio – dessa vez – digital, em meio aos likes, deslikes, visualizações e corrida por números positivos. O contexto pandêmico impulsionou a intensidade dessas questões, abarcando, principalmente, um cenário de luta por sobrevivência que não só mobilizou consequências imediatas, como a necessidade de adaptar com certa urgência o discurso convencional em discurso digital, como em “efeitos colaterais” que já se vislumbram, mas que ainda estão sendo refletidos socialmente. Essa mudança do discurso perpassa por mudanças que não foram emplacadas apenas no contexto pandêmico, como mudanças de dispositivos, tecnologias, formas de ser e estar na e com a internet, mas, sobretudo, foram intensificadas por esse contexto. No modo de produção do capitalismo em sua fase neoliberal, a realidade de muitos professores, no contexto pandêmico, se deu com a lógica de precarização. Com a rapidez com que a migração se deu, sobretudo durante os anos críticos da pandemia, podemos apontar, além da rápida transição já mencionada, um acesso prolongado a 143 recursos educacionais; desafios de conectividade, o que acabou trazendo para a discussão grandes questões sociais importantes no que diz respeito às desigualdades enfrentadas por famílias que durante um dos períodos mais críticos de nosso país, não estava apenas sem acesso à internet, mas ao básico. Além disso, também puderam ser observadas uma enorme variedade de plataformas para hospedar videoaulas, como Zoom, Google Meet, Microsoft Team, além de algumas plataformas educacionais específicas. Todas elas possibilitam uma interação em tempo real, oportunizando a produção e gravação das videoaulas ao vivo, que também analisamos em nosso trabalho. Diante de tantas opções, houve também a necessidade de uma adaptação pedagógica que viabilizasse uma maior aderência dos alunos, visto que o contexto já desfavorecia em demasia toda a situação. Ficou, portanto, muitas vezes, a cargo dos professores “darem conta” de produzir aulas que fossem pedagogicamente interessantes, muito bem adaptadas aos formatos ofertados e que conseguissem cativar os alunos. As demandas destes, portanto, aumentaram, embora isso não tenha ficado tão visível quanto parece. Assim como muitas famílias estavam sofrendo com dificuldades de acesso ou tendo barreiras de acesso à tecnologia de modo geral, a rápida migração não esperou que todos se preparassem completamente para o trabalho remoto, para a produção de videoaulas, etc. Os professores, sobretudo os que enfrentavam essas barreiras, bem como os que não enfrentavam porque se desdobraram para fazer inúmeros cursos de adaptação, ganharamcarga de trabalho adicional, visto que a criação do conteúdo para essas aulas requer uma qualidade que exige tempo e esforço que vão além do esperado para uma aula tradicional, por exemplo. Além dessas questões, podemos citar, também, os desafios pedagógicos propriamente ditos, como a dificuldade de avaliar os alunos, assim como as dificuldades de saúde. O aumento da carga de trabalho e de exposição às telas, isolamento profissional, preocupações com segurança online, além de uma série de outras questões foram fatores que atravessaram o período analisado. Assim, reiteramos Antunes (2000), pois não se trata de conceber ou pensar no fim da produção deste tipo de conteúdo, tendo em vista o protagonismo e a consolidação desses formatos. Além das tantas possibilidades de utilização, enquanto ferramentas pedagógicas, quando utilizados para estes fins. Entretanto, não há como compreender as transformações que vem acontecendo no mundo contemporâneo sem olhar para as margens, para o que sustenta, por exemplo, o protagonismo em alguns cenários e o que “padece” com isso. De que forma, 144 portanto, a compreensão e as críticas devem atuar para o combate ao trabalho que consolida a partir de um sistema que retira, aos olhos de todos, do outro? É importante refletir! Algumas outras perspectivas foram levantadas com base na experiência pandêmica, como a migração de vários cursos de nível superior que predispõem de momentos de convivência presencial para um formato totalmente remoto. Também já se observa alguns movimentos de cursos em que a métrica de professores é que um produzindo várias aulas consiga alcançar muito mais alunos do que muitos professores presencialmente. Logicamente, a conta parece muito interessante, entretanto, devemos refletir quem são os principais interessados. É preciso que se diga de forma clara: desregulamentação, flexibilização, terceirização, bem como todo esse receituário que se esparrama pelo “mundo empresarial”, são expressões de uma lógica societal onde o capital vale e a força humana de trabalho só conta enquanto parcela imprescindível para a reprodução deste mesmo capital. Isso porque o capital é incapaz de realizar sua autovalorização sem utilizar-se do trabalho humano. Pode diminuir o trabalho vivo, mas não eliminá-lo. Pode precarizá-lo e desempregar parcelas imensas, mas não pode extinguí-lo (Antunes, 2000, p. 38). O capital como fator dominante estabelece uma relação clara e intrínseca entre desregulamentação, flexibilização e terceirização, características que são disseminadas no ambiente empresarial e que partem de uma lógica societal. A força de trabalho humana, nessas condições, é vista como parte essencial para a reprodução desse capital, ou seja, está para sustentá-lo, para que seja produzido. Em suma: em função de. Quando se aponta uma essencialidade da força humana de trabalho, também quer dizer que não há como o capital eliminar completamente o papel do trabalho humano, entretanto, é como se houvesse uma “saída” para essa questão, há a possibilidade de precarização e, com isso, de desemprego em larga escala. Tudo isso enquanto estratégias que o capital pode adotar para ajustar e otimizar sua produção, mas a extinção do trabalho humano é impraticável. Outro ponto importante levantado é que a eliminação do trabalho e a generalização desta tendência sob o capitalismo contemporâneo - nele incluído o enorme contingente de trabalhadores do Terceiro Mundo - suporia a destruição da própria economia de mercado, pela incapacidade de integralização do processo de acumulação de capital, uma vez que os robôs não poderiam participar do mercado como consumidores (Antunes, 2000, p. 45) (grifos do autor). 145 Ou seja, é possível considerar que a sobrevivência da economia capitalista estaria comprometida, principalmente nas consequências sociais e políticas que poderiam acarretar a partir desta situação. O que nos encaminhou para o entendimento que é um equívoco pensar na desaparição ou fim do trabalho enquanto perdurar a sociedade capitalista produtora de mercadorias e – o que é fundamental – também não é possível perspectivar nenhuma possibilidade de eliminação da classe-que-vive-do-trabalho, enquanto forem vigentes os pilares constitutivos do modo de produção do capital (Antunes, 2000, p. 45). Portanto, enquanto os modos de produção capitalista estiverem em vigor, não é possível vislumbrar a eliminação da classe que depende do trabalho para sua subsistência, o que nos coloca criticamente frente a relação intrínseca que é criada entre o trabalho e a estrutura do sistema capitalista. Na lógica desse sistema econômico, o trabalho desempenha papel fundamental e é um elemento inseparável da dinâmica social. Em contrapartida, a sociedade está organizada a partir dos pilares deste sistema. Consoante com Dardot e Laval (2016), visualizando o indivíduo como responsável por seu destino e, consequentemente, a sociedade não lhe devendo nada, ele se torna refém de uma constante luta por “merecer” às condições de sua existência. Essa perspectiva que torna o sujeito dono de si, empreendedor, sujeito empresa, aponta uma direção de apagamento da luta de classe e de alienação do sujeito em relação a si mesmo como classe de professores, por exemplo. Como consequência, surge uma nova razão de compreender o ser e estar no mundo por uma ótica neoliberal – que vai se caracterizar mais fortemente por individualismo, competitividade, distanciamento de laços sociais e consciência de classe. Dessa forma, as questões coletivas são individualizadas agravando as possibilidades de buscar espaço para a defesa da classe trabalhadora, ao contrário, defendendo a lógica patronal. Dessa maneira, a conjuntura se apresenta, primeiro, com a inserção dos professores com base no contexto, das novas possibilidades, na ampliação de repertório e afins, mas, com o passar do tempo e com o apagamento da luta de classe e da alienação do sujeito em relação a sua própria classe de professores, há uma nova forma de enxergar a relação com o objeto de seu trabalho, o conhecimento, tanto real quanto simbólico, gerado pela atuação docente. Essa mudança de ótica reflete em outra questão pertinente à nossa reflexão: aos poucos, esse sujeito vai compreendendo que ser professor é, por si só, administrar uma espécie de empreendimento. Logo, o aumento de professores no ambiente digital também diz sobre essa ótica comercial – que vislumbra uma relação comercial e de consumo de mercadoria sem relação alguma de classe. 146 Com isso posto, compreendemos a complexidade que comporta o protagonismo das videoaulas que apontamos e reafirmamos enquanto protagonistas de um período em que eram o caminho possível e plausível. Entretanto, essas possibilidades também despertam, diante destes sistemas, formas de lucro e de manutenção de um caminho que não coloca no topo ou no centro a força humana de trabalho, embora ela seja essencial, ela segue sendo essencial para que o capital continue existindo e recebendo às glórias. Diante disso, é importante salientar que, em suma, as reflexões pautadas nesta pesquisa são de ordem e compreensão da complexidade de algumas afirmações, como a de que as videoaulas são grandes potências, entretanto não recua diante das críticas ao que pode advir delas. É preciso, a todo momento, estar atento. “Atento e forte!” 147 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Compreendendo a finalização, ainda que não seja tão lógico, como uma nova abertura, partir do trabalho de compreensão advindo das interpretações aqui elaboradas, abrimos este espaço, fruto de um processo analítico, para a viabilidade de novos caminhos e, sobretudo, de novas perguntas a serem feitas com base nas leituras e conteúdos discutidos neste trabalho. O fim, portanto, aqui posto como “consideraçõesCAMINHOS JÁ PERCORRIDOS E REFLEXÃO TEÓRICA 26 2.1 BREVE APANHADO CONTEXTUAL COM ÊNFASE NO CONTEXTO PANDÊMICO ............................................................................................................... 29 2.1.1 Embates discursivos que perpassam essas videoaulas ............................. 31 2.2 LINHA HISTÓRICA DE ALGUNS TRABALHOS QUE VERSAM SOBRE O ASSUNTO ................................................................................................................ 33 2.2.1 Possíveis caminhos reflexivos .................................................................. 36 3 DA ANÁLISE DO DISCURSO À ANÁLISE DO DISCURSO DIGITAL: NOVAS PERSPECTIVAS E DESDOBRAMENTOS ................................................ 39 3.1 PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS DA ANÁLISE DO DISCURSO À LUZ DOS ESTUDOS DE MICHEL PÊCHEUX ........................................................ 39 3.2 ANÁLISE DO DISCURSO DIGITAL: UM NOVO OLHAR .................... 48 3.2.1 A análise ecológica do discurso e as novas perspectivas ......................... 48 3.2.2 O tecnodiscurso e suas possibilidades ...................................................... 57 3.2.3 O tecnogênero e seus desdobramentos ..................................................... 61 4 CAMINHOS METODOLÓGICOS ..................................................................... 70 4.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS QUE COMPÕEM A PESQUISA ........ 70 4.2 DESCRIÇÃO DOS CAMINHOS PERCORRIDOS .................................... 76 5 VIDEOAULAS EM PERSPECTIVA: ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ...............................................................................................................................78 5.1 DISCURSO PRÉ-DIGITAL, DIGITALIZADO E NATIVO DIGITAL ..... 78 5.2 APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE ........................... 89 5.2.1 Análise das videoaulas gravadas e ao vivo ............................................... 91 5.2.2 Apresentação das videoaulas a partir de suas características estruturais preliminares 92 5.2.3 Análise das videoaulas a partir das seis características do tecnodiscurso elencadas por Paveau (2021) ...................................................................................... 100 5.2.4 Diferenças/semelhanças viabilizadas entre as modalidades de videoaulas analisadas 112 5.2.5 O tecnogênero e os efeitos de sentido .................................................... 114 5.2.6 As diferenças viabilizadas pelas distintas plataformas ........................... 118 5.3 COMPREENSÕES DE ANÁLISE ............................................................ 122 6 A (RE)PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO NA PRODUÇÃO/ COMPARTILHAMENTO DAS VIDEOAULAS ..................................................... 125 6.1 REFLEXÕES INICIAIS ............................................................................ 126 6.2 É POSSÍVEL PRODUZIR CONHECIMENTO? ...................................... 129 6.3 O SISTEMA NEOLIBERAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS .................... 134 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 147 8 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 152 19 1 INTRODUÇÃO “Pesquisar é acordar para o mundo.” Marcelo Lamy Em reflexo ao grande protagonismo social dado ao discurso digital somado a configuração do contexto de trabalho de professores diante do sistema neoliberal na sociedade contemporânea, a presente pesquisa visou definir, compreender e refletir questões que versam sobre o lugar das videoaulas, localizadas na plataforma YouTube, atentando para a ênfase que o contexto histórico-social estabeleceu e vem estabelecendo para o ambiente digital. Diante disso, foi realizada uma análise baseada na Análise do Discurso Digital, a fim de definir e compreender a composição dessas videoaulas, assim como a grande variedade de interações que o ambiente digital pode proporcionar aos usuários. Além disso, refletimos sobre em que medida foi possível considerar o conhecimento que circula por meio dessas videoaulas nas redes, analisando também o contexto neoliberal e suas consequências, levando-se em consideração fundamentos, métodos e procedimento de uma linguística simétrica, pensada por meio de uma Análise do Discurso Digital. Dessa forma, defendemos a tese de que é possível observar, com base nos postulados da Análise do Discurso Digital (ADD), que as videoaulas não apenas estabelecem seu protagonismo e características discursivas bem específicas, principalmente no contexto pandêmico, mas também impõem limites distintos à produção e ao compartilhamento de conhecimento nesse formato, embasadas em um contexto neoliberal e em suas consequências. O olhar com ênfase para o discurso digital surgiu a partir de inquietações tanto pessoais quanto contextuais: os números impressionantes de visualizações na plataforma YouTube vêm crescendo desde o início de suas atividades, e os canais com videoaulas, abordando os mais variados conteúdos, apresentam-se um dos principais destaques da plataforma. Além disso, desde o contexto pandêmico1, diversos cenários se atualizaram, os quais, embora já fizessem parte do contexto social brasileiro de alguma forma, foram reforçados pelas restrições ao convívio presencial, impostas pelas recomendações de distanciamento social em massa, o que impulsionou a busca por alternativas, especialmente no campo da educação. 1 Contexto referente à pandemia de covid-19, ocasionada pela circulação/transmissão, em massa, do vírus SARS-CoV-2. Discorremos de forma mais aprofundada sobre essa questão na seção 2 deste trabalho. 20 Neste sentido, as videoaulas a que nos referimos não substituíram as aulas presenciais, mas já eram, e continuam sendo amplamente utilizadas para os mais diversos fins, fornecidas como uma outra forma de continuidade dos estudos, já que a pandemia inviabilizou as aulas presenciais, por exemplo. Além disso, destaca-se uma procura pela retomada de conteúdos de forma rápida e objetiva. Somado a aspectos contextuais, também assimilamos inquietações internas que se transformaram em curiosidades objetivas, externas para a ânsia por entender como a interação é dada no ciberespaço e como isso pode impactar concretamente a nossa sociedade. Pensando dessa forma, os resultados alcançados também nos apontam caminhos interessantes, como o de compreender a grande necessidade de olhar para o que vem sendo acessado em massa, de perceber e entender quais discursos estão postos nessas interações e de que forma eles reagem e se organizam a fim de garantir o crescimento dos números. Para a efetiva realização dessa pesquisa, materializamos as perspectivas apresentadas na análise de 12 (doze) videoaulas que compuseram nosso corpus. Essas videoaulas foram analisadas a partir de uma perspectiva ecológica2 de análise nos canais Redação e Gramática Zica e Professor Noslen, ambos localizados na plataforma digital YouTube. Esses canais foram escolhidos por apresentarem um número considerável de inscritos, que possamos atestar as dimensões, ambos possuem mais de mil inscritos e alguns vídeos passam das 200 mil visualizações, o que nos alerta para o fato de que o alcance não se dá, somente, por entre os inscritos do canal. Além disso, os canais se enquadram nos critérios metodológicos que estabelecemos, permitindo, por exemplo, que pudéssemos analisar todos os vídeos escolhidos de um mesmo período. O período referido foi escolhido em virtude de ter sido o primeiro ano da pandemia de covid-19 no Brasil, que teve início em fevereiro de 2020. Esse momento foi marcado por um período de incertezas, além de estar marcado pela busca de informações sobre saúde e sobre o vírus – que se espalhou rapidamente em todo o mundo. O enfrentamento da pandemia envolveu vários mesesfinais” se direciona por essa ótica de síntese, reflexão e novas possibilidades de questionamentos. Na busca pela análise do papel de destaque das videoaulas, no Youtube, no contexto pandêmico, este trabalho foi atento à grande evidência que o contexto histórico-social vem estabelecendo (com ênfase na pandemia de covid-19) para o ambiente digital. Foi diante disso que propusemos, ancorados na Análise do Discurso Digital, uma análise para definir e compreender a composição das videoaulas, assim como a grande variedade de interações que o ambiente digital pode proporcionar para quem as acessa; além disso, também refletimos em que medida podemos considerar o conhecimento que circula por meio delas nas redes, levando-se em consideração fundamentos, métodos e outros procedimentos por uma visão ecológica do discurso. Nesse contexto, a marcada influência da tecnologia, as peculiaridades, singularidades e, principalmente o lugar das videoaulas foram alvos de nosso olhar, em que discorremos sobre os embates discursivos que essas videoaulas sofrem de forma estigmatizada por estarem, quase sempre, em uma posição de confronto com as aulas presenciais, ainda que estejam em um ambiente diferente. Percebemos que, historicamente, antes o que se pretendia alcançar era a resolução das demandas solicitadas, entretanto, essa perspectiva acaba por responder uma ordem superficial de comum acordo social, o que foi intensamente intensificado com a necessidade pelo isolamento social. O mundo parou para repensar rotas, o cenário social nos mais variados aspectos passou por mudanças significativas seja em laços sociais, conexões, formas de acesso uns aos outros e, também, modos de pensar e adaptar o mercado de trabalho. Quando apresentamos os números concernentes à plataforma Youtube e o aumento exponencial de visualizações e afins, entramos em contato com a presença desses números na vida cotidiana. Os vídeos que são diariamente postados e compartilhados na plataforma já são há algum tempo objeto de pesquisas e de pesquisadores, entretanto, nenhum dos trabalhos aos quais tivemos acesso trazem a ADD como caminho teórico-metodológico e essa mobilização a quão fizemos com base numa análise ecológica do discurso reflete cisões com modos analíticos 148 aos quais não vislumbramos que abarque todos os elementos, por isso defendemos a ideia da internet como corpus e não para extração de corpus. Junto com a mudança nos âmbitos sociais, culturais e históricos, também acreditamos e permeamos neste trabalho a ideia de que também surge a necessidade de atualização das nossas formas de olhar os objetos que surgem. A análise ecológica do discurso coaduna com nossa forma de compreender este trabalho e as questões aqui discutidas, uma vez que compreendemos a complexidade que norteiam as singularidades do discurso digital. Enquanto trilhamos o caminho para chegar ao que pretendemos com nossas questões e objetivos, percebemos a necessidade de compor um caminho de análise de apresentação dos discursos pré-digitais, dos discursos digitalizados e dos discursos digitais nativos, a fim de localizar as videoaulas. Como resultado das análises das videoaulas, percebemos que tanto as gravadas quanto as ao vivo, possuem características semelhantes relacionadas ao tecnodiscurso e que as diferenças são mais visíveis na maior disposição de ferramentas na modalidade ao vivo. A ampliação, que se refere às descobertas geradas por comentários e chats online; e a deslinearização, que se refere às diversas oportunidades que surgem conforme a interface utilizada, foram as características de maior destaque. Também pontuamos a diferença no comportamento dos professores em plataformas distintas, apontando a resposta deles às demandas e adaptações necessárias que são cobradas em cada uma delas. Enquanto uma plataforma cobra um posicionamento com mais liberdade de tempo e profundidade da abordagem dos conhecimentos, como é o caso do Youtube, no TikTok se espera a rapidez e o consumo ágil. Os professores seguem essa demanda já que a produção desses conteúdos é influenciada discursivamente. Com base nessa diferenciação que fizemos, destacamos o não esgotamento do conteúdo, abrindo margem para que outras pesquisas se dediquem no olhar para outros gêneros, como podcasts, blogs, etc. Percorrer esses outros gêneros e compará-los com os conteúdos já postos parece um caminho de continuidade interessante. Além disso, também apontamos o papel do algoritmo e de que forma ele pode afetar o engajamento. Esta questão é extremamente importante para o entendimento de algumas dinâmicas no ambiente digital e, embora tenhamos elaborado sobre, compreendemos a importância de um aprofundamento da questão. A singularidade e complexidade que outrora mencionamos foi percebida a cada ênfase, constatação e/ou abertura para novos questionamentos. Mergulhar no ambiente digital não se trata puramente de um olhar superficial, mas de uma profundidade que compreende especificidades que não podem, acreditamos, estarem à margem das análises. Esse olhar nos 149 permitiu compreender o visível distanciamento dessas videoaulas de aulas do modelo tradicional. Com essa discussão, atentamos ao conteúdo, nos ancorando em duas noções importantes a respeito do discurso digital: a circulação que se alinha como uma espécie de porta de entrada para a produção de sentido neste ambiente; e a reflexão sobre a tecnologia como ferramenta primordial nesta construção. Esses caminhos ao se organizarem, nos permitiram percorrer por considerações sobre os limites que sugerimos a respeito da reprodução e/ou compartilhamento de conhecimento a partir desse tecnogênero. Seguindo, apresentamos a dificuldade em definir em um conceito fechado o que é a tecnologia, embora saibamos o que significa enquanto utilizamos. Nossa interpretação dessa lógica diz sobre uma subjetividade que versa pela compreensão da tecnologia como uma “ferramenta” útil e cada vez mais presente em nosso contexto histórico. Neste lugar contextual, compreendemos a videoaula como a arte que é produzida a partir do desejo da massa e, levando em consideração que o que sustenta o seu entorno é a circulação, a reprodução não resultaria em uma perda, mas na multiplicação do sucesso. Além disso, discorremos a respeito do protagonismo da videoaula para além do espaço que já era, de fato, ocupado por esse tecnogênero. De acordo com a necessidade que se apresenta de adaptar o conteúdo da aula convencional a uma videoaula curta, alcançamos a ideia de que essa organização só se deu em virtude das categorias discursivas digitais, as quais nos debruçamos e nos aprofundamos ao longo de nosso trabalho, como ambiente digital, tecnodiscurso, escrileitor entre outros. No que concerne ao saber e como discutimos essa questão, buscamos a noção em que o determina enquanto descontinuidade discursiva, não fixidez e refletimos sua representação pelo conhecimento dos criadores de conteúdo. Esse conhecimento dos indivíduos emerge a partir de práticas discursivas e quando apontamos essa conjuntura nas videoaulas, destacamos a diversidade de práticas que podem estar coadunadas para essa produção tecnodiscursiva. Enquanto percorríamos todo esse caminho analítico e reflexivo, não perdíamos de vista a reflexão que fizemos ao final da seção 7, pois ela comporta aquilo que nos mobilizou durante todo o trabalho realizado, já que não acreditamos na neutralidade e no distanciamento das produções com as inquietações de quem pesquisa e com o contexto em que se vive. Dessa forma, no tocante ao neoliberalismo, tendo resgatado sua historicidade, discorremos sobre as mudanças significativas que ocorreram, seja no contexto mundial, seja no contexto nacional. Mudanças que diziam sobre uma forte desregulamentação e redução expressiva dos gastos públicos e da intervenção estatal no mercado,destacando a 150 implementação no Brasil que se deu sem um projeto previamente estabelecido, mas que foi se estabelecendo a partir da luta de classes. Apontamos, neste contexto, as particularidades do indivíduo que passou a ser responsável por seu destino com base na ausência de amparo da sociedade – que não lhe deve nada. Essa alienação que o torna refém de uma constante luta por desempenho, por merecimento, por competição e pela prevalência da individualidade, também o coloca em um lugar de sujeito dono de si, empreendedor, trilha por um caminho de apagamento da luta de classes e da conscientização a respeito de si mesmo enquanto classe – em nosso trabalho: de professores. Ao assimilar essas questões e se perceber no mundo envolto por essas forças discursivas, se alcança uma nova forma de compreender a forma como se está no mundo e essa mudança de perspectiva por uma ótica neoliberal é impulsionadora do individualismo, da competitividade, dos distanciamentos de laços sociais e, principalmente, da consciência de classe. O que torna as questões outrora coletivas sem valor aparente. Assim, depreendemos que a forte presença dos professores neste contexto, permeia pela dualidade da nova possibilidade, da ampliação, do alcance, da busca pelo prestígio e se perpetua no aprisionamento de uma lógica neoliberal do apagamento da luta de classe e na transformação da relação do professor com seu próprio objeto de trabalho. A complexidade que comporta o protagonismo das videoaulas, que teve seu protagonismo em destaque no contexto ao qual nos debruçamos com mais atenção, é compreendida por caminhos que não se completam, pois, embora tenhamos considerado uma opção plausível, viável e propositora de possibilidades educacionais muito importantes, também precisamos nos atentar para o quanto essas mesmas possibilidades abrem espaço para sistemas que visam o lucro e a perpetuação de um modelo que não se atenta para a crescente desigualdade social. E, ainda, que não coloca no topo ou no centro a força humana de trabalho, embora ela seja essencial, entretanto ela segue sendo essencial numa lógica de precarização e na garantia que o capital continue ocupando um lugar de destaque e soberania. 151 Por fim, no que tange ao contexto pandêmico considerado neste trabalho, manifestamos nosso sentimento de pesar pelas vítimas da covid-19 e do negacionismo. 152 8 REFERÊNCIAS ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983. ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos do estado. Presença: Lisboa, 1974. ANTUNES, R. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. In: GENTILI, P.; FRIGOTTO, G. (Org.). A cidadania Negada. 1. ed. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, 2000. p. 35-48. APPLE, M. W. Relações de classe e de gênero e modificações no processo do trabalho docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 60, p. 3–14, 1987. Disponível em: https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/1229. 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Descrevemos e refletimos sobre ela na página 33. 21 começou a ganhar ritmo eficaz em meados de 2021, sendo que poderia ter sido implementada cerca de um ano antes. Durante todo esse período, a recomendação era de que a população permanecesse em casa, em isolamento social, a fim de evitar a proliferação do vírus. Saindo dessa conjuntura histórica, nosso trabalho está ancorado na análise de linguagem proposta pela Análise do Discurso – de linha Francesa – (AD), na qual buscamos, à luz dos estudos de Michel Pêcheux, conceitos fundamentais que dão lastro aos principais apontamentos do trabalho, assim como trabalhos com as derivações que a AD teve, a partir dos anos 1980, até chegarmos aos estudos mais atuais, sobre linguagem e discurso digital. Assim sendo, como dito antes, partimos pelos caminhos que norteiam os aspectos do discurso na tentativa de suscitar questões que implicam aspectos ideológicos e de linguagem. Com base nesse direcionamento, foram refletidas as nuances que a AD já passou, bem como o percurso até chegarmos à Análise de Discurso Digital – responsável pelos aspectos fundamentais que, aprofundados, viabilizaram a presente pesquisa. Compreendendo o embasamento teórico supracitado, consolidamos nosso caminho nos direcionamentos adotados na Análise Digital do Discurso, como parte das ramificações da AD, que se deram muito em razão das mudanças das relações entre sujeitos, linguagem, sociedade e, portanto, entre sujeitos e discursos. A visão teórico/metodológica de Paveau (2021) nos remeteu ao cerne de nossa análise, de modo a possibilitar novas formas de analisar, perceber e compreender os “mesmos” objetos. É, portanto, pela ADD que materializamos, de fato, nossas inquietações, assim como o resultado delas a partir de uma análise ecológica do discurso. A tese está estruturada em seis seções, além das considerações finais e referências. Na seção 1, introdutória, percorremos pelos apontamentos iniciais que compõem justificativa, questões e objetivos; na seção 2, “Videoaulas, caminhos já percorridos e reflexão teórica”, descrevemos o contexto histórico que versa pelo cenário pandêmico, apresentamos trabalhos que mobilizam questões sobre as videoaulas e refletimos possíveis caminhos de análise; a seção 3, “Da análise do discurso à análise do discurso digital: novas perspectivas e desdobramentos”, se destina à fundamentação teórica e perpassa por uma progressão histórica da Análise de Discurso, a fim de assimilar as nuances/pontos de rompimento da Análise do Discurso Digital; na seguinte, seção 4, “Caminhos metodológicos”, organizamos os caminhos metodológicos; seguida pela seção das análises das videoaulas, seção 5, “Vídeoaulas em perspectiva: análise e discussão dos dados”; adiante, na seção 6, “A (re)produção de conhecimento na produção/compartilhamento das videoaulas”, refletimos sobre a (re)produção de conhecimento na produção/compartilhamento das videoaulas; e, por fim, concluindo com as considerações finais e referências. 22 1.1 JUSTIFICATIVA Se nos referirmos aos momentos de grande efervescência econômica e tecnológica, podemos dizer que a passagem ao século XXI trouxe grandes expectativas à humanidade de que uma nova era estava por vir. Uma nova era anunciada. Essas expectativas de uma transformação foram sendo produzidas ideologicamente pelo discurso do ápice do “avanço tecnológico” como superação das impossibilidades humanas (Dias, 2018, p. 25). No contexto pandêmico, iniciado, no Brasil, em fevereiro de 2020, essa nova era anunciada tornou ainda mais evidente os espaços virtuais que ganharam novos olhares e que tiveram diversas perspectivas de interação ampliadas e reformuladas. Nesse meio, encontramos o YouTube que, segundo os rankings Alexa3, é o segundo site mais visitado do mundo. O Youtube surgiu em 14 de fevereiro de 2005, está disponível em mais de 90 países e tem mais de 1,9 bilhão de usuários ativos por mês, o que vale a mais ou menos um terço dos usuários da internet. Esse contexto somado aos milhares de canais de videoaulas, das mais diversas áreas do conhecimento, que produzem/compartilham conhecimento foram determinantes para que essa pesquisa fosse desenvolvida. Quando compreendemos que os números que versam sobre os acessos mensais crescem ano após ano, uma vez que em 15 anos a plataforma já consegue ser a segunda mais acessada do mundo, e que no contexto em que estamos vivendo cresceram exponencialmente, nos deparamos com os fatos de que os olhares estão bem mais atentos para esses meios de interação. O Youtube vai bem além do que muitos conhecem ou esperam da plataforma, pois, nesse ambiente virtual, estamos diante de muitas oportunidades de produção e compartilhamento de conhecimento, entretenimento e afins. Nessa plataforma, é possível encontrar inúmeros tipos de conteúdo, vídeos de distintos gêneros e a contemplação, dentro desses conteúdos, de várias categorias e classes. Não diferente a isso, professores de todo o mundo descobrem cada vez mais, no meio virtual, que podem desenvolver seus trabalhos de forma agregadora, utilizando a internet não só como uma mera ferramenta, mas participante e, muitas vezes, protagonista. Esses espaços possibilitam trocas virtuais ao vivo, bem como discussões e reflexões em chats e interações legítimas entre os 3 O Ranking Alexa é uma métrica que classifica a popularidade de sites na internet, desenvolvido pela Alexa Internet, subsidiária da Amazon, e determinado a partir do tráfego de um site que leva em consideração o número de visitantes únicos e visualizações de páginas. O Ranking referido é utilizado, frequentemente, por empresas e também por profissionais de marketing para que possam avaliar a eficácia de suas estratégias online a fim de comparar a popularidade relativa de diferentes sites. É importante ressaltar que o ranking é uma estimativa e que, ao longo do tempo, pode variar. 23 criadores de conteúdo e os consumidores destes conteúdos. Essas trocas, cada vez mais frequentes e consolidadas, estão sendo alvo de diversos pesquisadores de diferentes áreas, que buscam compreender os pressupostos que sustentam o sucesso desses espaços e descrever e mapear as formas efetivas de interação. Buscando referências e hipóteses já levantadas em outras pesquisas, destacamos alguns trabalhos bem específicos na plataforma que nos ajudaram a delimitar, inicialmente, nosso objeto: o trabalho de Menegon (2013), “Imagens e narrativas midiáticas: análise dos vídeos do YouTube”; o artigo “A construção do discurso de Youtubers sobre as mulheres”, de Pedro (2017); o trabalho de Júnior (2018), “Youtube como plataforma para o ensino de história: na era dos ‘professores-youtubers’”; o artigo de Silva e Grillo (2019), “Novos percursos da ciência: as modificações da divulgação científica no meio digital a partir de uma análise constrativa”; e, por fim, a pesquisa de Oliveira (2020), “O gênero videoaula: deslocamentos e manutenções na cibercultura.”, de 2020. Para além das questões que nortearam nossas escolhas e que aludiram uma perspectiva de “qual caminho seguir”, buscamos obras que pudessem contribuir com o aprofundamento de pontos que foram levantados ao longo do percurso. Para este ponto, elegemos, principalmente, as ideias propostas por Paveau, Costa e Baronas (2021)em “Análise do discurso digital: dicionário das formas e das práticas”; Dias (2018) em “Análise do discurso digital: sujeito, espaço, memória e arquivo”; e Paveau, Costa e Baronas (2021), em “Ressignificação em contexto digital”. As pesquisas, reflexões e obras voltadas para todo o cenário aqui levantado, embora relativamente recentes, já ocupam um espaço significativo sobre a Análise de Discurso Digital no contexto brasileiro. O fato de as publicações serem, ainda, cronologicamente, recentes geram bastante reflexões, principalmente no momento em que estamos e a validação dos dados dos trabalhos já apresentados é de inteira importância para a ancoragem dos que virão – inclusive, da execução e finalização deste. Dessa forma, nossa pesquisa justificou-se em vários âmbitos, mas, principalmente, no que tange à exploração de um tecnogênero e de uma plataforma que estão em evidência no contexto atual de sociedade com todos os seus enfrentamentos e desafios, principalmente no cenário da educação e do ensino de língua portuguesa. 24 1.2 QUESTÕES DE PESQUISA Para a execução da pesquisa, partimos da seguinte questão geral: “como as videoaulas estabelecem seu protagonismo e configuram suas características discursivas e interacionais à luz da Análise do Discurso Digital (ADD), e quais são os limites percebidos ao refletir sobre a produção e compartilhamento de conhecimento nesse formato?”. Essa questão foi "gatilho" para as demais que seguem abaixo: I– Como está estabelecido o lugar de protagonismo das videoaulas analisadas? II– Como estão configuradas as características composicionais discursivas das videoaulas à luz dos preceitos da ADD? III– Como estão configuradas as características interacionais discursivas das videoaulas à luz dos preceitos da ADD? IV– Quais são os limites sugeridos pela reflexão sobre a produção e/ou compartilhamento de conhecimento a partir desse tecnogênero? 1.3 OBJETIVOS Os objetivos que nortearam a pesquisa estão divididos em Objetivo geral e Objetivos específicos que seguem, respectivamente, abaixo: 1.3.1 Objetivo geral Investigar como as videoaulas estabelecem seu protagonismo e como se dão as características discursivas e interacionais à luz da Análise do Discurso Digital (ADD), e refletir os limites impostos pela reflexão sobre a produção e compartilhamento de conhecimento nesse formato. 1.3.2 Objetivos específicos I– identificar e refletir qual é, atualmente, o lugar das videoaulas; II– definir como estão configuradas as características composicionais discursivas das videoaulas à luz dos preceitos da ADD; III– investigar como estão configuradas as características interacionais discursivas das videoaulas à luz dos preceitos da ADD; 25 IV– considerar sobre os limites sugeridos pela reflexão a respeito da produção e/ou compartilhamento de conhecimento a partir desse tecnogênero. 26 2 VIDEOAULAS, CAMINHOS JÁ PERCORRIDOS E REFLEXÃO TEÓRICA Se nos referirmos aos momentos de grande efervescência econômica e tecnológica, podemos dizer que a passagem ao século XXI trouxe grandes expectativas à humanidade de que uma nova era estava por vir. Uma nova era anunciada (Dias, 2018, p. 25). Nesta seção, objetivamos olhar para todo o contexto que envolve a marcada e influente presença da tecnologia nos dias atuais, para suas peculiaridades e singularidades, assim como no que concerne às videoaulas – foco do nosso objeto. O contexto ao qual nos referimos foi o contexto pandêmico enfrentado em virtude do coronavírus que resultou na pandemia de covid- 19, bem como dos embates discursivos que essas videoaulas sofrem de forma estigmatizadas por estarem, quase sempre, numa posição de embate com as aulas presenciais, mesmo estando em um ambiente completamente diferente. Além disso, objetivamos uma linha histórica de trabalhos que versam sobre a temática supracitada assim como as possibilidades de caminhos reflexivos. Podemos apontar o século XXI como o momento propício para que possa acontecer a colheita dos frutos tecnológicos plantados no século XX. Aqui, com base no surgimento da cibernética, evidenciamos sua influência em inúmeros campos do saber, sobretudo, especificamente, no da linguística. Conforme Dias (2018, p. 25), “com seus sucessos e seus fracassos anunciados, essas conquistas giram em torno da euforia com a inteligência artificial e suas possibilidades de concorrer para uma vida perfeita e sem contratempos”. Uma “vida perfeita” que é determinada pelos mais modernos aparatos tecnológicos, por sistemas de informação que alcançam tanto uma velocidade quanto uma capacidade de armazenamento que superam, com excelência, a capacidade humana – embora tenha suas visíveis limitações. Essa tecnologia que se direciona por um caminho de progressos diários foi o que subsidiou nossa pesquisa em várias dimensões. Seja no que diz respeito ao que ancora dimensões de alcance ou ao que perpassa por dimensões de interações e/ou possibilidades de reflexão. É importante compreender que a tecnologia não é uma novidade restrita aos tempos atuais, mas que já vem de longas datas alterando dinâmicas sociais e perpetuando novas formas de adaptação social. Desde sempre, é de conhecimento universal o quanto a humanidade vem buscando meios de melhorar sua própria existência, de melhorar sua forma de se relacionar, de produzir e, sobretudo, de lucrar. Essa tecnologia, portanto, vem como porta de entrada para o 27 avanço desses processos, para novas construções e para a superação dos obstáculos que vão surgindo ao longo dos tempos. A exemplo disso, citamos a Inteligência Artificial (IA) que é pensada a fim de reelaborar uma dinâmica mobilizada por sistemas que envolvem um elevado poder relacionado a processos, análise de dados e capacidade de pensamento, para as mais variadas funções ou formatos. A IA ocupa um lugar de grande visibilidade nos contextos de produção e, também, de pesquisa, principalmente no que diz respeito à produção de sistemas que se destinem a uma melhora significativa de habilidades humanas. Outro caminho de grande interesse para pesquisas que percebem os impactos sociais de novas tecnologias é o de compreender as plataformas digitais que podem ser descritas como uma espécie de modelos de negócio que se estabelecem através de tecnologias. Nesses ambientes, é possível visualizar as mais diversas formas de interação social que correspondem às necessidades modernas, incluindo produção, consumo e interação, que integram dimensões como trabalho e entretenimento, por exemplo. Conectar pessoas, serviços e informações corresponde ao que enxergamos como grande marco do que parece ser uma grande demanda social atualmente. É necessária uma maior conexão entre todos, enquanto se pensa em como não negligenciar tudo o que se alinha às relações, sobretudo ao que corresponde, diretamente, ao sistema econômico que nos move e que vislumbra o lucro. É, portanto, lucrativo integrar essa conexão e transformar esse espaço em um espaço de grandes oportunidades. Nessa perspectiva, trouxemos ao centro de nossa discussão as videoaulas que estão localizadas na plataforma YouTube – que ocupa, segundo os dados da ferramenta Análise de Tráfego da Semrush4, o segundo lugar em posicionamento global no ranking dos sites mais acessados, edição 2024. E, aqui, é importante ressaltar que nem sempre a plataforma esteve tão em alta assim. Com base em Burgess e Grenn (2009), a plataforma, fundada em junho de 2005 por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, inicialmente era um repositório de vídeos e só depois de comprada pela empresa Google LLC, em 2006, que a perspectiva foi mudada, passando por mudanças e chegando o mais próximo do que é atualmente. Hoje, o YouTube concede aos seus usuários a possibilidade do gerenciamento de suas contas, de forma que façam uma etiquetagem dos documentos audiovisuaisque estão 4 O termo Tráfego da Semrush se refere a uma métrica específica ou a um conjunto de dados fornecidos pela Semrush que está relacionado ao tráfego de um site na internet. Essa métrica pode incluir informações como a quantidade de tráfego orgânico (vindo de mecanismos de busca), tráfego pago, análise de palavras-chave e posicionamento nos resultados de pesquisa, entre outros dados relevantes para a análise do desempenho online de um site. 28 hospedados na internet. Com isso, é possível, por exemplo, a personalização que geram links por meio de outras redes, como Facebook, Twitter e afins (Guzmán e Moral, 2014). É assim que podemos compreender a possibilidade que a plataforma oferece da produção e do compartilhamento de vídeos que ficam disponíveis a partir de buscas simples, seja por meio de palavras-chaves, do nome do canal, etc. Também é importante salientar que a plataforma funciona dentro da perspectiva da Web 2.0. Para sustentar esse entendimento, é importante a compreensão da evolução dada para essa concepção: A Web (World Wide Web), criada em 1989-1990, é, portanto, um serviço, uma aplicação da internet, e não coincide com ela. Há uma história definida pelas evoluções estruturais que, normalmente, é marcada por números: a web 1.0, ou web estática, desenvolvida nos anos 1990, conecta as informações e está assentada no sistema “push” de distribuição da informação (é a web dos portais de informação e dos fóruns); a web 2.0, web social ou participativa, surgida no início dos anos 2000, conecta as pessoas e baseia-se na interação multi-agentes (é a web das redes sociais e do compartilhamento multimidiático); a web 3.0, web dos dados ou web semântica, que emerge no início dos anos 2010, assentada na curadoria, isto é, na coleta e na organização dos dados, organiza a web armazenando dados graças a metadados e privilegia as conexões móveis; falamos atualmente na emergência, para o ano de 2020, de uma web 4.0, web inteligente ou metaweb, que integraria uma dimensão conectada ao conjunto dos elementos do nosso ambiente de vida (Paveau, 2021, p. 34-35). Segundo a autora, a web 2.0, além de se diferenciar da “internet”, pois é uma aplicação dela, também se diferencia das webs 1.0 e 3.0, já que é a social ou participativa, ou seja, aquela em que conecta as pessoas e está ancorada na interação multi-agentes, englobando as redes sociais e o compartilhamento midiático. Nossa sociedade vem, ao longo dos anos, cada vez mais inserida em um contexto de evolução tecnológica, inúmeras são as formas e as práticas que surgem e mediam as mais diversas necessidades diárias, relações e afins. Isso tudo implica, em vários âmbitos, nas dinâmicas sociais. Com base nisso, quando nos deparamos com a crise sanitária instaurada – pandemia de covid-19 –, no Brasil e no mundo, desde 2019, compreendemos o quanto essa inserção no universo tecnológico aumentou exponencialmente. 29 2.1 BREVE APANHADO CONTEXTUAL COM ÊNFASE NO CONTEXTO PANDÊMICO Historicamente, antes, o que se pretendia era alcançar a resolução das demandas que vinham sendo solicitadas pela sociedade, até que tomado por uma grave crise sanitária, todo o mundo precisou parar e viver um isolamento social em casa, com os transportes, os trabalhos, as relações presenciais, a educação, parados, com tudo estagnado e sem uma perspectiva convicta de retorno às normalidades. O mundo parou para repensar rotas em virtude de um vírus que drasticamente mudou todo um cenário social em muitos aspectos, sobretudo no que corresponde aos laços sociais, as conexões, as formas de acesso uns aos outros e, também, aos meios de produção. Vírus esse que surge e se alastra a partir de 2019, mais precisamente em dezembro do referido ano quando, na cidade de Wuhan, na República Popular da China, onde foram detectados casos de pneumonia. No momento, já se tratava de um novo tipo, cepa, do coronavírus. Essa cepa, desconhecida e com grande poder de infestação, se alastrou drasticamente, e com certa rapidez, pelo mundo. Em janeiro de 2020, há, portanto, a confirmação por parte das autoridades chinesas sobre essa doença provocada pelo vírus SARS- CoV-2. Foi em janeiro de 2020 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara um surto do novo coronavírus e, na ocasião, alertam sobre a Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) que corresponde um nível alto (o mais alto) de alerta por parte da OMS. Desde esse anúncio, foi iniciada uma corrida de integração social a fim de alinhar uma coordenação, solidariedade e cooperação em nível global para impedir o avanço dessa doença. Tratou-se de uma grande corrida contra o tempo, contra o vírus, e a favor da vida. Os avanços da doença que romperam as expectativas de impedimento de alastrar o vírus, impactaram a sociedade em várias camadas com consequências ainda incalculáveis, e em diversos níveis. Durante a pandemia, houveram vários picos de grandes movimentações de expansão da doença, sobretudo no que corresponde ao sistema de saúde que teve suas fragilidades – já conhecidas – escancaradas. Além disso, os desdobramentos de todo o contexto puderam ser percebidos em dinâmicas sociais que atingiram com ainda mais violência grupos vulneráveis, por exemplo. O sistema financeiro em nível micro e macro foi marcado por severos desfalques; e as medidas de segurança que solicitaram o isolamento social se desdobraram no reflexo direto à saúde mental das pessoas que sofriam todas essas mudanças, bem como o medo de contrair o vírus. 30 Nesse ínterim em que a vida das pessoas já vinha sofrendo mudanças por meio de diversas searas, sobretudo no que diz respeito ao que as relações sociais estavam solicitando, a tecnologia ancorou diversos modos de permanência desses laços. No contexto apresentado, a sociedade teve de ir além e precisou repensar formas de continuar seu funcionamento em meio ao isolamento social, mesmo que de uma forma atípica, inesperada. Essas soluções foram sendo testadas, mapeadas e viabilizadas à medida em que iam, também, sendo solicitadas. Entretanto, a internet que já era comumente responsável por uma conexão integrada do mundo, passou a ser uma ferramenta primordial de entretenimento diante do contexto caótico. A internet, neste espaço, tornou-se o caminho-solução para que a integração, conexão e para que as relações pudessem continuar “funcionando” além dos limites físicos que deveriam ser respeitados. De um lado, um sistema conhecido pela sociedade que já vinha ganhando de forma exponencial espaço na vida de todos; de outro, uma das únicas ferramentas de conexão social para ancorar as mais variadas ideias de fazer com que o mundo não parasse totalmente. Por esse olhar, apontamos variados exemplos no intuito de ilustrar essas mudanças. Seja o home office que se tornou a forma de trabalho por excelência da pandemia, seja o ensino remoto que fez com que o ensino básico e ensino superior adaptassem suas atividades, seja as redes sociais que fizeram as relações sociais humanas se manterem. Todas essas mudanças tiveram reverberações muito significativas em espaços que, inclusive, estão sendo alvo de pesquisas, observações e análises. É de suma importância que os caminhos seguidos sejam cuidadosamente refletidos nas pesquisas em andamento e futuras a fim de investigar os impactos causados. Com isso, a plataforma YouTube, que antes era acessada majoritariamente por computadores, notebooks e celulares, passou a ser acessada com frequência nas TVs smarts. Todo o contexto de lives criou uma cultura de criação e compartilhamento de vídeos dos novos adeptos dessas redes. Nesse espaço, aliados com percalços que o início do ensino remoto sofreu, as videoaulas que já eram muito bem consumidas, passaram a assumir recordes de visualizações – o que atraiu ainda mais produtores de conteúdo para a plataforma. Apandemia, portanto, se apresenta tanto no contexto macro quanto no recorte em que fizemos para a presente pesquisa, como um catalisador de caminhos que, antes, eram pensados, ainda de forma cautelosa. Esses passos se tornaram os únicos caminhos viáveis e/ou foram os caminhos possíveis frente ao contexto caótico que se instalava e não contava com um tempo para sua finalização. É dessa perspectiva que compreendemos o quanto a pandemia impactou e impacta, ainda, diversos modos que foram repensados e/ou atualizados, bem como também interroga alguns comportamentos que foram adotados, por vezes, como sobrevivência, além de 31 nosso respeito pela história de todas as vítimas, não apenas do vírus, mas também do negacionismo da ciência. Foi, então, com base neste contexto sócio-histórico e em consequências advindas dele que foram se estabelecendo caminhos para que esta tese fosse construída. 2.1.1 Embates discursivos que perpassam essas videoaulas Na plataforma YouTube, encontramos videoaulas das mais diversas disciplinas, modalidades, áreas, temas. Enfim, há uma infinidade de conteúdos já produzidos, além de muitas possibilidades de criação para produção, da própria ferramenta e de recursos externos. Pois os profissionais estão levando conteúdos que dizem respeito às suas formações cada vez mais para este espaço, além dos que já estão e experimentam novos meios e métodos de criação. Essa pluralidade, além de carregar uma larga escala de disponibilidade de material, eleva, também, os critérios de seleção dos internautas que cada vez percebem mais possibilidades e diversidade, o que os tornam mais exigentes e solicitantes de produções que “os prendam” desde os primeiros segundos até o final. Essa necessidade, por sua vez, cobra uma maior criatividade dos produtores de conteúdo que, além do aperfeiçoamento do conteúdo em si e da competição acirrada que vem crescendo exponencialmente neste ambiente, precisam usar da criatividade e técnicas de edição para conseguir chamar a atenção do público além do interesse destes pelo conteúdo. Situando-se nesses caminhos, as videoaulas são perceptivelmente compostas por características estruturais distintas de outros modos tradicionais de aulas, como o tempo de duração, as formas de profundidade ou a superficialidade da explanação do conteúdo. Visivelmente, elas já apresentam algumas dessas informações para os internautas logo em seu layout na plataforma. Para facilitar a visualização do que é possível encontrar e de que forma estão organizadas essas informações, vejamos a Figura abaixo que traz o que se encontra quando acessamos, na plataforma, uma videoaula. 32 Figura 1 - Layout da aula “’MENOS’, ‘MEIO’ E ‘SEU’” com vista da página do Youtube Fonte: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=A1zLCgyvzU8. Acesso em: 21 de outubro de 2024. Na figura, como apontamos, é possível ver as informações relacionadas com a duração das aulas, o que já diz sobre a profundidade ou superficialidade, uma vez que aulas mais curtas são comumente utilizadas para dicas e aulas mais longas para se debruçar com mais tempo sobre determinado assunto. Também se encontra a quantidade de curtidas em aprovação ou desaprovação, o que sugere uma maior ou menor aceitação pelos que já assistiram. Alguns outros elementos são, inicialmente, “reconhecidos” por todos que já tiveram algum tipo de contato, por exemplo, com uma aula presencial ou por alguma outra modalidade que envolva uma organização e direcionamento parecidos com o de uma aula. O tema ou conteúdo a ser discutido, acessado, as impressões relacionadas ao responsável por mediar, explanar o conteúdo, a relação que aquela aula já despertou em outras pessoas pelos comentários, por exemplo, etc. Os vídeos que analisamos perpassam por essa perspectiva inicial, além de possuírem, explicitamente, alguns destaques provenientes do meio publicitário que se relacionam diretamente com o mercado consumidor e correspondem ao movimento de convencer quem “chega” desde o título a fim de que aperte o “play” até a motivação para o engajamento. Essa dinâmica de visualizações e do maior número de visualizações, assim como de interações, é o que infla as possibilidades econômicas e lucrativas dessas videoaulas que também ocupam um lugar significativo no mercado. https://www.youtube.com/watch?v=A1zLCgyvzU8 33 O que apresentamos com as análises versa por uma perspectiva que explora tanto o lugar dessas videoaulas nesse ambiente digital, quanto o que diz respeito a sua demanda estrutural. Esse movimento é permeado por uma análise ecológica do discurso a fim, justamente, de não deixar escapar elementos e questões que quase sempre caminham pelas margens de outras discussões ou que parecem não se adequar aos outros modos de pesquisa/investigação. Tomando como base algumas diferenças por entre as escolhas que fizemos, temos, por um lado, que as videoaulas gravadas são mais curtas em relação às videoaulas ao vivo e que se organizam a fim de responder a demanda a partir de uma resolução breve que tenha elementos de fixação e comparações estratégicas. Ou seja, o conteúdo é composto de modo que fixe rapidamente e que não necessite ser amparado por uma longa e profunda discussão, como, por exemplo, tópicos relacionados a cursos e livros, intitulados de “não erre mais” ou “erros mais comuns”. Por outro lado, as videoaulas mais longas, as que aconteceram ao vivo e, posteriormente, foram salvas na plataforma, perpassam pelo conteúdo de modo mais profundo, uma vez que possuem tempo e ferramentas no ambiente digital que ancoram esse aprofundamento. A estratégia é dada a priori para que as pessoas se interessem pelo conteúdo e se disponibilizem para acompanhar a aula ao vivo. Essa diferença é de suma importância, nesse primeiro momento, para que tenhamos como parâmetro que não há um único modo de produção dessas aulas e que não há como definir uma estrutura fechada para as tantas possibilidades existentes. Dito de outro modo, objetivamos o que corresponderia a um protótipo que, na prática, obtém uma grande variedade de possibilidades de se coconstituir, embora haja, sim, algo que apontamos como estruturalmente fixo ao que essas produções podem apresentar. Partindo do exposto, olhar para esse contexto, para o aumento das visualizações, para a crescente evolução das tecnologias e para a pandemia e suas consequências em relação à produção de conteúdos de ensino, como videoaulas, é investigar, de maneira ecológica, nuances que nos confrontam diariamente. Isso, portanto, foi o que também impulsionou esta pesquisa. 2.2 LINHA HISTÓRICA DE ALGUNS TRABALHOS QUE VERSAM SOBRE O ASSUNTO Todo esse universo digital, sobretudo no que corresponde aos vídeos que são diariamente postados e compartilhados na plataforma YouTube, é objeto de pesquisas e de pesquisadores já há algum tempo. Perceber nuances, perspectivas, compreender novos modos 34 de interação e de compartilhamento/produção de conhecimento já são temas recorrentes e, principalmente, refletidos por diversas óticas. Isso é o que nos localiza neste subtópico: a estruturação de uma linha histórica de trabalhos que versam sobre o assunto a fim de explicitarmos o modo como definimos seguir nossa compreensão. Em 2018, foi publicado o trabalho intitulado “YouTube como plataforma para o ensino de História: na era dos ‘professores-youtubers’”, realizado por Queiroga Júnior (2018). No presente artigo, o autor visou à compreensão de como se dá o processo de ensino de História no YouTube, a partir de um estudo de caso de “professores-youtubers”, ocasião em que esses youtubers são investigados, a fim de perceber questões voltadas para o espaço de publicação das aulas, onde produzem/compartilham conhecimento. No que concerne aos resultados obtidos, constatou-se uma certa dicotomia no que dizrespeito à linguagem audiovisual que está presente nos vídeos do Youtube, sobretudo quando voltados para a área educacional, pois aspectos negativos e positivos são levantados em consideração. Por um lado, o que se apresenta diante das questões negativas é, principalmente, a presença do setor empresarial se aproveitando desse contexto para explorar de algum modo o ensino a distância; por outro lado, é destacado o quanto esses vídeos podem contribuir, em sala de aula, com o trabalho dos professores, com a ressalva de que esses conteúdos sejam utilizados de forma problematizadora. Esse trabalho nos direcionou para uma reflexão sobre como essas duas perspectivas “professores” e “youtubers” se encontram na plataforma e em como se dá o desdobramento dessa integração na educação. Os dilemas, resultados e a reflexão feita abordam questões que perpassam tanto por caminhos estruturais quanto contextuais. Por vezes, o que percebemos, socialmente, é um embate entre esse material divulgado no ambiente digital e as estruturas já estabelecidas institucionalmente, como o que se entende, hoje, como uma aula presencial. É um direcionamento, inclusive, interessante, pensar o quanto esses modelos são confrontados, ainda que se estabeleçam de formas bem diferentes e que possam ser percebidos, também, de formas bem diferentes. Outro trabalho que percebemos um grande engajamento no que visa o estudo/compreensão de videoaulas, foi o intitulado “O gênero vídeoaula: deslocamentos e manutenções na cibercultura”, realizado por Oliveira (2020). Essa pesquisa de mestrado objetivou a análise do gênero videoaula como um enunciado sócio-historicamente situado na cibercultura, com foco na plataforma YouTube. A ancoragem se deu com base no dialogismo do Círculo de Bakhtin (1997) e, também, de estudos sociológicos que permitiram uma melhor compreensão acerca da interação virtual. 35 Os resultados obtidos foram direcionados em dois caminhos: a dimensão social e a verbo-visual. No que diz respeito à dimensão social, apontaram que a videoaula online se constroi nas condições sócio-históricas da modernidade tardia, em um espaço-tempo de desencaixe nas relações sociais e busca por dizeres legitimados, atentando, ainda, para a esfera educacional que é atravessada, de forma constitutiva, por gêneros e discursos de outras esferas, ou seja, atravessamentos esses que contribuem para compor a esfera educacional. Ainda nesse primeiro caminho, um olhar para os sujeitos mediante o objetivo de investigar a interação, permitiu compreender que há uma extrapolação da relação professor- aluno, resultando em uma relação produtor-consumidor. No que diz respeito aos resultados obtidos com a análise da dimensão verbo-visual, o autor atentou para uma forte presença/relação de interesses pedagógicos comerciais e da mediação do algoritmo; ademais, sobre as projeções de estilo, há proximidade com interlocutor e traços de humor; no que tange à composição da videoaula, foi observado que a memória do gênero aula é adaptada às peculiaridades do discurso digital, se apropriando da singularidade do tecnogênero e se inserindo no formato de vídeo da plataforma. Com base nesses resultados apontados, o autor objetivou “a videoaula do YouTube como um gênero híbrido, atravessado por esferas e finalidades que a caracterizam como vídeo de conteúdo educativo, um gênero perpassado pelos discursos da educação e do entretenimento.” (Oliveira, 2020, p. 7). Esses resultados se relacionam com nossa discussão inicial a respeito do confronto que é percebido entre as videoaulas e seu referente no presencial, uma vez que, com base nesse estudo, há uma adaptação e transformação que é de alguma maneira transposta para o digital. Os trabalhos que consideramos, inicialmente, para compor um direcionamento foram de extrema relevância para suscitar a reflexão a respeito dessa modalidade de vídeos, de como sua circulação vem se dando e, principalmente, tomando como referência os últimos anos de pandemia e o quanto essa vertente foi impactada. Entretanto, a compreensão a que nos ancoramos visou uma observação, reflexão e análise que perpassa por novos – em relação aos expostos – caminhos teórico-metodológicos, uma vez que a análise ecológica dos dados, a observação sustentada pela Análise do Discurso Digital e o percurso que compreende uma integração entre humanos, máquina e sociedade na produção desses discursos, aqui, vislumbrou reflexões finais por novos caminhos também. Para ilustrar esse percurso, em específico, citamos algumas obras que abriram os caminhos de estudos ancorados na Análise do Discurso Digital, como a “Análise do discurso digital: sujeito, espaço, memória e arquivo” de Cristiane Dias (2018); e “Ressignificação em 36 contexto digital” e “Análise do Discurso Digital: dicionário das formas e das práticas” de Paveau, Costa e Baronas (2021). São essas obras, principalmente, que subsidiaram o que compreendemos como olhar ecológico e, para sustentar a presente tese, diferencial. Seguimos um caminho de análise teórico-metodológica que visualizou essas videoaulas, seus possíveis lugares e sua estrutura imbricadas neste ambiente digital a partir de uma análise feita diretamente neste ambiente. Ou seja, é como uma espécie de “ida” ao local para efetuar as análises e não uma ida para extrair dados e deixar que informações, elementos e constituições de um todo escapem. Nenhum desses trabalhos apresentados inicialmente trouxeram a Análise do Discurso Digital como caminho, resolução e entendimento do embate discursivo provocado por essas videoaulas no ambiente digital. Foi, portanto, deste ponto que partimos para alçar voo. 2.2.1 Possíveis caminhos reflexivos Na tentativa de especificar e localizar nosso espaço/lugar na pesquisa, compreendemos que Consequentemente ao trabalho de análise, há reverberações nos conceitos já postos e bem assentados da teoria, uma vez que ao formular formas de pensamento sobre procedimentos de análise no âmbito de um quadro teórico específico, os conceitos se desdobram, deslocam, retornam sobre si mesmos. Essa problematização, que concerne à teoria, aos seus procedimentos de análise e ao seu método, não é fruto de voluntarismo, mas de uma necessidade histórica das teorias em geral, a saber, o deslocamento de seus procedimentos de acordo com as formas de pensamento do mundo, com os objetos de análise que demandam que novas questões sejam formuladas ou que velhas questões sejam re-formuladas (Dias, 2018, p. 19). A autora, portanto, observa que ao se envolver no trabalho de análise, os conceitos previamente estabelecidos na teoria não permanecem estáticos, ou seja, há atravessamentos pois não há uma nulidade. Há reverberações. A formulação de formas e de pensamentos sobre procedimentos de análise dentro de um quadro teórico específico resulta de um desdobramento, deslocamento e reflexão contínua desses conceitos. É uma tarefa constante de refletir, refazer, repensar e estar em contato com atravessamentos que a teoria pode despertar, reverberar. É importante pontuar que as mudanças nos procedimentos de análise foram apresentadas como uma espécie de resposta necessária às transformações de pensamento do mundo e nos 37 objetos de análise, pois os procedimentos de análise e métodos não surgem de maneira arbitrária, mas como resposta a uma necessidade histórica inerente às teorias. Permeados pela composição teórico-metodológica a qual a Análise do Discurso Digital pode nos proporcionar, alguns caminhos reflexivos foram traçados a fim de buscar respostas para as questões impulsionadoras. Dessa forma, atentamos para o que as videoaulas puderam apontar no que diz respeito ao vasto conteúdo acerca dos tecnogêneros (Paveau, 2021); e, ainda dentro dessa concepção, de que modo esse conteúdo aproxima e/ou afasta esse tecnogênero de outras referências, como