Prévia do material em texto
com Livro didático complementar ao curso Gramática da LibrasMaly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 Diretoria Signa Educação: Jade Geovana Moia Gama Geral: Fabíola da Rocha Borba Marketing: Leandro da Cunha Tecnologia: Icaro Rezende Autoria: Ronice Müller de Quadros Coordenação: Jade Geovana Moia Gama Diagramação: Aline Gomes da Silva Ilustração: Lais Rovani Teixeira Projeto gráfico de capa: Aline Gomes da Silva Revisão de texto: Gisele Iandra Pessini Anater Matos 1º Edição: Novembro | 2020 ISBN nº 978-65-993106-0-7Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Quadros, Ronice Müller de Gramática da libras : estudos introdutórios sobre seus componentes gramaticais [livro eletrônico] : signa : livro didático complementar ao curso / Ronice Müller de Quadros. -- Florianópolis, SC : Signa, 2020. PDF ISBN 978-65-993106-0-7 1. Língua brasileira de sinais - Estudo e ensino 2. Português - Gramática - Estudo e ensino I. Título. 20-50136 CDD-419.07 Índices para catálogo sistemático: 1. Libras : Língua brasileira de sinais : Estudo e ensino 419.07 Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427 Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 5 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS SU M ÁR IO SU M ÁR IOSUMÁRIOSUMÁRIO 1 Introdução ...................................................................................................5 2 Espaço gramatical e corpo ........................................................13 3 Espaço referencial .............................................................................31 4 Corpo na estrutura da Libras .........................................................................................................54 5 Componentes macro do texto em Libras: estrutura narrativa .................................81 6 Componentes nucleares do texto em Libras: as frases ........................................................98 7 Componentes micro do texto em Libras: as palavras ..........................................................131 8 Palavras finais ...................................................................................159 INTRODUÇÃO 11 Objetivos Apresentar um panorama geral sobre a Gramá- tica da Libras, os níveis de análise gramatical e a organização do material dos aspectos grama- ticais estudados neste volume. Panorama geral sobre a Gramática da Libras Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 6 7 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Definição de Gramática Um sistema de uma determinada língua ou de lín- guas em geral que consiste de vários níveis de aná- lise que vão desde os aspectos mais amplos (macro) até as questões mais específicas na composição de suas unidades. Vamos ser mais concretos: unidades macro podem ser compreendidas como um discur- so que é composto de parágrafos (unidades de sen- tido maiores), enunciados (frases e sentenças), com- binações de palavras que representam unidades de sentido menores, até as unidades sem sentido, que são os sons nas línguas orais e as configurações de mãos, localizações e os movimentos nas línguas de si- nais. O sistema gramatical é constituído de sentido e de estrutura. O discurso precisa ter um sentido que, normalmente, é construído a partir das intenções de quem o produz. Esse sentido é organizado por meio de combinações estruturais que seguem regras es- pecíficas das línguas. Isso constitui uma gramática. A perspectiva de gramática estudada está pautada nos estudos linguísticos, especialmente considerando os usos da língua a partir de descrições linguísticas. Isso significa dizer que a proposta desenvolvida aqui parte de “olhar” para a língua sendo usada por diferen- tes sinalizantes a fim de observar como ela se organi- za para produzir sentidos. Não será apresentada uma perspectiva de gramática prescritiva, ou seja, de como historicamente as gramáticas foram produzidas, com base em prescrição de regras, para determinar como uma língua deveria ser usada. Isso não é compatível com a proposta desenvolvida aqui, porque com esta será apresentado como de fato a língua é usada, que por si só carrega complexidade e riqueza gramaticais e dispõe de várias possibilidades que os sinalizantes utilizam, mais ou menos, com o propósito de tornar o que dizem mais significativo, mais claro, mais preciso. Vocês irão aprender sobre esses recursos para apre- sentar discursos em Libras com diferentes propósitos, tomando consciência sobre seus usos e acerca das formas de tornar o que vocês pretendem dizer em Libras mais claro e preciso. Também, vocês vão com- preender com mais propriedade e de forma mais clara e precisa quando os sinalizantes produzem textos em Libras. Objeto da gramática em estudo: a língua brasileira de sinais (Libras) A Libras é uma língua usada no Brasil em suas co- munidades surdas. Os sinalizantes da Libras podem ser surdos e ouvintes. É uma língua que se constituiu entre os surdos e estes a transmitiram como herança aos seus filhos, parentes e amigos ouvintes bem como aos demais surdos. O encontro surdo-surdo viabiliza a língua de sinais, tornando-se fundamental na consti- tuição da Libras. A Libras é uma das manifestações da cultura surda que marca as identidades surdas brasi- leiras. É uma língua nacional, ou seja, é usada em todo o Bra- sil, especialmente nos grandes centros urbanos, onde os surdos se encontram com mais facilidade. Essa lín- gua passou a ser reconhecida legalmente em 2002 por meio da lei 10.436. Ela reconhece a Libras como língua nacional usada nas comunidades surdas brasileiras. Atualmente, contamos com os cursos livres de Libras, assim como o curso de Letras Libras em várias insti- tuições de ensino do país. Assim, mais pessoas têm aprendido a Libras e se apropriado dessa língua. Os estudos gramaticais da Libras que serão apre- sentados aqui representam aspectos que constituem a base da gramática dessa língua. Este material irá abordar os usos do espaço para fins gramaticais e tra- tar do corpo na qualidade de constituidor de línguas Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 8 9 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS visuais-espaciais, tais como a Libras. A partir do espa- ço gramatical e do corpo, a Libras se harmoniza e se organiza para produzir sentido de forma estruturada. Neste material estudaremos a Libras, mas sempre ten- do como referência estudos com diferentes línguas de sinais, pois muitos aspectos que são observados nela parecem ser inerentes às línguas de sinais de modo ge- ral, apesar das diferenças existentes entre elas. Assim, vocês terão a oportunidade de visualizar usos na própria Libras e identificar como determinadas es- truturas podem impactar na constituição dos senti- dos. A Libras, portanto, será nosso objeto de estudo gramatical neste material. Propósito deste material Com este material, vocês irão aprender sobre alguns componentes gramaticais da Libras. Vocês vão conhe- cer como a Libras, uma língua visual-espacial, se estru- tura gramaticalmente. Os aspectos abordados incluem o uso do espaço para fins de composição de sentido e de forma, o corpo como unidade gramatical intrínseca das línguas de sinais, alguns tipos de estruturas de fra- ses e categorias de palavras. Os conhecimentos abordados servirão de base para você perceber como usar a língua de forma mais apro- priada, explorando as possibilidades de produção tex- tual em Libras nos diferentes contextos e com variados propósitos. Por exemplo, você poderá usar esse conhe- cimento nas suas atividades profissionais para poten- cializar a sua própria elaboração em Libras.vários elementos em um único sinal. Vamos retomar o uso de verbos e classificadores EU ENTREGAR VOCÊ Eu entrego (algo) a você. VOCÊ ENTREGAR ELE Você entrega (algo) para ele. que incorporam pontos referenciais previamente es- tabelecidos ou sinais nominais que se sobrepõem aos pontos referenciais no espaço de sinalização na uni- dade 7. Nessa unidade, apresentamos alguns usos do espa- ço referencial por meio de estabelecimento de pontos no espaço de sinalização que podem representar pro- nomes pessoais, demonstrativos, de lugar ou posicio- namento dos sinais para estabelecimento de referên- cia. Os pronomes integram o sistema dêitico da Libras. Vimos que o espaço referencial é altamente complexo do ponto de vista gramatical, pois envolve vários com- ponentes que impactam na gramática da Libras. En- tre eles, verificamos que os pontos referenciais podem ser usados de diferentes maneiras para contrastar re- ferentes que ocupam posições argumentais. Também podem ser empilhados com outros componentes gra- maticais para determinar relações intrínsecas entre eles. E, por fim, vimos que os verbos e classificadores podem incorporar esses pontos referenciais para com- por relações gramaticais, como a concordância verbal. Atividades 1) Assista ao vídeo “Congresso de Milão”, produzido pela Edinata Camargo no curso de Imersão em Libras da Signa, e identifique os tipos de usos do espaço refe- rencial considerando os seguintes elementos: a. Estabelecimento referencial no espaço de pro- nomes pessoais por meio da apontação (inclui primei- ra, segunda e terceira pessoas do discurso). b. Estabelecimento referencial no espaço de pro- nomes demonstrativos. c. Estabelecimento referencial no espaço por meio de pronomes de lugar. Síntese da unidade 3 - Espaço referencial Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 52 53 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS d. Estabelecimento referencial relacionado a pro- nomes possessivos. e. Estabelecimento referencial no espaço para marcar temporalidade. f. Estabelecimento referencial no corpo por meio da apontação para indicação de listas utilizando a mão para representar a lista em si. Feedback: Nesse vídeo, Edinata Camargo produz um texto sobre o Congresso de Milão, um acontecimen- to do passado. Ela utiliza a apontação para indicar o próprio acontecimento, pronome de terceira pessoa, assim como para indicar a comunidade surda, utili- zando o pronome NÓS. Ela situa temporalmente no espaço a referência ao passado, quando aconteceu o Congresso de Milão. Utiliza a referência às pessoas por meio do sinal que indica pessoas produzido repe- tidamente à sua direita. Faz referência espacialmente estabelecida apresentando tais pessoas sentadas em forma de círculo. No ponto espacial à direita, com o corpo levemente voltado para esse lado, produz vários sinais empilhados para referir os acontecimentos nes- se Congresso. Estabelece o contraste espacial entre “oralismo” ou “língua de sinais” e novamente empilha os demais referentes no lado do Congresso falando sobre a votação. Finalmente, ela se volta para o interlocutor (quem está assistindo ao vídeo) e informa que o ora- lismo foi eleito como opção naquela ocasião. Discorre sobre os efeitos que isso teve na comunidade surda e o movimento de resistência por parte deles; utiliza o pronome possessivo DELES para referir os direitos DE- LES (de eles) usarem a língua de sinais. Não há uso de pronomes demonstrativos e de listas no vídeo. 2) Segue o vídeo em Libras “Existe ainda comunidade surda em 2019?”, um documentário da Signa sob a di- reção de Darley Goulart, para ser assistido. Identifique os mecanismos gramaticais que os sinalizantes usam que envolvam o espaço referencial. A seguir, há uma lista de marcações referenciais que foram destacadas. Analise a introdução feita por Darley Goulart ao vídeo apresentando o tema do documentário e marque as opções abaixo: a. Estabelecimento referencial no espaço de pro- nomes pessoais por meio da apontação (inclui primei- ra, segunda e terceira pessoas do discurso). b. Estabelecimento referencial no espaço de pro- nomes demonstrativos. c. Estabelecimento referencial no espaço por meio de pronomes de lugar. d. Estabelecimento referencial relacionado a pro- nomes possessivos. e. Estabelecimento referencial no espaço para marcar temporalidade. f. Estabelecimento referencial no corpo por meio da apontação para indicação de listas utilizando a mão para representar a lista em si. Feedback: Nesse vídeo, Darley Goulart introduz o tema sobre a existência da comunidade surda. Ele utiliza o espaço referencial de diferentes formas: apresenta verbos espaciais, direciona sinais para o interlocu- tor (a câmera) incluindo sinais nessa direção quando envolve a referência de segunda pessoa, assim como verbos espaciais como o verbo SE-COLOCAR-NA PO- SIÇÃO-DO-OUTRO. Estabelece pontos espaciais à sua frente para referir diferentes referentes por meio da apontação, sinais empilhados no ponto referencial e direção do olhar. Utiliza a mão para representar lista elencando diferentes contextos em que há dificulda- des de acessibilidade. Utiliza pronomes pessoais como NÓS, ELA (a comunidade surda), ELA (a Libras), apon- tando para a mão; usa o pronome demonstrativo ISSO (a comunidade surda), TU (segunda pessoa apontando para a câmera), pronome possessivo SUA (comunidade surda ajuda sua vida) e ELES (entrevistados). Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 54 55 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS CORPO NA ESTRUTURA DA LIBRAS Objetivos Visualizar os diferentes usos do corpo para fins gramaticais: (1) função de desambiguizar e/ou determinar contrastes referen- ciais por meio do posicionamento do corpo e da alternância de perspectivas usada no corpo para estabelecer coesão e coerên- cia textuais; (2) função semântica e referencial atribuída a partes do corpo para referir entidades, pessoas e ações; e (3) função criativa para dar vida a coisas ou humanizar animais por meio do antropomorfismo (uma espécie de ação construída). O corpo desempenha funções importantes nas línguas de sinais, afinal de contas, essas línguas acontecem a partir do corpo. Na Libras, assim como em todas as línguas de sinais estudadas até o presente, diferentes partes do corpo estão diretamente envol- vidas na produção discursiva. As mãos, os braços, a face, a ca- beça, o torso se combinam para produzir sentido por meio de uma gramática espacial. Essas partes do corpo são usadas para formar palavras e sentenças com o intuito de combinarem forma e significado para fins comunicativos e linguísticos. Nós já temos visto nas unidades anteriores alguns aspectos sobre o corpo como parte do sistema referencial, assim como indicações que determinam a clareza de sentidos ao se usar o corpo associado aos pontos espaciais e à direção do olhar. Nesta unidade, iremos aprofundar os aspectos gramaticais ativados através do corpo nas línguas de sinais, analisando tais usos na Libras. 44 Conceitos Uma das diferenças mais impactantes entre línguas de sinais e línguas orais é a de que, nas línguas de si- nais, os movimentos dos articuladores do corpo (face, mãos, cabeça e torso) correspondem diretamente a funções linguísticas específicas, aspectos identificados ao longo dos anos por pesquisadores de diferentes lín- guas de sinais (SANDLER, 2018). Sandler (2018) sintetiza a composição corporal das línguas de sinais: (i) As mãos para compor palavras nas línguas de sinais, associadas a movimentos e localizações especí- ficas. O uso da mão não dominante para manter a re- ferência ativa em blocos discursivos, com função ana- fórica, produzidos simultaneamente aos sinais da mão ativa.(ii) A face com a direção do olhar e expressões fa- ciais é combinada com as palavras e com sentenças indicando funções gramaticais: afirmação, interroga- ção, topicalização, ênfase, condição e suposição, por exemplo. (iii) A cabeça auxilia na organização da estrutura informacional, pois pode indicar a formação de tipos diferentes de sentenças: interrogativas, tópico, foco e condicionais, por exemplo. (iv) O torso toma diferentes formas, podendo envol- ver posicionamento do corpo com movimentos para frente e para trás e alternância de perspectivas, com movimentos do corpo com o torso virado mais para um lado ou para o outro, implicando referência e corre- ferência com função anafórica. Normalmente, a movi- mentação do torso caracteriza contrastes de perspec- tivas ou de tópicos a partir do espaço neutro. Na composição da gramática da Libras, assim como identificado em outras línguas de sinais, o corpo, que inclui as mãos, a face, a cabeça e o torso, é usado sis- tematicamente para compor o texto em sinais. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 56 57 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Corpo: posicionamento no espaço O corpo tem várias funções nas línguas de sinais. Uma delas é desambiguizar os referentes estabeleci- dos no espaço de sinalização. O corpo se posiciona mais para o lado do referente com movimento do torso para trás para garantir a visualização dos contrastes entre os pontos referenciais estabelecidos no espa- ço gramatical. Nesse caso, como já vimos no vídeo de Yvone Konder Ruiz, jogar o corpo mais para o lado, ou mais para frente, ou mais para trás, garante a visuali- zação dos contrastes entre os espaços. Quando Yvone sinaliza sua amiga, se posiciona para frente seguindo a apontação introduzida previamente. Quando refere a si mesma, joga seu corpo para trás. Isso não é neces- sariamente obrigatório, mas quando necessário para manter a percepção visual dos contrastes e garantir que não fique ambígua a referência; é um recurso usa- do na Libras. Em relação, ainda, ao posicionamento do corpo, a sua função é estabelecer de forma mais clara no dis- curso as oposições entre os referentes. Nesse caso, o corpo não é o referente, pois os referentes foram es- tabelecidos nos pontos espaciais e são explicitados por meio dos sinais e das apontações no discurso, estando associados com o corpo ou não. O corpo se move para facilitar a visualização dos contrastes en- tre os referentes, tornando a produção mais clara. O EU AMIGA posicionamento do corpo, embora indique o próprio sinalizante e também outros referentes indicados no espaço de sinalização, mantém a retomada sistemáti- ca da direção do olhar para o interlocutor. Entre as funções desempenhadas pelo corpo, há também a de referência à primeira pessoa do discurso. A partir da posição do sinalizante pode ser estabele- cida a primeira pessoa do discurso. Assim, o próprio corpo passa a ser o sujeito da sentença, argumento externo. Na estrutura gramatical, essa posição por si só já preenche essa posição argumental, assim como observado em diferentes línguas de sinais (MEIR, PAD- DEN, ARONOFF e SANDLER, 2007). A noção de sujeito parece ter um status privilegiado sobre os demais ar- gumentos, segundo os autores Meir, Padden, Aronoff e Sandler. Esse status especial se manifesta no compor- tamento morfológico, sintático, semântico e nos níveis do discurso. Os autores identificaram que a estrutura nas línguas de sinais denota estados que manifestam um padrão inerente de correspondência “forma e signi- ficado” no qual o corpo do sinalizante consistentemen- te representa um argumento de um verbo (predicado), ou seja, representa o sujeito da sentença. Assim, o cor- po ocupa a posição de sujeito, uma vez que esse argu- mento externo está representado pelo corpo e faz par- te da estrutura lexical do verbo, o que torna o sujeito mais básico do que o objeto favorecendo sua omissão (MEIR, PADDEN, ARONOFF e SANDLER, 2007, p. 531). Se- gundo os autores, “o corpo é independente das mãos e expressa somente um argumento; as mãos expressam os eventos e outros argumentos” (p.546). Essa manifes- tação apresenta várias nuances, pois as mãos podem passar a representar o corpo e, consequentemente, to- mar a posição de sujeito sentencial. Em todos esses casos, o sujeito é um ser animado, isto é, tem vida. Para expressar argumentos inanimados, sem vida portanto, os sinalizantes usam as mãos articulando os sinais no espaço neutro ou em espaços marcados associados a Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 58 59 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS pontos espaciais. Na Libras, os sinalizantes usam o corpo como sujeito de forma bastante produtiva, no sentido de argumento externo do predicado (as mãos). Dessa forma, parece que muitas vezes a estrutura na Libras tem sujeito nulo (sujeito omitido), ou seja, quando ele não está expresso na frase. Em português, por exemplo, é possível ter um sujeito nulo: “Saí de mansinho da festa.” Sabemos que o sujeito dessa sentença em português é a primeira pessoa (do singular) do discurso: “(eu) saí de mansinho da festa”. Nesse caso e em outros, é pos- sível recuperar o sujeito por meio da concordância ver- bal. No caso do uso do próprio corpo como sujeito da sentença, a recuperação se dá porque a Libras utiliza o corpo para ocupar posições argumentais. O corpo como primeira pessoa pode ser usado na posição de argumento externo, a posição de sujeito, não sendo necessária a referência explícita do referente inde- pendentemente do tipo de verbo. Na posição de argu- mento interno, as posições de objeto da sentença já não são recuperadas somente pela posição do corpo, a não ser que estejam associadas a verbos espaciais ou sinais produzidos no espaço do corpo. Nesses ca- sos, os verbos e sinais especializados é que cumprem a função de recuperar os argumentos. Como alguns verbos não podem ser especializados, por exemplo, o verbo GOSTAR em Libras, não tem como usar o corpo como referência para dizer que “alguém gosta de mim” sem usar o pronome. Portanto, o sinalizante pode produzir sentenças com sujeito nas quais o próprio corpo ocupa tal posição parecendo que o sujeito está nulo, mas, na verdade, não está, porque o corpo em si é a posição gramatical nessas sentenças. O uso da apontação na direção do corpo explicita que essa posição que o corpo ocupa é de primeira pessoa, portanto “eu”. Então, o sinal EU que envolve a apontação está indicando que essa pessoa, ocupan- do esse corpo, é a primeira pessoa do discurso. Agora, entramos em uma discussão mais complexa, pois o próprio corpo do sinalizante pode também as- sumir outras referências que não referem a si mesmo, mas sim a quaisquer referentes projetados pelo sinali- zante utilizando o seu próprio corpo. A isso denomina- mos “alternância de perspectivas”. GOSTAR IX(aquela) PESSOA EU GOSTAR IX(aquela) PESSOA Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 60 61 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Corpo: alternância de perspectivas A alternância de perspectivas, também chamada de alternância de referências, envolve o uso do corpo do sinalizante como referência gramatical. Nesse proces- so, há a mudança do próprio sinalizante como referen- te de primeira pessoa a outros referentes que passam a ser os referentes no corpo do sinalizante. Segundo Lillo-Martin (1995), a alternância da referência afeta a interpretação de uma sentença por apresentar re- ferentes a partir do ponto de vista do sinalizante. É como se o sinalizante emprestasse o corpopara outro. É como se o corpo alternasse os referentes transferin- do pontos argumentais de referência para exercer uma função gramatical nas sentenças de acordo com as posições ocupadas pelo próprio corpo dos pontos no espaço. Esse mecanismo gramatical acontece por meio de diferentes posicionamentos corporais. Os posicio- namentos do corpo podem ser marcados ou não mar- cados, de forma análoga aos pontos no espaço neutro e espaço marcado. A marcação do posicionamento do corpo está associada a um referente específico que é explicitado por meio do corpo e das expressões faciais e trejeitos associados ao referente (assim como obser- vado na Língua de Sinais de Quebec por Poulin & Mil- ler, 1995). Ao alternar as perspectivas para associá-las a referentes específicos, o discurso mantém a coesão textual atribuindo a função anafórica aos contrastes estabelecidos pelo posicionamento do corpo. A alternância de perspectivas acontece a partir do sinalizante, que passa a ter o próprio corpo como re- ferente de algo ou alguém e a sua sinalização passa a ser produzida a partir dessa perspectiva. A alter- nância acontece porque o sinalizante pode ir e vir de uma para outra perspectiva alternando as referências, consequentemente referindo a diferentes argumentos da estrutura sintática. Essa alternância de perspectiva pode acontecer de forma mais explícita ou sutilmente, dependendo do gênero textual. Por exemplo, em uma narrativa, normalmente a alternância de perspectiva é mais marcada com contrastes explícitos no espaço de sinalização. Por outro lado, em um texto acadêmico, a alternância pode ser quase que imperceptível. Nós também vimos que o espaço disponível para si- nalizar pode impactar nas formas de usos do corpo, pois havendo mais espaço, o sinalizante pode inclusive se mover de uma posição para outra, enquanto que, em espaços mais restritos, ele pode acabar movendo apenas a cabeça ou utilizar somente a direção dos olhos para manter a alternância de perspectivas. A alternância de perspectivas é usada para marcar uma alternância da referência entre a primeira pessoa e outra pessoa referida no próprio corpo do sinalizan- te. Os sinalizantes também alternam entre a posição do narrador e a referência a si mesmos. Padden (1986) apresenta a alternância de perspecti- vas como uma alternância da terceira pessoa na pri- meira. Os sinalizantes incorporam uma terceira pessoa (outra entidade) para produzir a perspectiva a partir dessa pessoa. Segundo Padden, essa alternância de perspectivas é contrastiva, ou seja, o sinalizante move seu corpo de um lado para o outro para indicar a mu- dança de referência. Nesse caso, o dispositivo grama- tical pode ser usado para alternar entre o sinalizante, o narrador ou outra pessoa; e também pode ser usado para empregar o discurso direto. Nessa mesma linha, dentro da alternância de perspectivas, acontece o po- sicionamento do corpo. No entanto, esse posiciona- mento é da perspectiva do referente incorporado na perspectiva assumida no ato da enunciação. É como se fosse um subespaço criado dentro do espaço do sinalizante, pois esse subespaço passa a ser usado com todos os recursos gramaticais da língua a partir da perspectiva incorporada. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 62 63 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS A esse recurso gramatical, Liddell (1995) refere como espaço sub-rogado, tipo de espaço estudado na uni- dade anterior. Na perspectiva de Liddell, é como se o sinalizante incorporasse o referente e passasse a re- presentá-lo assumindo todas as suas características físicas e seus trejeitos. As expressões faciais também passam a externar o referente incorporado. Assim, nes- sa proposta, é como se as alternâncias de perspecti- vas fossem produzidas para estabelecer um discurso direto. No entanto, os estudos indicam que, na verda- de, até é possível ter esse mecanismo gramatical sen- do usado para expressar o discurso direto nas línguas de sinais, assim como também observamos na Libras, mas não somente isso. O uso da alternância de pers- pectivas é muito mais complexo gramaticalmente e vai além do discurso direto. O sinalizante pode alternar entre ele e o referente incorporado ocupando posições alternadas contrastivas, no sentido proposto por Pa- dden, para desempenhar funções estruturais na gra- mática espacial. O corpo, então, ocupa efetivamente a posição argumental na sentença, desempenhando função de sujeito em sentenças simples e complexas. Por exemplo, as orações subordinadas podem utilizar o corpo como sujeito. Quando o corpo não é usado como sujeito, faz-se necessário indicar explicitamente qual é o referente por meio do nome ou da apontação a ocupar tal posição gramatical. Considerando o uso dos espaços para fins gramati- cais, o espaço ocupado pelo corpo parte da referência do próprio falante, podendo alternar para outro refe- rente, no caso do uso da alternância de perspectivas. Isso provoca uma reorganização gramatical a partir do ponto de referência ocupado pela posição referencial no corpo do sinalizante. O próprio corpo pode ocupar uma posição gramatical como sujeito ou objeto da sentença, além de desempenhar funções semânticas (tema, paciente, agente, experienciador ou causador). Na Libras, o uso de alternância de perspectivas é extremamente rico e pode ser aplicado de forma su- til ao longo do discurso. Há uma grande variedade de informações associadas às perspectivas alternadas que pode representar diferentes descrições (BERENZ, 1996). Berenz (1996) se refere a essa estratégia referen- cial como retórica, que exige o uso consistente do es- paço gramatical com contrastes internos para pessoa de forma altamente complexa. Há, de certa forma, uma função dêitica também associada à alternância de perspectivas, pois é um mecanismo que necessaria- mente depende do discurso para ser interpretado. No vídeo da história sobre os dois lobos, um repre- sentando o bem e o outro o mal, Rimar contrasta usan- do o corpo de forma alternada entre os personagens que integram a história, desde o cacique da comuni- dade indígena e o menino que pede sua ajuda para lidar com o mal, assim como na história narrada pelo cacique dos dois lobos. O posicionamento do corpo aparece em todas as retomadas da contação da his- tória enquanto narrador, assim como em relação às referências ao cacique e ao menino ao longo do texto e ao final dele, quando apresenta a moral da história. Vocês podem observar o contraste entre o uso do me- canismo de posicionamento do corpo e o de alternân- cia da perspectiva por meio da direção dos olhos. No posicionamento do corpo, o olhar com o interlocutor é retomado sistematicamente. Quando há a alternância da perspectiva, o olhar direciona-se aos personagens do texto produzido pelo narrador. O lado direito e o lado esquerdo do corpo do Rimar são usados de for- ma consistente ao longo do texto para indicar o mal e o bem, respectivamente. As mãos são usadas para representar as pernas do menino e as pernas dos dois ASSISITIR AO VÍDEO ILUSTRANDO O USO DE ALTERNÂNCIA DE REFERÊN- CIAS E POSICIONAMENTOS DO CORPO de Rimar Segala – Os dois lobos: o bem e o mal. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 64 65 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS lobos. Também são usadas para indicar os dois lobos em si, um de cada lado. Quando realiza a alternância de perspectiva entre o cacique e o menino, claramen- te o corpo ocupa a posição de sujeito da sentença. O corpo na perspectiva receptora da ação do outro ocu- pa a posição de objeto da sentença. Vejam alguns exemplos destacados a seguir: Posicionamento do corpo como narrador Posicionamento como menino Alternância de perspectivacacique (olhar para o menino) Alternância de perspectiva menino (olhar para o cacique) Partes do corpo para atribuir referência Segundo Meir, Padden, Aronoff e Sandler (2017), o cor- po como sujeito apresenta várias nuances de repre- sentação nas línguas de sinais, pois partes do corpo, por exemplo as mãos do sinalizante, podem passar a representar o corpo e, consequentemente, tomar a posição de argumento externo do predicado. Esse é o caso de quando as mãos são usadas para expressar o corpo nas línguas de sinais. Taub (1997, p. 123-124) apresenta alguns padrões iden- tificados no uso de partes do corpo para atribuição de significado. Os articuladores do sinalizante podem re- presentar partes do corpo do mesmo tipo (como mãos representando mãos); partes do corpo de animais que correspondem às mãos (por exemplo, mãos represen- tando patas dianteiras); e partes do corpo humano ou de animais que não correspondem a partes do arti- culador usado pelo sinalizante (por exemplo, mãos re- presentando os pés ou a cabeça). Esses usos são ob- servados, normalmente, em contação de histórias ou fábulas. Mãos usadas para pernas do menino Mãos usadas para garras do lobo Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 66 67 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Outra forma de usar as mãos para representar o cor- po é na representação do próprio corpo. As mãos são usadas para representar pessoas como entidades hu- manas, por exemplo, com o uso do dedo indicador para cima, ou para representar pessoas em pé ou sentadas com os dois dedos, indicador e médio, voltados para baixo. Também o número pode ser incorporado para indicar uma pessoa, duas pessoas, três pessoas, qua- tro pessoas e muitas pessoas com todos os dedos das mãos, no caso dos dedos estendidos e virados para cima. Se os dedos forem encolhidos, podem represen- tar pessoas sentadas ou agachadas que podem estar dispostas de diferentes formas no espaço (sentadas em círculo, umas atrás das outras, em fileira etc.). Su- palla (1986) refere a esses usos como um tipo de classi- ficador, chamado de classificador corporal. Seguem as ilustrações desses usos: 1 PESSOAS 2 PESSOAS 3 PESSOAS 4 PESSOAS MUITAS-PESSOAS-PASSANDO-UMAS-PELAS-OUTRAS Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 68 69 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS MUITAS-PESSOAS-PASSANDO-NA-MULTIDÃO PESSOAS-NA-FILA 1PESSOA-SENTADA PESSOAS-SENTADAS-CÍRCULO Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 70 71 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS PESSOAS-SENTADAS-EM-UMA-PLATEIA-ATRÁS-UMAS-DAS- -OUTRAS PESSOAS-SENTADAS-ENFILEIRADAS Ainda, as mãos podem representar ações feitas pelo corpo, como “cortar-com-machado”, “pintar-parede- -com-rolo-com-cabo”, “escrever-com-lápis” ou “digitar- -no-teclado”. Esses são exemplos que podem ser re- presentados pelas mãos do sinalizante indicando as formas de cada ação. Supalla (1986) denomina esse grupo de “classificadores instrumentais”, que são com- binados com classificadores corporais. CORTAR-COM-MACHADO ou CORTAR-COM-MACHADO Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 72 73 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS PINTAR-PAREDE-COM-ROLO-COM CABO ESCREVER-COM-LÁPIS DIGITAR-NO-TECLADO Nesses casos, o corpo e a ação implicada no evento estão incorporados na mão para serem representados visualmente no texto na Libras. Uso de mãos não dominantes (boias) Outro uso de partes do corpo para fins gramaticais é o uso da mão não dominante de forma concomitante com outros sinais produzidos com a mão dominante. Segundo Liddell (2003), os sinalizantes produzem sinais com a mão não dominante mantendo essa mão para- da no espaço de sinalização com uma configuração de mão que remeta ao sinal introduzido inicialmente. Essa mão, portanto, fica mantida no discurso visual- mente contribuindo para a coesão discursiva. A essa mão mantida no discurso enquanto a outra mão ar- ticula outros sinais, Liddell refere como “boia”. A ideia é que a mão fica “boiando” para não ser esquecida ou ser referenciada ao longo do discurso. Uma forma pro- dutiva de uso de “boias” é a utilização da mão não do- minante para indicar uma lista de itens, como já vimos anteriormente. No exemplo a seguir, retirado da história sobre o bem e o mal contada por Rimar Segala, o posicionamento do corpo é do narrador, que usa a boia mantida à di- reita referente ao lobo bom para fazer um contraste com o lobo mal indicado na posição à esquerda por meio de vários sinais ao longo da enunciação. Boia: Lobo bom (mão não dominante) Sinais sobre o lobo mal com a mão dominante: OU- TRO, ELE, LOBO. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 74 75 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Antropomorfismo Antropomorfismo é uma forma de personificação de referentes que representam objetos ou entidades não humanas, mas passam a ser humanizados no corpo do sinalizante. O sinalizante incorpora a entidade su- postamente não humana utilizando a personificação dessa entidade para representá-la no discurso. Sut- ton-Spence & Napoli (2010) analisam a realização de antropomorfismo na Língua de Sinais Britânica (BSL), que é muito similar ao que acontece na Libras. Antro- pomorfismo é uma forma de animar objetos ou enti- dades para expressar sentimentos, emoções e pensa- mentos típicos de seres humanos de forma altamente criativa nas línguas de sinais. É uma maneira de usar analogias ao objeto com formas humanas utilizando o próprio corpo do sinalizante, especialmente em poe- mas e contação de histórias. Segundo Sutton-Spence & Napoli (2010:452), quando há o uso do corpo para produzir o antropomorfismo, o narrador “desaparece” em favor da entidade que é alvo nesse processo. Assim, o corpo do sinalizante (mãos, faces e torso) passa a ser o do personagem que é alvo do antropomorfismo. Dessa forma, o sinalizante pode passar a ser qualquer entidade. A transferência para a entidade-alvo é representada por meio de formas descritas pelas mãos e pelo corpo. As autoras obser- varam que nas línguas de sinais, no uso de antropo- morfismo, as entidades raramente sinalizam, mas usam comunicação visual, tanto manual como não manual, do ponto de vista dos surdos. Os sinalizantes explo- ram analogias que são mais visíveis dando mãos, de- dos e olhos para as entidades, alvo desse mecanismo. Enfim, “as autoras concluem que antropomorfismo nas línguas de sinais demonstram um potencial extraordi- nário para os contadores de histórias e poetas apre- sentarem visões de mundo alternativas por meio de transferência direta da pessoa para entidades não hu- manas”. (p.471) Vamos ver um caso de antropomorfismo em Libras em um poema sobre o celular, de Anna Luiza Maciel. Nesse poema, assim como em outros nos quais se faz uso do antropomorfismo, os olhos desempenham uma função importante sobre a entidade incorporada, seu comportamento, suas emoções e seus sentimentos, deixando de ser um simples objeto, nesse caso um ce- lular qualquer. Como observado por Sutton-Spence e Napoli, nenhuma dessas entidades inanimadas possui olhos. Então, o sinalizante parece potencializar o olhar para humanizar o objeto incorporado no corpo. A poeta usa o mecanismo do antropomorfismo para humanizar o celular, dando a ele emoções e reações diante do que é feito com ele. Os olhos são usados, as- simcomo as expressões faciais, para indicar o que ele está sentindo e suas emoções são assim manifestadas. ASSISTIR AO VÍDEO do poema “Celular”, de Anna Luiza Maciel (Literatura em Libras – Domínio público: Acessado em 15 de setembro de 2020). Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 76 77 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Ela intercala entre o celular humanizado e ela mesma agindo sobre o objeto. Veja alguns exemplos a seguir: O corpo com função coesiva e para garan- tia da coerência A unidade do texto depende da coesão e da coerên- cia, ou seja, dos elos estabelecidos ao longo do texto e da composição dos sentidos para integrá-lo de forma adequada, consistente com a intenção do sinalizante. O uso do corpo, considerando todos os mecanismos estudados, contribui efetivamente para isso. CELULAR ACORDA CELULAR SENTE SER TECLADO Coesão Coerência A coesão envolve a conexão entre os elementos que compõem um texto oral ou escrito. Oral aqui é entendido como produzido no ato da interação com o outro, portanto os textos em Libras são considerados orais quando produzidos no ato da interação. A proposta de esta- belecer relações por meio de elementos coesivos garante a harmonia entre eles. A coesão é estabelecida através de elos que nas línguas humanas podem se ma- nifestar de diferentes formas, por meio de palavras ou pelo corpo. A coerência é a forma que o texto se apresenta para garantir o sentido, a partir das relações entre suas partes, entre o texto e o contexto. É o que faz a produção ter sentido. A composição do todo apresenta uma organização das ideias para compor o sentido que re- presenta a intenção do sinalizante para que seja compreendido pelos interlocu- tores-alvos. O posicionamento do corpo, a alternância de pers- pectiva a partir do corpo, o uso de partes do corpo para referência a partes do corpo, o uso da mão não dominante de forma simultânea à mão dominante e o antropomorfismo são formas altamente visuais usadas nas línguas de sinais que favorecem o estabelecimento da coesão e da coerência. Quanto à coesão, o uso de cada mecanismo esta- belece elos entre as produções por meio do contraste entre o que é produzido a partir do corpo na posição neutra e em relação ao espaço neutro. Cada mecanis- mo corporal é por si só uma forma de elo coesivo, pois indica claramente a quem se refere no texto. A reinci- dência do mecanismo atrelado a um mesmo referente estabelece a correferência e ao longo do texto apre- senta função anafórica. Quanto à coerência, a composição do todo com a utilização desses mecanismos favorece a compreensão dos sentidos. Quando o sinalizante decide empilhar mecanismos associados ao corpo em uma posição es- pecífica referencial, o sentido almejado é o de indicar relações de tais mecanismos com a referência em si. Em contraste, a oposição de posições referenciais por meio do posicionamento do corpo ou de alternância de perspectivas, ou mesmo no caso do antropomor- fismo e do uso das mãos para indicar partes do corpo podem evidenciar referências alternadas no discurso que precisam ser associadas de forma consistente a cada ponto. Isso garante a compreensão do sentido proposto pelo sinalizante. A simultaneidade também é um mecanismo de coe- são que garante a coerência nas línguas de sinais. Vi- mos na Libras, que o uso da mão não dominante pode ser estendido ao longo de enunciados com a produ- ção concomitante da mão dominante fazendo referên- cia à mão não dominante, a qual mantém a referência Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 78 79 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS a algo introduzido por ela mesma. Esse mecanismo co- esivo é específico das línguas de sinais por ser viabili- zado visualmente e de forma simultânea ao que está sendo dito. Síntese da unidade 4- Corpo na estrutura da Libras Nessa unidade, analisamos em mais detalhes o uso do corpo na Libras. O corpo é algo que integra as lín- guas de sinais, línguas visuais-espaciais. Ao privilegiar o corpo como mecanismo gramatical, as línguas de si- nais potencializam a composição de sentidos. Vimos que o corpo pode ser usado de diferentes formas para garantir a coesão e a coerência. Entre os mecanismos estudados, analisamos o uso do posicionamento do corpo, a alternância de perspectivas por meio do cor- po, o uso de partes do corpo, o uso da mão não do- minante concomitantemente à mão dominante produ- zindo diferentes sentidos e, ainda, uma forma de uso criativo do corpo que se apresenta pelo antropomor- fismo. Atividades 1) Veja o uso do antropomorfismo no poema “Bola de sinuca”, de Fábio de Sá, e identifique os usos do cor- po para expressar o objeto. Marque V para verdadeiro e F para falso, após analisar o vídeo. a. ( ) Antropomorfismo é aplicado no jogador. b. ( ) Antropomorfismo é aplicado na bola de sinuca. c. ( ) Antropomorfismo é aplicado no taco de sinuca. d. ( ) O poeta alterna entre a perspectiva dos jogadores e da bola de sinuca. e. ( ) O poeta alterna entre a perspectiva do taco e da Vídeo do poema “Bola de sinuca”, de Fábio de Sá. bola de sinuca. f. ( ) O poeta alterna entre o narrador e os jogadores de sinuca. Feedback: No poema “Bola de sinuca”, de Fábio de Sá, o poeta utiliza o antropomorfismo especialmente na bola de sinuca, alvo da jogada. Ele alterna entre a bola e o jogador, assim como entre a bola e as demais bolas no papel de narrador. Em alguns momentos ele apli- ca o antropomorfismo no taco de sinuca também, mas retoma o antropomorfismo na bola, que é o tema prin- cipal do poema. A bola expressa sentimentos em rela- ção a sua movimentação pelos jogadores, assim como seus temores em relação à batida do taco e expressa também as suas emoções em relação às consequên- cias da batida do taco e das batidas em outras bolas até cair na cesta. 2) Você vai ler a história “O asno e o cavalo” e se filmar narrando-a, tendo como público-alvo imaginá- rio pessoas surdas. Depois de produzir o vídeo, assis- ta-o novamente e identifique em que posição marcada você utilizou seu corpo para identificar cada referente por meio do corpo e faça uma lista. “O asno e o cavalo” Um asno, de passo tardo, mal podendo suportar o pesadíssimo fardo que tinha de carregar, pediu ao Cavalo: - Amigo, podes dividir comigo a carga que mal suporto? Se assim continuar, muito em breve estarei morto. O Cavalo respondeu: - Com isso pouco me importo. Sem demora, o Asno morreu. Então o dono dos dois transferiu para o Cavalo todos os sacos de arroz. E foi assim que um esperto acabou bancando o otário e pagou um alto preço porque não foi solidário. Fonte: Qdivertido, acessado em 26/09/2020. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 80 81 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS A seguir, há um checklist para você identificar no seu próprio vídeo produzido em Libras: ( ) corpo na posição de narrador ( ) corpo como sujeito da sentença ( ) corpo com posicionamentos diferenciados (para trás e para frente) associados aos referentes ( ) corpo com alternância da perspectiva entre o narrador e os demais personagens ( ) antropomorfismo ( ) referência espacial por meio de pontos no espaço ( ) referência com a utilização de pronomes (apontações) ( ) direção do olhar Feedback: Para narrar a história, você provavelmente deve ter usado o corpo para indicar a posição do nar- rador, o corpo para alternar a referência entre o nar- rador e outros personagens da história, o corpo como sujeito da sentença, a face para expressar emoções, a direção do olhar, o antropomorfismo para incorporaremoções no objeto e posições corporais, além dos me- canismos gramaticais espaciais e de referência estu- dados nas unidades 2 e 3. COMPONENTES MACRO DO TEXTO EM LIBRAS: ESTRUTURA NARRATIVA Objetivos Identificar os elementos que constituem a estrutura narrati- va em Libras por meio da segmentação das narrativas e das partes que a compõem. Nesta unidade, vamos verificar como se estabelece a estru- tura da composição das narrativas em Libras. Há elementos que constituem a segmentação do texto e da estrutura nar- rativa que já foram identificados em produções em Libras a partir do desenvolvimento de pesquisas (NEVES, 2012; LEITE, 2008). 55 Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 82 83 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Conceitos Narrativa envolve um gênero textual bastan- te disseminado nas comunidades surdas brasilei- ras. Como observado por Bahan & Supalla (1995), uma narrativa pode ser contada por um surdo uma única vez ou ser recontada inúmeras vezes entre os surdos e passar de geração em geração. Isso acontece devido ao fato de as comunidades sur- das manterem uma tradição eminentemente oral, ou seja, as histórias não são escritas, mas são conta- das um para o outro para serem passadas a diante. A segmentação é importante para a composi- ção da estrutura macro de um texto que pode com- preender a estrutura narrativa. Macro refere ao todo que é dividido em várias partes a partir da segmen- tação. O sinalizante divide unidades enunciativas maiores dentro do discurso, como os blocos textu- ais que apresentam diferentes finalidades dentro do todo. Esses blocos envolvem pedaços com a finalida- de de introduzir, de explicar, de apresentar o que se quer falar e de concluir, cada grande bloco desses envolve macroestruturas menores que são delimita- das através de mecanismos de segmentação. Ainda dentro de cada bloco, há outros mecanismos de seg- mentação para iniciar e terminar um enunciado me- nor que pode envolver sentenças. Dentro das senten- ças, também teremos outros elementos para indicar a segmentação dos constituintes (as frases nominais, as frases verbais, as frases adjetivais e as frases ad- juntas). Dentro das frases, ainda temos a segmentação entre os sinais que nos permitem identificar a palavra. A estrutura narrativa nas línguas de sinais envol- ve agrupamentos de sinais associados à direção do olhar que estabelece contrastes referencias com uni- dade rítmica por meio do uso do espaço associado aos movimentos, aos contrastes entre os pontos esta- belecidos, à direção do olhar e aos posicionamentos do corpo. Esses agrupamentos podem estar dentro de um agrupamento maior, que formam uma unidade discursiva, e se combinarem para formar estrofes, ou seja, unidades ainda maiores. Essas unidades maiores podem compor conjuntos maiores ainda e que podem ser chamados de seções. Bahan e Supalla (1995, p. 177- 180) identificaram alguns elementos que indicam seg- mentação dessas unidades na ASL conforme segue: Pausa – As pausas determinam a segmenta- ção dos pedaços de cada parte da narrativa pro- duzida. O tamanho das pausas está relaciona- do com o tipo de quebra estabelecida na unidade da narrativa, da menor para maior, refletindo em uma pausa menor a uma maior, respectivamente. Movimento de cabeça – Há um tipo de movimen- to de cabeça que está associado ao final da senten- ça, funcionando como uma certa afirmação que se aplica em sentenças declarativas. Parece que o movi- mento da cabeça é um tipo de mecanismo para indi- car o final da sentença dentro da estrutura narrativa. Comportamento dos olhos – O comportamento dos olhos inclui dois tipos de ocorrências: piscar de olhos e breves movimentos que caracterizam um desvio do olhar para as mãos. Esses dois tipos de ocorrências pa- recem indicar a fronteira de constituintes da estrutura. Comportamento da direção do olhar – A direção do olhar parece ter mais funções no decorrer da nar- rativa, podendo envolver a direção para o interlocu- tor, a direção do olhar para os personagens que in- tegram a narrativa e para as mãos do sinalizante. A manutenção ou a retomada da direção do olhar com o interlocutor tem a função de manter o interesse dele na história contada. No caso do uso da direção do olhar para os personagens introduzidos ou men- Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 84 85 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS cionados durante a narrativa, acontece quando há o reposicionamento do narrador com alternância de perspectiva. Nesse caso, o olhar não é do narrador em si, mas de quem ele está incorporando, do per- sonagem, e de sua respectiva perspectiva. O uso da direção do olhar para as mãos é uma forma de con- vidar o interlocutor a olhar para a narrativa em si. A questão das fronteiras entre partes da narrativa nas línguas de sinais é algo pouco estudado. As marca- ções de pausa, o movimento da cabeça e o piscar dos olhos indicam essas quebras. Os tipos de direção do olhar aplicados ao longo da narrativa também contri- buem para a identificação dessas quebras de constituin- tes, oferecendo indícios da segmentação das unidades. Leite (2008) analisou a segmentação na conversação espontânea entre surdos. Na conversa, eles contam coi- sas um para o outro. O foco do autor envolve os atos de fala que, apesar da diferença do tipo textual produzido, indicam elementos que também foram observados por Bahan e Supalla (1995). Leite observou que a segmenta- ção envolve alguns mecanismos recorrentes, tais como: a) Identificação das fases da produção gestual (preparação, realização dos sinais e retração parcial e total); b) Fechamento prolongado dos olhos; c) Aceleração para a unidade seguinte; d) Itens lexicais de licenciamento de turnos; e) O olhar com função de gerenciar as transições (e trocas de turnos); f) Convergência de olhar (sinalizante e interlocu- tor); e g) Divergência do olhar (sinalizante e outra coisa, não para o interlocutor, mantém o turno). Leite (2008) também identificou aspec- tos prosódicos usados na Libras. Segue o qua- dro síntese das marcas formais de salientação da Libras no âmbito do discurso, de Leite (2008, p. 256). (UEs se refere à “unidades entoacionais”): Marcas formais prosódicas de segmentação na Libras Nível Tipo Função Prosódica MANUAL Alongamento final a) manutenção da suspen- são pós-golpe ou da suspensão indepen- dente b) reiteração dos movimen- tos repetitivos internos ao golpe c) transformação de uma fase expressiva formada por suspensão independente em uma fase expressiva forma- da por golpe Marcação de disjunção na cadeia de fala, delimi- tando fronteiras entre UEs e/ ou trechos maiores de discurso Reduções fonético-fonoló- gicas a) sobreposição da fase expressiva de um sinal com a fase de preparação de outro sinal b) elisão de movimentos repetitivos internos ao golpe c) retenção bastante breve da suspensão independente nas fases expressivas sem golpe d) assimilação da configura- ção de mão do sinal subsequente pelo sinal inicial e) abreviação dos movimen- tos repetitivos internos ao golpe Marcação de junção na cadeia de fala, fortale- cendo a coesão interna da UE Gestos atencionais coesos a) espacialização dos sinais Delimitação de UEs e/ou trechos maiores de discurso Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 86 87 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS NÃO-MANUAL Sinais não-manuais a) piscada de olhos b) acenos de cabeça c) retomada do contato visual d) espraiamento de imagens bucais Marcação de disjunção na cadeia de fala, delimi- tando fronteiras entreUEs e/ ou trechos maiores de discurso Marcação de junção na cadeia de fala, fortale- cendo a coesão interna da UE Gestos atencionais coesos a) expressões faciais b) posicionamentos e/ou movimentos da cabeça c) orientações e/ou movi- mentos do tronco d) direcionamento e/ou movimentos do olhar Delimitação de UEs e/ou trechos maiores de dis- curso Quadro de Leite (2008,p.256) Golpe diz respeito ao tipo de movimento que o si- nal faz na sua execução efetiva, veja o exemplo a seguir: Na produção do sinal DIFERENTES, realizado pela Ma- rianne Rossi Stumpf, observamos que ela o inicia com um pré-golpe, realiza o sinal com movimentos repeti- dos e interrompe-o no pós-golpe associado à direção do olhar que acompanha a trajetória do movimento até retomar o olhar com o interlocutor junto ao alon- gamento final do sinal (encerrando-o, portanto) para proceder com a próxima unidade discursiva. O gesto da boca associado ao sinal DIFERENTES se espraia ao longo da execução do sinal sobre todas as repetições mantendo a unidade coesiva. Ao final, a alteração da expressão facial com os olhos mais abertos retomando o contato do olhar com o interlocutor anuncia o en- cerramento de um trecho da fala e, ao mesmo tempo, o reestabelecimento do engajamento do interlocutor no discurso. Neves (2012) fez uma análise da estrutura das narrati- vas na Libras, a partir de estudos sobre outras línguas de sinais e com base em Labov & Waleztky (1967, apud NEVES, 2012). Por exemplo, Morgan (2002) identifica dois tipos de espaço nas línguas de sinais: (1) o espaço refe- rencial fixo e (2) o espaço referencial alternado. No pri- meiro tipo de uso de espaço referencial, os movimentos dos sinais acontecem tomando o ponto espacial esta- belecido previamente, conforme já vimos na unidade sobre espaço referencial a partir de estabelecimento de pontos referenciais. O segundo tipo de espaço refe- rencial é o alternado, no qual o sinalizante utiliza o pró- prio corpo, conforme vimos na unidade sobre o corpo em alternância de perspectivas. Neves (2012) também identificou o uso da simultaneidade como um meca- nismo produtivo nas narrativas em língua de sinais. Por exemplo, o narrador utiliza o corpo, a face, o olhar, as mãos para produzir eventos que acontecem ao mesmo tempo. O encadeamento de eventos é produzido se- quencialmente acompanhado de produções que indi- cam a simultaneidade, assim os narradores escolhem a ordenação e a sobreposição dos eventos ao longo Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 88 89 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS da trama narrada. A possibilidade da simultaneidade dos eventos sobrepostos nas línguas de sinais decorre da especificidade da modalidade dessas línguas. Labov & Waleztky (1967, apud NEVES, 2012, p. 54-55) apresentam os componentes da estrutura das narra- tivas nas línguas: (1) Resumo (introdução da história que dá uma ideia ge- ral do que será tratado) (2) Orientação (definição da cena com apresentação do tempo, do lugar, dos personagens e do espaço) (3) Complicação (descrição da ação e dos eventos da história configurando a principal parte da narrativa) (4) Avaliação (revelação da atitude do narrador em re- lação à história, enfatizando a importância das partes da narrativa) (5) Resolução (indicação do final da narrativa descreven- do a solução ou o resultado que pode envolver a indicação de um problema a ser considerado depois da história conta- da) (6) Coda (fechamento da narrativa) Nem sempre todos os elementos da estrutura estão presentes, embora a etapa da complicação seja im- prescindível. Na Libras, Neves (2020) identifica elemen- tos que compreendem a estrutura narrativa apresenta- da por Labov e Waleztky (1967). A partir das análises de Neves (2012; 2020) e de Bahan e Supalla (1995), vamos analisar a estrutura de uma narrativa em Libras. Vamos apresentar a estrutura da narrativa conside- rando o vídeo assistido: ASSISTIR AO VÍDEO “História do SignWriting”, de Débora Campos (Vídeo produzido para a Signa). Estrutura da Narrativa Elementos estruturais identificados em “História do SignWriting” Resumo PRIMEIRO VOU EXPLICAR A HISTÓRIA DE COMO O SIGNWRITING FOI CRIADO A PARTIR DA HISTÓ- RIA DA ESCRITA QUE SE ESTABELECEU HÁ MUI- TOS ANOS. Olhar alterna entre o interlocutor e o SignWriting Orientação INTRODUÇÃO SOBRE A CRIAÇÃO DA ESCRITA, A ESCRITA DA PEDRA, DEPOIS DA CRIAÇÃO DE CÓ- DIGOS CONVENCIONALIZADOS, ATÉ A CRIAÇÃO DO ALFABETO COM OBJETIVO DE COMUNICA- ÇÃO ATEMPORAL, DA PEDRA, PARA O PAPEL E PARA RECURSOS TECNOLÓGICOS. ISSO LEVOU MUITOS ANOS, MAS ATÉ HOJE NEM TODAS AS LÍNGUAS TÊM UMA ESCRITA. Olhar alterna entre o interlocutor e os elemen- tos introduzidos na narrativa, chamando a atenção para a história e retomando o olhar com o interlocutor de forma sistemática. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 90 91 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS O piscar dos olhos é marcado a cada fim de constituinte acompanhado de pausas mais curtas ou mais longas de acordo com a unida- de discursiva. Segue um exemplo da etapa da orientação na qual a narradora conclui a apre- sentação do tempo (desde a idade da pedra até os dias de hoje, evolução da escrita, situa a escrita em diferentes países, informa que nem todos as línguas possuem uma representação escrita). Complicação ENTÃO A MESMA COISA ACONTECEU COM AS LÍNGUAS DE SINAIS. NARRAÇÃO DE TODA A HIS- TÓRIA DA CRIAÇÃO DA ESCRITA DAS LÍNGUAS DE SINAIS. Há uma escrita de sinais no Brasil? Sim, há sim. Aqui, ela introduz a complicação com a pergun- ta fechando com o piscar dos olhos e responde positivamente movimentando a cabeça com a direção do olhar para o interlocutor. Ao longo da complicação, ela conta a história da criação da escrita de sinais no Brasil, utilizando alter- nância na direção do olhar e do posicionamen to do corpo. Move a cabeça para manter a apre- sentação de forma afirmativa e utiliza todos os mecanismos referenciais estudados previamen- te para compor a narrativa. Avaliação NOSSA A ESCRITA DE SINAIS JÁ SE ESPALHOU POR TODO O BRASIL COM A FORMAÇÃO DE VÁ- RIOS PROFESSORES QUE USAM A ESCRITA DE SINAIS. POR EXEMPLO, EU MESMA QUE ESTOU ENSINANDO VOCÊS. Resolução Não há Coda Fechamento com a informação de que a escrita está espalhada e tomou uma grande dimensão em todo o Brasil. REVEJA O VÍDEO “História do SignWriting”, de Débora Campos, EDITADO, para acompanhar alguns mecanismos aplicados na narrativa que foram indicados por Bahan e Supalla (1995), assim como quando os passos da estrutura da narrativa aparecem no vídeo. Coesão e coerência textuais nas narrativas A coesão das narrativas é determinada pelo uso dos mecanismos gramaticais do espaço referencial, do posicionamento do corpo, da alternância de pers- pectivas, das alternâncias entre as direções do olhar para as mãos, para a história e para o interlocutor, das pausas e do piscar do olhar. Também pela composi- ção das partes da narrativa que compreendem texto, pelos elementos que combinam os enunciados e pela combinação das palavras para formar frases incluindo elementos coesivos na forma de sinais (sinais de como, porque, quando, mas, então, por exemplo). A estrutura da narrativa garante a coerência com o desencadeamento da história com uma introdução que pode envolver o resumo e a orientação, o desen- volvimento que acontece por meio da complicação, a avaliação e resolução que pode incluir o fechamento ou ser desdobrada com a coda (fase final), que encerra Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 92 93 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTESGRAMATICAIS a história (exemplo: “então aqui encerramos a história sobre ...”). Essas etapas não necessariamente aconte- cem em todas as narrativas. De qualquer modo, uma introdução, um desenvolvimento e um fechamento são fundamentais para a coerência do texto apresentado. Darley Goulart Darley Gourlat conta a história “O Ovo e a Gansa” seguindo as etapas da estrutura da narra- tiva. Nela, ele inicia com o resumo, convidando os seus interlocutores a imaginarem uma situação com duas coisas as quais ele está oferecendo. Essa breve introdu- ção configura o resumo e na sequência ele efetivamen- te introduz a história do “Ovo” (do seu lado esquerdo, virando o corpo para esse lado) e da “Gansa” (do seu lado direito, virando o corpo para esse lado). Ao lon- go da história, ele vai alternar entre os lados esquerdo e direito para posicionar o corpo de acordo com as referências introduzidas nessa parte da narrativa e faz a pergunta “qual dos dois você vai escolher?”, ou seja, que corresponde à orientação. Nessa introdução, Darley Goulart Darley utiliza a alternância do olhar, faz pausas curtas para marcar unidades e pausas mais longas para delimitar os constituintes. ASSISTIR AO VÍDEO “O Ovo e a Gansa”, narrado por Darley Goulart Darley Gourlat (Vídeo produzido para a Signa). RESUMO ORIENTAÇÃO Após a introdução, o desenvolvimento da narrati- va se desenrola, a etapa da complicação, na qual ele vai supor as escolhas e justificá-las. Nessa etapa da narrativa, ele continua utilizando a alternância entre os dois referentes, à esquerda a à direita, através da apontação, da direção do olhar e do posicionamento do corpo, fazendo uma alternância entre indagações ao interlocutor e supostas respostas, apresentando vantagens e desvantagens entre uma e outra alterna- tiva escolhida. Em todas as perguntas direcionadas ao interlocutor e respostas dadas por ele, há alternância de posicionamento do corpo correspondendo à op- ção em análise (para esquerda, o ovo, ou para a direita, a gansa). Quando ele comenta sobre a gansa, utiliza também a alternância de perspectiva entre o animal (direcionando o olhar da perspectiva da gansa para a comida), o narrador (com o olhar retomado com o interlocutor) e o interlocutor (direcionando o olhar do interlocutor no corpo para a gansa). Depois de apre- sentar as opções, ele introduz a avaliação por meio do sinal ESPERAR e apresenta a moral da história: as pessoas só pensam no imediato, não pensam a longo termo. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 94 95 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Complicação Avaliação Para encerrar a história, ele questiona o interlocutor: “e você?”, apresentando as duas opções e concluindo a narrativa. A coesão está estabelecida na narrativa “O Ovo e a Gansa” pelo uso dos mecanismos gramaticais que en- volvem o espaço referencial: apontar para um lado e para o outro e referir esses lados de forma consistente ao longo da história, o lado esquerdo para o “ovo” e o lado direito para a “gansa”. Também a coesão apresen- ta consistência devido ao uso do posicionamento do corpo que alterna entre o ovo e a gansa de um lado e do outro, bem como a posição neutra do narrador e a posição do interlocutor diante da escolha pelo ovo ou pela gansa. A direção do olhar é alternada sistemati- camente. As pausas são feitas estabelecendo os cons- Coda tituintes. A coesão, portanto, está garantida. A coerên- cia foi estabelecida por conta da aplicação das etapas da estrutura de uma narrativa: o resumo, a orientação, a complicação, a avaliação e a coda. Síntese da unidade 5 - A estrutura narrativa na Libras Nessa unidade analisamos em mais detalhes os ele- mentos que constituem a estrutura narrativa na Libras a partir da segmentação dos componentes estruturais da composição de uma história. Analisamos compo- nentes da própria língua que são usados na produção de contação de histórias ou de narração de eventos para segmentar as unidades enunciativas, como o uso das pausas, mais curtas e mais longas; os movimentos da cabeça, especialmente ao final das unidades enun- ciativas garantindo o engajamento do interlocutor; o comportamento dos olhos, incluindo a piscada deles e o movimento que essa parte do corpo faz ao acom- panhar o sinal e sua trajetória; a direção do olhar que alterna entre referentes e envolve a retomada do olhar com o interlocutor; e o comportamento da boca que acompanha os sinais se espraiando sobre constituin- tes. Também estudamos a estrutura das narrativas, considerando sua introdução (resumo e orientação), o desenvolvimento (complicação) e fechamento (avalia- ção e coda). Os aspectos associados com as unidades entoacionais (aspectos prosódicos) estão mais relacio- nados com o estabelecimento da coesão textual, en- quanto que os elementos de estruturação da narrativa são fundamentais para garantir a coerência, ou seja, o sentido do que está sendo contado. Atividades 1 ) Assista ao vídeo “Congresso de Milão e a Lín- gua de Sinais”, por Edinata Camargo (Signa), e regis- Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 96 97 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS tre os diferentes indicadores de marcação segmental da narrativa identificados no vídeo. Marque a seguir identificando cada um desses mecanismos e descreva algumas das ocorrências observadas: a.( ) Pausa ______________________________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ b.( ) Movimento da cabeça ___________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ c.( ) Comportamento dos olhos ________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ d.( ) Comportamento da direção do olhar _______________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ e.( ) Comportamento da boca _________________________ ____________________________________________________________ ____________________________________________________________ Feedback: A narrativa de Edinata Camargo sobre o Congresso de Milão apresenta pausas curtas e longas ao longo da exposição, associadas com o piscar dos olhos para indicar blocos mais pontuais que compre- endem a estrutura da narrativa, como unidades de constituintes (sujeito e predicado, unidades discursi- vas e adjuntos), bem como a delimitação das senten- ças (por exemplo, interrogativas, declarativas, negati- vas e estruturas retóricas). A direção do olhar para os sinais, assim como a direção do olhar para os referen- tes, é recorrente como mecanismo coesivo, algumas ve- zes associadas a posicionamento do corpo indicando temporalidade e referência. 2 ) No vídeo em Libras “Existe ainda comunidade surda em 2019?”, que já assistimos na unidade 3, temos um documentário da Signa sob a direção de Darley Goulart. Ele inicia a entrevista com a seguinte pergun- ta: “Como era a sua vida antes do seu envolvimento na comunidade surda?”. Veja as respostas a essa pergun- ta, identifique os componentes da narrativa em cada uma das respostas e marque abaixo os que foram identificados: a. Introdução (resumo e/ou orientação) b. Complicação (desenvolvimento do tema) c. Avaliação (avaliação pessoal de aspectos relati- vos ao tema) d. Coda (fechamento) Feedback: Em todas as respostas o foco foi responder a pergunta, portanto todos foram direto para a com- plicação. A complicação foi o foco do que narraram, não houve uma introdução nem um fechamento,ape- nas o desenvolvimento do tema referente à pergunta, ou seja, a resposta à pergunta “como foi sua vida antes do seu envolvimento na comunidade surda?”. A respos- ta é eminentemente informativa, mas em alguns casos apresenta a avaliação também. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 98 99 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS COMPONENTES DO TEXTO EM LIBRAS: AS FRASES Objetivos Verificar a composição sentencial da Libras a partir dos tipos de verbos: simples, com concordância, manuais e classifica- dores. Analisar a produção de sentenças através do uso de verbos em série. Nesta unidade, será apresentada a sentença na Libras com- posta por constituintes, ou seja, por unidades gramaticais com componentes sintáticos, morfológicos e semânticos (pa- lavra, sintagma e frase) que ocorre como elemento de uma estrutura maior. São subcomponentes da sentença (ou frase) que compreendem os sintagmas nominais, verbais, adjetivais ou adjuntos. Vamos estudar os diferentes tipos de verbos da Libras: verbos simples, verbos de concordância, verbos manuais e classifica- dores predicativos que podem sempre incluir argumentos ex- ternos e internos de acordo com o tipo de sentença. Após co- nhecer os tipos de verbos e sua distribuição na Libras, vamos analisar alguns tipos de sentença: estruturas declarativas, interrogativas e negativas. Também vamos estudar as cons- truções com verbos em série, que são específicas da Libras. 66 Conceitos A composição das sentenças na Libras compreende a combinação de sintagmas para formar sentenças. Os sintagmas podem ser nominais, verbais, adjetivais, preposicionais e, ainda, conter adjuntos a eles conec- tados. O sintagma nominal tem um substantivo como núcleo, o sintagma verbal tem um verbo como núcleo, os sintagmas adjetivais têm um adjetivo como núcleo e o sintagma preposicional tem uma preposição com núcleo. Já os adjuntos, quando conectados aos sin- tagmas, modificam estes. Por exemplo, podemos ter um adjunto temporal com advérbios de tempo: ONTEM, HOJE, AMANHÃ, FUTU- RO, PASSADO ou um adjunto de modo: SEMPRE, FRE- QUENTEMENTE, ESPORADICAMENTE, CONTINUA- MENTE, DIARIAMENTE, SEMESTRALMENTE e assim por diante. Os sintagmas podem ter mais de uma palavra, dependendo do sintagma. Por exemplo: Na sentença: O João gosta da Maria. Temos os seguintes sintagmas: 1 Sintagma Nominal (SN): [O João] 1 Sintagma Verbal (SV): [gosta da Maria] que inclui um Sintagma Preposicional (SP) [da Maria] que inclui, por sua vez, outro Sintagma Nominal [a Maria] Então a organização dos subconjuntos da sentença fica da seguinte forma: [ [O João]SN [gosta [d+ [a Maria]SN]SP]SV]Sentença Na Libras, acontece da mesma forma: Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 100 101 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Esses dois exemplos, do português e da Libras, res- pectivamente, apresentam sentenças simples. Os sin- tagmas se combinam a partir do verbo que pode sele- cionar argumentos externos e internos. Como já vimos, o argumento externo ocupa a posição de sujeito da sentença e os argumentos internos ocupam as posi- ções de objeto, que pode ser direto ou indireto. Assista ao vídeo seguinte, com o qual ilustraremos o uso de alguns tipos de verbos da Libras, na medida em que iremos abordando cada um deles a seguir. ASSISTIR AO VÍDEO “Ser Surdo”, de Edinata Camargo (Vídeo produ- zido para o curso imersão em Libras da Signa). Os tipos de verbos na Libras podem ser descritos considerando a sua composição morfológica, ou seja, se menos ou mais flexão e, assim, contendo menor ou maior complexidade morfológica. A seguir, apresenta- mos as categorias dos verbos da Libras, começando com os mais simples até os mais complexos do ponto [[ESTA ÁRVORE]SN [SABER [HISTÓRIA]SN ]SV ]Sentença de vista morfológico: - Verbos simples – sem marcação de concordân- cia pessoal, verbos que normalmente são ancorados no corpo. A própria forma com a qual essa categoria é referida já indica a sua simplicidade. Os verbos simples podem estar associados com o sujeito da sentença ex- presso no corpo, mas não se movem de um referente para o outro para incorporar o sujeito e o objeto da sentença. Eles até podem ser produzidos sobre um ponto no espaço, caso não sejam ancorados no corpo, caso contrário, não é possível empilhá-los sobre pon- tos no espaço previamente estabelecidos. Os verbos simples podem ter flexão para aspecto, ou seja, estar associados com marcação de modo por meio do movi- mento que pode indicar intensidade, continuidade ou incompletude da ação, por exemplo. CONHECER CONHECER-INTENSAMENTE Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 102 103 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS SONHAR-INTENSAMENTE SONHAR SONHAR-DEVANEI Segue um exemplo de uma sentença com verbo sim- ples produzida pela Edinata Camargo no texto “Ser Surdo”: Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 104 105 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Nesse exemplo, há dois verbos da Libras: EXPERIEN- CIAR e CRESCER. Os dois são considerados verbos simples, pois não apresentam concordância verbal. O verbo EXPERIENCIAR é considerado um verbo ancora- do no corpo, ou seja, ele é produzido associado a uma localização do corpo, no caso a cabeça, na têmpora direita. O verbo CRESCER é produzido no espaço de si- nalização e pode ser empilhado com o referente. Nesse caso, o verbo CRESCER foi empilhado na posição na qual o sinal da ÁRVORE a que se refere foi produzido, ou seja, no lado direito a partir da perspectiva da sina- lizante. - Verbos com concordância – com marcação de concordância pessoal, são verbos que normalmente apresentam uma trajetória no espaço de um ponto ao outro do espaço e/ou do corpo. Há um grupo de ver- bos de concordância que concordam com o locativo, ou seja, com o ponto no espaço que se refere à locali- zação espacial. Os verbos com concordância apresen- tam uma complexidade morfológica maior do que os verbos simples, porque flexionam para as pessoas do discurso, ou seja, incorporam as posições referenciais para marcar a relação gramatical entre elas. A partir ESTA ÁRVORE EXPERIENCIAR SOL CHUVA CRESCER. dessas relações estabelecidas pela flexão, é possível identificar o sujeito e o objeto da sentença a partir do verbo. Segue um exemplo de uso de verbo com concordân- cia pela Edinata Camargo: ELE-AVISAR-ELAELE-AVISAR-EU EU-AVISAR-VOCÊAVISAR Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 106 107 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Nesses dois exemplos, Edinata Camargo usa o verbo com concordância EXPLICAR. A sinalizante estabelece a concordância entre a ÁRVORE, como sujeito da sen- tença, e ela mesma na primeira pessoa marcada pelo corpo. Assim, o verbo inicia na posição da ÁRVORE e se move numa trajetória até posição em que está o cor- po da sinalizante: (árvore-b)EXPLICAR(eu), na sentença subordinada à sentença principal ELA PRECISAR que seleciona a oração (árvore-b)EXPLICAR(eu). Na segunda TAMBÉM (eu)PRECISAR (eu)EXPLICAR(árvore) ELA PRECISAR NÃO (árvore-d)EXPLICAR(eu) sentença, Edinata diz que também não precisa explicar algo para a árvore. Nesse caso, a primeira pessoa é o sujeito e a árvore passa a ser o objeto: (eu)EXPLICAR(ár- vore), invertendo a direção do movimento da primeira pessoa até a árvore. O verbo da oração principal,PRE- CISAR, é um verbo simples. - Verbos manuais – são aqueles que utilizam a mão de forma instrumental incorporando ou seguran- do o objeto. Esses verbos apresentam uma complexi- dade morfológica fundamentalmente porque incor- poram o objeto na própria mão que produz o verbo simultaneamente. (Signa)ABRIR-PORTA e (Signa)ENTREGAR-OVOS(você) CORTAR-COM-TESOURA Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 108 109 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS O exemplo a seguir, de Darley Goulart, apresenta o verbo ABRIR incorporando a porta e o verbo ENTRE- GAR incorporando os ovos (previamente Darley inseriu o sujeito da sentença que foi omitido e que se refere a alguém da Signa): O exemplo a seguir, de Darley Goulart, apresenta o verbo ABRIR incorporando a porta e o verbo ENTRE- GAR incorporando os ovos (previamente Darley inseriu o sujeito da sentença que foi omitido e que se refere a alguém da Signa): Nesse exemplo, a mão incorpora a porta para o si- nal de ABRIR e faz o movimento de “abrir a porta” e o sinal de ENTREGAR tem incorporado os ovos nas mãos e realiza o movimento de trajetória, no qual o sujeito é alguém-da-Signa que entrega os ovos para o interlo- cutor. - Classificadores predicativos – são verbos po- limorfêmicos, ou seja, que apresentam muitos morfe- mas. Os classificadores apresentam uma configuração de mão que representa uma classe de palavras e po- dem apresentar o sentido do sinal referente incorpora- do associado a várias outras informações que compre- endem o evento, a localização e o modo como o evento acontece. Os classificadores são altamente motivados pelo evento em si, pela sua forma e pelo jeito como acontece. (Signa)ABRIR-PORTA e (Signa)ENTREGAR-OVOS(você) Seguem exemplos retirados do vídeo do Darley Gou- lart: CL: OVO+NASCER+NASCER+NASCER Coloca vários ovos, um depois do outro. CL: PESSOA+ANDAR+PARA-LÁ+PARA-CÁ Uma pessoa andando para lá e para cá alegremente. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 110 111 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS CL: PESSOA+PULAR+CURTO A pessoa pula bem curto. CL: PATO+COMER+COMER+COMER A gansa comeu continuamente. CL: PATO+COMER+COMER+COMER A gansa comeu continuamente. Nesses exemplos de classificadores que incorporam o evento, a mão representa uma entidade que realiza uma ação de diferentes formas. No primeiro exemplo, uma pessoa está andando feliz da vida para lá e para cá. Esse movimento de ir para lá e para cá está incor- porado na configuração de mão que representa a pes- soa por meio do dedo indicador. No segundo, o OVO que foi apresentado na sua forma é colocado sucessi- vamente, assim o movimento é repetido algumas vezes para indicar essa sucessão de colocação de ovos para dar a ideia de que a gansa terá muitos ovos de ouro. No terceiro exemplo, a configuração de mão do sinali- zante indica animais que têm bico de pato para referir a gansa. Ele faz o movimento do bico e do pescoço da gansa para dar a ideia de comer de forma contínua a ração que está no chão para ficar bem alimentada. O quarto trecho envolve um classificador para pernas de pessoa (ou animal) que realiza um movimento curto indicando pular de um lugar para outro. Nesse caso, quer se referir às pessoas que querem encurtar cami- nho acreditando ser mais fácil. Em todos os exemplos, percebe-se que há uma motivação para realizar o sinal dessa maneira, incorporando a forma da configuração da mão, os movimentos e a locação. Os estudos indi- cam essa motivação como “iconicidade”. Iconicidade envolve uma semelhança entre o significante (a forma) e o significado (o sentido), entre a forma e a coisa ou o evento repre- sentado. É uma propriedade dos signos linguísticos para represen- tar por semelhança ou motivação o mundo real. Todos esses verbos impactam na estrutura da frase na Libras. Vamos discutir os diferentes tipos de estrutu- ras identificados na Libras sempre retomando as suas combinações a partir dos verbos usados. De maneira geral, os verbos mais densos do ponto de vista morfo- lógico acabam ficando no final da sentença, ou seja, verbos manuais e classificadores tendem a ficar sem- pre no final da frase com o sujeito e o objeto introdu- Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 112 113 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS zidos antes deles. Quando o verbo é de concordância, há uma flexibilidade maior, pois ele não é tão complexo morfologicamente como os classificadores e os verbos manuais. Assim, ele pode estar no meio da frase, como acontece com a maioria das sentenças em português, ou seja, aparecer dentro da ordem Sujeito-Verbo-Ob- jeto – SVO – ou ser produzido sozinho, porque é pos- sível identificar seus argumentos por meio da flexão (pontos referenciais incorporados no verbo); e, ainda, surgir no final da sentença, como acontece com os classificadores e os verbos manuais. Já os verbos sim- ples apresentam uma ordem mais rígida, pois eles não têm informações incorporadas para poder dar dicas de seus referentes, assim, normalmente, eles aparecem também na ordem Sujeito-Verbo-Objeto na sentença. Os tipos de frases a partir dos tipos de verbos Frases com verbos simples As frases com verbos simples normalmente se apre- sentam na ordem Sujeito-Verbo-Objeto. Quando o su- jeito está no corpo do sinalizante ele pode estar omiti- do, assim parece que há apenas um verbo e o objeto. A frase simples pode também contar com mais elemen- tos, como adjetivos e advérbios ou ainda outras frases que podem ocupar a posição de objeto, no caso de um objeto oracional em frases com estruturas subordina- das. Uma frase simples pode ser, inclusive, coordenada com outras frases. Vamos ver alguns exemplos: SURDO PRECISAR COMUNIDADE SURDA O surdo precisa da comunidade surda. Nesse exemplo, temos apenas uma frase simples com sujeito SURDO, o verbo PRECISAR e o objeto COMUNI- DADE SURDA, portanto compondo a ordem SVO. SURDO PRECISAR ENCONTRAR OUTROS SURDOS O surdo precisa encontrar outros surdos. Aqui, o verbo PRECISAR selecionou um objeto ora- cional: ENCONTRAR OUTROS SURDOS, que representa uma oração subordinada. PRECISAR ENCONTRAR SURDO IXxyz (Eu) preciso encontrar surdos. No exemplo, o sujeito está no corpo, ou seja, na pri- meira pessoa e pode ser omitido, assim a frase começa diretamente pelo verbo. Tipos de frases com verbos de concordância A frase declarativa é produzida na ordem SVO, mas apresenta mais flexibilidade, pois o verbo permite re- Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 114 115 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS cuperar mais facilmente os pontos referenciais incor- porados, diferentemente dos verbos simples que não apresentam essa possibilidade. O verbo ENCONTRAR é um verbo com concordância marcada, portanto pode ser produzido sem os argumentos pronunciados. ELEx xENCONTRARy SURDOy DEPOIS IDADE 12 PARA-CIMA Ele encontrou surdos depois dos 12 anos de idade. DEPOIS xENCONTRARy SENTIR VIDA MELHOR Depois de ter encontrado os surdos, sentiu que sua vida melhorou. Se a frase for negativa, pode ser incluída a negação associada à marcação não manual de negação, con- forme segue: ATÉ IDADE 12, ELE [ENCONTRAR SURDOS NÃO]neg Ele não encontrou surdos até os 12 anos. IX(ele) [NUNCA ENCONTRAR SURDO ATÉ IDADE 12] Ele nunca encontrou surdo até os 12 anos. A interrogativa pode incluir pronomes interrogativos e sempre está associada à marcação não manual in- terrogativa: [QUE IDADE ENCONTRAR SURDO PRIMEIRO?]interrogativaTambém, se você for professor de alunos surdos, poderá traba- lhar com eles tais componentes gramaticais no dia a dia da prática de ensino e aprendizagem para que os seus alunos consigam ter uma percepção mais precisa e utilizem a sua língua de forma mais apropriada de acordo com seus objetivos de comunicação. Caso você atue como intérprete ou tradutor de Libras, poderá usar esses conhecimentos gramaticais com mais cons- ciência para produzir sentidos de forma mais clara e precisa ao realizar suas atividades tendo o português como língua de origem e a Libras como a língua-alvo da sua atividade. No sentido inverso, você terá mais elementos linguísticos para perceber nuances grama- ticais da produção em Libras para realizar uma tradu- ção para o português de forma mais apropriada. Caso você seja um fonoaudiólogo que trabalha com clínica linguística em Libras, você contará com mais elemen- tos para identificar os desvios ou atrasos de lingua- gem de crianças surdas. Se você trabalha com softwa- res de reconhecimento facial ou corporal, saber sobre a gramática da Libras poderá contribuir diretamente para o desenvolvimento de seus materiais. Enfim, são várias as possibilidades de aplicação com as quais o conhecimento gramatical das línguas de sinais pode contribuir efetivamente, sobretudo em se tratando de suas práticas linguísticas e profissionais. Atividade inicial Antes de iniciar o estudo sobre a gramática da Libras, pense sobre o que você já viu sobre gramáti- ca na sua escolarização. Essa reflexão pode ser sobre a língua que você estudou na escola, por exemplo, a língua portuguesa ou a Libras. Quais as suas concep- ções sobre “gramática”? Você já discutiu sobre a dife- rença entre gramática tradicional e estudos gramati- cais na concepção da linguística? Você já conversou sobre os usos da gramática? Responda essas questões por escrito para retomá-las ao final do curso. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 10 11 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Os estudos gramaticais da Libras apresentados nes- te material compreendem uma introdução sobre os seus componentes gramaticais. A proposta foi organi- zada explorando aspectos macroestruturais, tais como os usos do espaço para fins gramaticais na Libras que incluem o estabelecimento referencial e a exploração do corpo como componente integrante da língua. A proposta também inclui os aspectos microestruturais, que envolvem mecanismos de coesão para compor os enunciados, assim como as unidades menores de sen- tido que são apresentadas por meio de sinais que se combinam entre si. A gramática apresentada aqui parte da unidade TEXTO em Libras, que compreende um conjunto de enunciados, que por sua vez envolve um conjunto de FRASES, que são compostas por conjuntos de SINAIS combinados entre si. Essa composição pode ser feita Conteúdo abordado neste material ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ de diferentes maneiras, apresentando formas diversas de organização para compor os sentidos que os sinali- zantes querem expressar. Neste material, a proposta é visualizar algumas possibilidades de combinações em produções na Libras. As unidades estão organizadas a partir de um objeti- vo específico que é estudado com base nos conceitos desenvolvidos e ilustrados por meio de exemplos em Libras. Após cada unidade, você irá realizar uma ativi- dade para consolidar os conhecimentos trabalhados. Inicialmente, serão abordados os usos do espaço gramatical e do corpo nas línguas de sinais a partir de textos em Libras. Os conceitos de espaço gramatical e a inerência do corpo nas produções gramaticais nas línguas de sinais serão estudados. Exemplos de usos do espaço e da interação do corpo na produção espa- cial de textos em Libras serão analisados. Ainda sobre os usos do espaço gramatical, serão es- tudados em detalhes os usos de referência na Libras. Quando as pessoas produzem textos, elas falam ou sinalizam sobre as coisas utilizando referências. Para isso, torna-se fundamental compreender as formas de estabelecer essas referências nas línguas de sinais. Então, o foco passará a ser o corpo. As línguas de TEXTO Enunciado - Enunciado - Enunciado Frase - Frase - Frase - Frase - Frase Sinal - Sinal - Sinal - Sinal - Sinal - Sinal - Sinal Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 12 13 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS sinais, assim como a Libras, usam o corpo nas produ- ções linguísticas. O corpo por meio de movimentos, posicionamentos, expressões faciais e mãos compõem sentido na Libras, e esses recursos são usados de for- ma regrada. O foco desta unidade estará nas ações construídas, na alternância de perspectivas, nas dire- ções do olhar, nas expressões faciais aplicadas pelo sinalizante para estabelecer unidades de sentido. A partir desses componentes macroestruturais, a estrutura narrativa será abordada. As narrativas en- volvem contação de histórias, casos, situações etc. As pessoas narram diferentes acontecimentos por meio de uma estrutura organizada para produzir sentido concatenado e coerente. Então, serão estudados os componentes nucleares da frase, com foco nos tipos de verbos e como eles impactam na estrutura da frase na Libras. Os verbos simples, os verbos com concordância, os verbos manu- ais e os classificadores são núcleos frasais que exigem composição frasal mais ou menos flexível por causa do grau de uso do espaço gramatical e do corpo. Também analisaremos a estrutura com a utilização de verbosCom que idade você encontrou surdo pela primeira vez? [IDADE ENCONTRAR SURDO PRIMEIRO?]interrogativa Com que idade você encontrou surdo pela primeira vez? Ainda, há perguntas polares, ou seja, que esperam uma resposta direta SIM ou NÃO e que sempre são associadas com a marcação não manual de pergunta polar. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 116 117 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS [VOCÊ ENCONTRAR SURDOS ANTES IDADE 4?]pergunta_polar Você encontrou surdos antes dos 4 anos de idade? Os verbos manuais apresentam uma distribuição mais diferenciada, assim como os classificadores, pois tendem a ser produzidos ao final da frase, uma vez que apresentam muita informação de ordem morfológica, ou seja, muitos morfemas. EU LIVRO COLOCAR-LIVRO Eu coloco o livro na estante. A frase negativa mantém o verbo no final da frase, mas nesse caso é possível marcar a negação no es- copo de toda sentença ou topicalizar os argumentos previamente introduzidos e iniciar a marcação não manual da negação a partir do verbo. Mas, nesse caso, o sinal de negação vai aparecer no final da sentença, depois do verbo: [EU LIVRO COLOCAR-LIVRO NÃO]negativa Eu não coloquei o livro na estante. [EU] [LIVRO]tópico [COLOCAR-LIVRO NÃO]negativa Eu, o livro, não coloquei na estante. Os argumentos podem ser topicalizados, como ilus- trado nesse último exemplo. As posições de tópico são mais altas porque apresentam destaque. Esse desta- que dado aos argumentos normalmente está asso- ciado com a marcação não manual de elevação das sobrancelhas. A negação não foi associada ao tópico porque está acima da sentença, é como se dissesse que sobre “eu e o livro” digo que não o coloquei na es- tante. Vejam que os argumentos são destacados pri- meiro para depois serem referidos na frase tanto posi- tiva como negativamente. Nesse caso, a frase seguinte é uma negação. Da mesma forma acontece nas interrogativas, o ver- bo fica na posição final: Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 118 119 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS [QUEM LIVRO COLOCAR-LIVRO?]interrogativa Quem colocou o livro na estante? A pergunta polar mantém a mesma estrutura: [VOCÊ LIVRO COLOCAR-LIVRO?]pergunta_polar Você, o livro, na estante, colocou? Com os classificadores, a distribuição observada é a mesma dos verbos manuais: PRAIA BOLA ÁGUA CL:boiar_por_cima_mar A bola caiu e ficou boiando na praia. [BOLA ÁGUA CL:boiar_por_cima_mar NENHUM]negativa A bola não caiu e ficou boiando. [BOLA CL:boiar_por_cima_mar] TER pergunta_polar A bola caiu e ficou boiando? Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 120 121 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS [VIVER BOLA CL:boiar_por_cima_mar]interrogativa_polar Tem uma bola boiando? [QUAL BOLA CL:boiar_por_cima_mar]interrogativa Qual bola caiu e ficou boiando? Até aqui vimos que os verbos na Libras impactam na ordem dos sinais na sentença, mas algumas coisas são sempre constantes, como a posição da negação ao final da frase e as marcas não manuais de negação, de interrogativas e de perguntas polares. A ordem dos sinais será diferente com verbos que são considerados mais pesados, mais ricos morfologicamente, ou seja, os verbos manuais e os verbos classificadores. Estruturas com verbos em série no texto em Libras As estruturas com verbos em série são produtivas na Libras. Esses tipos de verbos se caracterizam por serem produzidos em série ao manterem a mesma referência: EU PENSAR ORGANIZAR IR ENCONTRAR FAMÍLIA PRÓXIMO MÊS Eu estou pensando em organizar de ir encontrar a família no próximo mês. Veja que nesse exemplo há quatro verbos, um depois do outro, usando o mesmo argumento externo EU. O verbo PENSAR selecionou um objeto oracional ORGA- NIZAR IR ENCONTRAR FAMÍLIA PRÓXIMO MÊS. Na sequ- ência, o verbo ORGANIZAR selecionou IR ENCONTRAR FAMÍLIA PRÓXIMO MÊS; o verbo IR selecionou ENCON- TRAR FAMÍLIA PRÓXIMO MÊS; e o verbo ENCONTRAR se- lecionou FAMÍLIA PRÓXIMO MÊS. O verbo em série é muito usado também com a alter- nância de perspectiva. Veja o exemplo a seguir: MENINA CACHORRO alterna_perspectiva_menina_chachorro CUI- DAR ALIMENTAR TRATAR BRINCAR A menina cuida, alimenta, trata, brinca com o seu cachorro. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 122 123 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Já vimos alguns exemplos de frases com os verbos estudados nessa unidade nos vídeos de Edinata Ca- margo e de Darley Goulart. Vamos analisar o vídeo de Fábio de Sá, sobre o Setembro Azul, identificando al- guns exemplos de frases que ilustram o que discutimos até agora. Fábio introduz o vídeo informando o que ele irá apre- sentar e para isso utiliza uma frase na ordem SVO com o verbo VIR, um verbo com concordância espacial: EU VIR TÓPICO SETEMBRO AZUL Eu venho abordar o tópico Setembro Azul. A seguir, ele introduz a pergunta: POR QUE SURGIR SETEMBRO SURDO? Por que surgiu o Setembro Surdo? Nessa pergunta, ele introduz o sinal interrogativo ge- ral que se adapta a cada tipo de interrogativa, e que nesse caso significa POR-QUÊ? E produz a interroga- tiva com a marcação não manual que envolve as so- brancelhas para dentro e para baixo com a elevação da cabeça na frase com o verbo SURGIR, um verbo sim- ples que pode ser produzido no ponto espacial, em- bora não apresente concordância pessoal. O sujeito parece estar na posição final da sentença por causa da formulação da pergunta que conta com a resposta. Mas veja que como o verbo SURGIR foi feito no pon- to referencial do sujeito associado à direção do olhar, ele incorporou o sujeito da sentença na sua posição original, antes do verbo: (SETEMBRO SURDO)x xSURGE PORQUE. A seguir, ele repete duas frases com estruturas dife- rentes: FALTA RAIZ Faltam raízes. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 124 125 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS ESSA-RAIZ FALTAR Essas raízes faltam. Na segunda sentença, ele destaca o sinal RAIZ com a apontação. As duas frases apresentam ordenação diferente, pois na primeira, RAIZ, ocupa a posição de objeto e na segunda a posição de tópico. O verbo FAL- TAR é um verbo simples que pode ser realizado no pon- to espacial, apesar de não ter concordância pessoal, assim apresentando uma concordância espacial. Na sequência, ele continua falando dessas raízes. RAIZ ARRANCAR ATIRAR A raiz é arrancada e atirada. Nesse exemplo, o sinal ARRANCAR e ATIRAR são ver- bos manuais. Esses verbos incorporam a planta que é arrancada e junto com ela a raiz é tirada da terra e deixada de lado. Os verbos são manuais porque se- guram a planta e realizam o movimento associado ao significado atrelado ao verbo. RAIZ é o sujeito que é mantido ao longo da frase. Ambos os verbos ficam na posição final, seguidos um do outro. OUTRO PLANTAR BROTAR PLANTAR-AQUI PLANTAR-ALI PLANTAR- -LÁ Outro planta aqui e brota, planta aqui neste outro lugar, planta ali e planta lá. Nesse exemplo, temos o verbo manual PLANTAR- -PLANTA-localização. Como o verbo já incorpora a planta, o objeto está presente e é repetido em luga- res diferentes (aqui, aqui do lado, ali e lá, posições no braço indicando essas posições distintas). Os verbos são apresentados sequencialmente depois do sujeito, não há um objeto pronunciado e, se houvesse, teria que aparecer depois do sinal OUTRO,uma vez que os verbos manuais aparecem na posição final, depois do sujeito e do objeto. Verbos sequenciais aparecem na produção de Fábio de Sá, conforme segue no exemplo: Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 126 127 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS ELES CURIOSAR COMPARAR CONHECER Eles ficam curiosos, comparam, conhecem (os termos). Na Libras, nesse exemplo, aparecem três verbos (por- que “curiosar” é verbo em Libras). Assim, os verbos se- quenciais aqui tomam o sujeito ELES que indica “as pessoas que usam diferentes terminologias para o Se- tembro Azul”. Vocês também vão perceber que muitas vezes as frases parecem não ter verbo nenhum. Isso acontece porque essas frases são predicativas, ou seja, indicam uma relação verbal, mas sem um verbo expresso por não conter conteúdo em si. No português, usamos o verbo SER, TER e ESTAR para isso, como verbos de li- gação sem conteúdo específico, mas com a função de ligar o sujeito com o objeto. Na Libras, simplesmente se diz de forma direta (sem esse verbo de ligação), mas o sentido é o mesmo de quando se usa o verbo de liga- ção em português. A seguir, apresentamos dois exem- plos retirados do texto de Fábio de Sá: EU ORGULHO Eu tenho orgulho. EU [PROBLEMA NENHUM]negativa Eu não tenho nenhum problema. Nesse último exemplo, Fábio produziu uma frase ne- gativa com a marcação não manual negativa associa- da ao predicado PROBLEMA NENHUM. Esses foram alguns exemplos para ilustrar diferentes tipos de frases produzidas em Libras a partir dos ver- bos. Síntese da Unidade 6 - Componentes do texto em Libras: as frases Na unidade 6, analisamos a composição de alguns tipos de frases na Libras, em especial as simples, as ne- gativas, as interrogativas e as perguntas polares. Para analisar essas frases, partimos das categorias verbais na Libras e falamos dos verbos simples, verbos com concordância, verbos manuais e classificadores ver- bais. Analisamos cada um deles, alguns tipos de frases Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 128 129 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS e vimos exemplos de produções em Libras de diferen- tes surdos. Vimos que as frases podem ter diferentes tipos de ordenação a partir dos tipos de verbos, pois os verbos que apresentam uma morfologia mais rica são produzidos no final da frase (SOV), enquanto que os verbos mais simples aparecem antes da posição do objeto (SVO). As ordenações dos sinais podem variar a partir da combinação de fatores que vão se sobre- por aos verbos, como a topicalização, por exemplo, mas normalmente acontecem nestas ordenações: SVO e SOV. O fato de os verbos simples serem produzidos normalmente em frases SVO indica que esta parece ser a ordem mais básica da sentença, pois, quando não há marcação nenhuma, a ordem vai ser SVO (QUADROS, 1999; ROYER, 2018). Atividades Continue assistindo ao vídeo de Fábio de Sá sobre o Setembro Azul e identifique os diferentes tipos de ver- bos e tipos de frases produzidos. Marque nas listas a seguir os verbos usados e os tipos de frases usadas: 1 ) Verbos: a. simples b. com concordância pessoal c. com concordância espacial d. manuais e. classificadores Feedback: Fábio de Sá usa o verbo simples TER várias vezes ao longo do seu texto. O verbo VIVER é um ver- bo simples e ancorado no corpo. FALTAR é outro verbo simples usado por Fábio de Sá. Usa o sinal CONHECER, um verbo simples ancorado no corpo. Também utiliza o verbo INFORMAR, um verbo que marca concordân- cia pessoal. Aparece o verbo MOVIMENTAR, um verbo simples que pode ser feito no ponto espacial e o sinal ACONTECER, um verbo simples. Verbo de modo PODER também aparece no seu texto, um verbo simples. Fábio usa o verbo RESPEITAR, um verbo com concordância de pessoa. 2 ) Tipos de frases: a. Estrutura declarativa SVO com verbo simples. b. Estrutura negativa com verbo simples. c. Estrutura interrogativa com verbo simples. d. Estrutura polar com verbo simples. e. Estrutura declarativa SVO com verbo com con- cordância. f. Estrutura declarativa SOV com verbo com con- cordância. g. Estrutura negativa com verbo com concordân- cia. h. Estrutura interrogativa com verbo manual. i. Estrutura declarativa SVO com verbo manual. j. Estrutura declarativa SOV com verbo manual. k. Estrutura negativa com verbo manual. l. Estrutura interrogativa com verbo manual. m. Estrutura interrogativa com classificador. n. Estrutura declarativa SVO com classificador. o. Estrutura declarativa SOV com classificador. p. Estrutura negativa com classificador. q. Estrutura interrogativa com classificador. Feedback: Fábio de Sá organiza o seu comentário sobre o Setembro Azul a partir de uma variedade de frases que compõem seu texto. Após questionar o uso de “setembro surdo” ao invés de “setembro azul”, ele faz uma retrospectiva histórica. Ele utiliza frases sem um sujeito pronunciado falando da história no senti- do de existência: TEM HISTÓRIA LINHA DO TEMPO e MILHÕES DE ANOS TEM VIVER SURDO. Nesse último exemplo, ele usa a sequência de verbos TER VIVER, am- bos verbos simples. As duas sentenças são usadas no sentido de existência: há história, há surdos há milhões Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 130 131 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS de anos. Fábio usa o verbo VIVER na seguinte frase: NÓS SURDOS HUMANOS VIVER SOCIEDADE. Nessa fra- se, o sujeito é NÓS SURDOS HUMANOS, o verbo VIVER e a frase complementar que indica o lugar SOCIEDA- DE. Na sequência, ele apresenta: PENSAR IMPORTAN- TE O QUE: LISTA1 IMPLANTADOS, LISTA2 ORALIZADOS, LISTA3 APARELHADOS, MUDOS, SURDOS, VÁRIOS DEFI- CIENTES. Nessa frase, ele introduz com uma pergun- ta PENSAR IMPORTANTE O QUE?, e lista vários grupos de pessoas que se identificam com a surdez. Introduz AZUL topicalizado para falar da história do Setembro Azul: [AZUL]tópico HISTÓRIA TER AO-LONGO-TEMPO. Nessa sentença, HISTÓRIA é o sujeito do verbo TER e então ele localiza no tempo: AO-LONGO-HISTÓRIA. Ele diz PRECISAR RESPEITAR VIVER LINHA-TEMPO. O sujeito aqui está no corpo de Fábio para indicar as pessoas em geral que precisam respeitar viver a linha do tem- po. ISSO IMPORTANTE, aqui o verbo de ligação não se apresenta na Libras, assim o predicado parece não ter componente verbal, mas indica que ISSO é importante. Outra frase usada foi a seguinte: VOCÊS FALTAR INFOR- MAÇÃO, uma frase Sujeito-Verbo-Objeto com verbo simples FALTAR. Outra frase é AGORA SURDOS PERÍO- DO MOVIMENTO ACONTECER ACONTECER. O verbo ACONTECER está marcado com a repetição, por isso fica no final da frase, a ordem ficou SOV. Ainda, outra frase apresentada foi NÓS ORGULHO AZUL que é uma frase com predicado sem o verbo, uma vez que envolve uma ligação predicativa que em português seria pre- enchida com o verbo “ter”, “nós temos orgulho azul”. Outra frase: NÓS RESPEITAR A TODOS, seguida pela frase ATÉ OUVINTE RESPEITAR NÓS SURDOS. Ambas as frases usam a ordem SVO com um verbo que marca concordância pessoal. Esses foram alguns exemplos de frases retirados do texto de Fábio de Sá. COMPONENTES MICRO DO TEXTO EM LIBRAS: AS PALA- VRAS Objetivos Compreender a formação das palavras na Libras: verbos, no- mes, adjetivos e advérbios nas produções textuais. Nesta unidade, abordaremos uma parte mais microestrutu- ral da Libras, ou seja, o nível das palavras. As palavras, que referimos como sinais nas línguas de sinais, são compostas pelas menores unidades de sentido das línguas. Vamos con- versar sobre essas unidades de sentido e discutir sobre as categorias de palavras da Libras. A proposta é vermos cada categoriade palavras considerando-as no contexto linguísti- co, que são os nomes, os verbos, os adjetivos e os advérbios que acontecem na língua de forma organizada, consistente e precisa. Além disso, vamos falar também sobre a flexão aspec- tual, que diz respeito às unidades que se combinam com as palavras para acrescentar sentido, que indica o modo como acontecem as coisas e também o seu tempo 77 Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 132 133 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS O estudo das palavras nas línguas de sinais foi um dos pontos iniciais das pesquisas dessas línguas. Tal- vez as investigações tenham se dedicado a essa parte porque buscar compreender as unidades menores sem compromisso com uma gramática espacial parecesse mais viável. As unidades menores parecem ser mais vi- síveis, mais concretas. Fazer uma lista de sinais e orga- nizá-los agrupando-os conforme critérios linguísticos parece mais exequível do que começar a analisar uma gramática que utiliza o corpo e as mãos no espaço. No entanto, surpreendentemente, os linguistas se de- pararam com palavras extremamente complexas que em si representavam estruturas sentenciais completas, pois os sinais podem ter inúmeras combinações que os tornam altamente complexos do ponto de vista da estrutura da língua. Uma frase longa em português pode ser traduzida por um único sinal na Libras. Isso é possível porque a gramática espacial e a gramática do corpo utilizam meios que são de outra ordem quando comparados com as línguas que utilizam o canal oral- -auditivo, ou seja, a fala. As produções nas línguas de sinais não são somente lineares como são nas línguas orais, mas incluem a simultaneidade que viabiliza o uso concomitante de vários componentes gramaticais. Por isso, este curso foi organizado a partir do macro, ou seja, a partir da gramática espacial e do corpo, para então começarmos a analisar os sinais. As unidades que compõem as palavras são chama- das de morfemas, que representam as menores unida- des de sentido das línguas. No português, por exemplo, um morfema pode representar a raiz da palavra que pode ser agregada a alguns outros morfemas derivan- do novas palavras ou flexionando-as para acrescentar sentido. Vamos ver os exemplos a seguir: [feliz] pode derivar várias palavras ao serem acres- Conceitos centados morfemas: [felicidade] [felizmente] [infeliz] [felizardo] Esses morfemas que foram combinados com a pa- lavra-morfema [feliz] reaparecem combinados com outros morfemas. A esse tipo de combinação chama- mos de derivação, porque são formadas palavras que podem compor novas categorias gramaticais (nomes, verbos, adjetivos ou advérbios). Outro exemplo de combinação de morfemas envolve a flexão. Nesse caso, a palavra continua na mesma ca- tegoria e não deixa de ser ela, apenas passa a indicar algo a mais nela própria. Os casos de flexão envolvem marcação de concordância, de número, de grau ou de modo, por exemplo. Vejamos um exemplo do português que demonstra flexão verbal: [amar] [amo] [amamos] [amarei] [amei] [amaremos] Os morfemas de flexão também reaparecem em ou- tros verbos da língua. Como isso acontece na Libras? Na verdade, vocês já podem arriscar a indicar como isso acontece na Li- bras, pois nós já estudamos a gramática espacial e a gramática do corpo que nos dão subsídios para visua- lizar a composição de palavras nela. Vamos começar assistindo a um vídeo em Libras. Eu sugiro a vocês assistirem ao vídeo em modo slow mo- Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 134 135 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS tion com velocidade de 50% para visualizarem cada si- nal produzido pelo Jonatas Medeiros no conto “Com as pontas dos dedos e os olhos do coração”, de autoria de Leila Rentroia Iannone. O tradutor Jonatas Medei- ros utiliza várias palavras de forma recorrente nas três partes do conto. As palavras reaparecem, mas tomam novas formas, embora tenham a mesma raiz. Façam o exercício de assistir ao vídeo observando essa recor- rência dos sinais produzidos para analisarmos como as palavras são formadas na Libras. Assista o vídeo “Com as pontas dos dedos e os olhos do coração” , de Leila Rentroia Iannone, com tradução para a Libras de Jonatas Medeiros Os sinais são produzidos pelas mãos, juntamente com movimentos, em localizações do corpo ou do es- paço, com orientações das mãos marcadas e associa- dos a expressões faciais. Esse conjunto de elementos são chamados de parâmetros (QUADROS & KARNOPP, 2004). Os elementos em si podem não ter significado algum. Nesse caso, são apenas “pedacinhos” que servem para se combinar com outros para formar os morfemas. Os “pedacinhos” sem significados são chamados de fo- nemas. Os sinais também utilizam as duas mãos que podem ser ativadas simultaneamente quando neces- sário ou que podem indicar uma mão dominante (que se associa a movimentos e localizações), enquanto a outra mão é considerada não dominante (quando fica estável na produção do sinal, também chamada de mão base). Nosso foco aqui são os morfemas, porque são as unidades menores de sentido que formam as palavras na Libras. As mãos, os movimentos, a localização em que o sinal é realizado e as expressões faciais podem ser morfemas nas línguas de sinais. Assim, o morfema pode ter a mesma forma de um fonema. Isso também acontece nas línguas orais, por exemplo: “a” é um fone- ma do português que pode ser um morfema de mar- cação de gênero feminino. O “a” que não tem sentido porque é apenas uma unidade da língua portuguesa, passa a fazer sentido quando está na palavra. Por exemplo em: “namorada”, porque se contrapõe com a palavra “namorado”, marcando o respectivo gênero. Assim acontece com a Libras. Por exemplo, a configu- ração de mão que representa o fonema L pode ser um morfema em um conjunto de sinais que utiliza o L com o sentido de “tela”: Quando é um morfema dos seguintes sinais: AMBIENTE-VIRTUA VIDEOCONFERÊNCIA HIPERMÍDIA Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 136 137 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Nesse caso, o morfema que é constante nesses sinais representa o sentido de “tela” e é produzido pela mão não dominante, ficando com a base do sinal. Vamos ver os exemplos do vídeo do conto “Com as pontas dos dedos e os olhos do coração”, de autoria de Leila Rentroia Iannone, traduzido pelo Jonatas Me- deiros. Nomes Os nomes são combinados com adjetivos, com ad- vérbios e com verbos. Podem ser intensificados e po- dem ter a mesma forma que o respectivo verbo. Assim, o contexto distingue a ocorrência enquanto nome ou enquanto verbo. Em alguns casos, o movimento asso- ciado ao nome apresenta um padrão diferente do mo- vimento associado ao verbo, indicando uma possível derivação marcada pela alteração do movimento. O si- nal AULA foi usado também como MATERIAL-ESCOLAR nos seguintes exemplos do conto: No primeiro exemplo, o sinal AULA foi feito do lado direito associado a um lugar aonde o personagem precisava ir. Na segunda ocorrência, ele está dentro do ônibus e vai colocar o material escolar debaixo do braço, então o sinal é produzido pertinho do rosto, uma vez que o ônibus está lotado, ele não tem muito MATERIAL-ESCOLARAULA espaço para se movimentar. Em ambos os exemplos, temos substantivos produzidos relativos ao sinal AULA (ou ESTUDAR) que estão sendo marcados em diferentes localizações. Assim, o sinal está associado a essa loca- lização marcada atribuindo sentido adicional ao sinal. O próximo sinal se refere à HORA (de horarelógio): A articulação da boca e o franzimento dos olhos associados ao sinal HORA com repetições curtas na primeira ocorrência indica que tem pouco tempo. Na segunda ocorrência, o olhar com olhos arregalados juntamente com a articulação da boca indica que está em cima da HORA, com repetições um pouco mais alongadas do que as produzidas anteriormente. Na terceira ocorrência a apontação é direta e precisa, in- dicando que chegou na HORA exata. O sinal MULHER aparece significando mulher; em uma segunda ocorrência vem associado ao sinal BEN- ÇÃO para marcar o gênero: HORA HORAHORA Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 138 139 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Na primeira ocorrência indica MULHER, mas na se- gunda forma um composto com o sinal BENÇÃO que refere MÃE. Nesse caso, temos um sinal composto. O sinal MULHER e o sinal HOMEM são usados em sinais compostos para indicar qual o gênero dos membros da família, assim podem ser combinados com ME- NIN@, TI@, VOV@, FILH@, PRIM@, CUNHAD@ ou BEN- ÇÃO (para compor MÃE e PAI nessa variante de sinais). Há um processo fonológico na composição de sinais, no qual o movimento associado ao primeiro sinal deixa de existir. A seguir temos o sinal ÔNIBUS que foi produzido em diferentes momentos do conto: No primeiro exemplo, o sinal ÔNIBUS foi produzido mais próximo ao rosto. Esse mecanismo de aproximar do rosto o sinal está associado com marcação de grau, indicando mais pertinho. No segundo, o sinal ÔNIBUS está associado ao sinal ponto, ponto de ônibus, loca- lizado no espaço onde se determinou o local para o ponto de ônibus. No terceiro, finalmente, a pessoa en- tra no ÔNIBUS: a cabeça está virada para cima com o sinal de ÔNIBUS e abaixo indica que a pessoa está dentro do ônibus. No quarto exemplo, sinaliza com uma expressão facial com os olhos semifechados e com a boca aberta para indicar que o ÔNIBUS está lotado. O adjetivo lotado, produzido na sequência, já se sobrepõe à expressão facial do sinal ÔNIBUS. A marcação de grau para diferentes graduações, do pequeno ao gigante, pode estar associada com o ta- manho do sinal e, também, com mudanças na configu- ração de mão que passa de menos dedos para mais dedos, e que desse modo representam maior grandeza do sinal. No exemplo a seguir, o sinal VOVÓ é feito as- sociado à expressão facial com olhos semifechados in- dicando que a vovó é velhinha. O sinal é feito com uma sutil elevação dos ombros para indicar a proximidade ao rosto que marca o grau. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 140 141 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Na segunda ocorrência do sinal VOVÓ, ele é produ- zido simultaneamente a outro sinal: A mão não dominante é uma boia do sinal CORRER realizado concomitantemente ao sinal VOVÓ, com a elevação da cabeça que dá a ideia de estar “falando mais alto”. Os nomes também sempre estão associados aos as- pectos abordados nas unidades anteriores, que estão relacionados com a gramática espacial e o corpo. Os nomes podem ser produzidos no espaço referencial em diferentes locais, pois são associados aos referen- tes estabelecidos previamente no discurso quando ne- cessário. Por exemplo, o sinal de CASA produzido pelo Jonatas Medeiros no conto tem a ver com uma casa específica, não é qualquer casa, mas a CASA da qual ele está saindo. VOVÓ O sinal LEMBRANÇA está sendo produzido com o olhar para cima simultaneamente à repetição do movi- mento para remeter às lembranças do passado. Tam- bém remete a algo que está ligado ao pensar, ao ima- ginar, no espaço que fica acima da cabeça. Ele sinaliza CAFÉ afastado do corpo, indicando que está em uma posição longe do sinalizante. O sinal PÃO é produzido concomitantemente ao sinal de CAFÉ e depois individualmente. No sinal com CAFÉ, está indi- cada a ação que dá a ideia de “enquanto” estava pe- gando o café sobre a bancada, estava comendo o pão. Esse é um tipo de construção de sentença encaixada indicando simultaneidade das ações que, portanto, estão sendo produzidas ao mesmo tempo na Libras. LEMBRANÇAS CASA Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 142 143 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS A marcação não manual associada aos sinais pode estar marcando entonação, que é o caso do exemplo de PÃO, em que os olhos estão bem abertos com as sobrancelhas elevadas. Os nomes podem estar associados com marcação de grau. Nesse caso, os sinais podem ser produzidos bem pertinho do rosto para indicar algo pequeno ou mais longe e de forma alargada para indicar algo que é grande. A marcação de grau é gradual, podendo ir na direção do muito grande ao muito pequeno associado ao tamanho do sinal em direção a sua produção em espaço mais reduzido próximo ao rosto. Vejam mais um exemplo produzido por Jonatas Medeiros: PÃO CAFÉ PÃOCAFÉ Nesse exemplo, o Jonatas Medeiros ainda deixa seus olhos semiabertos, além de produzir o sinal próximo ao rosto, indicando que faltava apenas um minutinho. A seguir vamos ver alguns adjetivos que podem ser intensificados. Adjetivos Os adjetivos modificam os nomes, ou seja, vão atri- buir algo de valor ao substantivo. Você pode ter um amigo qualquer e um amigo generoso, por exemplo. Na Libras, os adjetivos podem se juntar aos nomes como no português. No exemplo a seguir, há uma marcação de intensidade por meio da tensão dada ao sinal e do tamanho do sinal, produzido de forma mais ampla, as- sociado à marcação não manual (o sinal foi produzido com o nome VOVÓ). Os adjetivos podem estar marca- dos com intensidade e com grau. AVANÇADA 1-MINUTINHO Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 144 145 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS O sinal a seguir indica BRABO, que também está ten- sionado e inclui uma marcação não manual que inten- sifica o sinal, marcando a entonação associada a ele. Há vários outros exemplos que apresentam a marca- ção de intensidade, conforme segue: A seguir, temos duas ocorrências do sinal JOVEM, que foi produzido de forma muito diferente. Mas am- bos marcam intensidade, embora com sentidos dife- rentes, uma vez que na primeira é como se ele estivesse dizendo BEM-JOVEM e na segunda JOVENZINHO, en- tão há a marcação de intensidade com tensão muscu- lar e a marcação de grau com a aproximação do sinal ao rosto. INSISTENTE VELHO FURIOSO FRIO BRAVO A seguir, vamos ver os advérbios. Eles, em si, têm in- formações aspectuais que denotam tempo, modo, mas que podem ser intensificadas. Vejamos exemplos de verbos que estão flexionados de diferentes formas. Verbos Já vimos que os verbos na Libras se apresentam de diferentes formas: simples, com concordância pessoal e espacial, manuais e como classificadores predicati- vos. Nesta unidade, vamos analisar a produção verbal com foco na flexão verbal a partir de exemplos produ- zidos em Libras pelo Jonatas Medeiros. Verbos simples: ACORDAR CONSEGUIR JOVEM JOVEM Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 146 147 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Nos verbos simples, quando não estão ancorados no corpo, é possível marcar a concordância espacial reali- zando o sinal no espaço. Os exemplos ERRAR, ESPERAR e FAZER ilustram isso, pois se remetem ao referente que foi estabelecido em um ponto espacial específico. O verbo ARREPIAR apresenta uma concordânciaespacial no corpo para indicar que a pessoa ficou completa- mente arrepiada, ao evidenciar o arrepio no lado direi- to e no lado esquerdo, localizando o sinal em ambos os ARREPIAR ARREPIAR ESPERAR FAZER ERRAR PRECISAR braços. Esse tipo de marcação pode estar associada à intensidade. Os verbos simples podem marcar inten- sidade e modulações que evidenciam o modo, como vamos ver mais adiante. Verbos com concordância pessoal: Os verbos que marcam concordância pessoal, nor- malmente, estão associados com o movimento de tra- jetória no espaço ou com a orientação da palma da mão voltada para o argumento interno (o objeto da sentença). Os exemplos acima contam com a orienta- ção da palma da mão, especialmente em ALIMENTAR e CUIDAR, que não necessariamente marcam trajetória. Os sinais de CONTAR E OBSERVAR também apresen- tam a orientação da palma da mão para o argumento interno, mas também estão associados com a traje- tória do movimento e, mesmo que essa trajetória seja encurtada, ela está presente. Ao encurtar a trajetória, ALIMENTAR CONTAR CUIDAR OBSERVAR Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 148 149 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS a marcação com o argumento externo (sujeito) fica mi- nimizada. Verbos com concordância espacial: A concordância espacial pode tomar pontos espa- ciais, assim como referentes locativos. No caso de EN- TRAR e SAIR, alguém entra em algum lugar e sai de al- gum lugar para outro. Pode também estar associada com a concordância pessoal para o agente, o sujeito da frase, argumento externo, mas o argumento interno é um locativo. Verbos manuais: ENTRAR SAIR Os verbos manuais, como já vimos na Unidade 6, in- corporam ou seguram o objeto assumindo uma função instrumental e contam com o argumento interno no próprio verbo, porque foi incorporado na própria mão. Tornam-se morfologicamente complexos porque con- tam com os morfemas do próprio verbo que pode ser flexionado, assim como o morfema do objeto em um único sinal. Os verbos manuais podem ter concordân- cia pessoal, locativa e modular para aspecto e inten- sidade, assim como acontece com os classificadores predicativos, que também apresentam uma morfologia complexa. Tanto os verbos manuais, como os classifica- dores predicativos, são considerados polimorfêmicos. Classificador predicativo: COLOCAR-ÁGUA-VASO ESCOVAR-DENTES Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 150 151 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS A seguir, vamos ver os advérbios que são mais flexí- veis quanto as suas posições nas frases. Eles podem se distribuir de diferentes maneiras, pois se agregam aos sintagmas nominais, verbais, adjetivais e preposi- cionais. Eles se juntam para acrescentar informações relativas ao modo, ao tempo, à inclusão e exclusão, ne- gação e conclusão. Advérbios Os advérbios indicam circunstância associados aos verbos, aos nomes ou aos adjetivos. São componentes que agregam informação. Podem indicar tempo, modo, lugar, intensidade, negação, inclusão, exclusão, dúvida ou assertividade. Os advérbios a seguir marcam infor- mações temporais e podem estar associados com ten- são, sendo assim intensificam seus sentidos. AGORA MANHÃ A seguir foram registradas duas ocorrências do sinal PASSADO com marcações diferentes de intensidade. Outros advérbios indicam conclusão de algo, térmi- no, fechamento. Há também advérbios que indicam exclusão (como somente, só, unicamente e apenas) e inclusão (inclusi- vamente, também, mesmo e ainda): PASSADO PASSADO SÓ TUDO QUASE PRONTO JÁ FIM Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 152 153 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Os advérbios também podem indicar negação (por exemplo: não, jamais e nunca): Os advérbios podem indicar ordem (primeiramente, ultimamente, depois e antes): Ou ainda indicar modo (bem, mal, rapidamente, de- vagar e calmamente). Ainda, podemos ter advérbios indicando dúvida (tal- vez, possivelmente e provavelmente) e lugar (aqui, ali, RAPIDAMENTE DEPOIS NUNCA AINDA-NÃO atrás, longe, perto e embaixo). Marcação aspectual de tempo e de modo A marcação aspectual pode aparecer nas diversas categoriais. Envolve modo para indicar como as coisas acontecem: lentamente, rapidamente, preguiçosamen- te, ativamente, atenciosamente, normalmente, associa- da ao o ritmo mais ou menos longo do movimento, por exemplo. A marcação aspectual de tempo envolve no- ções temporais: finalização, andamento, continuidade, frequência, normalmente associadas com padrões de repetição dos movimentos, por exemplo. Há também marcação de intensidade: mais intenso, menos intenso, normalmente associada com a rigidez dos músculos na produção dos sinais. No exemplo a seguir, o sinal é feito de forma mais in- tensa associado à marcação não manual de olhos se- miabertos indicando intensidade: Quando o sinal fica estabilizado (congelado, parado) pode indicar modo durativo (por um longo período): AMAR-MUITO RECLAMAR-MUITO Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 154 155 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS A repetição do movimento pode indicar o modo de continuidade, insistência, frequência: CONVERSAR-CONTINUAMENTE ENTREGAR-CONTINUAMENTE APERTAR-CAMPAINHA-VÁRIAS- -VEZES CONTAR-CONTINUAMENTE FICAR-CASA-LONGO-TEMPO FICAR-LONGO-TEMPO FICOU-CASACO-LONGO-TEMPO ESPERAR-POR-LONGO-TEMPO Composição das frases em Libras: nomes, verbos, adjetivos, advérbios no espaço e com o corpo Os sinais se combinam para formar frases. Os nomes podem ser associados aos adjetivos e aos verbos. Os SEMPRE-SISTEMATICIDADE SOZINHO-SISTEMATICIDADE SINALIZAR-CONTINUAMENTE TRATAR-CONTINUAMENTE FALAR-CONTINUAMENTE INTERAGIR-CONTINUAMENTE Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 156 157 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS advérbios e a marcação aspectual podem estar asso- ciados com nomes, verbos e adjetivos. Essas combina- ções acontecem na gramática espacial combinadas com o corpo ou no próprio corpo, como vimos nas Uni- dades 2, 3 e 4. Os verbos com mais informações ten- dem a ficar no final da frase. O advérbio pode ir para lá e para cá, sem muitas restrições de posição na frase, exceto entre o verbo e o objeto, no mais parece poder se acomodar em qualquer lugar. O adjetivo normal- mente fica depois do nome. Síntese da Unidade 7 - Componentes micro do texto em Libras: as palavras Nessa unidade, analisamos a formação de palavras a partir das categorias nome, verbo, adjetivo e advérbio. Vimos que os sinais são produzidos em contextos es- pecíficos e tomam formas de acordo com a proposição do sinalizante. Os sinais são formados acrescentando- -se a eles modulações que marcam grau, intensidade e modo, além de poderem ser flexionados para marcar pessoa e ponto espacial. Os sinais também são produ- zidos incluindo marcação não manual que pode indi- car padrões entonacionais. Os padrões de tamanho, de tensão das articulações, dos movimentos e de repe- tição de sinais são marcações que se agregam aos si- nais para imprimir novos sentidos atribuindo-lhes grau, intensidade e modo (tempo, frequência, continuidade, sistematicidade, inclusão, exclusão, negação, dúvida ou lugar). Os sinais são palavras que ocupam posições na estrutura da língua; os nomes se combinam com os verbos e com os adjetivos, mas seguindo ordenações específicas.Os nomes normalmente são modificados pelo adjetivo na ordem NOME-ADJETIVO. Os verbos se combinam com nomes enquanto argumentos, externo e interno, que passam a ocupar as posições de sujeito e objeto da frase. Na Libras, os verbos com mais infor- mações morfológicas tendem a ficar no final da frase, assim o sujeito e o objeto antecedem esses verbos – SOV ou OSV. Já os verbos simples aparecem na ordem SVO. Os advérbios podem aparecer em diferentes par- tes da frase, mas parece haver uma restrição em se ter o advérbio entre o verbo e o objeto da frase. A negação tende a aparecer na posição final da frase. Atividades 1 ) Assista ao vídeo “Com as pontas dos dedos e os olhos do coração”- parte 3 – a partir do minuto 00:05:41 - e identifique cinco nomes, cinco adjetivos, cinco ad- vérbios e cinco verbos – também identifique o uso de marcação aspectual: Feedback: Na tradução de Jonatas Medeiros, no minu- to 00:05:41, inicia a parte 3 da história narrada. Nessa parte, foram observados vários nomes, verbos, adjeti- vos, advérbios e identificadas também algumas marca- ções aspectuais, conforme seguem: Nomes: aula, tópico, mundo, geografia, professor, tra- balho, grupo, basquete, futebol, casa, vovó, reunião, amigo, ônibus. Verbos: começar, classificador-sentar, dar, dividir, sepa- rar, combinar, entrar, combinar, perguntar, acontecer, sentir, fazer, comer, dar-bolo, encontrar, argumentar, opinar, aceitar, ir, inventar, recortar, precisar, deixar-pra- -lá, classificador-caminhar, classificador-chutar-pe- dras, imaginar. Adjetivos: nervoso, vazio, falha, errada, certo, insistente, triste, constrangido, responsável, brabo. Advérbios: sempre, amanhã, novamente, já, pronto. Marcações aspectuais: conversar-continuamente, sem- pre-sistematicamente, fura-fura-fura-continuamente, atrasa-atrasa-atrasa-continuamente, um-fora-um-fo- ra-do-grupo-continuamente, deixar-deixar-deixar-sis- tematicamente, sair-sair-sair-muitos, muito-distraído. 2 ) No poema Lei de Libras – Anna Luiza Maciel e Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 158 159 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Sara Amorim (Literatura em Libras – Domínio público: Acessado em 15 de setembro de 2020), as poetas usam vários sinais com marcações analisadas nessa unida- de. Identifique cinco nomes, cinco adjetivos, cinco ad- vérbios e cinco verbos – também identifique o uso de marcação aspectual: Feedback: No poema “Lei de Libras”, de Anna Luiza Ma- ciel e Sara Amorim, foram observados os usos de no- mes e verbos. Nomes: nome, sinal, Libras, lei, vernácula. Verbos: interiorizar, expressar, visualizar, sinalizar, co- municar, expressar-facialmente, valorizar, exprimir, sor- rir, dramatizar, ser. Advérbios: sempre. Adjetivos: não há. Marcações aspectuais: a repetição aparece em todos os verbos marcando a continuidade e a intensidade. PALAVRAS FINAIS Objetivos Sintetizar os conhecimentos abordados sobre a Gramática da Libras neste material. Indicar outros componentes grama- ticais que podem ser estudados e aprofundados. 88 Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 160 161 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS O que você aprendeu com este material? Você aprendeu a reconhecer alguns componentes gramaticais da Libras: (1) espaço gramatical; (2) espaço referencial; (3) o corpo na estrutura da Libras; (4) com- ponentes macro do texto em Libras: estrutura narrati- va; (5) componentes nucleares do texto em Libras: as frases; e (6) componentes micro do texto em Libras: as palavras. Segue uma síntese do que foi apresentado no quadro a seguir: Unidades integrantes do material O que foi apresentado em uma frase Objetivos de cada Unidade 1 Introdução Panorama geral sobre a Gramática da Libras Panorama geral sobre a Gramática da Libras, os níveis de análise grama- tical e a organização do material dos aspectos gramaticais estudados neste curso. 2 Espaço gramatical e corpo Libras: a gramática espacial e do corpo O uso do espaço e do corpo gramaticalizados na Libras: o dimensio- namento do uso do es- paço gramatical (amplo, intermediário, restrito e altamente restrito). A lín- gua de sinais no espaço e o corpo enquanto componentes grama- ticais para produzir sentido na Libras. 3 Espaço referencial Libras: a gramática referencial. O uso do espaço referencial na Libras: apontação com função pronominal, estabe- lecimento de pontos no espaço, direção do olhar e posicionamento do corpo. 4 Corpo na es- trutura da Libras: alternância de perspectivas Libras: a gramática no corpo por meio da alternância de perspectivas. Os diferentes usos do corpo para fins gra- maticais: (1) função de desambiguizar e/ou de- terminar a alternância de perspectivas usada no corpo para estabe- lecer coesão e coerên- cia textuais; (2) função semântica e referencial atribuída a partes do corpo para referir enti- dades, pessoas e ações; e (3) função criativa para dar vida a coisas ou humanizar animais por meio do antropo- morfismo (uma espécie de ação construída). 5 Componentes macro do texto em Libras: estrutura narrativa Libras: a estrutura narrativa do texto em Libras. Os elementos que constituem a estrutura narrativa em Libras: (1) aspectos intrínsecos ao texto em Libras (as pau- sas, os olhos, a direção do olhar, as piscadas, a boca e as transições); e (2) aspectos de estru- turação da narrativa: resumo, orientação, complicação, avaliação e coda. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 162 163 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS 6 Componentes nu- cleares do texto em Libras: as frases Libras: a composi- ção de sentenças com verbos simples, verbos de con- cordância, verbos manuais e classifi- cadores. A composição senten- cial da Libras a partir dos tipos de verbos: sim- ples, com concordância, manuais e classificado- res analisar a aplicação de verbos em série na composição sentencial em Libras. Os aspectos gramaticais estudados evidenciam a complexidade da Libras. A Libras é uma língua que apresenta uma riqueza de componentes gramaticais que se constituem a partir do espaço e do corpo. É uma língua que se apresenta na modalidade visual-es- pacial e utiliza o corpo (as mãos, os braços, o tronco e a face) e o espaço ao redor do sinalizante para com- por seus sinais, suas frases, seu texto e seu discurso. O componente gestual da Libras utiliza as articulações motoras disponíveis para compor as referências dis- cursivas e combiná-las por meio das próprias palavras usadas com o corpo, a direção dos olhos e os movi- mentos. Ainda, a Libras se inspira nas formas e nos acontecimentos para compor sentidos, ou seja, parte da iconicidade e compõe uma gramática espaço-ges- tual com regras. Ainda há muito a estudar sobre a gramática da Li- bras. Há uma série de componentes que precisamos aprofundar. Entre eles, para conhecer mais sobre a Li- bras, será importante conhecer mais detalhes sobre a formação dos sinais, como se criam novos sinais, os sinais que tomamos emprestados de outras línguas e as variações das palavras existentes no país. Também precisamos aprofundar mais sobre a estrutura da fra- se da Libras, conhecer mais sobre como as estruturas complexas são produzidas (orações coordenadas, ora- ções subordinadas e estruturas encaixadas). A partir desses componentes, será possível aprofundarmos ainda mais a composição discursiva percorrendo dife rentes gêneros textuais. Esses componentes gramati- cais poderão ser estudados em um curso mais avan- çado de gramática da Libras. Atividade final do curso Lembraque você escreveu sobre suas concepções de gramática no início do curso a partir das seguintes perguntas? Quais as suas concepções sobre “gramática”? Você já discutiu so- bre a diferença entre gramática tradicional e estudos gramaticais na concepção da linguística? Você já conversou sobre os usos da gramática? Agora que você já fez o curso, responda essas pergun- tas novamente considerando o que estudamos sobre a Gramática da Libras e compare com as concepções que você tinha previamente. ______________________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 164 165 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Feedback: O estudo gramatical apresenta a função de trazer para a consciência os componentes gramati- cais da língua a partir dos usos da língua estudada. No nossocaso, estudamos alguns componentes gra- maticais da Libras a partir de vários textos produzidos por sinalizantes fluentes, quase todos eram surdos. A proposta foi ver nas produções em Libras os aspectos estudados. Nessa perspectiva, o objetivo foi conhecer a língua como ela se apresenta quando produzida por diferentes sinalizantes em contextos diversos. A fun- ção de estudar a gramática nessa perspectiva não é prescritiva, mas sim descritiva funcional. Então, pas- samos a compreender que a língua se realiza no mo- mento da produção e é atravessada por vários fatores que acabam impactando na sua forma para produzir uma dada intenção. Assim, nosso objetivo foi mostrar a complexidade da gramática da Libras e, ao mesmo tempo, evidenciar que é uma língua regida por regras que se ajustam às práticas linguísticas. Esperamos que esse estudo gramatical tenha contribuído efeti- vamente para o seu conhecimento sobre essa língua, assim como para a compreensão do que significa es- tudar uma gramática de uma dada língua. Referências Bahan, B. & Supalla, S. Line segmentation and narrati- ve structure: a study of eyegaze behaviour in American Sign Language. In: Language, Gesture, and Space. Edi- ted by Karen Emmorey & Judy Reilly. Lawrence Erlbaum Associates, Publishers. Hillsdale, New Jersey. 1995. 171- 194. Berenz, N. Person and deixis in Brazilian Sign Langua- ge. University of California, Berkeley. PhD Thesis. 1996. Emmorey, K.; Corina, D. & Bellugi, U. Differential proces- sing of topographic and referential functions of spa- ce. In: Language, Gesture, and Space. Edited by Karen Emmorey & Judy Reilly. Lawrence Erlbaum Associates, Publishers. Hillsdale, New Jersey. 1995. 43-62. Klima, E. & Bellugi, U. The signs of language. Harvard University Press. 1979. Leite, Tarcísio de Arantes. A segmentaçãoo da língua de sinais brasileira (libras): um estudo linguístico des- critivo a partir da conversação espontânea entre sur- dos. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês. Univer- sidade de São Paulo. 2008. Liddell, S. K. Real, surrogate, and token space: Gramma- tical consequences in ASL. In K. Emmorey & J. S. Reilly (Eds.), Language, gesture, and space (p. 19–41). Lawren- ce Erlbaum Associates, Inc. 1995. Liddell, S. Buoys. In Grammar, Gesture, and Meaning in American Sign Language. Cambridge: Cambridge Uni- versity Press. 2003. 223-260. Lillo-Martin, D. The point of view in American Sign Lan- guage. In: Language, Gesture, and Space. Edited by Ka- ren Emmorey & Judy Reilly. Lawrence Erlbaum Associa- tes, Publishers. Hillsdale, New Jersey. 1995. 155-170. Lyons, J. 1977. Semantics. vol. 2. Cambridge: Cambridge University Press. Meir, I., Padden, C.; Aronoff, M. & Sandler, W. Boday as subject. Journal Linguistics 43, 531–563. f 2007 Cambri- dge University Press. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 166 167 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Neves, B. C. Narrativas de crianças bilíngues bimodais. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Gradua- ção em Linguística. Universidade Federal de Santa Ca- tarina. Florianópolis. 2012. Padden, Carol. Verbs and Role-Shifting in American Sign Language. Proceedings of the Fourth National Symposium on Sign Language Research and Teaching. Carol Padden ed. Silver Spring, MD: National Associa- tion of the Deaf. 1986. 44-57. Poulin, C. & Miller, C. On narrative discourse and point of view in Quebec Sign Language. In: Language, Gestu- re, and Space. Edited by Karen Emmorey & Judy Reilly. Lawrence Erlbaum Associates, Publishers. Hillsdale, New Jersey. 1995. 117-132.. Quadros, R. (org.) Corpus de Libras. UFSC. 2014. corpus- libras.ufsc.br Quadros, R. Libras. Editora Parábola. 2019. Quadros, R. & Karnopp, L. Estudos Linguísticos: Língua de Sinais. Editora ArtMed. 2004. Quadros, R. (org.) Gramática de Libras. Editora Arara Azul. (no prelo) Open access: www.libras.ufsc.br Royer, M. Análise da ordem das palavras nas sentenças em Libras do corpus da Grande Florianópolis. Disser- tação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Linguística. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2019. Sandler, W. The body as evidence for the nature of lan- guage. Front. Psychology. 29, October. 2018. Sandler, W., and Lillo-Martin, D. Sign Language and Lin- guistic Universals. Cambridge: Cambridge University Press. 2006. Sutton-Spence, R. & Napoli, D. Anthropomorphism in Sign Languages: A Look at Poetry and Storytelling with a Focus on British Sign Language. Sign Language Stu- dies, Vol.10, No.4 (Summer 2010). 442-475. Taub, Sarah. Language in the body: iconicity and me- thaphor in American Sign Language. University of Ca- lifornia, Berkely, Department of Linguistics. 1997. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 168 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Gramática da Libras: estudos introdutórios sobre seus componentes gramaticais é um livro didático que faz parte do curso de Gramática da Libras produzido pela Signa, de autoria de Ronice Müller de Quadros. Este livro didático apresenta aspectos gramaticais da Libras que são fundamentais para a estrutura dessa língua. O uso do espaço gramatical, o espaço referencial, o corpo com suas diferentes funções na sintaxe da Libras, a estrutura da narrativa, elementos constitutivos da segmentação nesta língua, os tipos de verbos, categorias de palavras e frases são tratados em detalhes pela autora. Além disso, o texto traz exemplos que ilustram os aspectos estudados, assim como atividades a serem realizadas pelos alunos contando com feedback da autora. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33em série, muito produtiva na Libras. Os sinais passam então a ser o tema de estudo a partir das diferentes categorias que se combinam para formar as frases e os enunciados na Libras. Encerraremos o curso com a síntese do que foi estu- dado procurando visualizar todos os componentes em um texto na Libras. Ao final do curso, você revisará sua reflexão sobre o que compõe uma gramática. ESPAÇO GRAMATICAL E CORPO 22 Objetivos Reconhecer o uso do espaço e do corpo grama- ticalizados na Libras. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 14 15 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Introdução da unidade As línguas de sinais e as línguas orais apresentam uma gramática que se constitui de regras que os sina- lizantes e falantes dispõem sem mesmo ter consciên- cia delas. As línguas, portanto, são manifestações de propriedades humanas com objetivos de estabelecer a comunicação e de expressar ideias e sentimentos. Os seres humanos usam suas línguas para conversar com outras pessoas, para informar, para persuadir e por simples prazer. Isso acontece em quaisquer lín- guas, independentemente das modalidades nas quais se apresentam. O mais incrível é que isso está dentro das pessoas, elas usam a língua para diferentes fins de forma coletiva, ou seja, de tal forma que possam ser compreendidas umas pelas outras. Isso é possível, exa- tamente porque a base dessas línguas está calcada em uma gramática. No entanto, apesar da existência da gramática ser algo comum entre todas as línguas humanas, as lín- guas de sinais e as línguas orais manifestam suas re- gras gramaticais com diferenças que se constituem em função de suas modalidades. São esses aspectos que nos interessam mais, pois ao estudar a gramática da Libras percebemos o quanto os usos do espaço e do corpo são importantes para a compreensão e produ- ção de textos com sentidos. Nesta unidade, nos debru- çaremos sobre esses aspectos gramaticais mais gerais que envolvem esses usos do espaço e do corpo na Li- bras. Ao longo das demais unidades, aprofundaremos alguns desses componentes espaciais e corporais que são fundamentais nessa língua de sinais. Conceitos O espaço é relativo, depende do espaço de visualiza- ção disponível aos sinalizantes e do contexto para ser explorado gramaticalmente. Sempre os componentes espaciais são apresentados no espaço dos sinalizan- tes acomodados proporcionalmente, de acordo com a situação. Hoje em dia, por exemplo, os surdos postam muitos vídeos nas redes sociais e os utilizam no celular, o que redimensiona esse espaço de sinalização. A seguir, vamos ver quatro vídeos dos quais explora- remos aspectos abordados nesta unidade. Tais produ- ções em Libras utilizam o espaço e o corpo de formas redimensionadas de acordo com o contexto por meio de um espaço amplo, um espaço intermediário, um es- paço restrito e um espaço altamente restrito. Estamos diferenciando esses quatro tipos de espaço disponí- veis para a sinalização, mas na verdade, eles são ajus- tados de forma gradual. O primeiro vídeo é de Sylvia Lia, considerada uma surda de referência na comunidade surda paulistana. Sylvia Lia está participando de um seminário que reu- niu surdos de referência do país em Florianópolis, na Universidade Federal de Santa Catarina. Ela foi convi- dada a apresentar uma palestra sobre a situação dos surdos na cidade de São Paulo. ASSISTIR AO VÍDEO DA PALESTRA DE SYLVIA LIA: Vídeo integrante do Corpus de Libras (Seminário do Inventário Nacional de Libras – Syl- via Lia – Domínio p úblico, acessado em 15 de setembro de 2020). NA SEQUÊNCIA, ASSISTIR AO PRIMEIRO TRECHO EDITADO DO MESMO VÍDEO na videoaula. No vídeo, Sylvia Lia está apresentando uma palestra em um auditório, utilizando um espaço amplo de sina- lização. Ela está em um palco ao lado da projeção dos slides que está utilizando como referência para a sua palestra. O corpo dela está posicionado à direita dos slides (considerando a nossa perspectiva) voltado tam- bém para o público no auditório. No início do vídeo, ela Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 16 17 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS direciona o olhar para a pessoa que está controlando a filmagem e a projeção. Depois, direciona o olhar para os slides e se volta para o público para iniciar. Ela volta o olhar para o público, alternando-o ora para a proje- ção ora para os diferentes espaços estabelecidos ao longo da sua apresentação. A direção do olhar para os espaços de sinalização impacta na construção dos sentidos. Além da direção do olhar, vocês podem perceber que ela sinaliza para a audiência utilizando um espaço mais amplo de sinalização a sua frente. Os braços se estendem ocupando um espaço maior na sua frente como se ela tivesse a intenção de ser vista por todos os presentes. Ela também utiliza de forma mais sistemáti- ca as duas mãos para sinalizar, o que também facilita a visualização dos sinais por parte do público. Ela se refere ao público direcionando os próprios sinais a eles em diferentes direções, de modo a incluir todos os par- ticipantes que estão assistindo a sua apresentação. Essa sinalização é ampliada para facilitar a visualiza- ção dos interlocutores que estão mais afastados fisi- camente do palco. Sylvia também faz referência ao tempo, mantendo uma das mãos indicando o presente a sua frente no espaço neutro de sinalização e, ao mesmo tempo, re- ferindo ao passado com a outra mão no espaço mais atrás do seu corpo. Este é tomado como um ponto de referência na linha do tempo frente e atrás. O espaço atrás do corpo, nesse caso, corresponde ao passado, em oposição ao espaço à frente do corpo, que envolve o espaço neutro e o espaço mais à frente desse espaço neutro, que pode indicar o futuro, quando a referên- cia é temporal. Na sequência, ela faz várias referências a pessoas e ao lugar posicionando a apontação nas respectivas direções no espaço de sinalização. Então, passa a citar os surdos de referência de São Paulo in- dicados inicialmente nos slides (as fotos deles estão no slide), situando-os no espaço neutro a sua frente. Ela informa que eles (estabelecidos no espaço neutro) enviaram e submeteram informações a ela. Essa infor- mação acontece por meio de verbos espaciais (verbos com concordância que se movem no espaço incorpo- rando os referentes, um tipo de flexão verbal). Veja novamente partes do vídeo da Sylvia Lia editado para identificar esses elementos. Ela se movimenta entre a projeção dos slides e a sua posição original à direita, mantendo seu corpo posi- cionado nesse espaço e usa esse mesmo espaço, que compreende uma região no entorno do seu corpo, para estabelecer relações gramaticais de tempo, de referên- cia e de conexão entre os argumentos do discurso que configuram as posições de sujeito, dos verbos e dos objetos sentenciais. Em seguida, temos o vídeo de uma apresentação de um livro digital feita pela Profª Marianne Rossi Stumpf. Esse vídeo foi filmado em estúdio com uma perspectiva da câmera pré-fixada para a produção textual em es- paço intermediário. Nesse vídeo, o espaço intermediário é utilizado, pois foi feita uma produção em vídeo para um livro. Nesse caso, a sinalizante não conta com um espaço amplo ASSISTIR AO SEGUNDO TRECHO EDITADO DO VÍDEO DA SYLVIA LIA na videoaula. ASSISTIR AO VÍDEO DA PROFESSORA MARIANNE ROSSI STUMPF RE- LATIVO A UMA APRESENTAÇÃO DO LIVRO DIGITAL (Aquisição de Língua de Sinais – Marianne Rossi Stumpf, domínio público, versão atual do v-book disponível pela Editora Arara Azul, em https://edito- ra-arara-azul.com.br/site/produtos/detalhes/114 ). Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 18 19 GRAMÁTICADA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS de sinalização como a Sylvia Lia dispunha para produ- zir seu texto em Libras. A Marianne Stumpf conta com o espaço intermediário para estabelecer as relações gramaticais dentro do espaço estabelecido pela pers- pectiva apresentada pela câmera. No entanto, como vocês podem observar, o espaço de sinalização é am- plamente usado para fins gramaticais. A Marianne Stumpf inicia a sua apresentação a partir do espaço neutro com a direção do olhar estabelecida com o seu interlocutor, quem está assistindo ao vídeo, e espaços marcados para outras pessoas, coisas ou ideias. Ela alterna o olhar entre o interlocutor e as referências que estabelece no espaço de sinalização. Tais referências são genéricas, se referem a coisas em geral, ou seja, publicações e pesquisas diversas marcadas espacial- mente por meio dos verbos espaciais. A Marianne en- tão apresenta dois pontos espaciais contrastivos: o espaço à direita (na perspectiva de quem está assistin- do) para referir ao desenvolvimento da linguagem em crianças e adultos que falam uma língua oral e o es- paço à esquerda para indicar as crianças e os adultos que usam uma língua de sinais. Volta ao espaço neutro para explicar como o livro está organizado ao leitor, e, como este encontra-se estabelecido no próprio cor- po da sinalizante, os verbos são direcionados para o seu corpo para dizer que o leitor receberá essas infor- mações. Então, ela indica quatro aspectos que serão abordados por meio da apontação para os dedos da mão que representam uma lista de itens. Os itens são detalhados individualmente no próximo trecho. Cada item vai sendo referido no espaço associado à direção do olhar que é alternada entre o item que está sendo explicado e estabelecido no ponto espacial e o inter- locutor. No vídeo da Marianne, também aparece o uso do espaço múltiplo, ou seja, quando um mesmo sinal é realizado em diferentes espaços indicando uma rela- ção com diferentes pontos espaciais. Vamos rever os mecanismos espaciais elencados no vídeo da Marianne Rossi Stumpf com cada um dos ele- Estrutura argumental é determinada pela relação dos predicadores (verbos, nomes e adjetivos) com seus argumentos e pode ser analisada tanto do ponto de vista sintático como semântico, ou seja, o primeiro en- volve posições sentenciais (por exemplo: sujeito na posição de argumento externo, complemento na posição de argumento interno) e o segundo as funções semânticas (como agente, o beneficiário, o tema, o alvo, o paciente e o experienciador). O verbo INFORMAR que aparece no vídeo da Marianne Stumpf está em uma sentença que apresenta a seguinte estrutura argumental: [TEXTOS DIVERSOS] argumento externo [INFORMAR] predicador [LEITOR] argumento interno Nesse exemplo, o argumento externo é o sujeito da sentença do ponto de vista sintático e o tema do ponto de vista semântico; e o argumento in- terno é o alvo, considerando a perspectiva semântica, e complemento ocupando a posição de objeto direto da sentença do ponto de vista sintático. mentos indicados de forma explícita no próprio vídeo. A Marianne Stumpf está apresentando um livro e o seu conteúdo. É um texto informativo em que há con- teúdos elencados espacialmente e o interlocutor que receberá esse material. O texto produzido utiliza vários mecanismos gramaticais estabelecidos espacialmente com uma estruturação dos argumentos e os verbos es- pacialmente relacionados por meio do espaço, do cor- po e das direções do olhar. O próximo vídeo é da Ivone Konder Ruiz, que conta um pouco de sua história como pessoa surda e sua relação na família. É uma filmagem de enquadramento restrito. ASSISTIR AO TRECHO EDITADO DO VÍDEO DA MARIANNE ROSSI STUMPF na videoaula. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 Highlight 20 21 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS No vídeo, Yvone Konder Ruiz está se filmando utilizan- do seu próprio equipamento para isso, que pode ser um celular ou um computador. A filmagem foi feita com um espaço restrito de sinalização. Yvone utiliza o po- sicionamento do corpo para indicar os referentes ao longo do vídeo, assim como pontos espaciais estabe- lecidos à sua direita, no espaço marcado à sua esquer- da e no espaço neutro. Também faz apontações para indicar os referentes, utiliza verbos espaciais, alterna a direção do olhar e utiliza pronomes demonstrativos e possessivos associados aos pontos no espaço. Vamos verificar novamente o vídeo da Ivone Konder Ruiz com tais mecanismos gramaticais indicados no próprio vídeo. Nesse vídeo, fica evidenciado o uso de mecanismos gramaticais espaciais ajustados devidamente ao es- paço restrito para a produção dos sinais. Os compo- nentes gramaticais espaciais aparecem nos diferen- tes contextos de sinalização, independentemente da disponibilidade espacial que o sinalizante tem no ato de enunciação. O que acontece é um ajuste da sinali- zação para enquadrar no espaço disponível todos os mecanismos espaciais necessários para produção dos sinais por meio de combinações que expressem senti- do em um texto. De forma mais radical ainda, os surdos estão usan- do o celular sistematicamente para enviar mensagens ASSISTIR AO VÍDEO DA YVONE KONDER RUIZ (Literatura em Libras – Conto “A luta”, de Yvone Konder Ruiz – Repositório UFSC, domínio pú- blico, acessado em 15 de setembro de 2020). ASSISTIR AO TRECHO EDITADO DO VÍDEO DA YVONE KONDER RUIZ na videoaula. uns para os outros em Libras em um espaço altamente restrito. O próximo vídeo é da Miriam Royer, enviado no Whatsapp. Nesse vídeo, o espaço está limitado à tela do celular. Além disso, como a Miriam Royer está segu- rando o celular, ela utiliza apenas uma mão para pro- duzir seu texto em Libras. Os mecanismos espaciais, ainda assim, são preservados, em um espaço altamen- te restrito, pois são cruciais para a produção de textos gramaticais e com sentido. A seguir vamos analisar a filmagem realizada em es- paço altamente restrito: no celular, com uma mão segu- rando o aparelho e a outra mão produzindo os sinais. Apesar das restrições aplicadas ao texto produzido com esse espaço tão pequeno, ele ainda é compre- ensível. Miriam Royer também está de máscara, mas mesmo assim o texto está coeso e coerente. Ela inicia o vídeo sinalizando para o interlocutor com a apon- tação associada à direção do olhar. Introduz o refe- rente (o texto) no espaço por meio da apontação e do próprio sinal de TEXTO ao lado do ponto espacial no espaço marcado que indica o interlocutor em frente ao sinalizante. Vocês podem ver que são pontos espa- ciais muito próximos, mas que são produzidos de for- ma distinta, ou seja, apresentam contraste. No ponto espacial atribuído ao TEXTO, ela produz verbos espa- ciais na mesma direção. Na sequência, Miriam alterna pontos espaciais para especificar partes específicas do TEXTO associando-os à direção do olhar e utilizan- do tais pontos nos verbos espaciais. Utiliza a aponta- ção várias vezes e volta então a direcionar os verbos e a apontação ao interlocutor, levantando a possibili- dade de conclusão da revisão pelo interlocutor, caso seja possível, ou voltando a ser indicada por meio do ASSISTIR AO VÍDEO DA MIRIAM ROYER (Vídeo da Miriam Royer, publi- cado mediante autorização). Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 22 23 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS verbo espacial que inclui o próprio corpo da sinalizan- te como objeto sentencial (corpo como referência). Mi- riam Royer também utiliza o posicionamento do corpo. Veja tais mecanismos gramaticais espaciais no vídeo com as devidas anotações: Apesar do espaçoaltamente restrito, o texto produ- zido em sinais com apenas uma mão e nesse espaço foi ajustado para apresentar os devidos mecanismos gramaticais que envolvem o uso do espaço gramati- cal na Libras. Assim, independentemente do espaço disponível para a realização do texto em Libras e, da mesma forma, apesar do contexto e do tipo de texto, os mecanismos gramaticais espaciais serão utilizados na sua composição. Espaços de sinalização e visualização do corpo ASSISTIR AO TRECHO EDITADO DO VÍDEO DA MIRIAM ROYER na vi- deoaula. Espaço amplo Espaço intermediário Espaço restrito Espaço altamente restrito O corpo todo está visível. O corpo está enquadrado em um espaço determinado. O tronco, os bra- ços e a cabeça estão visíveis. O corpo está par- cialmente visível restrito apenas aos ombros. As mãos, parte dos braços e o rosto estão visíveis. O corpo quase não está visível, apenas o rosto, um dos ombros e um braço. Em todos os espaços disponíveis para a sinalização, a língua de sinais apresenta uma dimensão tridimensio- nal. Assim, dentro de cada espaço a partir do corpo, também é estabelecida uma linha de tempo que parte do espaço neutro para o que está sendo dito, do es- paço atrás do corpo do sinalizante e do espaço a sua frente, que podem remeter a questões temporais. Isso ficou mais claro no vídeo da Sylvia Lia. Os elementos gramaticais que são realizados no espa- ço, identificados nesses vídeos, foram os seguintes: A questão espacial é determinante nas línguas de si- nais, desde a formação dos sinais até a composição discursiva. Os sinais são formados de combinações de configurações de mãos, movimentos e localizações, além de expressões faciais e orientações das mãos. As localizações associadas a cada sinal integram o espa- Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 24 25 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS ço de sinalização. Essas localizações podem determi- nar a diferença no significado de uma palavra. Vejamos um exemplo da Libras: Esses dois sinais se contrapõem por causa da locali- zação. AZAR é produzido na frente do nariz, enquanto DESCULPA é produzido na frente do queixo. Portanto, a localização dos sinais em si, como palavras efetiva- mente, é relevante na formação do sinal. As palavras também podem ser produzidas em espa- ços diferentes, caso estejam associadas a pontos es- tabelecidos no espaço. Nós vimos vários exemplos nos vídeos analisados até aqui. Os pontos estabelecidos no espaço por meio da apontação ou pela produção dos sinais onde são loca- lizados são contrastivos, ou seja, são disponibilizados no espaço para diferenciar referentes do discurso. Tais pontos são localizados espacialmente em uma área definida pelo sinalizante. Quando são introduzidos de forma múltipla, a tendência é de serem colocados em pontos opostos, mas nem sempre isso é possível, como vimos no texto produzido no celular pela Miriam Royer. Os pontos para o interlocutor e para o TEXTO ficaram lado a lado, pois o espaço já era restrito por natureza. Nesse caso, associar os pontos com a direção do olhar AZAR DESCULPA Quadros (2019, p.61) torna mais clara a referência, por isso é um mecanismo que normalmente está associado aos pontos estabe- lecidos. A lista de itens é estabelecida espacialmente, um me- canismo produtivo nas línguas de sinais que apareceu no vídeo da Marianne Stumpf. Sinalizantes utilizam o próprio corpo por meio dos dedos de uma das mãos para elencar, listar, referenciar elementos em série. Os dedos das mãos se apresentam espacialmente de acordo com o número de itens elencados: dois, três, quatro, cinco ou mais. O “mais” é indicado abaixo dos dedos ao ultrapassar os cinco itens (a quantidade de dedos disponível em uma das mãos) como elementos adicionais. Normalmente, a lista compreende no máxi- mo seis a sete itens, quando esse recurso espaço-cor- poral é utilizado. Esses mecanismos espaciais estão no nível do discur- so restringidos pela sintaxe, ou seja, pela estrutura da língua. No nível ainda mais amplo, há ocorrências de estruturas espaciais associadas ao corpo: posiciona- mento do corpo e o corpo em si enquanto argumento da estrutura. Vamos analisar em mais detalhes a ques- tão do corpo. Corpo nas línguas de sinais O corpo do próprio sinalizante é uma das localiza- ções possíveis de serem usadas no espaço gramatical. O corpo pode ser em si uma posição argumental utili- zada de diferentes formas: para representar a primeira pessoa por meio da apontação para si, para represen- tar a posição de um referente incorporado no corpo, para estabelecer relações argumentais por meio de contrastes entre uma posição e outra, entre um refe- rente e outro. A Yvone Konder Ruiz utilizou o posiciona- mento do corpo para explicitar os referentes aos quais se reportava no seu texto em Libras. Ela movia levemen- te o corpo para frente à sua direita para associar o que Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 26 27 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS estava dizendo aos referentes estabelecidos no espa- ço à sua direita e mantinha esse posicionamento até se referir a ela mesma, movendo então o corpo para a posição neutra ou para outro referente estabeleci- do no lado esquerdo, direcionando levemente o corpo para a esquerda. Esses movimentos de um lado para o outro em diferentes posições corporais garantem a compreensão do texto produzido pela sinalizante. No entanto, essa movimentação do corpo é bastante sutil, especialmente se o espaço de sinalização é mais res- trito. Além do posicionamento do corpo, este pode repre- sentar o próprio sinalizante na qualidade de referente e argumento do discurso, ou seja, o corpo do sinalizan- te pode ocupar a posição argumental de sujeito ou de objeto da estrutura produzida selecionados pelo verbo como argumento externo ou interno, respectivamente. Quando o sinalizante produz verbos espaciais com concordância que incorporam a posição do corpo, este passa a ser o componente da estrutura da frase ou das frases produzidas. Vários exemplos em todos os textos produzidos ilustram esse tipo de uso do espaço gramatical. Marianne Stumpf, por exemplo, produziu o verbo INFORMAR na direção do corpo para representar o corpo como os possíveis leitores do v-book. O corpo, nesse caso, passou a ser o argumento interno do ver- bo INFORMAR, ocupando a posição de objeto direto do verbo. O corpo por meio da direção do olhar também é usa- do ao longo do discurso como um mecanismo grama- tical associado aos pontos referenciais e à apontação. A direção do olhar normalmente é produzida simulta- neamente com outros elementos espaciais. Partes do corpo podem ser usadas para estabelecer referência. Os dedos das mãos como parte do corpo, como já mencionado, podem representar uma lista de itens. O corpo pode ser usado para retratar um mapa em que as localizações são indicadas, ou ainda, pode ser utilizado para representar partes do corpo ou for- mas que sejam usadas como referência dentro de um texto em Libras, que é o caso dos classificadores ou descritivos visuais. Nas unidades seguintes, vamos aprofundar sobre es- ses usos gramaticalizados do corpo. Sandler e Lillo-Martin (2006) discutem aspectos da produção simultânea dos mecanismos gramaticais. A simultaneidade é altamente produtiva nas línguas de sinais. Os exemplos que foram analisados nessa unida- de evidenciam essa simultaneidade na Libras. As auto- ras levantam três razões para essa simultaneidade: (1) a motivação, uma vez que as línguas de sinais se apre- sentam no corpo e pelo corpo utilizam a simultaneida- de porque podem usá-la (diferente das línguas orais); (2) a natureza dos sistemas de produção e percepção,uma vez que as línguas de sinais são mais visíveis e mais facilmente percebidas por usarem o corpo (face, mãos, braços, tronco e cabeça) e o espaço é visível aos sinalizantes (em oposição às articulações dos sons das línguas orais); e (3) as restrições de processamento, pois se leva mais tempo para produzir um sinal do que produzir uma palavra falada (numa língua oral), mas mesmo assim o comprimento das sentenças coincide, por causa da simultaneidade em oposição à linearida- de; além de impactar na memória, pois a produção se ajusta à capacidade de memória (como os sinais levam mais tempo para serem produzidos, a simultaneidade compensa isso para que seja processada pela memó- ria de forma apropriada, não comprometendo a per- cepção). Síntese da unidade 2 - Espaço gramatical e corpo Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 28 29 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Nessa unidade, começamos a reconhecer o uso do espaço e do corpo gramaticalizados na Libras a par- tir de produções realizadas em diferentes espaços de sinalização: amplo, intermediário, restrito e altamente restrito. Apesar das diferentes dimensões de produção dos sinais, os aspectos gramaticais que se manifestam por meio dos usos do espaço e do corpo na Libras sempre estão presentes. Esses aspectos são redimen- sionados no espaço disponível pelo sinalizante. Entre eles, aprendemos a reconhecer o posicionamento do corpo, o corpo como argumento, a direção do olhar, o estabelecimento de pontos no espaço de sinalização, o uso da apontação, o uso de partes do corpo, a mar- cação temporal no espaço, o espaço neutro e o espaço contrastivo. Com todos esses mecanismos gramaticais, reconhecemos a complexidade das línguas de sinais que acontecem tridimensionalmente. Atividades 1) Assista ao vídeo “Ser Surdo”, da Edinata Camargo (Imersão em Libras da Signa), e identifique os usos do espaço gramatical marcando as opções observadas procurando registrar como cada um destes elementos é utilizado pela sinalizante: a. ( ) apontação: _________________________________________ ___________________________________________________________________ b. ( ) estabelecimento de pontos no espaço: ___________ ___________________________________________________________________ c. ( ) espaço temporal (passado): ________________________ _________________________________________________________________ d. ( ) espaço temporal (presente): ________________________ _________________________________________________________________ e. ( ) espaço temporal (futuro): ___________________________ _________________________________________________________________ f. ( ) espaço contrastivo: ________________________________ _________________________________________________________________ g. ( ) espaço neutro: _____________________________________ ___________________________________________________________________ Feedback: Todos esses elementos aparecem no ví- deo “Ser Surdo”, de Edinata Camargo. Ela está falan- do sobre aspectos inerentes do ser surdo e utiliza o posicionamento do corpo se incluindo nesse grupo e referindo aos aspectos abordados. Introduz uma me- táfora e sinaliza uma ÁRVORE no espaço à direita e outra no lado esquerdo de forma contrastiva. Situa o movimento surdo que se instaura há muito tempo (pas- sado) utilizando a referência temporal no espaço atrás do corpo. O espaço neutro é utilizado como base re- ferencial e temporal situando o presente e o tempo da sinalização. A frente refere o futuro. Edinata alterna a direção do olhar ao longo do discurso à medida que estabelece os referentes. 2) Nesse mesmo vídeo, veja o uso do corpo para pro- duzir sinais pela sinalizante e então marque todos os componentes que integram esses usos: a. ( ) as mãos: _____________________________________________ ___________________________________________________________________ b. ( ) posicionamento do corpo: __________________________ ___________________________________________________________________ c. ( ) a direção do olhar: __________________________________ ___________________________________________________________________ d. ( ) o corpo como sujeito da frase: _______________________ ___________________________________________________________________ e. ( ) o corpo como objeto da frase: _______________________ ___________________________________________________________________ f. ( ) o corpo para localizar os sinais: ______________________ ___________________________________________________________________ Metáfora é um mecanismo semântico realizado por meio de palavras ou expressões com intuito de representar outras coisas ou qualidades que remetem às palavras por analogia ou semelhança. Por exemplo, em português, “touro” pode remeter à “força”. No exemplo dado por Edinata em Libras, ela usa a metáfora ÁRVORE de um lado e ÁRVORE de outro para representar as relações entre os surdos. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 30 31 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Feedback: Edinata utiliza as mãos como lista ao referir aos elementos abordados que integram o ser surdo ao final do vídeo. A direção do olhar aparece várias ve- zes associada às referências temporais e aos pontos estabelecidos no espaço. Ela utiliza o posicionamen- to do corpo se incluindo nesse grupo e referindo aos aspectos abordados. Utiliza o corpo para indicar os surdos na posição de sujeito e na posição de objeto marcadas também pelos verbos espaciais. Localiza os sinais no espaço, como o exemplo da ÁRVORE de um lado e de outro acompanhadas pela posição do corpo virada para um lado e para o outro conforme a árvore indicada. ESPAÇO REFERENCIAL: A GRAMÁTICA DA REFERÊNCIA NA LIBRAS Objetivos Reconhecer o uso do espaço referencial na Libras constituído na gramática dessa língua. Nesta unidade, vamos analisar o fenômeno gramatical da re- ferência na Libras. A referência é uma parte importante da ela- boração discursiva, pois as línguas falam e sinalizam sobre as coisas, as pessoas, as ideias e os sentimentos. Para fazer isso, é preciso referir. Na Libras, o estabelecimento referencial aconte- ce de diferentes formas. Vamos estudar tais formas para com- preender como se introduz tais componentes referenciais no discurso dessa língua utilizando o espaço, o corpo e os sinais. Inicialmente, vamos entender melhor sobre esse fenômeno gra- matical e então analisaremos em produções em Libras como isso acontece. 33 Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 Highlight 32 33 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Conceitos Referência é dicionarizada como ação ou efeito de referir, mencionar algo ou alguém, indicar algo ou al- guém. O que se conta ou se relata. Do ponto de vista dos estudos da linguagem, refe- rência é um mecanismo altamente complexo, pois por meio de uma indicação passa a representar algo ou alguém que pode ser uma instância única no momen- to da fala ou sinalização. Vamos pensar sobre a refe- rência utilizando como exemplo um pronome qualquer que pode indicar uma pessoa em qualquer língua: Quem é “ele” ou “ela” ou a pessoa indicada pela apon- tação na língua de sinais? Do ponto de vista da filosofia da linguagem, a ques- tão da referência é mais complexa porque não é uma entidade estável, não simplesmente uma relação de uma palavra com seu sentido, pois este vai depender de quem está falando em um determinado contexto. Isso é observado nas línguas de sinais da mesma for- ma, especialmente por meio do “apontar”. Berenz (1996) estudou aspectosda referência na Li- bras com foco na dêixis. O termo “dêixis” vem do gre- go e significa “apontação” ou “indicação” (LYONS, 1977). Faz todo o sentido usar a palavra “dêixis” para as ma- nifestações que usam o apontar ou o indicar na Libras. Ele / Ela Mas vejam que esse é um fenômeno que se observa em todas as línguas. Quando usamos “ele/ela” em por- tuguês, também estamos indicando alguém que será identificado no contexto do momento da produção do pronome, da mesma forma quando usamos o sinal de apontar em Libras. Sabemos a quem ou ao que se refe- re a apontação somente no ato da sinalização em um determinado contexto linguístico. A dêixis, no entanto, é um fenômeno que envolve pro- priedades formais. É uma forma gramatical de trazer o contexto para dentro da prática linguística. As catego- rias clássicas de dêiticos incluem pessoa, tempo, lugar e espaço dependentes do contexto e do momento da enunciação. Na Libras, temos o uso da apontação de forma pro- dutiva como dêiticos para indicar os pronomes pesso- ais, os pronomes de lugar, os dêiticos temporais e os pronomes demonstrativos e possessivos. Nem sempre a forma dos pronomes envolve apenas a apontação com o dedo indicador, apesar de a apontação ser a mais comum de todas. Pronomes demonstrativos com uso da mão: A referência depende do contexto em que é estabelecida no momento da enunciação. ESTE/ESTA ESTES/ESTAS Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 34 35 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Pronomes possessivos com uso de configurações de mão específicas: Vamos identificar em um texto em Libras esses ele- mentos contextuais que indicam alguns elementos dê- iticos que podem referir pessoa, tempo, lugar ou espa- ço. Nesse vídeo, há diferentes tipos de estabelecimen- to referencial. “As brasileiras” é um poema produzido por um duo de poetas, Anna Luiza e Klícia Campos. As duas elaboram partes do poema individualmente re- presentando cada uma um território do Brasil e, tam- bém, produzem componentes em conjunto para repre- sentar coisas em comum. Essa variação entre produzir sozinha e produzir em conjunto por si só já representa um mecanismo referencial. Essa possibilidade aconte- ce por ser um poema, ou seja, uma produção artística. Os poemas manifestam potenciais gramaticais das lín- guas. Portanto, trazer esse poema para o escopo deste material torna-se importante. Percebam que o uso do espaço referencial está associado a cada poeta, incre- mentado pelo cenário, é claro. MEU/MINHA SEU/SUA/DELE/DELA MEU-PRÓPRIO ASSISTIR AO VÍDEO “As brasileiras”, de Anna Luiza Maciel e Klícia Cam- pos (Literatura em Libras, domínio público, acessado em 17 de setembro de 2020). A seguir, vamos assistir a um trecho do poema “As bra- sileiras” procurando identificar todos os componentes usados no espaço referencial. As duas iniciam o poema utilizando o pronome de- monstrativo associado ao espaço ocupado pelo corpo: “ESSA (movimentando o demonstrativo de cima para baixo ao longo do corpo) BRASILEIRA (cada uma pro- duz da mesma forma) BRASIL (produzido pelas duas de forma criativa)”. As referências introduzidas foram “elas mesmas”, “brasileira” e “Brasil”. A terceira, Brasil, foi introduzida pela composição das duas de forma criativa, ou seja, com a junção dos dois sinais produzidos para BRASIL, que utiliza apenas uma mão, e passa a configurar com duas mãos (uma mão de cada poeta). A anáfora inclui dêiticos e envolve as referências a algo que foi introduzido preliminarmente no texto. As- sim, podemos contar com relações gramaticais esta- belecidas por meio da anáfora que conserva as refe- rências estabelecidas no texto. Como isso acontece na Libras? Ainda considerando o vídeo “As brasileiras”, contamos com o estabelecimento de referência por meio de dêiti- cos que têm função anafórica. Ou seja, os dêiticos que apareceram mais de uma vez, serviram para retomar a referência introduzida anteriormente dentro do texto. Os dêiticos envolvem pessoas por meio de pronomes; lugares por meio de pronomes ou advérbios ou posi- cionamento dos sinais; espaço por meio de pronomes de lugar e entidades por meio de demonstrativos. ASSISTIR AO PRIMEIRO TRECHO EDITADO DO VÍDEO DO POEMA “AS BRASILEIRAS”, de Anna Luiza Maciel e Klícia Campos, na videoaula. Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 36 37 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS No vídeo “As brasileiras” aparecem elementos dêiticos que só podem ser identificados propriamente ao assis- tirmos a toda sinalização compreendendo o contexto e o sentido do que está sendo dito na enunciação em si, no momento do texto produzido, no tempo do tex- to em si. São, além dos pronomes demonstrativos, os pronomes pessoais e o uso de sinais produzidos em pontos espaciais específicos, o que confere ao sinal a referência específica de pessoas, entidades, ideias e sentimentos. A anáfora é uma forma de estabelecer a coesão tex- tual. Na Libras, já identificamos algumas formas de apontar e de estabelecer referência que podem ser usadas como elementos anafóricos. Os dêiticos são usados no espaço referencial de for- ma gramaticalizada. Na Libras, representam pontos situados no espaço no entorno do sinalizante. Para serem estabelecidos, necessariamente o sinalizante precisará seguir convenções gramaticais intrínsecas à língua. Quadros (1997) apresenta restrições que se aplicam no estabelecimento de referentes no espaço de sina- lização. Os pontos estabelecidos no espaço não são atribuídos de forma aleatória. Ainda, os pontos serão arbitrários com referentes abstratos (por exemplo: paz e amor) ou para referentes de subcomponentes de um todo mencionados individualmente (por exemplo: sa- las de um prédio). Haverá uma relação da direção na qual o ponto é estabelecido congruente com a pessoa, a entidade ou o objeto referido (por exemplo, apontar para cima para referir ao norte e para baixo para refe- rir ao sul). Quando os referentes estão presentes no ato da si- nalização, o ponto é estabelecido na direção do re- ferente, porque, nesse caso, o estabelecimento de re- ferência no espaço segue o princípio “real”, ou seja, a localização verdadeira deles. Isso se aplica também para localizações no espaço. Normalmente, a apontação é acompanhada da di- reção do olhar, mas é possível também manter o olhar estabelecido com o interlocutor, enquanto se aponta para outra direção. Seguem algumas regras que são observadas na Li- bras para se estabelecer a referência no espaço: 1) Apontar para um ponto estabelecido no espaço de forma contrastante com demais pontos (incluem os pontos reais e os tokens); 2) Associar um sinal no próprio ponto para sobre- por o sinal ao referente previamente estabelecido no mesmo ponto determinando uma relação com esse referente (chamados de espaço sub-rogado, em inglês surrogate); 3) Incorporar o ponto no movimento associado ao verbo; 4) Incorporar o ponto no movimento associado ao classificador; e 5) Retomar os pontos previamente estabelecidos de forma consistente. Para Liddell (1995), os pontos estabelecidos no espa- ço são instâncias associadas a imagens reais ou ima- ginárias que determinam a sua forma a partir de re- presentações mentais. O autor apresenta três tipos de referência por meio de representação mental: 1) Real – entidades visíveis no ambiente que são referidas na produção em sinais tomando a posição real dos referentes presentes como a posição na qual os pontos referenciais estabelecidos no espaço, reve- lando efetivamente a relação referencial real. 2) Token – o referente é imaginado pelo sinalizante no espaço referencial, é como se fossem cenas inteiras imaginadas em espaços estabelecidos pelo sinalizan- MalyMagalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 Highlight Highlight 38 39 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS te. Esses espaços são representados em miniatura por causa do espaço do token. Vários tokens podem ser estabelecidos para representar diferentes entidades no espaço referencial. 3) Sub-rogado – o próprio sinalizante passa a ser o referente em si, ele toma o lugar do referente para representá-lo no ato da enunciação. Assim, ele passa a ter a perspectiva do referente utilizando o próprio cor- po. Nesse caso, o sinalizante interrompe o olhar com o interlocutor e alterna fisicamente a posição do corpo. As expressões faciais e as características da postura não estão mais associadas ao sinalizante, mas ao re- ferente representado por meio do espaço sub-rogado. As referências “reais” e “tokens” representam os esta- belecimentos dos pontos no espaço gramatical de re- ferência. O espaço sub-rogado inclui a alternância de perspectivas. Esse último será detalhadamente anali- sado na próxima unidade, pois impacta na estrutura das línguas de sinais de diferentes formas. Em relação à suposta referência “real” indicada no espaço referencial na mesma direção do referente pre- sente no ato da enunciação, é preciso esclarecer que esse “real” não é o referente em si, pois continua sendo um ponto estabelecido no espaço de sinalização que é restrito e se localiza à frente do sinalizante. Vamos identificar diferentes formas de usar o espaço referencial na produção em Libras considerando o es- paço de sinalização à frente do sinalizante. Nessa parte do vídeo, as duas poetas compõem o poema posicionadas lado a lado e atrelam às suas respectivas posições às suas respectivas regiões do ASSISTIR AO SEGUNDO TRECHO EDITADO DO VÍDEO DO POEMA “AS BRASILEIRAS”, de Anna Luiza Maciel e Klícia Campos, na videoaula. país, previamente indicadas na parte 1 do poema: Klí- cia Campos do nordeste, no sertão, e Anna Luiza da região sudeste, em uma grande cidade. O próprio po- sicionamento das duas já situa a região referida espa- cialmente a partir dessa parte do vídeo. Klícia começa a sua produção utilizando sinais classificadores. Os classificadores serão estudados de forma mais deta- lhada na unidade 7. Na presente unidade, o importante é a localização espacial referencial indicada. A posição da Klícia é a primeira pessoa do discurso que está nar- rando o poema. Ela é referência corporificada durante toda a sua produção. Todos os demais referentes se realizam no seu entorno e a partir dela, devidamen- te indicados por sinais, pela direção do olhar e pelos posicionamentos do corpo. O entorno é referido com a utilização das duas mãos de forma alternada para citar diferentes referentes. Também foram usados si- nais com as duas mãos simultaneamente para referir elementos específicos. A direção do olhar acompanha todos os sinais produzidos. O sinal do dedo indicador que faz referência à pessoa é posicionado à esquer- da e, na sequência, à direita. Essa referência espacial indica que uma pessoa passou pela Klícia de um lado e depois outra pessoa passou pelo outro lado. Depois o sinal QUATRO é produzido passando por um lado e pelo outro, correspondendo a quatro pessoas que passaram por ela. Klícia ainda produz o sinal que se refere às árvores do cerrado passando por ela e às ca- sas pelas quais ela passa e as quais admira. O sinal de CASA foi produzido de forma repetida, múltiplas ve- zes, indicando várias casas ao longo da via por onde passava. E, então, estabelece a sua frente o sinal de igreja, concluindo a descrição do local. Anna Luiza, nesse sentido, também descreve sua região utilizando os mesmos mecanismos gramaticais: mãos alternadas para diferentes referentes, posicionamento do corpo e direção do olhar No vídeo, os pontos estabelecidos no espaço referen- Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 40 41 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS cial referem aos seguintes elementos dêiticos gramati- calizados por meio do espaço e que são considerados representações mentais por Liddell: Exemplos de componentes gramaticais identificados no vídeo “As brasileiras” Análise gramatical Classificação de Liddell (1996) Pronome demonstrativo Espaço real Pronome pessoal Espaço real Pronome de lugar Espaço real Mapeamento topográfico Espaço token Classificador de pessoa Espaço token Classificador de 4 pessoas Espaço token Todos os exemplos es- tão associados à dire- ção do olhar Direção do olhar Pode estar as- sociada aos es- paços das três categorias Posicionamento do corpo Espaço sub-rogado Posicionamento dos sinais: (1) pontos específicos Podem estar associados aos espaços das três categorias (2) pontos alternados Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 42 43 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS (3) pontos múlti- plos As referências pronominais de pessoa são identifi- cadas na Libras por meio da apontação. Lillo-Martin e Klima (1990) analisam a distribuição das apontações na Língua de Sinais Americana (ASL) que parece ser muito similar ao que observamos na Libras. Os autores propõem que os pronomes pessoais na ASL se apre- sentem como primeira pessoa com a apontação para si e não primeira pessoa com a apontação no espaço referencial por meio de pontos estabelecidos na fren- te do sinalizante, relação que pode representar, por exemplo, a segunda ou terceira pessoas do discurso. Esses pontos no espaço de não primeira pessoa são tratados como tokens por Liddell. Padden (1986) trata dos pronomes de não primeira pessoa como formas estabelecidas espacialmente de maneira contrastiva, assim como elementos gramaticais que existem em ou- tras línguas naturais. Sinal referencial CHUVA no espaço de sinalização à direita acima do espaço neutro asso- ciado à direção do olhar simul- taneamente com o verbo REZAR produzido com a mão esquer- da no espaço neutro. CHUVA ocupa a posição de argumento externo, complemento do verbo REZAR na forma de objeto da sentença. Sinal referencial COPO estabe- lecido no espaço à esquerda com a mão esquerda simultane- amente produzido com o verbo COLOCAR realizado com a mão direita no espaço à direita, um verbo manual espacial que “segura a alça da jarra” e produz o movimento na direção do sinal COPO, complemento nominal, objeto da sentença. O espaço topográfico se distingue do espaço refe- rencial, sobretudo no que se refere aos mecanismos de pr ocessamento cerebral, que acontecem de for- mas diferentes para cada um deles. Emmorey, Corina e Bellugi (1995) apresentam pesquisas que evidenciam essa distinção, o espaço topográfico é processado no hemisfério direito e o espaço referencial no hemis- fério esquerdo do cérebro. O espaço topográfico tem uma relação com o tipo de espaço real apresentado por Liddell (1995), pois refere o espaço para comunicar informações espaciais diretas. No caso de “As brasi- leiras”, o espaço topográfico é o mapa do Brasil que se constitui geograficamente, com um determinado formato e que internamente apresenta localizações espaciais diretas, como a região nordeste e a região sudeste devidamente indicadas no próprio mapa. Os pontos espaciais apresentam funções referenciais de ordem linguística necessariamente associadas aos no- minais. Já o espaço topográfico não necessariamen- te apresenta função referencial. Uma das evidências da distinção é de estudos neurológicos com surdos que apresentavam lesões em um dos hemisférios ce- rebrais, as quais evidenciaram que o processamento do espaço topográfico acontece do lado direitodo cérebro, lado no qual aspectos visuais-espaciais são processados, enquanto o processamento do espaço referencial, relacionado com o uso de pronomes e de Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 44 45 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS verbos espaciais, acontece do lado esquerdo, lado no qual a linguagem é processada. Isso acontece porque há uma interação entre gesto e sinais muito intensa. O gesto aqui, no sentido de que está associado com aspectos não linguísticos propriamente ditos, mas que impactam na linguagem. O espaço topográfico pare- ce, portanto, representar uma produção mais gestual nas línguas de sinais, enquanto o espaço referencial é usado para ocupar posições argumentais na senten- ça, tanto do ponto de vista semântico como sintático (sujeito e predicado) que pode ser dissociado das po- sições reais dos referentes, mesmo quando estes este- jam presentes, exatamente porque o ponto referencial é abstrato. O espaço topográfico representa posições espaciais de ordem física; enquanto o espaço referen- cial, por meio dos pontos espaciais estabelecidos no espaço de sinalização, envolve referências arbitrárias na sentença apresentando funções de ordem linguísti- ca (gramatical). No entanto, é importante lembrar que os espaços topográficos e referenciais podem ser usa- dos sistematicamente e apresentar múltiplas funções, dependendo do contexto linguístico. No caso de “As brasileiras”, há uma referência explícita à região nor- deste e à região sudeste relacionada a cada uma das brasileiras, uma referência de lugar (embora o mapa desenhado apresente uma função topográfica). Berenz (1996) faz uma distinção interessante entre pronomes pessoais e demonstrativos. Parece haver uma relação diferenciada entre essas duas categorias gramaticais com a interação realizada em paralelo com a direção do olhar. No caso do demonstrativo, a direção do olhar associada ao pronome demonstrati- vo é necessária. O sinalizante parece convidar o seu interlocutor a olhar para o que está sendo demonstra- do acompanhando o movimento da mão com o olhar. Quando o sinalizante usa o pronome, isso não é neces- sário. Assim, Berenz ilustra o caso da primeira pessoa em contraste com a demonstração da primeira pessoa. Quando é pronome EU, ele continua a estabelecer o olhar com o seu interlocutor, mas quando é demons- trativo, o olhar acompanha a direção do sinal ESSA- -PESSOA. Identificamos em produções que, na verdade, o que parece ser necessário acompanhar o demons- trativo é o movimento da cabeça que coincide com o olhar. No caso da primeira pessoa ser demonstrada, é possível movimentar a cabeça na própria direção, mes- mo mantendo o olhar no interlocutor. Esse tipo de dis- tinção é que faz a diferença na fluência em Libras. São detalhes, mas eles impactam na forma e no sentido e evidenciam o quanto o sinalizante é fluente na língua. A seguinte foto ilustra o pronome EU na Libras: A foto do pronome estabelecido no espaço para ter- ceira pessoa, apresentada no início dessa unidade, evidencia uma instância do uso pronominal da apon- tação. Esse tipo de referência pronominal pode ser re- alizado em diferentes pontos do espaço, vejamos no- vamente: Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 46 47 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Na Libras, a terceira pessoa é como no inglês, pode referir “ele”, “ela”, “coisas” (no inglês seria it). Veja que pode ser produzido o pronome de terceira pessoa sem acompanhamento da direção do olhar. Seguem mais dois exemplos desse tipo de ocorrência: A apontação também pode ser acompanhada do olhar, veja o contraste entre apontar mantendo o olhar para o interlocutor ou direcionando o olhar para o re- ferente no espaço com função demonstrativa ou pes- soal, o que depende do contexto para ser propriamen- te identificado: A apontação para terceira pessoa, na verdade, é am- bígua quanto a sua função gramatical. Pode ser um pronome de terceira pessoa (ELE, ELA), assim como pode ser um demonstrativo (ISTO, AQUILO), mesmo configurando a forma com o dedo indicador, assim como pode ser um pronome de lugar (AQUI, ALI, LÁ). To- dos são dêiticos, porque necessitam do contexto para ganharem significado. A pessoa pode dizer em Libras que mora AQUI em Florianópolis, ou AQUI no Brasil, em- bora essas ocorrências do AQUI possam ser idênticas na sua forma, mas com significados diferentes. Assim como dizer AQUI próximo ao corpo para indicar que está em casa, mas AQUI em Florianópolis mais distante do corpo, embora represente AQUI da mesma forma, mas referindo a um local mais abrangente. A segunda pessoa, normalmente, tem a direção do olhar sobreposta à apontação: Os pronomes de primeira e segunda pessoas são mais claramente identificados como pronomes de pes- soa na Libras. Os pronomes demonstrativos, pronomes possessivos e os de lugar são dêiticos na Libras, pois seus respec- tivos significados dependem de cada instância do seu acontecimento na enunciação. No relato de Ivone Konder Rui sobre sua história de lutas, há usos de pronomes possessivos, conforme se- gue: DELEx DELEy Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 48 49 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Os pronomes demonstrativos envolvem referência com o uso de uma ou duas mãos, conforme segue: Como mencionado anteriormente, os pontos referen- ciais estabelecidos no espaço podem ser sobrepostos a outros sinais e serem incorporados pelos verbos e pelos classificadores. No caso da sobreposição de um sinal ao ponto esta- belecido previamente no espaço, o sinal simplesmente é empilhado no ponto para indicar uma relação intrín- seca com o referente. Vejam esses casos nas seguintes fotos: Havia sido estabelecido um ponto no espaço à es- querda do sinalizante que foi usado sobreposto pelo MEU MEU-PRÓPRIO ESTE/ESTA sinal CASA. O ponto referencial e a CASA estão sobre- postos. Os sinais podem ser empilhados no mesmo ponto referencial para indicar relações com o referente previamente estabelecido. Por exemplo, nesse caso, o sinalizante poderia ter dito que “Maria ficou em casa” ou que “a casa é da Maria”, caso previamente o ponto referencial estabelecido se referisse à Maria. Isso de- pende do contexto e das diferentes combinações de sinais sobrepostos ou sinalizados no ato da enuncia- ção. No caso de introdução de sinais nominais (substanti- vos) em pontos referenciais previamente estabelecidos, necessariamente o nome sinalizado é definido (não pode ser qualquer casa, nesse exemplo, mas sim é uma casa específica, definida). Incorporação dos pontos associados à primeira pes- soa (o próprio corpo do sinalizante) e o ponto da se- gunda pessoa (à frente do sinalizante na direção do interlocutor) no verbo com concordância ENTREGAR: CASA A casa (associada a esse ponto referencial) Quadros (2019, p. 83) Maly Magalhães Freitas malymfreitas@gmail.com 258.693.358-33 50 51 GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS GRAMÁTICA DA LIBRAS: ESTUDOS INTRODUTÓRIOS SOBRE SEUS COMPONENTES GRAMATICAIS Incorporação dos pontos associados à segunda pes- soa (à frente do sinalizante na direção do interlocutor) e à terceira pessoa (alguém previamente estabelecido em um ponto à esquerda do sinalizante) no verbo com concordância ENTREGAR: Da mesma forma que com verbos de concordância do tipo de ENTREGAR, esse modo de incorporação apresenta-se associado aos classificadores. Os classi- ficadores compõem uma categoria de sinais conside- rados “polimorfêmicos”, ou seja, são altamente comple- xos porque combinam