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LESÃO CELULAR, DOENÇAS DE ACÚMULO INTRACELULAR E ADAPTAÇÕES PATOLÓGICAS UNIDADE I PATOLOGIA Elaboração Jufner Celestino Vaz Toni Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..........................................................................................................................4 UNIDADE I PATOLOGIA ................................................................................................................................7 CAPÍTULO 1 INFLAMAÇÃO E REPARO ..................................................................................................... 9 CAPÍTULO 2 NEOPLASIAS ..................................................................................................................... 27 CAPÍTULO 3 EVASÃO DA MORTE CELULAR: PATOGENICIDADE DO CÂNCER........................................... 42 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................50 4 INTRODUÇÃO As células são participantes ativos em seu ambiente, adaptando constantemente sua estrutura e função às necessidades de mudanças e ao estresse extracelular. Geralmente, elas mantêm um estado normal, denominado homeostase, no qual o ambiente intracelular é mantido dentro de uma faixa relativamente estreita de parâmetros fisiológicos. Quando encontram estresse fisiológico ou estímulo patológico, elas podem se adaptar a um novo estado permanente enquanto mantêm sua vitalidade e função. As principais respostas adaptativas são hipertrofia, hiperplasia, atrofia e metaplasia. Se a adaptabilidade for excedida ou a pressão externa for inerentemente prejudicial, causará danos às células. Dentro de um determinado intervalo, a lesão é reversível e as células voltam a um estado básico estável. No entanto, o início intenso, contínuo e rápido de estresse pode causar danos irreversíveis e morte das células afetadas. A morte celular é um dos eventos mais críticos na evolução da doença em qualquer tecido ou órgão. É o resultado de múltiplas causas, incluindo isquemia (redução do fluxo sanguíneo), infecção, toxinas e resposta imunológica. A morte celular também é um processo normal essencial para a embriogênese, desenvolvimento de órgãos e manutenção da homeostase. A lesão celular acontece quando o estímulo agressivo, também chamado de estresse, ocorre de maneira excessiva por um tempo tão prolongado que a célula não consegue mais se adaptar de forma eficiente. Ocorre também quando são expostas a agentes lesivos. Outros fatores, como a falta de acesso a nutrientes essenciais, ou a ocorrência de mutações em regiões essenciais da célula, também podem contribuir para a possível ocorrência da lesão celular. Há diversos fatores que podem acarretar lesão celular, dentre eles, alteração genética, deficiência no metabolismo, agressões físicas (como as que podem ser ocasionadas devido a um acidente) ou em decorrência de uma infecção. De modo geral, a lesão celular pode progredir de maneira reversível ou irreversível. Quando reversível, a célula ainda apresenta capacidade de retornar ao estado basal, anterior às agressões sofridas durante o processo. Nesse estágio, pode-se destacar ainda que nenhum dano severo ocorre à membrana celular ou ao material genético. Por outro lado, quando irreversível, a lesão celular pode culminar na morte celular. Nesse ponto, é importante destacar que existem dois tipos de morte celular, com diferenças em seus mecanismos, morfologia e possíveis consequências ao organismo, denominados de necrose e apoptose. Uma célula está adaptada à determinada situação quando ela não se encontra mais em estado de homeostasia, mas também não apresenta lesões. As adaptações celulares podem ser classificadas como alterações, as quais podem envolver 5 INTRODUÇÃO mudanças morfológicas e funcionais em resposta às influências promovidas por seu meio externo, visando à sobrevivência da célula. Objetivos » Introduzir conceitos fundamentais sobre lesão celular, doenças de acúmulo intracelular e adaptações patológicas. » Caracterizar os principais aspectos relacionados com lesões celular, diferenciação celular, morte e neoplasias. » Entender as causas e os mecanismos dos diferentes tipos de lesões celulares e como as células se adaptam ou ativam os mecanismos de morte celular. 7 UNIDADE IPATOLOGIA De modo literal, a Patologia consiste no estudo (logos) do sofrimento (pathos), a qual envolve a investigação das causas das doenças e alterações relacionadas ao nível das células, dos tecidos e dos órgãos que podem causar sinais e sintomas nos pacientes. A etiologia é a fonte da doença, que inclui causas raízes e fatores modificadores. Hoje, reconhece-se que as doenças mais simples, como hipertensão, diabetes e câncer, são geradas por uma relação de suscetibilidade genética hereditária e várias influências ambientais. Compreender os fatores genéticos e ambientais que causam doenças é um tópico importante na medicina moderna. Figura 1. Patologia dos cânceres. Mutações adquiridas (ambientais) Agentes que danificam o DNA: químicos; radiações; vírus. Célula normal Dano ao DNA Mutação no genoma de células somáticas Mutações herdadas – Genes que afetam o reparo ao DNA e genes que afetam o crescimento celular ou apoptose. Ativação de oncogenes promotores de crescimento Alterações nos genes que regulam a apoptose Inativação de genes supressores de tumor Expressão de produtos gênicos alterados e perda de produtos gênicos regulatórios Neoplasia maligna Expansão clonal Mutações adicionais Heterogeneidade Falha no reparo Reparo eficiente Fonte: elaborada pelo autor. A patogenia refere-se aos estágios de desenvolvimento da doença. Descreve como os fatores etiológicos iniciam as mudanças moleculares e celulares que causam as anormalidades estruturais e funcionais que caracterizam a doença. 8 UNIDADE I | PATOLOGIA Ao mesmo tempo que a etiologia está relacionada à causa da doença, a patogenia descreve como a doença se desenvolve. As definições de etiologia e patogenia não são apenas necessárias para entender a doença, mas também formam a base para o desenvolvimento de tratamentos racionais. Com isso, a patologia, explicando as causas e o desenvolvimento da doença, fornece uma base científica para a prática médica. Para diagnosticar e direcionar a terapia na atividade clínica, os patologistas descobrem modificações visualmente macro ou microscópica (morfologia) nas células e nos tecidos e as modificações bioquímicas nos líquidos corporais (sangue e urina). Os patologistas utilizam uma diversidade de procedimentos morfológicos, moleculares, microbiológicos e imunológicos que encontram as modificações bioquímicas na estrutura e na função decorrente das células, tecidos e órgãos em resposta a danos. Nesta disciplina, dividiremos o conteúdo em patologia geral e patologia sistêmica; a primeira enfoca as mudanças em células e tecidos ocasionadas por incentivos patológicos; ao mesmo tempo e que a segunda identifica as ações e dificuldades em diversos órgãos diferenciados. Abordaremos também nesta apostila, em primeiro lugar, as principais características da patologia geral e, posteriormente, as etapas para o desenvolvimento de uma determinada doença, em órgãos diferentes. 9 CAPÍTULO 1 INFLAMAÇÃO E REPARO O modo de viver de todos os organismos requer eliminação de invasores externos, como agentes infecciosos e tecidos danificados. Essas atividades são mensuradas por uma completa resposta do hospedeiro conhecida como inflamação. A inflamação consiste em uma resposta protetora que engloba a célula hospedeira, o vaso sanguíneo, a proteína e outros mediadores, para excluir o problema da lesão celular, bem como células e tecidos necróticos que surgem da lesão primária e iniciam o processo de reparo. A inflamação desempenha sua função protetora diluindo, destruindo ou neutralizandosupressores de crescimento. Todavia o acúmulo de células neoplásicas resulta também de mutações nos genes que regulam a apoptose. A via apoptótica pode ser dividida em: » reguladores a montante; » efetores a jusante. Os reguladores dividem-se em duas principais vias: uma que interpreta os sinais extracelulares e outra que interpreta os sinais intracelulares. O estímulo de cada via resulta na ativação de uma protease normalmente inativa: » caspase-8 é ativada na via que interpreta os sinais extracelulares; » caspase-9 é ativada na via que interpreta os sinais intracelulares. Esse estímulo inicia uma cascata proteolítica que envolve uma cascata de caspases “executoras”. Essas caspases “desmontam” uma célula de maneira ordenada. Dessa forma, os remanescentes celulares são consumidos eficientemente tanto pelas células vizinhas quanto pelos fagócitos sem estimular um processo inflamatório. 3.1.1. Via extrínseca A via extrínseca é iniciada quando o receptor TNF, como CD95 (Fas), une-se ao seu ligante, CD95L. Essa união promove a trimerização do receptor e de seus domínios de morte citoplasmática, atraindo a proteína adaptadora intracelular FADD. 43 PATOLOGIA | UNIDADE I A FADD recruta a procaspase-8 para formar um complexo de sinalização indutor da morte. Então, a procaspase-8 é ativada por clivagem dentro de subunidades menores, gerando caspase-8. Ela então ativa as caspases a jusante, como a caspase-3. A caspase-3 é uma caspase executora responsável por clivar o DNA e outros substratos gerando a morte celular. 3.1.2. Via intrínseca A via intrínseca da apoptose ocorre por meio de uma variedade de estímulos, incluindo: a retirada dos fatores de sobrevivência; o estresse; e a lesão. A ativação dessa via leva à permeabilização da membrana externa mitocondrial e à liberação de moléculas, como o citocromo C, que inicia a morte celular programada. A figura a seguir mostra, de forma simplificada, a sequência de eventos que levam à apoptose. Esses eventos ocorrem por meio de sinalização de: » receptores da família TNF: quando o evento acontece na via extrínseca; » dano ao DNA e outros estresses: quando o evento ocorre na via intrínseca. Neste caso, há: › nível reduzido de CD95; › inativação do complexo sinalizador induzido por morte pela proteína FLICE; › saída reduzida do citocromo c da mitocôndria como resultado de regulação crescente de BCL2; › níveis reduzidos de BAX pró-apoptótica resultante da perda de p53; › perda de APAF-I; › supera regulação de inibidores da apoptose. A integridade da membrana externa mitocondrial é regulada por membros pró- apoptóticos e antiapoptóticos da família BCL2 de proteínas. As proteínas pró-apoptóticas BAX e BAK são extremamente necessárias para a apoptose, promovendo diretamente a permeabilização mitocondrial. Nesse sentido, a ação da apoptose é inibida pelos membros antiapoptóticos da família BCL2, incluindo as proteínas BCL2 e BCL-Xl. Um terceiro grupo de proteínas, as chamadas proteínas BH3-only, que incluem as proteínas BAD, BID e PUMA, são responsáveis por regular o equilíbrio entre os 44 UNIDADE I | PATOLOGIA membros pró e antiapoptóticos da família BCL2. Elas promovem a apoptose uma vez que neutralizam a ação das proteínas antiapoptóticas (BCL2 e BCL-Xl). Figura 18. Esquema simplificado das vias deflagradas por dano ao DNA e induzidas pelo receptor CD95 de apoptose e mecanismo usado pelas células tumorais para se evadir da morte celular. Fast Faz (CD95) Estresse Radiação Substâncias químicas 1 2 4 3 5 6 FADD Procaspase-8 Complexo sinalizador induzido por morte Dano ao DNA Resposta de p53 Caspase-8 BID BAX / BAK Mitocôndrias Citocromo C . APAF-1 BCL-2 BCL-X IAP Caspase-9 Caspase-3 Substrato da morte APOPTOSE Fonte: Kumar et al., 2013. Vale ressaltar que, quando a proteína BH3 consegue passar a barreira antiapoptótica formada pelas proteínas BCL2 e BCL-Xl, as proteínas BAX e BAK são ativadas e formam poros na membrana mitocondrial. O citocromo C extravasa no citosol, ligando-se à APAF-1, ativando consequentemente a caspase-9. Vejamos algumas formas de como as células cancerosas buscam se evadirem da morte celular programada: 45 PATOLOGIA | UNIDADE I » a proteína BCL2 protege as células tumorais contra a apoptose; » cerca de 85% dos linfomas de células B do tipo folicular são portadores de uma translocação característica que ocorre da seguinte maneira: t(14:18) (q32;q21); » o lócus 14q32 cromossômico dos genes de cadeia pesada da imunoglobulina também está extremamente envolvido na patogenia do linfoma de Burkitt; » a justaposição desse lócus transcricionalmente ativo com BCL2, que se encontra localizado em 18q21, gera a superexpressão da proteína BCL2/BCL-Xl; » essa superexpressão, por sua vez, aumenta a concentração de BCL2/BCL-Xl; » esse fato protege os linfócitos contra a apoptose, permitindo que eles sobrevivam por longos períodos; » dessa forma, existe um acúmulo constante de linfócitos B, resultando em linfadenopatia e infiltração da medula. Como os linfomas que superexpressam BCL2 surgem em grande parte pela ausência ou redução da morte celular, esses linfomas tendem a possuir um crescimento lento, se comparados aos outros linfomas. Em alguns casos, os níveis reduzidos de CD95 tornam as células tumorais menos suscetíveis à apoptose pelo ligante Fas (FasL). Evadir-se da morte celular é uma arte para as células. Alguns tumores possuem altos níveis de FLIP, uma proteína capaz de se ligar ao complexo de sinalização indutor de morte celular, impedindo a ativação de caspase-8. TP53 é um importante gene apoptótico que induz apoptose nas células que são incapazes de reparar o dano do DNA. Da mesma maneira, a ação irrestrita dos genes promotores do crescimento como MYC culminam em apoptose. Dessa forma, estabelece-se que há duas principais vias oncogênicas: » incapacidade de reparar o dano ao DNA; » ativação inadequada dos oncogenes. Ambas as vias convergem no maquinário apoptótico, que, por causar morte celular, age como importante barreira à carcinogênese. Assim, as células cancerosas que conseguem evadir-se desse mecanismo estabelecem a doença no hospedeiro. A patogenicidade do câncer está intimamente relacionada com a instabilidade genômica. Assim, a instabilidade do genoma tem sido considerada extremamente importante na formação e progressão da neoplasia. 46 UNIDADE I | PATOLOGIA Como já estudamos, para se tornar neoplásica, a célula deve sofrer uma ou mais alterações no seu genoma. Essas mutações que ocorrem nos genes envolvidos no ciclo celular promovem descontrole nos mecanismos de controle do crescimento e da divisão. Assim, as células que tiveram os seus mecanismos de controle alterados possuem maiores chances de desenvolver novas anormalidades genéticas, tornando- se instáveis. Quando a célula sofre grandes danos no seu DNA, quando os mecanismos de reparo são insuficientes para reparar os danos gerados, há aumento nas: » translocações; » perdas de material cromossômico; » amplificações; » duplicações; » inversões de genes; » substituição de pares de bases. É importante fazer uma correlação entre patogenicidade do câncer e instabilidade genética: » quando ocorrem inserções, deleções, duplicações ou inversões na sequência codificadora, nós temos um aumento de produtos gênicos truncados ou encurtados; » quando ocorrem trocas de bases nitrogenadas, há alteração na sequência de aminoácidos do produto gênico, resultando em proteínas mal-formadas ou em produtos truncados; » quando ocorrem mutações externas à região codificadora, essas mutações podem afetar a transcrição, a tradução e o splicing do RNA mensageiro, bem como o seu processamento. Dessa forma, entendemos que existe uma relação entre: o agente causador desse dano e o grau de heterogeneidade do clone celular que se desenvolverá. Esse fato possui, por sua vez,uma estreita relação com a capacidade de algumas dessas células adquirirem resistência terapêutica e, portanto, complicam o prognóstico ao tumor. A variabilidade encontrada nas células tumorais é resultado da instabilidade genética que acontece no processo de tumorigênese. Essas anormalidades, dependendo de como e onde ocorrem, podem ser chamadas de instabilidade cromossômica. 47 PATOLOGIA | UNIDADE I Interessantemente, alguns estudos baseados na perda da heterozigose, ou seja, na perda dos segmentos cromossômicos em tecidos tumorais quando comparamos ao tecido normal, têm permitido identificar uma série de genes supressores extremamente importantes, como: » p53; » APC; » DPC4; » p16; » no processo carcinogênico de diversos tecidos. Esses segmentos cromossômicos (referidos acima) são fragmentos repetitivos de sequências que estão dispersas pelo nosso genoma, chamadas microssatélites. São formas de instabilidade genética em câncer: » instabilidade cromossômica; » instabilidade de microssatélite; » expansão ou contração de repetições de oligonucleotídeos em sequências de microssatélite; » frequência aumentada de mutações de pares de base. De fato, a formação do tumor ocorre a partir de uma ou mais mutações no genoma de uma célula. Assim, entendemos que há maior chance de desenvolvimento de novas anormalidades genéticas na célula que sofreu mutação. Assim, translocações, perda de material cromossômico, amplificações, duplicações, inversões, substituições de pares de base ocorrem quando a célula não consegue utilizar seu sistema de reparos adequadamente. Esses acontecimentos são conhecidos como instabilidade genômica e resultam na produção exagerada ou na falta de proteínas tanto normais quanto alteradas, levando a célula aos processos de: tumorigênese e progressão; e metastatização e recidiva. 3.2. Aneussomia nos tecidos tumorais Uma das formas de estudar a instabilidade genômica é analisar a aneussomia nos tecidos tumorais. A aneussomia consiste na variação do número de cópias de um ou mais cromossomos dentro de um lote normal de cromossomos em uma célula. 48 UNIDADE I | PATOLOGIA Os danos ao genoma alteram a expressão dos genes, contribuindo para o risco de morte celular nos tecidos neuronais. A geração de danos ao DNA acarreta ativação de vias que denotam desde regulação do ciclo celular até a morte celular dos organismos. O DNA é composto de um açúcar, fosfatos e bases nitrogenadas, ou seja, um nucleotídeo. Para dar origem à proteína, o DNA utiliza um código genético de quatro letras, correspondentes a quatro bases nitrogenadas: adenina, tirosina, citosina e guanina (A, T, C e G), e estas bases podem ser agrupadas (de várias formas diferentes) para formar diferentes proteínas. Estas bases podem ser arranjadas de 40 mil formas diferentes, por isso os genes podem ter tantas variações diferentes para fornecer toda a informação necessária para uma célula duplicar, crescer e realizar as suas funções. Figura 19. Respostas ao dano no DNA de eucariotos superiores. Resposta ao dano no DNA Dano ao DNA Reparo no DNA Regulação do ciclo celular Senescência Morte celular Instabilidade genômica Modificações Pós-traducionais Modificações Expressão gênica Fonte: adaptada de Alberts, 2017. O processo do DNA à proteína é realizado de forma ordenada para garantir que a informação seja fielmente transmitida de célula para célula. A proteína gerada no final do processo pode ser alterada se de alguma maneira o conteúdo duplicado, transcrito ou traduzido sofreu algum tipo de dano externo ou interno e as enzimas de reparo de DNA presentes no organismo não conseguiram reparar o dano. Essa célula não entrou em processo de morte celular e a mutação foi passada para as células filhas. Então, teremos um processo de instabilidade genética. Sabemos da importância do estrogênio para o câncer de mama. Ao longo dos anos, muitos estudos in vitro e in vivo demonstram que a exposição ao estrogênio durante toda a vida possui grande influência sobre o desenvolvimento e aumento do risco para o câncer de mama. 49 PATOLOGIA | UNIDADE I Quando o estrogênio atinge seu receptor na célula, este se liga propriamente ao DNA para realizar a transcrição. Então, o estrogênio compete com o hormônio pelo receptor e, ao se ligar nesse receptor e permear ao núcleo da célula, interfere diretamente nas cadeias de DNA, levando à instabilidade genômica. O próprio processo de duplicação do DNA pode ocasionar instabilidades espontâneas, quando, por exemplo, introduzem erros de pareamento, pareando erroneamente a base nitrogenada timina com a base nitrogenada guanina. Alterações no genoma são causadas por falhas nos mecanismos tradicionais de replicação do DNA. Além dos processos espontâneos de dano ao DNA, muitos fatores extrínsecos podem gerar alterações no DNA, incluindo: » radiações; » exposição a substâncias ambientais como toxinas; » calor; » acidentes metabólicos. Nesse contexto, apenas cerca de 0,02% das alterações se acumulam permanentemente na sequência de DNA. Assim, entendemos que a instabilidade genômica está diretamente ligada às mutações. A integridade do DNA é essencial para a sobrevivência celular, desse modo a replicação precisa ocorrer com grande fidelidade; quando isso não ocorre, o sistema de reparo precisa entrar em ação o mais rápido possível para que esse dano não se torne uma mutação permanente. Existem muitos agentes físicos e químicos que podem causar danos no DNA e, para que esses danos não sejam permeados para as células-filhas durante a fase S do ciclo celular, existem mecanismos de reparo do dano. Mas o reparo do dano ao DNA nem sempre ocorre de forma adequada; por isso, surgem mutações que podem levar à tumorigênese em mamíferos e à morte celular em tripanossomatídeos (REDON et al., 2012; GENOIS et al., 2014). O reparo aos danos no DNA é essencial para a vida. Então, as células desenvolveram múltiplas vias de reparo para as lesões ocorridas no DNA, reduzindo a replicação dos erros para as gerações futuras. 50 REFERÊNCIAS ALBERTS, B. et al. Biologia Molecular da Célula. 6. ed. 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Acesso em: 26 set. 2023. _Hlk30959005 _Hlk124793667 _Hlk124793751 _Hlk124793880 _Hlk58226011 Introdução UNIDADE I Patologia Capítulo 1 Inflamação e reparo Capítulo 2 Neoplasias Capítulo 3 Evasão da morte celular: patogenicidade do câncer Referênciasfatores nocivos (micro-organismos e toxinas). Trata-se de eventos que curam e reparam lesões. Sem inflamação, as infecções não seriam controladas e as feridas nunca sarariam. No contexto da infecção, a inflamação é parte de uma resposta protetora mais ampla, que os imunologistas chamam de imunidade inata. » Embora a inflamação ajude a eliminar a infecção e outros estímulos prejudiciais e inicie o reparo, a resposta inflamatória e o processo de reparo subsequente ainda podem causar danos significativos. Os componentes da resposta inflamatória que destroem e eliminam micro-organismos e tecidos mortos também podem danificar os tecidos normais. Dessa forma: » a lesão pode coexistir com respostas inflamatórias favoráveis e perfeitamente normais; » o dano pode se tornar uma característica importante se houver reação: › muito forte: quando a infecção é acentuada; › Prolongada: quando o agente causador resiste à erradicação; › Inapropriada: quando dirigido contra antígenos próprios em doenças autoimunes ou contra antígenos ambientais, geralmente inofensivos em doenças alérgicas. Algumas das muitas doenças que causam sofrimento físico são distúrbios resultantes de inflamação crônica inadequada. O processo inflamatório é de fundamental importância em praticamente toda a clínica médica. Normalmente, as moléculas e células de defesa do hospedeiro, incluindo leucócitos e proteínas plasmáticas, circulam na corrente sanguínea, e o objetivo da resposta inflamatória é levá-las ao local da infecção ou lesão tecidual. Além disso, as células 10 UNIDADE I | PATOLOGIA encontradas nas paredes dos vasos, das células e das proteínas da matriz extracelular (MEC) também estão envolvidas na inflamação e no reparo. Antes de descrever o processo inflamatório em detalhes, vamos nos concentrar em algumas funções básicas. 1.1. A inflamação pode ser aguda ou crônica A inflamação aguda tem início rápido e curta duração, que pode levar alguns minutos ou vários dias. É caracterizada pela exsudação de proteínas do fluido e do plasma e pelo acúmulo de glóbulos brancos (principalmente neutrófilos). A inflamação crônica pode ser mais insidiosa e durar mais (dias a anos) e é caracterizada por um influxo de linfócitos e macrófagos, acompanhada por proliferação vascular e fibrose (cicatrizes). No entanto, como estudaremos mais adiante, as duas formas básicas de inflamação podem se sobrepor e muitas variáveis modificam seu curso e aspecto histológico. A inflamação é causada por mediadores químicos produzidos pelas células hospedeiras em resposta a um estímulo prejudicial. Quando um micro-organismo entra no tecido ou o tecido é danificado, a presença de infecção ou dano é percebida pelas células residentes, principalmente macrófagos, mas também pelas células dendríticas, mastócitos e outros tipos de células. Essas células secretam moléculas (citocinas e outros mediadores) que induzem e regulam a resposta inflamatória. Mediadores inflamatórios também são feitos de proteínas plasmáticas que reagem com micro-organismos ou tecidos danificados. Alguns desses mediadores atuam em pequenos vasos sanguíneos próximos e promovem o fluxo de plasma e o recrutamento de glóbulos brancos circulantes para a localização de substâncias nocivas. Os glóbulos brancos recrutados são ativados e tentam remover as substâncias nocivas por meio da fagocitose. O efeito colateral da ativação de leucócitos pode ser dano aos tecidos normais do hospedeiro. As manifestações externas da inflamação, conhecidas como “sinais cardinais”, são: » calor; » rubor; » tumor (inchaço); 11 PATOLOGIA | UNIDADE I » dor; » perda de função. As manifestações dessas inflamações são o resultado de alterações vasculares e do recrutamento e ativação das células brancas do sangue, que ficarão aparentes na discussão a seguir. A inflamação geralmente é controlável e autolimitada. As células e os mediadores são ativados apenas quando são feridos e, como têm vida curta, serão degradados ou inativados quando as substâncias nocivas forem eliminadas. Além disso, vários mecanismos anti-inflamatórios são ativados. Se as substâncias nocivas não podem ser eliminadas rapidamente, o resultado pode ser uma inflamação crônica, capaz de causar graves consequências patológicas. Figura 2. Componentes das respostas inflamatórias, aguda e crônica, e suas principais funções. Mastócito VASOS Endotélio Membrana basal Macrófago Fibroblastos Células e proteínas da matriz extracelular Leucócito Proteínas plasmáticas Linfócito Monócito Plaquetas Fonte de mediadores (histamina) Resposta imune Eliminação de micro- organismos e tecido morto. Fonte de mediadores. Papel na resposta imune. Fonte de mediadores (óxido nítrico, citocinas, outros). Reparo Complemento: mediadores da inflamação, eliminação de micro- organismos. Fatores da coagulação e cininogênios (inflamação) Eliminação de tecido morto Músculo liso Fonte: Kumar et al., 2010. 1.2. Inflamação aguda A inflamação aguda consiste em uma troca ligeira que leva os glóbulos brancos e as proteínas do plasma para o local da lesão. Uma vez lá, os glóbulos brancos limparão os invasores e começarão o processo de digestão e remoção do tecido necrótico. A inflamação aguda tem dois componentes principais. » Alterações vasculares: modificações nos vasos ocasionando elevação do fluxo sanguíneo (vasodilatação) e mudanças nas paredes dos vasos que possibilitam as proteínas plasmáticas circularem (elevação da permeabilidade vascular). Ademais, as células endoteliais ativam-se, gerando elevação da adesão e migração de leucócitos por meio das paredes vasculares. 12 UNIDADE I | PATOLOGIA » Eventos celulares: os glóbulos brancos são removidos da microcirculação e acumulam-se na lesão (recrutam e ativam as células), permitindo-lhes eliminar as substâncias nocivas. Os principais glóbulos brancos na inflamação aguda são neutrófilos (leucócitos polimorfonucleares). 1.2.1. Estímulos para a inflamação aguda As reações inflamatórias agudas podem ser iniciadas por inúmeros estímulos. » Infecções: são ocasionadas por bactérias, vírus, fungos e parasitas e estão entre as causas clinicamente mais comuns da inflamação. » Traumas: são ocasionados por corte e penetração, bem como por vários agentes químicos e físicos, contando a lesão térmica, como queimadura profunda ou frio; irradiação; toxicidade de certos elementos químicos do ambiente. Possuem capacidade de afetar a célula do hospedeiro e conduzir as reações inflamatórias. » Necrose tecidual: incluindo isquemia, como no infarto do miocárdio, e lesão química ou física. » Corpos estranhos: podem ser representados por farpas, poeira, suturas e depósitos de cristais. » Reações imunológicas: são também denominadas de reações de hipersensibilidade a substâncias ambientais ou aos próprios tecidos. Esses gatilhos de reações inflamatórias não podem ser eliminados ou evitados, pois as reações tendem a ser persistentes, geralmente, com características de inflamação crônica. O termo doença inflamatória está relacionado ao sistema imunológico e, algumas vezes, é usado para se referir a esse grupo de distúrbios. Embora cada um desses estímulos possa produzir reações com características diferentes, todas as respostas inflamatórias compartilham as mesmas características básicas. Nesta seção, discutiremos sobre como os estímulos são reconhecidos pelo indivíduo, sobre as reações típicas da inflamação aguda e crônica, sobre as suas características morfológicas, bem como sobre os mediadores químicos que atuam nessas em relação à inflamação. 1.2.2. Reações vasculares na inflamação aguda A vasodilatação é causada por mediadores químicos, como a histamina (descrita posteriormente), e causa eritema e estagnação do fluxo sanguíneo. O aumento da permeabilidade vascular é induzido pela histamina, pelas cininas e por outros mediadores que criam aberturas entreas células endoteliais; por dano direto 13 PATOLOGIA | UNIDADE I ou induzido por leucócitos ao endotélio e por aumento do fluxo de fluido por meio do endotélio; o aumento da permeabilidade vascular permite que os leucócitos e as proteínas plasmáticas cheguem aos locais de infecção ou lesão tecidual; o fluido que vaza dos vasos sanguíneos causa inchaço. Na figura a seguir, estão descritas as principais manifestações locais da inflamação aguda comparadas a uma célula normal. » Dilatação vascular e aumento do fluxo sanguíneo: causando eritema e calor. » Extravasamento e deposição de líquido e proteínas plasmáticas: causando edema. » Emigração e acúmulo dos leucócitos: essencialmente os neutrófilos no local da lesão. Figura 3. Reações celulares e vasculares da inflamação aguda. NORMAL INFLAMADO Matriz extracelular Linfócitos ocasionais ou macrófagos residentes Arteríola Vênula Fluxo sanguíneo aumentado Emigração neutrófilos Extravasamento de proteínas plasmáticas Dilatação da arteríola Expansão leito capilar Dilatação da vênula Fonte: Kumar et al., 2010. Na figura 4 podemos observar que os fagócitos, as células dendríticas e muitos outros tipos de células epiteliais são capazes de expressar distintas classes de receptores que percebem a presença de micro-organismos e células mortas. 14 UNIDADE I | PATOLOGIA » Receptores do tipo Toll (TLRs) localizados na membrana plasmática, bem como na membrana dos endossomos e outros receptores de membrana plasmática e citoplasmáticos, como os membros de outras famílias que não sejam as TLRs, conseguem reconhecer os produtos de muitas classes de micro-organismos. Podemos perceber que as proteínas produzidas por ativação do TLR possuem muitas funções, mas, nesse esquema, somente o seu papel na inflamação é indicado. » O inflamossoma consiste em um complexo de proteína que reconhece produtos de células mortas, assim como alguns micro-organismos, induzindo a secreção de interleucina 1 (IL-1) biologicamente ativa. › Ou seja, o inflamossoma é um sensor proteico, constituído de: uma proteína rica em leucina, chamada NRLP3; um adaptador; e a enzima caspase-1, que é convertida da forma inativa para ativa. › Note que o inflamossoma é diferente dos fagolisossomas; estes também estão presentes no citoplasma, entretanto, são vesículas que possuem diferentes funções na inflamação. Figura 4. Sensores de micro-organismos e células mortas. EXTRACELULAR CITOSÓLICO ENDOSSÔMICO A B Lipídeo da parede celular da bactéria Polissacaríde o do fungo TLR Lectina Lipídeo da parede celular da bactéria RNA RNA e DNA TLR Citocinas, expressão aumentada das moléculas de adesão INFLAMAÇÃO AGUDA IL-1b secretada Gene pró- IL1b Pró-IL1b IL1b Núcleo Capspase- 1 ativa Capspase- 1 inativa ATP extracelular da bactéria patogênica Membranas plasmáticas Inflamassoma NLRP3 ERO (ROS) Cristais endógenos (MSU, CPP, colesterol). Cristais exógenos (alumínio, Fonte: Kumar et al., 2010. 1.2.3. Recrutamento dos leucócitos para o local da inflamação Os leucócitos são recrutados do sangue para o tecido extravascular contendo patógenos infecciosos ou tecidos danificados e são ativados para desempenhar suas funções. 15 PATOLOGIA | UNIDADE I O recrutamento de leucócitos é um processo de várias etapas que inclui adesão transitória e retrocesso no endotélio (mediada por selectina), adesão firme ao endotélio (mediada por integrinas) e migração entre os espaços endoteliais. Diversas citocinas promovem a expressão de selectinas e ligantes de integrinas no endotélio (TNF, IL-1), aumentam a afinidade das integrinas por seus ligantes (quimiocinas) e promovem a migração direcional de leucócitos (também quimiocinas); muitas dessas citocinas são produzidas por macrófagos de tecido e outras células que respondem a patógenos ou tecidos danificados. Por fim, os neutrófilos dominam o infiltrado inflamatório inicial e são então substituídos por macrófagos. 1.2.4. Mecanismos efetivos dos leucócitos Os leucócitos podem eliminar micro-organismos e células mortas por fagocitose e então destruir nos fagolisossomos. O dano é causado por radicais livres (EROs, NO) produzidos em células brancas ativadas do sangue e em enzimas lisossomais. As enzimas e as EROs podem ser disponibilizadas para o meio extracelular. Os mecanismos que atuam para eliminar micro-organismos e células mortas (que é o papel fisiológico da inflamação) também são capazes de danificar os tecidos normais (consequências patológicas da inflamação). Figura 5. Resultados da inflamação aguda: resolução, cicatrização por fibrose ou inflamação crônica. - Infarto - Infecções bacterianas - Toxinas - Trauma LESÃO LESÃO INFLAMAÇÃO AGUDA - Alterações vasculares - Recrutamento de neutrófilos - Mediadores RESOLUÇÃO - Remoção dos estímulos nocivos - Remoção dos mediadores e das células inflamatórias agudas - Substituição das células lesadas - Função normal Formação de pus (abscesso) Cura Cura Cura Progressão FIBROSE - Perda de função INFLAMAÇÃO CRÔNICA - Angiogênese - Infiltrado celular mononuclear - Fibrose (cicatriz) - Infecções virais - Infecções crônicas - Lesão persistente - Doenças autoimunes Fonte: Kumar et al., 2010. 16 UNIDADE I | PATOLOGIA 1.2.5. Ordem de acontecimentos na inflamação aguda » As alterações vasculares na inflamação aguda são caracterizadas por aumento do fluxo sanguíneo como resultado da dilatação das arteríolas e do leito capilar (eritema e calor). » O aumento da permeabilidade vascular, seja por meio de junções celulares distantes, seja por dano direto às células endoteliais, causa exsudato rico em líquido extravascular (edema de tecido). » Os leucócitos são principalmente neutrófilos. No início, aderem ao endotélio por meio de moléculas de adesão e, a seguir, deixam a microcirculação e migram para o local da lesão sob a influência de agentes quimiotáticos. » A fagocitose, a destruição e a degradação do agente nocivo ocorrem seguidamente. » Defeitos herdados ou adquiridos na função dos glóbulos brancos podem levar a infecções repetidas. » A inflamação aguda pode resultar na retirada do exsudato, recuperação da estrutura normal do tecido (resolução), transferência para inflamação crônica ou destruição extensa do tecido, levando à cicatrização. 1.2.6. Mediadores mais importantes da inflamação da célula As aminas vasoativas e os metabólitos do ácido araquidônico são os mediadores mais importantes da inflamação da célula. » Aminas vasoativas – histamina, serotonina: sua principal causa é a vasodilatação e a elevação da permeabilidade vascular. » Metabólitos do ácido araquidônico – prostaglandinas e leucotrienos: eles se apresentam em diversos modelos e estão englobados em reações vasculares, quimiotaxia de leucócitos e outras reações inflamatórias. Antagonizado por lipoxinas. A figura a seguir apresenta os principais mediadores derivados de células e de proteínas plasmáticas são mostrados. Figura 6. Mediadores da inflamação. Mediadores pré- formados em grânulos secretores Recém-sintetizados MEDIADORES Histamina Serotina Prostaglandinas Leucotrienos Ativador plaquetário EROs Óxido nítrico Citocinas Neuropeptídios FONTE Mastócitos, basófilos, plaquetas Plaquetas Todos os leucócitos, mastócitos Todos os leucócitos, mastócitos Todos os leucócitos, CE Todos os leucócitos Macrófagos, CE Macrófagos, linfócitos, CE Leucócitos, fibras nervosas Ativação do complemento Ativação do fator XII (fator de Hageman) C3a (anafilatoxinas) C5a C3b C5b-9 (complexo de ataque à membrana) Sistemas de cininas (bradicinina) Coagulação e sistema de fibrinólise PLASMA FÍGADO (Principal fonte) D ER IV A D O S D E PR O TE ÍN A S PL A SM Á TI C A S D ER IV A D O S D E C ÉL U LA S 17 PATOLOGIA | UNIDADE I Mediadores pré- formados em grânulos secretoresRecém-sintetizados MEDIADORES Histamina Serotina Prostaglandinas Leucotrienos Ativador plaquetário EROs Óxido nítrico Citocinas Neuropeptídios FONTE Mastócitos, basófilos, plaquetas Plaquetas Todos os leucócitos, mastócitos Todos os leucócitos, mastócitos Todos os leucócitos, CE Todos os leucócitos Macrófagos, CE Macrófagos, linfócitos, CE Leucócitos, fibras nervosas Ativação do complemento Ativação do fator XII (fator de Hageman) C3a (anafilatoxinas) C5a C3b C5b-9 (complexo de ataque à membrana) Sistemas de cininas (bradicinina) Coagulação e sistema de fibrinólise PLASMA FÍGADO (Principal fonte) D ER IV A D O S D E PR O TE ÍN A S PL A SM Á TI C A S D ER IV A D O S D E C ÉL U LA S Legenda CE – Células endoteliais Fonte: Kumar et al., 2010. As citocinas, geralmente, são as proteínas que são produzidas por muitos tipos de células são de curto alcance; eles medeiam muitos efeitos, principalmente no recrutamento e na migração de leucócitos. Os principais na inflamação aguda são: TNF, IL-1, IL-6 e quimiocinas. EROs, Espécies Reativas de Oxigênio, têm a função de destruição microbiana e danos nos tecidos. A função do óxido nítrico é a vasodilatação e a destruição microbiana. As enzimas lisossômicas têm como função a destruição microbiana e lesão tecidual. 1.2.7. Mediadores da inflamação derivados de proteínas plasmáticas » Proteínas do complemento: a efetivação do programa complementar de micro- organismo ou anticorpo leva à criação de variados produtos degradativos, com funcionalidade de quimiotaxia dos leucócitos, opsonização e fagocitose de micro- organismos e outras partículas e destruição das células. » Proteínas da coagulação: a ativação do fator XII desencadeia a coagulação, as cininas e as cascatas do complemento, e ativa o sistema fibrinolítico. » Cininas: produzidas pela clivagem proteolítica de precursores, eles modulam a resposta vascular e a dor. 1.3. Inflamação crônica A inflamação crônica é uma inflamação de duração prolongada (semanas, meses ou anos) que envolve simultaneamente inflamação ativa, destruição do tecido e reparo da fibrose. Lembre-se! 18 UNIDADE I | PATOLOGIA A inflamação aguda é categorizada por modificações vasculares, edema e infiltração neutrofílica, enquanto a inflamação crônica é categorizada por uma variedade de modificações que incluem: » infiltração de células mononucleares, incluindo macrófagos, linfócitos e plasmócitos; » destruição tecidual, induzida pelos produtos das células inflamatórias; » reparo envolvendo proliferação de novos vasos (angiogênese) e fibrose. 1.3.1. Progressão da inflamação aguda para inflamação crônica Essa transição ocorre quando uma reação aguda não pode ser resolvida porque o fator nocivo é persiste ou porque o processo normal de cura é interrompido. Por exemplo, uma úlcera péptica duodenal mostra inicialmente uma inflamação aguda acompanhada por um estágio inicial de resolução. Entretanto, lesões recorrentes do epitélio duodenal interrompem esse processo, o que causa trauma caracterizado por inflamação aguda e crônica. Alternativamente, algumas formas de lesão (por exemplo, respostas imunológicas, certas infecções virais) provocam resposta que inclui inflamação crônica desde o início. Veremos a seguir alguns contextos e que a inflamação crônica se origina. 1.3.1.1. Infecções persistentes por micro-organismos difíceis de erradicar Essas incluem as microbactérias, Treponema pallidum (o organismo causador da sífilis), alguns vírus e fungos, os quais tendem a formar infecções persistentes e desencadear resposta imune mediada por células T, chamadas de hipersensibilidade tardia. 1.3.1.2. Doenças inflamatórias imunomediadas (distúrbios de hipersensibilidade) Doenças causadas por ativação excessiva e inadequada do sistema imunológico são reconhecidas como grandes problemas de saúde. Sob certas condições, as respostas imunes se desenvolvem contra os próprios tecidos do sujeito, causando doenças autoimunes. Nessas doenças, os autoantígenos provocam resposta imunológica autocurativa que resulta em danos crônicos aos tecidos e inflamação. A inflamação causada por autoimunidade desempenha papel importante em várias doenças debilitantes comuns, como artrite reumatoide, doença inflamatória intestinal e psoríase. A resposta imune a substâncias ambientais é a causa de doenças alérgicas, 19 PATOLOGIA | UNIDADE I como a asma brônquica. As doenças imunomediadas podem apresentar uma mistura de inflamação aguda e crônica porque são caracterizadas por inflamação recorrente. Como o antígeno desencadeador não pode ser eliminado, essas doenças costumam ser crônicas e incuráveis. Exposição prolongada a substâncias potencialmente tóxicas, cujos exemplos incluem substâncias exógenas não degradáveis (como partículas de sílica), pode causar inflamação crônica nos pulmões quando inaladas, e substâncias endógenas (como cristais de colesterol), que podem causar aterosclerose. As formas leves de inflamação crônica podem ser importantes na patogênese de muitas doenças que geralmente não são classificadas como doenças inflamatórias. Estas incluem doenças neurodegenerativas, como doença de Alzheimer, aterosclerose, síndrome metabólica associada ao diabetes tipo 2 e certas formas de câncer, cujas reações inflamatórias promovem o desenvolvimento do tumor. Conforme mencionado neste capítulo, muitas dessas condições de inflamação podem ser obtidas identificando-se a estimulação inicial do inflamassoma. O papel da inflamação nessas condições é discutido em capítulos relevantes. Linfócitos e macrófagos ativados estimulam uns aos outros e ambos liberam mediadores inflamatórios que afetam outras células. INF-g, interferon g; IL-1, interleucina 1; TNF, fator de necrose tumoral. Figura 7. Interações macrófago-linfócito na inflamação crônica. Linfócito T ativado (TH1, TH17) Recrutamento de leucócitos, inflamação Outros mediadores inflamatórios Macrófago Ativação clássica dos macrófagos Outros mediadores inflamatórios IFN IL-17, TNF Apresenta antígenos às células T Linfócito T Citocinas (p.ex. IL-12, IL-6, IL-23) Macrófago ativado IL-1, TNF Fonte: Kumar et al., 2010. 20 UNIDADE I | PATOLOGIA 1.3.2. Características da inflamação crônica Ocorre a resposta prolongada do hospedeiro à estimulação contínua. É causada por micro-organismos que resistem à rejeição, à resposta imune a antígenos específicos ou ambientais e a certas substâncias tóxicas (como a sílica), portanto, é a base de muitas doenças médicas importantes. É caracterizada por inflamação persistente, dano aos tecidos, tentativas de cura e resposta imunológica. Apresenta infiltrado celular constituído por macrófagos ativados, linfócitos e plasmócitos, frequentemente com fibrose proeminente. É mediada por citocinas produzidas por macrófagos e linfócitos (principalmente linfócitos T); a interação bidirecional entre essas células tende a amplificar e prolongar a resposta inflamatória. 1.3.3. Inflamação granulomatosa A inflamação granulomatosa é um padrão característico de inflamação crônica caracterizada por aglomerados de macrófagos ativados por alguns linfócitos. Os granulomas são encontrados em certos estados de doença específicos; consequentemente, reconhecer o padrão granulomatoso é importante devido ao número limitado de condições (algumas com risco de vida) que o causam. Os granulomas podem se originar de três modos: » em respostas persistentes de células T a micro-organismos específicos (como Mycobacterium tuberculosis, T. pallidum e fungos), em que citocinas derivadas de células T são responsáveis pela ativação crônica de macrófagos. A tuberculose é o protótipo de uma doença granulomatosa induzida por infecção e deve sempre ser descartada como causa de diagnóstico de granulomas; » dentre algumas doenças inflamatórias imunomediadas, a Doença de Crohné a principal, que é uma doença inflamatória intestinal e é uma causa importante de inflamação granulomatosa nos Estados Unidos. » O granuloma também é observado na sarcoidose de etiologia desconhecida e pode reagir a corpos estranhos relativamente inertes (como suturas ou fragmentos) para formar granulomas de corpo estranho conhecidos. Efetivamente, a formação de granulomas “envolve” o agente ofensor e é, portanto, um mecanismo de defesa útil. No entanto, a formação de granulomas nem sempre leva à eliminação de patógenos, pois estes geralmente são resistentes à destruição ou degradação. Em algumas doenças, 21 PATOLOGIA | UNIDADE I como tuberculose, inflamação granulomatosa e subsequente fibrose, pode ser a principal causa da disfunção do órgão. 1.4. Efeitos sistêmicos da inflamação Alguns efeitos sistêmicos que a inflamação apresenta são: » febre: citocinas (TNF, IL-1) incentivam a produção de prostaglandinas no hipotálamo; » produção de proteínas de fase aguda: por exemplo, proteína C reativa; síntese estimulada por citocinas (IL-6, outras) agindo nas células hepáticas. » Leucocitose: as citocinas (CSFs) incentivam a produção de leucócitos por meio de precursores na medula óssea. » Choque séptico: ocorre a diminuição da pressão sanguínea, coagulação intravascular disseminada, anormalidades metabólicas. Todas induzidas por altos níveis de TNF. A resolução, ou seja, a reparação do tecido, ocorre por meio da regeneração após lesão leve, que danifica o epitélio, mas não danifica o tecido conjuntivo subjacente. Nas lesões mais graves, como o tecido conjuntivo está danificado, o reparo é feito por cicatrização. Figura 8. Mecanismos de reparo tecidual: regeneração e formação de cicatriz. NORMAL Lesão superficial leve REGENERAÇÃO FORMAÇÃO DE CICATRIZ Lesão acentuada Fonte: Kumar et al., 2010. 22 UNIDADE I | PATOLOGIA 1.5. Fatores de desenvolvimento, receptores e sinal de transdução nas inflamações Os fatores de crescimento polipeptídicos agem de forma autócrina, parácrina e endócrina. Os fatores de crescimento são produzidos brevemente em resposta a estímulos externos e atuam ligando-se aos receptores celulares. As diferentes categorias de receptores de fator de crescimento incluem receptores com atividade cinase intrínseca, receptores acoplados à proteína G e receptores sem atividade cinase intrínseca. Fatores de crescimento como o fator de crescimento epidérmico (EGF) e o fator de crescimento de hepatócitos (HGF) se ligam a receptores com atividade quinase intrínseca, desencadeando uma cascata de eventos mediados por MAP quinases que culminam na ativação do fator de transcrição e replicação do DNA. Os receptores acoplados à proteína G produzem múltiplos efeitos por meio das vias cAMP e do Ca2+. As citocinas normalmente se aproximam a receptores sem atividade cinase; tais receptores ligam-se com fatores de transcrição citoplasmáticos que se transportam para o núcleo. Além da proliferação celular, a maioria dos fatores de crescimento também apresenta múltiplos efeitos, como migração e diferenciação celular, estimulando a angiogênese e a fibrogênese. 1.6. Função da matriz extracelular na reconstrução do tecido A reconstrução do tecido varia conforme a atividade do fator de crescimento, assim como da interação entre as células e os componentes da matriz extracelular (MEC). A MEC é um complexo de várias proteínas que estão organizadas em uma rede que envolve as células e ocupam uma proporção importante de qualquer tecido. A MEC sequestra água, expande tecidos moles e minerais fortalecendo os ossos. Ela também regula a proliferação, o movimento e a diferenciação das células que vivem nele, fornece substratos para adesão e migração celular e atua como um reservatório para fatores de crescimento. A MEC está em constante modificação, sua síntese e sua degradação são acompanhadas por morfogênese, cicatrização de feridas, fibrose crônica, invasão tumoral e metástase. 23 PATOLOGIA | UNIDADE I Mas, lembre-se: embora seus componentes se sobreponham um pouco, a membrana basal e a ECM intersticial têm estruturas e composições gerais diferentes. As células epiteliais e mesenquimais (como os fibroblastos) interagem com a MEC por meio das integrinas. Para simplificar, muitos componentes MEC não estão incluídos (por exemplo, elastina, fibrilina, ácido hialurônico, Syntec). A MEC acontece em duas formas básicas: » Matriz intersticial: essa forma de MEC existe entre as células do tecido conjuntivo, o espaço entre as estruturas de suporte vascular e o músculo liso. A matriz é sintetizada por células mesenquimais (como fibroblastos) e tende a formar um gel amorfo tridimensional. Seus principais componentes são fibrila e colágeno não fibrila, bem como fibronectina, elastina, proteoglicano, ácido hialurônico e outros elementos. » Membrana basal: a matriz intersticial no tecido conjuntivo parece estar disposta aleatoriamente, altamente organizada ao redor do epitélio, com células endoteliais e células musculares lisas, formando uma membrana basal especializada. 1.7. Funções da matriz extracelular A MEC faz mais do que apenas preencher o espaço ao redor da célula. Suas várias funções abrangem: » suporte mecânico: é usado para ancoragem e migração celular, assim como mantém a polaridade celular. » Controle da proliferação celular: usado para ligar e exibir fatores de crescimento e enviar sinais por meio de receptores celulares da família das integrinas. O tipo de proteína MEC pode afetar o grau de diferenciação celular, principalmente por meio das integrinas da superfície celular. » Arcabouço para renovação tecidual: a membrana basal ou estrutura da matriz é necessária para manter a estrutura normal do tecido. Portanto, a integridade da membrana basal ou matriz das células parenquimatosas é essencial para a regeneração do tecido. Portanto, embora as células instáveis e estáveis possam se regenerar, a destruição dessas matrizes faz com que a regeneração falhe e o reparo seja completado por cicatrizes. » Estabelecimento de microambientes teciduais: a membrana basal serve como limite entre o epitélio e o tecido conjuntivo subjacente. 24 UNIDADE I | PATOLOGIA Figura 9. Principais componentes da matriz extracelular (MEC), incluindo colágenos, proteoglicanos e glicoproteínas adesivas. Epitélio Integrinas Fibroblastos Cálulos epiteliais Integrinas Capilar Glicoproteínas adesivas Proteoglicano Integrinas Fibroblastos MATRIZ INTERSTICIAL Tripla hélice de colágeno em ligação cruzada Proteoglicano Colágeno tipo IV Lâmina MEMBRANA BASAL Fonte: Kumar et al., 2010. 1.8. Responsabilidade da regeneração no reparo tecidual A importância da regeneração na substituição do tecido danificado varia com os diferentes tipos de tecidos e a gravidade da lesão. Em tecidos lábeis, como o epitélio do trato gastrointestinal e da pele, as células danificadas são rapidamente substituídas pela proliferação de células residuais e pela diferenciação das células-tronco do tecido fornecido pela membrana basal intacta. Sob a orientação dos CSFs, a proliferação de células progenitoras hematopoiéticas na medula óssea e outros tecidos pode corrigir a perda de células sanguíneas, a partir da diminuição do número de células sanguíneas. A regeneração tecidual pode acontecer em parênquimas de órgãos com populações celulares estáveis. 1.8.1. Formação da cicatriz Conforme discutido inicialmente, se o dano tecidual for grave ou crônico e resultar em dano às células do parênquima e ao tecido conjuntivo, ou se as células que não se dividem forem danificadas, ele não pode ser reparado apenas pela regeneração. Nessas condições, com a substituição das células não regeneradas por tecido conjuntivo, a formação de cicatrizes ou a combinação da regeneração de certas células com a formação de cicatrizes pode ser reparada. 25 PATOLOGIA | UNIDADE I Danos aos tecidos com capacidaderegenerativa limitada induzirão primeiro a inflamação, eliminando assim as células mortas e os micro-organismos (se houver). Posteriormente, o tecido de granulação vascularizado é formado e a MEC é depositada para formar uma cicatriz. 1.9. Aspectos que influenciam o reparo tecidual O reparo do tecido pode ser alterado por uma variedade de influências. Estas geralmente reduzem a qualidade ou adequação do processo de reparo. Os fatores que alteram a cura podem ser externos (como infecção) ou inerentes ao tecido lesado. As infecções e o diabetes são especialmente importantes. Clinicamente, a infecção é a causa mais importante de cura retardada. Isso prolongará a inflamação e aumentará os danos locais. A nutrição exerce profundos efeitos no reparo. Por exemplo, a deficiência de proteína, especialmente a deficiência de vitamina C, inibe a síntese de colágeno e retarda a cicatrização. Os glicocorticoides (esteroides) têm efeitos anti-inflamatórios reconhecidos. Por inibirem a produção de TGF-b e reduzirem a fibrose, sua administração pode levar a problemas de cicatrização. No entanto, às vezes, os efeitos anti-inflamatórios dos glicocorticoides são necessários. Por exemplo, nas infecções da córnea, os glicocorticoides (usados com antibióticos) são prescritos para reduzir a opacidade que pode ser causada pela deposição de colágeno. Além desses, alguns outros aspectos também influenciam na melhora dos tecidos. Fatores mecânicos (como aumento da pressão ou distorção local), por exemplo, podem fazer com que a ferida se separe ou se abra. A perfusão inadequada, devido a aterosclerose e diabetes ou obstrução da drenagem venosa (por exemplo, nas veias varicosas), também pode impedir a cura, assim como corpos estranhos, como fragmentos de aço, vidro ou mesmo osso, impedem a cura. O tipo e a extensão da lesão influenciam o reparo. A recuperação total só pode ocorrer em tecidos compostos por células instáveis e estáveis. Danos ao tecido composto de células permanentes levam inevitavelmente à formação de cicatrizes, como o infarto do miocárdio. A localização da lesão e a natureza do tecido onde ocorreu a lesão também são importantes. Por exemplo, a inflamação produzida no espaço do tecido (pleura, peritônio e cavidade sinovial) desenvolve grande quantidade de exsudato. O reparo subsequente 26 UNIDADE I | PATOLOGIA ocorre por meio da digestão do exsudato desencadeada pela reabsorção das enzimas proteolíticas leucocitárias e do exsudato liquefeito. Isso é denominado de resolução e geralmente restaura a estrutura normal do tecido sem necrose. No entanto, em grandes depósitos, o exsudato se organizará: o tecido de granulação cresce no exsudato e forma cicatrizes fibrosas. Figura 10. Etapas do reparo por cicatrização. NORMAL LESÃO TECIDUAL INFLAMAÇÃO FORMAÇÃO DE TECIDO DE GRANULAÇÃO FORMAÇÃO DA CICATRIZ Infecção ou lesão Área lesão Fonte: Kumar et al., 2010. Mesmo durante o processo de cicatrização, que começa normalmente, pode ocorrer crescimento celular anormal e produção de MEC. Por exemplo, o acúmulo de colágeno em excesso pode produzir cicatrizes proeminentes chamadas queloides. Porém, a formação de queloides parece ser uma predisposição genética e é mais comum entre os afro-americanos. A cicatrização de feridas também produz tecido de granulação excessivo, que se projeta acima da altura da pele circundante e evita a reepitelização. Na antiga linguagem médica, esse tecido era chamado de “carne esponjosa”, e a restauração da continuidade do epitélio requer cauterização ou remoção cirúrgica do tecido de granulação. 27 CAPÍTULO 2 NEOPLASIAS O câncer é uma doença complexa multifatorial. Atualmente, abrange mais de 100 doenças, com capacidade de alterar de pequenas moléculas a organelas. Além disso, possui uma rede regulatória e características semelhantes a células embrionárias, tornando-se muitas vezes irreconhecíveis ao sistema imunológico. Por isso, a identificação inicial das alterações e dos danos celulares são essenciais para prevenir o desenvolvimento de células tumorais malignas e promover a saúde. Figura 11. O câncer. Célula normal Tecido Órgão Tecido infiltrado Célula cancerosa Agente cancerígeno Fonte: adaptada de INCA, 2020. As células normais dos organismos vivem, dividem-se e morrem de forma controlada e coordenada pelo ciclo celular. Já as células cancerosas são diferentes: dividem-se sem controle, pois conseguem “burlar” as regras do organismo. Vale ressaltar que as células cancerosas não morrem como as células normais, por isso, proliferam-se e produzem mais células anormais. O câncer pode ter múltiplas condições, incluindo fatores ambientais, hereditários e epigenéticos, que podem agir em conjunto ou em sequência, promovendo o desenvolvimento e/ou a progressão tumoral (INCA, 2014). O câncer é o resultado de grandes alterações metabólicas e genéticas que controlam a: » proliferação; » apoptose; » diferenciação; » interação célula-célula; » interação célula-matriz extracelular; 28 UNIDADE I | PATOLOGIA » deleções; » inserções; » translocações; » perda de heterozigosidade; » instabilidade de microssatélites. Essa modificação possibilita o escape da sua regulação e adquire um fenótipo maligno por meio da ligação de oncogenes, bem como da inativação de genes supressores de tumor e genes de reparo do DNA. As células tumorais que desencadeiam o câncer apresentam as mesmas relações com organismo que as células normais, derivam de uma única célula e, por meio das divisões celulares, desenvolvem-se. Todavia, no sistema fisiológico, cada tecido possui a sua diferenciação celular, estrutura, tempo de crescimento e função, sendo justamente nesses processos que as células neoplásicas se distanciam das funções de células normais. A transformação histológica de uma célula normal em uma célula cancerosa possui vários estágios progressivos que inferem na sua caracterização. As células normais têm bordas bem definidas com forma e morfologia regular. Aquelas com diferenciação irregular no seu primeiro estágio de crescimento anormal podem apresentar forma regular, mas com crescimento excessivo. Com o tempo, as células também se tornam irregulares e crescem em uma área de tecido com a formação de uma cápsula; depois, tornam-se móveis, invasivas e difusas com formato totalmente irregular. Esses estágios são denominados hiperplasia, displasia, carcinoma, malignidade, respectivamente. Diversas mudanças fisiológicas podem ocorrer no processo de tumorigênese, incluindo: » autossuficiência em sinais de crescimento, ocasionando uma proliferação descontrolada; » evasão da morte celular programada; » capacidade replicativa ilimitada, visto que as células cancerosas possuem a enzima telomerase ativa, evitando o encurtamento dos telômeros; » indução da angiogênese, gerando a vascularização tumoral; » capacidade de invasão e metástase, possibilitando a formação de tumores secundários. 29 PATOLOGIA | UNIDADE I O câncer representa uma das principais causas de morte no mundo. Em 2030, estima-se que ocorrerão 21,4 milhões de novos casos de câncer, ocasionando em média 13,2 milhões de mortes (INCA, 2020). Os diferentes tipos de câncer correspondem aos vários tipos de células existentes no organismo. O desenvolvimento de células tumorais se inicia nas alterações genéticas com modificações significativas nas macromoléculas de DNA e RNA, as quais desenvolvem uma cascata de mutações moleculares que as permitem sobreviver e adaptar-se ao microambiente tecidual. Isso ocorre porque, quando os genes recebem sinais da nova constituição do DNA, começam a se expressar de modo a garantir a sobrevivência da célula. No entanto, o indivíduo passa a apresentar duas constituições celulares diferentes que necessitam das mesmas condições químicas e biológicas (energia e nutriente) e isso gera completa alteração homeostática, as funcionalidades dos tecidosem órgãos tornam-se desorganizados, o sistema imunológico que poderia regular esse processo recebe sinais similares das duas células e começam a agir de forma positiva para que tanto as células normais quanto as células tumorais se mantenham estáveis. Outras características que diferenciam os diferentes tipos de câncer entre si são: » velocidade de multiplicação das células; » capacidade de invadir tecidos e órgãos vizinhos ou distantes. O desenvolvimento das células tumorais é influenciado por diversos fatores, como taxa de crescimento, tipo de tecido, competência do sistema imune do hospedeiro e outras influências ambientais. O câncer surge, geralmente, a partir de uma mutação genética. Essa alteração no DNA celular passa a receber informações errôneas e com isso altera a sua função. As alterações podem ocorrer tanto em: » genes especiais: conhecidos como proto-oncogenes, que são inativos em células normais; » genes ativados: neste caso, os proto-oncogenes tornam-se oncogenes, responsáveis por transformar as células normais em células cancerosas. As iniciações de tumores malignos começam quando os genes sofrem alterações, mas a massa tumoral está em formação, sendo impossível a sua identificação clínica. No estágio de promoção, as células se encontram alteradas e a ação dos agentes cancerígenos impedem as reações de reparação. Muitas vezes, se houver a suspensão do contato com agentes, o processo nesse estágio se interrompe. A progressão se concretiza pela duplicação sem controle e não reversível da célula modificada. Nessa etapa, o câncer 30 UNIDADE I | PATOLOGIA já está acomodado, crescendo até o aparecimento da primeira caracterização clínica da doença. A característica que inicia ou progride da carcinogênese é intitulada de agentes oncoaceleradores ou carcinógenos. O fumo consiste em um completo carcinógeno, o qual contém elementos que trabalham nas três etapas da carcinogênese (INCA, 2020). Os carcinógenos podem ser agentes químicos, físicos ou biológicos. Como químicos, atuam na formação de compostos covalentes com o DNA, aumentado a probabilidade de erros na inserção de bases durante a replicação. Alguns carcinógenos químicos, além de possuir ação mutagênica, podem também inibir a atividade de enzimas reparadoras. A história da descoberta da carcinogênese química é pontuada pelas atividades ocupacionais que geram aumento epidemiológicos do câncer e consequentemente a identificação de substâncias químicas. As células dos eucariotos superiores são constituídas essencialmente por: » membrana celular: parte mais externa; » citoplasma: corpo da célula; » núcleo: contém os cromossomos, que, por sua vez, são compostos de genes. Figura 12. Carcinogênese. Citoplasma Membrana celular Núcleo Carcinogênese Célula cancerosa Célula normal Agente cancerígeno Fonte: adaptado de INCA, 2020. Lembre-se de que: » o gene é um segmento de DNA; » a sequência de um gene é transcrita para produzir uma molécula específica de RNA, o mRNA; » a informação do mRNA é traduzida em uma sequência específica de aminoácidos que formam uma proteína. 31 PATOLOGIA | UNIDADE I Os genes possuem as informações genéticas que direcionam a produção das proteínas, ou seja, o DNA codifica as proteínas, que são transcritas e traduzidas, como veremos nos capítulos subsequentes. A sequência linear de nucleotídeos em um gene deve corresponder à sequência linear de aminoácidos em uma proteína. Uma vez que o conteúdo total da informação de um organismo é o seu genoma, pois ele codifica todas as moléculas de RNA, bem como de proteínas que o organismo poderá sintetizar ao longo de sua existência. Além de guardar e transmitir a informação genética, o DNA direciona: quando; em quais tipos celulares; e quais as quantidades de cada molécula de RNA e de proteínas devem ser produzidas. A compactação do DNA ocorre por meio do auxílio de proteínas especializadas que se ligam ao DNA auxiliando o seu enovelamento, evitando que o DNA se torne um emaranhado desordenado. Apesar de estar fortemente compactado, é surpreendente como o DNA permanece acessível às diversas proteínas dentro da célula, que o replicam, reparam e utilizam seus genes para transcrever o RNA e traduzir essas informações em proteínas. O processo de formação do câncer, denominado de carcinogênese ou de oncogênese, ocorre lentamente, podendo levar décadas para que uma célula cancerosa se prolifere, originando um tumor diagnosticável. Assim, os efeitos cumulativos de agentes cancerígenos diferentes são os responsáveis pelas fases de início, promoção, progressão e inibição do tumor. 2.1. Carcinogênese Nesse sentido, entendemos que a carcinogênese é determinada pela exposição aos agentes cancerígenos, bem como pela interação entre eles, levando em consideração o tempo e a frequência de exposição. Aqui, devemos considerar também as características individuais, que facilitam ou dificultam a instalação do dano celular. Esse processo é composto por três fases. 2.1.1. Etapa de iniciação Os genes sofrem ação dos agentes cancerígenos, que, consequentemente acarretam modificações em alguns de seus genes. Nessa fase de iniciação, as células se encontram geneticamente alteradas, entretanto, ainda não é possível detectar um tumor clinicamente. Mas essas células encontram-se “iniciadas”, para a ação de um segundo grupo de agentes que atuará no estágio de promoção. 32 UNIDADE I | PATOLOGIA Figura 13. Início do câncer. AGENTES INICIADORES Fonte: adaptada de INCA, 2020. 2.1.2. Etapa de promoção As células geneticamente alteradas, que passaram pela fase de iniciação, sofrem o efeito dos agentes cancerígenos classificados como oncopromotores. Dessa forma, as células iniciadas são transformadas em células malignas, lentamente e gradualmente. Para que ocorra essa transformação, é necessário um longo e contínuo contato com a substância promotora. Vale ressaltar que, nessa etapa, a suspensão do contato com a substância promotora pode interromper o processo de tumorigênese. Figura 14. Estágio de promoção do câncer. AGENTES PROMOTORES Fonte: adaptada de INCA, 2020. 2.1.3. Etapa de progressão Nesse estágio, nós temos uma multiplicação descontrolada e, consequentemente, irreversível das células modificadas. Assim, o câncer já está instalado, e permanece evoluindo até o aparecimento das primeiras manifestações clínicas da doença. » Os fatores que promovem a iniciação ou progressão da carcinogênese são chamados de agentes oncoaceleradores ou carcinógenos. 33 PATOLOGIA | UNIDADE I Figura 15. Multiplicação descontrolada das células cancerígenas. Multiplicação descontrolada de células alteradas Acúmulo de células cancerosas Tumor Fonte: adaptada de INCA, 2020. As neoplasias, tanto benignas quanto malignas, são doenças genéticas, e as mutações que lhes dão origem podem ser hereditariamente transmitidas pela linhagem germinativa ou adquiridas nos tecidos somáticos. 2.2. Os tumores são classificados em benignos ou malignos Quando características micro e macroscópicas não são metastáticas, e mostra permanência localizada, além de poder ser retirado por meio de cirúrgica, denominamos de tumor benigno. Lembre-se de que os tumores benignos podem produzir mais do que massas localizadas e, eventualmente, são responsáveis por ocasionar doenças graves. São tumores autolimitantes, na maioria das vezes, ou seja, que não se propagam entre os tecidos adjacentes, não formam metástases. O termo maligno é utilizado quando falamos em neoplasias, sugerindo que a lesão pode: » invadir e destruir estruturas adjacentes; » disseminar-se para locais distantes (metástases). Os tumores malignos apresentam crescimento sem controle, que podem se espalhar para outros tecidos. Por meio de metástases, algumas células neoplásicas conseguem entrar na corrente sanguínea ou linfática atingindo outros órgãos, desencadeando uma nova massa tumoral. A capacidadede migrar e invadir outros tecidos, bem como de drenar nutrientes, resulta no que chamamos de caquexia, ou emagrecimento exagerado, perda de funções vitais dos tecidos invadidos e morte dos indivíduos. 34 UNIDADE I | PATOLOGIA Todos os tumores, tanto benignos quanto malignos, possuem dois componentes essenciais. » parênquima: constituído por células neoplásicas ou transformadas; » estroma: constituído por tecido conectivo, vasos sanguíneos e células inflamatórias derivadas do hospedeiro. O processo de transformação de uma célula normal em tumoral ou maligna é lento, gradual e cumulativo, e pode sofrer influência de muitos fatores ambientais quando associados aos fatores herdados. Um tumor glandular benigno (células rosas, um adenoma) permanece dentro da lâmina basal (amarelo) marcando o limite da estrutura normal (um ducto, neste caso). Em contrapartida, um tumor glandular maligno (células vermelhas, um adenocarcinoma) pode se desenvolver a partir de uma célula tumoral benigna, destruindo a integridade do tecido. 2.2.1. Tumor benigno A designação dos tumores benignos é feita acrescentando-se o sufixo “-oma” ao tipo celular originário. Assim, um tumor benigno que surge em tecido fibroso é um fibroma; um tumor benigno cartilaginoso é um condroma. Eles são classificados, geralmente, com base em seu padrão microscópico e, ocasionalmente, com base em seu padrão macroscópico. Outros são classificados por suas células de origem. O termo adenoma é aplicado, em suma, a neoplasias benignas epiteliais, que produzem padrões glandulares; e neoplasias derivadas de glândulas, mas que não apresentam necessariamente padrões glandulares. Mas também chamamos de adenoma uma neoplasia epitelial benigna que surge das células tubulares renais e cresce em padrões do tipo glandular; e uma massa de células epiteliais benignas que não produz padrões glandulares, mas têm sua origem no córtex suprarrenal. 2.2.2. Tumor maligno A nomenclatura que utilizamos para os tumores malignos segue basicamente a nomenclatura dos tumores benignos: » as neoplasias malignas que aparecem em tecidos mesenquimais “sólidos” são denominadas de sarcomas; 35 PATOLOGIA | UNIDADE I » as neoplasias malignas que aparecem em células mesenquimais sanguíneas são chamadas de leucemias ou linfomas; » os sarcomas são nomeados de acordo com o tipo celular de que são compostos, ou seja, sua célula de origem. Dessa forma: » um câncer originado no tecido fibroso é um fibrossarcoma; » uma neoplasia maligna composta por condrócitos é um condrossarcoma. Vale ressaltar que as neoplasias malignas das células epiteliais são denominadas de carcinomas, independentemente do tecido de origem. 2.3. Diferenciação e anaplasia A diferenciação e a anaplasia são características encontradas somente nas células parenquimatosas. Essas células constituem os elementos transformados das neoplasias. A diferenciação das células tumorais parenquimatosas refere-se à extensão em que se assemelham às suas células de origem tanto morfologicamente quanto funcionalmente. 2.4. Metástase A metástase é encontrada exclusivamente em células malignas quando a invasão e a migração das células tumorais ocorrem por via sanguínea ou linfática. De maneira geral, os tumores mais agressivos e com maiores taxas de replicação têm maior probabilidade de metastizar. Uma vez que ocorre a metástase, a capacidade de cura e a eficácia do tratamento diminuem consideravelmente. Para que um tumor consiga progredir, uma série de genes, incluindo aqueles que iniciaram o processo de transformação celular, deve sofrer modificações. O processo de metástase é extremamente seletivo para as poucas células que conseguem produzir vasos, pelo processo que chamamos de angiogênese. Após atingirem um tamanho específico, por meio da multiplicação inicial descontrolada, os tumores não conseguem mais sobreviver por meio de uma simples adsorção de nutrientes do parênquima adjacente. Então, as células tumorais precisam se mover e invadir as células vizinhas, os tecidos e as cápsulas. Para tanto, as células cancerosas precisam destacar-se das outras, perdendo, consequentemente, sua adesão. 36 UNIDADE I | PATOLOGIA Durante a fase do crescimento tumoral, essa adesão era extremamente importante para a sobrevivência, bem como para a proliferação das células cancerosas. Uma vez capazes de permear paredes como a dos vasos, as células tumorais deverão embolizar e conseguir sobreviver na corrente sanguínea, onde estarão totalmente vulneráveis ao ataque de uma série de mecanismos do sistema imune de reconhecimento e eliminação. Caso essas células cancerígenas consigam embolizar e sobreviver na corrente sanguínea, elas ainda terão que conseguir aderir em leitos capilares distantes, extravasar e multiplicar-se dentro do parênquima de outros órgãos. Figura 16. Tumores benignos versus tumores malignos. Lúmen Lâmina basal Ducto normal Tumor benigno Tumor maligno Fonte: adaptada de Alberts et al., 2017. Todas essas etapas requerem produtos originários de ativação, bem como de desativação de uma sequência de genes. Alguns tumores são capazes de produzir fatores químicos que atraem plaquetas. Essas plaquetas fixam-se ao redor da célula cancerígena, escondendo-a do sistema imune, além de prover suprimento rico em fatores de crescimento, auxiliam a sobrevivência da célula tumoral circulante. A circulação sanguínea consegue explicar, em grande parte, o porquê de as metástases acontecerem preferencialmente em alguns tecidos. As células tumorais que atingem o leito vascular seguem o fluxo que, inicialmente, as levará aos pulmões. Vale ressaltar que apenas o intestino consegue mandar seu fluxo sanguíneo primeiro para o fígado, o que explica ser um dos órgãos mais acometidos por metástases. Classicamente, podemos entender que as metástases são “implantes” secundários de um tumor, ou seja, são células cancerígenas descontínuas com o tumor primário e, portanto, localizadas em tecidos distantes. 37 PATOLOGIA | UNIDADE I Nem todos os cânceres possuem capacidade equivalente de se metastatizar, mas essa capacidade identifica uma neoplasia como maligna. Em um extremo, encontramos os carcinomas de células basais da pele e a grande maioria dos tumores primários do sistema nervoso central. Esses possuem alta invasividade local, mas raramente se metastatizam. Na outra extremidade estão os sarcomas osteogênicos (ósseos), que facilmente se metastatizam para os pulmões. Aproximadamente 30% dos indivíduos com tumores sólidos recém-diagnosticados possuem metástases clinicamente evidentes. Nesse sentido, cerca de 20% dos indivíduos com câncer possuem metástases ocultas no momento do diagnóstico (INCA, 2020). Alguns estudos em modelos murinos indicaram que poucas células malignas, menos de uma a cada mil que permeiam a corrente sanguínea, são capazes de estabelecer um tumor detectável no novo local. Algumas células cancerígenas preferem determinados tecidos para se alojar, por exemplo, o câncer de próstata que promove metástase para os ossos. Para tanto, essas células cancerígenas precisam possuir moléculas de adesão à parede interna dos vasos sanguíneos que são capazes de atravessar determinados tecidos para onde seletivamente conseguem migrar. Geralmente, quanto mais anaplásica e maior for a neoplasia primária, maior será a sua disseminação metastática. Sabe-se que alguns cânceres extremamente pequenos são capazes de metastatizar, em contrapartida, algumas lesões visivelmente grandes não metastizam. A metástase prejudica muito e pode obstar a possibilidade de cura da doença; assim, claramente, entendemos que, juntamente com a prevenção do câncer, nenhum progresso seria mais interessante do que a prevenção das metástases. Em geral, as neoplasias malignas disseminam-se por três vias: » disseminação por semeadura nas cavidades corporais; » disseminação linfática; » disseminação hematogênica. A disseminaçãopor semeadura acontece quando as neoplasias conseguem invadir uma cavidade corporal natural. Esse modo de disseminação é uma característica forte das neoplasias de ovário. 38 UNIDADE I | PATOLOGIA Muitos fatores são essenciais para a progressão de um clone tumoral primário em fenótipos mais agressivos com invasão e metastatização. Estes fatores são interessantes, pois geram diferentes fenótipos, auxiliando o diagnóstico e a caracterização dos padrões de comportamento tumoral. Alguns desses fatores são: » caracterização e reconhecimento de genes envolvidos tanto no reconhecimento quanto no reparo e na programação da morte celular de células anômalas; » caracterização de genes que estejam envolvidos no controle imunológico de reconhecimento, reparo ou destruição das células danificadas; » genes capazes de interferir na capacidade de multiplicação à distância; » genes capazes de invadir tecidos circunjacentes; » fatores angiogênicos capazes de prover aporte nutricional às células de crescimento acelerado, aqui podemos destacar o gene VEGF. A disseminação tumoral geralmente acontece em cinco etapas: » invasão e infiltração de tecidos subjacentes por células tumorais: ocorre quando a célula tumoral consegue atravessar pequenos vasos linfáticos e sanguíneos; » liberação na circulação de células neoplásicas: ocorre tanto nas células isoladas quanto nas células que se apresentam como pequenos êmbolos; » sobrevivência das células cancerígenas na circulação; » retenção das células cancerígenas nos leitos capilares de órgãos distantes; » extravasamento das células cancerígenas dos vasos linfáticos ou sanguíneos, seguido do crescimento das células tumorais disseminadas. Ao longo de todo esse processo, vários fatores mecânicos e imunológicos precisam ser superados pelas células neoplásicas, para que elas consigam implantar-se em um novo órgão. Nesse novo órgão ou tecido, a célula metastizada precisa ter crescimento autônomo em relação ao tumor primário. Uma célula típica possui membrana envoltória, plasmática ou nuclear, núcleo e citoplasma. O núcleo fica imerso no citoplasma, o qual é formado por um material semifluido (citossol). No citoplasma, temos também as organelas, que podem estar presentes ou ausentes, dependendo de cada tipo de célula. Em sua composição, há também: 39 PATOLOGIA | UNIDADE I » Proteínas: podem ser classificadas em proteínas estruturais (citoesqueleto das organelas, filamentos contráteis dos músculos, dentre outros) e proteínas globulares (enzimas); » Carboidratos: a maior parte compõe as moléculas de glicoproteína; » Lipídeos: incluem os fosfolipídios e colesterol. » Os genes são partes do cromossomo e determinam as características das proteínas, além da divisão celular. » Organelas, incluindo o retículo endoplasmático, aparelho de Golgi, lisossomos, peroxissomos, mitocôndrias, centríolos e microtúbulos. Para que o tumor se desenvolva, é necessário que: » cada célula tenha uma mutação somática inicial; » essas células cancerosas consigam escapar do controle regulatório; » elas se multipliquem rapidamente. Assim, o conjunto de células mutante formará o tumor, cujas células são todas descendentes da célula original. A célula cancerosa possui tanto alterações nucleares quanto alterações citoplasmáticas. No núcleo, as mutações podem causar alterações em somente um gene, assim como podem existir alterações em um cromossomo inteiro. No citoplasma, existe alteração nas proteínas produzidas, desencadeando consequentemente alterações nos receptores, nas enzimas, nas proteínas estruturais, aumentando a eletronegatividade da membrana. Vale ressaltar que há alteração no tamanho celular, assim a relação núcleo citoplasma também é alterada. Os microtúbulos e centríolos sofrem modificações pontuais acarretando alterações na estrutura celular, ou seja, há pleomorfismo. O número de ribossomos aumenta, entretanto, ocorre diminuição de retículos e do aparelho de Golgi. Geralmente, há redução de lisossomos. O câncer é causado por alterações na estrutura genética do ácido desoxirribonucleico, o DNA. Essas mutações não reparadas pela maquinaria genética ocasionam células defeituosas, que podem multiplicar-se sem controle. 40 UNIDADE I | PATOLOGIA Cada célula normal recebe informações do DNA de como devem multiplicar-se, dividir-se, diferenciar-se e morrer. Na presença de qualquer erro em alguma dessas etapas, podemos ter uma célula alterada que consiga evadir-se do sistema imune e da programação de morte celular, originando diferentes tumores. A maioria das células cancerosas multiplica-se de maneira desordenada e descontrolada. Como já vimos, essas células se dividem mais rapidamente do que as células normais, e o crescimento celular torna-se contínuo. O excesso de células vai invadindo de maneira progressiva todo o organismo. Geralmente, as células cancerosas possuem a capacidade de formar novos vasos sanguíneos, auxiliando na sua nutrição contínua, o que auxilia o crescimento descontrolado. O acúmulo dessas células desordenadas dá origem aos tumores malignos. Uma célula com câncer apresenta probabilidade de se desprender do tumor e de se deslocar. Invadem, no início, o tecido mais próximo, chegando dentro de um vaso sanguíneo ou linfático e, assim, espalha-se, alcançando órgãos mais distantes do lugar que o tumor começou, ocasionando o que conhecemos como metástase. Conforme a célula com câncer vai trocando as células sem o câncer, o tecido invadido vai diminuindo sua funcionalidade suas funções. Figura 17. Desenvolvimento de uma célula normal e uma célula cancerosa. Divisão celular Célula saudável Mudanças genéticas Célula cancerosa Duplicação da célula cancerosa Divisão da célula cancerosa Tumor maligno Tecido saudável Fonte: adaptada de Macdonald; Ford; Casson, 2005. 41 PATOLOGIA | UNIDADE I Lembre-se de que o metabolismo celular das células cancerosas é totalmente voltado para a obtenção rápida de energia, com o intuito de manter a alta taxa de divisão celular, a multiplicação descontrolada. 2.5. As células cancerosas são menos diferenciadas Modificações na expressão gênica durante a oncogênese gera uma síntese de enzimas predominantes na fase embrionária, que aceleram vias metabólicas menos complexas. Assim, captam aminoácidos em uma velocidade ímpar, realizando glicólise com mais eficiência. Essa indiferenciação, portanto, permite perda das funções específicas da célula. As células cancerosas apresentam adesividade reduzida, que é causada por: » irregularidades da membrana; » redução ou ausência de estruturas juncionais; » redução de moléculas de adesão (caderinas); » redução de fibronectinas; » eletronegatividade na face externa repelindo estaticamente outras células. Isso acontece porque há redução de Ca+2, capaz de neutralizar as cargas negativas; » liberação de enzimas proteolíticas que alteram o glicocálice; » irregularidade nas microvilosidades, o que diminui consequentemente o contato entre as células; » aumento do ácido siálico nas proteínas da membrana, o que diminui a adesividade da célula ao colágeno e à fibronectina; » perda da inibição por contato, permitindo que as células cancerosas não parem de se dividir. 42 CAPÍTULO 3 EVASÃO DA MORTE CELULAR: PATOGENICIDADE DO CÂNCER Neste item, discutiremos e analisaremos como ocorre a evasão da morte celular pelas células, e entenderemos como a célula cancerosa consegue se desenvolver aceleradamente. 3.1. Evasão da morte celular Como discutimos, a morte celular programada é uma via de morte celular induzida por um programa totalmente regulado, em que as células destinadas a morrer ativam várias enzimas que degradam seu próprio DNA, bem como as suas proteínas nucleares e citoplasmáticas. Sabemos que o acúmulo de células neoplásicas resulta tanto da ativação dos oncogenes promotores de crescimento quanto da inativação dos genes de tumor