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INTRODUÇÃO
A República de Moçambique é um estado de direito democrático. Tal é reafirmado pelo artigo
3 da Constituição da República de Moçambique (2004), nos seguintes termos: “ a República
de Moçambique é um estado de direito baseado….no respeito e garantia dos direitos e
liberdades fundamentais do homem”.
Sendo a justiça, o alicerce e o fim do Direito, há, pois, sempre uma necessidade de os
ordenamentos jurídicos serem edificados e aperfeiçoados tendo em conta a justiça.
Não é menos verdade que o Estado moçambicano é um Estado tenro no que diz respeito a sua
existência como Estado de Direito Social em comparação a outro Estados. Diga-se, entretanto,
que isto não o torna uma excepção em relação ao que se referiu supra.
A maioria dos estados africanos e porque não muitos países europeus debatem-se com
problemas de acesso à justiça pelo cidadão, cada um dentro de seus fundamentos, é bom que
se diga. O Estado Moçambicano, não sendo excepção, diga-se de verdade que notáveis são o
avanço que fez no sentido de garantir ao cidadão o acesso à justiça no geral e justiça
constitucional em particular. Como prova do dito basta que se analise a marcha dos direitos
fundamentais nas constituições que o país já conheceu aliados a concretização a nível da
legislação ordinária, a título de exemplo a legislação processual e os mecanismos de
fiscalização dos agentes da administração da justiça. São também notórios os esforços no
sentido de se aproximar as instituições de administração da justiça aos cidadãos. Mas se isto é
verdade, mais verdade é afirmar, que muito há que ser feito no sentido de se garantir cada vez
mais uma justiça célere, menos onerosa e eficiente.
É de concordar que não espanta a ninguém afirmar que nunca se poderá atingir a perfeição,
até porque na história da humanidade ainda não se conheceu um estado de direito perfeito,
aliás as imperfeições resultam dos desafios impostos pela própria dinâmica social. Contudo, é
importante que eliminemos o máximo possível as imperfeições, principalmente aquelas que se
revelam grosseiras, de modo a garantir o acesso à justiça, particularmente, em Moçambique.
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1. Delimitação e enquadramento do tema
São vários os aspectos que podem ser suscitados e debatidos no âmbito do acesso à
justiça constitucional. Contudo, por razões meramente de escolha, por um lado, e por outro,
de impossibilidade de esgotamento, é bom que se diga, o nosso estudo terá como foco o
modelo moçambicano para o acesso a jurisdição constitucional por parte do cidadão.1 Assim,
incidiremos no mecanismo de fiscalização sucessiva, nas duas vertentes que o nosso
ordenamento jurídico conhece, a saber: Controlo concreto de normas, conforme consagra a
Constituição da República de Moçambique (doravante designada CRM) no seu artigo 214,
conjugado com o artigo 67 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional (doravante designada
LOCC); 2 Controlo abstracto de normas, artigo 245, com particular destaque para a alínea g)
CRM, conjugado com o artigo 60 alínea g) LOCC. Seguir-se-á uma abordagem tendo em
linha de conta princípio o princípio constitucional (artigo 62 e 70 CRM) e direito humano
(artigo 8 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigo 7 da Carta Africana dos
Direitos do Homem e dos povos (doravante designadas DUDH e CADHP respectivamente),
chamados a colação por via do artigo 43 CRM, do acesso à justiça. Mas porque o direito não
tem compartimentos estanques, mas é sim um sistema, não deixaremos de tecer algumas
considerações a respeito do problema da justiça no geral, porque como dissemos na nossa
introdução, o problema do aceso à justiça não é um problema exclusivo da justiça
constitucional.
2. Problema
Comparando as Constituições de 1975, 1990 e 2004, podemos afirmar que a última
trouxe melhorias significativas no que tange ao acesso à justiça constitucional. Contudo, este
avanço parece-nos não ter resolvido o problema do acesso à justiça constitucional pelo
1 E verdade que o termo jurisdição pressupõe a existência da designação tribunal, facto que pode suscitar alguns
questionamentos ao se falar de jurisdição constitucional para o nosso caso uma vez que o nosso legislador
constituinte optou pela designação conselho constitucional ao invés de Tribunal Constitucional, a semelhança do
que acontece no direito comparado (ex. Angola, Portugal, Alemanha, Espanha e Timor Leste). Mas isso não nos
deve distrair; o conselho constitucional é deveras um órgão jurisdicional, para todos os efeitos é um tribunal, esta
conclusão pode ser facilmente extraída se nos detivermos a análise das sua competências, a sua composição, ao
seu processo de funcionamento. Sobre esta temática discutiremos em momento oportuno.
2 Lei 06/2006 de 02 de Agosto
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cidadão moçambicano. A Constituição de 2004 consagra no seu artigo 245 número 2 alínea g)
que o cidadão pode solicitar a declaração de inconstitucionalidade mediante a reunião de duas
mil assinaturas. Face a esse preceito legal ressalta-nos o seguinte: De que natureza se reveste
este mecanismo de acesso a justiça constitucional consagrado no artigo 245 número 2 alínea
g)? Em que medida a reunião de 2 mil assinaturas, reconhecidas, artigo 61 número 2 e artigo
60 número alínea g) LOCC, pode influenciar no acesso a justiça, se atendermos ao perfil da
sociedade moçambicana?
3. Justificação do Tema
O acesso à justiça em Moçambique é um direito constitucional e é igualmente um
direito humano consagrado nos diversos instrumentos jurídicos internacionais (Declaração
Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana Dos Direitos Humanos e dos Povos) os
quais servem de base para a interpretação e integração dos direitos fundamentais, conforme
resulta do artigo 43 CRM.
O nosso ordenamento jurídico experimenta pela primeira vez com a revisão
constitucional de 1990 a criação do Conselho Constitucional ao qual compete dentre outras
tarefas a fiscalização da constitucionalidade. Com a revisão constitucional de 2004 deu-se a
introdução, aprofundamento e aperfeiçoamento de alguns aspectos importantes no âmbito do
acesso e fiscalização da constitucionalidade. Ora é nesse contexto que o legislador
constituinte moçambicano consagra pela primeira vez a possibilidade do cidadão aceder à
justiça constitucional mediante a reunião de duas mil assinaturas. 3
Ora bem, o acesso ao conselho constitucional com vista a desencadear o mecanismo
de verificação da constitucionalidade por parte dos cidadãos pode ser feito no quadro e pela
vias do controlo da constitucionalidade nas modalidades que uma tal verificação conhece no
nosso sistema jurídico-constitucional, a saber controlo concreto de normas e controlo
abstracto.
3 (Artigo 245 alínea g) CRMs
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As normas constitucionais pretendem-se perfeitas. Portanto, os debates em torno
destas continuam acerados questionando-se a perfeição destas tomando em conta a realidade
social e a dinâmica desta.
Desperta enorme interesse saber também, que num universo de modelos de
fiscalização da constitucionalidade porque o nosso legislador constituinte terá adoptado certas
normas conforme a prescrição das mesmas e qual o alcance daquelas. Portanto, vale dizer que
uma das grandes motivações da eleição deste tema prende-se com questões académicas na
busca de uma melhor compreensão das intenções do legislador ao adoptar essas normas.
O nosso ordenamento jurídico está a preparar-se para mais uma vicissitude
constitucional e, estando cientes disso não queremos estar alheios a esta realidade. Se mesmo
antes de se aprovar o projecto de revisão constitucional este tema era debatido, embora o
tenha sido com menor fervor, agora o debate se tornou deveras aliciante, de tal forma que não
podemos resistir e vemos como oportunidade clara para expor as nossas ideias a título de
contributo na esperança de que sejam acolhidas na doutrina e, quem sabe, pelo legislador.
4. Objectivos
a) Gerais
Constitui objectivo a prosseguir com este trabalho trazer à tona e descortinar até queque na designação da maioria dos seus
membros intervêm órgãos políticos.
Aliás, à luz da Constituição de 1990, o modo de designação do Presidente do Conselho
Constitucional era tão idêntico ao da designação do Presidente e Vice-Presidente do Tribunal
Supremo e do Presidente do Tribunal Administrativo [artigos 120, alínea g) e 135, alínea f)] e
os Juízes profissionais do Tribunal Supremo eram nomeados pelo Presidente da República,
ouvido o Conselho Superior da Magistratura Judicial (artigo 170, n.º 2).
8.2. Na constituição de 2004
Na Constituição de 2004, o Conselho Constitucional continua a integrar o sistema dos
órgãos de soberania, que compreende, igualmente, o Presidente da República, a Assembleia
da República, o Governo e os Tribunais. Não obstante, a sua definição aparece de forma
diferente, tendo passado de simples “...órgão de competência especializada no domínio das
questões jurídico constitucionais” para “...órgão de soberania, ao qual compete
especialmente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional”70.
Na nova definição sobressai um elemento incontornável para determinação da
natureza jurídica do Conselho Constitucional. Trata-se da expressão “administrar a justiça”
que, desde logo, aponta para a sua qualificação como órgão integrante do sistema de
administração da justiça, ou seja, órgão da função jurisdicional.
70 Cf. art. 241, nº 1. da CRM de 2004
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Partindo do pressuposto de que, no Estado de Direito, o princípio da separação dos
poderes demanda a reserva da função jurisdicional para os tribunais, podemos facilmente
chegar à conclusão de que o Conselho Constitucional é uma espécie de tribunal, que se
distingue essencialmente dos outros tribunais previstos na Constituição em virtude da
especialização da sua competência em razão da matéria, pois administra, especialmente, a
justiça constitucional, isto é, exerce a jurisdição em matérias de natureza jurídico-
constitucional.
A Constituição de 2004 regula algumas das matérias pertinentes ao Conselho
Constitucional, que antes haviam sido relegadas para o plano da legislação ordinária, desde
logo a composição do órgão, o modo e os requisitos de designação dos seus membros.
No âmbito da composição do órgão é sintomático o afastamento pelo legislador
constitucional da expressão “membros”, que na Lei Orgânica de 2003 designava os
integrantes do Conselho Constitucional, introduzindo em sua substituição a designação de
“Juízes Conselheiros” (artigo 242), denominação constitucional comummente atribuída aos
juízes dos tribunais superiores em Moçambique (artigos 226 e 229) designação seguida pela
Lei Orgânica de 2006 no artigo 7 se seguintes do mesmo diploma.
A nova Constituição mantém o modo de designação do Presidente do Conselho
Constitucional – nomeação pelo Presidente da República, no exercício das suas funções de
Chefe do Estado, e ratificação pela Assembleia da República [artigos 159, alínea g), 179, n.º
2, alínea h) e 242, n.º 1, alínea a)]71 – Constitucionaliza igualmente, a designação de cinco
Juízes Conselheiros, pela Assembleia da República segundo o critério da representação
proporcional [artigo 242, n.º 1, alínea b)]72 e introduz, no lugar da co-optação, a indicação de
um Juiz Conselheiro pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial [artigo 242, n.º 1, alínea
c)].
Em relação aos requisitos para a designação dos Juízes Conselheiros, a Lei Orgânica
de 2006 apresenta as mesmas exigências a nível da Constituição de 2004 podendo se afirmar
que houve uma ligeira alteração face à Lei Orgânica de 2003. Enquanto esta exigia como
requisitos ser cidadão moçambicano, no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, no
mínimo licenciado em Direito ou juiz de Direito e, ainda, ter exercido uma profissão jurídica,
pelo menos, durante oito anos ininterruptos (artigo 8), a Lei Orgânica de 2006 (artigo 7, n.º 2)
a semelhança da Constituição actual exigem que a designação recaia sobre quem tenha pelo
71 Cf. Também Artigo 7 n.º 1 al. a) da Lei Orgânica 6/2006.
72 Cf. Também Artigo 7 n.º 1 al. b) da Lei Orgânica 6/2006.
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menos dez anos de experiência profissional na magistratura ou em qualquer actividade
forense ou de docência em Direito (artigo 242, n.º 3).
A designação dos Juízes Conselheiros do Conselho Constitucional é, conforme a
Constituição (artigo 242, n.º 2) e Lei Orgânica de 2006 (artigo 7, n.º 2), para um mandato de
cinco anos e é renovável; diferentemente da Lei Orgânica de 2003 que admitia a renovação do
mandato apenas uma vez (artigo 9), a Constituição não impõe limitação a essa renovação.
As garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade
dos Juízes, bem como o regime de incompatibilidades, que já eram consagrados pela Lei
Orgânica de 2003, passaram também a ter assento na nova Constituição (artigos 242, n.º 2 e
243) e para tanto na Lei Orgânica de 2006 (artigo 8, n.º 1 e artigo 10 n.º 2).
As competências do Conselho Constitucional foram alargadas pela nova Constituição (artigo
244), acrescentando às que a Constituição anterior já consagrava, nomeadamente as
seguintes:73
 Declarar a incapacidade permanente e verificar a morte e a perda de mandato do
Presidente da República;
 Decidir, em última instância, a legalidade da constituição dos partidos políticos e suas
coligações, bem como apreciar a legalidade das suas denominações, siglas, símbolos e
ordenar a respectiva extinção nos termos da Constituição e da lei;
 Julgar as acções de impugnação de eleições e de deliberações dos órgãos dos partidos
políticos;
 Julgar as acções que tenham por objecto o contencioso relativo ao mandato dos
deputados;
 Julgar as acções que tenham por objecto incompatibilidades previstas na Constituição
e na lei.
Neste arrolamento, as três últimas competências merecem especial atenção pelo facto de ter
em comum a expressão “julgar acções”, fórmula que, para nós, reforça o entendimento da
natureza jurisdicional do Conselho Constitucional.
Da análise dos elementos referidos chegamos a conclusão de que o conselho
constitucional é mesmo um órgão jurisdicional e não um órgão político, apesar de o fundo das
questões analisadas serem de cunho político, recursos eleitorais, aliás, esta questão deve-se
73 Cf. Tambem Artigo 6 da Lei Orgânica 6/2006
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também ao facto de o acesso directo por parte dos cidadãos ser muito difícil, como iremos
analisar posteriormente.
É verdade que em matéria da sua composição, os membros do Conselho constitucional
são de indicação por parte de órgãos políticos na sua maioria. Mas isto não prejudica, pelo
menos em termos teóricos, a sua natureza se considerarmos os outros elementos como órgão
jurisdicional. Diga se entretanto que há uma necessidade de se alargar o âmbito de
recrutamentos dos elementos que compõe o conselho constitucional, de modo a que não se
ponha em causa a questão da independência e imparcialidade deste órgão. Somos da opinião
de que se devia dar mais poderes aos conselhos superiores das magistraturas.
A situação actual vai no sentido de os conselhos superiores deterem de menor poder
em matéria de eleição, aliás, a lei conferiu tal poder, no seio das magistraturas, somente ao
Conselho Superior da Magistratura Judicial o qual deve eleger tão-somente um juiz
conselheiro. Que dizer doutras magistraturas? Referimo-nos ao Conselho Superior da
Magistratura do Ministério Publico74, Conselho Superior da Magistratura Judicial75 e ao
Conselho Superior da Magistratura Judicial Administrativa76. Porem, a questão e bem
complicada do que parece. É que é sobejamente sabido que o presidente da República nomeia
o presidente do Tribunal Supremo77, do Tribunal Administrativo78 e o Procurador-geral da
República pelo presidente da República79, e são estas entidades que presidem aos respectivos
Conselhos Superiores80 e sabendo -se também que as nomeações tem a ver com as afinidades
politicas, Logo no fundo a indicação dos juízes conselheiros do CC terá mesmo nestascondições ligações politicas por quanto o Presidente procurara influenciar outros órgãos, de
tal forma que não nos parece, no nosso ordenamento jurídico, que havendo sido proposta uma
acção de apreciação da constitucionalidade e que envolva sensibilidade politicas de altas
figuras politicas com ligações, também politicas com os juízes conselheiros possam proferir
acórdãos que vá no sentido contrario das pretensões das aludidas figuras, e a isto aliando-se o
facto de ser o Presidente da República quem nomeia o Presidente do C.C (242 n 1 al. a,
74 Cfr. Art 238 et seq, da CRM
75 Cfr. art 220 et seq, da CRM
76 Cf. Art. 232 et seq, da CRM
77Cfr. art. 226, n 2 da CRM
78Cfr. Art. 229, n 2 da CRM
79 Cfr.239, n1 da CRM
80 Cfr. arts 221, n2, da CRM, para o CSMJ; art 2 n1 al. a, da lei 9/2009 de 11 de Marco, para o CSMJA, e art. 62
n1, da Lei 22/2007 de 1 de Agosto, para o CSMMP.
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CRM). É verdade que os juízes gozam da garantia da independência, mas tal só tem eficácia
em termos teóricos. Até porque experiencias recentes já nos provaram isto81.
Mas mesmo assim mantemos a nossa opinião, pois entendemos que este seja um
esquema ideal e que bem pode funcionar se se resolver também as questões organizacionais
dentro dos conselhos superiores das magistraturas, a questão da nomeação dos Presidentes
dos tribunais Superiores, a questão da nomeação do Procurador-geral da República e a
questão da nomeação do Presidente do C.C pelo Presidente da República. E esperamos que o
nosso legislador constituinte olhe para esta questão na futura constituição.
9. O Modelo Moçambicano de Fiscalização da Constitucionalidade
O sistema moçambicano de fiscalização da constitucionalidade pode caracterizar-se como
um sistema misto ou seja composto por vários tipos de controlo constitucional que não
perdem, porém, os seus próprios traços individualizadores.
No ordenamento jurídico-constitucional moçambicano consagram-se: a fiscalização
preventiva da constitucionalidade (art.246, CRM.), em que o conselho constitucional se
pronuncia ou não pela inconstitucionalidade de determinadas normas jurídicas; a fiscalização
sucessiva concreta ou difusa (art. 214 da C.R.M. conj. art. 67 da LOCC) pela qual qualquer
tribunal pode julgar ou não quaisquer actos normativos inconstitucionais; a fiscalização
sucessiva abstracta (art.245, C.R.M. conj. art. 74 da LOCC), através da qual somente o
Conselho constitucional tem legitimidade processual passiva e o poder de declarar ou não a
inconstitucionalidade de certa norma jurídica.
Assim, a fiscalização da constitucionalidade em Moçambique pode ser feita pelos
tribunais, sem discriminação, por um lado, e pelo conselho constitucional, por outro lado, o
que pressupõe a existência de uma jurisdição constitucional. Este modelo resulta de uma
mistura do regime americano e Europeu da fiscalização da constitucionalidade82. Mas para
81 Dentre os vários casos, destacamos, o polémico caso do recurso eleitoral interposto ao C.C. pelo Partido
Democrático de Moçambique e outros Partidos na sequência da exclusão no processo eleitoral pela CNE, em
2009. O C.C. conta todas as expectativas reiterou a posição da CNE.
E mais recentemente os polémicos AC. 02/CC/2013 e AC. 03/CC/2013, proferidas em sede do recurso eleitoral
interposto pela Renamo e um grupo de Partidos extra - parlamentares.
82 A fiscalização difusa é tipicamente americana e é mais eficiente lá devido ao carácter primordial atribuído a
jurisprudência como fonte do direito, dando um papel preponderante aos juízes. A fiscalização sucessiva
abstracta é típica dos direitos da família Romano germânica.
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além da questão do misticismo, é possível encontrar no sistema constitucional característica
peculiar, se não inovadora referimo-nos ao mecanismo de fiscalização desencadeado por dois
mil cidadãos, prevista no art. 245, n2 al. g, da CRM conj. com o art. 60, n2 al. g) da LOCC, a
qual analisaremos mais adiante.
9.1. Fiscalização preventiva
Noção
É aquela que acontece antes do acto a fiscalizar estar juridicamente perfeito e antes dele ser
publicado no boletim da república (trata-se de normas concebidas mas ainda não nascidas
para o mundo do Direito).
O Presidente da República tem solicitado com frequência ao Conselho Constitucional
a verificação preventiva das leis aprovadas pela Assembleia da República e submetidas à
promulgação e, em muitos casos, a sua iniciativa é motivada por inquietações que lhe são
transmitidas por organizações da sociedade civil ou por outros órgãos do Estado, como o
Procurador-Geral da República, ou, ainda, pela falta de consenso, entre a maioria e a minoria,
sobre a constitucionalidade da lei, revelada no momento da sua discussão e aprovação na
Assembleia da República. Entre estas solicitações de verificação de inconstitucionalidade
aparecem leis aprovadas pelo Parlamento por iniciativa do Governo, que é chefiado pelo
próprio Presidente da República.
Quando o Conselho Constitucional declara a inconstitucionalidade de uma lei em
processo de controlo preventivo, o efeito da decisão é o veto obrigatório e devolução da lei à
Assembleia da República para reapreciação (artigo 246, n.º 5 da CRM). Nestes termos,
podemos afirmar que, no quadro da separação dos poderes, o Conselho Constitucional
contribui para o funcionamento do mecanismo de interdependência na relação entre o Poder
Legislativo e o Poder Executivo.
Além disso, considerando que o Presidente da República é, por um lado, o chefe do
partido maioritário no Parlamento, por outro, chefe do Governo, percebe-se que ele, ao
solicitar a verificação preventiva da constitucionalidade, assume-se como Chefe do Estado e
garante da Constituição, distanciando-se, deste modo, do seu partido e do Poder Executivo.
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O exercício reiterado, pelo Presidente da República, da iniciativa de fiscalização
preventiva da constitucionalidade de leis, aprovadas pela maioria parlamentar com que se
identifica politicamente, é um sinal não só de confiança ao Conselho Constitucional como
também de um clima de bom relacionamento entre os dois órgãos.
9.2. A fiscalização sucessiva
A fiscalização da constitucionalidade pode ocorrer depois do acto já ter sido publicado no
boletim da república e geralmente já ter iniciado a produção dos seus efeitos jurídicos (são,
nesse sentido, normas já nascidas para o mundo do Direito).
A fiscalização sucessiva pode ser concreta ou abstracta.
a) A Fiscalização Concreta da Constitucionalidade
Noção
A Fiscalização Sucessiva da Constitucionalidade, diz-se concreta, quando, ou melhor, porque,
ocorre aquando da aplicação pelos tribunais de determinada norma a um caso concreto, por
sinal, cuja conformação com a constituição é de alcance duvidoso. Portanto, trata-se de um
modo de controlo da Constituição que, cabe em primeira instância aos tribunais e, perante
aquele em que a causa se encontra a correr termos.
A Fiscalização da Constitucionalidade em Moçambique, nos termos da alínea a), do
n.º 1, do artigo 244 da Constituição da República, salvo melhor entendimento, recai sobre
normas jurídicas (sem prejuízo das demais alíneas deste artigo). Quer isto dizer que, não é
possível o controle de actos dos poderes públicos, tais como: actos administrativos, os quais
estão sujeitos apenas ao controle de legalidade pelos Tribunais Administrativos; e actos
jurisdicionais, os quais são objecto de recurso para os Tribunais hierarquicamente superiores.
40
Trata-se, portanto, da competência primordial do Conselho Constitucional83, e daquela
em que mais especificamente se manifesta e avulta o papel de "guardião" ou garante último da
Constituição, que esta mesma lhe confia.
Nos termos conjugados dos artigos 214 e 247, n. °1, alínea a), da Constituição da
República, e do artigo 68 da Lei 6/2006, de 2 de Agosto, pode-se afirmar que, são conferidas
aos tribunais as competências para desencadearem o processo tendente à apreciação (pelo
Conselho Constitucional) da conformidade com a Constituição, das normas que sepretende
aplicar a determinado litígio, não obstante o facto de estarem legalmente adstritos ao dever de
não aplicar normas que considerem inconstitucionais. A competência que lhes é atribuída,
permite, mais do que deixar de aplicar determinada norma por considerá-la inconstitucional,
posicionarem-se perante a questão da inconstitucionalidade naquele caso específico.
Contudo, salienta-se o facto de, haver sempre recurso (remessa obrigatória e oficiosa)
para o Conselho Constitucional de três espécies de decisões dos Tribunais, nomeadamente: i)
quando o Tribunal se recusa a aplicar certa norma com fundamento na inconstitucionalidade
ou ilegalidade; ii) quando o tribunal aplicar norma, cuja constitucionalidade ou ilegalidade
tenha sido arguida pelas partes, no processo; e iii) quando aplique norma anteriormente
declarada inconstitucional ou ilegal pelo Conselho Constitucional.
Não obstante o facto de apenas a primeira situação encontrar consagração
constitucional/legal, por maioria de razão doutrinária, as duas últimas, são também apontadas
pela doutrina como sendo situação nas quais, tais decisões são recorríveis ao Conselho
Constitucional, para que este, em última instância, se pronuncie sobre a
constitucionalidade/legalidade de determinada norma, visto ser ele o Guardião da
Constituição.
Dito isto, olhemos para a natureza dos efeitos que advêm de Fiscalização Concreta da
Constitucionalidade. Contudo, antes mesmo de fazermos referência aos efeitos da
Fiscalização Concreta, é imprescindível recordarmos que, o que vai para análise do Conselho
Constitucional, ou à fiscalização, não é a decisão do Tribunal em si (no seu todo) mas, a parte
desta, que se recusou a aplicação de determinada norma84 com base na sua
inconstitucionalidade ou, se aplicou norma cuja inconstitucionalidade foi impugnada.
83 Órgão de soberania, ao qual compete especialmente administrar a justiça, em matérias de natureza jurídica -
constitucional
84 Vide art. 67, al.(a) da LOCC.
41
Note-se que, a questão da constitucionalidade/legalidade é suscitada aquando da
aplicação de determinada norma a um caso em concreto, o que vai implicar que por um lado,
o Conselho Constitucional esteja impossibilitado de alargar a questão da constitucionalidade a
mais normas do que aquelas que foram submetidas para sua apreciação, porquanto, e por
outro lado, a decisão que é proferida pelo Conselho Constitucional não tem, nesta situação de
Fiscalização Concreta, força obrigatória geral e apenas, faz caso julgado intra-processual, ou
seja, para as partes no processo que deu causa à apreciação da questão da constitucionalidade
pelo Conselho Constitucional.
Portanto, o Conselho Constitucional decidirá em concreto, sobre a questão da
constitucionalidade de determinada norma e, qualquer decisão que por ele for proferida, só
produzira efeitos particulares ou inter-partes.
Entretanto, não obstante o facto de o n.º 1, do artigo 248, da Constituição da República
dispor que “Os acórdãos do Conselho Constitucional serem de cumprimento obrigatório
para todos os cidadãos, instituições e demais pessoas jurídicas, e não serem passíveis de
recurso e prevalecerem sobre outras decisões, entende-se que esta disposição é aplicável, se
olharmos para os efeitos da Fiscalização Concreta, apenas, à Fiscalização Abstracta.
Apesar disso, não se pode deixar de lado a possibilidade de a decisão proferida pelo
Conselho Constitucional em sede da Fiscalização Concreta da Constitucionalidade, trazer
consigo, não de forma directa, a obrigatoriedade do seu cumprimento para todos os cidadãos,
uma vez que, cabe sempre recurso ao Conselho Constitucional, como já atrás nos referimos,
das decisões de qualquer tribunal que aplicar norma anteriormente julgada por si,
inconstitucional ou ilegal. Entende-se assim, que (salvo melhor opinião) o Conselho
Constitucional no actual quadro jurídico-constitucional, pode apreciar e julgar
“concretamente’’ por inconstitucional/ilegal, determinada norma, uma infinidade de vezes,
visto que, não existe qualquer limitação ao número de vezes que o Conselho Constitucional
poderá fiscalizar a mesma situação, anteriormente julgada inconstitucional, e muito menos
uma hipotética conversão automática (de Concreta para Abstracta), ou apreciação
obrigatoriamente abstracta daquela mesma norma.
Esta forçada conclusão a que somos obrigados a chegar, extraída do n.º 1, do artigo
248, da Constituição da República e, por sinal, acolhida também pelo n.º 1, do artigo 4, da Lei
Orgânica do Conselho Constitucional, resulta da quase que inexistente consagração legal dos
efeitos da Fiscalização Concreta, nestes Diplomas Legais.
42
Ora, se a Fiscalização Concreta é, não menos importante, que quaisquer outros modos
de garantia da primazia das normas e princípios constitucionais, ela, e o instituto da
Fiscalização da Constitucionalidade no seu todo, carecem de uma consagração legal mais
rígida e clara, do ponto de vista do seu formalismo, mecanismos de accionamento e efeitos,
visto que, se assim não for, teremos, para o caso da Fiscalização Concreta, um mecanismo
válido, mas não eficaz, senão vejamos que, proferida determinada decisão dando provimento
à questão da inconstitucionalidade, esta vai simplesmente impedir a aplicação da norma
naquele caso, mas não se eliminará definitivamente a questão da inconstitucionalidade, ou
seja, a referida decisão não terá eficácia erga omnes, e muito menos afectará a vigência da
norma e a possibilidade de poder vir a ser considerada conforme a Constituição e aplicada por
via disso, por outro Tribunal.
Portanto, a questão que permanece sem resposta é, como garantir o cumprimento de
uma decisão do Conselho Constitucional (por parte dos tribunais comuns) tomada em sede da
Fiscalização Concreta se, a mesma, por maioria de razão, só obriga naturalmente ao Tribunal
da causa?
É exemplo claro e próximo a inconstitucionalidade decretada pelo Acórdão
n.º03/CC/2011, de 7 de Outubro, relativamente ao artigo 184 da Lei do Trabalho que,
entretanto, continua a impor a obrigatoriedade da mediação laboral.
b) Fiscalização sucessiva abstracta
Noção
É aquela fiscalização que, independentemente de qualquer caso concreto, surge como
objecto principal e exclusivo do processo.
Este tipo de verificação de constitucionalidade é desencadeado por figuras elencadas
no artigo 245 da CRM, e são elas: o presidente da República, o Presidente da Assembleia da
República, 2/3 dos Deputados da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o
Procurador-Geral da República, o Provedor da Justiça e, dois mil Cidadãos. Conforme pode
se notar, diferentemente do que acontece na fiscalização preventiva, cujo mecanismo é
somente desencadeado pelo Presidente da República, aqui a lei alarga o universo de figuras
43
que detém o poder de desencadear o mecanismo de fiscalização. Neste dispositivo legal faz-se
uma enumeração taxativa, o que significa que a lei veda a solicitação do controlo de
constitucionalidade feita por entidades fora das enumeradas no dispositivo citado.
Da fiscalização sucessiva abstracta resulta uma decisão positiva de declaração de
inconstitucionalidade com força geral e obrigatória, nos termos do art. 245, n.1 da
Constituição da República de Moçambique e 66 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional.
Por forca do artigo 62, n.1 do mesmo diploma, podemos concluir que na fiscalização
sucessiva não há prazos como há na fiscalização preventiva, podendo o pedido ser
apresentado a qualquer tempo.
Recebido o pedido, o Presidente do Conselho Constitucional usando da faculdade n
n.2 do artigo 48 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional ou decide a sua admissão no
prazo de cinco dias podendo nesse caso o autor ser notificado para, suprir as deficiências do
pedido no prazo de dez dias85. Nesta seara, inversamente do que ocorre na fiscalização
preventiva, não é admitida a desistência do pedido e não se suspende a aplicação, vigência ou
eficácia das normas impugnadas. O TribunalConstitucional, conforme observa Jorge
Miranda, pode tampouco adoptar providências cautelares.
Da decisão definitiva acerca da inconstitucionalidade originária ou ilegalidade
originária da norma, em regra, resultam efeitos ex tunc, isto é, a regra é a retroactividade da
decisão exarada pelo Conselho Constitucional à data de entrada em vigor da norma declarada
inconstitucional ou ilegal86, inclusive, produzindo efeitos repristinatórios sobre as normas que
eventualmente hajam sido revogadas pela norma declarada inconstitucional ou ilegal. Quando
se trate de inconstitucionalidade ou ilegalidade por infracção de norma constitucional ou lei
posterior (inconstitucionalidade ou ilegalidade superveniente), a retroactividade alcança
somente o momento de entrada em vigor da norma declarada como inconstitucional ou ilegal,
produzindo efeitos repristinatórios. Como limite à retroactividade, contudo, ficam
ressalvados, em princípio, os casos julgados, salvo decisão em contrário do Conselho
Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal e disciplinar e for de conteúdo
menos favorável ao arguido87.
Há, porém, possibilidade, em circunstâncias relevantes, de manipulação dos efeitos da
85 Cf. Artigo 62, nº 2 e 3da Lei Orgânica do Conselho Constitucional
86 Cf. Art. 66, nº 1 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional
87 Cfr. art. 66, nº 3 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional.
44
decisão do Conselho Constitucional acerca da inconstitucionalidade ou da ilegalidade88,
dentro dos limites postos pelo princípio da proporcionalidade em sua tríplice vertente:
necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito. Nesse sentido, o Conselho
Constitucional pode, por razões de segurança jurídica, equidade ou interesse público de
excepcional relevo, que deve ser fundamentado, restringir ou eliminar os efeitos retroactivos
da declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade, salvaguardando situações jurídicas
produzidas tidas como relevantes89. É possível também que o Conselho Constitucional recorra
a limitações temporais apenas quanto a certos efeitos produzidos pela norma, deixando que
outros retroajam. Jorge Miranda identifica, contudo, limites absolutos à limitação de efeitos
da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral, por
virtude de princípios fundamentais90.
No âmbito deste tipo de controlo, a nível do direito comparado, pode se notar que cada
ordenamento jurídico conte algumas especificidades, do resto, se compreende tendo em conta,
quer o perfil da sociedade, quer a questões de natureza política. Se já em Moçambique o
cidadão tem a faculdade de desencadear o mecanismo sem fiscalização abstracta, não
encontramos a nível do direito da CPLP, por exemplo, uma solução idêntica91. De referir que
88 Cfr. Artigo 66, nº 4 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional
89 Cf. Artigo 66, nº 4 da Lei Orgânica do Conselho Constitucional
90 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo VI, p.290
91 Em Angola, pode se desencadear também, o mecanismo de fiscalização abstracta a Ordem dos Advogados e
os grupos parlamentares, art.23º, no 2, al. c) e f) da CRA. Em Portugal, podem solicitar a fiscalização abstracta
«os representantes da república; as Assembleias legislativas das regiões autónomas, os presidentes das
Assembleias legislativas das regiões autónomas; os presidentes dos governos regionais, ou um décimo dos
deputados a respectiva Assembleia legislativa, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar
em violação dos direitos das regiões autónomas ou pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do
respectivo estatuto», art. 281, nº 2, al. g) da CRP. No Brasil, podem solicitar a fiscalização abstracta, a Mesa do
Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados; a Mesa de Assembleia Legislativa; o Governador de Estado;
o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso
Nacional; confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional, art. 103, CRFB. Em Timor Leste,
podem requerer a declaração de inconstitucionalidade: o Presidente da República; o Presidente do Parlamento
Nacional; o Procurador-Geral da República, com base na desaplicação pelos tribunais em três casos concretos de
norma julgada inconstitucional; o Primeiro-Ministro; um quinto dos Deputados e o Provedor de Direitos
Humanos e Justiça, art. 150, CRDT. Em São Tome, podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração da
inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral: O Presidente da República; Presidente da
Assembleia Nacional; o Primeiro-Ministro; o Procurador-geral da República; um décimo dos Deputados à
Assembleia Nacional; a assembleia Legislativa Regional e o Presidente do Governo Regional do Príncipe, art.
147 CRDSTP. Em Cabo Verde, a fiscalização abstracta da constitucionalidade é solicitada pelo Presidente da
República, do presidente da Assembleia Nacional, do Primeiro-ministro, do Procurador-Geral da República e de,
pelo menos, um quarto dos Deputados da Assembleia Nacional., art. 275, CRC.
45
este figura que o legislador consagra no artigo 245 al. g) não pode ser confundido com a
queixa constitucional, do direito alemão, austríaco, e o recurso de amparo espanhol, embora
devamos admitir que o legislado constituinte se tenha inspirado nestas figuras, mas nos
propomos a fazer certas considerações ainda neste trabalho.
Na fiscalização sucessiva abstracta, a maioria dos pedidos de declaração de
inconstitucionalidade e de ilegalidade são apresentados por deputados da minoria parlamentar.
Alguns dos pedidos têm como objecto leis aprovadas pela Assembleia da República e
promulgadas pelo Presidente da República, outros incidem sobre decretos presidenciais ou
decretos do Conselho de Ministros, que são, respectivamente, actos normativos do Presidente
da República e do Governo. Nota-se às vezes que, ao dirigir-se ao Conselho Constitucional
pedindo a declaração de inconstitucionalidade de uma lei, a minoria transfere para a justiça
constitucional as suas preocupações que, no processo legislativo, não são atendidas pela
maioria. Assim, o Conselho Constitucional acaba funcionando como uma espécie “árbitro a
posteriori” de conflitos entre a maioria e a minoria parlamentar e, quando a
inconstitucionalidade é declarada, a minoria sente-se mais valorizada e a maioria, acaba
moderando o uso do seu poder de fazer passar as leis, mesmo sem o acordo da oposição,
procurando cada vez mais consenso no procedimento legislativo.
Os processos de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de actos
normativos do Presidente da República e do Governo têm conduzido à reflexão sobre a
materialização da separação dos poderes, visto que neles se discute, normalmente, os limites
constitucionais da competência normativa do Poder Executivo face ao Poder Legislativo, ou
seja o problema da reserva da lei ou da reserva da competência legislativa do Parlamento.
Neste âmbito, é notório o papel de arbitragem desempenhado pelo Conselho
Constitucional, tendo já declarado inconstitucionais e ilegais, alguns decretos presidenciais e
do Conselho de Ministros, em processos de fiscalização desencadeados por deputados da
oposição parlamentar e por dois mil cidadãos.
O acatamento das decisões do Conselho Constitucional pelo Presidente da República e
pelo Governo é bastante positivo. Tem sido praxis do Presidente revogar, por iniciativa
própria, seus decretos baseando-se em jurisprudência constitucional anterior expressa em
acórdão que declarou a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de um decreto Presidencial.
Outro fenómeno que acontece com alguma frequência, consiste em o Presidente da República
46
ou o Governo, que é por aquele chefiado, adiantarem-se à decisão do Conselho
Constitucional, revogando um diploma normativo cujo processo de fiscalização ainda se
encontra em tramitação.
Os factos descritos demonstram que as decisões do Conselho Constitucionalem
processos de fiscalização sucessiva abstracta de inconstitucionalidade e de ilegalidade têm
influenciado positivamente.
10. O direito de suscitar a «questão» de inconstitucionalidade ou de ilegalidade
No sistema jurídico-constitucional moçambicano, não existe um processo de queixa
constitucional que permita aos cidadãos lesados nos seus direitos apelarem directamente para
um tribunal constitucional (em condições a regular pelas leis de organização, funcionamento e
processo). Todavia, os particulares podem, nos feitos submetidos à apreciação de qualquer
tribunal e em que sejam parte, invocar a inconstitucionalidade de qualquer norma ou a
ilegalidade de actos normativos violadores de leis com valor reforçado, fazendo assim
funcionar o sistema de controlo da constitucionalidade e da ilegalidade numa perspectiva de
controlo subjectivo. Conexionado com este direito de suscitar a questão da
inconstitucionalidade nos feitos submetidos a decisão do juiz, está o direito de recurso para o
Conselho Constitucional (cf. artigo 244).
Dir-se-á à primeira vista que o modo pelo qual o direito moçambicano prevê o acesso
directo dos particulares ao juiz constitucional é menos favorável.
Como, por razões históricas, e nos processos de fiscalização concreta, o acesso ao
Conselho Constitucional se faz por via de recurso de decisões de tribunais comuns que
tenham aplicado certa norma ou que tenham recusado a sua aplicação92, o meio que os
particulares detêm para, em Moçambique, procurarem no juiz constitucional remédios para
as situações em que se sintam pessoalmente afectados é, também, o da interposição do
recurso da decisão do tribunal comum para o Conselho Constitucional. A via mais vulgar é
a do recurso de decisão do tribunal comum que tenha aplicado norma cuja
inconstitucionalidade o particular arguiu durante o processo. Mas não é a via exclusiva.
Nada impede que nos outros recursos – os que cabem de decisões do juiz que recuse a
92Artigo 247 nº 1 alínea a) da Constituição da República
47
aplicação de uma norma, com fundamento na sua inconstitucionalidade - tenha a alegação
do particular sido determinante para a formação da convicção do juiz quanto à
inconstitucionalidade da norma que se recusou a aplicar. Por isso mesmo, diz a Lei
Orgânica do Conselho Constitucional que, nestes casos – nos casos de recusa de aplicação
de norma - quem tem legitimidade para recorrer ao Tribunal é não só o Procurador-Geral da
República, o Ministério Público93, que surge aqui como o garante "objectivo" a unidade do
ordenamento, como também a "parte" que seja "legítima", de acordo com as regras
processuais comuns.
No entanto, a via por excelência do acesso dos particulares à justiça constitucional
moçambicana é, de facto, a do recurso, para o Conselho Constitucional, da decisão do
tribunal comum que tenha rejeitado a arguição de inconstitucionalidade da norma a aplicar
ao caso, arguição essa que o mesmo particular tenha feito durante o processo.
Não obstante o objecto do recurso ser aqui a norma (cuja inconstitucionalidade se
arguiu) e não qualquer decisão de um poder público, seja ele o poder judicial ou o poder
executivo, a verdade é que este meio, moçambicano, de acesso directo do particular ao juiz
constitucional apresenta alguns traços de similitude com o sistema corrente na Alemanha de
queixa constitucional
O primeiro é o da sua eficácia, apenas, para o caso concreto. Tal como nas
"queixas", em que se dá remédio à lesão de uma certa situação jurídico-subjectiva (e não se
profere qualquer juízo sobre a invalidade erga omnes de uma norma), também nos recursos
moçambicanos a decisão que o Tribunal profira vale só inter-partes.
O segundo traço de similitude é o da necessária utilidade que a decisão do Tribunal
tenha para a resolução do caso concreto. Tal como na queixa, o acesso ao juiz constitucional
não se encontra aberto, se se invocar como pretexto para a sua intervenção um tema
decidindo que, uma vez decidido, não tenha repercussões na posição jurídica-subjectiva dos
requerentes. Como, em direito moçambicano, essa posição é aquela que é discutida pelos
tribunais comuns a propósito da aplicação, ou do modo de aplicação, de uma certa norma de
direito ordinário, a um caso em que o requerente é parte, a utilidade da intervenção do juiz
constitucional, que aqui é requerida, deve cifrar-se na possibilidade de a sua decisão vir a
repercutir-se na decisão proferida pelo tribunal comum, mantendo-a ou reformando-a. De
qualquer modo, e na sua essência, o pressuposto é o mesmo. O requerente, para chegar ao
93 Cf. art. 247 nº 1, al. b)
48
juiz constitucional e obter dela decisão, deve ter alguma coisa a "ganhar" com a sua
intervenção. No modelo alemão das queixas, diz-se que esse ganho há-de pressupor o
interesse do requerente em agir. No modelo moçambicano de recursos, diz-se que esse
"ganho" se há-de cifrar nas repercussões que a decisão do Conselho Constitucional tenha
para a manutenção (ou não manutenção) da decisão de que se interpôs recurso.
O que é necessário, para que em Moçambique se aceda ao Conselho Constitucional,
é que se tenha durante o processo arguido a inconstitucionalidade de uma norma e, não
obstante isso, a mesma norma venha a ser efectivamente aplicada pelo juiz da causa ao caso
concreto. Não interessa aqui a substância ou o conteúdo da questão de constitucionalidade
que se arguiu. Interessa apenas que, formalmente, ela tenha que ver com o thema
decidendum da questão a julgar pelo tribunal comum. Pelo contrário, no modelo alemão das
queixas, o particular só acede ao juiz constitucional se for lesado (de forma pessoal,
imediata e actual) nos seus direitos fundamentais (aqueles que a ordem jurídica identifica
como sendo amparáveis), e não se invocar um qualquer outro motivo.
Os pressupostos do acesso são antes do mais substanciais (têm que ver com a natureza
da questão que leva o particular a procurar o remédio) e não, apenas, como em direito
moçambicano, meramente formais.
Nessa medida, o acesso directo dos particulares ao juiz constitucional é permitido,
em Moçambique, resta saber se de forma mais ampla ou reduzida do que na generalidade
dos outros direitos (africanos, americanos, asiáticos e europeus).
Mencionamos até agora a via de acesso dos particulares ao juiz constitucional tal
como ela se abre nos processos de controlo de constitucionalidade de normas, através dos
quais o Tribunal exerce as suas competências nucleares. Não referimos os meios de acesso
que os processos respeitantes ao exercício das competências complementares, que ao
Tribunal também são atribuídas, eventualmente comportem. Essas competências
complementares são de tal modo vasto e heterogéneo que o rastreio do seu grau possível de
subjectividade seria, aqui, impossível.
Por outro lado, há ainda a mencionar que existe ainda um meio indirecto de acesso
dos particulares ao Tribunal. Já atrás o referimos: ele é muito similar ao que se observa no
ordenamento alemão. Traduz-se na possibilidade que os particulares têm em suscitar
durante o processo uma questão de constitucionalidade que venha a ser acolhida pelo juiz a
quo. Essa possibilidade existe sempre, quer o sistema de fiscalização concentrada seja o de
49
recursos, seja o de questão prévia (como é nos outros lados). Directamente, quem acede ao
juiz constitucional é o juiz da causa comum, que decide colocar-lhe a questão de
constitucionalidade. A intervenção indirecta do particular não está no entanto excluída, visto
que a iniciativa da discussão constitucional pode ter sido sua (mas não deve, visto que é,
evidentemente, uma questão de conhecimento oficioso por parte do juiz).
Os processos de fiscalização concreta da constitucionalidade são raros, contando-se
apenas quatro processos desde 2003, dos quais três iniciados pelo Tribunal Administrativo e
o outro por um Tribunal Aduaneiro. Em nenhum dos casos foi declarada a
inconstitucionalidade ou a ilegalidade, mas as decisões do Conselho Constitucionalneste
âmbito têm contribuído para clarificar a delimitação da competência em razão da matéria
entre os tribunais especializados e os tribunais comuns.
A ocorrência deste tipo de processos confirma e reforça a posição do Conselho
Constitucional como órgão superior de justiça constitucional no País, na medida em que, em
matéria de constitucionalidade, aprecia e decide, em última instância, “recursos” das
decisões de quaisquer tribunais, incluindo o Tribunal Supremo e o Tribunal Administrativo.
A Constituição consagra a supremacia das suas normas no artigo 2, nº 4, ao dispor que “ As
Normas constitucionais prevalecem sobre todas as restantes normas do ordenamento
jurídico”. Esta disposição exprime de forma inequívoca o princípio da constitucionalidade
que vincula todos os órgãos de soberania (artigo 134, in fine, da CRM), mas cuja garantia
constitui tarefa primordial e especial do Conselho Constitucional (artigo 244, n.º 1, alínea a)
da CRM).
A jurisprudência constitucional em Moçambique, quer em processos de fiscalização
preventiva quer em processos de fiscalização sucessiva, concreta ou abstracta, têm tido
consequências notórias para a concretização do princípio da constitucionalidade e o reforço
do papel primacial da Constituição no ordenamento jurídico. Além de clarificar normas sobre
direitos, liberdades e garantias, as decisões do Conselho Constitucional contribuem
sobremaneira para o desenvolvimento e consolidação da cultura jurídico-constitucional no
seio da comunidade nacional e dos órgãos do poder político.
Podemos afirmar que o debate público sobre questões de constitucionalidade tem
evoluído bastante no País, desde a entrada em funcionamento do Conselho Constitucional em
Novembro de 2003, e os órgãos do Estado a vários níveis vêm prestando cada vez maior
atenção à imperatividade das normas constitucionais.
50
O procedimento no Conselho Constitucional tem natureza contraditória, mas não oral.
Como foi antes referido, a Lei Orgânica prevê a notificação do órgão autor da norma cuja
declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade se pede, para se pronunciar, querendo,
nos limites do prazo legal (artigo 51).
O princípio da oralidade parece mais vantajoso quando se trata de aumentar a
transparência do tribunal, porém pode, de certa forma, não favorecer a independência dos
juízes constitucionais, mormente, em contextos de democracias pluralistas incipientes, como é
o caso de Moçambique.
O processo constitucional em Moçambique rege-se pelo princípio do pedido (artigos
245, n.º 2, 246, n.º 1 e 247 da CRM e artigo 48, n.º 1, da LOCC). Recai sobre o autor do
pedido o ónus de “...especificar, além das normas cuja apreciação [...] requer, as normas ou
princípios constitucionais violados” (artigo 48, n.º 1, da LOCC). Estas especificações são de
tal forma indispensáveis que a sua “falta, insuficiência ou obscuridade” determinam a
notificação do autor para suprir a deficiência” (artigo 48, n.º 2, da LOCC), não devendo o
pedido ser admitido “...quando as deficiências que apresentar não tiverem sido supridas”
(artigo 49, n.º 1, da LOCC).
Ademais, o pedido, formulado nos termos anteriormente referidos, delimita o poder de
cognição do Conselho Constitucional, visto que este “...só pode declarar a
inconstitucionalidade ou a ilegalidade de normas cuja apreciação tenha sido requerida”,
embora possa fundamentar a declaração em normas ou princípios constitucionais ou legais
diversos daqueles cuja violação foi invocada (artigo 52 da LOCC).
Seja qual for a espécie de processo de fiscalização da constitucionalidade, a lei não
admite a desistência do pedido (artigo 50 da LOCC), e isto implica, para o Conselho
Constitucional, a obrigatoriedade de apreciar e decidir todos os pedidos que tenham sido
admitidos nos termos do artigo 48 da LOCC, independentemente do eventual desinteresse
superveniente da parte dos respectivos autores.
A limitação do poder de cognição do Conselho Constitucional pelo objecto do pedido
pode parecer contraditória com o facto de que processo de fiscalização da constitucionalidade,
mormente de fiscalização abstracta, não é um processo de partes, porquanto a acção de
inconstitucionalidade não se prende a interesses subjectivos dos sujeitos processuais, visa
defender ou preservar a ordem constitucional em termos objectivos. Porém, se a lei não
previsse essa limitação, estaríamos na iminência da possibilidade de iniciativa “ex officio” do
51
órgão de justiça constitucional, o que, provavelmente, não estaria de harmonia com o
princípio da separação dos poderes e do princípio democrático.
É necessário distinguir a apreciação e declaração de inconstitucionalidade “ultra
petita” ou “além do pedido” da apreciação e declaração de inconstitucionalidade “extra petita”
ou “fora do pedido”. A decisão “ultra petita” difere da decisão “extra petita” pela natureza da
coisa concedida. Assim, no primeiro caso o juiz concede mais do que se pede, mas concede
coisas da mesma natureza. Na hipótese da decisão “extra petita” a quantidade pode ser maior
ou menor, mas a natureza da coisa é diversa da pedida.
Em processo de fiscalização da constitucionalidade ou da legalidade, decisão “ultra
petita” consistiria, por exemplo, em declarar-se inconstitucionalidades ou ilegalidades
consequenciais, ou seja, daquelas normas que, não tendo sido especificadas no pedido,
guardam relação directa e imediata com as normas declaradas inconstitucionais ou ilegais.
Estes casos parecem não consubstanciar o fenómeno de iniciativa “ex officio” do juiz, mas
sim o princípio da coerência da decisão e, de certo modo, a independência do juiz
constitucional.
A possibilidade de o juiz decidir, mesmo após a desistência do pedido, nos casos em
que esta é admitida, tem a ver com a natureza predominantemente objectiva do processo de
fiscalização da constitucionalidade, onde o interesse público da preservação da supremacia da
Constituição se sobrepõe sobre qualquer interesse particular.
No âmbito da fiscalização sucessiva abstracta, assiste ao Conselho Constitucional o
poder de apreciar e declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das leis e a
ilegalidade dos demais actos normativos do Estado (artigo 245, n.º 1, da CRM). Em geral, os
seus acórdãos são de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos, instituições e demais
pessoas jurídicas, não são passíveis de recurso e, no caso do seu incumprimento, o infractor
incorre no cometimento de crime de desobediência, se crime mais grave não couber (artigo
248 da CRM).
Nos temos da Lei Orgânica, a declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade
com força obrigatória geral produz efeitos “ex tunc” e determina a repristinação das normas
revogadas pelo acto ou norma declarada inconstitucional. Tratando-se de
inconstitucionalidade ou ilegalidade superveniente, a declaração só produz efeitos desde a
entrada em vigor da norma constitucional ou legal posteriormente violada (artigo 66, nºs 1 e 2
da LOCC).
52
A retroacção dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade não
afecta os casos julgados, mas o Conselho Constitucional pode decidir em contrário, quando a
norma sindicada for de âmbito penal ou disciplinar e de conteúdo mais favorável ao arguido
(artigo 66, n.º 3 da LOCC). De igual modo, pode restringir os efeitos retroactivos da
declaração, atendendo exigências da segurança jurídica, bem como razões de equidade ou de
interesse público de excepcional relevo, devidamente fundamentadas (artigo 66, n.º 4, da
LOCC).
Na verdade, e na esteira de Kelsen, quando declara a inconstitucionalidade duma lei,
com força obrigatória geral, o Conselho Constitucional actua como um “legislador negativo”,
porquanto retira da ordem jurídica positiva normas postas pelo “legislador positivo”.
O primeiro limite ao “poder legislativo negativo” do Conselho Constitucional é o
princípio do pedido, que o impede de exercer “ex officio” a fiscalização da
constitucionalidade dasleis, ficando a sua intervenção dependente da iniciativa de certas
entidades legitimadas pela Constituição (artigo 245, n.º 2), designadamente Presidente da
República, Presidente da Assembleia da República, um terço, pelo menos dos deputados da
Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Procurador-Geral da República, Provedor de
Justiça e dois mil cidadãos. O segundo limite, consiste na delimitação do poder de cognição
do Conselho Constitucional pelo objecto do pedido, nos termos acima referidos.
Numa outra perspectiva, os princípios da separação dos poderes, da legitimidade
democrática e da adequação funcional impõem-se ao Conselho Constitucional uma
autocontenção dos seus poderes, cingindo-os à mera apreciação da conformidade das leis com
as normas constitucionais a que se devem objectivamente subordinar, sem interferir nas
opções político-legislativas do legislador democrático, bem como na sua esfera de liberdade
de conformação da ordem jurídico-positiva, mediante a densificação e concretização da
Constituição.
Além disso, o Conselho Constitucional tem observado o princípio da “presunção da
constitucionalidade das leis”, aplicando a directiva da interpretação conforme com a
Constituição, ou seja, no limite da inconstitucionalidade procura-se sufragar entre os vários
sentidos na norma, alguns dos quais inconstitucionais, aquele que mais de adequa à
Constituição.
A Constituição moçambicana não prevê a fiscalização de inconstitucionalidade por
omissão, porém entendemos que, sendo prevista, ela deve ser acompanhada da consagração
53
constitucional dos mecanismos mais adequados para impor ao legislador o acatamento das
respectivas decisões declaratórias da inconstitucionalidade, sob pena de ineficácia do meio de
garantia da constitucionalidade.
Portanto, mais do que um problema da independência do juiz constitucional, trata-se
da questão mais ampla do papel da jurisdição constitucional como garante primordial da
Constituição em todas as suas dimensões normativas, nas quais encontram-se normas
preceptivas auto-exequíveis, hétero-exequíveis e programáticas, dependendo a efectivação das
duas últimas da intermediação do legislador ordinário.
Com efeito as normas preceptivas não exequíveis por si mesmas e as normas
programáticas, para além da regulação das matérias do seu objecto, contêm ordens de
dirigidas ao legislador, ordens que não devem ser desacatadas sob pena de
inconstitucionalidade negativa.
As decisões do Conselho Constitucional são tomadas por consenso e, na falta deste,
pela pluralidade de votos dos Juízes presentes, cujo quórum não deve ser inferior a dois terços
dos que estão em efectividade funções, incluindo o Presidente ou seu substituto, dispondo
cada Juiz de um voto, exceptuado o Presidente, que tem voto de qualidade (artigos 31 e 33,
nºs 1, 2 e 3, da LOCC).
Os Juízes dissidentes gozam do direito de lavrar voto de vencido (artigo 33, n.º 4, da
LOCC) e se o dissidente for o Juiz relator, este é substituído por um outro Juiz (artigo 58, n.º
2, da LOCC), segundo a ordem de substituições estabelecida anualmente, por sorteio, na
primeira sessão do ano (artigo 43 da LOCC).
Na sua maioria, as decisões do Conselho Constitucional são tomadas por consenso, o
que não significa ausência de pontos de vista diferentes entre os Juízes Conselheiros. A
adopção duma decisão tem sido precedida de um amplo debate, que, sem prejuízo de respeitar
os prazos processuais, dura o tempo necessário para se alcançar o consenso. No debate, cada
Juiz tem a possibilidade de manifestar livremente opiniões pessoais sobre as questões objecto
de decisão, as quais podem não coincidir com as opiniões dos demais colegas.
Mesmo assim ainda se consegue alcançar o consenso, através de um esforço de
conciliação das posições divergentes.
Embora pouco frequentes, não têm faltado casos de juízes que discordam
definitivamente da posição maioritária, exercendo o direito de lavrar voto vencido que,
54
quando devidamente fundamentado, traduz uma das formas de manifestação da independência
do Juiz.
11. Obstáculos a transpor no acesso à justiça constitucional
Apesar dos inúmeros avanços já conquistados na consolidação de um integral acesso à
justiça constitucional, instrumento essencial efectivação dos direitos de cidadania plena,
muitos obstáculos ainda existem à completa efectividade deste direito fundamental.
O acesso à justiça constitucional pelo cidadão ainda é deficitário, devido a alguns
limites impostos pela própria Constituição, bem como os resultantes da falta do cumprimento
do dever de informar que cabe ao Estado, muitos conhecem o Conselho a dirimir contenciosos
eleitorais.94
O acesso à justiça constitucional ainda é um problema crónico em Moçambique.
Ademais, poucos cidadãos conhecem as reais atribuições do Conselho Constitucional, bem
como os mecanismos de acesso àquele órgão fiscalizador da constitucionalidade de algumas
decisões e/ou leis há necessidade de se chegar mais perto do cidadão e explicar a ele o que é o
Conselho Constitucional, quais são as actuais atribuições e, sobretudo, como ter acesso a este
órgão.
Podem ser destacados alguns obstáculos ao acesso a justiça como a seguir se
apresentam:
a) Obstáculos Socioculturais
As limitações causadas pelo estrato social a que pertence o cidadão, apesar da
decorrência lógica da desigualdade económica, possuem também aspectos sociais,
educacionais e culturais.
A grande parte dos cidadãos não conhece e não tem condições de conhecer seus
direitos. Percebe-se que quanto menor for a capacidade económica do cidadão, menor o seu
94 Isto por um lado deve se ao carácter mediático que este tipo de recurso tem, aliado ao facto de este tipo de
recurso constituir o fundo da actividade do Conselho Constitucional. Para elucidar isto, basta ver que do ano
2003 até Agosto de 2013 contabilizam-se 72 acórdãos.
55
conhecimento acerca de seus direitos e menor a sua capacidade de identificar um direito
violado, e passível de reparação judicial; além disto é menos provável que conheça um
advogado ou saiba como encontrar um serviço de assistência judiciária. Olhemos que esse
cidadão com fraca cultura jurídica nem se quer sabe quando como proceder para assaltar ao
direito e como chegar aos órgãos de tutela. São obstáculos que precisam de ser superados para
garantir o acesso à justiça constitucional.
É certo que a complexidade das sociedades faz com que mesmo as pessoas mais
dotadas de mais recursos tenham dificuldades para compreender as normas jurídicas95.
Saliente-se que quanto mais pobre é o cidadão, mais difícil é o seu acesso ao direito, não só
porque em seu currículo de relações não só não existem pessoas que não lhe reconheçam o
direito, mas também porque, ele reside, quase sempre, muito distante das zonas urbanas onde
poderia encontrar um número considerável de consultores jurídicos e tribunais.
Ora, quando o pobre consegue algum acesso à justiça constitucional, corre o risco de
tê-la muito precária, como exemplo, temos a assistência jurídica que tem seus serviços, muitas
vezes, deficientemente prestados.
a) Obstáculos Psicológicos
A variante psicológica deve ser necessariamente considerada. Pois, as pessoas menos
favorecidas economicamente de alguma forma, à prior se sentem derrotados antes de
pleitearem por considerarem que a justiça é para os mais fortes ou que a vitória é garantida
aos mais favorecidos economicamente por poderem se beneficiar de melhores advogados. E
parte o cidadão com fraca cultura jurídica e economicamente desfavorecido, por vezes, tem os
advogados, o provedor de justiça e os juízes. Os juízes em particular os juízes constitucionais,
então são vistos como seres superiores cuja acessibilidade é diminuta ou quase impossível.
A maioria das pessoas tem receio de estar em juízo, seja por decepção com o resultado
de alguma acção em que estivesse envolvida ou tivesse interesse, ou por temerem represálias
ao recorrerem à justiça, ou ainda, represálias da própriaparte adversária.
Para o moçambicano, o Poder Judiciário, é inacessível, não é confiável e não faz
95 Cappelletti, Mauro & Garth, Bryant, Acesso à Justiça, 1988, p. 23.
56
justiça.
b) Obstáculos Jurídicos e Judiciários
Apesar de grandes avanços já conquistados, os ordenamentos jurídicos africanos,
ainda mantém limitações no que concerne à legitimação para agir, principalmente na esfera
dos direitos colectivos, difusos e individuais homogéneos, direitos supra-individuais só
passíveis de aplicabilidade com a maior amplitude possível de titulares para sua tutela.
A deficiência estrutural do aparelho judiciário por um lado resultante da juventude do
próprio direito, e por outro a herança da então pobre justiça colonial continua a minar o acesso
a justiça constitucional como uma garantia fundamental constitucional. Diga-se de passagem
que não só herdamos a deficiente maquina judicial bem como a burocracia que e' um dos
impulsionadores da morosidade processual e como resultado uma enorme demanda de
processos judiciais com mais de cinco anos a espera de apreciação.
A inacessibilidade a alguns instrumentos processuais, bem como a procrastinação dos
feitos em razão de lacunas da legislação processual, constituem também entraves à
consolidação de uma ordem jurídica justa.
A crise económica e de legitimidade enfrentada pelo Poder judiciário, consubstanciada
em constantes actos de corrupção e nepotismo, na carência de recursos materiais e humanos,
centralização geográfica das instalações, dificultando o acesso de quem mora nas zonas rurais,
a inexistência de controlo externo por parte da sociedade, tem contribuído para o aumento das
restrições de grande parcela da sociedade à acessibilidade.
Por fim, dentro das restrições de carácter eminentemente judiciário, há que se destacar
a polémica acerca da limitação da capacidade postulatória, que tantos debates vêm gerando
entre os operadores jurídicos. A exigência da presença de advogado em todo e qualquer
processo tem sido vista por um lado como elemento de restrição da efectividade ao acesso e
por outro como garantia a ele, ou seja, como instrumento de limitação ou elemento
fundamental ao exercício pleno da cidadania.
Acreditamos haver uma urgente necessidade na nossa jurisdição constitucional de
olhar com maior seriedade, o direito de acesso à justiça constitucional, pois, isso certamente
pode consubstanciar um aprofundar deste tipo de justiça como meio de protecção dos direitos
fundamentais.
57
12. O processo de fiscalização desencadeado por 2 (dois) mil cidadãos
Já com a constituição de 1990, o legislador estabelecia a faculdade de acesso ao
conselho constitucional pelos cidadãos como uma garantia constitucional. A constituição de
2004 não fugiu a regra, art. 245, nº 2, ali. g). Esta garantia constitucional é concretizada pela
Lei orgânica do Conselho Constitucional, art. 60, nº 2, al. g) ao estabelecer as condições deste
recurso por parte dos 2 mil cidadãos. É este dispositivo que estabelece a necessidade de
autenticação das tais 2 mil assinaturas.
12.1. Enquadramento da figura no âmbito dos mecanismos de controlo da
constitucionalidade
O nosso legislador constituinte enquadra o processo de solicitação da apreciação da
constitucionalidade por dois mil cidadãos no âmbito da fiscalização abstracta96. A partida
pode se pensar que estamos no âmbito da queixa constitucional, uma vez que estaríamos em
face de um mecanismo de acesso directo ao conselho constitucional por parte do cidadão, ou
seja estaríamos no âmbito de uma acção de inconstitucionalidade e não de um recurso de
incondicionalidade97, mas engane-se quem assim pensa, pois a desnecessidade de um
intermediário para o acesso ao Tribunal constitucional não é a única característica da queixa
constitucional (ela é uma das característica, de resto muito importante, mas não basta), é
96 É verdade que na constituição não temos a epigrafe’’ fiscalização abstracta, a semelhança do que acontece nos
outros ordenamentos jurídicos, como Portugal, Timor leste, Cabo verde, mas facilmente chega-se a esta
conclusão primeiro, tendo em conta as entidades que aparecem ao lado dos 2 mil cidadãos, segundo através da
redacção que nos é trazida pela LOCC.
97 O recurso de inconstitucionalidade é um mecanismo de protecção que esta ao serviço de qualquer interessado,
bastando para tanto que ele suscite a inconstitucionalidade da norma que afecta os seus direitos fundamentais
durante um processo. O recurso de inconstitucionalidade cobre, aliás, uma larga zona do âmbito coberto pela
queixa constitucional ou pelo Recurso de amparo. As diferenças residem fundamentalmente no seguinte: (1) a
queixa constitucional e o recurso de amparo podem ser interpostos directamente nos tribunais constitucionais,
enquanto o recurso de inconstitucionalidade apenas pode chegar ao Tribunal constitucional por via do recurso
jurisdicional; (2) a queixa constitucional e o recurso de amparo podem ser usados para tutelar os direitos
fundamentais face a sua violação por parte de qualquer entidade (designadamente pelo Juiz), enquanto o recurso
de inconstitucionalidade apenas protege os direitos fundamentais de violação por entidades aplicadoras de
normas, ou seja, o recurso de inconstitucionalidade apenas pode actuar contra violação indirecta (através da
aplicarão de normas) dos direitos fundamentais, condição que não se verifica, por exemplo no caso de uma
sentença violar directamente s direitos fundamentai violando simultaneamente a lei que os concretiza ou os
desenvolve, Cf. José Casalta Nabais «Os direito fundamentais na jurisprudência do Tribunal Constitucional».,
Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, SEPARATA DO vol. LXV (1989) págs. 7-8
58
necessário também que se atendam, a outras características como o elemento da
subsidiariedade ou seja só é admitida quando aos interessados não esteja ou já não esteja,
aberta outra via judicial de recurso. Ora, da análise, quer da constituição da república, quer da
LOCC, não se constata esta última característica, no que diz respeito ao acesso por parte do
mecanismo de 2 mil cidadãos. Logo não temos outra opção se não admitirmos que o nosso
legislador constituinte adoptou uma solução inovadora.
Em relação a esta garantia, duas questões nos ressaltam a vista: a primeira tem a ver
com o número de assinaturas exigidas; e a segunda tem a ver com esta necessidade de
reconhecimento notarial.
A questão das duas mil assinaturas reconhecidas é mesmo para impedir o acesso a
justiça98. Aliás, é por isso mesmo que alguma parte da doutrina nacional vai mesmo no
sentido de se eliminar o requisito das 2 mil assinaturas. Porem, nos não partilhamos tal
posição por entendermos que com a exigência das assinaturas o legislador constituinte
pretendeu avaliar o nível de pertinência do assunto em questão através do acto de colher as
sensibilidades dos cidadãos de forma a evitar a entrada de casos fúteis que poderiam
entorpecer ainda mais a acção da justiça, embora esta solução não possa linear uma vez que
existem certa categoria de direitos fundamentais (direitos liberdades e garantias, como por
exemplo o direito a vida) são imediatamente invocáveis, tem forca executória própria e que
por isso podem colocar em causa a questão da avaliação através da colheita de sensibilidades.
Defendemos que haja uma razoabilidade quanto ao número de assinaturas a colher, a
exigência deve ser o mínimo possível.
Por que é que para o cidadão tem que ser num número de dois mil? A questão é, como
este poderá mobilizar tanta gente para exigir acção do Conselho Constitucional? Está certo é
que não é fácil que se junte dois mil cidadãos para exigir qualquer que for a coisa ao
Conselho, porque, por vezes, o assunto só diz respeito a um cidadão em concreto e ainda não
afecta a muitos.
Se mesmo a obtenção de uma simples assinatura não é tarefa fácil, numa sociedade
como nossa onde há fraca cultura jurídica99, não se imagina a dificuldade ligada a convencer
ao cidadão paraque se reconheça a sua assinatura, estas dificuldades, que vão desde
98 Repare que fazendo uma comparação com o que acontece com o recurso por parte dos partidos políticos,
constata-se que em relação a estes o legislador já não exige que as assinaturas sejam reconhecidas. Aliás este
dado é usado por aqueles que defendem a natureza fundamentalmente política do conselho constitucional.
99 E a situação vai se deteriorando a medida que nos afastamos dos centros urbanos.
59
estereótipos de diversa natureza, desconfianças, até dificuldades de carácter financeiro e
distância.100Aliás, isto seria difícil mesmo tendo em conta países com uma cultura jurídica
avançada devido aos constrangimentos ligados a este exercício.
Ora, não há dúvidas que o que aparece consagrado neste art. 245, nº 2, al. g) CRM,
representa uma inovação, isto se compararmos com os outros sistemas jurídicos
constitucionais. Mas isso não ofusca os aspectos problemáticos inerentes a esta inovação. É
que não nos devemos curvar diante de uma aparente inovação, é importante sim que a
inovação se já acompanhada pela eficácia, de modo a que se conforme a justiça.
É verdade que estes constrangimentos não deixam o particular completamente
desprotegido porquanto O acesso ao conselho constitucional por via abstracta é uma das vias,
de resto importante, para o cidadão, mas há outras, se não vejamos: particular pode usar duas
vias indirectas sendo que a primeira tem ver com a fiscalização concreta, isto é uma vez
levantada a questão de inconstitucionalidade no âmbito do processo, o Ministério público
pode solicitar a apreciação da constitucionalidade. Mas se esta via se revelar ineficiente o
particular pode usar o direito de petição política, art. 79 CRM, pedindo a acção daquelas
entidades que podem desencadear mecanismo de fiscalização abstracta (ex. Presidente da
república) ou então se socorrer da queixa ao provedor de justiça, art. 256, CRM, entidade que
também pode solicitar o controlo da constitucionalidade no âmbito da fiscalização abstracta.
Se este processo vier a ser desencadeado, e consequentemente, vier a ser declarada
inconstitucional o preceito questionado, então os direitos do cidadão serão acautelados.
Conforme se pode notar esta via indirectas regra geral asseguram com fraca eficácia os
direitos fundamentais do cidadão, uma vez que estas entidades gozam de liberdade na sua
actuação, e no caso de órgãos políticos isto pode se aliar a questão da vontade política, a
questão do proteccionismo, o que pode levar a que a petição do Particular fique na possa
destas entidades durante muito tempo.
E verdade que a questão da demora também é colocada em relação aos tribunais, mas
nas situações em que há “instâncias intermédias” tem a situação da demora colocada em
duplo, ou seja por um lado uma demora por parte do órgão político ou provedor de justiça e
por outro a demora em sede do Conselho constitucional. Assim, defendemos que o legislador
100 Imaginemos a situação de um, cidadão que a habita a amais recendida localidade deste vasto país que para
alémm de ter de enfrentar o já referido proibiam de falta de cultura jurídicas, terá de enfrentar a distância para
aceder a s instituições de administração da justiça, a superlotação decorrente da alta demanda dos serviços
associada a corrupção.
60
constituinte continue a consagrar o regime peculiar que temos mas devendo haver uma
razoabilidade quanto ao número de assinaturas a colher, a exigência deve ser o mínimo
possível, ou então que adopte o mecanismo de queixa constitucional com as características
que já analisamos.
A Constituição moçambicana não prevê a fiscalização de inconstitucionalidade por
omissão, porém entendemos que, sendo prevista, ela deve ser acompanhada da consagração
constitucional dos mecanismos mais adequados para impor ao legislador o acatamento das
respectivas decisões declaratórias da inconstitucionalidade, sob pena de ineficácia do meio de
garantia da constitucionalidade101.
Portanto, mais do que um problema da independência do juiz constitucional, trata-se
da questão mais ampla do papel da jurisdição constitucional como garante primordial da
Constituição em todas as suas dimensões normativas, nas quais encontram-se normas
preceptivas auto-exequíveis, hetero-exequíveis e programáticas, dependendo a efectivação das
duas últimas da intermediação do legislador ordinário.
Com efeito as normas preceptivas não exequíveis por si mesmas e as normas
programáticas, para além da regulação das matérias do seu objecto, contêm ordens de
legiferar dirigidas ao legislador, ordens que não devem ser desacatadas sob pena de
inconstitucionalidade negativa.
As decisões do Conselho Constitucional são tomadas por consenso e, na falta deste,
pela pluralidade de votos dos Juízes presentes, cujo quórum não deve ser inferior a dois terços
dos que estão em efectividade funções, incluindo o Presidente ou seu substituto, dispondo
cada Juiz de um voto, exceptuado o Presidente, que tem voto de qualidade (artigos 31 e 33,
nºs 1, 2 e 3, da LOCC).
Os Juízes dissidentes gozam do direito de lavrar voto de vencido (artigo 33, n.º 4, da
LOCC) e se o dissidente for o Juiz relator, este é substituído por um outro Juiz (artigo 58, n.º
2, da LOCC), segundo a ordem de substituições estabelecida anualmente, por sorteio, na
primeira sessão do ano (artigo 43 da LOCC).
Na sua maioria, as decisões do Conselho Constitucional são tomadas por consenso, o
que não significa ausência de pontos de vista diferentes entre os Juízes Conselheiros. A
101 É verdade que em alguns dos países, como Portugal, se discute a questão da eficiência ou não deste
mecanismo, uma vez que poucos são os pedidos de a preciação da inconstitucionalidade baseadas na omissão
legislativa. Contudo defendemos a sua adopção no nosso ordenamento jurídico, pois iria alargar o âmbito de
defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos.
61
adopção duma decisão tem sido precedida de um amplo debate, que, sem prejuízo de respeitar
os prazos processuais, dura o tempo necessário para se alcançar o consenso. No debate, cada
Juiz tem a possibilidade de manifestar livremente opiniões pessoais sobre as questões objecto
de decisão, as quais podem não coincidir com as opiniões dos demais colegas. Mesmo assim
ainda se consegue alcançar o consenso, através de um esforço de conciliação das posições
divergentes.
Embora pouco frequentes, não têm faltado casos de juízes que discordam
definitivamente da posição maioritária, exercendo o direito de lavrar voto vencido que,
quando devidamente fundamentado, traduz uma das formas de manifestação da independência
do Juiz.
62
CONCLUSÃO
Do caminho percorrido até aqui, importa referir que o estudo do principio do acesso a
justiça se revela importante pois dada a natureza sistemática do Direito os constrangimentos
que afectam o acessos a justiça, considerada genericamente, se comunicam a justiça
constitucional, de tal forma que é quase impossível que se estude o acesso a justiça
constitucional sem que se toque na problemática do a cesso a justiça no geral.
O controlo da constitucionalidade tem a sua génese no princípio da superioridade da
Constituição; na ideia de que a constituição é a lei fundamental; é o primado da lei e por
conseguinte as restantes normas (ordinárias) devem ser elaboradas de conformidade com ela.
Ela contem os princípios estruturantes duma ordem jurídica, princípios estes que representam
a vontade política de um povo, a conformação dos seus anseios, de tal forma que a violação
da constituição põe em causa esta vontade, estes anseios, cria, enfim, um desregramento ou
mesmo instabilidade. A constituição é, se quisermos, um protótipo.
A violação da constituição em Moçambique só pode ser feita por acção e não por
omissão a semelhança do que acontece em alguns ordenamentos jurídicos. Porem,
entendemos que o nosso legislador devia considerar as duas formas, de modo a alargar as
garantias dos direitos fundamentais dos moçambicanos,porque iria por termo as omissões
grosseiras e abusivas, quanto a concretizarão dos direitos fundamentais consagrados em
normas programáticas, por parte do Estado moçambicano.
A Fiscalização da Constitucionalidade em Moçambique, nos termos da alínea a), do
n.º 1, do artigo 245 da Constituição da República, recai sobre as leis e actos normativos do
governo. O significado disto é que não é possível o controlo de actos dos poderes públicos,
tais como: actos administrativos, os quais estão sujeitos apenas ao controle de legalidade
pelos Tribunais Administrativos, através do mecanismo do recurso contencioso; e actos
jurisdicionais, os quais são objecto de recurso para os Tribunais hierarquicamente superiores.
No ordenamento jurídico moçambicano, à semelhança do que acontece com a maioria apenas
se confere aos tribunais o poder de declarar a inconstitucionalidade de uma norma. Ainda
neste âmbito, é interessante referir que os tribunais arbitrais, tem o poder e o dever de recusar
a aplicação de normas inconstitucionais, sem prejuízo de se ter sempre de reconhecer a
faculdade de recurso para tribunais estaduais das decisões arbitrais que recusem aplicação de
uma norma invocando se a inconstitucionalidade da mesma.
63
O sistema jurídico-constitucional moçambicano caracteriza-se também pela existência
de um a jurisdição constitucional (art.241 e ss., da CRM) - o Conselho Constitucional, que é
sem dúvidas um órgão jurisdicional, pelo menos em teoria, e não político e tal resulta da lei,
mesmo reconhecendo a necessidade de se alargar o âmbito do recrutamento dos seus órgãos
para entidades sem cunho político, designadamente os conselhos superiores das magistraturas,
de modo a propiciar a sua independência. A constituição prevê (art. 242 al. c) a possibilidade
de eleição de um dos juízes que compõem o C.C, isto é bom, mas não é suficiente e
defendemos que devia ser o contrário, ou seja o maior bolo tem que estar a cargo das
magistraturas.
Fica esclarecido que a declaração da inconstitucionalidade ressalva as decisões
judiciais já transitadas em julgado, ou seja, a aplicação judicial de uma norma que venha
posteriormente a ser considerada inconstitucional, desde que uma tal aplicação aos casos
concretos tenha já formado caso julgado não é atingida pela declaração da
inconstitucionalidade (art. 66, nº 3, da LOCC)
A estabilidade do caso julgado, segundo impõe o princípio da segurança jurídica,
prevalece normalmente sobre o princípio da constitucionalidade. Razões ligadas ao princípio
da equidade e a do interesse público de excepcional relevo podem justificar que o conselho
constitucional restrinja os efeitos da retroactividade da declaração da inconstitucionalidade
permitindo que por esta via, se mantenham ou se consolidem na ordem jurídica os efeitos
inválidos de uma norma inconstitucional.
Consideramos que o legislador moçambicano consagrou um modelo de justiça
Constitucional misto, porquanto procurou integrar elementos característicos de vários
sistemas constitucionais. Porem, é importante também referir que o nosso legislador
constituinte veio consagrar uma solução peculiar, se não inovadora (art. 245, nº 2 al. g), em
comparação com os outros ordenamentos jurídicos: o nosso legislador para o acesso a justiça
constitucional por parte dos particulares estabeleceu um mecanismo de acesso directo ou seja
o cidadão moçambicano pode aceder a justiça constitucional no âmbito da fiscalização
abstracta, ao lado de entidades que a lei lhes confere esta faculdade.
Assim, o cidadão tem quatro vias para aceder a justiça constitucional, sendo que deste
número, três são indirectas e somente uma que é directa. São vias directas o recurso de
inconstitucionalidade desencadeado num processo de fiscalização sucessiva concreta (art. 214
da CRM, conj. art. 67 da LOCC), o direito de petição política (art. 79, conj. com as als. a) a e)
64
e. do nº 2, art. 245, todos da CRM) e a queixa ao provedor de justiça (art. 256, conj. a al. f),
art. 245, ambos da CRM). São meios indirectos por quanto aí o cidadão não pode logo aceder
ao conselho Constitucional, o acesso só pode acontecer mediante a intervenção de figuras
com competência para o efeito, com as consequências que isto acarreta.
Na verdade o recurso ao conselho constitucional no âmbito da fiscalização concreta é
o mecanismo que se mostra eficiente para o acesso a justiça constitucional pelo cidadão. Dos
quatro mecanismos mencionados este é o usual, mas tem como inconveniência o facto de
depender de uma situação incidental, isto é, necessário é que a questão da
inconstitucionalidade se levante num processo cujo objecto principal não é a apreciação da
inconstitucionalidade da norma.
A via directa tem a ver com o tal mecanismo que consideramos inovador. Mas em
relação a este mecanismo importa referir o seguinte: Com este gesto, e sem considerar outros
elementos é sem dúvidas louvável porquanto pretende aproximar a justiça constitucional ao
cidadão. Porém o nosso legislador pecou ao regulamentar a forma pela qual os cidadãos
devem usar este mecanismo (o pecado consiste no facto de exigir duas mil assinaturas, por um
lado, e a necessidade do seu reconhecimento notarial, por outro lado (art. 61, nº 2, al. b, da
LOCC) isto porque parece nos que o nosso legislador se contradisse e frustrou as expectativas
do cidadão. Há quem mesmo entenda que na verdade o legislador não quis facilitar o acesso a
justiça constitucional por parte de particular.
Enredemos, nós, que das duas, uma, ou o legislador aperfeiçoa este regime peculiar
que consagrou, com a diminuição do número de subscrições, o que equivale a adoptar uma
solução razoável, tendo em conta o perfil da nossa sociedade, ou então, consagre o
mecanismo de queixa constitucional, com tudo o que caracteriza este mecanismo.
65
BIBLIOGRAFIA
Legislação
a) Nacional
Acórdão 0 2 CC 2010
Acórdão 04 CC 2010
Acórdão 03 CC 2010
Acórdão 01 CC 2010
Acórdão 02 CC 2009
Acórdão 04 CC 2009
Acórdão 05 CC 2010
Acórdão 07 CC 2009
Acórdão 01 CC 2013
Acórdão 02/CC/2013
Acórdão 03/CC/2013
Código Civil
Código das Custas Judicias
Código Penal
Código de Processo Civil
Código de processo penal
Constituição da República de Moçambique (1975)
Constituição da República de Moçambique (1990)
Constituição da República de Moçambique (2004)
Decreto que altera alguns dispositivos da lei locc-2006
Estatuto da Ordem dos Advogados de Moçambique
Lei do Trabalho (Lei 23/2007 de 1 de Agosto)
Lei Orgânica do Conselho Constitucional (Lei 9/2003 de 22 de Outubro)
Lei Orgânica do Conselho Constitucional (Lei 6/2006 de 2 de Agosto)
Lei 5/2008 de 9 de Julho (altera alguns dispositivos da Lei 6/2006 de 2 de Agosto)
66
Lei do Processo Administrativo Contencioso (Lei 9/2001 de 7 de Julho)
Lei Orgânica do Tribunal Administrativo (Lei 5/92 de 6 de Maio)
Lei da Organização judiciária (Lei 24/2007 de 20 de Agosto)
Lei Orgânica do Ministério Público (22/2007 de 1 de Agosto)
Lei Orgânica do Conselho Superior de Magistratura Judicial Administrativa (Lei 9/2009 de 11
de Março)
b) Internacional
Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos
Constituição da República de Angola
Constituição da República de Cabo Verde
Constituição da República Democrática do São Tome e Príncipe
Constituição da República Democrática do Timor Leste
Constituição da República Federal da Alemanha
Constituição da República Federal Do Brasil
Declaração Universal dos Direitos do Homem
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966)
2. Obras
BIANCHI, Alberto, Control de Constitucionalidad, Univ. Austral, ed. Ábaco Depalma,
Buenos Aires, 1992.
CANOTILHO, Gomes, Direito Constitucional, 6ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1993.
CISTAC, Gilles, A Evolução constitucional da Pátria Amada, GDI, Maputo, 2009
DOMINGO, Guilherme da Fonseca Inês, Breviário do Direito Processual Constitucional:
Recurso de Constitucionalidade, Coimbra Editora, 2ª edição, Coimbra, 2002.
LOPES PRAÇA, José Joaquim, Direitoponto os
mecanismos consagrados pelo legislador constituinte moçambicano para garantir o acesso à
justiça constitucional estão conforme ao princípio do acesso à justiça.
b) Específicos
- Estudar o princípio do acesso a justiça e suas nuances;
- Estudar o sistema moçambicano de fiscalização da constitucionalidade; os traços que o
tornam peculiar em comparação com os outros sistemas.
- Compreender a natureza do Conselho Constitucional;
7
- Analisar a génese dos obstáculos que impedem o acesso à justiça constitucional em
Moçambique, e a sua repercussão.
- As soluções práticas para o problema de acesso a justiça constitucional
5. Metodologia
Para a feitura deste trabalho recorremos a pesquisa documental (manuais, legislação e
relatórios E trabalhos científicos) tendo se seguido aplicação dos métodos, descritivo,
comparativo e indutivo.
6. Estrutura do Trabalho
Após a contextualização, a definição do problema tendo em conta os objectivos, a
metodologia, a delimitação e a relevância do estudo pretendido, estruturou-se o presente
documento em duas partes, que integram um total de dois capítulos. Na primeira parte
efectuamos um enquadramento genérico do Acesso à Justiça, procurando criar bases sólidas
para a análise do caso de Moçambique.
O primeiro capítulo faz um enquadramento e uma abordagem do conceito de acesso à justiça,
seguindo doutrina e a lei no que concerne ao objecto em estudo. O ponto 6 encerra esse
capítulo discutindo a questão da Celeridade Processual.
Com uma abordagem mais prática, no segundo capítulo discutimos a questão do acesso do
acesso à justiça constitucional pelo particular. Porém, apresentamos, primeiramente, génese
do controlo constitucional e o constitucionalismo, passamos da análise do modelo
constitucional moçambicano, analisando os obstáculos ao acesso à justiça constitucional, com
particular destaque aos inerentes ao acesso pelo particular mediante a reunião de 2 (duas) mil
assinaturas.
8
CAPITULO I – O ACESSO À JUSTIÇA NO GERAL
O acesso a justiça constitucional não deve ser analisado antes que se passe da análise
da justiça no geral, pois muitos dos problemas ligados a justiça no geral se comunica a justiça
constitucional, em particular o direito não tem compartimentos estanques, mas é pelo
contrário um sistema é um sistema.
A análise da questão do acesso a justiça gira em torno do princípio, constitucional e
direito humano do acesso a justiça. E para um olhar ingénuo pode se firmar que este princípio
se limita ao acesso aos tribunais, mas engane-se quem assim entende. O princípio do acesso a
justiça tem várias dimensões, as quais nos propomos a analisá-los de seguida.
1. O direito à informação
Não há dúvidas que a primeira forma de defesa dos direitos é a que consiste no seu
conhecimento. Somente quem tem consciência dos seus direitos têm consciência quer das
vantagens, quer os bens que pode usufruir com o seu exercício ou com a sua efectivação, quer
das vantagens e dos prejuízos que sofre por não poder exerce-los ou efectivar ou ainda por
eles serem violados.4
A questão do direito a informação não é assim tão fácil quanto parece, ela tem várias
nuances que importa analisar. O direito a informação não pode ser analisado desligado da
questão da educação no geral5;6. Enquanto ainda tivermos altos índices de analfabetismo7,
dificilmente o direito a informação será concretizado na sua máxima força pois, é com a
educação que se adquire a cultura jurídica. A questão da pouca litigância dos moçambicanos
está associada em grande parte ao analfabetismo. Para que um cidadão possa propor uma
acção é necessário pois, primeiro, que saiba que há um direito seu violado e, segundo, que
4 Cf. MIRANDA, Jorge, Direitos. Fundamentais: introdução geral, Lisboa, 1999,Pag. 128.
5 Alias, este direito é um Direito fundamental, art.60 e humano, art. 26, DUDH.
6 E aqui incluímos fortes campanhas de educação cívica.
7 De referir que dados recentes indicam que quase a metade da população moçambicana é analfabeta. E se
tivermos em conta que a população moçambicana está estimada em cerca de 22 milhões de habitantes (de acordo
com o censo de 2007), quer dizer que temos cerca de 11milhões de concidadãos que não sabem ler nem escrever.
É deveras assustador.
9
saiba que os seus interesses podem ser devidamente protegidos. Se os cidadão têm o direito de
serem informados pelos serviços competentes da administração pública (art. 53, CRM) é
importante pois que eles saibam que este direito existe, por um lado, e que estejam em
condições de poder perceber o que esta sendo dito, por outro lado. Para que os cidadãos
interessados possam ter acesso aos arquivos é importante que possam entender os conteúdos
desses arquivos.
Uma outra questão que importa analisar tem a ver com as dificuldades linguísticas. O
rigor terminológico por parte dos órgãos de administração da justiça, maxime, os juízes e os
oficiais de diligências, muita das vezes periga o direito a informação. Temos que admitir que
não é fácil, compreender interpretar certos termos jurídicos mesmo no seio de juristas, quanto
mais para um cidadão comum, pelo que há uma necessidade de se evitar aquilo que
preferimos chamar de fundamentalismo linguístico, até porque trabalhamos para a justiça e
não pelo direito8.
É importante ainda que se tenha em atenção o conservadorismo e o proteccionismo
que enfermam a nossa administração pública, o que atenta igualmente ao direito à informação.
A constituição actual no art. 48 número 1 estabelece o direito à informação. Embora o
texto constitucional não o diga explicitamente, ela consagra também, pelo espírito da mesma,
o direito a consultas jurídicas, devendo nos dizeres de Jorge Miranda9, naturalmente entender
se até pelo lugar, que se trata, antes de mais, dos direitos, dos interesses legítimos e de outras
situações activas das pessoas bem como dos deveres e de outras veiculações que sobre eles
impendem.
Os preceitos ligados ao acesso ao direito a informação e a consulta jurídica devem
reputar-se normas preceptivas10, imediatamente invocáveis. Qualquer cidadão pode pretender
conhecer os seus direitos, sejam eles quais forem, em quaisquer situações da vida em que se
encontrem, sem necessidade de interpositio legislatoris.
O direito geral de os cidadãos se informarem e de serem informados e os direitos
específicos dos consumidores e dos administrados aparecem muitas das vezes, nas suas
manifestações práticas, incidíveis do conhecimento e da defesa de outros direitos. Por outro
lado quando alguém é comunicado que a partir de certo momento deve se considerar arguido,
8 Como disse e bem, Custodio Duma, na sua intervenção no programa Quinta a Noite, no dia 7 de Março de
2013, as 22:57, no debate sobre a revisão da constituição. Participaram também, Arlindo Saraiva e Máximo Dias.
9 Op. Cit., pág. 128.
10 Sobre esta categoria de normas constitucionais, cf. MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional,
Tomo II, 6ª edição, Coimbra Editora, 2007, Pág. 61 e ss.
10
são lhe indicados e, se necessário, explicados os direitos e os deveres que por essa razão, lhe
cabem.
2. A assistência e patrocínio judiciário
O Acesso a justiça é garantido também pela advocacia. Os advogados colaboram na
administração da justiça11 Por isso podem requerer para a defesa dos direitos e garantias
individuais, a intervenção dos órgãos jurisdicionais competentes. E Para tanto gozam de
imunidades necessárias ao exercício do seu mandato12.
O direito de defesa é o direito de livre escolha do defensor (defensor que pode ser
advogado, advogado estagiário, técnico ou assistente jurídico), são direitos fundamentais
consagrados na nossa lei fundamental13.
Para além do direito de defesa, a constituição consagra no art. 62, número 214 ao
arguido o direito de escolha livre do defensor para o assistir em todos os actos do processo.
Este direito não tinha reconhecimento na constituição de 90, ainda que se pudesse considerar,
implicitamente, incluído no art.Constitucional Português, Coimbra Editora, Vol. I;
II e III, Coimbra.
MACHADO, António Montalvão, Processo Civil, vol. 2, Universidade Portualense, Porto,
1995.
67
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actualizada, Coimbra Editora, 1991 tomo I.
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NABAIS, José Casalta, Os Direito Fundamentais na Jurisprudência do Tribunal
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Sítios da internet
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http://www.cconstitucional.org.mz/100 número1, onde se estabelecia que o estado garante o
direito à assistência e patrocínio judiciário15. Como resulta do preceituado no art. 63, CRM, o
Estado assegura a quem exerce o mandato judicial, as imunidades necessárias ao seu exercício
e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça. Repara-se,
pois com este acolhimento constitucional, a importância que o legislador quis dar a quem
exerce o mandato judicial.
O patrocínio judiciário consiste na assistência técnica e profissional que os
advogados16 que são os profissionais do foro dotados de qualificação jurídico-profissional,
prestam as partes, com vista a uma adequada e correcta condução processual do litígio.
Nos dizeres de Antunes Varela17 duas razões fundamentais justificam a intervenção
dos patronos judiciários. Com efeito, os litigantes não são do ponto e vista dos seus
11 Vide art. 21, LOJ.
12 Vide arts. 63 CRM e 23 LOJ.
13 Tais direitos estão consagrados no capítulo III, que trata dos direitos, liberdades e garantias individuais,
capitulo este que esta inserido no titulo III.
14 Vide, também, o art. 22, LOJ.
15 Vide. TIMBANE, Tomás, Lições de Processo Civil- I, Escolar Editora, Maputo, 2010, pag. 22.
16 Entre nós, o patrocínio judiciário é exercido plenamente pelos advogados, num plano diferente pelos técnicos
e assistentes jurídicos e pode, ainda ser incumbido, embora em moldes limitados, aos advogados estagiários (art.
52; 53;55; 146; 154, do EOA)
11
propósitos, as pessoas mais indicadas para orientarem os processos. Por outro lado, falta ao
comum das partes a experiência e os conhecimentos técnicos necessários à exacta valoração
as razões que assistem em face do direito real. Só entre os profissionais do foro, com o saber,
a experiência e as regras deontológicas próprias do mandato judicial, se podem encontrar os
colaboradores ideias da administração da justiça que a função jurisdicional requer.
Na verdade os interesses dos litigantes serão melhor definidos em juízo por estes
profissionais, do que se tais interesses fossem definidos pelas próprias partes, por quanto,
“uma vez que os advogados, por estarem munidos desses conhecimentos técnico-jurídicos de
que as partes interessadas não dispõem, actuam com uma habitual serenidade desinteressada
que é naturalmente boa conselheira para o patrocínio dos interesses que estão em jogo”18.
Para além disso, note se, pois, que só uma adequada, capaz e profissional condução
processual da acção é que é colaborante com a boa administração da justiça, é por isso, ainda
que indirectamente, com a paz social19.
O patrocínio pode ser livre ou obrigatório20.
Como complemento da necessidade de se assegurar a adequada assistência e
patrocínio judiciário, o legislador ordinário impôs nos casos de inexistência de advogado que
aceite voluntariamente o patrocínio, a necessidade da nomeação oficiosa, podendo a parte
dirigir-se a ordem dos advogados para que se lhe nomeie mandatário, sem demora.21
Do que ficou exposto, ressaltam os seguintes aspectos:
1. É necessário que haja habilitações profissionais para o exercício da assistência e
patrocínio judiciário.
2. O mandato judicial, isto é, uma relação de carácter contratual estabelecida entre o
advogado e o seu cliente, só mediante a autorização destes pode o advogado exercer as
suas funções.
3. É necessário que se garanta a independência do advogado através das imunidades e
privilégios para que consequentemente se possa garantir o acesso a justiça.
17 VARELA, Antunes, Manual do processo civil, pág. 190, apud Timbane, Tomás, Op. Cit., pag. 22.
18 Vide MACHADO, António Montalvão Machado, Processo Civil, Vol. 2, Universidade Portucalense, Porto,
1995, Pág. 112
19 Vide MACHADO, António Montalvão, Op.Cit, Pag. 112.
20 Vide art. 32, CPC.
21 Vide art. 43, CPC.
12
É necessário que haja condições materiais e financeiras para facilitar a actividade dos
técnicos jurídicos.
Quanto ao primeiro elemento, temos a necessidade de uma licenciatura em Direito,
seguido, regra geral, de um estágio profissional de 14 meses.22 E Já recentemente admite-se o
estágio junto do IPAJ.
Mas para além dos advogados podem, também exercer o patrocínio os técnicos e
assistentes jurídicos. Ora, em relação a estes últimos não se exige o requisito de licenciatura
em direito, aliás deve ser por isso que a sua actuação é limitada.
Em relação aos técnicos jurídicos, estes têm saído das diversas clínicas jurídicas
existentes nas várias instituições de ensino superior em Moçambique (os também chamados
Centros de Praticas Jurídicas.23 São profissionais que na maioria das vezes são ainda
estudantes com um nível equivalente ao bacharelato em Direito. Mas para além dos técnicos
formados nas clínicas, há técnicos jurídicos capacitados pelo próprio IPAJ em parceria com o
Centro de Formação Jurídica e Judiciaria. (CFJJ).
Porém a questão que se levanta em relação a estes técnicos, tem a ver com a qualidade
da formação, que é, no geral, deficiente, deficiência esta que está ligada quer as razões de
tempo de formação, quer a razões de fragilidades dos currículos das instituições de ensino
superior no país.
Na maioria das vezes esses profissionais exercem as suas actividades sem que tenham
ideias do que seja uma cadeira processual, uma vez que na maioria das instituições de ensino
superior que ministram o curso de Direito, as cadeiras processuais (falamos do processo Civil
e Processo Penal) leccionadas no quarto ou quinto ano, quando há técnicos (a maioria, é bom
que se diga) que só tenham 3º ano lectivo. São estudantes que já têm dificuldades no que diz
respeito ao direito substantivo. São estudantes que pouco sabem ou nada sabem do direito
instrumental.
Há também aquele grupo de técnicos jurídicos, a maioria, que nem sequer passam das
clínicas existentes nas suas instituições, pois em algumas instituições a passagem por lá
obedece ao critério da selecção baseada na nota. Ora, se mesmo os que têm a possibilidade de
estar nestas clínicas apresentam dificuldades, que dizer desses que não beberam nem um
pouco? Que não têm o mínimo de deontologia profissional? Como é que estarão em
condições de encarar o complexo direito instrumental?
22 Vide arts. 114 e 145 do EOAM
23 Clínica jurídica da UDM, da UEM, do ISCTEM e da A politécnica, só para citar alguns exemplos.
13
Quanto ao segundo elemento, o que tem conhecido é que pelo facto de muitas das
vezes se recusar o patrocínio voluntário, quer pelos advogados, quer pelos técnicos
jurídicos24, acaba por se operar a nomeação oficiosa, quando o patrocino é obrigatório.25
Quanto ao terceiro ponto, temos a dizer que os privilégios e imunidades não só
garantem a independência do advogado, mas também garante o acesso justiça do réu. Não é a
toa que o nosso legislador constituinte os consagrou no art.63 da CRM. É com os privilégios
que o advogado, técnico e assistente jurídico tem o poder de se comunicar pessoal,
directamente e reservadamente com o seu constituinte26 que melhor se organiza a defesa do
constituinte.
Mas sucede, e sucede com frequência, infelizmente, situações de desrespeito dos
privilégios e imunidades dos advogados. Os atropelos vão desde revistas, restrições, até
agressões perpetradas pela polícia. Estamos a falar de agentes da polícia que ignoram27 os
mais básicos princípios de um estado de direito.
24 Uma vez que o patrocínio é gratuito a tendência dos advogados e técnicos jurídicos tem sido declinar,
porquanto não terão nenhum retorno financeiro. E para os técnicos jurídicos esta situação se agrava pelo facto de
muitos deles encararem este exercício como um meio de subsistência, por tanto por saber que em Moçambique o
patrocínio é muito dispendioso do lado dos técnicos, uma vez que infelizmente assistimos à situações de
tribunais que não dispõem de meios elementares como uma máquina fotocopiadora (para não falar de uma
impressora) colocada ao serviço dos técnicos de modo a poderem convenientemente exercerem o patrocínio. Há
aindadificuldades ligadas a deslocações dos técnicos. Enfim, estes profissionais acabam despendendo mais do
que o pouco que ganham.
25 Mas o que muita das vezes aqui se assiste é que esses profissionais acabam exercendo o mandato de forma não
adequada; prescindem dos mais elementares procedimentos, como dizer que não prescinde do recurso, por
estarem cientes de que o recurso pode protelar o seu patrocínio naquele processo por muito tempo. Há, também,
situações em que se deixa de contestar ou ainda não se responde a uma contestação. Apesar de estarem cientes
de que o seu comportamento pode ser passível de procedimento disciplinar, cf. artes. 4 i) e art. 91, art. 92 nº 2 do
EOAM) e∕ou responsabilidade civil, mas porque Há falta de uma fiscalização verdadeira nos órgãos de
administração da justiça e aliado ao facto de o patrocinado entender pouco ou nada entender de justiça acaba por
se prejudicar o acesso a justiça.
Não raras vezes são os próprios juízes que não vêem com bons olhos quando os técnicos jurídicos
levantam procedimentos que vão estender a vida do processo, alegando obstrução da celeridade processual tendo
em conta o elevadíssimo número de processos que esta sob a sua alçada, mas se esquecem de que celeridade não
significa tramitar o processo atropelando os mais elementares procedimentos. Mas por que os técnicos jurídicos
precisam de ganhar a simpatia desses juízes para que possam permanecer nestes tribunais acabam agindo a
reboque dos juízes e não colaborando na boa administração da justiça. No patrocino jurídico acaba vigorando a
máxima de que o que é barato não presta ou pouco presta.
26 Cfr. o nº 4 art. 63 da CRM e art. ... LOJ
27 Numas vezes é por ignorância tomada dicionaristicamente, ou seja, nada saber, e noutras vezes é ignorância no
sentido lato, isto é, deixar de observar deliberadamente.
14
3. O acesso aos tribunais
3.1. Jurisdição
A função jurisdicional é uma das funções do estado28,29, e consiste em definir o direito
em concreto. A vida em comunidade implica a existência de conflitos, resultado de um
diversificado conjunto de interesses, mas porque o Estado deseja a sua solução, célere, há que
sempre que surgir um conflito, resolve-lo, naqueles casos em que as partes não conseguem ou
a lei não admite solução pelos particulares. Não sendo admissível, em regra autotutela30,31,
compreende-se que existam instituições para definir o direito em concreto, chamando se o
Estado-juiz a dizer qual é a vontade da lei para o caso em concreto.
À função jurisdicional, se refere o número 1 do art. 212 da constituição32da República
quando estabelece que “os tribunais têm como objectivo garantir e reforçar a legalidade como
factor de estabilidade jurídica, garantir o respeito pelas leis, assegurar os direitos e liberdades
dos cidadãos, assim como os interesses jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com
existência legal”. O numero dois do mesmo artigo refere que “os tribunais penalizam as
violações da legalidade e decidem os pleitos de acordo com o estabelecido na lei” E em
complemento dessas disposições o art. 1 da LOJ dispõe que “os tribunais são órgãos de
soberania e administram a justiça em nome do povo.” Daí resultam as seguintes
características da função jurisdicional: (1) o reforço e a defesa da legalidade, (2) a defesa dos
direitos e liberdades das pessoas singulares e colectivas, (3) a resolução de conflitos de
interesses e (4) a intervenção necessária de certos órgãos de soberania (os tribunais), com o
28 Funções do estado, são as actividades que o estado, mediante os seus órgãos e agentes, prossegue em vista aos
seus fins. São funções desenvolvidas tendo em conta o Direito, como refere MIRANDA, Jorge, Manual de
Direito Constitucional, tomo 4, 3ª edição, Coimbra editora, Coimbra, 2004 pag. 11 a 12.
29 Ao lado da função jurisdicional, temos as funções: legislativa, governativa, administrativa e a função técnica
do Estado.
30 Este é um princípio basilar de um estado de direito, consagrado no art. 1 do CPC.
31 Dizemos em regra, uma vez que situações há em que o recurso a auto tutela é permitido, estamos a falar, por
exemplo das causas de exclusão da ilicitude e da culpa, nomeadamente, a acção directa (art.336 do C.Civ, a
legítima defesa (artes. 337 do C.Civ, artes 44 e 46, ambos do C.P), o estado de necessidade ( art. 339, C.Civ) o
consentimento do ofendido(art.340,C.Civ), a não exigibilidade de outro comportamento, a defesa da
posse(art.1277 do C.Civ) e a defesa da propriedade (art 1314 do C.Civ). De lembrar que a constituição admite,
no art. 80, o direito de resistência, que se traduz na resistência do cidadão ofendido nos seus direitos, liberdades e
garantias, por actos do poder público ou por acções de particulares.
32 O art. 212 da constituição consagra o princípio da justiça pública.
15
objectivo de penalizarem as violações da lei, defesa da legalidade, e resolverem os conflitos
de interesses33.
Duma forma genérica, podemos definir jurisdição ou função jurisdicional como sendo
o poder de julgar, genericamente atribuído, dentro da organização do estado, ao conjunto dos
tribunais, estaduais ou arbitrais (art. 223 CRM). Todos os tribunais previstos na constituição
têm o dever de julgar, cada um na sua esfera de jurisdição.34
3.2. O direito a jurisdição
Os tribunais têm o dever de julgar, porém, para que tal ocorra, os litígios devem ser
submetidos a sua apreciação. E como consequência, tendo o Estado o dever de julgar, o art.
70 da CRM, prevê o direito do cidadão de recorrer aos tribunais contra os actos que violem os
seus direitos e interesses legítimos. O cidadão tem o direito a tutela jurisdicional dos seus
direitos.35
A tutela jurisdicional não significa apenas o direito de recorrer aos tribunais e obter
deles uma decisão, há, pois, várias nuances por detrás dessa tutela. Esta tutela deve
proporcionar a quem a solicita a possibilidade de usufruir de modo concreto, os efeitos do
recurso ao tribunal, produzindo-se de modo satisfatório, o que o interessado pretendia ao
recorrer ao tribunal. Um processo com celeridade possível, mas com respeito a segurança
jurídica (contraditório e ampla defesa)36.
A questão do recurso aos tribunais não deve ser debatida deixando-se de lado a
questão da cobertura da rede dos tribunais. Se mesmo na província de Maputo a cobertura não
é satisfatória que dizer das outras províncias. A localização longínqua dos tribunais afecta o
seu acesso e consequentemente o acesso a justiça. Não é menos verdade que registamos
avanços significativos, mas que ainda não são suficientes. Há pois que aproximar os tribunais
aos cidadãos.
33 Vide Tomás Timbane, pag. 32 a 34.
34 Apesar de, em regra, serem os tribunais órgãos de resolução e composição de litígio, há órgãos de natureza
não jurisdicional que exercem a função jurisdicional.
35 De referir que este direito não só esta reservado aos nacionais, mas também aos estrangeiros, conforme resulta
do art. 35 da CRM.
36 Vide Humberto Theodoro Junior, Curso de Direito Processual Civil, vol.1, 48 edição, Editora forense, Rio de
Janeiro, 2008, apud Timbane, Tomás ,pag, 38-39.
16
Não iríamos terminar este subtítulo, sem falar dos tribunais comunitários37. Aliás estes
tribunais desempenham um papel fundamental se atendermos ao facto de a cobertura da rede
dos tribunais ser deficitária. Eles cobrem largas áreas, principalmente nas zonas rurais onde
poucos são ou mesmo não existem tribunais judiciais. Dai a necessidade de eles deverem ser
dignificados, quer em termos de meios materiais, financeiros, quer em termos humanos,
através duma capacitação séria em matéria jurídica.
4. Mecanismos legais adequados
Como já tivemos a oportunidade de referir, o Estado de direito não se resume a criação
de leis. É necessário que as leis estejam em condições de prosseguirem a justiça, através de
uma adequação a realidade social existente. Há necessidade de uma tutela efectiva. É urgente
eliminar o extremismo legalista e o conservadorismo, porque o aplicador da norma não deveservir ao direito, não deve ser escravo do direito38, mas sim deve servir a justiça. Porque a lei
é uma realidade estática. Ela pode se tornar anacrónica e injusta.
Deve se ter em mente a necessidade de uma transformação nas regras, nos institutos
tradicionais do direito processual, como a existência de procedimentos burocráticos
excessivos de acesso ao direito. Alguns formalismos são inadequados para algumas tarefas de
tutela.
5. A independência do juiz e a imparcialidade
O exercício da jurisdição vem regulado em diversas leis, desde a Constituição, e Em
diversas leis ordinárias, LOJ, CPC, LOCC, CPP, LPAC, etc. Mesmo a nível internacional,
encontramos um conjunto de instrumentos internacionais que estabelecem algumas garantias
fundamentais atinentes ao modo como se há-de exercer a jurisdição, comprometendo-se os
estados contratantes.
Tendo em conta a vinculação do estado moçambicano, o legislador ficou obrigado a
respeitar esses instrumentos internacionais, observando os princípios neles fixados. Tais
37 Os tribunais comunitários estão no âmbito do pluralismo jurídico, consagrado pela nossa constituição no art.4.
38 Como alguma doutrina nacional defende.
17
princípios traduzem-se num leque de garantias. E aqui onde se enquadra o princípio da
independência do juiz39 (ver os arts, 217 da CRM, 10 DUDH, 14, nº 1, PIDCP e art.7 nº 1 a) e
d) da CADHP. O princípio da independência do juiz tem em vista garantir a sua
imparcialidade. A independência do juiz deve ser encarada no triplo sentido de independência
económica, social e sob o ponto de vista da consciência.
6. A celeridade processual
A celeridade processual não significa a preterição de toda e qualquer formalidade. Mas
sim o afastamento de diligências ou actos onerosos e demorados que impedem a rápida
solução do litígio, que em último caso configura em denegação da justiça.
Não é justa, nos dizeres de Theodoro Humberto Júnior40uma causa que se arrasta
penosamente pelo foro, desanimando a parte e desacreditando o aparelho judiciário perante a
sociedade.
Em jeito de fecho deste capítulo, deve se referir, nas sábias palavras do Tomás
Timbane,41o acesso a justiça não se esgota no direito de aceder aos tribunais com vista a obter
uma tutela jurisdicional. É necessário que haja uma garantia do acesso ao próprio direito, ou
seja uma garantia do conhecimento dos direitos que se podem defender por meio de tribunais,
através da informação, da consulta jurídica e do patrocino judiciário.
Haverá para além disso a necessidade de se eliminar os empecilhos que não raras
vezes são associados aos impedimentos de acesso a justiça, como os económicos
designadamente de descriminação por insuficiência de meios económicos, por os interessados
não estiverem em condições de acederem aos tribunais por causa da sua pobreza,
organizatórios, porque a tutela de certos interesses impõem uma profunda transformação nas
regras e institutos tradicionais do direito e os processuais, como a existência de procedimentos
burocráticos de aceso a justiça.
39 Ao lado deste princípio temos os seguintes: o princípio do juiz natural, art. 212, nº 2, art.223, nº 3, ambos da
CRM, art. 7,nº 1 a) e b) da CADHP. O direito de cesso aos tribunais, art. 70 da CRM, art. …da DHDH, art.14, nº
1, do PIDCP, art. 7,nº 1, da CADHP. Decisão em prazo razoável, arts. 2, CPC e 8 nº 1 d) da CADHP. O
princípio da equidade, art. 35 da CRM, art 14 do PIDCP,art. 3 da CADHP . E o princípio da publicidade do
processo, art. 65, nº 2, da CRM, artes. 10 da DHDH e 14 nº1 do PIDCP.
40 Op cit., pag.36
41 Pag 44
18
CAPITULO II – A JUSTICA CONSTIUCIONAL
1. A génese do controlo da constitucionalidade e o constitucionalismo
A justiça constitucional surgiu duma necessidade de garantia da própria Constituição que,
no sentido de a defender de potenciais e reais actos capazes de ferirem ‟ o seu corpus”,
começou a fazer-se sentir a partir da formação dos Estados Constitucionais, princípios do
século XIX, que se caracterizam, sobretudo, pelo facto de a sua organização e actuação
basear-se na Constituição.
A justiça constitucional baseia-se na hegemonia jurídica (real e ideal) do princípio da
constitucionalidade, o princípio da submissão de todos os poderes do Estado à Constituição
(vd. art. 3). O que significa que a Constituição numa determinada ordem jurídica terá de
possuir um carácter de primazia na relação das fontes de Direito, para que a justiça
constitucional seja uma realidade. Segundo Gomes Canotilho constituição é uma ordenação
sistemática e racional da comunidade política, registada num documento escrito, mediante o
qual garantem-se os direitos fundamentais e organizam-se, de acordo com o princípio da
divisão de poderes, o poder político42.
A defesa da Constituição necessita, para que se concretize, de garantias, isto é, de
meios que assegurem a observância, aplicação, estabilidade e conservação da lei
fundamental43, e entre elas está, precisamente, um dos pressupostos da justiça constitucional:
a fiscalização da Constituição.
Ao princípio da constitucionalidade está indissociavelmente ligado o controlo
constitucional. Um não existe, verdadeiramente, sem o outro. E são ambos conceitos
fundamentais para o Direito da Constituição.
A ideia de controlo da constitucionalidade tem a sua germinação, num célebre caso
judicial inglês, conhecido pelo caso Dr. Bonham, julgado no Common Pleas (communia
placita)44, nos primórdios do século XVII, em 1609. Era presidente desse tribunal Edward
Coke tido, juntamente com Blackstone, entre os juristas ingleses mais brilhantes da sua época,
42 GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed. Almedina pág.
12.
43 Cfr. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional 5.ed.. Coimbra: Almedina,1992.pag.970 ss
44 Cf. Alberto Bianchi, “Control de Constitucionalidad”, Univ. Austral, Ed. Àbaco Depalma, Buenos Aires,
1992, p. 23.
19
senão mesmo de toda a história britânica. Em Inglaterra, os grandes juristas sempre foram,
maioritariamente, juízes; é uma característica dos países consagradores do common law, ao
contrário dos países de civil law, onde os maiores juristas são, sobretudo, professores.
O caso consistia no seguinte: Thomas Bonham era um médico inglês que exercia a sua
profissão na cidade de Londres, sem a correspondente autorização da entidade competente
que era o Royal College of Doctors. Quando esta soube da irregularidade, apreciou a situação
e deliberou multar Bonham em cem xelins e proibiu-o de exercer a sua actividade clínica até
ser admitido pela dita associação.
Bonham, no entanto, continuou a exercer medicina. Após conhecimento dessa
situação, o Royal College novamente o submete a “julgamento” (à revelia, devido a falta de
comparência de Bonham) condenando-o, desta vez, a uma multa de dez libras e a prisão,
emitindo uma ordem de detenção dirigida ao médico.
Surpreendido por esta decisão, Bonham apresentou-se no Colégio Real e alegou,
perante os responsáveis, que era doutor em medicina pela Universidade de Cambridge e que o
referido Colégio carecia de jurisdição sobre ele. Não convencendo com os seus argumentos,
foi imediatamente detido e enviado para a prisão.
O médico demanda, de seguida, o referido colégio por “encarceramento ilegítimo”. Os
demandados replicaram, invocando um statute (uma lei) de Henrique VII que lhes permitia
exercer poderes de polícia sobre a profissão. Estes foram os principais argumentos do
processo levado ao Common Pleas.
Este caso provocou uma grande controvérsia, sobretudo, entre a comunidade jurídica
inglesa e uma profunda discussão entre os juízes do Common Pleas. Entre eles estava Coke,
que foi quem tomou a dianteira na reflexão sobre este caso, através de uma tese que viria a
mudar, para sempre, o mundo do controlo constitucional. E ela é tão simples, quanto
admirável.
Coke considerou o estatuto real (aprovado pelo Parlamento inglês e sancionado pelo
Rei) contrário ao Common Law, pois convertia o Colégio numjuiz em causa própria,
violando, assim, o princípio nemo judex in re sua:
«Em muitos casos, o common law controlará as leis do
Parlamento e em alguns casos julgará que são totalmente nulas quando
estão contra a razão do Direito ou são de impossível cumprimento»
(Coke). Ou seja, existem determinadas regras de Direito (rules of law)
20
que estão acima das leis do Parlamento, porque pertencem ao âmago
enformador do Direito aplicável na Grã-Bretanha: o Common law.
Coke afirmou e defendeu uma ideia que, apesar de hoje parecer banal e evidente, viria
a germinar numa das matérias mais importantes de Direito Constitucional: o controlo
constitucional das leis. E é esta ideia de contrariedade gera nulidade, que traz a inauguração
de uma revolucionante concepção que, após o constitucionalismo, designou-se por controlo
constitucional: uma lei que contrarie os princípios de Common Law é nula.
Note-se que, naquela época, vários dogmas iam-se incrustando nas consciências
jurídicas dos ingleses, como os princípios da soberania do Parlamento ou de garantia das
liberdades dos cidadãos através da lei – a lei entendida como produto da razão – (factos, entre
outros, que explicam a inexistência de uma Constituição em sentido formal, ou materializada
num documento solene, e de um controlo da constitucionalidade na Grã- Bretanha); acresce,
ainda, que o conceito (moderno) de Constituição somente despontou para o Direito no século
XVIII.
Edward Coke deu, pelo menos, dois contributos fundamentais para a teoria da garantia
da Constituição: primeiro, decidiu o caso Dr. Bonham, e convenceu outros juízes a
acompanhá-lo na sua decisão, apoiando-se no referido raciocínio que viria a abanar algumas
consciências jurídicas, e não apenas as inglesas como iremos ver; segundo, foi este
background jurídico- intelectual que viria a ser a base mental subjacente ao controlo
constitucional das leis: norma inferior deve obedecer a norma superior, pois é dela que deriva
e retira a sua validade.
O Common Pleas deu razão a Bonham, quanto ao seu pedido, votando a favor, para
além de Coke, os juízes Warburton e Daniel contra Walmesley, que votou vencido.
Apesar desta pequena vitória para Coke, e para o Direito Constitucional em geral, em
1616, o rei de Inglaterra da altura, Eduardo I, pede a Coke, em tom intimidatório, que corrija a
sua posição, no sentido de o Common Law não poder controlar as leis do Parlamento. O
receio do monarca era justificado, na medida em que tal pensamento poderia pôr em causa o
poder (legislativo) e a autoridade do monarca, sobretudo se tal entendimento se propagasse a
outros juízes. Coke recusou o pedido real, o que não obviou, infelizmente, à não consagração
como precedente da sua teoria.
21
Todavia, a doutrina de Coke e a jurisprudência do caso Dr. Bonham, e sua derivada,
vão ter uma enorme projecção não no país que as viram nascer mas no continente do outro
lado do Atlântico.
Os colonos norte-americanos simpatizaram, desde logo, com este princípio do controlo
constitucional, teorizado e impulsionado por Coke. Pensamos que a razão de ser desta
simpatia esteja na contribuição positiva que ele dava à luta dos colonos contra certas leis
inglesas atentadoras de certos direitos considerados fundamentais por eles.
As leis que mais polémica causou foram, sobretudo, as de natureza tributária, aquelas
que previam certas obrigações fiscais, consideradas ilegais pelos colonos, como foi o caso do
Stamp Act (Lei do Imposto do Selo), votado no Parlamento inglês em 1765, «que impunha
nas treze colónias o uso de papel selado não apenas em quaisquer documentos, títulos e
licenças como em todos os anúncios, nas cartas de jogar, nos almanaques e nos jornais».
O acolhimento desta doutrina é bem patente em algumas decisões judiciais, efectuadas
no continente americano. São exemplos: o caso “Giddings v. Browne”45, em que o juiz
Synods de Boston (Massachussetts), assinalou que “uma lei positiva não pode estar contra o
Direito Natural ou Fundamental (…) por isso não a posso aplicar” (na primeira metade do
século XVII); no caso “Paxton”, o mesmo princípio foi repetido pelo juiz James Otis, em
1761; já depois da independência dos Estados Americanos, o Supremo Tribunal de Rhode
Island confirmou tal jurisprudência, no caso “Trevett v. Weeden” (1786).
São todos estes contributos da doutrina e da jurisprudência, respeitantes ao controlo
constitucional (ainda que indirectamente ou não deliberadamente), que vão propiciar um
determinado ambiente intelectual, donde irão emergir certas sentenças ou escritos, fulcrais
para a consolidação de uma verdadeira garantia das normas jurídicas superiores.
Exemplo desse facto é a celebérrima sentença do juiz John Marshall no caso “Marbury
v. Madison” (1803), um dos casos fundadores da doutrina do controlo da constitucionalidade
e o primeiro a inaugurar a judicial review of legislation, isto é, a faculdade reconhecida aos
tribunais de fiscalizarem a constitucionalidade das leis.
Este caso numa coisa não se distingue do caso Dr. Bonham: ambos tiveram por base
aquele raciocínio de contrariedade gera nulidade. Marshall afirmou na sentença: “the
45 O caso consistia no seguinte: o governo da cidade havia decidido prover um fundo de cem libras para a
construção de uma casa para Mr. Cobbet, um dos seus ministros; Browne, um simples cidadão, negou-se a pagar
a sua quota, o que o levou à barra do tribunal. O juiz deu-lhe razão, absolvendo-o, considerando que uma lei
positiva não podia obrigá-lo a pagar.
22
constitution is superior to any ordinary act of the legislature (…) an act of the legislature
repugnant to the constitution is void”. Onde está, então, a diferença essencial neste domínio?
Está, pensamos nós, no facto de a decisão judicial americana, acrescentar um dado (pode-se
ler raciocínio) novo: não somente afirma a proposição “contrariedade (ou
inconstitucionalidade) gera nulidade” (implícita na verificação da superioridade da Lei
Fundamental perante a lei), como aduz «…declarável pelo Poder Judiciário» (porque estes são
obrigados a cumprir a Constituição):
«É nitidamente do domínio e dever do departamento
judicial dizer qual é a lei. Aqueles que aplicam as regras aos
casos particulares devem necessariamente expor e interpretar
essa lei. Se duas leis entram em conflito entre si, os tribunais
devem decidir sobre a aplicação de cada uma. Assim, se uma lei
estiver em contradição com a constituição (…) o tribunal deve
determinar qual das normas em conflito regula o caso. Isto é da
verdadeira essência da função judicial. (…) Assim a particular
fraseologia da constituição dos Estados Unidos confirma e
reforça o princípio, suposto essencial a todas as constituições
escritas, de que uma lei contrária à constituição é nula. E os
tribunais estão limitados pela constituição» (John Marshall).
Podemos considerar a justiça constitucional (em sentido amplo), grosso modo, como
um todo ou um território constituído por um conjunto de partes integrantes, ou domínios
compreensivos, das quais podemos destacar, mormente, as seguintes: a justiça do Estado, a
justiça política, a justiça dos direitos fundamentais, a justiça administrativa.
Na justiça do Estado, visa-se compor jurisdicionalmente potenciais dissídios entre os
diversos poderes públicos (por exemplo, entre os Estados vs. as autarquias, ou entre Estado
federal vs. estados federados. Trata-se, no fundo, de uma questão de definição, limitação e
delimitação de poderes entre os vários órgãos do poder político.
A justiça política, neste contexto, consiste, sobretudo, no facto de um órgão
jurisdicional, ou outro órgão do Estado, possuir a faculdade de conhecer e julgar determinadas
violações específicas à Constituição, de carácter eminentemente político, como os crimes
23
cometidos por altos titulares de órgãos do Estado.
A justiça dos direitos fundamentais tem, essencialmente, como ideia enformadora a
afirmação de uma Constituição consagradora de uma protecção e observânciade
determinados direitos fundamentais possuindo, para isso, um regime próprio e especial de
fiscalização dos actos que os podem pôr em causa, através, por exemplo, de uma jurisdição
particular: a justiça constitucional no sentido de “jurisdição de liberdade”. Uma concretização
desta parte compreensiva da justiça constitucional é a existência de um meio jurisdicional
próprio de defesa dos direitos fundamentais (sobretudo, os direitos, liberdades e garantias, isto
é, os direitos fundamentais especiais), que permite aos cidadãos, lesados nos seus direitos,
apelarem directamente para um órgão jurisdicional, mormente um tribunal constitucional.
Entre os meios de protecção jurisdicional dos direitos fundamentais podemos destacar
o instituto do amparo (o Habeas Corpus da era contemporânea) que vive ao serviço da defesa
dos direitos fundamentais46 devendo, portanto, a estes a sua razão de ser. Este instituto é
contemplado em diversos ordenamentos jurídicos, sofrendo diferentes metamorfoses e
denominação, consoante o país que o contempla: recurso de amparo (Espanha e Macau),
verfassungsbeschwerde (Alemanha), staatsrechtliche beschwerde (Áustria),
bescheidbeschwerde (Suíça), juicio de amparo (México), mandado.
Quanto à “justiça administrativa” tem como fim garantir aos cidadãos certos
instrumentos jurídicos processuais (v.g., recurso contencioso), com o objectivo de os proteger
de eventuais actos lesivos da Administração e poderem impugná-los jurisdicionalmente. A
justiça constitucional é, deste modo, uma extensão da ideia subjacente à justiça
administrativa.
A justiça constitucional em sentido restrito, que reduz-se ao âmbito de uma jurisdição
constitucional autónoma, ou seja, à verificação de um órgão jurisdicional especializado em
matéria jurídico-constitucional capaz de decidir da validade das leis, possui como parâmetro a
Constituição. Esta concepção nasceu da formulação e elaboração doutrinal do jus publicista
austríaco Hans Kelsen, que defendeu a criação de um órgão jurisdicional justaposto aos
restantes órgãos judiciais. Por isso, este modelo de justiça constitucional é também designado
por modelo concentrado ou modelo austríaco.
Estas são, na nossa opinião, algumas das mais importantes partes integrantes da justiça
46 GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed. Almedina pág.
383.
24
constitucional.
Podemos concluir, portanto, que a justiça constitucional abarca um conjunto de áreas e
operações jurídicas, realizadas sobretudo por órgãos jurisdicionais, com o fim de controlar a
prossecução e aplicação das normas e princípios constitucionais vigentes e de conformar a
posição e relação do Estado (em sentido restrito) com as outras pessoas colectivas públicas e
os seus respectivos órgãos.
2. O Controlo Constitucional
A definição dos conceitos de controlo e de controlo constitucional é vital para
qualquer correcto e rigoroso conhecimento de questões técnico-jurídica que nos propomos a
tratar.
É comum na doutrina falar-se numas vezes em controlo e noutras em fiscalização ou
ainda em verificação, mas as expressões controlo e fiscalização traduzem conceitos com
semelhante significado47. A palavra controlo, lato sensu, toma o significado de qualquer
limitação do poder político e/ou dos governantes.
A expressão controlo de constitucionalidade significa o modo através do qual um
ordenamento reage face à existência de normas contrárias à Constituição. Esta expressão
comporta 2 (dois) elementos, a saber uma verificação de conformidade e uma medida.
Em última palavra controlo de constitucionalidade será: emissão de um juízo ou
apreciação e a tomada de uma medida consequente e/ou correspondente (sobretudo, em caso
de formulação de um juízo negativo ou de inconstitucionalidade), tendo em conta as normas
consagradas na constituição. Podendo em caso de juízo negativo levar a inconstitucionalidade
por acção ou a inconstitucionalidade por omissão. O nosso legislador constituinte não
consagrou este último tipo de inconstitucionalidade, porém alguma doutrina nacional, com a
qual alinhamos, considera que mesmo não havendo previsão mas se o estado “ignorar”
sistematicamente, deliberadamente e de forma grosseira o dever de concretizar as normas
programáticas pode se alegar a inconstitucionalidade por omissão.
47 Vamos empregar, doravante, as 3 expressões referidas indiscriminadamente e deverão ser consideradas como
tendo um sentido convergente ou equivalente.
25
3. O alcance da fiscalização da constitucionalidade
A Fiscalização da Constitucionalidade em Moçambique, nos termos da alínea a), do
n.º 1, do artigo 245 da Constituição da República, recai sobre as leis e actos normativos do
governo. Quer isto dizer que, não é possível o controle de actos dos poderes públicos, tais
como: actos administrativos, os quais estão sujeitos apenas ao controle de legalidade pelos
Tribunais Administrativos, através do mecanismo do recurso contencioso; e actos
jurisdicionais, os quais são objecto de recurso para os Tribunais hierarquicamente superiores.
E no que diz respeito há actos jurídicos privados que contrariem a constituição,
estamos em face do negócio jurídico proibido por lei ou contrário a lei.
4. Órgãos fiscalizadores da constitucionalidade
O ordenamento jurídico moçambicano, à semelhança do que acontece com a maioria
apenas confere aos tribunais o poder de declarar a inconstitucionalidade de uma norma, sem
prejuízo de o poder legislativo ter sempre a faculdade de revogar ou declarar a caducidade de
uma lei com fundamento na sua inconstitucionalidade ou de o poder administrativo revogar
ou declarar a caducidade de um regulamento, acto ou contrato administrativo com
fundamento na respectiva inconstitucionalidade.
Ainda neste âmbito, é interessante referir que os tribunais arbitrais, tem o poder e o
dever de recusar a aplicação de normas inconstitucionais, sem prejuízo de se ter sempre de
reconhecer a faculdade de recurso para tribunais estaduais das decisões arbitrais que recusem
aplicação de uma norma invocando se a inconstitucionalidade da mesma, salvo se o tribunal
arbitral podia decidir por via da equidade48.
Das decisões dor órgãos não judiciais que recusem a aplicação de uma norma alegando
a inconstitucionalidade, cabe sempre recurso para os tribunais49.
E em relação aos tribunais, importa também referenciar que os tribunais do estado
moçambicano não detêm o poder exclusivo de fiscalização da constitucionalidade. Pode
48 Para mais desenvolvimento cfr. Otero, Paulo, A Fiscalização da Constitucionalidade em Portugal, Cadernos de
Direito, Vol. 5, Nº 8/9 (2005) Pag. 125.
49 Para mais desenvolvimento cfr. Otero, Paulo, op.cit pag. 125.
26
suceder que um tribunal estrangeiro fiscalize a constitucionalidade de uma norma
moçambicana. Trata-se daquelas situações que por força de normas de conflitos, o direito
nacional seja aplicado no estrangeiro, o respectivo estado do foro pode emitir um juízo sobre
a constitucionalidade duma norma moçambicana face ao respectivo direito moçambicano. Isto
acontece se a constituição fiscalizada não vedar aos tribunais este exercício.
Também importa dizer, que os tribunais moçambicanos não se limitam a fiscalizar a
constitucionalidade das normas em face da constituição nacional: desde que se coloque a
aplicação de um a norma estrangeira, os tribunais nacionais podem ser chamados a verificar a
constitucionalidade de tais normas face a respectiva constituição estrangeira.
5. Valores que limitam o princípio da constitucionalidade
Vimos que como pressuposto básico, a inconstitucionalidade de uma norma resulta no
seu afastamento. Acontece porém, que o sistema moçambicano de fiscalização da
constitucionalidade conhece certas situações, que concorrentes com o princípio da
constitucionalidade limitam esta ideia geral de que o acto inconstitucional não produz efeitos,
ou seja é possível que um acto inconstitucional produza efeitos tudo se passando como se
fosseconforme a constituição, auto limitando a lei fundamental.
A declaração da inconstitucionalidade ressalva as decisões judiciais já transitadas em
julgado50, ou seja a aplicação judicial de uma norma que venha posteriormente a ser
considerada inconstitucional, desde que uma tal aplicação aos casos concretos tenha já
formado caso julgado., não é atingida pela declaração da inconstitucionalidade: a estabilidade
do caso julgado, segundo impõe o princípio da segurança jurídica, prevalece normalmente
sobre o princípio da constitucionalidade.
Ainda ao abrigo do princípio da segurança jurídica, se percebe também que o acto
administrativo que traduz a aplicação de uma norma que venha a ser declarada
inconstitucional se mantenha na ordem jurídica, desde que à data da declaração da
inconstitucionalidade dessa norma eles já se tiverem consolidado, formando “caso julgado
administrativo51”.
50 Ver art. 66, nº 3 da LOCC.
51 Para mais desenvolvimento cfr. Otero, Paulo, op.cit. pag. 126 a 127.
27
Razões ligadas ao princípio da equidade e a do interesse público de excepcional relevo
podem justificar que o conselho constitucional restrinja os efeitos da retroactividade da
declaração da inconstitucionalidade52, permitindo que por esta via, que se mantenham ou se
consolidem na ordem jurídica os efeitos inválidos de uma norma inconstitucional.
Em última palavra pode se dizer o seguinte; a constituição da república permite que
outros valores acolhidos pelo seu próprio texto limitem ou debilitem os efeitos normais ou
típicos da inconstitucionalidade.
O princípio da constitucionalidade tem de concorrer, por via de consagração
constitucional, com outros valores que limitam uma operatividade completa pura da
fiscalização da constitucionalidade, permitindo que actos feridos de inconstitucionalidade
possam ainda, apesar de tudo, produzir efeitos legais.
6. A trajectória do conselho constitucional como órgão de soberania
Nota introdutória
A primeira Constituição de Moçambique, que vigorou de 1975 a 1990, adoptou o
regime político de democracia popular, baseado no modelo socialista (artigos 1.º e 4.º, § 5) 1,
consagrou o sistema de partido único e o princípio da unidade do poder. Este princípio
traduzia-se na supremacia formal da Assembleia Popular face aos demais órgãos do Estado.
Porém, a prática institucional conduziu a uma concentração do poder na figura do Presidente
da República, do Poder Legislativo e do Poder Executivo.
O Poder Judicial aparecia como único que gozava de autonomia e independência, visto
que o exercício da correspondente função era reservado aos tribunais, concedendo-se o
estatuto de independência aos juízes, tal como evidenciava os artigos 62.º e 68.º a
Constituição:
– “Na República Popular de Moçambique a função judicial será exercida
através do Tribunal Supremo e dos demais tribunais determinados na lei sobre
a organização judiciária”.
– “No exercício das suas funções os juízes são independentes”.
52 Cf. art. 66, nº 4 da LOCC
28
A revisão constitucional de 1990,determinou a transição do Estado de Democracia
Popular para o Estado de Direito Democrático.53 a Constituição moçambicana de 1990, além
de explicitar a qualificação dos tribunais como órgãos de soberania, com dignidade igual a do
Presidente da República, da Assembleia da República e do Governo54, fixou-lhes o objectivo
de garantir a legalidade, o respeito pelas leis, os direitos e liberdades dos cidadãos e os
interesses jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com existência legal55.
Os tribunais receberam ainda da Constituição de 1990 a função, por um lado,
preventiva, de educar os cidadãos no cumprimento voluntária das leis, com vista a estabelecer
uma convivência social justa e harmoniosa, por outro, repressiva, de penalizar a violação da
legalidade e decidir pleitos de acordo com a lei.
Embora já num contexto político-constitucional diferente, a Constituição de 1990
manteve, em termos substanciais, o princípio da reserva da função judicial para os tribunais56,
tal como vinha consagrado na Constituição de 1975. Em conexão com o princípio da sua
independência, a Constituição de 1990 explicitou o dever dos juízes de obedecer
exclusivamente a lei57, e estabeleceu uma série de garantias da magistratura, designadamente
as garantias de imparcialidade e inamovibilidade, a restrição da responsabilidade civil e
criminal dos juízes, no exercício das suas funções, aos casos especialmente previstos na lei e a
sujeição da medida de afastamento de um juiz de carreira da respectiva função aos termos
legalmente estabelecidos58.
Não menos importante entre essas garantias foi a consagração constitucional do
regime de incompatibilidades para os magistrados, por força do qual tornou-se impossível o
53 O Estado de Direito aparece, no final do século XVIII, associado à separação dos poderes, concebida como
expediente de limitação dos mesmos com vista à garantia dos direitos e liberdades do indivíduo. Na actualidade,
pode considerar-se que a separação dos poderes é um princípio universalmente aceite, mas a sua compreensão
tem evoluído bastante, sobretudo, a partir da transição do Estado de Direito Liberal para o Estado Social de
Direito. Com efeito, no constitucionalismo hodierno o princípio é formulado em termos de “separação e
interdependência de poderes”, pois procura-se alcançar o equilíbrio dos poderes do Estado mediante mecanismos
de cooperação mútua, atribuindo-se a cada um deles, em simultâneo, uma faculté de statuer e uma faculté
d’empêcher, ou seja, estabelecendo-se um sistema de checks and balances, conforme a formulação norte-
americana.
54 Cf. art. 109 da CRM de 1990
55 Cfr. art. 161, n.º 1 da CRM de 1990
56 Cf. art. 168, n.º 1 da CRM de 1990.
57 Cf. art. 164 da CRM de 1990
58 Cfr. art. 164, n.º 2 e 165 da CRM de 1990
29
exercício cumulativo da função de juiz e de qualquer outra função pública ou privada,
exceptuada a actividade docente ou de investigação59.
Na perspectiva institucional, a independência dos juízes passou, a partir de 1990, a
beneficiar de uma outra garantia fundamental de índole constitucional, que consistiu na
criação do Conselho Superior da Magistratura Judicial5, cuja competência, composição,
organização e funcionamento seriam regulados por lei ordinária60.
O sistema constitucional estabelecido a partir de 1990 é actualmente desenvolvido e
reforçado pela Constituição vigente cujo texto foi aprovado em 2004. Com efeito, o Estado de
Direito Democrático e a separação dos poderes apareciam na Constituição anterior como
princípios políticos conformadores da organização do Estado e do poder político, mas de
forma implícita, sendo então apreensíveis a partir da interpretação e compreensão sistémica
do texto constitucional. Já na Constituição actual, os mesmos princípios aparecem
expressamente consagrados em disposições específicas61.
No que toca particularmente à função jurisdicional, a Constituição de 2004 mantém,
no essencial, os princípios estruturantes basilares das Constituições precedentes, ou seja, o
princípio da reserva desta função aos tribunais62 e o da independência dos juízes63. Não
obstante, à continuidade, a nova Constituição introduz inovações de grande relevância, com
vista ao aperfeiçoamento do sistema nacional de administração da justiça.
7. A criação do Conselho Constitucional
A Constituição de 1975 não previa um órgão especializado na justiça constitucional,
nem mecanismos específicos de fiscalização da constitucionalidade. Coube à Constituição de
1990 instituir o Conselho Constitucional, integrado no conjunto dos órgãos de soberania64, e
então definido como “o órgão de competência especializada no domínio das questões
jurídicas constitucionais”65.
59 Cf. art. 166 da CRM de 1990
60 Cfr. art. 172 da CRM de 1990
61 Cf. arts. 3 e 134 da CRM de 2004
62 Cfr. art. 212 da CRM de 2004
63 Cf. art. 217, nº 1 da CRM de 2004
64 Cfr. art. 109 da CRM de 1990
65 Cf. art. 180 da CRM de 1990
30
Para além do poder de apreciar e declarara inconstitucionalidade e a ilegalidade dos
actos legislativos e normativos dos órgãos do Estado [artigo 181, n.º 1 alínea a)], que é,
geralmente, apanágio dos órgãos especializados na justiça constitucional, a Constituição de
1990 atribuiu ao Conselho Constitucional os poderes de dirimir conflitos de competência
entre os órgãos de soberania e de pronunciar-se sobre a legalidade dos referendos [artigo 81,
n.º 1, alíneas a) e b)] no domínio específico das eleições confiou-lhe as competências de
verificar os requisitos legais exigidos para as candidaturas a Presidente da República,
apreciar, em última instância, as reclamações e os recursos eleitorais, bem como validar e
proclamar os resultados das eleições nos termos da lei66.
Mas o legislador constitucional de 1990 optou por auto conter-se na regulação do
Conselho Constitucional, visto que, em acréscimo à definição e fixação das respectivas
competências principais, limitou-se a regular o modo de designação do Presidente do órgão,
deferindo a sua nomeação ao Presidente da República, no exercício da sua função de Chefe do
Estado [art. 120, alínea g)], nomeação carecida da ratificação da Assembleia da República
[art. 135, n.º 2, alínea f)]. Ademais, estabeleceu os princípios de irrecorribilidade e de
publicidade das deliberações do órgão67 e indicou as entidades com legitimidade para
desencadear os processos de fiscalização de inconstitucionalidade ou de ilegalidade.
Enfim, remeteu para a lei ordinária a fixação da composição, organização,
funcionamento e do processo de fiscalização e controlo da constitucionalidade e legalidade
dos actos normativos e das demais competências do Conselho Constitucional68.
A primeira Lei Orgânica do Conselho Constitucional, a Lei n.º 9/2003, de 22 de
Outubro, consagrou o quadro legal necessário para a instalação do órgão e o exercício das
respectivas funções, cujo início ocorreu ainda em Novembro de 2003, terminando, deste
modo, o longo período em que essas funções eram exercidas pelo Tribunal Supremo, ao
abrigo da disposição transitória do artigo 208 da Constituição.
66 Cfr. art. 181, nº 2 da CRM de 1990
67 Cf. art. 182 da CRM de 1990
68 Cf. art. 184 da CRM de 1990
31
8. A natureza jurídica do Conselho Constitucional
8.1. Na vigência da constituição de 1990
Na vigência da Constituição de 1990 suscitavam-se dúvidas quanto à natureza jurídica
do Conselho Constitucional, e a controvérsia consistia em saber se este devia ser considerado
como órgão de natureza política ou, pelo contrário, de natureza jurisdicional.
Mais do que em teoria, este questionamento tem relevância prática, pois a sua
resposta, num ou noutro sentido, acarreta consequências jurídicas importantes A revisão
constitucional de 1990, determinou a transição do Estado de Democracia Popular para o
Estado de Direito Democrático.
Com efeito, os órgãos políticos caracterizam-se por serem activos, exercem a função
política de acordo com critérios igualmente políticos, e gozam de uma larga margem de
discricionariedade na sua actuação. Diferentemente, os órgãos jurisdicionais são reactivos,
integram necessariamente juízes independentes que exercem a função jurisdicional em
obediência a critérios jurídicos e vinculados ao dever de obedecer exclusivamente a lei69.
A questão posta não encontrava resposta inequívoca nem no enunciado do artigo 180
da Constituição, disposição que, como já foi referido, definia o Conselho Constitucional como
“um órgão de competência especializada no domínio das questões jurídico-constitucionais”,
nem na compreensão do conjunto das suas competências.
A Lei Orgânica de 2003 resolveu o problema, mas trouxe alguns subsídios importantes ao
debate, desde logo ao atribuir à Assembleia da República a competência para designar cinco
“membros do Conselho Constitucional”, segundo o critério da representação proporcional,
cabendo aos designados cooptar um membro (art. 7).
Nestes termos, o legislador ordinário complementou o regime de composição do
Conselho Constitucional, tendo em conta a já referida regra de nomeação do respectivo
Presidente pelo Chefe do Estado, carecida de ratificação da Assembleia da República.
Para certas correntes de opinião, a intervenção decisiva de órgãos políticos na
designação da maioria dos membros do Conselho Constitucional reforçou o entendimento de
69 Cf. Jorge Miranda. Manual de Direito Constitucional. Tomo V. Actividade Constitucional do Estado. 3.ª
Edição. Coimbra Editora, 2004, p. 22 e ss.
32
que este é um órgão político. Porém, o fundamento alegado não podia ser plausível face a
outros elementos que se podiam extrair da Lei Orgânica, designadamente a exigência de que a
designação dos membros do órgão recaísse sobre cidadãos no mínimo licenciados em direito
ou juízes de direito, que, cumulativamente, tivessem exercido uma profissão jurídica, no
mínimo, durante cinco anos ininterruptos (art. 8).
Ademais, a Lei Orgânica de 2003 configurou o estatuto dos membros do Conselho
Constitucional em termos muito semelhantes aos dos juízes dos tribunais, estabelecendo
garantias de independência, inamovibilidade e irresponsabilidade salvo nos termos e limites
em que são responsabilizados os juízes dos tribunais judiciais (artigos 11, 12 e 13 (11 e 12 da
Lei Orgânica de 2006), e tornou extensivo aos membros do Conselho Constitucional, com as
necessárias adaptações, as normas que regulam a efectivação da responsabilidade civil e
criminal dos Juízes Conselheiros do Tribunal Supremo, bem como as normas relativas à
respectiva prisão preventiva (art. 15 (artigo 13 da Lei Orgânica de 2006).
Ainda relacionado com as garantias de independência, a Lei Orgânica de 2003
estabeleceu a exclusividade do poder disciplinar do Conselho Constitucional sobre os seus
membros, mandando aplicar a estes o regime disciplinar estabelecido na lei para os
magistrados judiciais (art. 14), e tornando igualmente aplicável aos mesmos membros o
regime de impedimentos e suspeições dos juízes dos tribunais judiciais (artigo 18).
A reforçar este conjunto de garantias, e como contrapeso da intervenção de órgãos
políticos na sua designação, a Lei Orgânica determinou que os membros do Conselho
Constitucional não podiam exercer quaisquer funções em órgãos de partidos e de associações
políticas, ou funções com eles conexos, nem desenvolver actividades político-partidárias de
carácter público. Determinou também que o estatuto decorrente da filiação em partido ou
associação política, por parte dos membros do Conselho Constitucional, ficava suspenso
durante o exercício do cargo (artigo 17).
Todas estas providências do legislador ordinário no sentido de acautelar a
independência dos membros do Conselho Constitucional no exercício das suas funções e,
sobretudo, as reiteradas remissões para regimes próprios do estatuto dos magistrados judiciais
tornavam cada vez mais insustentável a tese da natureza política do Conselho Constitucional.
Ainda mais, era inevitável extrair-se, tanto da Constituição como da Lei Orgânica, a
conclusão de que o Conselho Constitucional era um órgão reactivo, porquanto a sua actuação
devia subordinar-se ao princípio do pedido, ou seja, dependia exclusivamente do impulso de
33
certas entidades dotadas de legitimidade processual activa (artigo 183 da Constituição e
artigos 57, 63, n.º 1, 76, n.º 1 e 78, n.º 1).
Embora a Lei não fizesse referência explícita ao dever dos membros do Conselho
Constitucional respeitar exclusivamente a lei, o exercício de qualquer das competências
atribuídas ao Conselho Constitucional estava vinculado a critérios jurídicos e a regras
processuais de carácter imperativo, detalhadas no Título IV (Processo) da Lei Orgânica
(artigos 36 a 79), e que não apontavam para alguma margem de discricionariedade.
Do exposto resulta que, em face da Constituição de 1990 e da Lei n.º 3/2003, de 22 de
Outubro, mostrava-se completamente inadequado qualificar o Conselho Constitucional como
um órgão político, com base no único fundamento de

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