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Autoras: Profa. Giane Elis de Carvalho Sanino Profa. Mônica Santos Braga Colaboradoras: Profa. Renata Guzzo Souza Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Epidemiologia Professoras conteudistas: Giane Elis de Carvalho Sanino / Mônica Santos Braga Giane Elis de Carvalho Sanino Doutoranda em Educação na linha de pesquisa Políticas em Educação, possui graduação em Enfermagem pela Universidade de Mogi das Cruzes (1996) e mestrado em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo (2003). Profissional com experiência na área clínica e educacional, com atividade clínica voltada para a nefrologia e atuação em clínicas e hospitais (particulares e públicos). Possui vivência acadêmica em escolas técnicas e universidades, atuando tanto na parte administrativa quanto na pedagógica, professora adjunta da UNIP nos cursos de Enfermagem, Farmácia e Nutrição, líder das disciplinas Políticas de Atenção à Saúde do Adulto, Políticas de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente, Prática Gerencial em Saúde Coletiva, Enfermagem Integrada na Prática Gerencial I, Prevenção e Controle das Infecções em Instituições de Saúde. Docente convidada do Curso de Especialização em Enfermagem Pediátrica e Neonatal da Faculdade de Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einsten. Atualmente, estuda as temáticas juventude e formação, pedagogia da simulação e políticas públicas de educação e saúde, na esfera das políticas de saúde, insere-se no interesse pela temática epidemiologia, que está intrinsecamente relacionada às Políticas Públicas de Saúde, como um dos pilares do Sistema Único de Saúde (SUS). Mônica Santos Braga Natural da cidade de São Paulo, onde nasceu em 1966. Graduou-se em Enfermagem pela Escola Paulista de Medicina (1988), atual Universidade Federal de São Paulo, onde concluiu o mestrado na área de Epidemiologia Hospitalar pela disciplina de Infectologia, em 2006. Professora adjunta na Universidade Paulista (UNIP) desde 2007, nos cursos de graduação de Enfermagem e Nutrição, ministrando as disciplinas de Epidemiologia; Microbiologia; Imunologia; Parasitologia; Prevenção e Controle das Infecções em Instituições de Saúde; Políticas de Saúde e Enfermagem Integrada. Atualmente é líder da disciplina Biossegurança e professora convidada dos cursos de Especialização em Enfermagem do Trabalho e MBA em Serviços de Saúde na UNIP, ministrando as disciplinas de Epidemiologia e Biossegurança, respectivamente. Professora convidada dos cursos de Especialização em Cardiologia e Unidade de Intensiva pela Universidade São Camilo, onde ministra disciplina relacionada à prevenção das infecções relacionadas à assistência à saúde em áreas distintas (UTI, cardiologia e neonatologia). Atuou por quatorze anos como enfermeira epidemiologista do Serviço de Controle de Infecção Hospitalar, nos Hospitais Nove de Julho (1990/2000) e Bandeirantes (2000/2004). Foi colaboradora na empresa de consultoria de enfermagem Pimentel e Associados, à qual deu suporte nas áreas de Controle de Infecção e Educação em Serviço de grandes hospitais localizados na região metropolitana de São Paulo. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S224e Sanino, Giane Elis de Carvalho. Epidemiologia / Giane Elis de Carvalho Sanino, Mônica Santos Braga. - São Paulo: Editora Sol, 2020. 176 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Epidemiologia. 2. Enfermagem. 3. Indicadores de Saúde. I. Braga, Mônica Santos. II. Título. CDU 616-036.22 U505.01 – 20 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Profa. Melissa Larrabure Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Andréia Andrade Luanne Batista Sumário Epidemiologia APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 A HISTÓRIA DA EPIDEMIOLOGIA, DOS PRIMÓRDIOS À ATUALIDADE ...........................................9 2 CONCEITOS E APLICAÇÕES DA EPIDEMIOLOGIA ............................................................................... 12 3 HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA ............................................................................................................ 15 3.1 Conceito de saúde e doença .......................................................................................................... 15 3.2 Período pré-patogênico e patogênico ......................................................................................... 17 3.3 Níveis de prevenção ............................................................................................................................ 18 3.4 Modelos explicativos do processo saúde-doença ................................................................... 20 4 INDICADORES DE SAÚDE ............................................................................................................................ 26 4.1 Aplicações no diagnóstico de saúde ........................................................................................... 26 4.2 Principais índices, proporções e taxas ........................................................................................ 27 4.3 Doenças não infecciosas, demografia e perfil de morbidade ............................................. 34 4.4 Medidas de frequência (morbidade) ............................................................................................. 43 4.4.1 Incidência e prevalência ....................................................................................................................... 43 4.5 Processo epidêmico: epidemia e doenças endêmicas .......................................................... 46 4.6 Investigação e controle de epidemias ......................................................................................... 47 Unidade II 5 DOENÇAS INFECCIOSAS ............................................................................................................................... 53 5.1 Cadeia do processo infeccioso ....................................................................................................... 53 5.1.1 Reservatório .............................................................................................................................................. 55 5.1.2 Fonte de infecção ................................................................................................................................... 55 5.1.3 Vias de eliminação .................................................................................................................................. 58 5.1.4 Fatores do agente ...................................................................................................................................e saúde baixas 60 50 40 30 20 10 0 no sistema de notificação de óbitos e à ampliação das investigações sobre óbitos de mulheres em idade reprodutiva (VICTORA et al., 2011). Existem desigualdades geográficas e sociais nas taxas de morbidade e mortalidade; em 2006, a taxa de mortalidade infantil da região Nordeste era 2,24 vezes mais alta que a da região Sul, embora essa desigualdade tenha diminuído (PAIM et al., 2011). A figura a seguir apresenta o perfil de mortalidade infantil relacionado à renda em comparação com outros países: 300 200 100 70 50 30 20 10 7 5 3 2 0 0 400 2.000 4.000 10.000 20.000 40.000 100.0001.000 1960 1980 2006 M or ta lid ad e in fa nt il (p ar a 1. 00 0 na sc id os v iv os ) Produto bruto doméstico (ajustado à inflação) Figura 28 – Renda por pessoa e mortalidade infantil no Brasil (1960-2006) e no resto do mundo 38 Unidade I No Brasil, as pessoas que identificam sua raça como parda ou preta tendem a pertencer a grupos de renda mais baixa e menor escolaridade, e existem desigualdades nas condições de saúde (como a prevalência de hipertensão, anemia falciforme, diabetes, problemas de saúde mental, miomas uterinos) entre pessoas de diferentes raças. Entretanto, no caso de outros indicadores, como a autoavaliação do estado de saúde, os desfechos são essencialmente semelhantes, após o ajuste para a posição socioeconômica, fato esse que por si só revela a discriminação racial (PAIM et al., 2011). As doenças do aparelho circulatório são a principal causa de morte, seguidas pelas neoplasias e por causas externas (sobretudo homicídios e acidentes de trânsito). Estima-se que 40 a 50% dos brasileiros com mais de 40 anos sejam hipertensos e que 6 milhões sejam diabéticos, o que representa um enorme desafio para um sistema de saúde que está organizado predominantemente para oferecer cuidados a enfermidades agudas (PAIM et al., 2011). O gráfico a seguir apresenta a mudança no perfil de mortalidade no país: 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1930 1935 1940 1945 1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2009 Outras diferenças Causas externas Aparelho circulatório Neoplasias Infecciosas e parasitárias Figura 29 – Evolução da mortalidade proporcional segundo causas: Brasil, 1930 a 2009 As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) tornaram-se a principal prioridade na área da saúde no Brasil; 72% das mortes ocorridas em 2007 foram atribuídas a elas. Representam a principal fonte da carga de doença, e os transtornos neuropsiquiátricos detêm a maior parcela de contribuição. A morbimortalidade causada pelas DCNT é maior na população mais pobre. Apesar da mortalidade bruta causada pelas DCNT ter aumentado 5% entre 1996 e 2007, a mortalidade padronizada por idade diminuiu 20%. A diminuição ocorreu particularmente em relação às doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas, em conjunto com a implantação bem-sucedida de políticas de saúde que levaram à redução do tabagismo e à expansão do acesso à atenção básica em saúde (SCHMIDT et al., 2011). Todavia, a prevalência de diabetes e hipertensão está aumentando, paralelamente à prevalência de excesso de peso; esses aumentos estão associados a mudanças desfavoráveis na dieta e na 39 EPIDEMIOLOGIA atividade física. O Brasil tem posto em prática importantes políticas de prevenção das DCNT, e a mortalidade por DCNT ajustada por idade vem diminuindo 1,8% ao ano. As tendências adversas da maioria dos fatores de risco trazem um enorme desafio e demandam ações e políticas adicionais e oportunas, especialmente as de natureza legislativa e regulatória e aquelas que fornecem atenção custo-efetiva a condições crônicas para indivíduos afetados por DCNT. A figura a seguir apresenta as taxas de mortalidade das DCNT no país: 800 700 600 500 400 300 200 100 Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 19 96 19 96 19 96 19 96 19 96 20 07 20 07 20 07 20 07 20 07 M or ta lid ad e (p or 1 0. 00 0 pe ss oa s) Outras doenças Diabetes Respiratórias Câncer Cardiovasculares Figura 30 - Taxas de mortalidade por doenças não transmissíveis, por região, em 1996 e 2007 A prevalência de sobrepeso e de obesidade está aumentando; 47,3% dos homens que vivem nas capitais brasileiras estão acima do peso. Contudo, cerca de um terço das famílias afirmam não dispor de comida suficiente para se alimentar. Embora apenas 19% dos adultos, nas capitais, declarem comer quantidade suficiente de frutas e legumes (cinco porções de frutas ou suco de frutas e legumes por dia, cinco dias por semana ou mais), outros dados apontam que a qualidade da dieta da população parece estar melhorando com o tempo, mas a prática de atividade física é baixa nas capitais. A tabela a seguir apresenta a prevalência dos fatores de risco para as DCTN na população das capitais brasileiras: Tabela 3 - Prevalência dos fatores de risco para as doenças crônicas segundo estimativas do Vigitel, inquérito telefônico entre adultos residentes das capitais brasileiras, 2006 e 2010 2006 2010 Diferença Tabagismo Fumante atual 16,2% (15,4 – 17,0) 15,1% (14,2 – 16,0) -1,1% (0,02) Ex-fumante 22,1% (21,3 – 22,9) 22% ( 21,1 – 22,9) - 0,1% (0,81) Atividade física Atividade física no lazer 14,8% (14,2 – 15,5) 14,9% (14,1 – 15,8) 0,1% (0,78%) Alimentação 40 Unidade I Consumo de carnes com gorduras 39,1% (38,8 – 39,7) 34,2% (33,0 – 35,3) -4,9% (Para as neoplasias malignas, as principais localizações, no sexo masculino, foram traqueia, brônquios e pulmão, seguido de estômago, enquanto, para o sexo feminino, destacaram-se as localizações em mama, estômago e colo de útero. A figura a seguir apresenta a evolução da mortalidade de homens e mulheres para os principais tipos de neoplasias: 22 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Homens M or ta lid ad e (p or 1 00 .0 00 p es so as ) Estômago Pulmão Próstata Esôfago Colorretal 22 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 19 80 19 91 19 81 19 92 19 82 19 93 19 83 19 94 19 84 19 95 19 85 19 96 19 86 19 97 19 87 19 98 19 88 19 99 19 89 20 00 19 90 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 Mulheres M or ta lid ad e (p or 1 00 .0 00 p es so as ) Mama Colo do útero Estômago Colorretal Pulmão Figura 32 - Mortalidade para os principais locais de câncer em homens e mulheres, 1980-2006 42 Unidade I Entre as causas externas de mortalidade, destacaram-se os acidentes de trânsito por veículo a motor e homicídio por arma de fogo, sendo essa última a que apresentou as maiores taxas de crescimento no decorrer da última década, conforme dados das figuras a seguir: 60 55 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Ta xa Homens Mulheres Total Figura 33 - Mortalidade total por homicídio (por 100.00 habitantes) e por gênero, 1991-2007 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Ano 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Ta xa Centro-Oeste Brasil Norte Nordeste Sul Sudeste Figura 34 - Mortalidade nacional relacionada ao trânsito (por 100.000 habitantes) e por macrorregião, 1991-2007 A figura a seguir resume os principais fatores de risco para as doenças não transmissíveis e os níveis de prevenção: 43 EPIDEMIOLOGIA Estrutura social (nível socioeconômico) • Classe social • Idade • Sexo • Etnia • Localização geográfica • Condições de moradia • Riscos ocupacionais • Acesso a serviços • Tabagismo • Dieta • Atividade física • Fatores psicossociais • Pressão arterial • Colesterol • Obesidade • Fatores psicossociais Influências ambientais locais Estilo de vida (comportamento do indivíduo) Influências biológicas (organismo) Política de saúde pública Intervenções comunitárias e em organizações Prevenção primária e secundária Prevenção primária e secundária Doenças transmissíveis Figura 35 - Fatores de risco para as principais doenças não transmissíveis 4.4 Medidas de frequência (morbidade) A medida da morbidade, ou seja, a mensuração da frequência de eventos relacionados à saúde em populações específicas, está entre o objeto de estudo da Epidemiologia. A estimativa quantificada da morbidade pode ser uma tarefa simples e fácil, e até complexa. O termo frequência, que para o leigo tem significado muito claro – de número de vezes que um evento ocorre –, necessita ser mais bem definido em epidemiologia. Daí a distinção que se faz entre incidência e prevalência, com o intuito de separar determinados aspectos que, se não levados em conta, com o intuito de separar determinados aspectos, dificultam a comparação de frequência (PEREIRA, 2008). A morbidade de uma doença reflete o número de casos de uma doença em população de determinado território (país, estado, município, distrito municipal, bairro), em dado intervalo do tempo. É definida como o comportamento das doenças e dos agravos à saúde em uma população, e é frequentemente estudada utilizando-se de quatro indicadores básicos: incidência e prevalência; indicadores amplamente utilizados; taxa de ataque e de distribuição proporcional. 4.4.1 Incidência e prevalência A incidência de uma doença, em determinado local e período, é o número de casos novos dela surgidos no mesmo local e período. Alta incidência significa alto risco coletivo de adoecer. Segundo Pereira (2008), incidência é o termo utilizado para se referir aos casos novos de uma doença e prevalência dos casos existentes desta. 44 Unidade I A incidência e a prevalência expressam a relação entre casos e a população, mas medem aspectos diferentes da morbidade. A incidência denota a intensidade com que acontece uma doença numa população e mede a frequência ou probabilidade de ocorrência de casos novos dela na população. Reflete também a dinâmica com que os casos aparecem no grupo; por exemplo, permite conhecer em um grupo de sadios quantos se tornam doentes em determinado período de tempo ou quantos evoluíram ao óbito na mesma situação. A prevalência mede a proporção da população que apresenta a doença, por isso representa o estoque de casos, e também depende diretamente da incidência (casos novos). E também aumenta com os casos novos e decresce com o número de cura e óbitos. As doenças crônicas, que não têm cura e podem ser prolongadas em decorrência da melhoria do tratamento médico, implicam o aumento do número de casos da doença na população e, consequentemente, na taxa de prevalência. Em contrapartida, as condições de evolução aguda de uma doença, ou as rapidamente fatais, apresentam baixa prevalência na população. Lembrete Para ficar mais fácil a compreensão entre incidência e prevalência: incidência é como se fosse um “filme” sobre a ocorrência da doença, é dinâmica, diferindo da “prevalência”, que analisa apenas a situação instantânea ou momentânea da doença, é estática. Prevalência Básica Prevalência Aumentada Incidência (casos novos) Prevalência Mortes e cura Incidência Figura 36 – Fatores que contribuem para o aumento da prevalência Figura 37 – Eventos que influenciam na prevalência de doenças . 45 EPIDEMIOLOGIA Mortes e cura Prevalência Básica Prevalência Diminuída Figura 38 – Fatores que contribuem para a diminuição da prevalência Cálculo do coeficiente de incidência Número de casos novos em um determinado período X Constante Número de pessoas expostas ao risco no mesmo período Cálculo do coeficiente de prevalência Número de casos existentes em uma população X Constante População exposta ao risco Quadro 1 – Diferenças entre incidência e prevalência Incidência Prevalência Numerador Número de novos casos de doença durante um período específico de tempo. Número de casos existentes (novos e velhos) de uma doença em um ponto do tempo. Denominador População em risco. População em risco. Foco Se o evento é um novo caso; tempo de início da doença. Presença ou ausência de doença; o período de tempo é arbitrário, pode ser um curto espaço de tempo. Utilização Expressa o risco de tornar-se doente; é a principal medida para doenças ou condições agudas, mas pode, também, ser utilizada para doenças crônicas; mais útil em estudos de causalidade. Estima a probabilidade de a população estar doente no período do tempo em que o estudo está sendo realizado; mais útil em estudos que visam determinar a carga de doenças crônicas em uma população e suas implicações para os serviços de saúde. Fonte: OMS (2010). Letalidade: mede a severidade de uma doença, ou seja, quanto mais grave é a doença, maior a taxa de letalidade. É definida como a proporção de mortes entre aqueles doentes por uma causa específica em certo período de tempo. Letalidade (%) = Número de mortes de determinada doença em certo período X 100 Número de doentes por determinada doença no mesmo período 46 Unidade I 4.5 Processo epidêmico: epidemia e doenças endêmicas De acordo com Rouquayrol e Almeida Filho (2003), certa doença em relação a uma população, que atinja ou possa vir a atingir, pode ser qualificada como presente em nível endêmico, em nível epidêmico, com casos esporádicos ou inexistente. Epidemia não significa obrigatoriamente um número elevado de casos de uma mesma doença, assim como o entendimento de que um único caso de determinada doença não possa ser classificadocomo epidemia. Entre os exemplos dessas situações, citamos os 241 casos de coqueluche ocorridos na Bahia no ano 2000 que não foram tidos como uma epidemia. Tal fato é explicado quando se conhece a situação epidemiológica local. A Bahia teve de 63 a 1.300 casos da doença/ano registrados nos anos que antecederam essa situação. E, na contramão desse fato, um único caso pode ser tido como epidêmico, como o que aconteceu nos anos 1990 em um município brasileiro, ao identificar o primeiro caso de cólera, sendo acionada a saúde pública para combater o surto. Segundo a OMS (2010), epidemia é a situação em que o número de casos de uma doença supera o número de casos esperado. Para caracterizar uma epidemia é importante especificar o período (dias, semanas ou meses), a região geográfica e outras particularidades da população em que os casos ocorreram. O número de casos também é variável, e vai depender de vários fatores, como o agente que está causando a doença, o tamanho, o tipo e a suscetibilidade da população exposta, além do momento e do local da ocorrência da doença. Para a identificação de uma epidemia, deve-se realizar uma análise da frequência usual da doença na região, no mesmo grupo populacional, durante a mesma estação do ano. Ao contrário do que muitas pessoas acreditam, um pequeno número de casos de uma doença pode ser considerado uma situação de epidemia, desde que essa situação não tenha ocorrido anteriormente na região. Como exemplo, citamos a Aids. Os primeiros casos identificados, em quatro jovens homossexuais do sexo masculino, foram devido à ocorrência de pneumonia por Pneumocystis carinii, sendo que anteriormente já havia sido associada ao sistema imunológico comprometido. Chamou a atenção também a ocorrência crescente de casos de Sarcoma de Kaposi, um tipo de câncer de pele que acomete pacientes imunocomprometidos, que ocorreu em Nova York e foi caracterizada como surto. 100 80 60 40 20 0 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 Ano N º d e ca so s Figura 39 – Casos de sarcoma de Kaposi em Nova York 47 EPIDEMIOLOGIA A OMS criou a Rede Mundial de Alerta e Resposta a Surtos Epidêmicos (Goarn, sigla em inglês para Global Outbreak Alert and Response Network), uma rede de colaboração de diferentes instituições que une recursos humanos e técnicos para a rápida identificação, confirmação e resposta a surtos de importância internacional. Esta contribui para a segurança da saúde global e tem entre seus objetivos combater a dispersão internacional de surtos; assegurar que uma apropriada assistência técnica alcance rapidamente as regiões afetadas; e contribuir para a preparação da resposta às epidemias e ao aumento da capacidade no longo prazo. Todos os países são obrigados a informar a Organização Mundial da Saúde os casos de doenças potenciais à saúde pública, de acordo com os termos do Regulamento Sanitário Internacional (OMS, 2010). Segundo o CDC, Center for Disease Control and Prevention, para entendermos alguns conceitos em epidemiologia, é importante revermos como os surtos ocorrem. Temos alguns termos que são comumente usados, mas muitas vezes incompreendidos, como epidemia ou surto. Uma epidemia é a ocorrência de mais casos de doença do que seria normalmente esperado em um lugar específico ou grupo de pessoas por um período determinado de tempo. Para um epidemiologista, ao utilizar o termo foco, está se referindo basicamente ao aumento no número de casos, portanto, é a mesma coisa dizer surto ou epidemia. Na mente do público, no entanto, epidemia tem uma conotação muito mais grave do que surto. Por essa razão, surto é frequentemente usado para evitar sensacionalismo. Além desses, dois outros termos muito utilizados são endemia, ou seja, taxa elevada de incidência ou prevalência da doença, e pandemia, que significa doença muito difundida, muitas vezes global (CDC, 2012). Observação O Regulamento Sanitário Internacional tem objetivo de garantir a proteção contra a dispersão de doenças entre países, minimizando a interferência sobre o comércio e as viagens internacionais. Esse documento existe desde 1969 e foi criado com a intenção de controlar quatro doenças infecciosas: cólera, praga, febre amarela e varíola (já erradicada no mundo). 4.6 Investigação e controle de epidemias Segundo a OMS (2010), a investigação de uma epidemia de doença transmissível visa a identificar a causa da epidemia, bem como a melhor maneira de controlá-la. Para tanto, a condução da investigação e do controle da epidemia deverá ser sistemática e detalhada, envolvendo os seguintes passos, que poderão ser realizados sequencialmente ou simultaneamente: • investigação – verificar o diagnóstico dos casos suspeitos, confirmar a epidemia e formular hipóteses sobre a fonte e disseminação da doença, e, se possível, realizar as primeiras intervenções. • identificação e notificação dos casos – criar uma definição clara do que vem a ser um caso. • coleta e análise dos dados – coletar informações detalhadas de pelo menos uma amostra dos casos é importante, assim como a contagem criteriosa de todos os casos para permitir uma descrição completa da extensão da epidemia. 48 Unidade I • manejo e controle – o manejo envolve o tratamento dos casos, prevenindo a propagação da doença e a monitoração dos efeitos das medidas de controle. A imunização é uma ferramenta poderosa no controle e manejo das doenças infecciosas. Os programas de vacinação sistemática podem ser muito efetivos. Por exemplo, na década de 1980, a maioria dos países da América Latina incorporou a vacinação contra o sarampo nos seus programas de imunização, e muitos fizeram campanhas de vacinação com o objetivo de vacinar todas as crianças e interromper a transmissão do sarampo. Doenças endêmicas – de acordo ainda com a OMS (2010), as doenças transmissíveis tidas como endêmicas são aquelas que apresentam um padrão de ocorrência relativamente estável, com elevada incidência ou prevalência em uma mesma área geográfica ou grupo populacional, podem se tornar epidêmicas se houver mudanças nas condições do hospedeiro, do agente ou do ambiente. A malária, por exemplo, representa um dos principais problemas de saúde em países tropicais de baixa renda. Saiba mais O livro Pandemias, escrito pelo médico infectologista Stefan Cunha Ujvari, examina a história de epidemias globais e avalia a possibilidade de o fenômeno se repetir no futuro. Esse autor também escreveu outros livros sobre essa questão: A história da humanidade contada pelos vírus, A história e suas epidemias, Meio ambiente e epidemias e perigos ocultos nas paisagens brasileiras. Resumo A saúde pública tem como missão proteger a saúde das populações, e a Epidemiologia é sua aliada nessa tarefa, tendo como objetivos identificar o agente causal ou os fatores relacionados à causa dos agravos à saúde; definir os modos de transmissão das doenças; identificar e explicar os padrões de distribuição geográfica das doenças; estabelecer os métodos e as estratégias de controle dos agravos à saúde; estabelecer medidas de prevenção; descrever os aspectos clínicos das doenças e sua história natural; identificar fatores de risco de uma doença e grupos de indivíduos que apresentam maior risco de serem atingidos por determinado agravo; avaliar a resposta das instituições de saúde às necessidades das populações; testar a eficácia e o impacto de estratégias de intervenção, a qualidade, o acesso e a disponibilidade dos serviços de saúde para controlar, prevenir e tratar os agravos de saúde na comunidade. 49 EPIDEMIOLOGIA O modo como o processo saúde-doença foi compreendido na história da humanidade pode ser dividido por fases, nas quais predominava determinado paradigma: estatística sanitária/paradigma miasmático: a doença na população era atribuída às emanações/miasmas da matéria orgânica na água, no ar e no solo. O controle da doença na população estava concentrado no saneamento e na drenagem; epidemiologia das doençasinfecciosas/paradigma microbiano: as descobertas de Koch definiram que a doença na população era atribuída a um agente microbiano, único e específico pela doença, que se reproduzia e se isolava em condições experimentais. O controle da doença na população foi focado na interrupção da transmissão e na propagação do agente; epidemiologia de doenças crônicas/paradigma dos fatores de risco: a doença na população é atribuída à interação pela exposição e/ou à suscetibilidade dos indivíduos a múltiplos fatores de risco. O controle da doença é focado na redução dos riscos individuais de adoecer por meio de intervenções sobre os estilos de vida. A história natural da doença pode ser dividida em dois períodos: a) pré-patogênico ou pré-patogênese: são importantes as definições dos fatores determinantes, que podem estar intrinsecamente relacionados com a probabilidade de risco do desenvolvimento de doenças ou agravos em saúde; b) período patogênico: corresponde ao desenvolvimento da doença. Os níveis de prevenção são diferentes, de acordo com os períodos de desenvolvimento da doença, e dividem-se em: primordial, primário, secundário e terciário. No período pré-patogênico, a prevenção primária constitui-se de medidas de promoção à saúde e proteção específica. No período patogênico, a prevenção secundária objetiva diagnosticar/ instaurar tratamento precoce para limitar dano, e a prevenção terciária visa à reabilitação. Os determinantes sociais em saúde são as condições em que as pessoas vivem e trabalham. Atuar sobre esses determinantes é a forma mais justa para melhorar a saúde das pessoas. Receber cuidado de saúde adequado é essencial, mas há fatores que podem afetar a saúde das pessoas, como nível socioeconômico, condições de moradia, risco ocupacional, que precisam ser abordados a fim de que o bem-estar seja alcançado. Os coeficientes e as taxas mais utilizados em saúde pública, para avaliar o estado de saúde de uma população, são: coeficiente de mortalidade geral; coeficiente de mortalidade por sexo; coeficiente de mortalidade por idade; coeficiente de mortalidade por causa; coeficiente de mortalidade materna; coeficiente de mortalidade infantil; coeficiente de mortalidade infantil precoce (neonatal); coeficiente de mortalidade neonatal tardia; 50 Unidade I mortalidade proporcional por causas; mortalidade proporcional de 50 anos ou mais; coeficiente de letalidade (ou fatalidade); razão de mortalidade proporcional (RMP) ou indicador de Swaroop-Uemura ou RMP. Condições ambientais e sociais desfavoráveis podem, também, resultar em comportamentos adversos, os quais favorecem a atuação dos principais fatores de risco sobre as doenças crônicas não transmissíveis. O país está passando por uma transição demográfica acelerada: redução dos níveis de fecundidade/mortalidade, formato triangular com base alargada (2005) cederá lugar (2030) à pirâmide com parte superior mais larga, típica de sociedades envelhecidas (crescente incremento das condições crônicas). Junto com a situação epidemiológica de tripla carga de doenças: superposição de etapas – persistência concomitante de doenças infecciosas/ carências (agenda não concluída de infecções, desnutrição e problemas de saúde reprodutiva); doenças crônicas (tabagismo, sobrepeso, inatividade física, uso excessivo de álcool e outras drogas, alimentação inadequada); doenças reemergentes (dengue, febre amarela); e forte crescimento das causas externas. A morbidade é definida como o comportamento das doenças e dos agravos à saúde em uma população. Entre os indicadores de morbidade mais utilizados, estão a incidência, que se refere aos casos novos de uma doença, e a prevalência, que se refere aos casos existentes da doença. As doenças ou os agravos à saúde em uma população podem estar presentes em nível endêmico, epidêmico, com casos esporádicos ou inexistentes. Epidemia é a situação em que o número de casos de uma doença supera o número de casos esperado; endemia refere-se às doenças que apresentam um padrão de ocorrência relativamente estável, com elevada incidência ou prevalência, em uma mesma área geográfica ou grupo populacional. Exercícios Questão 1. (Idecan 2014) A mortalidade materna é um bom indicador de saúde. A partir das análises das condições de óbitos de mulheres, pode-se avaliar o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade. Para elaborar o cálculo desse indicador de saúde, o número de óbitos de mulheres em decorrência de situações associadas à gravidez deve ser dividido pelo(a): A) Total de óbitos. B) População local. 51 EPIDEMIOLOGIA C) Número de nascidos vivos. D) Total de óbitos de população adulta. E) Número de habitantes da macrorregião de saúde. Resposta correta: alternativa C. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: o total de óbitos geralmente é dividido pelo total de doenças (letalidade). B) Alternativa incorreta. Justificativa: a população local é avaliada quando há novos casos de doenças. C) Alternativa correta. Justificativa: em 1994, a Organização Mundial de Saúde (CID-10) definiu morte materna como “a morte das mulheres durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gravidez, devida a qualquer causa ou agravada pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela, porém não devida a causas acidentais ou incidentais”. A razão da mortalidade materna relaciona apenas mortes maternas diretas e indiretas com o número de nascidos vivos e é expressa por 100.000 nascidos vivos. D) Alternativa incorreta. Justificativa: a taxa de mortalidade entre adultos é definida como a probabilidade de morrer entre as idades de 15 e 60 anos para cada 1.000 pessoas. A taxa de mortalidade adulta é uma forma de avaliar diferenças no nível de saúde da faixa etária de maior atividade econômica – população economicamente ativa (PEA) – entre diferentes países. E) Alternativa incorreta. Justificativa: o número de habitantes da macrorregião de saúde é verificado para fazer um controle de saúde, de vacinação ou de determinada doença epidemiológica. 52 Unidade I Questão 2. (Idecan 2014) Numa doença de alta mortalidade, qual efeito a incorporação de um novo tratamento que evita a morte (porém não leva à cura nem interfere no surgimento de novos casos) produz sobre a prevalência de uma doença? A) Triplicaria. B) Diminuiria. C) Aumentaria. D) Não seria afetada. E) Reduziria pela metade. Resposta correta: alternativa C. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: a prevalência pode aumentar com o aumento da incidência ou pela migração de grupos nos quais essa doença seja muito prevalente. B) Alternativa incorreta. Justificativa: os fatores que podem diminuir a prevalência de uma doença são: menor duração da doença; diminuição da incidência; maior letalidade; imigração de pessoas sadias ou emigração de casos; aumento da taxa de cura. C) Alternativa correta. Justificativa: os fatores que podem aumentar a prevalência de uma doença são: maior duração da doença; aumento da incidência; aumento da sobrevida sem cura; imigração de casos ou emigração de pessoas sadias; melhoria dos recursos diagnósticos; melhoria do sistema de informação. D) Alternativa incorreta. Justificativa: seria afetada. E) Alternativa incorreta. Justificativa: aumentaria por não haver cura.58 5.1.5 Modo de transmissão ......................................................................................................................... 59 5.1.6 Vias de penetração ................................................................................................................................. 62 5.2 Aspectos estruturais e funcionais na prevenção e na exposição às doenças ............ 62 5.3 Conceitos e tipos de imunidade ..................................................................................................... 64 5.4 Contexto epidemiológico das doenças infecciosas transmissíveis ................................ 68 5.4.1 Doenças transmissíveis com tendência descendente .............................................................. 70 5.4.2 Doenças transmissíveis com quadro de persistência .............................................................. 75 5.4.3 Doenças transmissíveis emergentes e reemergentes ............................................................... 83 5.5 Vigilância epidemiológica ................................................................................................................ 90 5.5.1 Notificação e controle de doenças .................................................................................................. 92 5.5.2 Doenças de notificação compulsória ............................................................................................ 95 6 A EPIDEMIOLOGIA EM DIVERSAS ÁREAS ............................................................................................108 6.1 Vigilância Sanitária ............................................................................................................................108 6.2 Epidemiologia Molecular ................................................................................................................111 6.3 Epidemiologia Clínica .......................................................................................................................112 6.4 Epidemiologia Ambiental e Saúde Ocupacional ....................................................................112 Unidade III 7 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM SAÚDE (SIS) ...................................................................................120 7.1 Programa nacionais ...........................................................................................................................122 7.2 Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa) .................................................133 7.3 Classificação Internacional de Doenças, Traumatismos e Causas de Morte (CID) ............... 134 8 PESQUISA EPIDEMIOLÓGICA ....................................................................................................................139 8.1 Orientações gerais sobre o estudo .............................................................................................139 8.2 Projeto de pesquisa ..........................................................................................................................143 8.3 Análise dos dados .............................................................................................................................144 8.4 Estudos epidemiológicos .................................................................................................................146 8.4.1 Estudo observacional ......................................................................................................................... 146 8.4.2 Estudo transversal (ou de prevalência) ...................................................................................... 147 8.4.3 Estudo de coorte .................................................................................................................................. 147 8.4.4 Estudo caso-controle ......................................................................................................................... 148 8.4.5 Estudo experimental ou de intervenção ................................................................................... 149 8.4.6 Estudos ecológicos ...............................................................................................................................151 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina consiste no estudo dos fundamentos teóricos, dos métodos e das técnicas relacionados à epidemiologia e sua importância para o desenvolvimento das atividades do profissional de saúde, enfatizando a necessidade do uso do conhecimento do perfil epidemiológico da população e dos principais determinantes do processo saúde-doença, com o enfoque de risco, para a adequação da assistência à saúde. INTRODUÇÃO A figura a seguir trata da distribuição dos casos da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), causada pelos agentes etiológicos influenza H1N1 e influenza sazonal com relação a 2009: 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Pe rc en tu al (% ) Faixa etária (anos) Influenza A (H1N1) (n = 7.953) Influenza sazonal (n = 1.062) 603 a 4 5 a 14 15 a24 25 a 29 30 a 49 50 a 59 Figura 1 - Distribuição por faixa etária entre casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) com influenza, até a semana epidemiológica 35 MS alerta sobre condutas frente a casos de gripe O Ministério da Saúde alerta os profissionais de saúde para a chegada do inverno, no dia 22 de junho, época em que se intensifica a circulação dos vários subtipos do vírus da influenza, exigindo atenção redobrada para as medidas de vigilância epidemiológica e de assistência apropriadas. Particularmente, é preciso esclarecer bem e implantar as recomendações do Ministério sobre possíveis casos de influenza pelo subtipo do vírus de influenza A/H1N1 2009. O subtipo do vírus de influenza denominado A/H1N1 2009 surgiu no início daquele ano, no México, e foi responsável pela pandemia de influenza registrada naquele ano. Em agosto de 2010, com base nos dados epidemiológicos registrados, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia como encerrada. Uma pandemia ocorre quando aparece um subtipo completamente novo do vírus da influenza. Nessa situação, como toda a população é suscetível, há uma disseminação rápida desse novo subtipo. No século 8 Unidade I passado, esse fenômeno ocorreu três vezes, em 1918, 1957 e 1968. Na pandemia de 2009, a grande maioria dos casos foi leve, com cura espontânea, sem complicações. Entretanto, em alguns casos, houve a ocorrência de casos graves, principalmente em alguns grupos como gestantes, crianças pequenas, idosos, obesos e portadores de doenças crônicas. Mesmo com o fim da pandemia, o subtipo A/H1N1 2009 continua circulando no mundo inteiro, agora produzindo apenas surtos localizados, porque a maioria das pessoas já está protegida contra ele, seja porque tiveram a infecção natural em 2009 (estima-se que até 30% da população pode ter tido influenza pelo subtipo A/H1N1 2009) ou porque se vacinaram nas campanhas realizadas em 2010, 2011 e 2012. Esses surtos vêm ocorrendo em praticamente todos os países do mundo, e também no Brasil. Para responder a essa situação, a OMS manteve esse subtipo entre os três que fazem parte da composição da vacina contra a influenza, protegendo os grupos mais vulneráveis às complicações, como as mulheres grávidas, as crianças menores de 2 anos e os idosos. Em nosso país, a campanha de influenza para o inverno de 2012, recentemente realizada, atingiu cobertura acima de 80%, uma das mais altas do mundo”. Fonte: Brasil (2012). O texto anterior retrata a expansão dos riscos, das doenças e dos problemas sanitários junto com a necessidade de agir, coletiva e coordenadamente, em prol da saúde das populações. Nesse contexto, a epidemiologia surge como ciência relevante para respaldar as ações em saúde. Nossas ações de saúde, preventivas e/ou curativas, conseguem melhorar a saúde da população? Prezado aluno, analisar todas as etapas epidemiológicas que subsidiaram as ações da OMS e do Ministérioda Saúde, no caso do surto pelo vírus da Influenza A/H1N1, bem como compreender o gráfico que vimos há pouco e vários conceitos utilizados no texto (vigilância epidemiológica, pandemia, surtos, população suscetível, disseminação, casos, dados epidemiológicos, vacina) e/ou ter subsídios teóricos para responder à questão acima, é o que pretendemos desenvolver neste livro-texto. 9 EPIDEMIOLOGIA Unidade I 1 A HISTÓRIA DA EPIDEMIOLOGIA, DOS PRIMÓRDIOS À ATUALIDADE De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde/Opas (2010), a história da epidemiologia pode ser dividida em três fases distintas (estatística sanitária/paradigma miasmático; epidemiologia das doenças infecciosas/paradigma microbiano; epidemiologia de doenças crônicas/paradigma dos fatores de risco), de acordo com o paradigma científico predominante. Embora não se excluam totalmente, há na contemporaneidade uma tendência de associação de fases com a inclusão de novos conhecimentos científicos. Saiba mais Para saber mais sobre os fatores de risco individuais, acesse o estudo Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (Vigitel), o qual aborda, especificamente, hábito de fumar, presença de excesso de peso ou de obesidade, características do padrão de alimentação e da atividade física, consumo abusivo de bebidas alcoólicas, autoavaliação do estado de saúde, referência a diagnóstico médico de hipertensão arterial, diabetes e asma (incluindo também bronquite asmática, bronquite crônica ou enfisema), proteção contra radiação ultravioleta e realização de mamografia e citologia oncótica para detecção de câncer de colo de útero. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/vigitel_2010.pdf. Acesso em: 16 set. 2019. Importantes estudiosos contribuíram para o desenvolvimento da Epidemiologia, como: Hipócrates – há mais de dois mil anos, realizou observações de que os fatores ambientais influenciavam a ocorrência de doenças. Foi o primeiro a quantificar os padrões da natalidade, da mortalidade e da ocorrência de doenças, identificando a existência de diferenças entre os sexos, a distribuição urbano-rural, a elevada mortalidade infantil e as variações sazonais. São também atribuídas a ele as primeiras estimativas de população e a elaboração de uma tábua de mortalidade. Tais trabalhos conferem-lhe o mérito de ter sido o fundador da bioestatística e um dos precursores da epidemiologia (BARATA, 1998). 10 Unidade I William Petty (1648) – um dos pioneiros no estudo quantitativo dos fenômenos sociais, inclusive dos problemas sociais da saúde e da doença, criando o que ele denominava de “aritmética política” (OPAS, 2010). John Graunt (1662) – realizou estudos sobre as leis da mortalidade, relatando as diferenças da mortalidade entre gêneros, regiões urbanas e rurais, grupos etários, estações do ano etc.; construiu as primeiras tábuas de vida, com base na experiência de mortalidade da população de Londres (OPAS, 2010). James Lind (1747) – investigou as causas do escorbuto e sugeriu as potencialidades da análise cartesiana na elucidação causal (OPAS, 2010). Daniel Bernouilli (1760) – aperfeiçoou a construção das tábuas de vida de Graunt, utilizando conhecimentos matemáticos e estatísticos e o cálculo da esperança de vida para avaliar o impacto da vacinação antivariólica sobre a população (OPAS, 2010). Johann Peter Frank (1766) – propôs, na Alemanha, a criação de uma “polícia médica” para fazer cumprir legalmente a política de saúde. A vigilância foi reconhecida como parte integral do fornecimento de saúde para a população; essa proposta teve grande impacto nos países vizinhos (OPAS, 2010). Louis Villermé (1826) – realizou estudo sobre a mortalidade dos operários industriais e as condições de trabalho nas fábricas (BARATA, 1998). Pierre Charles Alexandre Louis (1836) – introduziu o método estatístico na investigação da doença para avaliar a eficácia de tratamento clínico e estudos de morbidade na Inglaterra (OPAS, 2010). William Farr (1838) – estabeleceu, na Inglaterra, a certificação médica universal de óbitos e fundou as bases para um sistema moderno de vigilância (OPAS, 2010). Ignaz Philipp Semmelweiss (1843) – sugeriu em seu livro A contagiosidade da febre puerperal que a febre puerperal fosse uma doença contagiosa transmitida pelas mãos e pelos aventais sujos dos médicos que atendiam os pacientes, ao afirmar “a febre puerperal é causada pela condução, à mulher grávida, de partículas pútridas, derivadas de organismos vivos, pela mediação dos dedos dos examinadores” (BRASIL, 2000). Lemuel Shattuch (1850) – EUA recomendaram a execução de um censo decenal, com a padronização da nomenclatura de doenças e causas de morte e a coleta de dados de saúde por idade, sexo, ocupação, localidade e nível socioeconômico (OPAS, 2010). John Snow (1854) – realizou estudo sobre o risco de contrair cólera em Londres, relacionando a doença ao consumo de água proveniente de determinada companhia. Ele identificou o local de moradia de cada pessoa que morreu por cólera entre 1848-49 e 1853-54, notando evidente associação entre a origem da água utilizada para beber e as mortes ocorridas. A partir disso, comparou o número de óbitos por essa moléstia em áreas abastecidas por diferentes companhias e verificou que a taxa de mortes foi 11 EPIDEMIOLOGIA mais alta entre as pessoas que consumiam água fornecida pela companhia Southwark. Baseado nessa investigação, construiu a teoria sobre a transmissão das doenças infecciosas em geral e sugeriu que a cólera era disseminada por meio da água contaminada, propondo dessa forma melhorias no suprimento de água, mesmo antes da descoberta do micro-organismo causador da doença; além disso, sua pesquisa teve impacto direto sobre as políticas públicas de saúde, visando à melhora do saneamento; por isso é considerado o pai da epidemiologia (BONITA et al., 2010). No século XIV, em Veneza, ocorreu o estabelecimento do conceito de quarentena. Foram designados três guardiões da saúde pública para detectar casos de peste e deter por quarenta dias os barcos com pessoas infectadas a bordo, a fim de evitar a disseminação da epidemia. A tabela e a figura a seguir ilustram o estudo de John Snow: Tabela 1 Distritos, segundo a companhia responsável pelo abastecimento de água População (censo de 1851) Mortes por cólera Taxa de óbitos por cólera por 1.000 habitantes Somente Southwark & Vauxhall 167.654 844 5,0 Somente Lambeth 19.133 18 0,9 Ambas as companhias 300.149 652 2,2 Fonte: Waldman; Rosa (1998). Fuentes de suministro de água Muertes de cólera 0 metros 200 Figura 2 12 Unidade I 1877/1887 – Louis Pasteur descobriu três bactérias causadoras de doenças – estafilococos, estreptococos e pneumococos. 1963 – Alexander Langmuir promoveu o conceito moderno de vigilância, com ênfase no monitoramento das condições de saúde da população. 1965 – a OMS estabeleceu, em Genebra (Suíça), a primeira unidade de vigilância epidemiológica. Desde 1970, a OMS expandiu a vigilância para incluir uma gama mais ampla de problemas de saúde pública. Em 1980, utilizou a vigilância como guia para os programas de erradicação da varíola (OPAS, 2010). 1992 – o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA desenvolveu o conceito amplo de vigilância em saúde pública (OPAS, 2010). 2 CONCEITOS E APLICAÇÕES DA EPIDEMIOLOGIA Segundo Bonita et al. (2010, p. 4), “a palavra ‘epidemiologia’ é derivada das palavras gregas: epi ‘sobre’, demos ‘povo’ e logos ‘estudo’”. De forma simplista, poderíamos conceituá-la como o estudo das doenças e suas causas. Contudo, a epidemiologia vai além, ela pode ser mais bem conceituada como o estudo que inclui a vigilância, a observação, o teste de hipóteses e pesquisas analíticas e experimentais, que analisa a distribuição quanto ao tempo, pessoas, lugares e grupos de indivíduos afetados, sobre os fatores determinantes do estado de saúde(biológicos, químicos, físicos, sociais, culturais, econômicos, genéticos e comportamentais). Os estados ou eventos de saúde estão relacionados com as doenças, as causas de óbito, os hábitos comportamentais, os aspectos positivos em saúde, as reações a medidas preventivas, a utilização e a oferta de serviços de saúde, entre outros. A população inclui todos os indivíduos com características específicas (crianças, adultos, mulheres etc.) e tem por objetivo promover, proteger e restaurar a saúde pública. Dessa forma, o enfoque epidemiológico considera que a doença na população não ocorre por acaso nem está distribuída de forma homogênea. Há fatores associados que, para serem causais, cumprem com os seguintes critérios: temporalidade (toda causa precede a seu efeito, o chamado princípio do determinismo causal); força de associação; consistência da observação; e a especificidade da causa, o gradiente biológico (efeito dose-resposta) e a plausibilidade biológica. O enfoque epidemiológico também considera que a doença na população é um fenômeno dinâmico e sua propagação depende da interação entre a exposição e a suscetibilidade dos indivíduos e grupos constituintes na população aos fatores determinantes da presença da doença (OPAS, 2010). Os fatores de risco referem-se aos aspectos de hábitos pessoais ou de exposição ambiental, que estão associados ao aumento da probabilidade de ocorrência de alguma doença. Uma vez que os fatores de risco podem ser modificados, as medidas que os atenuem podem diminuir a ocorrência de doenças. O impacto dessas intervenções pode ser determinado por meio de medidas repetidas, utilizando-se os mesmos métodos e definições (BONITA et al., 2010). 13 EPIDEMIOLOGIA Os agentes podem ser infecciosos ou não infecciosos e são necessários, mas nem sempre suficientes, para causar a doença. Os agentes não infecciosos podem ser químicos ou físicos. Os fatores do hospedeiro são os que determinam a exposição de um indivíduo, sua suscetibilidade e capacidade de resposta e suas características de idade, grupo étnico, constituição genética, gênero, situação socioeconômica e estilo de vida. Por último, os fatores ambientais englobam o ambiente social, físico e biológico (OPAS, 2010). Por algum tempo, prevaleceu a ideia de que a Epidemiologia restringia-se ao estudo de epidemias de doenças transmissíveis. Na atualidade, é reconhecido que essa ciência trata de qualquer evento relacionado a saúde ou a doença da comunidade. Suas aplicações variam desde a descrição das condições de saúde da população, da investigação dos fatores determinantes de doenças, da avaliação do impacto das ações para alterar a situação de saúde até a avaliação da utilização dos serviços de saúde, incluindo custos de assistência. Assim, a Epidemiologia contribui para o melhor entendimento da saúde da população e parte do conhecimento profundo das causas e dos fatores que a determinam, gerando subsídios para o planejamento a fim de prevenir e controlar as doenças. A figura a seguir apresenta os principais fatores determinantes do processo saúde-doença: Fatores socioeconômico, cultural, político e ambiental Incluindo: – Globalização – Urbanização – Envelhecimento populacional Fatores de riscos comuns modificáveis – Tabagismo – Consumo abusivo de álcool – Dieta não sudável – Sedentarismo Fatores de risco não modificáveis – Idade – Sexo – Dieta não sudável – Hereditariedade Fatores de risco intermediários – Elevação da pressão sanguínea – Elevação da glicemia – Sobrepeso/obesidade Principais doenças crônicas – Doença cardíaca – Acidente vascular cerebral – Câncer – Diabetes – Doença respiratória crônica Figura 3- Determinantes subjacentes da saúde e seu impacto sobre as doenças crônicas Segundo Bonita et al. (2010), as aplicações da epidemiologia ao longo do tempo têm sido marcadas por uma história de sucessos. Listamos a seguir alguns exemplos práticos de sua contribuição para a saúde da população: • identificação de medidas sanitárias apropriadas para serem adotadas em saúde pública, para prevenção de doenças de veiculação hídrica, por meio dos estudos de John Snow de 1848-54; • o bócio e o cretinismo foram inicialmente descritos há cerca de quatrocentos anos. Contudo, os efeitos profiláticos e terapêuticos do sal iodado fizeram que fosse introduzido somente em 1924, em larga escala em vários países. 14 Unidade I • identificação da causa e do controle da doença de Minamata, conhecida como uma das primeiras epidemias causadas pela poluição ambiental, na década de 1950. Compostos de mercúrio foram liberados na água de uma indústria em Minamata, no Japão, o que levou à acumulação de metilmercúrio nos peixes, envenenando as pessoas que os ingeriram. Foi observado que a maioria dos 121 pacientes com a doença residiam próximo à baía de Minamata e pertenciam a famílias que tinham como ocupação a pesca e alimentação à base de peixe. Concluiu-se que algo presente nos peixes causava o envenenamento e que a doença não era transmissível nem geneticamente determinada; • a descoberta do poder carcinogênico do tabaco, por meio dos estudos de Richard Doll e Andrew Hill em 1950; • associação da febre reumática e a doença cardíaca reumática com o baixo nível socioeconômico, particularmente, e habitações precárias e aglomeração familiar, situações essas que favorecem a disseminação de infecções estreptocócicas das vias aéreas superiores; • erradicação da varíola no mundo, em 8 de maio de 1980. Quando o programa de erradicação foi proposto pela OMS em 1967, de 10 a 15 milhões de novos casos e 2 milhões de mortes ocorriam anualmente em 31 países. A imagem a seguir é do agente etiológico da varíola, um vírus do DNA do gênero Orthopoxvirus, da subfamília Chordopoxvirinae, da família Poxviridae. Trata-se de um dos vírus mais resistentes aos agentes físicos (BRASIL, 2012). Figura 4 • a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) é uma das maiores epidemias infecciosas já registradas na história da humanidade. Foi identificada, inicialmente, como uma doença completamente distinta em 1981, nos EUA. Em 1990, foi estimado que 10 milhões de pessoas estivessem infectadas pelo vírus da imunodeficiência adquirida (HIV). Desde essa época, 25 milhões de pessoas morreram de Aids e mais 40 milhões foram infectadas pelo HIV. A Epidemiologia tem agido ativamente na sua prevenção, por meio do controle de qualidade do sangue doado, do incentivo à prática de sexo seguro, do tratamento de outras doenças sexualmente transmissíveis, da proibição do compartilhamento de seringas e da prevenção da transmissão do vírus da mãe para a criança pela administração de drogas antirretrovirais. O gráfico a seguir apresenta a curva de mortalidade da doença no país: 15 EPIDEMIOLOGIA 10,0 9,0 8,0 7,0 6,0 5,0 4,0 3,0 2,0 1,0 0,0 Co efi ci en te d e m or ta lid ad e Ano de óbito Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 2000 2002 2004 2006 20082001 2003 2005 2007 2009 2010 Figura 5 • com o aumento da expectativa de vida, a incidência de fratura de quadril tenderá a aumentar proporcionalmente, os esforços serão dirigidos à prevenção de acidentes nessa população; De forma sucinta, as atividades desenvolvidas pela Epidemiologia podem ser assim agrupadas: • vigiar as tendências de mortalidade, morbidade e risco e monitorar a efetividade dos serviços de saúde; • identificar determinantes, fatores e grupos de risco na população; • priorizar problemas de saúde na população; • proporcionar evidências para a seleção racional de políticas, intervenções e serviços de saúde, bem como para a alocação eficiente de recursos; • avaliar medidas de controle e intervenções sanitárias e respaldar o planejamento dos serviços de saúde (OPAS, 2010, p. 30). 3 HISTÓRIA NATURAL DA DOENÇA 3.1 Conceito de saúde e doença O conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), foi, em1948, divulgado na carta de princípios de 7 de abril – considerado o Dia Mundial da Saúde. Segundo Scliar (2007, p. 37), foi estabelecido: “Saúde como um estado de completo bem-estar mental e social, e não apenas a ausência de doenças”, pensamento que pode ser considerado como negativo, na medida em que remete diretamente a condição de saúde a algo ideal, inatingível; a partir dessa definição, fica praticamente inviável ter a 16 Unidade I saúde postulada, o que faz com que esse conceito de saúde não possa ser utilizado como meta pelos serviços assistenciais. Segundo Bonita et al. (2010, p. 15): Definições mais práticas de saúde e doença tornam-se necessárias; a epidemiologia concentra-se em aspectos da saúde que são relativamente mais fáceis de medir e prioritários à ação, tendem a ser extremamente simples, como, por exemplo, “doença presente” ou “doença ausente”. O desenvolvimento de critérios para determinar a presença de uma doença requer a definição de “normalidade” e “anormalidade”. Entretanto, pode ser difícil definir o que é normal, e frequentemente não há uma clara distinção entre normal e anormal, especialmente quando são consideradas as variáveis contínuas com distribuição normal que podem estar associadas a diversas doenças. A OMS, talvez como forma de resposta às duras reações negativas provenientes dos estudiosos do tema a esse conceito idealizado de saúde e também de responder aos novos anseios sociais – determinados pelas modificações socioeconômicas ocorridas três décadas após a 2ª Guerra Mundial –, promoveu, em 1978 a Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde, realizada estrategicamente na cidade de Alma Ata (atual Cazaquistão). Na declaração final do evento, foi determinada a necessidade da implantação urgente, por todos os povos, de cuidados primários de saúde, adaptados às condições econômicas, socioculturais e políticas de cada região, e que os países deveriam incluir pelo menos: educação em saúde, nutrição adequada, saneamento básico, cuidados materno-infantis, planejamento familiar, imunizações, prevenção e controle de doenças endêmicas e de outros frequentes agravos à saúde, e a provisão de medicamentos essenciais, bem como uma maior integração entre o setor da saúde e os demais setores sociais (BRASIL, 2001). Já o conceito de saúde adotado pelo Brasil, foi expresso na Constituição Federal de 1988, no artigo 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação. Essa definição de saúde não aborda qual, de fato, seria o conceito de saúde, mas enfatiza os mecanismos para consegui-la, por meio da adoção de medidas nas esferas dos cuidados primários de saúde, que vão diretamente ao encontro das aplicações da epidemiologia na saúde da população. Diversos estudiosos evidenciaram que não existe um pensamento de saúde separada da doença, e sim um complexo processo saúde-doença, que envolve várias manifestações da população, sendo um campo propício para a atuação da saúde pública. Nessa perspectiva, o que surge é um conceito ampliado de saúde, que engloba todas as manifestações sociais. Dessa forma, a saúde não é a mera ausência da doença, e sim a garantia de acesso a serviços de saúde e condições dignas de vida, saúde é ter qualidade de vida, é ter uma vida digna e saudável. 17 EPIDEMIOLOGIA A história natural da doença pode ser definida como o desenvolvimento da dela desde o início até sua resolução, na ausência de intervenção; é o modo próprio de evoluir que tem toda doença ou processo patológico. O processo tem início com a exposição do hospedeiro suscetível a um agente etiológico e termina com a cura, sequela ou óbito (OPAS, 2010). A figura a seguir esquematiza as etapas da história natural da doença: Exposição Fase suscetível Fase de doença subclínica Fase de doença com manifestações clínicas Fase de recuperação, incapacidade ou morte Alterações patológicas Horizonte clínico (início dos sintomas) Momento mais frequente do diagnóstico Figura 6 – Esquema da história natural das doenças 3.2 Período pré-patogênico e patogênico A história natural da doença pode ser dividida em dois períodos: a) Pré-patogênico ou pré-patogênese: são importantes as definições dos fatores determinantes, que podem estar intrinsecamente relacionados com a probabilidade de risco do desenvolvimento de doenças ou agravos em saúde. Subdivide-se em: • fase inicial ou de susceptibilidade: nesse período, ainda não existe a doença, mas podem estar presentes as condições que favorecem seu desenvolvimento. Dependendo da existência de fatores de risco ou de proteção, alguns indivíduos estarão mais ou menos propensos a determinadas doenças do que outros. Exemplo: indivíduos sedentários, com consumo elevado de sódio e obesos, apresentam risco maior para desenvolver doenças cardiovasculares, em comparação com indivíduos que têm um padrão de dieta nutricionalmente adequado e praticam atividade física regularmente; • fase patológica pré-clínica: a doença não é evidente, mas já está instalada, como ocorre com a diminuição da função renal, nos renais crônicos. Somente quando houver a perda de aproximadamente 70 a 80% dos néfrons, os sinais e os sintomas vão ficar mais evidentes. b) Período patogênico: corresponde ao desenvolvimento da doença. Subdivide-se em: • fase clínica: é o período em que ocorrem manifestações evidentes da doença. Ainda no exemplo da doença renal crônica, o edema de membros inferiores torna-se evidente, pode ocorrer aumento da pressão arterial, presença de êmese e pirose, devido à impregnação urêmica, entre outros. 18 Unidade I • fase de incapacidade residual: por último, se a doença não evoluir para a morte nem for curada, ocorrem as sequelas; ou seja, aquele indivíduo que teve falência renal, por uma hipertensão arterial ou diabete mellitus não controlada, terá de realizar uma terapia renal substituta, antes que a instabilidade hemodinâmica e a toxemia urêmica levem-no ao óbito. 3.3 Níveis de prevenção Os níveis de prevenção são diferentes, de acordo com os períodos de desenvolvimento da doença, e dividem-se em: primordial, primário, secundário e terciário. a) Prevenção primordial: o objetivo é evitar o surgimento e o estabelecimento de padrão de vida social, econômica e cultural que contribua para um elevado risco de doença. Sua importância, em geral, é reconhecida tardiamente; no caso de doenças crônicas, deveria incluir políticas nacionais e programas sobre nutrição, envolvendo setores da agricultura, indústria alimentícia e de importação e exportação de alimentos, aliadas a programas de incentivo à prática regular de atividade física. Esse nível de prevenção foi identificado devido ao crescente conhecimento epidemiológico das doenças cardiovasculares. Existem estudos científicos que comprovam que essas doenças ocorrem mais frequentemente se os fatores de risco estiverem presentes, como, por exemplo, em uma dieta rica em gordura animal saturada. Em localidades onde essa causa está ausente, como na China e no Japão, a doença coronariana é considerada uma causa rara de morbimortalidade, apesar da alta frequência de outros fatores de risco, tais como tabagismo e hipertensão arterial sistêmica. Entretanto, o câncer de pulmão decorrente do tabagismo e o acidente vascular encefálico, que têm como fatores predisponentes a hipertensão arterial, são comuns nesses países (BONITA et al., 2010). b) Prevenção primária: são medidas de proteção da saúde, em geral por meio de esforços pessoais e comunitários; têm por objetivo limitar a incidência de doenças por meio do controle das causas específicas e dos fatores de risco. Desenvolve-se a partir de atividades dirigidas a toda comunidade para reduzir o risco médio, conhecidas como estratégias de massa/populacional. Sua principalvantagem é que não há necessidade de identificar um grupo de risco, e apresenta como principal desvantagem o oferecimento de benefício pequeno a muitos indivíduos, visto que os riscos absolutos de doença são muito baixos. Pode também desenvolver estratégias destinadas a um grupo específico, a pessoas de alto risco, como resultado de uma exposição em particular. Como forma de proteger pessoas suscetíveis, é mais eficiente para pessoas com maiores riscos para doenças específicas; porém, essas pessoas podem contribuir pouco no perfil epidemiológico predominante na população (BONITA et al., 2010). Na prevenção primária, podem ser adotadas medidas gerais de promoção à saúde e proteção específica, como saneamento básico e vacinas, respectivamente. c) Prevenção secundária: seu objetivo é a redução das consequências mais graves da doença, por meio do diagnóstico precoce e do tratamento. Estão incluídas medidas individuais e coletivas que 19 EPIDEMIOLOGIA permitem diagnóstico precoce e intervenção imediata e efetiva. Suas ações são dirigidas ao período compreendido entre o início da doença e o momento em que normalmente seria feito o diagnóstico. Dessa forma, pode ser aplicada a doenças cuja história natural inclua um período inicial, em que possa ser facilmente identificada e tratada, de modo a interromper sua progressão. Seu objetivo não é reduzir a incidência da enfermidade, e sim sua prevalência, gravidade e duração, complicações e a letalidade (BONITA et al., 2010). Os programas de rastreamento populacional, como as campanhas massivas de exame de colpocitologia oncótica para detecção e tratamento precoce do câncer de colo de útero ou o autoexame das mamas, na prevenção do câncer de mama, a triagem neonatal, também são exemplos desse tipo de prevenção, identificando precocemente a fenilcetonúria, o hipotireoidismo congênito, a anemia falciforme, a fibrose cística, entre outras patologias tiradas. d) Prevenção terciária: visa à redução do progresso e das sequelas da doença estabelecida, mediante a adoção de medidas para reduzir sequelas e deficiências, minimizar o sofrimento e facilitar a adaptação dos pacientes a seu ambiente, objetivando a manutenção da qualidade de vida e o retorno às atividades sociais (OPAS, 2010). Ex.: reabilitação de pessoas que sofreram acidente vascular encefálico e a cirurgia plástica reconstrutiva no caso do câncer de mama. A figura a seguir é uma apresentação dos períodos pré-patogênico e patogênico e as fases de prevenção: Antes da doença Interação do agente hospedeiro Promoção à saúde Proteção específica Diagnóstico precoce e tratamento imediato Limitação do dano Reabilitação Curso da doença no homem Horizonte clínico Sinais e sintomas Estado crônico Óbito Defeito ou dano Mudança tissular Período de latência Interação - estímulo Hospedeiro Reação do hospedeiro Ambiente Estímulo Prevenção primária Prevenção secundária Prevenção terciária Período pré-patogênico Período patogênico Figura 7 20 Unidade I Lembrete Período pré-patogênico – prevenção primária com medidas de promoção à saúde/proteção específica. No patogênico – prevenção secundária objetiva diagnosticar/instaurar tratamento precoce para limitar dano. Período patogênico – prevenção terciária visa à reabilitação. 3.4 Modelos explicativos do processo saúde-doença Os modelos explicativos em Epidemiologia consistem em formas para explicar o processo saúde-doença; dividem-se em: a) Mágico-religioso: modelos dominantes entre os povos da antiguidade e também responsáveis pela manutenção da coesão social e pelo desenvolvimento inicial da prática médica. Nas diferentes culturas, o papel da cura estava entregue a indivíduos iniciados: os sacerdotes incas; os xamãs e pajés entre os índios brasileiros; as benzedeiras e os curandeiros na África. Os líderes espirituais mantinham contato com o universo sobrenatural e com as forças da natureza e eram encarregados de realizar a cura, erradicando o mal e reintegrando o doente a partir de diferentes recursos de convocação, captura e afastamento dos espíritos malignos. Para alcançar seus objetivos, utilizavam cânticos, danças, instrumentos musicais, infusões, emplastros, plantas psicoativas, jejum, restrições dietéticas, reclusão, tabaco, calor, defumação, massagens, fricção, escarificações, extração da doença pela provocação do vômito, entre outros recursos terapêuticos (BATISTELLA, 2007). Esse modelo mantém um forte encaixamento histórico nas mais diferentes culturas; a visão mágico-religiosa ainda exerce muita influência nas formas de pensar o processo saúde-doença na contemporaneidade. Não é incomum encontrarmos o uso de chás, o recurso das rezas, benzedeiras, simpatias, oferendas e os ritos de purificação, presentes nas diversas crenças e religiões – católica, evangélica, espírita, candomblé, entre outras(BATISTELLA, 2007). b) Teoria miasmática: ao lado das concepções mágico-religiosas, aos poucos foi sendo desenvolvida outra explicação para o processo saúde-doença. Hipócrates (460-377 a.C.), ao observar as funções do organismo e suas relações com o meio ambiente (periodicidade das chuvas, ventos, calor ou frio) e social (trabalho, moradia, posição social etc.), estabeleceu uma relação para a compreensão do processo. Entendia a saúde como homeostase (equilíbrio entre o homem e o ambiente) e a doença como um desequilíbrio dos quatro humores fundamentais do organismo: sangue, linfa, bile amarela e bile negra. A teoria dos miasmas explicava o surgimento das doenças a partir da emanação do ar de regiões insalubres (a origem da palavra malária vem daí: maus ares), a inalação dos miasmas atacava os humores do corpo, desequilibrando-os e provocando a doença. A partir desses postulados, propôs medidas higiênicas e sanitárias para o controle das doenças. Essa teoria permaneceu até meados do século XIX; somente com o advento da bacteriologia é que seus postulados começaram a ser questionados (BATISTELLA, 2007). 21 EPIDEMIOLOGIA c) Unicausalidade: o modelo unicausal de compreensão da doença estava baseado na existência de apenas uma causa para um agravo ou doença. Alguns marcos importantes no desenvolvimento científico forneceram subsídios para o fortalecimento dessa teoria. Ao estudar falhas na fermentação de vinhos e cervejas, no final do século XIX, Louis Paster observou que os micro-organismos tinham um papel fundamental nesse processo e que era possível corrigir essas falhas a partir de sua supressão, por meio de aquecimento por um período curto, a certa temperatura, preservando aqueles fermentos desejados – pasteurização. Em 1876, Robert Koch conseguiu comprovar que um micro-organismo específico poderia ser a causa de determinada doença, a partir do desenvolvimento de meios de cultura e de coloração apropriados para o cultivo e estudos das bactérias, pois Pasteur não tinha ainda condições para comprovar a participação de bactérias específicas para cada doença, e os meios de cultura utilizados ainda não permitiam o isolamento (BATISTELLA, 2007). Edward Jenner, considerado o pai da vacina, no final do século XVIII, descobriu uma forma de evitar a transmissão da varíola. Por meio de seus experimentos, observou o líquido que saía das feridas das vacas que tinham úlceras semelhantes às provocadas pela varíola e que sua inoculação no ser humano conferia imunidade à doença (BATISTELLA, 2007). O cirurgião Joseph Lister, no final do século XIX, deu importante contribuição ao descobrir os mecanismos antissépticos ideais para evitar a septicemia pós-cirúrgica, sugerindo o tratamento químico das feridas com fenol (BATISTELLA, 2007). Nos primeiros anos do século XX, foram desvendadas a participação de vetores na transmissão de doenças e o papel dos portadores sadios na manutenção da cadeia epidemiológica. Dessa forma, estava posta a possibilidade de aplicar o princípio da imunidade ativa e passiva às doenças infecciosas (febre tifoide, tuberculose, febre amarela,poliomielite, difteria, tétano, envenenamento por picada de animais peçonhentos etc.) (BATISTELLA, 2007). A figura a seguir representa o modelo de unicausalidade: Indivíduo infectado Indivíduo infectado Indivíduo suscetível Indivíduo suscetívelAgente Micróbio AgenteVetor Figura 8 – Modelo unicausal Essa concepção permitiu o sucesso na prevenção de diversas doenças infecciosas. Contudo, reduziu o processo saúde-doença à ação única de um agente específico, foi incapaz de responder a todas as questões inerentes ao adoecimento dos indivíduos e das comunidades. 22 Unidade I d) Modelo de multicausalidade: após a Segunda Guerra, as explicações unicausais para o processo saúde-doença começaram a enfraquecer, principalmente nos países industrializados, que passaram a vivenciar uma transição epidemiológica, relacionada à mudança nos estilos de vida, o que caracterizou a diminuição da importância das doenças infectoparasitárias como causa de adoecimento e morte e o aumento das doenças crônico-degenerativas, que estão associadas a múltiplos fatores de risco. Esse modelo trabalha com o conceito desenvolvido na história natural da doença, também conhecido como modelo ecológico, e seus níveis de prevenção abrangem a ocorrência das doenças em domínios: o meio externo onde atuam determinantes e agentes exteriores (natureza física, biológica, política e sociocultural) e o meio interno onde se desenvolve a doença (mudanças bioquímicas, fisiológicas e histológicas), e atuariam os fatores hereditários, congênitos, as alterações orgânicas consequentes. A figura a seguir representa o modelo de multicausalidade: Idade, sexo, raça, hábitos, costumes etc. Ambiente Idade, sexo, raça, hábitos, costumes etc. Idade, sexo, raça, hábitos, costumes etc. Agente Hospedeiro Figura 9 – Modelo multicausal: a tríade ecológica Esse modelo foi proposto por Leavell e Clark em 1976 e tem recebido diversas críticas, pois, embora tenha gerado avanços no conhecimento dos fatores condicionantes no processo saúde-doença, suas análises estabeleceram relações quantitativas entre os fatores causais, tratando todos os elementos da mesma forma, como se a dinâmica das relações entre o ambiente, o hospedeiro e o agente ocorresse de forma neutra no contexto social, sem nenhuma distinção hierárquica. Dessa forma, pode-se fazer o reconhecimento da existência dos aspectos sociais envolvidos no processo saúde-doença, mas eles podem ficar relegados a um segundo plano, se comparados com os aspectos biológicos, esquecendo que o ser humano produz de maneira histórico-social sua vida (BATISTELLA, 2007). 23 EPIDEMIOLOGIA e) Modelo Diderichsen et al. – estratificação social e produção de doenças: esse modelo de Diderichsen e Hallqvist, de 1998, foi adaptado por Diderichsen Evans e Whitehead em 2001. Enfatiza a criação da estratificação social pelo contexto social, delega aos indivíduos posições sociais distintas, determina suas oportunidades de saúde. A seguir, figura esquemática do modelo: Contexto socioeconômico e político • Governança • Políticas macroeconômicas • Políticas sociais, mercado de trabalho, habitação, terra • Políticas públicas Educação, saúde, proteção social • Cultura e valores sociais Determinantes estruturais das iniquidades em saúde Determinantes intermediários da saúde Posição socioeconômica Educação Ocupação Renda Classe social Gênero Etnia (racismo) Impacto sobre a equidade em saúde e o bem-estar Coesão social & capital social Circunstâncias materiais (condições de moradia e trabalho, disponibilidade de alimentos etc.) Fatores comportamentais e biológicos Fatores psicossociais Sistema de saúde Figura 10 I: principais mecanismos sociais que geram e distribuem o poder, a riqueza e os riscos, como o sistema educacional e as políticas de trabalho; II: a estratificação social determina as condições que causam danos à saúde e ao diferencial de vulnerabilidade; III: consequências que geram diferenças entre o estado de saúde dos grupos em maior ou menor vantagem; IV: consequências sociais, o impacto que certo evento pode ter sobre as circunstâncias socioeconômicas que afetam indivíduos e/ou famílias. As ações de políticas sobre os determinantes sociais de saúde identificam as opções principais (estratificação social; diferencial de exposição; vulnerabilidade e consequências). A primeira ação é alterar a estratificação social, para reduzir as desigualdades (poder, prestígio e riqueza) ligadas às posições socioeconômicas diferentes; outras ações políticas podem atuar para diminuir o diferencial de exposição a fatores de risco à saúde, diminuindo a vulnerabilidade das pessoas em desvantagem e a intervenção no sistema de saúde para reduzir o diferencial das consequências dos agravos de saúde. As políticas devem fornecer evidências para o grupo de intervenções (tanto sobre doenças quanto sobre o ambiente social) que reduzirão a possibilidade de consequências desiguais nos agravos de saúde (SOLAR; IRWIN, 2005). 24 Unidade I f) Modelo de Mackenbach: inclui o ambiente na infância, os fatores culturais e psicológicos, demonstra os mecanismos que geram as desigualdades na saúde: seleção versus causa, tanto como fator de seleção como causal. A figura a seguir apresenta o modelo: Posição socioeconômica do adulto Incidência de problemas de saúde na idade adulta d - ambiente na infância e - fatores culturais f - fatores psicológicos a - Fatores relacionados ao estilo de vida b - Fatores estruturais/ambientais c - Fatores relacionados ao estresse psicossocial g - saúde na infância 1 1 1 1 1 2 2 2 2 Figura 11 O número 1 na figura representa os processos de seleção dos efeitos dos problemas de saúde em idade adulta sobre a posição socioeconômica desses adultos e dos efeitos da saúde na infância sobre a posição socioeconômica dos adultos e sobre os problemas de saúde em idade adulta. Enquanto o número 2 apresenta os fatores relacionados aos mecanismos causais sobre os três grupos de fatores de risco intermediários entre a posição socioeconômica e os problemas de saúde (estilo de vida, estruturais/ ambientais, psicológicos e relacionados ao estresse) (SOLAR; IRWIN, 2005). g) Modelo de Brunner, Marmot e Wilkinson – múltiplas influências no decorrer da vida: foi incluído no relatório Acheson da Grã-Bretanha, utilizado como forma de ilustrar como as desigualdades socioeconômicas interferem na saúde, são consequência direta das diferenças de exposição ao risco ambiental, psicológico e comportamental no decorrer da vida. Inicialmente havia sido desenvolvido para unir as perspectivas da saúde clínica (curativa) às perspectivas da saúde pública (preventiva); posteriormente foi aplicado ao processo social para avaliar as desigualdades na saúde. Relaciona o padrão social à saúde e à doença por caminhos materiais, psicossociais, comportamentais, fatores genéticos, de infância e culturais (SOLAR; IRWIN, 2005). Cultura Estrutura social Ambiente social Trabalho Fatores materiais Psicológico Infância Genética Mudanças patofísicas Comprometimento dos órgãos Bem-estar Mortalidade Morbidez Cérebro Resposta neuroendócrina e do sistema imunológicoComportamento de saúde Figura 12 25 EPIDEMIOLOGIA Observação O modelo descrito a seguir é preconizado pelo Ministério da Saúde; além de incluir os fatores externos e internos, os determinantes do processo saúde-doença levam em consideração o contexto social no processo. h) Modelo de Dahlgren e Whitehead: embora existam diferentes propostas de modelos de determinação social da saúde, que buscam explicar com mais detalhes as relações e as mediações entre os diversos níveis de determinação social da saúde e a gênese das iniquidades em saúde, esse foi o modelo que a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde escolheu para utilizar no Brasil, por sua simplicidade e fácil compreensão para vários tipos de público e clara visualizaçãográfica dos diversos determinantes sociais da saúde. A figura a seguir apresenta esse modelo: Co ndi çõe s so cioecnômicas, culturais e ambientais gerais Red es sociais e comunitárias Est ilo d e vida dos indivíduos Idade, sexo e fatores hereditários Produção agrícola e de alimentos Educação Serviços sociais de saúde Ambiente de trabalho Condiçoes de vida e de trabalho Água e esgoto Desemprego Habitação Figura 13 – Modelo da determinação social da saúde de Dahlgren e Whitehead Os determinantes sociais da saúde estão dispostos em camadas concêntricas. Segundo o nível de abrangência, a camada proximal fica mais perto dos determinantes individuais, até a camada mais distal, onde estão os macrodeterminantes. O modelo enfatiza as interações: estilos individuais envoltos (redes sociais/comunitárias/condições de vida/trabalho) relacionam-se com o ambiente amplo (econômico/cultural). Segundo Mendes (2012), a análise do modelo leva a opções políticas para intervenção nos diferentes níveis de determinação: • determinantes distais (macro/camada 5): implantar macropolíticas saudáveis (reduzir pobreza/ desigualdade/superar iniquidades de gênero, etnia/educação universal-inclusiva/preservação do meio ambiente); • determinantes intermediários (camada 4): visa às condições de vida/trabalho/acesso a serviços essenciais (educação/serviços sociais/habitação, saneamento/saúde). Intervenções para promover equidade em saúde (organização de projetos intersetoriais); 26 Unidade I • determinantes sociais (camada 3): são as redes de suporte social (para transferência de capital social acumulado). Implementação de sistemas de seguridade social inclusivos/fortalecimento da participação social ampla no processo democrático/equipamentos para interações sociais nas comunidades (promoção de trabalho coletivo nas prioridades de saúde), considerar minorias étnicas, pobres, mulheres, idosos, crianças; • determinantes proximais (camada 2): afastar barreiras estruturais de comportamentos saudáveis. Reforçar a necessidade de mudanças das condições de vida/trabalho com ações de educação em saúde em pequenos grupos para mudança de comportamentos não saudáveis (tabagismo, uso excessivo de álcool e outras drogas, alimentação inadequada, sobrepeso/obesidade, sexo não protegido, estresse); • determinantes individuais/não modificáveis (camada 1): ação dos serviços de saúde sobre fatores de risco biopsicológicos (hipertensão arterial, depressão, dislipidemias, intolerância à glicose) e/ou sobre condições de saúde estabelecidas/estratificadas de acordo com o grau de risco. As condições de vida e trabalho, o gradiente social da saúde nos países, as desigualdades sanitárias dentre e dentro dos países são provocados pela distribuição desigual (mundial/nacional/regional), por consequentes injustiças nas condições de vida (não é um fenômeno natural, mas, sim, uma determinação social), de forma imediata e visível. A equidade tem como objetivo corrigir as desigualdades injustas, como uma questão de justiça social; nessa perspectiva deve ser compreendia como um imperativo ético e seu alcance deve ser estruturado em três linhas de ação: melhorar as condições de vida; lutar contra a distribuição desigual de poder e recursos; medir a magnitude do problema; avaliar as intervenções; ampliar a base de conhecimentos e dotar de pessoal capacitado em determinantes sociais da saúde (MENDES, 2012). 4 INDICADORES DE SAÚDE 4.1 Aplicações no diagnóstico de saúde Os indicadores de saúde são utilizados para analisar objetivamente a situação sanitária de uma população, assim como na descrição da evolução da situação de saúde da população brasileira e como subsídio para programação das ações de saúde baseadas nas evidências levantadas. Tiveram início com o registro sistemático dos dados de mortalidade e de sobrevivência. Com os avanços no controle das doenças infecciosas e a compreensão do conceito e dos determinantes saúde, os dados de morbidade, incapacidade, acesso e qualidade dos serviços, condições de vida e fatores ambientais passaram também a ser analisados (RIPSA, 2008). Sua elaboração consiste em um processo complexo, que varia desde a simples contagem direta de casos de determinada doença até o calculo de proporções, razões, taxas ou índices mais sofisticados, como a esperança de vida ao nascer. Espera-se que possam ser analisados e interpretados com facilidade; sua qualidade dependerá das propriedades dos componentes utilizados em sua formulação (frequência de casos, tamanho da população em risco) e precisão dos sistemas de informação empregados (registro, coleta, transmissão dos dados). Seu grau de excelência pode ser definido por sua validade (capacidade 27 EPIDEMIOLOGIA de medir o que se pretende) e confiabilidade (reproduzir os mesmos resultados quando aplicado em condições similares). E sua validade é determinada pela sensibilidade (capacidade de detectar o fenômeno analisado), necessita ser mensurável (baseado em dados disponíveis), deve ser relevante (responder a prioridades de saúde) e custo-efetivo –justificar o investimento de tempo e recursos (RIPSA, 2008). Os indicadores podem também refletir as tendências da situação e identificar grupos humanos com maiores necessidades de saúde, para estratificar o risco epidemiológico e identificar áreas críticas, facilitam o monitoramento de objetivos e metas em saúde, estimulam o fortalecimento da capacidade analítica das equipes e promovem o desenvolvimento de sistemas de informação (RIPSA, 2008). Existem diversas formas de medir a saúde, dependendo de qual é a sua definição; uma definição ampla mediria o nível de saúde e bem-estar, a capacidade funcional, a investigação e promoção de condições saudáveis, em dimensões tais como a saúde mental, a autoestima, a satisfação com o trabalho, o exercício físico, a presença e causas de doenças e óbito e a expectativa de vida das populações. Entre as formas mais úteis e comuns de medir as condições gerais de saúde da população, destacam-se os censos nacionais (realizados a cada dez anos em vários países), que proporcionam a contagem periódica da população, a descrição de suas características e permitem fazer estimativas e projeções (OPAS, 2010). 4.2 Principais índices, proporções e taxas a) Esperança de vida/expectativa de vida: mede o estado geral de saúde de uma população, definida como o número médio de anos que se espera viver. Nem sempre é fácil interpretar as razões para as diferenças encontradas na expectativa de vida entre países, pois diferentes padrões podem surgir conforme o tipo de medida utilizada (BONITA et al., 2010). A figura a seguir apresenta a esperança de vida do brasileiro até 2030: 85 80 75 70 65 60 2010 2020 2022 2025 2050 Total Homens Mulheres Figura 14 – Esperança de vida ao nascer: Brasil 2010-2030 b) Mortalidade: representa o risco, a probabilidade ou a morte de qualquer pessoa na população, em decorrência de determinada doença, acidentes, tabagismo ou outras causas. Geralmente é apresentada por números absolutos, proporções ou taxas por idade, sexo e causas específicas. A seguir, apresentamos os coeficientes mais utilizados em saúde pública: 28 Unidade I — Coeficiente/taxa de mortalidade geral: pode ser calculado conforme a equação a seguir: Nº total de óbitos de residentes em 1 ano X 1.000 População total residente na área Representa a relação entre o total de óbitos de um determinado local pela população exposta ao risco de morrer e possibilita a comparação em uma série de anos para o mesmo local. Sua principal desvantagem é o fato de não levar em conta que o risco de morrer varia conforme o sexo, a idade, a raça, a classe social, entre outros fatores. Não se deve utilizar esse coeficiente para comparar diferentes períodos de tempo ou diferentes áreas geográficas. Por exemplo, o padrão de mortalidade entre residentes em áreas urbanizadas, que geralmente possuem mais famíliasjovens, é provavelmente diferente daquele verificado entre residentes à beira-mar, onde há um número maior de pessoas aposentadas; dessa forma, quando for comparar o coeficiente de mortalidade entre grupos com diferente estrutura etária, devem-se utilizar coeficientes padronizados (OPAS, 2010). — Mortalidade por causa: pode ser calculado conforme a equação a seguir: Nº de óbitos por determinada doença no ano x 100.000 População total Relaciona o número de óbitos por uma determinada causa pela população exposta; possibilita a análise dos riscos de morrer por causa específica e serve para adoção de medidas preventivas. Nas doenças transmissíveis, é um bom indicador para avaliar as ações de saneamento, eficácia e impacto de medidas de prevenção e controle adotadas (BONITA et al., 2010, p. 27). — Letalidade/fatalidade/taxa de letalidade: pode ser calculado conforme a equação a seguir: Nº de óbitos por determinada doença no ano X 1.000 Nº de casos da doença Relaciona o número de óbitos por determinada causa e o número de pessoas que foram acometidas pela causa, fornece a gravidade do agravo, pois indica o percentual de pessoas que morreram devido à doença e pode também informar sobre a qualidade da assistência em saúde ofertada à população. Enquanto a mortalidade refere-se aos óbitos entre a população (sadia ou doente), a letalidade refere-se aos óbitos entre a população doente, é importante para avaliar a severidade de uma epidemia (OPAS, 2010, p. 19). — Coeficiente/taxa de mortalidade infantil: apresenta dois componentes: mortalidade neonatal (precoce/tardia) e mortalidade pós-neonatal. Essa subdivisão é decorrente da diferença dos determinantes de morte no período neonatal e pós-neonatal. No início da vida extrauterina (período neonatal), são mais relevantes como determinantes de óbitos as consequências de agressões sofridas intraútero, as condições de parto e de assistência ao recém-nato; já no período pós-neonatal, predominam os determinantes ambientais e socioeconômicos. Dessa forma, sociedades com maior desenvolvimento humano apresentam taxas de mortalidade infantil baixas, predominando o componente neonatal (principalmente o 29 EPIDEMIOLOGIA precoce), enquanto, nas regiões subdesenvolvidas as taxas de mortalidade infantil são altas e predomina o componente pós-neonatal (UFF, 2012). A taxa de mortalidade infantil pode ser calculada conforme a equação a seguir: Nº de óbitos em