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Apostila Centro Educacional Sete de Setembro Desenvolvido por www.cessetembro.com.br Imuno-Histoquímica Aplicada à Neurociência Sumário Breve histórico Imunologia: relembrando alguns conceitos Imuno-histoquímica: preparo da amostra Imuno-histoquímica: considerações prévias Imuno-histoquímica: diferentes métodos Em 1942, Coons e colaboradores deram início à história desta técnica que até hoje é amplamente utilizada, com aplicações que vão das pesquisas científicas e diagnósticos de doenças à agricultura. Em sua primeira utilização, o método da fluorescência direto foi empregado para a detecção de pneumococos em um tecido infectado (Coons et al., 1942). Ao longo dos anos, variações nos protocolos foram sendo feitas e sua associação com outras metodologias, como a hibridização in situ, aumentaram a sofisticação e sensibilidade da técnica. Como reflexo, o crescimento exponencial de sua utilização. Contudo, somente a partir da década de 1970 é que o uso da imuno-histoquímica (IHQ) foi impulsionado, em decorrência da descoberta da interação entre avidina- biotina e com o uso de kits por laboratórios de pesquisa e de diagnóstico. Embora sua utilização para diagnósticos e pesquisa seja feita para todos os sistemas do organismo, nesta apostila será dado enfoque para sua aplicação no tecido nervoso. Nesse caso, a IHQ é empregada para localizar, in situ, células (neurônios ou componentes gliais) produtoras de peptídeos e proteínas específicas. As células marcadas são denominadas “imunorreativas”. Assim, é possível analisar se na amostra de interesse tem a produção de um receptor específico, ou se a célula está produzindo uma proteína que indica ativação do neurônio (transcrição gênica). 01 Breve histórico Açúcares de cadeias longas (polissacarídeos): puros ou associados a outras moléculas – bons imunógenos Exemplo: glicopolissacarídeos Ácidos nucleicos: sozinhos não são bons imunógenos, mas podem se tornar quando associados a proteínas, por exemplo. Exemplo: material genético viral Figura 1. Membrana plasmática com seus constituintes. Em uma reação, de IHQ para diagnósticos, por exemplo, moléculas como as glicoproteínas ou os açúcares podem ser reconhecidos como antígenos. Em uma situação de transplante de tecidos, em que um tecido exógeno é introduzido no organismo, esses mesmos elementos presentes na membrana plasmática também podem ser reconhecidos como antígenos, gerando uma resposta imune, que muitas vezes coincide com a rejeição deste tecido transplantado. Imagem: Alberts et al., Molecular Biology of the Cell. 5th Edition, 2008 Figura 2. Unidade viral e seus constituintes. Tanto as glicoproteínas como o ácido nucléico (RNA viral) podem ser detectados como antígenos, quando em contato com o organismo, eliciando uma resposta imune. Uma parte importante do Ag, embora seja a menor parte dele, é conhecida como epítopo ou determinante antigênico. Essa é a região específica do Ag (geralmente localizada na superfície da molécula) que representa o sítio de ligação entre o Ag e os receptores celulares ou os anticorpos. O epítopo é o responsável pela ligação Ag-Ac, sendo a parte do Ag capaz de gerar uma resposta imune. É possível que um mesmo Ag possua vários epítopos, que podem ser iguais ou diferentes. 2.2.2. Anticorpo (Ac) Anticorpo (Ac), também denominados imunoglobulinas (Ig), são glicoproteínas do tipo gamaglobulinas (as mais abundantes). O anticorpo é uma imunoglobulina específica, utilizada para marcar o antígeno de interesse. Estruturalmente, os anticorpos se caracterizam pela associação entre cadeias de peptídeos leves e pesadas (Figura 1), constituindo uma disposição em forma de ‘Y’. As cadeias leves se ligam às pesadas através de pontes Dissulfeto (Marques, 2005). Cada cadeia (leve e pesada) apresentam duas porções: uma constante e uma variável, que mudam de um Ac para outro e representam a região de ligação com o Ag. Figura 3.Representação da estrutura de um anticorpo, contendo duas cadeias de peptídeos leves (menores) e duas cadeias de peptídeos pesadas (maiores). Imagem: https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/anticorpos.htm 2.2.2.1. Tipos de Ac São cinco classes de anticorpos, ou imunoglobulinas (Ig), a saber: IgG, IgA, IgM, IgD e IgE (Figura 4). Figura 4. Representações das cinco classes de imunoglobulinas. Imagem: https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/anticorpos.htm IgG: a mais abundante, constituindo cerca de 75% das Ig circulantes. Sua principal função é fornecer a imunidade primária ao feto (ela atravessa a barreira placentária, alcançando o feto e conferindo a primeira imunidade). IgA: encontrada em secreções (saliva, lágrima, fluidos nasais) e em mucosas (nasal, gastrointestinal) e leite materno. IgM: também é abundante no organismo, caracterizando-se como a imunoglobulina que promove a resposta imune inicial, ou seja, são as primeiras a se ligar aos patógenos. São as Ig de fase aguda. IgD: são encontradas em grandes quantidades na membrana de linfócitos B imaturos, tendo como uma de suas funções a ativação e diferenciação das células do sistema imune. IgE: é encontrada em baixas concentrações no soro e sua principal função é eliciar a resposta imune em reações alérgicas (estimulação da liberação de histaminas – principal mediador de reações alérgicas). 2.2.2.1. Como são produzidos os Ac A produção dos Ac inicia com o contato do Ag com células específicas (linfócitos B) presentes do tecido linfoide. A partir deste contato, os linfócitos B se diferenciam e são ativados iniciando o processo denominado seleção clonal, no qual, são formadas séries de células idênticas (clones) aquelas que as originaram. Dos clones formados a partir das divisões celulares de linfócitos B, algumas se tornam células responsáveis pela produção e secreção dos Ac, denominadas células efetoras, também conhecidas como plasmócitos. Outros clones, tornam-se células de memória, que podem se tornar efetoras caso o organismo entre em contato novamente com o mesmo Ag. Células efetoras e de memória, embora tenham a mesma origem, diferenciam-se quanto ao tempo de vida que possuem: as primeiras apresentam uma vida curta, quanto as últimas possuem vida mais prolongada. Figura 5. Representação do processo de produção de anticorpos a partir do contato do organismo com antígeno. IMPORTANTE: o processo de seleção clonal também ocorre em linfócitos T, assim como a ativação celular (concomitantemente com a ativação de linfócitos B). Alguns clones de linfócitos T são denominadas como células auxiliares. Essa denominação decorre de sua função: produzir mediadores que ativarão linfócitos B, potencializando a produção de Ac por essas células. 2.2.2.2. Classificação do Ac conforme sua produção Os Ac podem ainda ser classificados conforme sua produção em Ac monoclonais e Ac policlonais. AC MONOCLONAL Foram produzidos pela primeira vez em 1975 por Georges Köhler e César Milstein a partir de hibridomas (Abbas; Lichtman; and Pillai, 2007).. Os hibridomas são linhagens celulares específicas, produzidas a partir da fusão de células de mieloma (tumores de plasmócitos) com células de linfócitos previamente estimulados por antígenos específicos. Os hibridomas possuem capacidade de se multiplicarem indefinidamente em placas de cultura, produzindo milhares de anticorpos idênticos, com as mesmas afinidades e especificidades (monoclonais) (Marques, 2005). Portanto, Ac monoclonais são produzidos a partir de um único tipo celular (mesmo linfócito B produz milhares de anticorpos idênticos). Vantagens: produzidos em larga escala, apresentam grande especificidade (ligam-se a um único epítopo) Desvantagens: são menos sensíveis (é necessário uma grande quantidade deste Ac para uma boa marcação, uma vez que só há uma possibilidade de sítio de ligação), custo de produção elevado Figura 6. Produção de anticorpos monoclonais a partir de hibridomas. Os hibridomas são linhagens celulares específicas, produzidas a partir da fusão de células de mieloma e linfócitosB previamente ativados por um antígeno específico (retirados do baço de um camundongo, por exemplo). Os hibridomas se proliferam indefinidamente em placas de cultura e produzem milhares de anticorpos idênticos. Imagem: Moreira, 2014. AC POLICLONAL Diferentemente, os Ac policlonais são produzidos por diferentes linfócitos B, caracterizando uma combinação, uma mistura de imunoglobulinas que apresentam diferentes epítopos e que reagirão contra um antígeno específico. Vantagens: são mais sensíveis, devido a ligação em diferentes epítopos (fazem várias ligações simultaneamente), baixo custo de produção Desvantagens: menos específicos Figura 7. Representação das diferenças estruturais entre Ac monoclonais e policlonais. Monocional Policional 2.2. Reação antígeno-anticorpo As reações antígeno-anticorpo se assemelham às reações entre enzimas e substratos, ou seja, são altamente específicas e reversíveis (Harmening, 2002). Como mencionado em seção anterior, os antígenos se ligam aos anticorpos pelo epítopo, região altamente específica, através de ligações do tipo não- covalentes, por isso, reversíveis (Harmening, 2002). 03 Imuno-histoquímica: preparo da amostra Em Neurociências, a IHQ pode ser utilizada para marcação de proteínas em neurônios específicos (proteínas indicadoras de atividade celular = transcrição gênica; proteínas estruturais presentes no exoesqueleto; proteínas de membrana, como receptores e transportadores) ou mesmo células da glia como astrócitos e oligodendrócitos. O sucesso da reação, isto é, a boa marcação das proteínas de interesse, dependerá a princípio do cuidado e preparação do tecido a ser analisado, etapa mais importante do processo, composta por uma série de passos interdependentes. 3.1. Preparação do tecido 3.1.1. Cirurgia de perfusão A preparação do tecido começa com o procedimento de perfusão transcardíaca (Figura 8), o que permitirá acesso ao tecido nervoso de modo a prepara-lo para posteriormente as análises por IHQ. Lembrando que, em pesquisa básica em Neurociência, utilizando-se modelos experimentais, a aplicação desses procedimentos deve, necessariamente, ser aprovada por uma Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) das instituições. Inicialmente, os animais experimentais (roedores comumente utilizados em pesquisa – ratos, camundongo) são ANESTESIADOS, com fármacos preconizados pelas CEUAs de cada instituição. É estritamente necessária a anestesia prévia e a confirmação da ausência de reflexos para o início dos procedimentos. Neste momento, faz-se uma abertura na região torácica de modo a expor o coração (que necessariamente precisa estar com a frequência de batimentos relativamente normal). Em seguida, campeia-se com uma pinça kelly a aorta descendente (que passa anteriormente à coluna espinhal e atrás do fígado) – o objetivo é interromper o fluxo sanguíneo da grande circulação, uma vez que o principal tecido a ser fixado está na parte de cima do corpo (e também é uma forma de economizar nas soluções utilizadas). Em seguida, uma agulha é introduzida no ventrículo esquerdo e direcionada à aorta pulmonar (almejando a pequena circulação). Neste momento inicia-se a passagem dos líquidos, cuja saída do corpo é garantida com uma pequena secção no átrio direito. Figura 8. Representação da cirurgia de perfusão. Na imagem, não é mostrado o clampeamento da artéria descendente. Imagem: https://www.jove.com/t/3564/whole-animal-perfusion-fixation- for-rodents?language=Portuguese 3.1.2. Fixação do tecido A fixação do tecido nervoso garante a correlação entre a estrutura e a identidade química (antigenicidade) do tecido. Nesta etapa é como se uma fotografia fosse tirada a nível celular-molecular, preservando/ paralisando cada reação dentro das células. Inicialmente, a amostra é “lavada” com solução salina fisiológica (0,9%, com pH 7,0), com o intuito de retirar quaisquer resquícios de outros fluidos, como sangue. É importante que o sangue presente na amostra seja totalmente retirado, pois ele pode prejudicar tanto a ligação Ag-Ac como ser um confundidor na análise da marcação. Após a “lavagem”, a amostra é fixada em solução de paraformaldeído (PFA 4%). Essa solução irá desidratar o tecido. A retirada de água do tecido é igualmente importante, tanto pela própria preservação do tecido, impedindo sua degradação; como por evitar que, durante o congelamento (uma forma de armazenar as amostras até seu processamento), formem-se moléculas de gelo dentro das células. O gelo poderia romper as membranas celulares e comprometer toda a estrutura das células. A perfusão pode ser realizada com a ajuda de uma bomba peristáltica que, como vantagem, apresenta a possibilidade de controlar tanto o volume e a velocidade dos líquidos; ou pelo método da gravidade, com o auxílio de provetas (apresenta baixo custo, mas não possibilita o controle da passagem dos líquidos). Figura 9. Representação do processo de fixação. Fixative = solução fixadora (PFA 4%), Buffer = solução salina 0,9%. Imagem: https://www.jove.com/t/3564/whole-animal-perfusion-fixation- for-rodents?language=Portuguese 3.1.3. Pós-fixação É comum que seja feita a etapa de pós-fixação, que varia entre os protocolos experimentais, mas que representa uma outra etapa para garantir o bom preparo e qualidade da amostra. Nesta etapa, o tecido é novamente tratado, sendo armazenado em novas soluções de PFA, variando as concentrações dessas soluções, o tempo em que são armazenados nela e se a armazenagem é ou não com o tecido extraído. Em uma última etapa do processo de pós-fixação, o tecido nervoso é armazenado em solução de sacarose 30% por uma semana (ou até afundar). A sacarose permeará o tecido, promovendo a preservação do tecido. Figura 10. Dissecção do tecido nervoso para a etapa de pós-fixação: a = decapitação, b = corte longitudinal, c = secção coronal da medula; d = remoção da pele e membranas craniais; e = remoção do crânio; f = exposição do encéfalo para sua extração e transferência para novas soluções de PFA 4% e sacarose 30%. Imagem: https://www.jove.com/t/3564/whole-animal-perfusion-fixation-for-rodents? language=Portuguese 3.1.4. Armazenanamento Após toda a etapa de preparo do tecido, ele é armazenado até o momento de sua análise. Duas principais formas de armazenagem são utilizadas: o congelamento e o emblocamento. O método de congelamento apresenta algumas desvantagens, embora bastante utilizado: alto custo (utiliza-se muitos materiais, os quais apresentam elevado custo), uma vez congelado precisa se manter em temperatura -80º C (se retirado desta temperatura, em pouco tempo descongela, o que pode comprometer a amostra). Emblocamento Neste método, a amostra é emblocada em parafina, sem a necessidade de outros materiais. Além do menor custo, grande vantagem de emblocar a amostra é a possibilidade de seu armazenamento em temperatura ambiente por tempo indeterminado. Congelamento Esste método consiste em congelar a amostra a uma temperatura de – 80º C, com o auxílio de gelo seco. Para tanto a amostra é colocada em recipiente (como copinhos feitos com papel alumínio), preenchido com meio de inclusão (Tissue-Tek®). Em seguida são colocados em um béquer contendo algum líquido hidrocarboneto, como o n-hexano, resfriado em gelo seco. A amostra é mantida até seu congelamento e depois armazenada em freezer -80º C. 3.1.5. Processamento A próxima etapa, após o preparo do tecido, é o processamento da amostra para sua análise. Há diferentes métodos de processamento, de acordo com o objetivo da pesquisa e as proteínas de interesse. No geral, o tecido é cortado em fatias muito finas, na ordem de micrômetros, com o auxílio de equipamentos como o criostato (utilizado para corte de amostras em temperatura abaixo do ponto de congelamento) e o micrótomo (utilizado para processamento de amostras emblocadas em parafinas que, por estarem muito duras, precisam ser cortadas em fatias muito finas). Figura 11. Equipamentos para processamento de amostras. A = micrótomo,possibilita cortes de amostras emblocadas em parafina; B = criostato, possibilita corte de amostras congeladas. Imagens: Freepik Após o processamento, o tecido pode ser novamente armazenado de duas formas, antes da realização da IHQ: as fatias podem ser colocadas diretamente sobre lâminas de microscopia, onde a reação de IHQ será realizada (os anticorpos serão colocados diretamente sobre o tecido – método mais oneroso) ou as fatias podem ser colocadas em lâminas contendo poços, em que cada poço contém solução anticongelante (anti- freezing) sobre a qual serão colocadas as fatias do tecido (cerca de 8-9 por poço) e onde será colocado o Ac em solução. Esse segundo método é denominado free-floating (as fatias ficam “flutuando” em líquido contendo o Ac) e é mais barato. Após a reação, as fatias são transferidas dos poços para lâminas de microscopia. Figura 12. Representação da análise de imuno-histoquímica do tipo imunofluorescência em tecido nervoso de camundongo, desde a etapa do tecido extraído, processamento, ensaio imunológico, montagem de lâmina, análise em microscópio de fluorescência e visualização da marcação. Imagem: adaptado Rosa et al., 2022. 3.1.6. Análises Terminada as reações de IHQ, as lâminas prontas são analisadas em microscópio podendo ser óptico, de fluorescência ou confocal (esses últimos para reações que envolvem marcadores fluorescentes). A análise das marcações são realizadas com a ajuda de atlas de neuroanatomia (Figura 13) Figura 13. Imagem dos atlas de neuroanatomia de camundongo (esquerda) e rato (direita) do Paxinos, que auxiliam a análise de lâminas histológicas 04 Imuno-histoquímica: considerações prévias 4.1.2. Reatividade E importante conferir também a indicação de espécie em que o anticorpo de interesse funciona. Por exemplo: para uma reação de tecido de camundongo, deve-se escolher um anticorpo que reage em amostras de camundongo. Portanto, a espécie em que o anticorpo é produzido deve ser diferente da espécie na qual se pretende detectar o antígeno, de modo a evitar reação cruzada. Além da diferença entre as espécies na qual se produziu o Ac e na qual ele será utilizado afim de detectar um antígeno de interesse, é necessário conferir para qual tipo de reação o Ac de interesse é recomendado. Por exemplo: para determinada reação pretende-se utilizar um anticorpo, entretanto, em uma empresa específica o Ac que condiz com a questão anterior não é indicado para reações de IHQ, mas somente para outros ensaios moleculares. 4.1.3. Armazenamento Outro ponto de extrema importância é a forma de armazenamento do Ac, que deve ser seguida conforme instruções dos fabricantes. Ou seja, deve-se conferir com o fabricante se o Ac de interesse deve ser armazenado em geladeira, freezer, se precisa ser aliquotado (em casos em que não se pode descongelar e congelar). O armazenamento em temperatura diferente pode comprometer as características físico-químicas da substância e, consequentemente, a reação. 4.1.4. Concentração do Ac Uma reação bem sucedida é aquela cujas proteínas são detectadas, são bem marcadas. Para tanto, o Ac deve estar em concentrações ótimas. Seu excesso, embora possa trazer marcações fortes, representa um maior gasto (uma vez que, neste caso, é utilizada uma maior quantidade da molécula) além da possibilidade de background (= sujeira), atrapalhando a análise correta da lâmina. Por outro lado, a falta de Ac implica em uma marcação fraca, com baixa qualidade e, as vezes, a falta de marcação correta; o que também compromete a reação e a análise dos resultados. Para resolver esta questão, faz-se uma curva com diferentes concentrações do Ac, a partir do que é sugerido pelo fabricante. O objetivo dessa curva de titulação é encontrar qual concentração oferece a melhor marcação do antígeno (especialmente quando se trata de uma concentração baixa, favorecendo a economia de reagentes!). Para esclarecimentos das questões apresentadas neste capítulo, utiliza-se o datasheet do Ac, ou seja, uma espécie de bula do Ac. O datasheet acompanha o Ac e por meio dele essas dúvidas são respondidas. Além disso, consultar trabalhos já publicados que utilizaram o Ac de interesse e consultar outros pesquisadores auxilia nas decisões acerca da escolha do anticorpo. Figura 14. Imagem de um datasheet de um anticorpo. Nele estão contidas todas as informações e dados do Ac, como forma de armazenamento, aplicações (para quais reações é indicado), concentrações indicadas para uso em cada tipo de ensaio para o qual é indicado, qual a natureza (de acordo com sua produção), entre outras informações. 05 Imuno-histoquímica: diferentes métodos 5.1. Métodos de IHQ I- Método direto: utilizado em larga escala para fins diagnósticos, como em biópsias. Neste método, o Ac reage diretamente com o Ag, caracterizando este como um método rápido. Entretanto, a desvantagem é que há pouca amplificação de sinal. II- Método indireto: neste método há a formação de um complexo, na região do sítio antigênico (ou seja, na região do epítopo, onde há a ligação entre Ag-Ac), no qual o anticorpo utilizado está marcado com uma molécula fluorescente ou com um cromógeno (molécula que produz uma substância colorida após a reação com a peroxidase). Os métodos indiretos são mais sensíveis, uma vez que os Ac secundários (aqueles conjugados com moléculas fluorescentes ou cromógenas) podem reagir com diferentes sítios antigênicos dos Ac primários. Consequentemente há maior amplificação do sinal da reação. Figura 15. Representação dos métodos direto e indireto da IHQ. Imagem: adaptada de https://www.ptglab.co.jp/news/blog/want-to-upgrade-your- immunofluorescence-workflow-go-direct/ 5.2. Tipo de métodos indiretos 5.2.1. Imunofluorescência com Ac secundário conjugado com fluoróforo. É o método indireto mais simples. Inicialmente o tecido é incubado em um Ac primário, não marcado, específico para o peptídeo de interesse presente na amostra. Em seguida, incuba-se o tecido com Ac secundário, conjugado com uma molécula fluorescente. O Ac secundário DEVE ter compatível com a espécie em que o Ac primário foi produzido, afinal, é contra essas imunoglobulinas que ele é direcionado. Por exemplo: se o Ac primário foi produzido em coelho, então, o secundário deve ser anti-coelho e, portanto, deve ser produzido em outra espécie de animal, como cabra: Ac secundário anti-coelho produzido em cabra. Nesse caso, com a reação bem sucedida, os neurônios imunorreativos se tornarão fluorescentes, sendo possível sua visualização pelo microscópio de fluorescência. Figura 16. Fotomicrografia representativa da imunorreatividade de neurônios produtores de neuropeptídeo Y (marcação em verde) e células expressando Fos (marcação em vermelho) na região da amígdala basolateral de ratos adultos (aumento 20 x). 5.2.2. Imunofluorescência com avidina conjugada com fluoróforo. Neste método, também há exposição do antígeno a um Ac primário específico, com formação do complexo Ag-Ac. Em uma segunda etapa, o tecido é exposto a um Ac secundário biotinilado. A biotina (conjugada com o Ac secundário) é uma vitamina do complexo B, hidrossolúvel e com baixo peso molecular. Por outro lado, a avidina (estreptavidina) é uma glicoproteína com elevado peso molecular, que possui altíssima afinidade pela biotina, sendo extremamente maior do que outras ligações entre Ag-Ac, propiciando, assim, a formação de um complexo irreversível. A avidina possui 4 sítios de ligação para a biotina. Como a maioria dos Ac é conjugada a biotina, a conjugação de Ac biotinilados a avidina, origina um grande complexo macromolecular, que amplifica o sinal da reação Ag-Ac. Figura 17. Representação método indireto complexo avidina-biotina (ABC) Destaque para a ligação avidina-biotina. 5.2.3. Método da imuno-peroxidase utilizando o complexo avidina-biotina (ABC) (Hsu et al., 1981) Assim como os métodos anteriores, neste, o tecido também será exposto a um Ac primário específico, não marcado, e em seguida a um Ac secundário biotinilado. A seguir,este complexo será amplificado por meio da conjugação com um macrocomplexo formado previamente pela união entre moléculas de avidina-biotina com a peroxidase de raiz-forte (horseradish peroxidase – HRP) A peroxidase é uma enzima que oxida seus substratos, com o auxílio do peróxido de hidrogênio (H2O2 – molécula receptora de elétrons). Na reação em questão, quando se adiciona ao complexo Ac primário + Ac secundário + biotina-avidina + HPR + H2O2 + 3’-3-tetracloreto de diaminobenzidina (DAB) tem-se como resultado um produto polimérico insolúvel de coloração escura (marrom) sobre o sítio antigênico. Consequentemente, os neurônios imunorreativos ficarão com coloração acastanhada. Caso a reação ocorra, ainda, na presença de níquel, o produto final terá coloração acinzentada-preta. OBSERVAÇÃO 1: o 3’-3-tetracloreto de diaminobenzidina (DAB) é adicionado à reação por ser o substrato de oxidação da peroxidase. Figura 18. Fotomicrografia representativa de neurônios ocitocinérgicos imunorreativos na região paraventricular do hipotálamo (aumento 10x), marcados pelo método da imunoperoxidase usando kit ABC. Imagem: Ceschim et al., 2021. 5.2.4. Método da peroxidase-antiperoxidase – PAP (Sternberger et al., 1970) Este método caracteriza-se como o precursor do método ABC. Neste método, o Ac primário é exposto a um Ac secundário conjugado ao HRP, cuja reação inclui a peroxidase, um cromógeno e o peróxido de hidrogênio. Aparentemente, ambos os métodos são iguais. Entretanto, diferem quanto a especificidade de sinal, em que o PAP é menos específico e resulta em uma marcação menos intensa. No método PAP o resultado, após a ação da peroxidase com o cromógeno (DAB) também é um polímero insolúvel de coloração acastanhada, portanto, os neurônios imunorreativos serão marcados em marrom. Figura 19. Representação do método indireto peroxidase-antiperoxidase (PAP). Em comparação ao método ABC, mostrado na Figura 17, o PAP apresenta menor amplificação de sinal, já que o complexo peroxidase- antiperoxidase é menor do que o avidina-biotina. 5.2.5. Método da fosfatase alcalina Neste método, quando o tecido já exposto ao Ac primário é apresentado ao Ac secundário, este, está conjugado à fosfatase alcalina. O substrato desta enzima é o 5-bromo-4-cloro-3-indol-fosfato (BCIT), cuja coloração marcada é índigo-púrpura, frente a liberação de íons hidrogênio. É possível associar outro substrato, no caso, o azul de nitrotetrazólio (NBT). A associação entre BCIT e NBT intensificará a coloração da marcação, estabilizando-a por mais tempo. 5.3. Considerações finais do capítulo Quando comparamos os métodos indiretos como o da peroxidase e o de fluorescência, é comum considerar que o segundo método é menos trabalhoso, portanto mais rápido. Entretanto, o método da peroxidase ainda configura um dos mais utilizados. Isso porque a marcação decorrente da formação do complexo macromolecular (Ag-Ac-avidina-biotina-peroxidase) implica em maior amplificação da reação e, por conseguinte, facilita a visualização da marcação. Estabelecendo a compatibilidade entre espécies em que os anticorpos são produzidos e as espécies em que reagirão, é possível a realização de duplas e triplas marcações, que permitem a detecção simultânea de mais de uma proteína de interesse. Isso significa uma análise mais robusta e fidedigna do fenômeno neurobiológico que está sendo investigado, ou seja, uma análise mais sofisticada do tecido analisado. O método da peroxidase, embora apresente mais etapas para sua realização, é um método relativamente mais simples do que o de fluorescência, que apresenta menor custo de realização, não exige equipamentos sofisticados (é possível realiza-lo com equipamentos rotineiros do laboratório de microscopia, ou seja, um microscópio óptico simples), apresenta elevada especificidade na ligação Ag-Ac e uma marcação bastante precisa. Entretanto, o método da peroxidase apresenta algumas desvantagens que precisam ser consideradas, a saber: como os Ac comercializados advém de diversas empresas, apresentam diversidade quanto ao preço e especificidade ao antígeno. Se o protocolo for realizado corretamente, essas questões dependerão unicamente do Ac primário escolhido. A técnica de IHQ permite quantificar quais e quantas células estão imunorreativas, mas não permite a análise da intensidade da marcação. Havendo essa necessidade, deve-se associar ou utilizar outros métodos como a hibridização in situ, para avaliação da marcação com preservação anatômica, ou o Western blot - WB, se a intenção for a quantificação em valores absolutos dessa intensidade (o WB apresenta a quantidade do antígeno de interesse, por meio de seu peso molecular). Resumindo Nesta apostila vimos uma técnica que tem sido amplamente utilizada tanto para exames diagnósticos como para a pesquisa científica, especialmente na área das Neurociências: a imuno-histoquímica. Essa técnica, cuja base teórica e princípios envolvem aspectos da imunologia, transformou o modo de análise e entendimento de diversos fenômenos biológicos. Na área das pesquisas, essa técnica permitiu que proteínas diversas fossem detectadas, sozinhas ou simultaneamente com outras, no próprio tecido preservado, trazendo uma visão mais fidedigna desses fenômenos em interesse. Embora muito utilizada, a técnica e seus variados modos de realização apresentam vantagens e desvantagens, que devem ser avaliados conforme cada pergunta de pesquisa. Além disso, o refinamento de todos os processos envolvidos na realização desta técnica, demandam não só o conhecimento apurado de sua teoria, mas também e, principalmente, um treinamento intenso para o profissional que pretende utilizá-la. De todo modo, a imuno-histoquímica representou uma revolução para a ciência e permitiu que novas técnicas e tecnologias fossem descobertas, criadas e refinadas a partir de sua criação. Portanto, é uma excelente ferramenta para diversos segmentos. Referências ABBAS, AK ; LICHTMAN, AH; PILLAI, S. Cellular and molecular immunology. 6th – Philadelphia: Elsevier, 2007. ALBERTS, B; JOHNSON, A; LEWIS, J; RAFF, M; ROBERTS, K; WALTER, P. - Molecular Biology of the Cell. 5th Edition, New York, Garland, 2008. BITTENCOURT, JC; ELIAS, CF. Métodos em Neurociências. 1a Edição. São Paulo. 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