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Política I - Pensamento Político Moderno Prof.: Felipe Freller Data: 02-03/06/2025 Aula 10 O contrato social de Rousseau. Contestação do direito da força e o pacto de alienação de cada associado à comunidade Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e sua relação paradoxal com o Iluminismo Discurso sobre as Ciências e as Artes (1750) Pergunta da Academia de Dijon: “O renascimento das artes e das ciências contribui mais para corromper ou para purificar a moral?”. Rousseau: O renascimento das artes e das ciências havia apenas corrompido a moral. Progresso como ilusão, civilização e modernidade como corrupção moral. A virtude e a felicidade deveriam ser encontradas no estado de natureza ou em sociedades simples, austeras e frugais (Esparta). Discurso sobre a Origem e o Fundamento da Desigualdade entre os Homens (1754) Pergunta da Academia de Dijon: "Qual a origem da desigualdade entre os homens, e é ela autorizada pela lei natural?". Rousseau: Estado de natureza como estado de inocência, sociabilidade como corrupção. Criação da propriedade como ato fundador da sociedade civil, acarretando desigualdade, miséria, a destruição da liberdade natural e o afastamento do homem em relação a si mesmo. O Contrato Social: Princípios do Direito Político (1762): A preocupação é menos evitar o estado de natureza, como em Hobbes, do que propor uma maneira de passar ao estado civil que não acarrete esses males da civilização e a transformação dos cidadãos em burgueses, a supremacia do interesse privado sobre o interesse comum. https://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_natural Livro I, Cap. 1: Objeto deste Primeiro Livro “O homem nasceu livre e por toda parte ele está agrilhoado” (p. 9). O que pode legitimar a sujeição política? Cap. 2: Das primeiras sociedades “A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é a da família” (p. 10). Mas, apenas enquanto os filhos dependem dos pais para a conservação. Depois disso, “a própria família só se mantém por convenção” (p. 10). Origem voluntária e convencional de todos os vínculos políticos e sociais. Família como modelo das sociedades políticas por também se basear no governo de indivíduos livres e iguais para o proveito destes: “É a família, pois, o primeiro modelo das sociedades políticas, o chefe é a imagem do pai, o povo a dos filhos, e todos, tendo nascido iguais e livres, só alienam sua liberdade em proveito próprio” (p. 10). O pai aceita governar por amor aos filhos, enquanto o chefe de Estado governa pelo “prazer de comandar”. P. 10-12: Crítica a diversas teorias que negam “que todo poder humano seja estabelecido em favor daqueles que são governados” (p. 10): Grotius falando sobre a escravidão; Hobbes e a visão da “espécie humana dividida em rebanhos, cada qual com seu chefe, que o guarda para devorá-lo” (p. 11); Calígula e a visão dos reis como deuses, e dos povos como animais; Aristóteles e a ideia de escravidão natural; Filmer e ideia de Adão como primeiro rei absoluto. Cap. 3: Do direito do mais forte “A força é um poder físico; não vejo que moralidade pode resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, e não de vontade; é, quando muito, um ato de prudência. Em que sentido poderá constituir um dever?” (p. 12) “Ora, o que é um direito que perece quando cessa a força? (...) Vê-se, pois, que a palavra direito nada acrescenta à força” (p. 13). “Convenhamos, pois, que a força não faz o direito, e que só se é obrigado a obedecer aos poderes legítimos. Assim, minha pergunta inicial permanece de pé” (p. 13). Cap. 4: Da escravidão Refutação da ideia de que um povo pode legitimamente alienar sua liberdade e tornar-se súdito de um rei, como um particular poder alienar sua liberdade e se tornar escravo de um senhor (raciocínio de Grotius): Um particular pode vender sua liberdade em troca de subsistência, mas um povo se venderia pelo quê? “Longe de prover à subsistência de seus súditos, o rei apenas tira a sua deles, e, segundo Rabelais, um rei não vive com pouco” (p. 14). Crítica da legitimação do despotismo em nome da tranquilidade civil (crítica indireta a Hobbes): “Dir-se-á que o déspota assegura aos súditos a tranquilidade civil. Seja. Mas que ganham eles com isso, se as guerras que sua ambição lhes acarreta, se sua insaciável avidez, se os vexames de seu ministério os desolam mais que as próprias dissensões?” (p. 14). “Mesmo que cada um pudesse alienar-se a si mesmo, não poderia alienar os filhos” (p. 14) - Cada geração precisa consentir ao governo. Contra a escravidão: “Renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de homem, aos direitos da humanidade, e até aos próprios deveres. (...) Tal renúncia é incompatível com a natureza do homem... Enfim, é inútil e contraditória a convenção que estipula, de um lado, uma autoridade absoluta, e, de outro, uma obediência sem limites” (p. 15). Contra legitimação da escravidão pela doutrina da guerra justa (Grotius): Não há direito de matar os vencidos. “A guerra não é, pois, uma relação de homem para homem, mas uma relação de Estado para Estado, na qual os particulares só são inimigos acidentalmente, não como homens, nem mesmo como cidadãos, mas como soldados; não como membros da pátria, mas como seus defensores” (p. 16- 17). Tem-se o direito de matar os defensores de um Estado inimigo quando eles estão de armas na mão, mas não após a rendição e deposição das armas, quando os soldados tornam-se simples homens. Cap. 5: De como sempre é preciso remontar a uma primeira convenção Mesmo se a escravidão fosse legítima, a submissão de uma multidão a um mesmo senhor ainda não constitui um povo: “É, talvez, uma agregação, mas não uma associação; não há nela nem bem público nem corpo político. (...) Se esse mesmo homem vem a perecer, seu império, depois dele, fica disperso e sem ligação” (p. 19). “antes de examinar o ato pelo qual um povo elege um rei, seria bom examinar o ato pelo qual um povo é um povo. Porque esse ato, sendo necessariamente anterior ao outro, constitui o verdadeiro fundamento da sociedade” (p. 19). De onde vem o dever de a minoria se submeter aos votos da maioria? “A lei da pluralidade dos sufrágios é por si só um estabelecimento de convenção e supõe, pelo menos uma vez, a unanimidade” (p. 20). Cap. 6: Do pacto social Problema fundamental a ser solucionado pelo contrato social: “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedeça, contudo, a si mesmo e permaneça tão livre quanto antes” (p. 20-21). Todas as cláusulas do contrato se resumem a uma só: “a alienação total de cada associado, com todos os seus direitos, a toda a comunidade” (p. 21). Igualdade, ausência de dominação, união perfeita: “cada qual dando-se por inteiro, a condição é igual para todos”; “como a alienação se faz sem reservas, a união é tão perfeita quanto possível”; “cada um, dando-se a todos, não se dá a ninguém”. Resumo do contrato: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e recebemos, coletivamente, cada membro como parte indivisível do todo” (p. 22). “Imediatamente, em vez da pessoa particular de cada contratante, esse ato de associação produz um corpo moral e coletivo composto de tantos membros quantos são os votos da assembleia, o qual recebe, por esse mesmo ato, sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública, assim formada pela união de todas as demais, tomava outrora o nome de Cidade, e hoje o de República ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo e Potência quando comparado aos seus semelhantes. Quanto aos associados, eles recebem coletivamente o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto participantes da autoridade soberana, e súditos, enquanto submetidos às leis do Estado” (p. 22-23). Cap. 7: Do Soberano “Vê-se, por essa fórmula, que o ato de associação encerra um compromisso recíproco do público com os particulares,que cada indivíduo, contratando, por assim dizer, consigo mesmo, acha-se comprometido numa dupla relação, a saber: como membro do soberano em face dos particulares e como membro do Estado em face do soberano. Mas não se pode aplicar aqui a máxima do Direito Civil, segundo a qual ninguém está obrigado aos compromissos assumidos consigo mesmo; pois há uma grande diferença entre obrigar-se perante si mesmo e perante um todo do qual se faz parte” (p. 23). Ausência de lei acima do (povo) soberano: “é contra a natureza do corpo político impor-se o soberano uma lei que não possa infringir. Não podendo considerar-se senão sob uma única e mesma relação, encontra-se então no caso de um particular contratando consigo mesmo, por onde se vê que não há, nem pode haver, nenhuma espécie de lei fundamental obrigatória para o corpo do povo, nem mesmo o contrato social” (p. 23). Não são necessárias garantias dos súditos contra o (povo) soberano: “Ora, o soberano, sendo formado apenas pelos particulares que o compõem, não tem nem pode ter interesse contrário ao deles; consequentemente, o poder soberano não tem nenhuma necessidade de garantia em face dos súditos, porque é impossível que o corpo queira prejudicar todos os seus membros e veremos a seguir que não pode prejudicar ninguém em particular. O soberano, só pelo fato de sê-lo, é sempre tudo aquilo que deve ser” (p. 24). Mas são necessárias garantias do (povo) soberano contra os súditos: “cada indivíduo pode, como homem, ter uma vontade particular oposta ou diversa da vontade geral que tem como cidadão. Seu interesse particular pode ser muito diferente do interesse comum... gozará dos direitos do cidadão sem querer cumprir os deveres do súdito - injustiça cujo progresso redundaria na ruína do corpo político” (p. 24-25). Compromisso que dá força ao pacto social: “aquele que se recusar a obedecer à vontade geral a isso será constrangido por todo o corpo - o que significa apenas que será forçado a ser livre, pois é esta a condição que, entregando à pátria cada cidadão, o garante contra toda dependência pessoal” (p. 25). Cap. 8: Do estado civil Transformação moral do homem ao passar do estado de natureza ao estado civil: “A passagem do estado de natureza ao estado civil produz no homem uma mudança considerável, substituindo em sua conduta o instinto pela justiça e conferindo às suas ações a moralidade que antes lhe faltava. Só então, assumindo a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito o do apetite, o homem, que até então não levara em conta senão a si mesmo, se viu obrigado a agir com base em outros princípios e a consultar sua razão antes de ouvir seus pendores” (p. 25-26). Estado de natureza: Liberdade natural (limite apenas nas forças do indivíduos) e “direito ilimitado a tudo quanto deseja e pode alcançar” (p. 26). Estado civil: Liberdade civil (limitada pela vontade geral) no lugar da natural, e propriedade (título positivo) no lugar da posse (efeito da força ou do direito do primeiro ocupante). Liberdade moral, “a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si, porquanto o mero apetite é escravidão, e a obediência à lei que se prescreveu a si mesmo é liberdade” (p. 26). Cap. 9: Do domínio real (Propriedade das coisas) Cada membro da comunidade entrega-se a ela com todas as forças e todos os seus bens. O Estado se torna senhor de todos os bens de seus membros: posse pública - “sendo as forças da Cidade incomparavelmente maiores que as de um particular, a posse pública é também, na verdade, mais forte e mais irrevogável, sem ser mais legítima, pelo menos para os estrangeiros” (p. 27). É o contrato social que permite transformar o direito de primeiro ocupante em direito de propriedade: “O direito de primeiro ocupante, embora mais real que o do mais forte, só se torna um verdadeiro direito após o estabelecimento do direito de propriedade. Todo homem tem naturalmente direito a tudo o que lhe é necessário; mas o ato positivo, que o torna proprietário de qualquer bem, o exclui de tudo o mais. Tomada a sua parte, deve limitar-se a ela, e já não goza de nenhum direito à comunidade. Eis por que o direito de primeiro ocupante, tão frágil no estado de natureza, é respeitável para todos os homens civis. Respeita-se menos, nesse direito, aquilo que pertence a outrem do que aquilo que não se possui” (p. 27). “o direito de cada particular sobre seus próprios bens está sempre subordinado ao direito da comunidade sobre todos, sem o que não teria solidez o vínculo social, nem força real o exercício da soberania” (p. 29). “Encerrarei este capítulo e este livro por uma observação que deve servir de base a todo o sistema social: em vez de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, ao contrário, por uma igualdade moral e legítima aquilo que a natureza poderia trazer de desigualdade física entre os homens, e, podendo ser desiguais em força ou em talento, todos se tornam iguais por convenção e de direito” (p. 29-30).