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Revisada Atualizada Ampliada Edição 2025.1 E s t a t u t o d o DESARMAMENTO CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 1 ESTATUTO DO DESARMAMENTO - LEI 10.826/2003 APRESENTAÇÃO................................................................................................................................ 4 PARTE GERAL .................................................................................................................................... 5 1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA.......................................................................................................... 5 2. NOÇÕES PRELIMINARES .......................................................................................................... 6 3. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO .................................................................................. 7 4. NATUREZA DOS CRIMES .......................................................................................................... 7 5. BENS JURÍDICOS PROTEGIDOS .............................................................................................. 8 6. CLASSIFICAÇÃO DAS ARMAS DE FOGO ................................................................................ 8 ARMAS DE FOGO DE USO PERMITIDO ............................................................................ 8 ARMAS DE FOGO DE USO RESTRITO ............................................................................. 9 ARMAS DE FOGO DE USO PROIBIDO .............................................................................. 9 7. REGISTRO E PORTE DE ARMA DE FOGO ............................................................................ 10 1ª ETAPA: AQUISIÇÃO DA ARMA DE FOGO................................................................... 10 2ª ETAPA: REGISTRO ....................................................................................................... 12 3ª ETAPA: AUTORIZAÇÃO PARA O PORTE.................................................................... 12 AUSÊNCIA DO REGISTRO OU DE AUTORIZAÇÃO PARA O PORTE E ADEQUAÇÃO TÍPICA ............................................................................................................................................ 14 REGISTRO DE ARMA DE FOGO E LEI MARIA DA PENHA ............................................ 16 8. POSSE X PORTE ....................................................................................................................... 16 9. POSSE DE ARMA DE FOGO EM ZONA RURAL ..................................................................... 17 DOS CRIMES E DAS PENAS ........................................................................................................... 18 1. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO ......................................... 18 PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES INICIAIS ......................................................... 18 OBJETIVIDADE JURÍDICA ................................................................................................. 18 CONDUTA ........................................................................................................................... 18 OBJETO MATERIAL ........................................................................................................... 19 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.................................................................................. 20 SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 22 1.6.1. Sujeito ativo .................................................................................................................. 22 1.6.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 22 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 22 GUARDA DE ARMA DE FOGO COM REGISTRO VENCIDO .......................................... 24 AÇÃO PENAL...................................................................................................................... 25 ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA ................................................................................. 25 PENA ................................................................................................................................... 26 2. OMISSÃO DE CAUTELA ........................................................................................................... 27 PREVISÃO LEGAL ............................................................................................................. 27 OBJETIVIDADE JURÍDICA ................................................................................................. 27 SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 27 2.3.1. Sujeito ativo .................................................................................................................. 27 2.3.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 27 ELEMENTO SUBJETIVO ................................................................................................... 27 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 28 FIGURA EQUIPARADA À OMISSÃO DE CAUTELA ........................................................ 28 2.6.1. Objetividade jurídica .................................................................................................... 28 2.6.2. Sujeitos do delito .......................................................................................................... 28 CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 2 2.6.3. Observações importantes ............................................................................................ 29 2.6.4. Consumação e tentativa .............................................................................................. 29 3. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO .................................................. 29 PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ......................................................................... 29 OBJETIVIDADE JURÍDICA ................................................................................................. 30 SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 30 3.3.1. Sujeito ativo .................................................................................................................. 30 3.3.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 30 ELEMENTO NORMATIVO .................................................................................................. 30 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 32 OBSERVAÇÕES IMPORTANTES ..................................................................................... 33 3.6.1. Crime de perigo abstrato ............................................................................................. 33 3.6.2. Porte de arma de brinquedo e réplicas ....................................................................... 34 3.6.3. Porte ilegal de arma de fogo desmuniciada ................................................................ 34 3.6.4. Uso de munição como pingente e atipicidade ............................................................ 35 3.6.5. Porte e homicídio ......................................................................................................... 35 3.6.6. Porte ilegal e legítima defesa ...................................................................................... 36 4. DISPAROsua residência. Os militares procederam ao local e pediram para fazer uma busca na residência, o que foi autorizado de forma consciente pelo seu único morador. Os policiais encontraram uma pistola 380, devidamente municiada. Indagado sobre a propriedade da arma e sobre o fato de estar circulando com a pistola na cintura em seu jardim, o morador admitiu ter se enervado com a festa do vizinho, apresentando, na sequência, um certificado de registro de arma de fogo, vencido há dois anos, bem como o registro de atirador desportivo. Diante da situação, é correto afirmar que o sujeito deve ter a arma de fogo apreendida, com aplicação de multa, sem responder por crime. Correto. (MPE-SC - Promotor - CESPE - 2021): O porte de arma de fogo com registro vencido é mera irregularidade administrativa, sendo tal conduta atípica em qualquer circunstância. Errado. (MPDFT - Promotor - MPDFT - 2021): A posse em residência de arma de fogo com registro vencido é conduta atípica. Errado. (Polícia Federal - Delegado - CESPE - 2021): É conduta atípica o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido com registro de cautela vencido. Errado. AÇÃO PENAL É crime de ação penal pública incondicionada. ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA O Estatuto do Desarmamento estabeleceu, em seu art. 30, um prazo de 180 dias para que os possuidores e proprietários de armas de fogo de uso permitido fizessem a solicitação de registro. Após sucessivas prorrogações, o prazo limite foi estipulado em 31 de dezembro de 2009, nos termos do art. 20 da Lei 11.922/20. Com base neste dispositivo, passou-se a entender que houve uma abolitio criminis temporária para o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido. De fato, se o cidadão foi flagrado com uma arma dessa espécie em sua residência, por exemplo, entre a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento e o dia 31 de dezembro de 2009, não poderia ser punido, pois ainda possuía prazo para efetuar a solicitação do registro da arma. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 26 Em sua redação originária, o Estatuto do Desarmamento autorizava essa abolitio criminis temporária também para as condutas relacionadas às armas de uso restrito e àquelas que lhes são equiparadas por Lei, como as armas de numeração raspada, suprimida ou adulterada. Em relação a este tipo de arma, porém, a abolitio criminis temporária cessou no dia 23 de outubro de 2005. Nesse sentido, a Súmula 513 do STJ: Súmula 513 do STJ: A abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005. Em suma: a) De 23 de dezembro de 2003 a 23 de outubro de 2005 a posse ilegal de arma permitida ou proibida não configurou crime; b) De 24 de outubro de 2005 a 31 de dezembro de 2009 a posse ilegal de arma permitida continuou a não configurar crime, mas a posse ilegal de arma proibida ou restrita (incluindo a arma permitida adulterada) passou a configurar crime; c) A partir de 1º de janeiro de 2010 a posse ilegal de arma permitida passou a configurar crime, mas a entrega espontânea à Polícia Federal constitui causa extintiva de punibilidade; d) O porte ilegal de qualquer arma sempre configurou crime, desde a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento. Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): A abolitio criminis temporária, prevista nos artigos 5º, § 3º, e 30, durante a sua vigência temporal, abrangeu todos os crimes previstos na Lei nº 10.826/2003. Errado. PENA A pena será de 1 a 3 anos e multa. Trata-se de crime de médio potencial ofensivo, admitindo-se a suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95: Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). Salienta-se que, como a pena não ultrapassa 4 anos, o próprio Delegado de Polícia poderá arbitrar a fiança. Por fim, estando presentes os requisitos do art. 44 do CP, é perfeitamente possível que a pena seja convertida em restritiva de direitos, pois cabe a conversão quando é aplicada pena CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 27 privativa de liberdade não superior a 4 anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. 2. OMISSÃO DE CAUTELA PREVISÃO LEGAL O crime de omissão de cautela está previsto no art. 13 do Estatuto do Desarmamento, observe: Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade: Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa. OBJETIVIDADE JURÍDICA Tutela-se a incolumidade pública em face do perigo decorrente do apoderamento da arma de fogo por pessoa despreparada, e ainda a própria integridade física do menor de idade ou deficiente mental, que também fica exposta a risco em tal situação. SUJEITOS DO DELITO 2.3.1. Sujeito ativo Pode ser qualquer pessoa, trata-se de crime comum ou geral. Se o agente não possui o registro da arma de fogo, incorre também no delito do art. 12. Frisa-se que a omissão de cautela em relação à munição ou acessório não está prevista no tipo penal. 2.3.2. Sujeito passivo São sujeitos passivos: 1) A coletividade; 2) O menor de 18 anos; 3) O portador de doença mental. ELEMENTO SUBJETIVO Os crimes do Estatuto do Desarmamento, em geral, são dolosos. Contudo, o crime de omissão de cautela é culposo, eis que é um típico caso de negligência. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 28 O proprietário da arma deixa de adotar as cautelas necessárias. Cita-se, como exemplo recente, o caso do adolescente de Goiânia que teve acesso à arma da mãe e atirou contra seus colegas de escola. Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-SP - Delegado - VUNESP - 2022): Nos termos da Lei n° 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), é correto afirmar que o crime de Omissão de Cautela é considerado doloso e apenado com detenção. Errado. (TJ-ES – Juiz – FGV – 2023): Acerca dos crimes previstos no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), é correto afirmar que o crime de omissão de cautela pode ser cometido com culpa ou dolo eventual. Errado. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA É crime material, o qual depende da produção do resultado naturalístico. Assim, não basta que o agente seja negligente, é necessário que o menor ou que o portador de transtorno mental se apodere da arma. É crime de perigo abstrato e também um delito omissivo impróprio. Por fim, não admite tentativa, já que se trata de crime culposo. FIGURA EQUIPARADA À OMISSÃO DE CAUTELA O parágrafo único traz um crime diferente em que é aplicado a mesma pena do art. 13, a omissão de comunicação de perda ou subtração de arma de fogo: Art. 13, Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato. Nos casos em que ocorre a perda, furto, roubo ou outra forma de extravio de arma de fogo, a empresa de segurança tem a obrigação de comunicar à autoridade competente em 24h, sob pena de responder pelo delitodo art. 13, parágrafo único. 2.6.1. Objetividade jurídica Protege-se a veracidade dos cadastros de arma de fogo perante o SINARM e o registro perante os órgãos competentes. 2.6.2. Sujeitos do delito 1) Sujeito ativo: trata-se de crime próprio ou especial, uma vez que somente pode ser praticado pelo proprietário da empresa ou pelo diretor responsável por empresa de segurança ou de transporte de valores. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 29 2) Sujeito passivo: a coletividade, já que a veracidade dos cadastros é de interesse coletivo, e não apenas dos órgãos responsáveis. 2.6.3. Observações importantes 1) As armas de fogo utilizadas pelas empresas de segurança e de transporte de valores deverão pertencer a elas, ficando também sob sua guarda e responsabilidade. 2) O registro e autorização para o porte, expedido pela Polícia Federal, deverão ser elaborados em nome da empresa. 3) A empresa deve apresentar ao SINARM, semestralmente, relação dos empregados habilitados a portar as armas, restrita ao serviço. Obs.: caso o funcionário da empresa seja surpreendido com a arma de fogo, fora do horário de trabalho, responderá por porte ilegal de arma de fogo. 2.6.4. Consumação e tentativa É um crime a prazo, em que o tipo penal condiciona a consumação do delito ao transcurso de determinado tempo. Assim, a consumação ocorrerá após o transcurso das 24h sem que haja a comunicação. Não admite tentativa, pois se trata de um crime omissivo próprio. 3. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES O delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido está previsto no art. 14 do Estatuto do Desarmamento: Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (DPE-RO – Defensor Público – CEBRASPE – 2023): A conduta de adquirir arma de fogo de origem internacional, de uso permitido, mas sem o registro adequado, de forma individual, e sem caracterizar um estabelecimento de comércio clandestino, configura porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. Correto. Trata-se de crime de elevado potencial ofensivo, incompatível com os benefícios da Lei 9.099/95. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 30 Ressalta-se que o STF, na ADI 3.112-1, considerou o parágrafo único inconstitucional, pois, atualmente, apenas a CF/88 pode dizer, de forma genérica e abstrata, que um crime é inafiançável. OBJETIVIDADE JURÍDICA Tutela-se a incolumidade pública, mais especificamente a segurança pública, no sentido de evitar que pessoas armadas coloquem em risco a vida, a incolumidade física ou o patrimônio dos cidadãos. SUJEITOS DO DELITO 3.3.1. Sujeito ativo É crime comum ou geral, podendo ser praticado por qualquer pessoa. É preciso ter atenção com o disposto no art. 20 do Estatuto do Desarmamento, que traz uma causa de aumento de pena, quando o crime é praticado por um dos integrantes dos órgãos e empresas constantes nos arts. 6º, 7º e 8º da Lei: Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada da metade se: I - forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º desta Lei; ou II - o agente for reincidente específico em crimes dessa natureza. 3.3.2. Sujeito passivo É a coletividade, tratando-se, pois, de crime vago. ELEMENTO NORMATIVO Embora a denominação legal do delito seja “porte ilegal de arma de fogo de uso permitido”, é fácil notar que o texto legal possui abrangência maior, já que existem inúmeras outras condutas típicas. Com efeito, as ações nucleares são portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar. Trata-se, porém, de crime de ação múltipla – também chamado de crime de conteúdo variado ou de tipo misto alternativo – em que a realização de mais de uma conduta típica, em relação ao mesmo objeto material, constitui crime único, na medida em que as diversas ações descritas na lei estão separadas pela conjunção alternativa “ou”. Assim, se o agente adquire e, em seguida, porta a mesma arma de fogo, comete apenas um crime. Destaca-se, nesse liame, que o STJ adotou o seguinte posicionamento quanto à modalidade “transportar”: O crime de porte de arma de fogo, seja de uso permitido ou restrito, na modalidade transportar, admite participação. STJ. 6ª Turma. REsp 1887992-PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 07/12/2021 (Info 721). CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 31 (MP-SC – Promotor de Justiça – CEBRASPE – 2023): Julgue o próximo item, pertinentes à Lei Antiterrorismo — Lei n.º 13.260/2016 e ao Estatuto do Desarmamento — Lei n.º 10.826/2003.O crime de porte irregular de arma de fogo, na modalidade transportar, inadmite participação. Errado. Em continuidade, os objetos materiais do crime são as armas de fogo, munições ou acessórios de uso permitido. O elemento normativo do tipo encontra-se na expressão “sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Com efeito, só comete o crime quem porta arma de fogo e não possui autorização para tanto, ou o faz em desacordo com as normas que disciplinam o tema. Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-AM - Delegado - FGV - 2022): No dia 22 de fevereiro de 2022, José foi abordado por guarnição policial militar, enquanto conduzia veículo automotor em via pública, em blitz regularmente realizada. No interior da mala do veículo foram encontradas vinte e cinco munições de fuzil calibre 7.65, de marcas variadas. Conduzido à unidade de polícia judiciária, durante a lavratura do seu auto de prisão em flagrante, confessou estar trabalhando para Carlos e Eduardo, tendo pleno conhecimento do material que transportava, mas que a contratação e o destino final teriam sido determinados pelos dois. Analisando a hipótese, sobre o crime de porte de arma de fogo, na modalidade transportar, é correto afirmar que admite coautoria ou participação. Correto. (PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): O indivíduo que carrega consigo silenciador, desacompanhado de qualquer arma de fogo ou munição, não pratica crime, pois a essa lei não prevê punição para a posse ou porte de acessórios. Errado. (PC-RN - Delegado - FGV - 2021): Vanda, funcionária de uma empresa de segurança particular, recebe de seu chefe, Eric, ordem para levar uma arma de fogo a um dos seguranças que estava em serviço e havia esquecido o seu equipamento na empresa. Temendo ser demitida, apesar da inexistência de ameaça neste sentido, Vanda cumpre a ordem recebida, ciente da conduta criminosa que estaria perpetrando, mas no caminho é parada por policiais militares. Considerando os fatos acima narrados, Vanda e Eric praticaram crime de transporte ilegal de arma de fogo, em concurso de pessoas. Correto. Indaga-se: O porte de arma de fogo de uso permitido com registro vencido é mera infração administrativa e conduta penalmente atípica? Não, é crime previsto no artigo 14 da Lei 10.826/2003. Explica o prof. Márcio Cavalcante, que a Corte Especial do STJ decidiu que, uma vez realizado o registro da arma, o vencimento da autorização não caracteriza ilícito penal, mas mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa (APn n. 686/AP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de 29/10/2015). CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 32Tal entendimento, todavia, é restrito ao delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei nº 10.826/2003), não se aplicando ao crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14), muito menos ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16), cujas elementares são diversas e a reprovabilidade mais intensa. Portanto: • Porte + Registro vencido = crime • Posse + Registro vencido = não há crime (para o entendimento majoritário) É típica a conduta de colecionador, com registro para a prática desportiva e guia de tráfego, que se dirigia ao clube de tiros sem portar consigo a guia de trânsito da arma de fogo? Não. No caso concreto, a acusação imputou ao paciente o crime previsto no art. 14 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), em virtude de o agente estar transportando uma arma de fogo de uso permitido sem portar a necessária guia de tráfego no momento da abordagem. Todavia, ensina o prof. Márcio Cavalcante, que não é possível a imputação de uma conduta como típica sem analisar a proporcionalidade entre o fato e a respectiva sanção penal. No caso, o acusado possuía o certificado de registro para a prática de tiro desportivo, bem como a guia de tráfego para transportar a arma até o clube de tiros, e o Ministério Público ofereceu a denúncia apenas por ter o agente se olvidado de carregar consigo a referida guia quando se deslocava da sua residência para o clube. Dessa forma, conclui-se que a tipificação dessa conduta como crime ofende o princípio da proporcionalidade e deve ser repelida, por não encontrar abrigo no moderno Direito Penal. A simples ausência de cumprimento de uma formalidade não pode fazer com que o agente possa ser considerado criminoso, até porque ele é colecionador de armas e não praticou nenhum ato que pudesse colocar em risco a incolumidade de terceiros, pois a sua conduta não pode ser considerada como ilícito penal (STJ - AgRg no AgRg no RHC 148516-SC – Inf. 753). CONSUMAÇÃO E TENTATIVA Tratando-se de crime de mera conduta, a consumação ocorre no momento da ação, independentemente de qualquer resultado. É possível a tentativa quando, por exemplo, o agente inicia os atos de execução, mas não logra êxito em adquirir a arma de fogo de uso permitido. Como o tema foi cobrado em concurso? (DPE-PR - Defensor - Instituto AOCP - 2022): João portava arma de fogo de uso permitido em via pública quando, ao amarrar seu calçado, ela disparou, sem, no entanto, atingir ninguém. Devido ao barulho provocado, a polícia foi acionada e abordou João, localizando o armamento e constatando que o seu registro de cautela estava vencido. Nessa situação hipotética, João deverá responder unicamente pelo crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. Correto. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 33 OBSERVAÇÕES IMPORTANTES 3.6.1. Crime de perigo abstrato O crime em análise é de perigo abstrato, em que a Lei presume, de forma absoluta, a existência do risco causado à coletividade por parte de quem, sem autorização, porta arma de fogo, acessório ou munição. É, portanto, totalmente desnecessária prova de que o agente tenha causado perigo a pessoa determinada. Por isso, pode-se também dizer que se trata de crime de mera conduta, que se aperfeiçoa com a ação típica, independentemente de qualquer resultado. Tratando-se de crime de perigo, a jurisprudência fixou entendimento de que o porte concomitante de mais de uma arma de fogo caracteriza situação única de risco à coletividade e, assim, o agente só responde por um delito, não se aplicando a regra do concurso formal. O juiz, todavia, pode levar em conta a quantidade de armas na fixação da pena-base, em face da maior gravidade do fato (art. 59 do CP). Se uma das armas for de uso proibido e a outra, de uso permitido, configura-se o crime mais grave, previsto no art. 16, § 2º, da Lei. Quando se diz que o crime é de perigo presumido ou abstrato, conclui-se apenas que é desnecessária prova de situação de risco a pessoa determinada. Exige-se, porém, que a arma possa causar dano, pois, do contrário, não se diria que o crime é de perigo. Por isso, a própria Lei (art. 25) menciona a elaboração de perícia nas armas de fogo, acessórios ou munições que tenham sido apreendidos, bem como a sua juntada aos autos, com o intuito de demonstrar a potencialidade lesiva da arma. Assim, pode-se afirmar que não há crime quando a perícia constata tratar-se de arma obsoleta ou quebrada (inoperante). À vista disso, o STJ entendeu que é atípica a conduta de portar arma de fogo ineficaz: Para que haja condenação pelo crime de posse ou porte NÃO é necessário que a arma de fogo tenha sido apreendida e periciada. Assim, é irrelevante a realização de exame pericial para a comprovação da potencialidade lesiva do artefato. Isso porque os crimes previstos no arts. 12, 14 e 16 da Lei 10.826/2003 são de mera conduta ou de perigo abstrato, cujo objeto jurídico imediato é a segurança coletiva. No entanto, se a perícia for realizada na arma e o laudo constatar que a arma não tem nenhuma condição de efetuar disparos não haverá crime. Para o STJ, não está caracterizado o crime de porte ilegal de arma de fogo quando o instrumento apreendido sequer pode ser enquadrado no conceito técnico de arma de fogo, por estar quebrado e, de acordo com laudo pericial, totalmente inapto para realizar disparos. Assim, demonstrada por laudo pericial a total ineficácia da arma de fogo e das munições apreendidas, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta do agente que detinha a posse do referido artefato e das aludidas munições de uso proibido, sem autorização e em desacordo com a determinação legal/regulamentar. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 397473/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 19/08/2014 (Info 544). STJ. 6ª Turma. REsp 1451397-MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/9/2015 (Info 570).4 4 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Atipicidade da conduta de posse/porte ilegal de arma de fogo ineficaz. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: . Acesso em: 14/03/2024. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 34 Como o tema foi cobrado em concurso? (TRF-4 - Juiz Federal - TRF-4 - 2022): Segundo entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, nos crimes dos artigos 12 (posse irregular de arma de fogo de uso permitido), 14 (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido) e 16 (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito) da Lei nº 10.826/2003, cuidando-se de crimes que atingem a incolumidade pública, é imprescindível a realização de perícia sobre as armas de fogo para aferição da potencialidade lesiva. Errado. (PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): Não afasta a tipicidade da conduta criminosa o fato de a arma de fogo apreendida ter sido declarada absolutamente ineficaz por meio de perícia realizada no curso da ação penal. Errado. (PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): A atipicidade de conduta do agente que detém posse de arma de fogo sem autorização e em desacordo com a determinação legal/regulamentar deve ser reconhecida quando a total ineficácia dessa arma for demonstrada por laudo pericial. Correto. (MPDFT - Promotor - MPDFT - 2021): Para o Supremo Tribunal Federal (STF), a arma de fogo incapaz de efetuar disparos pode configurar elementar dos crimes de Porte ou Posse Ilegal dos arts. 12, 14 e 16 da Lei nº 10.826/2003. Correto. 3.6.2. Porte de arma de brinquedo e réplicas As armas de brinquedo, simulacros ou réplicas não constituem armas de fogo, de modo que o seu porte não está abrangido na figura penal. O Estatuto do Desarmamento se limita a proibir (sem prever sanção penal) a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo,que possam com estas se confundir, exceto para instrução, adestramento ou coleção, desde que autorizados pelo Comando do Exército, nos termos do art. 26: Art. 26. São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir. Parágrafo único. Excetuam-se da proibição as réplicas e os simulacros destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Comando do Exército. As armas de brinquedo que estejam sendo comercializadas ou fabricadas devem ser apreendidas pela fiscalização, na medida em que são proibidas. 3.6.3. Porte ilegal de arma de fogo desmuniciada Entende-se que, por ser um crime de mera conduta, haverá crime. Nesse sentido, segue o posicionamento do STF e STJ: O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que é de perigo abstrato o crime de porte ilegal de arma de fogo, sendo, portanto, irrelevante CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 35 para sua configuração encontrar-se a arma desmontada ou desmuniciada. (STF - HC 95861, Rel. Min. Cezar Peluso, Rel. p/ Acórdão: Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, julgado em 02/06/2015, Acórdão eletrônico DJe-128 divulg 30/06/2015 public 01/07/2015). O entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, firmado no julgamento do AgRg no EAREsp n. 260.556/SC, em 26/03/2014, tendo como relator o eminente Ministro Sebastião Reis Júnior, é no sentido de que o crime previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/2003 é de perigo abstrato, sendo irrelevante o fato de a arma estar desmuniciada ou, até mesmo, desmontada ou estragada, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física, e sim a segurança pública e a paz social, colocados em risco com o porte de arma de fogo sem autorização ou em desacordo com determinação legal, revelando-se despicienda até mesmo a comprovação do potencial ofensivo do artefato através de laudo pericial. (STJ - AgRg no AgRg no AREsp 1437702/RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, julgado em 20/08/2019, DJe 23/08/2019). 3.6.4. Uso de munição como pingente e atipicidade O STF e o STJ consideram atípica a conduta do agente que portava uma munição como pingente, sem possuir arma de fogo: É atípica a conduta daquele que porta, na forma de pingente, munição desacompanhada de arma. STF. 2ª Turma. HC 133984/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 17/5/2016 (Info 826). A atipicidade material da conduta não pode ser reconhecida, porquanto a munição apreendida com o paciente estava intacta e poderia ser utilizada em arma de fogo, diferentemente daquelas hipóteses em que a natureza do projétil é descaracterizada mediante utilização em obra de arte ou para confecção de chaveiro, colar etc. (STJ - AgRg no HC 391.282/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 16/05/2017, DJe 24/05/2017). Obs.: vale reiterar que, em regra, a jurisprudência não aplica o princípio da insignificância aos crimes de posse ou porte de armas ou munições. 3.6.5. Porte e homicídio Se o agente, utilizando arma de fogo, atira e mata alguém, haverá homicídio e porte de arma de fogo ou apenas homicídio? Se uma pessoa pratica homicídio com arma de fogo, a acusação por porte deverá ser absorvida? Aplica-se o princípio da consunção? Depende da situação. O crime de porte não será absorvido (haverá concurso material de crimes) se ficar provado nos autos que o agente portava ilegalmente a arma de fogo em outras oportunidades antes ou depois do homicídio e que ele não se utilizou da arma tão somente para praticar o assassinato. Ex.: a instrução demonstrou que João adquiriu a arma de fogo 3 meses antes de matar Pedro e não a comprou com a exclusiva finalidade de ceifar a vida da vítima. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 36 Contudo, crime de porte será absorvido se não houver provas de que o réu já portava a arma antes do homicídio ou se ficar provado que ele a utilizou somente para matar a vítima. Ex.: o agente compra a arma de fogo e, em seguida, dirige-se até a casa da vítima, e contra ela desfere dois tiros, matando-a. 3.6.6. Porte ilegal e legítima defesa Em regra, o agente que age em legítima defesa utilizando arma de fogo sem registro poderá responder pelo crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo. Contudo, o crime poderá ser absorvido quando a conduta foi exclusiva para o ato de legítima defesa. 4. DISPARO DE ARMA DE FOGO PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES O art. 15 do Estatuto do Desarmamento consagra o delito de disparo de arma de fogo, vejamos: Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. O crime se aperfeiçoa com o disparo de arma de fogo ou, simplesmente, com o acionamento da munição (engatilhar a arma). Importante destacar a expressão “desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime”, a qual configura um crime expressamente subsidiário. Trata-se do princípio da subsidiariedade expressa na solução do conflito aparente de normas. Assim, tem-se as seguintes hipóteses: 1) Se o agente dispara arma de fogo sem nenhum intuito, responderá pelo art. 15 do Estatuto do Desarmamento; 2) Se o agente dispara arma de fogo para matar outra pessoa, responderá por homicídio (art. 121 do CP), pois o disparo será absorvido pelo homicídio. OBJETIVIDADE JURÍDICA Protege-se a incolumidade pública, mais especificamente a segurança pública. OBJETO MATERIAL Apenas a munição, permitida ou proibida. SUJEITOS DO DELITO CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 37 4.4.1. Sujeito ativo É crime comum ou geral, tendo em vista que pode ser praticado por qualquer pessoa. Importante não esquecer da supramencionada causa de aumento prevista no art. 20. 4.4.2. Sujeito passivo É a coletividade, mas também serão vítimas as pessoas que suportaram o perigo. ELEMENTO ESPACIAL DO TIPO O disparo deve ocorrer em via pública ou em direção a ela, bem como em lugar habitado ou em suas adjacências. Portanto, o disparo de arma de fogo em lugar ermo é conduta atípica. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA É crime de mera conduta. Assim, será consumado com o disparo da arma de fogo ou com o acionamento da munição. Igualmente, é um crime de perigo abstrato. É, perfeitamente, cabível a tentativa. Ex.: o agente aperta o gatilho do revólver, mas o disparo não ocorre porque outra pessoa, repentinamente, segura o tambor da arma, impedindo que gire (o que inviabiliza o disparo). Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): A comprovação da lesividade da conduta é indispensável para a caracterização típica do crime de “disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela”. Errado. OBSERVAÇÕES IMPORTANTES 4.7.1. Pluralidade de disparos Havendo pluralidade de disparos, no mesmo contexto fático, configura crime único. O número de disparos será utilizado para a dosimetria da pena. 4.7.2. Veracidade do projétil É preciso que realmente ocorra o disparo de uma arma de fogo. Assim, disparo de arma de borracha não configura este crime. 4.7.3. Crime mais grave e absorção O agente irá responder apenas pelo crime mais grave. O disparo fica absorvido. 4.7.4. Porte ilegal e disparo de arma de fogo CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 38 Para determinar os crimes que o agente irá responder, é necessário analisar o contexto fático, a fim de determinar se há ou não ligação entre as condutas. Observe-se, então, as seguintes hipóteses: 1) João está em sua residência, assistindo ao jogo de seu time de futebol. Após o gol, dirige-se até a rua e efetua um disparopara o alto. Em seguida, retorna para sua casa. Perceba que João portou ilegalmente a arma de fogo apenas com a finalidade de efetuar o disparo. Assim, o disparo irá absorver o porte ilegal. 2) João saiu de sua residência, com a arma de fogo, atravessou a cidade inteira para chegar ao estádio de futebol, após o jogo, novamente, atravessou a cidade para voltar para casa. Ocasião em que efetuou um disparo para o alto. Nesta hipótese, temos dois contextos distintos, por isso João irá responder pelos dois delitos (porte e disparo) em concurso material de crimes. Nesse liame, destaca-se o posicionamento do STJ: Aplica-se o princípio da consunção aos crimes de porte ilegal e de disparo de arma de fogo ocorridos no mesmo contexto fático, quando presente nexo de dependência entre as condutas, considerando-se o porte crime-meio para a execução do disparo de arma de fogo. (STJ - AgRg no AREsp 1.211.409/MS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, julgado em 08/05/2018, DJe 21/05/2018). Esta Corte Superior entende que a absorção do delito de porte de arma pelo de disparo não é automática, pois depende do contexto fático do caso concreto em que se deram as condutas. Não ficou caracterizada a hipótese de aplicação do princípio da consunção, na espécie, porque os momentos consumativos dos delitos ocorreram em situações diversas, em contextos destacados. (AgRg no REsp 1.347.003/SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, 5ª Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014). Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-RN - Delegado - FGV - 2021): Após discutir com alguns vizinhos, Lúcio efetuou disparos de arma de fogo para o alto na via pública, atingindo o telhado de uma das casas, o que fez com que os moradores da localidade, dois dias depois, registrassem o fato na delegacia de polícia. A autoridade policial representou pela busca e apreensão de eventual prova de crime na residência de Lúcio, o que foi deferido pelo juízo competente. No cumprimento do mandado, foi apreendida na residência uma arma de fogo sem registro, sendo certo que Lúcio não tinha autorização legal para portar ou possuir qualquer tipo de arma. Restando comprovados os fatos por prova oral e pericial, Lúcio responderá pelos crimes de posse de arma de fogo e de disparo de arma de fogo, em concurso material. Correto. PENA A pena é de 2 a 4 anos. Portanto, trata-se de um crime de elevado potencial ofensivo. Assim, pode-se concluir que: 1) Não é possível a transação penal, pois a pena máxima supera os 2 anos; CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 39 2) Não é possível a suspensão condicional do processo, pois a pena mínima prevista para o crime ultrapassa 1 ano; 3) É muito provável que a pena seja convertida em restritiva de direitos, desde que cumpridos os requisitos legais; 4) Tendo em vista que a pena máxima não ultrapassa o patamar de 4 anos, o próprio Delegado poderá arbitrar a fiança. Obs.: conforme já apontado, o parágrafo único foi declarado inconstitucional pelo STF. Portanto, cabe sim fiança. Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-SP - Delegado - VUNESP - 2022): Nos termos da Lei n° 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), é correto afirmar que o crime de disparo de arma de fogo é apenado com detenção. Errado. 5. POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E PROIBIDO PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES A posse e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito estão previstas no art. 16 do Estatuto do Desarmamento. Há nos incisos do parágrafo primeiro uma série de figuras equiparadas. Verifica- se, portanto, o dispositivo legal: Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato; II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz; III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado; V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo. § 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 40 Quando a arma de fogo é de uso restrito, o crime será o mesmo tanto para a posse ilegal quanto para o porte ilegal. De outra banda, quando se trata de arma de fogo de uso permitido, os crimes serão distintos: posse ilegal (art. 12) e porte ilegal (art. 14) Nota-se que a Lei 13.964/2019 modificou o art. 16 do Estatuto do para diferenciar arma de fogo de uso restrito de arma de fogo de uso proibido: ESTATUTO DO DESARMAMENTO ANTES DA LEI 13.964/2019 ATUALMENTE Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem: § 1º Nas mesmas penas incorre quem: Não havia § 2º no art. 16. § 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. OBJETIVIDADE JURÍDICA Assim como nos demais crimes do Estatuto, protege-se a incolumidade pública, mais especificamente a segurança pública. SUJEITOS DO DELITO 5.3.1. Sujeito ativo Qualquer pessoa poderá praticar o delito do art. 16, pois se trata de crime comum ou geral. Aqui, novamente, aplica-se a regra do art. 20 do Estatuto, segundo a qual a pena será aumentada quando o crime for praticado por integrantes dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º. 5.3.2. Sujeito passivo É crime vago. Assim, o sujeito passivo será a coletividade. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 41 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO O elemento normativo do tipo está contido na expressão “sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. No que diz respeito ao registro, por exemplo, temos várias regras. O art. 27 da Lei 10.826/2003 diz que a aquisição de arma de uso restrito poderá ser autorizada, excepcionalmente, pelo Comando do Exército, e seu art. 3º, parágrafo único, estabelece que o registro também será feito em tal Comando. As armas de uso permitido, conforme já estudado, são registradas na PolíciaFederal. O delito em análise é uma espécie de figura qualificada dos crimes de posse e porte de arma, previsto, porém, em um tipo penal autônomo. A pena maior se justifica em virtude da maior potencialidade lesiva das armas de fogo de uso proibido ou restrito, que, por tal razão, elevam o risco à coletividade. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA É crime de perigo abstrato, a Lei presume o perigo com a prática de qualquer uma das condutas descritas no art. 16. Igualmente, é um crime de mera conduta, ou seja, basta a prática da conduta para que se presuma o perigo. O tipo penal limita-se a descrever a conduta, sem prever o resultado naturalístico. Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ-RS - Juiz - FAURGS - 2022): Sobre os crimes de posse e porte ilegais de armas de fogo, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é correto afirmar que são crimes de perigo abstrato. Correto. FIGURAS EQUIPARADAS Estão descritas nos incisos do § 1º do art. 16. Trata-se de crimes autônomos com condutas e objetos materiais próprios, para os quais se aproveitou a pena do caput do art. 16. Obs.: as condutas não precisam ser relacionadas a arma de fogo de uso restrito ou proibido. 5.6.1. Suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de indicação de arma de fogo ou artefato O tipo penal pune o responsável pela supressão (eliminação completa) ou alteração (mudança) da marca ou numeração. Assim, quando existir prova de que o réu foi o autor da supressão, responderá por tal delito. Todavia, se não tiver sido ele o autor da adulteração, a posse ou o porte da arma com numeração suprimida ou alterada tipificará a conduta do art. 16, § 1º, IV, do Estatuto. O bem jurídico tutelado é a veracidade do cadastro das armas no SINARM. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 42 O crime pode ser cometido por qualquer pessoa. Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ-ES - Juiz - FGV - 2023): Incide nas penas cominadas ao crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito aquele que suprime ou altera marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo, ainda que esta seja de uso permitido. Correto. 5.6.2. Modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz Nota-se que há 2 condutas distintas: 1) Modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito. Cita-se, como exemplo, a conduta do agente que serra o cano de uma arma calibre 12. Pune-se apenas o responsável pela modificação. Qualquer outra pessoa que a porte ou possua irá responder pelo caput do art. 16. 2) Modificar as características de arma de fogo para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz. Aqui, tem-se um crime formal. Não incide o art. 347 do CP, que pune o crime de fraude processual. 5.6.3. Possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar Em relação aos artefatos explosivos, este dispositivo prevalece sobre o art. 253 do CP: Art. 253 - Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da autoridade, substância ou engenho explosivo, gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado à sua fabricação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. O art. 253 do CP continua em vigor em relação a gases tóxicos ou asfixiantes, bem como em relação a substâncias explosivas (ex.: tolueno), já que o inciso III só se refere a artefato explosivo pronto (ex.: dinamite). No tocante ao artefato incendiário, a exemplo do coquetel molotov, não é punível a mera posse de seus componentes, conforme posicionamento do STJ: A conduta de portar granada de gás lacrimogênio ou granada de gás de pimenta não se subsome (amolda) ao delito previsto no art. 16, parágrafo único, III, da Lei nº 10.826/2003. Isso porque elas não se enquadram no conceito de artefatos explosivos. STJ. 6ª Turma. REsp 1627028/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/02/2017 (Info 599). CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 43 Ademais, segundo o STJ, explosivo é, em sentido amplo, um material extremamente instável, que pode se decompor rapidamente, formando produtos estáveis. Esse processo é denominado de explosão e é acompanhado por uma intensa liberação de energia, que pode ser feita sob diversas formas e gera uma considerável destruição decorrente da liberação dessa energia. Não será considerado explosivo o artefato que, embora ativado por explosivo, não projete nem disperse fragmentos perigosos, como metal, vidro ou plástico quebradiço, não possuindo, portanto, considerável potencial de destruição. Assim, para ser considerado artefato explosivo, é necessário que ele seja capaz de gerar alguma destruição. Desse modo, a título de exemplificação, 2 granadas, quando acionadas, liberam apenas densa fumaça e gás de pimenta, ou, quando muito, alguns fragmentos de borracha. Assim, a explosão decorrente da sua decomposição não é capaz de gerar destruição resultante da liberação de energia, apenas o incômodo gerado pelo gás tóxico. Como o tema foi cobrado em concurso? (MPDFT - Promotor - MPDFT - 2021): O porte de granada de gás lacrimogêneo se enquadra no tipo penal do art. 16, § 1º, III, que assemelha o porte ilegal de arma de uso restrito ao porte de artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Errado. 5.6.4. Portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado Quem suprime ou modifica responde pelo inciso I. Já quem porta, possui, adquire, transporta ou fornece responde pelo inciso IV. Ressalta-se que pode ser qualquer tipo de arma de fogo, isto é, de uso restrito ou permitido. Não há vinculação ao caput. Nesse sentido, o HC 99.582/RS, noticiado no Informativo 558 do STF: Info 558 do STF: Para a caracterização do crime previsto no art. 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/2003, é irrelevante se a arma de fogo é de uso permitido ou restrito, bastando que o identificador esteja suprimido. Firmou-se entendimento no sentido de que haverá concurso formal de crimes quando o agente portar uma arma com numeração raspada e outra com a respectiva numeração, com o argumento de que os bens jurídicos tutelados não são exatamente os mesmos. Veja-se: Condenação pelos crimes dos arts. 12 e 16 da Lei n. 10.826/03. Reconhecimento de crime único em sede de apelação. Restabelecimento do concurso formal. Precedentes. Embora as condutas de possuir arma com numeração raspada e munições e acessórios de uso permitido tenham sido praticadas em um mesmo contexto fático, houve lesão a bens jurídicos diversos, pois o art. 16 do Estatuto do Desarmamento, além da paz e segurança públicas, também protege a seriedade dos cadastros do Sistema Nacional de Armas, sendo inviável o reconhecimento de crime único. (STJ - AgRg no REsp 1732505/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado em 15/5/2018, DJe 25/5/2018). CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 44 Por fim, destaca-se que a descoberta de parte de numeração que foi suprimida de uma arma não torna possível a desclassificação da conduta do tipo penal de porte de arma de uso restrito (art. 16, § 1º, IV) para porte de arma de uso permitido (art. 14), segundo entendimento do STJ: Reconhecida a prática do delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, afasta-se qualquer pretensão em ver a conduta desclassificada para o delito previsto no art. 14, caput, do Estatuto do Desarmamento, observando- se que a rastreabilidadeda arma de fogo é irrelevante para materialidade do delito do art. 16, parágrafo único, IV, da Lei nº 10.826/2003 (atual art. 16, § 1º, IV). STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 2.165.381-SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 21/3/2023 (Info 13 – Edição Extraordinária). 5.6.5. Vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente De acordo com Victor Eduardo Rios Gonçalves, pela comparação desse tipo penal com outros da Lei 10.826/2003, pode-se concluir que: 1) Quem vende, entrega ou fornece qualquer espécie de arma de fogo, acessório ou munição, intencionalmente (dolosamente) a menor de idade, comete o crime do art. 16, § 1º, V. O dispositivo se aplica qualquer que seja a arma de fogo. O art. 242 do Estatuto da Criança e do Adolescente pune com reclusão de 3 a 6 anos a venda ou fornecimento de arma, munição ou explosivo a criança ou adolescente. Embora esse crime tenha tido sua pena alterada pela Lei 10.764, de 12 de novembro de 2003, acabou sendo derrogado pelo dispositivo em análise do Estatuto do Desarmamento, que entrou em vigor em 22 de dezembro de 2003, e que pune as mesmas condutas. O art. 242 só continua aplicável a armas de outra natureza (que não sejam armas de fogo). 2) Quem deixa de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de idade ou deficiente mental se apodere de arma de fogo, que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade, responde pelo crime do art. 13. Trata-se de conduta culposa. Se quem se apodera da arma é pessoa maior de idade, o fato é atípico, porque a modalidade culposa não mencionou tal hipótese. 3) O sujeito que fornece, empresta ou cede dolosamente arma de fogo de uso permitido a pessoa maior de idade pratica o crime do art. 14. 4) Quem fornece, empresta ou cede dolosamente arma de fogo de uso proibido ou restrito a pessoa maior de idade incide no crime do art. 16, caput, ou § 2º. 5) Aquele que fornece explosivo a pessoa menor de 18 anos comete o crime do art. 16, § 1º, V, mas, se o destinatário for pessoa maior de idade, o crime será o do art. 253 do CP. 5.6.6. Produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo A finalidade desse dispositivo é a de abranger algumas condutas não elencadas nos arts. 14 e 16 do Estatuto do Desarmamento, em relação a munições e explosivos. NATUREZA HEDIONDA CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 45 A Lei 13.497, de 26 de outubro de 2017, introduziu no rol dos crimes hediondos o crime de porte e de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito ou proibido. Posteriormente, contudo, a Lei 13.964/2019 modificou o art. 1º, parágrafo único, II, da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) e passou a prever que somente as condutas relacionadas a armas de fogo de uso proibido é que configuram crime hediondo: Art. 1º, Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados: II - o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Por se tratar de norma benéfica em relação às armas de uso restrito, tal Lei retroage para afastar a natureza hedionda daqueles que foram flagrados em poder de arma de fogo de uso restrito. Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-SP - Delegado - VUNESP - 2022): Nos termos da Lei n° 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), é correto afirmar que o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido é considerado hediondo. Correto. (PC-MS - Delegado - FAPEC - 2021): O crime de posse ou porte de arma de fogo de uso restrito (art. 16, caput, da Lei nº 10.826/03) deixou de ser considerado hediondo após o advento da Lei nº 13.964/19 (“Pacote Anticrime”). Correto. (MPDFT - Promotor - MPDFT - 2021): A previsão legal de que o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito é crime hediondo foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal como inconstitucional. Errado. PENA A pena será de 3 a 6 anos e multa. Novamente, trata-se de crime de elevado potencial ofensivo. Reitera-se que o Pacote Anticrime acrescentou o § 2º ao art. 16 do Estatuto do Desarmamento, prevendo pena de 4 a 12 anos para as condutas descritas no § 1º que envolverem arma de fogo de uso proibido: Art. 16, § 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem arma de fogo de uso proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos. Por fim, para melhor fixação dos temas abordados, colaciona-se os seguintes quadros sinóticos da posse irregular e do porte ilegal de armas de fogo: CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 46 6. COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES Encontra-se previsto no art. 17 do Estatuto do Desarmamento: Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, e multa. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 47 § 1º Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência. § 2º Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. O parágrafo § 1º possui uma norma explicativa, o dispositivo deixa claro que a atividade não precisa ser formal, mas deve ser habitual. OBJETIVIDADE JURÍDICA Tutela-se, mais uma vez, incolumidade pública, no sentido de evitar que armas ilegais, acessórios ou munições entrem em circulação. A pena do delito foi aumentada com a aprovação da Lei 13.964/2019, que também inseriu o delito no rol dos crimes hediondos. SUJEITOS DO DELITO 6.3.1. Sujeito ativo É crime próprio, ou seja, exige-se qualidade especial do agente, que deve exercer atividade comercial ou industrial. Ressalta-se que o dispositivo é de grande abrangência, na medida em que o seu parágrafo único equiparou à atividade comercial ou industrial qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência. Importante relembrar da causa de aumento disposta no art. 20 do Estatuto do Desarmamento. 6.3.2. Sujeito passivo É a coletividade (crime vago). OBJETO MATERIAL O tipo penal do art. 17 não faz distinção entre arma de fogo de uso permitido e arma de fogo de uso restrito. Assim, o crime será o mesmo. Contudo, o art. 19 da Lei traz uma causa de aumento quando for de uso restrito ou proibido: Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito. (TJ-ES – Juiz – FGV – 2023): Acerca dos crimes previstos no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), é correto afirmar que no crime de comércio ilegal de arma de fogo, ser a arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito não produz qualquer consequência na pena. Errado. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 48 ELEMENTO NORMATIVO O elemento normativo do tipo está contido na expressão “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Assim, comete o crime o agente que não tem autorização para vender arma, ou aquele que descumpre determinação legal, como, porexemplo, não mantendo a arma registrada em nome da empresa antes da venda (art. 4º, § 4º, da Lei 10.826/2003). Também como o delito aquele que vende munição de calibre diverso (art. 4º, § 2º) ou descumpre determinação regulamentar, como no caso do industrial que não fornece à Polícia Federal a relação de saída de armas do estoque e os dados dos adquirentes e as características e dados do armamento (art. 5º, § 1º, do Decreto 9.847/2019), ou do comerciante que não encaminha à Polícia Federal ou ao Comando do Exército, em 48h, a contar da venda, os dados identificadores da arma, da munição ou acessório e de seu comprador (art. 5º, § 2º, do Decreto 9.847/2019). Igualmente haverá crime na venda de munição sem a apresentação do registro da arma, ou em quantidade superior à permitida etc. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA É crime de perigo abstrato e de mera conduta. Isto posto, pode-se concluir que se consuma com a prática de qualquer uma das condutas previstas em lei, presumindo-se, de forma absoluta, o perigo ao bem jurídico. É possível a tentativa, por exemplo, tentar adquirir arma de fogo. ROL DOS CRIMES HEDIONDOS O Pacote Anticrime incluiu o crime de comércio ilegal de arma de fogo ao rol de crimes hediondos: Art. 2°, Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados: III - o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. PENA O Pacote Anticrime aumentou a pena para 6 a 12 anos (era de 4 a 8 anos) e multa. Por isso, não é possível aplicação dos institutos despenalizadores, como a transação penal e a suspensão condicional do processo. 7. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm#art17 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.826.htm#art17 CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 49 Por fim, o último crime previsto no Estatuto do Desarmamento está previsto no art. 18 e trata- se do tráfico internacional de arma de fogo: Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, em operação de importação, sem autorização da autoridade competente, a agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. Destaca-se que o tipo penal prevê o tráfico internacional de armas de fogo. Não existe, aqui, o tráfico interestadual, que entrará em outra conduta. OBJETIVIDADE JURÍDICA A incolumidade pública, no sentido de evitar o comércio internacional de armas de fogo, acessórios ou munições. A pena deste crime foi aumentada pela Lei n. 13.964/2019, que também inseriu o delito no rol dos crimes hediondos. OBJETO MATERIAL Pode ser qualquer arma de fogo, acessório ou munição, tanto de uso restrito ou permitido. Quando for de uso restrito ou proibido, incide o art. 19, aumentando-se a pena de metade. SUJEITOS DO DELITO 7.4.1. Sujeito ativo É crime comum ou geral, portanto, qualquer pessoa pode praticá-lo. Incide, aqui, o art. 20 (aumento de pena). 7.4.2. Sujeito passivo É a coletividade. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA É crime de perigo abstrato e de mera conduta. A lei presume de forma absoluta o perigo à segurança pública com a entrada de uma arma clandestina. É, perfeitamente, possível tentativa. ROL DOS CRIMES HEDIONDOS CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 50 O Pacote Anticrime incluiu o crime de tráfico ilegal de arma de fogo ao rol de crimes hediondos: Art. 2°, Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados: IV - o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Indaga-se: Quais crimes previstos na Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), estão previstos na Lei dos Crimes Hediondos? São três: 1) Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido; 2) Comércio ilegal de armas de fogo; 3) Tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição. PENA O Pacote Anticrime aumentou a pena para 8 a 16 anos (era de 4 a 8 anos) e multa. Por isso, não é possível aplicação dos institutos despenalizadores, como a transação penal e a suspensão condicional do processo. TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÃO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Não se aplica o princípio da insignificância para o tráfico internacional de munição, segundo o entendimento do STF: O tráfico internacional de armas e munições tem como maior clientela o crime organizado transnacional, que, via de regra, abastece o seu arsenal por meio do mercado ilegal, nacional ou internacional, de armas. Mostra-se irrelevante, no caso, cogitar-se da mínima ofensividade da conduta (em face da quantidade apreendida), ou, também, da ausência de periculosidade da ação, porque a hipótese é de crime de perigo abstrato, para o qual não importa o resultado concreto da ação, o que também afasta a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância. STF. 1ª Turma. HC 97777, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/10/2010. 8. FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA O parágrafo único do art. 14 veda a fiança, salvo se a arma estiver registrada no nome do infrator: Art. 14, Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. Igualmente, o parágrafo único do art. 15 também veda a fiança: CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 51 Art. 15, Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável. Já o parágrafo único do art. 21 veda a liberdade provisória, com ou sem fiança, para os crimes dos arts. 16, 17 e 18 do Estatuto do Desarmamento: Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória. Todos os dispositivos mencionados acima foram declarados inconstitucionais na ADIN 3.112-1. Portanto, admite-se liberdade provisória, com ou sem fiança, em todos os crimes do Estatuto do Desarmamento. 9. PERFIL BALÍSTICO O Pacote Anticrime acrescentou o art. 34-A ao Estatuto do Desarmamento, criando o Banco Nacional de Perfil Balístico: Art. 34-A. Os dados relacionados à coleta de registros balísticos serão armazenados no Banco Nacional de Perfis Balísticos. § 1º O Banco Nacional de Perfis Balísticos tem como objetivo cadastrar armas de fogo e armazenar características de classe e individualizadoras de projéteis e de estojos de munição deflagrados por arma de fogo. § 2º O Banco Nacional de Perfis Balísticos será constituído pelos registros de elementos de munição deflagrados por armas de fogo relacionados a crimes, para subsidiar ações destinadas às apurações criminais federais, estaduais e distritais. § 3º O Banco Nacional de Perfis Balísticos será gerido pela unidade oficial de perícia criminal. § 4º Os dados constantes do Banco Nacional de Perfis Balísticos terão caráter sigiloso, e aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial responderá civil, penal e administrativamente. § 5º É vedada a comercialização, total ou parcial, da base de dados do Banco Nacional de Perfis Balísticos. § 6º A formação, a gestão e o acesso ao Banco Nacional de Perfis Balísticos serão regulamentados em ato do Poder Executivo federal. 10. JURISPRUDÊNCIA EM TESE Com o intuito de deixar o material mais completo, colaciona-se os principais julgados do STJ acerca do tema: 1) O crime de posse irregular de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido (art. 12 da Lei 10.826/2003)é de perigo abstrato, prescindindo de demonstração de efetiva situação de perigo, porquanto o objeto jurídico tutelado não é a incolumidade física e sim a segurança pública e a paz social. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 52 2) O crime de porte ilegal de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido (art. 14 da Lei 10.826/2003) é de perigo abstrato e de mera conduta, bastando para sua caracterização a prática de um dos núcleos do tipo penal, sendo desnecessária a realização de perícia. 3) O art. 14 da Lei 10.826/2003 é norma penal em branco, que exige complementação por meio de ato regulador, com vistas a fornecer parâmetros e critérios legais para a penalização das condutas ali descritas. 4) O crime de disparo de arma de fogo (art. 15 da Lei 10.826/2003) é crime de perigo abstrato, que presume a ocorrência de dano à segurança pública e prescinde, para sua caracterização, de comprovação da lesividade ao bem jurídico tutelado. 5) O crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito (art. 16, caput, da Lei 10.826/2003) é crime de perigo abstrato, que presume a ocorrência de dano à segurança pública e prescinde, para sua caracterização, de resultado naturalístico à incolumidade física de outrem. 6) A abolitio criminis temporária prevista na Lei 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005. 7) São atípicas as condutas descritas nos arts. 12 e 16 da Lei 10.826/2003, praticadas entre 23/12/2003 e 23/10/2005, mas, a partir desta data, até 31/12/2009, somente é atípica a conduta do art. 12, desde que a arma de fogo seja apta a ser registrada (numeração íntegra). 8) A regra dos arts. 30 e 32 da Lei 10.826/2003 alcança, também, os crimes de posse ilegal de arma de fogo praticados sob a vigência da Lei 9.437/1997, em respeito ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. 9) A forma qualificada do art. 10, § 3º, IV, da Lei 9.437/1997, que foi suprimida do ordenamento jurídico com o advento da Lei 10.826/03, não tem o condão de tornar atípica a conduta, mas apenas de desclassificar o delito para a forma simples, prevista no caput do dispositivo legal mencionado. 10) Não se aplica o princípio da consunção quando os delitos de posse ilegal de arma de fogo e disparo de arma em via pública são praticados em momentos diversos e em contextos distintos. 11) A simples conduta de possuir ou de portar arma, acessório ou munição é suficiente para a configuração dos delitos previstos nos arts. 12, 14 e 16 da Lei 10.826/2003, sendo inaplicável o princípio da insignificância. 12) Independentemente da quantidade de arma de fogo, de acessórios ou de munição, não é possível a desclassificação do crime de tráfico internacional de arma de fogo (art. 18 da Lei de Armas) para o delito de contrabando (art. 334-A do Código Penal), em respeito ao princípio da especialidade. 13) O simples fato de possuir ou portar munição caracteriza os delitos previstos nos arts. 12, 14 e 16 da Lei 10.826/2003, por se tratar de crime de perigo abstrato e de mera conduta, CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 53 sendo prescindível a demonstração de lesão ou de perigo concreto ao bem jurídico tutelado, que é a incolumidade pública. 14) A apreensão de ínfima quantidade de munição desacompanhada de arma de fogo, excepcionalmente, a depender da análise do caso concreto, pode levar ao reconhecimento de atipicidade da conduta, diante da ausência de exposição de risco ao bem jurídico tutelado pela norma. 15) Demonstrada por laudo pericial a inaptidão da arma de fogo para o disparo, é atípica a conduta de portar ou de possuir arma de fogo, diante da ausência de afetação do bem jurídico incolumidade pública, tratando-se de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio. 16) A conduta de possuir, portar, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo, seja de uso permitido, restrito ou proibido, com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, implica a condenação pelo crime estabelecido no art. 16, parágrafo único, IV, do Estatuto do Desarmamento. 17) O crime de comércio ilegal de arma de fogo, acessório ou munição (art. 17 da Lei 10.826/2003) é delito de tipo misto alternativo e de perigo abstrato, bastando para sua caracterização a prática de um dos núcleos do tipo penal, sendo prescindível a demonstração de lesão ou de perigo concreto ao bem jurídico tutelado, que é a incolumidade pública. 18) O delito de comércio ilegal de arma de fogo, acessório ou munição, tipificado no art. 17, caput e parágrafo único, da Lei de Armas, nunca foi abrangido pela abolitio criminis temporária prevista nos arts. 5º, § 3º, e 30 da Lei de Armas ou nos diplomas legais que prorrogaram os prazos previstos nos referidos dispositivos. 19) Compete à Justiça Federal o julgamento do crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, em razão do que dispõe o art. 109, inciso V, da Constituição Federal, haja vista que este crime está inserido em tratado internacional de que o Brasil é signatário. 20) O crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, tipificado no art. 18 da Lei 10.826/03, é de perigo abstrato ou de mera conduta e visa a proteger a segurança pública e a paz social. 21) Para a configuração do tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição não basta apenas a procedência estrangeira do artefato, sendo necessário que se comprove a internacionalidade da ação. 22) É típica a conduta de importar arma de fogo, acessório ou munição sem autorização da autoridade competente, nos termos do art. 18 da Lei 10.826/2003, mesmo que o réu detenha o porte legal da arma, em razão do alto grau de reprovabilidade da conduta. 23) É atípica a conduta de colecionador, com registro para a prática desportiva e guia de tráfego, que se dirigia ao clube de tiros sem portar consigo a guia de trânsito da arma de fogo. STJ. 5ª Turma. AgRg no AgRg no RHC 148.516-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 09/08/2022 (Info 753). CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 54 Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ-RS - Juiz - FAURGS - 2022): Sobre os crimes de posse e porte ilegais de armas de fogo, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é correto afirmar que são leis ou normas penais em branco. Correto. (PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): A comprovação da internacionalidade da ação é dispensável para a configuração do tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, bastando que se comprove a procedência estrangeira do artefato. Errado.DE ARMA DE FOGO ................................................................................................ 36 PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ......................................................................... 36 OBJETIVIDADE JURÍDICA ................................................................................................. 36 OBJETO MATERIAL ........................................................................................................... 36 SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 36 4.4.1. Sujeito ativo .................................................................................................................. 37 4.4.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 37 ELEMENTO ESPACIAL DO TIPO ...................................................................................... 37 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 37 OBSERVAÇÕES IMPORTANTES ..................................................................................... 37 4.7.1. Pluralidade de disparos ............................................................................................... 37 4.7.2. Veracidade do projétil .................................................................................................. 37 4.7.3. Crime mais grave e absorção ...................................................................................... 37 4.7.4. Porte ilegal e disparo de arma de fogo ....................................................................... 37 PENA ................................................................................................................................... 38 5. POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E PROIBIDO ......... 39 PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ......................................................................... 39 OBJETIVIDADE JURÍDICA ................................................................................................. 40 SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 40 5.3.1. Sujeito ativo .................................................................................................................. 40 5.3.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 40 ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO.................................................................................. 41 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 41 FIGURAS EQUIPARADAS ................................................................................................. 41 5.6.1. Suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de indicação de arma de fogo ou artefato ........................................................................................................................... 41 5.6.2. Modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz ........................................................................................ 42 5.6.3. Possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar ................................ 42 CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 3 5.6.4. Portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado .................. 43 5.6.5. Vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente ....................................................................... 44 5.6.6. Produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo ...................................................................................................... 44 NATUREZA HEDIONDA ..................................................................................................... 44 PENA ................................................................................................................................... 45 6. COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO ............................................................................... 46 PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ......................................................................... 46 OBJETIVIDADE JURÍDICA ................................................................................................. 47 SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 47 6.3.1. Sujeito ativo .................................................................................................................. 47 6.3.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 47 OBJETO MATERIAL ........................................................................................................... 47 ELEMENTO NORMATIVO .................................................................................................. 48 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 48 ROL DOS CRIMES HEDIONDOS ...................................................................................... 48 PENA ................................................................................................................................... 48 7. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO .................................................................. 48 PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES ......................................................................... 48 OBJETIVIDADE JURÍDICA ................................................................................................. 49 OBJETO MATERIAL ........................................................................................................... 49 SUJEITOS DO DELITO ...................................................................................................... 49 7.4.1. Sujeito ativo .................................................................................................................. 49 7.4.2. Sujeito passivo ............................................................................................................. 49 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .......................................................................................... 49 ROL DOS CRIMES HEDIONDOS ...................................................................................... 49 PENA ................................................................................................................................... 50 TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÃO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ......... 50 8. FIANÇA E LIBERDADE PROVISÓRIA ...................................................................................... 50 9. PERFIL BALÍSTICO ................................................................................................................... 51 10. JURISPRUDÊNCIA EM TESE ............................................................................................... 51 CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 4 APRESENTAÇÃO Olá! Inicialmente gostaríamos de agradecer a confiança em nosso material. Esperamos que seja útil na sua preparação, em todas as fases.Quanto mais contato temos com uma mesma fonte de estudo, mais familiarizados ficamos, o que ajuda na memorização e na compreensão da matéria. O Caderno Legislação Penal Especial - Estatuto do Desarmamento possui como base as aulas do professor Cleber Masson, do Curso G7 Jurídico. Posteriormente, complementado com a aula do Professor Sílvio Maciel. Três livros foram utilizados para complementar nosso CS de Legislação Penal Especial: a) Legislação Criminal para Concursos (Fábio Roque, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar), b) Legislação Criminal Comentada (Renato Brasileiro), ambos da Editora Juspodivm e c) Esquematizado - Legislação Penal Especial (Victor Eduardo Rios Gonçalves), ano 2022, da Editora Saraiva. Na parte jurisprudencial, utilizamos os informativos do site Dizer o Direito (www.dizerodireito.com.br), os livros: Principais Julgados STF e STJ Comentados, Vade Mecum de Jurisprudência Dizer o Direito, Súmulas do STF e STJ anotadas por assunto (Dizer o Direito), bem como a Jurisprudência em Tese do STJ. Destacamos: é importante você se manter atualizado com os informativos, reserve um dia da semana para ler no site do Dizer o Direito. Ademais, no Caderno constam os principais artigos da lei, mas, ressaltamos, que é necessária leitura conjunta do seu Vade Mecum, muitas questões são retiradas da legislação. Como você pode perceber, reunimos em um único material diversas fontes (aulas + doutrina + informativos + súmulas + lei seca + questões) tudo para otimizar o seu tempo e garantir que você faça uma boa prova. Por fim, como forma de complementar o seu estudo, não esqueça de fazer muitas questões. É muito importante! As bancas costumam repetir certos temas. Vamos juntos! Bons estudos! Equipe Cadernos Sistematizados. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 5 PARTE GERAL 1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA O primeiro diploma legislativo a tratar sobre armas de fogo foi a Lei de Contravenções Penais, em seu art. 19, que foi parcialmente revogado (em relação às armas de fogo), mas continua válido no que se refere às armas brancas (dotada de ponta ou gume): Art. 19 - Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade: Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente. Em 1997, editou-se a Lei 9.437 que tratava sobre armas de fogo. Assim, o porte ilegal de arma de fogo e a posse ilegal de arma de fogo, antes meras contravenções, a partir de 1997, passaram a ser considerados como crime. Ressalta-se que todos os crimes estavam previstos no art. 10 da Lei (posse, porte, comércio, disparo etc.), sujeitos a uma mesma pena. Assim, existiam condutas de gravidades totalmente diferentes submetidas a uma mesma pena. Claramente, havia uma violação ao princípio da proporcionalidade e da individualização da pena (que também se dirige ao Poder Legislativo). Verifica-se, portanto, a redação do art. 10 da Lei 9.437/97, revogado pela Lei 10.826/03: Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena detenção de um a dois anos e multa. Em 2003 foi editada a Lei 10.826, conhecida como Estatuto do Desarmamento, fruto de um processo de conscientização da retirada das armas de fogo de circulação, que revogou integralmente a Lei 9.437/97. Com o Estatuto, passou-se a punir a posse (art. 12), porte (art. 14), posse/porte de uso proibido (art. 16), disparo (art. 15), comércio (art. 17), tráfico internacional (art. 18), atendendo à proporcionalidade e à individualização da pena. Em janeiro de 2019, editou-se o Decreto 9.685/2019 que regulamentava o registro, posse e comercialização de armas de fogo. Em maio, foi editado o Decreto 9.785/2019 (revogou o decreto de janeiro) que, por sua vez, foi revogado pelo Decreto 9.847/2019 de junho. Posteriormente, o registro, posse e comercialização de arma de fogo passou a ser regulamentado pelo Decreto 9.847/2019, que passou por diversas alterações com a publicação do Decreto 10.630, de 12 de fevereiro de 2021. Em 2019, ainda, o Estatuto do Desarmamento foi alterado pela Lei 13.870/2019 (autorização para a posse de arma de fogo abrange toda a extensão da propriedade rural, não apenas a sede), CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 6 pela Lei 13.886/2019 (destinação das armas de fogo apreendidas) e pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime). Em janeiro de 2023, foi editado o Decreto 11.366/2023 que revogou diversos dispositivos dos decretos anteriores. Em junho de 2023, mais um decreto foi editado e, atualmente, é o Decreto 11.615/2023 que está vigente. Contudo, vale ressaltar que o STF considera inconstitucional, a flexibilização, via decreto presidencial, dos critérios e requisitos para a aquisição de armas de fogo prejudicam a fiscalização do Poder Público, pois viola a competência legislativa em sentido estrito para a normatização das hipóteses legais quanto à sua efetiva necessidade (Info 1.069). 2. NOÇÕES PRELIMINARES O Capítulo I do Estatuto do Desarmamento regulamenta o SINARM - Sistema Nacional de Armas, órgão instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição em todo o território nacional. Antes, o controle de armas era exercido por cada estado através da Polícia Civil. O art. 2º, parágrafo único é claro ao ressalvar que o Estatuto do Desarmamento não é aplicado às Forças Armadas e Auxiliares, observe: Art. 2º, Parágrafo único. As disposições deste artigo não alcançam as armas de fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as demais que constem dos seus registros próprios. Salienta-se que, atualmente, o Decreto 9.847/2019 regulamenta o SINARM e o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas. Assim, tem-se que o legislador optou por uma regulamentação da Lei, conforme é possível de se observar, por exemplo, no art. 3º, parágrafo único, no art. 4º, III, § 8º, dentre outros. Art. 3º É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente. Parágrafo único. As armas de fogo de uso restrito serão registradas no Comando do Exército, na forma do regulamento desta Lei. Todas as armas de fogo deverão ser cadastradas no SINARM (Sistema Nacional de Armas de Fogo) ou no SIGMA (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas), sendo o Decreto 9.847/2019 que determina em qual sistema a arma será cadastrada. Obs.: algumas provas (polícia, técnico, analista) costumam cobrar quais armas serão cadastradas no SINARM ou no SIGMA, razão pela qual recomenda-se a leitura atenta do Decreto, a depender do concurso escolhido. Como o tema foi cobrado em concurso? (TRF 2ª Região – Técnico Judiciário – Consulplan – 2017): É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente, sendo certo dizer que as CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 7 armas de fogo de uso restrito serão registradas no Comando do Exército, na forma do regulamento da Lei. Correto. (ABIN – Agente de Inteligência – CEBRASPE – 2018): É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente, sendo o comando do Exército o responsável pelo registro de armas de uso restrito. 3. COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO Conforme visto, o controle de armas é feito pelo SINARM, órgão federal. Entretanto, a competência para julgar crimes relacionados ao Estatuto do Desarmamento, em regra, não é da Justiça Federal, mas da Justiça Estadual. Nesse sentido: O objeto jurídico protegido pela Lei nº 10.826/03 é a incolumidade de toda a sociedade, vítima em potencial do uso irregular das armas de fogo, não havendo qualquer violaçãodireta aos interesses da União, a despeito de ser o SINARM um ente federal. (STJ, HC 57348/RJ, 5ª Turma, rel. Min. Gilson Dipp, j. 12/06/2006). O crime atingirá interesse federal, atraindo a competência da Justiça Federal quando, por exemplo, um oficial da Polícia Federal for flagrado em serviço portando arma raspada ou quando se tratar de tráfico internacional de armas, cuja competência originária é da Justiça Federal, por ser crime à distância, envolver dois países, previsto em tratado ou convenção internacional. Ainda assim, no último caso, o simples fato de se tratar de arma estrangeira não é capaz de configurar o crime de tráfico internacional de armas. É preciso comprovar que a pessoa que estiver portando tenha sido a responsável pela importação da arma (cujo mesmo raciocínio é aplicado ao tráfico transnacional de drogas). Salienta-se que o crime praticado por militar poderá ser julgado pela Justiça Militar, considerando-se a ampliação do conceito de crime militar do art. 9º do Código Penal Militar, alterado pela Lei 13.491/2017. 4. NATUREZA DOS CRIMES De acordo com o entendimento do STF e do STJ, todos os crimes do Estatuto do Desarmamento são crimes de perigo abstrato ou presumido, ou seja, haverá crime mesmo diante da ausência de perigo concreto/real. Presume-se abstratamente o perigo no tipo penal. Cita-se, como exemplo, o porte de uma caixa de munição que não causa perigo concreto, pois desacompanhada da suposta arma de fogo. Vamos relembrar os conceitos de crime de perigo concreto e perigo abstrato: CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 8 Crime de Perigo Concreto Crime de Perigo Abstrato Conceito Exige a comprovação efetiva de um perigo real e concreto para o bem jurídico protegido. Presume-se o perigo pela simples realização da conduta, sem a necessidade de comprovação de um risco efetivo. Comprovação do perigo Necessária a prova concreta de que a conduta do agente gerou um risco efetivo ao bem jurídico. Não há necessidade de prova concreta, pois o perigo é presumido pela lei. Justificativa Proteção de bens jurídicos que exigem uma maior comprovação do risco, como o meio ambiente. Proteção de bens jurídicos que, por sua natureza, já envolvem um risco inerente à conduta, como o trânsito. Salienta-se que há doutrina – como a discussão trazida por Luiz Flávio Gomes – sustentando a inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato. No entanto, desde que estejam tipificando comportamentos comprovadamente perigosos, de acordo com as regras de experiência, não há qualquer inconstitucionalidade. Ressalta-se, por fim, que o Estatuto do Desarmamento prevê tipos penais preventivos, que criam uma espécie de obstáculos, de modo o legislador antecipa a tutela penal. Assim, o legislador incrimina de forma autônoma um ato preparatório de determinado crime. Por exemplo, o porte ilegal de arma de fogo, isoladamente considerado, é um ato preparatório para o roubo ou para o homicídio. 5. BENS JURÍDICOS PROTEGIDOS Tanto o STF quanto o STJ dividiram os bens jurídicos protegidos pelo Estatuto do Desarmamento em 2 grupos, quais sejam: 1) Bem jurídico imediato ou principal: trata-se da incolumidade pública. 2) Bem jurídico mediato ou secundário: patrimônio, liberdade, vida, integridade física etc. 6. CLASSIFICAÇÃO DAS ARMAS DE FOGO O Estatuto separa as armas de fogo em 3 grandes grupos. Passa-se, então, a visualizar cada um deles. ARMAS DE FOGO DE USO PERMITIDO São aquelas cuja utilização pode ser autorizada tanto a pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 9 A relação das armas de fogo de uso permitido encontra-se no art. 3º, parágrafo único, inciso I do Anexo I do Decreto 10.030/2019 (alterado recentemente pelo Decreto 10.627/21). Por exemplo, revólveres de calibre 38 são de uso permitido. ARMAS DE FOGO DE USO RESTRITO Nos termos do art. 3º, parágrafo único, inciso II do Anexo I do Decreto 10.030/2019, as armas de fogo de uso restrito são as armas de fogo automáticas, de qualquer tipo ou calibre, semiautomáticas ou de repetição que sejam: a) Não portáteis; b) De porte, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules; ou c) Portáteis de alma raiada, cujo calibre nominal, com a utilização de munição comum, atinja, na saída do cano de prova, energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé ou mil seiscentos e vinte joules. A K47, por exemplo, é um tipo de arma automática. ARMAS DE FOGO DE USO PROIBIDO São aquelas em que há total vedação ao uso e estão elencadas no art. 3º, parágrafo único, inciso III do Anexo I do Decreto 10.030/2019: Art. 3º, Parágrafo único, III - arma de fogo de uso proibido: a) as armas de fogo classificadas como de uso proibido em acordos ou tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil seja signatária; e b) as armas de fogo dissimuladas, com aparência de objetos inofensivos. Cita-se, como exemplo, armas nucleares. Resumindo: USO PERMITIDO USO RESTRITO USO PROIBIDO A utilização pode ser autorizada tanto a pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas. As armas de fogo de uso restrito são as armas de fogo automáticas, de qualquer tipo ou calibre, semiautomáticas ou de repetição. São armas em que há total vedação ao uso. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 10 Art. 3º, parágrafo único, inciso I do Anexo I do Decreto 10.030/2019. Art. 3º, parágrafo único, inciso II do Anexo I do Decreto 10.030/2019. Art. 3º, parágrafo único, inciso III do Anexo I do Decreto 10.030/2019. Ex.: Revólver calibre 38 Ex.: A K47, é um tipo de arma automática. Ex.: armas nucleares. 7. REGISTRO E PORTE DE ARMA DE FOGO São necessárias 3 etapas: 1) Compra da arma de fogo; 2) Registro da arma de fogo; 3) Autorização para o porte. 1ª ETAPA: AQUISIÇÃO DA ARMA DE FOGO A pessoa interessada na aquisição da arma de fogo, conforme disposto no art. 28 do Estatuto, deve ter mais de 25 anos, salvo quando for: 1) Integrante das Forças Armadas; 2) Integrante dos órgãos definidos no art. 144 da CF (polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares, polícias penais federal, estaduais e distrital); 3) Integrante das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 e menos de 500.000 habitantes; (ADC 38/DF, ADI 5538/DF e ADI 5948/DF). 4) Agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; 5) Integrante dos órgãos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal; 6) Integrante do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, das escoltas de presos e as guardas portuárias; 7) Integrante das carreiras de Auditoria da Receita Federal e da Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário. Art. 28. É vedado ao menor de 25 (vinte e cinco) anos adquirir arma de fogo, ressalvados os integrantes das entidades constantes dos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art. 6º desta Lei. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 11 No que se refere às guardas municipais, é importante evidenciar que o STF decidiu que todos os integrantes das guardas municipais possuem direito a porte de arma de fogo, em serviço ou mesmo fora de serviço, independentemente do número de habitantes do Município, conforme decisão abaixo colacionada: O art. 6º, III e IV, da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) somente previa porte de arma de fogo paraos guardas municipais das capitais e dos Municípios com maior número de habitantes. Assim, os integrantes das guardas municipais dos pequenos Municípios (em termos populacionais) não tinham direito ao porte de arma de fogo. O STF considerou que esse critério escolhido pela lei é inconstitucional porque os índices de criminalidade não estão necessariamente relacionados com o número de habitantes. Assim, é inconstitucional a restrição do porte de arma de fogo aos integrantes de guardas municipais das capitais dos estados e dos municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes e de guardas municipais dos municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço. Com a decisão do STF todos os integrantes das guardas municipais possuem direito a porte de arma de fogo, em serviço ou mesmo fora de serviço. Não interessa o número de habitantes do Município. STF. Plenário. ADC 38/DF, ADI 5538/DF e ADI 5948/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgados em 27/2/2021 (Info 1007).1 Em continuidade, além da idade de 25 anos, é necessário atender determinados requisitos, são eles (art. 4º, incisos I, II e III do Estatuto do Desarmamento): 1) Comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; 2) Apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; 3) Comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo. Infere-se, ainda, que a aquisição de armas de fogo deve se pautar pelo caráter excepcional, razão pela qual se exige a demonstração concreta da efetiva necessidade, por motivos tanto profissionais quanto pessoais, conforme posicionamento do STF: A aquisição de armas de fogo deve se pautar pelo caráter excepcional, razão pela qual se exige a demonstração concreta da efetiva necessidade, por motivos tanto profissionais quanto pessoais. A única interpretação do art. 4º, caput, do Estatuto do Desarmamento compatível com a Constituição é aquela que vê na declaração de efetiva necessidade a conjugação de dois fatores: a) a imperatividade da demonstração de que, no caso concreto, realmente exista a necessidade de adquirir uma arma de fogo, segundo os critérios legais; e b) a obrigação do Poder Executivo de estabelecer procedimentos fiscalizatórios sólidos que permitam auferir a realidade da necessidade. Nesse contexto, o STF declarou inconstitucionais 1 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Todos os integrantes das guardas municipais possuem direito a porte de arma de fogo, em serviço ou mesmo fora de serviço, independentemente do número de habitantes do Município. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: . Acesso em: 14/03/2024. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 12 diversos dispositivos infralegais editados em 2021 com a finalidade de promover a chamada “flexibilização das armas”. Esses dispositivos caracterizam-se como manifesto retrocesso na construção de políticas voltadas à segurança pública e ao controle de armas no Brasil, vulnerando as diretrizes nucleares do Estatuto do Desarmamento. A livre circulação de cidadãos armados, carregando consigo múltiplas armas de fogo, atenta contra os valores da segurança pública e da defesa da paz, criando risco social incompatível com ideais constitucionalmente consagrados. STF. Plenário. ADI 6119/DF, ADI 6139/DF e ADI 6466, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 01/07/2023 (Info 1102). STF. Plenário. ADI 6134 MC/DF, ADI 6675 MC/DF, ADI 6676 MC/DF, ADI 6677 MC/DF, ADI 6680 MC/DF, ADI 6695 MC/DF, ADPF 581 MC/DF e ADPF 586 MC/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 01/07/2023 (Info 1102). Quando os requisitos legais estiverem presentes, o SINARM emitirá autorização para a compra da arma de fogo. Trata-se de uma autorização específica para a pessoa e para a arma. Igualmente, a compra de munição é específica para a arma de fogo autorizada, conforme os parágrafos 2º e 3º do art. 4º do Estatuto do Desarmamento: Art. 4º, § 1o O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após atendidos os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização. § 2o A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma registrada e na quantidade estabelecida no regulamento desta Lei. 2ª ETAPA: REGISTRO Após a aquisição da arma de fogo, o interessado deverá registrá-la perante o órgão competente. A definição do órgão competente está relacionada com a classificação da arma de fogo. Assim: 1) Arma de fogo de uso permitido: compete à Polícia Federal, após a anuência do SINARM, com validade em todo o território nacional (art. 10 do Estatuto). 2) Arma de fogo de uso restrito: compete ao Comando do Exército (parágrafo único do art. 3º do Estatuto). A finalidade do registro é autorizar o proprietário a manter a arma de fogo no interior de sua residência, ou ainda em seu local de trabalho, desde que ele seja o titular ou responsável legal do estabelecimento ou empresa. 3ª ETAPA: AUTORIZAÇÃO PARA O PORTE Para que a arma de fogo seja levada consigo em via pública ou em local distinto, será necessária a autorização para o porte, nos termos do art. 6º e seguintes do Estatuto do Desarmamento. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 13 Em regra, o porte é vedado em todo o território nacional, conforme se depreende do art. 6º, in verbis: Art. 6o É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: Contudo, a autorização para o porte poderá ser concedida em algumas hipóteses, seja em caso de função do sujeito, seja em decorrência da obtenção de autorização junto à Polícia Federal, após a anuência do SINARM, desde que preenchidos os requisitos legais previstos no art. 10 do Estatuto: Art. 10. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido, em todo o território nacional, é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do Sinarm. § 1º A autorização prevista neste artigo poderá ser concedida com eficácia temporária e territorial limitada, nos termos de atos regulamentares, e dependerá de o requerente: I – demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física; II – atender às exigências previstas no art. 4o desta Lei; III – apresentar documentação de propriedade de arma de fogo, bem como o seu devido registro no órgão competente. § 2º A autorização de porte de arma de fogo, prevista neste artigo, perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas. Obs.: mesmo no caso de porte funcional, é necessário o cumprimento da 1ª e da 2ª etapa. Isto posto, questiona-se: o porte funcional se estende aos aposentados que não mais exercem a função pública? Em 2014, o STJ decidiu o seguinte: O porte de arma de fogo a que têm direito os policiais civis não se estendem aos policiais aposentados. Isto porque, de acordo com o art. 33 do Decreto 5.123/2004, que regulamentou o art. 6º da Lei 10.826/2003, o porte de arma de fogo está condicionado ao efetivo exercício das funções institucionais por parte dos policiais, motivo pelo qual não se estende aos aposentados (STJ. 5ª Turma. HC 267.058/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/12/2014. Contudo, com a edição do Decreto 9.847/2019, passou-se a permitir que alguns dos indivíduos previstosno rol do art. 6º do Estatuto do Desarmamento continuem a ter o porte de arma mesmo depois de aposentados, conforme dispõe o art. 30: Art. 30. Os integrantes das Forças Armadas e os servidores dos órgãos, instituições e corporações mencionados nos incisos II, V, VI e VII do caput do art. 6º da Lei nº 10.826, de 2003, transferidos para a reserva remunerada ou aposentados, para conservarem a autorização de porte de arma de fogo de sua propriedade deverão submeter-se, a cada dez anos, aos CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 14 testes de avaliação psicológica a que faz menção o inciso III do caput do art. 4º da Lei nº 10.826, de 2003. § 1º O cumprimento dos requisitos a que se refere o caput será atestado pelos órgãos, instituições e corporações de vinculação. § 2º Não se aplicam aos integrantes da reserva não remunerada das Forças Armadas e Auxiliares as prerrogativas mencionadas no caput. Salienta-se que o policial, quando se aposenta, perde direito ao porte de arma que tinha quando era da ativa. Isso porque o porte como policial da ativa está condicionado ao efetivo exercício das funções institucionais. Logo, a se aposentar ele perde automaticamente o porte e terá que devolver a arma da corporação. Assim, conforme redação legal visualizada acima, o art. 30 do Decreto 9.847/2019 permite que o aposentado conserve a autorização de porte de arma de fogo de sua propriedade (apenas a arma de fogo particular, pois a funcional deve ser devolvida), desde que cumpridos alguns requisitos, como se submeter a testes de avaliação psicológica, realizados de 10 em 10 anos. Em sequência, é importante evidenciar que consoante o art. 10 do Estatuto, a autorização para o porte pode ser concedida com eficácia temporária e territorial, e perderá automaticamente sua eficácia se o portador for detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob o efeito de substâncias químicas ou alucinógenas. Há, ainda, o porte de trânsito para desportistas, colecionadores e caçadores, o qual é concedido pelo Comando do Exército, nos termos do art. 9º do Estatuto. Art. 9º Compete ao Ministério da Justiça a autorização do porte de arma para os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil e, ao Comando do Exército, nos termos do regulamento desta Lei, o registro e a concessão de porte de trânsito de arma de fogo para colecionadores, atiradores e caçadores e de representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional. Por fim, o porte na categoria “caçador de subsistência” poderá ser concedido pela Polícia Federal aos residentes em áreas rurais que comprovem depender do emprego de arma de fogo para prover a subsistência alimentar familiar, desde que se trate de arma portátil, de uso permitido, de tiro simples, com 1 ou 2 canos, de alma lisa e de calibre igual ou inferior a 16, com base no disposto no § 5º do art. 6º do Estatuto. AUSÊNCIA DO REGISTRO OU DE AUTORIZAÇÃO PARA O PORTE E ADEQUAÇÃO TÍPICA Para melhor compreensão do tema, colaciona-se abaixo o quadro elaborado pelo doutrinador Cleber Masson: ESPÉCIE DE ARMA TIPIFICAÇÃO Arma permitida: ausência de registro. Posse ilegal de arma de fogo (art. 12). Arma permitida: ausência de autorização para o porte. Porte ilegal de arma de fogo (art. 14). CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 15 Arma de uso restrito: ausência de registro ou ausência de autorização para o porte. Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16). Nesse liame, importante trazer à tona um julgado do STJ que entendeu que o Delegado de Polícia que mantém arma em sua casa sem registro no órgão competente pratica crime de posse irregular de arma de fogo: 2. É típica e antijurídica a conduta de policial civil que, mesmo autorizado a portar ou possui arma de fogo, não observa as imposições legais previstas no estatuto do Desarmamento, que impõem registro das armas no órgão competente. 3. É incabível a aplicação do princípio da adequação social, segundo o qual, dada a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal, não se pode reputar como criminosa uma ação ou uma omissão aceita e tolerada pela sociedade, ainda que formalmente subsumida a um tipo legal incriminador. Possuir armas de fogo e munições, de uso permitido, sem certificados federais e que só vieram a ser apreendidas pelo Estado após cumprimento de mandado de busca e apreensão, não é uma conduta adequada no plano normativo. 4. Por fim, sob a ótica do princípio da lesividade, o recorrente não preenche os vetores já assinalados pelo Supremo Tribunal Federal para o reconhecimento do princípio da insignificância, tais como a mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada, ante os armamentos apreendidos (dois revólveres calibre 38 e 48 munições). (...) STJ. 6ª Turma. RHC 70.141/RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 07/02/2017. Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ-RS - Juiz - FAURGS - 2022): Sobre os crimes de posse e porte ilegais de armas de fogo, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é correto afirmar que a condição de Policial Civil afasta a tipicidade da conduta daquele que, autorizado a portar ou possuir arma de fogo, não observa as imposições legais previstas no Estatuto do Desarmamento que impõem registro das armas no órgão competente. Errado. (MPDFT - Promotor - MPDFT - 2021): Não pratica crime policial civil que porta arma de fogo sem registro no órgão competente. Errado. É importante destacar um outro julgado do STJ que possui entendimento distinto do adotado pelo STJ, no sentido de que o Magistrado que mantém sob sua guarda arma ou munição de uso restrito não comete crime: O Conselheiro do Tribunal de Contas Estadual que mantém sob sua guarda arma ou munição de uso restrito não comete o crime do art. 16 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). Os Conselheiros dos Tribunais de Contas são equiparados a magistrados e o art. 33, V, da LC 35/79 (LOMAN) garante aos magistrados o direito ao porte de arma de fogo. O direito ao porte consta no art. 33, V, da Lei Complementar n. 35/1979 (LOMAN). Há uma restrição específica nesse direito de que a arma seja destinada à defesa pessoal. E a melhor interpretação aqui é de que defesa pessoal está no animus do porte, e não no calibre da arma. Fora isso, as CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 16 restrições infralegais são indevidas ou no mínimo discutíveis no âmbito da magistratura. STJ. Corte Especial. APn 657-PB, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 21/10/2015 (Info 572).2 REGISTRO DE ARMA DE FOGO E LEI MARIA DA PENHA Observa-se o disposto no art. 22 da Lei Maria da Penha: Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Caso o agressor continue com a arma, praticará o crime de posse ilegal de arma de fogo. Contudo, é mister salientar que a Lei 13.880/2019 incluiu como uma medida protetiva de urgência a apreensão imediata de arma de fogo sob posse do agressor (art. 18, inciso IV, da Lei Maria da Penha). 8. POSSE X PORTE Verifica-se o quadro comparativo entre posse e porte de arma de fogo elaborado pelo Professor Márcio Cavalcante: POSSE PORTE Se o indivíduo tem direito à posse, significa que ele está autorizado a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência oudomicílio ou no seu local de trabalho (desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa). Se o indivíduo tem direito ao porte, significa que ele está autorizado a carregar consigo a arma de fogo mesmo em outros ambientes que não sejam a sua residência ou trabalho. A autorização para posse é concedida por meio de certificado expedido pela Polícia Federal, precedido de cadastro no SINARM. A autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido é de competência da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do SINARM. É necessário que o interessado cumpra os requisitos previstos no art. 4º da Lei 10.826/2003. É necessário que o interessado cumpra os requisitos previstos no art. 10, § 1º, da Lei 10.826/2003. O titular deste direito recebe um documento chamado “certificado de registro de arma de fogo”. O titular deste direito recebe um documento chamado “porte de arma de fogo”. O indivíduo que possui ou mantém arma de fogo, acessório ou munição (de uso permitido) em sua O indivíduo que é encontrado com arma de fogo, acessório ou munição (de uso permitido) 2 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Magistrado que mantém sob sua guarda arma ou munição de uso restrito não comete crime. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: . Acesso em: 14/03/2024. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 17 residência ou trabalho, sem que tivesse autorização para isso (sem que tivesse certificado da Polícia Federal), comete o crime de posse irregular de arma de fogo (art. 12 da Lei 10.826/2003). fora de sua residência ou local de trabalho sem que tivesse autorização para isso (sem que tivesse porte de arma), comete o crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei 10.826/2003). 9. POSSE DE ARMA DE FOGO EM ZONA RURAL Segundo o Professor Márcio Cavalcante, é comum que a Polícia Federal conceda certificado de registro de arma de fogo para pessoas que moram em zona rural, considerando que geralmente atendem aos requisitos do art. 4º da Lei 10.826/2003. Assim, essas pessoas ficam autorizadas a possuir armas de fogo em suas residências ou locais de trabalho. Ocorre que a estrutura do imóvel rural é diferente dos imóveis urbanos. Isso porque no imóvel rural é comum haver um local onde a família efetivamente mora, ou seja, onde dorme, faz as refeições, onde é o banheiro etc. Esse local é a casa, que é conhecida como “sede da propriedade” ou “sede da fazenda”. No entanto, essa casa (sede da propriedade) é o menor local do terreno, existindo uma vasta área ao redor, onde os ocupantes do imóvel desenvolvem as atividades rurais, como plantações, criação de gado, de porcos, aves etc. Assim, a estrutura do imóvel rural é composta pela sede da fazenda e pelo terreno, sendo este último a maior extensão territorial. O art. 5º da Lei 10.826/2003 afirma que o titular do certificado de Registro de Arma de Fogo tem o direito de manter a sua arma de fogo “exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa.” Não havia dúvidas de que uma interpretação teleológica permitia a conclusão de que a autorização conferida pelo art. 5º abrangia tanto a sede da fazenda como o restante do terreno. No entanto, o legislador entendeu que seria mais adequado e seguro que essa interpretação ficasse expressamente consignada na Lei e, portanto, inseriu um parágrafo ao art. 5º com essa informação: Art. 5º, § 5º Aos residentes em área rural, para os fins do disposto no caput deste artigo, considera-se residência ou domicílio toda a extensão do respectivo imóvel rural. Tem-se como exemplo a seguinte situação hipotética: João possui uma fazenda de 2 mil hectares onde cria 10 mil cabeças de gado. Ele possui um certificado de registro de arma de fogo. Isso significa que ele pode ficar com sua espingarda dentro da casa onde mora com a família (sede da fazenda) e pode andar com ela por toda a extensão dos 2 mil hectares de sua fazenda. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 18 DOS CRIMES E DAS PENAS 1. POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO PREVISÃO LEGAL E CONSIDERAÇÕES INICIAIS O art. 12 do Estatuto do Desarmamento dispõe sobre o crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido: Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Destaca-se que a conduta descrita no art. 12 está relacionada à ausência de registro da arma de fogo, não há que se falar em porte, uma vez que a arma está na residência ou no local de trabalho. Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ-ES – Juiz – FGV – 2023): Acerca dos crimes previstos no Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), é correto afirmar que para o reconhecimento do crime de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, a arma de fogo, acessório ou munição deverão necessariamente ser possuídos ou mantidos no interior da residência ou em dependência desta pelo agente, não abrangendo qualquer outro local. Errado. OBJETIVIDADE JURÍDICA Protege-se a incolumidade pública, mais especificamente a segurança pública. Além disso, tutela-se o controle sobre a propriedade de armas de fogo. Segundo o entendimento do STF e do STJ, protege-se reflexamente a vida, a integridade física, o patrimônio, a honra e a liberdade. Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-PR - Delegado - NC-UFPR - 2021): O crime de posse irregular de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido é crime de perigo concreto, e o bem jurídico tutelado é a incolumidade física. Errado. CONDUTA O tipo penal descreve duas condutas: possuir e manter sob a guarda. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 19 Indaga-se: as condutas possuir e manter sob a guarda possuem o mesmo significado? Existem 2 correntes: 1) 1ª corrente: para Nucci, possuir e manter sob a guarda possuem o mesmo significado. O legislador apenas utilizou palavras sinônimas para descrever a mesma conduta. 2) 2ª corrente: segundo Capez, são expressões distintas, assim: a) Possuir significa estar na posse da própria arma; b) Manter sob guarda significa guardar armas de terceiros. Salienta-se que não é necessário contato físico entre o infrator e a arma para configuração do crime de posse ilegal de arma de fogo. OBJETO MATERIAL Considera-se objeto material a arma de fogo, a munição e acessórios. Munição é tudo quanto dê capacidade de funcionamento à arma, para carga ou disparo (projéteis, cartuchos, chumbo etc.). Para a configuração do delito, basta a apreensão da munição, sendo desnecessária a concomitante apreensão da arma de fogo. Acessório é o artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma. Importante salientar que o STF e o STJ adotaram entendimento no sentido de que a apreensão de ínfima quantidade de munição desacompanhada da arma de fogo NÃO implica, por si só, a atipicidade da conduta. Nesse sentido: O simples fato de os cartuchos apreendidos estarem desacompanhados da respectiva arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta, de maneira que as peculiaridades do caso concreto devem ser analisadas a fim de se aferir: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c)o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. No caso concreto, embora o réu tenha sido preso com apenas uma munição de uso restrito, desacompanhada de arma de fogo, ele foi também condenado pela prática dos crimes descritos nos arts. 33 e 35, da Lei nº 11.343/2006 (tráfico de drogas e associação para o tráfico), o que afasta o reconhecimento da atipicidade da conduta, por não estarem demonstradas a mínima ofensividade da ação e a ausência de periculosidade social exigidas para tal finalidade. STJ. 3ª Seção. EREsp 1856980-SC, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 22/09/2021 (Info 710).3 Não se reconhece a incidência excepcional do princípio da insignificância ao crime de posse ou porte ilegal de munição, quando 3 CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A apreensão de ínfima quantidade de munição desacompanhada da arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: . Acesso em: 14/03/2024. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 20 acompanhado de outros delitos, tais como o tráfico de drogas. STF. 1ª Turma. HC 206977 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 18/12/2021. Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): Não se admite a incidência do princípio da insignificância aos crimes previstos na referida lei, ainda que seja apreensão de pouca munição desacompanhada de arma de fogo, por se tratar de infrações penais de perigo abstrato. Errado. (TJ-MG - Juiz - FGV - 2022): A apreensão de ínfima quantidade de munição, desacompanhada de arma de fogo implica, por si só, a atipicidade da conduta. Errado. (TJ-RS - Juiz - FAURGS - 2022): Sobre os crimes de posse e porte ilegais de armas de fogo, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é correto afirmar que o porte de pequena quantidade de munição desacompanhada da arma de fogo pode afastar excepcionalmente a configuração típica em razão da ausência de potencial lesivo (princípio da insignificância). Correto. (DPE-RJ - Defensor - FGV - 2021): Aplica-se o princípio da insignificância e se reconhece a atipicidade material do crime de posse de ínfima quantidade de munição de uso permitido, ainda que a moldura fática do caso revele a apreensão de arma de fogo e drogas com o agente. Errado. (DPE-RJ - Defensor - FGV - 2021): Deve ser reconhecida a atipicidade material da conduta em situações específicas de ínfima quantidade de munição apreendida na posse do agente, de uso permitido ou restrito, aliada à ausência de artefato capaz de disparar o projétil. Correto. ELEMENTO NORMATIVO DO TIPO Também chamado de elemento espacial do tipo, é o que o diferencia do porte. Observe a tabela: POSSE PORTE Ocorre na residência ou na dependência da residência do infrator (intramuros). Local do trabalho do infrator, desde que seja proprietário ou responsável legal. Em qualquer outro local. Imagine que João é gerente de um posto de gasolina. Durante o dia, Flávio faz a segurança armada do estabelecimento. Indaga-se: há crime? João e Flávio praticaram quais condutas? João responderá por posse ilegal de arma de fogo, tendo em vista que é o responsável legal pelo posto de gasolina. Flávio, por sua vez, responderá por porte ilegal de arma de fogo, já que está portando em qualquer outro lugar (fora de sua residência e não é nem proprietário e nem responsável legal pelo posto de gasolina). CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 21 Obs.: importante lembrar que em áreas rurais, toda a propriedade rural, será considerada como residência para efeitos do Estatuto do Desarmamento. Ressalta-se que, de acordo com o entendimento do STJ, o motorista de caminhão ou de táxi que traz consigo arma de fogo comete o crime de porte ilegal do art. 14. O caminhão não pode ser considerado extensão de sua residência ou local de trabalho. Nesse sentido: Caracteriza-se o delito de posse irregular de arma de fogo quando ela estiver guardada no interior da residência (ou dependência desta) ou no trabalho do acusado, evidenciado o porte ilegal se a apreensão ocorrer em local diverso. O caminhão, ainda que seja instrumento de trabalho do motorista, não pode ser considerado extensão de sua residência, nem local de seu trabalho, mas apenas instrumento de trabalho. 3. No caso concreto, o recorrente foi surpreendido com a arma na cabine do caminhão, no interior de uma bolsa de viagem. Assim sendo, fica evidente que ele portava, efetivamente, a arma de fogo, que estava ao seu alcance, possibilitando a utilização imediata. 4. Ante a impossibilidade de desclassificação do crime de porte de arma para o delito de posse, está superada a irresignação no tocante à incidência da abolitio criminis temporária. 5. Recurso ordinário a que se nega provimento. (STJ - RHC 31.492/SP, Rel. Min. Campos Marques (Desembargador Convocado do TJ/PR), 5ª Turma, julgado em 13/08/2013, DJe 19/08/2013). A conduta prevista no art. 12 da Lei n. 10.826/2003 exige que o agente possua arma de fogo no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho. A jurisprudência desta Corte Superior possui o entendimento de que o caminhão não pode ser considerado extensão de sua residência, ainda que seja instrumento de trabalho. (STJ - AgRg no REsp 1.408.940/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 04/08/2015, DJe 18/08/2015). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que veículos automotores não podem ser considerados como local de trabalho para fins da Lei n. 10.826/2003. Precedentes desta Corte Superior. (STJ - AgRg no AREsp 980.455/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 01/12/2016). Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-PB - Delegado - CESPE - 2022): Configura o delito de porte de arma, e não de posse de arma de fogo, a conduta do caminhoneiro que seja surpreendido transportando em seu caminhão revólver de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Correto. (PC-MS - Delegado - FAPEC - 2021): Se a arma de fogo é encontrada no interior do caminhão dirigido por motorista profissional, trata-se de crime de posse de arma de fogo (art. 12 do Estatuto do Desarmamento), em virtude do veículo, nesse caso, ser considerado “local de trabalho”. Errado. Há, ainda, outro elemento normativo do tipo, consagrado na expressão “em desacordo com determinação legal ou regulamentar”: CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 22 POSSE LEGAL POSSE ILEGAL Trata-se de fato atípico, tendo em vista que o agente obteve o registro, seguindo as disposições legais. É o crime tipificado no art. 12 do Estatuto do Desarmamento. Em continuidade, destaca-se que a entrega espontânea da arma extingue a punibilidade por posse ilegal de arma de fogo, nos termos do art. 32 do Estatuto do Desarmamento: Art. 32. Os possuidores e proprietários de arma de fogo poderão entregá-la, espontaneamente, mediante recibo, e, presumindo-se de boa-fé, serão indenizados, na forma do regulamento, ficando extinta a punibilidade de eventual posse irregular da referida arma. Obs.: de acordo com o entendimento do STJ, o que extingue a punibilidade é a entrega espontânea. Assim, quando a polícia encontra a arma, cumprindo mandado de busca e apreensão, haverá o crime. SUJEITOS DO DELITO 1.6.1. Sujeito ativo Qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo. Trata-se de crime comum ou geral. Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ-SP - Juiz - VUNESP - 2021): Durante a abordagem a três pessoas que se encontravam em um ponto de ônibus,mediante grave ameaça verbal de morte, Caio, que completara 18 anos naquela data e Tácio, que iria completar 18 anos no dia seguinte, subtraíram, para proveito comum, um aparelho de telefone celular da vítima A e a carteira da vítima B. Em razão de reação da vítima C, ambos a agrediram e, em seguida, dali se evadiram, sem nada subtrair de C. A dupla foi localizada e identificada um mês após os fatos, sendo apreendido em poder de Caio um revólver, calibre 38, com numeração visível, desmuniciado, que trazia em sua cintura. O revólver foi periciado, constatando-se que a arma estava apta para efetuar disparos. Nessa hipotética situação, é correto afirmar que Caio será processado criminalmente pelo delito de roubo com incidência da causa de aumento de pena pelo concurso de agentes, cometido contra três vítimas, observada a regra do cúmulo formal de infrações e pelo crime de porte irregular de arma de fogo de uso permitido. Correto. 1.6.2. Sujeito passivo É a coletividade. Portanto, tem-se um crime vago, ou seja, o sujeito passivo é um ente destituído de personalidade jurídica. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA No momento em que a arma dá entrada na residência ou estabelecimento comercial. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 23 Obs.: por conta da permanência, importante evidenciar que: a) Será possível a prisão em flagrante, enquanto não cessada a permanência; b) O curso do prazo prescricional somente se inicia com a cessação da permanência; c) Sobrevindo lei penal mais gravosa, enquanto não cessada a permanência, poderá ser aplicada ao caso. Nesse sentido, destaca-se o Informativo 506 do STJ: Não é ilegal a prisão realizada por agentes públicos que não tenham competência para a realização do ato quando o preso foi encontrado em estado de flagrância. Os tipos penais previstos nos arts. 12 e 16 da Lei n. 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) são crimes permanentes e, de acordo com o art. 303 do CPP, o estado de flagrância nesse tipo de crime persiste enquanto não cessada a permanência. Segundo o art. 301 do CPP, qualquer do povo pode prender quem quer que seja encontrado em situação de flagrante, razão pela qual a alegação de ilegalidade da prisão - pois realizada por agentes que não tinham competência para tanto - não se sustenta. HC 244.016-ES, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/10/2012. Como o tema foi cobrado em concurso? (TJ-RS - Juiz - FAURGS - 2022): Sobre os crimes de posse e porte ilegais de armas de fogo, considerando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, é correto afirmar que o crime de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito é permanente. Correto. Assim como outros crimes previstos no Estatuto do Desarmamento, a posse irregular de arma de fogo de uso permitido é crime de perigo abstrato/perigo presumido. Assim, o crime se consuma com a mera exposição do bem jurídico a uma probabilidade de dano, não se reclama o dano efetivo. Como a lei presume de forma absoluta o perigo ao bem jurídico, não cabe prova em contrário. Além disso, é um crime de mera conduta ou de simples atividade, eis que o tipo penal se limita a descrever uma conduta, não há resultado naturalístico. O crime se consuma com a mera posse irregular, não importa a finalidade. Nesse sentido, evidencia-se julgado do STJ: A posse irregular de arma de fogo de uso permitido, ainda que desmuniciada, configura o delito do art. 12 da Lei n. 10.826/2003, de perigo abstrato, que presume a ocorrência de risco à segurança pública e prescinde de resultado naturalístico à integridade de outrem para ficar caracterizado. Precedentes. (STJ - AgRg no HC 650.615/PE, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgado em 01/06/2021, DJe 10/06/2021). É perfeitamente possível a tentativa, em tese. De acordo com Renato Brasileiro, parte da doutrina prefere dizer que não é possível a tentativa. Isso porque na eventualidade de o agente ser surpreendido, enquanto tentava, por CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 24 exemplo, adquirir ilegalmente uma arma de fogo de uso permitido para guardar em sua residência, o crime será o do art. 14, na forma tentada, e não o do art. 12 do Estatuto do Desarmamento. GUARDA DE ARMA DE FOGO COM REGISTRO VENCIDO A cada 3 anos, o titular da arma de fogo deve renovar o seu registro, nos termos do art. 5º, § 2º do Estatuto do Desarmamento, in verbis: Art. 5º, § 2º Os requisitos de que tratam os incisos I, II e III do art. 4º deverão ser comprovados periodicamente, em período não inferior a 3 (três) anos, na conformidade do estabelecido no regulamento desta Lei, para a renovação do Certificado de Registro de Arma de Fogo. Nos casos em que o agente mantém a arma de fogo, sem renovar o registro, o STJ entende que não há o crime do art. 12, mas mera infração administrativa. Nesse sentido, verifica-se a excelente explicação do Prof. Márcio Cavalcante (Dizer o Direito) sobre o tema, no Info 572 do STJ: Não configura o crime de posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei nº 10.826/2003) a conduta do agente que mantém sob guarda, no interior de sua residência, arma de fogo de uso permitido com registro vencido. Se o agente já procedeu ao registro da arma, a expiração do prazo é mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa. A conduta, no entanto, não caracteriza ilícito penal. Ex.: a Polícia, ao realizar busca e apreensão na casa de João, lá encontrou um revólver, de uso permitido. João apresentou o registro da arma de fogo localizada, porém ele estava vencido há mais de um ano. João não praticou crime de posse ilegal de arma de fogo (art. 12 da Lei nº 10.826/2003). STJ. Corte Especial. APn 686-AP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 21/10/2015 (Info 572). STJ. 5ª Turma. HC 294.078/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/08/2014. Os argumentos utilizados pelo STJ foram os seguintes: 1) Não há dolo do agente que procede ao registro e, depois de expirado o prazo, é apanhado com a arma nessa circunstância. 2) Trata-se de uma irregularidade administrativa. Isso porque se a pessoa possui o registro da arma de fogo de uso permitido, significa que o Poder Público possui um completo conhecimento de que ele possui o artefato em questão, podendo rastreá-lo, se necessário. Logo, inexiste ofensividade na conduta. 3) A mera inobservância da exigência de recadastramento periódico não pode conduzir à incriminação penal. Cabe ao Estado apreender a arma e aplicar a punição administrativa pertinente, não estando em consonância com o Direito Penal moderno deflagrar uma ação penal para a imposição de pena tão somente porque o indivíduo – devidamente autorizado a possuir a arma pelo Poder Público, diga-se de passagem – deixou de ir de tempos em tempos efetuar o recadastramento do artefato. Portanto, até mesmo por questões de política criminal, não há como submeter o paciente às agruras de uma condenação penal por uma conduta que não apresentou nenhuma lesividade relevante aos bens jurídicos tutelados pela Lei nº 10.826/2003, não incrementou o risco e pode ser resolvida na via administrativa. CS - ESTATUTO DO DESARMAMENTO 2025.1 25 4) O Direito Penal possui caráter subsidiário e de ultima ratio. Contudo, o entendimento acima é restrito aos casos de delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12), não se aplicando ao crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14), muito menos ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16), cujas elementares são diversas e a reprovabilidade mais intensa. Como o tema foi cobrado em concurso? (PC-AM - Delegado - FGV - 2022): Foi noticiado a uma guarnição policial militar que, durante a realização de festa em uma casa em bairro residencial, o vizinho, insatisfeito com o barulho, teria discutido, sendo visto com arma de fogo no jardim da