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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI
CURSO DE GRADUAÇÃO EM BIOTECNOLOGIA
IGOR MOURÃO ALTOÉ
A IMPORTÂNCIA DAS INTEGRINAS NA OCORRÊNCIA DE
INFECÇÕES VIRAIS
São João Del-Rei -- MG
2022
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IGOR MOURÃO ALTOÉ
A IMPORTÂNCIA DAS INTEGRINAS NA OCORRÊNCIA DE
INFECÇÕES VIRAIS
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
apresentado ao Curso de Bacharelado em
Biotecnologia da Universidade Federal de São
João del-Rei, Campus Dom Bosco, como
parte das exigências para a obtenção do título
de Bacharel em Biotecnologia.
Orientador: Prof. Dr. Ivan Carlos dos Santos
São João del-Rei -- MG
2022
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Ficha catalográfica elaborada pela Divisão de Biblioteca (DIBIB) e Núcleo de Tecnologia da
Informação (NTINF) da UFSJ, com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
Altoé, Igor Mourão.
A929i A IMPORTÂNCIA DAS INTEGRINAS NA OCORRÊNCIA DE
INFECÇÕES VIRAIS / Igor Mourão Altoé; orientador
Ivan Carlos dos Santos. -- São João del-Rei, 2022.
32 p.
Trabalho de Conclusão (Graduação - Biotecnologia)
- Universidade Federal de São João del-Rei, 2022.
1. Integrinas. 2. Infecções virais. 3. Motivos. 4.
RGD. 5. COVID-19. I. Santos, Ivan Carlos dos,
orient. II. Título.
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IGOR MOURÃO ALTOÉ
A IMPORTÂNCIA DAS INTEGRINAS NA OCORRÊNCIA DE
INFECÇÕES VIRAIS
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
apresentado ao Curso de Bacharelado em
Biotecnologia da Universidade Federal de São
João del-Rei, Campus Dom Bosco, como parte das
exigências para a obtenção do título de Bacharel
em Biotecnologia.
São João Del-Rei, 15 de Julho de 2022.
Banca examinadora:
Profa. Dra. Ana Paula Madureira- UFSJ/DBTEC
Prof. Dr. Wellington Garcia Campos- UFSJ/DBTEC
Prof. Dr. Ivan Carlos dos Santos
Presidente da Banca
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AGRADECIMENTOS
Agradeço e dedico este Trabalho de Conclusão de Curso às seguintes pessoas e
instituições:
Primeiramente, a Deus, por sempre me dar forças e iluminar minha vida e meu
caminho, Ele sabe o quanto eu já orei e continuo orando para que eu consiga alcançar meus
sonhos e objetivos, por derramar suas bênçãos e sua proteção em mim e em todos aqueles que
são importantes para minha vida;
Aos meus amados pais, André e Anajara, por serem a minha base, por sempre
acreditarem em mim e no meu potencial, por me proporcionarem todo o apoio e suporte
necessários para que eu tivesse a oportunidade de me dedicar aos estudos e ao ganho de
conhecimento em uma Universidade Federal, mesmo sendo extremamente distante da minha
cidade natal. Vocês são tudo para mim, muito obrigado, de coração, por tudo o que vocês já
fizeram e continuam fazendo por mim, meu amor e gratidão por vocês são infinitos e eternos;
A minha família em geral, por sempre se preocuparem comigo e por me incentivarem
a correr atrás dos meus sonhos e a não desistir de fortalecer os meus estudos. Amo muito
vocês;
Aos meus amigos, tanto aos de longa data quanto aos que a vida universitária me
proporcionou, por estarem comigo nos momentos em que a minha família não pode estar, por
me incentivarem a ser quem eu realmente sou, por serem meus confidentes, apoiadores e
torcedores para o meu sucesso, por fazerem cada momento da minha vida ser ainda mais
especial. Vocês moram no meu coração;
Aos meus professores, por me transmitirem uma infinidade de novos conhecimentos,
por me garantirem uma excelente formação profissional e acadêmica e por compartilharem
comigo ensinamentos e lições além das salas de aula. A vocês, o meu muito obrigado, vocês
são pessoas incríveis e muito maravilhosas.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Ivan Carlos dos Santos, por todo o auxilio durante a
graduação, pelas experiências proporcionadas engrandeceram minha vida acadêmica, pelos
conselhos, pela orientação, por ser um dos meus principais guias na formação universitária.
Muitíssimo obrigado!
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A UFSJ, por ter me proporcionado excelentes aprendizados e infraestruturas, cada
lição aprendida e cada experiência vivida serão de grande valia para minha futura vida
profissional.
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LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1. Representação da estrutura das integrinas 13
FIGURA 2. Imagem ilustrativa das principais classes de integrinas e das associações entre as subunidades das
cadeias alfa e beta
14
FIGURA 3. Representação de vírus envelopados e não envelopados (Madigan et al., 2016) 16
FIGURA 4. Replicação viral de DNA-vírus (Tortora et al., 2017) 16
FIGURA 5. Replicação viral de RNA-virús (Tortora et al., 2017) 17
FIGURA 6. Diversidade viral (Madigan et al., 2016) 18
FIGURA 7. Representação do SARS-CoV-2 (Almasi e Mohammadipanah, 2020) 25
FIGURA 8. Organização proteica do SARS-CoV-2 (Sigrist et al., 2020) 25
FIGURA 9. Localização do motivo RGD (Sigrist et al., 2020) 27
FIGURA 10. Infecção celular do SARS-CoV-2 mediada por integrinas (Dakal, 2021) 27
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 10
2. METODOLOGIA 12
3. DESENVOLVIMENTO 12
3.1 INTEGRINAS 12
3.2 VÍRUS 14
3.3 INTEGRINAS E INFECÇÕES VIRAIS 17
3.4 INTEGRINAS E COVID-19 23
4. CONCLUSÃO 29
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 30
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RESUMO
As integrinas são conhecidas como glicoproteínas de membrana, integrantes do grupo
das moléculas de adesão celular (CAMs), responsáveis, principalmente, pelos processos de
adesão celular, constituição da matriz extracelular e integridade do citoesqueleto. Apesar das
funções benéficas que realizam no organismo, as integrinas possuem uma função patológica
de interação com proteínas virais, contribuindo para a ocorrência de processos infecciosos nas
células-alvo.
Os vírus são classificados como parasitos intracelulares obrigatórios e para
conseguirem infectar células hospedeiras, eles utilizam suas proteínas para serem
reconhecidos e interagirem com receptores das membranas celulares, permitindo adesão,
entrada e internalização virais.
Como receptores na infecção viral, as integrinas reconhecem e interagem com
pequenas sequências de peptídeos conhecidos como motivos lineares curtos (SLIMs), os quais
estão presentes nas proteínas virais utilizadas no reconhecimento e ligação às células-alvo.
Muitos motivos (pequenas sequências padrões conservadas associadas com funções distintas)
podem ser reconhecidos pelas integrinas e auxiliarem no processo infeccioso, mas o principal
deles é o motivo RGD, o tripeptídeo de Arginina-Glicina-Ácido Aspártico, que consegue
interagir com, ao menos, oito tipos de integrinas.
O vírus SARS-CoV-2 tem como principal receptor a enzima ECA-2 presente nas
células do trato respiratório e pulmonares, mas, também possuem a habilidade de interagir
com integrinas, uma vez que apresentam o motivo RGD expresso na proteína Spike,
culminando numa maior infectividade de diversas células, tecidos e órgãos.
Sendo assim, este trabalho objetivou a realização de um levantamento bibliográfico de
estudos científicos que evidenciavam a interação entre as integrinas e a infecção de células
hospedeiras pelos patógenos virais, explicitando a importância dessas proteínas no mecanismo
de infecção viral, para elucidar a possibilidade do uso de possíveis antagonistas no combate às
doenças virais.
Palavras-chave: Integrinas, Infecções virais, Motivos, RGD, COVID-19.
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1. INTRODUÇÃO
Vírus e infecções virais sempre foram importantes assuntos discutidos ao longo dos
anos. A cada ano, novos patógenos virais acabam sendo descobertos e uma nova doença,
antes desconhecida, torna-se uma preocupação para a comunidade médica e a população
mundial (Bhattacharyaet al., 2022).
Em dezembro de 2019, na China, uma nova doença viral respiratória começou a se
alastrar e atingir outras localidades, acometendo diversas pessoas. Nomeada de COVID-19,
seu patógeno foi sequenciado e identificado como vírus SARS-CoV-2, da família dos
Coronaviridae. Visto que sua transmissão e sua infecção chegaram a níveis elevados, a nova
doença alcançou a classificação de pandemia, ocasionando um pânico mundial (Sigrist et al.,
2020).
Por se tratarem de organismos acelulares e serem classificados como parasitos
intracelulares obrigatórios, os vírus necessitam infectar uma célula hospedeira para poderem
utilizar seus componentes e sua maquinaria para replicação e produção de novas partículas
virais. Para conseguir concretizar a infecção, os vírus necessitam ser reconhecidos e interagir
com receptores presentes na superfície das membranas celulares (Tortora et al., 2017)
Os patógenos virais mais eficientes são aqueles que conseguem entregar seu material
genético para diferentes células alvo através de robustos mecanismos de entrada e infecção,
sendo que o início do processo dá-se através da ligação do patógeno com os receptores
celulares, principalmente as glicosaminoglicanas: sulfato de heparina e sulfato de
condroititina. Apesar da importância deste tipo de receptor, outras moléculas podem, também,
ser utilizadas como receptores de entrada e internalização viral: proteínas conhecidas como
integrinas (Hussein et al., 2015).
Integrinas são proteínas pertencentes a um grupo de moléculas de adesão celular, as
quais estão envolvidas em processos de adesão de células à matriz extracelular, transdução de
sinais, migração celular e adesão célula-célula (Mrugacz et al., 2021). As principais funções
das integrinas são desempenhadas devido às suas interações com as glicoproteínas presentes
na matriz extracelular (Hussein et al., 2015).
A caracterização da estrutura das integrinas, seu processo de ativação e suas funções
de sinalização foram descritas nos trabalhos de Kandry et al. (2020) e Campbell et al. (2011).
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A maioria das integrinas consegue interagir com outras moléculas e receptores a partir
do reconhecimento de sítios de ligação específicos, como, por exemplo, os chamados “Short
Linear Motifs” (SLIMs), ou motivos lineares curtos, que consiste em um grupo de pequenas
sequências de aminoácidos, do qual se destaca o motivo RGD (Kumar et al., 2022; Maginnis
et al., 2018).
Para conseguir penetrar nas células hospedeiras, muitos patógenos interagem com as
integrinas para concretizarem sua ligação e sua infecção. Muitos vírus envelopados possuem o
motivo RGD entre as suas glicoproteínas, desta forma, apresentam um sítio ativo de
reconhecimento por integrinas específicas, as quais, ao reconhecerem este sítio, simulam
endocitose para internalização dos vírus na célula hospedeira (Hussein et al., 2015).
Apesar da importância do motivo RGD para a infecção viral via integrinas, há aquelas
que não conseguem reconhecer este tipo de sítio, mas auxiliam na entrada, infecção e
internalização de alguns vírus, como o Citomegalovírus humano (HCMV), o Herpes Vírus
Sarcoma de Kaposi (KSHV), o Vírus Símio 40 (SV40) e o Vírus Ross-River (RRV) (Hussein
et al., 2015).
Algumas famílias de vírus e seu processo de interação com integrinas para a
concretização da infecção e internalização viral foram descritas por Stewart e colaboradores
(2007), destacando-se: os adenovírus com as integrinas αv; os herpevírus com as integrinas β1
e αvβ3; os hantavírus e as integrinas β3; os vírus da família Reoviridae com as integrinas β3 e
β1; e a interação do ecovirus-1 com o domínio α2-I da integrina α2β1. Shiota e colaboradores
(2019) destacaram, também, a importância da integrina α3 na infecção do vírus da hepatite E.
O vírus SARS-CoV-2, agente etiológico da COVID-19, utiliza a enzima conversora de
angiotensina II (ECA-2) como receptor celular para internalização viral. Interessante, em sua
composição, foi encontrado o motivo RGD presente no domínio dos receptores de ligação da
proteína Spike (S), envolvida na infecção, do envelope viral. Então, é provável que este vírus
possa utilizar integrinas para promover sua entrada e internalização na célula hospedeira,
hipótese defendida por Sigrist e colaboradores (2020). Davis e colaboradores (2020)
concluíram que a integrina αvβ3 é um potencial receptor que auxilia na internalização do
vírus SARS-CoV-2 no momento de sua infecção e entrada nas células hospedeiras.
Conhecer os mecanismos de infecção viral e a importância das integrinas no processo
de entrada e internalização dos vírus é de grande valor, uma vez que a compreensão destes
12
mecanismos pode ser o ponto de partida para novas formas de combate às doenças virais, o
que poderia possibilitar o uso de novas estratégias de combate a estes tipos de patógenos,
como os antagonistas de integrinas.
2. METODOLOGIA
Foram realizadas pesquisa, revisão e leitura de artigos científicos levantados em bases
de dados como MEDLINE, LILACS, PubMed, SicELO, Google Acadêmico e da plataforma
NCBI sobre o tema proposto, com posterior escrita de um trabalho de revisão bibliográfica, o
qual abrange as principais evidências científicas encontradas.
Para tal, foram utilizadas palavras-chave: “Integrinas”, “Infecções virais”, “COVID-
19”, assim como suas respectivas abreviações e palavras correspondentes em inglês e
espanhol; usadas isoladamente e/ou em associação por meio do operador “AND”.
3. DESENVOLVIMENTO
3.1 Integrinas
Integrinas são glicoproteínas extremamente importantes para a constituição da matriz
extracelular e do citoesqueleto, pertencentes a um grupo de moléculas conhecido como
moléculas de adesão celular (CAMs) (Mrugacz et al., 2021).
A estrutura das integrinas baseia-se em duas cadeias, chamadas alfa e beta, que
interagem entre si através de associações não covalentes e, desta forma, conseguem formar,
aproximadamente, 24 combinações heterodiméricas diferentes (Mrugacz et al., 2021). As
cadeias alfa e beta possuem uma hélice transmembranar e uma cauda citoplasmática; a cadeia
alfa possui de 4 a 5 domínios extracelulares e a cadeia beta possui 7 domínios (Campbell e
Humphries, 2011).
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Figura 1: Representação da estrutura das integrinas, destacando-se: cadeia alfa (Cadena α), cadeia beta
(Cadena β), domínios ricos em cisteína e cátions divalentes conjugados. Fonte: página da Associação
contra o câncer Barcelona no Twitter (Associació Contra el Càncer BARCELONA), 2021.
O processo de ativação das integrinas é determinante para efetividade de suas funções,
uma vez que, a partir desse processso, ocorrem mudanças conformacionais em sua estrutura,
possibilitando a associação com moléculas ligantes. A ativação ocorre por meio da transdução
de sinais químicos, os quais podem ser originados de duas vias: de fora para dentro e de
dentro para fora; a diferença entre as duas vias consiste na dependência da conjugação com
moléculas ligantes para desencadear a forma ativa das integrinas (Mrugacz et al., 2021).
Uma reorganização das pontes dissulfeto internas é necessária para o processo de
ativação, já que há grandes quantidades de resíduos de cisteína presentes na composição das
integrinas (Mrugacz et al., 2021).
A ativação das integrinas é, também, regulada por proteínas intracelulares ligadas ao
esqueleto citoplasmático: kindilina, talina e migiflina. Várias classes de moléculas podem
atuar como ativadores ou inibidores de integrinas, tais como hormônios, endotoxinas,
compostos farmacológicos, moléculas ativas oxigenadas, citocinas, compostos ativos do
sistema de complemento e mediadores de inflamação sistêmica (Mrugacz et al., 2021).
A classificação das integrinas pode ser descrita com base no tipo de ligante
reconhecido e passível de ligação e nas interações das subunidades da cadeia alfa (18) com as
14subunidades da cadeia beta (8). As classes de integrinas mais conhecidas são: integrinas de
ligação-colágeno, integrinas reconhecedoras do motivo RGD, integrinas de ligação-laminina e
integrinas de ligação-leucócitos (Mrugacz et al., 2021).
Figura 2: Imagem ilustrativa das principais classes de integrinas e das associações entre as subunidades
das cadeias alfa e beta, representando as receptoras (receptors) de: leucócitos específicos (Leukocyte-
specific), colágeno (Collagen), RGD e laminina (Laminin).
Algumas mutações nas subunidades das cadeias alfa e beta podem ocasionar algumas
doenças, como trombastenia de Glanzmann, deficiência na adesão de leucócitos e necrose
vesicular epidermal (Mrugacz et al., 2021).
As integrinas podem desempenhar várias funções em processos fisiológicos e
patológicos; dentre suas principais funções, destacam-se: adesão celular (célula-célula),
ligação das células a matriz extracelular, transdução de sinais através da matriz e das
membranas celulares, migração celular e processos de extravasamento celular. Além disso,
integrinas podem desempenhar uma importante função de receptores para determinados tipos
de vírus, como hantavírus, adenovírus, ecovírus, vírus da pólio, vírus da febre aftosa
(FMDV), vírus de síndromes respiratórias agudas graves (Mrugacz et al., 2021).
Para a eficácia de suas funções, as integrinas necessitam de conjugação com íons
divalentes, os quais, dependendo do tipo de íons e de sua concentração, são responsáveis pelo
estímulo ou inibição das atividades das integrinas: Mn2+ e Mg2+ estimulam processos de
adesão; Ca2+ em elevada concentração inibe adesão, mas em baixa concentração, associado
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com concentrações normais de Mg2+, estimula a ligação de moléculas ligantes às integrinas
(Mrugacz et al., 2021).
As integrinas desempenham importantes funções celulares no organismo, mas, apesar
de seus benefícios, podem ser utilizadas pelos vírus como chave de acesso ao interior de
células-alvo, visto que possuem a habilidade de interagirem com proteínas virais essenciais à
ocorrência de processos infecciosos (Maginnis et al., 2018).
3.2 Vírus
Os vírus podem ser descritos como partículas acelulares, extremamente pequenas,
sendo possível a visualização apenas por microscopia eletrônica, possuidores de duas classes
de moléculas: material genético e proteínas. Devido ao fato de não possuírem organelas e a
maquinaria necessária para sua replicação, os vírus são considerados parasitos intracelulares
obrigatórios, ou seja, necessitam infectar uma célula hospedeira para conseguirem realizar a
replicação e produção de novas partículas virais (Tortora et al., 2017).
O espectro de células hospedeiras possíveis de serem infectadas por vírus é muito
elevado e diverso, visto que é possível a infecção de células de vertebrados, invertebrados,
plantas, bactérias, fungos e protistas (Tortora et al., 2017).
As partículas virais são constituídas de material genético, o qual pode ser DNA (fita
simples ou fita dupla) ou RNA (fita simples ou fita dupla), que fica revestido por uma capa
proteica conhecida como capsídeo, formando o nucleocapsídeo. Existem vírus que possuem
um envelope de proteínas, lipídeos e carboidratos que protege e envolve o capsídeo; este
envelope pode conter complexos de carboidratos-proteínas conhecidos como espículas, as
quais são responsáveis pela ligação dos vírus à superfície da célula hospedeira; vírus que não
possuem o envelope ligam-se a célula hospedeira através do próprio capsídeo. A partícula
viral infecciosa completa é chamada de vírion (Madigan et al., 2016; Tortora et al., 2017).
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Figura 3: Representação de vírus envelopados e não envelopados (Madigan et al., 2016)
A infecção das células hospedeiras dá-se a partir da interação química entre a
superfície externa dos vírus e os receptores específicos presentes externamente na superfície
das células; quando muitos sítios de ligação combinam-se com uma quantidade elevada de
receptores, há uma forte associação entre os vírus e a célula hospedeira (Madigan et al., 2016;
Tortora et al., 2017).
A penetração dos vírus na célula hospedeira ocorre, principalmente, por endocitose;
após sua entrada e internalização à célula hospedeira, as partículas virais passam por várias
fases que culminam na replicação, produção e liberação de novos vírions: síntese de ácidos
nucleicos e proteínas, montagem dos capsídeos e empacotamento do genoma viral, liberação
dos vírions (Madigan et al., 2016; Tortora et al., 2017).
Figura 4: Replicação viral de DNA-vírus (Tortora et al., 2017)
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Figura 5: Replicação viral de RNA-virús (Tortora et al., 2017)
A liberação de novas partículas virais pode ocorrer com ou sem lise da célula
hospedeira; infecções virais prejudicam e causam danos à integridade celular, como, por
exemplo, inibição da síntese proteica, inibição da síntese de DNA celular, rompimento da
membrana e da parede celular, alterações fisiológicas e morfológicas celulares (Madigan et
al., 2016; Tortora et al., 2017).
Existe uma diversidade enorme de vírus que infectam e causam doenças na população
humana, além disso, novos vírus passam a ser descobertos em tempos recentes e as
preocupações com o mecanismo de infecção e as possíveis consequências deste processo
estimulam o aumento da vigilância epidemiológica pela comunidade cientifica (Bhattacharya
et al., 2022).
18
Figura 6: Diversidade viral (Madigan et al., 2016)
3.3 Integrinas e Infecções virais
A ocorrência de infecções virais é dependente do reconhecimento e da interação de
receptores celulares pelas proteínas das partículas virais; sem estes mecanismos, os vírus não
poderiam acessar o interior das células hospedeiras para utilizar suas organelas e toda a
maquinaria celular necessárias ao processo de replicação e produção de novos vírus
(Maginnis, 2018).
Os receptores celulares interagem com as proteínas virais analogamente à chave e
fechadura; pode-se dizer que os receptores destravam o caminho que leva à ligação e
internalização dos vírus nas células hospedeiras, eles são os responsáveis por guiar os vírus
aos respectivos tecidos e células-alvo, cruzando as barreiras para garantir a transfecção do
genoma viral ao interior dos hospedeiros (Maginnis, 2018).
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As proteínas virais podem interagir com receptores celulares mediante associações de
baixa e alta afinidades, sendo que essas associações ocorrem por meio de interações químicas,
principalmente as eletrostáticas, também chamadas de forças de van der Waals (Maginnis,
2018).
As interações entre os receptores e as proteínas virais podem ocasionar mudanças
conformacionais nas proteínas de adesão viral, estimular a entrada dos vírus nas células
hospedeiras e ate mesmo ativar vias sinalizadoras necessárias ao ciclo de vida viral infeccioso
(Maginnis, 2018).
As principais classes de receptores celulares são carboidratos (ácidos siálicos, glicanos
sialilados), moléculas de adesão celular (CAMs) e os receptores de fosfatidilserina (Maginnis,
2018). É importante salientar que os receptores mais comuns utiliazados pelos vírus são o
sulfato de heparina e o sulfato de condroitina (Hussin et al., 2015).
As moléculas de adesão celular desempenham um importante papel na integridade da
matriz extracelular e na manutenção do citoesqueleto, além disso, conseguem, também, atuar
como receptores para ligação e internalização de partículas virais. As moléculas mais
utilizadas e reconhecidas como receptores são as integrinas, as selectinas, as caderinas e os
receptores da superfamília das imunoglobulinas (Maginnis, 2018).
O papel negativo das integrinas reside no fato de elas poderem ser utilizadas como
receptores para proteínas virais; esta função especial é possível graças à capacidade de
reconhecimento e interação com moléculas conhecidas como motivos lineares curtos(SLIMs)
(Kumar et al., 2022).
Os motivos lineares curtos fazem parte de uma classe de módulos proteicos funcionais
que participam da interação proteína-proteína e atuam como sítios de modificações pós-
traducionais. Os motivos são pequenas sequências de peptídeos (3-15 resíduos) encontradas
em proteínas mais complexas (Kumar et al., 2022).
Motivos estão presentes em vários processos celulares, destacando-se replicação,
diferenciação e apoptose; diversos patógenos conseguem utilizar os motivos presentes em sua
constituição para induzir processos e sinalizações celulares essenciais aos seus ciclos
infecciosos; a interação entre motivos e células hospedeiras dá-se através de sinalização de
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integrinas, vias de endocitose e transporte celulares e da maquinaria do citoesqueleto. (Kumar
et al., 2022).
Os motivos podem ser agrupados em classes de acordo com suas funções e
características comuns, como a localização das proteínas que os contem e os domínios
associados de interação; há seis categorias de motivos: clivagem, degradação, acoplamento,
ligante, modificação e segmentação (Kumar et al., 2022).
Motivos desempenham uma importante função no processo de regulação do ciclo
celular, através do acoplamento de substrato e reguladores à quinase dependente de ciclina e a
holoenzimas fosfatase, bem como a regulação da estabilidade dos substratos e a localização
subcelular; além disso, participam do transporte regulado de cargas entre os compartimentos
celulares pelas vesículas membranares e permitem a manutenção de sistemas complexos
endomembranares (Kumar et al., 2022).
Os patógenos virais conseguem utilizar os motivos para promover a infecção das
células hospedeiras, visto que, através das interações entre motivos e receptores, os processos
de ligação e internalização ocorrem de uma maneira mais rápida e eficaz. As integrinas
desempenham um importante papel nessa interação, pois são estas proteínas as responsáveis
pelo reconhecimento dos motivos, culminando, posteriormente, na entrada das partículas
virais nas células-alvo.
Vários motivos podem ser reconhecidos e possíveis de interação com as integrinas,
como os motivos RGD, LDV, KGD, LDI, GLOGER, YGL, KGE, entre outros (Beaudoin et
al., 2021; Cumpbell e Humphries, 2011; Maginnis, 2018; Mészáros et al., 2021; Tang et al.,
2017). Apesar da diversidade de motivos que podem ser reconhecidos pelas integrinas e, desta
forma, permitirem a infecção e internalização dos vírus, o principal motivo encontrado nas
proteínas virais que conseguem utilizar integrinas como receptores é o motivo RGD (Hussein
et al., 2015).
O motivo RGD pode ser descrito como uma pequena sequencia de três aminoácidos,
ou seja, é um tripeptídeo constituído de Arginina, Glicina e Ácido Aspártico, o qual pode ser
expresso e encontrado nas glicoproteínas do envelope viral. Este é o motivo mais comum
reconhecido pelas integrinas para permitir a infecção viral (Hussein et al., 2015; Tang et al.,
2017).
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As integrinas conseguem interagir com o motivo RGD a partir de seu processo de
ativação, que consiste em uma cascata de transdução de sinais mediada, principalmente, por
citocinas e outros estímulos, causando rearranjos conformacionais que contribuem para a
exposição e aumento dos sítios de ligação (Liu et al., 2022).
A interação com o motivo RGD é mediada por cátions metálicos (Mg2+, Ca2+, Mn2+)
conjugados ao sítio de adesão metal íon-dependente (MIDAS) das integrinas; o Ácido
Aspártico negativamente carregado presente no motivo interage com os cátions carregados
positavamente ligados ao MIDAS (Beaudoin et al., 2021; Mészáros et al., 2021).
Ao menos oito integrinas conseguem interagir com o motivo RGD e promover a
infecção viral: αIIbβ3, αvβ1, αvβ3, αvβ5, αvβ6, αvβ8, α5β1, α8β1 (Kadry e Calderwood,
2020). A interação entre o RGD e as integrinas promove adesão celular e internalização viral
através da ativação de sinais celulares que envolvem fosfatidilinositol-3-quinase (PI-3K) e
proteína quinase mitógeno-ativa (MAPK), que são de extrema importância para propiciar
entrada viral e infecção das células hospedeiras (Hussein et al., 2015; Sigrist et al., 2020; Yan
et al., 2020).
A ligação dos vírus às integrinas promove mudanças na estrutura quaternária das
integrinas, aumentando e estimulando afinidade viral, rearranjo do citoesqueleto e
internalização viral (Hussein et al., 2015). Após a ligação com as integrinas, ocorre ativação
da FAK (tirosina quinase), a qual possui um sítio de ligação SH2, que propicia ligação com o
sítio fosforilado das integrinas, recrutando, desta forma, Src; o complexo Src-FAK promove
fosforilação de alvos como Rho-GTPases, as quais auxiliam na reorganização do
citoesqueleto, promovendo entrada viral. (Jakhmola et al., 2021).
A interação entre o motivo RGD e as integrinas é de extrema importância para a
entrada e internalização de vários tipos de vírus, como: adenovírus, vírus do herpes simples
(HSV-1), herpes vírus sarcoma de Kaposi (KSHV), vírus da febre aftosa (FMDV), vírus
Coksackie A9 (CAV9), ecovírus 9 e 22, parecovírus humano, citomegalovírus (CMV), vírus
Epstein-Barr (EBV), vírus da imunodeficiência humana (HIV-1), virus da síndrome da
mancha branca (WSSV), metapneumovírus humano (hMPV), vírus Ebola (Garrigues et al.,
2018; Hussein et al., 2015; Kotecha et al., 2017; Maginnis, 2018; Makowski et al., 2021;
Stewart e Namerow, 2007; Tang et al., 2017; van der Meulen et al., 2021).
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É importante destacar que a interação entre as integrinas e o motivo RGD presente nas
proteínas virais dá-se, principalmente, através de interações hidrofóbicas e pontes de
hidrogênio (Jakhmola et al., 2021).
Adenovírus interagem com integrinas (αv e β1) a partir da expressão do motivo RGD
na “penton base” para estimular internalização viral via endocitose por vesículas revestidas de
clatrina; HSV-1 possui motivo RGD expresso na proteína gH para interagir com a integrina
αvβ3, possuindo, também, capacidade de interação com as integrinas αvβ6 e αvβ8 através do
complexo protéico gH/gL, o qual contém RGD; KSHV interage com as integrinas α3β1,
αVβ3, αVβ5 e α5β1 a partir do motivo RGD encontrado na proteína gB; FDMV consegue
intaregir com as integrinas αvβ1, αvβ3, αvβ6 e αvβ8 através do motivo RGD na proteína
VP1; CAV9 possui RGD na proteína VP1 e interage com a integrina αvβ3; proteína Tat do
HIV-1 possui motivo RGD para interagir com as integrinas αVβ3, αVβ5 e α5β1, promovendo
endocitose e entrada viral nas células; hMPV interage com as integrinas αvβ1 e α5β1 através
do motivo RGD presente na proteína de fusão viral F; as proteínas virais do envelope viral do
WSSV (VP31, VP36A, VP36B, VP90, VP110, VP136, VP187 e VP281) possuem RGD em
sua constituição, permitindo interação com integrinas β (Garrigues et al., 2018; Hussein et al.,
2015; Kotecha et al., 2017; Maginnis, 2018; Tang et al., 2017; Tomassi et al., 2021; van der
Meulen et al., 2021).
23
Tabela 1: Tipos virais, integrinas utilizadas e suas funções no processo de infecção (Hussein et al., 2015)
Vírus Integrinas Papel das integrinas
Adenovírus tipos 2 e 5 αvβ3, αvβ5, αvβ1, α5β1, αLβ2,
αMβ2
Entrada celular e saída endossomática
Citomegalovírus humano (HCMV) α2β1, α6β1, αvβ3 Entrada celular
Herpes vírus sarcoma de Kaposi
(KSHV)
α3β1, αvβ3, αvβ5, α9β1 Entrada celular
Vírus Epstein-Barr (EBV) αvβ3, αvβ5, α5β1 Entrada celular
Vírus da Imunodeficiência Humana
1 (HIV-1)
α4β7, αvβ5, αvβ3, α5β1 Ligação celular
Hantaviroses da Síndrome Pulmonar
NY-1 e Vírus Sin Nombre (SNV)
αvβ3, αIIbβ3 Ligação e entrada celular
Rotavirus α4β1, α4β7, α2β1, αvβ3, αxβ2 Ligação e entrada celular
Ecovírus tipo 1 α2β1, αvβ3 Ligação e entrada celular
Ecovírus tipo 9 αvβ3 Ligação e entrada celular
Vírus da febre aftosa (FMDV) α5β1, αvβ3, αvβ6, αvβ8, αvβ1 Ligação e entrada celular
VírusCoksackie A9 αvβ3, αvβ6 Ligação e entrada celular
Poliomavírus murino α4β1 Entrada celular
Vírus vaccínia β1 Entrada celular
Vírus do Nilo Ocidental αvβ3, αvβ1 Entrada celular
Vírus Símio 40 α2β1 Ligação e entrada celular
Vírus Ross-River α1β1 Ligação e entrada celular
Papilomavírus Humano α6β4 Ligação celular
Vírus Ebola α5β1 Entrada celular
Apesar da importância do motivo RGD para a eficiente interação das integrinas com
as partículas virais, muitas integrinas não possuem a capacidade de reconhecimento deste
motivo, mas também conseguem agir no estimulo do ataque e internalização de alguns vírus,
seja através de uma interação química direta com as proteínas virais ou através do
reconhecimento de outros SLIMs; as integrinas α1β1, α2β1, α4β1, α6β1, α9β1 e αxβ2
conseguem promover entrada e infecção viral de citomegalovírus humano (HCMV), KSHV,
vírus símio 40 (SV40), vírus Ross-River (RRV), ecovírus humano 1 (EV1) e papilomavírus
humano (HPV); o vírus da hepatite E (HEV) utiliza integrina α3 como receptor para infecção
das células hospedeiras, sem participação do motivo RGD; vírus HIV-1 interage com a
integrina α4β7 através da proteína gp-120, promovendo adesão celular viral, além de possuir
uma importante função nos eventos que ocorrem após a transmissão sexual (Hussein et al.,
2015; Liu e Lusso, 2020; Shiota et al., 2019).
24
Tabela 2: Integrinas não ligantes ao RGD e suas funções na infecção viral (Hussein et al., 2015)
Classe Integrinas Funções na infecção viral
Não ligantes ao RGD α3β1, α1β1, α2β1, α4β1, α6β1,
α9β1, αxβ2, α6β4, αLβ2, αMβ2
Entrada, ligação e sinalização celular; saída endossomática
As integrinas desempenham uma importante função no processo de infecção viral, elas
podem auxiliar e estimular importantes sinais químicos celulares que promovem a entrada
viral e a internalização dos vírus nas células hospedeiras. A interação das integrinas com os
vírus pode ser realizada a partir do reconhecimento de motivos curtos lineares expressos nas
proteínas virais, destacando-se o motivo RGD, além disso, integrinas que não reconhecem o
RGD também podem desempenhar um importante papel nas infecções virais, estimulando
adesão, entrada e internalização viral.
3.4 Integrinas e COVID-19
Em 2019, na cidade de Wuhan, na China, uma nova doença viral surgiu e começou a
se espalhar rapidamente por diversos países; esta nova doença tinha características
sintomáticas de síndrome respiratória, gerando diversos casos de pneumonia. Após o
sequenciamento genético do agente etiológico viral dessa nova doença, descobriu-se que se
tratava de um novo coronavírus, chamado de SARS-CoV-2; a doença foi batizada de COVID-
19. Em 11 de marco de 2020, a OMS declarou que a COVID-19 havia se tornado uma
pandemia, uma vez que o vírus já circulava em mais de 223 países (Jakhmola et al., 2021).
Apesar dos avanços dos últimos anos na busca por tratamentos e desenvolvimentos de
vacinas, a COVID-19 continua acometendo milhares de pessoas ao redor do mundo, uma vez
que o Sars-CoV-2 demonstra ser mais infeccioso do que os outros coronavírus, além disso,
algumas de suas variantes conseguem burlar as defesas adquiridas pela vacinação (Liu et al.,
2022). Dados recentes da OMS (WHO) mostram que, atualmente, desde o inicio da pandemia,
mais de 547.901.157 casos foram confirmados e mais de 6.339.899 mortes foram confirmadas
globalmente.
25
Sars-CoV-2 pertence a família dos Betacoronavírus, a qual é constituída de vírus
envelopados que contem genoma de RNA; as espículas virais, também chamadas de
glicoproteínas Spike, estão organizadas em formato de coroa na superfície do vírus; as
proteínas S (Spike), E (Envelope) e M (Membrana) estão ancoradas no envelope viral; o
nucleocapsídeo constitui-se de uma proteína N (Nucleocapsídeo) ligada ao genoma viral
(Woodby et al., 2020).
Figura 7: Representação do SARS-CoV-2, destacando-se: proteína S (S protein), junção RNA e proteína
M (RNA and M protein), proteína M (M protein) e proteína E (E protein) (Almasi e Mohammadipanah,
2020)
Figura 8: Organização proteica do SARS-CoV-2, representando-se: trímero de glicoproteína Spike {S}
(Spike glycoprotein trimer), nucleoproteína {N} associada ao genoma de RNA (Nucleoprotein and RNA
genome), proteína de membrana {M} (Membrane protein) e pentâmero de pequena proteína de
membrana do envelope {E} (Envelope small membrane protein pentamer) (Sigrist et al., 2020)
26
A proteína Spike (S) é a principal responsável pela infectividade do SARS-CoV-2; ela
possui 1273 aminoácidos divididos em região S1, um vinculador, região S2, um segmento
transmembranar de passagem única e uma cauda citoplasmática curta, sendo que na região S1
está localizado um fragmento chamado de domínio de ligação do receptor (RBD), o qual é
utilizado para interagir com os receptores celulares que promovem a infecção; sua função é de
propiciar a ligação do vírus aos receptores das células alvo, induzindo endocitose da partícula
viral, catalisando a fusão entre as membranas viral e da célula hospedeira, permitindo a
penetração do genoma viral no citoplasma da célula hospedeira (Liu et al., 2022; Sigrist et al.,
2020).
A enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2) foi identificada como sendo a
principal receptora celular para a infecção do vírus SARS-CoV-2, além disso, a elevada
afinidade entre a proteína Spike e esta enzima contribui para a alta taxa de infectividade do
vírus. ECA-2 é expressa, principalmente, em células arteriais e células epiteliais alveolares
pulmonares, possuindo função de conversão de angiotensina 1 em angiotensina 2, atuando na
regulação da pressão sanguínea e na regulação de processos inflamatórios (Almasi e
Mohammadipanah, 2020; Makowski et al., 2021; Woodby et al., 2020).
Devido à elevada expressão da enzima ECA-2 nas células epiteliais da mucosa nasal,
elas são consideradas o primeiro sítio de infecção do SARS-CoV-2; para a ocorrência da
infecção, a região S1 da proteína Spike (RBD) liga-se à enzima ECA-2, impedindo a
execução de suas funções normais, estimulando inflamação e outros danos induzidos pela
infecção viral. Os danos nas células pulmonares permitem que os vírus acessem a o sistema
circulatório e consigam atacar os tecidos de outros órgãos que expressam a ECA-2, como
coração, rins e trato gastrointestinal; a elevada circulação de mediadores inflamatórios ativa
cascatas de coagulação, promovendo a formação de trombos microcirculatórios, ocasionando
injúrias renais, cardiovasculares, cerebrovasculares e inflamações gastrointestinais (Woodby
et al., 2020).
Apesar da importância da enzima ECA-2 como receptora celular para a infecção do
vírus SARS-CoV-2, outras moléculas foram identificadas como potenciais receptores que
facilitam a entrada do vírus nas células hospedeiras, como a neutropilina-1 e o CD147
(Makowski et al., 2021). Outros estudos identificaram a existência do motivo RGD na região
do RBD da proteína Spike, possibilitando a interação com integrinas para entrada e
internalização viral, afetando a patogenicidade e a transmissão viral (Sigrist et al., 2020).
27
Figura 9: Imagem ilustrativa da localização do motivo RGD na proteína Spike, mostrando a região do
domínio de ligação ao receptor (Receptor-binding domain), o local de ligação à ECA-2 (ACE2 binding), o
sitio de clivagem (cleavage) e o ponto de localização do RGD (Sigrist et al., 2020)
Uma mutação na proteína Spike, chamada de K403R, foi a responsável pela formação
do motivo RGD além do local de ligação da enzima ECA-2; o RGD fica localizado na região
que compreende os aminoácidos 403-405, estando, também, rodeado de aminoácidos que
potencializam e permitem a ligação do motivo com as integrinas (Jakhmola et al., 2021;
Makowski et al., 2021; Nader et al., 2021).
A existência do motivo RGD na proteína Spike do SARS-CoV-2 indica que as
integrinaspodem ser utilizadas como potenciais receptores para este vírus, sendo assim, as
integrinas e a enzima ECA-2 podem atuar juntas como co-receptores da infecção ou as
integrinas podem representar uma via alternativa de infecção, independente da enzima ECA-
2, possibilitando, dessa forma, um aumento na variedade de células alvo para a infecção viral
(Makowski et al., 2021; Sigrist et al., 2021).
Figura 10: Infecção celular do SARS-CoV-2 mediada por integrinas, mostrando as integrinas receptoras
(Integrins receptors), a proteína Spike (Spike protein), o domínio RGD da proteína spike (RGD domain of
Spike protein), íons divalentes e cálcio (Calcium and other divalent ions), proteínas receptora na
superfície celular (Receptor proteins on cell surface), o vírus SARS-CoV-2, as células-alvo humanas
(Human Target Cells) e o vírus entrando na célula via integrinas (Virus enter into cells) (Dakal, 2021)
Para a eficaz ligação do motivo RGD às integrinas, ele precisa estar constantemente
exposto para reconhecimento, sendo assim, a proteína Spike necessita estar numa
conformação adequada que permite a exposição do motivo. A proteína Spike pode interagir
28
com as integrinas através de três vias principais: ligação direta independente da enzima ECA-
2, ligação à enzima ECA-2 e depois ligação à integrina utilizando outro RBD na mesma
proteína ou em uma proteína diferente, e ligação à ECA-2 inical (permitindo mudança
conformacional que expõe o motivo) para, a seguir, utilizar motivos acessivos para ligação às
integrinas no mesmo RBD da proteína Spike (Beaudoin et al., 2021; Makowski et al., 2021).
As integrinas utilizadas como potenciais receptores para o SARS-CoV-2, a partir da
interação com o motivo RGD, são: αvβ6 (expressa, principalmente, nas células epiteliais da
mucosa), αvβ3 (descrita como a principal receptora desta interação, a qual também é mediada
pela ação do hormônio T4 da tireoide, permitindo também infecção das células endoteliais
microvasculares pulmonares, relacionada com a progressão de sepse viral), α5β1 (utilizada
como receptor independente da ECA-2, interagindo após ativação mediada por Mn2+), αIIbβ3
(permitindo interação viral com as plaquetas), αvβ5, αvβ8 e α8β1(especialmente em tecidos
pulmonares, ativada por Ca2+) (Bugatti, 2021; Bugatti et al., 2022; Dakal, 2021; Davis et al.,
2020; Jakhmola et al., 2021; Liu et al., 2022; Makowski et al., 2021; Nader et al., 2020;
Nader et al., 2021; Othman et al., 2022; Simons et al., 2021).
Alguns estudos também comprovam a existência de outros motivos (SLIMs) presentes
na proteína Spike do SARS-CoV-2, os quais podem interagir com integrinas que não são
capazes de reconhecer o motivo RGD, como as integrinas αlβ2, α4β1, α4β7, α7β4, α9β1,
αxβ2, α2β1, α7β1, mas que também auxiliam na entrada e na internalização dos vírus:
motivos LDI, LDS, MLD, FPL, YGF, VGY, por exemplo, podem ser reconhecidos pelas
integrinas não reconhecedoras do RGD e potencializar a infecção viral (Beaudoin et al.,
2021). A proteína Spike também apresenta um motivo de clivagem multibásico, reconhecido
por proteases, além de exibir um motivo CendR após sofrer clivagem, o qual é reconhecido
pela neuropilina-1 (Kumar et al., 2022).
A ligação do SARS-CoV-2 às integrinas pode impactar a integridade dos tecidos
através de três maneiras: o vírion age como antagonista, bloqueando a interação da integrina
com algum ligante, interrompendo sinalização e respostas celulares mediadas pelo ligante;
vírion pode agir como agonista, desencadeando vias de sinalização, levando a respostas
celulares desreguladas e potencialmente prejudiciais; o vírion utiliza integrinas como porta de
entrada para internalização e replicação viral, levando ao rompimento da célula hospedeira
(Makowski et al., 2021).
29
A progressão da COVID-19 pode ser descrita como resultado de dois eventos
sequenciais principais: inicialmente, SARS-CoV-2 reconhece a ECA-2 no trato respiratório,
desencadeando uma infecção viral primária; esta infecção primária induz inflamação e
geração de citocinas, as quais são lançadas no sistema respiratório e em outros sistemas do
corpo, levando à ativação de integrinas ligantes ao RGD expressas em células que não
expressam ECA-2, causando uma maior entrada e massiva replicação viral em vários tecidos
e órgãos, gerando infecção severa e falências de múltiplos órgãos (Liu et al., 2022).
SARS-CoV-2 é um vírus altamente infeccioso e transmissível, comparado aos outros
coronavírus existentes, uma vez que sua afinidade com a ECA-2 é muito elevada, além disso,
possui a habilidade de interagir com integrinas, devido aos SLIMs identificados na proteína
Spike (S), destacando-se o RGD. As novas variantes que surgem devido a mutações geram
preocupação, visto que essas mutações ocorrem, muitas vezes, na proteína S, ocasionando
crescimento da flexibilidade proteica, o que aumenta a afinidade pela ECA-2 e, até mesmo,
por outros receptores. O aumento da flexibilidade proteica e da afinidade à ECA-2 leva,
também, ao aumento da exposição do motivo RGD, desencadeando crescimento da afinidade
e interação com integrinas, aumento da patogenicidade, aceleração da entrada viral e da
infectividade, gerando maiores manifestações extrapulmonares da doença (Makowski et al.,
2021).
4. CONCLUSÃO
As elevadas taxas de infectividade e transmissibilidade de alguns vírus estão
relacionadas com a capacidade de interação com as integrinas, a qual é mediada pelo
reconhecimento de motivos lineares curtos (SLIMs), com destaque ao motivo RGD. Esta
interação propicia a infecção de vários tecidos e tipos celulares diferentes daqueles
considerados os principais alvos do ataque viral.
A compreensão dos mecanismos de infecção, especialmente da interação com
integrinas, é de extrema importância para a busca e ao desenvolvimento de tratamentos e
moléculas terapêuticas que consigam bloquear os processos infecciosos e impedir a
ocorrência das doenças virais.
30
As perspectivas futuras da compreensão da importância das integrinas na ocorrência
de infecções virais visam à pesquisa, desenvolvimento e testagem de antagonistas
(desintegrinas) que consigam impedir a interação com os vírus, propiciando, desta forma,
novos métodos profiláticos e tratamentos alternativos que culminem na não manifestação da
patologia viral.
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Discente: Igor Mourão Altoé