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Professor Esp. Romário Rocha Rodrigues DIREITOS HUMANOS REITOR Prof. Ms. Gilmar de Oliveira DIRETOR DE ENSINO PRESENCIAL Prof. Ms. Daniel de Lima DIRETORA DE ENSINO EAD Prof. Dra. Giani Andrea Linde Colauto DIRETOR FINANCEIRO EAD Prof. Eduardo Luiz Campano Santini DIRETOR ADMINISTRATIVO Guilherme Esquivel SECRETÁRIO ACADÊMICO Tiago Pereira da Silva COORDENAÇÃO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Prof. Dr. Hudson Sérgio de Souza COORDENAÇÃO ADJUNTA DE ENSINO Prof. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo COORDENAÇÃO ADJUNTA DE PESQUISA Prof. Ms. Luciana Moraes COORDENAÇÃO ADJUNTA DE EXTENSÃO Prof. Ms. Jeferson de Souza Sá COORDENAÇÃO DO NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal COORDENAÇÃO DOS CURSOS - ÁREAS DE GESTÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS Prof. Dra. Ariane Maria Machado de Oliveira COORDENAÇÃO DOS CURSOS - ÁREAS DE T.I E ENGENHARIAS Prof. Me. Arthur Rosinski do Nascimento COORDENAÇÃO DOS CURSOS - ÁREAS DE SAÚDE E LICENCIATURAS Prof. Dra. Katiúscia Kelli Montanari Coelho COORDENAÇÃO DO DEPTO. DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS Luiz Fernando Freitas REVISÃO ORTOGRÁFICA E NORMATIVA Beatriz Longen Rohling Carolayne Beatriz da Silva Cavalcante Caroline da Silva Marques Eduardo Alves de Oliveira Jéssica Eugênio Azevedo Marcelino Fernando Rodrigues Santos PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Hugo Batalhoti Morangueira Vitor Amaral Poltronieri ESTÚDIO, PRODUÇÃO E EDIÇÃO André Oliveira Vaz DE VÍDEO Carlos Firmino de Oliveira Carlos Henrique Moraes dos Anjos Kauê Berto Pedro Vinícius de Lima Machado Thassiane da Silva Jacinto FICHA CATALOGRÁFICA Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP R696d Rodrigues, Romário Rocha Direitos humanos / Romário Rocha Rodrigues. Paranavaí: EduFatecie, 2023. 98 p. : il. Color. 1. Direitos humanos. I. Centro Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância. III. Título. CDD: 23. ed. 341.1219 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 As imagens utilizadas neste material didático são oriundas dos bancos de imagens Shutterstock . 2023 by Editora Edufatecie. Copyright do Texto C 2023. Os autores. Copyright C Edição 2023 Editora Edufatecie. O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora Edufatecie. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. 3 Professor Esp. Romário Rocha Rodrigues • Técnico em Administração pelo Colégio Estadual de Paranavaí (2014); • Bacharel em Direito pela Universidade Paranaense - UNIPAR (2019); • Especialista em Ciência de Dados - Uniasselvi (2021); • Pós-graduando em Educação a distância 4.0 (FAEL) (2022); • MBA em Finanças e Políticas Fiscal - Uniasselvi (2022); • MBA em Gestão Pública - Uniasselvi (2022); • Tutor Professor na instituição UniFatecie. CURRÍCULO LATTES: https://lattes.cnpq.br/8891129446641339 AUTOR 4 Seja muito bem-vindo (a)! Prezado (a) aluno (a), é um imenso prazer tê-lo comigo para tratarmos sobre os Direitos Humanos. Juntos, caminharemos para um entendimento acerca dos conceitos básicos dos direitos humanos, e como eles se manifestam em nossa sociedade. Esse ma- terial irá abordar conceitos e definições para que possamos compreender como os direitos inerentes ao homem são reconhecidos, e a razão de ser tão importante na seara jurídica. Na unidade I, abordaremos os pressupostos dos direitos humanos, como sua definição é tratada no ordenamento jurídico internacional, assim como em nosso Estado. Ainda, iremos compreender como os eventos históricos e a teoria do poder influenciaram na busca por reconhecimento desses direitos e limitação ao poder arbitrário do Estado. Já na unidade II, iremos aprofundar nossos estudos nos fundamentos dos direitos humanos, sendo que partiremos dos fundamentos jusfilosóficos dos direitos humanos, ana- lisando o posicionamento das escolas que influenciam no entendimento desses direitos. Entenderemos a razão do fracasso da escola juspositivista em relação à sua tese radical de separação entre o direito e a moral, e como esse posicionamento se contrapõe ao entendimento jusnaturalista. Na unidade III, nos debruçamos na análise dos sistemas internacional e regional de proteção dos direitos humanos. Veremos a importância do sistema global para a promoção do respeito aos direitos humanos, bem como a sua proteção. Ao longo da unidade IV, estudaremos alguns tópicos especiais para que você pos- sa entender a aplicação dos direitos humanos em alguns contextos. A ideia é que ao final da unidade você saiba identificar violações existentes a partir de conceitos definidos pela comunidade acadêmica. Esperamos que este material contribua para seu crescimento profissional. Bons estudos! APRESENTAÇÃO DO MATERIAL SUMÁRIO UNIDADE 1 Pressupostos Históricos: da Dialética do Poder às Reivindicações por Direitos Humanos UNIDADE 2 Fundamentos dos Direitos Humanos UNIDADE 3 Formulações Positivas dos Direitos Humanos UNIDADE 4 Tópicos Especiais de Direitos Humanos 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Plano de Estudos • Pressupostos primeiros acerca dos direitos humanos; • O poder como pressuposto à teoria dos direitos humanos; • Das reivindicações por direitos humanos; • Características e as dimensões dos direitos humanos. Objetivos da Aprendizagem • Contextualizar a história dos direitos humanos; • Compreender a relação entre a teoria do poder e teoria dos direitos humanos; • Estabelecer a importância de um sistema protetivo de direitos humanos; • Apresentar as características e como se compõem as dimensões dos direitos humanos. 1UNIDADEUNIDADE PRESSUPOSTOS PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOSDIREITOS HUMANOS Professor Esp. Romário Rocha Rodrigues INTRODUÇÃO Olá, tudo bem? Seja bem-vindo (a) a nossa Primeira Unidade da disciplina de Direitos Humanos. Assim como eu, acredito que você deva estar entusiasmado para iniciar nossa trilha de aprendizagem. Quando se fala em direitos humanos, comumente o senso comum irá defini-lo como o direito dos manos, relacionando as acepções que absorve através dos meios de comunicação e massa que, de forma sensacionalista, atribuem uma roupagem negativa a esses direitos. Iremos entender nesta unidade que os direitos humanos abrangem um conjunto de direitos fundamentais inalienáveis no qual goza um indivíduo desde o seu nascimento, sim- plesmentedo mundo (das experiências originárias da lebenswelt e das experiências reflexivas) seja refletida nas obras humanas, como as artes, as ciências, a linguagem, etc. De modo que a pessoa reflete o mundo, e o mundo reflete a pessoa, sem que um termo suprima ou se resolva no outro (MOREIRA, 2015, p. 63). UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 TEORIA DA DINAMOGENESIS TÓPICO 34 Acerca da dignidade da pessoa humana, Polo (2020, p. 5-6) acentua que se trata de um valor inerente a todo ser humano, no entanto, esta não pode ser vista apenas do ponto de vista cotidiano, mas também dos elementos básicos que a sustentam qual seja a igualdade e a liberdade. Se partimos da premissa de que todos nascemos iguais, por outro lado, nota-se que as circunstâncias econômicas, sociais, políticas e culturais, se encarregam de nos diferenciar uns dos outros, sendo que muitas das vezes existem desigualdades que escancaram viola- ções de direitos básicos. Evidentemente, a desigualdade inibe o indivíduo de se autoafirmar e de exercer sua liberdade. Comparato (2019, p. 27), abrange muito mais do que o indivíduo ser uma pessoa, pois, ela também resulta das condições de autonomia que o sujeito apresenta, sendo capaz de guiar-se pelas regras por ela editadas. Analisando o substrato material da dignidade, percebe-se que ela se desdobra em quatro postulados: a) reconhecimento do outro como sujeito igual a ele; b) merecedor de respeito no lhe concerne a sua integridade psicofísica de que é titular; c) dotado de autodeter- minação e vontade livre; d) parte integrante do grupo social, no qual deve-se ter garantia de que não será marginalizado (MORAES, 2003, p. 14). É pelo enaltecimento do valor da pessoa humana que ocorre continuamente o apri- moramento dos direitos humanos, razão pela qual não se deve admitir retrocessos, haja vista que se trata de “um pressuposto lógico-transcendental do direito” (MOREIRA, 2015, p. 72-74). Diante disso, para a sua concretização, tornou-se imprescindível estabelecer uma fundamentação lógico-racional quanto à limitação do poder, dotando-o de conteúdo. Ob- viamente, esse conteúdo é estabelecido através de documentos históricos e modernos de direitos humanos, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Sob a ótica da dinamogenesis, é possível compreender que os valores atuam como um elemento integrativo da norma, haja vista que expressam os interesses e os valores sociais, portanto, a força motriz de uma sociedade e cultura, sendo a dignidade da pessoa humana, o núcleo dos direitos humanos. Partindo de uma perspectiva realista, o valor se encontra em uma realidade – mun- do do ser -, no qual não há subordinação ao espaço-tempo. Com efeito, ele é insuscetível de definição. “Isso decorre do fato de que tanto o ser como o valer são duas categorias fundamentais do homem perante a realidade”. Tal perspectiva alude uma distinção entre os valores com os objetos ideais e culturais, que representam objetos derivados e complexos. Deste modo, a cultura é antes elemento integrante, no qual deve-se relacionar em uma dialética entre ser e dever-ser (MARTINS, 2008, p. 265). 35UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS Sendo assim, podemos representar estas ideias a partir do seguinte diagrama: DIAGRAMA 01: DIAGRAMA DO SER E DO FÍSICO-PSÍQUICO Fonte: organizado pelo autor (2023). O conceito do direito justo ou moral, reflete o dever-ser valorativo a partir da pers- pectiva da regulação de condutas. Deste modo, o comportamento social deve se ajustar às exigências (valores) que circundam o dever-ser. No caso de ações que se projetam em desacordo com o dever-ser, o indivíduo deve ser segregado e penalizado, haja vista que se opõem aos valores sociais de seu grupo. A seara jurídica é particularmente fecunda para o estudo da bipolaridade dos valores. Todo o ordenamento jurídico funda-se em valores que pretende ver tutelados, isto é, protegidos. Com efeito, pode-se asseverar que, para o líci- to, existe o ilícito. Essa dialeticidade está presente tanto no plano do direito material como no do direito adjetivo. No Código Penal, em contraposição ao valor vida, há o desvalor morte (MARTINS, p. 266-268). A dinamogenesis dos valores parte de uma situação em que os valores se en- contram em uma posição suspensa (dimensão pré-sociojurídica e metas sociojurídicas), portanto, existe apenas em uma abstração que não tem validade para o direito. Esta ideia pode ser representada graficamente do seguinte modo: IMAGEM 01: DIMENSÃO AXIOLÓGICA DO SER HUMANO Fonte: adaptado de Silveira & Rocasolano (2010, p. 197). 36UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS Infere-se a partir do esquema acima que, o círculo que expressa uma dimensão axiológica é organizado e limitado ao mesmo tempo. Deste modo, à medida que esses valores são demandados e sentidos, logo nasce para a realidade, no mundo dos fatos. Conforme destaca Silveira & Rocasolano (2010, p. 195), a “presença de conceitos não racionais, como o do sentimento, é frequente na axiologia”. Para os autores, o valor em si e o sentimento de valor se diferem um do outro, pois, o “valor em si é o objetivo e absoluto” ao passo que “o sentimento de valor é subjetivo e relativo”. Com efeito, esse sentimento valorativo pressupõe algo útil que apresente valor para um sujeito. Em grande medida, as sociedades modernas são abertas, sendo que os valores partem de um plano ideal para o real de normatização, haja vista que se pode exigi-los e protegê-los. Observa-se que os valores engendrados na sociedade internacional e na esfera nacional, foram e são gradativamente normatizados nos ordenamentos jurídicos. A axiologia deve refletir sobre o âmbito jurídico para que o direito satisfaça os interesses sociais, e cumpra sua função de regular o comportamento humano, quer seja permitindo, proibindo ou obrigando. Outrossim, esses princípios axiológicos normatizados, irão se impor através de regras de eficácia, validade e vigência (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 198). De forma a aprofundar fortemente seus estudos, recomendo a leitura do texto introdutório - A Pessoa Hu- mana e seus Direitos (p. 26-50) - da obra A afirmação histórica dos Direitos Humanos (2019), do professor Fábio Konder Comparato. Nesta introdução, Comparato descreve com assertividade o processo axial da História que despontou a ideia de igualdade entre os homens. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. Editora Saraiva, 2019. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553607884/. Acesso em: 17 fev. 2023. 37UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Pode-se assinalar que o fundamento jurídico-positivo dos direitos humanos se encontra nos valores e princípios vinculados às Instituições que as reconhecem implícita ou explicitamente. Analisando nosso texto constitucional, percebe-se que o ordenamento jurídico pátrio logrou em tutelar a dignidade humana, através de princípios constitucionais que asseguram a proteção da integridade física do ser humano. Tal fato é bem delineado no título I, da Constituição de 1988, que trata dos princípios fundamentais. No art. 1.º, o texto constitucional põe como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, adignidade da pessoa humana; enquanto no art. 4.º, coloca que as relações internacionais serão regidas pela prevalência dos direitos humanos (inc. II). É notório que os valores éticos-jurídicos que determinam o caráter normativo de nossa carta política pressupõem algumas dimensões que devem ser consideradas em nossas ponderações. QUADRO 02: DIMENSÕES ÉTICOS-JURÍDICOS Fonte: organizado pelo autor. UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 FUNDAMENTOS JURÍDICO-POSITIVA TÓPICO 38 Acerca do caráter fundamentador, as disposições constitucionais, dentro uma estru- tura hierárquica, se manifesta como um valor máximo e/ou superior que orienta todo o sistema jurídico-político (princípio da supremacia da Constituição). Conforme destaca Moraes (2022, s.p), em sentido amplo, a constituição política do Estado tem por pressuposto “estabelecer sua estrutura, a organização de suas instituições e órgãos”, assim como definir “o modo de aquisição e limitação do poder”, através da previsão de direitos e garantias fundamentais. Deste modo, percebe-se que a dimensão orientadora de nossa Constituição Federal define que, qualquer disposição normativa ilegítima que persiga fins distintos ou crie obstá- culos ao exercício de liberdade da pessoa humana, deve ser rechaçada de modo a cumprir o estabelecido no sistema axiológico constitucional (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 226-227), e resguardar premissas básicas do Estado Democrático de Direito, qual seja: (1) primazia da lei, (2) sistema hierárquico de normas que preserva a segurança jurídica e que se concretiza na diferente natureza das distintas normas e em seu correspondente âmbito de validade; (3) observância obrigatória da legalidade pela administração pública; (4) separação de poderes como garantia da liber- dade ou controle de possíveis abusos; (5) reconhecimento da personalidade jurídica do Estado, que mantém relações jurídicas com os cidadãos; (6) reco- nhecimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados à ordem consti- tucional; (7) em alguns casos, a existência de controle de constitucionalidade das leis como garantia ante o despotismo do Legislativo (MORAES, 2022, s.p). Por fim, a dimensão crítica abrange a ideia de que, a Constituição deve ser parâmetro para avaliar fatos ou condutas, logo é perfeitamente possível o controle de constitucionalidade de leis ou de atos normativos que divergem dos valores constitucionais. A análise se consubs- tancia na comparação dos requisitos formais e materiais das espécies normativas, de forma que possa verificar sua incompatibilidade. No que concerne às espécies de controle de constitucionalidade, este se divide em controle preventivo que impede o ingresso de norma maculada em nosso ordenamento jurídico; e o controle repressivo que expurga uma norma editada que contrarie o texto constitucional (MORAES, 2022, s.p). Quanto aos direitos humanos, conforme se evidencia na leitura das unidades, o problema circunda a fundamentação desses direitos que se converte na problemática da legalidade dos direitos fundamentais. Entretanto, é evidente que a “visão garantista dos direitos humanos está nas leis que criam mecanismos para sua preservação” (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 227). Destaque-se que o Estado tem por premissa proteger a todos, independentemente de sua situação. Contudo, quando ouvimos ou lemos os noticiários, percebem-se imperativos de violações sem precedentes dessas premissas básicas. Corriqueiramente, em alguma par- te do mundo, pessoas são vítimas de abusos, injustiças, fome, enfermidades, torturas, etc. Logo, percebe-se que ainda permanecem reminiscências que ainda precisam ser superadas. Portanto, o papel do Estado Democrático de Direito vai muito além de garantir a participação popular em uma eleição. O compromisso do Estado também deve circundar o compromisso de repreender atos que maculem ou obstaculize direitos fundamentais, e de garantir que todo o processo econômico e cultural alcance lugares em que o poder estatal não se faz presente. 39UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Conforme vimos no primeiro bloco, a dignidade humana surge a partir da ideia do homem como valor-fonte para os direitos humanos, haja vista o processo de irrupção tota- litarista pelo qual passou a Segunda Guerra Mundial. Diante disso, a dignidade da pessoa humana ganhou status que fundamenta e orienta o direito, assim como se manifesta na estrutura jurídico-política do Estado Democrático de Direito. Agora, a dúvida reside em como justificar a conexão entre a dignidade e o Estado de Direito, haja vista o critério de legitimação do Estado Democrático de Direito. Silveira & Rocasolano (2010, p. 229) apontam que a teoria atual aponta para duas respostas funda- mentais que se baseiam na teoria do consenso e na teoria do dissenso. O consensualismo contemporâneo se baseia na teoria contratualista moderna que teve como primado as ideias de Locke e outros pensadores importantes. Contudo, é importante destacar uma diferença, é que o contratualismo se preocupava com o problema da origem do poder legítimo, enquanto que os consensualistas se ocupam dos mecanismos de garantia que está além da legitimidade, atinente à origem do poder, mas sua legalidade no que concerne ao exercício do poder. Neste sentido, Crespo-Sánchez (2019, s.p) aduz que o consenso é processo pelo qual se permite a conjunção de todas as partes, dobrando as diferenças para se fazer prevalecer o interesse geral, impondo o consenso como princípio moral. Entre suas regras internas estão a redução da subjetividade e a repressão de pensamentos alternativos para o bem comum. UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 FUNDAMENTOS JURÍDICO-POLÍTICA TÓPICO 40 Com efeito, o processo de construção política do espaço público surge a partir da participação do cidadão nas tomadas de decisão. Esse pluralismo, encontra sua maior expressão a partir do espaço, o que permite ao ser humano tomar consciência de sua existência no mundo, assim como de pertencer a um contexto social e histórico específico em uma unidade ativa. A partir dessa abordagem institucional, a participação cidadã é um modelo fundamental para resgatar o significado político no espaço público, cujos be- nefícios são: o fortalecimento da união entre o governo e os cidadãos, que promove sinergias para enfrentar desafios comuns; o fortalecimento de uma sociedade informada e educada; promoção do bem comum como objetivo so- cial e aumento da consciência cívica; a igual colaboração de grupos minoritá- rios; a maior satisfação do cidadão; o desenvolvimento de habilidades sociais para dialogar, negociar, resolver conflitos e conciliar interesses; a promoção da tolerância face à diferença; favorecer a reciprocidade e a pluralidade; e,finalmente, a apropriação cidadã dos projetos para defendê-los e reduzir a pressão dos adversários (CRESPO-SÁNCHEZ, 2019, s.p). A ideia, portanto, parte da premissa de que todo sujeito no gozo de suas apti- dões pode participar da vida política, discutindo, questionando informações, introduzindo afirmações em seus discursos e manifestar suas proposições e necessidades (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 228). Em contraposição a esta ideia, há quem sustente um certo grau de ingenuidade no consensualismo, porque “a comunicação e o consequente consenso são impraticáveis”. Logo, sua proposição parte de que o fundamento dos direitos humanos parte do dissenso entre os homens, e que a partir disso haverá um ímpeto na busca do consenso (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 228). Partindo deste emaranhado de ideias, podemos refletir que a melhor definição de direitos humanos é a que parte de um conjunto de faculdades e instituições, e que reco- nhece a dinamogenesis como pressuposto fundamental, haja vista os elementos de histo- ricidade que marcam e determinam as exigências de direitos em determinados períodos, assim como aborda a relação entre a teoria do poder e o reconhecimento destes direitos, distinguindo a proteção de regras regionais e internacionais. 41UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, você aprendeu os fundamentos jusfilosóficos que cercam os direitos humanos. Vimos que o debate girou em torno das escolas juspositivista e jusnaturalista. Enquanto o jusnaturalismo concebia a ideia de que o legislador deveria embasar o ordenamento jurídico a partir de um Direito Natural, o juspositivismo se opôs veementemente a essa ideia, argumentando que nenhum direito preexiste fora de um sistema jurídico estruturado pelas bases positivistas. Em outras palavras, o positivismo rejeita a ideia do direito natural porque, em sua concepção, ele carecia de legitimidade, já que o reconhecimento dos direitos passa pelo processo legislativo. Portanto, a fonte primária dos direitos humanos era a lei em sentido estrito. Com efeito, na análise de um caso, não se podia fazer uma interpreta- ção extensiva, já que a lei era imperativa. No entanto, esse raciocínio se mostrou contraproducente, pois os fatos e valo- res sociais que cercam o homem influenciam a aplicabilidade do direito. Compartilha- mos uma série de valores fundamentais que são imperativos em nossa sociedade, e esses valores estão intimamente ligados aos direitos humanos, mesmo que não sejam positivados. O direito não deve estar alheio às necessidades da pessoa humana, uma vez que ele não é composto exclusivamente de regras. Portanto, mesmo que os direitos humanos não sejam reconhecidos, o Estado deve garantir proteções mínimas para o desenvolvimento humano. UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS 42 LEITURA COMPLEMENTAR Para que possa aprofundar seus estudos sobre os fundamentos dos direitos humanos, recomendo a leitura do capítulo “Sobre os fundamentos dos direitos do homem”, da obra “A Era dos Direitos” do autor Norberto Bobbio. Neste capítulo, você terá uma noção do posicionamento filosófico de Bobbio em relação aos fundamentos do direito, que permeia todas as ideias abordadas nesta unidade. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. — 7ª reimpressão. UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS 43 MATERIAL COMPLEMENTAR • Título: A (re)invenção dos Direitos Humanos • Autor: Joaquín Herrera Flores • Editora: Fundação Boiteux • Sinopse: Nesta obra, o espanhol Joaquín Herrera Flores aborda temáticas que abrangem a teoria crítica dos direitos humanos e os desafios que representa a sua aplicação no século XXI, sendo necessário reinventá-los de forma a con- templar uma sociedade plural e diversa. Para tanto, traça uma reflexão acerca do que são e para que servem os direi- tos humanos, justificando que a dignidade humana é con- quistada através de processos de lutas, porém, problemati- za o universalismo abstrato da teoria tradicional dos direitos • Título: Crip Camp: Revolução pela Inclusão • Ano: 2020. • Sinopse: Em 1951, um grupo de estudantes fundaram o acampamento Jened com o objetivo de acolher jovens com deficiência. O acampamento oferecia um momento de liber- dade sem limitações e preconceitos, sendo que tal iniciativa logo ultrapassou os muros do acampamento, inspirando li- deranças e organizações que lutam pelos direitos de pesso- as com deficiência nos Estados Unidos. 44UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Plano de Estudos • Sistema global de direitos humanos; • Subsistemas de proteção de direitos humanos; • Sistemas regionais de direitos humanos; • Incorporação dos tratados de direitos humanos no sistema jurídico brasileiro. Objetivos da Aprendizagem • Conceituar e contextualizar o sistema global e regional de proteção aos direitos humanos; • Compreender os subsistemas de proteção aos direitos humanos; • Compreender acerca do processo de incorporação dos tratados no sistema jurídico nacional. 3UNIDADEUNIDADE FORMULAÇÕESFORMULAÇÕES POSITIVAS DOSPOSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOSDIREITOS HUMANOS Professor Esp. Romário Rocha Rodrigues INTRODUÇÃO Caro (a) aluno (a), seja bem-vindo(a) a nossa Terceira Unidade da disciplina de Direitos Humanos. Neste capítulo estudaremos as formulações positivas dos direitos huma- nos. Para tanto, partiremos da análise dos sistemas internacionais e regionais de proteção dos direitos humanos. Veremos a importância do sistema global para a promoção do respeito aos direitos humanos, bem como a sua proteção. Para que saiba, esse sistema se compõe a partir de um conjunto de normas, mecanismos e organizações que embasam a estrutura jurídica que põe toda a sociedade internacional como sujeito ativo na construção de um mundo melhor. Será nesta perspectiva que veremos como funciona a estrutura da Organização das Nações Unidas e seus principais órgãos. Em outro momento, veremos a função dos subsistemas que se subdividem em convencional e o extraconvencional, assim como estudaremos as atividades dos comitês ou treaty bodies que submetem seus signatários a sua supervisão quanto ao cumprimento das obrigações pactuadas em tratados e convenções. Nesse norte, além do sistema global, abordaremos o processo de regionalização dos direitos humanos. O sistema regional abrange três importantes cartas que asseguram o progresso na área econômica e social, assim como difundir o respeito às garantias de direitos mínimos à pessoa humana. Por fim, estudaremos o processo de incorporação dos tratados internacionais de di- reitos humanos ao sistema jurídico brasileiro, e veremos a razão dos tratados incorporados terem status de emenda constitucional. Desejo a você uma boa leitura! UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS 46 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . Deve-se considerar que o caminho dos direitos humanos não se limita apenas à dimensão política. É necessário ter uma compreensão profunda e uma abordagem integra- da que considere as complexidades das relações políticas, econômicas, culturais e sociais. Como elucidado na primeira unidade, existem dois tipos de sistemas de proteção de direitos humanos: o sistema global e os sistemas regionais de proteção. O sistema global de proteção dos direitos humanos abrange um conjunto de nor- mas, mecanismos e organizações que fornecem uma estrutura jurídica que inclui toda a sociedade internacional como sujeito necessário na construção de um mundo mais justo, deixando de reduzir a competência exclusiva do Estado em tratar de temas de “legítimo interesse internacional”, conforme destaca Piovesan (2001, p. 2). Nesse sentido, Saboia (1993, p. 2) aduz que: As normas internacionais sobre direitos humanos encontram-se em declara- ções, tratados e instrumentos cujas origens remontam à Carta das Nações Unidas (1945), à Declaração Universal (1948) e aos Pactos Internacionais (adotados em 1966 e vigentes a partir de 1976). Apesar de seu significado inovador, essas normas surgiram e se desenvolveram dentro do sistema jurí- dico e político do imediato pós-guerra e do bipolarismo ideológico e estratégi- co que congelou o mundo durante mais de quarenta anos. Destaca-se, neste sentido, que as normas internacionais que tratam dos direitos humanos estão declaradas em instrumentos e declarações que, diante do contexto histórico pós-guerra, abriram caminho para a proteção dos direitos básicos do ser humano. A Carta das Nações Unidas (1945) representou um grande avanço nesse contexto, estabelecendo UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 SISTEMA GLOBAL DE DIREITOS HUMANOS TÓPICO 47 o respeito à dignidade humana como um objetivo universal a ser alcançado. Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos criou um catálogo de direitos que serviu de base, juntamente com a Carta das Nações Unidas, para o sistema universal de proteção dos direitos humanos (MARTINELLI; PREVELATO, 2019, p. 24-25; SABOIA, 1993, s. p). Com base nesse conjunto normativo, a Organização das Nações Unidas (ONU) re- cebeu a tarefa de conduzir negociações para evitar possíveis guerras, promover a paz entre as nações e disseminar o respeito pelos direitos humanos. Para alcançar esses objetivos, a ONU criou organizações (Sistema das Nações Unidas) e mecanismos de responsabilidade (convencionais e extraconvencionais). Acerca da ONU, Silveira & Rocasolano (2010, p. 152) aduzem a seguinte perspectiva: A ONU pode ser conceituada como uma associação voluntária de sujeitos de direito internacional público, constituída mediante ato internacional de cará- ter relativamente permanente, dotada de regulamento e órgãos de direção próprios, cuja finalidade é atingir os objetivos comuns determinados por seus membros constituintes. Tais objetivos incluem evitar a eclosão de uma Tercei- ra Guerra Mundial, promover a paz entre as nações e disseminar o respeito pelos direitos humanos – esforço para o qual cooperam inúmeras organiza- ções afiliadas, conhecidas como Sistema das Nações Unidas. Sobre a estrutura da ONU, o art. 7.º da Carta de São Francisco aponta como prin- cipais órgãos das Nações Unidas: A. Assembleia Geral Órgão máximo composto pelos membros das Nações Unidas, cujas atribuições in- cluem a discussão de assuntos relacionados às finalidades da Carta da ONU ou às funções de qualquer um dos órgãos previstos na Carta. Nesse sentido, é importante destacar que a Assembleia tem o poder de fazer reco- mendações aos membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança, desde que essas recomendações estejam relacionadas às questões ou assuntos previstos no artigo 10 da Carta. No entanto, há uma exceção a esse artigo, conforme descrito no artigo 12: Enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo, em relação a qual- quer controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na presente Carta, a Assembleia Geral não fará nenhuma recomendação a respeito des- sa controvérsia ou situação, a menos que o Conselho de Segurança a solicite (BRASIL, 1945). Além disso, o artigo 13.1 estabelece que a Assembleia Geral deve iniciar estudos e fazer recomendações para promover a cooperação internacional no campo político, in- centivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e sua codificação, além de promover a cooperação nas áreas econômica, social, cultural, educacional e de saúde, a fim de promover o gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (BRASIL, 1945). 48UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS B. Conselho de Segurança O Conselho de Segurança é o órgão responsável pela segurança e paz interna- cional, e seu objetivo é manter a paz e a segurança internacionais, garantindo que sua atuação esteja de acordo com os propósitos e princípios das Nações Unidas (artigo 24 da Carta das Nações Unidas). C. Conselho Econômico e Social O Conselho Econômico e Social tem como objetivo realizar estudos e relatórios sobre assuntos internacionais, abrangendo tópicos como economia, aspectos sociais, cul- turais, educacionais, sanitários e outros assuntos correlatos, podendo fazer recomendações à Assembleia Geral, aos membros das Nações Unidas e outras entidades interessadas. De acordo com o artigo 62, itens 2 a 4, o Conselho Econômico e Social pode tomar as seguintes medidas: 2. Poderá, igualmente, fazer recomendações destinadas a promover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos. 3. Poderá preparar projetos de convenções a serem submetidos à Assembleia Geral, sobre assuntos de sua competência. 4. Poderá convocar, de acordo com as regras estipuladas pelas Nações Unidas, con- ferências internacionais sobre assuntos de sua competência. D. Corte Internacional de Justiça O artigo 92 da Carta de São Francisco estabelece que a Corte Internacional de Justiça é o principal órgão judiciário das Nações Unidas, e cada membro das Nações Unidas compromete-se a conformar-se com as decisões da Corte em qualquer caso em que seja parte (artigo 94). Nesse sentido, vale mencionar que, em caso de descumprimento das “obrigações que lhe incumbem em virtude de uma sentença” proferida pela Corte Internacional de Jus- tiça, a outra parte poderá recorrer ao Conselho de Segurança, que poderá, se necessário, recomendar ou decidir sobre medidas para garantir o cumprimento da sentença (artigo 94.2). Conforme se infere da leitura do artigo 96.1, além de sua atribuição contenciosa, a Corte Internacional de Justiça também detém competência consultiva sobre questões de ordem jurídica, na qual outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas poderão solicitar pareceres consultivos acerca de questões jurídicas que sejam de sua esfera de atividade (artigo 96.2). 49UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS Contudo, é importante ressaltar que, embora se manifeste como o principal órgão judicial das Nações Unidas, o artigo 95 prevê a possibilidade de resolução de conflitos em outros tribunais “em virtude de acordos já vigentes ou que possam ser concluídos no futuro”. E. Conselho de Direitos Humanos Criado pela Resolução 60/251, de 15 de março de 2006, da Assembleia Geral das Nações Unidas, para substituir a Comissão de Direitos Humanos, o Conselho de DireitosHumanos é um órgão governamental subsidiário da Assembleia Geral, assim como é o responsável pela promoção do respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais. Em sua composição, podemos encontrar 47 membros, cujo mandato está limitado a 3 anos, com representação geográfica em diferentes países. Quanto suas atribuições, está a promoção da educação em direitos humanos e aprendizagem; servir como interme- diador de diálogo acerca de questões temáticas que envolvam direitos humanos; contribuir, através do diálogo e da cooperação, para prevenir violações dos direitos humanos; realizar revisão periódica universal; apresentar relatório anual à Assembleia Geral, dentre outras competências (OLIVEIRA, 2016, s. p). 50UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Acerca dos subsistemas de proteção aos direitos humanos, é preciso apontar que, no âmbito das Nações Unidas, verificam-se dois subsistemas: o convencional e o extraconvencional. O sistema convencional é o meio pelo qual se estabelecem as convenções interna- cionais das Nações Unidas. Quando aprovada uma convenção no sistema global, órgãos de supervisão e monitoramento são criados para investigar violações. Os denominados comitês ou “treaty bodies” submetem os Estados signatários à sua supervisão nos termos dos dispositivos da convenção pactuada (OLIVEIRA, 2016, s. p). As atividades dos comitês convencionais se circunscrevem em dois mecanismos: o não contencioso e os convencionais quase judiciais. Acerca do mecanismo convencional não contencioso, sua função abrange a supervisão do cumprimento da convenção assumida pelos Estados-parte no âmbito do sistema global. Periodicamente, serão enviados relatórios acerca do cumprimento dessas obrigações assumidas, sendo que esses informes serão examinados por especialistas independentes que dialogam com o Estado, fomentando a cooperação internacional e o consenso entre o Estado-parte e o órgão internacional. Sobre os mecanismos quase judiciais, o sistema global especifica a atuação dos comitês por meio de comunicações interestatais (petições dos Estados) e comunicações individuais (petições). Entretanto, registre-se que as decisões prolatadas dos mecanismos quase judiciais não são consideradas sentenças propriamente ditas. Conforme destaca Oliveira (2016, s. p), nas comunicações interestatais, há uma denúncia de um Estado pelo outro quando ocorre violação de direitos humanos em seu UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 SUBSISTEMAS DE PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS TÓPICO 51 território. Todavia, importa salientar uma particularidade no que concerne ao aceite das comunicações interestatais, pois, com exceção da Convenção Internacional sobre a Eli- minação de Todas as Formas de Discriminação Racial, em que o aceite é obrigatório, nas demais convenções, o aceite é facultativo. No que tange ao sistema de petições individuais, esse mecanismo permite que a vítima acione o comitê previsto na convenção quando houver uma violação de direitos humanos, desde que nela prevista, tendo em vista que cada mecanismo do sistema global engendra regras e procedimentos para cada caso específico. Nesse contexto, é impossível deixar de comentar sobre os mecanismos extracon- vencionais que abrangem procedimentos investigativos de violação de direitos humanos pautados em dispositivos genéricos protetores e de promoção dos direitos humanos previs- tos na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal de Direitos Humanos. O artigo 1º, inciso 3, da Carta das Nações Unidas especifica que um dos propósitos da ONU é a cooperação internacional como pressuposto para a resolução de problemas internacionais atinentes ao campo econômico, social, cultural ou humanitário, bem como a promoção e o estímulo ao respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais. Nesse sentido, cabe ao Conselho Econômico e Social realizar estudos técnicos sobre assuntos internacionais, pareceres, apresentar propostas para o desenvolvimento econômico e social dos países, promover o diálogo entre os setores da sociedade e o governo, bem como acompanhar as políticas públicas implementadas pelo governo. Para cumprir seu desiderato, o Conselho Econômico e Social conta com o auxílio do Conselho de Direitos Humanos. Desde os anos 60, as resoluções do Conselho Eco- nômico e Social e a atuação do Conselho de Direitos Humanos instituíram mecanismos extraconvencionais para investigar violações de direitos humanos pelos países membros da ONU que não são integrantes do sistema global. Nesse sentido, destaca-se a importância do Conselho Econômico e Social na luta contra o apartheid e o colonialismo na década de 60, o que levou o Conselho a recomendar a ação do Conselho de Direitos Humanos na investigação de violações de direitos básicos. Em 1967, foi aprovada a Resolução 1235, que autorizou o recebimento de comunicações e a criação de procedimentos especiais de apuração. Posteriormente, na década de 70, com o advento da Resolução 1503, tornou-se possível peticionar outros temas relativos à violação de direitos humanos (OLIVEIRA, 2016, s. p). Os procedimentos especiais foram gradativamente modificados, tornando-se ins- trumentos ágeis e eficazes nas investigações de violações de direitos humanos. Entretanto, esses procedimentos têm sido duramente criticados por alguns países devido à ideia de politização das investigações, especialmente em relação à aplicação de critérios seletivos na escolha dos países a serem investigados. 52UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Após a criação das Nações Unidas e dos primeiros instrumentos do sistema global de direitos humanos, houve um processo de regionalização da proteção dos direitos huma- nos. Inicialmente, o sistema europeu de direitos humanos foi criado, seguido pelo sistema interamericano e, por fim, o mais recente sistema africano. Os sistemas regionais trabalham em colaboração com instituições atuantes, incluin- do governos, instituições nacionais de direitos humanos, organizações não-governamentais locais e escritórios nacionais das agências especializadas da ONU (PLANTILLA, 2003, p. 2). Nesse sentido, é importante entender como cada um desses sistemas funciona na prática. A. Sistema europeu de direitos humanos Acerca do sistema europeu, trata-se do mais bem desenvolvido sistema de pro- teção. Criado em 1949, o objetivo desse sistema é estreitar a relação entre os países europeus, de forma a promover os ideais, princípios e favorecer o seu progresso na área econômica e social, bem como difundir o respeito pela democracia, os direitos humanos e pelo Estado de direito. Em novembro de 1950, foi aprovada a Convenção para a Proteção dos Direitos dos Homens e das Liberdades Fundamentais. Tal fato inaugurou o sistema regional, haja vista as atrocidades ocasionadas pela Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, esta conven- ção passou a ser denominada Convenção Europeia de Direitos Humanos. Nesse norte, Oliveira (2016, s. p) destaca que: UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 SISTEMAS REGIONAIS DE DIREITOS HUMANOS TÓPICO 53 A Convenção Europeia de Direitos Humanos passou até o momento por 14 protocolos,1 dentre os quais o importante Protocolo 11, que entrou em vi- gor em 1º de novembro de 1998 e proporcionou as seguintes alterações: (a) substituiu a Comissão e a Corte Europeia, que atuavam em tempo parcial, pela Corte Europeia de Direitos Humanos, agora permanente; (b) tornou obri- gatórias cláusulas até então facultativas, como a competência jurisdicional da Corte Europeia e, em especial, assegurou o direito de petição a qualquer indivíduo sob a sua jurisdição, ou seja, o acesso direto de indivíduos, grupos de indivíduos e ONGs à Corte. Diante desses elementos, percebe-se que a Convenção tem como pressuposto proteger os direitos civis e políticos, enquanto os direitos econômicos, sociais e culturais estão previstos na Carta Social Europeia. Quanto às obrigações dos Estados-partes, o art. 1º prevê a obrigação de reconhecer a qualquer pessoa os direitos e liberdades proclama- dos na respectiva Convenção, e qualquer violação desses direitos deve ser apreciada pela Corte Europeia de Direitos Humanos. Conforme o art. 32 da Convenção, a competência do Tribunal abrange as questões atinentes à interpretação e à aplicação da Convenção e dos protocolos a ele submetidos nas hipóteses previstas nos artigos 33, 34, 46 e 47. O artigo 47 da Convenção Europeia prevê a competência consultiva para a emissão de pareceres acerca de questões relativas à interpretação da Convenção e seus respecti- vos protocolos. Destaca-se que a decisão quanto à solicitação de um parecer junto à Corte Europeia fica a cargo do Comitê de Ministros, e a decisão deverá ser tomada por voto majoritário dos membros titulares (art. 47º, inciso 3). Registre-se, neste norte, que os pareceres não podem abranger questões atinentes ao conteúdo ou aos direitos e liberdades circunscritos à Convenção e a seus protocolos. Além disso, também não podem incidir sobre questões que possam ser apreciadas pela Corte Europeia ou pelo Comitê de Ministros (art. 47º, inciso 2). No que concerne à competência contenciosa, a Corte Europeia deve analisar comunicações interestatais ou interestaduais, assim como as petições individuais quan- do houver violações de direitos previstos na Convenção. Deve-se considerar que o polo passivo dessas comunicações só pode ser ocupado pelos Estados-partes signatários da Convenção Europeia, portanto, é evidente que a Corte não julga pessoas. Com relação às comunicações interestaduais, o art. 33 da Convenção especifica que qualquer signatário poderá submeter à Corte Europeia violações de um Estado-parte quanto ao disposto na Convenção e em seus protocolos. No que tange às petições indi- viduais, o art. 34 prevê um rol de sujeitos que possuem legitimidade ativa para acionar 54UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS diretamente a Corte Europeia, sendo eles: a) qualquer pessoa; b) organização não gover- namental; c) grupos de pessoas. Para apresentação da petição individual, os legitimados devem observar os requi- sitos previstos no art. 35, inc. 1, da Convenção: a) quando “esgotadas todas as vias de re- curso internas, em conformidade com os princípios de direito internacional”; b) observância do prazo de seis meses a contar da data da decisão definitiva interna. De igual modo, o art. 35, incisos 2 e 3, especificam quando e como ocorrerá a inadmissibilidade da petição: 2. O Tribunal não conhecerá de qualquer petição individual formulada em aplicação do disposto no artigo 34° se tal petição: a) For anónima; b) For, no essencial, idêntica a uma petição anteriormente examinada pelo Tribunal ou já submetida a outra instância internacional de inquérito ou de decisão e não contiver factos novos. 3. O Tribunal declarará a inadmissibilidade de qualquer petição individual for- mulada nos termos do artigo 34° sempre que considerar que: a) A petição é incompatível com o disposto na Convenção ou nos seus Proto- colos, é manifestamente mal fundada ou tem carácter abusivo; ou b) O autor da petição não sofreu qualquer prejuízo significativo, salvo se o respeito pelos direitos do homem garantidos na Convenção e nos respectivos Protocolos exigir uma apreciação da petição quanto ao fundo. Diante deste rol, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos poderá rejeitar qualquer pe- tição que não atenda aos requisitos do artigo supracitado, em qualquer momento do processo. B. Sistema interamericano A origem histórica do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos remonta à Carta da Organização dos Estados Americanos (Carta de Bogotá) de 1948, pro- clamada durante a IX Conferência Interamericana, que também marcou a celebração da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Antes da Convenção Americana de 1969, a Declaração Americana serviu como a base normativa para a proteção de direitos humanos no sistema interamericano e ainda é o instrumento principal para países que não são partes da Convenção (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 164; MAZZUOLI, 2021, s. p). O sistema de proteção da referida Convenção não tem o condão de substituir as jurisdições nacionais, mas sim de complementá-las. Ressalta-se que a Convenção Ameri- cana é a base do sistema interamericano de direitos humanos. 55UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS Sendo assim, cita-se o art. 1.º da referida Convenção no qual se prega que os Es- tados-partes se comprometem a respeitar os direitos e liberdades previstos no respectivo documento, assim como garantir seu livre exercício a todos os indivíduos sujeitos à sua jurisdição. O Artigo 2.º, por sua vez, estabelece que os Estados-partes se comprometem a adotar as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para garantir os direitos e liberdades previstos na Convenção. Dentre os diversos instrumentos internacionais que compõem o sistema interame- ricano, destaque-se: • Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Aboli- ção da Pena de Morte (1990), • Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985), • Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994) conhecida como Convenção de Belém do Pará; • Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores (1994); • Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discrimi- nação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999). 56UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS A proteção prevista na Convenção abrange vítimas de qualquer nacionalidade, incluindo nacionais, estran- geiros e apátridas, que residam ou não nos Estados-partes. No entanto, a Corte Interamericana decidiu que somente pessoas físicas podem ser parte e reivindicar direitos perante o sistema interamericano de direitos humanos. MAZZUOLI, Valerio de O. Curso de Direitos Humanos. Grupo GEN, 2021. Disponível em: https://integrada. minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559642328/. Acesso em: 20 fev. 2023. Nesta esteira, registre-se que para garantir a proteção e o monitoramento dos direitos estabelecidos pela Convenção Americana, existem dois órgãos autônomos e inde- pendentes, qual seja a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interame- ricana de Direitos Humanos. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem como objetivo, promover e defender os direitos humanos no Continente Americano, atuando comoórgão consultivo da OEA. Outrossim, a Comissão é quem recebe denúncias de violações de direitos humanos por indivíduos ou organizações não governamentais contra atos dos Estados. A Comissão poderá abrir se valer de um procedimento interno de “processamento” do Estado ou de- mandá-lo perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (MAZZUOLI, 2021, s. p). Sediada em San José, na Costa Rica, a Corte Interamericana é um órgão juris- dicional que detém competência para resolver casos de violação de direitos humanos pelos Estados-partes que ratificaram a referida Convenção Americana. A condenação dos Estados-partes pela corte supranacional só produzirá efeitos se houver aceite de sua com- petência contenciosa prevista no art. 62 da Convenção. Com efeito, os Estados-partes que ratificaram a Convenção já aceitaram automa- ticamente a competência consultiva da Corte, mas a competência contenciosa é opcional e pode ser aceita posteriormente. Se um dos juízes da Corte for de nacionalidade de um dos Estados-partes em um caso, o outro Estado pode oferecer um juiz ad hoc para a Corte. Quando a Corte declara a ocorrência de violação de um direito protegido pela Convenção, exige a imediata reparação do dano e impõe, se for o caso, o pagamento de uma indeniza- ção justa à parte lesada. C. Sistema africano de direitos humanos O mais recente sistema de proteção regional dos direitos humanos é resultado da Carta Africana de Direitos do Homem e dos Povos, também conhecida como Carta de Banjul, adotada pelos membros da Organização da Unidade Africana em 26 de junho de 1981 em Nairóbi, no Quênia. É importante ressaltar que a Organização da Unidade Africana foi substituída pela União Africana em 2002, composta por 54 países, com exceção do Reino de Marrocos (MAZZUOLI, 2021, s. p). Destaca-se que a Carta Africana tem particularidades em relação às convenções dos sistemas europeu e interamericano. Uma delas é que a Carta Africana adota uma perspectiva coletivista, isto é, não se limita apenas aos direitos individuais, como as con- venções de outros sistemas regionais. Além disso, enfatiza os deveres da pessoa humana 57UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS em relação à família, sociedade, Estado, outras coletividades legalmente reconhecidas e a comunidade internacional. Neste diapasão, Silveira & Rocasolano (2010, p. 170): A grande novidade desse documento normativo está na afirmação de que os povos são também titulares de direitos humanos, tanto no plano interno quanto no externo. A Carta Africana é a primeira convenção internacional a afirmar o direito dos povos à preservação do equilíbrio ecológico (artigo 24). A Carta Africana reconhece que todas as pessoas devem ter seus direitos e liber- dades garantidos, sem qualquer distinção de raça, etnia, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição social, nascimento ou qualquer outra situação (art. 2º). Também enfatiza o direito ao respeito pela dignidade inerente à pessoa humana e reconhecimento de sua personalidade jurídica, coibindo todas as formas de exploração e humilhação, como escravidão, tráfico humano, tortura física ou moral e penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes (art. 5º). Além disso, a Carta prevê que todos os povos têm direito à sua existência e à autodeterminação. Eles devem ser livres para escolher seu estatuto político e assegurar seu próprio desenvolvimento econômico e social. Os povos também têm o direito à livre dis- posição de suas riquezas e recursos naturais, no interesse exclusivo de suas populações. Ainda, o direito ao desenvolvimento econômico, social e cultural, em estrito respeito à liberdade e identidade de cada povo, é um direito garantido pela Carta. Os povos têm o direito à paz e à segurança, tanto em nível nacional quanto internacional. Além disso, eles têm direito a um meio ambiente satisfatório e global que promova seu desenvolvimento. Os estados-partes têm o dever de promover e assegurar o respeito pelos direitos e liberdades contidos na Carta por meio do ensino, educação e difusão. Eles também devem garantir a independência dos tribunais e estabelecer instituições nacionais apropriadas para a promoção e proteção dos direitos e liberdades garantidos pela Carta Africana. 58UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS Registre-se que o sistema africano possui outros instrumentos legais, como a Convenção da UA que regula Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados em África (1974), a Carta Africana de Direitos e Bem- -Estar da Criança (1990), o Protocolo sobre o Estabelecimento do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (1998), o Protocolo sobre os Direitos das Mulheres em África (2003), e a Carta Africana para a Democracia, Eleições e Governação (2011). MAZZUOLI, Valerio de O. Curso de Direitos Humanos. Grupo GEN, 2021. Disponível em: https://integrada. minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559642328/. Acesso em: 20 fev. 2023. Com relação a violações desses direitos, o Tribunal Africano de Direitos Huma- nos e dos Povos detém a competência para julgar e aplicar a Carta Africana, assim como quaisquer outros instrumentos de direitos humanos no sistema africano. Contudo, a Carta Africana não instituiu de imediato uma Corte para solucionar demandas, pois, esse fato somente ocorreu em 2004 com a entrada do Protocolo Adicional que criou a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 170). Se o Tribunal Africano determinar que houve violação dos direitos humanos de um indivíduo ou dos direitos dos povos, ele tomará medidas apropriadas para remediar a violação, incluindo o pagamento de indenização justa ou reparação. O tribunal deve proferir sua sentença em até noventa dias após a conclusão de suas deliberações, que devem ser fundamentadas e sua decisão é definitiva e inapelá- vel. No entanto, o tribunal pode revisar sua decisão à luz de novas provas em condições estabelecidas em suas disposições. Em casos de extrema gravidade e urgência, quando necessário para evitar danos irreparáveis às pessoas, o Tribunal pode tomar as medidas provisórias que julgar necessárias (MAZZUOLI, 2021, s. p). 59UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Atualmente, existem diversos tratados e instrumentos internacionais de direitos huma- nos, e citar todos os documentos vigentes tornam-se contraproducente. Deste modo, listamos abaixo os principais tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, divididos por categoria: A. Direitos Civis e Políticos: • Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; • Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica); • Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. B. Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: • Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; • Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discrimi- nação Racial; • Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; • Convenção sobre os Direitos da Criança; • Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalha- dores Migrantes e dos Membros das suas Famílias. C. Direitos Humanos e Meio Ambiente: • Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO TÓPICO 60 D. Outros Tratados Relevantes: • Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; • Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; • Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desa- parecimento Forçado; • Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará). • A lista acima não é exaustiva, pois existem outros tratados e instrumentos inter- nacionais de direitos humanos em que o Brasil é signatário. 61UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS De forma a aprofundar seus estudos, recomendo fortemente a leitura de alguns tratados e convenções ratificados pelo Brasil: Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992. Disponível em: https:// www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1992/decreto-591-de-06-julho-1992-369541-publicacaooriginal- -1-pe.html Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1992/decreto-591-de-06-julho-1992-369541-publica- caooriginal-1-pe.html Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, em 27 de novembro de 1968. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1960-1969/D65950.htm Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, em 1º de fevereiro de 1984. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-89.460-20-de- -maio-de-1984-432923-publicacaooriginal-1-pe.html Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1980-1987/decreto-94. 589-19-de-julho-de-1987-525271-publicacaooriginal-1-pe.html Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990. Disponível em: https://www2.cama- ra.leg.br/legin/fed/decret/1990-1994/decreto-99-91-13-janeiro-1991-362729-publicacaooriginal-1-pe. html Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias, em 6 de julho de 2007. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2007/ decreto-6876-11-junho-2009-578609-publicacaooriginal-1-pe.html Diante dessa perspectiva, você poderia questionar como funciona o processo de incorporação dos tratados de direitos humanos no sistema jurídico brasileiro? A Constituição de 1988 trata do processo de celebração de tratados a partir dos ar- tigos 49 e 84, no qual dispõem a competência privativa do Presidente da República quanto a celebração de tratados, convenções e atos internacionais, sendo que estarão sujeitos a referendo do Congresso Nacional que detém competência exclusiva para resolver sobre tratados, acordos ou atos internacionais que possam acarretar encargos ou compromisso onerosos ao patrimônio nacional. O processo de incorporação de um tratado no sistema jurídico brasileiro é realizado através de um procedimento formal, que segue as etapas a seguir: Assinatura: A primeira etapa é a assinatura do tratado pelo representante do Estado bra- sileiro, que geralmente ocorre durante uma cerimônia oficial com representantes de outros países. Ratificação: A ratificação é o ato pelo qual o Estado manifesta seu consentimento em se vincular legalmente ao tratado. No Brasil, a ratificação é realizada pelo Presidente da República, após aprovação do Congresso Nacional. Promulgação: Após a ratificação, o tratado deve ser promulgado pelo Presidente da Re- pública, que publica um decreto presidencial no Diário Oficial da União, tornando-o oficial no país. Incorporação: A partir da promulgação, o tratado se torna parte do ordenamento jurídico brasileiro, mas para que seus dispositivos sejam aplicáveis e produzam efeitos no país, é necessário que o Congresso Nacional aprove uma lei ou ato normativo que regulamente sua aplicação interna. Essa etapa é conhecida como incorporação legislativa e pode variar de acordo com as exigências do tratado (BRASIL, 2018). É importante destacar que os tratados internacionais de direitos humanos têm status de emenda constitucional no Brasil, ou seja, possuem força de emenda constitucio- nal, conforme estabelecido pelo artigo 5º, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988 (MAZZUOLI, 2021, s. p). Dessa forma, eles têm prioridade sobre outras leis ordinárias e devem ser respeitados por todos os poderes do Estado e por todas as esferas de governo. Cabe destacar que existe uma diferença entre dizer que os tratados de direitos huma- nos têm “status de norma constitucional” ou que são “equivalentes às emendas constitucionais”. Conforme destaca Mazzuoli (2021, s. p), a diferença está fundamentada na ideia de que o tratado e norma interna são coisas distintas, haja vista que o artigo 5º, parágrafo 3º, não se refere a ideia de igualdade, mas de equivalência. Para o referido doutrinador, dizer que um tratado tem “status de norma constitucional”, considera apenas sua constitu- cionalidade material, enquanto que a ideia de equivalência pressupõe a integração formal e material de constitucionalidade. 62UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS À evidência, não se pode utilizar da tese da paridade hierárquico-normativa para tratados que tenham conteúdo materialmente constitucional, como é o caso de todos os tratados de direitos humanos. Aliás, o § 3.º do art. 5.º em nenhum momento atribui status de lei ordinária (ou que seja de norma suprale- gal, como pensa atualmente a maioria dos Ministros do STF) aos tratados não aprovados pela maioria qualificada por ele estabelecida. Dizer que os tratados de direitos humanos aprovados por esse procedimento especial passam a ser “equivalentes às emendas constitucionais” não significa obrigatoriamente que os demais tratados terão valor de lei ordinária, ou de norma supralegal, ou do que quer que seja. O que se deve entender é que o quórum que o § 3.º do art. 5.º estabelece serve tão somente para atribuir eficácia constitucional formal a esses tratados no nosso ordenamento jurídico interno, e não para atribuir-lhes a índole e o nível materialmente constitucional que eles já têm em virtude do § 2.º do art. 5.º da Constituição (MAZZUOLI, 2021, s. p). Com efeito, a materialidade dos tratados de direitos humanos não deve ser confun- dida com o regime formal que os tratados podem ter, quando aprovados pelo Congresso Nacional, por maioria qualificada (MAZZUOLI, 2021, s. p). 63UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS Diante da leitura realizada, reflita sobre a importância de um sistema global e regional para a proteção dos direitos humanos? Existe algum sistema regional no Brasil? Cite e explique quais são os sistemas existentes na atualidade. MAZZUOLI, Valerio de O. Curso de Direitos Humanos. Grupo GEN, 2021. Disponível em: https://integrada. minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559642328/. Acesso em: 20 fev. 2023. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, você aprendeu sobre a importância dos sistemas globais, sub- nacionais e regionais. Cada um desses sistemas, apesar de suas particularidades, visa proteger e disseminar o respeito à dignidade da pessoa humana. Com relação ao sistema global, percebe-se que se trata de um conjunto de normas, controle e organizações que fornecem uma estrutura jurídica que inclui toda a sociedade internacional como sujeito ativo na construção de um mundo mais justo. No que concerne ao subsistema, no âmbito das Nações Unidas, verificam-se dois subsistemas: o convencional (meio pelo qual se estabelecem as convenções inter- nacionais dasNações Unidas) que se circunscreve em dois regimes de negociação, quais sejam: o não contencioso e os quase convencionais tribunal; e o extraconvencional, que abrange procedimentos investigativos de violação de direitos humanos pautados em dispositivos genéricos protetores e de promoção dos direitos humanos previstos na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quanto ao sistema regional de proteção aos direitos humanos, este abrange o sistema europeu, o interamericano e o sistema africano. Cada um desses sistemas apresenta suas particularidades, sem, contudo, deixar de colaborar com instituições atuantes, coibindo violação de direitos. UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS 64 LEITURA COMPLEMENTAR Atualmente no Brasil, o Ministério Público do Trabalho tem atuado fortemente contra a servidão análogo a escravidão. Diante da leitura dessa unidade, assim como das ante- riores, percebe-se nesta situação um processo de violação de direitos humanos básicos. De forma que você compreenda essas questões, recomendo que faça a leitura do art. 5.º da Constituição Federal que prevê a proibição do trabalho desumano e degradante. Assim, como a leitura das Convenções nº 29 e 105 e demais tratados de direitos humanos em que o Brasil é signatário. Para facilitar sua pesquisa, primeiramente faça a leitura do documento da ONU, cujo link está abaixo, que trata especificamente do trabalho escravo. ONU. Trabalho escravo. Disponível em: https://brasil.un.org/sites/default/files/2020-07/position-paper-trabalho- escravo.pdf. Acesso em: 20. fev. 2023. UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS 65 MATERIAL COMPLEMENTAR • Título: Estranhos à nossa porta • Autor: Zygmunt Bauman. • Editora: Zahar. • Sinopse: o livro retrata o problema da crise migratória e a forma como a mídia ocidental o noticia, o que Zygmunt Bau- man chama de “pânico moral”. O autor explora como os po- líticos se aproveitam do medo que os migrantes causam na população. • Título: Cafarnaum • Ano: 2019 • Sinopse: Dirigido pela libanesa Nadine Labaki, o longa retra- ta o cotidiano das crianças em meio a crises humanitárias. O drama reflete sobre o direito de buscar condições mínimas de sobrevivência. 66UNIDADE 3 FORMULAÇÕES POSITIVAS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Plano de Estudos • Globalização e direitos humanos; • Guerra, terrorismo e direitos humanos; • Discriminação e intolerância; • Educação, cidadania e participação social. Objetivos da Aprendizagem • Contextualizar e relacionar fatos do cotidiano e as violações aos direitos humanos; • Compreender conceitos destacados no plano de estudo e sua relação com os direitos humanos; • Estabelecer a importância da educação como instrumento de humanização e divulgação de respeito aos direitos humanos. 4 UNIDADEUNIDADE TÓPICOS ESPECIAIS DE TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOSDIREITOS HUMANOS Professor Esp. Romário Rocha Rodrigues INTRODUÇÃO Olá, caros(a) alunos(a), Nesta unidade veremos alguns tópicos especiais para refletirmos pontos específicos que circundam os direitos humanos. Hoje, mais do que nunca, quando analisamos o contexto social percebe-se que constantemente direitos básicos são violados no Brasil e no mundo. Nos próximos blocos veremos de perto alguns pontos polêmicos que, quando anali- sados criticamente à luz dos direitos humanos, nos levam a refletir o legado que queremos deixar para a próxima geração. No primeiro bloco, trataremos da globalização e a sua relação com os direitos humanos. Você sabe o que é a globalização? Ela por si só tem o condão de violar direitos básicos do homem? No segundo bloco, abordaremos os conceitos atinentes a guerra e ao terrorismo. Quando você escuta em noticiários essas terminologias, é capaz de distinguir uma da outra? Ainda, veremos neste bloco que até em uma guerra existem regras específicas que são regidas pelo direito humanitário internacional. Mas qual a diferença entre direito humanitário e direitos humanos? No terceiro bloco, falaremos um pouco da discriminação e da intolerância, sendo que distinguiremos as duas perspectivas e analisaremos a classificação da discriminação, refletindo acerca de suas nuances. Por fim, faremos no quarto bloco uma reflexão sobre a educação e a sua importância na construção da cidadania, e como ela deve propiciar um caminho para o entendimento e o respeito aos direitos humanos, haja vista que este processo enfatiza a necessidade de um protagonismo que respeite o pluralismo, à dignidade da pessoa humana e o Estado de Direito, cuja essência está baseada em princípios e valores democráticos. Bons estudos! UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS 68 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O termo “globalização” começou a ser citado em meados dos anos 80, em substitui- ção às terminologias “internacionalização” e “transnacionalização”. Inicialmente, a ideia se sustentava na defesa da aproximação dos países em desenvolvimento, “em uma economia administrada internacionalmente”. Contudo, somente ao final dos anos 80 é que a termi- nologia passou a ser empregada a partir de uma perspectiva positiva (em que descreve o processo de integração da economia internacional), e normativa (que prescreve uma estratégia de desenvolvimento) (PRADO, 2009, s. p). Destaque-se, a definição do que é a “globalização” é imperfeita, pois este processo pode significar coisas distintas para diferentes tipos de pessoas, haja vista a sua complexidade. Rocha (2010, p. 305), no que lhe concerne, explica que a globalização é um neo- logismo que expressa um processo antigo, cuja origem remonta a expansão geográfica iniciada pelos descobrimentos, mas que com o avanço do capitalismo mercantilista e da sociedade industrial, iniciou-se o fluxo migratório, bens e serviços, capitais e culturas. Diante disso, Prado (2009, s. p) define a globalização como: Dada as distintas interpretações sobre o conceito, e a maneira pouco precisa em que, em alguns casos, este é discutido, preferimos optar por uma defini- ção simples e facilmente mensurável. Definimos globalização como o proces- so de integração de mercados domésticos, no processo de formação de um mercado mundial integrado. Em vista desta definição, incluímo-nos, portanto, entre os defensores da ideia de globalização como fenômeno socioeconô- mico. Nesse sentido, pode-se dividir o fenômeno da globalização em três processos, que, no entanto, estão profundamente interligados: globalização comercial, globalização financeira e globalização produtiva. UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 GLOBALIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS TÓPICO 69 Neste norte, Shalmali Guttal (2007, p. 523) explica que a terminologia descreve uma variedade de transformações econômicas, culturais, sociais e políticas que determinou des- de a revolução tecnológica até a expansão da ideia de economia colaborativa de mercado. Partindo dessas ideias iniciais, podemos caracterizar a globalização como um pro- cesso de integração e estreitamento econômico entre os países, sobretudo da eliminação de barreiras comerciais e da expansão acelerada da tecnologia. Seja qual for a definição que se adote, é fato que a globalização está em toda parte. Desta forma, deve-se considerar que esta dinâmica apresenta efeitos positivos e negativos, haja vista que à medida que há o aumento da riqueza em um país, por outro lado, denota-se que essa crescente tem sido responsável por violações de direitos humanos básicos, prin- cipalmente quando afeta negativamente as condições básicas de sobrevivência. Com a aceleração dos processos de terceirização e offshoring, as empresas trans- nacionais passaram a explorar a mão de obra intensamente e com o menor custo possível, descurando de garantias mínimas de segurança e estabilidade no mercado de trabalho. De outro norte, a globalização contribuiu fortemente para o desenvolvimento de padrões de responsabilidade social corporativa, tendo em vista que hoje as grandes cor- porações transnacionais consideram as perspectivas dos clientes que buscam consumir produtos e serviços de empresas que atendam agendas ambientais e que tenham códigos de boas condutas em suas atividades. Ainda, credita-se à globalização o apoio à disseminação da democracia e a cons- cientização do respeito aos direitos humanos. Diante disso, a tecnologia e os meios de comunicação propiciam um movimento que se organiza para aumentar a abertura política, enfrentar a corrupção e o abuso de poder, melhorando a representação política. No aspecto cultural, a globalização incrementou o estilo de vida e hábitos de con- sumo, e passou a ser impactada pelas informações em tempo real, sobretudo de tragédias humanas que mobilizam a consciência mundial para o fato. Ainda, dentro desta dinâmica, houve uma sensibilização por parte das pessoas quanto ao que consomem, considerando as condições de trabalho e ambientais no qual os produtos e serviços são produzidos. Quanto ao aspecto social, a globalização refletiu nas condições de trabalho e nos direitos sociais dos trabalhadores. A competitividade, pressiona as grandes empresas a transferirem sua produção para países em que quase não há proteção social aos trabalha- dores, e que pagam baixos salários. Como resultado, ocorre o chamado dumping social. Conforme destaca Leal (2014, p. 58): 70UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS O dumping social ocorre através da conduta de determinados Estados no pagamento de salários muito baixos aos seus nacionais por um período con- tínuo, acrescentando-se as precárias condições de trabalho, resultando em uma severa redução de gastos com mão de obra, proporcionando oferecer ao mercado internacional mercadorias com preços absurdamente inferiores aos praticados neste mercado, bem como atraindo a instalações de empre- sas transnacionais para que as mesmas possam utilizar-se dessa mão de obra barata. Diante disso, percebe-se que enquanto o capital e as mercadorias desfrutam de uma crescente liberdade de circulação, por outro lado, há uma inflexibilidade das condições. Logo, a globalização é acompanhada pelo aumento do fluxo migratório, seja por razões econômicas ou ambientais. Segundo dados da DESA, o número total de migrantes em 2020 alcançou cerca 280,6 milhões de pessoas. Só nos Estados Unidos foram cerca de 50,6 milhões de mi- grantes, seguido da Alemanha (15,8 milhões), Arábia Saudita (13,5 milhões), Rússia (11,6 milhões) e Reino Unido (9,4 milhões) (MIGRATION DATA PORTAL, 2020). QUADRO 01: NÚMERO TOTAL DE MIGRANTES INTERNACIONAIS EM 2020 Fonte: UN DESA in Migration Data Portal, 2020. 71UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS QUADRO 02: PAÍSES COM VALORES MAIS ELEVADOS EM TODO MUNDO Fonte: UN DESA in Migration Data Portal, 2020. Diante deste quadro, poderíamos indagar se a globalização em si viola os direitos humanos? A resposta é, não! Há uma preocupação de que isso afete negativamente a proteção dos direitos humanos, sobretudo quando esses direitos devam ser considerados nas decisões governa- mentais, especialmente quando as políticas econômicas dos governos dependem do mercado, dos investimentos estrangeiros e da solução de disputas comerciais. Para ilustrar, cite-se a Organização Mundial do Comércio (OMC), cujas ações visam desenvolver um foro multilateral integrado para regular as negociações do comércio internacio- nal. Dentre suas funções, destaca-se o gerenciamento de acordos e mecanismos de solução de controvérsias, assim como de revisão de políticas comerciais (MESQUITA, 2013, p. 48). Registre-se que, embora não mencionem, os acordos da OMC têm consequências para os direitos humanos. Neste passo, deve-se apontar o acordo a respeito dos Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS), adotado em 2001, em que orienta os Estados quanto ao dever de proteger os direitos autorais, inclusive no que tange setores como as indústrias farmacêuticas e outras patentes. Contudo, para os Estados que não dispõem de recursos financeiros para pagar fármacos patenteados, ou não possuem capacidade de produzir seus próprios genéricos, acaba por conflitar com o direito à saúde e com os compromissos do Estado a esse respeito. Deste modo, ao passo que países com baixo nível tecnológico se beneficiam da proteção à propriedade intelectual, ela também atua contra, na medida em não beneficia países que carecem de pesquisas. 72UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS Conforme aduz o IPEA (2012, p. 306-307): O Acordo Trips e seu impacto esperado na criação de conhecimentos recom- pensadores precisam ser contrastados com a situação do mundo na atualida- de. Em 1998, os países de alta renda da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) responderam por 86 por cento do total de pedidos de registro de patentes e por 85 por cento dos artigos divulgados em publicações técnicas e científicas no mundo inteiro, ganhando mais de 97 por cento dos royalties e dos direitos de licenciamento mundiais (Pnud, 2001; Banco Mundial, 2002). Em contraste, os países menos desenvolvidos ganharam 0,05 por cento dos royalties e direitos de licenciamento mundiais no mesmo ano. Nesse contexto, o Trips trabalha contra os retardatários ou os imitadores, ao aumentar o preço da tecnologia e restringir as opções de equiparação tecnológica (technological catch-up) de que eles dispõem. Além disso, afeta o desenvolvimento econômico futuro, que tende a depender cada vez mais do poder das idéias e da informação, e ameaça deixar para trás os países que carecem de capacidade de pesquisa. [...] Atualmente, os grandes beneficiários da proteção da propriedade intelectual são, basicamente, as empresas transnacionais, que podem usar as leis de propriedade intelectual para se assenhorear das atividades de P&D e con- trolá-las, enquanto as populações mais pobres do mundo enfrentam preços mais altos e restrições ao acesso a novas tecnologias e produtos. A proteção à propriedade intelectual de material educativo, medicamentos essenciais e equipamentos médicos tende a prejudicar os consumidores pobres. No en- tanto, o verdadeiro impacto do Acordo Trips é variável. Os produtores dos países com capacidade tecnológica incipiente podem beneficiar-se dele. Ao mesmo tempo, é provável que a proteção à propriedade intelectual das tec-pelo fato de ser uma pessoa humana. Ainda, entenderemos que esse conjunto de direitos passou por um longo processo até serem reconhecidos internacionalmente. No primeiro tópico, abordaremos os pressupostos dos direitos humanos e o que os definem na ordem internacional e internamente em nosso ordenamento jurídico. Abordare- mos, ainda, alguns eventos históricos que ensejaram na busca por reconhecimento desses direitos, de forma que possamos compreender a relação desses eventos junto à teoria do poder, e como os direitos humanos limitam o poder do Estado contra imposições arbitrárias que cerceiam o direito de liberdade, conforme veremos no segundo tópico. No terceiro tópico, após entendermos como o poder se manifesta no Estado, e como seu abuso constitui uma ofensa aos direitos humanos, haja vista que o ataque sistemático ao poder legitimamente investido, afronta aos direitos civis e à liberdade individual. Abordaremos eventos específicos que culminaram na criação de tratados internacionais e organismos cuja função é assegurar a estabilidade do poder e manter o diálogo entre as nações. No quarto e último tópico, analisaremos essas características dos direitos huma- nos, de forma que se possa correlacionar com a ideia de dimensões, sendo que a partir da leitura atenta das outras unidades, poderemos compreender a relação da historicidade dentro desta perspectiva. Será um prazer tê-lo comigo! Bons estudos! UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Como se sabe, o homem é detentor de direitos inalienáveis que devem a todo momento ser respeitados pelo ordenamento jurídico e pelos representantes do povo. Ao longo da história, houve movimentos sociais importantes que culminou no reconhecimento desses direitos, de modo a preservar a dignidade humana. Vários tratados, como o Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e o Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), abarcam uma gama de direitos que foram reconhecidos internacionalmente, sendo posteriormente incorporados à base das Constituições democráticas de vários países com vista à garantia da liberdade, igualdade e fraternidade entre os povos. Diante desta perspectiva, percebe-se que em âmbito internacional os direitos humanos são constantemente debatidos em virtude da importância desse movimento de reconhecimento de direitos básicos que pode ser estudado sob várias óticas e aspectos. Oliveira (2016, s.p) expõe que não existe uma definição do que são direitos humanos, em virtude da fluidez e ambiguidade terminológica, que abrange aspectos filosóficos, históricos, sociais, culturais, políticos e até mesmo linguísticos. Neste norte, Silveira & Rocasolano (2010, p. 203) aduzem que: É tradição dogmática e doutrinária dedicar as páginas iniciais dos tratados e estudos ao exame terminológico da expressão “direitos humanos”, seja para justificar uma tautologia, seja para tentar definir com coerência a base concei- tual, seja ainda por mero exercício acadêmico. Na verdade, a ciência jurídica desconfia da validade de um termo universalmente conhecido e que integra a linguagem cotidiana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 PRESSUPOSTOS PRIMEIROS ACERCA DOS DIREITOS HUMANOS TÓPICO UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS 8 Destaque-se que o objetivo dessa unidade é eminentemente didático, com foco no processo histórico dos direitos humanos e nas principais definições jurídicas. Em virtude das infindáveis discussões e da complexidade acerca de uma definição exata sobre o que são direitos humanos, não adentraremos nesta seara. Entretanto, para analisarmos os aspectos jurídicos, partiremos de uma definição abrangente que parte da premissa de que os direitos humanos devem ser entendidos como direitos fundamentais inalienáveis no qual goza um indivíduo, desde o seu nascimento, simplesmente pelo fato de ser uma pessoa humana. Tais direitos abarcam os direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais que se estendem a todos independentemente de posição social, sexo, religião, raça, idade e quaisquer outras discriminantes que caracteri- zam o indivíduo. Analisando a definição acima, percebe-se o uso da terminologia “direitos funda- mentais” ao invés de direitos humanos. Deve-se entender que direitos fundamentais é uma forma positivada na ordem constitucional do Estado, com o propósito de proteger as pessoas sujeitas à sua jurisdição, isto é, quando tais normas provêm de um sistema regional de proteção, como é o caso dos sistemas interamericanos, nos referimos aos direitos fundamentais. Contudo, quando um direito abarca a proteção internacional, oriunda de um sistema global, como é o caso da Organização das Nações Unidas, empregar-se-á a terminologia, direitos humanos (SILVEI- RA; ROCASOLANO, 2010, p. 203; MAZZUOLI, 2022, s.p). QUADRO 1. DIFERENÇA ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS Fonte: autor (2023). 9UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS Diante dessas afirmações, é possível delinear os direitos humanos como um conjunto de direitos indispensáveis à proteção da dignidade da pessoa humana, resguardado pela ordem internacional, de forma a assegurar as condições necessárias de sobrevivência e emancipação da pessoa humana, e protegê-lo de violações e arbitrariedades que o Estado possa praticar à sua jurisdição (RAMOS, 2022, s.p; MAZZUOLI, 2022, s.p; OLIVEIRA, 2016, s.p). São direitos indispensáveis a uma vida digna e que, por isso, estabelecem um nível protetivo (standard) mínimo que todos os Estados devem respeitar, sob pena de responsabilidade internacional. Assim, os direitos humanos são direitos que garantem às pessoas sujeitas à jurisdição de um dado Estado meios de vindicação de seus direitos, para além do plano interno, nas instân- cias internacionais de proteção (MAZZUOLI, 2022, s.p). Os direitos humanos, portanto, são reivindicações que não dependem de garantias de terceiros. Logo, significa aceitar que todos temos direito de reivindicá-los, não importa o que digam ou façam, porque pertencemos a uma grande família humana. Neste norte, Ramos (2022, s.p) destaca que não existe um rol que determine um “conjunto mínimo de direitos essenciais a uma vida digna”. Em outras palavras, não é possível categorizar o que vem a ser uma necessidade humana, haja vista que variam de acordo com o contexto e as demandas sociais que são adjudicadas, com a finalidade de inserir ao rol de direitos humanos. Os direitos humanos além de estar enraizados na evolução da sociedade, também está fortemente vinculado à luta da pessoa humana contra arbitrariedades, injustiças, explorações e negligências. Diante desta perspectiva, deve-se salientar que não se deve considerar os direitos humanos como quaisquer direitos atribuídos à humanidade, pois, caso contrário seria reconhecido em outros momentos da história das civilizações. Tradicionalmente, era conhecido como direitos naturais ou de direitos do homem. O fato é que, em quase todas as civilizações, esses direitos tiveram lugar, em que pese não fos- sem diretamente mencionados na época. Dentre essas civilizações, destaque-se “o Código de Hamurabi (Babilônia, séculonologias emergentes e das indústrias intensivas em P&D obstrua os esforços dos países em desenvolvimento para adquiri-las, imitá-las e aprender com elas. Percebe-se, a partir da leitura da transcrição, que de uma perspectiva moral e política as desigualdades são insustentáveis e inadmissíveis. É notório que a desregulamentação e a integração dos sistemas produtivos em escala internacional puseram em desvantagem os países pobres, haja vista que debilitou os mecanismos de proteção e monitoramento dos Estados em relação a sua economia e sistema financeiro, reduzindo a soberania dos parlamentos e dos governos nacionais (GABRIEL, 2004, p. 49). Com efeito, é imperioso um conjunto coordenado de mudanças que reforce a neces- sidade de processo de globalização justo e multilateral. De modo a criar oportunidades, assim como afirmar a necessidade do respeito aos direitos humanos nos processos de globalização, a Comissão Mundial sobre a Dimensão Social da Globalização da OIT, em 2004, emitiu um relatório em que especificou 9 medidas para atender essa finalidade (2005, p. 9-10): • Enfoque centralizado nas pessoas: as demandas do povo devem ser aten- didas no que tange ao respeito aos seus direitos, identidade cultural e autono- mia; trabalho decente; e o empoderamento das comunidades locais em que vivem. A igualdade de gênero é essencial; 73UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS • Estado democrático e eficaz: o Estado deve ter a capacidade de gerenciar a integra- ção na economia global, fornecendo oportunidades, segurança social e econômica; • Desenvolvimento sustentável: pilares de desenvolvimento econômico, de- senvolvimento social e proteção ambiental que se reforçam mutuamente nos níveis local, nacional, regional e global; • Mercados produtivos e equitativos: as instituições precisam promover oportunida- des e empreendimentos em uma economia de mercado que funcione devidamente; • Regras justas: a economia global deve oferecer oportunidades e acesso equitativos para todos os países, reconhecendo a diversidade em relação às capacidades e necessidades de desenvolvimento de cada país; • Globalização solidária: a globalização deve ajudar a superar a desigualdade dentro e entre os países e contribuir para a eliminação da pobreza; • Maior responsabilidade perante as pessoas: os atores públicos e privados devem ser democraticamente responsáveis pelas políticas que adotam e pelas ações que realizam; • Associações mais comprometidas: diálogo e parceria entre os atores da glo- balização – organizações internacionais, governos e parlamentos, empresas, trabalhadores, sociedade civil – como um instrumento democrático essencial; • Nações Unidas eficazes: um sistema multilateral mais forte e mais eficiente para criar um quadro democrático, legítimo e coerente para a globalização. É evidente que a dinâmica do mercado global pende para a eficiência e a maxi- mização do lucro. Contudo, os direitos econômicos e sociais devem coexistir com a distri- buição de riqueza e a garantia da valorização da pessoa humana. Desse modo, a tutela dos direitos humanos não pode estar adstrita à competência exclusiva dos Estados, pois exterioriza uma matéria comum ao interesse internacional. Logo, a violação dos direitos humanos é um problema de interesse coletivo, portanto, não se reserva a competência estatal (SCHAEFER, 2009, p. 87). 74UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Você deve estar acompanhando nos noticiários acerca da Guerra Russo-ucrania- na, e, com certeza, podemos nos perguntar como atos de guerra ou terrorismo desafiam a estrutura dos direitos humanos. É difícil estabelecer um lugar para os direitos humanos quando a vida humana é vista como um dano colateral no curso de bombardeios em massa. Em tempos de guerra, todos os direitos humanos tornam-se obsoletos, pois, os siste- mas de saúde colapsam, a educação cessa, os lares são destruídos, assim como o trabalho, o abastecimento de comida e água, o sistema legal, a liberdade de imprensa e de expressão e a responsabilidade por abusos cometidos pelos Estados desaparecerem completamente. A guerra e o terrorismo são de fato um mal para a humanidade, pois esses atos minam e marginalizam os valores fundamentais dos direitos humanos, bem como o sistema legal que os protege. Entretanto, mesmo em meio a tal colapso, os direitos humanos ope- ram, em que pese enfraquecido. Embora não possam consertar todos os males, fornecem uma proteção mínima e alguma esperança de justiça. Guerras e determinadas emergências nacionais permitem que os Estados derroguem alguns de seus compromissos com os direitos humanos. Todavia, certos direitos humanos, como o direito à vida ou o direito de não sofrer tortura, tratamento desumano e degradante, nunca podem ser deixados de lado. Estes são considerados tão importantes e tão fundamen- tais que devem ser observados mesmo quando a segurança de um Estado está em risco. UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 GUERRA, TERRORISMO E DIREITOS HUMANOS TÓPICO 75 Neste norte, torna-se imperioso distinguir a guerra do terrorismo, pois, de muitas ma- neiras são semelhantes. Ambos abrangem atos de extrema violência, são motivados por fins políticos, ideológicos ou estratégicos, são infligidos por um grupo de indivíduos contra outro. No que concerne às diferenças, a guerra é mais ampla e a destruição mais de- vastadora, haja vista que é travada por Estados que detém um arsenal bélico e exércitos à sua disposição. Os grupos terroristas dificilmente dispõem dos recursos profissionais ou financeiros dos Estados. Conforme destaca Fernandes (2010, p. 249): Porém, estas destrinças pressupõem uma determinada definição sistemáti- ca da guerra enquanto ação de raiz política, o que não quer dizer enquanto sistema, pois a guerra é o momento anti-sistémico por excelência, no qual se dá, da pior forma, a radical percepção de que o outro nos é irredutível e por isso nos faz frente, reage, não havendo forma de conciliá-lo com a totalidade do sistema de que propomos uma determinada assunção. Mormente os métodos utilizados e a extensão da violência, a guerra e o terrorismo também são vistos de forma diferente pelo direito internacional. As diferenças nem sempre são claras e até mesmo os especialistas podem discordar sobre se uma campanha violenta conta como terrorismo, guerra civil, insurgência, autodefesa, autodeterminação legítima ou outra coisa. Conforme destaca Souki (2013, s. p), apesar dos esforços para construção de um conceito que goze de aceitação ampla, o termo ainda permanece sem definição jurídica acordada, impossibilitando a elaboração de uma estratégia de combate ao delito, tendo em vista seus Estados-membros não concordarem em como definir o termo. Através da Resolução 40/60, adotada em dezembro de 1994, a Assembleia Geral da ONU usa o seguinte conceito em seus pronunciamentos sobre o terrorismo: Atos criminosos destinados ou calculados para provocar um estado de terror no público em geral, um grupo de pessoas ou pessoas em particular para fins po- líticos são injustificáveis em qualquer circunstância, sejam quais forem as con- siderações de ordem política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou qualquer outra naturezaque possa ser invocada para justificá-los (ONU, 1995). Diante deste conceito, podemos classificar o terrorismo como: a. Ato politicamente inspirado: um ato terrorista tem por objetivo uma finalidade “maior”, como, por exemplo, um ataque a bomba contra civis, cuja finalidade é mudar a opinião pública para pressionar o governo; b. Deve envolver violência ou ameaça: deve necessariamente abranger violência ou ameaça de um mal injusto, pois a ameaça quando genuinamente acreditada, também incute medo para aqueles que são dirigidas, e pode ser usada para fins políticos; 76UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS c. Ato é projetado para ter um forte impacto psicológico: os atos costumam ser considerados arbitrários ou aleatórios, no entanto, os grupos tendem a se- lecionar alvos cuidadosamente para provocar reação máxima, e, sempre que possível, atacar os símbolos do regime. Diante deste cenário, repise-se que mesmo em uma guerra, certos direitos humanos continuam valendo, em que pese as restrições do estado possam ser mais permissíveis do que seriam em tempos de paz. Registre-se que mesmo em tempos de guerra, há de se limitar às ações das partes em conflito, principalmente no que concerne à proteção de civis, ao tratamento de prisioneiros de guerra e assistência médica aos feridos. Neste caso, as leis da guerra são regidas pelo direito humanitário internacional, que se caracteriza como um conjunto de normas e princípios que têm como objetivo pro- teger as pessoas em situações de conflito armado, incluindo conflitos internacionais e não internacionais, e outras situações de violência e emergências humanitárias (SWINARSKI, 2003, p. 35-36). A primeira das Convenções de Genebra foi assinada em 1864, sendo mais tarde criado o Comitê Internacional da Cruz. As Convenções de Genebra continuaram a ser desenvolvidas até 1949, quando a quarta Convenção de Genebra foi adotada e as três anteriores foram revisadas e ampliadas. Posteriormente, três protocolos de emenda foram adicionados. Essas convenções foram ratificadas no todo ou em parte por 194 países (CICV, 2010; SWINARSKI, 2003, p. 35-36). Outrossim, além das Convenções de Genebra, existem outros padrões no direito humanitário internacional no qual se inclui as Convenções de Haia e uma série de tratados internacionais acerca de armas que podem e não podem ser usadas na guerra. 77UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS Você sabia que os Direitos Humanos e o Direito Humanitário Internacional possuem conceitos distintos, mas complementares que se relacionam com a proteção e promoção da dignidade humana. Enquanto os DH são aplicáveis em todas as situações e contextos, o DHI se aplica apenas em situações de conflito armado e emergências humanitárias. SWINARSKI, Christophe. O direito internacional humanitário como sistema de proteção internacional da pessoa humana. Revista do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, n. 4, p. 33-48, 2003. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A discriminação, em todas as suas expressões, é uma das formas mais comuns de violação e abuso dos direitos humanos. Afeta milhões de pessoas todos os dias, e é uma das mais difíceis de reconhecer. Contudo, você saberia diferenciar a intolerância da discriminação? Em que pese sejam conceitos relacionados, a intolerância se caracteriza pela rejeição de práticas ou crenças diferentes, por exemplo, membros de determinado grupo social ou étnico diversos do nosso, ou pessoas de orientação política ou sexual diferentes, tendem a sofrer retaliações, discursos de ódio, e até serem vítimas de lesões físicas e/ou homicídios. A discriminação, no que lhe concerne, se caracteriza pelo tratamento desfavorável em relação a outros grupos em uma situação comparável, apenas porque pertencem ou são percebidas como pertencentes a um determinado grupo ou categoria de pessoas. As pessoas podem ser discriminadas por causa de sua idade, deficiência, etnia, origem, crença política, raça, religião, gênero, orientação sexual, idioma, cultura e muitos outros motivos. Conforme cita Moreira (2017, p. 27): A palavra discriminação possui uma pluralidade de significados, embora te- nha adquirido um sentido bem específico no mundo atual. Ela designa, por um lado, a ação de classificar objetos a partir de um determinado critério. Essa acepção genérica passou a segundo plano por causa da preponderân- cia de sua de sua dimensão moral e jurídica nos dias atuais. Hoje, o termo discriminar tem conotações claramente negativas, pois sugere que alguém foi tratado de forma arbitrária. Os dois sentidos dessa palavra estão presen- tes no vocabulário jurídico. Sabemos que instituições estatais classificam in- divíduos a partir de uma série de critérios que são necessários para o alcance de algum interesse público. O vocábulo discriminar significa aqui categorizar pessoas a partir de uma característica ou situação jurídica para atribuir a elas alguma consequência. Contudo, a palavra discriminação tem também outro significado no mundo do Direito: ela indica que uma pessoa impõe a outra um tratamento desvantajoso a partir de um julgamento moral negativo. UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 DISCRIMINAÇÃO E INTOLERÂNCIA TÓPICO 78 Diante disso, percebe-se que na atualidade a discriminação adquiriu contornos ain- da mais complexos, sobretudo de indivíduos que sentem as diferentes formas de exclusão e tratamentos desvantajosos intencionais. Tal fato as torna impotentes, pois as impede de serem cidadãos ativos, e, em muitas situações, de ter acesso ao mercado de trabalho, aos serviços de saúde, e à educação. Considerando um panorama geral, é inegável que a discriminação engendra conse- quências diretas para o grupo de ofendidos, no entanto, também apresenta consequências indiretas para a sociedade, haja vista que priva as pessoas de manifestarem livremente todo o seu potencial para si mesmas e para o grupo a qual está inserida. Na perspectiva dos direitos humanos, a proibição da discriminação é um princípio estabelecido na maioria dos tratados internacionais, leis e constituições dos Estados, inclu- sive na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: 1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2 - Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania (ONU, 1948). Em nossa Constituição, o princípio da não-discriminação está delineado no art. 3.º, inc. IV, e art. 5.º: Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviola- bilidade do direito à vida, à liberdade, àigualdade, à segurança, à proprieda- de, nos termos seguintes: [...]. Feito estes apontamentos, registre-se que o disposto em tratados internacionais e na Constituição Federal de 1988 foi crucial para a criação de leis específicas que proíba prática de discriminação direta quanto indireta. Acerca da discriminação direta, caracteriza-se pela intenção de discriminar uma pessoa ou um grupo a partir de um único vetor, por exemplo, quando uma empresa rejeita candidatos de etnia diferente ou uma imobiliária que rejeita alugar imóveis para migrantes. A discriminação indireta, no que lhe concerne, ocorre quando um critério aparentemente neutro coloca membros de um determinado grupo em desvantagem em relação aos demais (MOREIRA, 2017, p. 98-104). 79UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS Neste norte, destacaremos três formas de discriminação que prevalecem em nossa sociedade. A primeira a ser destacada, é a xenofobia que se caracteriza pelo medo, a aversão ou o ódio em relação a pessoas de outras culturas, nacionalidades ou grupos étnicos. É uma forma de preconceito que pode levar a comportamentos discriminatórios ou violentos contra indivíduos que são percebidos como “estranhos” ou “diferentes” (VITORINO; VITO- RINO, 2018, p. 100). A xenofobia pode ser motivada por uma variedade de fatores, incluindo, medo do desconhecido, insegurança, propaganda política ou crenças culturais arraigadas. Ela pode se manifestar de diversas maneiras, como demonstram no local de trabalho, violência físi- ca, estereótipos negativos, negação de direitos civis ou exclusão social. Portanto, trata-se de uma questão social complexa que pode ter graves consequências para a saúde e o bem-estar dos indivíduos e das comunidades comunitárias. O racismo, no que lhe concerne, é uma forma de preconceito ou reconhecimento baseado na raça, ou etnia de uma pessoa. É a crença de que algumas raças são superiores a outras e, por isso, merecem tratamento preferencial ou, em alguns casos, tratamento cruel e injusto. O racismo pode ser manifesto de várias formas, incluindo insultos, estereótipos, exclusão social, negação de oportunidades ou direitos, violência física ou verbal e outras formas de discriminação (ALMEIDA, 2018, p. 25). O impacto das ideologias racistas tem sido devastador para a humanidade, haja vista que justificou a escravatura, o colonialismo, o apartheid, as esterilizações forçadas e o extermínio de povos, como foi o caso do nazismo. 80UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS Para que possa se aprofundar nesta temática, indico a leitura da obra “O que é discriminação?” do autor Adilson José Moreira. Neste ensaio, o autor se debruça no conceito e sentidos do termo discriminação, e sua classificação. Fonte: MOREIRA, Adilson José. O que é discriminação?. Belo Horizonte (MG): Letramento: Casa do Direito: Justificando, 2017. Embora raça não seja mais aceita como categoria biológica e poucos acreditem agora em “raças superiores” com direito inerente de exercer poder sobre aquelas consi- deradas “inferiores”, essa ideologia perdura e assume diferentes formas, como racismo ou etnocentrismo, a crença de que algumas culturas, geralmente a sua própria, são superiores ou que outras culturas, tradições, costumes e histórias são incompatíveis com as suas. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal através do julgamento do Habeas Corpus 82.424/RS e ADO 26/DF, decidiu que o racismo configura um atentado contra princípios que or- ganizam a sociedade humana, fundamentada no respeito à dignidade humana e na alteridade. Por fim, temos o antissemitismo que, de forma genérica, atrela-se a hostilidade contra o povo judeu, muitas vezes acompanhada de discriminação social, econômica e política. Neste sentido, Sorj (2007, p. 97) aduz que: O termo “anti-semitismo” tem sido usado para designar, de forma genérica, as mani- festações de hostilidade contra judeus desde os tempos greco-romanos até os dias de hoje. A longevidade e a persistência desse fenômeno social e a sua designação por meio de um único termo abrangente, “anti-semitismo”, têm encorajado explica- ções de caráter a-histórico que empobrecem ou essencializam o fenômeno e suas interpretações, dificultando o entendimento de seus diferentes significados e formas de expressão em contextos societários específicos. O antissemitismo tem sido generalizado na história da Europa até o presente. As co- munidades judaicas na Rússia, no final do século XIX, haviam se tornado regularmente ví- timas de pogroms, que eram atos discriminatórios e sistemáticos organizados de violência contra as comunidades judaicas pela população local, muitas vezes com o consentimento passivo ou a participação ativa da aplicação da lei, incentivada por políticas de governo. Conforme destaca Vita (2021, p. 222): A agressiva aversão contra os judeus os assola há considerável tempo, e é interes- sante analisar, a partir da contextualização histórica, como ela se deu em diferentes temporalidades. O discurso antissemita se manifestava tanto através de ataques violentos que massacravam ou expulsavam essas populações chamados pogroms -, como também da visão generalizada dos judeus como estrangeiros, que os im- pedia de realizar diversas tarefas e poderia levar até à cassação de seus direitos políticos e civis. A ascensão do fascismo no início do XX trouxe ainda mais dificuldades para os ju- deus na Europa, uma vez que o antissemitismo passou a fazer parte das ideologias racistas no poder. Isso ocorreu não apenas em regimes e partidos fascistas que colaboraram de forma direta ou indireta com o regime nazista alemão durante o Holocausto, mas também em outras sociedades e sistemas influenciados por ideologias racistas. Ataques a comuni- dades judaicas também eram comuns em outros países europeus, incluindo, entre outros, a França e a Áustria. Durante o Holocausto, também conhecido como Shoah (palavra hebraica que sig- nifica desolação), cerca de 6 milhões de judeus foram sistematicamente exterminados por 81UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS nenhuma outra razão além de serem judeus. Contudo, não só judeus foram vitimados com essa barbárie, outros grupos também foram afetados, sendo eles: Mais recentemente, a historiografia também inclui as demais vítimas do nazismo no conceito de Holocausto: 1,5 milhão de opositores políticos (sobretudo comunistas e social-democratas), 3 milhões de prisioneiros de guerra, 20 milhões de russos (cen- tenas desses incluídos na categoria de inimigos políticos e prisioneiros de guerra), 600 mil sérvios, 500 mil sinti e roma (“ciganos”), 200 mil poloneses, 200 mil maçons, 70 mil deficientes físicos e mentais, 15 mil homossexuais, 5 mil testemunhas de Jeová, além dos denominados “a-sociais” e dos negros. Utilizamos aqui o termo “sinti e roma” (“Sinti und Roma”), porque o termo “cigano” (“Zigeuner”) tornou-se pejorativo e, por isso, a historiografia utiliza os termos “sinti” e “roma”, os dois maio- res grupos de ciganos da Europa, sendo o primeiro, “sinti”, o de ciganos não-nôma- dos (estabelecidos na Alemanha há seis séculos) e o segundo, “roma”, de ciganos nômades, cuja maioria tem crença católica (DIVERSITAS, 2023). Essa triste cicatriz no rosto da história da humanidade deixa claro a importância de conscientizarmos as pessoas sobre o respeito aos direitos humanos e a dignidade humana. Conforme vimos na primeira unidade, os direitos humanos nascem a partir desses tristes eventos e de lutas por reconhecimento de direitos. Com efeito, não podemos invalidar toda uma estrutura de proteção aos direitos em razão de palavras vazias de um sensacionalismo que deturpa as premissas básicas de direitos humanos, e desconsidera a razão pela qual se deu ênfase na criação desse ar- cabouço jurídico. Outrossim, é inegável que as sociedades carecem de moralidade, e os vícios que o inquinam somente serão superados quando houver uma transformação moral, quando seremos capazesde enxergar o outro como um igual, em toda a sua plenitude. 82UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS Discriminação, xenofobia e racismo estão disseminados sistematicamente em muitos países. Você pode apontar algum caso recente em nosso país? Fonte: o autor (2023) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A partir da leitura das unidades, percebe-se que as violações aos direitos humanos nascem da ignorância dos homens, mas esse processo vai sendo gradativamente superado pelo progresso intelecto-moral. A educação, no que lhe concerne, é um dos pilares para a emancipa- ção do homem, pois, é através desse processo que se tem acesso à dimensão social e cultural. A educação é o processo pelo qual a sociedade transmite seus conhecimentos, habilida- des e valores acumulados de uma geração para outra. No sentido mais amplo, a educação pode incluir qualquer ato ou experiência que tenha um efeito formativo na mente, caráter ou capacida- de física de uma pessoa. Tem uma influência fundamental sobre as capacidades e potenciais de indivíduos e comunidades para alcançar o desenvolvimento. Além de capacitar as pessoas, a educação fornece conhecimento e informação, contribuindo para a construção de um senso de autoestima, autoconfiança e para a reali- zação do próprio potencial. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, proclamou a educação primária gratuita e obrigatória como um direito humano básico. Dada a sua importância, o direito à edu- cação é indispensável para que o indivíduo exerça sua cidadania. Sem o mínimo de instrução o indivíduo fica impossibilitado de praticar outros direitos de ordem civil, econômica, social e política. Com efeito, o dever do Estado é garantir que todos tenham acesso à educação. O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1976, e ratificado por 160 países, reafirmou o direito à educação como uma obrigação juridica- UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 EDUCAÇÃO, CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS TÓPICO 83 mente vinculativa. O artigo 13 é a disposição mais longa do Pacto e o artigo mais amplo e abrangente sobre o direito à educação no direito internacional dos direitos humanos. 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desen- volvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz (BRASIL, 1992). (grifo meu). O direito à educação também é defendido em vários outros instrumentos de direitos humanos, como é o caso da Carta Social Europeia, a Carta Africana e a Convenção sobre os Direitos da Criança, assim como outros tratados regionais que focam em grupos especí- ficos, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. Para que o homem compreenda os padrões e os objetivos dos instrumentos de direitos humanos, percebe-se a necessidade de conhecimento e educação para se criar um mundo onde esses direitos sejam respeitados. A educação, portanto, deve estar disponível, acessível, aceitável e adaptável, conforme se infere a partir da leitura dos documentos internacionais supracitados. 84UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS Para aprofundar seus estudos, recomendo a leitura dos seguintes documentos: Carta Social Europeia Revista: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/euro/7.htm Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/banjul.htm Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assina- dos em Nova York, em 30 de março de 2007: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/ decreto/d6949.htm Convenção sobre os Direitos da Criança: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/ d99710.htm Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4377.htm QUADRO 03: DIMENSÕES DA EDUCAÇÃO Fonte: organizado pelo autor. A partir desta leitura, percebe-se que sem a educação não há que se falar em cidadania e participação social dentro do jogo democrático, haja vista que a educação perpassa a dimen- são cultural no qual está intimamente relacionada a uma realidade complexa e multidimensional. A respeito da dimensão citada, destaque-se que as quatro dimensões da cidadania foram desenvolvidas por Ruud Veldhui, em 1997. Para Ruud, a relação entre o indivíduo e a sociedade se distingue em quatro dimensões que se relacionam, e que são essenciais à sua existência (VELDHUIS, 1997, p. 12-15). A primeira dimensão, refere-se aos direitos e responsabilidades políticos que devem passar pelo conhecimento do sistema político e pela promoção de atitudes democráticas e competências participativas. No que concerne à dimensão social, está intimamente relaciona- da ao comportamento entre os indivíduos em uma sociedade que requer, em certa medida, lealdade e solidariedade. Logo, as habilidades sociais e o conhecimento das relações sociais são necessários para o desenvolvimento desta dimensão (VELDHUIS, 1997, p. 12-13). Quanto a dimensão cultural, refere-se à consciência de uma herança cultural co- mum. Esta dimensão cultural deve ser desenvolvida através do conhecimento do patrimônio cultural, da história e das competências básicas (competência linguística, leitura e escrita). A dimensão econômica, por sua vez, está atrelada a relação do indivíduo com o mercado de trabalho e de consumo. Portanto, implica o direito ao trabalho e a um nível mínimo de subsistência (VELDHUIS, 1997, p. 13). Estas quatro dimensões da cidadania são alcançadas através de processos de socialização que ocorrem através de interações no ambiente escolar, nas famílias, nas organizações cívicas, nos partidos políticos, etc. 85UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS QUADRO 04: DIMENSÕES DE RUUD VELDHUI Fonte: organizado pelo autor (2023). Considerando as dimensões supracitadas, percebemos que quando fazemos parte de uma comunidade é muito importante participarmos de seu desenvolvimento e contribuir para seu bem-estar, pois, a cidadania também é entendida como a prática de desempenhar um papel ativo em nossa sociedade. Diante disso, a educação deve propiciar um caminho para o entendimento e o respeito aos direitos humanos, haja vista que este processo enfatiza a necessidade de um protagonismo que respeite o pluralismo, à dignidade da pessoa humana e o Estado de Direito, cuja essência está baseada em princípios e valores democráticos. Conforme Kohl & Ardenghi (2018, p. 2) destacam, a educação em direitos humanos é um valor fundamental no que concerne à luta pela paz e pela tolerância, assim como contribui para a formação cidadã dos indivíduos. A educação em direitos humanos orienta a formação de sujeitos de direitos, afirma valores,contribui para a criação de uma consciência ética e cidadã. Uma cultura de direitos humanos significa respeitar as diferenças, lutar pela paz, pela tolerância e pela igualdade. Por essa razão, é essencial imple- mentar essa educação emancipatória, crítica, com potencial de construção (KOHL; ARDENGHI, 2018, p. 2). Hoje, a humanidade passa por momentos turbulentos em que, mais do que nunca, precisamos incutir nas próximas gerações um desejo de cuidado, de praticar tolerância, de respeitar os direitos do próximo. Portanto, os esforços devem estar pautados em uma cultura de paz que somente será alcançada quando os cidadãos do mundo compreende- rem os problemas globais, tiverem as habilidades para resolver conflitos, lutar pela justiça através de meios legais e não violentos. Tal compreensão só poderá ser alcançada com uma educação sistemática para a paz. 86UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, aprendemos alguns conceitos importantes e como os direitos humanos são perpetuados dentro de relações complexas. Ao tratarmos da globalização, sentimos que a globalização em si não tem o poder de violar os direitos humanos. Isso se deve ao fato de que o processo de integração e estreitamento econômico entre países be- neficia a todos, uma vez que contribui para o crescimento e o desenvolvimento econômico. No entanto, é preciso enfatizar que esse conjunto coordenado de estreitamen- to deve fortalecer a necessidade de um processo de globalização justo e multilateral. Embora a dinâmica da globalização penda para a eficiência e a maximização do lucro, os direitos médicos e sociais devem coexistir com a distribuição da riqueza e a garantia da preservação da pessoa humana. Outro ponto que discutimos foi a questão da guerra e do terrorismo. Como se evidencia, seus conceitos se distinguem na medida em que a guerra é muito mais devastadora, tendo em vista a capacidade de se ter à disposição arsenais bélicos e militares, coisa que grupos terroristas possuem em razão da falta de recursos bélicos e financeiros dos Estados. Nesta unidade também aprendemos a diferenciar a discriminação e a intole- rância. Ainda hoje, vemos flagrantes respeitar de direitos humanos no que se refere à desconsideração . Com a globalização, o número de migrantes aumentou signifi- cativamente, e logo percebe-se que os ataques xenofóbicos, racistas e antissemitas aumentaram na mesma proporção em razão da aversão. A educação, conforme se salientou, é uma importante ferramenta para a disse- minação do respeito aos direitos humanos, haja vista que este processo enfatiza a neces- sidade de um protagonismo que respeite o pluralismo, à dignidade da pessoa humana e o Estado de Direito, cuja essência está baseada em princípios e valores democráticos. UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS 87 LEITURA COMPLEMENTAR Para aprimorar seus conhecimentos, recomendo a leitura do artigo ‘Direitos huma- nos e cidadania: uma nova concepção inspirada pela Constituição Federal de 1988’, escrito por Mazzuoli. Neste ensaio, o autor tece considerações acerca da relação entre os direitos humanos e a cidadania, assim como explica o processo de internacionalização desses direitos e a concepção de cidadania expressa pela nossa Constituição de 1988. MAZZUOLI, Valério de Oliveia. Direitos humanos e cidadania: uma nova concepção introduzida pela Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_ divulgacao/doc_publicacao_divulgacao/doc_gra_doutrina_civel/civel%2033.pdf. Acesso em: 20 mar. 2023. UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS 88 MATERIAL COMPLEMENTAR • Título: Temas de Direitos Humanos • Autor: Flávia Piovesan. • Editora: Saraiva jus. • Sinopse: Divida em quatro capítulos, esta obra discorre te- mas importantes acerca do sistema internacional de prote- ção de direitos humanos, assim como o impacto no sistema jurídico brasileiro no que concerne o direito de igualdade, cerne do conceito de dignidade da pessoa humana. • Título: Cafarnaum • Ano: 2019. • Sinopse: Dirigido pela libanesa Nadine Labaki, o longo trata o cotidiano das infâncias marcadas por crises humanitárias. A história retrata a vida do protagonista Zain, menino de 12 anos que vive em Beirute, capital do Líbano. O garoto se vê obrigado a cuidar de seus irmãos em contexto de violência e guerra. 89UNIDADE 4 TÓPICOS ESPECIAIS DE DIREITOS HUMANOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018. BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Ícone, 2006. BRASIL, UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos: Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 22 jan. 2023. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da Repú- blica, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 20 fev. 2023. BRASIL. Decreto n.º 19.841, de 22 de outubro de 1945. Promulga a Carta das Nações Unidas. 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Acredito que restou evidente que os direitos humanos devem ser entendidos como direitos fundamentais inalienáveis no qual goza um indivíduo, desde o seu nascimento, simplesmente pelo fato de ser uma pessoa humana. Portanto, os direitos humanos têm como pressuposto limitar o poder estatal contra imposições arbitrárias sobre a pessoa humana, e que esse abuso afronta diretamente direi- tos civis e individuais. Deste modo, os direitos humanos visam não somente colocar limites, mas também assegurar a estabilidade e o diálogo na comunidade internacional. De outro norte, além de aspectos teóricos, vimos no capítulo dos tópicos especiais problemas que nos deparamos no cotidiano, e como os direitos humanos se manifestam diante desses desafios. Realmente espero que tenha gostado do conteúdo. Até uma próxima oportunidade. Muito Obrigado! 98 ENDEREÇO MEGAPOLO SEDE Praça Brasil , 250 - Centro CEP 87702 - 320 Paranavaí - PR - Brasil TELEFONE (44) 3045 - 9898XVIII, a.C.), o pensamento de Amenófis IV (Egito, século XIV a.C.), a filosofia de Mêncio (China, século IV a.C.), a República de Platão (Grécia, século IV a.C.)”, dentre outras culturas e civilizações (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 96). Registra-se que o humanismo renascentista, no início do período moderno, também teve sua parcela de contribuição através da Magna Carta (1215), da filosofia liberalista e a difusão de ideias pelos intelectuais europeus no século XVIII. Percebe-se, portanto, que o reconhecimento pelos direitos humanos ocorreu de forma gradativa, pois dependia fortemente da transformação intelectual e moral do homem. Devemos reconhecer que o padrão de pensamento somente foi se alterando quando as civilizações entenderam que o poder não deve ser ilimitado. Dessarte, o processo de re- conhecimento por direitos humanos, não é apenas sobre a legitimidade do direito inerente ao homem, mas sobre limitar os excessos e as arbitrariedades nos termos do pacto social estabelecido pelos cidadãos. 10UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Analisando o primeiro tópico, percebe-se a complexidade e, ao mesmo tempo, a importância dos direitos humanos à medida que se concretizam na esfera de seus benefi- ciários através dos vários tratados internacionais, normas constitucionais, contribuições de intelectuais, das decisões dos tribunais (jurisprudências), etc. É a partir deste conjunto que foram se contornando o significado, funções e garantias dos direitos humanos. Repise-se que no transcurso percorrido nesta direção, houve injustiças sofridas por indivíduos, grupos e povos que se colocaram contra o poder estabelecido para que houvesse o reconhecimento da dignidade humana como um direito subjetivo de qualquer pessoa em qualquer nação, e até dos apátridas. Neste sentido, Silveira & Rocasolano (2010, p. 22) aduzem que o processo dos direitos humanos abarca uma: [...] história de confrontação e de luta incessante pelos valores da humanida- de, em que o poder imposto aos homens e sua organização em comunida- des, povos e Estados, foi se perdendo nas batalhas sob a ordem da liberda- de, igualdade e solidariedade dos seres humanos, que se rebelaram guiadas pelas luzes da razão e dos valores e sentimentos compartilhados. Refletindo acerca da transcrição acima, podemos nos indagar qual seria a relação entre o poder e os direitos humanos. Demirovic (2008, p. 6) explica que o sujeito humano está envolvido em relações de produção, relações de sentido e, ao mesmo tempo, em complexas relações de poder. O poder, portanto, não é apenas um problema teórico, mas parte de nossa experiência, haja vista que pode ser encontrado em todas as formas no cotidiano. UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 O PODER COMO PRESSUPOSTO À TEORIA DOS DIREITOS HUMANOS TÓPICO 11 De forma que possamos entender essas nuances, devemos primeiramente distin- guir a autoridade do poder propriamente dito. Afinal, aquele que detém o poder necessaria- mente possui autoridade? A resposta é não! Quando o senso comum se refere à autoridade, existe uma predisposição de se de- finir o termo como alguém investido de poder para agir em determinada situação. Entretanto, se trata de um pensamento equivocado, pois a autoridade não é uma pessoa, mas uma característica de uma pessoa que está atrelada à moralidade, a intelectualidade ou a política. Tendo em vista este primeiro aspecto, percebe-se que o sujeito que detém o poder propriamente dito, pode não possuir nenhuma autoridade, ao passo que o indivíduo que detém autoridade pode não ser investido de nenhum poder formal, porque sua autoridade não se impõe pelo uso indiscriminado da força, mas por alguma característica que faz com que um determinado grupo o reconheça como tal. A auctoritas, palavra de origem romana, era entendida não como uma condição de exigir obediência, mas de reconhecer a capacidade ou as qualidades intrínsecas do indivíduo. Apesar de na Roma antiga o poder emanar do povo, o Senado era considerado o espaço da autoridade, pois tinha como pressuposto o respeito. Logo, só existia autoridade na sede do Senado (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 23). Deste modo, aquele que se sujeita à autoridade, o faz de forma voluntária, em virtu- de do bem advindo deste comportamento, permitindo que se implemente valores estimados pela sociedade, e não de forma coercitiva. Quando se há o exercício da força, caracterizada pela imposição externa, estamos falando de poder propriamente dito. Um exemplo palpável, é o poder exercido pelos tribunais, cujas decisões possuem força de ordem pública, no qual encontraremos o elemento potesta- tivo. Registre-se que a decisão assumirá forma jurídica a partir do momento em que o poder é conferido e delimitado pelo direito, de modo que seu exercício não se torne arbitrário. Com efeito, teremos um poder legítimo quando ocorrer a união entre o poder e a autoridade, pois, ainda que o exercício do poder seja conferido, tal ato está imbuído de formalidade legal apenas, mas não garante a legitimidade deste direito. A ligação entre ambos, garante tanto o reconhecimento formal atrelado à lei, e legitimidade por influência e prestígio (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 26). Do exposto pode-se concluir que a autoridade é relativa, pois em última aná- lise todos a possuem e a exercem em algum grau, enquanto a potestade é exclusiva de quem goza de um reconhecimento formal que muitas vezes é pressuposto para seu efetivo exercício. Em outras palavras, pode-se dizer que potestade é a capacidade de fazer, enquanto autoridade é o reconheci- mento para se fazer. Assim é que um senador, na política romana, não era um 12UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS magistrado; trabalhava somente no âmbito de sua influência pessoal, com autoridade, mas sem potestade (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 26). Diante dessa perspectiva, conclui-se que o exercício do poder pressupõe limites instituídos pelo aparato legal, o que não requer necessariamente reconhecimento, enquan- to que a autoridade está intimamente determinada pela legitimidade. Com efeito, quando um agente público tomar determinada ação que contrarie a legalidade, este abusa de seu poder tão somente. Isto porque somente podem ser consi- derados agentes de autoridade quando são capazes de demonstrar legitimamente que as ações de outrem está ou não correta, considerando seu padrão de conduta, servindo de referência para os demais. (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 26-27). Dentro do contexto social, o poder se manifesta na capacidade de influir e/ou de- terminar a conduta do coletivo, de modo a coordenar e transformar as relações sociais, extirpando até mesmo as resistências. Deste modo, infere-se que o poder abrange duas perspectivas: a primeira se trata de uma capacidade concebida como uma instituição, no qual para ser legítimo há de se ter o consentimento sobre aqueles no qual é exercido; e o poder como uma idiossincrasia das relações sociais. De uma perspectiva política, o poder se caracteriza como “uma força a serviço de uma ideia, destinada a dirigir a comunidadea uma ordem social benéfica mediante a imposi- ção de um comportamento determinado”. Deste modo, o elemento força (coercitiva e coativa) torna-se sustentáculo para a consecução do poder. Por esta razão o direito acaba por regular e garantir os direitos humanos, respectivamente (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 32). Diante dessa amplitude conceitual, Silveira & Rocasolano (2010, p. 32) hierarqui- zam as acepções terminológicas, classificando o poder em: a) poder natural: “em referência a um viés físico, onde poder equivale às forças da natureza”; b) poder social: se caracteriza pela imposição sobre as relações no cotidiano e a sociedade. Assim, o poder social pode ser classificado quanto aos seus efeitos do seguinte modo: QUADRO 2: CLASSIFICAÇÃO DE RELAÇÕES DE PODERES Quanto aos efeitos: a. Poder de influência; b. Poder de determinação das ações de terceiros. Quanto a sua natureza e estrutura: a. Poder nas relações de conflito ou oposição: abrange (1) poder dominante e (2) poder dominado; b. Poder nas relações de coordenação ou não oposição: (1) poder como enquanto capacidade dos sujeitos de se autodeterminarem e (2) poder de autolibertação. 13UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS Quanto à extensão do poder de dominação: a. Poder como coação; b. Poder como dissuasão; c. Poder como persuasão. Quanto aos efeitos do poder de dominação: a. Poder como legitimação da submissão; b. Poder como própria submissão. Quanto ao âmbito em que o poder é exercido: a. Poder econômico; b. Poder ideológico; c. Poder político; d. Poder jurídico; e. Poder da mídia; f. Poder religioso; g. Poder científico. Quanto à sua instrumentalidade: a. Exercício da liberdade e dos direitos fundamentais; b. instrumento de libertação para salvaguardar direitos humanos e legitimação da submissão. Fonte: organizado pelo autor (2023). A partir de estudos de Marx e Weber, houve uma ampliação teórica onde se ex- pandiu a visão social do que é o poder. Essas tradições partem da premissa de que a estratificação social surgiu a partir da distribuição geral do poder na sociedade, e que a estrutura das sociedades no que tange os seus aspectos, coletivo e distributivo, formam o meio no qual se alcançam os objetivos da sociedade. No que concerne Weber, este aduz que a relação social parte de um status de dominação (emprego da violência), sendo este o poder um instrumento para tanto. Esse pensamento guarda uma relação com o que era empregado na Grécia Antiga, em que a governança era exercida por grupos de homens livres, e não pela totalidade do povo. Se analisar a origem das civilizações, assim como o seu desenvolvimento, a violência está presente em diferentes expressões. Os regimes ditatoriais se proliferaram alternadamen- te na história da humanidade, sendo impossível a estabilização do poder e da dominação. Por óbvio, esse uso indiscriminado da força gerou insegurança e instabilidade política. Como destaca González (2021, p. 2), o autoritarismo e o próprio totalitarismo tendem a impulsionar uma dependência de Estados, governos e padrões políticos, em que há uma subjugação em que prevalece a vontade do mais forte, forçando os demais a renunciarem sua liberdade individual e suprimirem sua posição política para exercerem um poder rígido. 14UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS A administração da morte só traz benefícios àqueles que impõem o poder por meio do mal, da crueldade, do terror e do medo constante. Em condi- ções ditatoriais, em situações de tirania, em estados de guerra e em regimes criminosos, consegue-se governar e exercer o poder por meio de relações violentas, guerra e opressão direta (GONZÁLEZ, 2021, p. 5-6). Para Hannah Arendt o poder não é uma propriedade individual, pois pertence a um grupo que investe alguém para representá-lo, atuando em seu nome. Em sua concepção, a partir do emprego da violência, o poder deixa de existir, haja vista a aniquilação de elemen- tos que caracterizam a atuação dos homens em seu grupo, de estar em liberdade. Hannah Arendt analisa esse fenômeno a partir da capacidade humana de agir para traçar interesses e objetivos comuns, isto é, agir coletivamente. Logo, a ideia de expandir o poder através do compartilhamento, está enraizada na premissa de que seu exercício não pode estar circunscrito às ações de um único indivíduo, mas é algo que pode ser experimentado entre sujeitos que se comunicam e agem para a promoção da proteção de seu grupo (HOIBRAATEN, 2001, p. 15). Contudo, Weber não se limita a apontar a coação como meio para o exercício do poder, pois, ele busca através das relações sociais e os valores, um liame que explique a razão de os governados aceitarem a submissão pela coação e imposição do governante. De forma a encontrar uma resposta para sua premissa, ele distingue a dominação legítima em tradicional, carismática e legal. Deve-se ponderar que assim como o poder e autoridade estão interligados, o poder e a violência concorrem entre si em determinadas situações, pois, são elementos imanen- tes à fusão de grupos e, portanto, marca e determina a substância de todos os grupos organizados (EDER, 2007, p. 1). Contrapondo esta visão, Demirovic (2008, p. 29) afirma que o poder não é uma substância ou “um algo que é disso e de onde viria aquilo”, mas um conjunto de mecanis- mos e procedimentos, cuja função é a garantia do poder. Logo, a violência em si não é o primeiro elemento do poder. O poder é um conjunto de ações voltadas para a ação possível, e atuantes em um campo de possibilidades para o comportamento dos sujeitos atuan- tes. Ele oferece incentivos, seduz, facilita ou complica, amplia ou restringe as possibilidades de ação, aumenta ou diminui a probabilidade de ação e, em casos extremos, força ou impede a ação, mas sempre visa sujeitos atuantes na medida em que como agem ou podem agir (DEMIROVIC, 2008, p. 31). Com efeito, percebe-se que o poder está inserido em um espaço estratégico de exercício e disputa constante, que em uma visão foucaultiana torna-se impossível não ha- ver resistência, pois a sua característica principal se refere e abrange as relações sociais. Entretanto, deve-se considerar que em um contexto juridicamente organizado, a violência 15UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS é rechaçada e gerida pelo ordenamento jurídico. Os conflitos existentes entre indivíduos, comunidades e/ou grupos organizados, são resolvidos na esfera judiciária. Conforme destaca González (2021, p. 7-8), evitar ao máximo os conflitos armados tornou-se tarefa primordial no mundo pós-guerra que marcou o século XX. A violência tende a regressar de forma voraz com a degradação e o enfraquecimento da rede de proteção de direitos humanos, ataque sistemático aos direitos civis à liberdade, assim como à República e ao sistema democrático de um país. Com efeito, é dever de toda a sociedade internacional preservar a paz entre os povos, criando mecanismos de contenção da violência e preservação do poder, resolvendo suas contendas pela via pacífica. É neste cenário que os direitos humanos atuam, como um intermédio entre o poder e a política. Se o poder pressupõe a oportunidade de escolha de quais ações o homem deve tomar, logo este só pode ser aumentado juntamente com a liberdade individual (DE- MIROVIC, 2008, p. 32-33; GONZÁLEZ, 2021, p. 10-11). A partir desta perspectiva, depreende-se que o valor-fonte para o direito será sempre o ser humano. A partir do momento em que o homem se torna sujeito ativo da construção da sua história, dando significado à sua vida, e também é influenciado pelas decisões históricas, ele consegue tomar consciência de sua dignidade. Deste modo, é deste ponto que se marca e determina a relação entre o poder e os Direitos Humanos. 16UNIDADE 1 PRESSUPOSTOSHISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS De forma que possa aprofundar seus estudos, e compreender mais as nuances entre os direitos humanos e o poder trabalhado neste bloco, recomendo a leitura de algumas obras, dentre as quais cito: Origens do totalitarismo (1951) de Hannah Arendt, em que a autora se debruça sobre as origens e características po- líticas dos principais regimes totalitários do século XX. Você terá a oportunidade de visualizar a relação descrita nesta unidade, através da descrição de um recorte histórico que representou uma derradeira catástrofe na Alemanha. Fonte: ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das Letras. 1989. Três Tipos Puros de Poder Legítimo de Max Weber, ensaio publicado postumamente por Marianne Weber em 1922. Nele Weber define em sua visão o que é o poder, sendo que classifica em três tipos (legal, tradicional e carismático). Fonte: WEBER, Max. Três tipos puros de poder legítimo. Disponível em: http://www.lusosofia.net/textos/weber_3_tipos_poder_morao.pdf. Acesso em: 28 jan. 2023. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A partir da leitura dos blocos anteriores, vimos que os direitos humanos são a ex- pressão das reivindicações dos homens face à intolerância, negligência, arbitrariedade e egoísmo humano. O abuso do poder se manifesta como uma ofensa aos direitos humanos, haja vista que o ataque sistemático ao poder legitimamente investido, afronta aos direitos civis e à liberdade individual. Neste bloco abordaremos eventos específicos que culminaram na criação de trata- dos internacionais e organismos cuja função é assegurar a estabilidade do poder e manter o diálogo entre as nações. Inicialmente, cumpre esclarecer que a ideia de direitos humanos esteve no cerne das ideias das revoluções inglesa, norte-americana e francesa, respectivamente, abrindo caminho para a criação de Declarações de Direitos que afirmaram historicamente os direitos humanos (RAMOS, 2022, s.p). No caso da Magna Carta Inglesa (1215), percebe-se a presença de direitos que perduraram até o contemporâneo, como é o caso do direito à propriedade privada, livre de confiscos ou requisições arbitrárias, a previsão do devido processo legal e acesso à justiça. Outros eventos na Inglaterra como a criação do Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Amendment Act (1679) e o Bill of Rights (1688-1689), limitaram o poder do Rei, implementou o devido processo legal, coibiu a prisão arbitrária e proclamou o sufrágio para o Parlamento (OLIVEIRA, 2016, s.p). Nos Estados Unidos, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (1776), codificou uma série de direitos civis fundamentais e liberdades civis. Trata-se da primeira de direitos da modernidade que proclamou a soberania popular, a separação e independência UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 DAS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS TÓPICO 17 dos poderes, sufrágio universal, liberdade de imprensa e religião, assim como a proibição de prisões arbitrárias e aplicação da proporcionalidade da pena e multas (OLIVEIRA, 2016, s.p). Com o advento da Revolução Francesa (1789), a Declaração dos Direitos do Ho- mem e do Cidadão tornou-se um marco na história das declarações, tendo em vista que enunciou uma gama de direitos que influenciou os sistemas jurídicos presentes. Os ideais revolucionários influíram os intelectuais da época, sobretudo a filosofia de Thomas Paine, Stuart Mill e Hegel durante os séculos XVIII e XIX. Provavelmente foi neste período que o termo “direitos humanos” foi cunhado, entre os escritos de Paine - The Rights of Man – e William Lloyd Garrison - The Liberator. Ramos (2022, s.p), no que lhe concerne, aduz que em razão da miserabilidade na Europa do século XIX, as condições materiais de sobrevivência precisaram ser revistas, ainda que com a implantação dos Estados Constitucionais liberais em países que passaram pela pós-revolução. Conforme destaca Silveira & Rocasolano (2010, p. 150), foi neste período que direitos humanos anteriormente concretizados passaram por expansão, em decorrência de pressões e dos movimentos socialistas que ganhou apoio popular quanto a insatisfação do modo de produção capitalista. Diante desta perspectiva, direitos de igualdade ou econômi- cos, sociais e culturais, surgiram para atender aos anseios do coletivo. No século XX, importantes instrumentos foram criados, como a Constituição Me- xicana de 1917, que além de enunciar os direitos civis e políticos, também estabeleceu os direitos trabalhistas, educação pública, limitou o direito de propriedade, proibiu o monopólio econômico etc.; a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da União So- viética (1918), no que lhe concerne, materializou o ideário socialista de Marx e Engels, cuja proposta foi uma nova leitura de sociedade e Estado; a Constituição Alemã de 1919 - Cons- tituição de Weimar – fortaleceu a concepção dos direitos sociais, assim como conciliou a herança liberal com as exigências sociais, econômicas e culturais (OLIVEIRA, 2016, s.p). Em 1919, surge a Liga das Nações cujos objetivos eram o desarmamento, a pre- venção de conflitos armados, a resolução de disputas entre países através da negociação e diplomacia, assim como a melhora do bem-estar da sociedade internacional. Diante de abusos de direitos humanos ocorridos durante as Guerras Mundiais, regimes totalitários instaurados, tentativas de exterminação de raças, e lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, forçaram os Estados, a criarem instrumentos de proteção e controle. Foi justamente este fato que culminou na criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945. O objetivo da ONU é a promoção do diálogo, cooperação e paz entre as nações, assim como a disseminação do respeito pelos direitos humanos. Por ocasião da fundação da ONU, “os líderes mundiais acreditavam que para promover a paz era imprescindível pro- teger ao mesmo tempo, os direitos do homem” (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 152). 18UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS Após a criação da ONU, sua primeira diligência foi a proclamação da Declaração Uni- versal dos Direitos Humanos, em 10 de dezembro de 1948, em Paris. Tal documento reafirma os princípios oriundos da Revolução Francesa (1789), qual seja fraternidade, igualdade e liberdade. A elaboração da Declaração é resultado das atrocidades e violações da Segunda Guerra Mundial. Neste fatídico episódio, percebeu-se a vulnerabilidade da vida humana em regimes discriminatórios, como se seguiu com o povo judeu, ciganos, etc. Em resposta, a sociedade internacional constituiu esse sistema no qual a matéria não se circunscreve ao âmbito reservado dos Estados, mas se aplica a todos os Estados (OLIVEIRA, 2016, s.p). Atualmente, o sistema não se limita a esta declaração, tendo em vista que diversos tra- tados multilaterais de direitos humanos compõe esse sistema global, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Declaração de Viena; Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Dis- criminação Racial; Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,dentre outros tratados e convenções que abrange esse sistema de proteção internacional. Contudo, insta salientar que outros instrumentos protetivos regionalizados concor- rem para proteção dos direitos humanos. Estes instrumentos se originam e são aplicados em determinados países, no qual se destaca a Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950), a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), e a Carta Africana dos Direi- tos Humanos e dos Povos (1980). 19UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS Acerca das revoluções, e como elas influenciaram o surgimento de novos direitos, recomendo a leitura do capítulo I e II da obra Direitos Humanos: breve história de uma grande utopia do autor Marco Mondaini, no qual ele realiza uma introdução à história dos direitos humanos e problematiza inúmeras questões atinen- tes aos direitos humanos no decorrer da humanidade. Fonte: MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. Grupo Almedina (Portugal), 2020. E-book. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788562938368/. Acesso em: 28 jan. 2023. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Ao estudarmos a teoria dos direitos humanos, não se pode olvidar sobre suas ca- racterísticas. Os direitos humanos são históricos, universais, indivisíveis, interdependentes, inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis. Neste bloco, analisaremos essas característi- cas, de forma que se possa correlacionar com a ideia de dimensões dos direitos humanos. Primeiramente, deve-se notar que os direitos humanos são universais, tendo em vista que toda pessoa humana é um sujeito de direito que supera os limites geográficos e temporal, independentemente de sua origem étnica, cor, sexo, orientação sexual, opinião política, etc. Destarte, a universalidade abrange todo o processo histórico experimentado pelo homem nos últimos séculos (historicidade). Tal perspectiva está determinada em todo corpo da redação da Declaração Uni- versal dos Direitos Humanos, como, por exemplo, no preâmbulo da Declaração, in verbis: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os mem- bros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o funda- mento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, [...] Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, [...]. (UNICEF). (grifo meu). A universalidade não tem o condão de deturpar ou ameaçar a diversidade da fa- mília humana, haja vista que não se está a falar em uniformidade, mas de reconhecimento UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 CARACTERÍSTICAS E AS DIMENSÕES DOS DIREITOS HUMANOS TÓPICO 20 da dignidade humana e do respeito a qual todos somos merecedores. Contudo, deve-se considerar que os direitos humanos são padrões mínimos aplicáveis, em que cada Estado possui liberdade para aplicá-los de forma específica e elevada. É importante considerar que, apesar de cada Estado ter liberdade para aplicar os direitos humanos, não se está aqui sustentando um relativismo, pois, a Declaração de Viena (1993) sustenta veementemente que os direitos humanos são universais, indivisíveis, interde- pendentes e interrelacionados, sendo que as particularidades devem ser consideradas, porém, sem obstaculizar a promoção e proteção dos direitos do homem (OLIVEIRA, 2016, s.p). Sobre ser indivisível, interdependente e interrelacionados, significa que os direitos estão interconectados, sendo que sua aplicação pressupõe uma visão integral, isto é, os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais não podem ser vistos isoladamente porque um direito depende de outros para seu gozo. Outra característica importante, é que os direitos humanos são inalienáveis, irre- nunciáveis e imprescritíveis. Em outras palavras, significa dizer que pelo fato de a pessoa humana nascer dotada de direitos inerentes a ela, isso torna os direitos humanos, impossível de ser transacionados a outrem, em razão de não possuir conteúdo econômico. Em circunstâncias particulares, alguns direitos podem ser suspensos, como, por exemplo, o cerceamento da liberdade em decorrência de decisão judicial criminal transitada em julgado. Outrossim, o sujeito de direito não pode abdicar, recusar ou rejeitar tais direitos, sendo nula qualquer manifestação neste sentido. Ainda, não há que se falar em prescrição, uma vez que o sujeito pode exigir seus direitos a qualquer tempo. Diante desta perspectiva, podemos entender a dimensão dos direitos humanos como um processo histórico e temático que marcou e determinou sujeitos que tiveram seus direitos violados, e que em momento anterior não eram destinatários de direitos. “Com efeito, procura explicar o surgimento sucessivo de uma série de direitos humanos em dife- rentes períodos da história”, conforme salienta Silveira & Rocasolano (2010, p. 142). Segundo Mazzuoli (2021, s.p), atribui-se à Karel Vasak a ideia de estudar os di- reitos humanos em planos ou dimensões, a partir do lema da Revolução Francesa, quer seja direitos de liberdade (primeira dimensão), igualdade (segunda dimensão) e os de fraternidade (terceira dimensão). Os direitos de primeira dimensão (direitos de defesa), abarca os direitos civis e políticos que se manifestaram durante as revoluções burguesas (século XVII e XVIII). Esses direitos delimitam o Poder Estatal, de forma que sua atuação se circunscreve em salvaguardar os direitos de liberdade individual do cidadão (direitos negativos). Podemos 21UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS encontrar esses direitos em dois importantes documentos: o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Os direitos de segunda dimensão (direitos de prestação), no que lhe concerne, abarcam os direitos sociais, econômicos e culturais. Esses direitos foram formulados du- rante o período das revoluções socialistas e nacionalistas durante o século XIX e o início do século XX. Eles se baseiam na perspectiva da igualdade, acesso a bens, serviços e oportunidades, haja que a não interferência do Estado já não era mais suficiente para se ter uma vida digna. Podemos encontrar tais direitos descritos no Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Cite-se que os direitos de terceira dimensão “a partir do término da Segunda Guerra Mundial e da criação da ONU, reunindo os chamados direitos de solidariedade”, traduzida em uma perspectiva difusa (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 143). Esses direitos abarcam direitos coletivos, como direito ao desenvolvimento sus- tentável, a um ecossistema saudável, à paz, dentre outros. Contudo, se analisarmos a questão da pobreza, guerra, desastres ambientais e naturais, percebe-se que houve um progresso limitado com relação a esta dimensão. O progresso e o desenvolvimento são indispensáveis para a evolução da sociedade, no entanto, há de se ter prudência no que tange ao processo desenfreadoque muitas superpotências se aventuraram, em que levou a degradação de seu meio ambiente e escassez de alimentos, aumento dos bolsões de misérias e violência, etc. Podemos encontrar na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento, uma perspectiva de que o desenvolvimento é um direito inalienável, pois pressupõe a participação e a autodeterminação de todos os povos. Hoje a doutrina jurídica se posiciona no sentido de existir uma quarta e quinta dimensão dos direitos humanos. A quarta dimensão resulta da globalização dos direitos fundamentais, no qual abarca direito à democracia, à informação e ao pluralismo. No que concerne à quinta dimensão, “fundada na concepção da paz no âmbito da normatividade jurídica” (MAZZUOLI, 2021, s.p). Parte da doutrina jurídica diverge quanto à criação de novas dimensões, por não haver consenso acerca da definição e a extensão dessas dimensões de direitos, além de que excessos de direitos fragilizam os que já foram reconhecidos. Contudo, estes argu- mentos se mostram rasos, haja vista não haver limites quanto a criação de novos direitos. Considerar a perspectiva de não reivindicar novos direitos é um verdadeiro contrassenso, pois se ignora a historicidade e os movimentos complexos que emergem das relações sociais (OLIVEIRA, 2016, s.p; RAMOS, 2022, s.p). 22UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, vimos que os direitos humanos são direitos no qual o indivíduo goza pelo simples fato de ser uma pessoa humana, e que este conjunto de direito passou se formou após um longo processo de lutas para o seu reconhecimento pelo Estado. Logo, estes direitos se constituem como uma defesa da pessoa humana. Ainda, vimos que os direitos humanos são inerentes à teoria do poder, tendo em vista que esses direitos têm como pressuposto limitar o poder estatal contra imposi- ções arbitrárias sobre a pessoa humana, e que esse abuso afronta diretamente direitos civis e individuais. Deste modo, os direitos humanos visam não somente colocar limites, mas também assegurar a estabilidade e o diálogo na comunidade internacional. Espero que tenha aproveitado ao máximo o conteúdo desta unidade. Entre- tanto, seus estudos não se esgotam aqui. Agora é o momento de aprofundar suas pesquisas, para enriquecer ainda mais sua bagagem acerca dos Direitos Humanos. Até a próxima unidade! UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS 23 LEITURA COMPLEMENTAR • Capítulo de livro: Direitos do Homem e Sociedade • Obra: A era dos direitos • Autor: Norberto Bobbio • Link: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5152286/mod_resource/con- tent/1/Fortemente%20Recomendado%20DH.%20Aula%202.pdf • Resumo: No capítulo, Direitos do Homem e Sociedade, Bobbio se debruça no processo de multiplicação de direitos, haja vista que melhor explica as relações entre direitos do homem e sociedade, sobre sua origem, conexão entre para- digmas sociais e nascimentos de novos direitos, sobre temas que promovem a reflexão sobre o direito como fenômeno social. A leitura deste capítulo é alta- mente recomendada para elucidar pontos trabalhados nesta unidade, acerca da historicidade dos direitos humanos. Fonte: BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho; apresentação de Celso Lafer. — Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. — 7ª reimpressão. UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS 24 MATERIAL COMPLEMENTAR • Título: Inverno na Manhã • Autor: Janina Bauman. • Editora: Zahar. • Sinopse: a obra trata do relato pessoal de Janina Bauman que, durante a Segunda Guerra Mundial, sofreu persegui- ções por ser judia em um país controlado pelo regime nazis- ta. Neste livro Janina conta detalhadamente toda a violência que ela e sua família passaram na Polônia a partir da invasão em 1939. • Título: O Pianista • Ano: 2002. • Sinopse: o filme conta a história de Szpilman, um jovem pianista judeu que assiste sua vida mudar radicalmente com a invasão de Varsóvia durante a Segunda Guerra Mundial. Junto de sua família, Szpilman é forçado a morar no Gueto de Varsóvia, local onde os judeus foram segregados até serem levados aos campos de concentração. UNIDADE 1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS: DA DIALÉTICA DO PODER ÀS REIVINDICAÇÕES POR DIREITOS HUMANOS 25 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Plano de Estudos • Fundamentos jusfilosóficos dos direitos humanos; • Teoria da dinamogenesis; • Fundamentos jurídico-positiva; • Fundamentos jurídico-política. Objetivos da Aprendizagem • Conceituar e contextualizar os fundamentos jusfilosóficos dos direitos humanos; • Compreender a teoria da dinamogenesis; • Entender os fundamentos jurídico-positiva e política dos direitos humanos. 2UNIDADEUNIDADE FUNDAMENTOS FUNDAMENTOS DOS DIREITOS DOS DIREITOS HUMANOSHUMANOS Professor Esp. Romário Rocha Rodrigues INTRODUÇÃO Caro (a) aluno (a), seja bem-vindo (a) à nossa Segunda Unidade da disciplina de Direitos Humanos. Nesta unidade, analisaremos com mais profundidade os fundamentos dos direitos humanos. Para tanto, partiremos dos fundamentos jusfilosóficos dos direitos humanos, analisando o posicionamento das escolas que influenciam no entendimento desses direitos. Entenderemos o fracasso da escola juspositivista em relação à sua tese radical de separação entre o direito e a moral, e como esse posicionamento se contrapõe ao entendimento jusnaturalista. Nesse passo, estudaremos também a teoria da dinamogênese dos direitos huma- nos, que se concentra no estudo das dinâmicas e processos sociais que influenciam na mudança social e transformações de valores e instituições. Aplicada aos direitos humanos, analisaremos que esses direitos se manifestam como construtos sociais, culturais e po- líticos. Em outras palavras, a dinamogênese enfatiza a relação de poder na construção dos direitos humanos, assim como a dinâmica que modifica a interpretação e a aplicação desses direitos à medida que diferentes grupos disputam o alcance desses direitos. Por fim, abordaremos os fundamentos positivos e políticos dos direitos humanos, e como o princípio da dignidade da pessoa humana se coloca como o elemento principal que fundamenta essas questões. Será um prazer tê-lo comigo! Bons estudos! UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS 27 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Estudamos no primeiro capítulo que os direitos humanos correspondem a um conjunto de direitos que resguardam a dignidade da pessoa humana, com a finalidade de assegurar as condições mínimas necessárias de sobrevivência e emancipação, sendo que carregam a característica de historicidade e universalidade. Contudo, para que esses direitos possam produzir efeitos jurídicos na esfera do agente e, portanto, sejam exigíveis e eficazes, é necessário um conjunto de normascogen- tes para a sua aplicabilidade. Para compreender a aplicação do conteúdo das normas de direitos humanos, é imprescindível considerar alguns pontos importantes. O primeiro ponto a ser destacado é que, como os movimentos sociais e revoluções contribuíram fortemente para o desenvolvimento da compreensão atual da teoria dos direitos humanos, a doutrina de direitos humanos se manifesta como um consenso sobre a dignida- de da pessoa humana, formando uma complexa teia de fundamentos teóricos e filosóficos. Com efeito, essa gama de marcos históricos contribuiu efetivamente para a expan- são teórica dos direitos humanos, no entanto, a diversidade cultural se tornou um obstáculo, haja vista a dificuldade em estabelecer um fundamento filosófico diante da enorme reação contrária à ideia de universalidade dos direitos humanos. Apesar de haver uma corrente que sustenta que os tratados de direitos humanos são um sustentáculo para o legislador no mundo moderno, há uma forte oposição que con- testa veementemente qualquer argumento nesse sentido. Foi nesse jogo de argumentos que surgiu o relativismo cultural, que julga o multiculturalismo como propagador de ideais e princípios humanitários que contribuem para a promoção de padrões universais a partir da perspectiva de padrões locais e nacionais. UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 FUNDAMENTOS JUSFILOSÓFICOS DOS DIREITOS HUMANOS TÓPICO 28 É importante destacar que, em qualquer estudo teórico ou filosófico, para ganhar uma forma final, é necessário um conjunto argumentativo coerente, no qual é essencial considerar todas as contradições que o caso apresenta para se chegar a uma conclusão definitiva. A práxis acadêmica engendrou em sua tradição construtos teóricos que condu- zem o pesquisador em sua análise Contudo, poderíamos perguntar qual é a relação entre a filosofia e a doutrina dos direitos humanos? É que, se analisarmos os atributos que circundam os direitos humanos, percebe-se que existe um conjunto de ambiguidades, sendo o principal desafio dos teóricos justificar os argumentos morais que se sucedem, os quais são mais evidentes do que explicáveis. Ainda que determinados ativistas dos direitos humanos exortem mecanismos insti- tucionais e legislativos para desenvolver sua doutrina sem se entregar ao debate acerca de seus fundamentos filosóficos, há de se considerar que a matéria em si possui um conjunto conciso de pensamentos que fundamentam sua razão de ser e existir. No entanto, esses fundamentos convergem entre si, mas não coincidem. Por exemplo, se analisarmos a noção subjacente deliberada pelas tradições reli- giosas, percebe-se que elas tiveram grande impacto inicialmente na construção da ideia de direitos humanos, principalmente no que tange à filosofia política. A vida se constitui como um valor insuperável em determinadas escrituras, sem descurar dos deveres e obrigações dos indivíduos. Evidentemente, a concepção sob a égide religiosa se opõe às perspectivas contemporâneas, tendo em vista que no período clássico, sobretudo no medieval, prepon- derou o jusnaturalismo. O jusnaturalismo é uma tradição jurídico-filosófica ocidental, cuja tendência idealista pode ser verificada. Para os adeptos desta escola, a existência humana é controlada por um direito pré-determinado cujos componentes abrangem valores, princípios, obrigações e regras da natureza, que são concebidos a partir de uma entidade divina (RODRIGUES, 2007, p. 12). Conforme destaca Paulo Nader (2015, p. 372), o jusnaturalismo é “a corrente de pensamento que reúne todas as ideias que surgiram, no decorrer da história, em torno do Direito Natural, sob diferentes orientações”. Segundo o autor, o pensamento da corrente jusnaturalista não se apresentou de maneira uniforme, mas através de várias matizes que guardam um núcleo central, que é a convicção de que há uma ordem que expressa o Direito justo, e que se manifesta de forma superior ao Direito escrito. A ideologia jusnaturalista se apresenta a partir de três concepções no que tange ao Direito Natural, sendo elas: a) cosmológica, em que prevalecia uma concepção essen- cialista do Direito Natural, no qual a natureza é a fonte da ordem em que os elementos 29UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS constitutivos se articulam de forma permanente, constante e imutável; b) teológica, em que o Direito Natural se apresenta em um contexto em que o modo de ser de cada coisa é criado por Deus, a partir do pensamento escolástico e medieval; c) antropológica, em que a natureza ocupa o lugar de Deus, no entanto, é o homem quem detém esse entendimento e o coloca em prática. A partir de determinados princípios, foi construído um sistema rígido de Direito Natural, cuja validade é universal e perpétua (RODRIGUES, 2007, p. 12-13). Neste norte, Norberto Bobbio (1909-2004), difere o direito natural e o positivo a partir dos seguintes critérios: QUADRO 01: DIFERENÇA ENTRE O DIREITO NATURAL E O DIREITO POSITIVO DIREITO NATURAL DIREITO POSITIVO » “é aquele que tem em toda parte a mesma eficácia”; » “é imutável no tempo”; » “prescreve ações cujo valor não » depende do juízo que sobre elas tenha o sujeito, mas existe » independentemente do fato de parecerem boas a alguns ou más a outros” – natura; » “conhecemos através de nossa razão”; » “o direito natural estabelece aquilo que é bom”. » “tem eficácia apenas nas comunidades políticas em que é posto”; » “o positivo muda”; » “estabelece ações que, antes de serem reguladas, podem ser cumpridas indiferentemente de um acordo ou de outro, mas uma vez regulada pela lei, importa [...] que sejam desempenhadas de modo prescritos pela lei” – potestas populos; » “é conhecido através de uma declara- ção de vontade alheia (promulgação)”; » “o direito positivo estabelece aquilo que é útil”. Fonte: adaptado de Bobbio (2006, p. 23) Segundo Portales (2019, p. 191), a terminologia Direito Natural se constitui como uma expressão polissêmica, equivocada e ambígua, pois apresenta uma multiplicidade de correntes doutrinárias, no entanto, o núcleo comum abrange a crença uma ordem universal, permanente e inviolável. Foi neste norte que se fixou a ideia de direitos inalienáveis, no entanto, o problema é especificar uma estrutura normativa que o sustente, pois, a teoria dos direitos naturais, de 30UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS uma visão positivista, se apresenta como um conjunto de suposições que não permanece- ram constantes face à dinamicidade do mundo. O positivismo se opõe ao direito natural, tendo em vista que carece de legitimidade, isto é, para o exercício de reivindicação de um direito em juízo, o mesmo deve seguir um processo legislativo instituído pelo Estado que detém o poder e legitimidade para dizer o direito. Em suma, a fonte primária dos direitos humanos para os positivistas só pode ser a lei em sentido estrito. [...] o juspositivismo (ou positivismo jurídico), por seu turno, é uma concep- ção de direito, que se contrapõe totalmente à teoria jusnaturalista, negando, inclusive, no mais das vezes, a própria existência de sua pedra fundamental: o direito natural. É que para o juspositivista, não existe qualquer outro direi- to que não aquele posto pelo Estado: o direito positivo. Em consequência, também não existe nenhuma natureza a qual o direito se deva conformar. O direito é, portanto, uma questão de escolha,decorre da vontade humana e da devida positivação dessa escolha. Assim, aquilo que estiver previsto no orde- namento jurídico estatal é direito. O que não estiver não é direito. Não existe qualquer fundamento idealizado de justiça a que se deva conformar o direito, pois será justo exatamente aquilo que estiver juridicamente ordenado. Esse direito, então, é válido e legítimo, somente por que decorre de sanção estatal, pois o Estado é possuidor do monopólio da produção legislativa (GIGANTE; AMARAL, 2009, p. 165). O positivismo se opõe à ideia de que direitos possam preexistir em qualquer forma de sistema jurídico, portanto, a tese central desta corrente defende a separação radical entre direito e moral. A proposição do positivismo jurídico parte da rejeição dos elementos abstratos, pois, para esta escola a ideia de Direito Natural se baseia em aspectos metafí- sicos e anticientíficos. Em outras palavras, a ideia é apenas focar em dados oriundos da experiência, para se apegar aos fenômenos observáveis. Evidentemente, qualquer juízo de valor era fortemente desprezado em razão do ceticismo absoluto (PORTALES, 2019, p. 194; NADER, 2015, p. 382). Neste mesmo sentido, Rodrigues (2007, p. 26) traça a seguinte perspectiva: Segundo esta teoria, para que um sistema normativo seja classificado como direito, prescinde-se de sua avaliação sob critérios morais, ou seja, a iden- tificação de determinada norma como jurídica, válida e existente, depende apenas da verificação de suas fontes e não de seu aspecto valorativo, seu mérito. Registre-se que este raciocínio é tão contraproducente quanto ilusório, pois, com- partilhamos uma série de valores fundamentais que são imperativos em nossa sociedade, portanto, trata-se de um mínimo sem o qual não poderíamos sobreviver. Outrossim, esse movimento mais radical que alcançou seu apogeu no século XIX, teve sua estrutura abalada em razão dos crimes praticados contra a dignidade humana durante a Segunda Guerra Mundial, isto é, esse fetichismo travestido de um legalismo 31UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS acrítico serviu apenas para camuflar o autoritarismo que preponderava e legitimava as ordens estabelecidas (RODRIGUES, 2007, p. 25). Nader (2015, p. 383), no que lhe concerne, aduz que: O positivismo jurídico, que atingiu o seu apogeu no início do século XX, é hoje uma teoria em franca decadência. Surgiu em um período crítico da história do Direito Natural, durou enquanto foi novidade e entrou em declínio quando ficou conhecido em toda a sua extensão e consequências. Com a ótica das ciências da natureza, ao limitar o seu campo de observação e análise aos fatos concretos o positivismo reduziu o significado humano. O ente complexo, que é o homem, foi abordado como prodígio da Física, sujeito ao princípio da causalidade. Sua atenção se converge apenas para o ser do Direito, para a lei, independentemente de seu conteúdo. Identificando o Direito com a lei, o positivismo é uma porta aberta aos regimes totalitários, seja na fórmula co- munista, fascista ou nazista. Hoje, a corrente jusnaturalismo concebe o Direito Natural apenas como uma gama de princípios nos quais o legislador deverá se embasar para compor a ordem jurídica. Dentre esses princípios, cite-se o direito à vida, à liberdade, à igualdade de oportunidades, etc. (NADER, 2015, p. 374). Insta salientar, que quando se fala em Direito Natural, deve-se ficar evidente que este está consubstanciado na natureza humana, de onde se extrai os princípios que mode- lam o direito positivo. É diferente de Direitos do Homem que, embora esteja vinculado ao Direito natural, se apresenta como princípios transmutados como norma básica. Há de se considerar que os direitos humanos por si só estão atrelados aos valores sociais que, na concepção de Polo (2020, p. 8-9), ainda que não reconhecidos legalmente, favorecem a sua reivindicação perante o Estado que deve salvaguardar garantias mínimas para o desenvolvimento do homem. O direito não deve mostrar-se “alheio à sorte dos homens”, haja vista que o direito “não se compõe exclusivamente de normas, como pretende essa corrente”. Registre-se que o ordenamento jurídico, enquanto conjunto de regras, encontra sua razão nos significados, sentidos e valores a realizar (NADER, 2015, p. 384). Ainda hoje, existem movimentos políticos-ideológicos que, a todo momento, tentam descaracterizar os direitos humanos a partir da lógica da Escola Positivista do século XIX. Contudo, não logram êxito em seus reclames, tendo em vista que esses direitos estão determinados internacionalmente, apesar das inúmeras transgressões cotidianas. Por outro lado, os direitos humanos internacionais encontram seus desafios a partir da perspectiva de que ele não é autoimposto. Há de se considerar as prerrogativas dos Estados em dar uma forma final a esses direitos, isto é, deve-se respeitar a soberania nacional quanto a sua determinação de criar uma lei de acordo com os seus valores. 32UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS Outrossim, a partir da perspectiva da teoria da dinamogenesis, percebe-se que com a evolução dos direitos humanos o sentido tradicional de direito natural foi sendo deixado de lado gradativamente, pois, os valores sociais justificam e servem como sustentáculo para reivindicá-los, haja vista que respondem a uma dimensão antropológica básica, constituída pelas necessidades humanas fundamentais para uma existência digna. 33UNIDADE 2 FUNDAMENTOS DOS DIREITOS HUMANOS No que concerne a expressão, Direitos do Homem, o doutrinador Paulo Nader (2015, p. 374-378) explica que, apesar de ser abrangente, seu conteúdo abarca “normas e princípios enunciados sob a forma de declarações”, com o propósito de conscientizar as nações “quanto à necessidade de estes se organizarem internamente a partir da preservação dos valores fundamentais de garantia e proteção ao homem”. Entretanto, deve-se fazer uma ressalva no que concerne ao dito direito natural normativo. Esse termo criado no século XVIII, até então considerado um erro, visava estabelecer códigos de Direito Natural, no entanto, esta ideia foi superada. Contudo, deve ficar evidente que os Direitos do Homem não têm relação com o direito natural normativo. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 37.ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Os direitos foram gradativamente conquistados mediante um processo de reivindica- ções de grupos sociais, e foram através de um conjunto de ações, fatos, ideologias, filosofias e textos normativos que se moldou um sistema internacional e regional de proteção à dignidade da pessoa humana. Com efeito, é essa realidade imprevisível e volátil que o direito deve regu- lar, atendendo às necessidades humanas, evitando a existência de vácuos jurídicos que prive as pretensões a que o cidadão tem direito (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 184-185). O princípio da dignidade da pessoa humana, basilar e expressão máxima repre- sentada pelos direitos humanos, dão conta que as mudanças sociais produzidas ao longo da história se valem de princípios jurídicos como pressuposto para o reconhecimento dos novos valores sociais exigidos pelo homem. Esses valores que marcam a realidade social que, no que lhe concerne, estão envoltos de valores científicos, técnicos e artísticos, re- velam a situação do homem enquanto ser cultural. É a partir deste processo que o direito atua, ordenando e convertendo o comportamento social através de regras estabelecidas (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 190). O processo histórico das civilizações e da cultura, desse modo, é compreen- dido como um processo resultante da permanente tendência da pessoa em tornar as coisas objeto de sua consciência, fazendo com que esta relação en- tre a subjetividade e a objetividade