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TEMA 3 - LIBRAS SINALIZAÇÃO SINALIZANDO Já abordamos, na unidade anterior, conceitos linguísticos importantes para compreensão do que é a língua de sinais e para termos claro que essa é uma língua com estrutura própria, semântica, sintaxe e léxico como todas as demais línguas orais. Um ponto importante que não podemos esquecer é que a língua de sinais não é uma língua universal, logo possui uma regionalidade. Assim como as línguas orais possuem expressões e termos específicos para cada região, a língua de sinais possui expressões e termos utilizados pelas comunidades de surdos de cada região. Isso acontece porque a libras é uma língua viva, e a cada dia seus usuários criam novos sinais e conceitos a partir das demandas de seus usuários. Chamamos esse fenômeno de variação linguística. Fique de olho! Por isso, é possível que alguns sinais aprendidos nesta unidade possam ser diferentes dos sinais utilizados pelas inúmeras comunidades surdas espalhadas pelo Brasil, já que somos um país com dimensões continentais. O Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, primeira instituição dedicada ao ensino de surdos no Brasil, disponibiliza em sua página da internet um dicionário on-line de língua brasileira de sinais. Fique de olho! Mas lembre-se: para uma comunicação clara, é importante utilizar expressões faciais, corporais, classificadores. PARÂMETROS DA LIBRAS Como vimos na unidade anterior, as pesquisas linguísticas apontam a existência de cinco parâmetros na Língua de Sinais: configuração de mão, ponto de articulação, movimento, orientação de palma e as expressões. Configuração de mão Ponto de Articulação É o lugar no corpo onde acontecerá o sinal. Segundo Quadros e Karnopp (p. 57, 2004), “[...] o espaço de enunciação é uma área que contém todos os pontos dentro do raio de alcance das mãos em que os sinais são articulados”. Movimento Nada mais é do que o movimento que é realizado pelas mãos da pessoa sinalizante no espaço. É um parâmetro complexo que pode envolver formas e direções diferentes (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 54). Esse parâmetro também necessita de atenção, pois, ao alterar o movimento, também pode ser alterado o significado do sinal. Orientação de Palma É para onde se mostra a palma da mão no momento da execução do sinal. As expressões faciais e corporais possuem um papel importante nas línguas de sinais, pois com elas indicamos: emoções, interrogações, afirmações, negações, exclamações. Elas também indicam se estamos agitados, calmos, exaustos etc. ALFABETO MANUAL Também conhecido como alfabeto datilológico. É composto pelas 26 letras do alfabeto manual. Você deve ter percebido que as letras do alfabeto também estão inseridas nas configurações de mãos que já estudamos. Fique de olho! É importante lembrar que o alfabeto manual possui uma função dentro da língua de sinais, sendo muito utilizado para informar nomes próprios, palavras estrangeiras, ou termos que não tenham equivalente em língua de sinais. Destaco ainda que o alfabeto manual também varia de acordo com o país e a língua de sinal. Pronomes Pessoais Os pronomes pessoais indicam quem está falando no discurso. Em geral, aponta-se para o falante ou a quem está se dirigindo a palavra. Pronomes Demonstrativos e advérbios de lugar Assim como em Português, os pronomes demonstrativos e os advérbios de lugar se referem às pessoas que estão emitindo o discurso ou que estão próximas ou distantes deste. Pronomes Interrogativos Os pronomes interrogativos mais utilizados são: Quem? Que? Onde? Veja no vídeo como são sinalizados. Pronomes Possessivos Tanto os pronomes possessivos como os demonstrativos e pessoais não fazem marcação de gênero. Isso porque eles estão diretamente relacionados à pessoa do discurso. Os pronomes possessivos mais utilizados são: Meu, Teu, Seu, Próprio. TIPOS DE VERBOS EM LIBRAS Segundo Quadros e Karnopp (2004), os verbos na língua de sinais brasileira estão divididos nas seguintes classes: a) Verbos simples: são verbos que não se flexionam em pessoa e número e não incorporam afixos locativos. Alguns desses verbos apresentam flexão de aspecto. Exemplos: Conhecer, amar, aprender, saber, trabalhar, gostar etc. b) Verbos com concordância: são verbos que se flexionam em pessoa, número e aspecto, mas não incorporam afixos locativos. São verbos que apresentam direcionalidade e orientação, indicando assim o sujeito da ação, ou ainda o objeto que sofre a ação. Pertencem a essa categoria os verbos: entregar, enviar, ajudar, perguntar etc. c) Verbos espaciais mais locação: pertencem a este grupo os verbos que possuem afixos locativos. Exemplo: colocar, ir, chegar etc. d) Verbos manuais ou Classificadores: de acordo com Quadros e Karnopp (2004, p. 93), classificadores são "formas complexas em que a configuração de mão, o movimento e a locação da mão podem especificar qualidades de um objeto". Os classificadores possuem um papel importante na língua de sinais, pois especificam tamanhos, formas e detalhes de objetos, coisas e acontecimentos. Por vezes, um único classificador é capaz de traduzir um situação inteira. Exemplos: Cortar o cabelo. Usa-se o movimento que se faz ao cortar o cabelo. Cair, utiliza-se o movimento de cair em diferentes situações. SINAIS ICÔNICOS São aqueles sinais que reproduzem a imagem do objeto ou conceito sinalizado. Sua execução nos permite visualizar o objeto. Exemplo: Telefone e Casa. SINAIS ARBITRÁRIOS São aqueles sinais que não possuem semelhança com o seu referente, ou seja, sua execução não nos faz visualizar o objeto sinalizado por semelhança imagética. Exemplos: Errado e Certo. SINAIS COMPOSTOS São formados a partir da junção de um ou mais sinais, com o objetivo de criar um conceito que possui relação com os sinais que unem, porém ganham um sentido novo. Exemplos: unindo o sinal de Casa mais o sinal de Cruz, teremos o sinal da Igreja. O mesmo pode se aplicar ao sinal de Casa associado ao verbo Estudar, dando origem ao sinal de escola. TEMA 1 - LIBRAS HISTÓRIA DA SURDEZ História da Surdez: o que contam sobre os surdos Olhar o passado pode ser um recurso, como tantos outros, para se entender o presente, questioná-lo e projetar o futuro. Mas antes de voltar nosso olhar para o passado, é importante ter presente que o “passado oficial” da humanidade, a história, enquanto registro científico, é determinada não simplesmente pelo fato em si, mas pelo olhar daquele que o registra. Isso faz com que nenhum registro seja neutro, há sempre uma intenção por trás do que é apresentado, o que é determinado por um grupo, em geral dominante, responsável por definir o que deve ser lembrado e como ser lembrado, e o que deve ser esquecido. Quantos grupos, quantas tribos, quantos sujeitos, quantos nomes não integram o corredor da história da humanidade? Quantos quadros de fatos importantes não são disponibilizados na grande exposição da história oficial? Muitos, centenas, milhares, não há como saber. Outros surgem em um determinado tempo e espaço, quando na realidade sempre subsistiram, mas que só passaram a existir por reivindicação, por organização política, por luta, mas que ainda assim são descritos e representados conforme os olhos dominantes. Com os surdos não foi muito diferente. Por muito tempo,como em ouvintes, o code-blending, conhecido como mistura de códigos. Esse fenômeno, que é muito comum e se caracteriza pela produção de duas línguas ao mesmo tempo, com sobreposição de uma à outra, somente é possível por serem as duas línguas de modalidades distintas, sendo que a estrutura sintática de uma das línguas ficará preservada (GROSJEAN, 2008). O code-blending difere de outro fenômeno comum entre os bilíngues que dominam duas ou mais línguas de modalidade oral-auditiva, o code-switching, nome dado à inserção de palavras ou expressões de, por exemplo, duas línguas orais em uma mesma frase, sendo que a estrutura sintática de uma das línguas é sempre preservada (língua base) e algumas palavras ou trechos da frase são substituídos por expressões da outra língua. O fato de a modalidade das línguas Português Brasileiro e Libras ser distinta fica evidente quando estudamos a gramática da Libras que, por sua vez, possibilita que possamos compreender a estrutura de um signo (palavra) em Libras, bem como uma frase estruturada nessa língua. Considerações Finais Ao final desta reflexão, é importante termos claro que não basta traçar uma linha do tempo sobre a história da língua de sinais para compreender a surdez e sua relação com a língua de sinais. É necessário um exercício de compreensão do que é o sujeito bilíngue bimodal. Fique de olho! Nesse sentido, cabe relembrar que o bilinguismo bimodal é quando temos um sujeito que utiliza duas línguas de modalidades diferentes, no caso do surdo, Libras e Português Brasileiro. Portanto, é essencial buscarmos compreender que as línguas são distintas e independentes, já que o bilíngue pode ter mais habilidade ou conhecimento em uma língua que em outra. Assim, o surdo nem sempre será proficiente da mesma forma nas duas línguas, podendo ser mais em uma que em outra. TEMA 6 - LIBRAS PESQUISAS NA ÁREA DA SURDEZ A PESQUISA NA ÁREA DA SURDEZ: REFLETINDO CONCEITOS Quando D. Pedro II convidou o professor surdo Hernest Huet, em 1855, para deixar a França e vir ao Brasil encarregar-se da educação de dois jovens meninos surdos, talvez não tivesse em mente que, além da educação formal, estaria também instituindo uma nova área do conhecimento que, ao longo da história, reuniria inúmeros pesquisadores renomados e que por meio de suas investigações e inquietações promoveriam não somente a produção do conhecimento como também a mudança de concepções acerca da surdez e do sujeito surdo. Os relatórios e documentos produzidos pelo Instituto sobre os processos e metodologias de ensino, constituíram a base da educação de surdos no Brasil. Seus documentos primários contém relatos importantes da criação de metodologias específicas para o desenvolvimento educacional da criança surda. Fique de olho! Se na ocasião da fundação do Instituto a produção de conhecimento acerca da temática era inexistente no Brasil, o mesmo não se pode dizer no século XXI. Em um levantamento realizado no Banco de Teses da Capes, tomando como base o período de 1987 a 2009, utilizando os descritores surdo e surdez, foram encontrados 340 registros de dissertações e 105 de teses dos Programas de Pós-Graduação do Brasil das Instituições de Ensino Superior, públicas e privadas, que tem como objeto de pesquisa a surdez. Os resumos foram analisados e classificados de acordo com as principais áreas do conhecimento (seguindo o padrão do CNPq). Isso nos possibilitou constatar que há uma grande concentração na área das Ciências da Saúde, deixando as Ciências Humanas em segundo lugar no que tange a pesquisas voltadas para a temática da surdez, tanto no nível de mestrado quanto de doutorado. Isso pode explicar a grande influência do discurso clínico patológico com relação aos sujeitos surdos na história. Ao transpor os dados das tabelas para um gráfico comparativo, é possível visualizar, de uma forma mais clara, a produção de cada área. Tendo sempre presente que o número de mestres titulados é sempre significativamente maior ao de doutores, o que explica a maior concentração de produção no nível de mestrado: O levantamento permitiu ainda verificar que a presença das mulheres no universo da pesquisa é superior a dos homens em praticamente todas as áreas, com exceção das engenharias que, por tradição, concentra uma maior participação masculina, no entanto não tão expressiva sobre a temática da surdez. Tabela 2: Levantamento da produção por gênero e área do conhecimento. A leitura dos resumos permitiu ainda classificar as temáticas mais pesquisadas em cada área, bem como nos níveis de mestrado e doutorado: Tabela 3: Levantamento das temáticas mais pesquisadas em nível de mestrado. Cabe lembrar que as temáticas foram elencadas nas grandes áreas, o que pode ocasionar algumas surpresas, como pesquisas sobre produção de sentido da surdez, ou mesmo aquisição de linguagem e escrita, realizadas pela área da saúde. Todavia, a área é composta por subáreas como psicologia e educação física, o que nos ajuda a entender o interesse por temas mais próximos com a área das Ciências Humanas, pois na grande maioria a área da Saúde concentra seus esforços em identificar as razões genéticas da surdez, a cura da patologia ou mesmo sua normalização através do uso de próteses auditivas ou mesmo o implante coclear. Nas Ciências Humanas, a Educação de surdos, os processos de aquisição da linguagem, a Libras, as Políticas de Inclusão, entre outros, são as temáticas preferencialmente eleitas pelos pesquisadores, que na sua grande maioria são pesquisadoras. Tabela 4: Levantamento das temáticas mais pesquisadas em nível de doutorado. Cabe ainda ressaltar que foram levantadas as temáticas e não necessariamente a postura teórica metodológica utilizada pelos pesquisadores, nem mesmo a concepção de sujeito surdo defendida nas pesquisas. No entanto, cabe realizar um reflexão sobre alguns conceitos que estão presentes em pesquisas realizadas na área, relacioná-los e entrecruzá-los a fim de proporcionarmos uma reflexão mais profunda sobre a surdez, o sujeito surdo, seu processo de constituição de identidade, sua subjetividade. “EU SOU SURDO, CRESCI SURDO”: CONSTRUINDO AS IDENTIDADES É possível afirmar que os sujeitos (homens, mulheres, surdos, ouvintes etc.) não são naturais, no sentido de que haja uma essência que os defina. Pelo contrário, são constituídos a partir dos discursos de determinadas áreas ou grupos detentores da verdade. Dessa forma, é possível afirmar que as identidades também são fabricadas a partir de sistemas simbólicos de representação. Ela nasce de um oposto a ela, ou seja, a identidade é afirmada a partir do que é diferente ao modelo definido. O que torna a diferença algo essencial na compreensão da identidade. No processo de construção da identidade, outro fator passa a ser muito importante, que é a cultura, uma vez que é a cultura ou as culturas que estabelecem os critérios de classificação excluindo o que não lhe pertence. A cultura pode assumir uma dimensão essencialista ao determinar as identidades. A dimensão essencialista utiliza afirmações tanto históricascomo biológicas para fundamentar suas postulações como verdadeiras. “O corpo é um dos locais envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem nós somos, servindo de fundamento para a identidade” (WOODWARD, 2007, p. 15). Mulheres, surdos, crianças, negros e tantos outros tiveram suas identidades definidas e fundamentadas historicamente a partir da biologia de seus corpos. Muitas vezes, é através da observação do corpo que as pessoas surdas percebem a sua diferença: (...) descobri que eu era diferente das demais crianças, isso aconteceu durante uma brincadeira de pau-a-pique (se é que existe essa brincadeira). Todas as crianças ficavam de um lado da outra e uma determinada pessoa gritava: “já”, todos corriam e batiam em um local escolhido e voltavam correndo e para minha surpresa eu fiquei parada no mesmo lugar, levei um susto e pensei: O que aconteceu? Por que eles correram e por que eu fiquei? (...) senti em meu corpo algo estranho e comecei a procurar a diferença. Onde ela estava? Olhei para meu corpo dos pés a cabeça, procurava olhar as pessoas também dos pés a cabeça (...) de repente numa cena, onde um professor estava conversando com um aluno, eu parei, observei algo que comigo não acontecia, quando uma pessoa fala, ela abre e fecha a boca e a outra fica de boca fechada e quando essa acabar de falar a outra abre a boca. (VILHALVA, 2004, p. 17) Com a diferença, entra em cena outro conceito, o da representação: A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-os como sujeitos. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar. (WOODWARD, 2007, p. 15) Através das representações e seus discursos são estabelecidas as identidades individuais e coletivas, bem como os lugares de onde os indivíduos podem falar e se posicionar. A mídia é um bom exemplo de como se pode criar tais representações e consequentemente definir identidades. Novelas, filmes e propagandas criam conceitos de homem, de mulher, de homossexual, de mãe, de adolescente e de tantas outras identidades que passam a ser definidas, muitas vezes, como únicas. Significados produzidos que envolvem relações de poder, pois pode definir quem é o incluído e quem é o excluído. A ciência, com o seu discurso de verdade incontestável, determina as identidades dos indivíduos classificando-os por raça, peso, capacidades, gênero etc. Nesse jogo de classificação, a identidade surda raramente é atribuída a uma criança, principalmente quando esta nasce em uma família de ouvintes: Na verdade eu nasci surda, minha mãe pesquisou, mas não sabe a resposta certa. Já fizemos muitos exames, mas não temos resposta, um médico falou que pode ser alguma questão genética que aparece de gerações em gerações na família, mas não temos como saber. Vai demorar para saber exatamente. Eu sou a única surda na família. (Clara, surda) Pertencer a uma minoria, para o surdo, é um sentimento que inicia no núcleo familiar. Na grande maioria, os surdos pertencem a famílias de ouvintes, pode se dizer que surdos filhos de pais surdos são uma raridade, e quando acontece é comum que avós ou outros parentes interfiram na educação dessas crianças por entenderem que seus pais não têm plena capacidade de educar um novo ser. Aniversários, almoços, batizados e tantas outras celebrações familiares que, em geral, são tidas como unificadoras para muitos surdos, são tão excludentes quanto à escola dita inclusiva. É comum mães e pais, influenciados pelo discurso clínico patológico, evitarem o uso da língua de sinais, na tentativa de normalização de seus filhos, optando assim pela leitura labial, no entanto, ao entrarem em contato com o mundo surdo e com a língua de sinais, muitos surdos acabam se distanciando de suas famílias, pois descobrem um mundo onde a surdez deixa de ser a marca de diferenciação para ser a marca de identificação, de unificação entre os iguais. Fato este relatado por Maria Valentina, que com quinze anos sai de casa, não como um ato de rebeldia, mas para mostrar sua capacidade: A vida é um pouco difícil, por que desde pequena, a minha família é grande, e eu percebia que ficava um pouco sozinha, um pouco excluída, fora das discussões, mas minha mãe sempre me incentivou e sempre me dizia: vai participa, aprende. Com quinze anos eu fui buscar coisas, resolvi morar sozinha, meu irmão sempre me ajudou, sempre se comunicou, ele não usa libras, é muito mais comunicação oral, mas a gente sempre se comunica, eu percebo que sou um pouco afastada da família, eu lembro que quando encontrei os surdos, eu percebi a diferença, minha família tentou que eu usasse aparelho, e eu tentei usar um pouco, mas não consegui me adaptar. Quando aceitei minha identidade surda, comecei a lutar e mostrar para minha família que eu era capaz, que embora sozinha, eu podia entrar na faculdade. Mesmo nas famílias em que há uma maior compreensão da dimensão do ser surdo, onde pai e/ou mãe entendem que a língua de sinais é importante para o desenvolvimento cognitivo e social do filho, permitindo-lhe acesso à educação, trabalho, cultura, etc. o uso da língua de sinais pela família em discussões, encontros ou em um simples almoço não é uma realidade. Ao surdo, cabe compreender o mundo de forma resumida. Enquanto uma criança ouvinte aprende muitos conceitos abstratos através do simples convívio entre adultos, para um surdo, que convive entre ouvintes que usam a libras apenas em momentos esporádicos, para dar instruções simples, ou para dar um acesso limitado a informação, é difícil entender coisas simples como não colocar o dedo na tomada ou coisas mais complexas como evitar uma gravidez na adolescência: Geralmente, quando se fala em preconceito, utilizam-se exemplos de grande exclusão ou situações de exposição dramáticas e de grande expressão. No entanto, o preconceito pode se manifestar de maneira tão sutil que é praticamente impossível perceber sua força. Inúmeras são as situações de preconceito relatadas por surdos e surdas do Brasil e tantos outros países, independentemente de gênero, classe, sexo ou etnia. Não existe um lugar determinado ou um grupo específico para a manifestação do preconceito. O primeiro lugar de enfrentamento dessa situação, muitas vezes, é a própria família que, por desconhecer a totalidade daquele que se apresenta estranho, diante dos ditos normais, reproduz o discurso da incapacidade do diferente: (...) eu gosto de estudar, mas a minha família não esperava, não acreditava em mim, no meu desenvolvimento, hoje eles ficam admirados, até agora, meus primos não têm faculdade, na minha família, todos casaram tiveram seus filhos, eu também casei tive minha filha, mas também faço faculdade, eles ficam admirados agora, demorou para aceitarem. O preconceito acabou, mas, existiu sim. (Maria Valentina - Surda) Diante de tantas situações impostas pela sociedade ouvinte, surgem os movimentos surdos, que são responsáveis por grande parte das conquistas da comunidade surda. As associações e clubes de surdos do país são espaços de socialização,constituição e discussão da cultura surda e de seus artefatos. As associações, inicialmente pensadas para dar assistência e informações aos surdos, constituem hoje um espaço político, onde articulam-se as lutas de uma comunidade local. É notória a presença e participação das mulheres nos movimentos surdos. Presentes não somente como associadas, fizeram-se atuantes como líderes e presidentes de clubes, associações e federações pelo Brasil. A CULTURA E O PERTENCIMENTO O sentimento de pertencimento ao grupo está para além das fronteiras, o que une a comunidade surda vai além da rua, do bairro, do município ou do estado. O que une os surdos é a sua cultura. Falar em cultura não é nada simples, já que não há um consenso entre os pesquisadores, e muitos são os significados e as teorias existentes para o termo. Na perspectiva pós-moderna, a cultura é concebida de uma maneira pluralizada, sendo possível pensar múltiplas culturas dentro de uma mesma nação (EAGLETON, 2005). Para os pós-modernos, a pluralidade entrecruza-se com a autoidentidade. A pluralidade amplia o conceito de cultura, admitindo a manifestação de grupos culturais de diversas naturezas. Segundo Hall (1997), a cultura determina a forma como vemos, compreendemos e explicamos o mundo. As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com o maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o indivíduo representa a si mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos valia social (PERLIN apud STROBEL, 2009. p. 27) É válido dizer que, mesmo participando da experiência visual do mundo, nem todo surdo é igual, haverá diferenças dentro da comunidade surda. Visto que a subjetividade é um fator a ser considerado, pois está relacionado aos pensamentos que temos de nós mesmos sobre quem somos. No entanto, cabe lembrar que devido ao fato de os surdos e surdas terem uma inserção tardia na comunidade, sua subjetividade é determinada inicialmente no mundo ouvinte, o que pode gerar marcas profundas. ESCOLA: NORMALIZANDO OU CONSTITUINDO IDENTIDADES? Toda a reflexão a respeito da surdez que tem uma dimensão sociocultural traz presente a dimensão da escola na vida dos sujeitos surdos, já que é nesse espaço que o(a) surdo(a), muitas vezes, entra em contato com outros(as) surdos(as) constituindo sua identidade ou mesmo, na pior das situações, reforçam a ideia de deficiente, por não encontrar no outro traços de semelhança não desenvolvendo o sentimento de pertencimento do grupo. O fato é que a escola, mais precisamente a vida escolar e suas experiências, marca o sujeito surdo positiva ou negativamente, na construção de sua subjetividade. Da escola o que mais me marcou foi a convivência com outros surdos, já que não tinha nenhum surdo na família ou na vizinhança. Gostava mais das conversas com os colegas do que das aulas, é verdade, mas tenho boas lembranças da escola. (...) minha escola tinha ouvintes e uma sala para surdos, nós estudávamos separados dos demais por que éramos considerados deficientes. A professora não usava sinais e nós copiávamos tudo do quadro. (Anastácia - Surda) Por algum tempo, muitas escolas regulares mantiveram classes especiais destinadas a surdos, mas nessas escolas é possível perceber um movimento de constituição da identidade surda, já que, por estarem em contato com iguais, sentiam um certo prazer em frequentar a escola, e utilizavam a língua de sinais ou sinais combinados nos momentos de convívio entre eles. No entanto, para a transmissão dos conteúdos curriculares, a língua oficial era o português, o que impossibilitava a compreensão, e não despertava o interesse na aula. Como estratégia, muitos surdos apenas copiavam os conteúdos do quadro não tendo preocupação em aprender. Mesmo a escola especial, que por muito tempo ficou responsável pela educação dos surdos, carregava em sua concepção de sujeito a marca da deficiência. Conforme Skliar (2005), “a educação especial, cujos componentes ideológicos, políticos, teóricos etc. são, no geral, de natureza discriminatória, descontínua, conduzindo a uma prática de exclusão permanente”. É comum encontrarmos relatos de surdos e surdas que desistiram de estudar em função do isolamento que sofreram: Na escola não tinha intérprete, eu não entendia direito as coisas. Era a única surda na escola, na cidade, não tinha com quem conversar, na verdade nem sabia direito o que era ser surda. Na escola não tinha comunicação. Depois me casei e fui só até a 6ª série. Agora voltei a estudar no EJA, tem intérprete e consigo compreender melhor a matéria. (Joana - Surda) A simples presença de intérprete em uma sala de aula não garante o aprendizado, muito menos a tão sonhada inclusão para uma aluna surda que não conhece a língua de sinais e sequer tem consciência do que é ser surda. No passado, era comum médicos e profissionais da educação orientarem familiares de surdos a evitarem contato com outros surdos a fim de garantir o aprendizado da língua portuguesa, escrita e falada, já que concebiam o surdo como um ouvinte privado da capacidade de ouvir. Por possuir uma “voz boa”, no sentido de ser capaz de oralizar, muitos médicos sugerem que as crianças surdas estudem em escolas regulares de ouvintes. A falta de compreensão do que realmente é a surdez faz com que muitos professores não reflitam suas práticas em sala de aula e, muitas vezes, promovem situações em que é impossível a participação do aluno surdo: A professora sempre conversava comigo me olhando direto, sempre dizia que eu era inteligente, mas também achava que eu era coitadinha por que era surda. Mas era meio confusa às vezes. Na hora do ditado, por exemplo, a professora ditava as palavras e esquecia que eu não escutava, achava que só por que eu usava o aparelho ia conseguir ouvir certo, então eu errava algumas palavras, trocava algumas letras como X e Z, por que tem palavras que se usa estas letras e eu não percebia a diferença do som então errava, aí ela dizia para eu prestar mais atenção. Uma prática simples e supostamente inofensiva como o ditado, muito usada por diversos professores nos anos iniciais para treinar a ortografia, torna-se um momento de tortura para um surdo, que não tem como diferenciar alguns fonemas, por mais exímio leitor de lábios que possa ser. O movimento provocado pelos questionamentos dos Estudos Surdos em Educação resultou não apenas em uma reviravolta em termos conceituais do sujeito como também uma ruptura com a educação especial e o discurso hegemônico de sujeitos deficientes (SKLIAR, 2005. p. 12). Não podemos afirmar que todos os problemas foram resolvidos e que a mudança de concepção (educação especial para educação de surdos), muitas vezes, não passou de uma simples substituição de termos, mas, através das pesquisas e debates promovidos pelos Estudos Surdos, permitiu uma problematização com relação aos currículos das escolas de educação de surdos, considerando a cultura e as relações de poderna constituição das identidades. Fique de olho! O reflexo das mudanças provocadas é perceptível também no número de surdos que têm alcançado o ensino superior: Graduação e Pós-Graduação. TEMA 5 - LIBRAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E EDUCAÇÃO DE SURDOS . Educação bilíngue em pauta Passamos, agora, a problematizar como é pensada a organização da educação bilíngue a partir de documentos elaborados por segmentos (MEC e movimento surdo), que apresentam posicionamentos opostos devido aos diferentes princípios político-ideológicos. Orientações legais sobre a educação bilíngue constam pela primeira vez no Decreto 5.626/2005, documento escrito no embate político entre MEC e movimento surdo. Em 2008, também há uma breve orientação sobre a educação bilíngue na Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, documento em que se afirma: Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngue – Língua Portuguesa/LIBRAS, desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendimento educacional especializado é ofertado tanto na modalidade oral e escrita quanto na língua de sinais. Devido à diferença linguística, na medida do possível, o aluno surdo deve estar com outros pares surdos em turmas comuns na escola regular. (BRASIL, 2008, p. 17) No entanto, essas orientações de 2008 sobre a educação bilíngue, atreladas ao ensino na escola comum, através do Atendimento Educacional Especializado (AEE), causam maior impacto no movimento surdo pois, para o MEC, o espaço da escola de surdos caracteriza-se como segregacionista, uma vez que a proposta bilíngue: Deve fortalecer estratégias pedagógicas que considerem as especificidades dos estudantes na aquisição da Língua Brasileira de Sinais – Libras e da Língua Portuguesa escrita, de forma que a educação bilíngue não seja condicionada a espaços organizados pela condição da surdez, mas vinculada a uma organização curricular que possibilite o ensino e o uso das línguas de forma transversal, nas diferentes etapas e modalidades. (BRASIL, 2012, p.2) Nesse sentido, principalmente no ano 2011, o movimento surdo realizou grandes mobilizações para evitar o fechamento do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e de escolas de surdos em todo o Brasil. Podemos compreender o movimento surdo como um movimento de uma minoria linguística, que busca um reconhecimento linguístico e cultural que vem se afastando dos discursos da Educação Especial que entendem a surdez como deficiência. Esse afastamento pode ser visto como um dos motivos centrais que produzem a tensão entre o movimento surdo e os movimentos da Educação Especial: Uma vez que o campo da educação de surdos problematiza a lógica da deficiência, que se sustenta em processos de normalização que vem caracterizando historicamente a Educação Especial e, atualmente, as políticas inclusivas. (MORAES, 2014, p. 37) Por isso, é possível entendermos que quando há posicionamentos advindos de princípios político-ideológicos distintos, criam-se diferentes modos de pensarmos a educação bilíngue de surdos. Podemos ver nos excertos a seguir um primeiro exemplo de proposições de espaços diferenciados de educação bilíngue: A Política orienta os sistemas de ensino para garantia do ingresso dos estudantes com surdez nas escolas comuns, mediante a oferta da educação bilíngue, dos serviços de tradutores intérpretes de Libras/Língua Portuguesa e do ensino de Libras. (BRASIL, 2011, p. 1) [O movimento surdo] reivindica uma política educacional mais condizente com as especificidades linguísticas e culturais dos surdos e que atenda à pluralidade dos surdos brasileiros, principalmente por meio da legitimação e implantação de escolas públicas bilíngues. (FENEIS, 2012,p. 3) Vemos acima maneiras de pensar a educação bilíngue: uma do MEC e outra do movimento surdo. Pensando, primeiramente, sobre as proposições do que circulam no MEC, a educação bilíngue deve pautar “a organização da prática pedagógica, na escola comum, na sala de aula comum e no AEE”, ou seja, deve permear “todo o processo educativo” (ALVES et al., 2010, p. 9). Porém, em muitos dos excertos de documentos do MEC, o processo educativo é contemplado com o atendimento do surdo no Atendimento Educacional Especializado (AEE) e, na sala de aula, a acessibilidade ocorrerá com a presença do Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais (TILS). A Resolução nº 04/2009 institui as diretrizes operacionais para o AEE. Esse atendimento é ofertado aos alunos incluídos na escola comum e ocorre no turno contrário, sendo realizada a complementação à escolarização. Esse atendimento “identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminam as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008, p. 16). Ao professor que atua no AEE, além de atender ao aluno no espaço da Sala de Recursos Multifuncional (SRM), compete: [...] elaborar o plano de atendimento individual do estudante, tendo como base seu conhecimento prévio da Libras, da língua portuguesa e do contexto social e familiar. Além disso, compete ao professor do AEE realizar a interface com os demais professores e tradutores/ intérpretes, visando à estruturação da educação bilíngue na proposta curricular, bem como propor a articulação intersetorial de políticas públicas, a fim de garantir outras medidas de apoio necessárias à sua escolarização. (BRASIL, 2012, p. 4) No AEE, a educação bilíngue se dá em três momentos didático-pedagógicos: o AEE para ensino da Libras, o AEE em Libras e o AEE para o ensino da língua portuguesa, sendo assim definidos: No AEE de Libras: o AEE deve ser planejado com base na avaliação do conhecimento que o aluno tem a respeito da Libras e realizado de acordo com o estágio de desenvolvimento da língua em que o aluno se encontra. Após a avaliação inicial, o professor de Libras precisa pensar na organização didática que implica o uso de imagens e de todo tipo de referências. (ALVES et al., 2010, p. 17) O AEE em Libras fornece a base conceitual dos conteúdos curriculares desenvolvidos na sala de aula. Esse atendimento contribui para que o aluno com surdez participe das aulas, compreendendo o que é tratado pelo professor e interagindo com seus colegas. (ALVES et al., 2010, p. 12) A proposta didático-pedagógica para se ensinar português escrito para os alunos com surdez orienta-se pela concepção bilíngue – Libras e português escrito, como línguas de instrução desses alunos (ALVES et al., 2010, p. 20). O objetivo desse atendimento é desenvolver a competência linguística, bem como textual, dos alunos com surdez, para que sejam capazes de ler e escrever em língua portuguesa. [...] O professor do AEE avalia e analisa o estágio de desenvolvimento linguístico dos alunos, em relação à leitura e escrita, tendo por base suas próprias produções e interpretações de textos, dialógicos, descritivos, narrativos e dissertativos. (ALVES et al., 2010, p. 22) Esses três momentos didático-pedagógicos deveriam ser ofertados diariamente de acordo com orientações do MEC. Podemos observar que são determinadosmomentos específicos para aprendizado e uso da Libras, devido à organização e distribuição de tempo e de espaço para a língua de sinais na escola. Além disso, Camatti e Gomes (2011) apontam que a Libras é posicionada como um recurso: A língua de sinais é retirada da ordem discursiva produzida na questão da escola, entendida a partir da orientação cultural, e acaba sendo capturada através de outra racionalidade, que a toma como uma língua-metodologia ou uma língua-recurso. Podemos evidenciar essa afirmação ao olhar, por exemplo, para as orientações do AEE para ensino da língua portuguesa: [...] o professor não utiliza a Libras, a qual não é indicada como intermediária nesse aprendizado. Entretanto, é previsível que o aluno utilize a interlíngua na reflexão sobre as duas línguas, cabendo ao professor mediar o processo de modo a conduzi-lo à diminuição gradati- vamente desse uso. [...] Como o canal de comunicação específico para o ensino e a aprendizagem é a língua portuguesa, o aluno pode utilizar a leitura labial (caso tenha desenvolvido habilidade) e a leitura e a escrita. (ALVES et al., 2010, p. 20) Como vimos no excerto acima, em alguns momentos a Libras não precisaria ser utilizada. Para Fernandes e Moreira (2014), isso ocorre devido a significados distintos dados à língua de sinais: para uns, essa língua representa a produção histórico-cultural de uma comunidade minoritária e, para outros, a Libras faz parte de um conjunto de recursos físicos, técnicos e materiais que constituem as tecnologias assistivas, o que revela um enorme distanciamento dos princípios do bilinguismo. As mesmas autoras apontam que, no âmbito das políticas de inclusão, até se verifica um reconhecimento da língua de sinais; no entanto, esse reconhecimento “não cria espaços efetivos para seu uso e desenvolvimento” (FERNANDES; MOREIRA, 2014, p. 59). Na perspectiva da educação inclusiva, pressupõe-se que, ao incluir a Libras na escola comum, os surdos serão incluídos, e que a presença do TILS resolve a diferença linguística. Esse profissional, reconhecido pela Lei Nº 12.319/2010, é um mediador da comunicação e da interação entre surdos e ouvintes. Porém, além dele, é necessário que o professor planeje e desenvolva suas aulas considerando, nesse caso, a cultura visual dos surdos e os processos de tradução-interpretação das línguas em uso na condição bilíngue dos alunos. A Feneis aponta que “não há intérprete para a maioria das classes ditas inclusivas” (FENEIS, 2011b, p. 5). Sabe-se que ainda há poucos profissionais capacitados para atender a uma grande demanda e em diferentes localidades, principalmente, em regiões de interior. Como argumento contrário ao modelo de inclusão, o movimento surdo aponta que “a presença de intérpretes/tradutores de português/Libras não define uma educação bilíngue para surdos, muito menos quando a oferta se detém a serviços de tradutores e intérpretes de Libras/língua portuguesa” (FENEIS, 2011b, p. 4). Nos excertos de documentos do MEC, verificamos que o bilinguismo será alcançado ao se “promover o acesso dos alunos com surdez ao conhecimento escolar em duas línguas: em Libras e em língua portuguesa” (ALVES et al., 2010, p. 10). No entanto, não está definido o status linguístico das línguas envolvidas, nem se especifica a modalidade (oral ou escrita) de uso da língua portuguesa. Sobre isso, o movimento surdo posiciona-se, definindo a educação bilíngue da seguinte forma: A aquisição da Libras como L1, pelos alunos surdos, deve ser garantida na proposta pedagógica para todos os níveis e séries da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). O ensino do português escrito como segunda língua – L2 deve estar presente na proposta pedagógica para todos os níveis e séries da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). (FENEIS, 2012, p. 6) Em geral, propõe-se um espaço linguístico diferenciado, sobretudo em escolas bilíngues: As escolas bilíngues são aquelas onde a língua de instrução é a Libras e a língua portuguesa é ensinada como segunda língua, após a aquisição da primeira língua; essas escolas se instalam em espaços arquitetônicos próprios e nelas devem atuar professores bilíngues, sem mediação de intérpretes na relação professor – aluno e sem a utilização do português sinalizado. As escolas bilíngues de surdos devem oferecer educação em tempo integral. Os municípios que não comportem escolas bilíngues de surdos devem garantir educação bilíngue em classes bilíngues nas escolas comuns (que não são escolas bilíngues de surdos). (BRASIL, 2014, p. 5) Nesse sentido, vemos nos documentos do movimento surdo a argumentação por um espaço que proporcione aos surdos uma imersão linguística na Libras, já que a maioria dos alunos surdos são filhos de pais ouvintes. Mas, para além da questão linguística, o movimento aponta a importância de sua educação estar marcada por traços da cultura surda, pois ela é inseparável da educação bilíngue: Se a cultura surda não estiver inserida no ambiente educacional, os surdos dificilmente terão acesso à educação plena como lhes é de direito e acabam por abandonar a escola. A inserção do indivíduo numa cultura propicia o desenvolvimento e a afirmação de identidades. A cultura surda e a pedagogia do surdo, um jeito de ensinar ao surdo, partem de experiências sensoriais visuais, da língua de sinais, dos educadores surdos, do contato da comunidade com os pais, com as crianças, com a história surda e com os estudos surdos. (BRASIL, 2014, p. 14) Na perspectiva dos Estudos Surdos, amparados nos estudos linguísticos, entende-se que, para haver a aquisição da língua de sinais, as crianças surdas devem ter contato com outras crianças e adultos surdos. Esse contato deve se dar o mais cedo possível, para não se perder a fase mais importante de aquisição da língua. Assim, também é possibilitado que a identidade surda e os processos de subjetivação se desenvolvam a partir de um viés cultural. Sabe-se que, em grande parte dos casos, as famílias de surdos passam anos investindo na oralização das crianças surdas, negando-lhes a aquisição da língua de sinais no contato com outros surdos. Consequentemente, o contato com a Libras acaba ocorrendo na escola que, muitas vezes, constitui-se na primeira comunidade linguística dos surdos. A Carta-Denúncia (2011c) da FENEIS aponta as consequências da falta de acesso à língua de sinais: “[...] hoje muitos dos surdos brasileiros não têm língua nenhuma, muitos têm conhecimento apenas de um restrito e pantomímico código familiar ou local, incapaz não apenas de oferecer as condições de uma socialização mais ampla, mas também, et pour cause , de níveis de abstração e organização complexa do pensamento. Esses surdos ficam quase completamente à margem da vida social, civil e cultural nacional, completamente dependentes de seus familiares e, por isso mesmo, sujeitados permanentemente às vontades alheias. É-lhes negado o direito a decidirem sobre si mesmos, negação essa com base numa suposta inferioridade civil, que a alienação linguística parece dar razão. A rigor, os surdos sem língua não desenvolvem a possibilidadede transformar desejo em vontade conscientemente expressa e universal- mente argumentável, experiências e afetos em símbolos socialmente reconhecíveis (pp. 5-6).” O movimento surdo acredita que “ações inclusivas podem ser feitas de forma que a inclusão social aconteça sem que seja rechaçado o direito dos surdos à sua inclusão primeira, que deve acontecer na comunidade que fala a mesma língua, no caso, a Língua de Sinais Brasileira” (FENEIS, 2012, p. 10). No que se refere à organização da educação de surdos no espaço da escola comum, o movimento surdo aponta que esse espaço não contempla a diferença surda: A chamada sala de aula dita “comum” permanece assim conforme as características gerais dos alunos cuja tipicidade é majoritária; portanto, ela não é comum a todos os alunos, em suas diferenças e especificidades [...] isso quer dizer que no turno principal os alunos surdos, bem como os demais que mantêm diferença com relação a essa tipicidade majoritária, devem adequar-se a essa última, com graves prejuízos, no caso dos surdos, para o gozo de seus direitos humanos linguísticos e educacionais. (FENEIS, 2011c, p. 28) Quanto à inserção do aluno surdo no ensino regular, muitos aspectos não são contemplados nas experiências inclusivas em desenvolvimento, pois, frequentemente, A criança surda não é atendida em sua condição sociolinguística especial, não são feitas alterações metodológicas que levem em conta a surdez, e o currículo não é repensado, culminando em um desajuste socioeducacional. (LACERDA; LODI, 2009, p. 15) Lodi e Lacerda (2009) apresentam uma proposição de inclusão na abordagem bilíngue, ou seja, no espaço da escola comum, como contemplado na proposta do MEC. Em 2003, foi realizada uma parceria entre a Universidade e a Secretaria Municipal de Educação/Setor de Educação Especial de Piracicaba para implementação do programa educacional bilíngue em duas escolas municipais: uma de Educação Infantil, outra de Ensino Fundamental. A realização desse programa em apenas duas escolas justifica-se porque, [...] quando se pretende oferecer condições iguais (inclusivas) de aprendizagem e desenvolvimento a alunos surdos, esses precisam ser acolhidos em ambientes bilíngues, no qual circulem a Libras e a língua portuguesa. Essa condição particular não pode ser alcançada se o aluno surdo não tiver pares e educadores competentes em Libras para se relacionarem com ele e, nesse caso, se fosse permitida às crianças surdas a matrícula em escolas perto de suas residências, a implantação de classes inclusivas bilíngues se tornaria inviável tanto financeiramente quanto pela falta de profissionais e pares fluentes em Libras. (LODI; LACERDA, 2009, p. 19-20) De acordo com essas afirmações, a educação bilíngue não é tão simples de ser alcançada, pois depende de uma estrutura que vai muito além do AEE e da presença do TILS em sala de aula. Documentos do movimento surdo apontam a necessidade de: [...] ambientes linguísticos para a aquisição da Libras como primeira língua (L1) por crianças surdas, no tempo de desenvolvimento linguístico esperado e similar ao das crianças ouvintes, e a aquisição do português como segunda língua (L2). A Educação Bilíngue é regular, em Libras, integra as línguas envolvidas em seu currículo e não faz parte do atendimento educacional especializado. O objetivo é garantir a aquisição e a aprendizagem das línguas envolvidas como condição necessária à educação do surdo, construindo sua identidade linguística e cultural em Libras e concluir a educação básica em situação de igualdade com as crianças ouvintes e falantes do português. (BRASIL, 2014, p. 6) Portanto, há diferentes modos de pensar e organizar a educação bilíngue de surdos. É fundamental adequarmos a escolarização desses sujeitos às necessidades deles, buscando nas políticas educacionais e nos Estudos Surdos e Linguísticos as bases para melhor implementar a educação bilíngue. Recapitulando Vimos, neste capítulo, que há proposições nas formas de organização dos tempos e dos espaços na escolarização dos surdos: a escola comum e a escola bilíngue. Essas proposições posicionam os surdos e a língua de formas diferentes. Na política de inclusão, muitas vezes a Libras é posicionada como um recurso de acessibilidade. Prevalece a visão da educação especial na qual os surdos são compreendidos como deficientes. Na escola bilíngue, na qual prevalece a visão da diferença linguística e cultural dos surdos, eles são compreendidos como pertencentes a uma minoria linguística, sendo a língua de sinais primordial na constituição desses sujeitos. Fique de olho! Não cabe aqui afirmar qual é o certo e o errado, mas é necessário compreendermos que a maneira como entendemos o surdo e a surdez irão definir a educação que daremos a esses sujeitos e vice-versa.não existiram historicamente, e, quando passaram a existir, foram descritos por seus opostos, atribuindo-lhe como marca identificatória a incapacidade de ouvir, de comunicar-se, o defeito a ser corrigido, a patologia a ser curada. Os primeiros registros históricos sobre surdos remetem a passagens bíblicas e a escritos sagrados: “Quem deu uma boca ao homem? Quem fez o mudo e o surdo, o que vê e o cego? Não sou eu o Senhor? Vai, pois e eu serei na tua boca e te ensinarei o que hás de falar.” (Êxodo, 4:11-12). Para a tradição judaica, o surdo é considerado um anormal, mas ainda assim um filho de Deus, o que significa que está sob sua proteção. No antigo Egito, os surdos eram considerados seres enviados pelos deuses, por isso eram muito respeitados, mas por serem capazes de falar com os deuses eram mantidos em segurança, e não tinham uma vida social. Na Grécia Antiga, o direito de viver era concedido somente àqueles que eram considerados produtivos, o que na concepção da época não era atribuído ao surdo, já que era considerado incapaz de desenvolver linguagem e, por consequência, pensamentos, o que os impediria de aprender. Aristóteles faz menção à surdez em seus escritos, obviamente ressaltando a marca da deficiência e da incapacidade. Para Aristóteles, a educação só poderia ser obtida através da audição, sendo assim um surdo não poderia ser educado, conforme Quirós (1996). Ainda que possa ter ocorrido um problema de tradução das obras de Aristóteles, como defendem algumas correntes filosóficas, tal afirmação colocou em hibernação a possibilidade de acesso à educação dos surdos até o final da Idade Média. Sem acesso à educação, coube ao surdo viver à margem da sociedade, mendigando concessões: “Plínio, hablando Del arte de la pintura em Roma em su tratado La História Natural refiere el caso de Quinto Pódio, el nieto sordo del cónsul romano homónimo. Por ser descendiente de la família de Massala, el Imperador César Augusto le concedió la possibilidad de cultivar su talento artístico, pero no de cursar una carrera normal.” (SKLIAR, 1997, p. 17). O cristianismo promoveu uma certa mudança no trato com deficientes, portadores de limitações e outras minorias, já não considerados como impuros, mas seres inferiores que necessitavam da piedade e benevolência dos que aspiram à santidade. Os surdos, no entanto, não teriam acesso à salvação, já que por não serem capazes de falar não poderiam confessar seus pecados. Os primeiros registros acerca de educadores para surdos são do século XVI. O médico Girolano Cardano (1501-1576) é considerado o primeiro a defender o direito à educação dos surdos. Segundo Radutzky (1992), sua motivação deve-se ao fato de seu primogênito ser surdo. Porém, é na figura do espanhol Beneditino Pedro Ponce de Leon (1520-1584) que se encontrou a primeira metodologia sistematizada para a educação de surdos, que baseava-se na datilologia (representação manual das letras do alfabeto), na escrita e na oralização. Ponce de Leon ensinava latim, grego, italiano e conceitos de física e astronomia a surdos filhos de famílias nobres espanholas. Pode-se dizer que os surdos só tiveram acesso à educação em virtude de sua condição social: “Até 1760 apenas surdos provenientes de famílias abastadas tinham acesso à educação. Cada tutor desenvolvia sua própria práxis pedagógica e a guardava em absoluto segredo. Um segredo que, quando convertido em sucesso, conferia fama e muito dinheiro a quem o dominasse. Sucesso, por sua vez, que trazia em conseguir que o surdo escrevesse e lesse mais do que fazê-lo falar.” (SOUZA, 1998, p. 130). Outro nome bastante importante na história da educação dos surdos é o do abade francês Charles Michel de L’Épee (1712-1789), que pesquisou os sinais utilizados entre os surdos para comunicar-se combinando-os com a gramática francesa, dando origem aos sinais metódicos, o que não significa dizer que L’Épee tenha sido o criador da língua de sinais francesa. Na realidade, os surdos a desenvolveram, mas é através da defesa do abade que ela passa a ter credibilidade. L’Épee fundou ainda uma escola pública para surdos, em 1771, em sua própria casa, onde ensinava surdos pobres e ricos. Em 1785, o Instituto para Jovens Surdos e Mudos de Paris já atendia 75 alunos, um número expressivo para a época. A escola é responsável ainda pela formação de inúmeros professores surdos. Nessa mesma época, em 1750, surge na Alemanha Samuel Heinick, fundador da primeira escola pública utilizadora da metodologia oralista, que acreditava ser o ensino da língua oral o único meio de incluir o surdo na comunidade geral. O século XVIII é considerado o período mais fértil da educação de surdos: “Esse período, que agora parece uma espécie de época áurea na história dos surdos, testemunhou a rápida criação de escolas para surdos, de um modo geral dirigidos por professores surdos, em todo mundo civilizado, saída dos surdos da negligência e da obscuridade, sua emancipação e cidadania, a rápida conquista de posições de eminência e responsabilidade de escritores surdos, engenheiros surdos, filósofos surdos, intelectuais surdos, antes inconcebíveis, tornam-se subitamente possíveis.” (SACKS, 1997, p. 26) O professor americano Thomas Hopkins Gallaudet (1742-1822), em 1815, segue para Europa em busca de dados sobre a educação de surdos. Conhece o Instituto fundado por L’Épee e seu método manual de ensinar. Em 1817, auxiliado pelo melhor aluno da escola de L’Épee, Laurent Clerec, Gallaudet funda a primeira escola para surdos dos Estados Unidos, que adota como forma de comunicação uma espécie de francês sinalizado, adaptado, obviamente, ao inglês. É a partir de 1821 que se inicia o movimento rumo à ASL (Linguagem de Sinais Americana), ainda muito influenciada pelo francês sinalizado, mas somente em 1850 é que a ASL passa a ser utilizada nas escolas americanas. Ao mesmo tempo, as escolas da Europa começam utilizar a língua de sinais, promovendo, assim, uma enorme mudança no nível de escolarização dos surdos. Com isso, eles podem compreender com maior facilidade os conteúdos trabalhados nas disciplinas. A Universidade de Gallaudet, a primeira universidade nacional para surdos, é fundada em 1864, em Washington, nos Estados Unidos, tendo como reitor Edward Gallaudet, filho de Thomas Gallaudet. Fique de olho! Estima-se que em 1869 havia cerca de 550 professores de surdos, e que 41% dos professores de surdos eram surdos (LANE, 1989). Embora fosse comprobatório o desenvolvimento intelectual dos surdos alcançado pela utilização da língua de sinais, o método oralista fortaleceu-se muito em função do avanço tecnológico que potencializava o aprendizado da fala pelo surdo. Embalados pelo entusiasmo da possibilidade de aprendizado da língua oral, muitos profissionais defendiam, e até hoje defendem, que a língua de sinais é prejudicial ao aprendizado da língua oral. Alexander Graham Bell, pesquisador muito conhecido premiado pela invenção do telefone, é também uma das figuras significativas na defesa do oralismo, pois afirmava que a língua de sinais era inferiorà língua oral e não contribuía para o desenvolvimento intelectual dos surdos. Exerceu forte influência na votação do Congresso Internacional de Educadores Surdos, em 1880, na cidade de Milão, onde os surdos foram impedidos de votar na metodologia que seria utilizada em sua educação. Sem a participação dos surdos, estabeleceu-se que o método de ensino utilizado na educação de surdos seria o oralismo, tornando oficialmente proibido o uso da língua de sinais. Proibir o uso da língua natural de um povo significa muito mais do que não utilizá-la, significa extinguir de forma violenta e silenciosa a identidade cultural de uma comunidade inteira, pois a língua é um importante facilitador de compreensão entre os seres humanos. As palavras e os termos de um idioma expressam muito mais do que o nome das coisas. O significado carrega em si toda a história de um povo, seus valores éticos, suas crenças, mas, sobretudo, sua cultura. Concentrados todos os esforços no ensino da língua oral, as demais disciplinas componentes do currículo escolar foram postas em segundo plano, provocando uma significativa queda no nível de escolarização, deixando marcas profundas no desenvolvimento linguístico e cognitivo dos surdos. Fique de olho! Estima-se que em 1869 havia cerca de 550 professores de surdos, e que 41% dos professores de surdos eram surdos (LANE, 1989). Em resposta à tentativa de “adestramento” imposta pelos ouvintes – justificada através do discurso científico –, os surdos começam a organizar-se em associações para defender sua língua, sua cultura r seu desenvolvimento. Até a publicação das pesquisas de Stocke, na década de setenta, o oralismo imperou em todo o mundo. Stocke procurou demonstrar que a ASL era uma língua com todas as características da língua oral, o que suscitou inúmeras pesquisas na área. Promoveu, assim, o retorno da língua de sinais e outros métodos manuais ao contexto escolar. Em 1968, surge a Filosofia da Comunicação Total, e, a partir da década de oitenta, o Bilinguismo. O “surgimento” do surdo brasileiro Os surdos brasileiros também possuem sua história, que inicia “oficialmente” em 1855, com a vinda do professor surdo Hernest Huet, francês que, a convite do imperador D. Pedro II, inicia um trabalho com duas crianças surdas, custeado pelo governo. Em 26 de setembro de 1857, é fundado o Instituto Nacional de Surdos Mudos, que posteriormente passou a chamar-se de Instituto Nacional de Educação dos Surdos - INES. Inicialmente, esse instituto utiliza a língua de sinais como língua oficial, mas seguindo a tendência mundial referente à decisão do Congresso de Milão, em 1911, opta pelo oralismo em toda a sua grade curricular. Ainda assim, a língua de sinais permaneceu em sala de aula até 1957, quando é proibida oficialmente pela diretora Ana Rímola de Faria Doria. Em um ato de revolta, os alunos continuavam a se comunicar em sinais pelo pátio e corredores da escola. Fique de olho! A Comunicação Total chegou ao Brasil somente no fim da década de setenta, através de Ivete Vasconcelos, educadora da Universidade Gallaudet. As pesquisas do linguista Willian Stoke sobre a língua de sinais americana serviram como base para estudos em linguística na Europa e no Brasil. O bilinguismo chega na década de oitenta, através das pesquisas da professora linguista Lucinda Ferreira Brito sobre a língua de sinais utilizada em uma aldeia indígena da Amazônia e a língua de sinais utilizada pelos surdos dos centros urbanos. Grande parte das conquistas da comunidade surda são resultados das lutas e reivindicações articuladas nos movimentos de surdos. As associações e clubes de surdos do país são espaços de socialização, constituição e discussão da cultura surda e de seus artefatos. Fique de olho! As associações inicialmente pensadas para dar assistência e informações aos surdos se constituem, ainda hoje, em um espaço político, onde articulam-se as lutas de uma comunidade local. A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – FENEIS, fundada em vinte e cinco de novembro de 1988, sob a presidência de uma mulher, Ana Regina e Souza Campello, nasceu para mostrar a capacidade dos surdos em organizar-se para lutar e pensar propostas de educação, defender sua identidade e divulgar a cultura surda e lutar pelos direitos de surdos brasileiros. A sede nacional está no Rio de Janeiro e possui regionais em vários estados do país. O dia do surdo, comemorado no dia 26 de setembro, data da fundação da primeira escola de surdos no Brasil, é uma conquista para a comunidade surda brasileira, pois representa, simbolicamente, o reconhecimento de sua cidadania, da luta organizada de um grupo minoritário e não de deficientes. É válido dizer que mesmo participando da experiência visual do mundo, nem todo surdo é igual, haverá diferenças dentro da comunidade surda, visto que a subjetividade é um fator a ser considerado, pois está relacionado aos pensamentos que temos de nós mesmos sobre quem somos. No entanto, cabe lembrar que o fato de os surdos e surdas terem uma inserção tardia na comunidade sua subjetividade é determinado, inicialmente, no mundo ouvinte, o que pode gerar marcas profundas. “As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com o maior ou menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural também surge aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o indivíduo representa a si mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, da menos valia social.” (PERLIN apud STROBEL, 2009. p. 27). A língua portuguesa representou por muito tempo um símbolo da cultura ouvinte e um instrumento de colonização do surdo, quando imposta pela maioria dominante como o modelo a ser alcançado na busca por uma normalização. Em 2002, depois de muitas lutas, conseguiu-se a conquista da homologação da Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, também conhecida como lei de libras, que reconheceu a língua de sinais como língua da comunidade surda brasileira, e que garante o direito de seu uso em todos os espaços. Com o intuito de regulamentar a lei de libras, em dezembro de 2005 é publicado o Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. De forma geral, o decreto discorre sobre vários itens, entre eles: a definição de pessoa surda; a colocação de Libras como disciplina curricular obrigatória e a ampliação dos cursos que a ensinem, e, em alguns casos, a opção nos cursos; a formação do professor e do instrutor de Libras; exames de proficiência e outras avaliações; medidas para difusão e uso de Libras e Língua Portuguesa como forma de dar ao surdo acesso à educação; a formação do tradutor/intérprete de Libras/Português; a garantia dos direitos dos surdos à educação e à saúde; o papel do poder público no apoio à difusão daLibras; o controle do orçamento público e o controle do uso e difusão das medidas legisladas. O surdo passa a ser Surdo, e não mais deficiente. TEMA 2 - LIBRAS ESTUDO DA LÍNGUA DE SINAIS: LINGUÍSTICA Sócio-interacionismo: uma ferramenta de análise para compreender o processo de comunicação na surdez A surdez é o objeto de estudo de muitos pesquisadores. As dificuldades oriundas dessa limitação têm despertado o interesse de várias linhas de pesquisa. Para a grande maioria dos pesquisadores dessa área, o problema mais significativo, para a pessoa surda, está na aquisição da linguagem. Pelo fato de, em geral, ela se dar de forma tardia, acarreta problemas psicológicos, sociais e cognitivos: o que significa dizer que a linguagem, então, possui uma função muito mais abrangente do que simplesmente a de comunicar. Vygotsky e Bakhtin fazem um estudo da linguagem a partir da ótica social e sobre a influência do meio social no desenvolvimento cognitivo do indivíduo, que é a chamada psicologia sociointeracionista. Consciência e ideologia: uma questão de linguagem? Contrariando o subjetivismo idealista, que parte do ato da fala como criação individual, e o objetivismo-abstrato, que parte das regras gramaticais determinadas pela sociedade e não pelo indivíduo, portanto ele não pode modificá-la, apenas utilizá-la, Bakhtin objeta seus estudos sobre aquisição da linguagem nas relações interpessoais e no meio social no qual a pessoa participa. “A consciência humana não só nada pode explicar, mas, ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social”. (BAKHTIN apud GOLDFELD,1990 p. 46) Para Bakhtin, há uma relação inseparável entre o psiquismo (individual) e ideologia (social). A ideologia é responsável pela construção da consciência individual. O indivíduo, ao atuar na sociedade, o faz com suas marcas individuais que, por sua vez, se originaram no meio social. Essas relações sociais constituem o indivíduo que se utiliza da linguagem e dos signos para comunicar-se tanto no diálogo exterior quanto no interior (pensamento). Nesse sentido, o meio social passa a existir a partir da consciência individual que, por sua vez, existe a partir do social. Sendo assim, a língua não só é determinada pelo meio social e pelo momento histórico, como reflete as características sócio-históricas da comunidade que a utiliza. Ou seja, a maneira de falar, o valor atribuído às palavras e toda a subjetividade são determinados pelo momento sócio-histórico em que o indivíduo se desenvolve. Os signos são os mediadores da internalização da relação ideológica-psíquica, uma vez que o homem internaliza o símbolo, o semiótico, a linguagem. “Os signos só emergem decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e outra. E a própria consciência individual está repleta de signos. A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação verbal.” (BAKHTIN apud GOLDFELD, 1990, p.49) Então, como ocorre o desenvolvimento da consciência nos surdos que não têm acesso à língua de sua comunidade? Para Bakhtin, os signos não se restringem única e exclusivamente à fala oral. Todo e qualquer meio pode servir como meio de utilização dos signos. O problema, então, não está no indivíduo que não ouve ou em seus ouvidos que não captam o som. O problema está no meio social em que o indivíduo está inserido. Num passado não muito distante, o surdo foi proibido de utilizar sua língua natural e, consequentemente, de viver sua própria cultura. Hoje, os surdos não são proibidos legalmente de se comunicar através de sinais, mas muitos surdos não têm acesso a um grupo social que utilize essa língua, permanecendo à margem da sociedade. O processo de aquisição da língua portuguesa, para um surdo, é muito lento e não se dá de forma natural, enquanto a Libras é adquirida de forma natural e espontânea e com ela todas as características culturais de sua comunidade. Pensamento e linguagem: bases para a comunicação Vygotsky desenvolveu suas pesquisas entre os anos de 1926 a 1936. Os estudos sobre a relação entre pensamento e linguagem existentes em sua época consideravam pensamento e linguagem uma mesma função, ou o seu extremo, totalmente independentes. Ele propôs que o estudo da relação entre essas funções seja feito a partir de sua unidade comum, pois assim há a conservação de todas as propriedades do todo, não havendo o risco de dividir sua estrutura a ponto de perder a noção do seu real funcionamento, evitando que se tenha uma visão reducionista dessas funções e suas relações. A unidade pertencente ao pensamento e a linguagem, segundo Vygotsky, está no significado da palavra. É nele que o pensamento e a linguagem se unem dando origem ao pensamento linguístico. Nesse sentido, a linguagem não tem apenas a função de comunicar, mas também de constituir o pensamento. Com isso, pode-se concluir que o processo de aquisição da linguagem para Vygotsky é o mesmo de Bakhtin, do meio social para o indivíduo. Segundo Vygotsky, “[...] o pensamento não é simplesmente expresso em palavras, é por meio delas que ele passa a existir.” (VYGOTSKY apud GOLDFELD, 1990, p. 53). Isso significa dizer que o meio social em que o indivíduo está inserido desempenha um papel importante e é nesse meio que se deve focar nossa análise nos casos em que há atrasos de linguagem. A criança surda que apresenta problemas de comunicação e cognição deve ser analisada pelo meio social que está inserida, pois é ele que não está lhe oferecendo condições de adquirir uma língua natural. “A natureza do próprio desenvolvimento se transforma do biológico para o sócio-histórico. O pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inato e tem propriedades e leis específicas.” (VYGOTSKY apud GOLDFELD, 1990, p. 54) Para Vygotsky, existem duas linhas de constituição do pensamento, a primeira é natural, biológica; e a segunda é sócio-histórica , mas é a segunda, a sócio-histórica, que exerce maior influência no desenvolvimento do pensamento. Em outras palavras, a linguagem utilizada no meio social modela a maior parte do pensamento, o que explica por que os surdos que não tiveram acesso a uma língua natural desenvolvem um tipo de pensamento mais concreto e possuem dificuldade em internalizar conceitos mais abstratos: um quadro difícil de ser revertido quando já se está na adolescência ou na fase adulta. Daí a necessidade de introduzir, o mais cedo possível, um ambiente que se utilize LIBRAS, assim, o surdo não estará apenas aprendendo a nomear objetos, mas estará fazendo o mais importante, constituindo seu pensamento ideológico, compreendendo desde os conceitos concretos, como mesa, casa, livro até conceitos puramente abstratos, como: eu, ética, metafísica. Aquisição da linguagem e desenvolvimento cognitivo O pensamento e a linguagem, no início da vida de um bebê, segundo Vygotsky, estão dissociados, por isso classifica essasfunções como linguagem não intelectual e pensamento não verbal. O recém-nascido, inicialmente, possui apenas reações instintivas (choro, balbucio...), que vão adquirindo significado à medida em que a mãe interage com ele. Ao amamentar o bebê após o choro, por exemplo, a mãe está fazendo com que ele adquira o significado de fome, assim, toda vez que sentir necessidade fisiológica de alimento, o bebê se utilizará do choro para dizer à mãe que está com fome, atribuindo ao choro uma função comunicativa com a mãe. O mesmo acontece com as tentativas de apanhar objetos distantes que, por não estarem ao seu alcance, a criança os aponta, comunicando ao adulto que os quer. Ações um tanto quanto simples, mas fundamentais, pois são o início de um processo mais complexo que apenas o ser humano domina e que lhe possibilita formas de raciocínio extremamente desenvolvidas: o da linguagem. A criança desenvolve sua fala a partir da fala da comunidade a qual pertence. Os adultos não só estimulam a comunicação da criança, mas também o seu desenvolvimento intelectual, ao ajudar na realização de tarefas que elas ainda não fazem sozinhas. A relação entre o psiquismo do adulto e o da criança dá origem ao desenvolvimento cognitivo que para Vygotsky é inter-psíquico. Em torno dos dois anos de idade, a criança passa a utilizar a fala social com a função de comunicação, que se desenvolve em dois sentidos: o primeiro se refere ao aumento da complexidade das estruturas linguísticas utilizadas na comunicação, e o segundo se refere à internalização, que é a substituição da fala do adulto pela sua própria fala na realização de tarefas. Dos dois aos seis anos de idade é comum as crianças falarem sozinhas enquanto brincam. Esse ato, denominado por Vygotsky como fala egocêntrica, marca o início da função cognitiva da linguagem de forma intrapsíquica, e pensamento e linguagem passam a ser interdependentes. A linguagem passa a organizar e orientar o pensamento da criança. A estrutura da fala egocêntrica, no início, é muito semelhante à da fala social, mas à medida que a criança se desenvolve essa semelhança vai diminuindo, pois a estrutura gramatical aos poucos vai sendo abreviada, e a criança se dá conta que o interlocutor da fala é ela mesma, por isso a fala egocêntrica é predicativa já que a criança sabe de quem ou a que está se referindo, e não há necessidade de mencionar o sujeito. Inicialmente, a fala egocêntrica é utilizada no fim da atividade, e isso ocorre em torno dos três anos de idade. A fala aqui se refere ao que já foi feito. Com o passar do tempo e o desenvolvimento da criança, sua fala passa a ser utilizada durante a atividade até que finalmente chega a antecedê-la, ou seja, nesse estágio a criança já é capaz de planejar, de maneira consciente, através de sua fala, suas ações futuras. Com o desenvolvimento da criança, sua fala egocêntrica vai sendo interiorizada, passando assim a utilizar a fala interior. Nesse estágio, a verbalização não se faz necessária, e a criança já consegue organizar suas atividades, fazendo uso apenas do pensamento verbal. A fala interior difere da fala social uma vez que é composta por significados e generalizações, não se concentrando na expressão fonética. Como já mencionado anteriormente, a aquisição de linguagem é um processo que acontece do exterior para o interior. Tem seu princípio na fala social, passa para a fala egocêntrica até chegar à fala interior, que é a principal forma de pensar, também conhecida como pensamento linguístico. Ao afirmar que a linguagem além da função comunicativa também tem a função de organizadora e planejadora, está se afirmando também que as crianças surdas que sofrem atraso de linguagem estão em desvantagem em relação às crianças que adquirem linguagem de forma natural. A aquisição de linguagem é a principal responsável pelo desenvolvimento cognitivo da criança e toda a cognição é determinada pela linguagem que, por sua vez, é influenciada e determinada por questões culturais e socioeconômicas. De fato, a necessidade de comunicação do ser humano é tamanha que, ainda que uma criança surda desconheça a língua de sinais e a língua oral, seu convívio social permite que ela simbolize e conceitue, e de alguma forma, se comunique. Mas sua comunicação será muito limitada, pois não possui acesso a todas as informações e assuntos que os ouvintes têm. Sua compreensão se restringirá ao presente, sendo-lhe quase que impossível compreender o passado, o futuro e os assuntos abstratos. Ao permanecer vinculada ao concreto, suas funções organizadora e planejadora da linguagem não se desenvolvem de forma plena e satisfatória. Formação de conceitos O conceito está ligado à capacidade de generalização, de categorização das palavras. O significado é mutável e se modifica à medida que o indivíduo se desenvolve, mas não significa dizer que a generalização e a abstração se modificam. A palavra pode nomear diversos objetos para uma criança e por isso se utiliza, normalmente, do auxílio de gestos para que o interlocutor a compreenda. Ao falar água, por exemplo, a criança pode estar se referindo à água que está vendo em um aquário ou piscina, ou ainda pode estar afirmando que está com sede. Para que o adulto a compreenda, ela certamente apontará para um copo e falará água, o que significa estar com sede. Pode-se concluir que o pensamento conceitual não é algo inato, pelo contrário, para chegar até ele a criança precisa passar por um processo que dependerá muito da participação do adulto, uma vez que a criança sozinha não é capaz de inventar conceitos: o que significa dizer que suas relações sociais serão muito importantes nesse processo, pois é através dos conceitos de sua família e de sua comunidade que a criança passa a formar a sua maneira de pensar. O início do processo de categorização é marcado pela percepção das semelhanças, algo não tão simples, pois envolve um certo grau de abstração em que a criança precisa separar as características dos objetos, compará-las e ser capaz de reconhecer as semelhanças. Ao longo do seu desenvolvimento, a criança categoriza os objetos de diversas formas. Vygotsky salienta três etapas desse processo: Na primeira, a criança não procura semelhanças, mas simplesmente agrupa objetos de forma aleatória. Na segunda etapa, a criança já utiliza alguns critérios para o agrupamento, porém esses critérios ainda não são subjetivos ou lógicos, mas apenas concretos e fatuais. Vygotsky denomina essa fase como pensamentos complexos, em que as palavras possuem um significado muito amplo, como no exemplo da água, citado anteriormente. No final do estágio de pensamento por complexos, a criança já possui fala semelhante a do adulto, porém os significados das palavras ainda diferem bastante, pois ela ainda não é capaz de perceber as relações lógicas entre os conceitos.Nessa etapa, a criança inicia seu processo de abstração quando consegue agrupar objetos com maior semelhança. Esse estágio precede os conceitos verdadeiros, onde a criança só chega após ser capaz de abstrair, de se desvincular do concreto, de sintetizar e de analisar. “Um conceito só aparece quando os traços abstraídos são sintetizados novamente, e a síntese abstrata daí resultante torna-se o principal instrumento do pensamento.” (VYGOTSKY apud GOLDFELD, 1997 p. 66) Cada conceito é uma generalização que, relacionados entre si, formam uma relação de generalizações, que por sua vez, não são percebidas pela criança na fase dos complexos, pois ainda não são capazes de perceber a hierarquia existente entre os conceitos de flor e rosa. O sistema conceitual do indivíduo é formado quando ele é capaz de perceber as relações de generalidade entre os conceitos, sendo capaz de elaborar novos conceitos sem necessariamente estar ligado a uma situação concreta. Seus conceitos surgem de outros já conhecidos. Conceitos generalizados como roupa, moradia, mobília, marcam um avanço muito grande no desenvolvimento da criança e demonstram que ela já está estabelecendo relação entre eles. Mais do isso, já está sendo capaz de libertar-se do concreto, podendo falar de tempo e espaço não alcançados por ela. Daí a dificuldade em conversar com crianças surdas, em português, sobre assuntos que não estejam relacionados ao ambiente em que ela e o interlocutor estejam. Em geral, o adulto, diante dessa dificuldade, evita falar sobre assuntos abstratos com a criança surda, impossibilitando que ela venha a desenvolver o domínio desses conceitos. Por isso, a criança surda, muitas vezes, fica restrita a níveis de generalizações concretas, apresentando grande dificuldade em perceber a relação existente entre palavras hierarquicamente relacionadas como: ser vivo – vegetal – flor – margarida. Muitas vezes, considera-os como equivalentes, não sendo capaz de utilizar generalizações do tipo seres vivos e vegetais. Para Vygotsky, adquire-se os conceitos de duas formas: do dia a dia, da experiência concreta, que são os conceitos espontâneos, e não na escola, que é responsável por boa parte dos conceitos aprendidos de maneira formal. Esses são chamados de conceitos científicos, e são aprendidos através da explicação e de outros conceitos que a criança já domina. Os dois tipos de conceitos fazem parte de um sistema onde um impulsiona o desenvolvimento do outro. Libras: o estudo da sua estrutura linguística Para entender o status linguístico da Libras, precisamos refletir primeiramente sobre o que significa estudar uma língua. Podemos estudar uma língua por meio do conhecimento de sua estrutura. Dessa maneira, busca-se encontrar padrões de organização dentro da língua, bem como similaridades entre os padrões encontrados dentro de uma língua com outras línguas. As línguas de sinais nos oferecem, nesse sentido, uma particularidade interessante. Diferentemente das línguas orais, ela se faz presente na modalidade visoespacial. Isso significa que sua articulação acontece de forma visual e que os interlocutores usam o espaço ao seu redor como processo natural de comunicação. O estudo linguístico, quando pelo viés da forma, ocupa-se normalmente das seguintes categorias: fonologia, morfologia, semântica e pragmática. As línguas de sinais, incluindo a Libras, são analisadas de acordo com essas categorias de análise. A seguir, serão descritos alguns dos resultados principais desses estudos, juntamente com algumas reflexões sobre como esse conhecimento pode ajudar no que diz respeito ao aprendizado da Libras. Fonologia Embora possa parecer estranho encontrar a fonologia dentro dos estudos de uma língua sinalizada, as pesquisas encontraram paralelos interessantes que nos mostram como línguas como a Libras possuem uma arquitetura e organização semelhante, mesmo no nível fonológico. A fonologia é originalmente considerada como o estudo da relação entre os sons de uma língua com a distinção de sentido. Esse conceito foi estendido também para as línguas de sinais. Mais especificamente, o aspecto que permite pensarmos em uma fonologia da Libras, por exemplo, diz respeito ao estudo dos pares mínimos de uma língua. Esses são os fonemas ou sons que individualmente não provocam diferença de sentidos, mas que, quando comparados com os de outras palavras, ocasionam a mudança de sentidos entre elas. Podemos tomar como exemplo os fonemas das palavras pala e mala. A diferença está no primeiro fonema, portanto, ele é contrastivo. A Libras também produz sinais a partir do mesmo princípio fonológico. Para entender como isso se dá, precisamos primeiramente entender como se dá a construção de um sinal. O princípio básico está no seguinte padrão de organização: Ainda existem alguns aspectos importantes na formação do sinal chamados de expressões não manuais, que podem incluir a expressão facial, a direção do olhar, entre outros. É importante que se lembre desses parâmetros básicos para a formação do sinal, visto ser comum os estudantes de Libras cometerem erros na sua articulação por falta de consciência de sua organização. Portanto, os três primeiros parâmetros mencionados, configuração de mão, locação e movimento são responsáveis pela articulação do sinal. Assim como em línguas orais como o Português, a troca de um parâmetro da articulação acarreta na mudança do seu sentido. Isso é observado em pares de sinais realizados de forma quase idêntica, a não ser por um parâmetro. Por exemplo, podemos notar a diferença entre os sinais DESCULPA e VERDE. Os dois sinais podem ser realizados no mesmo local e com o mesmo movimento, porém com a configuração de mão diferente. A partir dos estudos com línguas de sinais, o conceito de fonologia então passa a ser compreendido como o estudo das unidades mínimas sem sentido em uma língua e como a sua mudança pode causar a mudança de sentido de uma palavra. Na prática, esse conhecimento é importante para que se aprenda a diferenciar os sinais tanto no momento em que se percebe a sua formação como no momento em que se precisa produzi-lo. A mudança de um dos seus parâmetros pode mudar o sentido ou fazer com que o sinal fique completamente incompreensível. O sinal em Libras também pode ser compreendido pela sua morfologia. A seguir, serão dados alguns exemplos de organização morfológica da Libras. Morfologia A Libras também se organiza de acordo com padrões estudados da morfologia. Esta área do estudo linguístico se ocupa das unidades mínimas responsáveis por sentidos específicos, e são assim importantes para a produção do léxico, ou seja, o seu conjunto de sinais. Por meio dos estudos morfológicos, podemos entender quando uma palavra designa o feminino, como em menina; o masculino, como em menino; o singular ou o plural, pela presença ou ausência de s. Além desses casos, também há estudos sobre quando esse mesmo padrãonão é obtido dentro do léxico de uma língua. A seguir, você poderá compreender como alguns desses aspectos são marcados em Libras. Gênero em Libras A Libras também tem uma forma para marcar o gênero masculino e feminino quando necessário. O sinal MULHER e HOMEM normalmente é utilizado para os casos onde o sinal anterior não marcar gênero. Um bom exemplo é o sinal PRO- FESSOR, que em si não marca gênero, e isso pode ser sucedido pelo sinal HOMEM ou MULHER. Número em Libras A organização das informações por número indica se o referente de um enunciado é singular ou plural. A Libras possui alguns mecanismos para a disposição de informações nesse sentido. A repetição do sinal no espaço em frente ao sinalizador é um exemplo desse mecanismo. Quando se busca o que em Português seria o plural da palavra casa, um sinalizador faria a repetição desse sinal no espaço. A sintaxe da Libras A sintaxe é a área de estudos linguísticos que analisa como as frases são organizadas. A diferença mais significativa na forma como a Libras organiza as suas frases está no uso da modalidade visoespacial. Enquanto as línguas orais auditivas usam o aparelho fonador como articulador principal, as mãos são o principal meio de línguas como a Libras. Assim, elas podem articular o seu discurso no espaço a sua frente, fazendo relação aos referentes. A isso se chama campo anafórico. A consciência da forma como a Libras organiza a suas frases é importante para quem vai começar a aprender a se comunicar com surdos. É comum esperar que eles façam as suas frases na mesma estrutura do Português, mas isso não corresponde à realidade das línguas, visto haver diferentes formas de organização sintática. O aprendiz deve conhecer mais sobre como as frases são feitas para poder melhorar a sua comunicação. Uma dica interessante é prestar atenção no tipo de verbo utilizado, e um exemplo são os verbos direcionais. Esse tipo de verbo utiliza o espaço à frente do sinalizador e faz com que a configuração de mão percorra uma trajetória. Assim para dizer “Eu avisei a você”, é necessário usar o sinal AVISAR e direcioná-lo ao interlocutor à frente e, para dizer o contrário, “Você me avisou”, você deverá fazer o caminho inverso, trocando não somente a direção do sinal, mas a orientação da mão, invertendo-a. Semântica e pragmática Assim como nas línguas orais, as línguas de sinais também possuem padrões de organização semântica e pragmática. Quando se estuda a semântica de um sinal ou de uma palavra, o objetivo maior é compreender que sentidos podem haver dentro de uma frase. Por outro lado, quando associamos a nossa busca ao contexto onde ela é dita, estamos colocando a pragmática. Um exemplo clássico acontece quando alguém, em uma sala, pede para outra pessoa fechar a janela devido ao frio. Isso pode ser dito diretamente como em: “por favor, fecha a janela”. Ou então pode ser dito por meio do contexto pragmático, olhando para a janela e dizendo: “Está frio hoje, não”. A outra pessoa pode entender que deve fechar a janela, mesmo que dentro do enunciado não haja a palavra frio ou fechar. Esse sistema de organização também é visto em línguas sinalizadas como a Libras, o que implica na necessidade de buscar o sentido dentro do contexto e não apenas por meio da localização e uso de sinais individualmente. Outra questão semântico-pragmática que é importante lembrar ao se conhecer a Libras diz respeito à existência de sinais idênticos para sentidos diferentes. Esse é normalmente o caso do sinal LARANJA e SÁBADO. Os dois sinais são feitos com a mesma configuração de mão, locação e movimento. O sentido pode normalmente ser visto no contexto da interlocução. Isso nos remete para importantes questões frequentemente levantadas por alunos que estão começando a aprender a língua de sinais. Muitos argumentam que o sentido poderia ser único para evitar confusões e ser mais fácil o aprendizado. No entanto, é importante lembrar que a Libras se trata de uma língua natural e que, assim, ela passa por fenômenos semelhantes a elas, sejam da modalidade oral como o Português ou outra língua na modalidade sinalizada. O léxico da Libras Quando falamos do léxico da Libras neste capítulo, estamos tratando do conjunto do vocabulário que essa língua usa para propiciar a comunicação. Esse pode ser composto por sinais já estáveis na língua, isto é, sinais já presentes e conhecidos entre os seus usuários. Por outro lado, também há a possibilidade de produção de novo vocábulo, como já mencionado. É comum alunos questionarem se esse processo deveria ser acelerado ou, então, controlado para fins de universalização. É importante lembrar novamente que isso não pode e não deve ser contido, visto a Libras não ser uma língua artificial. Por outro lado, a criação de novos sinais depende do conhecimento que os indivíduos possuem das regras de formação de sinais, bem como da sua experiência linguística, educacional e de trabalho, entre outras. O léxico da Libras também pode fazer uso de elementos do Português, como o alfabeto manual. A isso chamamos empréstimo linguístico. O alfabeto manual, também chamado de datilológico, corresponde às letras do alfabeto. É comum pensar que esse alfabeto corresponde a todos os sinais utilizados pelos surdos, ou que para se comunicar com os surdos basta simplesmente usá-lo soletrando cada letra do alfabeto manual. Isso pode ser complicado para a sua comunicação. Os surdos que usam a Libras possuem um vocabulário próprio dentro da sua língua de sinais. As palavras do Português correspondem ao vocabulário de outra língua, e os surdos podem não ter tido acesso a esse vocabulário. O fato de os surdos compartilharem a identidade de brasileiros e conviverem entre textos escritos em Português não significa automaticamente que eles tenham conhecimento pleno do vocabulário dessa língua. Para que a comunicação aconteça com qualidade, é importante respeitar o vocabulário do léxico da Libras, aprendendo os seus sinais e utilizar o alfabeto manual para momentos onde não houver um sinal comum, respeitando o fato de a palavra não ser do léxico da língua de sinais. Variação linguística da Libras A variação linguística é o processo pelo qual as línguas mudam ao longo do tempo ou de uma determinada região em comparação com outra região. Na Libras, também é possível encontrar o fenômeno da variação linguística. Por exemplo, o sinal PESSOA utilizado no estado do Rio Grande do Sul não é o mesmo encontrado em outras regiões do Brasil. Enquanto no Rio Grande do Sul esse sinal é articulado no tórax do sinalizador, em outras partes do Brasil esse conceito é sinalizado na região superior da cabeça. Para que se conheça a língua, é importante aprender a respeitar a sua variação sociolinguística. Isso não significa que se deva aprender todas as formas de um sinaljá de início. Um lugar interessante para se conhecer a variação linguística da Libras é a internet. O site Youtube contém vídeos de diversas partes do Brasil. Em se tratando de línguas de sinais de outros lugares do mundo, o site também é um ótimo lugar para a busca. No entanto, é importante usar de critérios para a busca e o conhecimento de línguas de sinais na internet, visto que o aluno pode estar aprendendo uma variação que não pertence a sua região. A orientação de um profissional do ensino da Libras é importante para que se possa aproveitar da melhor maneira o conhecimento disponibilizado em vídeos na internet. TEMA 4 - LIBRAS BILINGUISMO Bilinguismo e o Bilíngue Compreender o que é o bilinguismo e principalmente quem é o bilíngue é fundamental para iniciar os estudos sobre a Libras. O sujeito surdo, usuário de Libras, é um sujeito naturalmente bilíngue quando nascido em uma família de ouvintes e que tem em seu próprio lar duas línguas, sendo a Língua Brasileira de Sinais sua primeira língua e o Português Brasileiro a segunda. Para muitos, o bilinguismo é algo já estabelecido onde existe uma pessoa que sabe duas línguas; para outros, o bilinguismo é ter proficiência nas duas línguas. Por esse motivo, o conceito do bilinguismo será revisado por nós, já que é um conceito de um fenômeno complexo e que a literatura o apresenta com diferentes formatos. Nas primeiras pesquisas registradas, em 1923, Saer apresenta que o bilinguismo é algo ruim, que acarreta prejuízo cognitivo e de aprendizagem. Ao mesmo tempo, pode ser bom para as pessoas, já que aumenta a tolerância e a habilidade de adaptação, conforme relatam Kielhöfer e Jonekeit, em 1983. Na busca ainda de compreender o fenômeno do bilinguismo, Titone, em 1972, publicou um estudo em que observa o papel do bilinguismo na sociedade, visualizando o quanto somos bilíngues e como utilizamos essas línguas. Considerar os estudos anteriores é necessário, já que as pesquisas de Mackey (1972) corroboram com os estudos atuais de bilinguismo surdo. Mas o que é um bilinguismo surdo? Vamos explorar mais adiante essa ideia. Nesse momento, continuaremos com a proposta de Mackey (1972), que considera o sujeito bilíngue como aquele que alterna duas ou mais línguas, ou seja, que usa duas ou mais línguas conforme a necessidade de comunicação. Ele estabelece que, conforme o uso, existem medidas e graus para o mesmo. Portanto, Mackey (1972) propõe que o sujeito não pode ser bilíngue apenas por saber duas línguas, que o saber duas línguas seja o único requisito para ser bilíngue estaria equivocado. O bilinguismo deve ser visto como um todo, considerar o grau, função, alternância e interferência das línguas. Vejamos, o grau está relacionado ao quanto o sujeito conhece das duas línguas, tanto na produção quanto na compreensão da língua. Ou seja, o sujeito bilíngue poderá ter uma maior habilidade na escrita ou somente na leitura, ou nas quatro habilidades da língua (leitura, escrita, produção e compreensão). O item Função, para Mackey (1972), determina as finalidades de uso da língua, considera as circunstâncias em que são utilizadas as línguas pelo bilíngue, e a Alternância é a possibilidade de trocas de língua, essa possibilidade do bilíngue poder determinar a partir da função e do grau de conhecimento das línguas, o momento e com quem pode usar determinada língua. Como percebe-se, o bilíngue é um sujeito que pode ser mais proficiente em uma língua e menos na outra, já que pode escolher onde, quando e qual língua usar. Esse conceito de que o bilíngue não é altamente proficiente nas duas línguas é algo que podemos dizer ser recente, já que surge através dos estudos de Fischman (1972), e os estudos de Grosjean (1985, 1989) corroboram para que entendamos o que seria ser bilíngue. Nesses estudos, defende a concepção de domínios de uso da língua, desconsiderando a proposta de que, para ser bilíngue, o indivíduo teria que ser usuário de duas línguas da mesma forma. Enfatiza que existe sim diferentes níveis de uso das línguas considerando contextos e as necessidades de uso. Dessa forma, Grosjean (1994) inicia as discussões sobre a noção de “contínuo”. Esse conceito é uma variável importante para ser considerada na educação de surdos, já que o bilinguismo é peça fundamental para pensar a educação bilíngue. O contínuo pode ser compreendido em duas extremidades: a primeira seria de explicar sobre os bilíngues sem habilidade de alternar as línguas, mas que possuem uma proficiência baixa em uma das línguas em alguns contextos de comunicação; a segunda seria que o bilíngue possui habilidade de alternar as línguas em diferentes contextos e domínios de uso, portanto os bilíngues podem apresentar-se de formas diferentes a partir de suas experiências com as línguas. Fique de olho! Destaco que ser bilíngue não é ter dois monolíngues em uma pessoa, mas, sim, a habilidade de poder usar as línguas conforme a necessidade de comunicação que o contexto proporciona. Compreender a função de cada língua é essencial; por exemplo, o sujeito surdo tem um contexto específico, onde 95% das crianças surdas nascem em lares onde os pais são ouvintes e desconhecem a Libras (STROBEL, 2007). Nesse caso, o bilinguismo é imposto socialmente, já que a própria família é composta por pessoas que usam outra língua que não a sua. Nós ouvintes, quando desejamos, podemos fazer uma escolha de língua para o contexto de trabalho, outra para conversar com amigos, sendo que o uso de uma ou outra em contextos/situações diferentes pode ser definido por diversos fatores, e um desses fatores pode ter sido uma decisão pessoal livre. No caso dos surdos brasileiros, é uma escolha imposta sob a Lei Federal 10.436/2002, que estabelece que o surdo deve ser bilíngue, utilizando a Libras, e o português brasileiro na modalidade escrita como segunda língua. O contexto de aquisição das línguas é importante, podendo definir o quanto e como o bilíngue poderá utilizar as línguas, conforme Chin e Wigglesworth (2007). Os autores defendem que a aquisição das línguas sofre influência social, gerando a percepção que os bilíngues possuem do uso das duas línguas. Há duas formas de comunidades linguísticas, sendo a primeira endógena, onde a segunda língua é presente na comunidade; e, a segunda, a exógena, que é quando a segunda língua não está presente no contexto em que o indivíduo se insere. Por exemplo, quando a língua é utilizada somente na escola, poderá gerar um efeito sobre o grau de bilinguismo individual, já que a segunda língua não é utilizada diariamente e em diversos contextos. O surdo, nesse caso, é da comunidade exógena, pois a Libras é uma língua que não é amplamente utilizada nos meios de comunicação e pela sociedade como um todo. Outro ponto para pensarmos o bilinguismo é a idade de aquisição da Libras. Chin e Wigglesworth (2007) distinguem-se entre bilíngues precocese bilíngues tardios. Os bilíngues precoces são caracterizados por serem indivíduos submetidos a duas línguas antes da adolescência, ao passo que os bilíngues tardios são aqueles submetidos à segunda língua após a adolescência. Questões relacionadas à idade de aquisição seguidamente surgem nas discussões relacionadas ao bilinguismo, principalmente devido à forte associação que existe entre idade de aquisição e nível de proficiência na segunda língua. Há estudos que apontam para a ideia de que o bilinguismo precoce possa oferecer vantagens, principalmente no que se refere à aquisição de aspectos fonológicos da segunda língua. Por outro lado, existem estudos que defendem que os indivíduos maduros, os bilíngues tardios, estão em vantagem para adquirir a segunda língua de forma mais rápida do que crianças, por demonstrarem atitude, aptidão, motivação diferenciada e, principalmente, por compreenderem e analisarem as estruturas complexas das línguas. O que uma criança surda perde em aprender a Libras tardiamente? A resposta pode ser simples e complexa, já que quando adulta poderá aprender Libras e ter sucesso na sua aprendizagem. Mas o fato de não ter uma língua estabelecida e clareza na comunicação com seus familiares e com todos que o cercam poderá acarretar uma perda de informações de sua comunidade cultural, informações familiares, conhecer a si e aos que a rodeiam. Enfim, poderá ser uma pessoa estranha em um espaço familiar, já que não consegue demonstrar seus sentimentos de forma clara para com todos. Bilíngue Bimodal O sujeito surdo, usuário de Libras, como visto anteriormente, não nasce em lares bilíngues, os mesmos nascem na sua maioria em famílias que aprenderão a Libras junto com a criança surda, outras não aprenderam a Língua de Sinais, outras rejeitarão a Libras e optarão por um método oralista de comunicação, onde a criança surda fará leitura orofacial (leitura labial) para comunicar-se. Nesse cenário diverso, deve-se considerar que a educação de surdos começou no Brasil em 1857, com a criação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que inicialmente foi chamado de Instituto Nacional de Surdos-Mudos. E, logo em 1880, o Brasil participou do Congresso de Milão, onde se estabeleceu que a Língua de Sinais deveria ser proibida e que o método oralista fosse adotado em diversos países, incluindo o Brasil. O INES inicia, portanto, a proibição da Libras utilizando a oralização como meio de comunicação. Sem êxito, por volta da década de 80, inicia o método de Comunicação Total, que estabelece uma comunicação com diferentes meios, sendo uma mescla de Libras com oralização, podendo usar de mímica e qualquer outro recurso comunicativo. O método bilíngue começa a ser aplicado por volta do ano de 1986, surgindo a filosofia bilíngue na década de 90, que concebe o uso de duas línguas no espaço escolar para surdos, evidenciando a primeira língua, que é a língua de sinais (GOLDFELD, 1997). A alternância de línguas para os surdos brasileiros somente é possível quando sua escolarização é baseada verdadeiramente nos princípios de uma educação bilíngue de qualidade, que se responsabiliza pelo desenvolvimento linguístico e cognitivo do seu alunado, de forma a proporcionar a aquisição da língua de sinais como primeira língua e, por meio dela, o ensino dos conteúdos e a produção de conhecimento na escola, incluindo o ensino do português, na modalidade escrita. (SANTIAGO; ANDRADE, 2013, p. 160) O bilinguismo precisa ser discutido e tratado com muito cuidado, poderá ser a forma de conceituá-lo que poderá fazer a diferença. Vejamos que, para Swanwick (2000), existem três modalidades de língua presentes nos estudos de bilinguismo: (1ª) a modalidade oral-auditiva, que abrange as línguas orais; (2ª) a modalidade visual-gráfica, que compreende ao registro da língua; e (3ª) a modalidade visuoespacial, que abarca às línguas de sinais. Quando discorremos sobre bilinguismo, portanto, esse pode ser unimodal, quando se utiliza uma modalidade de língua, ou bimodal, no qual um indivíduo utiliza línguas de modalidades diferentes, sendo uma língua na modalidade oral-auditiva e a outra na modalidade visuo espacial. Que, no caso de surdos, o normal é o bilinguismo bimodal, por serem raras as situações em que o surdo estará em situação de bilinguismo unimodal (utilizando duas Línguas de Sinais). Fenômenos Linguísticos Existe o mito de que a Língua de Sinais é composta por mímica, gestos e que seria universal. De fato, são mitos, já que a Língua de Sinais é uma língua que possui uma gramática independente da língua de modalidade oral e cada país possui uma ou mais Línguas de Sinais. No Brasil, temos a Língua Brasileira de Sinais – Libras, que é uma língua urbana, usada nos grandes centros e nas cidades, e a Língua Urubu-Kappor, que é utilizada por índios surdos em aldeias em alguns estados brasileiros. A Libras possui algumas características peculiares, como, por exemplo, poder falar em Libras e Português Brasileiro ao mesmo tempo, já que outro bilíngue usuário de duas línguas na modalidade oral-auditiva não conseguirá produzir as duas línguas simultaneamente, visto que, na oralidade, os sons são produzidos em um mesmo espaço articulatório. Da mesma forma, não é possível que um bilíngue utilize duas línguas de sinais simultaneamente, pois as duas são da mesma modalidade, o que torna inviável produzi-las ao mesmo tempo. Entretanto, é comum vermos situações em que um bilíngue utiliza duas línguas de diferentes modalidades de forma alternada, podendo expressar-se em uma língua na modalidade oral-auditiva ao mesmo tempo que registra sua produção em uma modalidade visual-gráfica de outra língua. Vemos que a produção da fala em língua oral e em língua de sinais (LS) realiza-se de maneiras bem distintas. Nas LS, diferentemente das orais, a produção da fala articula-se de maneira externa ao corpo do falante, as partes do corpo é que se articulam e dão forma à língua. Nesse sentido, o falante torna-se fisicamente visível na produção da fala. Além disso, tem-se na produção das LS dois articuladores independentes e iguais – as mãos – as quais permitem uma diversidade de combinações e construções simultâneas. Portanto, se nas línguas orais os articuladores da fala são internos, ficando quase totalmente ocultos, nas línguas de sinais eles se destacam, sendo aparentes e explícitos. Assim, tanto a produção, quanto a recepção se dão de formas distintas nessas duas modalidades e isso tem implicações. (RODRIGUES, 2013, p. 129) É imprescindível registrar que falar o Português Brasileiro e Libras ao mesmo tempo é possível fisicamente, e é totalmente inviável cognitivamente produzi-las de maneira simultânea. Sendo duas línguas com gramáticas distintas, onde a estrutura sintática, o uso do verbo, a organização do discurso ocorre de forma diferente, faria o bilíngue eleger uma língua como dominante e a outra língua ficaria prejudicada, gerando prejuízo para uma delas. Contudo, devemos observar um fenômeno que pode ocorrer tanto em surdos