Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

TEMA 3 - LIBRAS 
 SINALIZAÇÃO 
 SINALIZANDO 
 Já abordamos, na unidade anterior, conceitos linguísticos importantes para 
 compreensão do que é a língua de sinais e para termos claro que essa é uma língua 
 com estrutura própria, semântica, sintaxe e léxico como todas as demais línguas 
 orais. 
 Um ponto importante que não podemos esquecer é que a língua de sinais não é 
 uma língua universal, logo possui uma regionalidade. Assim como as línguas orais 
 possuem expressões e termos específicos para cada região, a língua de sinais 
 possui expressões e termos utilizados pelas comunidades de surdos de cada 
 região. Isso acontece porque a libras é uma língua viva, e a cada dia seus usuários 
 criam novos sinais e conceitos a partir das demandas de seus usuários. Chamamos 
 esse fenômeno de variação linguística. 
 Fique de olho! 
 Por isso, é possível que alguns sinais aprendidos nesta unidade possam ser 
 diferentes dos sinais utilizados pelas inúmeras comunidades surdas espalhadas 
 pelo Brasil, já que somos um país com dimensões continentais. 
 O Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, primeira instituição dedicada 
 ao ensino de surdos no Brasil, disponibiliza em sua página da internet um dicionário 
 on-line de língua brasileira de sinais. 
 Fique de olho! 
 Mas lembre-se: para uma comunicação clara, é importante utilizar expressões 
 faciais, corporais, classificadores. 
 PARÂMETROS DA LIBRAS 
 Como vimos na unidade anterior, as pesquisas linguísticas apontam a existência de 
 cinco parâmetros na Língua de Sinais: configuração de mão, ponto de articulação, 
 movimento, orientação de palma e as expressões. 
 Configuração de mão 
 Ponto de Articulação 
 É o lugar no corpo onde acontecerá o sinal. Segundo Quadros e Karnopp (p. 57, 
 2004), “[...] o espaço de enunciação é uma área que contém todos os pontos dentro 
 do raio de alcance das mãos em que os sinais são articulados”. 
 Movimento 
 Nada mais é do que o movimento que é realizado pelas mãos da pessoa sinalizante 
 no espaço. É um parâmetro complexo que pode envolver formas e direções 
 diferentes (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 54). 
 Esse parâmetro também necessita de atenção, pois, ao alterar o movimento, 
 também pode ser alterado o significado do sinal. 
 Orientação de Palma 
 É para onde se mostra a palma da mão no momento da execução do sinal. 
 As expressões faciais e corporais possuem um papel importante nas línguas de 
 sinais, pois com elas indicamos: emoções, interrogações, afirmações, negações, 
 exclamações. Elas também indicam se estamos agitados, calmos, exaustos etc. 
 ALFABETO MANUAL 
 Também conhecido como alfabeto datilológico. É composto pelas 26 letras do 
 alfabeto manual. 
 Você deve ter percebido que as letras do alfabeto também estão inseridas nas 
 configurações de mãos que já estudamos. 
 Fique de olho! 
 É importante lembrar que o alfabeto manual possui uma função dentro da língua de 
 sinais, sendo muito utilizado para informar nomes próprios, palavras estrangeiras, 
 ou termos que não tenham equivalente em língua de sinais. 
 Destaco ainda que o alfabeto manual também varia de acordo com o país e a língua 
 de sinal. 
 Pronomes Pessoais 
 Os pronomes pessoais indicam quem está falando no discurso. Em geral, aponta-se 
 para o falante ou a quem está se dirigindo a palavra. 
 Pronomes Demonstrativos e advérbios de lugar 
 Assim como em Português, os pronomes demonstrativos e os advérbios de lugar se 
 referem às pessoas que estão emitindo o discurso ou que estão próximas ou 
 distantes deste. 
 Pronomes Interrogativos 
 Os pronomes interrogativos mais utilizados são: Quem? Que? Onde? Veja no vídeo 
 como são sinalizados. 
 Pronomes Possessivos 
 Tanto os pronomes possessivos como os demonstrativos e pessoais não fazem 
 marcação de gênero. Isso porque eles estão diretamente relacionados à pessoa do 
 discurso. Os pronomes possessivos mais utilizados são: Meu, Teu, Seu, Próprio. 
 TIPOS DE VERBOS EM LIBRAS 
 Segundo Quadros e Karnopp (2004), os verbos na língua de sinais brasileira estão 
 divididos nas seguintes classes: 
 a) Verbos simples: são verbos que não se flexionam em pessoa e número e não 
 incorporam afixos locativos. Alguns desses verbos apresentam flexão de aspecto. 
 Exemplos: Conhecer, amar, aprender, saber, trabalhar, gostar etc. 
 b) Verbos com concordância: são verbos que se flexionam em pessoa, número e 
 aspecto, mas não incorporam afixos locativos. São verbos que apresentam 
 direcionalidade e orientação, indicando assim o sujeito da ação, ou ainda o objeto 
 que sofre a ação. Pertencem a essa categoria os verbos: entregar, enviar, ajudar, 
 perguntar etc. 
 c) Verbos espaciais mais locação: pertencem a este grupo os verbos que 
 possuem afixos locativos. Exemplo: colocar, ir, chegar etc. 
 d) Verbos manuais ou Classificadores: de acordo com Quadros e Karnopp (2004, 
 p. 93), classificadores são "formas complexas em que a configuração de mão, o 
 movimento e a locação da mão podem especificar qualidades de um objeto". 
 Os classificadores possuem um papel importante na língua de sinais, pois 
 especificam tamanhos, formas e detalhes de objetos, coisas e acontecimentos. Por 
 vezes, um único classificador é capaz de traduzir um situação inteira. Exemplos: 
 Cortar o cabelo. Usa-se o movimento que se faz ao cortar o cabelo. Cair, utiliza-se o 
 movimento de cair em diferentes situações. 
 SINAIS ICÔNICOS 
 São aqueles sinais que reproduzem a imagem do objeto ou conceito sinalizado. Sua 
 execução nos permite visualizar o objeto. 
 Exemplo: Telefone e Casa. 
 SINAIS ARBITRÁRIOS 
 São aqueles sinais que não possuem semelhança com o seu referente, ou seja, sua 
 execução não nos faz visualizar o objeto sinalizado por semelhança imagética. 
 Exemplos: Errado e Certo. 
 SINAIS COMPOSTOS 
 São formados a partir da junção de um ou mais sinais, com o objetivo de criar um 
 conceito que possui relação com os sinais que unem, porém ganham um sentido 
 novo. Exemplos: unindo o sinal de Casa mais o sinal de Cruz, teremos o sinal da 
 Igreja. O mesmo pode se aplicar ao sinal de Casa associado ao verbo Estudar, 
 dando origem ao sinal de escola. 
 TEMA 1 - LIBRAS 
 HISTÓRIA DA SURDEZ 
 História da Surdez: o que contam sobre os surdos 
 Olhar o passado pode ser um recurso, como tantos outros, para se entender o 
 presente, questioná-lo e projetar o futuro. Mas antes de voltar nosso olhar para o 
 passado, é importante ter presente que o “passado oficial” da humanidade, a 
 história, enquanto registro científico, é determinada não simplesmente pelo fato em 
 si, mas pelo olhar daquele que o registra. Isso faz com que nenhum registro seja 
 neutro, há sempre uma intenção por trás do que é apresentado, o que é 
 determinado por um grupo, em geral dominante, responsável por definir o que deve 
 ser lembrado e como ser lembrado, e o que deve ser esquecido. 
 Quantos grupos, quantas tribos, quantos sujeitos, quantos nomes não integram o 
 corredor da história da humanidade? Quantos quadros de fatos importantes não são 
 disponibilizados na grande exposição da história oficial? Muitos, centenas, milhares, 
 não há como saber. Outros surgem em um determinado tempo e espaço, quando na 
 realidade sempre subsistiram, mas que só passaram a existir por reivindicação, por 
 organização política, por luta, mas que ainda assim são descritos e representados 
 conforme os olhos dominantes. 
 Com os surdos não foi muito diferente. Por muito tempo,como em ouvintes, o code-blending, conhecido como 
 mistura de códigos. Esse fenômeno, que é muito comum e se caracteriza pela 
 produção de duas línguas ao mesmo tempo, com sobreposição de uma à outra, 
 somente é possível por serem as duas línguas de modalidades distintas, sendo que 
 a estrutura sintática de uma das línguas ficará preservada (GROSJEAN, 2008). O 
 code-blending difere de outro fenômeno comum entre os bilíngues que dominam 
 duas ou mais línguas de modalidade oral-auditiva, o code-switching, nome dado à 
 inserção de palavras ou expressões de, por exemplo, duas línguas orais em uma 
 mesma frase, sendo que a estrutura sintática de uma das línguas é sempre 
 preservada (língua base) e algumas palavras ou trechos da frase são substituídos 
 por expressões da outra língua. 
 O fato de a modalidade das línguas Português Brasileiro e Libras ser distinta fica 
 evidente quando estudamos a gramática da Libras que, por sua vez, possibilita que 
 possamos compreender a estrutura de um signo (palavra) em Libras, bem como 
 uma frase estruturada nessa língua. 
 Considerações Finais 
 Ao final desta reflexão, é importante termos claro que não basta traçar uma linha 
 do tempo sobre a história da língua de sinais para compreender a surdez e sua 
 relação com a língua de sinais. É necessário um exercício de compreensão do 
 que é o sujeito bilíngue bimodal. 
 Fique de olho! 
 Nesse sentido, cabe relembrar que o bilinguismo bimodal é quando temos um 
 sujeito que utiliza duas línguas de modalidades diferentes, no caso do surdo, Libras 
 e Português Brasileiro. Portanto, é essencial buscarmos compreender que as 
 línguas são distintas e independentes, já que o bilíngue pode ter mais habilidade ou 
 conhecimento em uma língua que em outra. Assim, o surdo nem sempre será 
 proficiente da mesma forma nas duas línguas, podendo ser mais em uma que em 
 outra. 
 TEMA 6 - LIBRAS 
 PESQUISAS NA ÁREA DA SURDEZ 
 A PESQUISA NA ÁREA DA SURDEZ: REFLETINDO CONCEITOS 
 Quando D. Pedro II convidou o professor surdo Hernest Huet, em 1855, para deixar 
 a França e vir ao Brasil encarregar-se da educação de dois jovens meninos surdos, 
 talvez não tivesse em mente que, além da educação formal, estaria também 
 instituindo uma nova área do conhecimento que, ao longo da história, reuniria 
 inúmeros pesquisadores renomados e que por meio de suas investigações e 
 inquietações promoveriam não somente a produção do conhecimento como também 
 a mudança de concepções acerca da surdez e do sujeito surdo. 
 Os relatórios e documentos produzidos pelo Instituto sobre os processos e 
 metodologias de ensino, constituíram a base da educação de surdos no Brasil. Seus 
 documentos primários contém relatos importantes da criação de metodologias 
 específicas para o desenvolvimento educacional da criança surda. 
 Fique de olho! 
 Se na ocasião da fundação do Instituto a produção de conhecimento acerca da 
 temática era inexistente no Brasil, o mesmo não se pode dizer no século XXI. 
 Em um levantamento realizado no Banco de Teses da Capes, tomando como base o 
 período de 1987 a 2009, utilizando os descritores surdo e surdez, foram 
 encontrados 340 registros de dissertações e 105 de teses dos Programas de 
 Pós-Graduação do Brasil das Instituições de Ensino Superior, públicas e privadas, 
 que tem como objeto de pesquisa a surdez. 
 Os resumos foram analisados e classificados de acordo com as principais áreas do 
 conhecimento (seguindo o padrão do CNPq). 
 Isso nos possibilitou constatar que há uma grande concentração na área das 
 Ciências da Saúde, deixando as Ciências Humanas em segundo lugar no que tange 
 a pesquisas voltadas para a temática da surdez, tanto no nível de mestrado quanto 
 de doutorado. Isso pode explicar a grande influência do discurso clínico patológico 
 com relação aos sujeitos surdos na história. 
 Ao transpor os dados das tabelas para um gráfico comparativo, é possível visualizar, 
 de uma forma mais clara, a produção de cada área. Tendo sempre presente que o 
 número de mestres titulados é sempre significativamente maior ao de doutores, o 
 que explica a maior concentração de produção no nível de mestrado: 
 O levantamento permitiu ainda verificar que a presença das mulheres no universo 
 da pesquisa é superior a dos homens em praticamente todas as áreas, com 
 exceção das engenharias que, por tradição, concentra uma maior participação 
 masculina, no entanto não tão expressiva sobre a temática da surdez. 
 Tabela 2: Levantamento da produção por gênero e área do conhecimento. 
 A leitura dos resumos permitiu ainda classificar as temáticas mais pesquisadas em 
 cada área, bem como nos níveis de mestrado e doutorado: 
 Tabela 3: Levantamento das temáticas mais pesquisadas em nível de mestrado. 
 Cabe lembrar que as temáticas foram elencadas nas grandes áreas, o que pode 
 ocasionar algumas surpresas, como pesquisas sobre produção de sentido da 
 surdez, ou mesmo aquisição de linguagem e escrita, realizadas pela área da saúde. 
 Todavia, a área é composta por subáreas como psicologia e educação física, o que 
 nos ajuda a entender o interesse por temas mais próximos com a área das Ciências 
 Humanas, pois na grande maioria a área da Saúde concentra seus esforços em 
 identificar as razões genéticas da surdez, a cura da patologia ou mesmo sua 
 normalização através do uso de próteses auditivas ou mesmo o implante coclear. 
 Nas Ciências Humanas, a Educação de surdos, os processos de aquisição da 
 linguagem, a Libras, as Políticas de Inclusão, entre outros, são as temáticas 
 preferencialmente eleitas pelos pesquisadores, que na sua grande maioria são 
 pesquisadoras. 
 Tabela 4: Levantamento das temáticas mais pesquisadas em nível de doutorado. 
 Cabe ainda ressaltar que foram levantadas as temáticas e não necessariamente a 
 postura teórica metodológica utilizada pelos pesquisadores, nem mesmo a 
 concepção de sujeito surdo defendida nas pesquisas. 
 No entanto, cabe realizar um reflexão sobre alguns conceitos que estão presentes 
 em pesquisas realizadas na área, relacioná-los e entrecruzá-los a fim de 
 proporcionarmos uma reflexão mais profunda sobre a surdez, o sujeito surdo, seu 
 processo de constituição de identidade, sua subjetividade. 
 “EU SOU SURDO, CRESCI SURDO”: CONSTRUINDO AS IDENTIDADES 
 É possível afirmar que os sujeitos (homens, mulheres, surdos, ouvintes etc.) não 
 são naturais, no sentido de que haja uma essência que os defina. Pelo contrário, 
 são constituídos a partir dos discursos de determinadas áreas ou grupos detentores 
 da verdade. Dessa forma, é possível afirmar que as identidades também são 
 fabricadas a partir de sistemas simbólicos de representação. Ela nasce de um 
 oposto a ela, ou seja, a identidade é afirmada a partir do que é diferente ao modelo 
 definido. O que torna a diferença algo essencial na compreensão da identidade. No 
 processo de construção da identidade, outro fator passa a ser muito importante, que 
 é a cultura, uma vez que é a cultura ou as culturas que estabelecem os critérios de 
 classificação excluindo o que não lhe pertence. 
 A cultura pode assumir uma dimensão essencialista ao determinar as identidades. A 
 dimensão essencialista utiliza afirmações tanto históricascomo biológicas para 
 fundamentar suas postulações como verdadeiras. “O corpo é um dos locais 
 envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem nós somos, 
 servindo de fundamento para a identidade” (WOODWARD, 2007, p. 15). Mulheres, 
 surdos, crianças, negros e tantos outros tiveram suas identidades definidas e 
 fundamentadas historicamente a partir da biologia de seus corpos. 
 Muitas vezes, é através da observação do corpo que as pessoas surdas 
 percebem a sua diferença: 
 (...) descobri que eu era diferente das demais crianças, isso aconteceu durante uma 
 brincadeira de pau-a-pique (se é que existe essa brincadeira). Todas as crianças 
 ficavam de um lado da outra e uma determinada pessoa gritava: “já”, todos corriam 
 e batiam em um local escolhido e voltavam correndo e para minha surpresa eu 
 fiquei parada no mesmo lugar, levei um susto e pensei: O que aconteceu? Por que 
 eles correram e por que eu fiquei? (...) senti em meu corpo algo estranho e comecei 
 a procurar a diferença. Onde ela estava? Olhei para meu corpo dos pés a cabeça, 
 procurava olhar as pessoas também dos pés a cabeça (...) de repente numa cena, 
 onde um professor estava conversando com um aluno, eu parei, observei algo que 
 comigo não acontecia, quando uma pessoa fala, ela abre e fecha a boca e a outra 
 fica de boca fechada e quando essa acabar de falar a outra abre a boca. 
 (VILHALVA, 2004, p. 17) 
 Com a diferença, entra em cena outro conceito, o da representação: 
 A representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio 
 dos quais os significados são produzidos, posicionando-os como sujeitos. É por 
 meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa 
 experiência e àquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar. 
 (WOODWARD, 2007, p. 15) 
 Através das representações e seus discursos são estabelecidas as identidades 
 individuais e coletivas, bem como os lugares de onde os indivíduos podem falar e se 
 posicionar. A mídia é um bom exemplo de como se pode criar tais representações e 
 consequentemente definir identidades. Novelas, filmes e propagandas criam 
 conceitos de homem, de mulher, de homossexual, de mãe, de adolescente e de 
 tantas outras identidades que passam a ser definidas, muitas vezes, como únicas. 
 Significados produzidos que envolvem relações de poder, pois pode definir quem é 
 o incluído e quem é o excluído. A ciência, com o seu discurso de verdade 
 incontestável, determina as identidades dos indivíduos classificando-os por raça, 
 peso, capacidades, gênero etc. Nesse jogo de classificação, a identidade surda 
 raramente é atribuída a uma criança, principalmente quando esta nasce em uma 
 família de ouvintes: 
 Na verdade eu nasci surda, minha mãe pesquisou, mas não sabe a resposta certa. 
 Já fizemos muitos exames, mas não temos resposta, um médico falou que pode ser 
 alguma questão genética que aparece de gerações em gerações na família, mas 
 não temos como saber. Vai demorar para saber exatamente. Eu sou a única surda 
 na família. (Clara, surda) 
 Pertencer a uma minoria, para o surdo, é um sentimento que inicia no núcleo 
 familiar. Na grande maioria, os surdos pertencem a famílias de ouvintes, pode se 
 dizer que surdos filhos de pais surdos são uma raridade, e quando acontece é 
 comum que avós ou outros parentes interfiram na educação dessas crianças por 
 entenderem que seus pais não têm plena capacidade de educar um novo ser. 
 Aniversários, almoços, batizados e tantas outras celebrações familiares que, em 
 geral, são tidas como unificadoras para muitos surdos, são tão excludentes quanto à 
 escola dita inclusiva. 
 É comum mães e pais, influenciados pelo discurso clínico patológico, evitarem o uso 
 da língua de sinais, na tentativa de normalização de seus filhos, optando assim pela 
 leitura labial, no entanto, ao entrarem em contato com o mundo surdo e com a 
 língua de sinais, muitos surdos acabam se distanciando de suas famílias, pois 
 descobrem um mundo onde a surdez deixa de ser a marca de diferenciação para 
 ser a marca de identificação, de unificação entre os iguais. Fato este relatado por 
 Maria Valentina, que com quinze anos sai de casa, não como um ato de rebeldia, 
 mas para mostrar sua capacidade: 
 A vida é um pouco difícil, por que desde pequena, a minha família é grande, e eu 
 percebia que ficava um pouco sozinha, um pouco excluída, fora das discussões, 
 mas minha mãe sempre me incentivou e sempre me dizia: vai participa, aprende. 
 Com quinze anos eu fui buscar coisas, resolvi morar sozinha, meu irmão sempre me 
 ajudou, sempre se comunicou, ele não usa libras, é muito mais comunicação oral, 
 mas a gente sempre se comunica, eu percebo que sou um pouco afastada da 
 família, eu lembro que quando encontrei os surdos, eu percebi a diferença, minha 
 família tentou que eu usasse aparelho, e eu tentei usar um pouco, mas não 
 consegui me adaptar. Quando aceitei minha identidade surda, comecei a lutar e 
 mostrar para minha família que eu era capaz, que embora sozinha, eu podia entrar 
 na faculdade. 
 Mesmo nas famílias em que há uma maior compreensão da dimensão do ser surdo, 
 onde pai e/ou mãe entendem que a língua de sinais é importante para o 
 desenvolvimento cognitivo e social do filho, permitindo-lhe acesso à educação, 
 trabalho, cultura, etc. o uso da língua de sinais pela família em discussões, 
 encontros ou em um simples almoço não é uma realidade. Ao surdo, cabe 
 compreender o mundo de forma resumida. Enquanto uma criança ouvinte aprende 
 muitos conceitos abstratos através do simples convívio entre adultos, para um 
 surdo, que convive entre ouvintes que usam a libras apenas em momentos 
 esporádicos, para dar instruções simples, ou para dar um acesso limitado a 
 informação, é difícil entender coisas simples como não colocar o dedo na tomada ou 
 coisas mais complexas como evitar uma gravidez na adolescência: 
 Geralmente, quando se fala em preconceito, utilizam-se exemplos de grande 
 exclusão ou situações de exposição dramáticas e de grande expressão. No entanto, 
 o preconceito pode se manifestar de maneira tão sutil que é praticamente 
 impossível perceber sua força. 
 Inúmeras são as situações de preconceito relatadas por surdos e surdas do Brasil e 
 tantos outros países, independentemente de gênero, classe, sexo ou etnia. 
 Não existe um lugar determinado ou um grupo específico para a manifestação do 
 preconceito. O primeiro lugar de enfrentamento dessa situação, muitas vezes, é a 
 própria família que, por desconhecer a totalidade daquele que se apresenta 
 estranho, diante dos ditos normais, reproduz o discurso da incapacidade do 
 diferente: 
 (...) eu gosto de estudar, mas a minha família não esperava, não acreditava em 
 mim, no meu desenvolvimento, hoje eles ficam admirados, até agora, meus primos 
 não têm faculdade, na minha família, todos casaram tiveram seus filhos, eu também 
 casei tive minha filha, mas também faço faculdade, eles ficam admirados agora, 
 demorou para aceitarem. O preconceito acabou, mas, existiu sim. 
 (Maria Valentina - Surda) 
 Diante de tantas situações impostas pela sociedade ouvinte, surgem os movimentos 
 surdos, que são responsáveis por grande parte das conquistas da comunidade 
 surda. As associações e clubes de surdos do país são espaços de socialização,constituição e discussão da cultura surda e de seus artefatos. 
 As associações, inicialmente pensadas para dar assistência e informações aos 
 surdos, constituem hoje um espaço político, onde articulam-se as lutas de uma 
 comunidade local. 
 É notória a presença e participação das mulheres nos movimentos surdos. 
 Presentes não somente como associadas, fizeram-se atuantes como líderes e 
 presidentes de clubes, associações e federações pelo Brasil. 
 A CULTURA E O PERTENCIMENTO 
 O sentimento de pertencimento ao grupo está para além das fronteiras, o que une a 
 comunidade surda vai além da rua, do bairro, do município ou do estado. O que une 
 os surdos é a sua cultura. 
 Falar em cultura não é nada simples, já que não há um consenso entre os 
 pesquisadores, e muitos são os significados e as teorias existentes para o termo. Na 
 perspectiva pós-moderna, a cultura é concebida de uma maneira pluralizada, sendo 
 possível pensar múltiplas culturas dentro de uma mesma nação (EAGLETON, 
 2005). Para os pós-modernos, a pluralidade entrecruza-se com a autoidentidade. 
 A pluralidade amplia o conceito de cultura, admitindo a manifestação de grupos 
 culturais de diversas naturezas. Segundo Hall (1997), a cultura determina a forma 
 como vemos, compreendemos e explicamos o mundo. 
 As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da 
 cultura surda, elas moldam-se de acordo com o maior ou menor receptividade 
 cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge 
 aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o indivíduo representa a si 
 mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos 
 habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menos 
 valia social (PERLIN apud STROBEL, 2009. p. 27) 
 É válido dizer que, mesmo participando da experiência visual do mundo, nem todo 
 surdo é igual, haverá diferenças dentro da comunidade surda. Visto que a 
 subjetividade é um fator a ser considerado, pois está relacionado aos pensamentos 
 que temos de nós mesmos sobre quem somos. No entanto, cabe lembrar que 
 devido ao fato de os surdos e surdas terem uma inserção tardia na comunidade, sua 
 subjetividade é determinada inicialmente no mundo ouvinte, o que pode gerar 
 marcas profundas. 
 ESCOLA: NORMALIZANDO OU CONSTITUINDO IDENTIDADES? 
 Toda a reflexão a respeito da surdez que tem uma dimensão sociocultural traz 
 presente a dimensão da escola na vida dos sujeitos surdos, já que é nesse espaço 
 que o(a) surdo(a), muitas vezes, entra em contato com outros(as) surdos(as) 
 constituindo sua identidade ou mesmo, na pior das situações, reforçam a ideia de 
 deficiente, por não encontrar no outro traços de semelhança não desenvolvendo o 
 sentimento de pertencimento do grupo. 
 O fato é que a escola, mais precisamente a vida escolar e suas experiências, marca 
 o sujeito surdo positiva ou negativamente, na construção de sua subjetividade. 
 Da escola o que mais me marcou foi a convivência com outros surdos, já que não 
 tinha nenhum surdo na família ou na vizinhança. Gostava mais das conversas com 
 os colegas do que das aulas, é verdade, mas tenho boas lembranças da escola. (...) 
 minha escola tinha ouvintes e uma sala para surdos, nós estudávamos separados 
 dos demais por que éramos considerados deficientes. A professora não usava 
 sinais e nós copiávamos tudo do quadro. (Anastácia - Surda) 
 Por algum tempo, muitas escolas regulares mantiveram classes especiais 
 destinadas a surdos, mas nessas escolas é possível perceber um movimento de 
 constituição da identidade surda, já que, por estarem em contato com iguais, 
 sentiam um certo prazer em frequentar a escola, e utilizavam a língua de sinais ou 
 sinais combinados nos momentos de convívio entre eles. No entanto, para a 
 transmissão dos conteúdos curriculares, a língua oficial era o português, o que 
 impossibilitava a compreensão, e não despertava o interesse na aula. Como 
 estratégia, muitos surdos apenas copiavam os conteúdos do quadro não tendo 
 preocupação em aprender. 
 Mesmo a escola especial, que por muito tempo ficou responsável pela educação 
 dos surdos, carregava em sua concepção de sujeito a marca da deficiência. 
 Conforme Skliar (2005), “a educação especial, cujos componentes ideológicos, 
 políticos, teóricos etc. são, no geral, de natureza discriminatória, descontínua, 
 conduzindo a uma prática de exclusão permanente”. 
 É comum encontrarmos relatos de surdos e surdas que desistiram de estudar 
 em função do isolamento que sofreram: 
 Na escola não tinha intérprete, eu não entendia direito as coisas. Era a única surda 
 na escola, na cidade, não tinha com quem conversar, na verdade nem sabia direito 
 o que era ser surda. Na escola não tinha comunicação. Depois me casei e fui só até 
 a 6ª série. Agora voltei a estudar no EJA, tem intérprete e consigo compreender 
 melhor a matéria. (Joana - Surda) 
 A simples presença de intérprete em uma sala de aula não garante o aprendizado, 
 muito menos a tão sonhada inclusão para uma aluna surda que não conhece a 
 língua de sinais e sequer tem consciência do que é ser surda. 
 No passado, era comum médicos e profissionais da educação orientarem familiares 
 de surdos a evitarem contato com outros surdos a fim de garantir o aprendizado da 
 língua portuguesa, escrita e falada, já que concebiam o surdo como um ouvinte 
 privado da capacidade de ouvir. 
 Por possuir uma “voz boa”, no sentido de ser capaz de oralizar, muitos médicos 
 sugerem que as crianças surdas estudem em escolas regulares de ouvintes. 
 A falta de compreensão do que realmente é a surdez faz com que muitos 
 professores não reflitam suas práticas em sala de aula e, muitas vezes, promovem 
 situações em que é impossível a participação do aluno surdo: 
 A professora sempre conversava comigo me olhando direto, sempre dizia que eu 
 era inteligente, mas também achava que eu era coitadinha por que era surda. Mas 
 era meio confusa às vezes. Na hora do ditado, por exemplo, a professora ditava as 
 palavras e esquecia que eu não escutava, achava que só por que eu usava o 
 aparelho ia conseguir ouvir certo, então eu errava algumas palavras, trocava 
 algumas letras como X e Z, por que tem palavras que se usa estas letras e eu não 
 percebia a diferença do som então errava, aí ela dizia para eu prestar mais atenção. 
 Uma prática simples e supostamente inofensiva como o ditado, muito usada por 
 diversos professores nos anos iniciais para treinar a ortografia, torna-se um 
 momento de tortura para um surdo, que não tem como diferenciar alguns fonemas, 
 por mais exímio leitor de lábios que possa ser. 
 O movimento provocado pelos questionamentos dos Estudos Surdos em Educação 
 resultou não apenas em uma reviravolta em termos conceituais do sujeito como 
 também uma ruptura com a educação especial e o discurso hegemônico de sujeitos 
 deficientes (SKLIAR, 2005. p. 12). Não podemos afirmar que todos os problemas 
 foram resolvidos e que a mudança de concepção (educação especial para 
 educação de surdos), muitas vezes, não passou de uma simples substituição de 
 termos, mas, através das pesquisas e debates promovidos pelos Estudos Surdos, 
 permitiu uma problematização com relação aos currículos das escolas de educação 
 de surdos, considerando a cultura e as relações de poderna constituição das 
 identidades. 
 Fique de olho! 
 O reflexo das mudanças provocadas é perceptível também no número de surdos 
 que têm alcançado o ensino superior: Graduação e Pós-Graduação. 
 TEMA 5 - LIBRAS 
 POLÍTICAS EDUCACIONAIS E EDUCAÇÃO DE SURDOS . 
 Educação bilíngue em pauta 
 Passamos, agora, a problematizar como é pensada a organização da educação 
 bilíngue a partir de documentos elaborados por segmentos (MEC e movimento 
 surdo), que apresentam posicionamentos opostos devido aos diferentes princípios 
 político-ideológicos. 
 Orientações legais sobre a educação bilíngue constam pela primeira vez no Decreto 
 5.626/2005, documento escrito no embate político entre MEC e movimento surdo. 
 Em 2008, também há uma breve orientação sobre a educação bilíngue na Política 
 de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, documento em que se 
 afirma: 
 Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngue – 
 Língua Portuguesa/LIBRAS, desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e 
 na língua de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na 
 modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e 
 Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O 
 atendimento educacional especializado é ofertado tanto na modalidade oral e escrita 
 quanto na língua de sinais. Devido à diferença linguística, na medida do possível, o 
 aluno surdo deve estar com outros pares surdos em turmas comuns na escola 
 regular. (BRASIL, 2008, p. 17) 
 No entanto, essas orientações de 2008 sobre a educação bilíngue, atreladas ao 
 ensino na escola comum, através do Atendimento Educacional Especializado (AEE), 
 causam maior impacto no movimento surdo pois, para o MEC, o espaço da escola 
 de surdos caracteriza-se como segregacionista, uma vez que a proposta bilíngue: 
 Deve fortalecer estratégias pedagógicas que considerem as especificidades dos 
 estudantes na aquisição da Língua Brasileira de Sinais – Libras e da Língua 
 Portuguesa escrita, de forma que a educação bilíngue não seja condicionada a 
 espaços organizados pela condição da surdez, mas vinculada a uma organização 
 curricular que possibilite o ensino e o uso das línguas de forma transversal, nas 
 diferentes etapas e modalidades. (BRASIL, 2012, p.2) 
 Nesse sentido, principalmente no ano 2011, o movimento surdo realizou grandes 
 mobilizações para evitar o fechamento do Instituto Nacional de Educação de Surdos 
 (INES) e de escolas de surdos em todo o Brasil. 
 Podemos compreender o movimento surdo como um movimento de uma minoria 
 linguística, que busca um reconhecimento linguístico e cultural que vem se 
 afastando dos discursos da Educação Especial que entendem a surdez como 
 deficiência. Esse afastamento pode ser visto como um dos motivos centrais que 
 produzem a tensão entre o movimento surdo e os movimentos da Educação 
 Especial: 
 Uma vez que o campo da educação de surdos problematiza a lógica da deficiência, 
 que se sustenta em processos de normalização que vem caracterizando 
 historicamente a Educação Especial e, atualmente, as políticas inclusivas. 
 (MORAES, 2014, p. 37) 
 Por isso, é possível entendermos que quando há posicionamentos advindos de 
 princípios político-ideológicos distintos, criam-se diferentes modos de pensarmos a 
 educação bilíngue de surdos. Podemos ver nos excertos a seguir um primeiro 
 exemplo de proposições de espaços diferenciados de educação bilíngue: 
 A Política orienta os sistemas de ensino para garantia do ingresso dos estudantes 
 com surdez nas escolas comuns, mediante a oferta da educação bilíngue, dos 
 serviços de tradutores intérpretes de Libras/Língua Portuguesa e do ensino de 
 Libras. (BRASIL, 2011, p. 1) 
 [O movimento surdo] reivindica uma política educacional mais condizente com as 
 especificidades linguísticas e culturais dos surdos e que atenda à pluralidade dos 
 surdos brasileiros, principalmente por meio da legitimação e implantação de escolas 
 públicas bilíngues. (FENEIS, 2012,p. 3) 
 Vemos acima maneiras de pensar a educação bilíngue: uma do MEC e outra do 
 movimento surdo. Pensando, primeiramente, sobre as proposições do que circulam 
 no MEC, a educação bilíngue deve pautar “a organização da prática pedagógica, na 
 escola comum, na sala de aula comum e no AEE”, ou seja, deve permear “todo o 
 processo educativo” (ALVES et al., 2010, p. 9). Porém, em muitos dos excertos de 
 documentos do MEC, o processo educativo é contemplado com o atendimento do 
 surdo no Atendimento Educacional Especializado (AEE) e, na sala de aula, a 
 acessibilidade ocorrerá com a presença do Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais 
 (TILS). 
 A Resolução nº 04/2009 institui as diretrizes operacionais para o AEE. Esse 
 atendimento é ofertado aos alunos incluídos na escola comum e ocorre no turno 
 contrário, sendo realizada a complementação à escolarização. Esse atendimento 
 “identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que 
 eliminam as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas 
 necessidades específicas” (BRASIL, 2008, p. 16). Ao professor que atua no AEE, 
 além de atender ao aluno no espaço da Sala de Recursos Multifuncional 
 (SRM), compete: 
 [...] elaborar o plano de atendimento individual do estudante, tendo como base seu 
 conhecimento prévio da Libras, da língua portuguesa e do contexto social e familiar. 
 Além disso, compete ao professor do AEE realizar a interface com os demais 
 professores e tradutores/ intérpretes, visando à estruturação da educação bilíngue 
 na proposta curricular, bem como propor a articulação intersetorial de políticas 
 públicas, a fim de garantir outras medidas de apoio necessárias à sua 
 escolarização. (BRASIL, 2012, p. 4) 
 No AEE, a educação bilíngue se dá em três momentos didático-pedagógicos: o 
 AEE para ensino da Libras, o AEE em Libras e o AEE para o ensino da língua 
 portuguesa, sendo assim definidos: 
 No AEE de Libras: o AEE deve ser planejado com base na avaliação do 
 conhecimento que o aluno tem a respeito da Libras e realizado de acordo com o 
 estágio de desenvolvimento da língua em que o aluno se encontra. Após a 
 avaliação inicial, o professor de Libras precisa pensar na organização didática que 
 implica o uso de imagens e de todo tipo de referências. (ALVES et al., 2010, p. 17) 
 O AEE em Libras fornece a base conceitual dos conteúdos curriculares 
 desenvolvidos na sala de aula. Esse atendimento contribui para que o aluno com 
 surdez participe das aulas, compreendendo o que é tratado pelo professor e 
 interagindo com seus colegas. (ALVES et al., 2010, p. 12) 
 A proposta didático-pedagógica para se ensinar português escrito para os alunos 
 com surdez orienta-se pela concepção bilíngue – Libras e português escrito, como 
 línguas de instrução desses alunos (ALVES et al., 2010, p. 20). O objetivo desse 
 atendimento é desenvolver a competência linguística, bem como textual, dos alunos 
 com surdez, para que sejam capazes de ler e escrever em língua portuguesa. [...] O 
 professor do AEE avalia e analisa o estágio de desenvolvimento linguístico dos 
 alunos, em relação à leitura e escrita, tendo por base suas próprias produções e 
 interpretações de textos, dialógicos, descritivos, narrativos e dissertativos. (ALVES 
 et al., 2010, p. 22) 
 Esses três momentos didático-pedagógicos deveriam ser ofertados diariamente de 
 acordo com orientações do MEC. Podemos observar que são determinadosmomentos específicos para aprendizado e uso da Libras, devido à organização e 
 distribuição de tempo e de espaço para a língua de sinais na escola. Além disso, 
 Camatti e Gomes (2011) apontam que a Libras é posicionada como um recurso: 
 A língua de sinais é retirada da ordem discursiva produzida na questão da escola, 
 entendida a partir da orientação cultural, e acaba sendo capturada através de outra 
 racionalidade, que a toma como uma língua-metodologia ou uma língua-recurso. 
 Podemos evidenciar essa afirmação ao olhar, por exemplo, para as 
 orientações do AEE para ensino da língua portuguesa: 
 [...] o professor não utiliza a Libras, a qual não é indicada como intermediária nesse 
 aprendizado. Entretanto, é previsível que o aluno utilize a interlíngua na reflexão 
 sobre as duas línguas, cabendo ao professor mediar o processo de modo a 
 conduzi-lo à diminuição gradati- vamente desse uso. [...] Como o canal de 
 comunicação específico para o ensino e a aprendizagem é a língua portuguesa, o 
 aluno pode utilizar a leitura labial (caso tenha desenvolvido habilidade) e a leitura e 
 a escrita. (ALVES et al., 2010, p. 20) 
 Como vimos no excerto acima, em alguns momentos a Libras não precisaria ser 
 utilizada. Para Fernandes e Moreira (2014), isso ocorre devido a significados 
 distintos dados à língua de sinais: para uns, essa língua representa a produção 
 histórico-cultural de uma comunidade minoritária e, para outros, a Libras faz parte de 
 um conjunto de recursos físicos, técnicos e materiais que constituem as tecnologias 
 assistivas, o que revela um enorme distanciamento dos princípios do bilinguismo. As 
 mesmas autoras apontam que, no âmbito das políticas de inclusão, até se verifica 
 um reconhecimento da língua de sinais; no entanto, esse reconhecimento “não cria 
 espaços efetivos para seu uso e desenvolvimento” (FERNANDES; MOREIRA, 2014, 
 p. 59). 
 Na perspectiva da educação inclusiva, pressupõe-se que, ao incluir a Libras na 
 escola comum, os surdos serão incluídos, e que a presença do TILS resolve a 
 diferença linguística. Esse profissional, reconhecido pela Lei Nº 12.319/2010, é um 
 mediador da comunicação e da interação entre surdos e ouvintes. Porém, além dele, 
 é necessário que o professor planeje e desenvolva suas aulas considerando, nesse 
 caso, a cultura visual dos surdos e os processos de tradução-interpretação das 
 línguas em uso na condição bilíngue dos alunos. 
 A Feneis aponta que “não há intérprete para a maioria das classes ditas inclusivas” 
 (FENEIS, 2011b, p. 5). Sabe-se que ainda há poucos profissionais capacitados para 
 atender a uma grande demanda e em diferentes localidades, principalmente, em 
 regiões de interior. Como argumento contrário ao modelo de inclusão, o movimento 
 surdo aponta que “a presença de intérpretes/tradutores de português/Libras não 
 define uma educação bilíngue para surdos, muito menos quando a oferta se detém a 
 serviços de tradutores e intérpretes de Libras/língua portuguesa” (FENEIS, 2011b, p. 
 4). 
 Nos excertos de documentos do MEC, verificamos que o bilinguismo será alcançado 
 ao se “promover o acesso dos alunos com surdez ao conhecimento escolar em duas 
 línguas: em Libras e em língua portuguesa” (ALVES et al., 2010, p. 10). No entanto, 
 não está definido o status linguístico das línguas envolvidas, nem se especifica a 
 modalidade (oral ou escrita) de uso da língua portuguesa. Sobre isso, o movimento 
 surdo posiciona-se, definindo a educação bilíngue da seguinte forma: 
 A aquisição da Libras como L1, pelos alunos surdos, deve ser garantida na 
 proposta pedagógica para todos os níveis e séries da Educação Básica 
 (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). 
 O ensino do português escrito como segunda língua – L2 deve estar presente na 
 proposta pedagógica para todos os níveis e séries da Educação Básica (Educação 
 Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). (FENEIS, 2012, p. 6) 
 Em geral, propõe-se um espaço linguístico diferenciado, sobretudo em 
 escolas bilíngues: 
 As escolas bilíngues são aquelas onde a língua de instrução é a Libras e a língua 
 portuguesa é ensinada como segunda língua, após a aquisição da primeira língua; 
 essas escolas se instalam em espaços arquitetônicos próprios e nelas devem atuar 
 professores bilíngues, sem mediação de intérpretes na relação professor – aluno e 
 sem a utilização do português sinalizado. As escolas bilíngues de surdos devem 
 oferecer educação em tempo integral. Os municípios que não comportem escolas 
 bilíngues de surdos devem garantir educação bilíngue em classes bilíngues nas 
 escolas comuns (que não são escolas bilíngues de surdos). (BRASIL, 2014, p. 5) 
 Nesse sentido, vemos nos documentos do movimento surdo a argumentação por 
 um espaço que proporcione aos surdos uma imersão linguística na Libras, já que a 
 maioria dos alunos surdos são filhos de pais ouvintes. 
 Mas, para além da questão linguística, o movimento aponta a importância de 
 sua educação estar marcada por traços da cultura surda, pois ela é 
 inseparável da educação bilíngue: 
 Se a cultura surda não estiver inserida no ambiente educacional, os surdos 
 dificilmente terão acesso à educação plena como lhes é de direito e acabam por 
 abandonar a escola. 
 A inserção do indivíduo numa cultura propicia o desenvolvimento e a afirmação de 
 identidades. A cultura surda e a pedagogia do surdo, um jeito de ensinar ao surdo, 
 partem de experiências sensoriais visuais, da língua de sinais, dos educadores 
 surdos, do contato da comunidade com os pais, com as crianças, com a história 
 surda e com os estudos surdos. (BRASIL, 2014, p. 14) 
 Na perspectiva dos Estudos Surdos, amparados nos estudos linguísticos, 
 entende-se que, para haver a aquisição da língua de sinais, as crianças surdas 
 devem ter contato com outras crianças e adultos surdos. Esse contato deve se dar o 
 mais cedo possível, para não se perder a fase mais importante de aquisição da 
 língua. Assim, também é possibilitado que a identidade surda e os processos de 
 subjetivação se desenvolvam a partir de um viés cultural. 
 Sabe-se que, em grande parte dos casos, as famílias de surdos passam anos 
 investindo na oralização das crianças surdas, negando-lhes a aquisição da língua de 
 sinais no contato com outros surdos. Consequentemente, o contato com a Libras 
 acaba ocorrendo na escola que, muitas vezes, constitui-se na primeira comunidade 
 linguística dos surdos. A Carta-Denúncia (2011c) da FENEIS aponta as 
 consequências da falta de acesso à língua de sinais: 
 “[...] hoje muitos dos surdos brasileiros não têm língua nenhuma, muitos têm 
 conhecimento apenas de um restrito e pantomímico código familiar ou local, incapaz 
 não apenas de oferecer as condições de uma socialização mais ampla, mas 
 também, et pour cause , de níveis de abstração e organização complexa do 
 pensamento. Esses surdos ficam quase completamente à margem da vida social, 
 civil e cultural nacional, completamente dependentes de seus familiares e, por isso 
 mesmo, sujeitados permanentemente às vontades alheias. É-lhes negado o direito a 
 decidirem sobre si mesmos, negação essa com base numa suposta inferioridade 
 civil, que a alienação linguística parece dar razão. A rigor, os surdos sem língua não 
 desenvolvem a possibilidadede transformar desejo em vontade conscientemente 
 expressa e universal- mente argumentável, experiências e afetos em símbolos 
 socialmente reconhecíveis (pp. 5-6).” 
 O movimento surdo acredita que “ações inclusivas podem ser feitas de forma que a 
 inclusão social aconteça sem que seja rechaçado o direito dos surdos à sua inclusão 
 primeira, que deve acontecer na comunidade que fala a mesma língua, no caso, a 
 Língua de Sinais Brasileira” (FENEIS, 2012, p. 10). 
 No que se refere à organização da educação de surdos no espaço da escola 
 comum, o movimento surdo aponta que esse espaço não contempla a 
 diferença surda: 
 A chamada sala de aula dita “comum” permanece assim conforme as características 
 gerais dos alunos cuja tipicidade é majoritária; portanto, ela não é comum a todos os 
 alunos, em suas diferenças e especificidades [...] isso quer dizer que no turno 
 principal os alunos surdos, bem como os demais que mantêm diferença com relação 
 a essa tipicidade majoritária, devem adequar-se a essa última, com graves 
 prejuízos, no caso dos surdos, para o gozo de seus direitos humanos linguísticos e 
 educacionais. (FENEIS, 2011c, p. 28) 
 Quanto à inserção do aluno surdo no ensino regular, muitos aspectos não são 
 contemplados nas experiências inclusivas em desenvolvimento, pois, 
 frequentemente, 
 A criança surda não é atendida em sua condição sociolinguística especial, não são 
 feitas alterações metodológicas que levem em conta a surdez, e o currículo não é 
 repensado, culminando em um desajuste socioeducacional. (LACERDA; LODI, 
 2009, p. 15) 
 Lodi e Lacerda (2009) apresentam uma proposição de inclusão na abordagem 
 bilíngue, ou seja, no espaço da escola comum, como contemplado na proposta do 
 MEC. Em 2003, foi realizada uma parceria entre a Universidade e a Secretaria 
 Municipal de Educação/Setor de Educação Especial de Piracicaba para 
 implementação do programa educacional bilíngue em duas escolas municipais: uma 
 de Educação Infantil, outra de Ensino Fundamental. 
 A realização desse programa em apenas duas escolas justifica-se porque, 
 [...] quando se pretende oferecer condições iguais (inclusivas) de aprendizagem e 
 desenvolvimento a alunos surdos, esses precisam ser acolhidos em ambientes 
 bilíngues, no qual circulem a Libras e a língua portuguesa. Essa condição particular 
 não pode ser alcançada se o aluno surdo não tiver pares e educadores competentes 
 em Libras para se relacionarem com ele e, nesse caso, se fosse permitida às 
 crianças surdas a matrícula em escolas perto de suas residências, a implantação de 
 classes inclusivas bilíngues se tornaria inviável tanto financeiramente quanto pela 
 falta de profissionais e pares fluentes em Libras. (LODI; LACERDA, 2009, p. 19-20) 
 De acordo com essas afirmações, a educação bilíngue não é tão simples de ser 
 alcançada, pois depende de uma estrutura que vai muito além do AEE e da 
 presença do TILS em sala de aula. Documentos do movimento surdo apontam a 
 necessidade de: 
 [...] ambientes linguísticos para a aquisição da Libras como primeira língua (L1) por 
 crianças surdas, no tempo de desenvolvimento linguístico esperado e similar ao das 
 crianças ouvintes, e a aquisição do português como segunda língua (L2). A 
 Educação Bilíngue é regular, em Libras, integra as línguas envolvidas em seu 
 currículo e não faz parte do atendimento educacional especializado. O objetivo é 
 garantir a aquisição e a aprendizagem das línguas envolvidas como condição 
 necessária à educação do surdo, construindo sua identidade linguística e cultural 
 em Libras e concluir a educação básica em situação de igualdade com as crianças 
 ouvintes e falantes do português. (BRASIL, 2014, p. 6) 
 Portanto, há diferentes modos de pensar e organizar a educação bilíngue de surdos. 
 É fundamental adequarmos a escolarização desses sujeitos às necessidades deles, 
 buscando nas políticas educacionais e nos Estudos Surdos e Linguísticos as bases 
 para melhor implementar a educação bilíngue. 
 Recapitulando 
 Vimos, neste capítulo, que há proposições nas formas de organização dos tempos e 
 dos espaços na escolarização dos surdos: a escola comum e a escola bilíngue. 
 Essas proposições posicionam os surdos e a língua de formas diferentes. Na política 
 de inclusão, muitas vezes a Libras é posicionada como um recurso de 
 acessibilidade. Prevalece a visão da educação especial na qual os surdos são 
 compreendidos como deficientes. Na escola bilíngue, na qual prevalece a visão da 
 diferença linguística e cultural dos surdos, eles são compreendidos como 
 pertencentes a uma minoria linguística, sendo a língua de sinais primordial na 
 constituição desses sujeitos. 
 Fique de olho! 
 Não cabe aqui afirmar qual é o certo e o errado, mas é necessário compreendermos 
 que a maneira como entendemos o surdo e a surdez irão definir a educação que 
 daremos a esses sujeitos e vice-versa.não existiram 
 historicamente, e, quando passaram a existir, foram descritos por seus opostos, 
 atribuindo-lhe como marca identificatória a incapacidade de ouvir, de comunicar-se, 
 o defeito a ser corrigido, a patologia a ser curada. 
 Os primeiros registros históricos sobre surdos remetem a passagens bíblicas 
 e a escritos sagrados: 
 “Quem deu uma boca ao homem? Quem fez o mudo e o surdo, o que vê e o cego? 
 Não sou eu o Senhor? Vai, pois e eu serei na tua boca e te ensinarei o que hás de 
 falar.” 
 (Êxodo, 4:11-12). 
 Para a tradição judaica, o surdo é considerado um anormal, mas ainda assim um 
 filho de Deus, o que significa que está sob sua proteção. 
 No antigo Egito, os surdos eram considerados seres enviados pelos deuses, por 
 isso eram muito respeitados, mas por serem capazes de falar com os deuses eram 
 mantidos em segurança, e não tinham uma vida social. 
 Na Grécia Antiga, o direito de viver era concedido somente àqueles que eram 
 considerados produtivos, o que na concepção da época não era atribuído ao surdo, 
 já que era considerado incapaz de desenvolver linguagem e, por consequência, 
 pensamentos, o que os impediria de aprender. Aristóteles faz menção à surdez em 
 seus escritos, obviamente ressaltando a marca da deficiência e da incapacidade. 
 Para Aristóteles, a educação só poderia ser obtida através da audição, sendo assim 
 um surdo não poderia ser educado, conforme Quirós (1996). Ainda que possa ter 
 ocorrido um problema de tradução das obras de Aristóteles, como defendem 
 algumas correntes filosóficas, tal afirmação colocou em hibernação a possibilidade 
 de acesso à educação dos surdos até o final da Idade Média. 
 Sem acesso à educação, coube ao surdo viver à margem da sociedade, 
 mendigando concessões: 
 “Plínio, hablando Del arte de la pintura em Roma em su tratado La História Natural 
 refiere el caso de Quinto Pódio, el nieto sordo del cónsul romano homónimo. Por ser 
 descendiente de la família de Massala, el Imperador César Augusto le concedió la 
 possibilidad de cultivar su talento artístico, pero no de cursar una carrera normal.” 
 (SKLIAR, 1997, p. 17). 
 O cristianismo promoveu uma certa mudança no trato com deficientes, portadores 
 de limitações e outras minorias, já não considerados como impuros, mas seres 
 inferiores que necessitavam da piedade e benevolência dos que aspiram à 
 santidade. Os surdos, no entanto, não teriam acesso à salvação, já que por não 
 serem capazes de falar não poderiam confessar seus pecados. 
 Os primeiros registros acerca de educadores para surdos são do século XVI. O 
 médico Girolano Cardano (1501-1576) é considerado o primeiro a defender o direito 
 à educação dos surdos. Segundo Radutzky (1992), sua motivação deve-se ao fato 
 de seu primogênito ser surdo. Porém, é na figura do espanhol Beneditino Pedro 
 Ponce de Leon (1520-1584) que se encontrou a primeira metodologia sistematizada 
 para a educação de surdos, que baseava-se na datilologia (representação manual 
 das letras do alfabeto), na escrita e na oralização. Ponce de Leon ensinava latim, 
 grego, italiano e conceitos de física e astronomia a surdos filhos de famílias nobres 
 espanholas. 
 Pode-se dizer que os surdos só tiveram acesso à educação em virtude de sua 
 condição social: 
 “Até 1760 apenas surdos provenientes de famílias abastadas tinham acesso à 
 educação. Cada tutor desenvolvia sua própria práxis pedagógica e a guardava em 
 absoluto segredo. Um segredo que, quando convertido em sucesso, conferia fama e 
 muito dinheiro a quem o dominasse. Sucesso, por sua vez, que trazia em conseguir 
 que o surdo escrevesse e lesse mais do que fazê-lo falar.” 
 (SOUZA, 1998, p. 130). 
 Outro nome bastante importante na história da educação dos surdos é o do abade 
 francês Charles Michel de L’Épee (1712-1789), que pesquisou os sinais utilizados 
 entre os surdos para comunicar-se combinando-os com a gramática francesa, 
 dando origem aos sinais metódicos, o que não significa dizer que L’Épee tenha sido 
 o criador da língua de sinais francesa. Na realidade, os surdos a desenvolveram, 
 mas é através da defesa do abade que ela passa a ter credibilidade. 
 L’Épee fundou ainda uma escola pública para surdos, em 1771, em sua própria 
 casa, onde ensinava surdos pobres e ricos. Em 1785, o Instituto para Jovens 
 Surdos e Mudos de Paris já atendia 75 alunos, um número expressivo para a época. 
 A escola é responsável ainda pela formação de inúmeros professores surdos. 
 Nessa mesma época, em 1750, surge na Alemanha Samuel Heinick, fundador da 
 primeira escola pública utilizadora da metodologia oralista, que acreditava ser o 
 ensino da língua oral o único meio de incluir o surdo na comunidade geral. 
 O século XVIII é considerado o período mais fértil da educação de 
 surdos: 
 “Esse período, que agora parece uma espécie de época áurea na história dos 
 surdos, testemunhou a rápida criação de escolas para surdos, de um modo geral 
 dirigidos por professores surdos, em todo mundo civilizado, saída dos surdos da 
 negligência e da obscuridade, sua emancipação e cidadania, a rápida conquista de 
 posições de eminência e responsabilidade de escritores surdos, engenheiros 
 surdos, filósofos surdos, intelectuais surdos, antes inconcebíveis, tornam-se 
 subitamente possíveis.” 
 (SACKS, 1997, p. 26) 
 O professor americano Thomas Hopkins Gallaudet (1742-1822), em 1815, segue 
 para Europa em busca de dados sobre a educação de surdos. Conhece o Instituto 
 fundado por L’Épee e seu método manual de ensinar. Em 1817, auxiliado pelo 
 melhor aluno da escola de L’Épee, Laurent Clerec, Gallaudet funda a primeira 
 escola para surdos dos Estados Unidos, que adota como forma de comunicação 
 uma espécie de francês sinalizado, adaptado, obviamente, ao inglês. 
 É a partir de 1821 que se inicia o movimento rumo à ASL (Linguagem de Sinais 
 Americana), ainda muito influenciada pelo francês sinalizado, mas somente em 
 1850 é que a ASL passa a ser utilizada nas escolas americanas. Ao mesmo tempo, 
 as escolas da Europa começam utilizar a língua de sinais, promovendo, assim, uma 
 enorme mudança no nível de escolarização dos surdos. Com isso, eles podem 
 compreender com maior facilidade os conteúdos trabalhados nas disciplinas. 
 A Universidade de Gallaudet, a primeira universidade nacional para surdos, é 
 fundada em 1864, em Washington, nos Estados Unidos, tendo como reitor Edward 
 Gallaudet, filho de Thomas Gallaudet. 
 Fique de olho! 
 Estima-se que em 1869 havia cerca de 550 professores de surdos, e que 41% dos 
 professores de surdos eram surdos (LANE, 1989). 
 Embora fosse comprobatório o desenvolvimento intelectual dos surdos alcançado 
 pela utilização da língua de sinais, o método oralista fortaleceu-se muito em função 
 do avanço tecnológico que potencializava o aprendizado da fala pelo surdo. 
 Embalados pelo entusiasmo da possibilidade de aprendizado da língua oral, muitos 
 profissionais defendiam, e até hoje defendem, que a língua de sinais é prejudicial ao 
 aprendizado da língua oral. 
 Alexander Graham Bell, pesquisador muito conhecido premiado pela invenção do 
 telefone, é também uma das figuras significativas na defesa do oralismo, pois 
 afirmava que a língua de sinais era inferiorà língua oral e não contribuía para o 
 desenvolvimento intelectual dos surdos. Exerceu forte influência na votação do 
 Congresso Internacional de Educadores Surdos, em 1880, na cidade de Milão, onde 
 os surdos foram impedidos de votar na metodologia que seria utilizada em sua 
 educação. Sem a participação dos surdos, estabeleceu-se que o método de ensino 
 utilizado na educação de surdos seria o oralismo, tornando oficialmente proibido o 
 uso da língua de sinais. 
 Proibir o uso da língua natural de um povo significa muito mais do que não utilizá-la, 
 significa extinguir de forma violenta e silenciosa a identidade cultural de uma 
 comunidade inteira, pois a língua é um importante facilitador de compreensão entre 
 os seres humanos. As palavras e os termos de um idioma expressam muito mais do 
 que o nome das coisas. O significado carrega em si toda a história de um povo, 
 seus valores éticos, suas crenças, mas, sobretudo, sua cultura. 
 Concentrados todos os esforços no ensino da língua oral, as demais disciplinas 
 componentes do currículo escolar foram postas em segundo plano, provocando uma 
 significativa queda no nível de escolarização, deixando marcas profundas no 
 desenvolvimento linguístico e cognitivo dos surdos. 
 Fique de olho! 
 Estima-se que em 1869 havia cerca de 550 professores de surdos, e que 41% dos 
 professores de surdos eram surdos (LANE, 1989). 
 Em resposta à tentativa de “adestramento” imposta pelos ouvintes – justificada 
 através do discurso científico –, os surdos começam a organizar-se em associações 
 para defender sua língua, sua cultura r seu desenvolvimento. 
 Até a publicação das pesquisas de Stocke, na década de setenta, o oralismo 
 imperou em todo o mundo. Stocke procurou demonstrar que a ASL era uma língua 
 com todas as características da língua oral, o que suscitou inúmeras pesquisas na 
 área. Promoveu, assim, o retorno da língua de sinais e outros métodos manuais ao 
 contexto escolar. 
 Em 1968, surge a Filosofia da Comunicação Total, e, a partir da década de oitenta, o 
 Bilinguismo. 
 O “surgimento” do surdo brasileiro 
 Os surdos brasileiros também possuem sua história, que inicia “oficialmente” em 
 1855, com a vinda do professor surdo Hernest Huet, francês que, a convite do 
 imperador D. Pedro II, inicia um trabalho com duas crianças surdas, custeado pelo 
 governo. 
 Em 26 de setembro de 1857, é fundado o Instituto Nacional de Surdos Mudos, que 
 posteriormente passou a chamar-se de Instituto Nacional de Educação dos Surdos - 
 INES. Inicialmente, esse instituto utiliza a língua de sinais como língua oficial, mas 
 seguindo a tendência mundial referente à decisão do Congresso de Milão, em 1911, 
 opta pelo oralismo em toda a sua grade curricular. Ainda assim, a língua de sinais 
 permaneceu em sala de aula até 1957, quando é proibida oficialmente pela diretora 
 Ana Rímola de Faria Doria. Em um ato de revolta, os alunos continuavam a se 
 comunicar em sinais pelo pátio e corredores da escola. 
 Fique de olho! 
 A Comunicação Total chegou ao Brasil somente no fim da década de setenta, 
 através de Ivete Vasconcelos, educadora da Universidade Gallaudet. 
 As pesquisas do linguista Willian Stoke sobre a língua de sinais americana serviram 
 como base para estudos em linguística na Europa e no Brasil. O bilinguismo chega 
 na década de oitenta, através das pesquisas da professora linguista Lucinda 
 Ferreira Brito sobre a língua de sinais utilizada em uma aldeia indígena da 
 Amazônia e a língua de sinais utilizada pelos surdos dos centros urbanos. 
 Grande parte das conquistas da comunidade surda são resultados das lutas e 
 reivindicações articuladas nos movimentos de surdos. As associações e clubes de 
 surdos do país são espaços de socialização, constituição e discussão da cultura 
 surda e de seus artefatos. 
 Fique de olho! 
 As associações inicialmente pensadas para dar assistência e informações aos 
 surdos se constituem, ainda hoje, em um espaço político, onde articulam-se as lutas 
 de uma comunidade local. 
 A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – FENEIS, fundada 
 em vinte e cinco de novembro de 1988, sob a presidência de uma mulher, Ana 
 Regina e Souza Campello, nasceu para mostrar a capacidade dos surdos em 
 organizar-se para lutar e pensar propostas de educação, defender sua identidade e 
 divulgar a cultura surda e lutar pelos direitos de surdos brasileiros. A sede nacional 
 está no Rio de Janeiro e possui regionais em vários estados do país. 
 O dia do surdo, comemorado no dia 26 de setembro, data da fundação da primeira 
 escola de surdos no Brasil, é uma conquista para a comunidade surda brasileira, 
 pois representa, simbolicamente, o reconhecimento de sua cidadania, da luta 
 organizada de um grupo minoritário e não de deficientes. 
 É válido dizer que mesmo participando da experiência visual do mundo, nem todo 
 surdo é igual, haverá diferenças dentro da comunidade surda, visto que a 
 subjetividade é um fator a ser considerado, pois está relacionado aos pensamentos 
 que temos de nós mesmos sobre quem somos. No entanto, cabe lembrar que o fato 
 de os surdos e surdas terem uma inserção tardia na comunidade sua subjetividade 
 é determinado, inicialmente, no mundo ouvinte, o que pode gerar marcas profundas. 
 “As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da 
 cultura surda, elas moldam-se de acordo com o maior ou menor receptividade 
 cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural também surge 
 aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o indivíduo representa a si 
 mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que o tornam corpo menos 
 habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, da menos 
 valia social.” 
 (PERLIN apud STROBEL, 2009. p. 27). 
 A língua portuguesa representou por muito tempo um símbolo da cultura ouvinte e 
 um instrumento de colonização do surdo, quando imposta pela maioria dominante 
 como o modelo a ser alcançado na busca por uma normalização. Em 2002, depois 
 de muitas lutas, conseguiu-se a conquista da homologação da Lei Nº 10.436, de 24 
 de abril de 2002, também conhecida como lei de libras, que reconheceu a língua de 
 sinais como língua da comunidade surda brasileira, e que garante o direito de seu 
 uso em todos os espaços. 
 Com o intuito de regulamentar a lei de libras, em dezembro de 2005 é 
 publicado o Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. De forma geral, o 
 decreto discorre sobre vários itens, entre eles: a definição de pessoa surda; a 
 colocação de Libras como disciplina curricular obrigatória e a ampliação dos cursos 
 que a ensinem, e, em alguns casos, a opção nos cursos; a formação do professor e 
 do instrutor de Libras; exames de proficiência e outras avaliações; medidas para 
 difusão e uso de Libras e Língua Portuguesa como forma de dar ao surdo acesso à 
 educação; a formação do tradutor/intérprete de Libras/Português; a garantia dos 
 direitos dos surdos à educação e à saúde; o papel do poder público no apoio à 
 difusão daLibras; o controle do orçamento público e o controle do uso e difusão das 
 medidas legisladas. 
 O surdo passa a ser Surdo, e não mais deficiente. 
 TEMA 2 - LIBRAS 
 ESTUDO DA LÍNGUA DE SINAIS: LINGUÍSTICA 
 Sócio-interacionismo: uma ferramenta de análise para compreender o processo de 
 comunicação na surdez 
 A surdez é o objeto de estudo de muitos pesquisadores. As dificuldades oriundas 
 dessa limitação têm despertado o interesse de várias linhas de pesquisa. 
 Para a grande maioria dos pesquisadores dessa área, o problema mais significativo, 
 para a pessoa surda, está na aquisição da linguagem. Pelo fato de, em geral, ela se 
 dar de forma tardia, acarreta problemas psicológicos, sociais e cognitivos: o que 
 significa dizer que a linguagem, então, possui uma função muito mais abrangente do 
 que simplesmente a de comunicar. 
 Vygotsky e Bakhtin fazem um estudo da linguagem a partir da ótica social e sobre a 
 influência do meio social no desenvolvimento cognitivo do indivíduo, que é a 
 chamada psicologia sociointeracionista. 
 Consciência e ideologia: uma questão de linguagem? 
 Contrariando o subjetivismo idealista, que parte do ato da fala como criação 
 individual, e o objetivismo-abstrato, que parte das regras gramaticais determinadas 
 pela sociedade e não pelo indivíduo, portanto ele não pode modificá-la, apenas 
 utilizá-la, Bakhtin objeta seus estudos sobre aquisição da linguagem nas relações 
 interpessoais e no meio social no qual a pessoa participa. 
 “A consciência humana não só nada pode explicar, mas, ao contrário, deve ela 
 própria ser explicada a partir do meio ideológico e social”. 
 (BAKHTIN apud GOLDFELD,1990 p. 46) 
 Para Bakhtin, há uma relação inseparável entre o psiquismo (individual) e ideologia 
 (social). A ideologia é responsável pela construção da consciência individual. O 
 indivíduo, ao atuar na sociedade, o faz com suas marcas individuais que, por sua 
 vez, se originaram no meio social. Essas relações sociais constituem o indivíduo 
 que se utiliza da linguagem e dos signos para comunicar-se tanto no diálogo exterior 
 quanto no interior (pensamento). Nesse sentido, o meio social passa a existir a partir 
 da consciência individual que, por sua vez, existe a partir do social. 
 Sendo assim, a língua não só é determinada pelo meio social e pelo momento 
 histórico, como reflete as características sócio-históricas da comunidade que a 
 utiliza. Ou seja, a maneira de falar, o valor atribuído às palavras e toda a 
 subjetividade são determinados pelo momento sócio-histórico em que o indivíduo se 
 desenvolve. 
 Os signos são os mediadores da internalização da relação ideológica-psíquica, uma 
 vez que o homem internaliza o símbolo, o semiótico, a linguagem. 
 “Os signos só emergem decididamente, do processo de interação entre uma 
 consciência individual e outra. E a própria consciência individual está repleta de 
 signos. A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo 
 ideológico (semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação 
 verbal.” 
 (BAKHTIN apud GOLDFELD, 1990, p.49) 
 Então, como ocorre o desenvolvimento da consciência nos surdos que não 
 têm acesso à língua de sua comunidade? Para Bakhtin, os signos não se 
 restringem única e exclusivamente à fala oral. Todo e qualquer meio pode servir 
 como meio de utilização dos signos. O problema, então, não está no indivíduo que 
 não ouve ou em seus ouvidos que não captam o som. O problema está no meio 
 social em que o indivíduo está inserido. 
 Num passado não muito distante, o surdo foi proibido de utilizar sua língua natural e, 
 consequentemente, de viver sua própria cultura. Hoje, os surdos não são proibidos 
 legalmente de se comunicar através de sinais, mas muitos surdos não têm acesso a 
 um grupo social que utilize essa língua, permanecendo à margem da sociedade. 
 O processo de aquisição da língua portuguesa, para um surdo, é muito lento e não 
 se dá de forma natural, enquanto a Libras é adquirida de forma natural e 
 espontânea e com ela todas as características culturais de sua comunidade. 
 Pensamento e linguagem: bases para a comunicação 
 Vygotsky desenvolveu suas pesquisas entre os anos de 1926 a 1936. Os estudos 
 sobre a relação entre pensamento e linguagem existentes em sua época 
 consideravam pensamento e linguagem uma mesma função, ou o seu extremo, 
 totalmente independentes. 
 Ele propôs que o estudo da relação entre essas funções seja feito a partir de sua 
 unidade comum, pois assim há a conservação de todas as propriedades do todo, 
 não havendo o risco de dividir sua estrutura a ponto de perder a noção do seu real 
 funcionamento, evitando que se tenha uma visão reducionista dessas funções e 
 suas relações. 
 A unidade pertencente ao pensamento e a linguagem, segundo Vygotsky, está no 
 significado da palavra. É nele que o pensamento e a linguagem se unem dando 
 origem ao pensamento linguístico. Nesse sentido, a linguagem não tem apenas a 
 função de comunicar, mas também de constituir o pensamento. Com isso, pode-se 
 concluir que o processo de aquisição da linguagem para Vygotsky é o mesmo de 
 Bakhtin, do meio social para o indivíduo. 
 Segundo Vygotsky, “[...] o pensamento não é simplesmente expresso em palavras, é 
 por meio delas que ele passa a existir.” (VYGOTSKY apud GOLDFELD, 1990, p. 
 53). Isso significa dizer que o meio social em que o indivíduo está inserido 
 desempenha um papel importante e é nesse meio que se deve focar nossa análise 
 nos casos em que há atrasos de linguagem. 
 A criança surda que apresenta problemas de comunicação e cognição deve ser 
 analisada pelo meio social que está inserida, pois é ele que não está lhe oferecendo 
 condições de adquirir uma língua natural. 
 “A natureza do próprio desenvolvimento se transforma do biológico para o 
 sócio-histórico. O pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e 
 inato e tem propriedades e leis específicas.” 
 (VYGOTSKY apud GOLDFELD, 1990, p. 54) 
 Para Vygotsky, existem duas linhas de constituição do pensamento, a primeira 
 é natural, biológica; e a segunda é sócio-histórica , mas é a segunda, a 
 sócio-histórica, que exerce maior influência no desenvolvimento do pensamento. Em 
 outras palavras, a linguagem utilizada no meio social modela a maior parte do 
 pensamento, o que explica por que os surdos que não tiveram acesso a uma língua 
 natural desenvolvem um tipo de pensamento mais concreto e possuem dificuldade 
 em internalizar conceitos mais abstratos: um quadro difícil de ser revertido quando 
 já se está na adolescência ou na fase adulta. Daí a necessidade de introduzir, o 
 mais cedo possível, um ambiente que se utilize LIBRAS, assim, o surdo não estará 
 apenas aprendendo a nomear objetos, mas estará fazendo o mais importante, 
 constituindo seu pensamento ideológico, compreendendo desde os conceitos 
 concretos, como mesa, casa, livro até conceitos puramente abstratos, como: eu, 
 ética, metafísica. 
 Aquisição da linguagem e desenvolvimento cognitivo 
 O pensamento e a linguagem, no início da vida de um bebê, segundo Vygotsky, 
 estão dissociados, por isso classifica essasfunções como linguagem não intelectual 
 e pensamento não verbal. 
 O recém-nascido, inicialmente, possui apenas reações instintivas (choro, 
 balbucio...), que vão adquirindo significado à medida em que a mãe interage com 
 ele. Ao amamentar o bebê após o choro, por exemplo, a mãe está fazendo com que 
 ele adquira o significado de fome, assim, toda vez que sentir necessidade fisiológica 
 de alimento, o bebê se utilizará do choro para dizer à mãe que está com fome, 
 atribuindo ao choro uma função comunicativa com a mãe. O mesmo acontece com 
 as tentativas de apanhar objetos distantes que, por não estarem ao seu alcance, a 
 criança os aponta, comunicando ao adulto que os quer. Ações um tanto quanto 
 simples, mas fundamentais, pois são o início de um processo mais complexo que 
 apenas o ser humano domina e que lhe possibilita formas de raciocínio 
 extremamente desenvolvidas: o da linguagem. 
 A criança desenvolve sua fala a partir da fala da comunidade a qual pertence. Os 
 adultos não só estimulam a comunicação da criança, mas também o seu 
 desenvolvimento intelectual, ao ajudar na realização de tarefas que elas ainda não 
 fazem sozinhas. A relação entre o psiquismo do adulto e o da criança dá origem ao 
 desenvolvimento cognitivo que para Vygotsky é inter-psíquico. 
 Em torno dos dois anos de idade, a criança passa a utilizar a fala social com a 
 função de comunicação, que se desenvolve em dois sentidos: o primeiro se refere 
 ao aumento da complexidade das estruturas linguísticas utilizadas na comunicação, 
 e o segundo se refere à internalização, que é a substituição da fala do adulto pela 
 sua própria fala na realização de tarefas. 
 Dos dois aos seis anos de idade é comum as crianças falarem sozinhas enquanto 
 brincam. Esse ato, denominado por Vygotsky como fala egocêntrica, marca o início 
 da função cognitiva da linguagem de forma intrapsíquica, e pensamento e 
 linguagem passam a ser interdependentes. A linguagem passa a organizar e 
 orientar o pensamento da criança. 
 A estrutura da fala egocêntrica, no início, é muito semelhante à da fala social, mas à 
 medida que a criança se desenvolve essa semelhança vai diminuindo, pois a 
 estrutura gramatical aos poucos vai sendo abreviada, e a criança se dá conta que o 
 interlocutor da fala é ela mesma, por isso a fala egocêntrica é predicativa já que a 
 criança sabe de quem ou a que está se referindo, e não há necessidade de 
 mencionar o sujeito. 
 Inicialmente, a fala egocêntrica é utilizada no fim da atividade, e isso ocorre em 
 torno dos três anos de idade. A fala aqui se refere ao que já foi feito. Com o passar 
 do tempo e o desenvolvimento da criança, sua fala passa a ser utilizada durante a 
 atividade até que finalmente chega a antecedê-la, ou seja, nesse estágio a criança 
 já é capaz de planejar, de maneira consciente, através de sua fala, suas ações 
 futuras. 
 Com o desenvolvimento da criança, sua fala egocêntrica vai sendo interiorizada, 
 passando assim a utilizar a fala interior. Nesse estágio, a verbalização não se faz 
 necessária, e a criança já consegue organizar suas atividades, fazendo uso apenas 
 do pensamento verbal. 
 A fala interior difere da fala social uma vez que é composta por significados e 
 generalizações, não se concentrando na expressão fonética. 
 Como já mencionado anteriormente, a aquisição de linguagem é um processo que 
 acontece do exterior para o interior. Tem seu princípio na fala social, passa para a 
 fala egocêntrica até chegar à fala interior, que é a principal forma de pensar, 
 também conhecida como pensamento linguístico. 
 Ao afirmar que a linguagem além da função comunicativa também tem a função de 
 organizadora e planejadora, está se afirmando também que as crianças surdas que 
 sofrem atraso de linguagem estão em desvantagem em relação às crianças que 
 adquirem linguagem de forma natural. A aquisição de linguagem é a principal 
 responsável pelo desenvolvimento cognitivo da criança e toda a cognição é 
 determinada pela linguagem que, por sua vez, é influenciada e determinada por 
 questões culturais e socioeconômicas. 
 De fato, a necessidade de comunicação do ser humano é tamanha que, ainda que 
 uma criança surda desconheça a língua de sinais e a língua oral, seu convívio social 
 permite que ela simbolize e conceitue, e de alguma forma, se comunique. Mas sua 
 comunicação será muito limitada, pois não possui acesso a todas as informações e 
 assuntos que os ouvintes têm. Sua compreensão se restringirá ao presente, 
 sendo-lhe quase que impossível compreender o passado, o futuro e os assuntos 
 abstratos. Ao permanecer vinculada ao concreto, suas funções organizadora e 
 planejadora da linguagem não se desenvolvem de forma plena e satisfatória. 
 Formação de conceitos 
 O conceito está ligado à capacidade de generalização, de categorização das 
 palavras. O significado é mutável e se modifica à medida que o indivíduo se 
 desenvolve, mas não significa dizer que a generalização e a abstração se 
 modificam. 
 A palavra pode nomear diversos objetos para uma criança e por isso se utiliza, 
 normalmente, do auxílio de gestos para que o interlocutor a compreenda. Ao falar 
 água, por exemplo, a criança pode estar se referindo à água que está vendo em um 
 aquário ou piscina, ou ainda pode estar afirmando que está com sede. Para que o 
 adulto a compreenda, ela certamente apontará para um copo e falará água, o que 
 significa estar com sede. 
 Pode-se concluir que o pensamento conceitual não é algo inato, pelo contrário, para 
 chegar até ele a criança precisa passar por um processo que dependerá muito da 
 participação do adulto, uma vez que a criança sozinha não é capaz de inventar 
 conceitos: o que significa dizer que suas relações sociais serão muito importantes 
 nesse processo, pois é através dos conceitos de sua família e de sua comunidade 
 que a criança passa a formar a sua maneira de pensar. 
 O início do processo de categorização é marcado pela percepção das semelhanças, 
 algo não tão simples, pois envolve um certo grau de abstração em que a criança 
 precisa separar as características dos objetos, compará-las e ser capaz de 
 reconhecer as semelhanças. 
 Ao longo do seu desenvolvimento, a criança categoriza os objetos de diversas 
 formas. Vygotsky salienta três etapas desse processo: 
 Na primeira, a criança não procura semelhanças, mas simplesmente agrupa objetos 
 de forma aleatória. 
 Na segunda etapa, a criança já utiliza alguns critérios para o agrupamento, porém 
 esses critérios ainda não são subjetivos ou lógicos, mas apenas concretos e fatuais. 
 Vygotsky denomina essa fase como pensamentos complexos, em que as palavras 
 possuem um significado muito amplo, como no exemplo da água, citado 
 anteriormente. 
 No final do estágio de pensamento por complexos, a criança já possui fala 
 semelhante a do adulto, porém os significados das palavras ainda diferem bastante, 
 pois ela ainda não é capaz de perceber as relações lógicas entre os conceitos.Nessa etapa, a criança inicia seu processo de abstração quando consegue agrupar 
 objetos com maior semelhança. Esse estágio precede os conceitos verdadeiros, 
 onde a criança só chega após ser capaz de abstrair, de se desvincular do concreto, 
 de sintetizar e de analisar. 
 “Um conceito só aparece quando os traços abstraídos são sintetizados novamente, 
 e a síntese abstrata daí resultante torna-se o principal instrumento do pensamento.” 
 (VYGOTSKY apud GOLDFELD, 1997 p. 66) 
 Cada conceito é uma generalização que, relacionados entre si, formam uma relação 
 de generalizações, que por sua vez, não são percebidas pela criança na fase dos 
 complexos, pois ainda não são capazes de perceber a hierarquia existente entre os 
 conceitos de flor e rosa. 
 O sistema conceitual do indivíduo é formado quando ele é capaz de perceber as 
 relações de generalidade entre os conceitos, sendo capaz de elaborar novos 
 conceitos sem necessariamente estar ligado a uma situação concreta. Seus 
 conceitos surgem de outros já conhecidos. 
 Conceitos generalizados como roupa, moradia, mobília, marcam um avanço muito 
 grande no desenvolvimento da criança e demonstram que ela já está estabelecendo 
 relação entre eles. Mais do isso, já está sendo capaz de libertar-se do concreto, 
 podendo falar de tempo e espaço não alcançados por ela. 
 Daí a dificuldade em conversar com crianças surdas, em português, sobre assuntos 
 que não estejam relacionados ao ambiente em que ela e o interlocutor estejam. Em 
 geral, o adulto, diante dessa dificuldade, evita falar sobre assuntos abstratos com a 
 criança surda, impossibilitando que ela venha a desenvolver o domínio desses 
 conceitos. Por isso, a criança surda, muitas vezes, fica restrita a níveis de 
 generalizações concretas, apresentando grande dificuldade em perceber a relação 
 existente entre palavras hierarquicamente relacionadas como: ser vivo – vegetal – 
 flor – margarida. Muitas vezes, considera-os como equivalentes, não sendo capaz 
 de utilizar generalizações do tipo seres vivos e vegetais. 
 Para Vygotsky, adquire-se os conceitos de duas formas: do dia a dia, da experiência 
 concreta, que são os conceitos espontâneos, e não na escola, que é responsável 
 por boa parte dos conceitos aprendidos de maneira formal. Esses são chamados de 
 conceitos científicos, e são aprendidos através da explicação e de outros conceitos 
 que a criança já domina. Os dois tipos de conceitos fazem parte de um sistema 
 onde um impulsiona o desenvolvimento do outro. 
 Libras: o estudo da sua estrutura linguística 
 Para entender o status linguístico da Libras, precisamos refletir primeiramente sobre 
 o que significa estudar uma língua. Podemos estudar uma língua por meio do 
 conhecimento de sua estrutura. Dessa maneira, busca-se encontrar padrões de 
 organização dentro da língua, bem como similaridades entre os padrões 
 encontrados dentro de uma língua com outras línguas. As línguas de sinais nos 
 oferecem, nesse sentido, uma particularidade interessante. Diferentemente das 
 línguas orais, ela se faz presente na modalidade visoespacial. Isso significa que sua 
 articulação acontece de forma visual e que os interlocutores usam o espaço ao seu 
 redor como processo natural de comunicação. O estudo linguístico, quando pelo 
 viés da forma, ocupa-se normalmente das seguintes categorias: fonologia, 
 morfologia, semântica e pragmática. As línguas de sinais, incluindo a Libras, são 
 analisadas de acordo com essas categorias de análise. A seguir, serão descritos 
 alguns dos resultados principais desses estudos, juntamente com algumas reflexões 
 sobre como esse conhecimento pode ajudar no que diz respeito ao aprendizado da 
 Libras. 
 Fonologia 
 Embora possa parecer estranho encontrar a fonologia dentro dos estudos de uma 
 língua sinalizada, as pesquisas encontraram paralelos interessantes que nos 
 mostram como línguas como a Libras possuem uma arquitetura e organização 
 semelhante, mesmo no nível fonológico. 
 A fonologia é originalmente considerada como o estudo da relação entre os sons de 
 uma língua com a distinção de sentido. Esse conceito foi estendido também para as 
 línguas de sinais. Mais especificamente, o aspecto que permite pensarmos em uma 
 fonologia da Libras, por exemplo, diz respeito ao estudo dos pares mínimos de uma 
 língua. Esses são os fonemas ou sons que individualmente não provocam diferença 
 de sentidos, mas que, quando comparados com os de outras palavras, ocasionam a 
 mudança de sentidos entre elas. Podemos tomar como exemplo os fonemas das 
 palavras pala e mala. A diferença está no primeiro fonema, portanto, ele é 
 contrastivo. 
 A Libras também produz sinais a partir do mesmo princípio fonológico. Para 
 entender como isso se dá, precisamos primeiramente entender como se dá a 
 construção de um sinal. O princípio básico está no seguinte padrão de organização: 
 Ainda existem alguns aspectos importantes na formação do sinal chamados de 
 expressões não manuais, que podem incluir a expressão facial, a direção do olhar, 
 entre outros. É importante que se lembre desses parâmetros básicos para a 
 formação do sinal, visto ser comum os estudantes de Libras cometerem erros na 
 sua articulação por falta de consciência de sua organização. 
 Portanto, os três primeiros parâmetros mencionados, configuração de mão, locação 
 e movimento são responsáveis pela articulação do sinal. Assim como em línguas 
 orais como o Português, a troca de um parâmetro da articulação acarreta na 
 mudança do seu sentido. Isso é observado em pares de sinais realizados de forma 
 quase idêntica, a não ser por um parâmetro. Por exemplo, podemos notar a 
 diferença entre os sinais DESCULPA e VERDE. Os dois sinais podem ser 
 realizados no mesmo local e com o mesmo movimento, porém com a configuração 
 de mão diferente. 
 A partir dos estudos com línguas de sinais, o conceito de fonologia então passa a 
 ser compreendido como o estudo das unidades mínimas sem sentido em uma 
 língua e como a sua mudança pode causar a mudança de sentido de uma palavra. 
 Na prática, esse conhecimento é importante para que se aprenda a diferenciar os 
 sinais tanto no momento em que se percebe a sua formação como no momento em 
 que se precisa produzi-lo. A mudança de um dos seus parâmetros pode mudar o 
 sentido ou fazer com que o sinal fique completamente incompreensível. O sinal em 
 Libras também pode ser compreendido pela sua morfologia. A seguir, serão dados 
 alguns exemplos de organização morfológica da Libras. 
 Morfologia 
 A Libras também se organiza de acordo com padrões estudados da morfologia. Esta 
 área do estudo linguístico se ocupa das unidades mínimas responsáveis por 
 sentidos específicos, e são assim importantes para a produção do léxico, ou seja, o 
 seu conjunto de sinais. Por meio dos estudos morfológicos, podemos entender 
 quando uma palavra designa o feminino, como em menina; o masculino, como em 
 menino; o singular ou o plural, pela presença ou ausência de s. Além desses casos, 
 também há estudos sobre quando esse mesmo padrãonão é obtido dentro do 
 léxico de uma língua. A seguir, você poderá compreender como alguns desses 
 aspectos são marcados em Libras. 
 Gênero em Libras 
 A Libras também tem uma forma para marcar o gênero masculino e feminino 
 quando necessário. O sinal MULHER e HOMEM normalmente é utilizado para os 
 casos onde o sinal anterior não marcar gênero. Um bom exemplo é o sinal PRO- 
 FESSOR, que em si não marca gênero, e isso pode ser sucedido pelo sinal 
 HOMEM ou MULHER. 
 Número em Libras 
 A organização das informações por número indica se o referente de um enunciado é 
 singular ou plural. A Libras possui alguns mecanismos para a disposição de 
 informações nesse sentido. A repetição do sinal no espaço em frente ao sinalizador 
 é um exemplo desse mecanismo. Quando se busca o que em Português seria o 
 plural da palavra casa, um sinalizador faria a repetição desse sinal no espaço. 
 A sintaxe da Libras 
 A sintaxe é a área de estudos linguísticos que analisa como as frases são 
 organizadas. A diferença mais significativa na forma como a Libras organiza as suas 
 frases está no uso da modalidade visoespacial. Enquanto as línguas orais auditivas 
 usam o aparelho fonador como articulador principal, as mãos são o principal meio 
 de línguas como a Libras. Assim, elas podem articular o seu discurso no espaço a 
 sua frente, fazendo relação aos referentes. A isso se chama campo anafórico. 
 A consciência da forma como a Libras organiza a suas frases é importante para 
 quem vai começar a aprender a se comunicar com surdos. É comum esperar que 
 eles façam as suas frases na mesma estrutura do Português, mas isso não 
 corresponde à realidade das línguas, visto haver diferentes formas de organização 
 sintática. O aprendiz deve conhecer mais sobre como as frases são feitas para 
 poder melhorar a sua comunicação. Uma dica interessante é prestar atenção no tipo 
 de verbo utilizado, e um exemplo são os verbos direcionais. Esse tipo de verbo 
 utiliza o espaço à frente do sinalizador e faz com que a configuração de mão 
 percorra uma trajetória. Assim para dizer “Eu avisei a você”, é necessário usar o 
 sinal AVISAR e direcioná-lo ao interlocutor à frente e, para dizer o contrário, “Você 
 me avisou”, você deverá fazer o caminho inverso, trocando não somente a direção 
 do sinal, mas a orientação da mão, invertendo-a. 
 Semântica e pragmática 
 Assim como nas línguas orais, as línguas de sinais também possuem padrões de 
 organização semântica e pragmática. Quando se estuda a semântica de um sinal ou 
 de uma palavra, o objetivo maior é compreender que sentidos podem haver dentro 
 de uma frase. Por outro lado, quando associamos a nossa busca ao contexto onde 
 ela é dita, estamos colocando a pragmática. Um exemplo clássico acontece quando 
 alguém, em uma sala, pede para outra pessoa fechar a janela devido ao frio. Isso 
 pode ser dito diretamente como em: “por favor, fecha a janela”. Ou então pode ser 
 dito por meio do contexto pragmático, olhando para a janela e dizendo: “Está frio 
 hoje, não”. A outra pessoa pode entender que deve fechar a janela, mesmo que 
 dentro do enunciado não haja a palavra frio ou fechar. Esse sistema de organização 
 também é visto em línguas sinalizadas como a Libras, o que implica na necessidade 
 de buscar o sentido dentro do contexto e não apenas por meio da localização e uso 
 de sinais individualmente. 
 Outra questão semântico-pragmática que é importante lembrar ao se conhecer a 
 Libras diz respeito à existência de sinais idênticos para sentidos diferentes. Esse é 
 normalmente o caso do sinal LARANJA e SÁBADO. Os dois sinais são feitos com a 
 mesma configuração de mão, locação e movimento. O sentido pode normalmente 
 ser visto no contexto da interlocução. Isso nos remete para importantes questões 
 frequentemente levantadas por alunos que estão começando a aprender a língua de 
 sinais. Muitos argumentam que o sentido poderia ser único para evitar confusões e 
 ser mais fácil o aprendizado. No entanto, é importante lembrar que a Libras se trata 
 de uma língua natural e que, assim, ela passa por fenômenos semelhantes a elas, 
 sejam da modalidade oral como o Português ou outra língua na modalidade 
 sinalizada. 
 O léxico da Libras 
 Quando falamos do léxico da Libras neste capítulo, estamos tratando do conjunto do 
 vocabulário que essa língua usa para propiciar a comunicação. Esse pode ser 
 composto por sinais já estáveis na língua, isto é, sinais já presentes e conhecidos 
 entre os seus usuários. Por outro lado, também há a possibilidade de produção de 
 novo vocábulo, como já mencionado. É comum alunos questionarem se esse 
 processo deveria ser acelerado ou, então, controlado para fins de universalização. É 
 importante lembrar novamente que isso não pode e não deve ser contido, visto a 
 Libras não ser uma língua artificial. Por outro lado, a criação de novos sinais 
 depende do conhecimento que os indivíduos possuem das regras de formação de 
 sinais, bem como da sua experiência linguística, educacional e de trabalho, entre 
 outras. 
 O léxico da Libras também pode fazer uso de elementos do Português, como o 
 alfabeto manual. A isso chamamos empréstimo linguístico. O alfabeto manual, 
 também chamado de datilológico, corresponde às letras do alfabeto. É comum 
 pensar que esse alfabeto corresponde a todos os sinais utilizados pelos surdos, ou 
 que para se comunicar com os surdos basta simplesmente usá-lo soletrando cada 
 letra do alfabeto manual. Isso pode ser complicado para a sua comunicação. Os 
 surdos que usam a Libras possuem um vocabulário próprio dentro da sua língua de 
 sinais. As palavras do Português correspondem ao vocabulário de outra língua, e os 
 surdos podem não ter tido acesso a esse vocabulário. O fato de os surdos 
 compartilharem a identidade de brasileiros e conviverem entre textos escritos em 
 Português não significa automaticamente que eles tenham conhecimento pleno do 
 vocabulário dessa língua. Para que a comunicação aconteça com qualidade, é 
 importante respeitar o vocabulário do léxico da Libras, aprendendo os seus sinais e 
 utilizar o alfabeto manual para momentos onde não houver um sinal comum, 
 respeitando o fato de a palavra não ser do léxico da língua de sinais. 
 Variação linguística da Libras 
 A variação linguística é o processo pelo qual as línguas mudam ao longo do tempo 
 ou de uma determinada região em comparação com outra região. Na Libras, 
 também é possível encontrar o fenômeno da variação linguística. Por exemplo, o 
 sinal PESSOA utilizado no estado do Rio Grande do Sul não é o mesmo encontrado 
 em outras regiões do Brasil. Enquanto no Rio Grande do Sul esse sinal é articulado 
 no tórax do sinalizador, em outras partes do Brasil esse conceito é sinalizado na 
 região superior da cabeça. 
 Para que se conheça a língua, é importante aprender a respeitar a sua variação 
 sociolinguística. Isso não significa que se deva aprender todas as formas de um 
 sinaljá de início. Um lugar interessante para se conhecer a variação linguística da 
 Libras é a internet. O site Youtube contém vídeos de diversas partes do Brasil. Em 
 se tratando de línguas de sinais de outros lugares do mundo, o site também é um 
 ótimo lugar para a busca. No entanto, é importante usar de critérios para a busca e 
 o conhecimento de línguas de sinais na internet, visto que o aluno pode estar 
 aprendendo uma variação que não pertence a sua região. A orientação de um 
 profissional do ensino da Libras é importante para que se possa aproveitar da 
 melhor maneira o conhecimento disponibilizado em vídeos na internet. 
 TEMA 4 - LIBRAS 
 BILINGUISMO 
 Bilinguismo e o Bilíngue 
 Compreender o que é o bilinguismo e principalmente quem é o bilíngue é 
 fundamental para iniciar os estudos sobre a Libras. O sujeito surdo, usuário de 
 Libras, é um sujeito naturalmente bilíngue quando nascido em uma família de 
 ouvintes e que tem em seu próprio lar duas línguas, sendo a Língua Brasileira de 
 Sinais sua primeira língua e o Português Brasileiro a segunda. 
 Para muitos, o bilinguismo é algo já estabelecido onde existe uma pessoa que sabe 
 duas línguas; para outros, o bilinguismo é ter proficiência nas duas línguas. Por esse 
 motivo, o conceito do bilinguismo será revisado por nós, já que é um conceito de um 
 fenômeno complexo e que a literatura o apresenta com diferentes formatos. 
 Nas primeiras pesquisas registradas, em 1923, Saer apresenta que o bilinguismo é 
 algo ruim, que acarreta prejuízo cognitivo e de aprendizagem. Ao mesmo tempo, 
 pode ser bom para as pessoas, já que aumenta a tolerância e a habilidade de 
 adaptação, conforme relatam Kielhöfer e Jonekeit, em 1983. Na busca ainda de 
 compreender o fenômeno do bilinguismo, Titone, em 1972, publicou um estudo em 
 que observa o papel do bilinguismo na sociedade, visualizando o quanto somos 
 bilíngues e como utilizamos essas línguas. 
 Considerar os estudos anteriores é necessário, já que as pesquisas de Mackey 
 (1972) corroboram com os estudos atuais de bilinguismo surdo. Mas o que é um 
 bilinguismo surdo? Vamos explorar mais adiante essa ideia. Nesse momento, 
 continuaremos com a proposta de Mackey (1972), que considera o sujeito bilíngue 
 como aquele que alterna duas ou mais línguas, ou seja, que usa duas ou mais 
 línguas conforme a necessidade de comunicação. Ele estabelece que, conforme o 
 uso, existem medidas e graus para o mesmo. 
 Portanto, Mackey (1972) propõe que o sujeito não pode ser bilíngue apenas por 
 saber duas línguas, que o saber duas línguas seja o único requisito para ser bilíngue 
 estaria equivocado. O bilinguismo deve ser visto como um todo, considerar o grau, 
 função, alternância e interferência das línguas. Vejamos, o grau está relacionado ao 
 quanto o sujeito conhece das duas línguas, tanto na produção quanto na 
 compreensão da língua. Ou seja, o sujeito bilíngue poderá ter uma maior habilidade 
 na escrita ou somente na leitura, ou nas quatro habilidades da língua (leitura, escrita, 
 produção e compreensão). 
 O item Função, para Mackey (1972), determina as finalidades de uso da língua, 
 considera as circunstâncias em que são utilizadas as línguas pelo bilíngue, e a 
 Alternância é a possibilidade de trocas de língua, essa possibilidade do bilíngue 
 poder determinar a partir da função e do grau de conhecimento das línguas, o 
 momento e com quem pode usar determinada língua. Como percebe-se, o bilíngue é 
 um sujeito que pode ser mais proficiente em uma língua e menos na outra, já que 
 pode escolher onde, quando e qual língua usar. 
 Esse conceito de que o bilíngue não é altamente proficiente nas duas línguas é algo 
 que podemos dizer ser recente, já que surge através dos estudos de Fischman 
 (1972), e os estudos de Grosjean (1985, 1989) corroboram para que entendamos o 
 que seria ser bilíngue. Nesses estudos, defende a concepção de domínios de uso da 
 língua, desconsiderando a proposta de que, para ser bilíngue, o indivíduo teria que 
 ser usuário de duas línguas da mesma forma. Enfatiza que existe sim diferentes 
 níveis de uso das línguas considerando contextos e as necessidades de uso. 
 Dessa forma, Grosjean (1994) inicia as discussões sobre a noção de “contínuo”. 
 Esse conceito é uma variável importante para ser considerada na educação de 
 surdos, já que o bilinguismo é peça fundamental para pensar a educação bilíngue. O 
 contínuo pode ser compreendido em duas extremidades: a primeira seria de explicar 
 sobre os bilíngues sem habilidade de alternar as línguas, mas que possuem uma 
 proficiência baixa em uma das línguas em alguns contextos de comunicação; a 
 segunda seria que o bilíngue possui habilidade de alternar as línguas em diferentes 
 contextos e domínios de uso, portanto os bilíngues podem apresentar-se de formas 
 diferentes a partir de suas experiências com as línguas. 
 Fique de olho! 
 Destaco que ser bilíngue não é ter dois monolíngues em uma pessoa, mas, sim, a 
 habilidade de poder usar as línguas conforme a necessidade de comunicação que o 
 contexto proporciona. Compreender a função de cada língua é essencial; por 
 exemplo, o sujeito surdo tem um contexto específico, onde 95% das crianças surdas 
 nascem em lares onde os pais são ouvintes e desconhecem a Libras (STROBEL, 
 2007). 
 Nesse caso, o bilinguismo é imposto socialmente, já que a própria família é 
 composta por pessoas que usam outra língua que não a sua. Nós ouvintes, quando 
 desejamos, podemos fazer uma escolha de língua para o contexto de trabalho, 
 outra para conversar com amigos, sendo que o uso de uma ou outra em 
 contextos/situações diferentes pode ser definido por diversos fatores, e um desses 
 fatores pode ter sido uma decisão pessoal livre. No caso dos surdos brasileiros, é 
 uma escolha imposta sob a Lei Federal 10.436/2002, que estabelece que o surdo 
 deve ser bilíngue, utilizando a Libras, e o português brasileiro na modalidade escrita 
 como segunda língua. 
 O contexto de aquisição das línguas é importante, podendo definir o quanto e como 
 o bilíngue poderá utilizar as línguas, conforme Chin e Wigglesworth (2007). Os 
 autores defendem que a aquisição das línguas sofre influência social, gerando a 
 percepção que os bilíngues possuem do uso das duas línguas. Há duas formas de 
 comunidades linguísticas, sendo a primeira endógena, onde a segunda língua é 
 presente na comunidade; e, a segunda, a exógena, que é quando a segunda língua 
 não está presente no contexto em que o indivíduo se insere. Por exemplo, quando a 
 língua é utilizada somente na escola, poderá gerar um efeito sobre o grau de 
 bilinguismo individual, já que a segunda língua não é utilizada diariamente e em 
 diversos contextos. O surdo, nesse caso, é da comunidade exógena, pois a Libras é 
 uma língua que não é amplamente utilizada nos meios de comunicação e pela 
 sociedade como um todo. 
 Outro ponto para pensarmos o bilinguismo é a idade de aquisição da Libras. Chin e 
 Wigglesworth (2007) distinguem-se entre bilíngues precocese bilíngues tardios. Os 
 bilíngues precoces são caracterizados por serem indivíduos submetidos a duas 
 línguas antes da adolescência, ao passo que os bilíngues tardios são aqueles 
 submetidos à segunda língua após a adolescência. Questões relacionadas à idade 
 de aquisição seguidamente surgem nas discussões relacionadas ao bilinguismo, 
 principalmente devido à forte associação que existe entre idade de aquisição e nível 
 de proficiência na segunda língua. Há estudos que apontam para a ideia de que o 
 bilinguismo precoce possa oferecer vantagens, principalmente no que se refere à 
 aquisição de aspectos fonológicos da segunda língua. Por outro lado, existem 
 estudos que defendem que os indivíduos maduros, os bilíngues tardios, estão em 
 vantagem para adquirir a segunda língua de forma mais rápida do que crianças, por 
 demonstrarem atitude, aptidão, motivação diferenciada e, principalmente, por 
 compreenderem e analisarem as estruturas complexas das línguas. 
 O que uma criança surda perde em aprender a Libras tardiamente? A resposta pode 
 ser simples e complexa, já que quando adulta poderá aprender Libras e ter sucesso 
 na sua aprendizagem. Mas o fato de não ter uma língua estabelecida e clareza na 
 comunicação com seus familiares e com todos que o cercam poderá acarretar uma 
 perda de informações de sua comunidade cultural, informações familiares, conhecer 
 a si e aos que a rodeiam. Enfim, poderá ser uma pessoa estranha em um espaço 
 familiar, já que não consegue demonstrar seus sentimentos de forma clara para com 
 todos. 
 Bilíngue Bimodal 
 O sujeito surdo, usuário de Libras, como visto anteriormente, não nasce em lares 
 bilíngues, os mesmos nascem na sua maioria em famílias que aprenderão a 
 Libras junto com a criança surda, outras não aprenderam a Língua de Sinais, 
 outras rejeitarão a Libras e optarão por um método oralista de comunicação, onde 
 a criança surda fará leitura orofacial (leitura labial) para comunicar-se. 
 Nesse cenário diverso, deve-se considerar que a educação de surdos começou no 
 Brasil em 1857, com a criação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), 
 que inicialmente foi chamado de Instituto Nacional de Surdos-Mudos. E, logo em 
 1880, o Brasil participou do Congresso de Milão, onde se estabeleceu que a Língua 
 de Sinais deveria ser proibida e que o método oralista fosse adotado em diversos 
 países, incluindo o Brasil. O INES inicia, portanto, a proibição da Libras utilizando a 
 oralização como meio de comunicação. Sem êxito, por volta da década de 80, inicia 
 o método de Comunicação Total, que estabelece uma comunicação com diferentes 
 meios, sendo uma mescla de Libras com oralização, podendo usar de mímica e 
 qualquer outro recurso comunicativo. 
 O método bilíngue começa a ser aplicado por volta do ano de 1986, surgindo a 
 filosofia bilíngue na década de 90, que concebe o uso de duas línguas no espaço 
 escolar para surdos, evidenciando a primeira língua, que é a língua de sinais 
 (GOLDFELD, 1997). 
 A alternância de línguas para os surdos brasileiros somente é possível quando sua 
 escolarização é baseada verdadeiramente nos princípios de uma educação bilíngue 
 de qualidade, que se responsabiliza pelo desenvolvimento linguístico e cognitivo do 
 seu alunado, de forma a proporcionar a aquisição da língua de sinais como primeira 
 língua e, por meio dela, o ensino dos conteúdos e a produção de conhecimento na 
 escola, incluindo o ensino do português, na modalidade escrita. (SANTIAGO; 
 ANDRADE, 2013, p. 160) 
 O bilinguismo precisa ser discutido e tratado com muito cuidado, poderá ser a forma 
 de conceituá-lo que poderá fazer a diferença. Vejamos que, para Swanwick (2000), 
 existem três modalidades de língua presentes nos estudos de bilinguismo: (1ª) a 
 modalidade oral-auditiva, que abrange as línguas orais; (2ª) a modalidade 
 visual-gráfica, que compreende ao registro da língua; e (3ª) a modalidade 
 visuoespacial, que abarca às línguas de sinais. Quando discorremos sobre 
 bilinguismo, portanto, esse pode ser unimodal, quando se utiliza uma modalidade de 
 língua, ou bimodal, no qual um indivíduo utiliza línguas de modalidades diferentes, 
 sendo uma língua na modalidade oral-auditiva e a outra na modalidade visuo 
 espacial. Que, no caso de surdos, o normal é o bilinguismo bimodal, por serem 
 raras as situações em que o surdo estará em situação de bilinguismo unimodal 
 (utilizando duas Línguas de Sinais). 
 Fenômenos Linguísticos 
 Existe o mito de que a Língua de Sinais é composta por mímica, gestos e que seria 
 universal. De fato, são mitos, já que a Língua de Sinais é uma língua que possui 
 uma gramática independente da língua de modalidade oral e cada país possui uma 
 ou mais Línguas de Sinais. No Brasil, temos a Língua Brasileira de Sinais – Libras, 
 que é uma língua urbana, usada nos grandes centros e nas cidades, e a Língua 
 Urubu-Kappor, que é utilizada por índios surdos em aldeias em alguns estados 
 brasileiros. 
 A Libras possui algumas características peculiares, como, por exemplo, poder falar 
 em Libras e Português Brasileiro ao mesmo tempo, já que outro bilíngue usuário de 
 duas línguas na modalidade oral-auditiva não conseguirá produzir as duas línguas 
 simultaneamente, visto que, na oralidade, os sons são produzidos em um mesmo 
 espaço articulatório. Da mesma forma, não é possível que um bilíngue utilize duas 
 línguas de sinais simultaneamente, pois as duas são da mesma modalidade, o que 
 torna inviável produzi-las ao mesmo tempo. Entretanto, é comum vermos situações 
 em que um bilíngue utiliza duas línguas de diferentes modalidades de forma 
 alternada, podendo expressar-se em uma língua na modalidade oral-auditiva ao 
 mesmo tempo que registra sua produção em uma modalidade visual-gráfica de outra 
 língua. 
 Vemos que a produção da fala em língua oral e em língua de sinais (LS) realiza-se 
 de maneiras bem distintas. Nas LS, diferentemente das orais, a produção da fala 
 articula-se de maneira externa ao corpo do falante, as partes do corpo é que se 
 articulam e dão forma à língua. Nesse sentido, o falante torna-se fisicamente visível 
 na produção da fala. Além disso, tem-se na produção das LS dois articuladores 
 independentes e iguais – as mãos – as quais permitem uma diversidade de 
 combinações e construções simultâneas. Portanto, se nas línguas orais os 
 articuladores da fala são internos, ficando quase totalmente ocultos, nas línguas de 
 sinais eles se destacam, sendo aparentes e explícitos. Assim, tanto a produção, 
 quanto a recepção se dão de formas distintas nessas duas modalidades e isso tem 
 implicações. (RODRIGUES, 2013, p. 129) 
 É imprescindível registrar que falar o Português Brasileiro e Libras ao mesmo tempo 
 é possível fisicamente, e é totalmente inviável cognitivamente produzi-las de 
 maneira simultânea. Sendo duas línguas com gramáticas distintas, onde a estrutura 
 sintática, o uso do verbo, a organização do discurso ocorre de forma diferente, faria 
 o bilíngue eleger uma língua como dominante e a outra língua ficaria prejudicada, 
 gerando prejuízo para uma delas. Contudo, devemos observar um fenômeno que 
 pode ocorrer tanto em surdos

Mais conteúdos dessa disciplina