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NARRATIVAS JORNALÍSTICAS DIGITAIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Reconhecer a importância da instantaneidade no mundo digital. > Relacionar a instantaneidade com a narrativa jornalística digital. > Descrever a importância das lives para as narrativas digitais jornalísticas. Introdução O jornalismo viveu, nas últimas décadas, tempos de mudanças e adaptações à realidade do mundo digital. Graças à popularização da internet e posteriormente dos dispositivos móveis, surgiram novas possibilidades de comunicação e de disseminação da notícia. A propagação rápida e imediata da mensagem é uma dessas possibilidades, gerando transformações no modo de se fazer jornalismo. Os jornalistas souberam se apropriar das oportunidades proporcionadas por novos recursos digitais e criaram um novo modelo de jornalismo marcado essencialmente pela instantaneidade na disseminação da informação e pela construção de novas narrativas para contar um fato. Neste capítulo, você vai compreender como o contexto digital interfere na prática jornalística e na divulgação da notícia, tendo como foco central a questão da instantaneidade. Você vai estudar, assim, o impacto da velocidade característica do mundo digital na apuração e na construção do texto jornalístico. Você também vai verificar como ocorre o fortalecimento de novas narrativas no jornalismo, A instantaneidade das narrativas no mundo digital Clarisse de Mendonça e Almeida como a transmídia e o storytelling. Por fim, você vai aprender sobre o universo particular das redes sociais e das lives, consideradas como ferramentas relevantes no mundo atual para o compartilhamento de notícias em tempo real. A instantaneidade no consumo de notícias Utilizar a internet para a pesquisa e a leitura de notícias se tornou um hábito para grande parte dos indivíduos. Uma vez ao dia, ou várias vezes ao longo do dia, nos pegamos acessando sites de jornalismo e redes sociais em busca das informações mais recentes, principalmente utilizando o celular. O que se vê hoje são inúmeras plataformas, com notícias dos mais variados interesses, transmitidas em tempo real, de modo hábil e rápido. Canais de televisão, emissoras de rádio e jornais impressos se adaptaram e se integraram a esse novo conceito de disseminação da informação pela internet e por meio de plataformas digitais. Todas essas oportunidades de disseminação da informação trazem em si uma mesma característica: a instantaneidade na disponibilização das notícias. Mas o que isso significa? E que impacto tem sobre nós leitores e sobre os jornalistas? A instantaneidade diz respeito não apenas à disponibilização rápida da notícia ou a uma transmissão ao vivo de um fato — isso o jornalismo já realiza há décadas. Mas diz respeito também ao rápido compartilhamento e disse- minação da notícia. Isso porque, em um ato sustentado por redes sociais e sites, a informação é repassada de um usuário a outro, sem limites para isso, de modo instantâneo — como o próprio nome diz — e muitas vezes no decorrer do fato. As lives, populares no ano de 2020, são outro exemplo de disseminação imediata de uma informação, na medida em que é possível transmitir um evento direto de onde ele acontece e sem limites para o compartilhamento com outras pessoas. O tema da instantaneidade passa ainda pela possibilidade — nunca an- tes vivida — de alimentar a notícia, revisá-la e republicá-la em questão de minutos. O público — quando testemunha de um fato, por exemplo — tem papel fundamental nesse momento, ao trazer mais dados à notícia e agilizar o trabalho de apuração. As bases que sustentam esse cenário do jornalismo via on-line se en- contram naquilo que conceituamos como webjornalismo. A instantaneidade na transmissão de notícias é uma das características deste, assim como a hipertextualidade — a possibilidade se ligar a outros conteúdos on-line por A instantaneidade das narrativas no mundo digital2 meio de links — e a interatividade — a possibilidade de se comunicar com os autores e com outros leitores das notícias. Assim, conteúdos são atualizados a todo momento e notícias já publicadas são editadas e revistas a cada nova informação que chega às redações. Há a possibilidade de se compartilhar a reportagem por meio das redes sociais, contribuindo ainda mais com a disseminação de um fato. Na era do jornalismo digital, a convergência de mídias é outro ponto em destaque. Uma mesma informação pode ser publicada em diferentes supor- tes digitais — Instagram, Facebook, TikTok, etc. Além disso, nesse formato, os leitores são estimulados a contribuir, compartilhar e opinar sobre aquilo que leem — quase atuando como coautores da notícia. Os jornalistas, nesse contexto, também participam ativamente e se expõem mais, tanto no campo profissional quanto pessoal, comentando e trazendo mais dados aos relatos jornalísticos. O webjornalismo se diferencia dos demais formatos pela possibili- dade de se narrarem os fatos por meio da união de texto, imagem e som e pelo uso de plataformas e suportes digitais no momento da disponi- bilização da notícia. Há outros traços marcantes nesse formato de jornalismo. Um deles diz respeito à interatividade, ou seja, a intensa comunicação entre repórteres, editores, leitores e fontes de informação proporcionada por essas plataformas e esses suportes (PALACIOS, 1999). A velocidade na apuração e na publicação de um fato sempre foi algo intrínseco à prática jornalística. Isso porque uma das premissas do bom jornalismo consiste em informar o mais rápido possível os leitores sobre o que acontece. A diferença no fazer jornalismo em tempos digitais está justamente na maior oferta de recursos para a disponibilização das notícias e no alcance global que elas possuem. A audiência de um jornal ou revista, por exemplo, não se restringe mais apenas ao público de uma determinada localidade que assiste a um determinado canal ou que adquire o periódico nas bancas. Pessoas em qualquer lugar do mundo podem acessar publicações em sites e em redes sociais e acompanhar o que acontece em qualquer lugar do mundo — independentemente de onde estejam. A instantaneidade das narrativas no mundo digital 3 A instantaneidade associada ao jornalismo da era digital está mais di- retamente relacionada às rotinas produtivas nas redações do que à dispo- nibilização da informação. Isso porque a transmissão da notícia em tempo real não é novidade. Emissoras de televisão e de rádio já atuam há muitos anos em coberturas ao vivo dos acontecimentos relevantes. O diferencial no contexto atual está na pressão de se diminuir o tempo entre o acontecimento e a sua publicação em diferentes meios digitais, mesmo que isso resulte em textos curtos e menos aprofundados em termos de apuração ou de número de entrevistados — desde que não se comprometa a veracidade da notícia. Nesse contexto, novas práticas foram incorporadas ao trabalho jornalístico e à rotina nas redações. Não podemos dizer que o jornalismo tradicional acabou. Na verdade, ele se adaptou a essa nova realidade comunicacional do mundo digital. Por exemplo, jornais que antes se dedicavam apenas às versões impressas entraram na era da convergência digital, criaram sites e adotaram outros suportes — como as redes sociais —, mantendo atualizações em tempo real. Ainda, por meio dessas ferramentas digitais, repórteres e até leitores, de qualquer lugar do mundo, podem enviar materiais diretamente às redações, desde que tenham conexão eficiente de internet. Assim, ganha-se maior rapidez e instantaneidade no fazer jornalismo (SILVA, 2019). As possibilidades do jornalismo on-line vão além da criação de sites pró- prios para cada veículo. O jornalismo se apropriou ainda das redes sociais, apostando na presença maciça de espectadores nesses canais. Facebook, Instagram, Twitter, YouTube e, mais recentemente, TikTok estão entre as redes sociais mais usadas para o compartilhamento de informações principalmente em tempo real. O que seespera é que as notícias sejam atualizadas a cada minuto, trazendo ao leitor textos rápidos, curtos, objetivos, mas altamente informativos. Além da instantaneidade, a interatividade é um traço marcante nessas ferramentas. Nesse contexto, quem edita os conteúdos mantém intensa comunicação e troca com o público, o que também contribui para a apuração das informações. Por exemplo, ao ser testemunha de um acidente, é o leitor que fotografa, faz vídeos e áudios e envia para as redações por meio das redes sociais. Diversos veículos já mantêm um WhatsApp visando à colaboração do leitor com as reportagens. A instantaneidade das narrativas no mundo digital4 Além de nas redes sociais estarem presentes redes e veículos já se- dimentados no mercado, há também amplo espaço para o jornalismo independente, o que contribui para a efervescência desse meio digital para a imprensa. A Agência Pública é um exemplo disso. O grupo, formado inicialmente por jornalistas mulheres, apresenta reportagens focadas nos direitos humanos e está presente nas diversas redes sociais. O Mídia Ninja, com foco no ativismo social, é outro exemplo que ganhou destaque ao cobrir protestos e movimentos sociais de esquerda. Nos últimos anos, o Facebook conquistou um lugar de destaque entre as redes sociais de maior alcance do público para o compartilhamento de mensagens. De olho no potencial de compartilhamentos e no amplo acesso diário à plataforma, os principais veículos de comunicação criaram páginas e adotaram práticas específicas para atender a esse cenário. Ao possibilitar unir texto, imagem e vídeo em um mesmo post, o Facebook se mostrou um campo propício para a disseminação de notícias e para leitores se atualizarem sobre os últimos acontecimentos. O Twitter é uma das redes sociais mais utilizadas pelo jornalismo nos dias de hoje. Não apenas a imprensa, mas também os canais oficiais do governo e até mesmo os próprios governantes se utilizam desse meio para divulgar informações “em primeira mão” aos seus seguidores. Nele, o usuário publica textos de no máximo 280 caracteres respondendo à pergunta: “o que está acontecendo?”. Há uma forte competitividade pela publicação mais rápida de notícias e por uma maior interatividade entre quem publica os tweets e o público. A instantaneidade das narrativas no mundo digital 5 Para os jornalistas, o Twitter acabou por se tornar um importante recurso no momento da apuração, uma vez que ali se encontram presentes fontes importantes de informação, como agentes do governo, em- presas, celebridades, etc. Por meio dessa plataforma, os profissionais publicam informações, interagem com o público e com as fontes e ainda acompanham o desempenho dos conteúdos que publicam. É frequente os jornalistas manterem páginas pessoais no Twitter, onde interagem com o público e publicam curiosida- des sobre a profissão e sobre os veículos para os quais trabalham. O jornalista e editor do Jornal Nacional, da Rede Globo, William Bonner (@realwbonner), por exemplo, é um dos campeões em seguidores no Twitter. Em seu perfil, Bonner antecipa notícias, comenta aspectos da vida pessoal e profissional e interage com quem o segue. O YouTube se popularizou no campo do jornalismo, inicialmente, ao fun- cionar como um repositório de vídeos exibidos nos telejornais, visando a alcançar um público fortemente presente nas redes sociais. Passou ainda a transmitir ao vivo os telejornais das principais emissoras de televisão. Jorna- listas independentes costumam destacar entre as grandes vantagens de se manter um canal no YouTube a autonomia e a independência da ferramenta e a possibilidade de você ser dono do próprio conteúdo que posta. Em 2009, a Folha de São Paulo foi uns dos veículos pioneiros ao utilizar o YouTube como mais uma possibilidade de aproximação com o público, como um canal direto entre redação e leitores. Mais recentemente, jornalistas, investindo na proposta de uma atuação mais independente, deixaram as redações de consagrados veículos e montaram seus próprios canais no You- Tube. Ali, decidem a pauta, entrevistam convidados e interagem diretamente com o público (ALBERTINI; PEREIRA, 2018). Mais recentemente, o TikTok também se mostrou como uma ferramenta potente para o campo do jornalismo. Popular entre os mais jovens, essa rede se destaca pelo compartilhamento de vídeos curtos, o que traz para o repórter o desafio de produzir conteúdos breves, informativos e concisos. A Rede Record, por exemplo, foi uma das emissoras de televisão que aderiram à plataforma, compartilhando materiais informativos, depoimentos de quem faz a notícia e os bastidores do telejornalismo. A instantaneidade das narrativas no mundo digital6 A instantaneidade e as narrativas no jornalismo Se, por um lado, a internet abriu novas possibilidades de se fazer e comparti- lhar notícias, por outro, exigiu que jornalistas adquirissem novas competências e se adaptassem aos novos formatos e suportes da era digital. Não basta mais ao jornalista se dedicar à apuração e à redação do texto. Espera-se desse profissional que acompanhe as tendências e novidades tecnológicas e se mantenha presente e atuante nas redes sociais. É preciso ainda perceber que esses recursos digitais (Facebook, TikTok, Twitter, etc.) trazem em si uma nova narrativa para a construção da notícia. Isso porque a mesma informa- ção — apresentada de diversas formas — pode ser transmitida por diferentes plataformas, sempre tendo como prerrogativa a rapidez e a instantaneidade. Vamos falar mais sobre isso nesta seção. Você já deve ter percebido que cada suporte digital carrega em si pe- culiaridades e características próprias. No Twitter, por exemplo, somente são permitidos textos rápidos e curtos com no máximo 280 caracteres e/ou o compartilhamento de links. O Instagram, inicialmente criado para o compartilhamento de imagens, há poucos anos passou a permitir a publi- cação de vídeos curtos. Partindo da compreensão de que cada um desses formatos digitais é único e carrega características próprias, vemos que uma das tendências no jornalismo atual é o da narrativa transmídia. Mas como se define esse conceito? De acordo com Gosciola (2012, p. 11): A narrativa transmídia é basicamente uma história, mas o que a diferencia de outras histórias é que ela é dividida em partes que são veiculadas por diferentes meios de comunicação, cada qual definido pelo seu maior potencial de explorar aquela parte da história. A história principal deve ter a dosagem certa de ações que permitam à audiência compreendê-la, mas não deve contar tudo. Sendo assim, o jogo entre as narrativas, ou as partes da história, deve despertar a curiosidade do seu público em saber maiores detalhes da história principal. O conceito aborda a questão da adequação de uma narrativa ao formato e à linguagem de cada plataforma digital. Mas, o que isso quer dizer exatamente? Quer dizer que uma mesma história, uma mesma notícia, precisa ser contada de uma forma única, de acordo com o formato e a linguagem de uma plataforma. Por exemplo, um usuário, ao ler uma informação no celular, precisa de um conteúdo adequado a essa ferramenta. Geralmente, um conteúdo transmídia combina fotos, vídeos, animações, infográficos, etc., com o objetivo de reter e engajar o leitor. Trata-se de conectar o leitor ao conteúdo. A instantaneidade das narrativas no mundo digital 7 O jornal The New York Times, ao abordar os resultados positivos dos testes de covid-19 do presidente dos Estados Unidos Donald Trump e de sua esposa Melania Trump, na edição de 2 de outubro de 2020, trouxe em destaque no Instagram uma foto do presidente seguida de um texto. O jornal indicava ao leitor que atualizações sobre o tema estariam disponíveis no recurso dos stories do Instagram. Fonte: The New York Times (2020a, documento on-line). O mesmo tema era abordado no Twitter com outra imagem, além do tweet e do link para a reportagem completa no site do periódico, conformeaqui apresentado. Fonte: The New York Times (2020a, documento on-line). A instantaneidade das narrativas no mundo digital8 O jornalismo transmídia, além de focar nas multiplataformas no momento da divulgação da informação, abrange ainda a interatividade e a adequação aos dispositivos móveis. Tudo isso sem deixar de lado a participação do público, incrementando, comentando e compartilhando a notícia. Jornalismo transmídia é uma forma de linguagem jornalística que inclui, ao mes- mo tempo, diferentes mídias, com diversas linguagens e narrativas de diferentes mídias e para diferentes usuários. Recursos audiovisuais, de comunicação móvel e de interatividade são adotados para a disseminação do conteúdo, incluindo a blogosfera e as redes sociais, os quais incrementam significantemente a circulação do conteúdo (RENÓ, 2014, p. 6). Outra questão relativa às narrativas jornalísticas atuais diz respeito à crescente tendência de se produzir textos na perspectiva do storytelling. Assim como na narrativa transmídia, no storytelling o intuito é contar uma história e envolver emocionalmente o leitor. O jornalismo vem se utilizando da técnica para criar histórias mais instigantes e atraentes (SOUSA; RIOS, 2017). Comumente se define o storytelling como uma técnica que apresenta uma história — real ou ficcionada — de modo sequenciado e com o uso de recursos que apelam para a emoção. Para tal, utilizam-se diversos suportes, de modo a despertar sentimentos e, ao mesmo tempo, informar — no caso do jornalismo. De acordo com Sousa e Rios (2017), o storytelling permite ainda transmitir informações para a audiência de maneira inteligível, seguindo um roteiro narrativo lógico, com eventos temporalmente ordenados, ao mesmo tempo que estimula a imaginação. Mas, qual é a relação entre o storytelling e o jornalismo dos dias atuais? O webjornalismo, por trazer em si o teor da inovação, apropriou-se dessa técnica para, entre outros pontos, causar maior engajamento por parte do público. Se o objetivo maior do jornalismo on-line é engajar o público de modo a mantê-lo fiel e seguidor dos canais digitais, por que não incorporar as estratégias do storytelling? O homem sempre contou histórias como forma de transmitir tradições e informações. Esse recurso é bastante usado no jornalismo atual, especialmente para contar histórias relacionadas à condição e aos conflitos humanos que possam gerar emoção ou identificação (SOUSA; RIOS, 2017). No storytelling, os personagens são seres possíveis, do cotidiano. A instantaneidade das narrativas no mundo digital 9 Um exemplo reconhecido de storytelling no jornalismo é o caso da reportagem “As Quatro Estações de Iracema e Dirceu”, publicada no Diário Catarinense. Nela, a jornalista Ângela Bastos conta a história de um casal de agricultores e seus 14 filhos, que moram em Timbó Grande, no Planalto Norte, diante do desafio de enfrentar o mês com R$ 54 por pessoa. O resul- tado, após longo período de apuração (dois anos e sete meses), é um trabalho diferenciado, primoroso, com belas imagens, trilha sonora e recursos gráficos, que emociona o público. Outro elemento importante da narrativa jornalística que ganhou destaque nos últimos tempos é o lead. Embora seja um conceito aprendido nas redações e nas faculdades de jornalismo, o lead perdeu força nos textos estruturados no jornalismo literário ou investigativo. No mundo digital, de textos curtos e objetivos, o lead se tornou mais relevante do que nunca. Diante do grande volume de informações disponíveis na rede, não podemos esperar que o leitor clique em algum link e leia a matéria em formato mais extenso — ele precisa ser capaz de compreender o texto e a mensagem de modo rápido e ágil. No Twitter, por exemplo, em que o texto a ser publicado não pode ultrapassar a marca de 280 caracteres, a estruturação da informação em lead se tornou ainda mais relevante. O jornalista, ao redigir o tweet, precisa ser capaz de responder às seis perguntas que estruturam o lead: quem, o quê, onde, como, quando e por quê. Na imagem aqui apresentada, o texto conciso traz as informações necessárias para o público compreender a reportagem. A instantaneidade das narrativas no mundo digital10 Fonte: CBN Rio (2020, documento on-line). Outro ponto importante que marca a narrativa jornalística atual é a questão da hipertextualidade, que dá ao leitor a possibilidade de maior aprofunda- mento sobre um fato. O foco central é a matéria principal, mas o recurso do hipertexto permite a navegação por outros conteúdos complementares — caso o leitor deseje. Os hiperlinks geralmente são destacados em negrito ou sublinhado, e o usuário só tem acesso ao conteúdo ao clicar neles. Eles podem se apresentar no formato de textos, imagens, áudios, etc. O objetivo é oferecer mais informação e mais interatividade ao público, aumentando também o engajamento. Nesse contexto, cabe ao editor não apenas se preocupar com o texto central, mas também com possíveis elementos que possam incrementar a história contada. Essas “partes” podem ainda remeter a outros hipertextos, fazendo com que cada leitor trilhe um caminho que, de certa forma, é único. A reportagem, assim, deixa de ter início, meio e fim. Nesse sentido, ao cons- truir o caminho de leitura que lhe convier, o leitor assume também a figura de coautor ou de autoria colaborativa nessa narrativa (MIELNICZUK, 2000). A instantaneidade das narrativas no mundo digital 11 O universo das lives no jornalismo Não são apenas os sites e as redes sociais que trouxeram mudanças significa- tivas para o campo do jornalismo. O universo das lives extrapolou o cenário inicial demarcado e focado em conteúdos gamers, religiosos e musicais e alcançou a prática jornalística. Chamamos de live a incorporação de transmissões ao vivo aos am- bientes de redes sociais. O uso de telefones celulares para a captura e a transmissão é outra marca das lives. Isso significa que “qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode se tornar uma emissora de vídeo ao vivo, desde que tenha um smartphone capaz, e isso representa uma mudança significativa nas barreiras à entrada ao vivo” (STEWART; LITTAU, 2018, p. 316 apud SILVA, 2019, p. 83). Os aplicativos de live streaming — como são chamados — ganharam popularidade justamente ao atingir um público habituado às redes sociais, aos dispositivos móveis e às multiplataformas. As lives se configuram como um momento de transmissão ao vivo de eventos — mas não representam apenas isso. A televisão e o rádio realizam há tempos a cobertura em tempo real de acontecimentos. A novidade agora é contar com a infraestrutura e o suporte das redes sociais para a realização e a distribuição das lives. Para Silva (2019, p. 66), Observamos que não há elementos inerentemente novos sobre as tecnologias de transmissão ao vivo. O que é diferente agora é a facilidade de acesso e a recente ascen- são das mídias sociais como espaço e linguagem para apropriação dessa tecnologia. Outro elemento que potencializou a realização das lives foi a possibilidade de realizá-las por meio de dispositivos móveis. Qualquer pessoa com conta em rede social (Instagram, YouTube, Facebook, etc.) pode, a qualquer momento — desde que tenha conexão eficiente de internet —, transmitir algo ao vivo. Na dinâmica das lives, os usuários se conectam a outros em uma transmissão ao vivo a que todos assistem simultaneamente, podendo ainda reagir e interagir. Embora não seja comumente usada para as chamadas hard news, de maior apelo popular, as lives se especializaram em promover debates e em transmitir eventos e entretenimento para o seu público. Há ainda espaço para um jornalismo mais analítico, com colunistas e especialistas tratando sobre política, arte, economia, etc. A instantaneidade das narrativas no mundo digital12 A Veja Rio apostou em um nicho de público restrito e segmentado para transmitir uma série de lives: os adoradores de vinho. A revista trouxe uma sequência delives com jornalistas e especialistas em vinho. Fonte: Agenda do vinho (2020, documento on-line). Porém, não são apenas veículos sedimentados no mercado que investem nesse recurso. Jornalistas veem nas lives a oportunidade de atuar de modo independente. O jornalista esportivo Mauro Naves, por exemplo, promove lives pelo Instagram com atletas renomados e especialistas no tema. Fonte: Naves (2020, documento on-line). A instantaneidade das narrativas no mundo digital 13 Um dos veículos pioneiros no uso de lives é o jornal Estado de São Paulo, que hoje está presente no site, no aplicativo e nas diversas redes sociais. O jornal, inaugurado em 1875 — muito antes do advento da internet — soube se atualizar e se adaptar aos tempos de convergência digital. No Facebook Live, o veículo transmite lives em que reúne jornalistas e especialistas em diversos assuntos para comentar os temas em destaque no dia. Há ainda a transmissão ao vivo de eventos relevantes e de apelo popular, como protestos, sessões políticas, etc. Silva (2019) destaca as dinâmicas mais adotadas por quem realiza lives no jornalismo: [...] discutir assuntos em destaque no cenário nacional e internacional; apresentar notícias de última hora; responder às perguntas dos seguidores durante uma transmissão ao vivo; entrevistar amigos, colegas ou especialistas; comentar uma apresentação ao vivo; apresentar os bastidores de uma reportagem, um evento, um show, um programa etc.; promover um painel de discussão. As lives trouxeram novas possibilidades de aproximação e interação com o público para além da chamada mídia tradicional. No telejornalismo, por exemplo, os apresentadores interagem com quem assiste de modo mais informal do que no momento da exibição pela televisão. O espaço para maior informalidade é um dos traços predominantes nas redes sociais e assim se mantém em grande parte das lives com jornalistas. É comum estes mostrarem os bastidores das redações, apresentarem outros colegas e comentarem suas rotinas, indo além da simples transmissão de uma notícia. A participação do público também é um dos pontos altos de uma live. Ao longo da transmissão, os espectadores comentam, fazem perguntas e agregam mais informações — tudo por meio do chat. Esse ponto difere to- talmente das transmissões televisivas ou da leitura dos jornais e revistas, em que não há possibilidade de uma comunicação síncrona, em tempo real, entre o produtor da notícia e o receptor. É preciso reconhecer que não se trata da obsolência dos veículos de co- municação e de como eles se mostravam estruturados, mas, sim, de uma incorporação de novas possibilidades de comunicação, para atingir leitores conectados fulltime. Para tal, no esforço de acompanhar essas mudanças, rotinas foram revistas e práticas foram repensadas, assim como a atuação do jornalista. A instantaneidade das narrativas no mundo digital14 Referências AGENDA DO VINHO. Live com o jornalista de vinhos e colunista Veja Rio. [S. l.], 5 ago. 2020. Disponível em: https://agendadovinho.com.br/event/live-com-o-jornalista-de- -vinhos-e-colunista-veja-rio/#. Acesso em: 20 out. 2020. ALBERTINI, C.; PEREIRA, A. Jornalismo no Youtube: uma nova prática profissional. Cas- cavel, 2018. Trabalho apresentado no XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul. Disponível em: https://portalintercom.org.br/anais/sul2018/resumos/ R60-0129-1.pdf. Acesso em: 20 out. 2020. CBN RIO. A Avenida Epitácio Pessoa está completamente parada por causa dos ala- gamentos [...]. Rio de Janeiro, 22 set. 2020. Twitter: @cbnrio. Disponível em: https:// twitter.com/cbnrio. Acesso em: 20 out. 2020. GOSCIOLA, V. Narrativa transmídia: conceituação e origens. In: Campalans, C.; Renó, D.; Gosciola, V. (Eds.). Narrativas transmedia: entre teorías y prácticas. Barcelona: Editorial UOC, 2012. p. 7-14. 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