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1 RECURSOS NO PROCESSO PENAL EMENTA: Os recursos: fundamento, conceito, natureza jurídica, pressupostos e requisitos dos recursos. Impetração, tempestividade, legitimidade, interesse e sucumbência. Classificação. Juízo de admissibilidade. Fungibilidade. Desistência. Efeitos. Extinção. Espécies: recurso em sentido estrito, apelação, embargos infringentes e de nulidades, carta testemunhável, correição parcial, recurso extraordinário, recurso especial, agravo no processo penal, recurso ordinário-constitucional, habeas corpus, revisão criminal e reclamação. Aspectos práticos da advocacia. 1. Introito: O processo penal é o instrumento necessário para alcançarmos a imposição de uma pena em desfavor de alguém que violou um valor social fundamental. Logo, o objetivo do processo é imprimir uma sanção em face de um agente que cometeu uma conduta socialmente insuportável. E, para aplicarmos essa pena, é preciso respeitarmos as regras do jogo. Como sempre nos fala o eminente professor Aury Lopes Jr., é preciso garantir para punir e punir garantindo. Significa que, por estarmos diante de um confronto entre a preservação do valor liberdade e a necessidade de o Estado restringir esta garantia, a conduta perpetrada pelo agente deve ser tão gravosa ao ponto de autorizar o manejo da violência estatal em detrimento do indivíduo. E é por isso mesmo que, neste contexto, exsurge o processo penal, como mecanismo inerente à legítima imposição de temporária privação de liberdade. E esta pena somente será legítima quando observar todas as regras processuais. 2 Vejam, como é certo, o ser humano é falho. Eis a razão de termos os recursos processuais penais: a imperativa possibilidade de revisão de decisão judicial, decorrente da falibilidade humana. Então, significa que somente os recursos podem guerrear contra decisões judiciais? Não! Existem também as ações impugnativas, que inauguram uma nova relação processual – justamente aqui a diferença entre as medidas de irresignação diante da decisão –, mas, de igual sorte, se insurgem contra decisões judiciais. Então, deste contexto, emerge o estudo da teoria geral dos recursos. Vamos a isto. 2. Fundamento dos recursos: Os recursos podem ostentar fundamento sob diversos vieses. Primeiro, o fundamento psicológico, que advém da natureza do ser humano, que não gosta de perder. Temos também o fundamento político, que marcha no sentido de não permitir um poder cogente absoluto e imutável, permitindo com que as decisões judiciais, que, sim, são ato de poder e devem ser obedecidas, possam ser reexaminadas. O que mais nos importa, neste nível de discussão, é o fundamento jurídico. E, de plano, vos digo que o fundamento jurídico dos recursos reside no princípio do duplo grau de jurisdição, que salvaguarda o direito à reapreciação das decisões por órgão jurisdicional distinto daquele que prolatou a decisão, e que possui um grau hierárquico superior. Vejam, esse é o fundamento jurídico dos recursos. Não significa, entretanto, que todo e qualquer recurso deva ser julgado por um órgão judicante distinto. Há aqueles, como os famosos embargos de declaração, onde não há a devolução da matéria a órgão superior. 3 Num recurso onde não há a submissão de reexame da questão de fundo a órgão judicial superior, temos a consagração da ampla defesa, permitindo o aprimoramento do decisum. E isso é plenamente harmônico com um sistema processual que procura se amoldar à constitucionalização do Direito, ao chamado princípio da juridicidade, que amplia o entender da legalidade para a busca de um sistema consentâneo com os direitos e garantias constitucionais e com a preservação dos valores axiológicos desenhados na CRFB. Como diz o professor Badaró, “um sistema processual poderia sobreviver sem os embargos de declaração, ou mesmo como ocorre, desde 2008, sem protesto por novo júri. Todavia, não seria viável conceber uma sentença que não fosse recorrível. E, mais que isso, o recurso contra uma sentença de mérito deve ser julgado por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior ao que a proferiu” p. 41. É claro, caros. Porque o ser humano é falho. E, em tratando de um dos bens jurídicos mais caros à humanidade, qual seja a liberdade, é certo que devemos garantir aos atores processuais a possibilidade de reexame meritório. Reparem, o duplo grau de jurisdição faz valer um único reexame. Em nossa organização judiciária, é certo que o STJ e o STF podem funcionar como terceiro e quarto graus, entretanto, também é certo que a interposição de REsp e RE não são concretização de duplo grau. Por quê? Porque não há reapreciação de circunstâncias fáticas que se prendem com o pano de fundo da quaestio. Não há um reexame de provas – reparem, discutir prova é diferente de discutir o regime de legalidade da prova (o que as cortes superiores podem fazer) – e mérito. As cortes superiores, caros, somente apreciam questões de Direito. Vejam, em síntese, o duplo grau significa que, excepcionados os casos de competência originária dos Tribunais, a contenda 4 criminal deve ser apreciada no primeiro grau, e reexaminada no segundo grau, a partir do recurso manejado. Mas então, professor, como fica a questão da ação penal originária?! Vamos lá. Tratamos dos famosos casos de foro por prerrogativa de função. Eu, aqui no escritório, defendo diversos agentes políticos, prefeitos, com foro “privilegiado”, sendo caso de ação penal originária no TJ. A lei de regência é a 8.038, que trata das ações penais originárias nas cortes superiores, e se aplica aos TJs e TRFs. No caso, as ações, conforme o nome sugere, são aforadas diretamente no TJ. Aí, como fica a consagração do duplo grau de jurisdição? Não fica! Não há. O agente somente pode interpor REsp e RE, sem fruir de reexame de mérito, lhe cabendo tão somente a discussão de Direito. O professor Aury Lopes Jr. indica que “há um completo esvaziamento da garantia do duplo grau de jurisdição em benefício da prerrogativa funcional e do julgamento originário por um órgão colegiado” p. 971. Mas, isso é constitucional, professor? Bom, há muito prevalece a tese de que o princípio do duplo grau é implícito na CRFB e, de outro lado, a Carta Maior consagra expressamente os casos de processamento originário pelos Tribunais. Como, no nosso sistema, o duplo grau advém de regra expressa na CADH, e esta ostenta um caráter de norma supralegal, internalizada ao sistema jurídico, porém num degrau abaixo da CRFB, há a justificação da prevalência da irrecorribilidade nos casos de ação penal originária, por regra de cariz constitucional. Superada esta questão, é de se dizer que o que fundamenta o recurso, grosso modo, é a garantia da possibilidade de redução das chances de equívoco. Como diz Carnelutti, é um “julgamento sobre o julgamento, e, dessa maneira, um julgamento à segunda potência”. O recurso 5 parte de um entendimento judicial cristalizado no piso, e revolve a matéria de fato e de direito, minimizando a possibilidade de chancela de injustiça. No recurso, nós temos uma nova guerra dialética, por intermédio do oferecimento das razões e contrarrazões recursais, o que catapulta a depuração do conteúdo do processo, catalisando a intelecção jurisdicional, pelos Tribunais. Então, o fundamento do recurso reside, nas palavras do Aury, na “falibilidade humana” e na “inconformidade do prejudicado”. O duplo grau é que concretiza tais fundamentos, viabilizado pela possibilidade de interposição recursal. Também, ainda no que importa com o fundamento dos recursos, é importante salientar que, em regra, a contenda criminal é julgada monocraticamente no primeiro grau, e por um colegiado no segundo. Isso minimizaria a chance de erro, já que,Público a 41 condenar o réu, já que a sentença condenatória é título passível de ser executado na esfera cível (art. 63 do CPP). Tal entendimento, porém, não mais prevalece, compreendendo a maioria da jurisprudência que o interesse do assistente de acusação não é unicamente a busca de indenização, podendo sim recorrer para aumentar a pena do réu, mesmo porque algumas violações jamais poderão ser reparadas ou compensadas mediante indenização pecuniária, por exemplo, a morte de um filho, a perda de um membro do corpo. 3. Interesse do Ministério Público em apelar da sentença absolutória proferida na ação penal exclusivamente privada quando o querelante não recorre: neste caso, predomina o entendimento de que não há esse interesse. É que, se o querelante pode dispor da ação penal, dela desistindo, perdoando o querelado e ainda renunciando ao prazo recursal, a não utilização do recurso contra a decisão absolutória importa em evidente desistência da ação, não podendo o promotor de justiça, nesse caso, insistir em seu prosseguimento, recorrendo da sentença. Nada impede, contudo, que recorra o Ministério Público da sentença condenatória proferida na ação penal privada, mesmo na inércia do querelante, visando ao aumento da pena atribuída. Observe-se que este entendimento não tem aplicação às ações penais privadas subsidiárias da pública, ou seja, aquelas ajuizadas pelo particular na inércia do Ministério Público em oferecer denúncia no prazo legal. Nesse caso, ainda que não recorra o assistente do decisum absolutório, nada impede venha o Parquet a interpor a apelação. 4. Interesse do Ministério Público em recorrer da sentença absolutória quando, em debates orais, memoriais ou alegações escritas, o próprio Ministério Público requereu essa absolvição: tratando- se do mesmo promotor, evidentemente não há esse interesse. Todavia, quando o promotor que postulou a absolvição e o promotor intimado da sentença são distintos, há duas posições: 42 Primeira orientação: O Ministério Público é regido pelo princípio da unidade. Assim, se houve pedido de absolvição por um promotor, não poderá outro membro voltar-se contra a sentença absolutória, pois ambos representam o mesmo Ministério Público. Além disso, a sucumbência da acusação é definida pelo pedido realizado nas alegações que antecedem a sentença. Se o pedido das alegações coincide com o que foi deferido na decisão judicial, não há essa sucumbência capaz de produzir interesse em recorrer. Segunda orientação (majoritária): Os membros do Ministério Público possuem independência funcional, sendo possível que um promotor de justiça, discordando do pedido de absolvição formulado por seu antecessor, recorra da sentença absolutória buscando a condenação. Ademais, a sucumbência do Ministério Público é fixada pelo pedido incorporado à denúncia – pedido de condenação. Havendo absolvição, haverá dissonância entre o que foi pedido na inicial e o que foi deferido na sentença, não afastando essa sucumbência o pleito de absolvição realizado nas alegações que se seguem ao encerramento da instrução. É a nossa posição, na esteira de expressiva jurisprudência. 5. Interesse do Estado em recorrer da sentença penal que, no âmbito de sentença absolutória, o condena ao pagamento de custas processuais: proferindo sentença absolutória, é comum determinar o juiz, no ato sentencial, que o pagamento das custas processuais fique a cargo do Estado. Neste caso, possui o Ente Público interesse em recorrer? Muitos afirmam que não há esse interesse, tendo em vista não ser o Estado parte no processo criminal em que foi condenado ao pagamento de custas. O professor Avena discorda, reputando ser inequívoco o interesse estatal em recorrer diante da sucumbência sofrida nos autos da ação criminal. Afinal, ainda que, por não ser parte explícita no processo, não se considere o Estado um sucumbente direto, é inegável que, no mínimo, ocorre, na vertente, a chamada sucumbência reflexa, assim compreendida aquela que alcança pessoas que, mesmo fora da relação processual, são 43 atingidas por seus efeitos. E tal sucumbência reflexa seria capaz de gerar interesse para a propositura do recurso cabível em relação à sentença que a produzir. OBS.: EFEITO EXTENSIVO DOS RECURSOS Previsto no art. 580 do CPP, o efeito extensivo consiste na possibilidade de estender o resultado favorável do recurso interposto por um dos réus a outros acusados que não tenham recorrido. Apesar de disciplinado pelo Código no capítulo dos recursos, é aplicável também a outras vias impugnativas, como o habeas corpus e a correição parcial, que não possuem natureza recursal. Registre-se que a extensão determinada pelo art. 580 não é irrestrita, apenas sendo possível em hipóteses nas quais o recurso interposto tenha sido provido por razões não pessoais do recorrente, por exemplo, a atipicidade ou a inexistência material do fato. Tratando-se de absolvição fundada em razões pessoais, ex, a ausência de provas de que o recorrente concorreu para o crime, não haverá essa extensão. Exemplo: Considere-se que Paulo Meyer e Pedro estejam condenados pela prática de estelionato em concurso de agentes, e que, da sentença, apenas o primeiro tenha recorrido. No julgamento da apelação de João, suponha-se que o Tribunal absolva-o sob a motivação de que o fato consistiu em mero ilícito civil, sem reflexos penais (motivação ligada ao fato e não à pessoa de João). Neste caso, caberá ao Tribunal estender esse resultado também a Pedro. Se, contudo, tivesse Paulo Meyer sido absolvido pelo Tribunal sob o fundamento da ausência de provas de que concorreu ele para o crime, a extensão restaria inviabilizada, dada à pessoalidade do motivo da absolvição. 44 Outro aspecto importante é o de que, para efeitos da extensão, não basta que todos os réus tenham sido acusados no mesmo processo, sendo necessário que a eles tenha sido imputado o mesmo crime, em concurso de agentes (autoria ou participação). Exemplo: Imagine-se que, Paulo, Mário e Miguel tenham sido denunciados conjuntamente, em face da conexão entre seus crimes – Paulo, acusado de furto de um carro; Mário, acusado de receptação dolosa, por ter comprado esse veículo de Paulo sabendo tratar-se de objeto furtado; e, Miguel, acusado de receptação culposa, já que adquiriu o mesmo carro de Mário sem as devidas cautelas. Considere-se que, sendo todos condenados, apenas Paulo tenha recorrido, sendo sua apelação provida sob o fundamento de que o fato a ele imputado foi atípico. Nesse caso, a absolvição de Paulo não será estendida a Mário e Miguel, que continuarão condenados, só lhes restando ingressar com revisão criminal para anular as respectivas condenações. É que, apesar de terem figurado como réus em um só processo, não responderam pelo mesmo crime em concurso de agentes, mas a crimes diversos, não incidindo, então, o art. 580 do CPP. Quanto ao fundamento de sua previsão, decorre o efeito extensivo da necessidade de que haja isonomia entre os indivíduos que, acusados da prática de um mesmo crime, encontrem-se em idêntica situação jurídica. Entendendo ser hipótese que autoriza a extensão, compete ao próprio Tribunal que julgar o recurso do corréu recorrente pronunciar-se no sentido de estender o efeito benéfico que dele advir ao condenado remanescente. Não o fazendo, poderá este último opor embargos declaratórios no sentido de provocar a deliberação do Tribunal, ou, se preferir, desde logo ingressar com habeas corpus (se o crime imputado for punido com prisão) ou mandado de segurança (caso o delito não seja punido com pena 45 privativa da liberdade) junto à instância superior competente visando obter a aludida extensão. DESISTÊNCIA DO RECURSO É a manifestação de vontade do recorrente, depoisde ter interposto seu recurso, no sentido do desinteresse no seguimento, processamento e julgamento. Classifica-se como um fato extintivo do recurso. A desistência é retratável dentro do prazo recursal. Considerando, por exemplo, um prazo com fluência entre os dias 2 e 6 de março, uma vez operada e homologada a desistência, nada impede que dela se retrate a defesa, desde que o faça antes do dia correspondente ao término do prazo recursal. RENÚNCIA AO DIREITO DE RECORRER A renúncia do direito à interposição recursal consiste na manifestação de vontade da parte, realizada antes da interposição do recurso, no sentido de abrir mão desta faculdade, antecipando o trânsito em julgado da decisão judicial. Classifica-se como um fato impeditivo do direito de recorrer. A renúncia é irretratável, constituindo causa de preclusão consumativa no processo penal. Assim, contemplando-se um prazo com fluência entre 2 e 6 de março, caso venha a defesa a renunciar ao direito de recorrer nos primeiros dias do prazo recursal, sendo essa renúncia homologada pelo juiz, não poderá, mais tarde, ainda que antes do dia 6, voltar atrás nessa providência e interpor o recurso, pois o prazo consumou-se, vale dizer, esgotou-se definitiva e antecipadamente. 46 Quem pode desistir do direito de recorrer e renunciar ao direito de interpor o recurso? O Ministério Público, por disposição legal expressa no art. 576 do CPP, não poderá desistir do recurso que haja interposto. Embora a lei seja omissa, entende-se que, se não lhe é facultado desistir de recursos, também não pode renunciar ao direito de fazê-lo, pois o fundamento é o mesmo: indisponibilidade da ação penal pública. A única forma de renúncia ao direito de recorrer que se permite ao Ministério Público é aquela que decorre do seu não exercício no prazo legal, pois, evidentemente, não está o promotor de justiça obrigado a recorrer em qualquer caso, podendo, perfeitamente, deixar de fazê-lo se estiver convencido do acerto da decisão judicial. No tocante ao querelante e ao assistente de acusação, que são acusadores particulares, possuindo os respectivos advogados procuração com poderes especiais para tanto, vigora o princípio da disponibilidade plena, razão pela qual nada obsta a que procedam à desistência de impugnações oportunamente interpostas ou à renúncia ao direito de promovê-las. Em relação à defesa, considera-se possível a desistência, condicionada esta a que não haja oposição do advogado e do próprio réu. Assim, se o advogado, mesmo que lhe tenha sido outorgada procuração com poderes especiais neste sentido, desistir do recurso interposto ou renunciar ao direito de recorrer, deverá o magistrado determinar a intimação pessoal do réu, fixando-lhe prazo para que se manifeste caso não concorde com o procedimento do defensor. Por outro lado, efetivada a desistência ou a renúncia pelo próprio réu, seu advogado deverá ser intimado quanto a esta atitude do acusado. 47 Na oposição de um ou outro, prevalecerá a vontade de quem deseja prosseguir ou intentar o recurso, até mesmo porque o tribunal, vedada a reformatio in pejus, não poderá agravar a situação do condenado diante de recurso exclusivo da defesa. A este propósito, vejam a Súmula 705 do STF: “a renúncia do réu ao direito de apelação, manifestada sem a assistência do defensor, não impede o conhecimento da apelação por este interposta”. Embora se refira o enunciado à renúncia (fato impeditivo dos recursos), é clara a sua aplicação, igualmente, às hipóteses de desistência. Atenção: estas limitações quanto à desistência do recurso interposto ou à renúncia do direito de recorrer não significam, em absoluto, que exista, para qualquer dos envolvidos na relação processual, a obrigação de recorrer. Mesmo em relação à Defensoria Pública, o art. 18 da Lei Complementar 80/1994 (Lei Orgânica) estabelece como dever funcional “interpor recurso para qualquer grau de jurisdição e promover revisão criminal, quando cabível”. E se, mesmo cabível, for desidioso o advogado, deixando de recorrer, nem por isto se poderá falar na ocorrência de nulidade, tampouco cogitar de devolução do prazo recursal. Fosse o contrário, todo e qualquer processo em que se olvidasse de recorrer o advogado deveria ser tachado de nulo, situação esta que atenta contra a lógica e o bom senso. A propósito do tema, muito acertadamente diz Renato Brasileiro de Lima que, “mesmo nas hipóteses de atuação de defensor público ou dativo, prevalece o princípio da voluntariedade dos recursos, o que leva à conclusão de que a falta de interposição de apelo em ataque à decisão contrária aos interesses do acusado, por si só, não acarretaria nulidade”. 1. EFEITOS DOS RECURSOS Efeito devolutivo 48 Todo recurso possui efeito devolutivo, significando que, com a sua apreciação, devolve-se ao Poder Judiciário, por intermédio do juízo ad quem, o poder de revisar a decisão proferida no juízo a quo. O professor Badaró vai nos dizer que, na realidade, temos um efeito atributivo, e não devolutivo, já que estamos atribuindo a matéria ao conhecimento do Tribunal, que dela aprecia pela primeira vez, e não, na literalidade, devolvendo. Ou, como prefere o argentino Eduardo Couture, não há propriamente revisão, mas envio para revisão. Entretanto, fato é que, caros, que prevalece a nomenclatura “devolutivo”. A extensão dessa devolução, porém, é questão que depende de quem seja o recorrente. Vejam: 1. Recurso da acusação e a extensão da devolução: 1.1 Extensão do efeito devolutivo visando agravar a situação jurídica do réu condenado: o recurso da acusação, seja do Ministério Público, do assistente de acusação ou do querelante, possui efeito devolutivo bastante limitado quando se trata de agravar a condição do réu condenado ou absolvido com imposição de medida de segurança. Por conseguinte, não pode o Segundo Grau, no julgamento desta espécie de insurgência, reconhecer contra o réu mais do que estiver expresso no recurso acusatório. Tanto é que a Súmula 160 do STF é explícita no sentido de que é nulo o acórdão que reconhece contra o réu nulidade não arguida no recurso da acusação, excetuados os casos de reexame necessário (nas hipóteses de reexame necessário, a devolução é sempre integral). 49 Não importa, inclusive, se a nulidade é absoluta ou relativa. Implicando o reconhecimento da nulidade em decisão contrária aos interesses do acusado (ex, pelo fato de ter sido ele absolvido) e não tendo sido a mácula invocada em recurso da acusação, veda-se à Segunda Instância declará-la de ofício. 1.2 O efeito devolutivo do recurso da acusação em face da reformatio in mellius: Ocorre a reformatio in mellius quando o juízo ad quem, julgando recurso exclusivo da acusação para agravar a situação do réu condenado, atenua a pena, desclassifica a infração penal para outra menos grave ou o absolve da imputação pela qual condenado. Pois bem, embora exista posição doutrinária contrária à sua aplicação, na atualidade é consolidado o entendimento dos Tribunais no sentido de sua possibilidade, em face da inexistência de vedação legal. No STJ, tem-se decidido, reiteradamente, no sentido de que “é admitida a reformatio in mellius em sede de recurso exclusivo da acusação, sendo vedada somente a reformatio in pejus”. 2. Recurso da defesa e a extensão da devolução: 2.1 Extensão do efeito devolutivo visando beneficiar o réu condenado (absolvendo-o, reduzindo-lhe a pena, anulando o processo etc.): Neste caso, a devolução que se opera pelo recurso defensivo é, em regra, integral, podendo ser decididos em seu favor, no juízo ad quem, temas não enfrentados na impugnação. Mas atenção: o enfrentamento pelo órgão recursal de questões não abordadas no recurso defensivoconstitui uma faculdade e não uma obrigatoriedade. Enfim, embora possa fazê-lo, não está o tribunal obrigado à análise de todos os elementos, provas e teses incorporadas ao processo quando não suscitadas no recurso. 50 Isto ocorre porque o sistema recursal brasileiro é regido pelo princípio da dialeticidade, segundo o qual ao recorrente (seja acusação, seja defesa) assiste o ônus de demonstrar, com zelo e precisão, as razões de seu inconformismo, ou seja, os motivos pelos quais entende injusta e equivocada a decisão recorrida. Em termos práticos, isto significa que pode o juízo ad quem, simplesmente, deixar de conhecer de recursos genéricos, assim compreendidos aqueles que não se insurgem claramente contra os termos da decisão combatida, impedindo a outra parte de exercer o contraditório e desrespeitando, em consequência, o postulado do devido processo legal. Outra questão a que se deve atentar e que também ressalva o efeito devolutivo integral da apelação defensiva relaciona-se à Súmula 713 do STF, preceituando que “o efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição”. Assim, caso interposta a apelação com base no art. 593, III, a, do CPP, não poderá o apelante, por ocasião das razões, ampliar a interposição para nela inserir o fundamento da alínea d. Note-se que o referido verbete do Excelso Pretório não distingue a condição do apelante – acusação ou defesa –, aplicando-se, pelo menos em tese, de forma universal no processo penal. 2.2 O efeito devolutivo do recurso da defesa em face da reformatio in pejus: Por reformatio in pejus compreende-se o agravamento da situação jurídica do réu em face de recurso interposto exclusivamente pela defesa. Sobre este instituto, é necessário diferenciar duas situações – a reformatio in pejus direta e a reformatio in pejus indireta, ambas, em tese, igualmente proibidas: Reformatio in pejus direta: Corresponde ao agravamento da situação do réu pelo tribunal ao julgar recurso exclusivo da defesa. É sempre proibida, conforme se infere do art. 617, 2.ª parte, do CPP. 51 Exemplo: O réu, condenado a oito anos de reclusão, apela para ver-se absolvido ou para ter reduzida a sua pena. Por ocasião do julgamento da apelação, o Tribunal, mesmo não havendo recurso da acusação, indefere as pretensões da defesa e, ainda, aumenta a pena do réu para dez anos de reclusão. Este julgamento, obviamente, é nulo, pois agravou a pena imposta ao réu sem que tenha havido recurso do Ministério Público, importando em reformatio in pejus direta. Questão discutida é saber se a proibição à reformatio in pejus direta refere-se apenas ao total da pena fixada (pena definitiva) ou se alcança o quantum estabelecido em cada uma das etapas anteriores do cálculo da pena (pena-base e pena provisória). Para ilustrar, imagine-se que o réu tenha sido condenado pelo juiz singular pela prática de furto qualificado à pena de 3 anos de reclusão nos seguintes termos: –Pena-base de 2 anos e 6 meses (aumento de 6 meses sobre o mínimo legal, em face da culpabilidade, dos motivos determinantes e das consequências do crime); –Pena provisória de 3 anos (aumento de 6 meses sobre a pena-base em face da reincidência); –Pena definitiva de 3 anos, isto é, o mesmo quantum da pena-base por não existirem minorantes ou majorantes. Considere-se, porém, que, ao julgar apelação interposta exclusivamente pela defesa, buscando a redução da pena, constate o tribunal que não houve reincidência, eis que a condenação considerada pelo juiz na sentença deu-se em relação a fato praticado posteriormente ao furto qualificado em julgamento. Não obstante, entende o tribunal que tal circunstância, aliada aos diversos inquéritos policiais e ações penais que responde o agente, revela a sua personalidade deturpada, voltada à prática de 52 crimes contra o patrimônio, o que interfere nas circunstâncias judiciais que compõem a pena-base. Em razão disto, fixa a pena nos seguintes patamares: –Pena-base de 2 anos e 8 meses (aumento de 8 meses sobre o mínimo legal em face das consequências do crime, dos motivos determinantes, das consequências do crime e da personalidade desfavorável); –Pena provisória de 2 anos e 8 meses, isto é, o próprio quantum da pena-base em face da ausência de agravantes ou atenuantes; –Pena definitiva de 2 anos e 8 meses, ou seja, o mesmo da pena provisória, por não existirem minorantes ou majorantes. Como se vê, no julgamento da apelação, a pena definitiva foi fixada em 2 anos e 8 meses, portanto inferior aos 3 anos que haviam sido fixados na sentença. Todavia, a par dessa redução final, percebe-se que houve, pelo tribunal, a elevação da pena em uma das etapas da dosimetria (a etapa da pena-base). E neste cenário é que se indaga: é possível tal exasperação? Ora, como se tratava de recurso exclusivo da defesa (o Ministério Público não recorreu visando ao aumento de pena), o professor Avena entende que não poderia o tribunal aumentar a pena-base. Cumpria-lhe, simplesmente, afastar a reincidência. Logo, mesmo reduzindo a pena final imposta ao agente, conforme parte da doutrina, o acórdão incorreu em reformatio in pejus, pois elevou a pena-base. Evidentemente, houvesse recurso interposto pelo Ministério Público visando ao aumento da pena imposta, não haveria óbice algum à elevação da reprimenda em qualquer das etapas do respectivo cálculo. Atenção, porém: a despeito deste entendimento, reiteramos que há impasse na jurisprudência. O próprio STJ, inclusive, já decidiu 53 a respeito do tema que, para fins de verificação acerca da ocorrência ou não de reformatio in pejus, deve-se levar em conta, como parâmetro de aplicação, o quantum final de pena fixada, o que implica em facultar ao juízo ad quem revisar os fundamentos que embasam da dosimetria penal em cada uma das fases do cálculo da pena que antecedem à sua estipulação definitiva. Outra situação: imagine-se a hipótese em que o juiz, ao condenar o réu pelo crime do art. 33 da Lei 11.343/2006 – tráfico de drogas –, tenha fixado a pena-base em 5 anos e 3 meses (acima do mínimo legal, portanto), fazendo-o por considerar, dentre as vetoriais do art. 59 do Código Penal, negativa a culpabilidade. Apelando ele ao Tribunal, compreende esse colegiado que a pena-base deve permanecer afastada do mínimo, mas não em face da culpabilidade e sim em razão da personalidade do agente. Ora, nesse caso, assim como no anterior, vislumbramos a ocorrência de reformatio in pejus, tendo em vista a negativação, pelo Tribunal, de vetor que, na sentença, havia sido considerado neutro pelo Juiz. Questão também relevante concerne à possibilidade de o Tribunal, no julgamento de recurso exclusivo da defesa, proceder, de ofício, em prejuízo do condenado, à correção de erro material existente na sentença condenatória. Não há esta possibilidade. A jurisprudência pátria é no sentido de que a correção ex officio de erro material na sentença condenatória, em prejuízo do condenado, a partir de recurso exclusivo da defesa, implica reformatio in pejus, sendo, portanto, inadmissível. Reformatio in pejus indireta: Ocorre na hipótese em que, anulada a sentença por força de recurso exclusivo da defesa, outra vem a ser prolatada, agora impondo pena superior, ou fixando regime mais rigoroso, ou condenando por crime mais grave, ou qualquer outra circunstância que a torne, de qualquer modo, mais gravosa ao acusado. 54 Exemplo: O réu, condenado a oito anos de reclusão, recorre invocando nulidade do processo. O Ministério Público não apela da decisão para aumentar a pena. Ao julgar o recurso, o tribunal acolhe o inconformismo da defesa e determina a renovação dos atos processuais na origem. Neste caso, não poderá a nova sentença, em tese,agravar a situação em que já se encontrava o réu (condenando-o a dez anos de prisão, por exemplo), sob pena de incorrer em reformatio in pejus indireta. Isso é o chamado efeito prodrômico da sentença penal condenatória inicialmente prolatada e que restou anulada, impedindo que recurso exclusivo da defesa resulte, mesmo que de forma indireta, no agravamento da situação jurídica do condenado. Mas cuidado: a despeito da regra que impede a reformatio in pejus indireta, duas questões, que por muito tempo flexibilizaram a proibição, precisam ser enfrentadas: a primeira refere-se aos julgamentos pelo júri e, a segunda, à nulidade decorrente da incompetência absoluta do juízo. Peculiaridade 1. Julgamentos pelo júri: Anulado o julgamento levado a efeito pelo Tribunal do Júri em face de apelação exclusiva da defesa (art. 593, III, a, do CPP), pode ocorrer, por exemplo, de, no novo julgamento, serem reconhecidas pelos jurados qualificadoras não aceitas no primeiro júri. Nessa hipótese, parte da jurisprudência sustenta que nada impede seja a pena fixada em patamar superior à anteriormente atribuída, o que se justifica na soberania dos veredictos do júri. Outros, ao contrário, entendem que, mesmo nesse caso, é inviável o agravamento da pena, sob o fundamento de que a estabilidade das relações jurídicas impede que o réu seja prejudicado a partir de recurso por ele interposto. Nos Tribunais Superiores, apesar de o tema não ser inteiramente pacificado, tem compreendido a maioria dos Ministros que, 55 efetivamente, não pode o acusado, na renovação do julgamento, ser condenado a pena maior do que a imposta na decisão anulada, ainda que com base em circunstância não reconhecida no julgamento anterior. Outro importante argumento aos que defendem a possibilidade de um agravamento da situação do agente submetido ao novo júri após anulado o primeiro júri, é que não há como impedir o novo Conselho de Sentença de conhecer todos os aspectos da acusação e da defesa e de pronunciar-se livremente sobre cada um deles, porque a vedação à reformatio in pejus decorre de preceito infraconstitucional (art. 617 do CPP), ao passo que a soberania do Tribunal do Júri assenta-se em norma incorporada à Constituição Federal (art. 5.º, XXXVIII). Logo, dentro dessa soberania, pode ocorrer que venham os jurados a agravar a situação jurídica do réu, daí decorrendo, como consectário lógico, o aumento da pena em relação ao júri anterior. É o caso, por exemplo, de reconhecerem os jurados, no segundo júri, a qualificadora da traição, que não foi admitida no primeiro. Nessa hipótese, não estaríamos diante de reformatio in pejus indireta, uma vez que a nova pena mais gravosa foi decorrência natural do referido reconhecimento. OBS.: independentemente da nova decisão do Conselho de Sentença, é certo que ficará proibido ao juiz responsável pela dosimetria da pena aumentá-la em relação à anteriormente fixada. Peculiaridade 2. Incompetência absoluta do juízo (ratione materiae e ratione personae): Por muito tempo, entendeu-se que a nulidade por incompetência absoluta do juízo era uma exceção admissível de reformatio in pejus indireta, pois a pena fixada por juízo absolutamente incompetente não poderia limitar a jurisdição do juízo competente. Entretanto, na atualidade, a orientação firmada nos tribunais é a de que não há como o Juiz competente impor ao réu uma nova sentença mais gravosa do que a anteriormente anulada, mesmo que esta 56 anulação tenha ocorrido em face de incompetência absoluta, sob pena de reformatio in pejus indireta. A título de exemplo, considere-se a seguinte hipótese: Determinado réu é condenado pela Justiça Militar a pena de três anos de reclusão. Não obstante, a partir de apelação exclusiva da defesa, referido processo é integralmente anulado, em face da incompetência absoluta do Juízo Militar (incompetência ratione materiae). Renovada a acusação na Justiça Comum, a nova sentença não poderá fixar pena superior a três anos, tendo em vista que este é o teto estabelecido por força da primeira condenação. Se o fizer, estará incidindo em reformatio in pejus indireta. Agora, outro caso: suponha-se que o réu tenha sido condenado na Justiça Federal à pena de cinco anos de reclusão e que, desta sentença, tenha apelado o Ministério Público, postulando o aumento da pena imposta, e também a defesa, alegando a nulidade do processo por incompetência absoluta do Juízo Federal. Considere-se que, ao deliberar sobre estes recursos, tenha o Tribunal reconhecido a incompetência absoluta da Justiça Federal, anulando o processo desde o seu início e, com isto, julgando prejudicado o recurso do Ministério Público. Nesta hipótese, renovado o processo na Justiça Estadual, poderá ser imposta na nova sentença pena superior aos cinco anos anteriormente fixados, sem que incorra em reformatio in pejus indireta. Isto porque, muito embora a anulação do processo tenha ocorrido a partir de recurso da defesa, tal recurso não foi exclusivo, havendo, também, recurso da acusação buscando aumento de pena. Destarte, não houve, para o réu, em nenhum momento, a segurança jurídica de que sua situação não poderia ser agravada. Em outras palavras, a pena não chegou a transitar em julgado para a acusação, podendo então a sentença proferida no novo processo estabelecer apenamento superior. Efeito suspensivo 57 Em determinadas situações, a interposição do recurso suspende a execução da decisão atacada. Diz-se, nestes casos, que o recurso possui efeito suspensivo. Em verdade, tudo depende do recurso e da hipótese concreta. Em alguns casos, a lei é explícita quanto à existência ou não deste efeito. Quando, porém, é silente, parte da doutrina entende que, por analogia à lei processual civil, deve-se interpretar como presente o efeito suspensivo. Outros, compreendem que a omissão legal importa na conclusão de que o recurso não suspende a decisão atacada, tanto que, em tais casos, para que se obtenha o efeito, é necessário pronunciamento judicial atribuindo-o ao recurso interposto. a) Exemplos de recursos que possuem efeito suspensivo: • Recurso em sentido estrito da decisão que julgar perdido o valor da fiança e daquela que denegar a apelação ou julgá-la deserta (art. 584, caput, do CPP); • Recurso em sentido estrito contra a decisão de pronúncia: este recurso suspenderá o julgamento pelo júri (art. 584, § 2.º, do CPP), muito embora não suspenda eventual prisão preventiva ou outra medida cautelar restritiva que tenha sido determinada naquela decisão; • Recurso em sentido estrito contra a decisão que julgar quebrado o valor da fiança: o recurso, aqui, suspenderá a perda da metade do valor da fiança paga (art. 584, § 3.º, do CPP), não suspendendo, entretanto, a prisão do agente ou a imposição, a ele, de outra medida cautelar diversa da prisão; • Apelação da sentença condenatória (art. 597 do CPP): esta apelação possui, em regra, efeito suspensivo, o que implica dizer que, salvo hipótese de decretação ou de manutenção da prisão preventiva por 58 ocasião da sentença condenatória, sua interposição contra a sentença condenatória impede a execução provisória da pena fixada. Diz-se “em regra” porque, de acordo com o § 4º do art. 492 do CPP, incluído pela L. 13.964/2019, “a apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri, quando fixada pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo”, sem embargo da possibilidade de o tribunal competente para seu julgamento (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal), em determinadas condições, ter a faculdade de atribuir tal efeito, consoante dispõe o § 5º, incisos I e II, daquele artigo. b) Exemplos de recursos que não possuem efeito suspensivo: • Hipótesesde recurso em sentido estrito não elencadas no art. 584, caput, e §§ 2.º e 3.º, do CPP; • Apelação da sentença absolutória (art. 596 do CPP); • Agravo em execução (art. 197 da Lei 7.210/1984); • Recursos especial e extraordinário (art. 321, § 4.º, do RISTF; art. 255, caput, do RISTJ e art. 1.029, § 5.º, do CPC/2015, este último utilizado por analogia em face da revogação expressa do art. 27, § 2.º, da Lei 8.038/1990 pelo art. 1.072, IV, da Lei 13.105/2015). Sem embargo desta regra – a de que os recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo, deve-se atentar que podem eles produzir tal efeito, de forma indireta, nas hipóteses em que a lei condicionar a execução da decisão recorrida ao respectivo trânsito em julgado. É o que ocorre na hipótese de seus manejos contra acórdão penal condenatório, caso em que esses recursos, indiretamente, impedirão (suspenderão) a execução da pena. Diz-se indiretamente porque, nesse caso, a não execução da pena imposta não decorre de aspectos 59 relacionados a eventual efeito suspensivo dos recursos especial e extraordinário (que, como dissemos, não o possuem), mas, sim, da circunstância de que o art. 283 do CPP, ressalvando as hipóteses de prisões cautelares (preventiva e temporária), condiciona a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da decisão. Ora, se há recursos especial e extraordinários interpostos e pendentes de julgamento, não se tem como operado o trânsito em julgado e, sem esse trânsito, a pena não pode ser executada, consoante, aliás, sedimentado pelo Plenário do STF no julgamento das famosas ADCs 43, 44 e 54, ocorrido em 07.11.2019. Vejam, todos sabemos que o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 946.246/SP, em regime de repercussão geral, sob a Relatoria do Ministro Teori Zavascki, de 10.11.2016, fixou a tese seguinte: “a execução de provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda sujeito a recurso especial ou extraordinário, , não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência, afirmado no art. 5º, LVII, da CF”. Esta tese á completamente inaceitável, caros. A CRFB é literal ao dizer que o marco temporal para a flexibilização da presunção de inocência, garantia individual, é o trânsito em julgado! Assim, em matéria penal, a partir da matriz constitucional desenhada ao processo penal, é certo que os recursos especial e extraordinário gozam de efeito suspensivo. Por isso mesmo é que o próprio STF, revisitando o absurdo posicionamento, em 07/11/2019, voltou a reafirmar a aplicação da presunção de inocência até o trânsito em julgado da condenação penal (STF, ADC 43/DF e 44/DF, Relatoria Min. Marco Aurélio. 60 Questão relevante respeita à presença ou não do referido efeito suspensivo indireto na hipótese em que tiverem os recursos especial e extraordinário sido manejados contra a decisão de pronúncia. Exemplo: determinado indivíduo, denunciado por homicídio, após instrução do processo criminal é pronunciado pelo Juiz. Desta pronúncia, interpõe a defesa recurso no sentido estrito (art. 581, IV, do CPP). Julgado este recurso, a pronúncia é mantida pelo tribunal. Inconformada, deduz a defesa recurso especial para o STJ. Ora, pelas regras legais mencionadas, tal insurgência, que não possui efeito suspensivo previsto em lei, não deveria impedir o prosseguimento do processo, tampouco o julgamento pelo Júri. Ocorre, porém, que o art. 421 do CPP condiciona a realização desse julgamento à preclusão da pronúncia. Neste caso, pergunta-se: analisada a regra da ausência de efeito suspensivo nos recursos especial e extraordinário com a exigência de que esteja preclusa a pronúncia para que o processo tenha prosseguimento, será possível ou não, na hipótese ilustrada, a continuidade do rito e a consequente realização do julgamento pelo Júri antes do julgamento do recurso especial interposto? Há duas posições aqui: – Primeira: enquanto não for julgado o recurso especial e esgotadas todas as vias impugnativas possíveis, o processo permanecerá suspenso, não sendo encaminhado à deliberação dos jurados. Portanto, de forma indireta, o manejo do recurso especial, no exemplo, suspenderá (efeito suspensivo) a execução da decisão inicialmente atacada (a pronúncia). E o mesmo raciocínio teria lugar na hipótese de eventual recurso extraordinário, caso tivesse sido interposto no caso narrado. – Segunda: o art. 421 do CPP, ao condicionar o julgamento pelo júri à preclusão da pronúncia, refere-se, unicamente, aos recursos ordinários – recurso em sentido estrito interposto contra a pronúncia, 61 apelação interposta contra a impronúncia ou absolvição sumária, embargos infringentes e embargos declaratórios. Este, aliás, foi o entendimento do Ministro Gilmar Mendes ao julgar no Habeas Corpus 134.900/RS, quando, fazendo remissão a outro habeas corpus (HC 119.314), observou que “o art. 421 do Código de Processo Penal, no que condiciona a realização do Júri à preclusão da decisão de pronúncia, deve ser interpretado como significando o esgotamento dos recursos ordinários”. A posição, embora por maioria de votos, foi acolhida pela 2.ª Turma do STF (j. 11.10.2016). Mais recentemente, tornou o Excelso Pretório a reafirmar essa orientação, deliberando que “a legislação processual não prevê efeito suspensivo a recurso especial (artigos 421 e 637 do CPP), e, portanto, a preclusão a que se refere o art. 421 do CPP diz respeito apenas às decisões com recursos previstos para as instâncias ordinárias, razão pela qual a pendência de recursos de natureza extraordinária não impede a realização do júri” (HC 129694 Agr/SP, 1.ª Turma, DJ 16.10.2018). Aplicando-se esta orientação ao exemplo, tem-se que a interposição do recurso especial não impedirá o prosseguimento do processo e a submissão do réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. Outra situação em que o recurso especial (art. 255, caput, do RISTJ) possui efeito suspensivo ocorre quando interposto da decisão que julgar o mérito de incidente de resolução de demandas repetitivas. Idêntico regramento pode ser aplicado ao recurso extraordinário, por força da disciplina trazida aos arts. 1.029 e 1.036 a 1.041, todos do CPC/2015. Efeito regressivo Presente em alguns recursos, o efeito regressivo é aquele que permite ao prolator da decisão impugnada dela retratar-se antes do encaminhamento da insurgência ao juízo ad quem. 62 Entre os recursos criminais ordinários, possuem este efeito o recurso em sentido estrito (art. 589 do CPP), a carta testemunhável (art. 643 do CPP) e o agravo em execução (este porque, segundo a doutrina e jurisprudência consolidadas, segue o rito do primeiro). Ainda, poderão estar sujeitos ao efeito regressivo os recursos extraordinário e especial, consoante regramento dos arts. 1.040, II, e 1.041, caput e § 1.º, do CPC/2015. Embora os dispositivos mencionados integrem a lei processual cível, é inequívoca a sua aplicação também à esfera penal, já que têm por objetivo reduzir a “sobrecarga” de serviço nos Tribunais Superiores. Perceba-se que tanto no recurso extraordinário quanto no especial o efeito regressivo não estará presente em qualquer situação, mas tão somente em hipóteses de múltiplos recursos repetitivos em relação à mesma controvérsia. Nesses casos, conforme prevê o art. 1.036, § 1.º, do CPC/2015, caberá ao Tribunal de origem escolher dois ou mais entre os vários recursos interpostos e submetê-los ao crivo do Tribunal Superior respectivo, sobrestando o andamento dos demais. Caso o STF ou o STJ, conhecendo dos recursos representativos, dar-lhes provimento, deverá o Tribunal de origem reapreciar os acórdãos que geraram os recursos que estão sobrestados. Neste momento, poderá manter a decisãooriginal (caso em que os recursos suspensos terão examinada sua admissibilidade e, se presentes os requisitos, serão encaminhados ao STF ou STJ, conforme o caso) ou dela se retratar (hipótese na qual os recursos sobrestados serão considerados automaticamente inadmitidos, nos termos dos mencionados arts. 1.040, II, e 1.041, caput e § 1.º, do CPC/2015). Efeito translativo Consiste na devolução ao órgão ad quem de toda a matéria não atingida pela preclusão. Em outras palavras, possui efeito translativo 63 o recurso que, uma vez interposto, confere ao tribunal julgador o poder de decidir qualquer matéria, em favor ou contra qualquer das partes. Possui esse efeito, por exemplo, o recurso ex officio, pois este viabiliza ao tribunal competente decidir tanto em prol da acusação como da defesa, sem estar atrelado aos limites impostos pela proibição da reformatio in pejus. Para melhor ilustrar, considerem-se as seguintes hipóteses: a) Diante de sentença condenatória a pena de oito anos de reclusão por um crime de roubo, insurge-se a defesa postulando a absolvição e, como teses sucessivas, a anulação do processo e a redução da pena imposta. A acusação, por sua vez, não recorre. Neste caso, ao julgar o apelo defensivo, não poderá o Tribunal, por exemplo, aumentar a pena imposta. Isso porque o recurso da defesa não devolve ao Tribunal o conhecimento de toda a matéria discutida nos autos, mas unicamente a faculdade de decidir em favor do réu ou de manter a decisão recorrida. Aumentar a pena imposta implicaria reformatio in pejus, o que é expressamente vedado pelo art. 617 do CPP. Conclui-se, então, que o recurso da defesa não possui efeito translativo. b) Diante de sentença que absolve o réu de crime de furto, recorre o Ministério Público postulando apenas a condenação do réu, sem mencionar a ocorrência de nulidade absoluta havida no curso do processo e que causou grave prejuízo à acusação. Nesta hipótese, o 64 Tribunal, ao julgar o recurso acusatório, estará restrito, no aspecto que contrariar os interesses do réu, ao pedido realizado pelo promotor: a condenação. Assim, ou condena o réu ou deixa-o absolvido, não podendo reconhecer, oficiosamente, a nulidade não arguida pela acusação, ainda que ela seja absoluta, em face dos termos da Súmula 160 do STF. Portanto, também o recurso da acusação não possui efeito translativo. c) Ao sentenciar processo por crime contra economia popular, decide o juiz por absolver o réu. Desta decisão não recorre o Ministério Público. Tendo em vista que se trata de decisão sujeita a reexame necessário (art. 7.º da Lei 1.521/1951), o juiz, ex officio, determina o seu encaminhamento ao Tribunal de Justiça, para confirmação ou reforma. Neste caso, por ocasião do julgamento do recurso de ofício, poderá o Tribunal tanto manter a decisão absolutória como reformá-la e, em consequência, condenar o réu. Poderá, também, reconhecer nulidades, mesmo que isso venha contra os interesses do réu, conforme autoriza a Súmula 160 do STF, in fine. Depreende-se daí que o recurso ex officio possui efeito translativo, pois devolve ao Tribunal o poder de manifestar-se sobre qualquer matéria, não levando em conta se isto importa em beneficiar a acusação ou a defesa. POLÊMICA DOUTRINÁRIA: 65 A QUESTÃO DA VOLUNTARIEDADE E O REEXAME NECESSÁRIO (RECURSO EX OFFICIO) O art. 574 do CPP estabelece a voluntariedade como regra geral dos recursos. Isto significa que a decisão judicial, uma vez prolatada, poderá ser revista apenas quando a parte sucumbente tomar a iniciativa de recorrer. Essa regra, porém, não é absoluta, encontrando exceção no próprio texto do artigo mencionado, o qual prevê situações de reexame necessário, vale dizer, hipóteses nas quais, ainda que não haja o recurso voluntário, obrigatoriamente deverá a decisão ser encaminhada pelo juiz prolator ao tribunal competente para a revisão. O recurso ex officio fundamenta-se na presunção de que determinadas decisões, expressamente previstas, pela sua natureza, causam prejuízo potencial à sociedade, impondo-se, pois, a submissão obrigatória ao duplo grau de jurisdição como condição para que transitem em julgado (ex vi da Súmula 423 do STF). Note-se que o cabimento do reexame necessário justifica-se, apenas, contra decisões de juiz singular, não sendo possível contra decisões colegiadas (câmaras, turmas), ainda que em processos de competência originária dos tribunais. Constitucionalidade do reexame necessário Embora minoritária, existe posição contrária ao recurso de ofício, sob o argumento da inconstitucionalidade dessa providência, já que, em primeiro lugar, importaria em deslocar o magistrado de sua inércia natural e, em segundo, porque o próprio art. 129, I, da Constituição Federal teria banido o reexame necessário do ordenamento jurídico brasileiro ao estabelecer o Ministério Público como titular da ação penal pública. 66 Ainda, o recurso de ofício não teria sido recepcionado pela ordem constitucional por violação à imparcialidade do órgão julgador, pelo que incumbe ao juízo tão somente aguardar a preclusão temporal da decisão mencionada no 574 do CPP. Defendentes desta corrente temos os professores André Nicolitt, Aury Lopes Jr., Badaró e Alexandre Rosa. A doutrina prevalente discorda desse entendimento, pois o reexame necessário não se constitui, propriamente, em um recurso na acepção legal do termo, mas sim em uma providência acauteladora, aquilo que denominam “condição de eficácia da sentença”, prevista na lei para que determinadas decisões, potencialmente prejudiciais aos legítimos interesses da sociedade, sejam revistas pelos tribunais. Além disso, essa medida não importa em violação à imparcialidade do juiz, sustenta esta corrente, já que este, ao submeter uma decisão sua ao 2.º Grau, não está agindo voluntariamente contra os interesses do investigado ou acusado, mas, simplesmente, cumprindo expressa disposição legal que assim determina. Dizem os professores Antônio Scarance Fernandes e Mirabete que não há, nas hipóteses legais de recurso de ofício, nova acusação ou, mesmo, alteração daquela originariamente oferecida pelo Ministério Público na denúncia, pois o reexame necessário pelo tribunal, assim como ocorre com o recurso voluntário, somente instaura uma nova fase procedimental e não outro processo. Fosse, aliás, inconstitucional o reexame necessário, o próprio Supremo Tribunal Federal, a quem compete zelar pela aplicação da Constituição Federal, teria revogado as Súmulas 160 e 423, que a ele fazem referência. No mesmo sentido – da constitucionalidade – é, também, a posição dominante nos Tribunais Superiores. Previsões legais de reexame necessário Três são as hipóteses nas quais está previsto o reexame necessário na sistemática do Código de Processo Penal: 67 • Decisão concessiva de habeas corpus (art. 574, I): Embora se trate de orientação minoritária, parte da doutrina considera prejudicada esta modalidade de recurso de ofício, sob o argumento de que este se justificava apenas à época da edição do Código, quando se entendia não ser facultado ao Ministério Público recorrer dessa espécie de decisão. Neste sentido, Ada Pellegrini Grinover e Guilherme de Souza Nucci. Na esteira do entendimento do STJ (RHC 17.143/SC, j. 17.12.2007), temos a rejeição desta posição. Logo, prevalece que ainda está em vigor o reexame necessário contra a decisão que conceder o habeas corpus. • Decisão que absolve sumariamente o réu nos termos do art. 411 (art. 574, II): Esta modalidade de recurso oficial está revogada, pois o art. 574, II, do CPP, que o contempla, é específico em relação aos casos do art. 411. Ocorre que tal dispositivo não mais se refere à absolvição sumária, que, agora, está prevista no art.415. Além disso, o precitado art. 411, antecipando-se ao art. 574, II, mencionava o reexame obrigatório da decisão que absolvesse sumariamente o réu, referência esta que não se repetiu no atual regramento do art. 415. • Decisão que defere a reabilitação criminal (art. 746): Nesta hipótese, inexistem controvérsias, sendo aceito o reexame necessário em relação à concessão da reabilitação: “O art. 746 do CPP, porque é norma de aplicação pelo juízo da condenação, não foi revogado pela Lei de Execuções Penais, subsistindo, pois, o recurso de ofício da sentença concessiva de reabilitação (STJ, REsp 157415/SP, DJ 13.10.1998)”. Além das previsões existentes no âmbito do Código de Processo Penal (concessão do habeas corpus, absolvição sumária e deferimento de reabilitação criminal), o reexame necessário também está contemplado na legislação especial, nas seguintes hipóteses: • Decisão judicial que ordena, a pedido do Ministério Público, o arquivamento de inquérito policial que tenha 68 investigado crimes contra economia popular ou saúde pública (art. 7.º da Lei 1.521/1951). • Sentença absolutória em processo criminal que tenha apurado crimes contra economia popular ou saúde pública (art. 7.º da Lei 1.521/1951). • Sentença que conceder a segurança (art. 14, § 1.º, da Lei 12.016/2009): Trata-se de hipótese prevista na Lei 12.016/2009, reproduzindo a regra existente no art. 12, parágrafo único, da revogada Lei 1.533/1951. No entender de Nucci, dois outros casos também ensejariam reexame necessário: o indeferimento liminar da revisão criminal pelo relator a que distribuída no órgão competente para seu julgamento (art. 625, § 3.º); e o indeferimento liminar da petição de habeas corpus pelo Presidente do Tribunal (art. 663). A doutrina diverge. Prevalece que referidos casos não ensejam reexame necessário. É que ambas as hipóteses citadas tratam de decisões desfavoráveis ao acusado e, por isso mesmo, incompatíveis com o motivo que conduziu o legislador ao estabelecimento de casos de revisão obrigatória da decisão judicial, qual seja a presunção de prejuízo à sociedade gerada por determinadas decisões. Vejam, na hipótese do art. 625, § 3.º, do CPP, a expressão “dando recurso” deve ser considerada não como um recurso de ofício, mas, sim, como um “facultando recurso” a um Órgão Superior Colegiado, o qual deverá ser o agravo interno (também chamado de agravo regimental) previsto no art. 39 da Lei 8.038/1990 e no art. 1.021 do CPC/2015. E idêntica situação ocorre em relação ao art. 663, possibilitando este ao Presidente do Tribunal (ou ao Relator, ou à autoridade judiciária competente, segundo dispuser o Regimento Interno) entender no sentido do indeferimento liminar da petição de habeas corpus, decisão esta igualmente agravável. 69 Coexistência do recurso de ofício com o recurso voluntário: Nas hipóteses previstas em lei, a revisão da decisão pela segunda instância em razão do recurso de ofício é obrigatória, ainda que tenha a parte, voluntariamente, interposto seu próprio recurso. Isto ocorre pelo fato de que o reexame necessário devolve ao tribunal o conhecimento integral da matéria discutida no processo, ao contrário do que ocorre com o recurso da acusação, cuja devolução, no aspecto que visa piorar a situação do réu, é limitada às questões versadas na interposição. Esta amplitude que se confere ao recurso de ofício é adotada pelo Supremo Tribunal Federal, implicitamente, na Súmula 160, sendo proibido ao Tribunal reconhecer contra o réu nulidades, ainda que absolutas, não arguidas no recurso da acusação, salvo nos casos de recurso de ofício. Ora, se em casos de reexame necessário é lícito ao Tribunal declarar, mesmo em prejuízo do réu, nulidades não arguidas em recurso do Ministério Público, é intuitivo que o recurso de ofício é obrigatório nas situações em que a lei o estabelece, não ficando prejudicado pelo ingresso do recurso voluntário. Por isso, segundo o professor Avena, absolutamente equivocada a prática adotada por muitos juízes quando, diante de situação que enseja reexame necessário, expressam em suas decisões que, “não havendo recurso voluntário, subam os autos de ofício ao tribunal”. Para melhor ilustrar, considerem-se as seguintes situações, ambas com interposição de recurso voluntário pelo sucumbente: Hipótese “A”: Acusado de crime de roubo é absolvido pelo juiz singular. Inconformado, recorre o Ministério Público sem arguir uma 70 determinada nulidade absoluta que tenha ocorrido no curso do processo. Pela vedação imposta na Súmula 160 do STF, não poderá o Tribunal, julgando a apelação, declarar a nulidade do processo, pois, não se tratando de hipótese de reexame necessário, estaria reconhecendo contra o réu (que está absolvido) vício que não foi alegado na impugnação ministerial. Hipótese “B”: Considere-se, agora, que outro réu, a quem se atribui a prática de crime contra a economia popular, vem, igualmente, a ser absolvido pelo magistrado. Irresignado, também aqui recorre o Ministério Público, requerendo, unicamente, a condenação do acusado e nada aduzindo quanto à nulidade absoluta ocorrida no curso da instrução. Nesse caso, considerando tratar-se de hipótese de recurso de ofício (art. 7.º da Lei 1.521/1951), poderá o Tribunal declarar a nulidade, ainda que esta não tenha sido levantada pelo Ministério Público. É que, em decorrência do reexame necessário, terá ocorrido a devolução integral da matéria ao Tribunal, que poderá, mesmo contra o réu, decidir questões não versadas no recurso ministerial. Assim, caros, encerramos a teoria geral dos recursos. 2. RECURSOS EM ESPÉCIE: 1. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO: O recurso em sentido estrito está destinado a impugnar determinadas decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo penal, sendo uma figura desconhecida no direito comparado especialmente no que tange à peculiar designação. Inclusive, se aprovado o Projeto de Lei n. 4.206/2001, o recurso em sentido estrito será substituído pela figura do agravo, que poderá ser retido ou de instrumento. Quanto à adequação, vista como a compatibilidade entre a decisão proferida e a impugnação eleita pela parte, o recurso em 71 sentido estrito somente pode ser interposto nos casos taxativamente previstos no art. 581 do CPP, ou, excepcionalmente, em leis especiais. Na sistemática do CPP, o recurso em sentido estrito está limitado à impugnação das decisões previstas no art. 581, não se admitindo em outros casos, até porque a apelação do art. 593, II, é residual ao prever que caberá apelação das “decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior”, ou seja, nos casos em que não couber recurso em sentido estrito. Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: Explicação: O recurso em sentido estrito é, por excelência, um meio de impugnação das decisões interlocutórias, ou seja, das “decisões”, cabendo excepcionalmente em relação às “sentenças” (como a que concede ou denega o habeas corpus). Contudo, é absolutamente inadequada a expressão despacho, contida no caput do art. 581, na medida em que os despachos são irrecorríveis. I – que não receber a denúncia ou a queixa; Explicação: A decisão que recebe a denúncia ou queixa é, como regra, irrecorrível (mas cabe habeas corpus, como se verá), mas diferente é a situação da decisão que “não receber” a denúncia ou queixa. Melhor teria andado o legislador se tivesse estabelecido a seguinte redação para esse inciso: “que rejeitar a denúncia ou queixa”; Assim, caberá recurso em sentido estrito da decisão que rejeitar a denúncia ou queixa, nos termos do art. 395 do CPP, ou seja, quando a denúncia ou queixa: I –for manifestamente inepta; II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou 72 III – faltar justa causa para o exercício da ação penal. II – que concluir pela incompetência do juízo; Explicação: A decisão que concluir pela incompetência do juízo, proferida pelo próprio juiz, exceto nos autos da exceção de incompetência, ou mesmo a qualquer momento do procedimento, pelo juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, será recorrível em sentido estrito (veja-se o disposto nos arts. 108 e 109 do CPP). Contudo, quando a decisão for proferida nos autos da exceção de incompetência, o fundamento legal do recurso em sentido estrito é o (próximo) inciso III, e não o presente. Também adequado o recurso em sentido estrito, fundado nesse inciso, para impugnar a decisão de desclassificação, proferida na primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, pelo juiz presidente. Trata-se de uma decisão que indiretamente conclui pela “incompetência do júri”, subtraindo a matéria do seu julgamento. Cabível, assim, o recurso em sentido estrito. III – que julgar procedentes as exceções, salvo a de suspeição; Explicação: Caso algumas das exceções abaixo sejam julgadas procedentes, é cabível o Recurso em Sentido Estrito, exceto, como expressamente prevê o inciso, a de suspeição (que será irrecorrível). Lembrando que estamos tratando de decisões de primeiro grau e não de exceções opostas junto ao Tribunal de Justiça; Art. 95. Poderão ser opostas as exceções de: I - suspeição; II - incompetência de juízo; III - litispendência; IV - ilegitimidade de parte; V - coisa julgada. 73 IV – que pronunciar o réu; Explicação: Até a reforma de 2008, o recurso em sentido estrito era utilizado para impugnar as decisões de pronúncia, impronúncia e absolvição sumária. Após o advento da Lei n. 11.689/2008, caberá recurso em sentido estrito apenas da decisão de pronúncia, proferida nos termos do art. 413 do CPP, isto é, quando o juiz admite a acusação porque convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria, encaminhando o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. Já a decisão de impronúncia (art. 414 do CPP) é terminativa, encerrando o processo sem julgamento de mérito e impugnável pela via da apelação, art. 593, II, do CPP. A absolvição sumária (art. 415 do CPP) deixou, com a reforma de 2008, de ser impugnável pelo recurso em sentido estrito, estando revogado o inciso VI do art. 581 que a previa no rol de casos em que poderia ser utilizado esse recurso. E andou bem o legislador, pois a absolvição sumária é uma verdadeira sentença, com análise de mérito, e que inadequadamente estava sendo tratada como interlocutória mista. Com isso, passou a ser impugnada pela via da apelação. V – que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante; Explicação: Trata-se, em todas as situações dispostas no inciso, de decisões interlocutórias simples, proferidas pelo juiz de primeiro grau, ao decidir sobre o status libertatis do imputado. A Lei n. 12.403 revigorou o instituto da fiança, agora com amplo espaço de utilização e plena aplicabilidade prática. 74 Em geral, essa via de impugnação tem sido utilizada pelo Ministério Público para atacar a decisão que denega o pedido de prisão preventiva, revoga, concede liberdade provisória ou relaxa a prisão em flagrante. Para a defesa, as decisões que negam, cassam ou julgam inidônea a fiança, em geral, são atacadas por habeas corpus, não apenas porque costumam implicar na prisão cautelar do acusado, mas principalmente pela celeridade e a possibilidade de concessão de medida liminar que somente o habeas corpus possui. VI – que absolver o réu, nos casos do art. 411; VII – que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor; Explicação: A decisão proferida pelo juiz de primeiro grau que julgar quebrada a fiança ou perdido o seu valor é impugnável pelo recurso em sentido estrito, ainda que, na prática, a via do habeas corpus seja a escolhida, pois mais célere e eficaz. Hipóteses de quebra de fiança: Art. 327. A fiança tomada por termo obrigará o afiançado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada. Art. 341. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o acusado: I - regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; II - deliberadamente praticar ato de obstrução ao 75 andamento do processo; III - descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; IV - resistir injustificadamente a ordem judicial; V - praticar nova infração penal dolosa. Art. 344. Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta. VIII – que decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade; Explicação: Trata-se de verdadeira decisão declaratória de extinção da punibilidade, cujos casos de ocorrência estão previstos no art. 107 do Código Penal (e também em leis esparsas). Como regra, esse recurso será utilizado pelo Ministério Público ou pelo assistente da acusação, pois considera-se que não há, para a defesa, um gravame (interesse) que legitime sua utilização. A absolvição sumária do art. 397 do CPP merece uma análise em separado, pois, como regra, é atacável pelo recurso de apelação, previsto no art. 593, I, do CPP. Contudo, há uma importante ressalva: a decisão que “absolve sumariamente” por estar extinta a punibilidade é impugnável pela via do Recurso em Sentido Estrito, art. 581, VIII, do CPP. IX – que indeferir o pedido de reconhecimento da prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade; Explicação: É uma situação oposta à anterior, na medida em que, geralmente, é a defesa que postula o reconhecimento da 76 prescrição ou de outra causa extintiva da punibilidade, que não é reconhecida pelo juiz de primeiro grau. Dessa decisão, é o recurso em sentido estrito o meio adequado para a impugnação. X – que conceder ou negar a ordem de habeas corpus; Explicação: Compreenda-se que, nesse caso, o habeas corpus foi impetrado em primeiro grau, geralmente para atacar ato coator emanado de autoridade policial (mas outros casos são possíveis, como se explicará na continuação, quando abordarmos o writ), e foi concedido ou negado. No primeiro caso, caberá ao Ministério Público manejar o recurso em sentido estrito, pois único interessado na reforma da decisão. Já na denegação da ordem, poderá o interessado recorrer em sentido estrito ou, o que normalmente se faz, impetrar novo habeas corpus, agora para o órgão de segundo grau competente, tendo por base o ato coator emanado do juiz a quo. XI – que conceder, negar ou revogar a suspensão condicional da pena; Explicação: Perdeu a eficácia, já que se decretada em decisão condenatória, é cabível Apelação e na execução penal, é cabível agravo em execução; XII – que conceder, negar ou revogar livramento condicional; Explicação: Substituída pelo agravo em execução; XIII – que anular o processo da instrução criminal, no todo ou em parte; 77 Explicação: cabe para defeito insanável, quando não havendo nada mais a ser feito para restabelecer a regularidade do processo, sendo a decretação da nulidade, com a respectiva ineficácia e o desentranhamento das peças, o único caminho possível. A mera constatação da prática de um ato defeituoso, com a determinaçãode repetição – saneamento –, não é passível de recurso em sentido estrito. Por outro lado, é irrecorrível a decisão que não acolhe o pedido de decretação da nulidade ou mesmo de repetição do ato defeituoso. Nestes casos, duas opções se abrem ao interessado: a) buscar, pela via do habeas corpus, o reconhecimento da nulidade pretendida no tribunal ad quem; b) alegá-la, novamente, em sede de debates orais (ou memoriais) e, em caso de não acolhimento na sentença, suscitar a questão em preliminar do recurso de apelação. XIV – que incluir jurado na lista geral ou desta o excluir; O alistamento dos jurados está previsto nos arts. 425 e 426 do CPP, sendo que a lista geral será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano, e poderá ser alterada de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz presidente até o dia 10 de novembro; XV – que denegar a apelação ou a julgar deserta; a) Decisão que denegar a apelação: nesse caso, o juiz a quo não permitiu que a apelação subisse para o tribunal, ou seja, no juízo de admissibilidade feito em primeiro grau, entendeu o juiz ser a apelação 78 descabida, inadequada, intempestiva, haver ilegitimidade da parte recorrente ou inexistir gravame. b) Decisão que julgar deserta a apelação: com a revogação do art. 595 do CPP, a deserção ficou restrita a ausência de preparo (pagamento das custas recursais). XVI – que ordenar a suspensão do processo, em virtude de questão prejudicial; Explicação: aqui, a explicação remete para a leitura da norma: Art. 92. Se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e de outras provas de natureza urgente. Parágrafo único. Se for o crime de ação pública, o Ministério Público, quando necessário, promoverá a ação civil ou prosseguirá na que tiver sido iniciada, com a citação dos interessados. Art. 93. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente. § 1o O juiz marcará o prazo da suspensão, que poderá ser razoavelmente prorrogado, se a demora não for imputável à parte. 79 Expirado o prazo, sem que o juiz cível tenha proferido decisão, o juiz criminal fará prosseguir o processo, retomando sua competência para resolver, de fato e de direito, toda a matéria da acusação ou da defesa. § 2o Do despacho que denegar a suspensão não caberá recurso. § 3o Suspenso o processo, e tratando-se de crime de ação pública, incumbirá ao Ministério Público intervir imediatamente na causa cível, para o fim de promover-lhe o rápido andamento. Art. 94. A suspensão do curso da ação penal, nos casos dos artigos anteriores, será decretada pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes. XVII – que decidir sobre a unificação de penas; Explicação: Substituído pelo agravo em execução; XVIII – que decidir o incidente de falsidade; Art. 145. Argüida, por escrito, a falsidade de documento constante dos autos, o juiz observará o seguinte processo: I - mandará autuar em apartado a impugnação, e em seguida ouvirá a parte contrária, que, no prazo de 48 horas, oferecerá resposta; II - assinará o prazo de três dias, sucessivamente, a cada uma das partes, para prova de suas alegações; III - conclusos os autos, poderá ordenar as diligências que entender necessárias; IV - se reconhecida a falsidade por decisão irrecorrível, mandará desentranhar o documento e remetê-lo, com os autos do processo incidente, ao Ministério Público. Art. 146. A argüição de falsidade, feita por procurador, exige poderes especiais. 80 Art. 147. O juiz poderá, de ofício, proceder à verificação da falsidade. Art. 148. Qualquer que seja a decisão, não fará coisa julgada em prejuízo de ulterior processo penal ou civil. XIX – que decretar medida de segurança, depois de transitar a sentença em julgado; XX – que impuser medida de segurança por transgressão de outra; XXI – que mantiver ou substituir a medida de segurança, nos casos do art. 774; XXII – que revogar a medida de segurança; XXIII – que deixar de revogar a medida de segurança, nos casos em que a lei admita a revogação; XXIV – que converter a multa em detenção ou em prisão simples. Explicação: Substituídos pelo agravo em execução. XXV – que recusar homologação à proposta de acordo de não persecução penal, previsto no art. 28- A. Explicação: A situação passível de recurso, tanto por parte do Ministério Público como também da defesa é aquele que recusa a homologação de um acordo de não persecução penal firmado pelas partes e submetida ao controle judicial de legalidade para homologação. Prazo e forma de interposição Como regra geral, o RESE deverá ser interposto no prazo de cinco dias (art. 586 do CPP). Esse prazo, entretanto, é ressalvado em duas situações: 81 •Hipótese do art. 581, XIV: Refere-se ao recurso da lista geral de jurados, que deverá ser protocolado no prazo de 20 dias, contados da publicação da lista definitiva (art. 586, parágrafo único); •Recurso do assistente de acusação não previamente habilitado em relação à extinção da punibilidade do réu, a ser deduzido no prazo de 15 dias, contados a partir do final do prazo do Ministério Público (art. 584, § 1.º, c/c o art. 598, parágrafo único). Quanto à forma, o recurso poderá ser interposto tanto por petição como por termo nos autos. Basta ver que o art. 587 do CPP, ao disciplinar a indicação de peças para traslado, refere-se ao “respectivo termo” e ao “requerimento avulso” (petição). Tratando-se de recurso em que as razões não precisam, necessariamente, estar acostadas à interposição, poderá o recorrente relegar a respectiva apresentação para momento posterior. Nesse caso, o prazo para apresentação será de dois dias, nos termos do art. 588 do CPP. Muito embora esse dispositivo sugira que o referido prazo deva correr de forma automática após a interposição do recurso ou a extração do traslado pelo escrivão, é entendimento consolidado no sentido de que sua fluência tem início apenas após a notificação do recorrente para esse fim. Efeitos O recurso em sentido estrito possui os seguintes efeitos: a) Efeito devolutivo: como ocorre com todos os recursos, o RSE possui efeito devolutivo, o que significa a restituição ao Poder Judiciário da possibilidade de revisar decisão atacada. 82 b) Efeito regressivo: possui, ainda, efeito regressivo, eis que permite ao próprio juiz prolator retratar-se da decisão recorrida antes da remessa ao juízo ad quem. A previsão legal deste efeito encontra-se no art. 589 do CPP, dispondo que “com a resposta do recorrido ou sem ela, será o recurso concluso ao juiz, que, dentro de 2 (dois) dias, reformará ou sustentará o seu despacho, mandando instruir o recurso com os traslados que lhe parecerem necessários”. c) Efeito suspensivo: quanto a este efeito, como regra, o recurso em sentido estrito não o possui. Por fim, importante ainda, nesta temática, a Súmula 707 do STF, “constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”. Trata-sede exigência da maior importância, na medida em que somente assim irá se assegurar a eficácia do contraditório. 2. APELAÇÃO: É um meio de impugnação ordinário por excelência (podendo ser total ou parcial), que autoriza um órgão jurisdicional de grau superior a revisar, de forma crítica, o julgamento realizado em primeiro grau. O “revisar de forma crítica” deve ser compreendido na mesma perspectiva de CARNELUTTI, de que os recursos são “la crítica a la decisión”, posto que, etimologicamente, criticar não significa outra coisa que julgar, e o uso deste vocábulo tende a significar aquele juízo particular que tem por objeto outro juízo, isto é, o juízo sobre o juízo e, dessa maneira, um juízo elevado à segunda potência. 83 Essa ideia de “juicio sobre el juicio” é muito interessante, pois quando o autor emprega a expressão juízo (juicio) o faz no sentido amplo de julgamento, ou seja, do conjunto de atos que integram o processo e o julgamento (sentido estrito), e não apenas na dimensão deste último. Assim, juízo não significa ato decisório, senão toda a matéria trazida ao processo e que compõe o “julgamento”. Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: I – das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular; COMENTÁRIO: O recurso de apelação é uma forma de impugnação das decisões de primeiro grau, que poderão ser proferidas pelo juiz singular ou pelo juiz presidente do Tribunal do Júri. O inciso I dirige-se às sentenças de condenação, absolvição, absolvição imprópria (que absolve e aplica medida de segurança) e absolvição sumária do rito do Tribunal do Júri (art. 415 do CPP). II – das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior; Neste inciso II abre-se a cláusula geral da apelação, fazendo com que os casos de recurso em sentido estrito sejam taxativos, e, aquilo que lá não estiver previsto, encontra abrigo neste inciso II do art. 593. A peculiar estrutura legislativa brasileira fez com que a apelação acabasse se transformando num recurso residual em relação ao recurso em sentido estrito, na medida em que expressamente estabelece que caberá apelação “nos casos não previstos no Capítulo anterior”. III – das decisões do Tribunal do Júri, quando: 84 A apelação às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri é “vinculada”, ou seja, deve a parte indicar, já na petição de interposição, qual é o fundamento legal do recurso, ou seja, em que alínea ou alíneas se funda o recurso. Esse critério também irá definir o efeito devolutivo da apelação, ou seja, o tantum devolutum quantum appellatum. Nesse tema, é importante o disposto na Súmula 713 do STF”: O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos da sua interposição.” a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; O apelo fundado nesta alínea “a” tem por base os atos defeituosos praticados após a preclusão da decisão de pronúncia e, mais comumente, em plenário. Considerando que a segunda fase se resume à preparação do julgamento e ao plenário, o principal campo de incidência das nulidades acaba sendo o momento do julgamento em plenário. b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; Há que se compreender que no rito dos crimes de competência do Tribunal do Júri o julgamento é feito pelos jurados, que decidem o caso penal, cabendo ao juiz, apenas, realizar a dosimetria da pena em caso de condenação. Neste momento, pode a sentença do juiz-presidente incorrer em dois tipos de error in judicando: • decidir contra lei expressa; • ou decidir de forma contrária à decisão dos jurados. O decidir contra lei expressa deve ser compreendido numa dimensão, de erro grave e primário na aplicação da lei penal ou processual 85 penal (nos casos de desclassificação) ao caso penal. Situa-se no campo do decisionismo ilegítimo, da decisão arbitrária. No segundo caso, a sentença do juiz-presidente está em conflito com a decisão proferida pelos jurados, ou seja, não observa os limites dados pela decisão dos jurados ao responderem os quesitos. É uma peculiar espécie de incongruência. Situação completamente distinta sucede quando em plenário ocorre uma desclassificação própria, anteriormente explicada, em que os jurados negam a competência do júri para realizar o julgamento, passando todo o poder decisório para o juiz-presidente. Igual situação, ainda que com reflexos distintos em relação ao crime conexo, também se opera na desclassificação imprópria. Em ambos os casos, a decisão é proferida pelo juiz- presidente e o recurso cabível será a apelação do art. 593, I, e não a deste inciso III, pois estamos diante de uma sentença condenatória ou absolutória proferida por juiz singular. c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; Nesta alínea, o campo do apelo está circunscrito aos defeitos na aplicação da pena ou da medida de segurança. A sentença é congruente, mas existe um defeito na dosimetria da pena. d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. Revogação, para o caso de votação favorável ao quesito “O Jurado absolve o acusado?” Já há quem sustente a inaplicabilidade do art. 593, III, “d”, diante da nova sistemática do júri, sob o argumento de que esse quesito genérico permite que o jurado, mais do que antes, exerça uma plena e livre 86 convicção no ato de julgar, podendo absolver por qualquer motivo, tal como piedade ou compaixão. Trata-se de permitir-lhe absolver por suas próprias razões, mesmo que elas não encontrem amparo na prova objetivamente produzida nos autos. Isso porque, com a inserção do quesito genérico da absolvição, o réu pode ser legitimamente absolvido por qualquer motivo, inclusive metajurídico. Portanto, uma vez absolvido, não poderia ser conhecido o recurso do MP com base na letra “d”, na medida em que está autorizada a absolvição “manifestamente contra a prova dos autos”. Como dito, com o quesito genérico da absolvição, os jurados podem decidir com base em qualquer elemento ou critério. Contudo, segue com plena aplicação o recurso fundado na letra “d” quando a sentença é condenatória. Isso porque não existe um “quesito genérico da condenação” (nem poderia existir, por elementar). Para condenar, estão os jurados adstritos e vinculados à prova dos autos, de modo que a condenação “manifestamente contrária à prova dos autos” pode e deve ser impugnada com base no art. 593, III, “d”. É regra elementar do devido processo penal. Sublinhe-se: o que a reforma de 2008 inseriu foi um quesito genérico para absolver por qualquer motivo, não para condenar. Portanto, a sentença condenatória somente pode ser admitida quando amparada pela prova. Outros aspectos; Trata-se do fundamento que permite a impugnação das decisões absolutórias do Tribunal do Júri, estabelecendo a discussão sobre a (in)adequação da decisão em relação ao contexto probatório. Mas um novo problema surge: o dogma da soberania das decisões do júri. Isso faz com que o espaço decisório do tribunal ad quem seja reduzido, a ponto de a jurisprudência brasileira pautar-se pela manutenção do resultado do julgamento, somente acolhendo o apelo quando a decisão for absolutamente dissociada da prova, sem a menor base probatória. 87 Pode-se argumentar, ainda, que o legislador empregou a expressão (decisão) manifestamente contrária à prova dos autos para definir o nível de ilegitimidade exigido para que a decisão do júri seja desconstituída. Não basta que a decisão seja “apenas” contrária à prova dos autos; ela deve ser, evidentemente, inequivocamente contrária à prova. Mas se o recurso interposto comquando há uma decisão monocrática, há injustiça promovida por um julgador. No colegiado, quando há injustiça por um julgador, há um voto errado, que somente consagrará injustiça se chancelado pelos demais. Esta seria a vantagem da colegialidade, percebem? Pontes de Miranda vai nos ensinar que a colegialidade garante diversos exames simultâneos, o que traz superioridade sempre que se deseja maior certeza. O que, de fato, é muito lógico. Entretanto, lhes deixo com uma provocação. Olhem como é nosso sistema processual: nós temos juízes novos, inexperientes, que saíram da graduação e se dedicaram muito à aprovação no concurso público, certo? Essa é a regra. Aí, nós jogamos este jovem magistrado, muito estudado, porém sem experiência, para julgar sozinho, isoladamente, 6 cumulando todas as matérias do Direito. Todas! A primeira entrância costuma ser Vara Judicial. O sujeito julga uma ação penal, um inventário, e uma possessória. Aí, no segundo grau, depois de longos anos de judicatura, sentindo os conflitos humanos de perto, o magistrado é alçado ao Tribunal, e passa a julgar em colegiado, com outros Desembargadores, em uma unidade jurisdicional especializada. A Câmara criminal, só julga crimes, certo? Vocês não acham que isso deveria ser ao contrário? Ora, quando o sujeito é inexperiente, seria mais prudente iniciar em uma unidade especializada, e julgar com outros colegas, a fim de minimizar o erro? No meu humilde sentir, é totalmente ilógica a nossa sistemática. Na Espanha, por exemplo, as ações penais que envolvem casos graves são julgadas desde o primeiro grau em colegiado. Bom. Em jeito de conclusão, como ensina o professor Badaró, quanto ao fundamento do recurso, temos o princípio do duplo grau de jurisdição, que consagra um modelo de sistema judiciário onde o teor das decisões de mérito podem ser objeto de duas apreciações sucessivas, por órgãos diversos, em que prevalece a última. 3. Conceito: Mas, qual o conceito de recurso? Recorrer, significa retomar o curso. Segundo a professora Ada Pellegrini Grinover, recurso é “o meio voluntário de impugnação de decisões, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão” p. 33. Assim, caros, eles são anteriores à coisa julgada, não ensejam nova relação jurídica, e são voluntários. 4. Natureza jurídica: 7 Quanto à natureza jurídica dos recursos, refere Hélio Tornarghi (p. 319-320) que pode ser vista de diferentes modos: a) como desdobramento do direito de ação que vinha sendo exercido até o momento em que proferida a decisão; b) como nova ação dentro do mesmo processo; e, c) simplesmente, como um meio destinado a obter a reforma da decisão, não importando se provocado pelas partes ou se determinado ex officio pelo juiz nas hipóteses em que a lei o obriga a esta providência (v.g., art. 574, I e II, do CPP). Aury vai dizer que quanto à natureza jurídica dos recursos, deve‐se ter presente a distinção entre eles e as ações autônomas de impugnação (revisão criminal, habeas corpus e mandado de segurança), pois, ao contrário delas, os recursos não são “ações processuais penais”, não instaurando uma nova situação jurídica processual. Os recursos são uma continuidade da pretensão acusatória ou da resistência defensiva, conforme a titularidade de quem o exerça. Assim, o recurso interposto pelo Ministério Público não instaura uma nova situação jurídica processual, um novo processo, senão que constitui uma continuidade do exercício da pretensão acusatória. Quanto à defesa, o recurso é um importante instrumento de resistência, na busca de uma sentença favorável. Isso porque é o processo um instrumento de satisfação jurídica de pretensões e resistências, de modo que, enquanto não houver o provimento jurisdicional definitivo (o trânsito em julgado), o que se tem é a utilização de instrumentos legais para obtenção da sentença favorável pretendida por cada uma das partes (pretensão acusatória e resistência). 8 O professor André Nicolitt indica que como os recursos são desdobramentos do direito de ação e de defesa, a natureza jurídica é de um direito subjetivo processual que decorre deste direito de ação e de defesa. 5. Juízo de admissibilidade dos recursos: a prelibação a) juízo de admissibilidade ou de prelibação: em que se analisam os requisitos objetivos e subjetivos dos recursos, ou seja, o atendimento às exigências legais para que o recurso seja conhecido ou não conhecido, significa, admitido ou não, sem análise, neste momento, do mérito; b) juízo de mérito recursal: uma vez admitido o recurso, logo, pressupõe o conhecimento (admissão) no momento anterior, passa o tribunal ad quem para a análise do seu objeto, ou seja, do mérito do recurso, em que poderá dar provimento ou negar provimento ao (pedido no) recurso. Nada mais natural que o julgador, ao apreciar o recurso interposto, primeiro analise algumas questões prévias e referentes ao procedimento e ao direito de impugnar, para, somente depois, julgar o mérito do recurso. Assim, um recurso pode ser conhecido ou não conhecido e, somente se conhecido, provido ou desprovido (no todo ou em parte). Essa distinção é ainda relevante para definir qual decisão irá valer a partir desse momento, a do juízo a quo ou o acórdão do tribunal ad quem? Quando o recurso não é conhecido, a decisão impugnada (proferida pelo juízo a quo) segue com plena eficácia; Já quando o recurso é conhecido, essa nova decisão irá substituir a anterior. Ainda que desprovido o recurso, é a nova decisão 9 proferida pelo juízo ad quem que passa a ter eficácia, definindo‐se como marco para as próximas impugnações. Inclusive, em sede de posterior habeas corpus, a decisão proferida pelo juízo ad quem, que conheceu e proveu ou não o recurso, pautará a questão da competência. Nenhuma dúvida existe de que o juízo de mérito é feito pelo tribunal ad quem, mas e o juízo de admissibilidade, onde é feito? Inicialmente, no juízo a quo, onde é interposto o recurso. Mas esse é um juízo (de admissibilidade) extremamente superficial e que não vincula o tribunal ad quem, ou seja, mesmo que o juízo a quo não conheça do recurso, poderá o tribunal conhecer e prover. Em sentido inverso, a admissão pelo juízo a quo não assegura que o recurso será conhecido pelo tribunal ad quem. Como regra, deverá o juízo a quo, especialmente quando de primeiro grau, admitir e determinar a subida do recurso interposto. Excepcionalmente, quando o recurso for manifestamente: a) incabível ou inadequado, como, por exemplo, o recurso que impugne um despacho de mero expediente ou uma decisão interlocutória simples irrecorrível; b) ou intempestivo, como a apelação interposta no 6o dia após a última intimação; c) ou for caso de deserção, pois, devidamente intimado, o recorrente não recolheu as custas necessárias (preparo, na ação penal de iniciativa privada); d) ou interposto por parte ilegítima, como um terceiro que pretenda ingressar como assistente da acusação sem demonstrar o vínculo exigido pelo art. 268 do CPP; 10 e) ou for manifesta a falta de interesse recursal pela ausência de gravame. A prelibação, assim, é um juízo superficial em torno dos requisitos objetivos (cabimento, adequação, tempestividade e preparo) e subjetivos (legitimidade e gravame/sucumbência). Havendo dúvida sobre essas situações, deverá o juiz determinar a subida do recurso, cabendo ao tribunal ad quem reexaminá‐las, para conhecer ou não do recurso. Em nenhum caso poderá o juízo a quo fazer a análise e valoração do mérito do recurso. O juízo de mérito é exclusivo do tribunal ad quem. Segundo o Aury, situação completamentebase na letra “d” for provido, qual será a consequência? A resposta vem dada pelo art. 593, § 3º, do CPP. Portanto, provido o recurso com esse fundamento, será desconstituída a decisão, determinando-se a realização de um novo julgamento pelo Tribunal do Júri, com outros jurados, é óbvio. Neste sentido, é acertado o enunciado contido na Súmula 206 do STF: É nulo o julgamento ulterior pelo júri com a participação de jurado que funcionou em julgamento anterior do mesmo processo. Nesse novo júri, nenhum dos jurados anteriores poderá novamente compor o conselho de sentença, pois se pretende a máxima originalidade do julgamento e imparcialidade dos julgadores. O prazo para interposição da apelação é de 5 dias, sem esquecer a Lei n. 7.871/89, que concede prazo em dobro para os membros da Defensoria Pública dos Estados. Recordemos, ainda, a figura do assistente da acusação, cuja legitimidade para recorrer está consagrada no art. 598 do CPP, que pode ser: • habilitado nos autos: quando então será intimado de todos os atos e poderá recorrer, caso não o faça o Ministério Público, no prazo de 5 dias; 88 • não habilitado: situação em que, por não participar do processo, não será intimado das decisões, tendo por isso o prazo de 15 dias para apelar (art. 598, parágrafo único, do CPP). E como se faz a contagem desse prazo do assistente? Nos termos da Súmula 448 do STF, que determina o seguinte: o prazo para o assistente recorrer, supletivamente, começa a correr imediatamente após o transcurso do prazo do Ministério Público. Art. 600. Assinado o termo de apelação, o apelante e, depois dele, o apelado terão o prazo de oito dias cada um para oferecer razões, salvo nos processos de contravenção, em que o prazo será de três dias. § 1o Se houver assistente, este arrazoará, no prazo de três dias, após o Ministério Público. § 2o Se a ação penal for movida pela parte ofendida, o Ministério Público terá vista dos autos, no prazo do parágrafo anterior. § 3o Quando forem dois ou mais os apelantes ou apelados, os prazos serão comuns. § 4o Se o apelante declarar, na petição ou no termo, ao interpor a apelação, que deseja arrazoar na superior instância serão os autos remetidos ao tribunal ad quem onde será aberta vista às partes, observados os prazos legais, notificadas as partes pela publicação oficial. Por fim, uma dúvida que pode surgir é: podem ser juntados documentos novos nas razões e/ou contrarazões? Sim, até porque o art. 616 do CPP permite alguns poderes instrutórios ao tribunal ad quem. Contudo, deve haver a estrita 89 observância do contraditório e advertimos para o grave risco de supressão de instância, pois é inegável que a juntada de novas provas após a sentença constitui uma subtração de elementos probatórios do juiz a quo. 3. EMBARGOS INFRIGENTES E DE NULIDADE Embargos Infringentes: o voto vencido tem por objeto da divergência uma questão de fundo, de mérito, que poderá levar à absolvição, redução da pena, substituição por outra pena etc.; Embargos de Nulidade: o voto vencido diverge em relação a questões exclusivamente processuais, ou seja, às condições da ação, ou mesmo às nulidades processuais, tendo como consequência, se acolhidos, a nulidade da sentença ou mesmo de todo o processo. REQUISITOS OBJETIVOS: → Cabimento: contra decisão não unânime proferida por tribunal no julgamento de apelação, RESE ou agravo em execução. É recurso exclusivo da defesa. Está limitado ao objeto da divergência, demarcado pelos limites do voto vencido. → Adequação: deve ser interposto por petição acompanhada das razões, circunscritas ao objeto da divergência. → Tempestividade: prazo de 10 dias, único para interposição e razões. → Preparo: predomina entendimento de que não é necessário, nem mesmo nas ações penais privadas, bastando o preparo feito para a apelação. 90 REQUISITOS SUBJETIVOS: é um recurso exclusivo da defesa. Quanto ao gravame, deve haver um voto divergente favorável à defesa que represente uma vantagem jurídica, se acolhido. EFEITOS: → Devolutivo: devolve a discussão nos limites do voto vencido. → Suspensivo: Na pendência do julgamento dos embargos ainda não terá ocorrido o esgotamento da jurisdição de segundo grau, sendo inviável a decretação da prisão. 4. EMBARGOS DECLARATÓRIOS: REQUISITOS OBJETIVOS: → Cabimento: Podem ser utilizados em relação a qualquer decisão, inclusive interlocutória ou despacho, desde que contenha omissão, obscuridade, contradição ou ambiguidade. Arts. 382 (decisões de 1º grau), 619 e 620 (decisões de tribunais). Excepcionalmente podem ter efeitos modificativos, corrigindo um erro judicial, e podem ser utilizados para fins de prequestionamento nos recursos especial e extraordinário. → Adequação: interpostos por petição contendo as razões. → Tempestividade: 2 dias. No JECrim: 5 dias (art. 83 da Lei n. 9.099/95). 91 → Preparo: não se exige. REQUISITOS SUBJETIVOS: estão legitimadas as partes ativa, passiva e assistente da acusação. O interesse recursal vincula-se à (in)eficácia da garantia da motivação das decisões. EFEITOS: possuem efeito regressivo (devolvendo para o mesmo órgão prolator). Excepcionalmente poderão ter efeitos modificativos ou infringentes. Como regra, interrompem o prazo para interposição de outros recursos (art. 1.026 do CPC). Advertência: JECrim, ver art. 1.066 do novo CPC. Assim: conforme ‘determina o CPC, há interrupção do prazo para novos recursos. Destacamos que a Lei n. 13.964/2019 alterou a redação do art. 116 do CP, que disciplina as causas impeditivas da prescrição. Portanto, a prescrição não corre na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos tribunais superiores (recurso especial, extraordinário, respectivos agravos, agravo regimental, embargos de divergência, etc.), “quando inadmissíveis”. 5. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Previsão na LEP: “Art. 197. Das decisões proferidas pelo Juiz caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo.” Segue o mesmo procedimento e requisitos do RSE. 92 REQUISITOS OBJETIVOS: → Cabimento: decisões interlocutórias tomadas no curso da execução criminal. → Adequação: pode ser interposto por petição ou termo nos autos. → Tempestividade: 5 dias para interposição e 2 dias para razões. → Preparo: não se exige. REQUISITOS SUBJETIVOS: estão legitimados o MP, defensor ou réu. O gravame decorre do prejuízo pela concessão ou denegação do pedido feito na execução penal. EFEITOS: efeito devolutivo misto (regressivo e depois reiterativo ou devolutivo propriamente dito). Não possui efeito suspensivo. O fato de o agravo não ter efeito suspensivo faz com que, muitas vezes, seja impetrado habeas corpus, para evitar ou sanar a grave coação ilegal que o apenado sofre ou pode vir a sofrer. Isso porque, em geral, os incidentes da execução giram em torno da possibilidade ou não de progressão, regressão, livramento condicional, obtenção de indulto, comutação, unificação de penas etc., ou seja, questões diretamente ligadas ao estado de liberdade (ou ausência de) do apenado, cuja urgência não é compatível com um recurso despido de efeito suspensivo. Mas alguns tribunais, muitas vezes alheios à realidade medieval do sistema carcerário brasileiro, adotando uma postura formalista e burocrática, não conhecem do habeas corpus diante da existência de recurso específico (agravo). Daí por que especialmente a 93 defesa se vê compelida a lançar mão dos dois instrumentos, de forma simultânea: habeas corpus e agravo em execução. Se o primeiro for conhecido, e quem sabe até a liminar concedida, esvazia o objeto do segundo. Do contrário, em não sendo conhecido o writ, oagravo já está tramitando, diminuindo o tempo de espera do apenado por uma decisão. 6. CARTA TESTEMUNHÁVEL: A carta testemunhável remonta ao tempo do Império e servia para evitar que os juízes se ocultassem para não receber os recursos ou determinassem ao escrivão que não lhes desse andamento. A carta testemunhável é um recurso cabível contra a decisão que não recebe um recurso interposto. Tem caráter subsidiário. Também é cabível contra uma decisão que obstou o seguimento à instância superior de um recurso que já havia sido recebido. → Cabimento: impugnar a decisão que denegou o prosseguimento a recurso em sentido estrito ou agravo em execução, ou obstaculizou sua subida. → Adequação: recurso interposto por petição. → Tempestividade: 2 dias. → Preparo: não se exige. REQUISITOS SUBJETIVOS: legitimidade vinculada àquela necessária para interposição do recurso originário a que foi denegado o prosseguimento. Interesse: gravame pelo não prosseguimento do recurso. EFEITOS: devolutivo misto. 7. RECURSO ESPECIAL: 94 Previsão constitucional: “Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.” Súmula 13 do STJ:” A divergência entre julgados do mesmo Tribunal não enseja recurso especial.” Súmula 83 do STJ:” Não se conhece do recurso especial pela divergência quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”. Objeto: Tutela da Legislação Infraconstitucional. Regramento Legal: Arts. 1.029 a 1.041 do CPC e Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Prazo de interposição: 15 dias – art. 1.030 do CPC. Prequestionamento: Há decisões aceitando o prequestionamento implícito. “Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os 95 elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.” Repercussão Geral: não é exigida. Possibilidade de reexame de fato ou prova? Não é permitido. Súmula 7 do STJ. Problemática diferenciação entre questões de fato e de direito. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” JECRIM: Súmula 203 do STJ: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais.” Exaurimento da via recursal ordinária? Devem ser esgotados os recursos ordinários. Juízo de admissibilidade: Permanece o sistema de dupla filtragem, primeiramente no tribunal de origem (a quo) e, se admitido o recurso, novo exame é feito no STJ. Legitimidade: Ministério Público, assistente da acusação, querelante e o réu. Preparo Exige-se preparo. Súmula 187 do STJ: “É deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos.” 96 Efeitos: Devolutivo propriamente dito. Ausência de efeito suspensivo: Art 1.029 do CPC autoriza pedido de concessão de efeito suspensivo por simples petição (pensamos que é cabível HC quando for para assegurar o direito de recorrer em liberdade). “Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: § 5º O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido: I – ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo; II - ao relator, se já distribuído o recurso; III – ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037 .” Recurso contra a decisão que nega seguimento: Agravo em Recurso Especial (art 1.042 do CPC). http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm 97 “Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.” Prazo: 15 dias. Na prática: sugestão: 5 dias até que a Súmula 699 (STF) seja revogada. Súmula 699: “O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a Lei 8.038/1990, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei 8.950/1994 ao Código de Processo Civil.” 8. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: Regramento constitucional: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo- lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; Um obstáculo ao conhecimento do recurso extraordinário é o fato de o Supremo Tribunal Federal ter posição firmada no 98 sentido de que a contrariedade ao dispositivo constitucional deve ser clara, uma ofensa direta e frontal, não ensejando o recurso extraordinário uma contrariedade reflexa. Se, antes de se violar uma norma constitucional, há o descumprimento direto de um dispositivo infraconstitucional, a tendência é a discussão encerrar-se em sede de recurso especial, principalmente quando a ofensa à Constituição é reflexa ou decorre da interpretação de princípio constitucional. Por esse motivo, muitos recursos extraordinários fundados na alegação de nulidade por violação de princípio constitucional (contraditório, ampla defesa etc.) sequer são conhecidos, pois antes da violação constitucional opera-se o descumprimento (ou não) de uma norma infraconstitucional, como o Código de Processo Penal, por exemplo. A discussão acaba por esgotar-se no âmbito do recurso especial, sem que sequer tenha seguimento o recurso extraordinário. Outro exemplo é a discussão sobre prova ilícita. Mas o que é uma ofensa direta e frontal à Constituição? Quando uma decisão é contrária à Constituição? Pode-se escrever um tratado de hermenêutica constitucional sobre essa questão, mas em se tratando de recurso extraordinário devemos ser mais pragmáticos (ou realistas, se preferirem). Quando há um Tribunal Constitucional, e a ele se pretende ascender pela via recursal, o que realmente importa são os “cases”, a jurisprudência construída por aquele tribunal na interpretação da Constituição e na definição de seus limites de incidência. Em última análise, conscientes do aparente reducionismo (e da tristeza) que isso possa conter, a Constituição diz o que o Supremo Tribunal Federal disser que ela diz... Mas o novo CPC trouxe uma inovação importantíssima no seu art. 1.033: se o Supremo Tribunal Federal considerar 99 como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisãoda interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial. Por fim, aqui deve ser retomada a discussão sobre o recurso cabível em caso de decisão que viola tratado internacional de direitos humanos, especialmente a Convenção Americana de Direitos Humanos. A decisão que viola a CADH deve ser impugnada pelo recurso extraordinário, e não pelo recurso especial, pois diante do disposto nos §§ 2º e 3º do art. 5º da Constituição tem natureza materialmente constitucional, embora formalmente suas normas não sejam constitucionais, por não terem sido aprovadas pelo quorum previsto para as emendas constitucionais. De qualquer forma, do ponto de vista do conflito de normas, é de se destacar que toda e qualquer norma infraconstitucional que está em confronto com a CADH não terá eficácia, já que inconstitucional. Mesmo que se entenda que os tratados estão acima da legislação infraconstitucional, mas não gozam de status de norma constitucional (supralegal), parece evidente que o controle não pode mais ser feito pelo STJ através de recurso especial, mas apenas pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, sustentamos que a decisão que viole normas e princípios contidos na Convenção Americana de Direitos Humanos deve ser impugnada através do recurso extraordinário. b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; Havendo a declaração de inconstitucionalidade de lei ou tratado, pelos tribunais, nos termos do art. 97 da CF, caberá recurso extraordinário; quando um órgão fracionado negar vigência à lei federal, sem 100 observar a reserva de plenário do art. 97 da CF, caberá Reclamação, art. 102, I, “l”, da Constituição, diretamente ao STF. c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.” Objeto: Tutela da Constituição. Violação da CADH; Disciplina Legal: Arts. 1.029 a 1.041 do CPC e Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Prazo de interposição 15 dias – art. 1.030 do CPC. Prequestionamento: É exigido prequestionamento explícito, como regra (Súmula 211, STJ). Vejam o art 1.025 do CPC. “Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.” Repercussão Geral: É exigida a demonstração através de preliminar formal (art. 102, § 3º, da CF c/c art 1.035 do CPC). “§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros” 101 “Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo. § 2º O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal. § 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que: I - contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal .” Possibilidade de reexame de fato ou prova? Não é permitido. Súmula 279 do STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.” Problemática diferenciação entre questões de fato e de direito. JECRIM: súmula 640 do STF dispõe que é cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm 102 Exaurimento da via recursal ordinária? Devem ser esgotados os recursos ordinários. Juízo de admissibilidade: Permanece o sistema de dupla filtragem, primeiramente no tribunal de origem (a quo) e, se admitido o recurso, novo exame é feito no STF. Preparo? Exige-se preparo. Efeitos: Devolutivo propriamente dito. Ausência de efeito suspensivo: Art 1.029 do CPC autoriza pedido de concessão de efeito suspensivo por simples petição (pensamos que é cabível HC quando for para assegurar o direito de recorrer em liberdade). “Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal , serão interpostos perante o presidente ou o vice- presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: § 5º O pedido de concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário ou a recurso especial poderá ser formulado por requerimento dirigido: I – ao tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-lo; II - ao relator, se já distribuído o recurso; III – ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, no período compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm 103 admissão do recurso, assim como no caso de o recurso ter sido sobrestado, nos termos do art. 1.037 .” Recurso contra a decisão que nega seguimento? Agravo em Recurso Especial (art. 1.042 do CPC). “Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.” Prazo: 15 dias, Sugestão: 5 dias até que a Súmula 699 (STF) seja revogada. Súmula 699: “O prazo para interposição de agravo, em processo penal, é de cinco dias, de acordo com a Lei 8.038/1990, não se aplicando o disposto a respeito nas alterações da Lei 8.950/1994 ao Código de Processo Civil.” 9. CORREIÇÃO PARCIAL: Embora já se tenha discutido muito sobre o assunto, atualmente entende-se que a correição parcial tem natureza jurídica de recurso (e não de correição administrativa) com a finalidade de reformar decisão que tenha causado tumulto ao regular desenvolvimento do processo e, consequentemente, gravame à parte. Originariamente, estava prevista no Decreto nº 9.623/1911, que tratava da organização judiciária do Distrito Federal, mas atualmente encontra-se em quase todas as leis de organização judiciária http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm 104 estaduais (em São Paulo, está prevista no Código Judiciário do Estado de São Paulo – Decreto-lei Complementar nº 3, de 1969) e nos regimentos internos dos Tribunais, bem como encontra fundamento legal na Lei nº 5.010/66, que reorganizou a Justiça Federal. Cabimento Trata-se de um recurso subsidiário, ou seja, somente será cabível se não for possível a interposição de nenhum outro recurso. É preciso, para que seja possível a interposição da correição parcial, que o ato atacável caracterize erro ou abuso por parte do magistrado, que implique em “inversão tumultuária dos atos e fórmulas da ordem legal do processo”. Busca, portanto, corrigir somente error in procedendo e jamais error in judicando. Em alguns diplomas legaisencontraremos a possibilidade de interposição da correição parcial nos casos de paralisação injustificada do processo ou dilação abusiva dos prazos. Discute-se se a correição parcial seria possível somente em primeiro grau ou também contra atos de integrantes dos tribunais. Parece-nos que não seria possível a correição parcial contra ato de órgão colegiado, mas nada impede a interposição contra decisões monocráticas dos desembargadores, desde que preenchidos os outros requisitos. Tempestividade Cada legislação específica prevê um prazo para interposição da correição parcial. No Estado de São Paulo, por exemplo, o prazo é de 10 (dez) dias, vez que se aplica o procedimento do agravo de instrumento. 105 Procedimento: O procedimento também dependerá de cada legislação específica, que detalhará a matéria. Conforme já dissemos, no Estado de São Paulo, o procedimento aplicável é o mesmo do agravo de instrumento. O julgamento seguirá o regimento interno dos tribunais competentes para analisar o recurso. Efeitos: A correição parcial tem efeito devolutivo, já que a questão é remetida para análise da instância superior. Por regra, não há efeito suspensivo, mas tratando-se de ato que ponha em risco a liberdade do acusado é possível a interposição do habeas corpus, que certamente será mais rápido e eficaz que a correição parcial. 10. RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL: O Recurso Ordinário Constitucional está previsto na Constituição Federal de 1988 e caracteriza hipótese de recurso dirigido diretamente às Cortes Superiores. Com tal nomenclatura surge na Constituição de 1934, mas já possuía previsão desde a Constituição de 1891, chamado de apelação. As Cortes Superiores não têm apenas competência originária, mas também competência recursal. O STF tem sua competência originária definida no inciso I do art. 102 da CF/88, enquanto sua competência recursal está nos incisos II (Recurso Ordinário Constitucional) e III (Recurso Extraordinário). O mesmo ocorre com o STJ, que no inciso I do art. 105 da CF/88 tem a definição de sua competência originária e nos incisos II 106 (Recurso Ordinário Constitucional) e III (Recurso Especial) a definição da competência recursal. No âmbito do Recurso Ordinário Constitucional a matéria remetida ao STJ e ao STF é a mais ampla possível, isto é, pode-se fazer tanto uma análise de fato quanto de direito, pois nessa hipótese as Cortes Superiores funcionam como órgãos de segundo grau. O Recurso Ordinário Constitucional, no âmbito criminal, como se verificará, somente é cabível contra decisões denegatórias em ações de habeas corpus ou mandado de segurança (CPC, art. 1.027, I e II). Deve-se dar à expressão “decisão denegatória” uma interpretação ampla, isto é, considerar como tal não só as decisões que negam provimento, mas também as que não conhecem da impetração ou que as julgam prejudicada. Porém, jamais será cabível esse recurso quando houver concessão da ordem. Cabimento O Recurso Ordinário Constitucional pode ser de competência do STF ou do STJ, dependendo do órgão prolator da decisão da qual se recorre e, por vezes, da qualidade da decisão que foi dada (p. ex., às vezes caberá apenas decisão denegatória). Vejam que o STF mantém entendimento de que somente caberá o recurso se a decisão for colegiada. Em casos nos quais a denegação das ordens tenha sido proferida em decisão monocrática, o interessado deverá antes interpor um agravo regimental para submeter o julgamento ao colegiado (princípio da colegialidade), e somente depois interpor o Recurso Ordinário Constitucional (AgRg na MC 19.774/SP; RMS 2.848/SP). Analisemos as hipóteses de cada um deles. 107 Recurso Ordinário Constitucional no STF Nos termos do art. 102, II, da CF/88, compete ao STF julgar em Recurso Ordinário: a) o habeas-corpus, o mandado de segurança, o habeas-data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão; b) o crime político; [...]. (grifo nosso) Desse modo, no que se refere ao âmbito criminal, serão passíveis de Recurso Ordinário Constitucional as decisões denegatórias em sede de habeas corpus e mandado de segurança decididos em única instância (originariamente) pelos seguintes órgãos do Poder Judiciário: Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, b, c e h, da CF/88), Tribunal Superior Eleitoral (art. 121, § 3º, da CF/88) e Superior Tribunal Militar (art. 124, parágrafo único, da CF/88). É preciso destacar que para ser cabível o Recurso Ordinário Constitucional o Tribunal Superior (STJ; TSE e STM) tem que ter analisado a questão originariamente, isto é, o habeas corpus ou mandado de segurança tem que ter sido impetrado diretamente em um desses tribunais. Assim, não será cabível o Recurso Ordinário Constitucional, por exemplo, se houver a impetração de um habeas corpus (ou mandado de segurança) no Tribunal de Justiça Estadual (ou Tribunal Regional Federal) e diante da decisão denegatória deste houver a interposição de outro habeas corpus (ou mandado de segurança) no STJ (ou TSE ou STM). Nessa hipótese o julgamento do habeas corpus (ou mandado de segurança) pelo tribunal superior (STJ, TSE ou STM) não seria originário, pois já foi analisado pelo Tribunal de Justiça Estadual ou Regional Federal. 108 Na vigência da Constituição Federal de 1988 nunca houve a definição legal do que seriam os crimes políticos. Costumeiramente entende-se por “crimes políticos” aqueles previstos na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83) que são de competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, CF/88. Contudo, mantemos entendimento de que tal lei não foi recepcionada pela nova ordem constitucional e, portanto, não possui mais aplicação. O ideal seria que o STF formalmente a considerasse como tal, mas até o momento não houve manifestação oficial. Desse modo, quando tratar-se de “crimes políticos” (a nosso ver, ainda a serem definidos), o STF pode funcionar tanto como um órgão de terceiro grau, quanto como órgão de segundo grau. Explica-se: sendo os crimes políticos de competência da Justiça Federal, antes de chegar ao STF por meio de um Recurso Ordinário Constitucional, os fatos já têm que ter sido julgados por um juiz federal e reexaminados pelo Tribunal Regional Federal, hipótese em que o STF atua como órgão de terceiro grau. Entretanto, se o crime político for julgado originariamente pelo Tribunal Regional Federal (foro por prerrogativa de função, por exemplo) o STF funcionará como órgão de segundo grau, acessível por meio do Recurso Ordinário Constitucional. Recurso Ordinário Constitucional no STJ Nos termos do art. 105, II, da CF/88, compete ao STJ julgar em Recurso Ordinário: a) os “habeas corpus” decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória; b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão; [...]. (grifos nossos) 109 Importante destacar que em relação ao habeas corpus (letra a) a competência do STJ é mais ampla que a do STF, pois enquanto ao STF somente é possível a interposição do Recurso Ordinário Constitucional quando as decisões denegatórias forem proferidas pelos Tribunais Superiores em ações originárias, ao STJ é possível interpor o Recurso Ordinário Constitucional tanto quando os Tribunais Estaduais e os Tribunais Regionais Federais atuarem em virtude da competência originária (“única instância”) ou em grau recursal (“última instância”). Em única instância seriam os habeas corpus impetrados diretamente nos tribunaisestaduais e regionais federais. Em última instância seriam as decisões que denegassem ou mantivessem denegação em julgamentos de recurso de ofício (art. 574, I, do CPP) e Recurso em Sentido Estrito (art. 581 do CPP), pois em sentido contrário jamais haveria um Recurso Ordinário Constitucional de “última instância”. Procedimento Liminar Embora sem expressa previsão legal, nos casos em que o Recurso Ordinário Constitucional for interposto por denegação de ordem de habeas corpus tem-se admitido o pedido liminar (RHC 040.998; RHC 041.194; RHC 041.280), que com mais razão ainda deverá ser admitido em casos de réu preso. Essa jurisprudência consolidou-se de há muito nos casos de impetração direta de habeas corpus, e, ao que parece, apenas está sendo trasladada ao Recurso Ordinário Constitucional que atua no mesmo terreno processual. No mínimo, é entendimento consolidado no STJ ser possível, “em circunstâncias específicas e excepcionais, a concessão de efeito suspensivo a recurso ordinário cautelar de efeito ativo, desde que utilizada, pelo 110 interessado, a competente medida cautelar inominada (arts. 34, inciso V, e 288, do RISTJ)”. Legitimidade passiva para interposição Nos casos em que o Recurso Ordinário for interposto por denegação de habeas corpus surge uma polêmica sobre a exigência ou não de capacidade postulatória do recorrente. O assunto é pouco tratado pela doutrina, mas acompanhamos o entendimento de Mossin sobre a necessidade de interpretação ampla e utilização do art. 654 do CPP, não se exigindo capacidade postulatória do recorrente como não se exige do que impetra habeas corpus, inclusive sendo essa a posição adotada pelo STF (HC 86.307). Complementando o citado autor, colacionamos o disposto no art. 7º, 6 do Pacto de São José da Costa Rica que impede a restrição do recurso que tenha por base questionar a ilegalidade da prisão, o que é a tônica do remédio constitucional. Já para os casos de Mandado de Segurança, não há motivos para que se dispense a capacidade postulatória, já que é conditio da impetração do mandamus. Procedimento no STJ O procedimento para processamento e julgamento de Recurso Ordinário Constitucional de competência do STJ (art. 105, II, da CF/88) está disciplinado tanto pela Lei nº 8.038/90, que neste ponto não foi revogada, quanto pelo Regimento Interno do STJ (RISTJ). No que se refere ao Recurso Ordinário contra decisão denegatória de habeas corpus, o procedimento encontra-se previsto nos arts. 30 a 32 da referida lei, bem como nos arts. 244 a 246 do RISTJ. O prazo para interposição do recurso é de 5 dias, devendo este ser interposto por petição nos próprios autos, estar acompanhado das razões de reforma que ataquem 111 diretamente os motivos da decisão e ser dirigido ao presidente do tribunal que denegou a ordem de habeas corpus. Ao presidente do tribunal a quo caberá apenas encaminhar os autos de habeas corpus com o respectivo recurso ao STJ, sem mais, ou seja, sempre entendemos (com Tourinho) que não cabia, nesse momento, qualquer juízo de admissibilidade ou sequer contrarrazões por parte do Ministério Público (quando o HC denegado atacava ação penal pública) ou do querelante (quando o HC denegado atacava ação penal privada). Explicamos. Com relação às contrarrazões, além da ausência de previsão legal, também não haveria como se falar em parte contrária e, conforme previsão do art. 31 da Lei nº 8.038/90, a manifestação do Ministério Público será exarada pelo Procurador Regional que atua perante o STJ. Não desconhecemos que em muitos casos os autos chegam ao STJ munidos de contrarrazões e mesmo de manifestação de admissibilidade (p. ex., RHC 037.518). Mas parece-nos que muito mais por inércia do órgão ministerial, já que não há determinação ou sequer previsão legal possibilita que em muitos outros casos não sejam apresentadas contrarrazões ou, o que é pior, que o Ministério Público ofereça contrarrazões em caso de Recurso Ordinário Constitucional que denega habeas corpus com pedido de trancamento de ação penal privada (RHC 014.941/RO), situação na qual tal órgão não tem nenhum remoto interesse. Nem mesmo em Recurso Ordinário Constitucional que contesta decisão em mandado de segurança sempre estão presentes as contrarrazões, situação que faria até mais sentido por adoção do rito semelhante ao da apelação (RMS 029.450). E no tocante ao juízo de admissibilidade, o art. 34 da Lei nº 8.038/90 fez menção apenas a tal procedimento nos casos de Recurso Ordinário Constitucional em Mandado de Segurança, e remeteu à matéria do CPC. Por isso, até o STJ (Agravo Regimental 1.422.409/PR, EDcl no Ag 1.075.509/MT) reconheceu que nos termos do revogado art. 544 do CPC caberia 112 agravo de instrumento da decisão de tribunal que negar seguimento do Recurso Ordinário Constitucional. Contudo, não há previsão semelhante para os casos de habeas corpus na Lei nº 8.038/90. E se a finalidade da lei fosse essa, deveria haver disposição expressa ou no mínimo a referência também ao habeas corpus de adoção de algum procedimento análogo do CPP, o que não houve. Ainda, a corroborar nosso entendimento, trata-se de um recurso contra denegação de um remédio constitucional que lida com a liberdade, como é o caso de habeas corpus. A fundamentar tal posição está toda a previsão legal de celeridade ao habeas corpus e do próprio recurso (p. ex., submissão imediata à pauta) e a previsão do supracitado art. 7º, 6 do Pacto de São José da Costa Rica, que repudia qualquer tipo de restrição. Existem posições em contrário, que mencionam a elaboração de contrarrazões (Nucci) ou de juízo de admissibilidade (Bonfim, Lopes Jr., Mossin), mas sem justificar, discutir ou fundamentar legalmente a posição. No Estado de São Paulo era comum que o Ministério Público ofertasse contrarrazões, provavelmente porque o antigo Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo possuía todo um procedimento sobre o Recurso Ordinário Constitucional e que previa, além de contrarrazões, um juízo de admissibilidade. Tal previsão não mais existe no atual regimento. Chegando o Recurso Ordinário Constitucional ao STJ, será distribuído a um relator que fará o juízo de admissibilidade. Conhecido o recurso, será dada vista ao Ministério Público Federal por 2 dias. Após a manifestação do MP, os autos irão à conclusão, devendo o relator incluir o recurso a julgamento na primeira sessão. Quando se tratar de Recurso Ordinário contra decisão denegatória de Mandado de Segurança, o procedimento é o fixado nos arts. 33 113 a 35 da Lei nº 8.038/90 e pelos arts. 247 e 248 do RISTJ, sendo semelhante ao procedimento referente à decisão denegatória de habeas corpus, exceto nos seguintes pontos: o prazo de interposição é de 15 dias e de vista do MP de 5 dias; no que se refere à admissibilidade do Recurso e ao procedimento no tribunal recorrido, aplicam-se as regras da apelação (art. 1.013 do CPC). Essa diferença procedimental dá-se em virtude da natureza de ação civil do mandado de segurança, ainda quando utilizado para fins criminais. Procedimento no STF O procedimento para o processamento e julgamento de Recurso Ordinário Constitucional dirigido ao STF foi regulamentado pelo próprio Regimento Interno da Suprema Corte, especificamente nos arts. 310 a 312 (no que se refere às decisões sobre habeas corpus e mandado de segurança) e nos arts. 307 a 309 (no que se refere às decisões sobre “crimes políticos”). Quando se tratar de Recurso Ordinário dirigido ao STF em virtude de decisão denegatória de habeas corpus, o prazo para interposição do recurso será de 5 dias. O recurso será interposto, juntamente com as razões de reforma, nos próprios autos em que foi prolatada a decisão e será dirigido ao presidente do tribunalque negou a ordem. Distribuído o recurso ao STF, a secretaria dará vista ao Procurador-Geral da República pelo prazo de 2 dias. Conclusos ao Relator, este submeterá o feito ao julgamento do Plenário ou da Turma, conforme o caso, e caberá, se houver interesse, sustentação oral. No que se refere ao processamento do Recurso Ordinário contra decisão denegatória de mandado de segurança, por ausência de previsão legal no RISTF, utiliza-se analogicamente o aplicável ao recurso endereçado ao STJ, na mesma hipótese. 114 Por fim, no que se refere aos crimes políticos, o recurso deve ser interposto no prazo de 5 dias, aplicando-se, analogicamente o art. 586 do CPP, com vista às partes por 5 dias, sucessivamente, para apresentação das razões. Distribuído o recurso e apresentado parecer do Procurador-Geral da República, o relator pedirá data para o julgamento. Efeitos Quanto aos efeitos, trata-se de um recurso em sentido amplo, o que significa dizer que os tribunais superiores poderão abordar toda a matéria devolvida. Também, nos termos do art. 1.027, § 2º, do CPC, o efeito suspensivo poderá ser concedido nos moldes do que se concede aos recursos especial e extraordinário (art. 1.029, § 5º, do CPC). Denegação Se o Recurso Ordinário Constitucional for denegado pelo tribunal a quo ou não for processado e encaminhado ao tribunal superior, concordamos com Tourinho Filho que entende que caberá Reclamação (art. 988, I, do CPC) para “preservar a competência do tribunal”, no caso, do STJ ou STF. Recurso Ordinário Constitucional × Habeas Corpus Substitutivo A jurisprudência do STJ e do STF há muito se encontrava pacificada no sentido de aceitar o habeas corpus como substituto do Recurso Ordinário Constitucional. Assim, nas hipóteses analisadas, quando houvesse denegação de um habeas corpus impetrado nos Tribunais Estaduais ou nos Tribunais Federais Regionais, a defesa, ao invés de interpor um Recurso Ordinário Constitucional (art. 105, II, da CF/88), apresentava diretamente outra ação de habeas corpus ao STJ, com fundamento no art. 5º, LXVIII, CF/88 (“con- ceder-se-á ‘habeas-corpus’ sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou 115 abuso de poder”). Nessas hipóteses chama-se esse writ de “habeas corpus substitutivo de Recurso Ordinário Constitucional”. Entretanto, confirmando uma infeliz tendência jurisprudencial de tentativa de limitação do acesso aos Tribunais Superiores (entre as medidas nesse sentido podem-se citar a Súmula 691 do STF, as súmulas vinculantes, a necessidade de prequestionamento e repercussão geral para os Recursos Extraordinário e Especial etc.), em agosto de 2012, o STF, no julgamento do HC 109.956/PR, mudou seu entendimento há tempos pacificado e passou a não mais admitir o “habeas corpus” substitutivo de Recurso Ordinário Constitucional em Habeas Corpus (ROCHC), no que foi prontamente seguido pelo STJ (5ª Turma, HC 251.303/SP, DJe 03.12.2012; 5ª Turma, HC 169.556/RJ, DJe 23-11-2012 etc.). Para demonstrar os argumentos utilizados pelo STF para não admitir o “habeas corpus substitutivo” podem-se destacar do referido acórdão os seguintes trechos: “tanto o Supremo quanto o Superior Tribunal de Justiça estão às voltas com um grande número de habeas corpus – este Tribunal recebeu, no primeiro semestre de 2012, 2.181 habeas e 108 recursos ordinários e aquele, 16.372 habeas e 1.475 recursos ordinários”; “O habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, além de não estar abrangido pela garantia constante do inciso LXVIII do art. 5º do Diploma Maior, não existindo sequer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o desnecessário...”; “Entre duas possibilidades contempladas na Lei Fundamental, de modo exaustivo, não simplesmente exemplificativo, não há lugar para uma terceira – na espécie, o inexistente, normativamente, habeas corpus substitutivo do recurso ordinário, que, ante a prática admitida até aqui, caiu em desuso, tornando quase letra morta os preceitos constitucionais que o versam”; “É cômodo não interpor o recurso ordinário quando se pode, a qualquer momento e considerado o estágio do processo-crime, buscar-se infirmar decisão há muito proferida, mediante o denominado habeas corpus substitutivo, alcançando-se, com isso, a passagem do tempo, a desaguar, por vezes, na prescrição.” 116 Assim, de forma bem sucinta, pode-se dizer que o STF fundamentou sua mudança de posicionamento nos seguintes argumentos: (1) excesso de habeas corpus nos Tribunais Superiores; (2) “ausência de previsão legal e constitucional do ‘habeas corpus substitutivo’”; (3) comodidade de se interpor o “habeas corpus substitutivo” a qualquer tempo. Ousamos, entretanto, discordar do posicionamento adotado pela Suprema Corte. O excesso de ações na Suprema Corte não pode servir como justificativa para limitação do acesso ao habeas corpus, pois se trata de uma garantia constitucional que, nos termos do art. 5º da Constituição, sempre será cabível quando alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer coação em sua liberdade de locomoção, e quando essa ameaça decorrer de decisões dos Tribunais Superiores não há outra possibilidade que não recorrer ao STF. Ademais, o habeas corpus substitutivo não precisa ter previsão legal específica, pois se trata de um simples habeas corpus, previsto no art. 5º da CF/88. Por fim, não há que se falar em “comodidade” quando houver coação ou abuso de poder que ameaça o direito fundamental de ir e vir, mas sim de um imperativo democrático de permitir que se afastem essas ilegalidades da forma mais rápida possível. 11. RECLAMAÇÃO: O instituto da reclamação está previsto, de modo genérico, nos arts. 102, I, l, e 105, I, f, da Constituição Federal, conforme dirigidas ao Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, respectivamente. A previsão legal, por sua vez, vem inscrita nos arts. 988 a 993 do CPC/2015, aplicáveis ao âmbito criminal por analogia, em face da revogação expressa dos arts. 13 a 18 da Lei 8.038/1990, que antes disciplinavam a matéria. 117 Trata-se de medida utilizada em casos excepcionais, visando à preservação da competência do tribunal ou assegurar a autoridade de suas decisões. Exemplo: considere-se que, inconformado com a decisão proferida em incidente de restituição, apele o acusado ao Tribunal de Justiça postulando que lhe seja devolvido o veículo apreendido. Negado provimento à apelação, ingressa ele com recurso especial, logrando obter do Superior Tribunal de Justiça o resultado desejado. Sendo provido o recurso especial e transitando em julgado a decisão que autoriza a restituição, mesmo assim o juiz de 1.º grau nega-se a cumpri-la. Neste caso, caberá reclamação ao Superior Tribunal de Justiça objetivando assegurar a autoridade da decisão então adotada por ocasião do julgamento do recurso especial. Hipótese importante que autoriza o manejo da reclamação encontra-se no art. 103-A, § 3.º, da CF, estabelecendo a sua pertinência para a hipótese de descumprimento de súmula vinculante. Preceitua, pois, o dispositivo que do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula. A teor do art. 988, § 5.º, I e II, do CPC/2015, são inadmissíveis: a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; e a reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinárioou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. Questionava-se a possibilidade de ser a reclamação ajuizada para garantir a autoridade das decisões dos tribunais de justiça. Sem embargo, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2212, que discutia a possibilidade de o Tribunal de Justiça do Ceará criar o instituto para 118 preservar o respeito às suas decisões, decidiu o Plenário do STF no sentido de que não fica obstada a previsão da reclamação na esfera estadual e sua utilização pelos tribunais de justiça no âmbito de sua atuação. Essa orientação, em nível legislativo, restou consolidada por meio do art. 988, § 1.º, do CPC/2015, dispondo este que “a reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir”. Não é pacífica a natureza jurídica da reclamação. Predomina, porém, o entendimento de que se trata de uma ação impugnativa, tendo em vista que se destina a atacar um ato que ofende a competência do tribunal ou ignora a autoridade de sua decisão. Tendo em vista a finalidade do instituto, a dedução da reclamação pressupõe a existência de um procedimento, relativamente ao qual tenha ocorrido a ofensa à decisão ou à autoridade de Tribunal. Importante destacar, ainda, que, se o seu objetivo é a preservação da competência dos tribunais ou garantir a autoridade de suas decisões, poderá a reclamação ter como objeto não apenas um ato do Poder Judiciário (v.g., juiz que descumpre determinação constante de acórdão ao prover recurso da parte), como também atos do Poder Legislativo e Executivo, quando promoverem atos de usurpação ou insubordinação às decisões judiciais – desde, é claro, que seja incabível outra medida. Isto, aliás, fica bem evidente na análise do precitado art. 103-A, § 3.º, da CF, e, também, do art. 7.º da Lei 11.417/2006, que regulamenta a edição, revisão e cancelamento de súmula vinculante. De acordo com o art. 988, caput, do CPC/2015, que reproduz o disposto no revogado art. 13 da Lei 8.038/1990, possuem legitimidade ativa para a reclamação a parte interessada e o Ministério Público. Discute-se o alcance da expressão parte interessada prevista no 119 dispositivo. Entretanto, ainda na vigência do mencionado art. 13, já se vinha entendendo possível o uso de interpretação extensiva nesse conceito, podendo abranger qualquer terceiro juridicamente interessado, a exemplo do assistente de acusação, mesmo que ainda não habilitado formalmente no processo criminal. No que tange à legitimidade passiva, é tratada no art. 990 do CPC/2015, estabelecendo que qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante. Frise-se que o próprio STF, em tempos pretéritos, já considerou legitimada toda pessoa que possua interesse jurídico na causa, independentemente de ter ocorrido um chamamento formal para ingressar no processo da reclamação. Asseverou-se, porém, que, ao ingressarem na causa, tais interessados a receberão no estado em que estiver. Prazo: Não existe previsão legal de prazo para a propositura da reclamação. Assim, deduz-se que pode ser intentada a qualquer tempo. Repisa-se, contudo, que não é cabível ajuizar a reclamação em data posterior ao trânsito em julgado da decisão reclamada, vedação esta que restou estabelecida, em nível legislativo, pelo art. 988, par. 5.º, inc. I, do CPC/2015 e que, mesmo antes disso, já estava inserida na Súmula 734 do STF ao preceituar que não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega ter desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal. Forma A reclamação deve ser confeccionada por petição, já acompanhada das respectivas razões e instruída com prova documental (art. 988, § 2.º, do CPC/2015). Procedimento 120 Seguem-se as regras dispostas nos arts. 988 a 993 do CPC/2015, bem como disposições regimentais dos tribunais, sendo endereçada ao Presidente do Tribunal cuja decisão ou autoridade foi desrespeitada. Frise que não é admitida, na sua tramitação, a produção de provas, razão pela qual esta deve estar pré-constituída por ocasião do ajuizamento (art. 988, § 2.º). Autuada a reclamação e distribuída, sempre que possível, ao Relator do processo principal (art. 988, § 3.º), este poderá ordenar a suspensão do processo ou do ato impugnado, se isto for necessário para evitar dano irreparável. Contemporaneamente, requisitará ele informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as deverá prestar em dez dias, e, também, determinará a citação do beneficiário da decisão impugnada, que terá prazo de quinze dias para apresentar sua contestação (art. 989, I, II e III do CPC/2015). Repisa-se que qualquer interessado pode impugnar o pedido (art. 990). Após o decurso do prazo para informações e para o oferecimento da contestação pelo beneficiário do ato impugnado, não sendo o autor da reclamação, o Ministério Público terá vista dos autos pelo prazo de cinco dias, para parecer. Por fim, é a medida submetida a julgamento pelo órgão competente. Julgada procedente a reclamação, procederá o tribunal à cassação da decisão exorbitante de seu julgado ou determinará a medida adequada à solução da controvérsia. Essas determinações serão cumpridas imediatamente, sendo o acórdão decorrente do julgamento da reclamação lavrado posteriormente. 121 Órgão julgador Se o Tribunal, cuja autoridade tiver sido afrontada, for o Supremo Tribunal Federal, dispõe o art. 9.º, I, c, do seu Regimento Interno (modificado pela Emenda Regimental 49/2014) que cabe às Turmas processar e julgar originariamente todas as reclamações que visem a preservar a competência da Corte ou a garantir a autoridade de suas decisões ou Súmulas Vinculantes. Já no caso do Superior Tribunal de Justiça, estabelece o art. 11, X, do respectivo Regimento Interno que compete à Corte Especial processar e julgar as reclamações para a preservação de sua competência e garantia de suas decisões. Na sequência, dispõe o art. 12, III, do mesmo Regimento que cabe às Seções processar e julgar as reclamações para a preservação de suas competências e garantia da autoridade de suas decisões e das Turmas. AÇÕES IMPUGNATIVAS: 12. Habeas corpus I. Natureza jurídica O habeas corpus tem como natureza jurídica de ação autônoma de impugnação. Segundo o art. 5º, LVII, CF, conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Segundo o STF, é desnecessária a prévia discussão acerca de matéria objeto de habeas corpus impetrado originariamente no STJ, quando a coação ilegal ou o abuso de poder advierem de ato de TRF no exercício 122 de sua competência penal originária. Ao fazer essa exigência, o STJ está impondo para o habeas corpus o requisito do “prequestionamento”, que somente é aplicável nos casos de recurso especial ou recurso extraordinário (Inf. 778). II. Espécies O habeas corpus se classifica em 3 espécies: Habeas corpus repressivo (liberatório): ocorre na hipótese em que já tenha sido consumado o constrangimento ilegal ou o abuso de poder em relação à liberdade de locomoção. Neste caso, concede-se a ordem e expede-se alvará de soltura. Habeas corpus preventivo: o constrangimento ainda não ocorreu, mas há um fundado receio de que este constrangimento ilegal ou o abuso de poder em relação à liberdade de locomoção ocorra. Há uma ameaça de prisão que justifica a concessão da ordem, devendo ser séria e concreta. Neste caso, ao conceder a ordem, expede-se salvo conduto. Habeas corpus profilático: destinado a suspender atosprocessuais, ou a impugnar medidas que possam importar em um prisão futura com aparência de legalidade. No entanto, esta decisão futura já está contaminada por uma ilegalidade anterior. Percebam que há uma ilegalidade na origem que justifica a necessidade de uma medida, visto que esta medida, no futuro, poderá implicar a prisão de alguém. Trata-se de um constrangimento ilegal potencial, no futuro. Ex.: impetração de HC para trancamento da ação penal, eis que poderá implicar uma ilegalidade no futuro. 123 Ex.: para que haja crime tributário material, é indispensável que haja no futuro a constituição definitiva do crédito tributário por processo administrativo fiscal. Caso o MP ofereça denúncia antes da constituição definitiva e o juiz receba a denúncia, poderá o réu impetrar HC profilático para trancar a ação penal. Outro exemplo é a impetração de HC profilático em caso de suspensão de um processo em caso de questão prejudicial externa obrigatório, que é o caso da questão prejudicial que verse sobre o estado de pessoas. III. O constrangimento ilegal O art. 648 do CPP traz as hipóteses em que se considera existir um constrangimento ilegal: Quando não houver justa causa: Justa causa para uma coação é quando estiver prevista em lei ou tiver observados os requisitos. Portanto, se não há justa causa para condenação, pois a hipótese não se enquadra a um permissivo legal ou porque não estão presentes os requisitos legais, está ausente a justa causa, havendo um constrangimento ilegal. Quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei: A prisão temporária tem prazo. Vencido o prazo, o sujeito deverá ser posto imediatamente em liberdade. Caso não seja posto, caberá HC para que não fique preso por mais tempo do que determina a lei. Ex.: sujeito está preso por mais tempo do que deveria. Este excesso retira a razoabilidade da prisão, devendo ser caso de relaxamento. Por exemplo, o MP deve oferecer denúncia em 5 dias caso o réu esteja preso. 124 Caso o MP não ofereça em 5 dias, e o réu continue preso, poderá o sujeito impetrar HC. Quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo: Falta competência para o ordenador da prisão, sendo passível de habeas corpus. Ex.: promotor de justiça sendo preso por ordem do juiz de direito, quando deveria se dar por ordem do Tribunal. Quando houver cessado o motivo que autorizou a coação: Aqui acabou o motivo, devendo ser posto em liberdade. Caso não o seja, caberá HC. Ex.: prisão preventiva decretada para conveniência da instrução criminal. Prolatada a sentença, não há mais instrução criminal. Cessado o motivo, deverá a prisão ser cessada, por meio de revogação. Quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza: Basicamente, todos os crimes admitem fiança, salvo os crimes inafiançáveis ou se o sujeito quebrou a fiança anteriormente. Ex.: racismo, ação de grupos armadas, terrorismo, tortura e tráfico de drogas, bem como os crimes hediondos. Caso o crime coubesse fiança, mas o juiz não admitiu que fosse fixada a fiança, ainda que a lei autorizasse. A impetração do HC não é para liberar o sujeito, e sim para o arbitramento da fiança. Quando o processo for manifestamente nulo: 125 A impetração do HC não tem por finalidade colocar o sujeito em liberdade. Na verdade, essa modalidade de HC tem por objetivo a anulação do processo, podendo ser total ou parcial. Quando extinta a punibilidade: A punibilidade pode se extinguir pela prescrição, decadência, perempção, abolitio criminis, etc. O objetivo do HC, neste caso, é o reconhecimento de que esta punibilidade está extinta. Consequentemente o processo deve ser arquivado, ou se estivermos em fase extraprocessual, o inquérito policial deverá ser arquivado. IV. Sujeitos do habeas corpus São 3 basicamente os sujeitos: Paciente: é quem sofre ou quem está ameaçado de sofrer o constrangimento ilegal ou abusivo. Apenas pessoas físicas podem ser pacientes de habeas corpus, pois aqui se trata da liberdade de locomoção. Coator: é quem determina ou executa o constrangimento ilegal ou abusivo. Poderá ser coator tanto uma autoridade pública como um particular. Sendo o constrangimento decorrente de abuso de poder, é forçoso convir que se estará diante de uma responsabilidade de autoridade. Em matéria de ilegalidade, qualquer particular poderá exercer. Ex.: médico que não libera paciente, mesmo que comprovado a recuperação da saúde mental. Norberto Avena ainda aduz que a manutenção do indivíduo sadio numa clínica particular justifica o HC, sem prejuízo de configuração de cárcere privado (art. 148, CP). Impetrante: é quem impetra o HC. Poderá ser qualquer pessoa do povo, ou até mesmo o próprio paciente. Não se exige a 126 presença de advogado para impetração de HC. Há uma divergência acerca da exigência ou não de capacidade postulatória para recorrer de decisão que denegou o HC. Há julgados nos dois sentidos nos Tribunais Superiores, prevalecendo o entendimento de que se exige capacidade postulatória em caso de recurso decorrente de habeas corpus. Para impetração de HC também não se exige capacidade civil, podendo inclusive um menor impetrar habeas corpus. Desde que alguém assine a seu rogo, o analfabeto poderá impetrar HC. Pessoa jurídica também poderá impetrar HC. O MP também poderá impetrar HC em favor do réu. O juiz pode “expedir de ofício ordem de habeas corpus”, mas ele não impetra o habeas corpus. Ele, identificando por si mesmo ilegalidade da prisão, simplesmente o concede de ofício. O delegado também poderá impetrar habeas corpus em favor do paciente. V. Petição de habeas corpus O art. 654 traz os requisitos da petição de habeas corpus: Identificação do paciente: nome da pessoa que sofre ou está ameaçada de sofrer violência ou coação. Identificação da autoridade coatora ou particular: nome de quem exerce a violência, coação ou ameaça; Declaração da espécie de constrangimento ou, em caso de ameaça de coação, as razões em que funda o seu temor: deverá dizer qual é o fato, demonstrando a ilegalidade do constrangimento. Assinatura do impetrante: não se admite habeas corpus apócrifo, ou de alguém a seu rogo, quando não souber ou não puder escrever, e a designação das respectivas residências. 127 VI. Habeas corpus e punição disciplinar militar O art. 142, §2º, CF diz que não cabe habeas corpus em relação a punições disciplinares militares. Essa impossibilidade não é absoluta. Na verdade, não cabe habeas corpus para questionar o mérito de uma punição disciplinar militar. Mas nada impede a impetração de habeas corpus para questionar a forma e vícios formais. Ex.: houve cerceamento de defesa numa punição militar. Também caberá quando a decisão militar aplicou a punição X, quando na verdade cabe a punição Y para aquela infração. VII. Habeas corpus e estado excepcional (sítio) O art. 139 da CF diz que na vigência do estado de sítio pode ser tomada contra as pessoas as seguintes medidas: 1. obrigação de permanência em localidade determinada; 2. detenção em edifício não destinado a acusado ou condenados por crimes comuns; 3. busca e apreensão em domicílio; Em razão dessa previsão, em tese, seria descabido habeas corpus contra uma situação permitida na Constituição. Todavia, essa vedação ou impossibilidade do habeas corpus se restringe à impugnação do mérito, mas poderá questionar eventual vício de natureza formal, ou então aquela prisão se mostrou absolutamente ilegal. O que se ressalta aqui é que na verdade, excepcionalmente, será admitido o habeas corpus por ter havido uma teratologia nas medidas tomadas. 128VIII. Possibilidade de liminar em habeas corpus Não existe previsão legal de liminar em habeas corpus. Apesar de não existir previsão, a doutrina e a jurisprudência são sólidas no sentido de que cabe liminar em habeas corpus, desde que presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Não se admite habeas corpus contra decisão denegatória de liminar. O sujeito impetra um habeas corpus, sendo distribuído a um Relator. Esse Relator nega a liminar do HC, não sendo julgado o HC. Dessa decisão denegatória não caberá habeas corpus. Seria possível habeas corpus se a decisão do Relator fosse teratológica, despida de qualquer razoabilidade, ainda que fosse denegatória de liminar. A admissão de habeas corpus contra decisão liminar de Relator implicaria em supressão de instância, pois o órgão colegiado na instância inferior ainda não julgou o HC efetivamente. IX. Competência para o habeas corpus Em razão da competência de habeas corpus, percebe-se que juiz ou colegiado de Tribunal tem competência em relação à violência ou coação proveniente de autoridade ou de órgão de inferior hierarquia. Juiz tem competência para julgar habeas corpus em relação a constrangimento de autoridades vinculadas a outros poderes. Ex.: sendo autoridade coatora o servidor ou autoridade do ministério da fazenda poderá o habeas corpus ser julgado pelo juiz de primeira instância. Além disso, também terá competência para julgar habeas corpus de ato de particular. 129 E se o habeas corpus for impetrado contra ato proveniente de juizado especial criminal? O entendimento pacificado é de que cabe à Turma Recursal para julgar o habeas corpus proveniente de ato do JECRIM. E se o habeas corpus for impetrado contra ato proveniente da Turma Recursal? Neste caso, apesar da divergência, entende- se que competência para julgar o habeas corpus será do TJ ou do TRF. a) Competência do STF para julgar habeas corpus O STF tem competência para julgar habeas corpus sendo paciente: 1. presidente ou vice-presidente da república 2. membro do congresso nacional 3. membro de tribunal superior 4. procurador-geral da república 5. ministro de estado 6. comandante das forças armadas 7. ministro do TCU 8. chefe de missão diplomática em caráter permanente O STF terá competência quando forem coatores ou pacientes: 1. Tribunais Superiores 2. autoridades ou funcionários, cujos atos estejam diretamente submetidos à jurisdição do STF: ex.: presidente da república, quando for coator ou paciente, no HC, haverá julgamento pelo Supremo. O mesmo ocorre em relação aos deputados federais. 130 3. crimes sujeitos à jurisdição do STF numa única instância: se o crime será julgado pelo STF, eventual HC a ser apreciado, será julgado pelo Supremo. b) Competência do STJ para julgar habeas corpus Com relação ao STJ, a competência será do STJ quando for coator ou paciente: 1. Governador do Estado ou do DF 2. Desembargador, 3. membros do Tribunal de Contas dos Estados e do Distrito Federal 4. membros do Ministério Público da União que oficiem perante os Tribunais 5. membros dos Conselhos ou Tribunais de contas do Município 6. membros dos TRF’s, dos TRE's e dos TRT’s 7. quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição do STJ 8. coator for Ministro de Estado 9. coator for Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica Veja quando o paciente for ministro de estado será julgado pelo Supremo, assim como o caso do Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica. Em todos os casos fica ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. X. Habeas corpus substitutivo de via ordinária recursal 131 Considerando as seguintes hipóteses: uma pessoa impetra habeas corpus perante um juiz (primeira instância), contra um ato de um delegado de polícia, mas a ordem foi denegada. Qual seria o recurso cabível? Seria caso de RESE. Uma outra pessoa impetrou habeas corpus perante o TJ, contra o ato do juiz de direito. Houve uma denegação do habeas corpus pela câmara julgadora. Poderá o impetrante recorrer? Aqui caberá recurso ordinário constitucional para o STJ. O que é o habeas corpus substitutivo da via ordinária recursal? Basicamente é, ao invés de recorrer em sentido estrito (RESE) ou de recurso ordinário constitucional, o impetrante impetra HC na instância superior. Trata-se de uma faculdade outorgada ao interessado no sentido de optar, ao invés de recurso, por habeas corpus substitutivo. Os Tribunais Superiores passaram a entender pelo não cabimento do habeas corpus substitutivo. No entanto, sendo o caso teratológico, os Tribunais Superiores vem agindo da seguinte forma: não conhecem do habeas corpus substitutivo, mas conhecem do habeas corpus de ofício. XI. Processamento do habeas corpus impetrado perante o juiz de direito O juiz recebe a petição, examina a possibilidade de concessão de liminar. O deferimento da liminar não se condiciona da existência de um requerimento expresso, podendo o juiz conceder ainda que não tenha esse pedido de liminar. 132 Caso não haja a concessão da liminar e o paciente estiver preso, poderá o juiz determinar que a ele sendo apresentado, procedendo o seu interrogatório. Esta apresentação do preso ao juiz é pouco utilizada. O que há, para fins de substituição da apresentação do preso, é a requisição de informações ao coator, a fim de que ele esclareça o porquê o sujeito está preso. Tendo sido apresentadas as informações requisitadas à autoridade, o juiz então decidirá no prazo de 24 horas sobre a concessão ou não da ordem. XII. Processamento do habeas corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça e os Tribunais Regionais Federais A petição de habeas corpus é protocolada, sendo dirigida ao presidente do Tribunal ou ao Relator. Poderá o Relator indeferir liminarmente o HC. Neste caso, sendo indeferida liminarmente, deverá ser levada ao órgão colegiado para deliberação, tendo em vista o indeferimento liminar da ordem. Na atualidade, o indeferimento liminar do habeas corpus tem-se esgotado no julgamento monocrático do Relator. Isso porque o Novo CPC dispõe que o Relator negará seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal, do STF ou de Tribunal Superior. Então, a partir dessa leitura, se a jurisprudência dominante ou a súmula já prejudica o habeas corpus, não haverá necessidade de se levar o habeas corpus ao órgão colegiado, apesar da existência de previsão legal. 133 Supondo que não haja o indeferimento imediato, a autoridade deverá apreciar a possibilidade de concessão da liminar do HC. Sendo deferida ou não essa liminar, serão requisitadas informações ao coator. O coator prestará informações, as quais serão recebidas pelo desembargador Relator e aí o HC será julgado pelo colegiado competente. Se houver empate, o presidente, caso não tenha participado, apresentará seu voto, que é o voto de minerva. Todavia, caso o presidente tenha participado, e ainda assim houver empate, prevalecerá a decisão mais favorável ao réu. XIII. Processamento do habeas corpus impetrado perante os Tribunais Superiores Neste caso, serão aplicadas as normas estabelecidas no CPP aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais, além do que estiver previsto no regimento interno do Tribunal Superior. XIV. Impugnação das decisões no habeas corpus Vindo a decisão de um juiz denegatória de um habeas corpus, e a decisão é do juiz de primeiro grau. Sendo concessiva ou denegatória, caberá RESE. Ainda que tendo sido concessiva, e não tendo sido interposto o RESE,o caso será de reexame necessário, devendo o juiz enviar os autos ao Tribunal. Se o acórdão foi proferido por Tribunal em habeas corpus, qual seria o recurso cabível? 134 Sendo denegatório o acórdão, caberá recurso ordinário constitucional ao STJ. Sendo concessiva a ordem, caberá recurso especial ou recurso extraordinário, a depender do caso. Se for uma decisão sobre habeas corpus no âmbito STJ, TSE, TST, STM? Neste caso, sendo denegatória, caberá recurso ordinário constitucional ao STF. Sendo concessiva, caberá no máximo um recurso extraordinário, visto que foi o próprio STF quem julgou. 13. Revisão criminal I. Conceito Revisão criminal é uma ação autônoma de impugnação, tendo como finalidade desconstituir uma decisão judicial condenatória transitada em julgada. Poderá a revisão criminal ser deduzida inclusive após a morte do réu. II. Pressupostos São pressupostos de uma revisão criminal: 1. Decisão judicial condenatória 2. Decisão transitada em julgado Portanto, não se admite revisão criminal para desconstituição de sentença absolutória. Uma exceção é a absolvição imprópria, visto que teria objetivo de desconstituir a medida de segurança imposta. 135 Provocação: cabe revisão criminal de uma decisão do Tribunal do Júri? Apesar de alguma divergência, o entendimento que prevalece é o de que é possível revisão criminal de decisão prolatada pelo Tribunal do Júri. O art. 625, §1º, CPP diz que o requerimento de revisão criminal deve ser instruído com a certidão de que houve o trânsito em julgado da sentença condenatória. Trata-se de requisito formal. III. Cabimento Em que hipóteses a revisão criminal vai ter cabimento? O art. 621 do CPP traz um rol taxativo: Quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos: Este inciso traz duas hipóteses: 1. sentença contrária ao texto expresso de lei 2. sentença contrária à evidência dos autos Atenção! Se for um dispositivo legal que permita duas ou mais interpretações e o juiz adotou uma delas, não se tem uma decisão contrária ao texto expresso de lei. E, portanto, não estaríamos diante de um caso que justifica a revisão criminal. 136 Da mesma forma, com relação à sentença contrária à evidência dos autos, não caberá revisão criminal se o juiz entendeu que as evidências não seriam suficientes para absolver o réu. Quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos: Não é que havia documento falso no processo. Significa que a sentença se fundou no documento falso. O sujeito foi condenado em razão daquele documento falso, ou seja, é preciso que este elemento tenho sido uma das principais bases daquela sentença condenatória. Não se admite dilação probatória em revisão criminal. Portanto, a prova da falsidade deve ingressar anexada à petição inicial da revisão criminal, sob pena de indeferimento liminar. Não se pode requerer que seja demonstrada a falsidade da prova no curso da ação de revisão criminal, visto que esta ação não possui fase instrutória. Quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena: Houve uma descoberta de uma nova prova que implica absolvição, como por exemplo um vídeo que faz a prova de que o condenado estaria caminhando no dia do crime em um shopping center, mas o crime foi cometido em outra cidade. Este vídeo prova que não foi o culpado. IV. Dilação probatória A revisão criminal não comporta contraditório, pois não tem fase instrutória, tampouco fase voltada à produção de prova. 137 O art. 625, §1º, diz que o requerimento será instruído com a certidão de trânsito em julgado da sentença condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos. Mas e se a prova foi um depoimento falso que necessitará de produção probatória num processo, a fim de demonstrar que o documento foi falso? Neste caso, o indivíduo deverá requerer ao juízo de 1º grau a realização de uma audiência de justificação prévia. O sujeito ingressará com uma ação cautelar de justificação prévia, produzindo a prova no primeiro grau. Após, ingressa com revisão criminal no Tribunal, a fim de que o Tribunal perceba o erro cometido. V. Legitimidade perante o ajuizamento Quem pode propor a revisão criminal? O art. 623 vai dizer: o réu, o procurador legalmente habilitado. No caso de morte do réu, o CADI (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão). Apesar de alguma divergência, prevalece o entendimento de que é necessário para o ajuizamento de revisão criminal por meio de advogado. O MP pode ajuizar revisão criminal em favor do réu? Há divergência doutrinária. Norberto Avena entende que sim, mas há parcela que entende que não. VI. Ausência de prazo para o ingresso Não há prazo para ingresso de revisão criminal. 138 A revisão criminal poderá ser ajuizada mesmo depois de cumprida a pena, extinta a pena ou morte do réu. Portanto não há prazo para ingresso. VII. Competência para julgamento da revisão criminal A revisão criminal é uma ação de competência originária dos Tribunais. STF e o STJ serão competentes para as revisões criminais decorrente das próprias decisões. TJ e TRF serão competentes para julgamento de revisões criminais decorrente das próprias decisões e também revisões criminais decorrentes de decisões de juízo de primeiro grau, a eles vinculados. VIII. Revisão criminal e o reconhecimento de nulidades As hipóteses do art. 621 comportam revisão criminal. Inclusive essas hipóteses são taxativas. Não há no art. 621 a previsão de ingresso de revisão criminal contra decisão que tenha incidido em nulidade durante a marcha processual. O STJ apresentou um entendimento no sentido de que a revisão criminal ajuizada pela defesa não pode se fundar em nulidade da marcha processual. Para o STJ, neste caso, caberia à defesa impetrar um habeas corpus contra a sentença transitada em julgado condenatória que tenha incidido em nulidade absoluta. 139 Portanto, não seria cabível revisão criminal contra a decisão que esteja eivada de nulidade absoluta. O tema não é absolutamente pacífico, tendo o professor Norberto Avena se posicionado a favor da revisão criminal. IX. Procedimento da revisão criminal A petição da ação de revisão criminal será distribuída no órgão competente. Um Relator irá verificar se estão presentes os requisitos ou não da revisão criminal, devendo trazer todos os elementos de convicção para julgamento. O relator vai apreciar se os elementos são necessários e suficientes para julgamento. Se o pedido estiver regular, o juiz determinará que seja aberta vista ao MP, o qual dará o parecer e após serão os autos conclusos para julgamento. A segunda opção que poderá ocorrer é o relator entender que a petição está insuficientemente instruída, podendo fazer: 1. indeferir liminarmente a petição inicial da revisão criminal 2. determinar o apensamento da revisão criminal aos autos original da ação criminal Após, abrir-se-á vista ao MP, o qual dará parecer. Após, os autos serão conclusos para julgamento. X. Consequências jurídicas da procedência da revisão criminal 140 O art. 626 traz soluções possíveis, dizendo que julgada procedente a revisão, o tribunal pode: 1. alterar a classificação da infração 2. absolver o réu 3. modificar a pena 4. anular o processo Cabe ressaltar que, segundo o parágrafo único, de qualquer maneira, não poderá ser agravada a pena imposta pela decisão revista. Veja, nãodiversa, na qual o juízo de admissibilidade feito no tribunal a quo é extremamente rígido, encontramos nos recursos especial e extraordinário, em que, como regra, os Tribunais de Justiça dos estados e os Tribunais Regionais Federais fazem uma poderosa filtragem, dificultando ao máximo a subida dos recursos. Trata‐se, para além das questões teóricas, de uma medida de política judiciária em que, em matéria penal, a regra é dificultar ao máximo o prosseguimento desses recursos, um verdadeiro filtro, diante da sobrecarga dos tribunais superiores. Mais interessante ainda é que muitas vezes existe uma clara preocupação em decidir sem prequestionar a matéria, para evitar‐se o acesso aos Tribunais Superiores, e o mesmo tribunal que decide com essa preocupação é o que, a seguir, irá novamente colocar empecilho ao prosseguimento do recurso especial/extraordinário quando do juízo de (in)admissibilidade. Infelizmente, ao invés de aumentar‐se a capacidade desses tribunais para dar conta da demanda, limita‐se o acesso a eles. Daí por que, atualmente, especialmente no que tange aos recursos da defesa (o tratamento é completamente diverso em se tratando de recurso do Ministério Público, basta pesquisar para constatar), a regra é o não prosseguimento. 11 Pois bem, quanto aos pressupostos recursais, classificam-se em duas ordens: pressupostos recursais objetivos e pressupostos recursais subjetivos – o professor Badaró vai chamar de positivos e negativos. Numa posição mais moderna, o professor André Nicollit (p. 1022-1023) vai dizer que, em razão de estarmos diante de um direito subjetivo que advém do direito de ação e de defesa, não cabe mais falar-se em requisitos objetivos e subjetivos, e, sim, condições recursais e pressupostos recursais. Nessa catalogação, as condições recursais seriam a legitimidade, o interesse em recorrer (prejuízo gerado pela decisão atacada – adequação, necessidade e utilidade) e possibilidade jurídica do pedido (cabimento – previsão legal da via recursal); e os pressupostos recursais seriam competência adequada, capacidade recursal, regularidade formal, tempestividade e inexistência de fatos extintivos (deserção e desistência) e impeditivos (preclusão). Ainda, em âmbito de concurso público e na maioria da doutrina, prevalece a divisão clássica entre pressupostos objetivos e subjetivos. São os seguintes os pressupostos objetivos, conforme a maioria da doutrina: •Cabimento do recurso; •Tempestividade da interposição; •Forma legal; •Preparo. Por sua vez, os pressupostos subjetivos consistem: •Legitimidade para recorrer; 12 •Interesse na interposição – prejuízo da parte. Apenas quando presentes todos estes requisitos é que o recurso interposto tem possibilidade de ser recebido e conhecido. Vejam que, ao definirmos prelibação como o juízo de admissibilidade, tratamos dessa expressão, exclusivamente, em matéria de recursos criminais. Contudo, o termo também possui outro significado, referindo-se, nesta segunda acepção, àquelas decisões que realizam um exame superficial do mérito, sem demandarem aprofundamento no caderno probatório. É o caso, por exemplo, do recebimento da denúncia, deliberação esta que não exige maior fundamentação, não se subsumindo à disciplina do art. 93, IX, da CF; e, também, da decisão de pronúncia, que se restringe à abordagem superficial da prova angariada aos autos para não interferir no convencimento dos jurados. OBS.: Prelibação não se confunde com delibação. Esta última, em matéria recursal, constitui a fase em que a questão debatida no recurso será enfrentada pelo órgão recursal. Logo, é certo referir que o juízo de prelibação (juízo de admissibilidade do recurso) antecede, cronológica e logicamente, o juízo de delibação (juízo de mérito do recurso). PRESSUPOSTOS RECURSAIS OBJETIVOS Cabimento: É preciso que o recurso seja cabível para atacar a decisão em relação à qual tenha sido interposto. O cabimento envolve a conjugação de duas condições: a recorribilidade e a adequação. A recorribilidade significa que a decisão impugnada deve estar sujeita a recursos. Deve-se ter atenção a esse aspecto, eis que 13 existem diversas situações de irrecorribilidade no processo penal, como o indeferimento da suspensão do processo em virtude de questão prejudicial facultativa (art. 93, § 2.º, do CPP); a admissão ou não do assistente de acusação (art. 273 do CPP); a decisão na exceção de suspeição de perito ou serventuário da justiça (art. 105 do CPP): a decisão que conclui pela inexistência de repercussão geral no recurso extraordinário (art. 326 do Regimento Interno do STF) etc. A adequação, por sua vez, traduz-se como a necessidade de que o recorrente utilize a via impugnativa correta para atacar a decisão, entre as previstas em lei. Não é a adequação, entretanto, uma condição inflexível, pois a própria lei processual prevê no art. 579 uma exceção denominada princípio da fungibilidade, que possibilita ao juízo a quo receber e ao juízo ad quem conhecer do recurso errado como se fosse o recurso certo. “Art. 579. Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro. Parágrafo único. Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível.” Da leitura desse dispositivo observa-se que, conquanto o princípio da fungibilidade possa socorrer o recorrente na hipótese de interposições equivocadas, sua aplicação não é absoluta, encontrando-se sujeita à observância de determinadas condições, que consistem: a) Inexistência de má-fé do recorrente: é necessário que não seja constatado o equívoco deliberado do insurgente, com o objetivo de extrair de seu lapso alguma vantagem de ordem processual. Esta má-fé é presumida jure et jure (não admite prova em contrário) quando ocorrerem duas situações: 14 •Não for observado o prazo previsto em lei para o recurso adequado: isto significa que, embora possa o insurgente equivocar-se quanto ao recurso cabível, não é aceito que erre quanto ao prazo correto de interposição. Presume-se que obrou de má-fé quando intentou o recurso errado fora do prazo previsto em lei para o recurso certo. Exemplo: Em 1.º de março, a defesa é intimada da sentença condenatória, que enseja apelação em cinco dias. Em 16 de março, ingressa o advogado, contra aquela decisão, com recurso especial, que tem prazo de 15 dias para sua interposição. Evidentemente, este recurso não será recebido, pois ultrapassado o prazo do recurso correto (a apelação), precluindo, em consequência, a decisão condenatória. •O erro na interposição for considerado grosseiro: sendo a lei expressa quanto ao recurso cabível e inexistindo qualquer divergência sobre tal aspecto, o equívoco na interposição do recurso será considerado erro grosseiro, afastando completamente a aplicação da fungibilidade. É preciso, então, que haja dúvidas quanto ao recurso correto, pois, na atual concepção, a fungibilidade não visa proteger a parte do erro do profissional, mas sim a evitar que a oscilação da jurisprudência quanto ao recurso correto cause prejuízo ao recorrente. b) Adequação do recurso equivocadamente interposto ao procedimento do recurso correto: o princípio da fungibilidade não pode importar em supressão de etapa procedimental do recurso adequado. Em outras palavras, é necessário, por ocasião de sua aplicação, que sejam respeitadas todas as fases da via impugnativa correta, independentemente da instância que venha a reconhecer a impropriedade da via eleita. Afinal, se reconhecido o desacerto do recurso pelo juiz, estabelece o art. 579, parágrafo único, do CPP que deve este “mandar processá-lo de acordo com o rito dose admite revisão criminal pró-societate. XI. Reconhecimento ao direito de indenização na decisão que julgar procedente a revisão criminal O art. 630 do CPP diz que o Tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. No entanto, essa indenização será liquidada no juízo cível. Ou seja, a decisão na revisão criminal somente reconhece a indenização, cabendo ao juízo cível liquidar. Impende frisar que se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território responderá a União por esta indenização. Ou, sendo pela justiça estadual, a responsabilidade será do Estado. Apesar de procedente a revisão, existem situações em que será obstada a indenização: 1. se o erro ou a injustiça da condenação ter vindo de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder: ex.: pai 141 confessou o crime praticado pelo filho, a fim de isentar o filho. Veja, ele deu causa à revisão, apesar de cabível. Como a ocultação de prova em seu poder foi o próprio impetrante que deu causa ao erro, não poderá receber justa indenização. 2. se a acusação houver sido meramente privada: se a acusação tiver sido meramente privada, não caberá indenização. Doutrina sustenta ser não recepcionada, visto que a CF não traz essa diferença. XII. Revisão criminal no âmbito dos juizados especiais criminais O julgamento da revisão criminal dos juizados especiais criminais é das Turmas Recursais dos juizados especiais criminais. Esta é a posição majoritária. XIII. Impugnação das decisões em revisão criminal Em verdade, não há regramento específico de como serão impugnadas as decisões em revisão criminal. Excepcionalmente, uma decisão em revisão criminal poderá comportar recurso extraordinário e recurso especial, não podendo discutir fatos, mas apenas direito. REFERÊNCIAS: 142 AVENA, Norberto. Processo penal – 12. ed., – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020. BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais – 4ª ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal, 11. ed. — São Paulo : Saraiva, 2016. BRITO, Alexis de, FABRETTI, Humberto Barrionuevo, LIMA, Marco Ferreira. Processo Penal Brasileiro, 4. ed. – São Paulo: Atlas, 2019. LOPES Jr., Aury. Direito processual penal – 18. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal – 6. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020. NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. 9ª ed – Belo Horizonte: D´Plácido, 2019. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.recurso cabível”, nada mais lógico do que 15 entender que a regra da adequação procedimental também deva ser aplicada pelo juízo ad quem quando somente lá for reconhecida a impropriedade do recurso proposto. Exemplo: interposta apelação (art. 593, II, do CPP) contra determinada decisão, vem esta a ser recebida pelo juiz e encaminhada ao tribunal para julgamento. Entendendo a Câmara Recursal tratar-se de hipótese que enseja recurso em sentido estrito, não poderá, simplesmente, transformar a apelação nesse recurso e conhecê-la como tal, pois estaria suprimindo fase importante do rito do RESE, qual seja, o juízo de retratação, que não existe na apelação. Nesse caso, cumprirá ao Tribunal determinar a baixa da apelação fungibilizada em recurso em sentido estrito ao 1.º grau, facultando ao julgador monocrático a retratação. Apenas depois disso é que o recurso, retornando ao tribunal, poderá ser julgado. Atenção: o princípio da fungibilidade não se confunde com o fenômeno da convolação. Neste último caso, o recurso interposto está correto, sendo, entretanto, conhecido como se fosse outro. Justifica-se a convolação em duas circunstâncias distintas: primeira, o intuito de beneficiar o acusado, convolando-se a via impugnativa deduzida em outra que, processualmente, seja-lhe mais vantajosa; segunda, evitar prejuízo ao recorrente quando, embora tenha sido ingressado o recurso correto, estiverem ausentes outros pressupostos recursais, a exemplo da tempestividade. Exemplo: contra acórdão do Tribunal de Justiça que, por maioria de votos, reformou sentença absolutória e condenou o réu, opõe, a defesa, embargos declaratórios, objetivando sanar suposta omissão nos votos vencedores (tese defensiva não apreciada) e, com isso, obter a modificação da decisão da câmara, com a manutenção da absolvição realizada pelo juízo de 1.º Grau. Ao examinar os embargos de declaração, porém, constata o desembargador-relator a sua intempestividade, já que opostos no quarto dia 16 contado da intimação do acórdão embargado (o prazo dos embargos de declaração é de dois dias, consoante art. 619, do CPP). Em casos como este, poderá o relator, em vez de não conhecer ditos embargos declaratórios, recebê-los como embargos infringentes, cujo prazo para oposição é de dez dias – mesmo porque, nos declaratórios, estava o embargante buscando a modificação do acórdão e não apenas o esclarecimento da omissão apontada. Com tal providência, o relator não apenas evitará a preclusão da matéria controvertida (sendo intempestivos, os embargos declaratórios não seriam conhecidos), como também permitirá ao réu maior vantagem processual, já que nos embargos infringentes o tema embargado é reexaminado por número maior de julgadores (cinco ou mais) do que ocorre nos embargos de declaração opostos contra acórdão da câmara (deliberados por três desembargadores). Outro aspecto a atentar refere-se à unirrecorribilidade (singularidade ou unicidade) recursal. De acordo com este postulado, existirá apenas um recurso para atacar cada decisão, conquanto se ressalvem dessa regra os recursos extraordinário e especial, que devem ser interpostos no mesmo prazo, como condição para suas admissibilidades, na hipótese de a decisão atacada assentar-se, respectivamente, em bases constitucionais e infraconstitucionais, consoante Súmula 283, do STF, e Súmula 126, do STJ. Percebam que a unirrecorribilidade tem em vista razão de segurança jurídica, evitando-se que, se interposta mais de uma irresignação contra a mesma decisão, delas resultem decisões contraditórias. No âmbito legislativo, o princípio justifica a norma do art. 593, § 4.º, do CPP, segundo a qual “quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra”. 17 É com base na unirrecorribilidade, também, que muitos entendem consubstanciada a preclusão consumativa de novas razões de recurso, oferecidas em complementação às primeiras já apresentadas, ainda que não vencido o prazo para arrazoar. Em outras palavras, se oferecidas duas razões recursais contra a mesma decisão, a segunda peça deve ser desconsiderada. Em homenagem ao mesmo postulado, tem-se entendido, igualmente, que, se da decisão condenatória foi interposto e arrazoado recurso pela defesa, não se devem conhecer de novo recurso e novas razões apresentadas por novo advogado constituído pelo réu dentro do prazo recursal. Tempestividade: Os prazos recursais são fatais, contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado, nos termos do art. 798 do CPP. Não obstante esta regra seja inequívoca, há algumas questões que, pela importância, devem ser analisadas. Vejamos: 1ª) Férias forenses: A questão relativa à fluência ou não de prazos no período de férias forenses encontra-se, de certo modo, prejudicada, em face do que dispõe o art. 93, XII, da Constituição Federal, introduzido pela EC 45 de 2004, e que exclui essa forma de paralisação das atividades, quando determina que seja ininterrupta a atividade jurisdicional; e, ainda, quando obriga, como consequência desse regramento, que haja juízes em plantão permanente mesmo nos dias em que não haja expediente forense normal. Atente-se que a extinção das férias coletivas pela citada emenda constitucional não atingiu os recessos, períodos nos quais os prazos, efetivamente, ficam suspensos. É o que ocorre, por exemplo, no 18 âmbito do Poder Judiciário da União, determinando a Lei 5.010/1966 o seu funcionamento apenas em regime de plantão no período compreendido entre 20 de dezembro e 6 de janeiro. Tendo em vista a previsão de tais recessos na esfera da Justiça Federal e ausência de idêntico sistema na Justiça dos Estados, o Conselho Nacional de Justiça, levando em conta que a existência de critérios conflitantes entre estas duas esferas quanto à suspensão do expediente forense é fator que “gera incerteza e insegurança entre os usuários da Justiça, podendo inclusive prejudicar o direito de defesa e a produção de provas”, deliberou por meio da Resolução 244/2016 que poderão os Tribunais de Justiça Estaduais suspender o expediente forense no período de 20 de dezembro a 6 de janeiro, desde que garantido o atendimento aos casos urgentes, novos ou em curso, por meio de sistema de plantões. Ora, implementada essa prática, ficam suspensos todos os prazos processuais, o que abrange, evidentemente, os prazos para interposição de recursos. Com isso, vemos que, apesar de os permissivos instituídos pela Lei 5.010/1966 e pela Resolução 244/2016 do CNJ não significarem, na ótica dos tribunais pátrios, em previsão de férias coletivas, e sim de um recesso facultado em determinado período, a verdade é que, na prática, não há qualquer distinção entre precitados institutos (férias coletivas e recesso), pois de qualquer modo ocorre a suspensão dos prazos processuais, sendo atendidas, unicamente, as hipóteses de urgência, em regime de plantão. 2ª) Prazo recursal para a defesa em relação à sentença condenatória: O prazo flui a partir da intimação ou da prática de ato que revele ciência inequívoca dos termos da sentença (carga dos autos, por exemplo). 19 No tocante ao defensor, caso se trate de procurador constituído, deverá ser intimado mediante publicação no órgão oficial (art. 370, § 1.º, do CPP), escrito ou eletrônico (Lei 11.419/2006), a ele assegurado o prazo recursal previsto em lei. No caso do defensor dativo, a sua intimação deverá ser pessoal (art. 370, § 4.º, do CPP), contando-se, também, o prazo de forma normal (está consolidada a orientação de que não há prazo em dobro aqui). Já para o defensor público, além de ser intimado pessoalmente, tem assegurado o prazo em dobro (art. 44, I, da Lei Complementar80/1994). Tratando-se do réu, sua intimação deverá ser feita pessoalmente. Não localizado, deverá ser intimado por edital, e, nesse caso, o prazo recursal somente correrá após o término do fixado no edital – 90 dias se for o caso de condenação a pena igual ou superior a um ano de prisão, e 60 dias se for o caso de condenação a outra pena (art. 392, §§ 1.º e 2.º, do CPP). Por muito tempo, compreendeu-se que, se tanto o defensor quanto o próprio réu, pessoalmente, possuem legitimidade para a interposição de recursos (art. 577, caput, do CPP), impunha-se a intimação de ambos em qualquer caso, não sendo suficiente a intimação de apenas um deles. Tal entendimento, na atualidade, não subsiste na sua plenitude, posicionando- se a jurisprudência no sentido de que o réu preso, de fato, deve ser intimado da sentença condenatória, pessoalmente. Agora, quanto ao réu solto, se assistido por advogado constituído, bastará a intimação deste último. Se, por outro lado, estiver sendo patrocinado por defensor público ou dativo, aí sim será preciso, assim como ocorre em relação ao preso, a sua intimação pessoal ou, se não localizado, por edital. E se, encontrando-se em liberdade o réu, ainda assim determinar o juiz a sua intimação da sentença, em que pese já tenha sido 20 intimado seu advogado constituído? Não há qualquer irregularidade nesse excesso de zelo do julgador. Na verdade, divide-se a jurisprudência quanto ao marco inicial do prazo para o ingresso do recurso cabível. Para uns, com efeito, na medida em que era desnecessária a intimação do réu, o prazo recursal terá início a contar da intimação do advogado constituído, sendo irrelevante a circunstância de o próprio réu, eventualmente, ter sido intimado em momento posterior a ele. Considere-se, por exemplo, que, da sentença condenatória, tenha sido o advogado do réu intimado no dia 1.º.03 (terça-feira), deixando de apelar no prazo legal (que se escoou no dia 07.03 – segunda-feira). De acordo com a orientação em exame, em caso como este, mesmo que venha o acusado a ser intimado da condenação posteriormente (de 08.03 em diante), não se reabrirá o prazo para a defesa técnica apelar da sentença. Se o fizer, tal apelação será intempestiva. Outra corrente, todavia, inclina-se em sentido oposto, compreendendo que o prazo recursal deve ser considerado a partir da última intimação, seja do advogado, seja do réu. Embora não se desconheça a existência de decisões monocráticas aderindo à primeira orientação citada, a verdade é que, em nível de colegiado, é a segunda corrente que prevalece na jurisprudência nacional, inclusive no STJ, sendo recorrentes os julgamentos dessa Corte no sentido de, se efetivada dupla intimação dos termos da sentença condenatória, vale dizer, não só do advogado, mas também do sentenciado, deverá prevalecer a data da última para início do prazo recursal. E se, aportando ao tribunal apelação interposta pelo advogado, constatar o órgão colegiado competente para o julgamento que não foi realizada a intimação do réu preso quanto à sentença condenatória? 21 Neste caso, a providência normalmente adotada no âmbito dos tribunais é a determinação de baixa do processo à vara de origem para que seja realizada a intimação do acusado, retornando, após, ao juízo ad quem para julgamento do recurso. E se, mesmo não ocorrendo a intimação pessoal do réu preso em relação à sentença condenatória, o tribunal realizar o julgamento do recurso interposto pelo advogado? Essa hipótese releva muito especialmente no caso de tomar ciência o réu da condenação após o julgamento do recurso interposto pelo advogado. Pois bem, sobre o tema, muitos entendem que o julgamento do recurso, na situação narrada, produz nulidade relativa, possibilitando às Instâncias Superiores (STJ e STF) a anulação daquele julgamento, desde que, evidentemente, ocorra a efetiva demonstração do prejuízo sofrido pelo réu em face da ausência de sua intimação pessoal, ou, ao menos, da grande probabilidade de ter ocorrido esse prejuízo (por ex., a situação em que o advogado, diante de condenação do réu pela prática de crime que negou ter praticado na fase do processo de conhecimento, recorrer unicamente da pena imposta). Outros, por uma questão de economia processual, reputam válido o julgamento realizado, conquanto se deva oportunizar ao réu, no prazo de cinco dias contados de sua intimação pessoal, interpor novo recurso a fim de impugnar questões eventualmente não tratadas na apelação anterior. E há quem defenda que nem o julgamento é nulo nem se deve facultar nova interposição recursal. Para estes, a deliberação, pelo tribunal, sobre o recurso interposto pelo advogado, ainda que à revelia da intimação pessoal do réu, produz preclusão consumativa. Existe alguma relevância jurídica no tocante à ordem cronológica de intimação do advogado e do réu quanto à sentença condenatória? 22 Existe linha de pensamento compreendendo que a intimação do defensor sempre deveria ser posterior à intimação do réu, sob pena de nulidade. Esse entendimento, contudo, é minoritário e absolutamente refutado pelos Tribunais Superiores, sendo reiteradas as decisões do STJ e do STF no sentido de que é indiferente qual deles for intimado em primeiro lugar. O professor Norberto Avena refere que a necessidade de intimação do réu preso e de seu defensor deve ser aplicada à intimação de acórdãos proferidos em sede de foro privilegiado (prerrogativa de função), pois nesses casos o Tribunal porta-se como 1.º grau, e não como 2.º grau de jurisdição, já que delibera sobre ação penal originária, e não sobre recurso da parte vencida. Tratando-se, contudo, de acórdão exarado a partir do julgamento de um recurso (caso em que o Tribunal estará agindo como 2.º grau), não se aplica esta regra, bastando a intimação do advogado pela imprensa oficial, ou pessoalmente quando se cuidar de defensor público e defensor dativo. 3ª) Prazo recursal para o Ministério Público: Vejam, independentemente do teor do art. 800, § 2º, do CPP, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, em 23.08.2017, do Recurso Especial 1.349.935/SE (submetido ao rito dos recursos repetitivos), ao discutir se a intimação do Ministério Público, realizada em audiência, determina o início do prazo para recorrer ou se o lapso recursal somente se inicia com a remessa dos autos com vista à instituição, fixou a tese no sentido de que “o termo inicial da contagem do prazo para impugnar decisão judicial é, para o Ministério Público, a data da entrega dos autos na repartição administrativa do órgão, sendo irrelevante que a intimação pessoal tenha se dado em audiência, em cartório ou por mandado”. Compreendeu o Tribunal, na oportunidade, que, embora seja natural, nos casos em que haja decisão proferida em audiência, as partes presentes (defesa e acusação) dela tomarem conhecimento, “essa 23 ciência do ato não permite ao membro do Ministério Público (e também ao integrante da Defensoria Pública) o exercício pleno do contraditório, seja porque o órgão Ministerial não poderá levar consigo os autos, seja porque não necessariamente será o mesmo membro que esteve presente ao ato a ter atribuição para eventualmente impugná-lo”. Diante dessa remodelação de entendimento pelo STJ, infere-se que, na atualidade, a despeito da literalidade do art. 800, § 2º, do CPP, os prazos para o Ministério Público, seja para manifestações no curso do processo (apresentação de memoriais, por exemplo), seja para interposição de recursos, sempre terão sua fluência a partir da data, certificada pelo cartório, de entrada do processo nos serviços administrativos do Ministério Público, sendo irrelevante, portanto, se a intimação do ato decisório ocorreu ou não em audiência. Percebam que tal orientaçãonão colide com a compreensão do STF sobre o mesmo tema, como ilustramos a partir do seguinte excerto: “o termo inicial da contagem do prazo recursal começa a contar do recebimento dos autos na secretaria ou no órgão administrativo do Ministério Público” (HC 171793 AGR, DJ 16.08.2019 Relatora: MIN. CÁRMEN LÚCIA). Interessante mencionar, inclusive, que, conforme referido no precitado aresto do STJ em alusão à posição do Excelso Pretório em torno do assunto, “o Ministro Roberto Barroso, ao analisar a Rcl. N. 17.694/RS (Dje 7/10/2014), destacou que há, em relação ao Ministério Público, uma prerrogativa de ser intimado pessoalmente e com vista dos autos, para qualquer finalidade”. Neste cenário, é possível afirmar que, tanto em nível de STJ quanto de STF a matéria está sedimentada nos mesmos termos. Vejam, por fim, que o Ministério Público não possui prazo em dobro para recorrer na esfera do processo penal, ao contrário do que ocorre no processo civil. 24 4ª) Prazo recursal e intimação por mandado ou precatória: Trata-se de questão sumulada pelo Supremo Tribunal Federal, dispondo o Enunciado 710, em decisão de 24.09.2003, que, “no processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”. 5ª) Prazo recursal e intimação por meio eletrônico (Lei 11.419/2006): A Lei 11.419/2006 permitiu a informatização de todos os processos judiciais, aplicando-se às esferas civil, penal e trabalhista, inclusive possibilitando, como regra, a comunicação de atos processuais – citações, intimações, notificações – por meio eletrônico (art. 1.º, caput e § 1.º). Mas atenção: no processo criminal, bem como nos feitos envolvendo a prática de ato infracional por adolescente, a citação fica afastada do permissivo legal (art. 6.º), não se admitindo seja feita on-line, o que se compreende em virtude da finalidade primordial desse ato de cientificar a acusação. Em seu art. 4.º, a Lei 11.419/2006 prevê a criação de um Diário de Justiça eletrônico, a ser disponibilizado pela internet, considerando- se oficiais as publicações nele constantes, com dispensa de quaisquer outras publicações, ressalvados, evidentemente, os casos em que a lei exigir vista ou intimação pessoal (Ministério Público, Defensor Público, Defensor Dativo e, em determinados casos, o próprio réu). Nos termos estabelecidos pela lei em exame, as publicações efetuadas na página oficial eletrônica serão consideradas como realizadas no primeiro dia útil seguinte ao da sua disponibilização no diário eletrônico, iniciando-se, portanto, a fluência dos prazos processuais no primeiro dia útil que se seguir (art. 4.º, §§ 3.º e 4.º). Agora, vamos tratar da regularidade formal na interposição. 25 Forma quanto à interposição: O art. 578 do CPP estabelece que os recursos serão interpostos por petição ou por termo nos autos. Importante lembrar que, diferentemente do que ocorre na esfera cível, no âmbito penal alguns recursos têm a sua interposição propriamente dita realizada em momento distinto daquele em que devem ser oferecidas as razões. Portanto, quando refere o citado artigo do Código de Processo Penal que a interposição será feita por petição ou por termo, não está se referindo às razões, mas tão somente ao ato da parte, manifestando, a quem de direito, seu desejo de ver reexaminada a decisão recorrida por um órgão jurisdicional superior. Logo: •Petição: é a manifestação escrita quanto à vontade de recorrer, ou seja, aquela realizada sob a forma de um requerimento, vulgarmente conhecida como a “folha de rosto” do recurso. •Termo: é a manifestação oral de irresignação, reduzida a escrito por quem tenha fé pública (p. ex, escrivão e oficial de justiça) ou presunção de autenticidade (como é o caso do juiz). Exemplo: Ao ser intimado da sentença condenatória pelo oficial de justiça, manifesta o réu sua vontade de recorrer. Neste contexto, exara o OJ certidão nos seguintes termos: “Certifico e dou fé que intimei o réu da sentença condenatória, entregando-lhe cópia dessa decisão bem como a contrafé. Na oportunidade, referiu ele sua vontade em recorrer da decisão”. É possível a interposição de recurso por e-mail? Não, segundo entendimento firmado no STF. Conforme esta Corte, muito embora a Lei 9.800/1999, como exceção à interposição direta de recurso, tenha permitido a utilização da transmissão de dados e imagens por meio de fac-símile ou outro 26 similar (condicionando-se a validade da interposição à posterior apresentação do original), tal previsão não confere respaldo à sua dedução por e-mail. Embora o art. 578 do CPP seja genérico, permitindo o entendimento de que qualquer recurso possa ser interposto, tanto por petição como por termo nos autos – até porque localizado esse dispositivo dentro do Capítulo I do Título II do Livro III do Código de Processo Penal, que trata das “disposições gerais” e dos “recursos em geral” –, a verdade é que, apesar de qualquer recurso poder ser interposto por petição, somente alguns podem ser deduzidos também por termo. Assim, podem ser interpostos por petição e por termo os recursos que, no ato da interposição, não precisam estar acompanhados das respectivas razões, sendo os seguintes: •Recurso em sentido estrito: interposição em cinco dias e posterior intimação para a apresentação das razões em dois dias (art. 586 c/c o art. 588 do CPP); •Apelação: interposição em cinco dias e posterior intimação para a apresentação das razões em oito dias (art. 593 c/c o art. 600 do CPP). Ressalve-se, aqui, a apelação em sede de Juizado Especial Criminal, pois, neste caso, o art. 82 da Lei 9.099/1995 prevê expressamente que a interposição deva ser feita, unicamente, por petição escrita, sendo que as razões já devem ser apresentadas no mesmo ato; •Agravo em execução: interposição em cinco dias e posterior intimação para a apresentação das razões em dois dias (por analogia ao recurso em sentido estrito, já que a Lei de Execução Penal não prevê forma e rito autônomos para esse recurso); •Carta testemunhável: requerimento em 48 horas e posterior intimação para a apresentação das razões no mesmo prazo das razões 27 do recurso denegado ou não encaminhado à instância superior (art. 640 c/c o art. 643 do CPP). Por fim, cabe mencionar a possibilidade de oposição, por escrito ou oralmente, dos embargos declaratórios previstos na Lei 9.099/1995. É que, neste caso, embora as razões devam acompanhar a manifestação inicial, a interposição por termo é autorizada expressamente pelo art. 83 da citada lei. Lembrem que tais embargos possuem prazo de cinco dias para serem opostos. Se não forem deduzidos oralmente na própria audiência, deverão ser apresentados em cartório, facultando-se, igualmente, a forma escrita ou oral. Neste último caso, entende a doutrina que deverá limitar- se o escrivão a consignar em termo, resumida e objetivamente, qual a insurgência da parte, não sendo razoável exigir-lhe que escreva texto sob ditado da parte, a título de razões de embargos. No tocante às demais hipóteses recursais, na medida em que exigem a apresentação de razões no mesmo ato da interposição e considerando que não há previsão legal autorizando a dedução oral, devem ser interpostas, unicamente, por petição escrita. É o caso, por exemplo, dos embargos declaratórios regulamentados pelo Código de Processo Penal, dos embargos infringentes, do recurso ordinário constitucional, do recurso especial, do recurso extraordinário, entre outros. Forma quanto às razões: No tocante às razões dos recursos, especialmente quando podem ser apresentadas em momento posterior ao da interposição, surgem as seguintes questões: 28 • Intempestividade das razões: o oferecimento tardiodas razões recursais traduz-se como mera irregularidade, não inviabilizando o pleno conhecimento do recurso. Nesse sentido o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça de que “a apresentação tardia das razões do recurso de apelação constitui mera irregularidade, não configurando intempestividade”. • Ausência de razões no recurso do Ministério Público: a motivação é uma das formalidades essenciais do recurso e se externa pela apresentação das razões. No caso de o Ministério Público deixar de arrazoar, há divergências. Para uns, a ausência de razões pelo parquet importa em nulidade, conduzindo ao não conhecimento da insurgência. A nulidade, sob essa ótica, decorre da aplicação do princípio da indisponibilidade da ação penal pública, sendo que a não apresentação de razões constitui uma forma de desistência tácita. Além disso, como o Ministério Público é obrigado a atuar em todos os termos da ação penal, não pode se recusar à prática de ato de ofício (no caso, a apresentação de razões). Por fim, devolvendo o recurso ministerial ao órgão ad quem o conhecimento apenas das matérias nele versadas, a ausência de razões impede que se detecte, exatamente, o objeto da interposição, além de dificultar a apresentação de contrarrazões pela defesa. Nestas condições, o recurso sem motivação equivale a uma impugnação inepta, não podendo ser conhecido. Outra posição, é no sentido de que a ausência de razões ao recurso ministerial não pode, de per si, importar desistência tácita, pois ao Ministério Público é vedada essa postura (art. 576 do CPP). Ademais, o art. 601 do CPP, tratando da apelação, é expresso em dispor que, “findos os prazos legais, os autos subirão ao Tribunal com as razões ou sem elas”, não especificando a condição do apelante. 29 Assim, a única condição que se deveria exigir para o conhecimento e julgamento do recurso acusatório desarrazoado é que tenha sido delimitado, na interposição, o objeto da insurgência, pois, caso contrário, não haveria, efetivamente, como o Tribunal conhecer da irresignação (pela inépcia, não pela desistência), em vista, como já se disse, do efeito devolutivo restrito que lhe é inerente. • Não oferecimento, pela defesa, de razões ao seu próprio recurso ou de contrarrazões ao recurso do Ministério Público: parcela da jurisprudência considera possível o conhecimento do recurso da defesa, ainda que sem as competentes razões, assim como do recurso da acusação sem que tenha o advogado constituído pelo réu apresentado contrarrazões – desde que tenha ocorrido, evidentemente, a intimação válida do causídico para essas finalidades. Neste sentido já se pronunciou o STF em diversas oportunidades. Outros reputam obrigatória a apresentação de mencionadas razões e contrarrazões, de modo que, aportando ao tribunal recurso sem estas peças, deverão os autos retornar à instância inferior para que seja o defensor novamente instado à sua apresentação. Não o fazendo, deveria ser intimado o réu para que constitua outro advogado e, se mesmo assim não forem apresentadas sobreditas razões e contrarrazões, proceda o juiz à nomeação de outro profissional exclusivamente para esses fins. No STJ, tem sido adotada esta última posição. Aqui, no TJPA, também. • Razões dissociadas dos fundamentos da decisão impugnada: trata-se da hipótese em que a parte sucumbente, nas razões recursais, não realiza impugnação específica sobre os fundamentos apontados na decisão judicial alvo do recurso, violando, com isso, o princípio da dialeticidade – princípio segundo o qual o recorrente tem o dever de indicar os motivos de sua contrariedade com a decisão recorrida e as razões pelas quais pretende seu reexame. 30 Em se tratando da defesa, tem sido bastante discutida a possibilidade de o tribunal deixar de conhecer recurso com razões dissociadas dos termos da decisão recorrida, em face da regra do efeito devolutivo integral dos recursos do réu, sendo prevalente a orientação no sentido de que não deve ficar prejudicado o exame da impugnação pelo Colegiado, salvo, por óbvio, nas hipóteses de insurgências absolutamente genéricas, que impeçam a outra parte de exercer o contraditório e desrespeitem, em consequência, o postulado do devido processo legal. Todavia, sendo o caso de recurso da acusação, são frequentes as decisões em sentido oposto, vale dizer, de que, encontrando-se as razões recursais dissociadas dos termos da decisão recorrida, deve-se reconhecer a inépcia da peça recursal, já que “as razões recursais e a sua correlação com os fundamentos que embasaram a decisão recorrida são elementos imprescindíveis para a certificação de regularidade da peça de interposição do recurso”. Mas atenção: todos concordam que, quer para a acusação, quer para a defesa, a violação ao princípio da dialeticidade impede o conhecimento dos recursos em duas hipóteses: uma, quando se trata de recursos extraordinário e especial, tendo em vista os termos da Súmula 284, do STF, (relativa ao recurso extraordinário, mas aplicada, por analogia, também ao recurso especial), dispondo que “é inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”; e, outra, quando é o caso de recurso contra decisões proferidas no âmbito do Tribunal do Júri, situação que é explícita na Súmula 713, do STF, ao apontar que “o efeito devolutivo da apelação contra decisões do Júri é adstrito aos fundamentos de sua interposição”. Preparo: O art. 806, § 2.º, do CPP estabelece que a ausência de preparo importa em deserção do recurso. 31 Esta regra aplica-se apenas aos casos de ação penal privada e destina-se, única e exclusivamente, ao querelante, não se aplicando aos demais legitimados recursais. Afinal, em primeiro lugar, quanto ao Ministério Público, obviamente, este não está sujeito a pagamento de custas em nenhuma das esferas perante as quais atua (cível, criminal, infância e juventude etc.). No que tange ao assistente de acusação, a despeito de existirem controvérsias, a verdade é que não existe previsão legal de preparo. Por outro lado, quanto ao recurso da defesa, chegou a ser discutida a necessidade de preparo. Não obstante, na atualidade, a posição majoritária é a de que o réu apenas deverá ser intimado para o pagamento das custas após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Ainda a respeito do preparo pelo réu, Guilherme de Souza Nucci entende que, tratando-se de crime de ação penal privada, ao querelado, sendo pessoa bem provida financeiramente, também assiste a obrigação de efetuar o preparo do recurso sob pena de deserção. O professor Avena, discorda. Isso porque não há razão para distinção entre o réu na ação pública e o réu na ação privada, a ponto de, neste último caso, poder-lhe ser exigido o pagamento de custas como condição para recorrer. Além do mais, como seria feita a constatação da boa ou má situação econômica do querelado para decidir o magistrado no sentido da exigência ou não de preparo? Haveria, nesse caso, mais um incidente processual, sujeito à tramitação e à interposição de recursos, retardando ainda mais o julgamento do recurso e o consequente trânsito em julgado da decisão. Por fim, não se pode ignorar que, encontrando-se em jogo a liberdade do réu, mostra-se temerária a exigência de pagamento de custas como condição do recurso, já que eventual má apreciação do juiz quanto à condição econômica do condenado poderia redundar em lhe obstar a dedução da competente via recursal, impedindo-se, destarte, o acesso ao duplo grau, conforme facultado pela Constituição Federal. 32 Nesse contexto, conclui-se que apenas ao querelante, na ação penal privada, assiste a obrigação de preparo dos recursos, sob pena de deserção. Dúvida há se tal obrigatoriedadeexiste tanto na ação penal privada exclusiva quanto na subsidiária. Concordamos com a posição de que o dever existe apenas na ação penal privada exclusiva. Isso porque, na subsidiária, considerando que atua o querelante em lugar do Ministério Público, não pode ser submetido ao pagamento de custas ou outras despesas, uma vez que o interesse que está em discussão, em última análise, é o público e não o privado. PRESSUPOSTOS RECURSAIS SUBJETIVOS: Vamos agora analisar a legitimidade/legitimação e interesse/existência de um gravame. Legitimidade para a interposição do recurso O art. 577, caput, do CPP estabelece que são legitimados para a dedução recursal, no polo ativo, o Ministério Público e querelante, e, no polo passivo, o réu (pessoalmente), seu procurador ou seu defensor. Evidentemente, esse artigo trata apenas da legitimidade para manifestar a vontade em recorrer, pois, no tocante às razões, não poderá apresenta-las, por exemplo, o réu que não seja advogado. Do comando do dispositivo, dois aspectos importantes sobressaem: primeiro, a questão da legitimação pessoal do réu para recorrer; e, segundo, a ausência do assistente de acusação no rol de legitimados recursais. Analisemos: 1. Faculdade outorgada ao réu de, pessoalmente, interpor recursos: trata-se de previsão restrita à manifestação de vontade em recorrer, e, ainda assim, aplicável unicamente aos casos em que a lei permite a apresentação de razões em momento posterior à interposição. 33 O art. 577, caput, do CPP, com efeito, não confere ao réu sem capacidade postulatória o poder de arrazoar recursos, pois isto constitui ato privativo de advogado. Tanto é que, em se tratando de impugnações que exijam razões contemporâneas à interposição, inexiste a possibilidade de o acusado impugnar pessoalmente a decisão judicial. Exemplos: • Faculta-se ao réu, quando intimado pelo oficial de justiça em relação à decisão de pronúncia, manifestar a ele seu desejo em recorrer. Certificada essa vontade pelo OJ, considera-se interposto o recurso em sentido estrito, bastando ao juiz intimar a defesa técnica para apresentar as respectivas razões. Isso porque o RESE é modalidade impugnativa que contempla duas fases na sua dedução: uma, a interposição, em cinco dias (art. 586 do CPP); outra, a apresentação de razões em dois dias (art. 588 do CPP). • Não será lícito ao réu, porém, ingressar, pessoalmente (salvo se detiver capacidade postulatória), com recurso especial contra acórdão proveniente de tribunal de justiça, pois se trata esse recurso de insurgência que, obrigatoriamente, deve ser interposta já com as razões, ex vi dos arts. 321 do RISTF, 255 do RISTJ e 1.029 a 1.041 do CPC/2015 (estes últimos aplicáveis à esfera criminal por analogia, em face da revogação expressa do art. 26 da Lei 8.038/1990 pelo art. 1.072, IV, da Lei 13.105/2015). E, para razões, exige-se subscrição de advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB. 2. Ausência do assistente de acusação no rol de legitimados do art. 577 do CPP: Essa omissão não decorreu de impropriedade legislativa tampouco de um descuido do legislador. Em verdade, o assistente de acusação não está previsto no referido dispositivo como legitimado recursal, porque nele estão 34 arrolados os sujeitos processuais que podem ingressar com qualquer recurso entre os previstos em lei. São os chamados legitimados gerais, nos quais não se enquadra o assistente do Ministério Público, cuja legitimidade é restrita e subsidiária (supletiva). 2.1 Legitimação restrita: Diz-se restrita a legitimação do assistente, porque, em tese, somente poderá ele recorrer nos casos expressamente previstos em lei, quais sejam: a) Apelar da sentença, com fundamento no art. 598 do CPP; b) Apelar da decisão de impronúncia, com fundamento no art. 584, § 1.º, c/c os arts. 416 e 598 do CPP; c) Recorrer em sentido estrito da decisão que julgar extinta a punibilidade pela prescrição ou outra causa, com base no art. 584, § 1.º, c/c o art. 598 do CPP. Há, ainda, súmula estabelecendo o cabimento do recurso do assistente de acusação em relação ao recurso extraordinário, mas unicamente naqueles casos em que poderia ele recorrer das decisões do juiz singular, acima citados. Trata-se da Súmula 210 do STF, dispondo que “o assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1.º, e 598 do CPP”. Vejam que a citada súmula, hoje, deve ser interpretada extensivamente ao recurso especial, que nela não está previsto, unicamente, porque à época de sua edição não existia esse recurso, introduzido a partir da Constituição Federal de 1988. 35 Embora não haja expressa previsão legal, o professor Norberto Avena entende que é preciso facultar legitimação recursal ao assistente, também, na hipótese de absolvição sumária prevista nos arts. 397 e 415 do CPP. Porque, se pode o assistente se insurgir contra a decisão de impronúncia, que não impede o oferecimento de nova ação penal contra o réu se outras provas surgirem, não há razão para que não possa se voltar, também, contra a absolvição sumária, que se reveste de caráter definitivo e, uma vez transitada em julgado, é imodificável mesmo diante de novos elementos. Particularmente, entendo equivocada a posição do Avena, forte no princípio da legalidade, e no brocardo hermenêutico a maiori, ad minus. Ora, se a hipótese fosse inversa, e houvesse previsão de que pode o assistente recorrer da decisão de absolvição sumária, aí, sim, justificada a legitimidade recursal do assistente para recorrer da impronúncia, já que, como é certo, quem pode o mais, pode o menos. E quanto à decisão do juiz que, no procedimento do júri, desclassifica a infração penal imputada para outra não dolosa contra a vida, nos termos do art. 419, do CPP? De fato, nem o art. 598 nem o art. 584, § 1.º, do CPP, contemplam faculdade recursal ao assistente para insurgir-se em relação à desclassificação operada na fase da pronúncia. Apesar disso, a jurisprudência majoritária, inclusive o STJ, tem compreendido no sentido de que o assistente pode, sim, recorrer nessa hipótese, justificando esta orientação no argumento de que a desclassificação se equipara à decisão de impronúncia, decisão esta que comporta recurso do assistente. O professor Avena assevera que também deve ser admitida a legitimação do assistente ministerial para usar dos recursos cabíveis na hipótese de o recurso que a lei lhe faculta não ser recebido pelo juiz. Do contrário, ficaria o assistente à mercê da vontade do magistrado, pois, eventualmente denegada sua impugnação, nada poderia opor. 36 Assim, não recebida, por exemplo, a apelação contra a sentença que absolveu o réu, faculta-se ao assistente atacar essa decisão por meio de recurso em sentido estrito lastreado no art. 581, XV, do CPP. Denegado que venha a ser esse recurso, nada lhe obsta a utilização de carta testemunhável (art. 639, I, do CPP) para insurgir-se contra essa decisão, pois a carta é o recurso cabível contra a decisão do juiz que não recebe o RESE. Por fim, vejam o teor da Súmula 208 do STF, no sentido de que “o assistente do Ministério Público não pode recorrer, extraordinariamente, da decisão concessiva de habeas corpus”. 2.2 Legitimação subsidiária ou supletiva: Diz- se subsidiária ou supletiva a legitimidade recursal do assistente porque, mesmo nas hipóteses em que pode se insurgir, fica ele condicionado a que não tenha o Ministério Público recorrido da respectiva decisão. E se o Ministério Público interpuser recurso contra a decisão judicial? Neste caso, é necessário distinguir duas situações: a) Sendo parcial o recurso do Ministério Público, poderá o assistente insurgir-se em relação à parte da decisãonão abrangida pela impugnação do Promotor de Justiça. b) Abrangendo o recurso ministerial toda a decisão recorrida, apenas poderá o assistente arrazoar tal insurgência. Neste caso, o recurso do Ministério Público terá duas razões recursais: as oferecidas pelo próprio promotor de justiça recorrente e aquelas deduzidas pelo assistente. Isto se extrai da parte final do art. 271 do CPP, quando refere que o assistente poderá “arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1.º, e 598”. A exegese deste artigo permite concluir que o 37 assistente de acusação poderá arrazoar todo e qualquer recurso interposto pelo Ministério Público, mas, quanto aos por ele próprio interpostos, apenas poderá oferecer razões nas hipóteses dos arts. 584, § 1.º, e 598, porque, simplesmente, apenas nestes casos é que pode ele recorrer. Vejam a existência de orientação jurisprudencial no sentido de que a legitimação supletiva do assistente para recorrer condiciona-se não apenas à inércia do Promotor de Justiça (ou Procurador da República) diante de sentença absolutória, de decisão de impronúncia ou de decisão extintiva da punibilidade, mas também ao fato de que não tenha ele (Ministério Público) buscado estas soluções em suas manifestações no processo. Segundo esta orientação, se o Ministério Público, por exemplo, inclinou-se, em razões finais, pela absolvição do réu e foi este, de fato, absolvido pelo Juiz, descabe recurso do assistente. O exercício da legitimidade recursal do assistente exige que esteja ele previamente habilitado nos autos por decisão judicial? A regra geral é a de que, para a prática de qualquer ato no processo, entre os elencados no art. 271 do CPP, necessita o assistente de acusação requerer previamente ao juiz a sua habilitação, comprovando sua legitimidade. Entretanto, para recorrer, nas hipóteses em que isto lhe é facultado, não é necessária essa habilitação prévia, valendo a própria interposição como pedido implícito de habilitação. Evidentemente, nessa hipótese, o recurso deverá estar instruído com a prova de que se trata o recorrente de uma das pessoas arroladas no art. 268 do CPP, ou seja, aquelas que podem figurar como assistente do Ministério Público na ação penal pública. Qual o prazo de que dispõe o assistente para interpor apelação e recurso em sentido estrito nos casos em que a lei lhe faculta esses 38 recursos? Embora o Código de Processo Penal tenha previsto que o prazo do recurso do assistente será de 15 dias e que este começará a fluir a partir do dia em que terminado o prazo do Ministério Público (art. 598, parágrafo único), o entendimento consolidado na jurisprudência é o de que tal prazo somente correrá nesses termos quando se tratar de assistente não previamente habilitado. Tratando-se de assistente habilitado, tem-se compreendido que o prazo recursal será de cinco dias, o que corresponde ao prazo normal da apelação e do recurso em sentido estrito. Considera-se que, sendo habilitado, é o assistente intimado formalmente da decisão judicial, não havendo motivo, portanto, para a concessão de prazo três vezes maior do que terá, por exemplo, o Ministério Público para recorrer da mesma decisão. O próprio defensor público possui prazo em dobro, e não em triplo. Por outro lado, em relação às demais impugnações facultadas ao assistente por força da interpretação da Súmula 210 do STF, o prazo recursal será o normal, vale dizer, aquele ordinariamente previsto para os respectivos recursos, haja vista a falta de disposição legal contemplando lapso maior para interposição. Atentem para o início da contagem, que sempre ocorrerá após o término do prazo do Ministério Público. Interesse em recorrer O interesse está previsto no art. 577, parágrafo único, do CPP, dispondo que não se admitirá recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão. É preciso, em síntese, que haja sucumbência, ou seja, disparidade entre o que foi postulado pela parte e o que foi deferido pelo juiz. Embora não haja maiores dificuldades na verificação desse pressuposto, existem algumas questões que merecem destaque. São elas: 39 1. Interesse do réu em recorrer da sentença absolutória: o tema é consolidado no sentido de que o réu, mesmo absolvido, poderá apelar da sentença absolutória em duas situações: a) Quando pretender modificar o fundamento da absolvição com o objetivo de afastar eventual responsabilidade civil. Com efeito, apesar da regra inscrita no art. 935, 1.ª parte, do Código Civil, dispondo que a responsabilidade civil é independente da criminal, existem situações de absolvição penal que vinculam o juízo civil, afastando, definitivamente, a obrigação de indenizar. São elas: • Absolvição com base no art. 386, I, do CPP (estar provada a inexistência do fato), que faz coisa julgada no juízo cível por força do art. 935, 2.ª parte, do CC; • Absolvição com base no art. 386, IV, do CPP (estar provado que o réu não concorreu para a infração), que produz coisa julgada no juízo cível também em razão do art. 935, 2.ª parte, do CC; • Absolvição com base no art. 386, VI, 1.ª parte, do CPP (prova da ocorrência de causa que exclua o crime), que afasta a obrigação de indenizar em razão do art. 65 do CPP. Logo, se for o réu absolvido por qualquer outra razão que não uma destas (p. ex. art. 386, II, que se refere à absolvição em face da ausência de provas da existência do fato), poderá apelar da sentença para modificar a motivação da decisão judicial, visando, assim, eximir-se de uma eventual demanda judicial de reparação de danos de parte do ofendido. E se o crime pelo qual absolvido o réu, no contexto em que praticado, não tiver produzido dano indenizável? Ilustra-se: determinado indivíduo é processado criminalmente pelo crime de embriaguez ao volante, 40 tipificado no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, sendo absolvido com base no art. 386, VII, do CPP (ausência de provas suficientes para a condenação – fundamento que não gera coisa julgada cível). Neste cenário, em que pese nenhum dano cível tenha resultado do fato (p. ex., acidente de trânsito, com danos materiais) recorre a defesa requerendo seja mantida sua absolvição, porém com fulcro no art. 386, I, do Código de Processo Penal (comprovada a inexistência do fato – fundamento que produz coisa julgada cível). Este recurso não deverá ser conhecido em face da ausência de interesse em recorrer. Isto porque, embora tenha sido o acusado absolvido por motivo diverso dos que geram coisa julgada cível (art. 386, I, IV e VI, 1.ª parte, do CPP), não estará ele sujeito, na hipótese, a responsabilização na esfera cível, dado à inexistência de dano a ser reparado. Logo, não há razão para buscar a modificação do fundamento da sentença absolutória. b) Quando tiver sido o réu absolvido impropriamente, vale dizer, com a imposição de medida de segurança. Nesta hipótese, poderá o acusado insurgir-se contra a sentença absolutória visando retirar a medida de segurança imposta. Cabe lembrar que tal modalidade de absolvição (imprópria) apenas é admitida ao indivíduo que era, ao tempo do fato, totalmente incapaz de compreender o caráter ilícito de suas ações e de se autodeterminar de acordo com este entendimento (art. 26, caput, do CP), assim reconhecido em incidente de insanidade mental instaurado no curso do inquérito policial ou do processo criminal. 2. Interesse do assistente de acusação em recorrer para aumentar a pena do réu em caso de sentença condenatória: por muito tempo vigorou nos tribunais pátrios a posição de que não haveria esse interesse. Considerava-se, pois, que o objetivo do assistente, na ação penal pública, seria, unicamente, o de auxiliar o Ministério