Prévia do material em texto
NUTRIÇÃO E CIRURGIA Nos pacientes cirúrgicos, complicações como cicatrização anormal, deiscência de ferida operatória, deiscência de anastomoses e maior probabilidade de infecção podem ocorrer quando uma avaliação nutricional e/ou um suporte nutricional não são realizados ou prescritos de forma incorreta. Além disso, o desgaste muscular pode dificultar o desmame da ventilação mecânica em doentes desnutridos. Sabemos que nutrir o paciente de forma adequada, tanto no pré como no pós-operatório, melhora de forma inquestionável sua evolução, reduzindo a taxa de complicações, a mortalidade e o tempo de internação hospitalar. Fatores como faixa etária, comorbidades e estilo de vida também interferem expressivamente nas condições nutricionais durante o período perioperatório. Desnutrição pode ser definida como um estado de deficiência energética, de proteínas e de micronutrientes, que altera não só a estrutura tecidual, mas também a função de órgãos e sistemas. NO JEJUM: As alterações endócrinas e as modificações no metabolismo que ocorrem no jejum se assemelham muito com as da resposta ao trauma, porém em menor intensidade. Em indivíduos que não se alimentam, observamos níveis de insulina suprimidos acompanhados de elevação nos níveis de glucagon, de catecolaminas e de cortisol. O glicogênio hepático é rapidamente consumido, em 12 a 24 horas, esgotando o armazenamento de glicose. As alterações hormonais descritas estimulam a lipólise e a proteólise, com o objetivo de fornecer substratos ao fígado para o processo de gliconeogênese. Isto ocorre porque o sistema nervoso central, hemácias, leucócitos e medula adrenal utilizam somente glicose como fonte energética. Sendo assim, o organismo tem que se virar para continuar ofertando glicose para estes tecidos. A proteólise libera aminoácidos e a lipólise, degradando triglicerídios da gordura, libera glicerol e ácidos graxos para a corrente sanguínea. Aminoácidos e glicerol são utilizados como substratos no processo de gliconeogênese hepática. Os ácidos graxos não são “aceitos” na via metabólica da gliconeogênese, porém são utilizados diretamente por diversos tecidos como fonte de energia. Com aproximadamente 24horas de jejum, os ácidos graxos livres começam a se dirigir ao fígado, onde são transformados em corpos cetônicos na vida de betaoxidação. Neste momento, o sistema nervoso central passa a aproveitar progressivamente corpos cetônicos como fonte de energia, uma forma inteligente de poupar glicose. Na realidade, o tecido neuronal com esta alteração em seu metabolismo acaba lentificando o processo de proteólise (pois esta via fornece aminoácido para se transformar em glicose na gliconeogênese). Embora a cetogênese de alguma forma “salve” o indivíduo temporariamente, o processo leva a cetoacidose. Uma ingesta de 400kcal, o que está abaixo das necessidades calóricas diárias do paciente, impedirá o processo de cetogênese, mas será insuficiente para extinguir totalmente as alterações hormonais e metabólicas descritas. AVALIAÇÃO NUTRICIONAL A determinação do estado nutricional deve ser considerada parte essencial da avaliação de doentes cirúrgicos. Aplicada de maneira correta é capaz de estabelecer a maneira ideal de se nutrir o paciente, tanto antes da cirurgia quanto no pós-operatório. Embora parâmetros laboratoriais sejam recomendados na avaliação, nada substitui uma anamnese e um exame físico adequadamente conduzidos. História clínica: a desnutrição é encontrada com maior frequência em paciente que na história clínica apresenta um ou mais desses achados: perda ponderal, anorexia, incapacidade de realizar atividades habituais e presença de condições que interferem na alimentação. Exame físico: devemos pesquisar achado clínicos que denotam carência nutricional importante, tais como, edema corporal (hipoproteinemia), perda de massa muscular e lipídica (consumo de gordura de Bichart e temporal), fraqueza muscular aos mínimos esforços e palidez. Pacientes com qualquer uma das características abaixo estão em alto risco de apresentar desnutrição: ▪ IMC 10% do peso habitual; ▪ Ingesta insuficiente de alimentos ou jejum por mais de 5 dias; ▪ História de doenças associadas à má absorção, fístulas entéricas, abscessos drenados, complicações graves da ferida operatória; ▪ Estados hipermetabólicos: sepse, queimadura, febre prolongada, trauma; ▪ Abuso de álcool ou uso de medicações que prejudiquem a ação de nutrientes ou provoquem hipercatabolismo: glicocorticoides, antimetabólitos, imunossupressores, agentes antitumorais; ▪ Péssimas condições de habitação e higiene, isolamento, idade avançada. ● Avaliação Antropométrica: A antropometria se refere à medida do tamanho e da proporção do corpo humano. As medidas mais comuns são peso, estatura, prega cutânea tricipital e circunferência do braço. ● Inquéritos Alimentares: Servem para avaliar a quantidade e a qualidade da dieta do paciente pela análise do relato dos alimentos ingeridos. Existem vários métodos para análise da ingestão de nutrientes. O diário alimentar é um instrumento no qual o próprio paciente escreve diariamente o que ingere em cada refeição. ● Avaliação Laboratorial: Algumas medidas bioquímicas permitem avaliar o comprometimento metabólico dos compartimentos relativos à massa proteica somática e massa proteica visceral. Nas situações de enfermidade, o catabolismo proteico intenso e agudo compromete a integridade dos órgãos. Ocorre mobilização da proteína visceral e, consequentemente, redução significativa da massa proporcional à perda de peso. O fígado é um órgão que sofre expressiva alteração em proporção ao tempo e intensidade do processo de desnutrição. A dosagem de certas proteínas sintetizadas por este órgão, em associação com outros parâmetros, auxilia no diagnóstico nutricional. ▪ Albumina: é uma proteína extracelular importante na manutenção da pressão oncótica plasmática. Possui meia-vida de 18 a 20 dias e é sintetizada no tecido hepático. Durante a desnutrição, a diminuição da albumina no sangue pode se manifestar sob a forma de edema. Porém, a manifestação subclínica da hipoalbuminemia, ainda que não resulte em passagem de líquido para o espaço extracelular, constitui um indicador de risco nutricional para o paciente cirúrgico. A hipoalbuminemia, como indicador de comprometimento nutricional, deve ser analisada em conjunto com as demais informações sobre o estado clínico. Na presença de doença hepática e nas situações de injúria grave, a síntese de albumina é alterada, seja em função da insuficiência hepática ou devido ao desvio na síntese de albumina em favor da maior produção de proteínas de fase aguda. Neste caso, instala-se quadro persistente de hipoalbuminemia, mesmo na vigência da terapêutica nutricional. ▪ Transferrina: esta proteína, de síntese hepática, importante no transporte sérico de ferro, apresenta meia-vida de 7 a 8 dias, inferior à da albumina. É, portanto, um indicador mais sensível para as situações de desnutrição aguda, associada às enfermidades graves. Nos indivíduos hepatopatas e nas condições de anemia importante, este método tem sua aplicabilidade restrita. ▪ Pré-albumina: da mesma forma que a albumina, nas situações de enfermidade hepática, esta medida perde seu valor para risco nutricional. ▪ Balanço nitrogenado ▪ Linfócitos: a desnutrição pode alteração a contagem total de linfócitos periféricos, que deve ser analisada pela seguinte fórmula: CTLP: % linfócitos X leucócitos / 100. ABORDAGEM À NUTRIÇÃO ARTIFICIAL: O suporte nutricional e sua via de administração estarão na dependência de fatores como viabilidade do trato gastrointestinal, estado clínico do paciente e presença ou não de doenças subjacentes. A nutrição enteral apresenta uma eficácia superior a parenteral, principalmente em doentes sépticos ou em vítimas de queimaduras extensas. A utilização do trato digestivo é benéfica, pois mantém o trofismo da mucosa e ainda permite o funcionamento adequado do fígado. Mesmo naqueles pacientes onde anutrição parenteral tem indicação inquestionável, o ideal é que administremos pelo menos 20% das necessidades calóricas total pela via enteral. Nesses casos, assim que o trato gastrointestinal recuperar sua plena função, a administração de nutrientes passará a ser totalmente feita pela via entérica. Condições que sugerem início de suporte nutricional: ▪ Estado nutricional precário. Ingesta oral