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Capa_final_CAD_PED_2024 B.pdf 1 15/08/2024 11:58:54 Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra Caderno Pedagógico 2024 : nº 6. -- 1. ed. -- São Paulo : Ática, 2024. ISBN 978-65-267-0304-5 1. Educação 2. Ciências sociais 3. Sustentabilidade 4. Qualidade de vida 5. Cultura e tecnologia 24-3963 CDD 370 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Direção executiva de negócio e editorial: Flavia Alves Bravin Direção de negócio: Volnei Korzenieski Gestão editorial: Lidiane Vivaldini Olo Gerência de conteúdo: Alice Ribeiro Silvestre Gestão Acadêmica e de Serviços Educacionais: Renata Rossi Fiorim Siqueira Coordenação do Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação: Helga Vanessa Assunção de Souza Cezar Coordenação da equipe de Assessoria Pedagógica: Rosana Marcia Almeida de Matos Moura Aguiar e Wberlania Andrade Wanderley Oliveira Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação: Alessandro Lombardi Crisostomo, Claudinéa de Araujo Batista, Kamil Giglio e Nadiana Lima da Silva Edição: Helga Vanessa Assunção de Souza Cezar Planejamento e controle de produção: Vilma Rossi e Camila Cunha Revisão geral: Poética Linguagem e Desenvolvimento, Helga Vanessa Assunção de Souza Cezar e Nadiana Lima da Silva Revisão técnica: Alessandro Lombardi Crisostomo, Claudinéa de Araujo Batista, Kamil Giglio e Nadiana Lima da Silva Edição de arte e design: Marcela de Holanda Peixoto Diagramação: Edson Figueiredo Licenciamento e iconografia: Roberta Bento (ger.), Iron Mantovanello (coord.), Thaisi Albarracin Lima, Douglas Cometti, Claudia Balista, Roberta Freire, Mariana Valeiro, Paula Squaiella, Alice Matoso (pesquisa e licenciamento), Fernanda Crevin (tratamento de imagens), Liliane Rodrigues, Raísa Maris Reina, Ligia Dona, Daniel Scucuglia, Sabrina Regina de Marinho, Sueli Ferreira e Beatriz Alves dos Santos (analista de licenciamento). Ilustração de capa: Marcela de Holanda Peixoto Todos os direitos reservados por Editora Ática S.A. Alameda Santos, 960, 4o andar, setor 1 Cerqueira César – São Paulo – SP – CEP 01418-002 Tel.: 4003-3061 www.edocente.com.br atendimento@aticascipione.com.br 2024 Código da obra CL 721854 CAE 875456 1a edição 1a impressão Envidamos nossos melhores esforços para localizar e indicar adequadamente os créditos dos textos e imagens presentes nesta obra didática. Colocamo-nos à disposição para avaliação de eventuais irregularidades ou omissões de créditos e consequente correção nas próximas edições. As imagens e os textos constantes nesta obra que, eventualmente, reproduzam algum tipo de material de publicidade ou propaganda, ou a ele façam alusão, são aplicados para fins didáticos e não representam recomendação ou incentivo ao consumo. Impressão e acabamento Angélica Ilacqua - CRB-8/7057 Construindo um futuro responsável por meio de uma educação sustentável Ética e mídias digitais: complementares e indissociáveis Quanto mais diversidade, mais cultura Valorização do multiculturalismo Apresentação CAPÍTULO 1 CAPÍTULO 2 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 6 9 18 27 37 Sumário Os lares que nos constituem O que são e para quem são os direitos humanos? Quem transita quer respeito! Crianças e adolescentes têm direitos? Têm, sim senhor! Precisamos falar sobre etarismo CAPÍTULO 5 CAPÍTULO 6 CAPÍTULO 7 CAPÍTULO 8 CAPÍTULO 9 46 54 64 72 80 Saúde e bem-estar: pilares para uma vida plena e equilibrada Mundo do trabalho e dignidade. Como relacioná-los na escola? Como a educação financeira colabora para alicerçar o futuro? CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 Sequência de Pautas Formativas Referências bibliográficas 89 98 108 117 121 6 Caminhos entrelaçados: os Temas Contemporâneos Transversais na Educação A sexta edição do Caderno Pedagógico é pautada pela metáfora “do co- ser”, uma vez que remete à ideia de unir e aproximar. É ela quem alinhava todas as partes do material, bem como o nosso intuito de estarmos cada vez mais próximos de discussões essenciais à Educação. Desse modo, cada capítulo é um retalho que, ao se entrelaçar com os outros, desenvol- ve a trama que conduz à obra. Comecemos nossa costura por meio de uma primeira indagação: o que é contemporâneo? Talvez, surja logo à mente a ideia de tempo presente, algo atual. No entanto, se pararmos para pensar com cautela, iremos perceber que tudo é cíclico. A moda, por exemplo, costuma ir e voltar: ombreira, saia balonê, calça boca de sino etc. já foram tendência em uma determina- da época e voltaram depois de um certo tempo. De forma repaginada, com outros nomes, tecidos, cores (que, por sinal, mudam constantemente de nome: branco gelo, pérola, off-white), atendendo às demandas da socieda- de. Algo antigo pode tornar-se obsoleto e, depois, contemporâneo nova- mente; algo pode ser sempre contemporâneo, e algo novo pode surgir na contemporaneidade. No âmbito educacional, não é diferente. Daí a perti- nência em trazermos mais um retalho à tona: os Temas Contemporâneos Transversais (TCT). Ilu st ra çõ es : M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra Apresentação “É preciso estar presente para saber para onde o caminho aponta. Ser o fio, a mão que tece”.* Laura Berbert * Trecho da postagem disponível em: https://www.instagram.com/p/C0tm-hWO_Qj/. https://www.instagram.com/p/C0tm-hWO_Qj/ 7 Os TCT são, de fato, contemporâneos? Os Temas Transversais já existem desde 1997 nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Eram organizados em seis macroáreas: ética, saúde, meio ambien- te, trabalho e consumo, orientação sexual e pluralidade cultural. Com o surgimento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2018, os Temas Transversais ganharam uma nova adjetivação – Te- mas Contemporâneos Transversais –, e as seis macroáreas passaram por algumas mudanças: meio ambiente, ciência e tecnologia, mul- ticulturalismo, economia, saúde, cidadania e civismo. Como can- tava Elis Regina, “o novo sempre vem”; e ele chega com uma nova roupagem, mesmo que essa roupa seja reaproveitada por meio de uma customização, um novo corte, um novo molde. Cabe a quem repagina no presente “saber para onde o caminho aponta”. Muitos TCT são perenes. Falar sobre meio ambiente em sala de aula, por exemplo, é sempre importante. Um tema atual, que já foi menos de- batido, devido à pouca importância dada a ele em outro momen- to. Hoje, diante das mudanças climáticas que têm afetado intensa- mente o nosso modo de vida, tornou-se cada vez mais recorrente e urgente conscientizar a população mundial acerca da preservação do meio ambiente para garantir a sobrevivência humana. Por outro lado, há alguns anos, em tempos analógicos, quase não tínhamos discussões sobre tecnologia digital. Todas essas razões justificam a importância de entremear o termo “Contemporâneo” aos Temas Transversais. Assim como refletimos sobre o termo “Contemporâneo”, pode- mos fazer várias alusões ao que é “Transversal”. Qual é a primeira coisa que vem à nossa mente? Transversal lembra uma rua, uma linha oblíqua, um instrumento (flauta transversal), uma bolsa usa- da de modo transversal. São muitas opções, cada qual com o seu objetivo: sinalizar/localizar (ruas e retas), tocar (instrumento), equi- librar o peso (bolsa) etc. Uma transversal atravessa, cruza, corta. Dessa maneira, os TCT assumem o papel de atravessar todos os componentes curriculares, os planejamentos dos professores e as atividades dos estudantes. Eles são possibilidades de atar o ontem com o agora. E os educadores, estilistas de renome que constroem as vestimentas necessárias para uma sociedade mais humanizada, são os grandes responsáveis por desatar os nós e amarrar as pontas soltas de todo esse alinhavado teórico e metodológico que enviesa o fazer docente. Helga Vanessa Assunção de Souza Cezar R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ssno contexto escolar: 1. Sequência Didática: “Ser diferente é Legal e eu Respeito!”. A sequência, proposta pela profes- sora Samanta do Carmo Zangari Corrêa da Rede Municipal de Sarandi (PR), apresenta o encami- nhamento da temática na Educação Infantil, po- dendo ser adaptado para outros segmentos. En- fatiza os aspectos concretos de socialização para a diversidade de forma lúdica e aplicada à rotina escolar. Saiba mais em: https://generoeeducacao. org.br/mude-sua-escola-tipo/materiais-educati- vos/plano-de-aula/projeto-diversidade-ser-dife- rente-e-legal-e-eu-respeito/ 2. Artigo: “Uma análise generificada sobre o projeto gênero e diversidade na escola”. Neste artigo, as autoras realizam um estudo detalhado sobre o projeto em questão, de modo a construir desdobramentos e reflexões sobre o tema a par- tir dos resultados explicitados. Leia em: https:// www.scielo.br/j/cp/a/C33hrCS8zqpzJCmxCdK3t- vQ/?lang=pt 3. Projeto: “Inclusão na Prática: convivência na diversidade”. Apoiado pelo Instituto Uniban- co, o projeto atendeu ao desafio de trabalhar a temática no Ensino Médio, considerando a com- plexidade deste segmento. No site, encontramos a contextualização da proposta interdisciplinar que ocorreu em um colégio público da periferia da cidade de São Paulo (SP). Confira em: https:// observatoriodeeducacao.institutounibanco.org. br/banco-de-solucoes/solucao/livro-inclusao-na- -pratica-convivencia-com-a-diversidade Essas são algumas possibilidades, entre tan- tas outras, que se desdobram em contextos dis- tintos. Caberia, antes de tudo, o olhar crítico para reconhecer em sua própria realidade como desen- volver junto aos estudantes o reconhecimento e a postura afirmativa diante da diversidade. Bom trabalho! Os documentários seguintes, disponíveis na Netflix › Amarelo – É tudo para ontem (2020), dirigido por Fred Ouro Preto, acompanha a concepção, a produção e a realização de apresentação histórica e repleta de simbologias do rapper Emicida, no Theatro Municipal de São Paulo. › Axé – Canto do povo de um lugar (2020), dirigido por Chico Kertész, aborda o contexto sócio-histórico e cultural que culminou na origem e popularização do ritmo Axé. › Brincante (2014), dirigido por Walter Carvalho, retrata a genialidade do artista Antônio Nóbrega. Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola-tipo/materiais-educativos/plano-de-aula/projeto-diversidade-ser-diferente-e-legal-e-eu-respeito/ https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola-tipo/materiais-educativos/plano-de-aula/projeto-diversidade-ser-diferente-e-legal-e-eu-respeito/ https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola-tipo/materiais-educativos/plano-de-aula/projeto-diversidade-ser-diferente-e-legal-e-eu-respeito/ https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola-tipo/materiais-educativos/plano-de-aula/projeto-diversidade-ser-diferente-e-legal-e-eu-respeito/ https://www.scielo.br/j/cp/a/C33hrCS8zqpzJCmxCdK3tvQ/?lang=pt https://www.scielo.br/j/cp/a/C33hrCS8zqpzJCmxCdK3tvQ/?lang=pt https://www.scielo.br/j/cp/a/C33hrCS8zqpzJCmxCdK3tvQ/?lang=pt https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/banco-de-solucoes/solucao/livro-inclusao-na-pratica-convivencia-com-a-diversidade https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/banco-de-solucoes/solucao/livro-inclusao-na-pratica-convivencia-com-a-diversidade https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/banco-de-solucoes/solucao/livro-inclusao-na-pratica-convivencia-com-a-diversidade https://observatoriodeeducacao.institutounibanco.org.br/banco-de-solucoes/solucao/livro-inclusao-na-pratica-convivencia-com-a-diversidade 37 4 Macroárea temática Valorização do multiculturalismo MULTICULTURALISMO O presente ensaio analisa as concepções de cultura, pluralidade cultural e identidade que subjazem à sociedade e aos documentos oficiais, como a BNCC, a fim de reivindicar a valorização do multiculturalismo nos ambientes educacionais. Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais brasileiras Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra Kassandra Muniz Doutora e mestre em Linguística pela UNICAMP. Licenciada em Letras pela UFPE. Atualmente, Professora Associada do Depto de Letras da UFRPE, pertencente ao Neab da instituição. Foi Professora Associada do Depto de Letras da UFOP/ MG até 10/2023. Desde 2010, é líder do grupo de pesquisas GELCI – Linguagens, Culturas e Identidades. Atua e tem publicações nos campos da Performatividade; Letramentos e Identidades, Ensino e Aprendizagem e Literatura Negra de autoria feminina. Fonte: https://pixabay.com/pt/images/search/multiculturalismo. Acesso em: 04 jul. 2024. R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l R ep ro du çã o / Pi xa ba y 38 Começaremos este diálogo, considerando as seguintes reprodu- ções de tela: Como se pode apreender da leitura desses dois painéis, tem-se alguns exemplares de imagens, apresentadas como resultado de uma pesquisa, em banco gratuito que as reúne, a partir da palavra- -chave “multiculturalismo”. Na data de acesso (04 julho de 2024), foram elencadas “204 imagens gratuitas”, que foram categorizadas como representativas do que se entende “multicultural”. Fazendo um exercício semiótico de forma muito básica, é pos- sível destacar a preocupação com o colorido que elas apresentam. Sejam imagens de lugares, pessoas ou desenhos, tudo é muito colo- rido, remetendo à necessidade de destacar diferentes matizes étni- cas no que é denominado multicultural. Outra característica muito interessante é a ênfase na diversidade de pessoas juntas. Seja pela cor da pele, cabelos, traços étnicos de suas vestimentas ou pelas atividades que estão realizando ou representando nas fotos desta- cadas, é perceptível a preocupação em ressaltar que a “diferença” é multicultural. Por fim, e não porque se esgotem as possibilidades de análise, dois outros aspectos saltam aos olhos: pessoas com per- 39 tencimento étnico-racial não branco são con- sideradas multiculturais apenas por existirem. Por essa razão, destacam-se as poucas fotos individuais no banco de imagens de mulheres e homens de pele escura e traços que não per- tencem ao perfil étnico caucasiano. Retoman- do os painéis, podemos perceber que a única exceção é um homem branco vestido com uma vestimenta muito associada aos irlandeses, o que, fora do Brasil, o coloca em uma categoria étnica específica. As imagens coletivas reme- tem sempre a uma convivência pacífica e feliz entre os diferentes. São pessoas das mais va- riadas matizes de cor, reunidas em atividades laborais e de lazer, todos “juntos e misturados” de forma cordial e sem conflitos. Por meio dessa análise imagética, é possí- vel extrair algumas das diferentes e principais concepções de multiculturalismo na literatura acadêmica. Também é possível constatar o que está em jogo quando se trata da concepção de cultura, uma discussão fundamental e primei- ra para a temática deste ensaio. Notadamente, percebemos como ainda é forte no imaginário social uma ideia extremamente folclórica e, muitas vezes, caricatural sobre as noções de cultura e multiculturalismo. Quando pensa- mos no contexto escolar, é intrigante nos ques- tionarmos sobre quais dessas concepções per- meiam as instituições de ensino. Desse modo, neste texto, vamos explorar os fios que foram tecidos, e ainda são, sobre esse tema e como isso se manifesta nas escolas. Para tanto, discutir cultura, pluralidade cultu- ral, identidade será fundamental para que pos- samos reivindicar a valorização do multicultu- ralismo em nossos ambientes educacionais, escolarizados, mas não só, uma vez que escola e sociedade possuem uma relação dialética e se retroalimentam. A valorização de uma realidade na qual possamos ser diferentes e conviver sem ter o ódio como o condutor de nossas relações é pri- mordial, necessária e importante para a cons-trução de uma educação digna para todas as pessoas. Por isso, abordaremos de forma mais detalhada o conceito de multiculturalismo, seu alcance e suas limitações. Das disputas em torno dos conceitos de multiculturalismo Derrida (1991) advoga que todo conceito deve ser visto sob rasura, no sentido de uma constante necessidade de revisão e reescrita da História. Dessa maneira, nenhuma formu- lação teórica é estanque e fixa, pelo contrário, está em movimento, assim como os sujeitos. O conceito de multiculturalismo não foge à regra. Luiz Alberto Gonçalves e Petronilha Gonçalves Silva nos alertam sobre como não é possível trazer essa perspectiva sem discutir as dispu- tas travadas nos contextos socioculturais que envolvem o surgimento dessa teoria, princi- palmente, em países como os Estados Unidos, onde as tensões raciais, étnicas e econômicas foram e são marcadas pelos mais diversos ti- pos de violências. No Brasil, o conceito de mul- ticulturalismo encontrou resistência, uma vez que somos conhecidos como o país do paraí- so racial, religioso, étnico. Um país onde, ape- sar da pobreza e da fome, todo mundo é feliz porque gosta de carnaval e festa. Um desfile de senso comum que mascara os profundos problemas sociais que nosso país enfrenta. Os autores reagem: Esse aspecto é importante, pois uma das críticas aos estudos multiculturais no Brasil recai sobre a velha e desinformada retórica de que problemas culturais ou étnicos, envolvendo intolerância, não existem em nosso território. Crê-se que eles sejam importados, “coisas de americano”. Na realidade, os referidos problemas estão bem vivos entre nós, e nossa sociedade é pródiga em produzi-los e reproduzi- los. Mais ainda, eles fazem parte de 40 um passado colonial que nos une a uma infinidade de outras nações. (GONÇALVES E SILVA, 2003) Sendo assim, “O multiculturalismo é o jogo das diferenças, cujas regras são definidas nas lutas sociais por atores que, por uma razão ou outra, experimentam o gosto amargo da discriminação e do preconceito no interior das sociedades em que vivem (…). (GONÇALVES E SILVA, 1998, p.113) É essencial o destaque que os autores fazem ao resgatar o caráter de lutas envolvendo esse conceito. Quando lembramos que o título des- te ensaio diz respeito à urgência de valorização do multiculturalismo, fica explícito que os em- bates ainda persistem. Como já mencionado, não podemos esquecer que ainda há quem advogue que somos um país sem conflitos, fe- chando os olhos para a enorme quantidade de jovens que temos perdido devido às diversas formas de discriminação e bullying nas escolas. Os diferentes movimentos sociais e artísticos nos deixaram como legado a perspectiva de celebrar as diferenças e não anulá-las, reco- nhecendo que somos diferentes e que isso não deve ser transformado em desigualdades. Eles forneceram, assim, ferramentas para políticas públicas que tenham como princípio a promo- ção da equidade. Isso só se alcança com polí- ticas que compreendam que, para promover a igualdade, é preciso reconhecer as diferenças. Candau (2008) chama a atenção para o fato de que um conceito complexo como este não poderia ser introduzido no mundo da educa- ção sem a presença de conflitos e diferentes formas de implementação. Segundo ela, o conceito teve, ao longo do tempo, pelo menos duas perspectivas mais reconhecíveis: uma descritiva e outra propositiva. A primeira pers- pectiva é alvo de muitas críticas, assim como o termo “diversidade”. Em um país como o Brasil, marcadamente diverso em muitos aspectos, é fácil cair na simplificação de dizer: somos to- dos diversos. Somos um país de muitas cultu- ras. E ponto. O que se faz a partir disso? Nada. Descrevemos de forma simplista que a nação é composta por três raças que convivem em seus mais diferentes estratos sociais. Há quem ain- da acredite que convivemos de forma pacífica e que o racismo não existe. Essa perspectiva está presente em nosso imaginário social de forma ainda muito forte e dificulta a promoção da va- lorização da multiculturalidade nas escolas. Já a abordagem propositiva: […] entende o multiculturalismo não simplesmente como um dado da realidade, mas como uma maneira de atuar, de intervir, de transformar a dinâmica social. Trata-se de um projeto político-cultural, de um modo de se trabalhar as relações culturais numa determinada sociedade, de conceber políticas públicas na perspectiva da radicalização da democracia, assim como de constituir estratégicas pedagógicas nesta perspectiva. (CANDAU, 2008, p. 20) Dentro do que se denomina uma abordagem propositiva, é possível distinguir várias verten- tes. O que nos interessa focar aqui é que “va- lorizar o multiculturalismo” implica também conhecer a história desse conceito e entender que muitas pessoas trabalharam, e continuam trabalhando, para que possamos de fato prati- cá-lo com ações cotidianas em todos os âmbi- tos educacionais. Mais do que apenas realizar atividades eventuais, é necessário que pessoas negras, indígenas e outros grupos construídos como “Outros”, bem como aspectos de suas culturas plurais, sejam integrados de forma sig- nificativa nos ambientes de ensino, em vez de serem apresentados de maneira exótica. Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 41 O Multiculturalismo na Educação: o que ganhamos com essa proposta Os intelectuais idealizadores da política dos PCN, quando trou- xeram em suas diretrizes a temática da Pluralidade Cultural, prova- velmente não imaginavam que, em pleno ano de 2024, ainda preci- saríamos desenvolver materiais que abordem a diversidade cultural intrínseca que faz do Brasil um país reconhecido mundialmente. Em tempos de intensas campanhas contra o bullying nas escolas, perse- guição nas redes sociais a pessoas e ativistas LGBTQIAPN+, violên- cia extrema contra mulheres, intolerância religiosa e assassinato de pessoas negras, parece que essa discussão ficou demasiadamente presa às diretrizes e ainda precisa ser mais praticada dentro e fora das instituições de ensino em todo o nosso país. Destacamos os PCNs porque sabemos que, embora não seja um tema restrito ao âmbito da educação escolarizada, o multiculturalismo ganha e atin- ge mais pessoas se o campo educacional considerar como primor- dial que as práticas pedagógicas, bem como a seleção de livros, di- dática e perspectiva educacional, abranjam a potencialidade dessa temática para construir uma sociedade com menos ódio e desigual- dade, com mais respeito e relações interpessoais saudáveis. Não à toa, lá nos idos de 1997, esse tema já constava como fundamen- tal para nossa política educacional: sociedade e escola não andam apartadas uma da outra. Assim como nós, sujeitos sociais, também não deveríamos andar. Podemos discutir se é transversal ou não. Podemos discutir as diferentes perspectivas teóricas desse concei- to. E é justo o que estamos fazendo neste ensaio. Contudo, uma coisa aguardamos ser consenso: toda a sociedade ganha quando não transformamos nossas diferenças em desigualdades e em problemas sociais. Vale a pena recuperar o que dizia a políti- ca educacional em 1997 sobre Pluralidade Cultural e cotejar com o que a BNCC aponta sobre Multiculturalismo em sua proposta origi- nal de 2018: “O que nos interessa focar aqui é que “valorizar o multiculturalismo” implica também conhecer a história desse conceito e entender que muitas pessoas trabalharam, e continuam trabalhando, para que possamos de fato praticá-lo com ações cotidianas em todos os âmbitos educacionais.” Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 42 Este tema propõe uma concepção que busca explicitar a diversidade étnica e cultural que compõe a sociedade brasileira, compreender suas relações, marcadas por desigualdades socioeconômicas e apontar transformações necessárias, oferecendo elementos para a compreensão de que valorizaras diferenças étnicas e culturais não significa aderir aos valores do outro, mas respeitá-los como expressão da diversidade, respeito que é, em si, devido a todo ser humano, por sua dignidade intrínseca, sem qualquer discriminação. A afirmação da diversidade é traço fundamental na construção de uma identidade nacional que se põe e repõe permanentemente, tendo a Ética como elemento definidor das relações sociais e interpessoais. (PCN, 1997, p. 121) Já a Base Nacional aponta que é necessário: “[…] considerar a necessidade de desnaturalizar qualquer forma de violência nas sociedades contemporâneas, incluindo a violência simbólica de grupos sociais, que impõem normas, valores e conhecimentos tidos como universais e que não estabelecem diálogo entre as diferentes culturas presentes na comunidade e na escola. (BRASIL, 2018, p. 61) [Nesse sentido], […] os sistemas e redes de ensino e as instituições escolares devem se planejar com um claro foco na equidade, que pressupõe reconhecer que as necessidades dos estudantes são diferentes. De forma particular, um planejamento com foco na equidade também exige um claro compromisso de reverter a situação de exclusão histórica que marginaliza grupos – como os povos indígenas originários e as populações das comunidades remanescentes de quilombos e demais afrodescendentes […] (BRASIL, 2018, p. 15) Em ambos os documentos, é possível per- ceber que a perspectiva teórica escolhida em relação ao conceito de cultura dialoga mais com uma concepção relacionada às diferentes agrupações humanas e suas características distintas, como raça/etnia, línguas, hábitos, modos de pensar e agir, crenças, entre outras possibilidades de pertencimentos identitários. Uma concepção de cultura no plural vai além de uma visão relacionada a um imaginário teó- rico e social que associa esse conceito às elites, que podem consumir livros, artes em geral, via- gens, boa comida e música, distantes do que chamamos de “massa” ou “povão”. Tanto os PCN quanto a BNCC de 2018 tra- zem a ideia de que não existe uma cultura me- lhor do que a outra, mas sim culturas distintas que compõem o que denominamos “brasilida- de” e que formam nossa identidade nacional. SAÚDE TRABALHO E CONSUMO MEIO AMBIENTE ÉTICA ORIENTAÇÃO SEXUAL PLURALIDADE CULTURAL TEMAS TRANSVERSAIS NOS PCN (1997) A da pt aç ão : M ar ce la d e H ol an da 43 Nesse ponto, fica nítida a necessidade de discorrer brevemente sobre o con- ceito de Identidade Cultural para evitar que algum leitor ou leitora desavisado(a) pense que estamos defendendo uma visão essencialista de identidade. Stuart Hall (2002) aponta que é possível distinguir três momentos na história em que a ideia de identidade cultural está intimamente relacionada à relação entre Sociedade e Cultura. Dessa forma, segundo esse autor, podemos falar em uma concepção identitária iluminista, sociológica e pós-moderna. Respectiva- mente, temos um sujeito que estava baseado em uma concepção de pessoa hu- mana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, em uma concepção bastante individualista: o sujeito da razão. A segunda concepção reflete a cres- cente complexidade do mundo moderno. A identidade é assim construída na interação entre o indivíduo e a sociedade. Na terceira concepção, temos o sujeito pós-moderno, que possui uma identidade instável e fragmentada, composta por várias identidades, assemelhando-se a um mosaico. Esse sujeito não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. Fazendo um exercício interpretativo, é possível relacionar as concepções de “pluralidade cultural” e “multiculturalismo”, praticadas nos documentos, às concepções sociológica e pós-moderna. Ambas apontam, apesar de suas dife- renças, que a identidade cultural não é um conceito fixo e essencialista, mas sim uma construção social e histórica, portanto, fluida e em constante transforma- ção. Sendo assim, para além de conceitos, são modos de ver o mundo e as pes- soas, indicando possibilidades de reverter um cenário de desigualdades sociais nas quais as identidades não normativas são atacadas e violentadas. A escola, por ser um aparelho fundamental dentro da relação entre sociedade e cultura, tem um papel importante nessa arena de negociação de conflitos entre as mais diferentes identidades culturais. Nas ilustrações a seguir, é possível ver como esses temas estão distribuídos nos dois documentos: Costa, Muriell & Junior, Arlindo. (2023). Mapeamento de pesquisas com os Temas Contemporâneos Transversais na formação de professores(as) de Matemática. Revista Eletrônica de Educação Matemática. 18. 1-20. 10.5007/1981-1322.2023.e90576. • Diversidade Cultural • Educação para valorização do multiculturalismo nas matrizes históricas e culturais Brasileiras MULTICULTURALISMO • Educação Ambiental • Educação para o Consumo MEIO AMBIENTE • Ciência e Tecnologia CIÊNCIA E TECNOLOGIA • Saúde • Educação Alimentar e Nutricional SAÚDE • Trabalho • Educação Financeira • Educação Fiscal ECONOMIA • Vida Familiar e Social • Educação para o Trânsito • Educação em Direitos Humanos • Direitos da Criança e do Adolescente • Processo de envelhecimento, respeito e valorização do idoso CIDADANIA E CIVISMO TEMAS CONTEMPORÂNEOS TRANSVERSAIS BNCC BRASIL. Temas Contemporâneos e Transversais na BNCC: contexto histórico e pressupostos pedagógicos (2019, p. 13). A da pt aç ão : M ar ce la d e H ol an da 44 Apesar da tentativa louvável dos parâmetros bem como da BNCC em trazer esses temas fundamentais para o campo da educação, a questão cultural vai além de um tema transversal. Estamos o tempo todo pontuando o caráter intrínseco que essa discussão tem com o campo da educação e com nossa vida de forma geral. Não existimos fora de nossos sistemas culturais e, dessa forma, uma visão pluri/mul- ticultural de educação nos convoca à ação, que não pode ser limitada a um calendário de festas, folclore, comemorações, projetos isolados e afins, que geralmente são os meios pelos quais se “encaixam” os te- mas transversais nas escolas. Se voltarmos às citações dos dois documentos, encontraremos palavras como ética, desigualdades, equidade, violência, transforma- ções, dignidade, identidade nacional, entre outras, que gritam pela urgência de percebermos que atividades isoladas não diminuirão as tensões contemporâneas decorrentes da crescente dificuldade de convivência com as nossas diferenças. Desde a escolha dos livros, textos e atividades nos mais diversos componentes curriculares dos Ensinos Fundamental e Médio, essa forma ética e comprometida com mudanças precisa se fazer presente nas escolas. Em outras palavras, assumindo que o multiculturalismo instaura uma insurgência contra uma prática teórico-pedagógica mo- nocultural euro-ocidental ainda muito persistente nas instituições de ensino, seja no Ensino Básico ou no Ensino Superior, essa mudança de perspectiva deveria vir antes de qualquer escolha de conteúdo, ati- vidades, planejamentos didáticos e formações continuadas dos agen- tes escolares. É a partir do multiculturalismo que olhamos para dentro das escolas e universidades. Posteriormente, a mágica do ensino e da aprendizagem deve acontecer. “Desde a escolha dos livros, textos e atividades nos mais diversos componentes curriculares dos Ensinos Fundamental e Médio, essa forma ética e comprometida com mudanças precisa se fazer presente nas escolas.” Outros laços R ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra Nadiana Lima ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIO Núcleo de Produção deConteúdo e Formação 45 As relevantes reflexões que o ensaio “Valoriza- ção do Multiculturalismo” promovem perpassam uma premissa muito bem elaborada por Muniz: toda a sociedade ganha quando não transformamos nossas diferenças em desigualdades e em problemas sociais. Contudo, é precisamente nesse proces- so de estigmatizar alguns aspectos de uma dada cultura que não é a nossa,em um nocivo movi- mento etnocentrista, que reside a necessidade de entendermos o multiculturalismo para muito além de um conceito; ele é, antes de tudo, uma atitude, uma reivindicação política de minorias pelo reconhecimento de suas culturas. Considerando isso e o argumento da autora de que essa discussão não deve ser pontual na escola, circunscrita a datas comemorativas, por exemplo, seria pertinente a elaboração de proje- tos didáticos temáticos que se associassem aos principais motivos de bullying na escola e/ou de discriminação social. Um passo importante seria propor aos estudantes que listem, conjuntamen- te, todos esses prováveis motivos, categorizando- -os quanto a sua provável origem: intolerância re- ligiosa, racismo, misoginia, LGBTfobia, xenofobia Leituras › Livro “Multiculturalismo diferenças culturais e práticas pedagógicas”, de autoria de Flávio Barbosa Moreira e Vera Maria Candau. – Editora Vozes. Filmes › Documentário “Como ela faz?”, de 2021, dirigido por Tatiana Villela e roteirizado por Fernanda Polacow, disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=t7Nw5L8A8DU etc. Em seguida, aspectos como música, dança, comida, vestimenta, entre outros passariam a ser interrelacionados aos primeiros, a fim embasar a construção de ações associadas ao projeto que promovessem a valorização multicultural. Recomendaria, como inspiração inicial, a exi- bição (e a consequente discussão a partir) de dois vídeos que registram pertinentes falas de dois autores africanos renomados: o moçambi- cano Mia Couto, durante Conferência de Estoril (2011), sobre a importância de “Murar o Medo”; e a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, duran- te sua celebrada apresentação no TED, em 2009, sobre “O Perigo da História Única”. Por meio de- les, é possível refletir sobre as diversas consequ- ências negativas que os estereótipos sobre uma determinada cultura podem desencadear e de como isso pode calcar o medo de um desconhe- cido ou conhecido apenas superficialmente. O intuito é que a turma reconheça que “pôr muros nestes medos” é o que permite diminuir as dis- tâncias entre Eu e Outro e, consequentemente, possibilitar o diálogo intercultural. https://www.youtube.com/watch?v=t7Nw5L8A8DU https://www.youtube.com/watch?v=t7Nw5L8A8DU 46 Os lares que nos constituem Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 5 Macroárea temáticaCIDADANIA E CIVISMO Vida familiar e social Este ensaio discute o conceito de lar e a forte influência que exerce na formação e no exercício da cidadania dos sujeitos. Partindo dessa premissa, a autora constrói um mosaico com as noções de lar (e não lar) ao longo da história e reflete sobre as potencialidades de um trabalho pedagógico norteado por essa temática. R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l 47 BOSCO, Francisco. O que é um lar. Revista Cult, edição 220, 20 fev. 2017. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/francisco- bosco-o-que-e-um-lar/. Acesso em: 11 maio 2024. “Um lar é muito mais do que uma casa. Uma casa é um espaço delimitado, destinado à moradia. É uma abstração. É o que as crianças desenham, é o que os outdoors anunciam, é um ar- quétipo. Já um lar – um lar é uma casa humanizada, particula- rizada, impregnada de sentido e história.” Quando li o trecho acima no artigo do colunista Francisco Bosco, logo me lembrei da casa onde nasci e vivi da infância à adolescência. Emocionou-me a constatação de, desde crian- ça, ter entendido casa como sinônimo de lar. Dali, guardo óti- mas recordações: o charme da fachada, os bichos no quintal, os pés de manga, as amigas para brincar, a vizinhança mais próxima com quem contar e, em especial, lembro-me da ga- rantia do amor e da proteção familiar. No entorno desse lar, entretanto, também presenciei al- gumas situações desafiadoras: casos de violência doméstica e desamparo parental, o aliciamento de alguns coleguinhas à criminalidade e a gravidez de amigas na adolescência. No mundo para além da minha rua, parecia que isso era normal pro povo de comunidade. Mas, desde cedo, eu já me indignava quando uma amiga justificava que não poderia brincar enquanto não colocasse a comida do pai e fizesse os serviços de casa. A justificativa? Era porque a mãe trabalhava. Éramos crianças entre 7 e 10 anos, eu percebia que ali havia algo errado, mas somente depois compreendi que se tratava de exploração doméstica infantil e sexista. Naquela época, as pessoas viam isso como um dever de obediência, uma questão de consciência. Era mais raro se questionar sobre os impactos da privação de direitos e da ex- ploração no meio familiar. Não fui vítima dessas vulnerabilidades graças aos esforços de atenção materna, mas também ao acesso e à frequência a outros lares: os colégios e as universidades onde continuei minha formação humanista. Lembro-me bem da relação afe- tuosa com professores e professoras, das grandes amizades até hoje cultivadas, das reflexões escolares, das oportunida- des que me conduziram à conscientização, à socialidade, ao posicionamento, à profissionalização, à autonomia, enfim, à dignidade. Atualmente, o espaço físico onde dois desses lares foram construídos não está mais erguido. Porém, os aprendizados Izabela Fraga Izabela Pereira de Fraga é licenciada em Letras Português e Espanhol (UFRPE), mestre e doutoranda em Educação (PPGEdu/UFPE), na linha de pesquisa Educação e Linguagem. Tem experiência com formação inicial e continuada de professores da Educação Básica na área de Língua Portuguesa. É integrante do Grupo de Pesquisa em Alfabetização, Linguagem e Colonialidade (GPEALE), vinculado à Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: izabela. fraga@ufpe.br https://revistacult.uol.com.br/home/francisco-bosco-o-que-e-um-lar/ https://revistacult.uol.com.br/home/francisco-bosco-o-que-e-um-lar/ 48 que acessei a partir deles resistem em minha memória e comportamen- to como estruturas sociais que influenciaram consideravelmente a minha constituição como ser humano. Assim, concordo com a noção de Bosco mencionada na epígrafe: aprendi que o lar perpassa a noção espacial, ha- bitacional, mas também a ultrapassa. Ele envolve a noção simbólica de lugar afetivamente seguro, impregnado de afetos, subjetividades, onde o sujeito se forma, deixa a alma aflorar, se sente bem, pode se confortar. O lar integra a vida familiar e social, é um dos Temas Contemporâneos Transversais (TCTs) previstos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) devido à forte influência que exerce na formação e no exercício da cidada- nia dos sujeitos. Neste ensaio, proponho refletirmos sobre o conceito e a importância dos lares na constituição de crianças e adolescentes, a partir de artigos, documentários e de sugestões de atividades. Qual é a noção de lar? Vamos começar nossa reflexão falando sobre a ori- gem da palavra lar. Francisco Bosco, no artigo já refe- rido, menciona que, entre os etruscos e antigos roma- nos, lar referia-se à divindade que protegia as casas e, por extensão, as ruas e cidades. Assim, a palavra re- lacionava-se ao sagrado e espiritual, associando-se à proteção e segurança. O professor Telmo Corujo dos Reis, da Universida- de da Madeira, também explica que o culto aos deuses protetores dos lugares, chamados de Lāres Familiaris, ocorria no atrium, o centro das casas romanas (Imagem 1). Neste espaço, as famílias reuniam-se, inclusive, para cozinhar e socializar. Era um lugar onde se marcavam eventos importantes para o movimento familiar, como nascimentos, casamentos e mortes. Com o tempo, as moradias romanas tornaram-se mais complexas e a cozinha foi separada do atrium. Neste, passou a existir o lararium, um espaço especial onde se guardavam as imagens dessas divindades junto ao fogo. Women in a Pompeian Atrium (Luigi Bazzani, antes de 1927) D om ín io p u bl ic o, v ia W ik im ed ia C omm on s A arquiteta Suzana Rodrigues, em seu artigo “O fogo como centro e símbolo da casa”, reforça essa raiz conceitual etimológica: “Do latim, Lār, Lāris, no plural Lāres, a palavra lar significa, originalmente, a parte da ha- bitação em que se acende o fogo.” (Rodrigues, 2016, p. 13). Resgatando uma afirmação do arquiteto romano Marco Vitrúvio Polião, ela nos lembra que foi com a descoberta do fogo que se deu a origem da casa e do homem social. Assim, vemos que o conceito de lar está profundamente ligado à ideia de proteção, de estabilidade espacial e convivência, elementos que, em tese, estão na base da constituição familiar. Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 49 Veja como essa tradição ainda está presente nos dias de hoje! Muitas famílias acendem uma vela para orar em um pequeno altar na sala das casas, mantendo viva a sensação de proteção e espiritualidade. A lareira, palavra derivada de lar, continua sendo um ponto central, especialmente nos dias frios, onde as pessoas se reúnem para se aquecer e conversar. E a cozinha permanece como um dos lugares favoritos da casa para comer e socializar, reforçando a ideia de comunhão familiar. É por essa lógica que o conceito de lar passa a abarcar a noção da casa entendida como um todo, mas, principal- mente, a perspectiva psíquica e emocional das sensações de bem-estar proporcionadas a seus integrantes. Ou seja, esse vocábulo passou a incorporar o sentido de local de aco- lhimento, afeto, (re)equilíbrio, conforto. Por extensão, o lar tornou-se também todo o ambiente passível de personalização e identificação pelo sujeito (como a cidade, a região ou o país natal, o ambiente escolar, o local de trabalho, etc.). Como explica a pesquisadora Denise Silva: “Tão importante quanto a apropriação do espaço é o investimento nele: para que lugar seja associado a lar é necessário que seja revestido de um contínuo e regular investimento de significado por parte de seus ocupantes, os quais devem ser capazes de personalizar esse espaço e se identificarem com ele através de graus variáveis de controle.” (SILVA, 2010, p. 170). No artigo “Repensando o conceito de lar em contextos mi- gratórios: bagagens esperançosas, entre errância e enraiza- mento”, Silva (2010) explora a noção de lar não apenas como um espaço físico, mas como um símbolo de identidade e per- tencimento. Utilizando obras literárias como Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e The Final Passage, de Caryl Phillips, ela analisa como o conceito de lar se transforma para migrantes. A autora discute a bagagem emocional dessas pessoas, des- tacando a tensão entre a errância e o enraizamento, e como a busca por um lar revela desigualdades sociais. “É por essa lógica que o conceito de lar passa a abarcar a noção da casa entendida como um todo, mas, principalmente, a perspectiva psíquica e emocional das sensações de bem-estar proporcionadas a seus integrantes.” 50 1 Embora o objetivo deste ensaio não seja discutir as configurações familiares, cabe ressaltar que, quando usamos a palavra família, referimo-nos aos diferentes arranjos familiares na contemporaneidade, que não se restringe aos ajuntamentos pela relação sanguínea, mas essencialmente pela relação afetiva. Para se aprofundar na discussão, sugiro o vídeo: As novas configurações familiares em foco: diálogos entre o Direito, Educação e Psicologia, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=N_ lHJw15TYc. Acesso em: 15 maio 2024. 2 ACNUR. Dados sobre Refugiados no Brasil. Refúgio em números. Disponível em: https://www.acnur.org/portugues/ dados-sobre-refugiados/dados-sobre-refugiados-no-brasil/. Acesso em: 15 maio 2024. O não lar também explica a noção de lar Ainda em seu artigo, Denise Silva comenta que a concepção de lar tem sido muito pensada pelas pessoas em condições de vulnerabilida- de (sujeitos exilados ou cujo lar esteja em risco iminente de perigo ou perda), pois, segundo a pesquisadora, muitas vezes é a experiência de não lar que ajuda a definir o que é um lar. “Frequentemente, lar não é questionado até que se desfaça, porque é construído através da divisão entre os mundos pessoalmente conhecidos e os contextos concebidos como não lar” (SILVA, 2010, p. 170). De maneira geral, tais contextos envolvem pessoas em situações de guerra, de rua, de violência sexual e doméstica, de alienação pa- rental, de desastre ambiental e todas as demais configurações em que os sujeitos tenham suas condições de dignidade violadas. Mas, é sobre- tudo junto à família1, como núcleo social pri- mário, que é construída a noção de lar, e esse sentido é tão importante que influencia direta- mente na formação da identidade de crianças e adolescentes, na construção da sua autoes- tima, na aprendizagem, no comportamento e, consequentemente, nas suas relações inter- pessoais e sociais. Segundo o site da Agência da ONU para Re- fugiados (ACNUR)2, as crianças, adolescentes e jovens com até 24 anos de idade ocupam cerca de 46,8% do total de 5.795 pessoas refugiadas no Brasil, conforme reconhecimento do Comi- tê Nacional para os Refugiados (Conare) em 2022. A vulnerabilidade dessa parcela a fatores como tráfico, exploração sexual, abandono e fome é ainda maior se comparada aos adultos, e as consequências para a saúde mental, espe- cialmente quando há separação ou perda da família, são alarmantes. A revisão de literatura sobre crianças em situação de refúgio e migração realizada por Abelson, Silveira e Assis (2023) aponta que as origens dos transtornos mentais nessas crianças iniciam no processo de fuga de seus países, sendo os principais problemas: trans- torno de estresse pós-traumático, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade, transtornos afetivos, ansiedade de separação, esquizofrenia, depressão, desregulação emo- cional, medo da deportação, medo de não ser aceito no país anfitrião, traumas de guerra e insegurança emocional. Entre os estudos, os autores destacaram, que as representações de felicidade no desenho infantil incluíram: “[…] uma vida segura com a família e um ambiente claro e agradável, dando-lhes oportunidades de aproveitar a vida e brincar” (Abelson, Silveira, Assis 2023, p. 9). No cenário brasileiro, o documentário “Quando a Casa é a Rua” (2012), dirigido por Thereza Jessouroun, aborda de maneira sensí- vel a realidade de jovens que viveram e vivem em situação de rua na cidade do Rio de Janei- ro e na Cidade do México. O filme mergulha no cotidiano desses indivíduos, explorando seme- lhanças contextuais de vulnerabilidades, mes- mo com a diferença geográfica e cultural. Os relatos revelam como motivos de fuga para as ruas casos de maus-tratos na infância associa- https://www.youtube.com/watch?v=N_lHJw15TYc https://www.youtube.com/watch?v=N_lHJw15TYc https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugiados/dados-sobre-refugiados-no-brasil/ https://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugiados/dados-sobre-refugiados-no-brasil/ 51 dos à pobreza, ao consumo de álcool e drogas ilícitas e à violência doméstica. Os desafios e lu- tas diárias pela sobrevivência nas ruas incluem prostituição infantil e juvenil, dependência quí- mica, fome, violência policial, entre outros. Destaca-se, no documentário, que, à revelia das dificuldades de acesso a serviços básicos, das diferentes situações de violência e da invi- sibilidade social cotidianamente enfrentadas nas ruas, o que marca a resistência da huma- nidade pulsante nessas crianças, adolescen- tes e jovens é a busca pelas virtudes familiares (união, afeto, segurança, atenção, socialidade, compartilhamento, cuidado etc.). Tais virtudes condicionam o bem-estar que só um lar, e não necessariamente uma casa, podem proporcio- nar. Isso fica evidente quando um dos jovens, antes em situação de rua, Fábio Mossca, relata: “E a coisa da amizade, que se cria uma amizade muito forte, que criam laços familiares, né? Sem serfamília do próprio sangue, mas laços familiares de viver em conjunto, né? Assim, da menina que lava a roupa do outro, do outro que pega lá uma comida e traz pro grupo dividir, de chegar alguém de fora e querer bater e a galera toda se meter, de vir a polícia pegar e a turma cair pra dentro pra não deixar acontecer” Em uma outra abordagem, o documentário brasileiro “Casa” (2019), de roteiro e direção de Letícia Simões, trata das tensões emocionais nas relações familiares, sobretudo para quem convive com pessoas com transtornos psico- lógicos. A também protagonista Letícia apre- senta os desafios da reaproximação familiar e da convivência com a avó e a mãe, que so- fre de depressão e bipolaridade. O resgate de memórias dessa família matriarcal, por fotos, objetos e discursos é o pano de fundo realis- ta que mostra, de maneira ainda mais próxima do nosso cotidiano, os conflitos universais das famílias: desentendimentos entre gerações, fa- lhas de comunicação, cobrança de comporta- mentos e afetos, frustração de expectativas, as diferenças e imperfeições entre os integrantes, abuso emocional e o desafio de superá-los. Há um trecho em que Letícia desabafa: “Mãe, eu não posso ser culpada pela sua doença, a vida inteira eu me senti culpada pelas crises maníacas, crises de depressão, crises, crises, crises e crises. Acho que tudo o que eu gostaria de ter é uma família, mas não temos, é a vida. Mas eu tenho que seguir em frente, mesmo que com os pulsos retorcidos de tanto olhar para atrás”. Percebemos, então, que as condições de não lar – que vão desde as situações mais ex- tremas (no caso de refugiados, migrantes, de- sabrigados) às mais corriqueiras (no caso de conflitos familiares cotidianos) – também são experienciadas em algum momento da vida de todos nós. No entanto, em muitos casos, essa realidade é pouco ou inadequadamente discutida no próprio seio familiar. É na escola, portanto, que podemos trabalhar o tema do lar com os(as) estudantes, tendo em vista que as relações que estabelecemos a partir dele nos constituem enquanto sujeitos e, por isso, in- fluenciam no projeto de sociedade que ajuda- mos a formar. O lar como Tema Contemporâneo Transversal Como vimos, o lar integra a vida familiar e social, que é um dos Temas Contemporâneos Transversais (TCT) previstos na BNCC. Ele de- sempenha um papel fundamental na formação deveres das crianças e dos adolescentes nos diversos contextos familiares. Na área de Linguagens e suas Tecnologias, por meio das diferentes mídias virtuais de aces- so à informação, da literatura, da produção tex- tual e da expressão artística, os(as) estudantes podem explorar narrativas sobre o lar, discutir sobre memórias, discursos e artefatos que re- velem identidade cultural e pertencimento nas relações familiares. Na área de Ciências Exatas e da Nature- za, por exemplo, o lar pode ser trabalhado na perspectiva da sustentabilidade, refletindo so- bre consumo consciente, gestão de resíduos, eficiência energética e conservação da água no contexto doméstico, o que pode envolver cálculos matemáticos para estimar o consumo de energia, análise química de produtos de lim- peza e investigação científica sobre o impacto ambiental dos resíduos domésticos. Além dis- so, pode ser trabalhada a dimensão da saúde e do bem-estar, abordando os impactos das tec- nologias nas atividades domésticas e na saúde física e mental no contexto familiar. 52 e no desenvolvimento dos indivíduos, influen- ciando aspectos emocionais, educacionais e sociais e, portanto, fazendo parte das deman- das da sociedade contemporânea. Com o exposto, busquei mostrar que so- mos um todo constituído pelo que vivemos, sentimos e produzimos singularmente a par- tir das nossas experiências com o outro. Essa constituição se dá fundamentalmente no am- biente familiar, onde temos nossa primeira no- ção de lar. Trabalhar o tema do lar na sala de aula é, de maneira geral, oportunizar aos(às) estudantes eventos em que possam refletir, se acolher, questionar e discutir sobre as comple- xidades envolvidas nas dinâmicas familiares, os desdobramentos sobre si e sobre a socie- dade. No âmbito do Ensino Médio, na área de Ci- ências Humanas e Sociais Aplicadas, podem ser exploradas, por exemplo, questões sobre a diversidade histórica e cultural dos arranjos fa- miliares, questões geopolíticas envolvidas nos casos de famílias de refugiados e migrantes, os desafios enfrentados pelas famílias contem- porâneas e a legislação relativa aos direitos e Yu ri A / S hu tt er st oc k Outros laços MOLLISON, James. Where children sleep. Londres: Chris Boot, 2010. * Reportagem a respeito da série: https://medium.com/espacof508/onde-as-crian%C3%A7as- dormem-james-mollison-82b8030ca045 Série completa no site do fotógrafo: https://www.jamesmollison.com/where-children-sleep Ja m es M ol lis on / ja m es m ol lis on .c om R ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra Nadiana Lima ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIO Núcleo de Produção deConteúdo e Formação 53 Não me restam dúvidas de que, após a leitura do inspirador ensaio “Os lares que nos constituem”, um turbilhão de sentimentos se instaurou e boas ideias para práticas pedagógicas fervilharam em nossos interlocutores des- te caderno, sobretudo pelas diversas sugestões de repertório sociocultural que a autora nos apresenta em sua discussão. Neste breve espaço, indicarei mais uma que se amalgama com as de Fraga. A proposta reside na apreciação da série fotográfica “Onde as crianças dormem”* (“Where children sleep”, do fotógrafo James Mollison). Nela, há registros dos quartos de diversas crianças do mundo todo, em um retrato de seus perfis socioeconômicos, de suas personalidades, de seus gostos e quereres. Ao se depararem com outras realidades que, em um movimen- to metonímico, se revelam nesses microcosmos pessoais, nesses univer- sos particulares, os estudantes podem ser incitados a cotejá-los com sua própria experiência e a produzirem registros fotográficos de seus próprios quartos, acompanhados por relatos de cunho memorialístico sobre suas reconfigurações ao longo do tempo. O que as mudanças revelam sobre eles mesmos? Sobre sua família? Em que medida eles se refugiam da vida social para viverem esta outra, pessoal? Filmes › Documentário “Onde eu moro”, que aborda histórias de pessoas em situação de rua dos Estados Unidos, de experiências de não lar e suas consequências. Disponível na Netflix: https://www.netflix.com/title/81240756. › Minissérie “Eric”, por meio da qual é possível refletir sobre a perspectiva psíquica e emocional das sensações de bem/mal-estar proporcionadas pelo lar. Disponível na Netflix: https://www. netflix.com/title/81284301. Livro › A parte que falta, Shel Silverstein, que se apresenta como uma forma de trabalhar o senso de importância e autonomia nos estudantes, sobretudo em meio às queixas sobre a influência das relações familiares. Música › Diáspora (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown / Marisa Monte). Vídeo oficial com a letra disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=neR2vTRrs4M. https://www.netflix.com/title/81240756 https://www.netflix.com/title/81284301 https://www.netflix.com/title/81284301 https://www.youtube.com/watch?v=neR2vTRrs4M https://www.youtube.com/watch?v=neR2vTRrs4M 6 54 O que são e para quem são os direitos humanos? Este ensaio constrói um panorama multifacetado sobre a questão dos direitos humanos e de sua efetiva implementação em diferentes contextos, sobretudo o educacional. O desafio, conforme argumenta a autora, é a persistência de desigualdades estruturais, as quais precisam ser combatidas desde a sala de aula. Educação em direitos humanos Macroárea temática CIDADANIA E CIVISMO Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l 55 A história dos direitos humanos remontaàs civilizações an- tigas, em que princípios fundamentais de justiça e igualdade já eram presentes em diversas culturas. No entanto, a formali- zação dos direitos humanos como os entendemos atualmen- te começou a tomar forma com a Declaração de Direitos de 1689 na Inglaterra, estabelecendo limites ao poder monárqui- co e protegendo certos direitos dos cidadãos. O ponto de vira- da foi mais significativo com a Declaração de Independência dos Estados Unidos em 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão durante a Revolução Francesa de 1789. Esses documentos influenciaram a concepção moderna de direitos humanos ao proclamarem direitos inalienáveis como liberdade e igualdade. A partir desse ponto, surgiram diversos instrumentos internacionais e constituições nacionais que consagraram os direitos humanos como valores universais, fundamentais para a dignidade humana. O século XX foi um período crucial para os direitos huma- nos, especialmente após as atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento fundamental que delineia os direitos e liberdades básicos que devem ser garantidos a todos os seres humanos. Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, existem diversos tratados e convenções internacionais que detalham e ampliam esses direitos, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) de 1966 e o Pacto Internacio- nal sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 1966, ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992. Os direitos humanos são, portanto, um conjunto de princí- pios fundamentais que visam proteger a dignidade e a liberda- de de todos os indivíduos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra con- dição. Incluem o direito à vida, à liberdade, à opinião e à ex- pressão, ao trabalho, à educação e à proteção contra tortura e tratamentos desumanos. São universais, inalienáveis e inter- dependentes, abrangendo uma ampla gama de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Compreender a es- sência e o alcance dos direitos humanos é crucial para educa- dores, pois isso promove uma cultura de respeito e igualdade em ambientes educacionais e na sociedade em geral. Patrícia Rosas Professora Adjunta do Departamento de Metodologia da Educação (DME) da UFPB; Pós-Doutora em Linguagem e Ensino; Doutora em Linguística (Doutorado-Sanduíche na UBA, Argentina); Mestre em Linguagem e Ensino; Especialista em Língua Portuguesa; Graduada em Letras e Pedagogia; Professora da Educação Básica (2003- 2023); redatora de Língua Portuguesa da Proposta Curricular do Estado da Paraíba; pesquisadora da Fundação Carlos Chagas e Itaú Social no âmbito do Edital de Pesquisa: Anos Finais do Ensino Fundamental Adolescências, Qualidade e Equidade na Escola Pública (2019- 2021); idealizadora do Projeto Desengaveta Meu Texto e da Revista Tertúlia; vencedora do Prêmio LED - Luz na Educação (Rede Globo) e do Prêmio Melhores Programas de Incentivo à Leitura da FNLIJ (2019); finalista do Prêmio Jabuti, eixo Inovação, Categoria Fomento à Leitura (2018, 2019, 2021). iv ec to r / R ep ro du çã o or ig in al S hu tt er st oc k 56 Personalidades marcantes Diversas personalidades tiveram um papel crucial na promoção e defesa dos direitos humanos ao longo da história. Entre elas, destaca-se Eleanor Roosevelt, que presidiu a comissão responsável pela redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Sua dedicação e visão foram essenciais para a consolidação deste documento histórico. Outro nome de destaque é Mahatma Gandhi, cujo ativismo não violento pela independência da Índia inspirou movimentos de direitos civis e liberdades ao redor do mundo. Martin Luther King Jr., por sua vez, foi um líder incontestável na luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, advogando pela igualdade racial e justiça social. Nelson Mandela também é uma figura icônica, cuja luta contra o apartheid na África do Sul e subsequente presidência simbolizaram a vitória da dignidade e dos direitos humanos sobre a opressão racial. Para quem são os direitos humanos? A resposta mais direta e abrangente a esta pergunta é que os direitos huma- nos são para todos. Eles não se limitam a um grupo específico, mas são uni- versais e aplicáveis a todas as pessoas, em todos os lugares. Essa universali- dade é um dos princípios fundamen- tais dos direitos humanos, significando que ninguém pode ser excluído de sua proteção. A discussão sobre os direitos humanos ganha uma dimensão ainda mais crucial quando se trata das mino- rias étnicas, raciais, religiosas e outros grupos marginalizados. Esses grupos frequentemente enfrentam discrimina- ção sistemática e exclusão social em di- versas sociedades ao redor do mundo. Crianças e Adolescentes A proteção dos direitos das crianças e adolescentes é uma das questões mais cruciais no âmbito dos direitos huma- nos, dada a vulnerabilidade e o desen- volvimento em curso desse grupo. A Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1989, representa um marco fundamental na garantia desses direitos. Ela reconhece a necessidade de proteção e cuidado específicos para assegurar o bem-estar e o pleno desenvolvimento das crian- ças e adolescentes. A CDC aborda uma ampla gama de direitos, desde o direito à vida, à saúde e à educação até a pro- teção contra a exploração, o abuso e a violência. Estabelece que todas as crianças têm o direito de crescer em um ambiente seguro e afetuoso, onde possam desenvolver todo o seu poten- cial. No entanto, apesar dos avanços significativos desde a adoção da CDC, ainda persistem desafios consideráveis 57 na efetiva implementação desses direitos em todo o mundo. Um dos principais desafios enfrentados pelas crianças e adolescentes é a falta de acesso a uma educação de qualidade. Mi- lhões de crianças em todo o mundo estão fora da escola (problema agravado pela pan- demia de COVID-19) ou enfrentam barreiras para receber uma educação adequada, devi- do a fatores como pobreza, discriminação, conflitos armados e desastres naturais. Outro problema crítico é a violência con- tra crianças e adolescentes, que assume diversas formas, incluindo abuso físico, sexual e emocional, exploração sexual, tra- balho infantil e casamento infantil. Essas formas de violência têm efeitos devastadores na vida das crianças, comprometendo seu bem-estar físico, emocional e psicológico, minando seu direito fundamental à proteção e segurança. Além disso, a pobreza e a desigualdade continuam a ser obstáculos significativos para o pleno exercício dos direitos das crian- ças e dos adolescentes. Milhões de crian- ças em todo o mundo vivem em situações de extrema pobreza, privadas de acesso a serviços básicos como saúde, alimentação Crianças em uma creche pública, Dendezeiros, Bahia, 2019 adequada e moradia segura. A falta de políti- cas eficazes de proteção social e o aumento das desigualdades econômicas exacerbam ainda mais essa situação. Diante desses desafios, é crucial um com- promisso renovado por parte dos governos, da sociedade civil e da comunidade interna- cional para garantir a proteção e a promoção dos direitos das crianças e dos adolescen- tes. Isso requer a implementação efetiva de políticas e programas destinados a garantir o acesso universal à educação de qualida- de, à saúde, à proteção contra a violência e à erradicação da pobreza e da desigualdade. Somente por meio de esforços coordena- dos e sustentados podemos assegurar que todas as crianças e adolescentes tenham a oportunidade de alcançar seu pleno poten- cial e contribuir para um mundo mais justo e inclusivo. Mulheres A questão dos direitos das mulheres é um dos temas mais prementes e complexos no contexto dos direitos humanos.Embora os princípios dos direitos humanos sejam uni- versalmente proclamados, a realidade é que as mulheres enfrentam discriminação siste- Jo a So u za / S hu tt er st oc k Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 58 mática e violações de seus direitos em todo o mundo, em diversas esferas da vida, desde o acesso à educação e ao emprego até ques- tões relacionadas à saúde reprodutiva e à violência de gênero. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1979, representa um marco importante na luta pela igualdade de gênero. Este instrumento internacional visa garantir que as mulheres possam desfrutar plenamente de seus direitos humanos em igualdade com os homens e estabelece uma série de medidas para combater a discrimi- nação de gênero em todas as suas formas. No entanto, apesar dos avanços legais e das obrigações assumidas pelos Estados sig- natários da CEDAW, a implementação efeti- va desses compromissos muitas vezes deixa a desejar. A persistência de normas sociais patriarcais, estereótipos de gênero arraiga- dos e desigualdades estruturais continuam a limitar as oportunidades das mulheres e a restringir seu pleno exercício de direitos. Um dos principais desafios na promoção dos direitos das mulheres é a violência de gênero, que afeta milhões de mulheres em todo o mundo. A violência doméstica, o as- sédio sexual, o tráfico de pessoas e o femi- nicídio são apenas algumas das formas pe- las quais as mulheres são alvos de violência baseada no gênero. Essa violência não ape- nas viola os direitos humanos das mulheres, mas também tem um impacto devastador em suas vidas, sua saúde mental e física, e na sociedade como um todo. Além da violência, as mulheres continu- am enfrentando desigualdades significativas no mercado de trabalho, com disparidades salariais persistentes, acesso limitado a car- gos de liderança e discriminação baseada na maternidade. O acesso à saúde reprodutiva e sexual também é frequentemente restrito, com obstáculos para o acesso a contracep- tivos, aborto seguro e serviços de saúde ma- terna de qualidade. Outro aspecto importante na discussão sobre os direitos das mulheres é a intersec- cionalidade, que reconhece que as mulheres enfrentam formas únicas e interseccionadas de discriminação com base em sua raça, et- nia, classe social, orientação sexual, identi- dade de gênero e outras características. Por- tanto, políticas e programas destinados a promover a igualdade de gênero devem levar em consideração essas interseções e abor- dar as múltiplas formas de discriminação que as mulheres enfrentam. Isso requer não apenas a implementação e a aplicação efetiva das leis existentes, mas também uma mudança cultural profunda que desafie as normas de gênero arraigadas e promova uma verdadeira igualdade de oportunidades para todas as mulheres, em todas as esferas da vida. 59 Minorias e grupos marginalizados Os direitos humanos também são particularmente relevantes para mi- norias étnicas, raciais, religiosas e outros grupos marginalizados, que fre- quentemente enfrentam discriminação e exclusão social. Instrumentos internacionais como a Declaração sobre os Direitos das Pessoas Perten- centes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas (1992), visam proteger os direitos desses grupos. Apesar da existência desses instrumentos internacionais, a realidade para muitas minorias continua sendo de marginalização e violações de direitos. Observamos inúmeras formas de discriminação e preconceito que enfrentam diariamente, desde a falta de acesso igualitário a oportunidades educacionais e de emprego até a violência física e verbal baseada em características étnicas, raciais, religiosas ou linguísticas. Além disso, a crescente onda de nacionalismo e xenofobia em muitas partes do mundo tem exacerbado ainda mais as tensões e as violações dos direitos das minorias. Para verdadeiramente garantir a eficácia dos direitos humanos para as minorias, é necessário um compromisso renovado com a justiça social, a igualdade e o respeito pela diversidade. Isso requer não apenas ações governamentais, mas também o engajamento ativo da sociedade civil, das instituições internacionais e dos indivíduos em todos os níveis. Somente por meio de esforços concertados e contínuos podemos esperar alcançar uma sociedade em que todos, independentemente de sua identidade, se- jam tratados com dignidade, respeito e igualdade perante a lei. A justiça popular, a mídia e a proteção dos direitos humanos Ao falarmos sobre os direitos humanos, precisamos abordar a ques- tão da “justiça popular” ou “justiça pelas próprias mãos”. Essa prática, ca- racterizada pela busca por vingança ou punição fora dos sistemas legais estabelecidos, tem sido uma realidade em muitas sociedades ao redor do mundo. Embora possa surgir como uma resposta rápida a falhas percebi- das no sistema judicial, essa prática frequentemente resulta em violações dos direitos humanos e perpetua um ciclo de violência que mina os funda- mentos da justiça e da civilidade. A justiça popular ignora os princípios fundamentais do devido proces- so legal, da presunção de inocência e do direito a um julgamento justo. Aqueles que são alvo da justiça popular frequentemente são privados de seus direitos humanos básicos, incluindo o direito à vida, à integridade física e à dignidade. Além disso, a justiça popular tende a ser seletiva e arbitrária, muitas vezes visando a grupos marginalizados ou minoritários que já enfrentam discriminação sistemática. Inúmeros casos de justiça popular têm sido destaque nos noticiários nos últimos anos. Um exemplo foi o caso de Michael Brown em Ferguson, “Observamos inúmeras formas de discriminação e preconceito que enfrentam diariamente, desde a falta de acesso igualitário a oportunidades educacionais e de emprego até a violência física e verbal baseada em características étnicas, raciais, religiosas ou linguísticas.” 60 Missouri, em 2014, onde a cobertura intensa e, por vezes, unilateral dos eventos desenca- deou uma onda de protestos e debates aca- lorados sobre a brutalidade policial e os di- reitos civis. Embora tenha sido importante para destacar questões raciais e de justiça, a cobertura seletiva muitas vezes simplificou a complexidade do caso, levando a mal-enten- didos e polarizações violentas. Outro exemplo foi a crise migratória eu- ropeia em 2015, na qual muitos meios de comunicação retrataram imagens de mi- grantes como ameaças à segurança e à esta- bilidade nacional. A cobertura naquela épo- ca contribuiu para a xenofobia e dificultou a compreensão dos direitos dos migrantes como seres humanos em busca de seguran- ça e dignidade. Além disso, é importante mencionar mo- vimentos como o Black Lives Matter (BLM) nos EUA, que tiveram um papel crucial na luta contra a violência policial e a discriminação racial em resposta à morte de George Floyd. No entanto, a reação polarizadora, tanto de apoiadores fervorosos quanto de detratores, obscureceu os objetivos principais do movi- mento. Por exemplo, slogans como “Defund the Police1“ foram frequentemente mal com- preendidos, levando a debates intensos que, às vezes, desviaram o foco da necessidade de reforma sistêmica e respeito pelos direi- tos humanos. Por fim, vale ressaltar o fenômeno do “cancelamento” nas redes sociais, em que indivíduos ou grupos são publicamente boicotados por suas opiniões, visto por al- guns como uma forma de justiça social. Um exemplo recente foi a participação da can- tora Karol Conká no “Big Brother Brasil”, em sua 21ª edição, que resultou em repercus- sões devastadoras para sua vida e carreira. A intensa cobertura midiática sobre suas atitudes controversas dentro do programa, incluindo acusações e comentários conside- rados xenofóbicos e machistas a outro parti- cipante,contribuíram para sua alta rejeição pelo público. Esse caso culminou em sua eliminação com um recorde de 99,17% dos votos. A mídia, ao abordar esses eventos, desempenhou um papel crucial na dissemi- nação da informação, por vezes sensaciona- lista, alimentando debates acalorados sobre a conduta da cantora. As consequências in- cluíram a perda de contratos publicitários, o cancelamento de shows e até mesmo amea- ças de morte, conforme documentado na sé- rie “A Vida depois do tombo”, do Globoplay. Esses exemplos ilustram como o poder da mídia pode influenciar drasticamente a vida de indivíduos, destacando a importância de uma abordagem responsável e ética na co- bertura de eventos controversos. Quando a mídia sensacionaliza casos de “justiça com as próprias mãos”, retratando os perpetra- 1 Heterogêneo, o movimento abriga propostas distintas – desde o corte pontual de verbas, passando pelo investimento em formação dos policiais, até pedidos mais radicais de extinção total das forças policiais como conhecemos. Disponível em: https:// www.terra.com.br/noticias/mundo/movimento- defund-the-police-o-que-defendem-ativistas-que- pedem-menos-verbas-para-a-policia-apos-morte- de-george-floyd,616061e7266d6c1d9c37c60a2a8- 4886atg69czfu.html Protestos pelo movimento Black Lives Matter. T in t M ed ia / S hu tt er st oc k https://www.terra.com.br/noticias/mundo/movimento-defund-the-police-o-que-defendem-ativistas-que-pedem-menos-verbas-para-a-policia-apos-morte-de-george-floyd,616061e7266d6c1d9c37c60a2a84886atg69czfu.html https://www.terra.com.br/noticias/mundo/movimento-defund-the-police-o-que-defendem-ativistas-que-pedem-menos-verbas-para-a-policia-apos-morte-de-george-floyd,616061e7266d6c1d9c37c60a2a84886atg69czfu.html https://www.terra.com.br/noticias/mundo/movimento-defund-the-police-o-que-defendem-ativistas-que-pedem-menos-verbas-para-a-policia-apos-morte-de-george-floyd,616061e7266d6c1d9c37c60a2a84886atg69czfu.html https://www.terra.com.br/noticias/mundo/movimento-defund-the-police-o-que-defendem-ativistas-que-pedem-menos-verbas-para-a-policia-apos-morte-de-george-floyd,616061e7266d6c1d9c37c60a2a84886atg69czfu.html https://www.terra.com.br/noticias/mundo/movimento-defund-the-police-o-que-defendem-ativistas-que-pedem-menos-verbas-para-a-policia-apos-morte-de-george-floyd,616061e7266d6c1d9c37c60a2a84886atg69czfu.html https://www.terra.com.br/noticias/mundo/movimento-defund-the-police-o-que-defendem-ativistas-que-pedem-menos-verbas-para-a-policia-apos-morte-de-george-floyd,616061e7266d6c1d9c37c60a2a84886atg69czfu.html G oo dS tu di o / R ep ro du çã o or ig in al S hu tt er st oc k 61 dores como heróis e exaltando suas ações como exemplos de justi- ça rápida e eficaz, isso pode legitimar e até mesmo encorajar a vio- lência popular, alimentando um ciclo de vingança e injustiça. Por outro lado, reportagens investigativas, documentários e co- bertura jornalística responsável podem aumentar a conscientiza- ção sobre as violações dos direitos humanos e pressionar as autori- dades a agirem para garantir a responsabilização dos perpetradores e a proteção das vítimas. Além disso, a mídia pode desempenhar um papel educativo, in- formando o público sobre os princípios fundamentais do Estado de Direito e a importância do respeito à dignidade e à igualdade de to- dos perante a lei. Ao fornecer contextos e análises aprofundadas, a mídia pode ajudar a desafiar percepções distorcidas sobre a justiça popular e promover uma cultura de respeito aos direitos humanos e à legalidade. Direitos humanos no contexto educacional A escola é um ambiente em que as crianças e os jovens passam uma grande parte do seu tempo, sendo, assim, um espaço privile- giado para a formação de valores e para a disseminação de conhe- cimento sobre os direitos humanos. Ao discutir temas como igual- dade, liberdade, justiça e dignidade, os alunos têm a oportunidade de compreender a importância desses princípios na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Podemos citar algumas iniciativas relevantes que promovem a educação em direitos humanos de maneira transversal, ou seja, integrada a todas os componentes curriculares e atividades esco- lares. Um exemplo é o Programa Nacional de Educação em Direi- tos Humanos (PNEDH), que tem como objetivo promover a cultura de direitos humanos nas escolas e instituições de ensino em todos 62 os níveis. O Programa, lançado em 2003, é uma iniciativa governamental voltada para a construção de uma sociedade fundamenta- da nos princípios da democracia, cidadania e justiça social. Seu objetivo primordial é es- timular uma cultura de direitos humanos, in- centivando a solidariedade e o respeito à di- versidade. O documento é estruturado com concepções, princípios, objetivos, diretrizes e linhas de ação, abrangendo cinco áreas principais: Educação Básica; Educação Su- perior; Educação Não-Formal; Formação de Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segu- rança Pública; Educação e Mídia. Outro exemplo é o Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos (PMEDH), uma iniciativa global promovida pela Organi- zação das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2005, que visa promover a educação em direitos huma- nos em todo o mundo. O objetivo é fornecer aos gestores públicos, instituições educacio- nais, organizações da sociedade civil e ativis- tas de direitos humanos recursos e diretrizes para desenvolver programas educacionais que promovam o respeito aos direitos huma- nos. A iniciativa visa desenvolver abordagens pedagógicas que fomentem o respeito em to- dos os níveis de ensino e em diversos contex- tos educacionais. Embora reconheçamos a importância do PNEDH, PMEDH e de programas simi- lares, é essencial não apenas endossar sua existência, mas também garantir que sejam devidamente implantados e apoiados, com investimentos em formação de professores, recursos educacionais adequados e uma abordagem abrangente e integrada em todos as áreas do currículo escolar. Só assim po- deremos realmente cultivar uma cultura de direitos humanos nas escolas e contribuir para a formação de cidadãos conscientes e engajados em uma sociedade mais justa e inclusiva. O papel do professor é fundamental nes- se processo. Cabe a ele não apenas apresen- tar os direitos humanos, bem como estimu- lar o pensamento crítico e o debate entre os estudantes. O professor deve ser um facilita- dor, incentivando a reflexão sobre questões como discriminação, violência, desigualda- de social e ambiental, guiando os discentes na busca por soluções e ações concretas para promover os direitos humanos em suas comunidades. É com base nessa discussão que os estudantes podem desenvolver uma consciência crítica, empática e comprometi- da com a promoção da justiça e do respeito pelos direitos de todos os seres humanos. Um material interessante para levar para sala de aula é a cartilha dos direitos huma- nos de Ziraldo, lançada em 2008; a cartilha reforça direitos de crianças e adolescentes proclamados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por fim, é imperativo reconhecer que os direitos humanos não são um objetivo final alcançado, mas sim um ideal em constante evolução que exige compromisso renovado e ação coordenada. Como lembra Bobbio (2004), os direitos humanos são caracteriza- dos pelo relativismo histórico e novos direi- tos surgem em resposta às demandas sociais emergentes. Portanto, o que é aplicável em um determinado período histórico não ne- cessariamente se aplica em outro. Nesse sentido, é essencial que indivíduos, comunidades, governos, instituições inter- nacionais e a mídia se unam em um esforço conjunto para enfrentar os desafios atuais e futuros, garantindo que os direitos humanos sejam respeitados, protegidos e promovidos em todas as esferas da vida. Somente através de uma abordagem colaborativa e holística podemos esperar construir um mundo ver- dadeiramente justo, inclusivo e dignopara todas as pessoas, sem exceção. Outros laços R ep ro du çã o / O N U M u lh er es Disponível em:https:// www.youtube.com/ watch?v=hGKAaVoDlSs R ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra Nadiana Lima ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIO Núcleo de Produção deConteúdo e Formação 63 Após a leitura do pertinente ensaio “O que são e para quem são os direitos humanos?”, a suposta obviedade da resposta de que “são para todos”, como afirma a autora, ganha outros con- tornos se considerarmos que há grupos minori- tários sistematicamente desrespeitados em sua dignidade humana. Desse modo, como sugestão de atividade que evidencie essa problemática, recomendo a exibição da animação “Direitos Hu- manos”, que pode ser explorada pelas informa- ções importantes que promove e como ponto de partida para produções os estudantes. Eles poderiam ser orientados a construírem os perfis Leituras › Livro “Tem lugar aí pra mim? Um livro sobre Direitos Humanos e respeito à diversidade”, de autoria de Fátima Mesquita – Panda books. › Livro “O menino e o mundo”, de autoria de Alê Abreu – Caramelo. Filmes › Documentário “AmarElo – É tudo pra ontem”, de 2020, dirigido por Fred Ouro Preto e produzido por Evandro Fióti, disponível na Netflix. › Longa-metragem de animação “O menino e o mundo”, de 2014, dirigido e roteirizado por Alê Abreu, disponível em Globoplay. sociais de personalidades que tiveram um papel fundamental na promoção e defesa dos direitos humanos, como Martin Luther King, Mahatma Gandhi e Nelson Mandela (citados no ensaio), além de Malala, Maria da Penha, Madre Tereza e Zumbi, entre outros. Alternativamente, a turma poderia produzir currículos ou portfólios des- sas personagens, em um contexto fictício em que eles estivessem concorrendo a uma vaga de emprego. Qual linguagem utilizar? Como ressal- tar suas qualidades e aspectos de personalidade para construir uma imagem positiva de si? https://www.youtube.com/watch?v=hGKAaVoDlSs https://www.youtube.com/watch?v=hGKAaVoDlSs https://www.youtube.com/watch?v=hGKAaVoDlSs 64 7 Quem transita quer respeito! Educação para o trânsito Macroárea temáticaCIDADANIA E CIVISMO Este ensaio versa sobre a necessidade de promover um comportamento responsável e respeitoso entre os usuários das vias. Tendo isso em vista, a autora reflete sobre as reconfigurações sócio-históricas e as consequentes mudanças nas leis de trânsito, bem como as possibilidades de conscientização por meio de ações pedagógicas. Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 65 Antes de tudo, um início Iracema, eu sempre dizia Cuidado ao travessar essas ruas Eu falava, mas você não me escutava, não Iracema, você travessou contramão Inicio este ensaio com uma breve epígrafe da música de Adoniran Barbosa, intitulada “Iracema”. Na música, o grande amor do eu-lírico atravessa a rua na contramão, é atropelada e vem à óbito. Infelizmente, cenas como esta ocorrem com uma certa frequência e, junto com o que já é trágico, vem um combo de situações problemáticas e constrangedoras: aglo- merado de pessoas curiosas, um caos em meio a tragédia. Este retrato poderia ser modificado por meio de uma educa- ção para o trânsito mais eficiente, com vistas a um ambiente rodoviário seguro e sustentável. Para que isso ocorra, é preci- so que se tenha a implementação de programas educativos eficazes que levem em conta a redução de acidentes e a pro- moção de um comportamento responsável entre os usuários das vias. De acordo com o DataSUS (2020), cerca de 30 mil pessoas morrem anualmente em acidentes de trânsito no Bra- sil. A maioria dessas mortes está relacionada a comportamen- tos inadequados, como excesso de velocidade, consumo de álcool e desrespeito às sinalizações. Antes de adentrarmos com mais profundidade nesses da- dos e entendermos a atual configuração das leis de trânsitos do Brasil, voltemos ao tempo para rememorarmos alguns pontos de partida que contribuíram para o agora. Gláucia Monteiro Graduada em História e Educação Física (licenciatura plena), com especialização em História e Cultura Afro-Brasileira. Professora há 26 anos na Educação Básica da Rede Particular de Ensino do Rio de Janeiro. Já atuou como docente de História na Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro e como professora da EJA. Atualmente, é professora do Ensino Fundamental Anos Iniciais. Década de 1910 Primeiras leis de trânsito. 1910: O decreto n° 8.324 de 27 de outubro de 1910 regulamentou o transporte de passageiros ou mercadorias entre as Cidades ou Estados. Década de 1920 Primeira referência a ônibus e veículos cargueiros. 1927: O decreto n° 5.141 regulou os impostos sobre a gasolina e criou o “Fundo Especial para Construcção e Conservação de Estradas de Rodagem Federaes”. Década de 1940 Primeiro conjunto de normas de trânsito. 1941: A criação do Código Nacional de Trânsito (CNT) pelo Decreto-Lei nº 2.994 foi o primeiro conjunto abrangente de normas sobre o trânsito no Brasil. Década de 1960 Mudanças no CNT. 1966: A promulgação do Código Nacional de Trânsito (Lei nº 5.108) substituiu o CNT de 1941. Este novo código trouxe atualizações e regulamentações mais detalhadas para a crescente frota de veículos no país. 1910 1920 1940 1960 66 Linha do tempo das leis de trânsito brasileira O Código Brasileiro de Trânsito Comecemos a falar do surgimento das primeiras leis de trânsito com al- guns fatos curiosos. Quem trouxe o pri- meiro veículo motorizado ao Brasil foi o irmão do pai da aviação, Henrique San- tos Dumont. Isso ocorreu no Século XIX, quando Henrique trouxe da França para as terras brasileiras um Peugeot 1891. Outro fato curioso, neste mesmo sécu- lo, diz respeito ao primeiro acidente de carro ocorrido no Brasil. E pasmem! No acidente estavam envolvidas duas gran- des figuras ilustres do cenário brasileiro: o ativista político José do Patrocínio e o poeta Olavo Bilac. Olavo Bilac, que não era habilitado, bateu em uma árvore com o carro que pegou emprestado com José do Patrocínio. Uma época bem diferen- te do momento atual, em que veículos eram para poucos e as regras de trânsito tão escassas quanto os possuidores de automóveis. No entanto, mesmo que o trânsito do século XIX fosse completa- mente mais tranquilo que o trânsito do século XXI, esse fato nos mostra o quan- to as normas e leis de trânsito são im- portantes. Embora Bilac não tenha bati- do em outro veículo ou em um pedestre, ele poderia ter morrido com a colisão na árvore, afinal, ele não era habilitado, não tinha, portanto, as condições neces- sárias para conduzir um veículo. Hoje, mesmo com todas as regras e fiscaliza- ções que ocorrem no trânsito, ainda nos deparamos com muitas pessoas que se aventuram a conduzir um veículo sem habilitação. O passado continua presen- te. E, por falar em passado, voltemos a ele, uma vez que a trajetória é imprescin- dível para compreender o presente. Sen- do assim, vamos analisar a linha do tem- po que traz alguns marcos importantes para as leis de trânsito brasileira. Década de 1910 Primeiras leis de trânsito. 1910: O decreto n° 8.324 de 27 de outubro de 1910 regulamentou o transporte de passageiros ou mercadorias entre as Cidades ou Estados. Década de 1920 Primeira referência a ônibus e veículos cargueiros. 1927: O decreto n° 5.141 regulou os impostos sobre a gasolina e criou o “Fundo Especial para Construcção e Conservação de Estradas de Rodagem Federaes”. Década de 1940 Primeiro conjunto de normas de trânsito. 1941: A criação do Código Nacional de Trânsito (CNT) pelo Decreto-Lei nº 2.994 foi o primeiro conjunto abrangente de normas sobre o trânsito no Brasil. Década de 1960 Mudanças no CNT. 1966: A promulgação do Código Nacional de Trânsito (Lei nº 5.108) substituiuoa l 8 Por essa razão, este Caderno Pedagógico apresenta doze capí- tulos relacionados às macroáreas que compõem os TCT. Assuntos como etarismo, diversidade, multiculturalismo, sustentabilidade, mídias digitais, entre outros, fazem parte dessa trama educacional. Além disso, os capítulos contam com os boxes “Nos entremeios da sala de aula” e “Outros laços”, voltados para o Ensino Médio, que têm o objetivo de ampliar o repertório sociocultural dos estudantes, visando ao Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Esses boxes incluem propostas de atividades e sugestões de filmes, livros, sites etc., que levam em conta o tema abordado no capítulo. Vale mencionar que, nesta edição, continuamos trazendo as se- quências de pautas formativas para reuniões pedagógicas, porém em um formato um pouco diferente. As sinopses estarão presentes no final do Caderno Pedagógico, enquanto as pautas serão dispo- nibilizadas de modo virtual, em nosso site do e-docente. Para ad- quiri-las, acesse o endereço www.edocente.com.br e busque por “conteúdos para download”. Além das pautas e das versões atual e anteriores do Caderno Pedagógico, há uma série de outros mate- riais disponíveis, que funcionam como aviamentos para um melhor acabamento na confecção da rotina educacional. As sequências de pautas formativas desta edição abordam a ava- liação em todos os segmentos do Ensino Básico, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. Esperamos que esta publicação proporcione caminhos leitores que nos levem a encontrar o fio da meada. Que, a partir dela, os interlocutores possam aprimorá-la ainda mais com os tules, as sia- ninhas, as rendas e as pedrarias de seus saberes. Certamente, por meio de todo esse alinhavado de ideias, poderemos renovar o nosso guarda-roupa de forma mais viável, ajustando a modelagem para o caminho do agora, com vistas para o amanhã. Coordenadora do Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação 9 Macroárea temáticaMEIO AMBIENTE Construindo um futuro responsável por meio de uma educação sustentável Este ensaio discute a pertinência da promoção de uma educação para sustentabilidade como prerrogativa para enfrentar os desafios ambientais que se apresentam. Para o autor, é crucial desenvolver a conscientização dos estudantes, visando à atuação eficiente na elaboração de soluções duradouras. Educação ambiental e Educação para o consumo 1 Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l 10 A integração de temas de sustentabilidade no currícu- lo escolar é uma necessidade emergente em face da crise climática global, mas também se torna uma resposta di- reta aos desafios específicos que enfrentamos no Brasil. Recentemente, o estado do Rio Grande do Sul foi palco de uma das maiores tragédias ambientais de nossa histó- ria, refletindo a vulnerabilidade de nossas comunidades a eventos extremos, que são exacerbados pelas mudanças climáticas. Uma maneira de contornar eventos como este é de- senvolver uma educação para a sustentabilidade, que surge como uma importância crucial nesse contexto, proporcio- nando aos jovens os conhecimentos e habilidades neces- sários para enfrentar e mitigar os impactos ambientais de suas ações. Ao enraizar a educação para a sustentabilida- de nos currículos das escolas públicas, estamos preparan- do uma geração que será mais consciente e responsável, apta a tomar decisões que priorizem o bem-estar coletivo e a saúde do planeta. Neste capítulo, exploraremos como os princípios da sustentabilidade podem ser entrelaçados com os objetos de conhecimento de várias áreas, transformando a manei- ra como os estudantes percebem e interagem com o mun- do ao seu redor. Através de uma abordagem que procura associar as orientações da Base Nacional Comum Curricu- lar e possibilidades de aplicabilidade prática, pretendemos não apenas sensibilizar sobre essa urgência crescente, mas também motivar educadores a transformar o espaço escolar em um terreno fértil para a cidadania ambiental. Uma das razões desse intento é o fato de a educação para sustentabilidade no Brasil ser essencial para a for- mação de cidadãos conscientes e responsáveis, capazes de entender e questionar as complexas interações entre desenvolvimento humano e impacto ambiental. Isso se torna ainda mais pertinente em um país que tem visto fre- quentes desastres ecológicos, como o desmatamento da Amazônia, a degradação do Cerrado e, mais recentemente, as enchentes devastadoras no Sul. Esses eventos não ape- nas afetam a biodiversidade e os ecossistemas locais, mas também têm impactos diretos na qualidade de vida das populações, evidenciando a urgência de uma população bem-informada e engajada em práticas sustentáveis. Além disso, o Brasil possui uma grande diversidade so- cioeconômica e cultural, o que requer uma abordagem Vinicius Cavichioli É formado em Jornalismo pela Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE) e em Gestão Ambiental pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP), além de ser Líder Climático no The Climate Reality Project. Com mais de doze anos de experiência na área ambiental, tem vivência tanto no setor público quanto no privado. Atuou como docente em cursos profissionalizantes no SENAC e na graduação de Engenharia Ambiental na Universidade de Santo Amaro (UNISA), disseminando esse conhecimento e abordando temas alinhados com a Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, sempre com foco na temática ambiental. Recentemente, trabalhou como Gestor de Unidades de Conservação no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Atualmente, é Analista de Meio Ambiente na JBS, desempenhando suas atividades na Unidade de SUAPE. 11 educacional que seja inclusiva e adaptada às realidades locais. A educação para a sustentabilidade pode oferecer esse objetivo ao promover um ensino que res- peita e valoriza as sabedorias locais e indígenas, por exemplo, integrando-as com conhecimentos científicos e tecnológicos modernos. Isso é o alicerce para enri- quecer o aprendizado dentro e fora do ambiente escolar, fortalecendo as identi- dades culturais e promovendo uma maior conscientização sobre a gestão sus- tentável dos recursos locais. O caminho percorrido A educação para a sustentabilidade é definida como um processo de aprendi- zagem que incorpora conceitos-chave como sustentabilidade, educação ambiental e desenvolvimento sustentável. Esse tipo de educação visa capacitar as pessoas a tomar decisões informadas e responsáveis para a promoção do bem-estar am- biental, econômico e social, e tem suas raízes nos movimentos ambientais das décadas de 1960 e 1970. No entanto, foi formalmente reconhecida e promovida globalmente pela primeira vez na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cúpula da Terra) em 1992, no Rio de Janeiro. Des- de então, várias conferências globais reforçaram a importância da educação na promoção da sustentabilidade, culminando na Década da Educação das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014) e no quadro subse- quente dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para Agenda 2030. Esses conceitos e evoluções históricas são cruciais para entender como a educação para a sustentabilidade se tornou um elemento integral das políticas educacionais ao redor do mundo, visando informar sobre esta temática estuda- da há décadas, transformando e equipando as gerações futuras com as ferra- mentas necessárias para enfrentar os desafios ambientais, sociais e econômicos de nosso tempo. Yu ri A / S hu tt er st oc k “Questões como “de onde vêm a comida que está na geladeira de casa?” podem ser importantes disparadoras de reflexão e incentivadoras de uma atitude pesquisadora.” Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 12o CNT de 1941. Este novo código trouxe atualizações e regulamentações mais detalhadas para a crescente frota de veículos no país. 1910 1920 1940 1960 Década de 1980 Agora, cabe à União! 1988: A promulgação da Constituição Federal (Art. 22, inciso XI) estabeleceu que compete à União legislar sobre trânsito e transporte. Década de 1990 Uma carteira com pontos. 1997: A promulgação do atual Código de Trânsito Brasileiro (CTB) pela Lei nº 9.503 entrou em vigor em janeiro de 1998 e trouxe mudanças significativas, como a introdução do conceito de infração por pontuação na carteira de habilitação. Década de 2000 Tolerância zero ao consumo de álcool. 2006: A Lei Seca (Lei nº 11.705) alterou o CTB, estabelecendo limites rigorosos para o consumo de álcool por motoristas e penalidades mais severas para quem dirige sob efeito de álcool. 2020 2008: As novas mudanças na Lei Seca (Lei nº 11.910) reforçou a tolerância zero ao consumo de álcool e aumentou as penalidades dos condutores alcoolizados. Década de 2010 Tolerância zero ainda maior! 2012: A Lei nº 12.760, conhecida como Nova Lei Seca, endureceu ainda mais as punições para motoristas que dirigem alcoolizados e introduziu o uso de bafômetro e testes clínicos como provas. Década de 2020 Mudanças na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). 2020: A Lei nº 14.071 promoveu uma ampla reforma no CTB, incluindo mudanças nos prazos de validade da CNH, no limite de pontos para suspensão da habilitação, entre outras alterações. 2014: A Lei nº 12.977 regulamentou a atividade de desmontagem de veículos automotores. 2016: A Lei nº 13.281 promoveu diversas mudanças no CTB, incluindo aumento de multas e criação de novas infrações. 2017: A alteração do CTB pela Lei nº 13.495 trouxe a possibilidade de conversão de multa leve ou média em advertência por escrito. 2010 1990 1980 2000 In fo gr áfi co : M ar ce la d e H ol an da 67 Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 68 Ao olharmos com atenção para o percurso das leis que do CTB, percebemos que elas foram, com o passar do tempo, tornando- se mais rígidas. Muitos fatores contribuíram para isso, todos eles decorrentes de imprudência e acidentes. Muito provavelmente, os nascidos entre as décadas de 70 e 80, como é o meu caso, devem lembrar do tanto de mudanças que ocorreram no tráfego terrestre do Brasil. Os veículos eram completamente diferentes: nada de di- reção hidráulica, câmbio automático, painel eletrônico, airbag etc. Desse modo, as habilidades necessárias para conduzi-los eram outras. Muita gente aprendia a dirigir com um parente ou amigo, sem frequentar uma autoescola de direção. Além disso, o uso de cinto de segurança e de cadeiras e assentos para bebês e crian- ças não eram obrigatórios, assim como o uso do capacete para os condutores de motocicletas. O transporte público era muito pro- curado, pois adquirir um veículo não era tão fácil para boa parte da população. Talvez, quem estiver fazendo esta leitura, possa achar que as coisas eram mais simples, mais tranquilas durante essas décadas ou antes delas. De fato, tínhamos menos trânsito, uma vez que a quantidade de veículos que circulavam nas ruas era muito menor que a atual. Com a popularidade dos carros e a oferta de valores e possibilidades de prestações, o número de veículos circulando nas vias e avenidas brasileiras aumentou consideravelmente, pro- vocando uma série de situações cotidianas, como o famoso en- garrafamento (e, consequentemente, mais estresse, mais buzinas, mais brigas etc.). Vale pontuar, no entanto, que, apesar das condições mais fa- voráveis decorrentes de um trânsito supostamente mais tranquilo devido à menor quantidade de veículos circulando, o comporta- mento dos condutores e pedestres daquela época, na maioria sem uma noção bem desenvolvida de educação no trânsito, influen- ciou o comportamento de muitos condutores e pedestres da atu- alidade. Não é à toa que a noção de estrutura é tão importante. Tudo vem de uma base. O racismo é estrutural, o machismo é es- trutural, a desigualdade é estrutural, e não é diferente em relação ao comportamento no trânsito. Todas essas questões resultaram nas mudanças nas leis do CTB. Foi e é preciso transformar em lei, multar e punir a popu- lação na tentativa de amenizar os riscos de mortes ocasionados por atropelamentos, colisões e discussões no trânsito. Daí surgem questões importantes para pensarmos e discutirmos: será que propostas de leis mais rígidas são suficientes para mudar o com- 1 Vale lembrar, que estamos nos referindo ao trânsito urbano. R ep ro du çã o / A R ed e 69 Disponível em: https://arede.info/cotidiano/514527/porsche-de- mais-de-r-1-milhao-bate-em-carro-e-mata-motorista?d=1 portamento da sociedade? Será que essas leis e regras não são burladas? Perguntas com respostas bem óbvias, não é? As leis e regras não são suficientes, uma vez que elas não são devidamente cumpridas. Associada à legislação, a educação para o trânsito é a melhor maneira de promover mudanças nesse cenário. Faz-se necessário entender o papel dos com- ponentes que transitam nas vias brasileiras: esse é o rumo de nosso diálogo daqui em diante. Entre pés e pedais Implementar uma cultura de respeito no trânsito não é tão simples, pois requer estudo e mudanças comportamentais decorrentes da aprendizagem. Muitos motoristas não rece- bem formação adequada sobre a importância do respeito no trânsito durante o processo de habilitação. As autoescolas muitas vezes focam apenas os aspectos técnicos da condu- ção, deixando de lado a formação ética e cidadã, primordial para uma convivência harmônica nas vias. Outro desafio é a impunidade. No Brasil, as infrações de trânsito não são devidamente penalizadas, o que cria um am- biente de permissividade. Motoristas que cometem infrações graves, como dirigir alcoolizados ou ultrapassar os limites de velocidade, frequentemente escapam sem punição, o que de- sencoraja o comportamento respeitoso. Um exemplo recente dessa impunidade pode ser atestado na manchete a seguir: Analisemos a escolha vocabular empregada na manchete. A primeira pergunta a ser feita: quem é Porsche? Ué, não é uma pessoa? Para quem não sabe e não acompanhou o pro- cesso, Porsche é um veículo, o que nos leva ao segundo ques- tionamento: o veículo bateu em um carro e matou o motorista sozinho? Como assim? Apenas a pessoa morta é corporifica- da de algum modo – motorista. A manchete não faz menção ao condutor; ele não é materializado. E, claro, como bem diz o quadro do Fantástico: isso tem nome! Poder, dinheiro, pres- tígio social. O condutor da Porsche dirigia embriagado e em “De acordo com o DataSUS (2020), cerca de 30 mil pessoas morrem anualmente em acidentes de trânsito no Brasil. A maioria dessas mortes está relacionada a comportamentos inadequados, como excesso de velocidade, consumo de álcool e desrespeito às sinalizações.” https://arede.info/cotidiano/514527/porsche-de-mais-de-r-1-milhao-bate-em-carro-e-mata-motorista?d=1 https://arede.info/cotidiano/514527/porsche-de-mais-de-r-1-milhao-bate-em-carro-e-mata-motorista?d=1 M ic he le U rs i / Sh u tt er st oc k 70 alta velocidade, provocando o acidente e o óbi- to de um outro condutor, que estava trabalhan- do como motorista de aplicativo e seguindo as leis de trânsito, como se é esperado. Os poli- ciais que acompanharam o caso no momento do acidente ficaram muito compadecidos, não com a vítima e sua família, mas com o crimino- so e com sua mãe, que chegou ao local e tratou de dizer aos policiais que precisava levar o seu “abalado filho” ao hospital. Isso foi prontamen- te atendido, uma vez que eles deixaram a cena do crime. Além disso, a falta de infraestrutura ade- quada também contribui para o desrespeito no trânsito. Em muitas cidades, a sinalização é pre- cária, as vias não são preservadas e a fiscaliza- ção é insuficiente. Essesproblemas estruturais dificultam a implementação de uma cultura de respeito, pois os motoristas, inevitavelmente, são levados a comportamentos de risco. Tendo em vista esses e outros enfretamen- tos presentes no cotidiano do trânsito do Brasil, promover um trabalho educativo nas escolas voltado para a educação no trânsito é necessá- rio e deve ser perene. É a única maneira possí- vel de adentrar na estrutura e recomeçá-la. Seguindo para a chegada final Há muitas cartilhas e manuais produzidos em vários locais do Brasil disponíveis para download. Baixá-los para a realização de ativi- dades em sala de aula é fundamental para que os estudantes compreendam a importância da mobilidade urbana e a responsabilidade que temos sobre ela. Buscar esses materiais nos si- tes das prefeituras ou no Detran de sua cidade/ região é uma alternativa. Além disso, vale ressaltar a Campanha Maio Amarelo, que tem por objetivo congregar o po- der público, a iniciativa privada e a sociedade civil para discutir e criar estratégias voltadas à segurança viária e à construção de vias e espa- ços mais seguros e ambientalmente sustentá- veis. O trabalho educativo continua sendo a melhor maneira de conscientizar a população sobre o respeito necessário para condutores e pedestres. Seguindo a linha de Chico Buar- que no uso das proparoxítonas: a educação é a forma mais próspera para não morrer “atrapa- lhando o trânsito, o tráfego, o próximo”. Outros laços R ep ro du çã o / N IT T R A N S R ep ro du çã o / C ET SP ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIOR ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra Alessandro Crisostomo Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação 71 Leituras › Projeto Educação para o trânsito (Santa Catarina), disponível em: https://ndmais.com. br/infraestrutura/sc-aposta-em-projetos- educacionais-para-humanizar-transito-nas- rodovias-do-estado/ › Guia global de desenho nas ruas, disponível em: https://somoscidade.com.br/wp- content/uploads/2020/11/180510_GSDG_ IntroPeoplePlace_AC_PT_compressed.pdf › Projeto Multiplicadores da Educação para o Trânsito (UFAL), disponível em: https:// alagoas.al.gov.br/noticia/detran-retoma-projeto- multiplicadores-da-educacao-para-o-transito-em- parceria-com-a-ufal Diversos lugares confeccionaram guias e cartilhas que podem ser trabalhados nas escolas. Apresentaremos aqui alguns caros exemplos de materiais que podem ser explorados em sala de aula: Guia de Boas Práticas no Trânsito - NITTRANS (Niterói, Transporte e Trânsito) O Guia de Boas Práticas no Trânsito produzido pela NITTRANS tem por finalidade sensibilizar a população sobre a relevância da educação no trânsito, buscando diminuir os problemas viários nas proximidades das instituições de ensino e, ao mesmo tempo, assegurando maior segurança para os estudantes e para os res- ponsáveis por seu transporte. Cartilha dos pedestres – SP Para muitas pessoas, o corpo é um meio de transporte. O nú- mero de pedestres aumenta cada vez mais, e eles costumam ca- minhar por diversas finalidades. Os pedestres, assim como os ciclistas, podem ser grandes aliados para uma mobilidade mais sustentável, segura e econômica. No entanto, há alguns pedes- tres que, por desconhecimento talvez, atrapalham o trânsito: correm em frente a veículos em movimento de forma inesperada, não atravessam na faixa de pedestres, não utilizam as calçadas e andam em meio às vias por onde circulam veículos. A Cartilha de Pedestres, disponibilizada pela Prefeitura de São Paulo, é um ma- terial pertinente para a discussão em sala de aula. Disponível em: https://nittrans. niteroi.rj.gov.br/_files/ugd /624a3e_4c8e03e2f2724947 a3d7266f736e8d7c.pdf Disponível em: https://www.cetsp. com.br/consultas/seguranca-e- mobilidade/cartilha-do-pedestre.aspx Filmes › Documentário “Luto em luta”, de 2012, dirigido e roteirizado por Pedro Serrano, disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=6vG4NXgdJA8&t=212s › Documentário “Elo perdido – o Brasil que pedala”, de 2018, dirigido por Renata Falzoni e roteirizado por Murilo Azevedo e Thiago Maiara. https://ndmais.com.br/infraestrutura/sc-aposta-em-projetos-educacionais-para-humanizar-transito-nas-rodovias-do-estado/ https://ndmais.com.br/infraestrutura/sc-aposta-em-projetos-educacionais-para-humanizar-transito-nas-rodovias-do-estado/ https://ndmais.com.br/infraestrutura/sc-aposta-em-projetos-educacionais-para-humanizar-transito-nas-rodovias-do-estado/ https://ndmais.com.br/infraestrutura/sc-aposta-em-projetos-educacionais-para-humanizar-transito-nas-rodovias-do-estado/ https://somoscidade.com.br/wp-content/uploads/2020/11/180510_GSDG_IntroPeoplePlace_AC_PT_compressed.pdf https://somoscidade.com.br/wp-content/uploads/2020/11/180510_GSDG_IntroPeoplePlace_AC_PT_compressed.pdf https://somoscidade.com.br/wp-content/uploads/2020/11/180510_GSDG_IntroPeoplePlace_AC_PT_compressed.pdf https://alagoas.al.gov.br/noticia/detran-retoma-projeto-multiplicadores-da-educacao-para-o-transito-em-parceria-com-a-ufal https://alagoas.al.gov.br/noticia/detran-retoma-projeto-multiplicadores-da-educacao-para-o-transito-em-parceria-com-a-ufal https://alagoas.al.gov.br/noticia/detran-retoma-projeto-multiplicadores-da-educacao-para-o-transito-em-parceria-com-a-ufal https://alagoas.al.gov.br/noticia/detran-retoma-projeto-multiplicadores-da-educacao-para-o-transito-em-parceria-com-a-ufal https://nittrans.niteroi.rj.gov.br/_files/ugd/624a3e_4c8e03e2f2724947a3d7266f736e8d7c.pdf https://nittrans.niteroi.rj.gov.br/_files/ugd/624a3e_4c8e03e2f2724947a3d7266f736e8d7c.pdf https://nittrans.niteroi.rj.gov.br/_files/ugd/624a3e_4c8e03e2f2724947a3d7266f736e8d7c.pdf https://nittrans.niteroi.rj.gov.br/_files/ugd/624a3e_4c8e03e2f2724947a3d7266f736e8d7c.pdf https://www.cetsp.com.br/consultas/seguranca-e-mobilidade/cartilha-do-pedestre.aspx https://www.cetsp.com.br/consultas/seguranca-e-mobilidade/cartilha-do-pedestre.aspx https://www.cetsp.com.br/consultas/seguranca-e-mobilidade/cartilha-do-pedestre.aspx https://www.youtube.com/watch?v=6vG4NXgdJA8&t=212s https://www.youtube.com/watch?v=6vG4NXgdJA8&t=212s 72 8 Macroárea temática CIDADANIA E CIVISMO Direitos das crianças e dos adolescentes Crianças e adolescentes têm direitos? Têm, sim senhor! Este ensaio objetiva fomentar práticas que contemplem o conhecimento sobre os direitos de cada criança e adolescente. Com esse intuito, a autora faz um balanço dos 34 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e de sua pertinência para educação. Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l 73 Enquanto entusiasta ferrenha e experiente no âmbito da edu- cação de crianças e adolescentes pela via da esfera cultural e por meio dos conceitos, ferramentas e instrumentais do Circo Social, não há outra forma de responder ao questionamento do título que não seja por este bordão circense. As modalidades, segmen- tos e conceituações existentes nesta forma milenar de arte-edu- cação instigam, promovem e desenvolvem capacitações diver- sas tanto cognitivas quanto para além do universo estritamente pedagógico. Atenção, foco, lateralidade, escuta, trabalho em equipe, coo- peratividade, superação de limites são alguns exemplos. E que também constituem direitos de todo cidadão em formação, além daqueles premidos pelas Leis e Decretos pragmáticos. O que buscamos trazer neste capítulo do Caderno Pedagógico nº6 é justamente tentar auxiliar cada educador (a) no seu caminho de fruição/disponibilização de metodologias/práticas direcionadas a contribuir cada vez mais com a educação pública brasileira a partir de um maior conhecimento sobre os direitos de cada crian- ça e adolescente. Direito a tudo e a si mesmos A recém-falecida pesquisadora do universo circense, Ermínia Silva1, elaborou conjecturas a respeito da abrangência do direito de crianças e adolescentes. Desde 2020, até antes do seu faleci- mento em 13 de março deste ano, elacostumava promover en- contros mensais com a proposta dos Sinais que Vêm da Rua, que objetivava trabalhar com estudantes e professores nas escolas. “Quando esses usuários, ou mesmo os alunos, entram nos espaços institucionais do campo da saúde, muitas vezes eles têm que deixar suas vidas, suas muitas formas de existir, “penduradas do lado de fora” para se tornarem alguém que nada sabe de si. São, portanto, despojados de seus saberes próprios”. 1 Ermínia desenvolvia atividades de formação e de pesquisa na Escola Nacional de Circo - Funarte (RJ); era Co-coordenadora do Grupo Circus – FEF-Unicam, Professora Convidada do Programa de Pós-Graduação em Artes, Mestrado, Disciplina: Tópicos Especiais, Área de Concentração: Artes Cênicas, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita - UNESP. Possuía, ainda, graduação em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1980), graduação em História pela Universidade Estadual de Campinas (1993), Mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e Doutorado em História da Cultura pela Universidade Estadual de Campinas (2003). Escreveu, também, dois livros: Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil (Altana, 2007); e Respeitável Público... o circo em cena (junto com Luiz Alberto de Abreu) (Funarte, 2009). Patrícia Monteiro Patrícia Monteiro de Santana é jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco em 2000. Possui experiência de 5 (cinco) anos enquanto comunicadora na vivência da aplicação da dinâmica do Circo Social em uma ONG intitulada Escola Pernambucana de Circo (PE). Além disso, é assistente da Assessoria de Artes Circenses da Secretaria de Cultura do Governo do Estado de Pernambuco desde o ano de 2021, atuando diretamente na elaboração de políticas públicas para o segmento. Some- se a isto suas atuações, enquanto jornalista, em veículos como TV Globo, Revista Veja e Diário de Pernambuco, além de agências de comunicação empresarial, cultural e política. 74 Uma premissa que dialoga, também, com preceitos básicos necessários para a vigência de um sistema educacional horizontal, res- peitoso e inclusivo, em que a relação precisa ser mais de troca do que de emissão unilate- ral. É um direito da criança e do adolescente que sua identidade e sua expressividade se- jam mais do que não tolhidas: devem ser es- timuladas a existir, florescerem e cooperarem com o progresso e o desenvolvimento do co- letivo, como um todo. Uma relação vista por Ermínia enquanto possível e viável para avançar nesta direção era justamente a produção de processos de encontros em que não haja hierarquia de saberes, mas diferenças que podem ser emprestadas para que o outro experimente o meu lugar, bem como eu o dele. Esse movimento dos Sinais tem encontrado coletivos muito criativos inventando modos de existir ricos na produção de mais vida em cada um. Tomamos o viver como obra de arte, por isso não propomos pensar nas artes apenas com função terapêutica, curativas, mas como dispositivo de produção das narrativas de si de cada um. (ENTREVISTA, 2017) O conceito de Circo Social Em entrevista concedida a mim, em junho de 2017, Ermínia afirmou que, embora tenha mudado ao longo do tempo, o Circo Social sempre teve como foco crianças e adolescen- tes que não tinham acessibilidade aos pro- cessos culturais. Sempre, e ainda hoje, se es- tende também para além deles. Atual, ainda, é a polêmica para um questionamento que sempre se faz a partir do momento que os jo- vens transpõem a faixa etária de atendimento nestes canais de atuação, os 18 anos. O que fazer com eles? Ermínia costumava provocar: Ao trabalhar a linguagem circense, não se trabalha apenas acrobacia mas teatralização, música, som,luz, cenografia, coreografia. Então, se você consegue dar esse processo pedagógico, educacional, de produção de conhecimento para criança, você abriu um leque para a vida dela. Ela pode usar estas coisas para ser artista ou outra coisa não relacionada. Não estamos preocupados em formar apenas profissionais, mas sim em ofertar arte, cultura. (ENTREVISTA, 2017) As crianças e adolescentes do Brasil Enquanto integrante de uma instituição pública governamental em meu estado, Pernambuco, afeita, apta e com experiên- cia na elaboração e execução de políticas públicas, parto do pressuposto de que não há direcionamento adequado para sua aplicação bemsucedida sem ao menos uma boa margem de presunção de dados estimativos. Mapeamento do público a quem se destinam determinadas medidas e possibilidades de contribuição na melhoria da qualidade de vida das pessoas é palavra de ordem. Sobre crianças e adolescentes residentes no Brasil em 2024, portanto, é interessante analisarmos sua constituição. A Fundação Abrinq, instituição que fun- ciona como uma ponte entre doadores, vo- luntários, organizações, empresas, municí- pios e receptores, elaborou, recentemente, um estudo sobre o Cenário da Infância e R ep ro du çã o Sh u tt er st oc k Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 75 Adolescência no Brasil em 2024 2 a partir da divulgação dos resulta- dos do Censo Demográfico de 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geo- grafia e Estatística (IBGE). Verificou-se que a população residente no Brasil estava superes- timada em aproximadamente 10,2 milhões de indivíduos, incluindo crianças e adolescentes de 0 a 19 anos de idade. De acordo com a última edição do Censo, 54,5 milhões de pessoas nesta faixa etá- ria residiam no país, resultando na proporção de aproximadamente uma criança ou um adolescente em cada quatro indivíduos (26,8%). Indígenas, pretos e pardos compõem mais de 50% deste grupo. A questão da Evasão Escolar O estudo da Abrinq traz mais do que dados quantitativos. Relembra que, partir de 2016, com as diversas crises políticas enfrentadas nacionalmente, houve significativas mudanças também no cenário socioeconômico brasileiro, a exemplo de diminuições em postos de traba- lho ditos convencionais com direitos assegu- rados pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Algumas das consequências desse cená- rio foram o aumento do trabalho informal e a ausência de recomposição dos valores de benefícios sociais. Mais um golpe que reverberou na ampliação da já histórica desigualdade nacional. Com a chegada da pandemia da Covid-19, cujo decreto de fim por meio da Organização Mundial de Saúde (OMS) só aconteceu no dia 5 de maio de 2023 – longos três anos após seu início – esse cenário se agravou. Ainda de acordo com o estudo da Fundação Abrinq, 44,5% dos menores de 14 anos estavam em condições domiciliares de baixa renda. Núcleos familiares sobreviviam com até meio salário-mínimo (R$522,50 em valores de 2020). Destes, 17,4% com até um quarto de salário-mínimo (R$261,25 em valores de 2020). Qual o resultado prático, então, nas famílias com crianças e adolescentes quando mesmo quem não ocupava uma posição de tão intensa vulnerabili- dade social viu a comida rarear ou sumir do prato? A dependência da contribuição de todos os seus integrantes para minimizar os danos, inclusive dos mais jovens. Daí, o aumento significativo das taxas de evasão escolar. De acordo com estudo da Fundação Roberto Marinho, em 2020, cerca de 2,6% dos matriculados no Ensino Médio em redes estaduais abandonaram a escola. Em 2021, este número chegou a 5,8%. 2 Para acessá-lo na íntegra: https://fadc.org.br/sites/default/files/2024-03/fundacao- abrinq-cenario-2024.pdf https://fadc.org.br/sites/default/files/2024-03/fundacao-abrinq-cenario-2024.pdf https://fadc.org.br/sites/default/files/2024-03/fundacao-abrinq-cenario-2024.pdf Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 76 Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) “O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade”. A frase do sociólogo judeu nascidona Hungria em março de 1893, Karl Mannheim, pode ser um breve e sucinto indicativo da importância de que esses indivíduos possuam seus direitos assegurados desde cedo e, mais do que isso, efetivados. Em seu estudo “Infância, filosofia da educação e fenomenologia: aproximações necessárias”, Ana Maria Monte Coelho Frota afirma que: a Filosofia da Educação propõe que a criança assuma seu lugar de voz, podendo falar e se dizer, no campo ôntico. No dizer de Kohan, a infância resiste aos movimentos concêntricos e totalizantes. No campo ontológico, a criança seria uma possibilidade de – na estrangeiridade – , conquistar uma língua mais própria. As afirmações acima estão dentre as muitas que legitimam e validam a importância do surgimen- to de um documento como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelecido pela Lei nº 8069/1990, promulgada em 13 de julho de 1990. Ele regulamenta o artigo 227 da Constituição Fede- ral, definindo as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, em condição peculiar de de- senvolvimento, que demandam proteção integral e prioritária por parte da família, sociedade e do Estado. 34 anos do ECA A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que o Brasil contém, no ECA, uma das legislações mais completas de direitos das crianças e adolescentes. O documento visa garantir justamente pro- teção integral a estas pessoas (no que se refere a direitos humanos fundamentais como saúde, educação, lazer, dignidade e convivência familiar e comunitária) quais- quer que sejam suas origens, cor, crença, religião, classe social, situação econômica e familiar. É um marco basilar na história dos direitos humanos brasileiro e que re- afirma a responsabilidade do Estado, da família e da sociedade em seus papéis es- timuladores e protetivos. As conquistas do ECA Não há utilidade efetiva em uma legis- lação caso dela não advenham frutos e determinações reais, que impactem efe- tivamente na vida do público ao qual se destina. Segundo “Charles-Louis de Se- condat, filósofo, escritor e político ilumi- nista francês mais conhecido por Barão de Montesquieu ou simplesmente Mon- tesquieu “a injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todo”. Por isso, a importância da aplicabilidade e aplica- ção efetiva dos conjuntos de Leis. É o que vem acontecendo no caso do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao longo desses mais de 33 anos, diversas políticas públicas foram implementadas. Jo a So u za / S hu tt er st oc k Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 77 Dentre elas, podemos destacar duas: a universalização do acesso à vacinação por meio da campanha com o Zé Gotinha e a obrigatoriedade do ensino básico. Desde a sua criação, em 1986, Zé Go- tinha teve um papel fundamental no cha- mamento da população brasileira ao com- promisso com a vacinação, contribuindo para o aumento das coberturas vacinais (seu ápice se deu durante nada menos do que 15 anos, de 2000 e 2015), tendo como consequência o controle de diver- sas doenças como coqueluche, poliomie- lite e sarampo, dentre outras. Após esse período, entretanto, o país chegou a regis- trar queda de cobertura vacinal (apenas 40%, em 2022), em grande parte devido à divulgação de fake news relacionadas à temática. O que fez com que este perso- nagem icônico voltasse, no ano seguinte, ao primeiro plano das campanhas, como um forte aliado no processo de educação e combate às notícias falsas. Outra consequência efetiva do Estatu- to da Criança e do Adolescente (ECA) foi a queda nas taxas de analfabetismo. Em 2024, o IBGE publicou um estudo, repli- cado pelo portal G1 3, de acordo com o qual, em 2022, 7% da população com 15 anos ou mais era analfabeta. Uma evolu- ção, visto que, em 2010, a porcentagem de analfabetos era maior: 9,6%. Em 2001, esse índice correspondia a 12,4%. de acor- do com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). Atualizações do ECA 2024 Como todo instrumento legal que se preten- de efetivo, o Estatuto da Criança e do Adolescen- te clama por trâmites de atualizações constantes, que variam de acordo com o requerimento das mu- danças da sociedade, em virtude da passagem do tempo e de outras legislações. Em 12 de janeiro de 2024, a Lei 14.811/2024 inclui, no ECA, novas me- didas de proteção de crianças e adolescentes com o objetivo de evitar violência nos estabelecimentos educacionais ou similares, de acordo com a Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Ex- ploração Sexual da Criança e do Adolescente. Alte- ra, ainda, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), e nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). 3 Para acessá-lo integralmente: https://g1.globo.com/jornal- nacional/noticia/2024/05/17/taxa-de-analfabetismo-cai- em-todas-as-faixas-etarias-diz-ibge.ghtml https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/05/17/taxa-de-analfabetismo-cai-em-todas-as-faixas-etarias-diz-ibge.ghtml https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/05/17/taxa-de-analfabetismo-cai-em-todas-as-faixas-etarias-diz-ibge.ghtml https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2024/05/17/taxa-de-analfabetismo-cai-em-todas-as-faixas-etarias-diz-ibge.ghtml Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 78 Determina, também, de acordo com o seu Art. 2º, que essas medidas prote- tivas devam ser implementadas pelo Po- der Executivo municipal e pelo Distrito Federal, em cooperação federativa com os Estados e a União. Em parágrafo úni- co institui que os protocolos de medidas de proteção à violência contra a criança e o adolescente nos estabelecimentos educacionais ou similares, públicos ou privados, deverão prever a capacitação continuada do corpo docente, integrada à informação da comunidade escolar e da vizinhança em torno desse estabele- cimento. Para conferir a Lei em sua inte- gralidade, visitar este link: https://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023- 2026/2024/lei/l14811.htm Desafios do ECA no Brasil Apesar das conquistas obtidas após a implementação do Estatuto, é preci- so lembrar o que ninguém esquece: o Brasil é um país de dimensões continen- tais com dois fatores de proporções tão imensos quanto seu espaço geográfico: sua diversidade e a desigualdade social. Dessa forma, os inegáveis avanços obti- dos nem sempre atingem a todos com a mesma eficácia. Por esse motivo, a problemática vai além da questão de alcance. Em termos mais simples e diretos, é imprescindível que o ECA pense, identifique, constitua e elabore a infância e a adolescência a partir de habitats menos urbanos, mais vulneráveis e com características pró- prias e específicas como os das regiões de florestas, campos, matas, quilombos, periferias etc. A falta de direcionamento adequado a essas questões pode resul- tar em um abismo muitas vezes difícil de transpor entre a Lei e a realidade. Os Conselhos Tutelares Uma das muitas contribuições do ECA para um melhor monitoramento e efetivação da aplicação de políticas públicas voltadas para esse contingente populacional foi a criação dos Conselhos Tutelares. São instrumentos responsáveis por zelar pelo cum- primento desses direitos em âmbito local. Possuem a atribuição e o compromisso de prestar orienta- ções às famílias, além de aplicar medidas protetivas e encaminhamentos dos vulneráveis aos serviços especializados. Por isso, costumam trabalhar em conjunto com outros órgãos e instituições como escolas, delegacias, unidades de saúde, Ministério Público etc. Os integrantes dos Conselhos Tutelares são es- colhidos mediante votação pública e é importante que toda a população se cadastre para exercer esse direito de voto e tenha acesso ao histórico/currícu- lo dos proponentes para que tenham a certeza de que sejam pessoas realmente comprometidos com a pauta da infânciae adolescência no Brasil. http://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14811.htm http://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14811.htm http://planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14811.htm Outros laços R ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra KAMIL GIGLIO ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIO R ep ro du çã o / p le na rin ho .le g. br Estatuto da Criança e do Adolescente, versão ilustrada. Câmara dos Deputados. Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação 79 Cidadania se refere ao conjunto de direitos e deveres dos cidadãos. Logo, ser cidadão implica em conhecer as normas que reconhecem e prote- gem a dignidade de todas os sujeitos, e as regras que determinam o que pode ser feito e o que não pode. Esse conjunto existe para organizar a vida em comunidade e, no Brasil, estão definidos na nossa Constituição. No caso das crianças e dos adolescentes, ainda tem o que está determinado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Uma possibilidade para trabalhar o ECA na sala de aula é explorar trechos da versão ilustrada do documento (disponível em: https://plenarinho. leg.br/wp-content/uploads/2018/07/ECA_2015_ 150dpi.pdf), para promover debates e, em segui- da, propor aos estudantes uma atividade reflexiva sobre o que poderia ser incluído nos direitos e nos deveres das crianças e dos adolescentes. O en- cerramento da aula pode ser com o jogo “Desafio Trívia do ECA” (disponível em: https://plenarinho. itch.io/trivia-eca). Leituras › O artigo Presença e propósito do circo social: uma iniciativa popular autônoma (publicado em 2021), de Giovana Tonini e José Francisco Miguel Henriques Bairrão. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1807- 0310/2021v33228845. Filmes › Os sete curtas que compõem o filme Crianças Invisíveis, que retrata a invisibilidade de algumas crianças em sete países. Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=T51eWnlV9DU. › O curta-metragem O Menino Que Não Queria Nascer, que apresenta o percurso dos direitos das crianças até a aprovação do artigo 227, que deu origem ao Estatuto da Criança e do Adolescente, criado em 13 de julho de 1990. Disponível em: https://mff.com.br/filmes/o- menino-que-nao-queria-nascer/. https://plenarinho.leg.br/wp-content/uploads/2018/07/ECA_2015_150dpi.pdf https://plenarinho.leg.br/wp-content/uploads/2018/07/ECA_2015_150dpi.pdf https://plenarinho.leg.br/wp-content/uploads/2018/07/ECA_2015_150dpi.pdf https://plenarinho.itch.io/trivia-eca https://plenarinho.itch.io/trivia-eca https://www.scielo.br/j/psoc/a/GCpVjcQnThQym5jhBYg4MMC/?lang=pt https://www.scielo.br/j/psoc/a/GCpVjcQnThQym5jhBYg4MMC/?lang=pt https://www.youtube.com/watch?v=T51eWnlV9DU https://www.youtube.com/watch?v=T51eWnlV9DU https://mff.com.br/filmes/o-menino-que-nao-queria-nascer/ https://mff.com.br/filmes/o-menino-que-nao-queria-nascer/ 80 Macroárea temáticaCIDADANIA E CIVISMO9 Processo de envelhecimento respeito e valorização do idoso Este ensaio se debruça na discussão sobre a discriminação em função da idade e de suas possíveis consequências para a saúde, o bem-estar e os Direitos Humanos. Para tal, a autora discrimina os tipos de etarismo e reflete sobre as noções de senioridade em tempos e culturas diferentes. Precisamos falar sobre etarismo Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l 81 Em março de 2023, uma publicação na rede social Twitter (atual X) alcançou um milhão de visualizações e gerou grande re- percussão. O post em questão divulgava um vídeo 1 no qual três estudantes do curso de Biomedicina de uma instituição priva- da de ensino superior localizada em Bauru, no interior de São Paulo, conversavam a respeito de uma colega de sala. As jovens demonstravam indignação e perguntavam à audiência do vídeo como poderiam “desmatricular” umas das alunas da turma. O motivo da insatisfação era a idade da referida colega, a qual, se- gundo uma das autoras do vídeo, “era para estar aposentada”. Se você, caro(a) leitor(a), não acompanhou a polêmica, deve estar se perguntando: que idade tinha a estudante que foi alvo das crí- ticas? Eu lhes respondo: 44 anos. QUARENTA E QUATRO anos. A discussão em torno da publicação evidenciava duas ques- tões muito graves contidas no discurso das jovens universitárias: o bullying cometido contra a colega de turma e o preconceito que movia as atitudes por elas demonstradas. O episódio evidencia algumas questões que podem servir como ponto de partida para a nossa reflexão. Claramente, as autoras do vídeo, meninas bran- cas, de classe média, que vivem no Estado com a maior econo- mia do país e – consequentemente – maior número de oportuni- dades, tanto de qualificação quanto de inserção no mercado de trabalho, não se dão conta dos seus privilégios. O ingresso tardio de estudantes em cursos de graduação é, geralmente, reflexo de uma infância e juventude com poucas oportunidades. Em geral, são pessoas que enfrentaram problemas como a baixa renda fa- miliar; a dificuldade de acesso ao ensino superior em virtude de uma formação precária na Educação Básica; a gravidez na ado- lescência, que continua impactando a trajetória educacional de muitos jovens, sobretudo das meninas; são muitos os fatores que inviabilizavam (e ainda inviabilizam) o acesso ao ensino su- perior na idade convencional. Nos últimos vinte anos, com a implantação de políticas pú- blicas de acesso às universidades, como as cotas e o financia- mento estudantil, muitos brasileiros puderam realizar o sonho de cursar uma graduação. Foi o caso de Patrícia Linares, a es- tudante de Biomedicina vítima de preconceito das colegas de curso. Segundo ela, a vontade de atuar na área de saúde era um 1 VÍDEO de universitárias debochando de colega de 40 anos gera indignação | LIVE CNN, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/video- de-universitarias-do-interior-de-sp-debochando-de-colega-de-40-anos-gera- indignacao-na-redes-sociais/. Acesso em: 1 maio 2024. Paloma Borba Doutora em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É professora adjunta da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), onde atua, na Unidade Acadêmica de Educação a Distância e Tecnologia, na área de Linguística, com ênfase nos estudos sobre Gêneros Textuais, Multimodalidade, Letramentos e na Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa. É coordenadora do LINFOR, curso de Especialização em Estudos da Linguagem e Formação Docente. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/video-de-universitarias-do-interior-de-sp-debochando-de-colega-de-40-anos-gera-indignacao-na-redes-sociais/ https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/video-de-universitarias-do-interior-de-sp-debochando-de-colega-de-40-anos-gera-indignacao-na-redes-sociais/ https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/video-de-universitarias-do-interior-de-sp-debochando-de-colega-de-40-anos-gera-indignacao-na-redes-sociais/ Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 82 sonho de criança adormecido que, por di- versas circunstâncias, havia sido adiado. O sonho de obter um diploma de ensino supe- rior tem sido retomado por muitos brasilei- ros, como Patrícia, que encontram, no atual contexto, condições mais favoráveis. Do alto dos seus privilégios, as jovens autoras do ví- deo não têm consciência, provavelmente, de que milhares de brasileiros têm sua trajetória educacional atravessada – e comprometida – não apenas por questões de ordem econô- mica e social, mas também cultural. O etaris- mo é uma delas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), etarismo (ou idadismo, ou ageísmo, do inglês ageism) é o conjunto de estereóti- pos, preconceitos e discriminações direcio- nados a pessoas com base na sua idade. Se Patrícia, aos 44 anos, não deveria estudar porque, segundo a percepção das colegas, já deveria estar aposentada, podemos per- ceber, nessasfalas, a seguinte sequência de equívocos: a) graduação estaria atrelada à aplicação do conhecimento adquirido em situações referentes ao exercício profissional. Por- tanto, uma pessoa que está em vias de se aposentar (que não era o caso da colega assediada) não precisaria / deveria mais se preocupar com sua formação; b) aos 44 anos, um profissional já estaria obsoleto em relação às necessidades do mercado de trabalho e, por isso, deveria se aposentar; c) por conta da idade, Patrícia teria, necessa- riamente, dificuldades de aprendizagem e de relacionamento interpessoal, ocasio- nando prejuízos a ela e aos colegas de turma. Falácias como essas contribuem para que diversas pessoas acreditem que a idade seja uma condição que as inferioriza e limita sua atuação em diversos campos da atividade humana. A OMS alerta, no Relatório Global sobre Etarismo, produzido em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU), que a discriminação em função da idade pode acarretar consequências sérias para a saúde, o bem-estar e os Direitos Humanos. Isso ocorre porque o etarismo pode apresen- tar-se de forma institucional, interpessoal ou autodirigida. De acordo com o documen- to, o etarismo institucional refere-se às leis, regras, normas sociais, políticas e práticas de instituições que restringem injustamen- te as oportunidades e prejudicam sistema- ticamente os indivíduos devido à idade. O interpessoal é representado por algum tipo de exclusão ou preconceito em função da idade infligido no âmbito das interações hu- manas. O autodirigido é a internalização das formas anteriormente mencionadas e ocor- re quando o indivíduo, motivado por essas crenças difundidas, volta-se contra si mes- mo, considerando-se, por exemplo, incapaz de assumir um cargo, de praticar uma deter- minada atividade ou de envolver-se em uma relação por conta de sua idade. Trata-se de um termo relativamente novo e ainda pouco conhecido, embora este tipo de preconceito seja recorrente e histórica e culturalmente construído. 83 A velhice como construção sociocultural Neste momento, em que escrevo este tex- to, estou cercada por objetos com os quais meu marido, historiador, decora uma parte do nosso escritório e que exibe, orgulhosa- mente, como relíquias que recuperam a me- mória coletiva – um rádio de válvulas, um projetor de slides em carrossel, uma câmera fotográfica analógica de fole – e a memória privada, representada por fotos que contam a história da sua família, como a que com- partilho a seguir. A fotografia foi feita no final da década de 40. Nela, é possível ver um dos tios do meu marido, sentado ao centro, e dois de seus primos em pé. São crianças que devem ter uns quatro anos e, por isso, chama a aten- ção a sua indumentária. Os meninos estão de calções curtos, próprios para a sua idade, mas, em contraste, usam camisas de man- gas compridas e gravata borboleta e calçam meias e sapatos elegantes. Além disso, os três exibem bengalas. A análise da fotografia pode revelar aspectos importantes da socie- dade da época. Obviamente, há um recorte racial e de classe. São crianças brancas, que perten- ciam a uma família que tinha condições de vesti-las com distinção; as expressões das crianças variam entre uma austeri- dade excessiva e uma certa desconfiança. Fotografias, nessa época, não eram popu- lares e acessíveis como são hoje. Custavam caro e dependiam da atuação de profissio- nais que “dirigiam” a foto para garantir que a família ficasse satisfeita e que não houvesse desperdício de material; os meninos perten- ciam a famílias nordestinas, o que explica a tentativa de reproduzir a imponência carac- terística dos antigos senhores de engenho, reforçada pela composição do cenário, pela indumentária e pelas poses produzidas; por fim, ressaltamos o aspecto que revela a R ep ro du çã o / A ce rv o da a u to ra conexão com a temática deste texto: a fim de conferir às crianças respeitabilidade e distin- ção, houve uma tentativa de que elas pare- cessem bem mais velhas. A conclusão a que eu quero chegar é a de que a representação social de pessoas idosas já foi sinônimo de prestígio e sabedoria, e não de decrepitude e senilidade, como ocorre, muitas vezes, na contemporaneidade. Trata-se de uma cons- trução sociocultural. A forma como a senioridade é vista de- pende muito do contexto social, político, econômico e cultural em que uma determi- nada sociedade está inserida. Em sociedades do Oriente, a velhice é sinônimo de sabedo- ria e de distinção. Na China Antiga, filósofos como Lao-Tsé e Confúcio acreditavam que a velhice era o momento mais importante e especial da vida, quando o indivíduo estava mais próximo de desapegar do corpo físico e de transcender espiritualmente, o que ga- rantiria que analisasse o mundo de maneira Fonte: Acervo da autora Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 84 mais consciente. Dessa forma, ainda hoje, em países como a Chi- na e o Japão, os anciãos não apenas são respeitados como tam- bém celebrados por suas famílias, que os acolhem com alegria, zelam por sua segurança e bem-estar e enxergam, no convívio com eles, uma oportunidade de obter conhecimento e de garan- tir a perpetuação de sua cultura milenar. É uma perspectiva muito diferente da que observamos no Oci- dente. Herdeiros das civilizações clássicas, como a Grécia Antiga, os países ocidentais concebem o envelhecimento de forma mais ambígua. Embora houvesse uma valorização do pensamento fi- losófico, representado por figuras como Platão, Sócrates e Aris- tóteles, valores helenistas como o culto ao corpo, à força física e à beleza reverberam na sociedade até os dias atuais. O vigor e a juventude são características que passaram a ser evidenciadas e bastante valorizadas no século XX, principalmente a partir da Revolução Industrial. Nesse período, os meios de produção em massa passaram a exigir uma mão de obra caracterizada muito mais por sua capacidade braçal do que intelectual. As jornadas de trabalho exaustivas nas fábricas demandavam a contratação de operários jovens, cuja capacidade física era determinante para o cumprimento das metas estabelecidas. Com a expansão do modelo capitalista, o valor dos indivíduos passa a ser medido por sua capacidade de produzir e de gerar riquezas. Com o processo de envelhecimento, ocorre o contrário. As pessoas passam a pro- duzir menos e a gerar mais custos ao Estado, que precisa garantir o acesso à assistência médica e à previdência social. A população idosa passa a ser vista como um fardo. Em uma pesquisa sobre o envelhecimento realizada pela OMS em 2016 foram ouvidas 83 mil pessoas, de 57 países diferentes (SANTANA, 2019). Os dados revelaram que 60% dos entrevista- dos tinham uma visão negativa sobre a velhice. Considerando a origem diversa dos sujeitos participantes da pesquisa, confir- mamos que o etarismo pode ser considerado um preconceito universal. Teoricamente, estaríamos todos no mesmo barco, no entanto alguns têm remo e coletes salva-vidas enquanto outros não têm recurso nenhum. As diferenças, sejam elas de classe, de raça, de gênero, em intersecção com o etarismo, promovem pre- juízos maiores a alguns grupos sociais. Em um ensaio publica- do no Caderno Pedagógico Nº05, propus uma discussão acerca da (des)igualdade de gênero e os impactos que ela gera (BORBA, 2023). Na ocasião, enfatizei, entre outras questões, o fato de as mulheres terem uma maior dificuldade de inserção, expansão e permanência no mercado de trabalho, pois, em geral, são vistas como menos capazes e perspicazes que os homens. Some-se, ao sexismo, o etarismo. “Com a expansão do modelo capitalista, o valor dos indivíduos passa a ser medido por sua capacidade de produzir e de gerar riquezas. Com o processo de envelhecimento, ocorre o contrário. As pessoas passam a produzir menos e a gerar mais custos ao Estado, que precisa garantir o acessoà assistência médica e à previdência social. A população idosa passa a ser vista como um fardo.” “Em uma pesquisa sobre o envelhecimento realizada pela OMS em 2016 foram ouvidas 83 mil pessoas, de 57 países diferentes (SANTANA, 2019). Os dados revelaram que 60% dos entrevistados tinham uma visão negativa sobre a velhice. Considerando a origem diversa dos sujeitos participantes da pesquisa, confirmamos que o etarismo pode ser considerado um preconceito universal.” Se ve nt yF ou r / Sh u tt er st oc k Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 85 Já na infância, as imagens de anciãos que nos são apresen- tadas em contos de fadas, filmes e desenhos animados diferem, no que diz respeito ao juízo de valor, em relação a gênero. As per- sonagens masculinas, referenciadas como magos, mágicos, são geralmente envoltas em uma aura de sabedoria, de altruísmo. Atuam como gurus para os mais jovens, que a eles recorrem em busca de conselhos e orientação. Já as personagens femininas são bruxas. Em geral, mulheres ressentidas e amargas que vivem sozinhas, isoladas e buscam, a todo custo, meios para encontrar a fonte da juventude para que, assim, possam voltar a ter algu- ma relevância na sociedade. São mulheres, em geral, descritas como feias e invejosas, que não aceitam seu processo de enve- lhecimento e que, por isso, direcionam sua fúria para moças jo- vens e ingênuas. São madrastas que escravizam, mandam matar ou encarcerar em uma torre suas jovens vítimas. Desta forma, as meninas compreendem, já muito novas, que envelhecer, para as mulheres, é um pesadelo. Na adolescência, quando surge uma maior preocupação em fazer parte de um grupo, uma maior necessidade de ser aceita, acolhida e admirada por pessoas de sua idade, as jovens são atormentadas por uma cobrança para corresponder ao padrão de beleza imposto socialmente, e esse critério é bastante cruel. Em geral, são consideradas bonitas meninas e mulheres que se aproximam de um biotipo europeu que corresponde, em geral, a ter pele clara, olhos claros, cabelos lisos e ser alta e magra. En- tendem, nessa fase da vida, que a juventude é um trunfo e que a “boa aparência” é um recurso que pode abrir diversas portas e garantir oportunidades. Para caber nessa forma, muitas adoles- centes adotam uma série de atitudes que as colocam em risco, chegando a desenvolver transtornos alimentares e doenças de cunho emocional que podem levá-las, inclusive, à morte. T in t M ed ia / S hu tt er st oc k 86 Na idade adulta, a sociedade nos diz que devemos nos esforçar para desempenhar, com excelência, todos os papéis sociais que nos são impostos: precisamos ser boas pro- fissionais, esposas zelosas, mães cuidadosas e, ainda, não descuidar da aparência, sob pena de sermos vistas como desleixadas e até inaptas a cumprir todas essas funções. É preciso, contudo, ter equilíbrio e bom senso no que diz respeito à nossa imagem, à for- ma como nos apresentamos socialmente. Exigem de nós que estejamos sempre asse- adas, perfumadas, bem-vestidas, porém sem excessos. Uma mulher jovem precisa ter cui- dado para que sua aparência não transmita sensualidade demais, a ponto de sua roupa e seus modos serem interpretados pelos ho- mens como um aviso de disponibilidade ou como um convite. Apesar de absurdo, é co- mum que mulheres vítimas de assédio sexu- al, ao denunciar o crime, ainda sejam inda- gadas sobre que roupa vestiam, se estavam sozinhas, se haviam consumido álcool, uma abordagem que sugere a culpabilidade da ví- tima. As mais velhas precisam se preocupar com as mesmas questões, mas por outro motivo: não serem expostas ao ridículo. Uma mulher mais velha que se veste e se compor- ta de acordo com códigos atribuídos à juven- tude é vista como inadequada, sem noção, desequilibrada. Em 2008, a então chanceler da Alemanha, Angela Merkel, foi à ópera com um vestido decotado. Na época, ela tinha 54 anos e ocupava o mais alto cargo político de um dos mais poderosos países europeus. Apesar de não estar em uma situação de trabalho, a importância do cargo fazia com que exercesse permanentemente o papel de representante do país. O decote usado pela chanceler causou tanto alvoroço que obri- gou o porta-voz do seu partido a pronunciar- -se a respeito. O Relatório Global sobre Etarismo, já men- cionado anteriormente, denuncia que, para as pessoas mais velhas, o etarismo está asso- ciado a uma expectativa de vida mais curta. Isso porque o preconceito reduz a qualidade de vida e aumenta o isolamento e a solidão, que são fatores associados a problemas sé- rios de saúde. Além disso, o Relatório tam- bém afirma que o etarismo pode aumentar o risco de violência e abuso contra pessoas mais velhas e contribuir para a pobreza e a insegurança financeira na velhice. Os pro- blemas listados são mais comuns e/ou am- plificados entre indivíduos de alguns grupos sociais, como as mulheres – ainda mais as negras e periféricas – ou membros da comu- nidade LGBTQIAPN+. Entre os indivíduos desta comunidade, o preconceito enfrenta- do no decorrer de toda a vida pode ter como consequências o isolamento e a solidão na velhice, pois essas pessoas, muitas vezes re- jeitadas pela própria família e vistas por parte Com o avanço da tecnologia e da ciência, as pessoas têm vivido mais e com maior qualidade. 87 da sociedade como promíscuas, têm, muitas vezes, problemas para estabelecer laços afe- tivos e relacionamentos sólidos e duradou- ros, sejam de amizade ou amorosos. Apesar de o etarismo ainda ser uma tris- te realidade, o processo de envelhecimento tem sido vivenciado de forma diferente nas últimas décadas. Com o avanço da tecnolo- gia e da ciência, as pessoas têm vivido mais e com maior qualidade. No Brasil, há menos de um século, a expectativa de vida, de acor- do com o IBGE, era de apenas 45 anos. Os dados obtidos a partir do último Censo, re- alizado em 2022, revelam que os brasileiros vivem, em média, 75 anos (Cabral, 2022). A pesquisa demográfica também revela que o número de idosos no Brasil cresceu 57% nos últimos 12 anos, sendo que as regiões Sul e Sudeste concentram o maior número de idosos no país. Esse dado não é aleatório. O aumento da expectativa de vida depende de fatores como acesso a atendimento médico e psicológico, a uma alimentação balanceada, a opções de lazer e de entretenimento, servi- ços que dependem de vontade política e de investimento público. Envelhecer com dig- nidade é um direito que deve ser garantido e respeitado. Entre as medidas de combate ao etarismo sugeridas pela ONU e pela OMS, no que diz respeito à escola e ao contexto educacional, como um todo, recomenda-se a inclusão de intervenções educacionais, desde a escola primária, até o ensino superior, que ajudem a aumentar a empatia e a dissipar concepções equivocadas sobre diferentes faixas etárias. Espera-se, através de ações de sensibilização e conscientização, contribuir para o debate sobre o processo de envelhecimento e seus fatores associados, entre eles o etarismo, no intuito de que a discussão acerca da temáti- ca permita que pessoas de diferentes idades entendam que a velhice e o envelhecimen- to são processos naturais, que ocorrem na vida de todos nós e que, portanto, precisam ser encarados com mais cuidado, respeito e sensibilidade por toda a sociedade. É preciso que façamos das nossas cidades ambientes acolhedores e gentis para pessoas de todas as idades, as quais precisam ter os seus di- reitos assegurados e garantidos pelo poder público e pela sociedade civil. co sm aa / R ep ro du çã o or ig in al S hu tt er st oc k Outros laços R ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra KAMIL GIGLIO ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIONúcleo de Produção de Conteúdo e Formação 88 Leituras › Livro “Mulher, roupa e trabalho: como se veste a desigualdade de gênero”, de Mayra Cotta e Thais Farage, publicadoem 2021 pela Editora Paralela. › Artigo “A interpretação da velhice da antiguidade até o século XXI”, de Marcelo Henrique de Jesus Sobrinho e Neila Barbosa Osório (Nova Revista Amazônica, vol. IX, nº 1, p.175-187, 2021). › Relatório Mundial sobre o idadismo, disponível em: https://neti.paginas.ufsc.br/files/2023/08/ Relatório-Mundial-sobre-o-Idadismo-2022-1.pdf. Filmes › Longa-metragem de animação “Up – Altas Aventuras”, de 2009, produzido pela Pixar. › Longa-metragem “Um senhor estagiário”, de 2015, protagonizado por Robert de Niro. › Série documental “Como Viver até os 100: Os Segredos das Zonas Azuis”, da Netflix Cara leitora e caro leitor, você gostaria de se manter jovem e bela(o) com apenas um ba- nho por dia? Apesar de soar comum em muitos comerciais da atualidade, o mito da fonte da juventude ou do rio da imortalidade denota os anseios que a humanidade possui em se man- ter jovem. Contudo, com o avanço científico-tecnológico das últimas décadas, a expectativa e a qualidade de vida aumentaram, tornando-se necessário desmistificar a juventude como sendo a única fonte de toda a beleza da vida, não é verdade? Para incentivar a reflexão sobre os ciclos da vida e combater o etarismo, crie grupos e peça aos estudantes que escolham e apresentem 3 tópicos do estatuto do idoso, lei nº 10.741/2003, que regula “os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos”. Como atividade complementar, solicite que cada estudante crie um minidocu- mentário, um podcast ou uma crônica sobre a história de um familiar mais velho, indicando como foi/vem sendo o seu processo de envelhecimento. Finalize a proposta promovendo um debate em que os estudantes proponham possíveis soluções para combater o etarismo no contexto em que vivem. Para abordagens por meio da literatura, é possível trabalhar a crônica “Sangue da avó, manchando a alcatifa”, de Mia Couto (1999)1. 1 COUTO, Mia. Sangue da avó manchando a alcatifa. In: Cronicando. Lisboa: Editorial Caminho, 1999. https://neti.paginas.ufsc.br/files/2023/08/Relat%C3%B3rio-Mundial-sobre-o-Idadismo-2022-1.pdf https://neti.paginas.ufsc.br/files/2023/08/Relat%C3%B3rio-Mundial-sobre-o-Idadismo-2022-1.pdf Macroárea temática SAÚDE 10 89 Saúde e bem-estar: pilares para uma vida plena e equilibrada Este ensaio se propõe a expandir a visão corriqueira sobre saúde e a refletir sobre os pilares para uma vida saudável e equilibrada. Além disso, o autor sugere algumas alternativas de como o espaço escolar pode contribuir para uma gradual mudança de hábitos dentro desse cenário. Saúde e Educação alimentar e nutricional Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l 90 Com o constante fortalecimento da tecnologia, temos ob- servado avanços incríveis e, até certo ponto, inacreditáveis. O desenvolvimento de dispositivos avançados com inúmeras fi- nalidades, os tratamentos inovadores no campo da saúde, os sistemas de produção industrial que se tornam cada vez mais eficientes e as formas de comunicação instantâneas, possí- veis em todo o mundo, facilitaram – e facilitam – muito a vida na contemporaneidade. É claro que os efeitos colaterais de todo esse avanço tam- bém chegaram. A reboque de muitas ferramentas que oti- mizam o tempo, facilitam tarefas e encurtam distâncias, a sociedade passou a funcionar com um foco extremamente hiperprodutivista, promovendo uma cultura que valoriza a maximização de resultados e o trabalho excessivo, em detri- mento às questões fundamentais que impactam na saúde e no bem-estar das pessoas. As várias consequências na saúde física, mental e emo- cional podem ser observadas com os aumentos dos casos de ansiedade, depressão, burnout, estresse, problemas de sono, baixa de autoestima, perda de qualidade de vida e, em certos casos, perda de propósito de vida. Além disso, a Organização Mundial para a Saúde (OMS) chama atenção para os núme- ros alarmantes e crescentes de pessoas com doenças cardio- vasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas. Muita gente está adoecida e o sinal de alerta está ligado! Na população de crianças e adolescentes, o padrão de como se estabelecem as relações e a forma como o corpo se movimenta mudou drasticamente. As antigas brincadeiras que gastam bastante energia, como pique-esconde, rouba- -bandeira e o tradicional futebol, perderam o espaço para os jogos online e horas destinadas para a produção e o consumo de conteúdos em redes sociais. Com enorme tempo de exposição às telas e com um corpo que não se movimenta como deveria, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sinaliza que o excesso de exposição aos re- cursos tecnológicos pode gerar sintomas preocupantes e es- tabelecer, nesse público, certa dependência digital. Além de irritabilidade, ansiedade e depressão, sintomas e transtornos bastante frequentes, podemos observar transtornos do défi- cit de atenção e hiperatividade, distúrbios do sono, transtor- nos de alimentação (sobrepeso, obesidade, anorexia ou bu- limia), falta da prática de exercícios, problemas ocasionados Danilo Carvalho Danilo Carvalho possui graduação em Licenciatura Plena pela Universidade Federal de Mato Grosso, Mestrado e Doutorado em Biologia Animal pela Universidade Federal de Pernambuco e pós- doutorado pela Texas A&M University (Estados Unidos). É professor e pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco, atuando no Colégio de Aplicação da UFPE e no Mestrado Profissional em Ensino de Biologia/CAV-UFPE. Desenvolve atividades direcionadas para o campo do Ensino e Pesquisa em Biologia e acumula experiências na Formação de Professores, Consultoria Educacional, Coordenação Escolar, Acadêmica, Estágio e Direção Escolar. É revisor de periódicos científicos, escritor de artigos e tem atuado na produção de textos em blogs da área de Educação. R ep ro du çã o Fr ee pi k. co m Ilu st ra çã o: D an ilo C ar va lh o 91 por violências a partir da prática do bullying e/ou cyberbullying, problemas visuais (miopia e síndrome visual do computador), distúrbios auditivos (perda auditiva induzida pelo ruído) e transtornos posturais. Poderíamos elencar diversos exemplos para demonstrar o adoecimento das diversas faixas etárias e, certamente, várias perguntas pairam sobre como mudar essa realidade. A esco- la torna-se, mais uma vez, um espaço estratégico para o es- tabelecimento de reflexões, projetos, programas e ações que podem colaborar, pouco a pouco, com a busca do equilíbrio no uso das benesses do avanço tecnológico de forma saudá- vel, promovendo saúde e bem-estar. Convido você a expandir a sua visão de saúde e a refletir, ao longo deste texto, sobre os pilares para uma vida saudável e equilibrada, assim como conhecer algumas dicas de como o espaço escolar pode con- tribuir para uma gradual mudança de hábitos dentro desse cenário. Afinal, o que significa ter saúde? De uma forma aligeirada, talvez você possa ter respondido: ter saúde é não estar doente. E, de fato, você tem razão. Po- rém, o conceito de “estar saudável” é mais amplo. Desde o ano de 1946, a OMS definiu a saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausên- cia de doença ou enfermidade. Uma pessoa saudável precisa estar bem física e mental- mente, além de possuir uma vida em sociedade que possa oportunizar a ela condições adequadas que garantam o aces- so à alimentação, aos serviços de saúde, à moradia, ao traba- lho, ao lazer e à segurança. Nesse contexto, é fundamental compreender a saúde através das interações históricas, eco- nômicas, políticas e sociais, bem como da qualidade de vida, das necessidades básicas do ser humano, seus valores, cren- ças, direitos e deveres. É importante considerar também as re- lações dinâmicas construídas ao longo de todo o ciclo da vida de cada indivíduo e do ambiente em que se vive. Um conceito quenão é novo, mas que tem se popularizado bastante nos últimos anos, é o conceito de Saúde Única (do inglês, One Health). A Saúde Única nos remete à saúde como um todo e nos provoca a deslocar o olhar para algo sistêmi- co. Por mais desafiador que seja, de forma interdisciplinar e indissociável, faz a integração da promoção e da preservação da saúde, na qual a saúde humana e a saúde animal são in- terdependentes, estando diretamente vinculadas à saúde do Pilares para uma Vida Saudável Sa úd e m en ta l Ev ita r o c on su m o de s ub st ân ci as p re ju di ci ai s A lim en ta çã o sa ud áv el A ti vi da de fí si ca re gu la r So no a de qu ad o G es tã o de e st re ss e Re la ci on am en to s sa ud áv ei s Eq ui líb ri o en tr e tr ab al ho e vi da p es so al A da pt aç ão d e ilu st ra çã o or ig in al d o au to r 92 ambiente e a seus ecossistemas, sem qualquer hierarquização entre as três esferas. Uma vez que estão interconectadas, é pensar na saúde humana em equilíbrio com a saúde dos ani- mais e a saúde ambiental. Poucas escolas têm trabalhado essas di- mensões com os alunos e ficam presas, quase sempre, em uma visão de saúde extremamente restrita à prevenção e tratamento de doenças que acometem vidas humanas. Além disso, muitos projetos pedagógicos estão direciona- dos apenas a ações nos campos da alimenta- ção saudável ou práticas esportivas. Embora essas questões sejam importantes, o desafio de transbordar para outras formas de atuação dentro do espaço escolar, convidando o aluno a ir além com reflexões ampliadas, é fundamen- tal para pensarmos em um futuro com maior qualidade de vida e saúde para todo o planeta. Pilares para uma vida saudável e equilibrada Ter uma vida saudável e equilibrada envolve adotar um conjunto de atitudes e ações posi- tivas que impactam nossa saúde de maneira global, promovendo o bem-estar físico e men- tal. Para muitos, pensar nisso pode parecer um grande desafio e até mesmo uma utopia, consi- derando as demandas da vida acelerada e cheia de tarefas. No entanto, buscar estabelecer uma rotina de exercícios físicos, alimentação saudá- vel e sono restaurador é o mínimo necessário para garantir que nosso corpo e mente funcio- nem adequadamente. Segundo a OMS, qualidade de vida é “a per- cepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus obje- tivos, expectativas, padrões e preocupações”. Essa percepção é subjetiva e atravessada por aprendizagens mediadas por diferentes subje- tivos, experiências, instituições e acesso à in- formação. A família, a escola, as relações que estabelecemos com o trabalho, os aspectos específicos da cultura e tantas outras verten- tes estão diretamente ligadas e retroalimen- tam nossa forma de ser e estar no mundo, em cada fase e época da vida. Estar vivo é passar por mudanças constantemente e, nesse movi- mento, estabelecer novas metas, com desejos e projeções que se modificam. Por isso, manter um estilo de vida que contemple a qualidade de vida, saúde e bem-estar de forma permanente é algo tão desafiador. Na figura abaixo, você poderá observar os 7 pilares principais que sustentam uma vida saudável. Tomando como referência esses pilares e a importante necessidade de um trabalho peda- gógico que faça sentido para o alunado e que provoque mudanças de atitude gradualmente, veja algumas propostas práticas que podem ser implementadas no espaço escolar, após ajustes para a sua realidade de escola. Além disso, pensar em saúde e bem-estar precisa ser algo que integre a coletividade com propostas agregadoras e que contemplem desde ajustes no currículo escolar até a implantação de uma cultura que promova, através de ações cotidia- nas e continuadas, uma série de atividades que mobilizem a comunidade escolar. Vamos às dicas? B ap pi D eb / R ep ro du çã o or ig in al S hu tt er st oc k 93 DICA 1 Saúde Única Que tal convidar os estudantes para se aproximarem do conceito de Saúde Única e realizar uma exposição fotográ- fica com imagens do entorno escolar que merecem um olhar cuidadoso da perspectiva da Saúde Única? Os jovens poderiam discutir quais ações e proje- tos seriam necessários para mudar a realidade observada nas fotos e como a integração da saúde animal, humana e ambiental poderia colaborar para essa mudança de realidade. Fotos de bueiros transbordando, esgoto correndo a céu aberto, cavalos se alimentando de lixos, lixões abandonados são exemplos de imagens possíveis. Esse tipo de ação estimula nos alu- nos uma nova visão do entorno escolar, indo além das imagens dos problemas já naturalizados pela rotina. É olhar para o entorno escolar de forma atenta, crítica e propositiva. Pensar e propor soluções é inserir o estudante como protagonista dos processos da vida em sociedade. Uma outra proposta interessante nesse campo é estimular os estudantes a atuarem como legisladores, seguindo o exemplo do programa “Parlamento Jovem Brasileiro”, da Câmara dos Depu- tados. Os jovens podem formar grupos de trabalho para criar leis que visem às mudanças na sociedade a partir dos problemas e/ou situações vivenciadas. Esse tipo de atividade pode ser poten- cializado com um trabalho interdiscipli- nar. Imagine a potência de uma iniciati- va como essa ao unir diferentes campos, como Linguagens, Ciências Humanas e Ciências da Natureza? Certamente, mui- to material interessante será produzido e transformações na forma de enxergar o mundo serão estimuladas. DICA 2 Como estamos dormindo? Com a transição do Ensino Funda- mental para o Ensino Médio, muitos estudantes começam a enfrentar pro- blemas relacionados ao sono devido ao aumento da ansiedade decorrente do maior volume de componentes curricu- lares e dos exames de ingresso em uni- versidades, como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). A autocobrança se intensifica e a busca pelo sucesso nas provas resulta em noites mal dormidas e sono pouco reparador. Em uma geração que é constan- temente exposta aos “benefícios” do consumo de bebidas energéticas em propagandas, o consumo desse tipo de produto tem se tornado cada vez mais frequente entre os jovens. Além disso, outros compostos ricos em cafeína, tau- rina e outros estimulantes também es- tão se tornando parte da rotina estudan- til. Mas será que esses jovens refletem com cuidado sobre as consequências do uso dessas substâncias, em detrimento de um sono de qualidade para adequada reparação orgânica? PARA FAZER EM SALA DE AULA (E FORA DELA) 94 Estruturar projetos com os adoles- centes, convidando-os a pesquisar so- bre a qualidade do sono da comunidade escolar, bem como os impactos decor- rentes dos distúrbios do sono, pode ser algo muito interessante. Adicionalmente, estudar o impacto dos energéticos e de- mais estimulantes na saúde é fundamen- tal. Professores de Língua Portuguesa podem colaborar significativamente com trabalhos relacionados à análise dos ro- teiros midiáticos que promovem a falsa ideia de benefícios no uso desses produ- tos e como a maquinaria publicitária fun- ciona para estimular vendas e influenciar decisões de consumo que vão contra uma vida saudável. Outra proposta possível é pensar no que tem impactado essa qualidade de sono e quais caminhos cada um pode tri- lhar, individualmente, o estabelecimento de uma rotina que contemple a média ideal de 8 horas de descanso por noite. Preparar materiais didáticos sobre os hormônios produzidos durante a noite, a importância do ciclo circadiano para animais humanos e não humanos, as doenças relacionadas ao sono, a relação entre cansaço e adoecimento mental e demais materiais que chamem a atenção do alunado é bastante interessante. Não é novidade para eles que o sono é algo importante e mesmo assim, estudantes têm escolhido dormir pouco e sem qua- lidade. É buscar agir em estratégiasque provoquem deslocamento de atitudes. Construir em sala uma proposta para implementação de rotina com horários para se desconectar das telas e demais estímulos que atrapalham no processo de desaceleração, estabelecer uma redu- ção de ritmo e organizar-se para dormir pode ser um bom caminho. DICA 3 Segurança alimentar Obesidade, sobrepeso, bulimia, ano- rexia, desnutrição, fast-food… quantas questões difíceis, não é? E, infelizmente, mais frequentes do que imaginamos em tantos espaços e grupos de jovens. Está muito claro para todos que a alimenta- ção é algo cultural e que muito do que gostamos ou não de comer está relacio- nado ao que fomos aprendendo ao lon- go da vida. Nesse tópico, não nos debruçare- mos sobre as questões mais clássicas quando pensamos em pautas sobre a alimentação na escola. Mesmo com o alarmante fato de que a obesidade entre adultos mais do que dobrou desde 1990 e quadruplicou entre crianças e adoles- centes com 5 a 19 anos de idade, vamos direcionar nosso olhar para a desnu- trição, assunto pouco explorado e que pode ser trabalhado através de várias perspectivas. Sabemos que a pessoa em estado de desnutrição não está recebendo os nu- trientes necessários que o corpo preci- sa e isso se deve a uma gama de razões, que vão desde questões biológicas e orgânicas a questões sociais de priva- ção alimentar. Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura revelaram que 9,2% da po- pulação mundial estava desnutrida em 2023, o que corresponde a um aumento de 122 milhões de pessoas em compara- ção a 2019. Interessantemente, a maio- ria vive em países com altas taxas de in- pa nc ha .m e / R ep ro du çã o or ig in al S hu tt er st oc k 95 segurança alimentar. Precisamos olhar para isso e refletir as causas sociais, po- líticas e os movimentos de mercado que contribuem para isso. A contribuição de professores de sociologia, filosofia e ge- ografia, de forma interdisciplinar, poten- cializará o debate através de um olhar geopolítico. Para além disso, será que o seu estu- dante sabe que a desnutrição não está associada exclusivamente ao estereó- tipo de pessoas com ossos aparentes e magreza extrema? É fundamental es- timular no corpo estudantil as diversas possibilidades que podem levar a um quadro de desnutrição na adolescência, na fase adulta e na velhice. Outra ação interessante é pensar em como a indús- tria dos fast-foods e ultraprocessados podem colaborar para casos de desnu- trição em jovens. Provocar deslocamen- tos de pensamento sobre esse assunto pode ser uma rica experiência de apren- dizagem. DICA 4 “Espaço desacelera” A comunidade escolar vive um ritmo frenético, acompanhando o próprio mo- vimento da sociedade. Aulas, avaliações, exames nacionais, olimpíadas do conhe- cimento, festivais e tantos outros even- tos efervescem a escola. Porém, para dar conta de tantas demandas, é necessário desacelerar, parar e respirar! Algumas experiências escolares com a criação de espaços em que os estudantes, docen- tes e demais profissionais da educação possam realizar práticas de meditação e alongamento têm demonstrado efeitos positivos. Os benefícios da meditação podem reduzir os sintomas de ansiedade, de- pressão e outros transtornos mentais, promovendo uma maior clareza mental e estabilidade emocional. A respiração promovida pela meditação relaxa o cor- po e acalma a mente, o que pode ajudar a melhorar a qualidade do sono e a re- duzir a insônia. Trinta minutos, em dois momentos na semana, são suficientes para atuar de forma a colaborar para que a comunidade escolar possa lidar melhor com os desafios da vida com mais calma, aumentando a resiliência emocional e a capacidade de lidar com o estresse e as adversidades. Já o alongamento contribui para o re- laxamento de músculos tensos, aliviando a rigidez e a tensão, bem como estimula o fluxo sanguíneo para os músculos e te- cidos, fornecendo oxigênio e nutrientes essenciais. A sensação de relaxamen- to e bem-estar ajuda a reduzir os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, e a aliviar as tensões mental e emocional. A equipe de professores de Educação Físi- ca pode conduzir ações como essa e ir agregando outros docentes que se inte- ressem em colaborar. Dinâmicas de gru- po e momentos de poesia, antes e depois dessas ações, potencializam bastante a vivência. To ro nt ot ok io / R ep ro du çã o or ig in al S hu tt er st oc k 96 Para finalizar nosso momento de reflexões sobre o trabalho de “Saúde, bem-estar e qualidade de vida na Escola”, é importante reforçar que cada profis- sional que faz o espaço escolar precisa estar vigi- lante para suas próprias ações que contribuem, ou não, para a manutenção de um corpo e uma mente saudáveis. É necessário que estejamos bem para conseguirmos conduzir ações dessa natureza com a qualidade e o comprometimento que elas mere- cem. Priorize o seu bem-estar, zele pela sua saúde e estabeleça metas para seguir sempre a busca pelos pilares que sustentam a vida saudável e que levam à tão desejada qualidade de vida. DICA 5 Além do Setembro Amarelo Precisamos expandir o trabalho de saúde mental na escola para além do famoso “Setembro Amarelo”. A saúde mental da população mundial vem se agravando e é preciso adotar práticas continuadas para a promoção do cui- dado. Desenvolver programas educacio- nais para aumentar a conscientização sobre saúde mental e reduzir o estigma associado a transtornos mentais é um caminho muito importante a ser segui- do. Uma dica é que as escolas criem uma agenda anual para trabalhos que promovam a resiliência, a autoestima, a comunicação não violenta, a gestão de conflitos, a gestão do estresse, o respei- to às diversidades e diferenças e a pre- venção ao assédio, à violência sexual e a outras formas de violência. Além disso, estabelecer parcerias com redes externas de apoio psicos- social é fundamental, tanto para tra- zer profissionais para atuar na escola mediando oficinas, cursos e palestras, como também para realizar o encami- nhamento de estudantes para acom- panhamento nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que são locais que oferecem serviços de saúde aber- tos para toda a comunidade. Dentre os seis diferentes tipos de Centros de Aten- ção Psicossocial, o CAPS infantojuvenil (CAPS i) atende crianças e adolescentes que apresentam intenso sofrimento psí- quico decorrente de problemas mentais graves e persistentes. Inclui-se também problemas relacionados ao uso de álco- ol e outras drogas, além de outras situa- ções clínicas que dificultem o estabeleci- mento de laços sociais e a realização de projetos de vida (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2023). Yu ri A / S hu tt er st oc k Outros laços ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIO R ep ro du çã o / N et fli x R ep ro du çã o / N et fli x R ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra Claudinéa Batista Núcleo de Produção deConteúdo e Formação 97 Dando continuidade às dicas sugeridas no en- saio “Saúde e bem-estar: pilares para uma vida ple- na e equilibrada”, convide seus estudantes para uma autorreflexão sobre seus próprios níveis de saúde e bem-estar. Sugira a elaboração de mapas de ideias para a apresentação dessa autorrefle- xão. Os estudantes devem ser incentivados a re- fletirem sobre cada nível de bem-estar das áreas listadas a seguir, avaliando cada uma delas. Essa avaliação pode ser medida e classificada com base em uma escala de 1 (mais baixa) a 5 (mais alta): ● Social ● Emocional ● Intelectual ● Física ● Espiritual Feita essa autorreflexão, os estudantes vão marcar seus níveis de bem-estar de acordo com as áreas apresentadas e a escala de medida. Em seguida, devem escolher as três áreas mais bai- xas e descrever o motivo delas estarem assim, elaborando um mapa de ideias. Em seguida, de posse de seus mapas de ideias, os estudantes serão convidados a compartilhar suas impressõesTransversalidade no currículo escolar Integrar a sustentabilidade em diferentes disciplinas permite aos estudantes verem conexões diretas entre o que aprendem em sala de aula e os problemas reais do mundo. Por exemplo, em Ma- temática, os alunos podem aplicar conhecimentos ou modelos estatísticos para análise crítica de algum problema levantado; em Ciências da Natureza, podem investigar o impacto das mudanças climáticas na biodiversidade local e global; e em Ciências Huma- nas, podem discutir as implicações éticas das decisões políticas sobre o meio ambiente ou serem convidados a entender como seu bairro ou vizinhança se formaram através de um trabalho de pesquisa e compartilhamento de informações, ou como a geo- grafia local é essencial para entender a disponibilidade hídrica, de alimentos, de mobilidade urbana e assuntos diversos. Os professores envolvidos podem ainda formar uma grande atividade colaborativa, a partir da qual se procura entender como os alunos e alunas se sentem inseridos nessa gama de assuntos, como eles relacionam todos esses conhecimentos com seu coti- diano e como eles podem ser protagonistas em ações que visem mudar quaisquer aspectos de sua realidade que precisem ser me- lhorados, criando assim agentes de desenvolvimento socioam- biental em sua escola. Projetos de aprendizagem baseados em problemas, estudos de caso locais e globais, e a integração de tecnologias digitais são algumas das estratégias que podem ser empregadas para enga- jar os alunos de maneira significativa. Essas metodologias incen- tivam os estudantes a aplicarem seus conhecimentos de forma prática e a desenvolverem o pensamento crítico e a resolução Yu ri A / S hu tt er st oc k Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 13 de situações-problemas. Questões como “de onde vêm a comida que está na geladeira de casa?” podem ser importantes dispara- doras de reflexão e incentivadoras de uma atitude pesquisadora. Essas perguntas podem se desdobrar para outras cada vez mais elaboradas, que fomentem uma problematização da realidade e de práticas atuais, com vistas a conscientização dos estudantes, como: “Será que meu alimento é de algum produtor local que produz de forma orgânica ou de alguma produção latifundiária que desma- tou biomas e faz uso intensivo de agrotóxicos?”. A ideia é que os estudantes sejam incentivados a realizar lei- turas, pesquisas e debates a esse respeito, a ponto de se cons- cientizarem e de se tornarem agentes de mudança, local ou glo- balmente (por que não?). Além disso, eles tendem a desenvolver a competência geral da BNCC relacionada à empatia e à respon- sabilidade social, tão caras à promoção de um mundo como desejamos. Exemplos de sucesso O documento referenciado “Escolas inovadoras: experiên- cias bem-sucedidas em escolas públicas” oferece um panorama abrangente de como escolas brasileiras têm integrado efetiva- mente a educação para a sustentabilidade em suas práticas pe- dagógicas. Várias escolas foram destacadas por incorporar temas de sustentabilidade de maneira que transcende o currículo tra- dicional, engajando os estudantes em projetos que têm impacto real na comunidade, como programas de reciclagem e de con- servação de energia. Essas escolas servem como modelos para outras instituições que buscam formas de implementar práticas sustentáveis em seus ambientes educativos. Não seria incrível se sua escola também servisse de exemplo de sustentabilidade e educação ambiental para outras? Além disso, o sucesso desses programas muitas vezes depen- de da capacidade da escola de integrar essas práticas no dia a dia dos alunos, tornando a sustentabilidade uma parte integral de sua educação, e não apenas um tema adicional. Os estudos de caso mostram que quando os alunos são envolvidos em ati- vidades que percebem como significativas, seu engajamento e interesse pelo aprendizado sobre sustentabilidade aumentam consideravelmente. Estas escolas também demonstram a importância da lideran- ça escolar no suporte e na promoção de iniciativas sustentáveis. Diretores e coordenadores que priorizam e apoiam esses progra- mas são cruciais para seu sucesso, fornecendo os recursos ne- cessários e facilitando uma cultura escolar que valoriza e pratica a sustentabilidade de maneira contínua e eficaz. 14 Problemas e soluções É sabido que a implementação de tudo que foi trazido nes- te capítulo sobre educação para a sustentabilidade pode repre- sentar o enfrentamento de vários problemas por parte do corpo pedagógico da escola. Um dos principais é a falta de recursos didáticos específicos que integrem os temas de sustentabilidade de maneira interdisciplinar e atraente. Para superar isso, algumas escolas desenvolveram materiais próprios ou se associaram a or- ganizações que fornecem tais recursos, como instituições am- bientais e educacionais. Outro problema comum é a resistência à mudança por parte de educadores e administradores que podem não ver a sustentabili- dade como uma prioridade educacional. Programas de formação continuada e workshops podem ser eficazes em transformar essa percepção, mostrando como a educação para a sustentabilidade pode ser integrada de forma benéfica nas práticas pedagógicas existentes. Além disso, a participação em redes de escolas sus- tentáveis oferece suporte e troca de experiências que são valiosas para superar resistências e implementar novas práticas. A avaliação do impacto dessas iniciativas também represen- ta um desafio. Medir como os programas de sustentabilidade influenciam não apenas o conhecimento, mas também atitudes e comportamentos dos alunos requer métodos de avaliação es- pecíficos. Algumas escolas têm adotado abordagens inovadoras, como avaliações formativas e reflexivas, que ajudam a medir os efeitos a longo prazo das iniciativas de sustentabilidade no de- senvolvimento dos estudantes. Recursos e ferramentas No aspecto de recursos didáticos, o acesso a materiais de qua- lidade pode ser uma barreira, mas também uma oportunidade para inovação. Livros, sites especializados e parcerias com univer- sidades e ONGs ambientais têm sido essenciais para proporcio- nar conteúdo atualizado e relevante. Ferramentas digitais como aplicativos que simulam cenários ambientais ou plataformas de aprendizado colaborativo também são recursos valiosos. No que tange às tecnologias em educação sustentável, softwa- res e plataformas educativas que permitem simulações de impac- to ambiental, gestão de recursos e projetos de ciências da terra oferecem aos alunos experiências práticas e interativas de apren- dizado. O uso de tecnologia em sala de aula, quando alinhado com os ODS, pode transformar a maneira como os conceitos são ensinados e aprendidos, fazendo com que a educação para a sustentabilidade seja uma experiência envolvente e integrada à realidade dos estudantes. “O uso de tecnologia em sala de aula, quando alinhado com os ODS, pode transformar a maneira como os conceitos são ensinados e aprendidos, fazendo com que a educação para a sustentabilidade seja uma experiência envolvente e integrada à realidade dos estudantes.” 15 Reflexão sobre o futuro e chamada para ação A necessidade de uma abordagem crítica e reflexiva na educação para a sustentabilidade não pode ser subestimada. É crucial que os educadores se envolvam e promovam uma análise profunda sobre como as práticas sustentáveis podem ser integradas em todos os aspectos da educação. Isso requer uma constante reavaliação dos currículos e métodos pedagó- gicos para garantir que eles informem sobre sustentabilidade, servindo como inspiração para os alunos e alunas a agirem. Uma reflexão crítica permite que professores e estudantes questionem e redefinam o papel da educação na promoção de um futuro mais sustentável. A reflexão sobre práticas sustentáveis deve ser acompanhada de uma análise de suas implicações éticas, sociais e econômicas. Os educadores devemcom os colegas, refletindo so- bre como podem melhorar cada área que ficou abaixo de 3. Para os estudantes que tiveram áre- as com nota 5, será solicitado que compartilhem com a turma como estão atingindo esses altos ní- veis de saúde. O objetivo é que todos compreen- dam e confrontem suas interpretações, amplian- do o entendimento sobre a importância de cuidar de nossa saúde e de nosso bem-estar. Filmes › O documentário da Netflix Os Segredos da Alimentação, que explora de maneira divertida o funcionamento do sistema digestivo, propondo-se a ampliar a compreensão sobre hábitos alimentares saudáveis. Disponível em: https://www.netflix.com/ title/81436688 › O episódio Fast Food da primeira temporada da série da Netflix História: direto ao assunto, que constitui uma breve aula, com infográficos e outros recursos didáticos, sobre o impacto de alimentos ultraprocessados em nossas vidas. Disponível em: https://www.netflix.com/title/81116168. › A série da Netflix Explicando a Mente, em que vários aspectos que se relacionam ao funcionamento do cérebro e à saúde mental são apresentados em curtos episódios, como “Ansiedade”, “Meditação”, “Foco”, “Cérebro Adolescente” e “Criatividade”. Disponível em: https://www.netflix.com/title/81098586. https://www.netflix.com/title/81436688 https://www.netflix.com/title/81436688 https://www.netflix.com/title/81116168 https://www.netflix.com/title/81098586 98 Macroárea temática ECONOMIA Mundo do trabalho e dignidade. Como relacioná-los? 11 Este ensaio investiga como o mundo do trabalho é abordado nos documentos curriculares e como a escola pode propor diálogos consistentes com essa demanda de muitos estudantes, reconhecendo as potencialidades e os limites da atuação pedagógica. Trabalho Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l 99 Quando se decide discutir a relação entre educação bási- ca e mundo do trabalho, muitos são os caminhos pelos quais podemos ir. Podemos, por exemplo, refletir sobre como a so- brecarga e precarização profissional dos pais impossibilita que muitos deles dediquem tempo de qualidade para o diálo- go com seus filhos sobre os assuntos escolares. Poderíamos, também, pensar sobre os embates entre os que defendem que a escola deve ter como prioridade a formação de mão-de-obra qualificada e aqueles que acreditam que o verdadeiro papel da escola é formar cidadãos críticos, evitando que as práticas pe- dagógicas sejam exclusivamente direcionadas por demandas do mercado de trabalho. Dentre essas e tantas outras possibilidades de discussão que reconhecemos como essenciais, há um tópico que me- rece considerável atenção: trata-se da dificuldade de muitos jovens, principalmente do Ensino Médio, em permanecer na escola diante das condições pessoais e familiares que impõem a obtenção de um emprego. Iremos, então, neste ensaio, refle- tir sobre como a escola pode promover um diálogo produtivo com o mundo do trabalho, motivando a conclusão dos estu- dos e a conquista da dignidade desses jovens em suas vidas profissionais. Educação e mundo do trabalho: uma relação desafiadora Antes de qualquer discussão sobre organização curricular, mediação de determinados saberes ou adequação dos com- ponentes curriculares a exigências profissionais específicas, pensar a relação entre escola e mundo do trabalho, a partir do Ensino Médio, nos leva a recuperar duas informações im- possíveis de serem desassociadas na reflexão que estamos propondo. Em primeiro lugar, está o fato de que o Ensino Médio ainda é o segmento com a maior taxa de evasão da educação bá- sica. No Censo Escolar 2023, divulgado no início deste ano pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o Ensino Médio é apontado como detentor de uma taxa de evasão de quase 6%. 1 1 https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/mec-e-inep- divulgam-resultados-do-censo-escolar-2023 Acesso em 13.5.2024 Diego Domingues Graduado em Letras Português - Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Especialização em Educação de Jovens e Adultos pela mesma instituição e Especialização em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP); e Doutor em Linguística Aplicada pela UFRJ. Atualmente, é professor de Língua Portuguesa e Literatura em turmas do Ensino Médio do Colégio Pedro II e integrante do grupo Práticas de Letramentos no Ensino de Línguas e Literaturas (PLELL). https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/mec-e-inep-divulgam-resultados-do-censo-escolar-2023 https://www.gov.br/inep/pt-br/assuntos/noticias/censo-escolar/mec-e-inep-divulgam-resultados-do-censo-escolar-2023 100 Em segundo lugar, é importante lembrar que boa parte de toda essa evasão é motivada pela necessidade de arrumar um emprego, impedindo que os jovens consigam conciliar a rotina estudantil e profissional. Segundo dados da mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), 40% dos jovens justificaram o abandono dos estudos devido justamente à necessi- dade de trabalhar. 2 Temos até aqui, então, um pequeno conjunto de informações que já direciona o início de nossas reflexões. O diálogo entre escola e mundo do trabalho, a partir da ênfase no Ensino Médio, deve levar em consideração os contextos sociais adversos que nem sempre per- mitem que essas duas rotinas, tanto a educacional quanto a profis- sional, possam ser exercidas concomitantemente e com qualidade. Nessa impossibilidade, como vimos, a escola costuma ser colocada em segundo plano pelo estudante, já que as demandas urgentes da vida exigem dos jovens das camadas populares a aquisição de um meio de subsistência, fazendo com que a conclusão dos estudos passe a ser um objetivo adiado. Delimitando nosso ponto de partida e deixando bem evidente o contexto educacional atual, podemos, agora, investigar como esse mundo do trabalho é abordado nos documentos curriculares e como a escola pode propor diálogos consistentes com essa demanda de muitos estudantes, reconhecendo as potencialidades do trabalho pedagógico e seus limites de atuação. Vamos começar observando qual é o espaço do tema transversal “mundo do trabalho” nos docu- mentos curriculares. Mundo do trabalho nos documentos curriculares: uma longa história Embora seja de reconhecida importância para a promoção de dis- cussões sobre diferentes dimensões da vida social, a proposta de in- dicar uma lista de temas sociais que podem ser abordados ao longo da educação básica não é novidade. Há mais de vinte anos, já tive- mos indicações sobre temas transversais nos Parâmetros Curricula- res Nacionais (PCN). No documento que trata especificamente dos temas transversais, publicado em 1998, foram apresentados seis temas escolhidos a partir de critérios, como urgência social, abran- gência nacional e favorecimento a compreensão da realidade e a par- ticipação social. Os temas foram: trabalho e consumo, ética, saúde, meio ambiente, orientação sexual e pluralidade cultural. No capítulo dedicado ao “trabalho e consumo”, há afirmativas que justificam a importância da abordagem desse assunto, sina- lizando, inclusive, desdobramentos que podem ocorrer a partir do tema principal. 2 https://www.ibge.gov.br/estatisticas/ sociais/trabalho/17270-pnad- continua.html Acesso em 13.5.2024 “Segundo dados da mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), 40% dos jovens justificaram o abandono dos estudos devido justamente à necessidade de trabalhar.” https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html Acesso em 13.5.2024 https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html Acesso em 13.5.2024 https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.htmlAcesso em 13.5.2024 101 O valor do trabalho na sociedade, a relação entre trabalho e remuneração, compra-venda de produtos, a diversidade de trabalhos e remunerações, a distribuição dessas ocupações na sociedade, riqueza e pobreza, o papel das leis e das instâncias governamentais encarregadas de seu cumprimento e defesa, a compreensão de que para ter dinheiro é preciso trabalhar e para trabalhar não é suficiente o desejo individual, são questões que só são compreendidas gradualmente ao longo da infância e da adolescência. (...) Relacionando as diversas atividades — da extração da matéria-prima ao consumo —, as variações de configuração econômica em sua dimensão histórica, cultural e social, trabalhadas pelas diversas áreas e temas transversais, o aluno começa a compreender as relações que os diversos grupos sociais estabelecem entre si. (BRASIL, 1998, p.363) Notamos que os PCN compreendem a abordagem do tema “trabalho e consumo” como uma forma de incentivar que os estu- dantes desenvolvam um olhar crítico para as múltiplas relações sociais de poder em torno das dinâmicas profissionais e econômicas, relacionando saberes de diferentes compo- nentes curriculares na compressão dessas situações. Avançando algumas décadas, chegamos ao mais recente documento curricular, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Logo em suas primeiras páginas, temos uma tabela que lista as dez competências gerais da educação básica. Um pouco antes, ao de- finir o conceito de “competência”, a BNCC afirma que “competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cog- nitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.” (BRASIL, 2018, p. 8). Aqui, nos chama a atenção o modo como a expressão “mundo do trabalho” é posta ao lado de outros termos que serão retomados ao longo de todo o documento curricular (vida cotidiana e exercício da cidadania), si- nalizando uma tentativa em atrelar o desen- volvimento dos saberes escolares a esses campos da vida. Voltando à tabela com as dez competên- cias gerais, encontramos na sexta posição o seguinte: valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho [grifo meu] e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. (BRASIL, 2018, p.9) Novamente, temos a referência ao “mun- do do trabalho” e à “cidadania”. Nesse tópi- co, vemos que um dos objetivos da escola seria possibilitar que os estudantes compre- endam melhor os processos e as demandas próprias do mundo profissional, se posicio- nando criticamente conforme suas expec- tativas de vida, exercendo, desse modo, sua plena cidadania. Um pouco mais adiante, a BNCC mencio- na os temas contemporâneos, indicando a importância em relacioná-los às propostas 102 pedagógicas das redes de ensino “preferencialmente de forma trans- versal e integradora” (BRASIL, 2018, p. 19), levando em conta as es- pecificidades de cada contexto de aprendizagem e a necessidade de uma abordagem contextualizada. Dentre esses temas, há, por exemplo, a menção aos direitos da criança e do adolescente, à educação ambiental, à educação em di- reitos humanos, à educação das relações étnico-raciais, e, a parte que nos interessa nesse ensaio, à educação para o consumo, edu- cação financeira e fiscal, trabalho, ciência e tecnologia. Após a men- ção ao trecho que trata, dentre outros, do “trabalho” como tema contemporâneo transversal, temos a menção ao Parecer CNE/CEB nº 11/2010. Nesse parecer, redigido pelo sociólogo Cesar Callegari, encontramos o trecho abaixo: Os conteúdos que compõem a base nacional comum e a parte diversificada têm origem nas disciplinas científicas, no desenvolvimento das linguagens, no mundo do trabalho [grifo meu] e na tecnologia, na produção artística, nas atividades desportivas e corporais, na área da saúde, nos movimentos sociais, e ainda incorporam saberes como os que advêm das formas diversas de exercício da cidadania, da experiência docente, do cotidiano e dos alunos. (CNE/CEB, 2010, p. 13) Após a parte introdutória, com a apresentação das competências básicas e os temas contemporâneos transversais, encontramos ao longo de toda a BNCC diversas indicações que vinculam o mundo do trabalho aos objetos de conhecimento e às habilidades que de- veriam ser desenvolvidas em cada componente curricular. Especi- ficamente na etapa do Ensino Médio, esse tema é mencionado em todas as áreas do saber, passando pelas Linguagens, pela Matemáti- ca, pelas Ciências da Natureza e pelas Ciências Humanas. Em cada uma delas, são apontados conhecimentos que colaboram para que o estudante possa, por um lado, compreender melhor as relações sócio-históricas em torno do mundo profissional e, por outro lado, desenvolver habilidades que colaborem com sua atuação diante de possíveis contextos trabalhistas. Em 2019, foi publicado o documento normativo “Temas Contem- porâneos Transversais na BNCC: contexto histórico e pressupostos pedagógicos”, que organiza e aprofunda os temas transversais antes rapidamente referidos na Base. Nesse novo documento, os Temas Contemporâneos Transversais (TCT) são organizados em seis ma- croáreas temáticas da seguinte maneira: meio ambiente, economia, saúde, cidadania e civismo, multiculturalismo, ciência e tecnologia. O tema “trabalho” encontra-se dentro da área “economia”, ao lado “A intenção em apontar a presença do tema “trabalho” nos documentos curriculares é sinalizar que a abordagem desse assunto não pode se limitar a ações pontuais das redes de ensino nem ser motivada apenas por algum projeto isolado de determinada instituição.” 103 de educação financeira e educação fiscal, ou seja, indicação semelhante ao que já havia sido inicialmente apresentado na BNCC. A intenção em apontar a presença do tema “trabalho” nos documentos curricula- res é sinalizar que a abordagem desse assun- to não pode se limitar a ações pontuais das redes de ensino nem ser motivada apenas por algum projeto isolado de determinada instituição. Devido a sua grande influência na tomada de decisão dos discentes em re- lação à permanência na escola, tais discus- sões deveriam estar mais presentes na rotina pedagógica, principalmente no segmento do Ensino Médio. Na próxima seção, veremos como a escola pode contribuir para qualificar e aprofundar as discussões pertinentes ao jovem estudan- te, futuro trabalhador, reafirmando a garan- tia da dignidade deles no campo profissional. Entrelaçando trabalho e dignidade a partir da escola A proposta em pensar o entrelaçamento entre trabalho e dignidade parte do pressu- posto de que, infelizmente, nas atuais rela- ções profissionais, o trabalhador brasileiro está submetido a lógicas que nem sempre o respeitam enquanto um cidadão pleno, im- pondo atividades precárias que o desvalori- zam e minimizam sua condição social. No desenvolvimento dessas considera- ções, é importante pontuar que não pode- mos ser ingênuos ao acreditar que somente a escola, por meio do diálogo com o mundo do trabalho, conseguiria reduzir drasticamente as desigualdades do mercado profissional. Ainda assim, entendendo a importância de seu papel formador, a escola também não deveria ignorar as demandas mais urgentes oriundas, principalmente, dos estudan- tes das camadas populares. A escola tem não só o direito, mas o dever de dialogar com os interesses dos discentes, indicando possibilidades e fortalecendo seu repertório intelectual, o que pode contribuir para que eles consigam se posicionar adequadamente nos espaços profissionais em que irão se inserir. Conforme afirma Frigotto, referindo- -se especificamente à etapa finalda educa- ção básica: o ensino médio, concebido como educação básica e articulado ao mundo do trabalho, da cultura e da ciência, constitui-se em direito social e subjetivo e, portanto, vinculado a todas as esferas e dimensões da vida. Trata-se de uma base para o entendimento crítico de como funciona e se constitui a sociedade humana em suas relações sociais e como funciona o mundo da natureza, da qual fazemos parte. Dominar no mais elevador nível de conhecimento estes dois âmbitos é condição prévia para construir sujeitos emancipados, criativos e leitores críticos da realidade ondem vivem e com condições de agir sobre ela. (FRIGOTTO, 2005, p. 76) Retomando a pesquisa Pnaid Contínua, mencionada no início desse texto, é curio- so notar que, após a necessidade de arran- jar emprego, o segundo principal motivo da desistência dos estudantes pela escola é o desinteresse pelos estudos. Esses dois moti- vos, que somados representam 60% das cau- sas pelo abandono escolar, podem ser lidos como os dois lados de uma mesma moeda. Os estudantes se desinteressam pela escola porque, muitas vezes, não conseguem en- contrar sentido naquilo que estão aprenden- do nem relacionar os conteúdos estudados com suas necessidades pessoais e familiares mais imediatas. Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 104 Se a ideia, portanto, é pensar em maneiras de promover o diálogo entre trabalho e digni- dade a partir das práticas escolares, conside- rando, principalmente, o jovem estudante do Ensino Médio, vejamos, então, algumas pro- postas de atividades que podem ser explora- das, de modo preferencialmente transversal, no cotidiano pedagógico. Iniciando pela contextualização históri- ca, na área das Ciências Humanas pode ser desenvolvido um trabalho de pesquisa sobre as diferentes relações trabalhistas estabe- lecidas ao longo dos séculos no Brasil, bem como a divisão do trabalho de acordo com os espaços ocupados por cada grupo social, discutindo as principais características da- queles exercidos nas áreas urbanas e rurais. Nesse percurso histórico, é necessário enfa- tizar como o trabalho forçado ocorrido du- rante trezentos anos de escravidão no Brasil causou graves efeitos, tanto no modo como a desigualdade racial continua sendo propa- ganda, quanto na perpetuação da explora- ção da mão-de-obra. O termo “trabalho análogo a escravidão” 3 tem aparecido com frequência nos noticiá- rios, o que representa uma importante opor- tunidade para discutir o reconhecimento 3 Fonte: https://www.politize.com.br/trabalho-analogo-a- escravidao/ Acesso em 13.5.2024 desse tipo de violência, associada às ques- tões históricas mencionadas anteriormente. O diálogo com a área de Linguagens pode ocorrer a partir da análise das características do gênero notícia, com o levantamento dos principais acontecimentos recentes vincula- dos a esse termo, investigação do modo como o discurso é trabalhado nos textos jornalísti- cos que abordam esse assunto e, posterior- mente, produção de material a ser divulgado na escola com orientações para reconhecer, denunciar e combater essa prática. Em seguida, após as práticas envolvidas em explorar a dimensão histórica do trabalho no Brasil, pode ser feito um trabalho interdis- ciplinar em torno dos direitos conquistados pelos trabalhadores, por meio da leitura de gêneros textuais legislativos e produção de material informativo, transpondo esse con- teúdo com linguagem técnica para uma lin- guagem mais acessível a um amplo grupo de leitores. Dentre os tópicos que podem ser debati- dos nesse momento, há o conhecimento dos https://www.politize.com.br/trabalho-analogo-a-escravidao/ https://www.politize.com.br/trabalho-analogo-a-escravidao/ Fo cu s Pi x / Sh u tt er st oc k 105 direitos garantidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), como: a regulamen- tação da carga horária, o direito a férias re- muneradas, o direito à licença maternidade e paternidade, ao 13º salário, ao seguro-de- semprego, à segurança no trabalho, dentre outros. É bem provável que durante esse trabalho, apareçam testemunhos de estudantes que presenciam situações em que muitos desses direitos não são respeitados, o que pode ser uma outra chance para abordar os caminhos que garantem tais direitos e as formas de de- nunciar as situações trabalhistas ilegais. Ainda com relação à análise do contexto contemporâneo, os saberes desenvolvidos no componente de Matemática poderiam ser de grande contribuição na análise dos dados pesquisados pelos discentes. Pode-se pro- duzir gráficos que sintetizem as informações recolhidas, apresentando, por exemplo, a re- lação entre o valor dos salários e a exigência de qualificação da mão-de-obra, ou ainda comparando o valor atual do salário-mínimo e o valor ideal necessário para o sustento de uma família brasileira. Nesses estudos en- volvendo especificamente o conhecimento matemático, os educandos podem estudar a desvalorização da moeda brasileira ao lon- go dos últimos anos, podem realizar com- parações entre preços de produtos da ces- ta básica disponível nos mercados e aquela cesta básica que eles considerariam a mais adequada. Outro recorte que pode ser aproveitado para debater o tema mundo do trabalho é realizar uma investigação sobre as caracte- rísticas profissionais da comunidade em que a escola está situada. Poderia ser realizada uma pesquisa sobre qual a atividade econô- mica predominante na região, qual a relação histórica entre essa atividade e o desenvolvi- mento da localidade ou ainda quais profis- sões são mais populares entre os pais dos es- tudantes. Na consolidação dessa pesquisa, a turma pode produzir, coletivamente, um mapa trabalhista do entorno escolar, defi- nindo legendas e símbolos que identifiquem lojas, comércios e demais pontos de trabalho mais reconhecidos. Aproveitando o diálogo com os familiares mais velhos, os educandos podem realizar um levantamento sobre as principais trans- formações sociais no bairro ou cidade em que moram, a partir dos dados envolvendo as mudanças no mercado de trabalho, ques- tionando quais profissões não existem mais ou perderam muito espaço e quais tornaram- -se mais populares recentemente. Nessa pes- quisa, também pode-se verificar qual o grau de precarização dos trabalhos mais popula- res e como os direitos são ou não são garan- tidos aos trabalhadores. Dentro desse tema, um outro termo que tem ganhado bastante destaque nos últimos anos é “uberização do trabalho”. Assunto bastante atual que pode ser explorado tam- bém a partir da produção de textos argumen- tativos, identificando quais as justificativas daqueles que defendem esse modelo de tra- balho e daqueles que a criticam, proporcio- nando aos estudantes um espaço para que se posicionem criticamente. Um outro tópico nem sempre explorado nas aulas e pouco presente nos materiais di- dáticos é toda a discussão em torno do pri- meiro acesso ao mercado de trabalho, isto é, 106 quais os caminhos e possibilidades para o jovem alcançar seu primeiro emprego. Na busca pela garantia da dignidade social do jovem, esse tipo de conteúdo pode desper- tar o interesse dos discentes, contribuindo para sua permanência na escola e para o seu maior engajamento com as propostas pedagógicas. Na área de Linguagens, as aulas podem promover simulações de entrevistas de em- prego, o que seria uma oportunidade para a produção oral de gêneros formais mais monitorados. Nas práticas de leitura, os do- centes podem encaminhar a análise de tex- tos do gênero expositivo e injuntivo, como anúncios de vagas de emprego e editais de concursos, orientando os principais pontos que devem ser observados em cada gênero. Na produção escrita, a elaboração de uma carta de apresentação é uma boa oportuni- dade para exercitar a concisão, a objetivida- de, a coesão e a coerência em uma produção textual formal. Todas essas atividades, aliás, serãoimprescindíveis não só na obtenção do primeiro emprego, mas na participação em boa parte dos processos seletivos, inclusive no ensino superior. As possibilidades de atividades que fo- mentam a dignidade do jovem a partir da am- pliação de seus conhecimentos sobre o mun- do do trabalho são muito variadas. Passando pela problematização do mercado informal, pela inegável importância e lamentável des- valorização do trabalho doméstico, pelo combate ao trabalho infantil, pelo reconhe- cimento dos movimentos sindicais... Enfim, a depender do contexto de ensino, muitos assuntos podem ser trabalhados de maneira interdisciplinar, compreendendo, conforme orienta a BNCC, que essas práticas “favore- cem a preparação básica para o trabalho e a cidadania, o que não significa a profissiona- lização precoce ou precária dos jovens ou o atendimento das necessidades imediatas do mercado de trabalho.” (BRASIL, 2018, p. 464) Reafirmamos que a escola sozinha não transforma toda as dinâmicas de injustiça que perpassam a sociedade, uma vez que a própria ideia de escolha profissional ou op- ção por alteração de emprego já pressupõe um privilégio. Ainda assim, acreditamos que a garantia da dignidade do estudante em sua inserção no mercado de trabalho passa pela conscientização de seus direitos, entenden- do as dinâmicas que atravessam e interferem na sua relação profissional. Exatamente por isso, é fundamental que a escola, de modo dialógico e recorrente, colabore para que essa dignidade possa ser alcançada em sua plenitude. Yu ri A / S hu tt er st oc k Outros laços ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIOR ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra Claudinéa Batista Núcleo de Produção deConteúdo e Formação 107 Convide os estudantes a assistirem ao filme “O Menino que Descobriu o Ven- to” (Chiwetel Ejiofor, Reino Unido, 2019), disponível para assinantes da Ne- tflix. O filme é baseado em uma história real e narra a trajetória do engenheiro William Kamkwamba. Em seguida, faça perguntas que levem os estudantes a refletirem sobre o que assistiram: ● Por que o estudo é importante na vida de um jovem? Qual a importância do conhecimento sobre ecologia, políticas humanitárias e do senso de comu- nidade? ● Qual é o papel da escola no contexto apresentado pelo filme? Qual é a rele- vância de promover a união de todos, combater as opressões e respeitar o próximo? Depois, forme grupos na turma e atribua a cada um a tarefa de rever um trecho específico do filme “O Menino que Descobriu o Vento”, garantindo uma divisão equitativa do filme entre os grupos. Cada grupo deverá preparar um breve resumo e compartilhar suas impressões sobre o trecho assistido, apre- sentando-os posteriormente para a turma. Leituras › Livro “Do trabalho penoso à dignidade no trabalho”, de autoria de José Agnaldo Gomes – Editora Ideias e Letras. Músicas › “Comida”, de 1997, da banda Titãs – composição de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto, disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=94SR1WNOHcw › “Belo estranho dia de amanhã”, de 2007, interpretada por Roberta Sá – composição de Lula Queiroga, disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=nbJLNqiSuJ4 https://www.youtube.com/watch?v=94SR1WNOHcw https://www.youtube.com/watch?v=94SR1WNOHcw https://www.youtube.com/watch?v=nbJLNqiSuJ4 https://www.youtube.com/watch?v=nbJLNqiSuJ4 108 Macroárea temática ECONOMIA Como a educação financeira colabora para alicerçar o futuro? 12 Educação financeira e Educação fiscal Este ensaio traça um panorama sobre alguns aspectos do funcionamento do sistema financeiro e de seu impacto no cotidiano da população. Além disso, o autor apresenta possibilidades de práticas pedagógicas que podem ajudar os estudantes a tomarem decisões financeiras futuras mais autônomas e conscientes. Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l 109 Mercado financeiro, aplicações, dívidas, pagamentos, em- préstimos. Muitas são as situações que envolvem a vida finan- ceira das pessoas. O assunto é extenso e, pelo senso comum, todos aprenderiam a lidar com o dinheiro à medida que o fos- sem recebendo. Entretanto, não é o que acontece. Pesquisas e estudos diversos evidenciam o contexto em que vivemos, no que tange à temática financeira. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), realizada pela Fecomercio-SP, em março de 2024, a inadimplência vem crescendo no Brasil e as famí- lias estão postergando o pagamento de atrasados em função da inflação que atinge os gastos básicos. A recorrente neces- sidade de tomada de empréstimos ou financiamentos impele o cidadão à servidão, à dívida. Professor benemérito de Antropologia e Geografia da City University de Nova York, o britânico David Harvey (2019), analisando os problemas decorrentes das principais crises recentes do capitalismo, decreta a loucura da razão econômi- ca como uma idealização ilusória de total impotência frente às dinâmicas da globalização contemporânea. O acadêmico (2019) tem traçado estratégias teóricas que possam subsidiar politicamente movimentos e organizações sociais, frisando a importância da força da luta coletiva, no enfrentamento às armadilhas da lógica do capital, marcado pelo surgimento desenfreado de um regime de economia de endividamento, cujas consequências moldam uma permanente cultura de servidão à dívida. Já o professor de Análise Social e Cultural da Universida- de de Nova York, ativista social e analista escocês Andrew Ross (2017), chancela o termo creditocracia como um siste- ma em que os cidadãos precisam pedir dinheiro emprestado para atender às suas necessidades básicas. O professor Ross (2017) alerta que o que a dívida faz é redistribuir a riqueza para cima e restringir a democracia para baixo. Essa dinâmica vem contribuindo, cada vez mais, para o aumento da desigualdade social. Segundo a Sociedade Brasi- leira para o Progresso da Ciência (2022), entre 2019 e 2021, a renda média dos 40% mais pobres caiu 2,2%, enquanto a renda média dos 40% mais ricos caiu 0,5%. Ross (2017) ain- da salienta que instituições financeiras se especializaram em manter os endividados pelo maior tempo possível como “clientes”, usando estratégias diversificadas que envolvem Rogério Vidal É graduado em Engenharia Elétrica (FEI) e Matemática (FIA). Pós-graduado em Novas Tecnologias para o Ensino da Matemática (UFF) e Políticas Públicas (Fundação Perseu Abramo). Atua como professor de Matemática nos Anos Finais do Ensino Fundamental em escolas públicas e privadas, e também trabalha com a formação de professores da área. Fonte: https://www.poder360.com.br/economia/endividamento-das-familias-sobe- para-785-em-abril/. Acesso em: 19 de mai. 2024. R ep ro du çã o / P od er 36 0 110 renegociações, prorrogação de prazos e novas ofertas de crédito. A quitação de contratos nunca é a meta almejada! Nesse mercado voraz, o alvo são os “revólveres”, os clientes favoritos, aqueles que não conseguem pagar o total da dívida, mas que honram o míni- mo mensal além de multas e demais encargos embutidos, regidos por “juros compostos” exorbitantes. Segundo levantamento da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), divulgada em abril de 2024, o percentual de famílias brasileiras endividadas foi de 78,5 %, mantendo tendência de aumento já registrada no mês anterior. Ainda segundo o levantamento, 20,7% dos consumidores entre- vistados afirmaram estar com mais da metade dos rendimentos comprometi- dos com dívidas e 12,1%, não terem condições para quitar seus débitos. Entre as principais fontes alternativas das famílias brasileiras na busca de suplementar seus rendimentos e arcar com seus compromissos estão o cartão de crédito, o crédito pessoal, o crédito consignado, carnês, financia- mentosde veículos e imobiliário, o cheque especial, além de outras dívidas, conforme podemos observar no gráfico a seguir: Em uma pesquisa de 2021, a Serasa já havia mostrado que, entre as prin- cipais causas do endividamento dos brasileiros, desponta a falta de controle financeiro. O aumento das dívidas chega a levar à perda de patrimônio ou re- dução drástica de consumo, evidenciando a falta de planejamento financeiro. Com os índices de crédito facilitado e alto endividamento da população, torna-se urgente o acesso ao conhecimento que possa prevenir as pessoas destes ciclos viciosos. Afinal, ainda que, muitas vezes, as dívidas sejam con- traídas pela simples necessidade de manutenção da existência, é preciso que 111 os cidadãos tenham consciência das “ar- madilhas” do sistema financeiro capitalista, para que possam não apenas fugir delas, como também empenhar-se na luta por uma condição de vida mais justa e igualitária para todos. Também é preciso reconhecer que o mun- do do dinheiro, em que transacionam na- ções e cidadãos, está imerso em influências complexas de dimensões global, continen- tal, nacional, regional, municipal, territorial e social. As questões macroeconômicas como inflação, emprego e desemprego, renda e produtos, níveis de preços, estoque de mo- edas, taxa de juros, câmbio, PIB e outras, se apresentam como condicionantes que asso- lam a classe trabalhadora e não podem ser ignoradas em uma toada meritocrática. Tais características influenciam diretamente o ge- renciamento que aplica à sua vida financeira, tanto nos momentos favoráveis, como tam- bém nos mais adversos. Considerando-se todos esses fatores, tor- na-se evidente a constatação de que a vida adulta exige do indivíduo a capacidade de autorregulação frente aos mais diversos de- safios que constituem seu cotidiano existen- cial. As perspectivas de êxito dependem de aprendizagens frutos de interações coletivas, em diferentes ambientes, complementadas pelas inferências individuais de cada sujeito. As lacunas nesse processo deixam marcas que afetam suas relações, seus fazeres, seus valores e suas intenções presentes e futuras, desencadeando características psicológicas que moldam sua interação com o mundo. Refletiremos mais sobre a necessidade des- sas aprendizagens na seção seguinte. Promovendo a Educação Financeira na escola O Ministério da Educação (MEC), conside- rando todos esses fatores, torna obrigatório o trabalho com educação financeira nas es- colas. Essa obrigatoriedade está posta pela inserção do tema na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), documento de caráter normativo. A justificativa para o trabalho com esse assunto está pautada no entendi- mento de que a educação financeira se trata de um conjunto de conhecimentos essenciais para o fortalecimento da cidadania, voltados para ajudar a população a tomar decisões fi- nanceiras mais autônomas e conscientes. Outra iniciativa do MEC para impulsionar a educação financeira é o lançamento, anun- ciado em junho de 2024, da I Olimpíada de Educação Financeira. Essa olimpíada é pro- posta pelo Ministério da Educação, em par- ceria com o Tesouro Nacional e a Bolsa de Valores de São Paulo. O desenvolvimento do conhecimento adequado sobre organização financeira e a preparação dos futuros indivíduos adultos aptos a essa gestão é foco da educação fi- nanceira proposta como um dos Temas Con- temporâneos Transversais pela BNCC. Sua abordagem como eixo integrador pretende valorizar a relevância dos conteúdos esco- lares. Aliada às temáticas de Trabalho e de Educação Fiscal, formam um tripé que sis- tematiza a macroárea de Economia na Base. As orientações oficiais sugerem um de- senvolvimento, preferencialmente, transdis- ciplinar, criando vínculos com a dinâmica so- cial cotidiana e, dessa forma, se integrando às dez competências gerais da própria BNCC. O primeiro passo para a realização desse trabalho pedagógico é a conscientização de que a educação financeira é tema e tarefa de todos os componentes curriculares e deve contar com o apoio de todo o quadro funcio- nal escolar. Romper esse ciclo de endivida- mento que tanto afeta a sociedade brasileira é tarefa que se aprende na escola. O estudo da educação financeira, desenvolvido no cotidiano escolar e abarcando as diferentes áreas, tem o potencial de transformar essa realidade, favorecendo aos estudantes a pos- 112 sibilidade de uma vida com decisões econô- micas e financeiras mais conscientes. A questão do desperdício, por exemplo, é um ponto sensível que deve aguçar o olhar do profissional escolar. Qualquer pessoa deve zelar para que o estudante mantenha práticas cotidianas que evitem o desperdício, seja na sala de aula (no cuidado com os pró- prios materiais, com os dos colegas e com os patrimoniais, como luzes, ventiladores, aparelhos de ar condicionado, televisores, computadores, tablets etc.), seja no refeitó- rio (com o consumo consciente da alimenta- ção necessária, com o cuidado com pratos, copos, talheres e guardanapos), seja nos bebedouros (com a abertura e fechamento das torneiras) ou nos banheiros (com o uso adequado de vasos sanitários, pias, papel higiênico e sabonete); além do bom uso que se espera que seja realização quanto aos ma- teriais didáticos coletivos. Em todos os am- bientes da escola, os adultos são gestores e educadores que devem dar o exemplo e de- vem sinalizar aos estudantes que o desperdí- cio “dói no bolso”. Há um dilema nesse contexto que precisa ser superado e que pode ser expresso pelos seguintes enunciados, bem comuns: “não é comigo!”, “não é meu aluno!”, “não tenho nada a ver com isso!”, “passei de fininho!”, dentre outros. Essa são frases, infelizmen- te, ainda ouvidas quando se discute o des- perdício na escola. Omissão, indiferença ou negligência não combinam com a atmosfera educacional. Todos os profissionais adultos de uma es- cola são mestres-aprendizes, e os estudantes contam com a regulação desses e com suas experiências e sabedorias; inclusive, no esta- belecimento dos limites necessários para a internalização de condutas formativas para uma boa cidadania. No cerne da questão do desperdício, en- contra-se a necessidade de formação do “consumidor responsável”. Ou seja, aquele B R O .v ec to r / R ep ro du çã o or ig in al S hu tt er st oc k Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 113 que usa da responsabilidade em suas demandas de consumo. Essa é uma tarefa multifacetada que pode alcançar diferentes aborda- gens conforme o componente curricular. Na Educação Física, por exemplo, a noção de equilíbrio passa a ser algo muito maior que a destreza corporal. Propostas que incen- tivem a busca do equilíbrio postural, mental e emocional, mediados pela adequação de escolhas de ações de iniciativa ou de espera ou de renúncia, em desafios individuais ou coletivos, são valiosas fer- ramentas no campo da autorregulação. Além disso, a Educação Fí- sica evidencia as dificuldades e facilidades dos indivíduos em suas relações interpessoais, sendo um ótimo celeiro para aprendizagens significativas no campo das disputas, acordos e gestão de crises, fatores que influenciam o consumo e a vida financeira. Pelas vias do equilíbrio no consumo, adentramos a seara do equilíbrio do ser. E, assim, em componentes curriculares como Filo- sofia ou Sociologia, encontramos reflexões importantíssimas para desenvolver habilidades rumo à competência de equilíbrio. Debates sobre o ter versus o ser, a viabilidade de sonhos e de projetos pes- soais, as ilusões e a realidade, a opção entre o fazer ou o não fazer, gentileza e bullying, esperança e prevenção de suicídio, entre tantos outros, são caminhos de estímulo ao pensamento crítico sobre a própria existência e sua manutenção, que desembocam, um dia, em escolhas da organização financeira, alicerçando os pilares do plane- jamento, do controle, da provisão e do investimento. O componentecurricular de Arte se aproxima para corroborar o desenvolvimento de equilíbrio na liberdade de expressão, na identi- ficação de pertencimento ou alienação cultural e social. Além disso, as diversas linguagens artísticas contribuem para a construção de valores como respeito e alteridade. Em seus meandros, há muitas possibilidades de expressão da sensibilidade e de aproximação à empatia. Tais caminhos serão fundamentais para a interpretação do inesperado e pela inclusão do “outro”, suas necessidades e pre- tensões, no universo financeiro do “eu”. Do equilíbrio do ser ao equilíbrio natural, as aulas de Ciências também podem contribuir com a educação financeira. As ativida- des econômicas devem cada vez mais estar alinhadas à preserva- ção ambiental, buscando um desenvolvimento sustentável. Outros exemplos possíveis de serem citados são: análise dos meios de pro- dução e suas instalações em uma perspectiva de redução de custos e alinhamento ecológico. Escolha de hábitos alimentares e consu- mo de produtos industrializados e seus efeitos na saúde e nas fi- nanças. Exercícios físicos e planos de saúde. Sistema Único de Saú- de (SUS). Energias renováveis, construções adaptadas ao reuso de água, captação solar, cisternas, programação de elevadores inteli- gentes; são todos tópicos que afetam custos condominiais e orça- “O componente curricular de Arte se aproxima para corroborar o desenvolvimento de equilíbrio na liberdade de expressão, na identificação de pertencimento ou alienação cultural e social.” 114 mentos domésticos. Tarifação de água e de luz, “desperdício” de água e de luz, excesso no uso do ar-condicionado também geram boas reflexões. A esta altura, também podemos passar o bastão para o componente de Geografia e refletir sobre o próprio território, sua densi- dade demográfica, sua forma de urbaniza- ção, a presença ou ausência de saneamento básico, possíveis localidades e moradias em áreas de risco etc., uma vez que são fatores muito importantes e que afetam a economia local. Morar, por exemplo, em uma localida- de de morro, em que não haja a possibilidade de acesso por meio de veículo automotivo, tem um custo. Viver sob a possibilidade de um deslizamento de terras, inundações ou incêndios também. Uma abordagem interessante seria pro- mover o estudo de comunidades que utili- zam uma “moeda social”. Os efeitos climá- ticos oriundos do aquecimento global têm produzido efeitos e, em alguns casos, tragé- dias ou caos urbanos que vão muito além dos impactos econômicos, mas, antes de tudo, de urgência de proteção da vida. Os estudos dos índices socioeconômicos também têm bastante conexão com a educação financei- ra. E a análise da geopolítica do mundo é, por si mesma, uma fonte farta de reflexões sobre a economia e de seus efeitos nas relações en- tre povos e nações. Percebendo uma influência global que afeta a economia, não podemos deixar de falar das aulas de História. Aqui também não faltam assuntos que mostrem a rela- ção do ser humano com o uso do dinheiro e como chegamos aos dias atuais. Do escam- bo às criptomoedas, muitos temas podem demonstrar como o comércio e as relações econômicas foram moldando nosso mundo através de invasões, colonizações, escraviza- ções, guerras, tratados, acordos e protocolos internacionais. A própria história do dinheiro é muito interessante, tanto no Brasil como em outros países. Uma análise dos ciclos e crises do capitalismo é muito importante. Das leis e garantias trabalhistas também. O universo previdenciário deve ser um ponto de destaque. Falando em relações internacionais, o estudo da Língua Inglesa chega totalmente relevante no contexto de um mundo globa- lizado e digital. Entender os significados dos termos próprios do universo econômico, como “spread bancário”, por exemplo, será um diferencial na integralidade da educação financeira. Os adolescentes adoram jogos di- gitais que já possuem moedas próprias, os chamados “tokens”. Investem em itens que aperfeiçoem seus personagens ou avatares e, muitas vezes, não compreendem o que es- tão fazendo nem os significados dos termos que utilizam regularmente. No âmbito de Língua Portuguesa, a leitura e a compreensão de textos são imprescindí- veis para o bom entendimento das relações comerciais e de todos os meandros das pac- tuações financeiras. Interpretar anúncios, propagandas, prospectos, briefings, acordos, contratos, regras de uso, de consumo, de ta- rifação, tudo precisa ser bem compreendido. Escrever adequadamente e com clareza uma carta de demissão, um cancelamento de contrato, mensagens eletrônicas comerciais 3r dt im el u ck ys tu di o / S hu tt er st oc k 115 ou uma solicitação de adesão a um benefício são pequenos exem- plos, entre tantos outros, da importância da escrita nas finanças. Sem contar todo o universo da oralidade e da comunicação em situ- ações em que se exige um poder de argumentação para barganhar ou garantir descontos e benefícios, por exemplo. E, claro, a Matemática e todo seu arcabouço de objetos de ensi- no entrelaçados à educação financeira. Desde as operações funda- mentais da Aritmética e seu uso em situações de compra e venda, conferências de troco, comparações de valores etc. No exame dos números racionais e suas representações e aplicações no cotidia- no. Pensando em decimais e todo seu envolvimento no comércio e nos sistemas de medidas. A estrutura do Sistema Monetário Brasi- leiro. As taxas de câmbio. Todo o universo das porcentagens com acréscimos e decréscimos, juros simples e compostos, cartões de crédito, aplicações, empréstimos, taxas, descontos eventuais, rela- tivos e acumulativos. Números inteiros e abordagens como saldo bancário, orçamento doméstico, controle orçamentário, lucros e prejuízos. Análise do Sistema Financeiro Nacional, fidelização, toke- ns, cashback, investimentos, mercado de ações, renda fixa e variável, criptomoedas e previdência privada. Economia circular e cadeia do preço justo. Não faltam tópicos especiais para chamar a atenção dos estudantes e realizar ótimas pesquisas e atividades práticas. Montar um minidicionário financeiro é sempre uma boa ideia. Ana- lisar a conta de luz. Investigar a oscilação do preço da cesta bási- ca. Montar orçamentos. Estimar os custos de um projeto. E por aí vai. O campo é vasto para envolver os estudantes em atividades que possam demonstrar a importância do conhecimento do universo financeiro. A própria gestão escolar, diretamente ou através de grêmio estu- dantil ou iniciativa da Associação de Pais e Mestres, também pode promover campanhas de arrecadação ou “ações entre amigos”, como metas para aquisição de bens que incrementem a ambiência escolar, como uma mesa de pebolim, um toldo para a entrada da escola etc.; ou, ainda, para viabilizar uma saída de estudos, sinali- zando que projetos exigem iniciativas de realização. Enfim, há muitas alternativas para que a escola e todos os seus profissionais possam auxiliar os estudantes na compreensão de uma educação financeira dinâmica, criativa e flexível. Que todo es- tudante, nos anos que tiver a oportunidade de frequentar as car- teiras escolares, possa ser preparado para planejar, controlar, pro- visionar, investir, renunciar, mudar e resistir, construindo sua vida financeira com consciência, responsabilidade, prudência, fraterni- dade e coragem. Outros laços R ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra KAMIL GIGLIO ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIONúcleo de Produção de Conteúdo e Formação 116 Há quem diga que ter a consciência tranquila é sinônimo de contas pagas e ausência de dívidas! Pois bem, a conquista dessa tranquilidade passa necessariamente pela educa- ção financeira. Como educadores, temos o compromisso em buscar a promoção de uma formação integral dos nossos estudantes, preparando-os para atuar como cidadãos cons- cientes e autônomos. Para ajudar nessa jornada, o Banco Central disponibiliza em sua páginana internet di- versos recursos gratuitos voltados para a formação financeira, tais como: ● Uma série web “Eu e o meu dinheiro”, composto por 5 episódios curtos, bem contextu- alizados e reflexivos. ● A Calculadora do Cidadão que simula situações do cotidiano financeiro, tais como apli- cações, financiamentos, cálculo do valor futuro e correção de valores. ● Curso online gratuito de Gestão de Finanças Pessoais (GFP), acompanhado de caderno. ● O programa “Aprender Valor”, composto por 7 etapas, pode ser aderido por todas as escolas públicas do país de Ensino Fundamental, que desejam incorporar a Educação Financeira aos seus estudantes. O programa oferece plataforma exclusiva, formação para professores e gestores escolares, projetos escolares e avaliações de aprendizagem e de impacto. Além disso, a página conta com diversas informações sobre como lidar com o dinheiro, baseadas em perfis (planejar, endividado, poupar e investir) e relatórios sobre cidadania e inclusão financeira. Endereço da página: https://www.bcb.gov.br/cidadaniafinanceira Filmes › Documentário “Freakonomics: O Estranho Mundo da Economia”, disponível no Youtube: https://www.youtube.com/ watch?v=lEqIkXeY2ZU. › Minissérie documental, com seis episódios, “Explicando... dinheiro”, disponível na Netflix: https://www.netflix.com/title/81345769. › Episódio “Cartões de crédito”, da segunda temporada da série História: direto ao assunto, disponível na Netflix: https://www.netflix.com/ title/81116168. https://www.bcb.gov.br/cidadaniafinanceira https://www.youtube.com/watch?v=lEqIkXeY2ZU https://www.youtube.com/watch?v=lEqIkXeY2ZU https://www.netflix.com/title/81345769 https://www.netflix.com/title/81116168 https://www.netflix.com/title/81116168 Sequência de pautas formativas para reunião pedagógica 117 Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 118 Examinar, ajuizar, analisar e julgar são ações que fazem parte do nosso cotidiano. O tempo todo estamos avaliando coisas, pessoas, atitudes e fe- nômenos (naturais ou não). Na esfera da educação, avaliar é ato bastante comum, uma vez que é constitutivo dos processos de ensino e de aprendi- zagem. Às vezes, a avaliação é a “régua” por meio da qual o conhecimento construído é medido. Às vezes, a avaliação orienta os passos seguintes para que a aprendizagem se consolide e outras sejam promovidas. Assim, por sua relevância, a necessidade de promover reflexões acerca do processo avaliativo é perene, ao considerarmos, principalmente, as vá- rias transformações pelas quais passamos no mundo e as demandas que elas nos impõem como educadores. Essa revisita às práticas pedagógicas efetivamente realizadas em âmbito escolar, incluindo-se a maneira como os processos avaliativos são realizados, é de suma importância, sobretu- do, se considerarmos que ainda se observam, mesmo com avanços, mui- tas configurações e atitudes escolares que remotam há décadas ou até séculos atrás. Considerando tudo isso e o fato de essa discussão se iniciar, nota- damente, pelas orientações e mediações realizadas pela gestão escolar, em diálogo com o corpo docente, esta 6ª edição do Caderno Pedagógi- co disponibiliza uma sequência composta por dez pautas formativas que abordam aspectos importantes relacionados à temática da Avaliação da Aprendizagem. Nas páginas seguintes, é possível conferir a relação dos tópicos desenvolvidos em cada uma delas e os respectivos objetivos. Já para acessá-las integralmente, basta realizar a leitura do QR Code abaixo ou acessá-las diretamente pelo site do E-docente (https://www.edocente. com.br). Com essa produção, esperamos contribuir para a construção de um novo olhar sobre os processos avaliativos a serem realizados na escola, vi- sando a uma melhor relação entre estudantes e professores, a uma maior solidificação da aprendizagem em questão e a resultados mais precisos com os quais os gestores possam trabalhar, sempre tendo por objetivo a melhoria da educação como um todo. Acesse as pautas: Introdução https://www.edocente.com.br https://www.edocente.com.br Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 119 PAUTA 1 POR QUE AVALIAR? UM OLHAR A RESPEITO DOS PROCESSOS AVALIATIVOS Objetivo: refletir sobre a importância da avaliação para os processos de ensino e aprendizagem, apresentando concepções ao longo da história e retomando-se, para tal, os principais estudos a esse respeito. PAUTA 2 A AVALIAÇÃO NO ÂMBITO DA BNCC Objetivo: promover o estudo da Base Nacional Comum Curricular no que tange à avaliação, discutindo aspectos relacionados à formação integral dos estudantes. PAUTA 3 ETAPAS AVALIATIVAS: DIAGNÓSTICO, PROCESSO E RESULTADO Objetivo: discriminar as finalidades da avaliação em diferentes momentos dos processos de ensino e aprendizagem, refletindo sobre como elas se configuram em etapas distintas da escolarização (Educação Infantil, Ensino Fundamental – Anos Iniciais e Anos Finais e Ensino Médio). PAUTA 4 A AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PAUTA DE OBSERVAÇÃO Objetivo: focar a discussão no contexto da Educação Infantil, explorando mais detidamente a Pauta de Observação. PAUTA 5 A AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: PORTFÓLIO Objetivo: focar a discussão no contexto da Educação Infantil, explorando mais detidamente o Portfólio. 120 PAUTA 6 AVALIAÇÕES EXTERNAS: ATENTANDO PARA O SAEB Objetivo: discutir o papel das avaliações externas, atentando para as particularidades do Saeb e promovendo um estudo das matrizes de referência. PAUTA 7 AVALIAÇÕES EXTERNAS: ATENTANDO PARA O ENEM Objetivo: discutir o papel das avaliações externas, atentando para as particularidades do Enem, promovendo um estudo das matrizes de referência e das orientações quanto à redação. PAUTA 8 O PAPEL DAS QUESTÕES OBJETIVAS Objetivo: promover uma compreensão a respeito da importância das questões objetivas no processo avaliativo, refletindo sobre os princípios da elaboração de itens, tendo em vista os modelos mais conhecidos (Teoria Clássica dos Testes e Teoria de Resposta ao Item). PAUTA 9 A IMPORTÂNCIA DAS QUESTÕES DISCURSIVAS E DA PRODUÇÃO TEXTUAL Objetivo: atentar para o papel das questões discursivas e da produção textual, salientando a importância de se trabalhar com diversos gêneros textuais na escola. PAUTA 10 PROJETOS DIDÁTICOS: VÁRIAS FACETAS AVALIATIVAS Objetivo: enaltecer a importância de promover projetos didáticos na escola, uma vez que eles possibilitam uma gama de processos avaliativos, já que há uma série de gêneros que são produzidos durante o processo. 121 CAPÍTULO 1 ABRAMOVAY, Miriam et al. Escolas inovadoras: experiências bem-sucedidas em escolas públicas. Brasília, DF: UNESCO Brasília, 2003. 428p. Disponível em: https:// unesdoc.unesco.org/ark:/48223/ pf0000131747. Acesso em: 10 mai. 2024. MOREIRA, Tereza; SANTOS, Rita Silvana Santana dos (Eds.). Educação para o desenvolvimento sustentável na escola: caderno introdutório. Brasília, DF: UNESCO, 2020. Disponível em: https:// unesdoc.unesco.org/ark:/48223/ pf0000375076. Acesso em: 10 mai. 2024. 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Capa_final_CAD_PED_2024 B.pdf 1 15/08/2024 11:58:54 Apresentação Construindo um futuro responsável por meio de uma educação sustentável Ética e mídias digitais: complementares e indissociáveis Quanto mais diversidade, mais cultura Valorização do multiculturalismo Os lares que nos constituem O que são e para quem são os direitos humanos? Quem transita quer respeito! Crianças e adolescentes têm direitos? Têm, sim senhor! Precisamos falar sobre etarismo Saúde e bem-estar: pilares para uma vida plena e equilibrada Mundo do trabalho e dignidade. Como relacioná-los? Como a educação financeira colabora para alicerçar o futuro? Sequência de pautas formativas Referências bibliográficasser facilitadores, encorajando os alunos a explorarem soluções sus- tentáveis inovadoras e a considerarem as consequências de suas ações. Este tipo de ambiente educacional promove uma aprendizagem que é ver- dadeiramente transformadora, capacitando os alunos a se tornarem pen- sadores críticos e solucionadores de problemas conscientes. Além disso, o fomento à reflexão crítica nos ambientes educacionais ajuda a construir uma base sólida para o pensamento sustentável que pode ser levado adiante em todas as facetas da vida dos alunos. Ao culti- var uma mentalidade que valoriza a reflexão crítica, os educadores estão preparando os estudantes para enfrentar e resolver os desafios complexos do mundo com uma compreensão mais profunda e respeitosa pela Terra e seus recursos. Ph ot or oy al ty / S hu tt er st oc k 16 Chamada para ação: Professores como agentes de mudança têm uma grande responsabili- dade e oportunidade de moldar o futuro da educação para a sustentabi- lidade. Eles são encorajados a adotar e promover práticas que eduquem sobre sustentabilidade, além de também incorporarem esses princípios em todas as atividades escolares. Isso inclui desde a gestão dos recursos da escola até a metodologia de ensino, incentivando os alunos a se enga- jarem ativamente com problemas reais e soluções práticas. A colaboração entre professores, administradores e a comunidade pode ampliar o impacto dessas iniciativas, criando uma rede de apoio que fortalece os esforços de sustentabilidade. Ao estabelecer parcerias com organizações locais e globais, as escolas podem oferecer aos estudantes experiências práticas que complementam o aprendizado em sala de aula e demonstram o valor da ação comunitária em sustentabilidade. Este é um convite para que todos os educadores se vejam como peças fundamentais na transição para práticas mais sustentáveis. Ao assumirem esse papel ativo, eles são catalisadores que transformam a educação, con- tribuindo para a formação de uma geração que será capaz de enfrentar os desafios ambientais com conhecimento, habilidade e atitude. Reflexão sobre o futuro O futuro da educação sustentável é promissor e repleto de potencial para transformações significativas na forma como educamos as próximas gerações. À medida que mais escolas e educadores reconhecem a impor- tância de integrar a sustentabilidade em seus currículos e práticas, au- mentam as oportunidades para que os alunos desenvolvam as competên- cias necessárias para liderar esforços de sustentabilidade no futuro. A continuidade da educação para a sustentabilidade garantirá que os alunos aprendam e compreendam sobre os problemas ambientais, con- tribuindo de forma contundente na elaboração de soluções duradouras. Isso envolve ensinar as habilidades necessárias para inovar, colaborar e implementar soluções que respeitem os limites do nosso planeta. Olhando para frente, é essencial que a educação para a sustentabilida- de continue evoluindo e se adaptando às novas descobertas e tecnologias. Isso assegurará que ela permaneça relevante e eficaz na preparação de alunos informados, responsáveis e capacitados para enfrentar os desafios ambientais, sociais e econômicos de um mundo em constante mudança. Outros laços ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIOR ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra Alessandro Crisostomo R ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra 17 Leituras › Caderno Pedagógico nº 5, disponível no site do e-docente para download: https://www. edocente.com.br/conteudos/ caderno-pedagogico-ods-5o- edicao/ Sites › Akatu – Por um consumo consciente: criada em 2001, trata-se de organização sem fins lucrativos que atua em prol da consciência em sustentabilidade e consumo. Para acessar: https://akatu.org.br/ › WWW-Brasil: ONG criada em 1996, cujas iniciativas buscam, dentre outros objetivos, proteger e restaurar a biodiversidade, fortalecer a agricultura familiar e a produção local. Para acessar: https://www.wwf.org.br/ A educação para a sustentabilidade virou um jargão popular. Está presente nas políticas públi- cas, nos discursos de personalidades oriundas dos mais variados setores sociais e, enfim, está “na boca do povo”. Entretanto, onde podemos encontrar iniciativas práticas, nas quais esse ideal se transforma em ações e projetos efetivos? É o que tentaremos expor nas linhas a seguir: 1. Projeto: “Plantando o futuro” (Atalanta, SC). O grupo conta com o apoio da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida. Promove a participação e protagonismo de crianças e adolescentes, por meio de rodas de conversa e atividades educativas, desencadeadoras de ações em prol do clima, da preservação das florestas e da educação ambiental. Saiba mais em: https:// lunetas.com.br/projetos-meio-ambiente-criancas-jovens/ 2. Projeto: “Renovação” (Jundiaí, SP). O projeto de caráter integrador reuniu as escolas da rede de ensino do município e contou com o apoio da Coca-Cola FEMSA Brasil. Foi desenvolvido em 3 eixos: implementação da coleta seletiva nas escolas; formação de professores, equipe gestora e pessoal de apoio, e oficinas com alunos das escolas em temas de resíduos sólidos, coleta seletiva e uso racional da água. Conheça mais em: https://jundiai.sp.gov.br/noticias/2019/11/25/escola-ino- vadora-tem-acao-sustentavel-com-projeto-renovacao/ 3. Dica de leitura: Artigo “3 projetos envolvendo sustentabilidade para servir de inspiração”. No texto, são apresentados os projetos finalistas da 25ª edição do prêmio “Educador nota 10”, dedi- cado a reconhecer as práticas que integram o currículo escolar aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Leia em: https://novaescola.org.br/conteudo/21768/premio-educador- -nota-10-2023-sustentabilidade Estes são alguns exemplos, entre tantos outros, nos quais a noção de sustentabilidade é colo- cada em prática. Para nós educadores, figuram como referências importantes sobre o que já está em curso e o que ainda pode ser feito, quem sabe disparando novos projetos, mais alinhados com a nossa realidade local. Então, só nos resta o convite: mãos à obra! Ainda há muito pela frente … Filmes › Adaptação de livro homônimo O menino que descobriu o vento (2019), dirigido por Chiwetel Ejiofor, disponível na Netflix. › Documentário anglo-brasileiro Lixo extraordinário (2010), dirigido por Lucy Walker. Retrata o trabalho do artista plástico Vik Muniz. Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação https://www.edocente.com.br/conteudos/caderno-pedagogico-ods-5o-edicao/ https://www.edocente.com.br/conteudos/caderno-pedagogico-ods-5o-edicao/ https://www.edocente.com.br/conteudos/caderno-pedagogico-ods-5o-edicao/ https://www.edocente.com.br/conteudos/caderno-pedagogico-ods-5o-edicao/ https://akatu.org.br/ https://www.wwf.org.br/ https://lunetas.com.br/projetos-meio-ambiente-criancas-jovens/ https://lunetas.com.br/projetos-meio-ambiente-criancas-jovens/ https://jundiai.sp.gov.br/noticias/2019/11/25/escola-inovadora-tem-acao-sustentavel-com-projeto-reno https://jundiai.sp.gov.br/noticias/2019/11/25/escola-inovadora-tem-acao-sustentavel-com-projeto-reno https://novaescola.org.br/conteudo/21768/premio-educador-nota-10-2023-sustentabilidade https://novaescola.org.br/conteudo/21768/premio-educador-nota-10-2023-sustentabilidade 18 2 Ciência e Tecnologia Ética e mídias digitais: complementares e indissociáveis Este ensaio instiga os leitores a refletirem sobre a relação entre a ética e o uso atual das redes sociais digitais, da qual emergem questões relacionadas, por exemplo, aos direitos autorais. Conforme assevera o autor, esse tipo de mídia amplifica ações essencialmente humanas, o que reforça a importância desta discussão em sala de aula. Macroárea temática Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l 19 — Menino, já falei que não pode pegar as coisas do amigo! — Não pode jogar lixo nochão, garota! — Sabia que é muito feio falar mentiras? Em um passado não muito distante, frases como essas eram comuns em diversos lares pelo nosso país, partindo de familiares preocupados com a formação éti- ca e moral de seus filhos e filhas. Na verdade, elas ainda são bastante corriqueiras. Apropriar-se de algo que não é seu, sujar o ambiente em que se circula e criar fatos inverídicos são, universalmente, atitudes reprováveis, pois violam a ética social que nos permite um convívio saudável e sustentável em comunidade. No entanto, será que atitudes como essas ainda fazem parte do que convencionamos chamar de ética? Ao longo da nossa história, muitos debates surgiram sobre a essência da ética, abrangendo tanto aspectos fi- losóficos quanto legais (os quais não estão separados). Gostaria de trazer foco à forma como as relações virtu- ais vêm tentando subverter esse conceito, misturando- -o ao da moral. Quando pensamos em ética, em todos os seus sentidos, partimos da premissa de que estamos abordando a característica fundamental que distingue os seres humanos dos não humanos. (MAGGIOLINI, 2014) Tendo em vista a questão pontuada por Maggioli- ni, poderíamos dizer que a ética é algo universal, um comportamento humano que independe do contexto, já que guia relações humanas saudáveis; enquanto a moral seria mais contextualizada, dependeria de uma Tiago Ribeiro Doutor em Letras pela PUC-Rio, leciona língua portuguesa há quase 20 anos, com experiência nos ensinos fundamental, médio e superior. Atento às tecnologias e às novas formas de comunicação, luta por uma educação que valorize a diversidade, a ética e o respeito por tudo que é diferente, pois acredita que essa multiculturalidade é a maior riqueza que temos e que melhor nos caracteriza como seres sociais. Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 20 cultura, uma religião, uma época, por exemplo. Difamar alguém es- taria no campo da ética, já que não haveria contexto que justificaria tal ação; apedrejar um condenado estaria no campo da moral, pois se trata de um acordo social de determinado local, em uma cultura específica (por mais que não concordemos e saibamos que tal ação se mostra bárbara). No entanto, o que temos observado nas redes sociais é uma cres- cente confusão entre os campos da ética e da moral. Atitudes que pertencem a um campo migram facilmente para o outro, tendo em vista justificativas pouco fundamentadas e que, por vezes, ignoram nossa história filosófica e desrespeitam convenções socialmente estabelecidas. Criam-se histórias falsas, destroem-se reputações, argumenta-se a respeito de todo tipo de atitude eticamente reprovável como se estivéssemos em um contexto moral que a justificasse. O “escudo” das redes sociais acaba por nos tornar mais corajosos e menos re- flexivos como seres sociais. Assim, vale tudo para conseguir enga- jamento e popularidade na virtualidade, mesmo que isso signifique agir sem civilidade ou coerência. Observamos também o avanço significativo de programas que utilizam inteligência artificial generativa. Muitas discussões sobre a ética de seu uso, especialmente na produção intelectual, ainda es- tão por vir. Questões sobre plágio e direitos autorais estão no cen- tro desse debate, já que não se sabe ao certo como tais programas se aproveitam de conteúdos já produzidos, sejam de imagem, texto ou qualquer outra forma de arte, na construção de seus resultados. Será que a comodidade do resultado imediato, quase automático, mesmo que antiético, de uma demanda nos desvinculará de qual- quer reflexão e nos conduzirá a um destino desprovido de ética? “No entanto, o que temos observado nas redes sociais é uma crescente confusão entre os campos da ética e da moral. Atitudes que pertencem a um campo migram facilmente para o outro, tendo em vista justificativas pouco fundamentadas […]” “O “escudo” das redes sociais acaba por nos tornar mais corajosos e menos reflexivos como seres sociais.” LB ed do e / Sh u tt er st oc k 21 O alcance das ações na rede — Alceu, você ficou sabendo que o filho de Noca saiu do emprego? Dizem que foi pego roubando lá na empresa. — Foi mesmo? Tô sabendo não…, mas aquele menino nunca me enganou… Uma conversa como essa ainda é típica em milhares de localida- des pelo Brasil, já que as interações sociais e as chamadas “fofocas” existem desde que “o mundo é mundo”. Mas, qual era o alcance des- se tipo de conversa se comparado com o poder das mídias digitais? Bauman (2002, p. 586) reflete acerca da complexidade humana. Desse modo, ele cita que “os nossos antepassados eram testemu- nhas diretas de quase todas as consequências de seus atos, porque os acontecimentos e suas consequências muito raramente saíam do campo visual ou do seu raio de ação direta”. Maggiolini (2014) discute a visualização das consequências de nossos atos em nosso entorno, comparando-a com o que ocorre nas redes sociais. Ele observa que, enquanto nas redes sociais há um alcance e uma interferência negativa na vida das pessoas, no caso da fofoca de portão, os envolvidos são conhecidos e estão ao alcance dos olhos, pois fazem parte do mesmo contexto social. E complementa: Poucas das nossas ações nesta sociedade tecnológica globalizada são acompanhadas da consciência das consequências, e isso não permite uma reflexão ética. (…) Por essa razão, só uma parte relativamente pequena das nossas ações ou omissões é guiada pelos valores e sentimentos morais. (MAGGIOLINI, 2014, p. 586). Ou seja, quando se age nas redes, geralmente não há reflexão so- bre nossas posturas, mesmo que eticamente reprováveis. É como se nos maquinizássemos, perdendo a capacidade eticamente intrínse- ca ao ser humano de filtrar as informações. Então, volto a questio- nar: o ser social que atua no dia a dia, presencialmente, é o mesmo que está por trás de um perfil na rede social? Aquele seu parente gentil, amoroso, cordial, é o mesmo que dissemina mentiras e ódio na internet? Antes que você me alerte (com toda a razão), é importante reco- nhecer que a falta de ética e os inúmeros problemas das mídias di- gitais não são responsabilidade exclusiva dos indivíduos que admi- nistram seus perfis pessoais. Existe uma engrenagem muito maior e mais poderosa sustentando essa subversão de conceitos que, até então, eram estáveis em nossa sociedade. “Será que a comodidade do resultado imediato, quase automático, mesmo que antiético, de uma demanda nos desvinculará de qualquer reflexão e nos conduzirá a um destino desprovido de ética?” Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 22 Redes sociais ou comerciais? — Olha o carro do peixe! Sardinha fresca, sardinha limpa na hora. Tá na promoção aqui na minha mão. Aproveita, freguesa! — Peraí, Norberto, não ouvi o que você estava falando. Espera o carro do peixe passar. Quando acessamos nossas redes sociais, somos expos- tos a uma infinidade de anúncios de serviços e produtos que aparecem de acordo com nossos interesses, buscas e “likes”, coletados pelos algoritmos. Esses algoritmos, segundo especialistas, sabem mais sobre nós do que nós mesmos. Somos bombardeados com ofertas dos tênis que gostamos, pousadas que combinam com nosso per- fil e serviços de terapia que estamos precisando. Parece mágica, mas é apenas a tecnologia associada a uma ética questionável. Diferente do dono do carro do peixe, que passa em nos- sa rua enquanto conversamos com nosso vizinho, o ven- dedor digital coletou nossos dados sem nosso consenti- mento e tenta direcionar nossas ações de acordo com seus interesses. Apesar de aceitarmos os termos de uso das re- des sociais em um acordo nada igualitário, as diretrizes das empresas que administram essas plataformas não são cla- ras. Por essa razão, as chamadas Big Techs são sempre re- lutantes em relação a qualquer tentativa de regulação por meio da legislação.O que está por trás dos algoritmos? Por que a notícia que aparece para mim como primeira opção no buscador é diferente daquela que aparece para o usu- ário que está ao meu lado? Quais parâmetros determina- ram essas escolhas? Apesar de sabermos que tudo gira em torno do lucro, os interesses maiores ainda são nebulosos. Fato é que tal direcionamento comercial vem criando, cada vez mais, bolhas sociais que nos impedem de termos aces- so ao todo, a visões diferentes sobre um mesmo ocorrido, exacerbando cada vez mais histerias sociais e incentivando as tais subversões éticas de que já falamos anteriormente. 23 As verdades entre aspas O efeito de verdade está mais para o lado do ‘acreditar ser verda- deiro’ do que para o do ‘ser verdadeiro’. Surge da subjetividade do sujeito em relação com o mundo, criando uma adesão ao que pode ser julgado verdadeiro pelo fato de que é compartilhável com outras pessoas, e se inscreve nas normas de reconhecimento do mundo. […] O que está em causa aqui não é tanto a busca de uma verdade em si, mas a busca de uma ‘credibilidade’, isto é, aquilo que determina o ‘direito à palavra’ dos seres que comunicam, e as condições de validade da palavra emitida. (CHARAUDEAU, 2015, p. 49). A chamada cultura do cancelamento guia muitas ações de pessoas públicas nos dias de hoje. Elas tendem a colocar cada vez mais aspas em suas verdades, ocultando determinados traços culturais para não perder seguidores e, consequentemente, contratos comerciais. Recen- temente, ganhou notoriedade o caso da cantora Anitta, que perdeu mais de 200 mil seguidores após lançar um clipe em homenagem a um orixá do Candomblé. Além disso, ela sofreu ataques de intolerância re- ligiosa, revelando o impacto da cultura do cancelamento e do precon- ceito nas redes sociais. Qual a razão de tanto ódio? O que faz alguém se sentir à vontade de atacar outra pessoa? Estamos presos ao auto- mático e, inevitavelmente, perderemos nossa humanidade, assim como qualquer senso de ética e responsabilidade por nossos atos? O papel da educação na promoção das mídias digitais como instrumento para uma educação planetária — Mãe, eu não quero ir para a escola! Lá é muito chato. Não quero ficar estudando verbo e contas que não servem pra nada. — Enzo, você precisa ir! Como vai conseguir ser médico igual ao seu pai? Diante de tantos desafios éticos relacionados à comunicação con- temporânea, será que a educação oferecida na maioria das escolas pú- blicas e particulares consegue atender às demandas atuais? A socieda- de consegue mensurar qual é o principal papel da formação acadêmica nos dias de hoje? Mais do que priorizar conteúdos estanques, o currículo das esco- las precisa estar integrado às demandas globais, sempre ancorado no contexto em que a instituição está inserida. No entanto, as ações devem ocorrer tanto dentro quanto fora dos espaços formais de edu- cação, para que não apenas os estudantes, mas toda a comunidade, estejam cientes das mudanças necessárias na sociedade. É preciso in- O uso do celular em sala de aula e o amplo acesso às redes. J. P. J u ni or P er ei ra / S hu tt er st oc k 24 tegrar ações no entorno de escolas e universi- dades para promover debates que coloquem a questão ética no centro das discussões, desta- cando sua importância na construção de uma sociedade global mais justa. O investimento em políticas públicas de educação é essencial para garantir formação continuada a todos os envolvidos no processo educacional, desde gestores até professores. Isso assegura que eles estejam preparados para promover debates relevantes e atuais. Também é necessário que, como sociedade, exijamos uma regulação séria e definitiva sobre o que pode e o que não pode nas redes, independen- te da pressão exercida por grandes empresas de comunicação. Discussões avançam no Congresso Nacio- nal Brasileiro, mesmo que mais lentamente do que o necessário (LIMA, 2024). O foco deve ser o respeito às relações humanas, e não ape- nas o lucro. Em sua Educação para cidadania global, a Unesco (2015) traz alguns de seus principais objetivos: ● estimular alunos a analisar criticamente questões da vida real e a identificar possí- veis soluções de forma criativa e inovadora; ● apoiar alunos a reexaminar pressupostos, visões de mundo e relações de poder em discursos “oficiais” e considerar pessoas e grupos sistematicamente sub-representa- dos ou marginalizados; ● enfocar o engajamento em ações individu- ais e coletivas, a fim de promover as mudan- ças desejadas; e ● envolver múltiplas partes interessadas, in- cluindo aquelas que estão fora do ambiente de aprendizagem, na comunidade e na so- ciedade mais ampla. (UNESCO, 2015, p. 16) A Base Nacional Comum Curricular (2018) destaca, em suas competências gerais na área de Linguagens e suas Tecnologias para o En- sino Médio, a importância de preparar jovens atentos à forma como a informação circula na atualidade: 25 Para além de continuar a promover o desenvolvimento de habilidades relativas ao trato com a informação e a opinião, no que diz respeito à veracidade e confiabilidade de informações, à adequação, validade e força dos argumentos, à articulação entre as semioses para a produção de sentidos etc., é preciso intensificar o desenvolvimento de habilidades que possibilitem o trato com o diverso e o debate de ideias. Tal desenvolvimento deve ser pautado pelo respeito, pela ética e pela rejeição aos discursos de ódio. (BRASIL, 2018, p. 490). Ou seja, são perspectivas que buscam formações mais amplas, con- siderando diversas das discussões levantadas neste texto. Com essa formação, o cidadão global, seja no ambiente virtual ou no mundo real, terá maior consciência de seus atos, sendo uma pessoa única e coe- rente, e não personagens antagônicos de si mesmo, dependendo do contexto em que se encontra. Como toda grande mudança, tais ações não são simples de serem re- alizadas, ainda mais pelo fato de lidarmos com instâncias muito pode- rosas política e financeiramente. Mas, como atores sociais, precisamos buscar implementá-las, cada qual dentro de suas possibilidades e seu alcance (que pode ser bem extenso nas redes sociais, não é mesmo?). Antes de finalizar este breve texto, é importante salientar que não temos a ilusão de que os problemas éticos do mundo estão apenas na virtualidade. Muito pelo contrário. As mídias digitais apenas expandem e exacerbam ações essencialmente humanas que já estão ao nosso re- dor. O que precisamos ter em mente é a urgência de lutar por uma re- gulação ética e por novas formas de educação que democratizem as discussões sobre essas novas maneiras de lidar com o outro. Essas dis- cussões precisam entrar em pauta, antes que nos seja tirado o que nos resta de humanidade. — Vizinha, você viu que essas vacinas estão todas causando algum tipo de doença? Recebi no zap. Por isso que a filha da Julia nasceu com autismo! — Mãe, para de espalhar fakenews. Hoje discutimos na escola a importância de se checar as informações que recebemos nas redes e essa história das vacinas é uma das mentiras mais espalhadas. Já parou pra pensar que, cada vez que você espalha esse tipo de notícia falsa, milhares de pessoas deixam de se vacinar e acabam morrendo? — Vizinha, é mentira! Meu filho aqui me alertou! Não espalha isso, não! Outros laços ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIOR ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra Claudinéa Batista 26 A prisão do autoplay Um recurso atual das redes sociais sobre o qual não paramos para pensar (e essa é a estratégia das empresas) é o chamado “autoplay”. À medida que se passa de uma postagem para outra, os vídeos começam automaticamente, sem que seja neces- sário ‘dar o play’. Ou seja, o algoritmo, além de se- lecionar os vídeos que serão vistos, também os re- produz automaticamente. Todo tipo de conteúdo é compartilhado sem controle ou ética, incluindo discursos de ódio e intolerância. A melhor defesaque temos em relação a todas essas armadilhas das redes é o conhecimento. Desse modo, solicite aos estudantes uma pes- quisa sobre “os riscos do autoplay”. Em seguida, promova uma roda de conversa com as seguintes questões: Filmes › O documentário O dilema das redes (2020), dirigido por Jeff Orlowski, está disponível na Netflix. › A série Black Mirror (2011–2019), criada por Charlie Brooker, é formada por episódios independentes entre si que retratam histórias de ficção científica relacionadas à tecnologia e suas (nefastas) consequências. Indicamos especialmente o primeiro episódio da terceira temporada, “Queda Livre”. Site › EducaMídia, programa do Instituto Palavra Aberta com apoio do Google. org criado para engajar a sociedade no processo de educação midiática dos jovens. Pode ser acessado por meio deste endereço: https://educamidia.org.br/ ● Como é regulado o comércio no mundo real, físico? ● Existe uma liberdade irrestrita, que não obede- ça a critérios claros e definidos por lei? ● Por que as relações comerciais nas redes so- ciais podem ser desreguladas, gerando conse- quências políticas, comerciais e de saúde pú- blica que são imensuráveis para a sociedade em geral? Após as discussões, solicite aos estudantes que produzam um folder educativo a ser compar- tilhado com a comunidade escolar sobre o que é e quais são os riscos do autoplay. Não esqueça de orientá-los sobre as funções do folder e a impor- tância dos recursos visuais para a construção dos argumentos. Núcleo de Produção deConteúdo e Formação https://educamidia.org.br/ Macroárea temáticaMULTICULTURALISMO 27 Diversidade cultural Quanto mais diversidade, mais cultura Este ensaio tece importantes análises da relação entre diversidade e cultura no contexto pedagógico, partindo da premissa de que a escola, microcosmo da sociedade, constitui-se como lugar privilegiado para a promoção da diversidade. Para tal, o autor reitera a necessidade da formação docente continuada, em uma perspectiva multicultural, como dispositivo teórico-metodológico de suma importância. Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 3 R ep ro du çã o / A rq u iv o pe ss oa l 28 1. “Vejam essa maravilha de cenário/ É um episódio relicário”: diversidade cultural e implicações pedagógicas Cada vez mais necessária à escola pública e/ou privada, em seus processos de ensino e aprendizagem, é a reflexão sobre determinadas temáticas, as quais deveriam estar trans- versalizadas em seus currículos, já que a escola se configura como um lugar de intencionalidade pedagógica, ou seja, bus- ca cumprir objetivos didáticos, explicitamente assumidos em seus projetos políticos pedagógicos. É nessa direção, pois, que, ao longo deste texto, iremos conversar sobre as relações entre diversidade e cultura, no contexto pedagógico, por compreendermos que vivemos em uma sociedade cada vez mais multicultural1, o que significa mais plural em suas expressões culturais, étnico-raciais, reli- giosas, filosóficas, de identidade de gênero, de orientação se- xual, entre outras dimensões identitárias engendradas, cada vez mais, nas diversas esferas da vida contemporânea (MO- REIRA, 2001). Sendo a escola um microcosmo dessa sociedade – ou seja, não é um lugar etéreo, alheio ao que está acontecendo no co- tidiano das relações sociais em seus processos de mudanças –, encontra-se, nesse ambiente, um contexto social múltiplo, no qual convivem diversas realidades. Dessa forma, é um lu- gar privilegiado, em sua configuração atual, para a presença da diversidade social, que não está isenta, por sua vez, de ser alvo corriqueiramente de comparações, estigmas, desigualda- des, preconceitos, violências físicas e simbólicas, sofrimentos socioemocionais, entre outros problemas da sociedade passí- veis de serem refletidos nesse ambiente. Nessa perspectiva, inicialmente, faremos algumas consi- derações, antes de entrarmos efetivamente na temática, mais especificamente, de natureza pedagógica, por entendermos que a escola não é mesmo uma instância social neutra, des- tituída de valores, de perspectivas, de orientações, de diretri- zes, de caminhos que deseja percorrer. Ao contrário, é uma instituição que, responsável não apenas pelos conteúdos es- pecíficos dos componentes do currículo, mas também pela formação cidadã e humana do estudante, traz subjacente (ou explicitamente) às suas práticas pedagógicas concepções de sociedade, de ser humano, de conhecimento, visões que se ancoram no caráter político, ideológico e filosófico que os dis- cursos curriculares oficiais defendem e prescrevem. 1 Sobre este termo, aprofundaremos mais adiante. Jorge Lira Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde também cursou a Licenciatura em Letras. Ainda é graduado em Pedagogia pelo Centro Universitário Internacional (Uninter) e no bacharelado em Psicologia pela Faculdade de Ciências Humanas (ESUDA). Atua, no serviço público federal, no Núcleo de Estudos e Assessoria Pedagógica (NEAP/UFPE), como Técnico em Assuntos Educacionais, assessorando, pedagogicamente, os corpos docente e discente em suas demandas específicas, na perspectiva de, coletivamente, construir a prática pedagógica no Ensino Superior, a partir da consideração dos aspectos relacionados às dimensões éticas, estéticas, de acessibilidade, de identidade de gênero, sexual, religiosa, étnico- racial, de faixa geracional e sociocultural. “[…] pois somos seres políticos, não necessariamente no sentido partidário, como algo panfletário, no campo de um doutrinamento, mas, sobretudo, no sentido etimológico do termo, ou seja, no da “pólis”, que quer dizer cidade, sociedade em movimento, na coletividade.” iG oo dS tu di o / R ep ro du çã o or ig in al S hu tt er st oc k 29 Sendo assim, ratificamos a impossibilidade de neutralida- de em nossas ações cotidianas e não apenas na qualidade de profissionais da educação, pois somos seres políticos, não ne- cessariamente no sentido partidário, como algo panfletário, no campo de um doutrinamento, mas, sobretudo, no sentido etimológico do termo, ou seja, no da “pólis”, que quer dizer cidade, sociedade em movimento, na coletividade. Ou melhor: nos nossos modos de agir, de existir e de performar, com nos- sos corpos-discursos, diariamente, vamos sinalizando como politicamente estamos situados. 2. “Alguma coisa está fora da ordem/ Fora da nova ordem mundial”: repensando paradigmas Pensemos: quando, nas nossas práticas pedagógicas, si- lenciamos, diante de determinadas situações? Por exemplo, no ano de 2022, presenciamos, em nível midiático, uma de- núncia de situação de intolerância religiosa, em uma escola pública no sul do país. Uma adolescente foi agredida fisica- mente em uma escola municipal por conversar com um amigo sobre a religião dela, no caso, a umbanda. Enquanto a vítima tentava dizer que sua religião praticava o bem, ouvia, da par- te dos supostos agressores, que esse tipo de profissão de fé cultuava o demônio. Segundo a mãe da adolescente, à época, houve negligenciamento, quanto à assistência médica dada pela escola, além da orientação pedagógica da gestão escolar circunscrita à mudança de turno por parte da vítima para evi- tar novas ocorrências (MAYER E FARIAS, 2024). Percebam que essa ação pedagógica também se configu- ra um discurso, porque comunica, traz um posicionamento, uma perspectiva pedagógica de lidar com a diversidade reli- giosa no ambiente escolar, no exemplo acima, marcada, como vimos, por um desconhecimento sobre os processos culturais que originaram o culto a essa religião, marcada por uma rique- za de influências de outras religiões como o espiritismo karde- cista, os elementos rituais e mitológicos dos cultos de matriz africana, além das influências católica, indígena e orientais. Ainda, a postura pedagógica da gestão escolar, orientada, porum “pré-conceito”, quanto à negligência no tratamento desse fenômeno de intolerância religiosa, retratado acima, pa- rece ser representativo, infelizmente, de discursos e práticas de muitos profissionais de educação, ainda ressonantes na atualidade. Além disso, nesse tipo de atuação, a escola pare- ce também revelar o projeto de sociedade com o qual pactua 30 e, nesse sentido, isso é um modo de movimen- tar-se na sociedade, ou seja, isso é político, na- quele sentido explicitado acima. Acrescentamos também que essa postura pedagógica revela uma desarticulação com o que preceitua a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC), parecendo desconsiderar os marcos legais, nos quais esse documento curricular se respalda, tais como a Constitui- ção Federal do Brasil (1998) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/1996 (artigo 33, alterado pela Lei nº 9.475/1997), em que se fun- damentam os princípios e fundamentos que sustentam as epistemologias e as pedagogias do Ensino Religioso, cujo objetivo educacional, no que compete à formação integral básica do estudante, é garantir o respeito à diversidade cultural religiosa, em todas as suas manifesta- ções e expressões, sem proselitismos. Isso não quer dizer, por sua vez, que esse seja um processo estanque, acabado, cristali- zado, haja vista que o processo de suspensão de nossas crenças, juízos e verdades preesta- belecidas sobre os fenômenos e sobre as pes- soas, de maneira geral, especialmente, naquilo que nelas têm de diferente de nossas certezas e convicções, não é das tarefas mais fáceis de li- dar e, portanto, cada vez mais, os processos de formação inicial e continuada em serviço e fora dele devem se constituir um direito do docente como parte constitutiva de suas condições de trabalho para que possa refletir sobre sua ação docente sistematicamente. Sendo assim, o caso acima reflete cama- das mais profundas da estrutura da socieda- de brasileira, nas quais o racismo se encontra enraizado, em função de uma engrenagem, em que a branquitude2 opera, opressivamente, no sentido de atualizar, cotidianamente, proces- sos de exclusão em instâncias das mais diver- sas, em níveis que vão dos mais sutis, dos mais explícitos aos mais sofisticados, envolvendo dinâmicas sociais, políticas, econômicas, am- M an op B oo np en g / Sh u tt er st oc k 2 De acordo com Bento (2002, p.5), a branquitude “é um lugar de privilégio racial, econômico e político, na qual a racialidade, não nomeada como tal, carregada de valores, de experiências, de identificações afetivas, acaba por definir a sociedade”. 31 bientais, estéticas, recreativas, institucionais, linguísticas, religiosas, educa- cionais, sendo este aspecto o que nos interessa refletir, mais especificamente, neste texto. Sem fazer esse tipo de problematização, acreditamos que a escola (e isso não significa generalizá-la, obviamente, dada a continentalidade do país e as diversas feições que a escola brasileira vai assumindo em suas políticas de for- mação inicial continuada e práticas pedagógicas) pode, em algum momento, a despeito de todos os discursos curriculares e marcos legais que se afinam a serviço da diversidade cultural, incorrer na manutenção e na imposição de uma educação não laica, que se sustenta a partir de uma dada visão religiosa de mundo, não admitindo a pluralidade de crenças. E vejam que, aqui, estamos apenas tratando de apenas um aspecto da di- versidade cultural, expressa nas formas com as quais muitas pessoas cons- tituem seus processos identitários em sociedade, a partir do seu direito de manifestar-se religiosamente, tantas vezes negado, ou melhor, violentamente, proibido. Então, nesse caso, uma possibilidade de, pedagogicamente, tratar a diversidade cultural, no ambiente escolar, como promoção dos direitos hu- manos, a serviço da saúde mental dos estudantes, da diminuição do índice de evasão escolar, da não naturalização de violências simbólicas e físicas, ocasionadas pelo bullying, pela xenofobia, pelo racismo, pelo classismo, pela LGBTfobia, pela intolerância religiosa, pelo capacitismo, entre outros precon- ceitos, que perpetuam a desigualdade e alimentam estereótipos e estigmas, parece residir na formação continuada como um dispositivo teórico-metodológico extremamente importante. Assim, pensar a formação continuada, em uma perspectiva mul- ticultural, é concebê-la como um lócus privilegiado, no qual há a possibilidade de processo de teorização do fazer docente. Nesse espaço, constituem-se momentos para se refletir sobre as esco- lhas teórico-metodológicas feitas pelos docentes de forma cons- ciente ou inconscientemente, na sala de aula, as quais podem ser entendidas: a) pela ausência de apropriação, na formação inicial, de pressu- postos de uma proposta multicultural, voltada à promoção de uma escola culturalmente responsiva, em que os princípios de equidade, valorização e integração de culturas variadas são construtoras de novas sínteses decorrentes da presença da di- versidade na escola (CANEN E XAVIER, 2011); b) por crenças e valores ideológicos pessoais, de constituição subjetiva do docente, os quais impedem um fazer pedagógico, de perspectiva multicultural, implicado numa mudança efetiva de atitude, de postura, de modo de olhar sobre o diferente e a diversidade (CANEN E XAVIER, 2011). 32 “[…] o desafio das instituições escolares e dos projetos pedagógicos, que orientam as práticas de ensino, reside no fato de que a compreensão da cultura de um grupo ou de um indivíduo se faz a partir do olhar sobre a sociedade em que estes estão inseridos […]” Assim, no texto da BNCC, atualmente em revisão, orien- ta-se que os sistemas de ensino elaborem currículos que norteiem as propostas pedagógicas das escolas, cujas orien- tações reverberem em um processo de didatização que consi- dere as realidades do discente, dentro de suas possiblidades e interesses, privilegiando, assim, suas identidades linguísticas, étnico-raciais e culturais. Corroborando essa orientação curricular, Gusmão (2000, p.16) afirma que o desafio das instituições escolares e dos projetos pedagógicos, que orientam as práticas de ensino, re- side no fato de que a compreensão da cultura de um grupo ou de um indivíduo se faz a partir do olhar sobre a sociedade em que estes estão inseridos, pois só assim as diferenças “ga- nham sentido e expressão e definem o papel da alteridade nas relações sociais entre os homens”. Atentemos para isso e para questões sobre cultura e polis- semia a partir de uma canção na seção seguinte. 3. “Seu olho me olha, mas não me pode alcançar”: ampliando o olhar sobre a diversidade cultural O título desta seção reitera um verso de canção bem fa- mosa de Caetano Veloso, Reconvexo. Nessa canção, Caetano faz uma crítica a Paulo Francis, jornalista, a quem o compo- sitor considerava impossibilitado de compreender a diver- sidade cultural do Brasil, por estar enviesado por uma com- preensão de cultura apenas em uma concepção de erudição, materializada no saber enciclopédico, valorado na produção acadêmica. Especialmente, no verso “sou o cheiro dos livros desespe- rados, sou Gita Gogoia”, o compositor faz referência à músi- ca “Gita”, de Raul Seixas e Paulo Coelho, fundida com “Fruta Gogoia”, uma canção, com elementos folclóricos, gravada por Gal Costa, no álbum “Fa-Tal: Gal a todo vapor”, cujas estrutu- ras, em ambas, trazem o “eu sou, eu sou, eu sou”, como se o eu-lírico nos convidasse a complexificar a produção cultural para além da cultura hegemônica, canônica, conservadora, colonialista, eurocentrada, patriarcal, elitizada, tratada como um produto pronto, definitivo, natural e orgânico que desco- nhece a diversidade em seu sentido macro e reclamasse uma identidade, nacional, regional, local, singular. Ou seja, o eu-lí- rico “não tem escolha”: descarta as ideias “caretas” daquele que representa uma visão equivocada/retrógrada do que seria “cultural”. Ilu st ra çã o:M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 33 Nessa direção, mobilizados pelos intertextos que “Recon- vexo” evoca, emerge uma compreensão sobre cultura, na qual se considera a sua natureza essencialmente produtiva e cria- tiva, tratada como ação, como atividade, como experiência, a qual vai produzir identidades e diferenças (BECK, HENNING, VIEIRA, 2014, p.87). Assim, não se pode pensar num entendimento sobre cultu- ra sem atrelá-la a um campo conflituoso, marcado por lutas, reivindicações e significados construídos socialmente, através de formas variadas dos grupos, por meio das quais são “pro- duzidos e recompostos sentidos e sujeitos”, quando das ma- nifestações das suas singularidades, das suas peculiaridades e das suas particularidades (BECK, HENNING, VIEIRA, 2014, p.89). Desse modo, a cultura é o lugar em que o indivíduo ma- terializa sua humanidade, embora nenhuma cultura dê conta do humano, de sua riqueza, não sendo, pois, completa. Aliás, ter consciência dessa incompletude cultural é, conforme sa- lienta Santos (2006, p.446), “uma das tarefas prévias à cons- trução de uma concepção emancipadora e multicultural dos direitos humanos”. Diante das questões aqui tratadas (longe, no entanto, de serem esgotadas), parece já não fazer mais sentido a crença no discurso, proferido por muitos gestores e professores, de que, naquela escola, todos os seus alunos são iguais, ou seja, aos olhos do educador não se veria distinção. Vimos que essa igualdade não condiz com a realidade de fato. Nossos estu- dantes possuem as mais distintas origens, narrativas de vidas igualmente variadas, as quais vão falando sobre suas identi- dades, seus modos de performar socialmente e aprender em uma construção sempre dinâmica e desafiadora. No bojo disso tudo, em nível macro, por sua vez, vivemos uma tensão, segundo Candau (2008), entre igualdade e dife- rença, nas relações internacionais e no debate público, fru- to das raízes da modernidade, que enfatizou a igualdade de todos os seres humanos, independente de questões raciais, de nacionalidade, orientação sexual etc., o que resultou no famigerado discurso, ainda muito presente, de que todos so- mos iguais, sendo esta luta, na modernidade, mediada, pelos direitos humanos. Entretanto, parece, como vimos, ao longo de nossas re- flexões, que esse paradigma sofreu um deslocamento de perspectiva (CANDAU, 2008), não no sentido de negação da igualdade, mas de evidenciação da diferença. Então, outra pergunta se impõe: somos iguais ou diferentes? Alinhado a essa discussão, Pierucci (1999) atesta que, até então, as lutas 34 tinham sido para referendar a igualdade, e que o direito à diferença não tinha surgido com tanta força como na atualidade, assumindo, pois, uma relevância significativa, ao tornar-se um direito que: a) re- ferenda a diferença; e b) possibilita aos diferentes serem iguais cons- titucionalmente. Candau (2008, p. 47), sobre essa questão, acredita que, de fato, há uma mudança de enfoque, mas que é também uma questão de articulação, ou seja, não é sobre negar a igualdade e afir- mar a diferença e/ou vice-versa, mas de “articulá-los, de tal modo que um nos remeta ao outro”. Em consonância com Candau (2008), vemos uma dialética entre igualdade e diferença, na perspectiva de enfrentar e vencer as desi- gualdades, no reconhecimento das diferenças culturais, em meio aos desafios que tal articulação se impõe, emergindo, pois, uma aposta na educação multicultural3 como um caminho teórico-metodológi- co presente nas orientações curriculares, transversalizando todas as áreas do conhecimento, além de estar presente na formação inicial e continuada dos docentes, como já sinalizado, e no cotidiano das práticas educativas. Sendo assim, de acordo com Canen e Xavier (2012), faz-se signifi- cativo reconhecer a polissemia do termo multiculturalismo, quando se analisa o currículo no campo da diversidade cultural. Assim, no caso da BNCC, parece haver uma tendência, do ponto de vista teó- rico-metodológico, em tratar a diversidade cultural a partir de “con- cepções mais liberais ou folclóricas – a partir das quais a valorização da diversidade cultural no currículo é traduzida de forma mais cele- bratória das formas de vida, ritos, festas e outros aspectos das iden- tidades plurais” (CANEN E XAVIER (2012, p. 307). Ou, ainda, como diria Candau (2008), próxima da concepção assimilacionista, aquela que reconhece que vivemos em uma sociedade multicultural, que até faz uma descrição dessa realidade, reconhecendo desigualdades sociais, práticas preconceituosas, sem, com isso, politicamente, me- xerem com essa estrutura, apenas fazendo a assimilação dos grupos menorizados à cultura hegemônica. Como aposta, nos processos educativos, quanto ao trabalho com a diversidade cultural na escola, acreditamos, assim como Candau (2008, p.51), em uma educação multicultural, aberta e interativa, na qual se enfatiza a interculturalidade; esta, por sua vez, por seus pressupostos, mais apropriada aos projetos de sociedades mais de- mocráticas e inclusivas em prol de políticas de igualdade articuladas a políticas de identidade. 3 O termo multiculturalismo possui uma polissemia de significados. Aqui, assumimos a sistematização feita por Candau (2008) que aponta para três concepções: a abordagem assimilacionista; a abordagem diferencialista ou monocultura plural; a abordagem aberta e interativa, a qual acentua a interculturalidade. Ilu st ra çã o: M ar ce la d e H ol an da / A rq u iv o da e di to ra 35 Portanto, na perspectiva da educação intercultural, somos convidados a “reinventar a escola”, pois, em sua gênese, a diferença é uma riqueza, na qual se possibilita a articulação entre igualdade e diferença, a partir do diálogo entre diversos sujeitos, em suas individualidades e coletividades, recons- truindo-os, por conseguinte, na produção de seus saberes e práticas, sustentada por valores democráticos e socialmente emancipatórios. E, para nos encaminharmos ao fim dessas discussões, res- gato Freire (1996), em sua “Pedagogia da Autonomia”, que nos diz que ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. Ele nos alerta que uma prá- tica pedagógica preconceituosa de raça, classe, de gênero fere o que é de substantivo do ser humano, além de ser contrá- rio, radicalmente, à efetivação da democracia. Freire (1996), ainda, nos aponta que ensinar exige consciência do inacaba- mento, ou seja, o educador como um profissional crítico, res- ponsável, enquanto ser cultural, histórico e consciente desse processo de inconclusão, como próprio da experiência vital, deve estar predisposto à mudança, à aceitação do diferente. Possibilita, assim, que o respeito a essa diferença, como cons- titutiva das sociedades democráticas, faça da escola um lu- gar de construção de novas relações mais igualitárias entre os diferentes, na medida em que promove a autonomização e processos de subjetivação dos grupos sociais que, historica- mente, foram silenciados, invisibilizados e excluídos. “Portanto, na perspectiva da educação intercultural, somos convidados a “reinventar a escola”, pois, em sua gênese, a diferença é uma riqueza, na qual se possibilita a articulação entre igualdade e diferença, a partir do diálogo entre diversos sujeitos, em suas individualidades e coletividades […]” Outros laços R ep ro du çã o / A ce rv o da e di to ra Alessandro Crisostomo ENTREMEIOS NOS da sala de aula ENSINO MÉDIO 36 Hoje em dia, a expressão “diversidade cultural” se tornou comum e recorrente nos mais variados setores da sociedade: nas mídias, nas empresas, nas famílias, nas escolas. Apesar disso, é um tema que está muito longe de gerar consenso; ao contrário: traz à tona as contradições e disputas subjacentes, próprias de nossa sociedade. Con- siderando essa complexidade, trouxemos alguns exemplos sobre como a temática pode ser traba- lhada