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Contabilidade Pública Contabilidade Pública no Brasil Desenvolvimento do material Tatiane Antonovoz 1ª Edição Copyright © 2022, Afya. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Afya. Sumário Contabilidade Pública no Brasil Para início de conversa... ................................................................................ 3 Objetivo ......................................................................................................... 3 1. Conceitos ........................................................................................................ 4 2. Campo de Atuação ...................................................................................... 11 3. Abrangência .................................................................................................. 14 Referências ......................................................................................................... 17 Para início de conversa... A Contabilidade Pública, Contabilidade Governamental, Contabilidade Financeira ou, ainda, Contabilidade Aplicada ao Setor Público (CASP), como também atualmente é chamada, passou por diversas mudanças nos últimos anos e resgatou o patrimônio público, tanto da administração direta quanto da indireta, como seu objeto. A lei responsável por sua regulamentação, do ponto de vista orçamentário e financeiro, é a 4.320/1964. Porém, ela possui uma normatização bastante complexa e ampla, além das normas brasileiras de contabilidade e do padrão internacional que, hoje, fazem parte do arcabouço teórico, ou seja, do que deve ser observado para elaboração da apresentação e informações e demonstrações contábeis da área. Neste capítulo, vamos conhecer os conceitos relativos à contabilidade pública, suas origens, fatos marcantes e características, o seu campo de atuação, como ela se relaciona, sua abrangência, além de sua finalidade. Objetivo ▪ Delinear os conceitos iniciais da Contabilidade Aplicada ao Setor Público (CASP); ▪ Conhecer o campo de atuação da CASP; ▪ Analisar a abrangência da CASP. Contabilidade Pública 3 1. Conceitos Para a compreensão da Contabilidade Aplicada ao Setor Público (CASP), é preciso conhecer alguns dos conceitos envolvidos, de forma geral, nesse campo do conhecimento. Kohama (2014) relembra que a contabilidade passou por diversas fases, sendo que as que mais se destacam são o contismo, o personalismo, o constrolismo e o patrimonialismo, que é a que é uma das mais importantes para a ciência contábil como um todo. O contismo não era propriamente uma corrente, mas era a precursora das teorias que consideravam as contas como objeto. Além disso, essa corrente influenciou diversos contadores na Itália. O personalismo, por sua vez, bastante relacionado ao contismo, tinha o raciocínio inicial de patrimônio formado por bens, direito e obrigações. O patrimonialismo se destacou em 1923, tendo como objetos de estudo os fenômenos do patrimônio; seu principal representante foi Vicenzo Masi. Vicenzo Masi, aluno de Fabio Besta, outro importante estudioso da área da contabilidade, contribuiu de forma importante com a escola patrimonialista, evidenciando o patrimônio como objeto da contabilidade. Entretanto, deve-se ficar atento ao fato de que a CASP, apesar de ser um ramo da contabilidade e ter algumas de suas características, difere de forma bastante importante em alguns pontos. Mas quais seriam essas características que diferenciam as duas? Para Silva (2014), a contabilidade empresarial – como também é conhecida, já que se dedica às empresas de forma geral – tem como função primordial apurar o resultado das organizações, seja ele lucro ou prejuízo. A CASP, por sua vez, está voltada a compreender a atividade financeira do Estado, bem como o fluxo financeiro dos recursos, que é necessário para a manutenção de suas atividades. Isso ocorre porque, dentro do sistema público, existe um sistema de acompanhamento e execução orçamentária integrado e este é utilizado não para obter o resultado, mas, sim, para acompanhar o orçamento e as finanças das três esferas e dos demais órgãos que compõem o sistema público brasileiro. Segundo o CFC (2016), 2. O objetivo principal da maioria das entidades do setor público é prestar serviços à sociedade, em vez de obter lucros e gerar retorno financeiro aos investidores. Consequentemente, o desempenho de tais entidades pode ser apenas parcialmente avaliado por meio da análise da situação patrimonial, do desempenho e dos fluxos de caixa. Contabilidade Pública 4 Observe que esse objetivo visa subsidiar os usuários das informações contábeis do setor público em vários aspectos, mas, principalmente, em: ▪ Prestação de serviços de maneira eficaz e eficiente para a sociedade; ▪ Recursos disponíveis para gastos futuros ou eventuais restrições; ▪ Carga tributária que irá recair sobre a população para arcar com os gastos para a manutenção dos serviços que serão prestados; ▪ Como está a capacidade de prestação de serviços do órgão público em questão e como este está em comparação com os outros anos. O CASP tem desenvolvimento como uma das divisões da ciência contábil e do ramo de ciências sociais aplicadas. Segundo Kohama (2014), o CASP já passou por diversas mudanças, que vieram das mesmas escolhas observadas pela própria contabilidade financeira. Porém, depois de diversas modificações, no ano de 1954, de acordo com a Contadoria Geral do Estado, chegou-se ao conceito de que a CASP é o “ramo da contabilidade que estuda, orienta, controla e demonstra a organização e execução da Fazenda Pública; o patrimônio público e suas variações” (KOHAMA, 2014, p.25). Para os autores Lima e Castro (2016), a CASP é aquela que aplica, no processo gerador de informações, as normas contábeis que são direcionadas ao controle patrimonial das entidades que fazem parte do setor público. As informações que alteram o patrimônio público são registradas por meio da escrituração contábil, que é uma técnica também utilizada pelas empresas mercantis, e que, depois, passa a ser a base para a elaboração e emissão das Demonstrações Financeiras, integrando também o setor público. De acordo com o MCASP (STN, 2016), as informações são elaboradas e divulgadas, principalmente, para que ocorra a prestação de contas e a responsabilização – que é conhecida como accountability dentro do setor público –, além do processo de tomada de decisão dos gestores e outros usuários da informação contábil. Além da questão da accountability, a informação contábil deve observar características qualitativas e estas são atributos que a tornarão útil para os usuários e permitirão o cumprimento dos objetivos dessas informações. As características qualitativas, conforme o MCASP (STN, 2017, p.25), são a “relevância, a representação fidedigna, a compreensibilidade, a tempestividade, a comparabilidade e a verificabilidade”. A relevância das informações, tanto do ponto de vista financeiro quanto não financeiro, mostra que o que foi apresentado é relevante quando pode influenciar os usuários de alguma forma em relação ao seu valor confirmatório, preditivo ou ambos (STN, 2017). Segundo o CFC (2016), pode-se dizer que a informação financeira terá um valor confirmatório, caso ela altere um valor passado ou presente. Contabilidade Pública 5 A informação é considerada relevante no caso de prestação de contas confirmando expectativas sobre o cumprimento de metas de gestores públicos no uso eficiente de recursos ou, ainda, no caso de cumprimento de legislação. No caso das demonstrações contábeis, elas também podem ser consideradas como relevantes e de valor preditivo, porque apresentam informações ligadas a objetivos, custos, atividades, questões ligadas a serviços, fontes de recursos e outros pontos que podem serutilizados no futuro. Ainda segundo a lei nº 4.320/64, o valor relevante e preditivo quando refuta, ou seja, nega as expectativas passadas, reforça ou altera expectativas sobre o desempenho e o resultado da prestação de serviços que possam ocorrer no futuro. Destaca-se o fato de que as funções tanto de confirmação quanto de predição devem andar juntas, já que é essencial calcular o nível de recursos que serão necessários para uma determinada entidade no futuro, para seu uso racional. Os gestores também podem utilizar a relevância para corrigir eventuais erros e evitar que tais problemas ocorram novamente no futuro; logo, a relevância utiliza dados do passado para entender o que ocorreu e determinar o que não deve ser feito no futuro. A representação fidedigna, como o nome indica, possui uma ligação com a representação completa, neutra e também livre de erros materiais da informação contábil. Segundo a STN (2017, p.26), “A informação que representa fielmente um fenômeno econômico ou outro fenômeno retrata a substância da transação, a qual pode não corresponder, necessariamente, à sua forma jurídica”. De acordo com o manual, não se pode afirmar com certeza que uma informação é neutra e livre de erros, porém, é desejável que esta assim o seja. Caso seja omitida alguma informação para usuários, isso pode fazer com que ela passe a ser enganosa ou não seja útil para a tomada de decisão. Um exemplo prático é a descrição completa dos itens do imobilizado, sendo que esta deverá ser acompanhada de outras informações quantitativas ou qualitativas que agreguem qualidade à informação para os interessados. Outro ponto é o que adiciona a questão da neutralidade da informação contábil e que possui uma conexão com a ausência de viés. Logo, para a NBC TSP EC (CFC, 2016), a contabilidade deverá mostrar informações que não tenham nenhuma intenção ou viés em particular, visando garantir um determinado resultado. A norma aponta que uma informação neutra não implica dizer que não existe nenhum julgamento, porém, o viés é que deve ser evitado, evitando utilizar demonstrações em benefício próprio. Outro destaque nessa categoria vale para a incerteza, já que os fenômenos que ocorrem no patrimônio e, por consequência, na evidenciação das demonstrações sempre acontecem em situação de Contabilidade Pública 6 incerteza; dessa forma, buscando refletir o fenômeno econômico da forma mais apropriada, é adequado levar tal fator em consideração. A NBC TSP EC deixa claro que se deve apresentar explicitamente o nível de incerteza das informações financeiras e também não financeiras para buscar uma representação mais fidedigna dos fenômenos econômicos de outra natureza (CFC, 2016). O erro material também não significa que a informação tem exatidão em todos os aspectos ou, ainda, que há erros ou omissões que individualmente ou coletivamente são relevantes na descrição do fenômeno, e que há uma garantia de que o processo para a produção das informações foi efetuado de maneira adequada. Um exemplo clássico relacionado à incerteza é a dificuldade de se compreender a real eficácia de um programa de prestação de serviços do governo. Assim como este pode estar livre de erros, com o valor claro, a natureza e as limitações do processo também podem estar corretas ou não existir nenhum erro material em relação aos procedimentos como um todo, apesar de não se entender à eficácia do programa. A compreensibilidade permite que os usuários entendam o que está sendo repassado. Nesse caso, a informação deverá suprir as necessidades de quem está recebendo. A compreensão é aprimorada quando a informação é classificada e apresentada de maneira clara e sucinta. A NBC TSP EC, por sua vez, recomenda que a informação seja escrita com linguagem simples e apresentada de forma que seja prontamente entendida pelos usuários. Na sequência, a sua compreensão é aprimorada quando a informação é classificada de maneira clara e sucinta nas demonstrações. A norma ainda define que a comparabilidade é uma das formas de tornar a informação compreensível. Um exemplo do que ocorre na contabilidade financeira e que os usuários da CASP também devem ter ciência é o conhecimento prévio da informação contábil, sendo, assim, capazes de ler, revisar e analisar o que está sendo apresentado, já que alguns dos fenômenos são particularmente difíceis de serem entendidos. Mesmo que algumas situações em especial apresentem dificuldade em sua representação, estas não devem ser deixadas de forma das demonstrações, somente pelo fato de sua complexidade ou por se supor que podem não ser compreendidas pelos usuários. A característica qualitativa da tempestividade é ligada ao fato de ter a informação disponível no tempo útil. Segundo a NBC TSP EC, ela deve ter essa capacidade tanto para a tomada Contabilidade Pública 7 de decisão quanto para questões de accountability (CFC, 2016). Caso a informação perca a tempestividade, poderá ser tornar menos útil em todos os sentidos dentro da Administração Pública e para os seus usuários, mesmo que alguns dos seus itens continuem sendo utilizados para a publicação de relatórios ou após o encerramento do exercício. Dentro do ambiente público, um exemplo que ilustra tal situação é o fato de que, para fins de prestação de contas, são utilizadas projeções de desempenho e prestação de serviços de uma determinada entidade, porém, em alguns casos, pode ser que esses resultados não possam ser observáveis para o futuro, já que, em certas situações, não é possível prever como a incidência de doenças ou como aumentar o nível de alfabetização da população. Logo, a tempestividade depende de outros fatores para que possa se manter útil. A comparabilidade, por sua vez, é utilizada para que os usuários possam identificar semelhanças e diferenças entre um conjunto de eventos. Ela não serve para algo individual, mas para comparar algo entre itens de informação. Para o CFC, a comparabilidade é uma qualidade diferente da consistência. Isso ocorre porque, na consistência, é necessário utilizar os mesmos princípios ou políticas, seja no uso de períodos, ou no uso de um período entre duas ou mais entidades. Também se faz necessário diferir a comparabilidade a uniformidade. 3.24: A comparabilidade também difere da uniformidade. Para que a informação seja comparável, coisas semelhantes devem parecer semelhantes e coisas distintas devem parecer distintas. A ênfase demasiada na uniformidade pode reduzir a comparabilidade ao fazer com que coisas distintas pareçam semelhantes. A comparabilidade da informação nos RCPGs não é aprimorada ao se fazer com que coisas distintas pareçam semelhantes, assim como ao fazer com que coisas semelhantes pareçam distintas. (CFC, 2016) O item 3.24 relata que a informação sobre a situação patrimonial da entidade, o seu desempenho, os fluxos de caixa, bem como relacionados com os orçamentos aprovados ou relacionados à legislação relacionados à captação e à utilização dos recursos, e o desempenho da prestação de serviços e os seus planos futuros poderão ser utilizados para prestação de contas e tomada de decisão. Por fim, a verificabilidade é uma das características que ajuda a assegurar aos usuários a informação contida nos RCPGs; representa fielmente os fenômenos econômicos ou da natureza que se propõe a representar. A questão da verificabilidade leva ao fato de que dois observadores, que sejam esclarecidos e independentes, possam chegar a um consenso geral, mas não necessariamente a uma concordância completa, em que segundo a NBC TSP EC : a) A informação representa os fenômenos econômicos e de outra natureza, os quais se pretende representar sem erro material ou viés; ou b) O reconhecimento apropriado, a mensuração ou o método de representação foi aplicado sem erro material ou viés. (CFC, 2016) Contabilidade Pública 8 A verificação pode ocorrer de forma direta ou indireta. Na verificação direta,os valores são verificados em si mesmos, como é o caso da contagem do caixa, por exemplo, ou a confirmação de saldos com instituições bancárias; a verificação indireta, por sua vez, funciona com a checagem de número de estoques por meio de quantidades e custos ou, ainda, o recálculo utilizando um determinado método (média ponderada, por exemplo). Deve-se estar atento que, além das questões qualitativas específicas da informação contábil, a NBC TSP EC ainda preconiza outros aspectos relevantes ligados ao que deve ser reportado quando o assunto são as informações geradas pela contabilidade. Tais questões estão ligadas a possíveis restrições que essas informações podem ter. Um dos tópicos é relativo à materialidade da informação. Segundo a norma no item 3.32 (CFC, 2016): A informação é material se a sua omissão ou distorção puder influenciar o cumprimento do dever de prestação de contas e responsabilização (accountability), ou as decisões que os usuários tomam com base nos Relatório Contábil de Propósito Geral das Entidades do Setor Público (RCPG) elaborados para aquele exercício. Outro ponto que deve ser observado na hora da geração da informação contábil é a relação do custo-benefício. Previsto de acordo com o item 35 da mesma norma, há a ponderação dos benefícios da informação contábil para os seus usuários. 3.35 “Avaliar se os benefícios da informação justificam seus custos é, com frequência, uma questão de julgamento de valor, pois não é possível identificar todos os custos e todos os benefícios da informação incluída nos RCPGs”. (CFC, 2016) Logo, é necessário, dentro do setor público, assim como qualquer outro, compreender as vantagens e os custos para uma informação e como esta beneficiará os usuários. Por fim, deve-se destacar outra restrição em relação às características da informação: o equilíbrio entre as características qualitativas destacada segundo a NBC TSP EC (CFC, 2016). 3.41 As características qualitativas funcionam, conjuntamente, para contribuir com a utilidade da informação. Por exemplo, nem a descrição que represente fielmente um fenômeno irrelevante, nem a descrição que represente de modo não fidedigno um fenômeno relevante resultam em informação útil. Do mesmo modo, para ser relevante, a informação precisa ser tempestiva e compreensível. 3.42 Em alguns casos, o equilíbrio ou a compensação (trade-off) entre as características qualitativas pode ser necessário para se alcançar os objetivos da informação contábil. A importância relativa das características qualitativas em cada situação é uma questão de julgamento profissional. A meta é alcançar o equilíbrio apropriado entre as características para satisfazer aos objetivos da elaboração e da divulgação da informação contábil. (CFC, 2016) A contabilidade e, por consequência, a contabilidade pública como ciência social aplicada, precisa do equilíbrio entre características Contabilidade Pública 9 quantitativas e qualitativas para fornecer aos seus usuários, de forma adequada, todas as informações de que estes necessitem. Como a questão normativa da contabilidade pública é evidenciada? A Lei nº 4.320 de 1964, que é a regulamentação que normatiza boa parte dos procedimentos ligados à questão orçamentária e ao tratamento das questões financeiras, apresenta, em seu artigo 83, a denominação na parte de disposições gerais: Art. 83. A contabilidade evidenciará perante a Fazenda Pública a situação de todos quantos, de qualquer modo, arrecadem receitas, efetuem despesas, administrem ou guardem bens a ela pertencentes ou confiados. (BRASIL, 1964) Já as Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público definem o campo de aplicação, os objetivos que podem ser totais (relacionados à matéria como um todo) para o reconhecimento dos atos e fatos que ocorrem no patrimônio das entidades da Administração Direta e Indireta, e parciais, que têm como funções primordiais o controle social e a prestação de contas efetuadas pela CASP. E como será que ocorreu a origem da contabilidade pública no Brasil? De acordo com Silva (2014), ocorreu com a vinda dos portugueses e com a criação do Conselho Ultramarino e o Conselho da Fazenda. Depois, já por volta do século XVI, no auge do ciclo do ouro, já eram praticadas escriturações contábeis para controlar as operações envolvidas com tais práticas e com outras relacionadas a transações comerciais da época. O autor ainda relata que que foi D. Fernando José de Portugal que encaminhou para Dom João VI um documento para a escrituração de sua fazenda, por meio do método das partidas dobradas e reconhecimento de tal bem como imobilizado, para evitar fraude e escrituração de forma arbitrada do bem por parte pública ou particular. Outro evento que marcou a contabilidade pública no Brasil foi a crise do café, em 1905, exigindo uma reforma do sistema contábil do Tesouro do Estado de São Paulo. O modelo, que teve boa aceitação, posteriormente foi aceito por outros estados, que também passaram a imitá-lo (SILVA, 2014). Destaca-se, também no ano de 1967, o Decreto-Lei 200, que trata da descentralização dos recursos dentro das atividades públicas e permite que a parte financeira seja melhor administrada, em razão do grande volume que circula nas três esferas dentro do âmbito público brasileiro. Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada. § 1º A descentralização será posta em prática em três planos principais: a) dentro dos quadros da Administração Federal, distinguindo-se claramente o nível de direção do de execução; b) da Administração Federal para a das unidades federadas, quando estejam devidamente aparelhadas e mediante convênio; c) da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões. (BRASIL, 1967) Contabilidade Pública 10 Exemplos disso são as figuras dos convênios e dos contratos de repasses entre a União para as transferências de recursos, sendo os mais comuns as Organizações Não Governamentais (ONGs) e Fundações. Mesmo com as diferenças que ainda se observam em relação à contabilidade empresarial, a evolução da CASP é contínua, aproximando-a do que é visto dentro do mundo organizacional. Hoje, a CASP acaba tendo mais um papel que visa subsidiar uma base instrumental para proporcionar aos tomadores de decisão (que são os gestores públicos) informações que possam subsidiar o processo decisório e formas para melhorar o seu processo de gestão como um todo. Segundo a STN (2017, p.21): A ciência contábil, no Brasil, vem passando por significativas transformações rumo à convergência aos padrões internacionais. O processo de evolução da contabilidade do setor público deve ser analisado de forma histórica e contextualizada com o próprio processo de evolução das finanças públicas. Nesse sentido, o primeiro marco histórico foi a edição da Lei nº 4.320/1964, que estabeleceu importantes regras para propiciar o controle das finanças públicas, bem como a construção de uma administração financeira e contábil sólida no País, tendo como principal instrumento o orçamento público. Desse modo, o orçamento público ganhou significativa importância no Brasil. Como consequência, as normas relativas a registros e demonstrações contábeis, vigentes até hoje, acabaram por dar enfoque, sobretudo, aos conceitos orçamentários, em detrimento da evidenciação dos aspectos patrimoniais. A CASP deve ser responsável por abastecer todo o processo de planejamento e orçamento, bem como as etapas que contemplam o ciclo orçamentário. De forma adicional, deverá servir para o registro, análise, interpretação de atos e fatos administrativos, além de auxiliar para a melhoria na administração, independentemente do nível de governo. E como a CASP atua, ou seja, qual é o seu campo de atuação? Quem deverá observar suas normas, seus sistemas e suas principais características? É o que veremos na sequência. 2. Campo de Atuação A CASP possui umaatuação bastante extensa, já que o Brasil possui uma Administração Pública importante e com vários órgãos trabalhando de forma complexa e integrada. O campo de atuação da contabilidade pública está intimamente relacionado ao patrimônio público, que é formado pelo conjunto de bens, direitos e obrigações dos entes que fazem parte da Administração Pública em um sentido amplo. Mas como assim? Não são só os órgãos públicos? Na verdade, não. É todo um sistema complexo e que pode ser melhor compreendido por meio da Figura 1. Contabilidade Pública 11 Figura 1: Administração Pública. Fonte: Adaptado de Castro (2018, p.7). Segundo Castro (2018), para a compreensão da Administração Pública no Brasil e do campo de atuação da contabilidade, é necessário entender, antes, como ela está configurada dentro do ambiente legal. O Estado, no Brasil, está presente na Constituição Federal, que relata a necessidade de um sistema organizado para suprir as necessidades do ser humano, que são, segundo a Constituição Federal (1988): Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015) Para satisfazer tais direitos e também para entender como surgem as obrigações é preciso entender dentro da Administração Pública a necessidade de organização em sociedade, composto para o bem comum de todos. Entretanto, sem que exista um governo para comandar, presidir a vida, criar leis e prover as necessidades dessa sociedade, o estado não pode existir (CASTRO, 2018). Em um primeiro momento, observa-se que: ‘‘ Os governos geralmente têm amplos poderes, incluindo a capacidade de estabelecer e fazer cumprir requisitos legais e alterar esses requisitos. Globalmente, o setor público varia consideravelmente em suas disposições constitucionais e em suas metodologias de funcionamento. No entanto, a governança no setor público, geralmente, envolve a realização de prestação de contas do Poder Executivo para o Poder Legislativo. (CFC, 2016) ’’ A Administração Pública torna possível, de forma concreta, que o governo realize os seus objetivos para que a sociedade obtenha os seus direitos e também tenha as suas obrigações. Kohama (2014) acrescenta que a Administração Pública é o aparelhamento do Estado, que serve, de forma preordenada, para realizar serviços para que sejam satisfeitas as necessidades coletivas. Contabilidade Pública 12 A NBC TSP EC CFC (2016) complementa que o papel do governo, em outras situações, pode ser entendido da seguinte forma: 18. Muitos governos e outras entidades do setor público possuem poder de regulação de entidades que operam em determinados setores da economia, de forma direta ou por meio de agências reguladoras. A principal razão da regulação é assegurar o interesse público de acordo com objetivos definidos nas políticas públicas. A intervenção regulatória também pode ocorrer quando existem mercados imperfeitos ou falhas de mercado para determinados serviços ou, ainda, para mitigar alguns fatores, como a poluição. Essas atividades regulatórias são conduzidas de acordo com o estabelecido na legislação (CFC, 2016). Depois de entender um pouco da atividade do governo, do ponto de vista contábil e do Estado, como fica a Administração Pública propriamente dita e como ela consegue os objetivos da sociedade? A Administração Pública é um sistema bastante complexo, composto por diversos meios, sejam eles humanos, materiais, institucionais ou financeiros, e que devem estar disponíveis para a execução das necessidades da sociedade. Castro (2011) ainda coloca que a Administração Pública pode ser entendida de duas formas diferentes: Com letras maiúsculas – Administração Pública – Representa os órgãos que irão desempenhar as funções administrativas a serviço da sociedade em geral; Com letras minúsculas – administração pública – Representa a atividade propriamente dita e aqui estão os serviços que são prestados pelo Estado para os cidadãos. O Decreto 200/67, além da questão da descentralização dos recursos e outros itens, dividiu a Administração Pública em Direta e Indireta. A Administração Direta é constituída pelos três poderes, ou seja, o Administrativo, o Legislativo e o Judiciário e os órgãos que fazem parte destes. I - A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios. II - A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista; d) Fundações públicas. (BRASIL, 1967) Segundo a Constituição Federal, alguns dos órgãos que compõem a Administração Direta estão nos artigos 44 até 145. O Executivo é composto pelo Presidente da República, governadores, prefeitos e ministros (BRASIL, 1988). Já, no Legislativo, está a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, Assembleias Legislativas Câmaras Municipais, entre outros. No Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais, entre outros. Existem, também, funções essenciais à justiça, como o Ministério Público, Advocacia e Defensoria Pública. Contabilidade Pública 13 A Administração Indireta, por sua vez, é formada pelos diversos entes que se ligam a cada um dos Ministérios, dentre os quais se destacam as Autarquias, fundações e empresas públicas e as sociedades de economia mista. As autarquias são aquelas entidades que têm tanto personalidade jurídica, quanto patrimônio e receita próprios, e que desempenham atividade na administração pública, mas a sua gestão, tanto administrativa quanto financeira, é descentralizada. Algumas universidades públicas no Brasil são autarquias, como agências reguladoras e conselhos profissionais, como o Conselho Federal de Contabilidade (CFC). As fundações públicas, por sua vez, não possuem atividade de Estado, mas desempenham atividades típicas do interesse da coletividade e, dessa forma, atuam em áreas que beneficiam a população. Entre elas estão educação, pesquisa e cultura. Castro (2011) cita como exemplos o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As empresas públicas, como o próprio nome indica, possuem capital inteiramente público, mas têm a personalidade do direito privado e dedicam-se à atividade econômica. Um exemplo é a Empresa Brasileira dos Correios (EBCT). Já as sociedades de economia mistas são pessoas públicas de direito privado com participação do poder público particular. O papel dessas entidades é desenvolver atividades econômicas de interesse coletivo que sejam emanados pelo Estado, por exemplo, o Banco do Brasil e a Petrobras, porém, existem outras diversas que fazem parte desse grupo. Vamos, agora, compreender a abrangência da CASP e outras características normativas. 3. Abrangência Já foi possível entender que o campo de aplicação da CASP abrange todas as entidades que fazem parte do setor público, porém, estas devem observar, de diferentes formas, as normas e a prestação de contas necessária. Segundo a STN (2017, p.25) observa-se que: ‘‘ As normas estabelecidas no MCASP aplicam-se, obrigatoriamente, às entidades do setor público. Estão compreendidos no conceito de entidades do setor público: os governos nacional (União), estaduais, distrital (Distrito Federal) e municipais e seus respectivos poderes (abrangidos os tribunais de contas, as defensorias e o Ministério Público), órgãos, secretarias, departamentos, agências, autarquias, fundações (instituídas e mantidas pelo poder público), fundos, consórcios públicos e outras repartições públicas congêneres das administrações direta e indireta(inclusive as empresas estatais dependentes. ’’ Contabilidade Pública 14 Em relação à abrangência, especificamente as entidades governamentais, os serviços sociais e os conselhos profissionais deverão observar de forma integral as normas técnicas próprias que fazem parte da CASP (LIMA; CASTRO, 2016). Já Empresas Estatais Dependentes são aquelas controladas que recebem do ente que as controla recursos financeiros para que sejam efetuados os pagamentos de despesas com pessoal ou, ainda, com custeio geral ou capital. As demais entidades que não estão enquadradas nesse grupo deverão observar de forma parcial os procedimentos da CASP, a fim de garantir os procedimentos de tomadas de contas e instrumentalização do controle social. Tal questão está prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, de forma bastante explícita, quando relata as formas de divulgação das informações públicas: Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. (BRASIL, 2000) Em relação às normas relativas ao setor público, é necessário lembrar que qualquer ente – incluindo, nesse contexto, pessoas jurídicas e até mesmo físicas que tiverem ligação com recursos públicos, na forma de subsídios, subvenções ou qualquer tipo de auxílio, contribuições e financiamentos – também estarão obrigadas a observar, de forma parcial a CASP. Na sequência, veremos um resumo que ajudará no entendimento de como funciona a questão da abrangência da CASP: Abrangência Entidades Integralmente • Entidades governamentais que fazem parte do Orçamento Financeiro (OF) e do Orçamento de Seguridade Social (OSS) • Serviços sociais • Conselhos Profissionais Parcial (outras entidades do setor público) • Entidades com personalidade jurídica de direito privado (incluindo aquelas que fazem parte do Orçamento de Investimento (OI) que tenham qualquer tipo de recebimento, guarda, movimentação ou aplicação de recursos públicos durante a execução de suas atividades) • Pessoas físicas, incluindo aquelas que recebam qualquer tipo de subvenção ou benefícios fiscais ou de crédito de órgão público. Quadro 1: Resumo abrangência CASP. Fonte: Do autor. Conclui-se, então, que as entidades que integram o Orçamento Fiscal (OF) e o Orçamento da Seguridade Social (OSS) devem adotar a CASP, enquanto quem não utiliza o Orçamento de Investimento (OI) não deve aplicar a CASP. Para as outras entidades, a adoção ocorre de maneira parcial. Tais questões orçamentárias estão dispostas de acordo com a Constituição Federal: Contabilidade Pública 15 § 5º A lei orçamentária anual compreenderá: I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público. (BRASIL, 1988) Além da questão orçamentária, a STN (2017) observa que os requisitos obrigatórios estão relacionados tanto ao reconhecimento, quanto à questão da mensuração e evidenciação das mutações, e que os eventos das demonstrações estarão evidenciados no MCASP. Caso existam eventuais conflitos, o Manual deverá prevalecer. O MCASP, além da questão da convergência aos padrões internacionais da CASP, também buscou os seguintes objetivos: ▪ Implementar e atualizar procedimentos e práticas de contabilidade que permitam o reconhecimento, mensuração, avaliação e evidenciação dos elementos que fazem parte dos elementos do patrimônio público; ▪ Melhoria das informações que fazem parte das Demonstrações Financeiras que integram a CASP; ▪ Possibilidade de avaliação do impacto das políticas de gestão nas diferentes dimensões relacionadas às variações patrimoniais, entre outros aspectos. Na sequência, devem ser observadas as seguintes normas para eventuais dúvidas e abrangência de normas em relação às instituições da Administração pública: a. Norma Brasileira de Contabilidade (NBC TSP) relativa ao assunto; b. Norma Brasileira de Contabilidade (NBC T 16.1 a 16.11), nas partes não revogadas; c. Norma Brasileira de Contabilidade (NBC TSP) – Estrutura Conceitual (STN, 2017, p. 25). Nota-se, de forma bastante clara, que o MCASP é a norma maior a ser observada, seja ela integral ou parcial pelas entidades da Administração Pública. Concluímos, também, que a abrangência poderá variar, sendo integral para algumas entidades ou parcial, ou até mesmo poderá envolver pessoas físicas, desde estejam envolvidas com recursos públicos. Neste capítulo, você aprendeu os conceitos iniciais de CASP, ou seja, o que ela é e quais são as suas características. Exploramos as características quantitativas e qualitativas da informação e como elas são importantes para os usuários. Depois, foi visto como ela se desenvolveu, de forma histórica no Brasil, até os dias de hoje, chegando até o padrão Contabilidade Pública 16 internacional, que permite, atualmente, um maior controle social por meio do controle efetuado da lei da transparência e gerenciamento dos gastos públicos. Na sequência, você conheceu o campo de atuação, relacionado à Administração Pública Brasileira (que é dividida em Direta e Indireta) e quais são os órgãos que fazem parte de suas divisões. Por fim, vimos a abrangência ou como essas duas divisões devem utilizar a CASP, bem como suas características, normas e obrigações e porque é importante tal compreensão para a correta aplicação das normas. Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. BRASIL. Decreto-Lei no 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sôbre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 02 dez. 2018. BRASIL. Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em: . Acesso em: 02 dez. 2018. BRASIL. Lei complementar no 101, de 4 de maio de 2000. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 02 dez. 2018. BRASIL. Portaria no 184, de 25 de agosto de 2008. Dispõe sobre as diretrizes a serem observadas no setor público (pelos entes públicos) quanto aos procedimentos, práticas, elaboração e divulgação das demonstrações contábeis, de forma a torná-los convergentes com as Normas Internacionais Contabilidade Pública 17 de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público. Disponível em: . Acesso em: 02 dez. 2018. CASTRO, D. P. Auditoria, contabilidade interno no setor público: integração das áreas do ciclo de gestão: contabilidade orçamento e auditoria e organização dos controles internos, como suporte à governança corporativa. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2018. CFC. Norma Brasileira de Contabilidade - NBC TSP Estrutura Conceitual. Disponível em: .Acesso em: 02 dez. 2018 KOHAMA, H. Contabilidade pública: teoria e prática. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2014. LIMA, D. V.; CASTRO, R. G. Contabilidade pública: integrando união, estados e municípios. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2016. SILVA, V. L. A nova contabilidade aplicada ao setor público: uma abordagem prática. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2014. STN. Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. 7 ed. Brasília: [s.n.]. Disponível em: . Acesso em: 17 nov. 2018. Contabilidade Pública 18 _heading=h.gjdgxs _heading=h.mmzmpaxn4soq _heading=h.1fob9te _heading=h.3znysh7 _heading=h.2et92p0 _heading=h.5mvxr8icqscw _heading=h.mhdeybh48qde _heading=h.tyjcwt _heading=h.1t3h5sf _heading=h.4d34og8 _heading=h.2s8eyo1 _heading=h.qucgart8buko _heading=h.17dp8vu _GoBack Contabilidade Pública no Brasil Para início de conversa... Objetivo 1. Conceitos 2. Campo de Atuação 3. Abrangência Referências