Logo Passei Direto
Buscar
Material

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

Ongs na cooperação internacional para o desenvolvimento
José Alejandro Sebastian Barrios Díaz
Instituto de Relações Internacionais
Questões de ordem geral
Há um processo de ascensão meteórica de organizações não governamentais (ONGs) no desenvolvimento internacional nas últimas quatro décadas. 
Esse crescimento em ONGs é evidente em lugares como o Quênia, onde as ONGs registradas cresceram de várias centenas em 1990 para mais de 8.000 em 2012, e Bangladesh, onde em 2005, 90% das aldeias abrigavam pelo menos uma ONG. No Brasil existem mais de 800 mil ONGs (uma em cada três atua pela religião, e contribuem com 4,27% do PIB).
No Brasil, os atos bilaterais (acordos de cooperação, ajustes complementares, programas de trabalho ou programas executivos, protocolos de intenções e memorandos de entendimento) preveem a participação de ONGs na CI.
O crescimento também ocorreu globalmente; a Union of International Associations estima 37.500 ONGs internacionais ativas em 2018, e mais de 1.000 novas ONGs internacionais são incorporadas a cada ano somente nos EUA (Union of International Associations, 2018).
Simultaneamente, as ONGs passaram a ser profundamente incorporadas ao processo de desenvolvimento em geral. O Banco Mundial relata que quase 90% dos projetos atualmente financiados envolvem a participação de uma ONG ou outra organização da sociedade civil, em comparação com apenas 21% em 1990 (Banco Mundial, 2018)
E, de acordo com a OCDE, mais de 20% de toda a ajuda bilateral flui por meio de ONGs (OECD, 2015).
A ascensão das ONGs foi alimentada por uma suposição frequentemente implícita de que atores privados, incluindo organizações privadas sem fins lucrativos, são eficazes na expansão da democracia por meio de uma sociedade civil forte, fornecendo serviços quando os governos nacionais não têm recursos suficientes ou vontade política e reduzindo a pobreza global por meio de métodos participativos e baseados no mercado. 
A desconfiança dos doadores na intervenção estatal e uma preocupação crescente com a corrupção, bem como a resistência generalizada aos programas de ajuste estrutural, ampliaram ainda mais a promessa das ONGs no final do século XX.
Questionamentos chave
Quais fatores atraem ONGs para trabalhar em locais específicos? O que a distribuição resultante de organizações indica sobre como o Estado transmite poder sobre o território que reivindica?
Quais mudanças ocorrem na maneira como as decisões sobre a prestação de serviços são tomadas e implementadas como resultado das ONGs? Como as relações entre ONGs e governos mudaram ao longo do tempo?
Como as ONGs afetaram a capacidade administrativa? As ONGs permitem que funcionários do governo fujam da responsabilidade para com seus cidadãos, como alguns alegam? Ou elas aumentam a capacidade do governo de fazer seu trabalho?
As ONGs que fornecem serviços minam a legitimidade do Estado ou a presença das ONGs reforça a maneira como as pessoas veem seu eEtado? Os cidadãos respondem à prestação de serviços de ONGs ou do governo de forma diferente?
Como é que a prestação de serviços por parte das ONG se apresenta no terreno – que fatores levam as ONG a trabalhar em locais específicos?
Uma grande e crescente parcela da CID é obtida de fontes não governamentais, alocadas por ONGs transnacionais.
Sabemos pouco sobre esta cooperação privada, nem mesmo como é distribuída pelos países beneficiários, e muito menos o que explica a alocação, os quais os efeitos dos fluxos dos Estados doadores para ONGs.
O dinheiro privado — angariado e atribuído por ONGs transnacionais como a CARE, a Catholic Relief Services, a Médicos Sem Fronteiras e a World Vision — permite cada vez mais a prestação de serviços e investimentos em saúde, educação e infraestruturas em países pobres. 
Não sabemos quanta ajuda privada está a ir para onde, para não mencionar o porquê e com que efeitos.
Verifica-se que existe uma tendência de formalmente reconhecer o papel das organizações não governamentais como atores da cooperação internacional.
Entretanto, o setor das ONG pode ser visto como um bom exemplo de “cooperação contestada”.
As ONGs representam um exemplo claro de "cooperação contestada" na medida em que operam em contextos marcados por tensões políticas, sociais e culturais, enfrentando questionamentos sobre sua legitimidade, eficácia e impactos. 
Embora sejam reconhecidas por sua agilidade, proximidade com comunidades locais e capacidade de amplificar demandas sociais, muitas vezes são criticadas por reproduzirem dinâmicas de poder desiguais, dependência de financiamento externo e falta de transparência. 
Em alguns casos, sua atuação pode ser vista como uma extensão de agendas geopolíticas ou econômicas de doadores, gerando desconfiança nos países receptores.
Além disso, o discurso humanitário que justifica sua presença em contextos vulneráveis pode ser interpretado como uma forma de paternalismo, perpetuando a dependência ao invés de fortalecer capacidades locais.
 Assim, as ONGs simbolizam as contradições inerentes à cooperação internacional, onde interesses divergentes e disputas de poder tornam a noção de cooperação algo profundamente contestado.
Essas críticas são válidas?
É possível operar sem reproduzir relações de poder assimétricas?
Ademais ONGS não são sujeitos do direito internacional, mas são atores: ou seja, não tem direitos e obrigações ao lado de Estados e OIs.
Ongs na cid
Há grande heterogeneidade em ONGs de desenvolvimento no Norte e Sul Global, por exemplo, ou em termos de seu tamanho e esferas de operação, e em suas motivações, entre outras coisas.
No entanto, apesar disso, tem havido um reconhecimento crescente de ONGs de desenvolvimento como um “setor”, e com isso, queremos dizer aquelas ONGs que trabalham no campo do desenvolvimento internacional que buscam “alternativas de desenvolvimento” que oferecem abordagens mais centradas nas pessoas e de base para o desenvolvimento do que aquelas buscadas pelo Estado e pelo mercado.
Brass et al. (2018) concluem que a literatura sobre ONGs na CID é estruturada em torno de seis questões principais sobre (i) a natureza das ONGs, (ii) seu surgimento e evolução, (iii) como elas conduzem seu trabalho, (iv) seus impactos, (v) como elas se relacionam com outros atores e (vi) como elas contribuem para a (re)produção de dinâmicas culturais e assimetrias de poder por meio de suas operações.
Conceito de ongs
 Definição:
Organizações privadas sem fins lucrativos, atuam no terceiro setor, guiadas por princípios éticos que não priorizam lucro.
Exemplo: Combate à pobreza, advocacy em direitos humanos.
 Características Gerais:
Autonomia ‘ideal’ (independência do mercado e do Estado).
Dependência de financiamento público pode limitar autonomia.
Altruísmo e elevada participação de voluntários.
Diferença de Sociedade Civil: ONGs são mais restritas, excluem sindicatos, partidos políticos, cooperativas etc.
A sociedade civil é frequentemente caracterizada como uma das três esferas de ação, juntamente com o governo e o setor privado. Ela foi definida como uma “esfera de associação humana não coagida” dentro da qual os indivíduos implementam ações coletivas para abordar necessidades, ideias e interesses compartilhados que eles identificaram em comum.
As ONGs também levantam recursos financeiros consideráveis ​​para o desenvolvimento. De acordo com números da OCDE, as ONGs em países membros levantaram pelo menos USD 42 bilhões em contribuições privadas para a cooperação para o desenvolvimento em 2018, representando aproximadamente 30% da ajuda bilateral total dos membros (OCDE, 2020).
No plano nacional, as ONGs desempenham funções complementares às do Estado, muitas vezes suprindo lacunas deixadas por políticas públicas insuficientes. No entanto, essa atuação pode ser problemática ao reforçar a lógica de terceirização de responsabilidades públicas, desonerando o Estado e consolidando modelos de gestão privatizados. Além disso, a legitimidade das ONGs é frequentemente questionada, especialmente quando elas não
possuem vínculos claros com as comunidades que afirmam representar.
No contexto internacional, as ONGs são vistas como mediadoras entre o local e o global, promovendo agendas transnacionais e denunciando violações de direitos em espaços multilaterais. Entretanto, seu papel também é ambíguo. Por um lado, elas ampliam vozes marginalizadas; por outro, podem reproduzir dinâmicas de poder neocoloniais, ao serem financiadas por atores do Norte Global e orientadas por prioridades externas. Esse financiamento externo frequentemente condiciona suas ações, levantando críticas sobre sua independência e alinhamento político.
A maioria dos acadêmicos concorda que as ONGs são organizações privadas, sem fins lucrativos, que buscam melhorar a sociedade de alguma forma. 
Variações entre organizações podem ser encontradas em: onde a organização se desenvolveu pela primeira vez ou está sediada no mundo; como obtém financiamento; o escopo de suas atividades (local, nacional, internacional); se é uma iniciativa de base local dos pobres ou uma organização formada por elites; se é uma associação de membros ou uma organização profissionalizada; e se é secular ou religiosa. 
As ONGs geralmente são organizações seculares, embora às vezes sejam registradas em associação com uma igreja ou outra organização religiosa, tornando imprecisa a caracterização estrita das ONGs como "organizações seculares"
Definição do governo da República do Quênia
Um agrupamento privado voluntário de indivíduos ou associações que não operam com fins lucrativos ou para outros fins comerciais, mas que se organizaram nacional ou internacionalmente para o benefício do público em geral e para a promoção do bem-estar social, desenvolvimento, caridade ou pesquisa nas áreas inclusivas, mas não restritas à saúde, assistência, agricultura, educação, indústria e fornecimento de amenidades e serviços.
As ONGs podem ser participantes globais como a Oxfam e a CARE que têm sede no Ocidente e escritórios em quase 100 países; organizações como a BRAC, que começou como uma organização local em Bangladesh e se espalhou pelo mundo; atores regionalmente importantes como a AMREF sediada no Quênia na África; grandes organizações de um único país; ou organizações pequenas, mas formalizadas, trabalhando em um país ou comunidade.
 Todas as ONGs realizam programas sem fins lucrativos que visam melhorar a vida de indivíduos e sociedades. O trabalho das ONGs geralmente se enquadra nas áreas de saúde, educação, agricultura, meio ambiente, assistência humanitária e infraestrutura básica de água e saneamento.
Críticas acadêmicas às ONGs de desenvolvimento não buscam desmerecer suas contribuições e sucessos na prestação de serviços, mas destacar o fato de que suas modalidades operacionais não necessariamente reconfiguram as relações entre o Estado, o mercado e a sociedade civil — como originalmente pretendido — de maneiras que levem a um desenvolvimento mais favorável aos pobres.
A contribuição das ONGs para a cooperação para o desenvolvimento não é exclusivamente financeira. A sociedade civil e as ONGs nela são importantes agentes de mudança.
 Elas fornecem um meio para a expressão das pessoas, permitem que as pessoas reivindiquem seus direitos e promovam abordagens baseadas em direitos, moldam e supervisionam políticas de desenvolvimento e fornecem serviços complementares aos fornecidos pelos governos
Para refletir
https://www.youtube.com/watch?v=SCTBLRtnt1s
https://www.youtube.com/watch?v=hkeda1iHSi4
Breve contexto histórico
Raízes históricas:
Origem em movimentos religiosos e filantrópicos (ex.: Ordem Rosa Cruz em 1649, Cruz Vermelha em 1863).
Exemplo: Save the Children (1919), após a Primeira Guerra Mundial.
Reconhecimento internacional:
Carta da ONU (1945) menciona ONGs em ajuda humanitária.
Aumento de visibilidade em cúpulas globais (ex.: Rio 1992, ODMs, Seattle 1999).
O Artigo 71º da Carta das Nações Unidas (ONU) de 1945 permite que o Conselho Econômico e Social da ONU consulte organizações não-governamentais (ONGs) sobre assuntos de sua competência: 
Com organizações internacionais.
Com organizações nacionais, após consulta ao membro da ONU interessado.
A presença e o papel das ONGs na ONU têm aumentado nas últimas décadas. Por exemplo, em 1995, cerca de 30 mil pessoas participaram de foros de ONGs paralelamente à Conferência de Pequim sobre a Mulher. Em 2002, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável em Joanesburgo teve a participação de cerca de 35 mil pessoas. 
 
No final da década de 1980, a maior parte do mundo em desenvolvimento havia experimentado uma estagnação econômica prolongada. 
Enquanto isso, uma ideologia de liberalização havia ganhado força no Ocidente, onde os formuladores de políticas promoviam a desregulamentação, a privatização e a redução de barreiras comerciais como caminhos para o crescimento econômico. 
Instituições financeiras internacionais e outros doadores rapidamente começaram a insistir na liberalização econômica como uma pré-condição para empréstimos e subsídios para países em desenvolvimento.
 Os Estados eram frequentemente obrigados a liberalizar taxas de câmbio e mercados financeiros, privatizar ou terceirizar serviços públicos, reduzir barreiras comerciais, cortar orçamentos nacionais e manter políticas monetárias sustentáveis ​​para receber ajuda.
O papel do governo na prestação de serviços mudou drasticamente durante esse período. 
Os governos recuaram do bem-estar e da prestação de bens públicos para reduzir os gastos públicos e cumprir com o impulso dos doadores para a privatização. Por exemplo, os serviços sociais da Tanzânia como uma porcentagem dos gastos do governo caíram pela metade entre 1981 e 1986, ao mesmo tempo em que as taxas para serviços públicos aumentaram drasticamente (Tripp 1994). 
No Quênia, os gastos com educação caíram de 18% do orçamento em 1980 para 7,1% em 1996, e no setor de saúde, os gastos do governo diminuíram de US$ 9,82 milhões em 1980 para US$ 6,2 milhões em 1993 e US$ 3,61 milhões em 1996 (Katumanga 2004, 48).
 No final da década de 1980, o cientista político Michael Bratton poderia escrever: "especialmente nas regiões mais remotas do interior da África, os governos muitas vezes tiveram pouca escolha a não ser ceder a responsabilidade pela prestação de serviços básicos"
Em todo o mundo em desenvolvimento, “o ‘retrocesso do Estado’ foi acompanhado por um crescimento na prestação de serviços de ONGs e pela substituição de estruturas governamentais por arranjos informais e não governamentais.
Os doadores, armados com as normas da sociedade internacional, apoiaram fortemente o crescimento das ONGs, e as associações proliferaram à medida que essas normas avançavam 
Na década de 1990, por exemplo, a assistência oficial ao desenvolvimento (AOD) para ONGs aumentou 34% (Epstein e Gang 2006) e, em 1999, a maior parte dos US$ 711 milhões em ajuda da USAID para a África foi para ONGs (Chege 1999). 
Em contraste, no Quênia, a AOD para o governo caiu pela metade entre 1990 e 1994, e caiu pela metade novamente em 1999 (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico 2013), pois os doadores mantiveram relações de desconfiança com o governo.
 Nesses lugares, os doadores ignoraram Estados com baixa capacidade de governança, dando dinheiro para ONGs quando acreditavam que isso permitiria que seu apoio alcançasse os resultados pretendidos (Dietrich 2013). Ao mesmo tempo, muitos governos continuaram a canalizar dinheiro, incluindo ajuda, para manter redes de clientelismo e obter votos.
Mais recentemente, em meados da década de 2000, quase 50 por cento dos fundos do Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária (Fundo Global) e quase 45 por cento do financiamento do Plano de Emergência do Presidente dos EUA para o Alívio da SIDA (PEPFAR) foram direccionados para ONG em todo o mundo.
Ao longo dos anos, as ONGs deixaram de fornecer caridade suplementar e trabalho de assistência para se envolverem cada vez mais no desenvolvimento básico e na prestação de serviços
com base em uma abordagem participativa. 
Por exemplo, somente no setor de serviços de saúde do Quênia, as ONGs administravam (nos anos 2000) quase 90% das clínicas e tantos hospitais quanto o governo.
 Junto com os ministérios da saúde, educação, agricultura e obras públicas, agora vemos ONGs fornecendo educação, assistência médica, assistência a crianças e mulheres, serviços de extensão agrícola, emprego e até mesmo, em alguns casos, estradas, poços e outras infraestruturas. 
Assim, muitos dos bens e serviços que são hoje fornecidos pelas ONGs eram tradicionalmente associados a Estados e governos; esses serviços fazem parte do contrato social entre um estado e seus cidadãos
Na maioria das partes do mundo, no entanto, a colaboração entre ONGs e Estados, e as condições que a facilitam são motivadas por dois fatores. Primeiro, organizações doadoras e financiadoras — não apenas doadores multi e bilaterais, mas também organizações filantrópicas dominantes — começaram a exigir colaboração como condição de financiamento.
No entanto, mesmo na ausência de presença consistente de doadores, os relacionamentos entre governo e ONGs tendem a se tornar mais positivos ao longo do tempo. 
Essa tendência aponta para a importância de um segundo fator: aprendizado social. Representantes de ONGs e agências governamentais passaram a entender ao longo do tempo que é de interesse mútuo trabalhar juntos.
 
Comparando a Gâmbia da África Ocidental com o Equador e a Guatemala na América Latina, por exemplo, Segarra (1997) e Brautigam e Segarra (2007) mostram que em todos os três países, ONGs e governos falharam em suas primeiras tentativas de parcerias incentivadas por doadores nas décadas de 1980 e 1990. 
Na década de 2000, no entanto, as ONGs e suas contrapartes governamentais estavam envolvidas na implementação colaborativa de programas e na criação de políticas em grande medida na Gâmbia e no Equador, e em um grau menor, mas aparente, na Guatemala.
 Essas tendências também são visíveis na Ásia. Em uma pesquisa com ONGs cambojanas, quase 60% dos entrevistados relataram relações de trabalho positivas com o governo, e 40% compartilharam reclamações que ouviram de membros da comunidade com o governo (Suarez e Marshall 2014). 
No setor de saúde no Paquistão, além disso, os governos reconhecem cada vez mais o impulso que recebem da colaboração com ONGs para aumentar a prestação de serviços.
Mesmo na China, os governos locais estão cada vez mais colaborando com instituições de caridade e organizações sem fins lucrativos para fornecer serviços como educação e assistência médica (Teets 2012). Embora esses relacionamentos geralmente assumam a forma de contratação em vez de coprodução, eles ainda são sinais da crescente disposição do governo em trabalhar com organizações não governamentais.
Essas interações colaborativas entre ONGs e governos levaram a mudanças significativas na governança da prestação de serviços, tanto na implementação de serviços entre organizações públicas e não governamentais quanto na tomada de decisões em torno da prestação de serviços públicos. 
Em ambos os domínios, o aumento da colaboração resultou em uma confusão de limites entre organizações e programas governamentais e não governamentais, à medida que as ONGs ganham autoridade de fato ao lado de atores governamentais no país. Às vezes, é difícil dizer onde o governo termina e a ONG começa.
Diversidade e especificidade de ongs
Origem: Indivíduos, igrejas, partidos ou empresas.
Tamanho: Pequenas, médias ou grandes.
Áreas de Atuação: Saúde, gênero, ajuda humanitária, advocacy, infâncias, periferias, agricultura campesina.
Modelos de Gestão:
Voluntários x profissionais.
Financiamento: Subvenções públicas, parcerias com empresas e campanhas.
Exemplo: Médicos Sem Fronteiras – atendimento emergencial global.
Papel e contribuições na cid
Impactos Positivos:
Proximidade com comunidades.
Fomento à participação local e empoderamento.
Conhecimento adaptado ao contexto local.
Rede de colaboração pública e privada.
Ongs na cid: um olhar construtivista
ONGs como Agentes de Construção de Normas
Definição de Normas: construtivistas como Martha Finnemore e Kathryn Sikkink destacam que ONGs são cruciais no processo de criação, disseminação e internalização de normas globais.
Exemplo: a campanha da International Campaign to Ban Landmines (ICBL) foi fundamental para a adoção da Convenção de Ottawa (1997).
Redes Transnacionais: ONGs, atuando em redes transnacionais, promovem mudanças normativas ao conectar atores locais e globais, contribuindo para a evolução de padrões éticos e legais internacionais, como os Direitos Humanos e a sustentabilidade ambiental.
Os estudiosos construtivistas das relações internacionais argumentam que o comportamento é em grande parte uma função de identidades e normas compartilhadas, que moldam a própria definição dos interesses dos atores. 
A densidade de interação entre as ONGs na CID, por meio da qual uma identidade comum pode ser moldada e reforçada, sugere que essas ONGs devem ser um exemplo de uma “rede de atores baseados em princípios”, cujos membros são “motivados por valores e não por preocupações materiais”. 
Dois tipos de discursos que moldam a atuação das ONGs na CID.
Dois tipos de discurso
Duas variantes do discurso de altruísmo: 
Um discurso humanitário, centrado num compromisso normativo de “servir populações subdesenvolvidas ou negligenciadas e prestar serviços aos necessitados”;
E um discurso de desenvolvimento, focado nas “causas” da pobreza e em melhorias sustentáveis ​​a longo prazo.
O discurso humanitário sugere que a atribuição de CID privada por ONG deve ser, acima de tudo, uma função da necessidade objetiva dos potenciais destinatários. 
O discurso de desenvolvimento propõe que a priorização seja guiada pelas áreas em que a CID possa gerar maior impacto no avanço econômico ou social.
O discurso humanitário
O discurso humanitário é organizado em torno de uma obrigação ética de aliviar o sofrimento humano. 
Ver prioridades humanitárias em https://www.unocha.org/. 
Entre seus princípios orientadores centrais de imparcialidade, neutralidade e independência, o primeiro é o mais pertinente à alocação de CID. 
A imparcialidade, conforme definida no Preâmbulo dos Estatutos do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, exige dar ajuda “para aliviar o sofrimento de indivíduos, guiados unicamente por suas necessidades”, sem consideração de outros critérios como “nacionalidade, raça, crenças religiosas, classe ou opiniões políticas” — e “dar prioridade aos casos mais urgentes de sofrimento.
Em https://www.icrc.org/sites/default/files/document/file_list/180009_pt_statutes_of_the_international_committee_of_the_red_cross.docx_en-ca_pt-br.pdf. 
Este discurso permeia o trabalho de múltiplas ONGs. 
A Save the Children, por exemplo, foi fundada no Reino Unido após a Primeira Guerra Mundial para literalmente salvar crianças na Áustria e na Alemanha da fome, na crença de que a compaixão ditava estender uma mão amiga aos mais "indefesos" entre aqueles que até algumas semanas antes eram os inimigos em uma guerra amarga. 
Enfatiza que busca ajudar os “empobrecidos e desfavorecidos com base unicamente na necessidade, independentemente de raça, religião ou etnia.
Da mesma forma, a World Vision USA se vê como “servindo os mais pobres do mundo” e “mais vulneráveis”. 
Este discurso molda a identidade dos decisores das ONG, tornando-os fortes candidatos a serem atores “baseados em princípios”.
O discurso do desenvolvimento
O que chamamos de discurso do desenvolvimento está relacionado, mas analiticamente é bastante distinto do discurso humanitário.
Esse discurso também aborda a CID como um esforço altruísta, mas tem pouca preocupação com as intenções.
Aqui, as ONGs buscam um impacto duradouro nas causas do subdesenvolvimento/sofrimento, em vez de aliviar o sofrimento no curto prazo. 
Isso implica construir um sistema de irrigação e treinar as partes interessadas locais na operação desse
sistema, por exemplo, em vez de — ou além de — distribuir ajuda alimentar quando a seca destrói a colheita.
O discurso do desenvolvimento implica que a CID deve ser alocada e avaliada como uma estratégia instrumental para alcançar ganhos tangíveis e persistentes no bem-estar socioeconômico, físico ou político dos destinatários.
No caso de ONGs, espera-se que a necessidade objetiva dos beneficiários seja uma explicação mais forte da alocação de CID do que a eficácia antecipada ou as percepções da necessidade por parte do público doador.
No final do dia, a diferença entre Estados e ONGs é a seguinte:
Estados alocam cooperação de acordo com seus interesses versus ONGs que alocam ajuda de acordo com princípios humanitários.
Para Estados, embora o nível de desenvolvimento econômico dos beneficiários seja importante numa série de análises estatísticas para alocar CID, é frequentemente secundário em relação a motivações políticas ou estratégicas.
37
Na perspectiva construtivista, ONGs são mais que implementadoras de políticas ou mediadoras em conflitos; são agentes transformadores que moldam o sistema internacional ao criar normas, influenciar identidades e promover ideias. Ao desafiar hierarquias e propor novas formas de organização, as ONGs revelam o caráter dinâmico das relações internacionais e sua dependência de processos sociais.
Embora os construtivistas reconheçam a importância das ONGs, também identificam desafios:
Assimetrias de poder: ONGs de países do Norte Global podem dominar o discurso internacional, marginalizando vozes do Sul Global.
Instrumentalização: algumas ONGs podem ser instrumentalizadas por Estados ou corporações para avançar agendas específicas, enfraquecendo sua credibilidade como atores normativos independentes.
Conflito de narrativas: diferentes ONGs podem promover normas conflitantes, gerando tensões no sistema internacional.
Ongs na implementação da oda/ocde
Primeiro, o estado atual da AOD: apenas os seguintes países conseguiram exceder o compromisso de alocar 0.7% do RNB na CID: Luxemburgo (1%, traduzindo-se em US$ 0,5 bilhão), Suécia (0,89%, US$ 5,5 bilhões), Noruega (0,86%, US$ 5,2 bilhões) e Alemanha (0,85%, US$ 35,6 bilhões). No total, os países do CAD da OCDE alocaram 0,4% de sua RNB para AOD. 
Com exceção da Alemanha, o segundo maior provedor de AOD em 2022, os 5 principais provedores de AOD em 2022 não cumpriram seu compromisso de 0,7%: EUA (0,23%, US$ 60,5 bilhões), Japão (0,39%, US$ 17,5 bilhões), França (0,56%, US$ 16 bilhões) e Reino Unido (0,51%, US$ 15,8 bilhões.
Juntos, eles forneceram 69% da AOD em 2022; os próximos 10 maiores doadores representaram 25% da AOD, enquanto os 15 doadores restantes forneceram 6%.
As ONGs são parceiras significativas na cooperação para o desenvolvimento, implantando recursos de AOD. De acordo com o CAD da OCDE, em 2020, US$ 21,6 bilhões em AOD de membros do CAD foram canalizados para e por meio de ONGs, ou 16% da AOD para aquele ano.
Um dos principais alvos das críticas da sociedade civil é como os gastos militares dos países do CAD da OCDE ofuscam sua AOD. Em 2022, por exemplo, os US$ 204 bilhões de AOD desses países são significativamente menores do que os US$ 1,363 trilhão em gastos militares — o primeiro totalizando apenas 15% ou menos de 1/6 do segundo.
 A distância entre os gastos militares e a AOD obriga os pesquisadores a fazerem o apelo de ver “segurança militar, cooperação para o desenvolvimento e gastos domésticos” não como “prioridades mutuamente exclusivas e concorrentes”, mas como vinculadas e necessitando “do equilíbrio certo” para garantir “segurança humana, ambiental e nacional, agora e no longo prazo” (Liang e Tian 2024)
A sociedade civil afirma, com base na natureza da AOD, que ela deve ser concessional e que os empréstimos em AOD devem ser reduzidos. Ao mesmo tempo, a sociedade civil clama por “uma mudança de paradigma político concertada” que removerá a AOD da estrutura de caridade, ferramenta de política externa ou interesses comerciais e que defenderá “os valores de respeito mútuo, confiança, acompanhamento de longo prazo, solidariedade e cidadania global”.
Destinos dos recursos
67% das doações destinaram-se a países de renda média (ex.: Índia, China, Nigéria, México).
Apenas 28% beneficiaram os países menos desenvolvidos.
97% dos recursos foram canalizados por meio de instituições intermediárias, como organizações internacionais e ONGs grandes (ex.: OMS, UNICEF, Gavi).
Esses recursos são consideráveis; e nem todos eles dependem e são restritos pelo apoio direto de doadores oficiais. 
A confederação Oxfam, por exemplo, relatou US$ 912 milhões em receita em 2020/21, dos quais mais da metade, US$ 492 milhões (54%), vieram de fontes privadas, não de doadores ou instituições oficiais.9 
A ActionAid International teve uma receita agregada de US$ 236 milhões em 2019, dos quais US$ 84 milhões (36%) não tiveram restrições de fontes privadas em sua alocação.
A receita consolidada da World Vision International em 2020/21 foi de US$ 2,2 bilhões, um valor maior do que 14 dos 29 doadores do DAC em 2020.
Desafios na relação entre ongs internacionais e ongs locais.
Transferir poder para organizações nacionais/locais no Sul global;
Fortalecer o empoderamento das pessoas para lidar com suas próprias prioridades; e
Praticar e facilitar a responsabilização dinâmica e a transparência.
Críticas e Limitações:
Crescimento de custos operacionais.
Dependência de financiamento externo.
Possível reforço de lógicas neocoloniais.
Exemplo: ONGs financiadas por atores do Norte Global priorizam agendas externas.
Ongs: aliadas ou adversários de governos?
Em muitos contextos africanos, as ONGs colaboram diretamente com os governos para fornecer serviços essenciais. Por exemplo:
AMREF Health Africa: Atuante em mais de 35 países africanos, a AMREF trabalha em estreita colaboração com os ministérios da saúde locais para treinar profissionais de saúde, melhorar o acesso a cuidados primários e implementar programas de saúde comunitária. No Quênia, a AMREF foi fundamental na expansão de programas de vacinação em áreas rurais, com o apoio logístico do governo queniano. Essa parceria reforçou a percepção de que o governo estava empenhado em melhorar a saúde pública, mesmo que a execução direta fosse liderada pela ONG.
World Vision: Atuando em várias regiões africanas, a World Vision frequentemente desenvolve projetos de abastecimento de água e saneamento em cooperação com governos locais. Em Gana, por exemplo, o programa de construção de poços em comunidades rurais envolveu autoridades locais na seleção de locais prioritários, criando uma percepção de esforço conjunto e fortalecendo a legitimidade do governo perante os moradores.
Por outro lado, também podemos identificar situações em que as ONGs operam de forma independente, o que pode resultar na percepção de que o governo é desnecessário ou inepto. Exemplos incluem:
Médecins Sans Frontières (MSF): Em crises humanitárias, como a epidemia de ebola na África Ocidental (2014-2016), a MSF liderou operações de saúde em várias regiões, frequentemente sem a participação direta dos governos nacionais. Embora suas ações tenham salvado vidas, em algumas comunidades a ausência de envolvimento governamental reforçou a ideia de que o Estado não era capaz de lidar com emergências, prejudicando sua legitimidade.
https://www.youtube.com/watch?v=X4au66roGaA
CARE International: Em países como Etiópia, a CARE tem implementado programas agrícolas e de segurança alimentar sem coordenação clara com o governo local. Em algumas áreas, agricultores passaram a depender mais das iniciativas da CARE do que de programas estatais, enfraquecendo a relação entre o governo e a população rural.
Como uma ong pode cooperar no contexto de países em desenvolvimento
“Joseph Mukani é o gerente do Programa de Desenvolvimento Comunitário de Mbeere (MCDP), corre para o pequeno e desorganizado escritório onde estou esperando para entrevistá-lo. Mukani descreve um programa de desparasitação
que sua organização conduziu no distrito para ajudar o Ministério da Saúde (Quênia). Os medicamentos desparasitantes, destinados a serem distribuídos a crianças em idade escolar em Mbeere, foram doados por uma agência de ajuda de um governo escandinavo e levados ao escritório distrital do Ministério meses antes. No entanto, os comprimidos não foram distribuídos, pois o escritório do Ministério não tinha um veículo nem fundos para transportar um membro da equipe para escolas em todo o distrito. O MCDP interveio para fornecer transporte e uma verba para um funcionário do governo administrar os comprimidos a crianças em idade escolar. "O governo tem os medicamentos, mas eles simplesmente expiram se não receberem facilitação. Então, nós adicionamos isso", ele me diz. Ele está satisfeito com a interação com o ministério. "É uma verdadeira parceria", ele diz”.
https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/9AC276404D0343F4D36522199FD0BD95/9781316678527c1_p1-27_CBO.pdf/ngos_and_state_development.pdf 
“Ele opina que o governo é necessário para o longo prazo. “As ONGs vieram [para o Quênia] quando os doadores não queriam doar para o governo. Se o governo funcionasse, as ONGs não seriam necessárias. As ONGs sabem que são de curto prazo. O governo deve continuar”, ele conclui”.
Idem. 
De fato, grande parte do trabalho acadêmico sobre as interações entre ONGs e governos descreve uma relação hostil e conflituosa e afirma que as ONGs frequentemente prejudicam os estados em desenvolvimento. 
Para muitos, “a atividade das ONGs apresenta os desafios mais sérios aos imperativos da condição de Estado nos domínios da integridade territorial, segurança, autonomia e receita”.
Implicações do papel de ongs na cid
Qual o efeito da proliferação de ONGs provendo serviços em países em desenvolvimento?
Governança (formulação de políticas e implementação); capacidade administrativa; legitimidade
Argumentos:
Aumento da relação de colaboração entre ONGs-Governos.
Essa colaboração pode apagar os limites tradicionais entre atores estatais e atores não-estatais, de forma a alterar a natureza do Estado
Atuação de ONGs na provisão de serviços/assistência social não enfraquece a legitimidade do Estado a priori. 
Considerações finais
As ONGs desempenham um papel crucial na CID ao conectar comunidades locais com agendas globais.
• Apesar de contribuírem significativamente para o empoderamento e a justiça social, enfrentam desafios como dependência financeira e questões de legitimidade.
• A autonomia das ONGs é frequentemente limitada por interesses externos, mas sua capacidade de adaptação e inovação pode impulsionar transformações estruturais.
• O futuro das ONGs na CID depende do fortalecimento de parcerias equitativas, do empoderamento local e do alinhamento com princípios de sustentabilidade e justiça global.
image2.png
image3.png
image4.png

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Mais conteúdos dessa disciplina