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Copyright © 2024 Jay Mairon Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio, mecânico ou eletrônico, incluindo fotocópia e gravação, sem a expressa autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Art. 184 do Código Penal. Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor, qualquer similaridade com pessoas e fatos reais é mera coincidência. Texto em conformidade com o segundo acordo ortográfico da Língua Portuguesa. Capa: @nathcriadesign Revisão: Loretta Lins Diagramação: Loretta Lins e @nathcriadesign Leitura Crítica: Ester Potenza Betagem e assessoria: @taislendooque Ilustrações: @asyilustra e @seba.ilustra VENOM: OBSESSÃO PERIGOSA [recurso digital] / Jay Mairon – 1ª Ed. 2024 - Brasil. Sumário Nota da autora Alerta de gatilhos Playlist Dedicatória Epígrafe Prólogo Parte I Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Capítulo 29 Capítulo 30 Capítulo 31 Capítulo 32 Capítulo 33 Capítulo 34 Capítulo 35 Capítulo 36 Capítulo 37 Parte II Capítulo 38 Capítulo 39 Capítulo 40 Capítulo 41 Capítulo 42 Capítulo 43 Capítulo 44 Capítulo 45 Capítulo 46 Capítulo 47 Capítulo 48 Capítulo 49 Capítulo 50 Capítulo 51 Capítulo 52 Capítulo 53 Capítulo 54 Capítulo 55 Capítulo 56 Epílogo Futuro da série Agradecimentos Redes sociais Biografia Nota da autora Olá, espero que essas páginas te encontrem bem. Leia atentamente a lista de gatilhos e se por acaso algo lhe incomodar durante a leitura não hesite em largar o livro. Este é um DARK ROMANCE que aborda temas sensíveis como abuso e suicídio assistido e pode despertar alguma sensibilidade em relação ao tema. Quando a noite estiver chegando para você, espero que encontre o caminho nas páginas desse livro. Through The Dark - One Direction Alerta de gatilhos Antes de começar este livro, leia a lista de possíveis gatilhos, que podem causar reações adversas: Gore: Descrições explícitas de violência severa, incluindo corpos desmembrados. Autoassassinofilia: Fantasias relacionadas a simulações de situações de morte ou perigo. Asfixiofilia: Fantasias ou práticas envolvendo asfixia durante momentos íntimos. Knife Play: Práticas íntimas que incluem o uso o de facas para provocar sensações de risco e prazer. Toxófilo/Venefica: Fascínio ou atração por venenos e substâncias tóxicas, podendo envolver temas de envenenamento. Violência Gráfica: Descrições detalhadas de atos violentos, incluindo ferimentos graves. Transtornos Psíquicos Abordados: Esquizofrenia Não Diagnosticada: Sintomas como alucinações e delírios não reconhecidos ou tratados clinicamente. Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): Preocupação e medo excessivos, com sintomas físicos e psicológicos. Piromania: Impulso e prazer em provocar incêndios, mesmo com conhecimento dos riscos. Transtorno Explosivo Intermitente (TEI): Explosões repentinas de raiva ou violência, muitas vezes desproporcionais ao gatilho. Depressão Profunda: Condição persistente de tristeza intensa, desesperança e desinteresse pela vida. Transtorno do Espectro Autista (TEA) – Nível 1 de Suporte: Características do espectro autista que demandam suporte leve, envolvendo dificuldades de socialização e comunicação. Alerta: Este livro contém menções a suicídio. Playlist Esse livro possui três playlist e você vai ouvir de acordo com seu estilo. Ouça essa playlist se quer se sentir uma vadia confiante Playlist Yulieta Ouça essa se precisa sentir seu coração bater Playlist Klaus Ou sinta a vibe desse casal Playlist Yunik https://open.spotify.com/playlist/7DsTqWK5jF3KsdVfpDte7R?si=2PhxQP7FRKqhOu2Ge68n2w https://open.spotify.com/playlist/2biSWU49FlmayfQJxfhKos?si=zJov8eycRJOeVMc7134Fuw https://open.spotify.com/playlist/4EsOHT0ebRrq2vKrMYoguQ?si=KrK3Ln0yQMiXZkKTVsmciA Dedicatória Um brinde a todas às vezes que uma mulher transforma a terra em inferno... ou pelo menos pensa. Essa é dedicada a todas nós. Epígrafe “Ser. Às vezes sangra.” Clarice Lispector Prólogo Yulieta 31 de outubro — St Harlem, distrito de Nova York Ajeitei a balaclava, ocultando parte do meu rosto. Olhei uma última vez para a roupa extremamente apertada me sentindo confiante e observei minhas duas amigas fazerem as mesmas coisas de frente ao espelho. Hoje iríamos brincar. Eu só não contei a elas que sequestraria Klaus esta noite. — Celular? Lovell foi a primeira a sacudir o celular nas mãos. Marianelle ainda sentia alguma dificuldade em lidar com as luvas, mas conseguiu desabotoar o bolso falso e vi o iPhone 4 que ela usava todo ano desde 2010 que ainda funcionava graças a todos os hackers que Lovell instalava. Talvez eu devesse agradecer ao meu pai amanhã por patrocinar nossa fantasia de Halloween, mesmo sem saber que financiou um traje de guerra. Era como concretizar um sonho depois de muito tempo. Não era nosso primeiro Halloween, mas era o primeiro em que estávamos equipadas contra tudo. Nossas balaclavas de catwoman eram idênticas, acabando exatamente abaixo de nossos narizes e as roupas pretas agarravam ao corpo como sombras, nos deixando da maneira que pensei. Um cacho crespo saltava da máscara de Lovell, e esse detalhe a deixava doce e ainda mais sexy. As botas transformavam Marianelle em uma deusa profana, eu cabelo loiro caindo sobre os ombros como um manto. Enquanto eu era uma cópia fiel de alguma cantora pop de 2008. — Vejo vocês em casa amanhã, qualquer imprevisto, 224 — soltei um beijo no ar e cruzei a porta do banheiro. Eu odiava festas como aquela. Cada metro quadrado do ginásio fedia a testosterona e feromônios. A iluminação era clara demais, cheio de luzes piscantes e uma música terrível arranhava meus ouvidos. Ninguém ali, além de mim e minhas amigas, sabiam realmente como apreciar o Halloween. Alguns usavam essa data para se esfregar em meninas, em festas ridículas como essa, mas a maioria se esquecia do terror. O que era um pecado. St. Harlem era tão assombrosa que nem mesmo os idiotas bêbados conseguiam minimizar a escuridão daquela cidade. Porém, o que eu realmente procurava era o prisioneiro dessas sombras que estava lá fora recostado no seu carro, tragando um cigarro no lugar mais deserto e afastado possível. Às vezes, eu pressentia que ele se colocava nessas situações apenas esperando por mim. Dei dois passos dançantes em frente a um casal que estava se pegando e me esgueirei pelo caminho de sombras que circundavam o ginásio da faculdade, suavizando a força nos pés para evitar o ruído das botas no chão. Cada passo me deixava eufórica. Eu estava tão perto que conseguia sentir o cheiro do cigarro. O brilho do seu cabelo loiro iluminava até mesmo a completa escuridão, lhe dando um ar etéreo, quase angelical, mas a maneira como inalava a fumaça tinha algo de demoníaco. Eu já o observei muitas vezes e cada mínimo detalhe dele exalava raiva bruta, como se fosse difícil estar vivo entre os mortais. Bastava pouco para sentir que ele era uma tempestade de ira à beira da explosão. Com frequência, sonhava com uma besta de asas me enforcando e se Lúcifer realmente existisse, com certeza, ele se pareceria com Niklaus Capulet. Saí das sombras, deixando que o salto da bota ecoasse seu som por cima das folhas secas. Ele elevou os olhos lentamente até mim e eu me esforcei, pra cacete, para não estremecer. Era a primeira vez que eu sentia seu olhar... Eu sentia minha pele sendo marcada por fogo e sangue. Sem pressa alguma, caminhei até a sua frente, e nem mesmo com as botas de quase vinte centímetros eu não conseguia sequer alcançar sua testa. — Procurando algo? — sua voz rouca se enrolou como uma serpente em meu pescoçoainda mais vendo o caminhar como se orgulhasse do que vestia. Ele andou até seu grupinho que estava sentado em uma mesa depois da nossa. — Que roupa é essa? Parece que saiu de um antiquário cafona. — A voz de Adam soou e todos na mesa riram, eu definitivamente odiava esse babaca e sem dúvidas seria uma das primeiras pessoas que eu proibiria Klaus de ser amigo — Dormiu com alguma vagabunda de artes? Poison? Que nome de vadia! O riso do menino não se estendeu aos outros da mesa porque em segundos Klaus lançou um soco na boca do garoto, o segurando pela gola da jaqueta quando ele ameaçou cair, descendo mais um murro. Foram seis socos até que alguns seguranças conseguiram tirar ele de cima de Adam. Três estalos de ossos se partindo em apenas 2 minutos. Klaus foi afastado à força por um dos amigos, enquanto o outro ainda permanecia desacordado no chão. Desviei o olhar quando ele ergueu a cabeça sacudindo alguns fios de cabelo que nublavam os olhos vermelhos. Alguém tentou tocá-lo, mas ele afastou o braço violentamente, pegou a bolsa e saiu enquanto todos o olhavam em completo silêncio. Apoiei minhas mãos sobre a mesa, e forcei meus pés a ficarem no chão. Eu não poderia ir atrás dele por mais que aquele olhar perdido e avermelhado me rasgasse em dezenas de pedaços. — Você tem certeza de onde está se metendo? — o olhar que Marianelle jogou sobre mim era suplicante. — Se pudesse, eu mesma teria quebrado todos os ossos desse filho da puta. — Estiquei meus ombros e afrouxei o peso da mão sobre a mesa. — Sabe muito bem que não é sobre isso que estou falando. — Marianelle fechou o caderno e focou o olhar em mim. — Tenho que ir, vou atravessar o campus para chegar ao laboratório. — Eu te dou uma carona, vou para lá também. Coma alguma coisa e tome remédio para enxaqueca, no meu armário. — Lovell passou as mãos, brevemente pelas minhas costas e se levantou, as duas acenaram para mim e cruzaram a porta. Eu nem sei quanto tempo fiquei parada repassando todos os detalhes das últimas horas, mas quando levei o copo à boca o café estava tão frio quanto o vento que corria lá fora. Capítulo 9 Klaus Hoje eu fui uma pessoa horrível. Como em vários dias, como durante toda a minha vida. Porém, apenas dessa vez eu não sentia remorso algum e destruiria o que conseguisse dele até que não houvesse mais como voltar a falar. Eu estava exausto de suportar as piadas misóginas daquele babaca e a maneira como ele se achava superior só porque desviava dinheiro do pai revendendo droga barata a mando de gangues. Observei meu reflexo no espelho enquanto tirava meus anéis examinando os cortes que voltaram a se abrir. Apressei para me limpar o mais rápido que pude, mas o peso que se instalou sobre meus ombros desacelerou meus movimentos enquanto a água gelada limpava pacientemente meu sangue dos dedos. Eu estava tão cansado de limpar meu próprio sangue e de estar tão sujo. Minhas mãos molhadas e trêmulas afastaram meus cabelos e eu encarei uma sombra de olhos escarlates em meu lugar. Limpei uma maldita lágrima que insistiu em escapar dos meus olhos e busquei o papel secando as mãos para voltar a colocar os anéis sobre as feridas sem me importar se as abriria mais e voltaria a sangrar. Passei minha bolsa pela cabeça e sai direto para meu carro. Ninguém veio atrás de mim. Meu pai cumpria bem seu papel de acobertar todas as merdas que eu fizesse e eu não queria me tornar dependente disso, ainda mais com meu irmão de volta. Eu o amava, mas o desgraçado fazia perguntas demais. Então, eu iria para o único lugar que ignorava completamente minha existência e quem eu era. Saquei a chave do bolso, mas me interrompi virando e procurando por ela quando uma lufada de ar acariciou meu rosto com seu cheiro. Eu estava sozinho no estacionamento. Era época de provas e o campus era um deserto de prédios onde poucos professores apareciam. Me desfiz da bolsa e entrei no carro, com certeza eu estava alucinando ou o vento estava usando seu perfume, o que seria outro delírio. Parei meu carro no estacionamento do shopping ao lado da menor biblioteca da cidade, e uma das únicas que ainda tem um sebo funcionando com uma cafeteria recortada do tempo em que foi fundada em 1950, e agora espremida entre os arranha-céus se recusando a sair. Ela se sustentava às vezes por alguns velhos aposentados e por mim que matava todo tempo que podia aqui. Cumprimentei a dona e bibliotecária, pedindo um café com pão amanteigado de sempre e me sentei na mesa de frente a estante de tragédia e ficção, colocando os meus fones e observando os livros. Eu sabia de cor a organização e a posição dos livros, mas haviam adicionado um recentemente. Deixei meu café sobre a mesa e arregacei as mangas, esforçando para alcançar um exemplar de Lolita. Eu levaria esse hoje. Voltei a me sentar, cada gole me levava a folhear mais páginas. Em pouco tempo o café acabou e eu me concentrei a acompanhar a história e vi a necessidade de escrever algumas coisas. O tempo passou tão rápido, não notei que havia passado do meio-dia quando a bibliotecária tocou nos meus ombros e tirei meus fones de ouvido. — Almoço Klaus? — ela deslizou um pote de saladas e posicionou um garfo sobre ele, eu acenei com a cabeça observando-a voltar para sua mesa. Encarei a salada que parecia saborosa, mas eu não sentia fome alguma. Coloquei os fones novamente e continuei lendo. Tempos depois, fui vencido pelo seu cheiro delicioso e comi um pouco. As horas voaram como sempre e eu estava a algumas páginas do fim quando meu celular despertou às 18 horas, indicando que a biblioteca iria fechar. Recolhi meu lixo e acenei para a bibliotecária, saindo para o estacionamento. Peguei as chaves do bolso e abri a porta entrando no carro quando encarei o assento ao meu lado. — Nem pense em gritar. — Ela estava despreocupada, se apoiando sobre o braço do banco, e eu não consegui controlar meu olhar que deslizou curiosamente pela roupa que cobria seu corpo. Eu somente havia a visto sob a luz fraca e o tecido parecia absorver a escuridão como se fosse uma gata entre as sombras. Entretanto, com a luz refletindo no estacionamento sua roupa parecia uma segunda pele, como se fizesse parte dela, mas a merda do cinto com bolsos era um harness infernal que se agarrava ao seu corpo, desenhando ainda mais as curvas desse demônio que sorria para mim. Fechei meus olhos, exorcizando essa visão diabólica que me perseguiria até no escuro e respirei fundo tentando expurgar a maldita ideia de que minha força e tamanho eram quase o dobro da sua e com um clique sobre a porta quem gritaria nesse carro seria ela. Porém, a serpente foi mais rápida que eu. — Não me olhe assim morceguinho, eu não tenho a virtude de resistir ao desejo. — Com um movimento gracioso, ela saltou do banco e se sentou no meu colo cobrindo minha boca com as mãos enquanto injetava mais uma seringa no meu pescoço. Meus sentidos estavam sonolentos de novo, mas meu corpo se aqueceu com o seu peso sobre mim e nenhum esforço seria suficiente para conter meu sangue sendo bombeado diretamente para o meu pau. Eu senti ela descendo do meu colo com uma risadinha. — Parece que nem você resiste. — Seu sussurro quente foi a última coisa que ouvi até cair em completo sono. Capítulo 10 Yulieta Era bizarro como tudo era minúsculo em comparação a ele. Até mesmo o puf que providenciei quando descobri essa guarita no parque florestal, trouxe alguns livros para cá e algumas confidencialidades que eu escondia atrás da estante de livros. Notei que sua mão começou a sangrar durante a viagem de carro da biblioteca até aqui, então busquei um kit médico que Lovell havia deixado aqui no último Halloween quando Marianelle teve uma crise de ansiedade e quase incinerou nós todos no porão da fraternidade. Puxei uma cadeira e me sentei esperando que ele acordasse. Mudei a dosagem do remédio, ele não chegaria a enjoar novamente, e dispensei o uso de cordas. Mesmo que ele corresse eu o alcançaria de moto. Ele se remexeu, agarrando as bordas do puf. Por um momento,eu desejei estar no agarre dos seus dedos enquanto seu olhar despertava encarando lentamente o teto antes de se voltar para mim. — Não vai me amarrar dessa vez? — o abajur amarelado nos iluminava perfeitamente e novamente o brilho sarcástico estampou seus olhos. — Prefere ficar amarrado? — ele revirou os olhos com a minha pergunta e jogou a cabeça no puf. Levantei arrastando a cadeira para mais perto dele enquanto seu olhar espreitava todos meus passos. — Posso? — apontei para suas mãos e ele as encarou. Elas sangravam com a força que ele empregava. Ele ergueu o olhar como um relâmpago. Era nublado e eu não conseguia ler o que se passava em seus pensamentos, mas ele soltou lentamente as mãos e as entregou a mim. — Você brigou para me defender, achei que devia aparecer. — Abri a maleta e a coloquei no chão. Eu usava luvas de couro preto, mas senti a frieza da sua mão assim que as segurei afastando sua pulseira e retirando os anéis que acomodei na tampa aberta. Havia muitos detalhes sobre Klaus que passavam despercebidos por todas as pessoas. Ele usava muitos acessórios. Entre pulseiras e colares, com seus suéteres e jaqueta de couro. Esses eram os detalhes aparentes, mas as pontas dos dedos manchadas de caneta- tinteiro era um detalhe que só eu conseguia ver. Klaus escrevia, não tão secretamente. Ele ia à biblioteca mais comum da cidade, muitas vezes na semana, para escrever em meio aos livros. Colocando os fones de ouvido, arregaçava as mangas da camisa e ficava por horas preenchendo as folhas do caderno, quase sempre um diferente. Uns chegavam a se rasgar com tamanha a força que ele usava para escrever ou talvez se despedaçavam como se fossem frágeis demais. Eu gostaria de ser uma abelha e espiar o que ele escrevia tanto e rabiscava. E hoje, após a confusão, ele estava lá. Folheando um livro e rabiscando tão forte que suas feridas voltaram a sangrar e participaram da escrita gotejando sangue sobre o livro. E ele não se importou. As pulseiras continuaram a tilintar conforme ele recarregava a caneta sobre o pote de tinta, completamente concentrado. — Então, você estava lá? — sua voz passeou no ar, me distanciando da lembrança e eu percebi que ele falava mais para si do que para mim. — Talvez, sim ou não. As notícias sobre você correm mais rápido que os ponteiros do relógio. — Ele ergueu o olhar até meus olhos e sorriu, eu tive que pressionar minhas coxas e voltar a atenção para o remédio. Eu me sentia uma adolescente idiota — A propósito, desculpa pelas roupas. Uma vez, meu pai me disse que tudo que eu quisesse eu tinha que tomar para mim e dar meu nome. Os lábios deles são sempre tão avermelhados assim? Ele endireitou as costas e se aproximou de mim e eu desviei o olhar. Ele estava com aquela covinha sorrindo para mim. — Conheço seu pai? — ergui meu rosto e encarei ele inclinar a cabeça me analisando. — Eu não te darei essa resposta. — Desci meu olhar para o algodão que busquei na maleta. Eu não conseguia encará-lo por muito tempo sem que minha imaginação fosse longe e tirasse cada peça de roupa sua. — Seu nome não é Poison. — Levei o algodão embebido em remédio até seus dedos e ele não se moveu um centímetro sequer. Neguei com a cabeça a sua pergunta. Ignore que ele é resistente à dor, apenas ignore. — Não, mas pode me chamar assim. — destaquei um Band-aid cobrindo cada dedo e depois recoloquei seus anéis e me recostei na cadeira cruzando as pernas enquanto ele observava as mãos — O que mais quer saber? — Stephen King? — ele estendeu os dedos até a estante tocando a lombar um dos volumes e se recostou na espuma do puf, analisando cada movimento meu. Eu odiava quando mexiam nas minhas coisas, porém a delicadeza do seu gesto não despertou raiva alguma em mim. Ele sabia como cuidar de livros. — Misery, e você? — mordisquei os lábios enquanto ele balançava os cachos loiros achando graça da minha resposta. — Joyland — ele fez uma pausa e acompanhou minha reação, eu dei de ombros — Posso apostar que você é uma daquelas mulheres que os romancistas escrevem. — Depende, eu definitivamente poderia ter sido escrita por King ou Poe. — Você é bem modesta. — Ele sorriu novamente para mim — Se eu fosse te cobrar por cada peça de roupa que você marcou na noite passada, ficaria me devendo? — Talvez eu leve uma vida toda para pagar por isso, ou, poderia pagar em dobro. — Ele estreitou os olhos para mim e eu vacilei enquanto ele passou a língua pelos caninos pontudos dando brilho a carne vermelha dos lábios. — Não, essa pergunta não vale. — Me apressei em responder antes mesmo que aquela boca me colocasse em outra pergunta desconfortável. O sorriso dele se alargou lentamente, acompanhando o corpo cruzando as pernas e o apoiar uma das mãos no queixo. Você está tão perto. O desgraçado sabia exatamente como me afetar com essas merdas e eu segurava minhas mãos com todas as forças que conseguia. — Me conte tudo que puder. — A voz rouca rastejou até meus ouvidos e seu sorriso me prendeu, era uma emboscada, terrivelmente linda — Você gosta de ler? — Vivo por isso. — Mudei minha posição na cadeira e soltei uma risada nervosa. Eu sentia seus olhos me despindo e notando como eu estava ridiculamente molhada em apenas ver esse desgraçado problemático sorrir. — Você parece nervosa, eu estou sendo irritante? — eu ri mais uma vez e rolei os olhos. Você está caindo. Ele havia se inclinado em minha direção e eu firmei meus pés no chão ou pularia sobre ele. — Não, nem se tentasse o bastante você seria irritante. Caindo, caindo. Você não vai conseguir desacelerar a respiração. — Então, me conte um segredo — joguei as mãos sobre as pernas afastando as vozes e me aproximei dele. Eu aceitava o duelo então, filho da puta. — Venho me encontrando secretamente com um homem. Eu sempre desmaio ele e curiosamente o cretino gosta muito. Acabei sentindo o pau dele duro enquanto eu envenenava ele. Um puta pervertido. — Ponto para mim, ele desviou os olhos do meu soltando um rosnado que me obrigou a estalar o pescoço. — Como você conseguiu entrar na minha casa? — havia curiosidade genuína nessa pergunta, mas eu não consegui evitar jogar a cabeça rindo. — Obviamente não vou dizer, como voltarei? — Talvez eu facilite sua entrada — maldição, ele voltou a se inclinar em minha direção, perto demais. Por que estamos respirando tão descontroladamente? — Prefiro coisas difíceis — dei um estalo com a língua e cruzei minhas pernas, evitando olhar suas mãos tão grandes espalmadas sobre o joelho. — Então, posso te esperar escondido nas sombras? — ele deu de ombros e passou o dedo pelos lábios jogando um feitiço sobre mim — Você é péssima em disfarçar, a cada palavra que digo você se contorce, como uma cadela. A corrente elétrica que percorreu meu corpo bloqueava o ar de chegar aos meus pulmões e fiquei presa naquele sorriso enquanto meu cérebro traidor se encarregava de arrepiar meu corpo com cada cena em que eu me imaginava em completo perigo com o nêmesis a minha frente. — Seria uma bela visão, ver você gemendo de medo. — O sussurro da sua voz era hipnotizante e eu tentava respirar, completamente afogada na luxúria das suas palavras — Me diga, você correria de mim? Obriguei minha boca a se fechar antes que um gemido escapasse e desviei meu olhar. Você. Não. Está. Respirando. Está caindo, devagar, bem devagar. Porém, aquele sorriso me espiando era sufocante, ele sabia o que estava fazendo, e eu não era a única afetada quando notei sua mão se segurando no joelho. — Você me daria o prazer de te perseguir? — a cabeça dele se inclinou lentamente e os olhos estavam fixos no oscilar frenético do meu peito. Respirando rápido demais, há fogo no seu sangue. — Não me deixe saber que o perigo te excita. Sou um puta pervertido, se lembra? Faça alguma coisa. Descruzei minhas pernas e o eco dos meus saltos caminhando em direção a ele era uma canção no silêncio. Eu estava tão perto que seu perfume era uma nuvem ao meu redor quando meus olhos encontraram os seus e trilhei o contorno dos seus lábios com os dedos. Queriatirar essa luva e sentir a maciez dos seus lábios, mas eu não pararia por aí. Ele era um lobo com o cabelo bagunçado e os lábios entreabertos. Ele era o perigo. — Faça isso, morceguinho. — Me contive assim que notei que estava perto demais de beijá-lo e me virei, sacando discretamente uma seringa, ele estava perdido nas minhas palavras. — Espalhe armadilhas, tente pegar a gata que entra furtivamente na sua casa. Eu adorarei ser caçada por você. Seus olhos foram se fechando lentamente conforme eu empurrava o líquido pela seringa, mas o sorriso demorou a sumir do seu rosto. Capítulo 11 Klaus Eu dormi ao som da sua risada e acordei sozinho, novamente. Entretanto, dessa vez ela me deixou a um quarteirão de casa. O som do celular era distante, mas ficou nítido em alguns segundos. Ele estava vibrando no porta luvas. Sem cessar. Peguei ele e notei que recebi 15 ligações nos últimos 5 minutos de um número desconhecido e uma mensagem de texto. Puta. Merda. “Não brigue por mim, morceguinho.” Pisquei incrédulo e dei um zoom na foto. Era Adam. Amarrado ao capô do carro completamente destruído e sem a cueca. Qualquer pessoa diria que enlouqueci, mas nunca em minha vida me senti tão lúcido em rir observando cada detalhe da foto. Ele também foi vítima dos seus venenos. A cabeça pendia do corpo. Eu ignorava completamente a voz da razão na minha consciência e sabia que estava afundando em areia movediça sempre que encarava aqueles olhos. O quão longe ela poderia ir? Eu dirigia em puro êxtase até em casa, mas que merda eu poderia fazer? Isso tudo era no mínimo irreal, mas eu ainda ouço sua voz em minha cabeça me relembrar que não é um sonho. É real. Estacionei meu carro em casa, Zacch ainda não chegou, então me livraria dessa bronca. Assim que cruzei a porta, eu ouvi o miado despertando em cima do sofá. — Oi, minha pequena Ophélia — peguei a gata nos braços e ela se aninhou ao meu colo, esfregando sua cabeça em meu queixo. Eu tentei não sorrir ao sentir seu cheiro agarrado ao pelo de Ophélia. Ajeitei a gata em meus braços e subi até meu quarto. Infelizmente, lá o cheiro era uma brisa fraca. Deixei a gata em cima da cama e fui para o banho. Eu gostaria de me limpar sem me desfazer daquele perfume, mas fiz questão de permanecer com os curativos. Lembrar dos seus dedos ágeis tocando minhas mãos, mesmo cobertas por luvas, me arrepiava o corpo inteiro. Eu gostaria de me sentir normal ao seu toque. Sai do banho jogando a toalha sobre a cadeira da escrivaninha. Eu me sentia angustiado como nunca. Não havia chão que meus pés tocassem que me convenceria que eu estava vivendo uma insanidade. A solidão me perseguia a vida toda. No início por escolha, até que o tempo me deixou tão amargo que em alguns dias era insuportável viver dentro da minha cabeça e eu fazia questão de afastar todos. Eu era como erva daninha e tudo que eu conhecia era por completa fatalidade do acaso. Eu nunca procurei por respostas, o vazio ainda é um lugar cheio de nada, mesmo se você procurar o suficiente, ele nunca responde. Entretanto, eu não conseguia conter as muitas questões que me invadiam agora, por que eu? Por que parecia tão preciso estar de frente a ela vendo esbanjar alegria enquanto sorri como o diabo me convidando a pecar? E eu sempre voltava a esses recortes em looping, a maneira como ela mordiscava os lábios sorrindo, revirando os olhos enquanto mudava a bunda sobre a cadeira ou se inclinando jogando mil pragas sobre mim enquanto eu caia no fogo dos seus olhos. Eu entrava em estado de torpor quando, no fundo, eu deveria dizer para me deixar ir. Puxei Ophélia para perto, desfiz o laço da camiseta e a vesti. O algodão quente tocou minha pele e eu senti meus ombros relaxarem. Respirei fundo o perfume que projetava da camiseta e eu nunca me senti tão sozinho. Acariciei a cabeça da gata e ajeitei os cobertores para que ela se acomodasse comigo. Não resisti à vontade de responder à mensagem e quando menos me dei conta, já digitava no celular. “Eu levaria a culpa desse estrago, por você.” Eu era um cego, ignorando todas as bandeiras vermelhas que ela estendia porque eu me achava a pior delas, e algum dia, ela perceberia. Então, eu me agarraria em cada momento até que o tempo se deitasse sobre nós como eu agora, encarando o celular até dormir. Capítulo 12 Yulieta Eu não me lembrava que o amanhecer de St. Harlem era tão animado. O inverno não havia chegado por completo, mas a brisa da manhã era gelada a ponto de avermelhar a ponta do meu nariz, apesar do meu sangue ser gasolina incendiando meu corpo. A vibração da música pulsava tão rápido quanto meu coração. Assim que abri a porta do apartamento das meninas, conectei meu celular ao bluetooth do som e tudo começou a vibrar ao meu redor quando levei o volume ao máximo. Rodopiei dançando. Que noite linda, eu amava tanto viver. — Amaldiçoo o dia em que apresentei uma playlist de funk a você. — Lovell diminuiu bruscamente o volume da música e se foda, o som continuava em mim. Cheguei mais perto dela, dançando da pior forma. — E eu amo você. — Puxei Lovell para um beijo na bochecha e ela arregalou os olhos castanhos enquanto eu a espremia. — Por Deus, são 6 da manhã, desliga esse som — soltei Lovell e caminhei dançando até Marianelle que me empurrou em direção ao sofá. — Se arrume, vamos a um brunch — peguei meu fone no bolso e conectei no celular. — Que horas? — Lovell foi a primeira a se desesperar com o horário e eu ri soltando a música no celular e gritando para responder. — O helicóptero chega às 07:00 e exige grife, atenciosamente, senhora Lara. Assim que o nome da minha mãe chegou aos ouvidos delas, cada uma marchou em uma direção diferente. Eu poderia dizer que as 3 juntas eram as minhas mulheres favoritas. Minha mãe fazia questão de continuar presente na minha vida, sempre arranjando uma maneira de estar por perto e quase sempre era marcando de comer em algum lugar extremamente caro após gastar mais uma pancada em lojas, e meu pai fazia questão de ser o chofer e patrocinador. Eu não morava com as duas, mas tinha roupas por aqui, além de usar o mesmo número que Lovell, o que facilitava bastante na hora de escolher. Grife não era um problema, nossa condição social financiava facilmente, apesar que eu quase sempre optar pelo básico quando ia a esses eventos. Meu pai nunca me deixaria usar minhas roupas assim. Não, eu não escondia, eu preservava sua pressão cardíaca. Eu tinha um ponto fraco por roupas transparentes e ousadas, mas me regrava usar em lugares que ser filha do CEO da companhia aérea mais rentável de Nova York não importava. Passei os olhos pela mensagem da minha mãe, era um brunch beneficente em algum café no Upper East Side, os pais de Lovell e Marianelle também iriam. Tomei banho pensando no que vestir e por intervenção do calor da água, eu me lembrei de um macacão preto que havia deixado na gaveta do quarto de Lovie. Ele era de seda com um decote em V e costas nuas, ótimo para fotos. Tropecei em um scarpin que Lovell odiava e o calcei. A ponta fina combinava com o caimento da calça. Não havia tempo para lavar o cabelo, um coque com mousse e gel ia cair bem com uns brincos dourados que achei perdido nas coisas de Marianelle. Eu, precisava definitivamente de café extra forte e a porra de um corretivo nas olheiras. Peguei uma necessaire que havia deixado na gaveta da bagunça de Lovell. Até mesmo a bagunça dela era separada e mais organizada que a maioria das minhas coisas. Devolvi a cor ao meu rosto com blush e um lip oil nos lábios. Encarei meu reflexo no espelho. Eu era uma cópia da minha mãe, cabelos e olhos castanhos, a média de 1,56 de altura, mas tinha o demônio nos olhos que herdei do meu pai. Faltava uma máscara de cílios, sem dúvidas faltava. Quem diria que passei a noite toda acordada espancando um cara? Adam não colaborou muito e tive que quebrar seu nariz, eu fiquei por quase duas horas esperando aquele babaca se afastar dos amigos baderneiros e, no fim, ele ainda tentou correr de mim nas ruas escuras do centro.Para um investidor de metanfetamina, ele não conhecia quase nada do bairro que traficava. No fim das contas, era só mais um riquinho com tempo ocioso e dinheiro na conta tentando ganhar algum título nessa cidade abandonada. Deveria ter quebrado o maxilar. — Se apressem, meu pai chega em 10 minutos. — Me inclinei sobre o espelho do corredor, finalizando a maquiagem com um gloss. Marianelle já estava passando litros de perfume enquanto Lovell amarrava um lenço nas tranças recém colocadas. Assim que tudo estava finalizado, pegamos o elevador para ir até o meu prédio. Um dos motivos de não morarmos as três no mesmo apartamento, foi que o prédio delas não tinha heliporto e meu pai era complexo o suficiente para achar que carro é banal quando ele pode pilotar um helicóptero, apesar de eu julgar que era só uma desculpa para não renunciar à adrenalina, eu também amava. Talvez eu o entendesse. — Droga. Esqueci de fechar a janela, vão à frente — claramente eu estava desatenta, eu não dormi a noite toda. Contornei Lovell que subia a escada até o topo do prédio. — Precisa mesmo ir? Você vai demorar horrores. — Marianelle cruzou os braços e sua altura era desleal a minha. — Sim, Venom conseguiu escapar pela janela na última semana e a canalha da vizinha acusou ela de comer um hamster. — Alisei a camisa branca de listras verdes do conjunto que Marianelle usava. Odiava quando ela se vestia como uma verdadeira irmã dominical da quinta vara do evangelho blá-blá-blá. Abri alguns botões e o top branco ficou a mostra, bem melhor. — Volto logo. Lovell já havia subido e eu conseguia ouvir apenas o soar da sapatilha cafona de Marianelle. Como alguém tão bonita consegue se vestir tão mal usando Ralph Lauren? Isso era um crime. O segundo motivo pelo qual minhas amigas não moravam comigo é porque se recusaram a dividir o apartamento com Venom. Tudo bem, eu conheço elas há muito mais tempo, mas qual é o mal? Destranquei a porta do quarto e corri até a janela a fechando e caminhei até o segundo quarto, e lá estava ela enroladinha sobre a sombra de uma samambaia. — Oi, meu amor, eu sei que estou sumida. — Acariciei a cabecinha dela e seus olhos se abriram para mim, me partia o coração não poder levá-la comigo — volto já, se aventure apenas em casa. Voltei a afagar a cabecinha fria e escamosa e me aproximei para que sua linguinha beijasse meu rosto. Lembro claramente de quando essa obsessão se despertou em mim. Eu estava completamente entediada em um dia de verão enquanto assistia ao animal planet e desejei com todas minhas forças uma daquelas para mim. Pedi a minha mãe que repudiou veemente a ideia, mas no aniversário seguinte eu a ganhei. Sai de fininho, fechando a porta e ativando o sensor de presença das portinhas acopladas pela casa. Me lembro como hoje da euforia em abrir a caixa e vê-la toda enroladinha, me lembro também de quase todos convidados voarem para fora como a praga quando tirei a minha cobra de dentro da caixa e ela amorosamente se enrolou em mim. A festa acabou mais cedo naquele dia e eu fiquei a tarde toda conversando com ela. Uma cobra-coral preta, era tão pequena e hoje já tem quase um metro e setenta. Eu ainda não aceito que Venom comeu aquela coisa, ela vive em um quarto de mármore climatizado, a casa toda é pensada no bem-estar dela, ela nunca treparia a janela para comer um hamster. Mas eu a fechava, apenas por precaução. Subi correndo as escadas, havia demorado tempo demais, mas simplesmente não resistia a doçura dela sorrindo para mim. — Pensei que não chegaria mais. — Meu pai estava segurando a porta do helicóptero e eu corri até ele. A idade lhe caiu tão bem nos últimos anos que ele mais parecia aqueles atores que montam dragões em séries de tv. — Vamos, entre logo. Esse vento vai desmanchar o cabelo que sua mãe arrumou. — Você está um garanhão. — Estalei um beijo em sua bochecha e pulei no banco recebendo os abafadores de Lovell e me virei a tempo de ver ele bater à porta do helicóptero e sorrir. Capítulo 13 Yulieta Voltar a Nova York me relembra o porquê fomos embora. Um amontoado de novos-ricos ostentando milhares de dólares em roupas bregas e estranhas em prol de uma causa beneficente que não chega aos pobres, quem realmente precisa de algo para sobreviver. Eu invejava minha mãe pela paciência, mas essa será uma das coisas que não herdei dela, eu odeio essa mesquinharia. Querem ajudar aos pobres? Escolher governantes corretos é o primeiro passo e não oferecer brioches pelo dobro do preço em nome de holofote na primeira página do jornal. Sorri para os fotógrafos como se amasse estar lá. Idiotas de merda. — Minha filha, que saudades — fui esmagada pela minha mãe quando cruzamos a entrada, ela estava linda em um vestido vermelho e com os cabelos ondulados — ainda bem que chegou, não suportava mais ficar sozinha. Ela sussurrou em meu ouvido antes de me soltar e abraçar cada uma das meninas. Avistei a mãe de Lovell se aproximar com o cabelo black perfeitamente estilizado. — Por Deus vocês chegaram, sua mãe está na terceira taça. — O cheiro de Tia Laura chegou bem antes dela me enlaçar num abraço carinhoso, o toque do seu conjunto de seda me relembrou meu travesseiro e eu sorri me afastando dela. — Tio Max, eu vejo menos cabelo na sua cabeça dessa vez — gargalhei caminhando até a mesa onde o pai de Lovell estava sentado, ele se levantou e sorriu abertamente. — Deixei em casa Yuli, da próxima vez eu os trago — ele puxou uma cadeira para mim e eu me acomodei rindo. Esther, a mãe de Marianelle, se esticou depositando um beijo em minha cabeça e o pai dela voltou a se aproximar da mesa quando viu meu pai entrar. Jacob passou os olhos ligeiramente por mim e acenou e eu devolvi com meu sorriso mais maléfico. Eu desconfiava que o pai de Marianelle me achava o diabo e fazia questão de confirmar todas suas teorias. Ele era um cristão muito convicto. O brunch já estava rolando, mas não fazia sentido beber champanhe no desjejum e comer caramujo com limão, ainda bem que havia croissant e me servi de alguns. O discurso logo começaria. Deixei meu olhar vagar pelo salão no momento exato em que o pai de Klaus cruzou a porta cumprimentando algumas pessoas da mesa a frente do palanque, essa era reservada apenas para políticos. Meu pai exalou tão forte ao meu lado que foi impossível não o espiar através da xícara. As íris esverdeadas eram faróis de raiva fuzilando Zaiden Capulet. Suas mãos sustentavam o queixo puxando os fios loiros da barba, enquanto a outra se apoiava firme na mesa, como se ela fosse capaz de segurá-lo em sua cadeira. A mão do meu pai abandonou o queixo e se embrenhou no cabelo loiro no momento em que minha mãe pousou os dedos em sua mão, então ele se voltou para ela, que sorria, gesticulando para que os olhos dele permanecessem nela. Não era a primeira vez que meu pai alterava completamente o comportamento quando o pai de Klaus compartilhava o mesmo ambiente que ele. Nas primeiras vezes, eu me lembro de ter menos de 10 anos e meu pai tinha tanta raiva nos olhos que eu o tocava e ele nem ao menos conseguia me responder. Eu nunca consegui entender o motivo, meus pais sempre me protegiam das brigas e eu nunca via nenhum dos dois alterar a voz um para o outro. Porém, esse detalhe sempre me assombrou como algo que eu nunca saberia completamente. Cheguei muito perto de saber quando comuniquei a eles que me mudaria para St. Harlem. Meu pai levou dias tentando me convencer a ir para qualquer lugar no mundo, mas ele sabia que havia me criado como uma maldita mimada que tinha tudo que queria, e bem, eu queria isso. Então ele planejou tudo. O bairro, o apartamento com heliporto e um carro blindado que eu mal usava. Eu preferia o conforto da moto que comprei fora dos limites da lei, sem placa, sem luzes. Como uma sombra. Meu pai morreria se descobrisse que o maior motivo que me levou a mudar foi o filho do homem que perturba sua paz, mas em algum momento da vida eu teria algum defeito. Eu me lembro do momento. Era um jantar da elite nova-iorquinae eu havia bebido demais durante a tarde e minha bexiga estava explodindo quando corri para o banheiro. Apressei e assim que ia destrancando a porta para voltar eu ouvi alguém entrar. Seu grito foi a primeira coisa que chegou a mim. Eu senti minha carne sendo arrancada lentamente dos meus ossos, a sangue-frio, quando os soluços chegaram aos meus ouvidos em ondas de dor profunda. Fiquei presa na cabine do banheiro por uma hora respirando fundo enquanto ele chorava tão alto e tão incontrolável batendo a cabeça contra a parede. Algo em mim se partiu naquele dia, quando vi Klaus. E eu paralisei, pensava quantas vezes mais eu teria que chorar para ser tão quebrada quanto ele, mas seus gritos de dor me rasgavam dizendo que a eternidade não seria suficiente. Tudo em mim era inundado com as lágrimas que ele chorava, eu não conseguia ao menos me mexer, meus ossos eram gelatinas que a todo custo eu sustentava. Eu não podia desabar com ele. Mas eu era tão fraca! Meu corpo escorregou pela parede e eu não percebi que estava de joelhos, suplicando em silêncio. Foi a primeira vez na vida que rezei e a primeira vez que chorei por alguém. Eu só consegui sair do banheiro quando o irmão dele entrou e o tirou de lá, carregado ele. Lembro de voltar completamente tonta para a mesa e meu pai passar as mãos nervosas pelo meu rosto, eu estava visivelmente mal. Perguntei a ele por que a tristeza existia e eu guardei cada palavra da sua resposta “para conhecermos a real felicidade”. Conheci Klaus aos 18 anos e desde então, eu procuro por ele. Capítulo 14 Yulieta Assim que um babaca idiota subiu ao palanque e bostejou algo sobre como era importante nossa presença para ajudar os refugiados da guerra que o próprio partido causou, uma salva de palmas ecoou pelo salão, eu não acompanhei. Não havia merda nenhuma para aplaudir e meu champanhe começou a ficar doce demais para deixar esquentar. O bater de talheres e burburinhos tomou conta da sala e Zaiden se retirou tão discreto como chegou, seu olhar nunca chegava até nós ou com certeza ambos sairiam se socando como lutadores de boxe. — Vocês voltarão apenas amanhã, preparei um dia de garotas para nós — minha mãe tocou meu ombro e eu sorri, a cada dia ela se superava nisso. Da última vez nos levou para Mykonos, absolutamente do nada. Tia Laura e tia Esther sempre iam, apesar da mãe de Marianelle negar, quando chegamos lá ela virava outra mulher, outra Esther. E talvez isso seja de família. — Vamos em um Karaokê. A felicidade da minha mãe era um gritinho batendo as mãos. Mais uma taça e eu poderia considerar que ela estava bêbada. — Preciso te lembrar que nenhuma de nós passou no coral da igreja — pousei a taça sobre a mesa e Marianelle me fuzilou com o olhar. — Talvez se ao menos tivéssemos feito a audição — travei meus olhos em uma careta vesga. Ela realmente acha que chegaríamos a ser escolhidas? Eu nos protegia do “não” quando decidi invadir a secretaria naquele dia, eu tinha um ego muito sensível para aceitar perder para garotas com vestidinhos angelicais. — Conte a elas onde será, Lara. — tia Laura, sorriu largamente, ela já estava levemente bêbada. — No rooftop do museu metropolitano — minha mãe buscou os olhos da mãe de Lovell e explodiram em risadas. Minha mãe já estava bêbada. Essa era a parte vantajosa de ter um nome influente, você se associa como doador e simplesmente fecha um rooftop que não funciona à noite para funcionar só porque sua esposa quer mimar a filha e as amigas. O sistema é uma merda. Passamos o dia todo oscilando entre beber e comer para barrar o álcool, enquanto pulávamos de loja em loja. Às 19 horas estávamos tão sóbrias quanto de manhã. Tia Esther até permitiu que eu passasse um batom vermelho em seus lábios quando se encarou num lindo vestido rendado. Combinei todos os nossos vestidos em preto de seda com alguns detalhes em renda e Tio Max bateu uma foto que ficou encarando por horas. Éramos um esquadrão muito bonito de se admirar. Eu já havia ido no rooftop do museu, mas não de noite. E era fascinante como as luzes ofuscavam todas as merdas que pessoas ricas faziam por baixo dos panos. Havia algumas intervenções artísticas espalhadas e um palco montado com microfones e sistema de karaokê, além de um bar e bufê a lá carte, passei os olhos pelo cardápio e eram todos os pratos preferidos da minha mãe. Merda, quando ergui os olhos conseguiram captar meu pai sussurrando para que minha mãe chegasse em casa sem calcinha e eu me cobri com o cardápio. — Encarreguei um dos meus homens para levar vocês de volta a casa, eu vou estar ocupado — não contive o sorriso debochado, ele mentia muito bem, como eu, aliás — a próxima noite tem que ser comigo assistindo a algum filme pela milésima vez. Ele beijou minhas mãos e saiu cobiçando minha mãe com os olhos. Apressei a sentar em um dos sofás quando notei que Tia Laura marchou até o microfone e Lovell deixou o copo sobre a mesa, a melodia começou a soar e todas estávamos rindo sem que elas ao menos começarem a cantar. — Jungkook, peço antecipadamente que nos perdoe. — A mãe de Lovell se inclinou sob o microfone e com toda a classe ainda equilibrava a taça nas mãos. Lovell fazia os piores back vocals, mas Tia Laura sem dúvidas deixaria Jungkook orgulhoso de ver “Standing next to you” na sua voz doce, todas aplaudimos rindo. — Agora é a sua vez, Nelly — me aproximei do programa buscando por Shakira e selecionei “She wolf”. — Por que essa música? — Marinelle sorria, mas a expressão de dúvida era afiada demais, nem mesmo bêbada ela deixava de ser brava. — Porque vocês são loiras e a Shakira também — revirei os olhos, não era uma indireta óbvia o suficiente para que elas libertassem a loba reprimida pelo evangelho? Porém, essa especificamente era para Marianelle. Ela sustentava uma dupla personalidade cansativa que flutuava entre ser uma vagabunda que furtava e incendiava e depois se corroer pela culpa. Eu tinha a esperança de um dia ver ela aceitando seu lado rebelde sem ter que fingir o tempo todo. Todas gostamos dos episódios em que flertamos intimamente com o fora da lei, era uma adrenalina que nada seria capaz de imitar. Marianelle em ação era uma versão que não existia no dia a dia, encoberta pelas sombras ou usando minissaias ela era fatal e autoconfiante, mas tudo ficava para trás quando a noite chegava ao fim numa versão distorcida de Cinderela. Cada vez que elas cantavam o refrão, eu acompanhava dançando e no último ofereci uma dose de algo que roubei do bar. Talvez eu e o satanás formássemos uma ótima dupla. A mãe de Marianelle se soltou dançando ainda mais, num rebolado que o colaborador da igreja, sem dúvidas, acusaria como bruxaria e nós três explodimos em gritos. A próxima fui eu e minha mãe, “Alejandro” foi escolhida a dedo por Tia Laura. Eu apreciava como a minha amizade com as meninas se estendeu até nossas mães, tia Esther ainda se recusava a afundar nas ideias da minha mãe, mas Laura a abraçava, era um espírito livre, elegante e simples. Ninguém aposta que ela é responsável por quase todas as grandes curadorias de museus internacionais e que vende quadros e esculturas por no mínimo um milhão de dólares, e essa mesma simplicidade fez das duas grandes amigas. Minha mãe não veio de berço nobre, ela era aeromoça até conhecer meu pai numa história de amor de cão e gato com direito a briga em uma balada na primeira noite em que se conheceram. Sorri para minhas amigas, Lovell soluçava de tanto rir enquanto Marianelle se corava. As três estavam em cima do palco, agarradas por Tia Esther que já havia esquecido todas as etiquetas dominicais enquanto performava Hung Up da Madonna. Minha mãe já havia se desfeito dos saltos e amarrado o cabelo em um coque, ela veio até mim dançando e me envolveu em um abraço. — Vejo algo diferente em seus olhos — mães… elas sempre sabem. Sorri revirando os olhos e ela apertou meu nariz — me conte logo, venha. Ela se jogou no sofá e eu a acompanhei, as outras estavam usando o banheiroenquanto os garçons preparam a mesa com alguns petiscos. — Esse olhar me cheira a homem — gargalhei e ela segurou meu rosto encostando nossos narizes. — Ele é tão lindo que eu nem sei como reagir quando tenho aqueles olhos em mim — suspirei lembrando da noite anterior. — Meu Deus, é uma paixão completa Yuli — ela voltou a me sacudir e pousou as mãos em meu rosto.Eu senti todo carinho que seus olhos felizes me direcionaram — ele também sente isso? — Sim, eu sei que sim — afirmei com a cabeça e ela me acompanhou se agitando, não parecíamos mãe e filha, ela não envelheceu um dia sequer. — Precisamos brindar — ela se inclinou servindo duas taças e me entregou uma elevando a mão no ar — ao seu pai, que vai morrer assim que você apresentar esse homem. Oh, mãe, você nem imagina como. Espero que os exames dele estejam em dia. Sorri e levei a taça à boca. Seis mulheres com bebidas à vontade no meio da noite na porra do arranha-céu mais alto da cidade, só poderia acabar em uma perda total. Foram 6 garrafas de champanhe, 3 de Vodka e mais umas 2 de uísque? A ressaca do dia seguinte foi colossal, memorável eu diria. Principalmente olhando agora que tenho acesso às fotos da câmera de Lovell, meu deus tem uma foto das nossas mães em cima da mesa prestes a fazer topless? A dor do porre ainda lateja na minha cabeça, mas eu tinha compromisso neste domingo, espiar Klaus. Capítulo 15 Klaus Estranhamente, eu dormi mais nas últimas semanas do que em quase um ano, mesmo sendo sequestrado e desmaiado constantemente, o que é irônico. Outra mudança é a mania de deixar todas as janelas e portas abertas. Eu havia perdido completamente a noção, mas minha auto segurança nunca foi algo que realmente me importasse. Não deixei de frequentar meus lugares favoritos, na verdade, desejava secretamente que ela aparecesse e marcasse todos com a sua risada exagerada e os olhos curiosos. Joguei meu livro sobre a cama e observei a janela, o dia estava nublado. Com a noite se aproximando as ruas estavam escuras e a brisa gelada convidava a acender um cigarro, mas não aqui. Ophélia não merecia se corromper junto comigo. Espantei a preguiça e me levantei da cama buscando a jaqueta que não tive coragem de mandar lavar e me desfazer da tinta que marcava o nome dela. Desci as escadas e cumprimentei algumas funcionárias que estavam de saída. Eu as dispenso algumas horas mais cedo quando meu pai não está em casa, o que era quase todo dia. Meu irmão havia saído algumas horas antes, ele havia ficado bastante tempo longe e estava tirando o atraso de todas as formas possíveis. Manobrei o carro e dirigi até a basílica, aquele era o lugar mais alto de St. Harlem com um enorme relógio que marcava a hora alguns segundos atrasados, como tudo naquela cidade. Desde que descobri sobre o rastreador no meu carro, eu tenho deixado ele um pouco longe de onde eu realmente estou. Dessa vez, estacionei a algumas quadras de lá, eu iria a pé. Assim que sai do carro, notei algo se movendo ao redor, mas nessa área os ratos eram tão comuns quanto baratas no esgoto. Tranquei meu carro e segui caminhando. Era deplorável a situação das ruas de St. Harlem, ainda mais quando o inverno ameaçava chegar. Muitas ruas do centro eram tomadas por gangues que escoavam a droga e o caos pela cidade. Eu iria subir até o topo da basílica, mas a cada passo que dava algo se aproximava ainda mais. Até que uma mão envolveu meu pescoço e fui jogado ao chão em um dos becos que a iluminação era terrível, mas o suficiente para saber que não era ela. Uma série de socos atingiu meu rosto e eu me entreguei a dor, com meu corpo sendo jogado de um dos homens para o segundo. — Finalmente a bonequinha resolveu virar homem — o terceiro deles se aproximou rindo e lançou o pé em direção a minha boca e o impacto estalou minhas costas na parede. Levei a mão aos lábios e mesmo na penumbra sentia meu sangue escorrer e me tornar imundo novamente. Rapidamente, o ar faltou e eu me afogava sem respirar, eu estava caindo, caindo novamente naquela noite. — Parece que não, ele ainda se treme como uma égua sendo empalada — o primeiro voltou a se aproximar me erguendo pela gola da jaqueta enquanto eu tentava respirar e conter a dor que rasgava meu corpo — como você conseguiu pegar Adam daquele jeito? Seu hálito quente tocou o meu rosto e me perdi ainda mais na fraqueza do meu corpo, tentando me agarrar no que restou para conter o choro que se entalou em minha garganta, mais alguns segundos ali e eu cairia no fundo, novamente. Eu estava cansado de cair e comecei a perder o sentido quando mais um soco atingiu minha boca e tudo foi escurecendo, pouco a pouco. Como se eu estivesse sendo puxado da escuridão, uma mão pousou sobre meu ombro e um estalo soou enquanto meu corpo se chocava contra a parede. Tive que puxar o ar com força para ver o que estava diante de mim. Quando enfim consegui focar minha visão, eu a vi e o som foi o impacto do seu punho se chocando contra o rosto do homem que me segurava, agora ele estava gritando segurando a face. A garra do soco-inglês se cravou em seu olho e o sangue banhava seu rosto numa cena perturbadora. Ela avançou em direção ao outro homem empunhando em uma das mãos o soco-inglês com garras e na outra um punhal. Era como se algo mortal tivesse despertado dentro dela, socando um dos homens até que caísse, mas ela se virou a tempo para desviar do soco que receberia pelas costas, revidando com um corte que fez o homem dar dois passos para trás em gritos horríveis. Tudo ficou claro quando ele agonizou e caiu no chão. Todas as suas lâminas estavam embebidas em algum veneno. Ela era pequena, mas ágil. Ainda, sim, essa pequena insanidade a deixava letal. Virando em minha direção, tudo ganhou proporções diabólicas quando o terceiro homem investiu um soco e ela desviou se abaixando, aproveitando a posição para cravar a lâmina bem fundo no abdômen dele e, num impulso, puxou o punhal para cima o rasgando até o peito. Ele cambaleou para trás e caiu tentando segurar entre os dedos trêmulos, as vísceras que se derramaram para fora do corpo jorrando sangue. Porém, ainda assim ela avançou sobre ele, pisando com suas botas por cima do amontado de intestino que escorria do corpo, ela desferiu socos incansáveis. E não parava. Ele já não se mexia, mas ela continuava socando e desfigurando a pele do rosto dele com as garras afiadas do soco-inglês. Eu assistia tudo sem me lembrar como respirar, o sangue e a dor eram espectadores junto comigo quando o último homem que restou conseguiu se colocar de pé sacando a arma. Ela estava de costas, mas se virou com um movimento tão rápido que parecia sobrenatural e atirou o punhal em direção a ele acertando exatamente o segundo olho que havia sobrevivido ao soco. Quando enfim parou, as mãos penderam ao lado do corpo e o soco- inglês quase escorregou por seus dedos. Ela parecia ter se jogado em um balde de tinta vermelha e respirava tão rápido que em meio às sombras eu conseguia ver seu corpo remexer rapidamente. Continuei ao canto observando-a ofegar, afastando alguns fios de cabelos que grudaram no sangue do pescoço, mas quando se virou, eu me amaldiçoei. Seus olhos brilhavam mais intensos que nunca e havia algo de hipnotizante em toda aquela violência. Ela marchou até mim segurando firme o soco-inglês entre os dedos. — Por que não se defendeu, caralho? — A doçura havia sumido da sua voz, era um grito frio e rasteiro, como uma cobra. Ela avançou em minha direção me arrastando pela camisa me obrigando a ficar de joelhos ou cairia. — Você é meu, ninguém toca em você — a mão ensanguentada me puxou em sua direção e me apoiei em suas botas, sendo engolido pela escuridão dos seus olhos a cada palavra — ninguém toca em você. Eu não conseguia falar, não poderia. Ainda mais com aqueles olhos tão vermelhos quanto o sangue que começava a secar em seu rosto. Ela notou que eu havia começado a me agitar e soltou minha camisa. Eu caí aos seus os pés, ainda de joelhos. Sua mão se recolheu depressa como se houvesse recobradoa consciência e piscou rapidamente antes de se aproximar novamente. Dessa vez, não me encarou e tentou limpar as mãos num lenço que sacou do bolso e tomou meu rosto, analisando. — Te machucaram, morceguinho? — ela se ajoelhou na minha altura e sua mão afagou minha bochecha — Algo está doendo? O toque carinhoso me empurrou para mais perto da dor que esmagava meu peito e eu neguei com a cabeça, completamente rendido e hipnotizado por seu toque. Eu não suportava mais o peso do meu corpo e escorreguei até seus braços me envolverem. Eu me sentia frágil. — Você está machucado, venha, me deixe limpar esse corte em sua boca, sim? — sua mão pousou delicadamente sobre meu queixo o limpando e deixei que minha cabeça repousasse em seu colo — Eu não tenho nada aqui além desse lenço, deixe-me levar você embora? Voltando a erguer meu rosto em direção ao seu e assenti silenciosamente como um cachorro dócil, ignorando completamente a carnificina que havia acabado de presenciar. Ela parecia ler minha mente naquele instante e passou a mão delicamente pela minha cabeça afastando meus cabelos e pensamentos, se colocando de pé. Ela estendeu as mãos enluvadas, me levantei e o peso voltou. Minhas costas ardiam, mas ela rapidamente me ofereceu apoio. Ela me levou até meu carro que estava estacionado não muito longe e me acomodou no banco do passageiro, deu a volta e no processo tirou uma das luvas de couro pegando um celular e levando a orelha. — Preciso que limpe uma merda para mim. Tenho algo mais importante para cuidar. Ela guardou rapidamente o celular no bolso e entrou no carro, sem demora deu partida. Eu era algo importante? Capítulo 16 Yulieta Dirigi o mais rápido que pude, tentando em vão não chacoalhar muito o carro já que a cada lombada e buraco ele gemia de dor. Eu não havia recebido nenhum soco, mas ele estava em cacos, alguns menos aparentes. Porém, a distância do seu olhar me preocupava ainda mais. Eu estava o observando desde que o rastreador avisou da sua movimentação, quando cheguei perto o suficiente ele já estava sendo socado. Aqueles homens não eram estranhos para mim, eu os conhecia. Eram alguns idiotas que trabalhavam para gangue que Adam tentava a todo custo manter com o dinheiro do pai, que não sabia da nojeira. Eu nunca compreendia qual era a necessidade em continuar andando com esses imbecis. Assim que Adam despertou, amarrado ao capô do carro estraçalhado com aquela minhoca que ele dizia ser um pau para fora, foi um escândalo. Porém, eu coloco o débito do linchamento virtual apenas na conta dele. Ele não era uma pessoa muito querida e o pinto pequeno foi apenas a cereja do bolo. Eu esperava que ele responsabilizasse Klaus pelos acontecimentos, mas nunca imaginaria que ele aceitaria a surra sem revidar. E eu me ceguei quando vi o pânico estampado em seu rosto, sem que conseguisse ao menos respirar decentemente, à beira de um desmaio, e perdi o controle. Novamente. Eu me banharia no sangue daquele porco. E nunca seria o suficiente, você sabe. Afastei a lembrança sacudindo a cabeça. Eu não deveria voltar a pensar nisso, então me concentrei em estacionar o carro. Eu havia levado ele para o casebre no parque florestal. Bom, ele sabia o caminho agora, mas e daí? Eu havia estripado um homem na frente dele agora a pouco, acho que estamos íntimos. Sai do carro primeiro e dei a volta para ajudá-lo, contudo, ele se recusou e andou sozinho, ainda mancando. Destranquei a porta e assim que passou, voltei a trancar, eu teria que manter o mínimo de precaução. Tentei ajudá-lo a se sentar, mas ele foi ríspido e rápido desviando de mim e se sentando no puf. A caixa de curativos estava no mesmo lugar, aos pés do puf, no entanto, saí buscando outra, a de venenos. Os episódios passaram a ficar mais sérios conforme eu e as meninas começamos a viver a noite e adotamos alguns codinomes. Eu me apeguei aos venenos logo após ganhar Venom. Vivi o luto por ela não ter presas para envenenar alguém, então entramos num acordo: ela mordia e eu envenenava. Caminhei diretamente até onde eu sabia que estaria minha maleta com todas as drogas possíveis. Sua respiração não se estabilizou desde aquele momento, isso começou a me perturbar e eu já sabia o que poderia aplicar para ajudar nisso. Na volta, bati a mão no interruptor e o olhar que ele lançou sobre mim foi o suficiente para estremecer meu corpo e para não querer encará-lo. O sangue que escorreu de sua boca manchou a camiseta e se grudou nos cantos. Havia tanta dor naqueles olhos que nem todas as drogas do mundo poderiam silenciar. Deveria ter demorado um pouco mais com aqueles filhos da puta. O cansaço queria tomar conta dos meus braços fadigados, mas eu tinha que limpá-lo. Eu queria. Voltei a cadeira para sua frente e me sentei deixando a outra maleta no lado oposto. Seus olhos estavam perdidos e não se focaram em lugar algum, vagavam enquanto as mãos estavam cruzadas à frente do corpo. Dei um chute na maleta e ela se abriu, peguei um frasco de álcool e destampei, oferecendo um pouco a ele. Klaus me olhou nos olhos e novamente eu desviei. Ele estava desmoronando na minha frente. Depositei o álcool em minhas mãos e espalhei deixando que o ardor dos cortes feitos pelo soco-inglês me levasse para longe. Coloquei um par de luvas e depositei um pouco de álcool na palma das mãos. Estiquei a mão em sua direção, seus olhos se fecharam quando ele descruzou os dedos e me entregou as mãos. — Ótimo, os cortes estão secos — retirei seus anéis e espalhei o álcool pelas mãos. Em todo esse tempo o observando notei que com certa frequência, quase metódica, ele passava álcool nas mãos — afinal, seu sangue não é tão ruim. Sorri com a minha piada, mas ele continuava encarando os pés. Peguei um lenço e limpei o sangue que se dissolveu com o álcool e aproveitei para limpar meu rosto ensanguentado, eu odiava como eles sangravam tanto. — Vou me aproximar um pouco — havia um corte no canto dos lábios e alguma coisa sangrava por baixo da blusa — tira a camiseta. Ele me olhou como se ponderasse a minha aproximação, mas cedeu respirando fundo tentando tirar a jaqueta. Rapidamente, me levantei para ajudar e depois dei as costas me distanciando para guardar a jaqueta. Eu faria questão de limpar mais tarde. Quando coloquei a blusa sobre a cadeira e me voltei em sua direção, travei. Eu nunca havia visto ele sem camisa e as camadas de roupa às vezes impediam de ver quantos músculos era capaz de esconder. Klaus malhava como se maltratasse o próprio corpo com cargas altíssimas, mas o vidro fumê daquela academia insalubre era um véu me impedindo de chegar a glória de vê-lo sem camisa e molhado de suor. Porém, a visão que me agraciou agora foi um soco e me equilibrava engolindo em seco para não cair em cima dele. Machucaram ele, eles conseguiram machucá-lo. A raiva disputava espaço com meu subconsciente, alternando entre relembrar a pressão da lâmina mutilando os músculos daquele porco e resistir aos olhos nervosos dele. Eu me sentei na cadeira ainda olhando cada parte daquele corpo. Eu teria que tocá-lo. Sem passar nenhum limite. E isso foi o empurrão que faltava para me colocar em êxtase novamente, maldito perigo. — Vou… — Ele está completamente refém de você. Minha respiração era pesada demais e minha imaginação traiçoeira me levava a lugares distantes demais. — Eu preciso que venha mais para perto. Novamente, estávamos respirando em completo desespero, mas ele bufou e sacudiu os cachos loiros. Os ombros contraíram à medida que ele apoiou os cotovelos sobre os joelhos se aproximando de mim e eu amaldiçoei a maldita luz amarela que espelhava seu corpo, me roubando o pouco de fôlego que restava, secando a minha boca. Se mexa, faça algo. Peguei um dos lenços antissépticos, me apressei limpando o sangue que escorreu do pescoço e o desenho da cobra voltou a aparecer. Seu peito estufava sobre mim e eu pensava no meu pai vestido de elfo, em Lovell bêbada passando batom pelas paredes ou em qualquer coisa ridícula para não prestar atenção em como estávamosmiseravelmente perto. Sinta o ar quente, ele precisa de atenção. Hesitei em tocar sua boca, mas respirei fundo e Klaus rosnou apertando os olhos. — Tente não se comportar como uma vadia e isso será mais fácil — inclinei a cabeça e sorri. Eu tinha uma queda ao ver ele me chamar assim. — Você definitivamente não me viu sendo uma vadia. — Seus olhos estavam fixos nos meus, mas eu sentia apenas meu coração bater aos ouvidos. Ele também está perdendo o ar, ele é tão perverso. — Tente me mostrar. — Ele avançou sussurrando sobre mim e eu gargalhei me aproximando dos seus olhos. — Não me peça isso, morceguinho. — Era um duelo, empurrando para ver qual dos dois cairia primeiro — Você não tem a mínima noção de até onde eu iria, hoje foi apenas um deslize. Eu posso ser muito pior. — Isso não me assusta. Você, não me assusta. — Sua voz era firme como nunca ouvi, e eu analisei seu rosto onde despontavam os vergões que sem dúvidas ficariam roxos. Machucaram ele. — Eu não quero voltar a ver você andando com aquelas pessoas — me afastei dele e desviei meus olhos, eu não queria que ele sentisse minha raiva, mas o som da sua risada me fez voltar a encará-lo — Isso parece engraçado? Recuei, queria entender que diabos passava naquela cabeça perturbada, pressionei o vergão roxo em sua barriga e ele revirou os olhos se inclinando em minha direção. — Eu vou repetir pela última vez — voltei a atenção até sua boca e limpei delicadamente olhando em seus olhos — não quero ver você dividindo o ar com aquelas pessoas, e se for o caso, espero que esteja sobre eles tirando o máximo de sangue possível. Você é meu agora, e o que é meu não se rende. Seus olhos encontraram os meus, mas era tarde demais, as lembranças dele levando socos sem ao menos recuar me invadiu e eu busquei sorrateiramente a seringa picando mais uma vez seu pescoço e ele não relutou, como nunca fazia, e caiu em sono profundo. Capítulo 17 Klaus Quando despertei em minha cama debaixo das cobertas, senti uma pressão esmagando o meu peito. O maldito vazio e o cheiro dela. Estranhamente, meu corpo não doía tanto. Levantei e me deparei com Ophélia me encarando, seu rabo flutuando. Sabia que ela estava me julgando, eu sou mesmo um completo fracasso. A gata ronronou, se pondo a andar e me dando as costas. Acho que ela também se cansava de mim um pouco a cada dia, então sempre deixava a janela aberta para ir embora quando eu não fosse mais suportável, mas ela nunca ia. Ophélia tinha 3 anos e era a coisa mais eterna em meus 22 anos. Apoiei na cama olhando ao redor, ela não havia deixado nada além do seu cheiro, que resistiu a todo o sangue daquela carnificina. Eu me sentia extremamente sujo apesar de nada aparente. Não sei se ela havia me dado banho e a ideia de usar as mesmas roupas íntimas de ontem me deixava inquieto. Tudo era contraditório, como sempre são, estar limpo e me sentir sujo. Parei de frente ao espelho encarando meu reflexo. O corte no lábio estava seco e com certeza cicatrizaria mais rápido do que todas as outras vezes em que limpava o sangue com álcool. Eu estava de camisa e a levantei para ver os vergões roxos que ultrapassavam a fina camada branca. Dedilhei os hematomas e relembrei suas mãos trilhando meus machucados enquanto os olhos ardiam em raiva, era uma dor que me socava o estômago. Ela era um paradoxo agridoce, um iceberg no deserto. Eu me afogava em migalhas de carinho como um peregrino lançado à própria sorte, um cão esfomeado me saciando de qualquer pouco que me sobrasse. Desisti de me encarar no espelho e fui até o banheiro, liguei a água no máximo e me desfiz das roupas buscando uma bucha. Esfreguei, como se pudesse apagar de minha própria pele os hematomas ou até mesmo a vergonha que se escondia em cada poro. A água rolou por meu corpo carregando o sabão e ainda me deixando sujo. Inútil, sonhador de guerra, completamente sujo. Esfregava com tanta força que o cansaço voltou me arrebatando, eu estava tão cansado. A água era ardente, avermelhando os arranhões da bucha e ergui a cabeça para lavar essas lágrimas inúteis. Procurei pelo shampoo com as mãos trêmulas. Eu queria sair logo desse banho então me apressei, ensaboei o que pude dos cabelos e me enrolei na toalha, eu iria voltar e dormir, até esquecer. Minha pele estava completamente sensível ao toque e o simples roçar da toalha me incomodava. Enfiei na calça de moletom e em uma camiseta deixando a toalha jogada de lado. Eu precisava urgentemente dormir. Deitei e acomodei Ophélia, mas o sono não veio. Ela me deixou às duas da manhã em casa, e eu dormi três dias depois. Capítulo 18 Klaus Acabei com tudo, eu sei que sim. Eu a decepcionei e falhei. Ela não voltou por duas semanas. Duas semanas longas em que eu desconfiava da minha sombra. Repassei nossa última conversa, eu tinha mais motivos para querer que ela ficasse longe. Não era o que acontecia. Não sobrou nada. O seu cheiro não resistiu em nada, e as lembranças é tudo que me resta. Estranhas lembranças. Adam me encarava com desdém e eu me perguntava se ninguém o contou sobre seus amigos. O resto deles ainda me perseguia como urubus. Eu tinha o típico histórico de alguém que imbecis como eles acham legais. Porém, eles se enganam em achar que minhas passagens pela polícia eram pura rebeldia. Eu sempre era pego tentando afastar esses vermes de mim. Não havia nenhuma regalia em ser filho do prefeito, não mudava nada. Eu a obedeci, me mantive afastado. Eu os evitava, como se pudesse sentir o olhar dela me fuzilando. Porém, ela continuava sem aparecer. Como um castigo. Seguia a vida da maneira monótona de sempre, entre algumas poucas aulas e outras cabuladas na biblioteca enquanto eu a sentia a me espiar dentro da minha cabeça. Talvez, o acontecimento da nossa última noite tenha sido muito perigoso para ela, ironicamente. Eu já tinha visto homens morrerem, mas nunca daquela maneira. Como se fossem meros papéis sendo rasgados ao meio. E apesar de já ter presenciado muito sangue na vida, a ver no fervor da raiva, mutilando homens, foi diferente. Era algo carregado de insanidade e raiva. O terror daquele momento não me atingiu, mas a vergonha era uma dor latejante que sempre me relembrava do ódio em me ver tão prepotente apanhando. Queria poder contar que eu não me importava. Eu esperava que isso algum dia me levasse embora, então dava sorte ao azar. Porém, nem mesmo era digno de ter sorte no azar, a não ser por Torrie que me cercava a mais de uma semana e nesse momento caminhava em minha direção. Odiava a biblioteca da faculdade. Elevei o volume da música e levantei meu livro, ela seria tão burra de me interromper? — Oi, Nik — sim, ela era tão burra. Não havia como a ignorar, ela havia afastado meu fone e eu olhei lentamente em seus olhos claros, nenhum deles me olhavam enérgicos como os dela — você vai na Marq hoje? Ela se debruçou sobre a mesa e algumas mechas de cabelo ruivo voaram pelo meu rosto. Queria que eu encarasse seus seios, mas eu já havia me afundado entre eles o suficiente para seguir esse comportamento imaturo. Voltei a encarar o livro, levei um dedo aos lábios e folheei a página. Ela suspirou alto e inclinou ainda mais. — Vamos, eu estou com saudades — seu hálito quente foi sussurrado em minha orelha — você anda distante, precisa voltar para nós. Um relâmpago cortou meus pensamentos e uma ideia surgiu em minha cabeça. Joguei o livro na mesa, tomei o rosto dela que estava se distanciando lentamente e trouxe em minha direção. Perto o suficiente para ela sentir o carinho da minha respiração em seus lábios. — Sim, eu preciso voltar, não é mesmo? — meus olhos buscaram em volta, havia muitas pessoas para presenciar — me espere lá, ok? Acenei com a cabeça e ela me acompanhou sorrindo quando soltei seu queixo. Observei ela caminhar para longe enquanto retornei a segurar o livro, mas eu não lia. Eu fingia. Ela apareceria, eu tinha certeza. Li a tarde toda na biblioteca da faculdade até que o relógio marcou as 18:00. Eu busquei Misery paraler e mergulhei tanto que mal notei o tempo passar. Joguei o livro na bolsa e saí de lá, passaria em casa para tomar um banho antes de ir. Cheguei em casa e subi tentando agilizar o tempo me arrumando. Tomei banho o mais rápido que consegui, mas eles sempre demoravam, eu me ensaboava cinco vezes, ou ainda me sentiria sujo. Apressei em vestir uma calça jeans preta e uma camiseta branca, jogaria a jaqueta por cima, ainda rabiscada, e meus cabelos continuariam molhados. Eu queria chegar cedo, para ir embora rápido caso ela não aparecesse. Eu nunca gostei verdadeiramente de estar lá. As poucas coisas que gostei verdadeiramente estavam mortas, elas não existiam mais. Dei um beijo breve em Ophélia e desci correndo as escadas, assim que entrei no carro mandei uma mensagem avisando ao meu irmão que estaria na Marq. Ele também odiava as minhas companhias e sabia que aquela balada era um covil de traficantes. Zaccheo me respondeu dizendo que passaria por lá, guardei o celular, manobrei o carro e sai com ele. A balada ficava no centro deserto da cidade, não demoraria a chegar. Dirigi até que o celular vibrou descontroladamente sobre o painel. Aproveitei um farol fechado e o peguei, desbloqueando-o. Era um número desconhecido. “Dê meia volta.” Assim que visualizei essa mensagem, outra piscou na tela. “Agora!” O jeito inquisitivo denunciava que era ela, e um sorriso cruel puxou meus lábios enquanto eu digitava. “Eu facilitei demais a sua vida nos nossos últimos encontros, morceguinha.” Estava enlouquecendo, conseguia ver ela lendo essa mensagem enquanto revirava os olhos sorrindo. “Não me desafie!” Prendi os lábios entre os dentes, eu era patético. Encarei o sinal verde e sorri largamente jogando o celular sobre o painel após digitar: “Eu te desafio, me encontre.” Afundei o pé sobre o acelerador e o motor me encorajou, eu dirigia um Porsche por algum motivo, a imprudência. Capítulo 19 Klaus Assim que cruzei o portal do inferno, que eles chamavam de balada, eu me lembrei porque evitava lugares assim, a luz era extremamente baixa. A não ser pelos pontos de luz que iluminavam apenas ambos os palcos laterais e o central onde algumas bailarinas dançavam em noites especiais, o resto era penumbra para encobrir o rosto dos homens que vinham se banquetear das meninas que vagavam pelo salão, muitas menores de idade. Contornei uma garota loira que tinha no máximo 16 anos, mas ela se jogou em cima de mim já que eu era um rosto conhecido por todos. Não pela frequência que vinha aqui, mas por ser filho do prefeito. Atravessei a balada até o fundo. A única pessoa que prestava no meio de tanta imundice era Alex, o DJ que tocava para sobreviver e tentar manter sua irmã de 15 anos na clínica de dependência química. Em St. Harlem, pessoas pobres tinham dois destinos: morrer de fome ou morrer de drogas. Uma campanha financiada pelas gangues que comandavam cada beco e, por vezes, entravam em guerra destruindo tudo ao redor. E a irmã de Alex foi uma dessas vítimas, os homens tinham um gosto asqueroso por crianças, então se serviam delas alimentando com drogas até que elas passassem da idade e eles jogavam na rua como se descarta uma bituca de cigarro que já queimou o suficiente. Aproximei e ele me cumprimentou sorrindo. — Pensei que tivesse esquecido esse lugar — o tom descontente da sua voz era nítido apesar da felicidade genuína em me ver. Ele é um dos poucos que conhece algo sobre mim por simples acaso. Os 6 anos a mais que ele tinha valiam a maturidade. Balancei a cabeça e me sentei em uma das banquetas do bar que era ao lado da mesa do DJ. — Eu não esqueço dos meus amigos. Recostei observando a balada, as pessoas eram sombras quase nítidas. O volume aumentou repentinamente e o estrondo da música me fez cambalear. O som estava no máximo e eu estava perto demais para sentir a música dentro de mim. — Que porra de música é essa? Diminui isso, cara. — Eu reconhecia aquele toque, era Lady Gaga. Alguns uivos chamaram a minha atenção. Puta que pariu. Lá estava ela em cima do palco central. A luz baixa iluminava sua máscara e fazia dela uma cúmplice das sombras, erguendo as mãos num gesto suave até o pole dance. — Desliga essa porra. — A introdução da música havia parado e batida levava seu corpo a dançar enquanto seus lábios acompanhavam a letra. A fúria incontrolável que acendeu por meu corpo borbulhava o sangue em minhas veias — Desliga essa merda, caralho. — Não dá cara, minha mesa travou e o computador também. Não sei o que aconteceu. Como se pudesse ouvir sua resposta, ela se virou para mim e seus olhos brilhavam como faróis. Ela sorriu dançando ainda mais. Dessa vez, sua roupa era mais apertada e com alguns detalhes nos seios em um decote provocativo pra cacete. Mostrando demais morceguinha. Apertei meus olhos tentando conter meu desespero. Ela dançava diabolicamente entre rebolar e travar o pescoço me encarando e minha mão começava a pesar sobre a cadeira. Eu não gostava de todos aqueles olhos sobre ela. Os gritos eram mínimos em relação ao volume da música, mas eu sabia o que eles gritavam e minha raiva bombeava sangue demais. Tudo escureceu quando ela se agachou no chão e começou a engatinhar lentamente, ainda me encarando. Eu observava o diabo em seus olhos escuros, ainda assim eu era uma pedra tensionando cada parte do meu corpo que ardia nas chamas daquele olhar infernal. Cada toque do seu joelho sobre o chão era lento e provocante até que a batida explodisse e ela deslizasse o quadril num ritmo sensual. Era hipnotizante. Ela desviou seu olhar do meu e sorriu avançando em direção a um homem à sua frente, ergueu o queixo e inclinou para que ele tocasse seu rosto. Quando a mão dele subiu ameaçando tocá-la, uma onda de ódio tomou conta do meu corpo. Eu sentia a raiva derreter meus ossos. Ninguém colocaria as mãos sobre ela. Não enxergava mais nada. Estava cego e sem pensar passei a mão pelo coldre buscando a arma que havia ganhado de Zaccheo, mas raramente usava. Atirei na luz mais perto de nós. Alguns que estavam próximos correram, mas o barulho do tiro não conseguia ser maior do que o show de Blood Mary que sacudia as paredes da boate. Quando me voltei para ela, seu olhar fervilhava luxúria e aquele sorriso travesso brilhava. O homem que antes estendia a mão até ela estava caída no chão gritando, mas seria impossível ouvir, apenas ver que tentava estancar a mão que jorrava sangue. Ela continuou dançando, com seus olhos em mim, se aproximando de mais um homem à sua direita. Ele chega a tocar o queixo dela e eu estouro mais um tiro, a vadia gargalhou passando as mãos pela bota no ritmo da música agarrando um punhal e graciosamente jogou sua mão em direção ao rosto dele rodopiando na batida. Ele caiu sobre o sofá segurando o rosto enquanto convulsionou. A música ensurdecedora e a pouca luz são cúmplices, encobrindo suas vítimas, ela se afastou ainda dançando para o único canto do palco que ainda recebia luz. Eu caminhava rapidamente enquanto atirava em cada luz dessa merda até que a boate estivesse apenas iluminada pelas luzes coloridas e que ela sumisse diante de todos. A diversão dela era nítida, cantarolando a música, rebolando no ritmo de cada tiro completamente, insana até que eu estivesse a observando de baixo, enquanto ainda dançava me olhando, naquele momento o show era apenas para mim. Esqueço rápido que estou com raiva dela, quando a batida da música explode e ela continua a dançar. A maneira como eleva as mãos e me encara como uma cobra sibilando a presa para o bote, toda raiva que me deixava respirando como um demônio se dissolve em fogo nas veias. Meu corpo tensiona ainda mais e minha boca seca, ao mesmo tempo que encaro seus lábios, que me assombraram nos sonhos por muitas noites. Cada movimento dos lábios me convidava, eu já não estava em posse do meu corpo quando subi naquele maldito palco e roguei uma praga sobre mim beijando sua boca. Capítulo 20 Yulieta Sinto que estou presa em uma caixa afundando mar adentro. Esse lugar é abafado, a calçame aperta e eu imagino aquelas mãos em mim. Esmagando meu corpo como essa calça está fazendo. Eu sabia que ele viria, então me apressei chegando mais cedo e preparando tudo. Eu odiava ser desafiada, porque eu era levada por dois pecados: o ego e a luxúria. Meus relacionamentos não duravam mais que uma semana. Eu era empolgante demais e quando o perigo cruzava meu caminho me via movida pela luxúria, como agora. Pequena. A arma é infinitamente pequena nas mãos dele. Klaus sabia muito bem usar uma arma e estar no meio dos tiros me fazia dançar para espantar o calor. Nenhum filho da puta chegaria a me tocar verdadeiramente. Eu estava aqui apenas para provocá-lo, então levava meu punhal para afastar esses drogados de merda. Havia tanta metanfetamina no corpo desse idiota, que ele não sentirá seus dedos sendo ceifados com a lâmina embebida em veneno. A ricina começaria a corroer o que sobrou dos seus dedos até que a estricnina finalizasse por mim, com convulsões lindas e incontroláveis. Eu amava ver seus músculos se contorcendo enquanto o local escurecia como a noite, era uma arte. Infelizmente a pouca luz dessa pocilga me impedia de assistir e eu precisava dançar. Eu tentava a todo custo e não conseguia me concentrar nos movimentos quando os olhos dele irradiavam ciúmes. Eu te achei, morceguinho. Aproveite a visão. Isso o enfurecia e Klaus era a definição perfeita de demônio quando me surpreendeu e começou a atirar freneticamente andando em minha direção enquanto eu me entregava ao calor da luxúria. Eu não aguentava mais resistir e me aproximei um pouco de Klaus inclinando até que meu hálito serpenteasse seu rosto. Rapidamente, senti meu corpo sendo tirado do chão enquanto meu ar ficava preso na garganta. Klaus me ergueu até que eu estivesse com os lábios colados nos seus. Um beijo desengonçado. Ele bate os dentes com os meus e sinto que vou me sufocar se continuar a receber seus lábios me engolindo. Eu o afasto e ainda vejo ele se distanciando com os olhos se abrindo lentamente, lançando mais uma onda de luxúria sobre mim e jogo minha boca contra a dele. Posso sentir que ele está perdendo o ar tanto quanto eu, é pura urgência. Percebo sua confusão e deslizo a língua sobre sua boca guiando como realmente deveria ser. Beijá-lo nessa insistente falta de ar por conta do desespero dele está sendo a melhor coisa do mundo, mas o toque da música me tira do transe e me afasto bruscamente. — Diga aos seus amigos para saírem daqui — minha voz falha e eu tenho que puxar o ar mais do que o normal — eu chamei a polícia. Se antes ele já respirava como um demônio, então eu sentia com força sua respiração em mim. Ele não soltou meu rosto e agora me olhava petrificado. — E você deveria correr, eu coloquei bombas aqui — dou um passo para trás e suas mãos se largam do meu rosto como se percebesse o que havia acabado de fazer — não me desafie novamente, morceguinho. Seus olhos pulsaram quando ele inclinou a cabeça, eu continuei dançando para longe lançando um beijo. Talvez eu esteja louca, mas ele sorriu para mim? Não tinha tempo, apressei meus passos quando enfim as sombras me encobriram. A porta dos fundos me levaria até o carro de Lovell estacionado lá fora. Mas assim que cruzei a porta me aproximando observei Marianelle sair do carro. — Zaccheo chegou e entrou — vejo ela passar por mim e caminhar até o estacionamento que ficava perto. A loira se agachou pegando a faca da bota e cravou fundo, arrastando a lâmina e furando um dos pneus da moto dele. Ela correu até nós, mas parou em frente a porta do carro encarando o vulto que surgiu da portinha dos fundos que usei para escapar. Os olhos de Zacch chegaram tarde demais, mas se cravaram no carro. Por pouquíssimo tempo. Assim que Bloody Mary chegou ao minuto 4:04, o calor das bombas sibilou até nós e uma cortina de fumaça encobriu Lovell enquanto acelerava com o carro. Capítulo 21 Yulieta Ficamos nós duas voltadas para trás encarando o vidro. Marianelle completamente encantada pelas chamas e eu pela cara de horror daqueles idiotas correndo de dentro da boate, alguns ainda tentavam abotoar as calças. Lovell havia hackeado o sistema de música e linkado com as bombas remotamente. O cronômetro era a música e enfim tudo foi pelos ares. Não era de grande impacto, causaria apenas um incêndio. — Gostaria de ficar para ver qual mentira a polícia iria usar para explicar como aquela imundice explodiu — voltei para frente e apoiei um dos pés na divisória do banco — ainda acho que deveríamos ter usado bombas mais efetivas. O olhar de Lovell cruzou o retrovisor em minha direção. — Trinitrotolueno é perigoso demais, Yulie — revirei os olhos quando Marianelle voltou a se sentar quase soletrando o nome científico de TNT. Ela estava guardando o celular que com certeza tinha tirado uma foto já que mantinha uma pasta de todos os shows pirotécnicos que ela já causou. — Por que tem sangue nas suas botas? — Lovell diminuiu a velocidade e eu puxei meu pé rápido. Não estava no plano esfaquear pessoas. — Poderíamos sair. Senti o olhar das duas cruzarem até mim, eu tinha muita adrenalina no corpo para dormir às 1 da manhã. — Você vai voltar conosco, eu deixei muito claro que só participaria disso com a condição de voltarmos todas para casa, e porque odeio o submundo do crime. Espiei pela janela enquanto a voz de Lovell ficava distante para mim. Estávamos cortando caminho por alguns becos e vielas desabrigadas. Havia lugares em St. Harlem que pareciam abandonados por deus e jogados à própria sorte. Nada funcionava, nenhum poste de luz, o que dava a vantagem para ela poupando muitos minutos e sempre ajudando na fuga. Caminhe para o norte e ache lugares tão ricos que a paisagem vale mais que mil cortiços no leste da cidade. O metrô em cacos ameaçava cair toda vez que passamos por debaixo da ponte dos trilhos. Havia muitos segredos escondidos entre galpões e armazéns desabrigados em torno do porto, segredos que conhecemos o suficiente para ficar longe. Porém, Klaus insistia em viver cercado desses problemas, ele tentava a todo custo ser um deles e isso era difícil de acreditar. Puxei a balaclava do rosto e notei que Marianelle ainda estava perdida, olhando pela janela. Eu nunca entendi qual era o real envolvimento dela com o irmão do Klaus. No início, achei que fosse apenas cumplicidade, mas não, eu enxergava o reflexo do fogo nos olhos dela quando algo sobre ele surgia, uma obsessão cega, e nós sabíamos bem como ela era hipnotizada pelas chamas. Dei um leve toque em seu braço e ela despertou me olhando e sinalizei para tirar a balaclava. Mais alguns quarteirões e chegaríamos a um loft que alugamos para guardar o carro e a minha moto clandestina. Lovell havia se desfeito da máscara bem antes, eu sabia do seu desconforto sensorial principalmente após algumas horas em contato com o tecido. Deixaríamos o carro aqui e iríamos a pé até a avenida onde alguns outdoors eletrônicos eram a única merda que oferecia um pouco de luz e mostrava anúncios patéticos que disfarçavam casas de apostas. Assim que Lovell estacionou, eu e Marianelle descemos. Joguei uma mochila que sempre usamos sobre o capô do carro e puxei o zíper revelando nossas roupas. Marianelle foi a primeira a se desfazer das calças e da blusa em preto, jogando um vestido longo e florido pela cabeça e soltando os cabelos loiros. Fui a segunda, apenas trocando a calça por um short e colocando um sobretudo por cima. Lovell foi ágil jogando uma camiseta de botões sobre a blusa preta e trocando a calça por uma saia jeans. Ajeitei as roupas na mala e a fechei jogando no porta-malas, enquanto Marianelle abria o portão do loft abandonado para Lovell, que já estava no carro dando marcha para entrar. Quando ela estacionou e saiu, Marianelle voltou a descer o portão, eu já desenrolava o fio do fone e conectava no celular. Marianelle pegou os óculos escuros da bolsa enquanto Lovell ajeitava a mochila sobre os ombros. Assim que o bip do alarme eletrônico soou, garantindo que tudo estavae eu agradeci a Deus que seus olhos já não estavam mais em mim — Cuidado, garotinhas não deveriam brincar em lugares escuros. Suas últimas palavras foram envolvidas em fumaça e sopradas calidamente sobre meu rosto. — Siga seu conselho da próxima vez, morceguinho — me inclinei sobre ele e deixei que minha voz rasteira se transformasse em uma risadinha enquanto eu injetava uma seringa de Fentanil na sua jugular que saltava para fora do pescoço, implorando pela picada de 0,1 mg. Seu olhar faiscou por alguns segundos antes de vacilar lentamente e seu corpo escorregou pelo capô do carro. Aproximei meu ouvido do seu peito checando se havia realmente calculado a dose certa. Terei uns bons minutinhos até ele alcançar a completa inconsciência e aproveitei seu estado letárgico para enfiá-lo no assento do passageiro e amarrá-lo ao banco do carro. Yulieta St. Harlem era um distrito de Nova York localizado a menos de 60 km de distância da capital; um recanto que a globalização hostil não conseguiu destruir, o oásis onde a elite nova-iorquina decidiu viver para se livrar do trânsito caótico do centro. Havia muitos lagos envoltos de matas e várias guaritas inabitadas, distantes o suficiente e despercebidas. Não foi muito difícil arrombar um desses casebres minúsculos. Na verdade, é mais fácil do que parece. Apesar das portas serem duplas e com trancas magnéticas, elas estavam longes de serem inquebráveis, como tudo na vida. Com preparo e o incentivo certo qualquer coisa é possível. Dei uma olhada no corpo sonolento de Klaus ao meu lado. Ele parecia infinitamente maior no carro esportivo e por pouco o cinto de segurança do banco não foi suficiente para amarrar ele. A cabeça ficou suspensa, mas o trajeto era curto o suficiente para não o machucar. Estacionei o carro e conferi se Klaus ainda estava inconsciente. Eu sabia que não seria fácil arrastar um corpo desacordado de 1,98 cm pesando em torno de 90 quilos, então pratiquei na última semana com um boneco de pano que construí com meu pai há muito tempo. Eu apenas precisei correlacionar o peso correto e arrastá-lo pelos pés. Assim que o posicionei sobre a cadeira e amarrei suas mãos, não pude deixar de notar que alguns dos muitos anéis que enfeitavam as mãos de Klaus possuíam a letra D cravejada, a inicial do nome da mãe dele. Minha atenção foi roubada quando um resmungo partiu de seus lábios e eu mirei no celular. Eu estava ficando louca ou o efeito remédio passou rápido demais? Não havia muita luz a não ser uma lâmpada fraca, então me recostei no canto mais escuro e observei seu despertar sonolento. Sua cabeça sem dúvidas estaria girando e em alguns segundos uma dor latejante vai repuxar o lugar da picada. Seus olhos avermelhados procuravam no escuro e eu aproveitei da invisibilidade das sombras para contemplá-lo. Entretanto, não havia nada em seus olhos, nenhum remorso ou medo, apenas o vazio. — Se vai me bater, comece logo com isso — ele respirava com tanta força que eu conseguia acompanhar seu peito se expandindo e a cadeira embaixo dele mais parecia um banquinho frágil em relação ao seu tamanho. Não pude conter uma risadinha, ele era tão fofo! — De todas as nossas primeiras interações, eu nunca imaginei que essa seria a primeira coisa que ouviria de você — caminhei até a luz e sorri ao notar que seu olhar se concentrava sobre minha máscara que deixava visível somente meus olhos e boca, mas aposto que agora ele está se perguntando se já nos vimos antes. — Sedativo? — Sua voz rouca soou zombeteira e senti seu olhar passear até um livro que deixei mais cedo ali. Eu vivia cercada de livros por onde andava. — Não acho que Frederick Clegg[1] seja uma boa referência em questão de sequestros. Ele deslizou os olhos pela minha roupa se detendo um pouco no meu cinto com alguns bolsos e logo em seguida nas botas. Voltou-se para meu rosto esticando o canto dos lábios em um… sorriso? — Avaliei a possibilidade de usar um taco de beisebol, mas não queria correr o risco de um traumatismo craniano — cruzei os braços e avaliei a maneira como ele me olhava nos olhos com aquele maldito cabelo bagunçado. Endireitei a postura forçadamente ou derreteria ali mesmo. — Não me parece muito inteligente sequestrar alguém de saltos também — eu consegui ler o tom de desafio nos seus olhos que se estreitaram sobre mim. — Eu ganho alguma equidade em relação ao seu tamanho, e são de plataforma, consigo ter estabilidade. — Eu jogaria com ele. Dei mais um passo e me inclinei em sua direção — Além disso, não pretendo dançar com você. — Não vai me bater e nem dançar comigo, que tipo de sequestradora é você? — o escárnio dessas palavras escorria pelo canto dos lábios onde se formavam uma covinha. Incrivelmente ele estava se divertindo com isso. Suspirei alto e me apoiei sobre os braços da cadeira aproveitando a posição estratégica em que amarrei suas mãos para trás. Eu estava tão perto que sentia sua respiração e notei sua pulsação acelerar me atraindo para ainda mais perto e então me inclinei, analisando seu peito subir e descer em sobressaltos estufando a fina camada da camisa branca. — Existem maneiras piores de torturar alguém, morceguinho. — Seu olhar desviou-se do meu e eu encarei a cobra tatuada em volta do pescoço. As milhares de tatuagens eram ainda mais bonitas de perto. Senti meu celular vibrar no cinto e me afastei para checar a chamada. BURN piscava em verde, deslizei o ícone e atendi. — Seja lá o que você estiver fazendo, para, e joga tudo dele fora. — Reconheci o tom de Marianelle, ela descobriu algo — Ele tem um rastreador e o irmão dele tá indo atrás de você. Voltei para Klaus sentado com os olhos pousados em mim. Eu tinha me esquecido do panaca do irmão dele, Zaccheo. Marianelle Observamos Yulieta atravessar a multidão com as botas quase maiores que ela. Havia muita expectativa por parte dela naquele Halloween e toda a nossa experiência com aquele capetinha era suficiente para sabermos que ela estava escondendo algo. Éramos muito mais do que um trio de amigas de infância, estávamos amarradas por segredos desde os 8 anos, então, esconder algo era quase impossível. Lovell decidiu beber um sex on the beach e eu vasculhei o salão procurando por ele. Eu já sabia da sua volta, e que dessa vez seria para ficar, após longos 7 anos. Sem dúvidas estava bancando a babá do irmão inconsequente. — Lovie, eu acho que já vou — pousei meu copo no balcão — 224. Ela levantou o copo em um brinde e rolou os olhos. Aquela época do ano fazia um frio confortável para a roupa que Yulieta encomendou para nós. Eu me sentia diferente dentro daquelas botas gigantes de bloco, e apesar de negar de início, agora a balaclava me deixava confortável. Aproximava-se da meia-noite, em breve o ginásio fecharia e a pseudo festa chegaria ao fim fazendo todos os babacas procurarem um lugar para o after. Um dos idiotas de computacional, que estava fumando lá fora recostado em uma moto, me mediu com os olhos enquanto caminhava em direção à saída. Deixei um sorriso meigo emoldurar meu rosto, parcialmente coberto, e me encolhi conforme ele retribuía o sorriso e se aproximava. — Perdida sem saber voltar pra casa, gatinha? — o bafo de cerveja resvalou sob meu rosto e eu sorri ainda mais tímida — Posso te levar embora essa noite. O corpo desengonçado se inclinou sobre mim, roçando as mãos na minha cintura. Soltei um gemido baixo e como uma puta levei um dedo aos lábios e sussurrei “sim” em seu ouvido. Ele gargalhou alto na minha cara e quase caiu tentando se equilibrar. — Eu vou lá dentro avisar aos outros que vou embora — ele voltou a se inclinar sobre mim e eu dei uma risadinha, então ele pegou a chave do bolso e jogou em minha direção — cuida dela pra mim. Observei seus passos desajeitados e tortos marchando de volta para o ginásio. Rolei a chave da moto em meus dedos me endireitando e deixando que aquele sorriso patético morresse. — Pode deixar, vou cuidar muito bem — girei meu corpo sobre os saltos da bota e prendi o capacete sobre minha cabeça, ligando atrancando Marianelle pousou os óculos no rosto e começou andar. Lovell foi a segunda a caminhar pela rua deserta onde o único barulho eram nossos saltos ecoando como uma marcha, em direções diferentes. Finalmente, acomodei meus fones no ouvido e caminhei pelo beco paralelo. As ruas de St. Harlem eram perigosas, só não mais do que nós três. Capítulo 22 Klaus Há fogo líquido correndo pelas minhas veias, eu estou tão quente que o calor das bombas não me atinge quando a fumaça invade tudo. Alguns idiotas se arrastam para fora e encaro pequenas chamas se estenderem pela boate, como cartas caindo de um baralho. — Vaza pra fora daqui seu imbecil — sinto as mãos do meu irmão me empurrarem. Há pouca luz saindo da porta aberta e eu cambaleio até lá. — Por que esse maldito sorriso no rosto, enlouqueceu de vez e incendiou essa merda? — a tosse invadiu meus pulmões e sem perceber eu gargalhava — Impossível. Ele agarrou a gola da minha camiseta e deu alguns passos até sua moto, mas parou mirando o pneu, eu conhecia aquele olhar. Zaccheo deu meia volta e me jogou no banco do motorista do meu carro. — Entra nessa merda e volta com um pneu novo. As minhas gargalhadas explodiram ainda mais e ele bateu à porta com tanta força que poderia ter facilmente estraçalhado meu vidro. Suspirei e tudo ao meu redor tinha o cheiro dela. Olhei o banco ao meu lado e me dei conta que havia um bilhete com mais colagens. Sorri e peguei o celular discando o número desconhecido que havia me mandado mensagem mais cedo, e em alguns toques ela atendeu. — Você é realmente louco. — Liguei o carro e coloquei na viva voz imaginando que ela estava ali, sentada ao meu lado. — Você teria coragem? — ela ofegou do outro lado da linha e gargalhou — Ah você teria, sim. — Continue me testando e pague para ver, Niklaus. Não tive tempo para responder, ela havia desligado. Passei a mão pelo telefone e o bloqueei sorrindo. Ainda sentia o toque quente dos seus lábios e da sua língua, e a mera lembrança agitava meu sangue direto para a cabeça do meu pau. Eu me sentia um adolescente ridículo tendo seu primeiro beijo e eu nunca diria a ela isso. Manobrei o carro e parei em um posto de gasolina para comprar o pneu que o idiota me pediu. Coloquei o celular no bolso e fui até os frentistas dando a marca do pneu que saiu o triplo do que custaria normalmente. Joguei no porta-malas do carro e voltei para onde ele estava e assim que estacionei ele rapidamente veio até meu carro se importando somente em trocar o pneu. Zacch havia tirado a camisa e exibia seus músculos, ele realmente era um ególatra. Me lembro de quando foi embora, desde muito novo ele tinha tendências para tatuagens, unhas pintadas e piercing, mas quando conheceu Kenneth tudo mudou. A vida dele poderia facilmente seria um filme, não é todo dia que você se muda para Inglaterra e se torna melhor amigo de um duque. Ainda continuava com os mesmos gostos, mas havia requinte e elegância que só ele poderia dar carregado de trejeitos italianos. Olhar para ele é como lembrar de minha mãe com as características do nosso pai. Os cabelos escuros e olhos cristalinos, mas o jeito doce e carismático era completamente dela, de uma maneira que só ela conseguia ser, e mais ninguém. — E aí? Vai ficar apenas admirando meus músculos ou vai tentar me ajudar? Desencostei do carro e fui até ele segurando o cavalete enquanto ele distorcia o parafuso do pneu. Em poucos segundos ele havia se desfeito do pneu e pegado o novo e eu me aproximei notando que aquele furo não poderia ter sido feito no caminho, era um corte simétrico. — Acabou passando por alguma pedra? — Sim, as ruas desse lado são terríveis. — Um mentiroso de merda, observei ele se esforçar para apertar o parafuso — Ali no cruzamento da quinta com a Park. Um mentiroso do caralho que nem sequer se avermelhava. Confirmei com a cabeça e cruzei os braços esperando ele recolher o que usou e devolver no meu porta-malas. Zaccheo tinha uma paixão enorme por duas coisas na vida: sua moto e o carro. Umas das poucas coisas que faziam ele um homem genérico. Porém, eu sabia que muitas coisas haviam mudado desde que ele foi embora. Algumas vezes sinto falta de quem ele era, mas consigo sentir que ele voltou para casa sendo uma pessoa melhor, mil vezes melhor. Dentro do possível. O problema é que ele tenta a todo custo me fazer melhor, mas isso parece me deixar ainda pior. Ele passou por mim, deu um tapinha nas minhas costas e ajeitou o cabelo com as mãos. — Pronto, podemos ir. Você vai à minha frente, eu não vou te perder. Confirmei com a cabeça e entrei no carro espiando pelo retrovisor até que ele estivesse com o capacete para dar partida no carro. Morávamos na área nobre da cidade e que casualmente era perto de tudo. Em menos de 30 minutos, estacionamos em frente de casa. Desliguei meu carro e desci enquanto ele guardava o capacete. — Que merda foi aquela na Marq? Segundos depois que cheguei só havia caos. — Encenei a expressão mais despretensiosa possível, enquanto me sentava na mesa da cozinha e recebia uma cerveja das suas mãos. — Não sei, não fazia muito tempo que eu havia chegado. Ele elevou os olhos até mim, como se farejasse as mentiras nas minhas palavras e encarou a cerveja com o olhar frio. — Coisas estranhas estão acontecendo nessa cidade. Ainda divagando, ele levou o gargalo da cerveja até sua boca e por fim sorriu para mim. Capítulo 23 Yulieta O som irritante do despertador me fez soltar um rosnado. Eu não dormia há dois dias, vigiando Klaus e tentando encontrar uma brecha para falar com ele, mas a porcaria do seu irmão andava como uma sombra, seguindo cada passo dele. Eu estava começando a ponderar a ideia de dopar esse filho da puta. Ele se salvou por pouco quando fiquei sabendo que viajaria para algum encontro de faculdade e deixaria Klaus sozinho todo o final de semana. Acionei todos os localizadores que espalhei em suas roupas e no celular, finalmente numa sexta-feira às duas da madrugada, sua localização se distanciou 3 quilômetros de casa e eu busquei rapidamente o alarme para desligar. Venom havia cochilado no sofá e seria um pecado acordá-la. Corri até o quarto e vesti minha calça com a blusa que havia escolhido a Dedo com antecedência. Havia um decote simulando uma coleira que me deixava extremamente atraente. Eu queria beijá-lo novamente e usaria tudo que estivesse ao meu alcance para fazer isso acontecer. Não queria deixar muita pele à mostra para não haver brechas da minha marca de nascença, então optei por luvas pretas que subiam até o cotovelo. Não era porque, tecnicamente, eu estava cometendo uma violação que eu deveria deixar a moda de lado. De frente ao espelho, encarei meu reflexo e sorri colocando a balaclava. Afivelei o cinto e sai de fininho, evitando acordar Venom, mas antes mesmo de abrir a porta, a localização de Klaus chamou minha atenção. Ele estava em uma rua de lojas de artes neoclássicas a poucos metros de mim. Recuei alguns passos e fui até minha janela. Alguns prédios em St. Harlem sobreviveram à estética moderna e tosca que deixava tudo quadrado, mantendo os edifícios antigos sem elevadores e com escadas de incêndio conectando todas as sacadas. Destravei a janela e pulei para a varanda, observando que conseguiria poupar ainda mais tempo atravessando as sacadas. A rua em que morávamos tinha muitos apartamentos com varandas acopladas de escadas e era fácil ir de uma à outra, precisava apenas de um pouco de agilidade e cálculo. Meus pés passavam uma a uma, pisando delicadamente por cada estrutura de metal e graças as solas de borracha o ruído era pífio. Logo, avistei o cruzamento que mostrava no localizador. Agora, eu teria que descer os 15 andares que me separavam do chão. Aproveitei uma das escadas de incêndio para descer, o bloco da bota me dava a estabilidade e eu pisava cuidadosamente até o fim. Antes mesmo de chegar ao chão, já conseguia ver Klaus na lateral de uma das lojas que, de longe, era indecifrável a fachada. Ele forçava a porta como se tentasse arrombar.Fiquei por mais alguns minutos observando a constante luta dele em tentar, da maneira errada, arrombar uma porta com tranca magnética. Acho que nem ele notava o quão angelical era, suspirei me apoiando para enfim colocar os pés no chão. Assim que estava no chão vasculhei a rua. Por que esse desgraçado forçava a porta de um ateliê numa rua cheia de câmeras? Essa era uma das perguntas que eu faria, somente após beijá-lo novamente. Peguei o celular do bolso e tirei foto das câmeras, enviando para Lovell que prontamente me mandou um ok via mensagem. Ela definitivamente era nosso ponto de sanidade. Caminhei devagar até a lateral onde ele estava. Meus passos eram silenciosos e ele não havia notado que eu cheguei, me aproveitei disso para analisar o corpo suado de Klaus. A fina camada da camiseta branca estava colada aos seus músculos e as tatuagens mais escuras saltavam junto às veias do braço. Era impossível arrombar manualmente portas como aquela, e os músculos dele se contraiam a cada impulso sobre o pé de cabra. A força drenava todo o sangue das mãos, arroxeando os dedos. O vento frio carregava o perfume quente do seu corpo direto ao meu encontro, eu não me contive e me recostei na parede gargalhando. Assim que minha risada soou alta, ele se virou e eu sabia que a pouca luz conseguia dizer quem eu era. O brilho sarcástico estava ali quando ele elevou as sobrancelhas me dando uma bronca pelo barulho. — Fazer barulho é o de menos quando se tem 5 câmeras apontadas para você. Pensei que fosse mais inteligente. — Colei minhas costas na parede abrindo espaço para a visão da câmera diretamente voltada para ele. A língua dele passeou pelos lábios que ele mordiscou um pouco e o peso das minhas costas na parede era o dobro de antes, ele havia jogado uma maldição sobre mim e o calor me incendiava de novo. — Ouvir conselhos de alguém que explodiu bombas em uma boate não me parece ser algo inteligente a se fazer — ele virou de costas e continuou a forçar a porta com o pé de cabra. Eu ignorava o fato que a porta agora estava torta. Quanta força ele tem nas mãos? Será que ele bate tão bem quanto arrebenta portas? — Por mais que seja lindo observar você fazer força, não vai conseguir abrir assim. Ele me olhou de soslaio como se tivesse ouvido apenas o “você é lindo” e sorriu endireitando a postura e voltou a empurrar com mais força até que um barulho sibilou e a porta se entortou abrindo. Assim que ele voltou para mim com um sorriso lindo, um alarme disparou e foi minha vez de sorrir de volta. — Espero que saiba correr — dei meia volta, desencostando da parede e alcei sua mão, forçando ele a correr comigo. A polícia da cidade era rápida apenas para defender a classe mais abastada, aquele bairro era repleto de lojas de luxo e em poucos segundos o soar da sirene policial começou a nos perseguir. Meus passos eram infinitamente mais devagar que os dele e o susto tomou meus sentidos quando sua mão me alçou do chão e o barulho de tiro ressoou ao meu redor. Ele aproveitou o momento em que me tirava do chão para sacar uma arma escondida na cintura e começou a atirar na direção da viatura que virava a esquina naquele momento. Viramos à direita, mas os sons das sirenes estavam cada vez mais perto e disputava com as batidas do meu coração que pulsava tão rápido quanto a vertigem que me molhava inteira entre as pernas. Apertei sua mão e ele me olhou confuso. Eu era uma cadela maldita me afogando em tesão no meio de uma perseguição. O maldito perigo fervia meu sangue. Viramos à esquerda dessa vez, mas eu senti que ele diminui a velocidade dos passos até que parasse e me puxou com força chocando meu corpo contra o seu. — Corra. Suas duas mãos alcançaram meu rosto e estava perto demais, eu derretia como aço em brasa. A respiração quente dele esbarrava em meu rosto borbulhando meu sangue, e a proximidade das nossas bocas me hipnotizava. Neguei com a cabeça pousando as mãos sobre as suas, minha respiração era falha demais e tudo começava a ficar turvo. — Corra, minha pequena nêmesis. — Ele uniu minha testa à dele e eu vacilei abrindo os olhos tentando respirar — Você não pode ser pega, eu sim. Corra. Ele fechou os olhos lentamente e eu negava com a cabeça, mas ele me afastou tão rápido quanto havia me tomado, me deu impulso para que eu corresse e ficou parado me olhando enquanto eu me afastava. Capítulo 24 Klaus Nem mesmo o vento frio que se enrolava por meu corpo molhado de suor conseguia aplacar o calor que me envolvia. Soltar seu corpo trêmulo e quente foi a coisa mais difícil que me lembro de fazer. Eu ainda sinto minha respiração queimar a garganta observando angustiado seu cabelo esvoaçar a cada passo enquanto ela corria até sumir virando a próxima esquina. A mera imagem daquelas mãos porcas sobre ela descarregava uma onda de raiva por todo meu corpo, eu mal notei o barulho da sirene ensurdecendo meus ouvidos. Em alguns segundos eles chegaram jogando luz sobre meu rosto e chutando uma das minhas pernas me fazendo vacilar. Elevei lentamente as mãos na altura da cabeça. — Se joga no chão filho da puta — o primeiro policial se aproximou apontando a arma em minha direção, eu já o conhecia — então o vermezinho é você? Ele forçou minha cabeça em direção ao chão e o corte que havia cicatrizado inundou minha boca com gosto de sangue e um arrepio percorreu meu corpo. — Sei de alguém que gostaria de ver você — senti o corpo dele se engrandecer sobre mim enquanto tentava abotoar as algemas, mas a raiva incendiou meu sangue e eu rosnei me colocando de pé e investindo uma cabeçada contra ele. O segundo policial avançou me contendo enquanto tentava me soltar, o primeiro sacou a arma e apontou em minha direção, jogando a cabeça de lado. — Ouvi dizer que a putinha anda nervosa, — ele continuou com a arma apontada para minha cabeça e se aproximou deixando aquele hálito fedido neblinando meu rosto — mas você sempre foi tão dócil. A fúria tomou conta do meu corpo e me debati. Queria ir embora, queria achá-la e certificar de que estava bem. Rosnei avançando, mas o segundo policial me segurava conforme o filho da puta dava dois passos para trás. Antes que seu pé pousasse para o terceiro passo seu corpo foi jogado longe por um carro que freou exatamente na minha frente com a porta se abrindo. Eu estava cego de ódio, mas senti o calor da bala rastejar ao meu lado e atingir o ombro do policial que me segurava. Eu reconhecia a minha arma. — Entra no carro porra — a voz dela cortou o silêncio enquanto jogava a arma no porta copo. Assim que senti o peso do homem me soltar com seus gritos, me desvencilhei do seu agarre descendo um soco na boca dele. A maioria dos policiais noturnos trabalhavam completamente drogados e esse era quase um zumbi. Pulei no carro e bati a porta enquanto observava ela trocar a marcha. Fiquei assustado quando olhei em frente e uma mancha com alguns trincos me chamou atenção, o vidro do carro tinha sangue como se a cabeça de alguém tivesse sido jogada contra ele. Ela pareceu prever meus pensamentos e sorriu. — Eu precisava do carro dele e essa merda nem é automática — assim que ela acionou a marcha e afundou o pé no acelerador o carro deu um tranco e avançou numa velocidade insana. Não demorou muito e o barulho de sirenes começou a nos perseguir. Ela não media esforços e passava por cima da calçada e quase batia, desviando em cima de postes, até que finalmente saímos da cidade e as áreas de mata começaram a aparecer. A risada alta dela me chamou atenção, observei sua mão agarrar a marcha no carro e acelerar ao máximo enquanto atravessava mata adentro com o carro. Sentia meu corpo chacoalhar contra o banco enquanto o terreno se tornava cada vez mais denso até que paramos com uma freada que quase nos jogou para frente. Ela pegou a chave e desligou rapidamente o carro. Olhou para mim e seu olhar escureceu um pouco quando notou que minha boca sangrava, mas logo voltou jogando a mão sobre meu pescoço me obrigando a curvar sobre o banco. Seu peito ofegava tão rápidoque jurei conseguir ouvir os batimentos frenéticos do seu coração. Ela fechou os olhos e entreabriu a boca tentando respirar, no impulso tomei seu rosto entre as mãos. Ele era como pedra em brasa que facilmente poderia me queimar. Seus olhos negros se abriram para mim e eu vi demônios de luxúria me espreitando nas sombras do seu olhar. O hálito quente resvalou sobre meu rosto, me enfeitiçando, eu me ajoelhei no chão do carro me inclinando e senti seu corpo amolecer e depressa lancei meu outro braço para segurá-la. A falta de ar deixava ela ainda mais lenta e o bater dos cílios pesados de desejo me aproximava do abismo que eram seus olhos. — Você vai acabar desmaiando se continuar a respirar assim. — rocei o polegar na pele quente por baixo da balaclava tentando acalmá-la e ela se aninhou ao meu toque fechando os olhos e se entregando ainda mais — Me diga o que quer. Meu sussurro rastejou até seus ouvidos e ela voltou a me encarar com uma prece nos olhos e eu já não controlava meus dedos que se embreavam no cós da sua calça. — Me peça o que quiser — ela suspirou agarrando a minha camiseta enquanto eu aproximava a boca do seu ouvido — darei o que for preciso. Propositalmente, peguei sua cintura achando a alça da calcinha de renda que ela usava. Era tão frágil que rasgaria com o mínimo esforço que eu fizesse, dei leveza aos meus dedos contornando a calcinha observando ela se contorcer. — Você sabe do que precisa, mas é uma vadia tão psicótica que não consegue sequer abrir sua boca sem gemer — minha mão avançou acariciando sua cintura e deslizou por sua pele quente até encontrar seu ventre e um soluço baixo cortou minha atenção. Sem avisar, deixei que meus dedos curiosos invadissem sua calcinha. Eu sabia que ela estava molhada, mas a sensação que me possuiu desligou todas as luzes para mim, ela arfou um gemido tão doce e eu me arrependeria do que iria fazer, mas eu havia perdido o controle. — Vou dar o que você tanto deseja, — aproximei nossas bocas e num impulso violento rasguei a maldita calcinha abaixando toda sua calça — mas precisa deixar de ser uma cadela malvada e ficar quieta. Assim que afundei os dedos na sua boceta, ela se contorceu inclinando para frente. Lancei minha mão tampando sua boca a tempo abafar o gemido. — Silêncio, você não quer que a polícia me pegue com a mão na sua boceta. — Ela jogou as mãos segurando meu braço e voltou a rebolar tentando acompanhar o ritmo dos meus dedos, mas se perdia em espasmos e eu sentia cada vez mais meus dedos deslizando para dentro dela. Todas as janelas do carro estavam fechadas e nossa respiração ofegante começava a embaçar os vidros. Eu sentia o suor ameaçar a grudar ao meu corpo minhas roupas já molhadas, enquanto meu pau latejava sentindo a quão quente e molhada ela estava. O barulho distante da sirene fez com que ela soltasse um gemido tão alto que nem mesmo com a boca tampada conseguiu abafar. — Isso, tira a porra do meu juízo — aproveitei que ela inclinou se abrindo ainda mais e mergulhei mais um dedo e firmei o aperto na sua boca, o barulho das sirenes ficavam mais altas e eu sentia seu corpo oscilar. Ela aumentou o ritmo sobre minha mão e eu retribui aumentando a pressão dos dedos, ela não ia gozar por mérito próprio. Forcei os dedos mais a fundo e ela inclinou a bunda se abrindo mais. Eu rosnei. — Se empinar essa bunda novamente vou obrigá-la a chupar meu pau e talvez assim você aprenda a ter um pouco de piedade — ainda tampando sua boca levei seu rosto ao meu e notei os olhos vermelhos tão molhados quanto a maldita boceta, ela afirmou com a cabeça e eu senti seu sorriso abrir contra meus dedos. A virei puxando metade do seu corpo para mim. Eu queria guardar cada detalhe, cada aperto que ela oferecia nos meus braços, os gemidos abafados e o corpo dela se contorcendo como se ardesse em chamas. O som das sirenes chegou tão perto, eu decidi que era o limite dela e firmei meus movimentos observando cada solavanco que ela dava sobre meus braços, ela cravou as unhas em minha pele e eu mantive meus dedos rápidos até que ela se entregasse a mais sussurros tremendo sob minha mão. Eu queria encarar seus olhos então abaixei seu rosto até o meu. Eles estavam fechados, mas uma lágrima escorria lentamente. — Eu vou te soltar, mas da próxima vez, quero ouvir cada maldito gemido que você tem a dar — seus olhos se abriram e eu retirei minha mão do meio das suas pernas e levei aos lábios colocando-a de volta sobre o banco, que escorregou voltando a respirar. Capítulo 25 Yulieta Subi minha calça sentindo falta da calcinha que ele rasgou, puxei o que sobrou dela e me apressei em guardar, mas meus movimentos estavam tão leves que poderia jurar que minha alma estava em alguma projeção astral ridícula. Quando ergui meus olhos, ele estava me olhando de braços cruzados com um sorriso idiota no rosto, eu não queria ter perdido o controle tão pateticamente assim, mas a luxúria tomou conta do meu corpo e cada segundo perto dele era um pouco mais perto do perigo, e eu era refém dele. Peguei a arma que havia pousado no porta copo e estendi em direção a ele que tomou ela da minha mão me espreitando como quem assiste a show de comédia. — Vamos sair logo daqui ou quer ser mesmo pego pela polícia? — destravei o carro e sai recebendo o ar frio do inverno, ouvi ele bater à porta do carro e inspecionei ao redor, a polícia estava longe o suficiente para que fosse seguro andar de volta até o bairro. Dei alguns passos me distanciando dele, mas senti seu olhar passear pelas minhas costas. — Me admire no caminho, morceguinho — continuei a andar e sua risada soou alta até que ele estivesse me acompanhando — espero que tenha aprendido alguma coisa do nosso último encontro. — Da próxima vez, posso usar a língua, eu me garanto em saciar mulheres — congelei e me virei para ele, eu sabia sobre suas aventuras sexuais, mas definitivamente atiraria facas nelas todas, a risada dele esquentou meu corpo e se não tivesse tão escuro eu socaria seu olho — se queria provar sua insanidade, conseguiu. Eu realmente acho você uma cadela maluca. Sorri ouvindo ele pronunciar a palavra maluca, ele era completamente ingênuo. — Eu disse para ficar longe deles e você fez exatamente o contrário — aproveitei que ele havia diminuído a passada e virei me aproximando — eu estava no meu direito. — Você imagina que tenha direitos sobre mim? — senti sua risada esquentar meu rosto — Você sumiu. Dei um passo para trás, não esperava que ele contava com as minhas visitas, ele aproveitou a distância e desviou de mim e continuo andando. — Por que estava tentando abrir aquele ateliê? Ele parou de andar e ouvi seu suspiro mesmo alguns passos distantes. — Sei que você tem dinheiro o suficiente para comprar qualquer peça de lá. Então, por que estava tentando invadir? Ouvi seus passos apressados recuando e novamente estávamos perto demais. — Eu nem sei de que lugar você veio, mas aqui as coisas são podres. Cada canto dessa cidade é imunda, não resta nada de bom — ele gritava as palavras sobre mim com tanta raiva. — Isso não responde a minha pergunta. O que você queria? A risada que chegou até mim era ácida e fria, tão fria quanto o vento que me atingiu quando ele voltou a andar. — Posso ajudar você, só preciso saber o que… — Não, você não pode. E nem tente achar que deve me ajudar — ele estava novamente a minha frente, mas dessa vez gritava — eu não preciso que me ajude, nem mesmo você conseguiria. Olhe para você, é completamente insana e acha que assim consegue o que quer da maneira que quer. No fundo, você só é tão mimada que pega o que quer e vai embora, como todos. Como tudo nessa merda de cidade. Então, não, eu não preciso de você. Ele olhou em meus olhos para dizer as últimas palavras e deu as costas me deixando parada, absorvendo cada palavra que ele havia dito. Em pouco tempo ele havia sumido. Não estávamos tão longe da sua casa, em alguns minutos observei pelo localizador que ele entrou lá. Caminhei de volta até o centro deixando que o ar gelado esfriasse minhacabeça enquanto eu tentava buscar na memória o que eu sabia sobre o ateliê. Peguei o nome do letreiro e pesquisei, mas não havia nada aparentemente relevante, vasculhei a lista de vendidos até que uma ideia me surgiu a cabeça. A mãe de Klaus tinha algumas peças em exposição e participava ativamente na criação de pinturas e esculturas. Voltei ao site procurando pelo catálogo, até que me deparei com o que procurava. Subi as escadas até minha sacada e observei que Venom havia mudado a posição no sofá. Sai fechando novamente as janelas e desci todas as escadas agora com a minha mochila indo em direção ao ateliê. Espiei a rua do centro e a polícia havia ido embora após toda a confusão, já se passava das 3:00 e era inegável que o cansaço estava pesando meus olhos, respirei fundo e me concentrei em desativar o alarme das portas magnéticas. Peguei na mochila um dispositivo que Lovell me deu, explicando detalhadamente ser um jammer que emite frequências capazes de interromper sinais de comunicação e que abre qualquer porta. Ajustei o controle na frequência certa até que a porta destrave sobre minhas mãos. Joguei a mochila sobre as costas e preparei o dispositivo para operar interferindo no sinal das câmeras, emitindo um looping travado de segundos antes da minha entrada. Procurei pelo estoque que ficava no fundo do ateliê e sorri quando meus olhos pousaram sobre o quadro. Capítulo 26 Klaus Minha cabeça pesava e Ophélia me circulava de um lado para o outro, me ergui tentando abrir os olhos, mas a claridade irradiou uma dor violenta por meus olhos. Tentei enxergar em volta procurando o relógio e me assustei quando percebi passar das duas da tarde. Eu não havia dormido tão tarde. Assim que cheguei, me apressei em tomar um banho. Eu estava nervoso e descontrolado. Sabia que tudo que havia saído da minha boca era muito mais para mim do que para que ela ouvisse. Eu queria me convencer da esperança ridícula de que tivesse como me ajudar ou apartar um pouco do mal que me espreitava. Porém, ela nunca seria capaz. Nada seria. Eu tentava consertar uma parte de mim roída pelas traças. Ameacei me levantar, mas o teto se encolheu sobre mim rodopiando. Que merda havia acontecido com minha cabeça? Forcei-me a sentar e encarei meu quarto, me levantei e meu vulto pelo espelho chamou minha atenção para algo. Voltei alguns passos olhando meu reflexo. Eu não me lembrava desse ponto roxo no pescoço, me inclinei para analisar mais e notei que era semelhante a uma das marcas que restavam após levar as picadas de veneno. Num impulso marchei até meu closet que ficava um pouco antes do banheiro e quando entrei me deparei com o que fui buscar na noite anterior. O bilhete que estava ao lado de um dos quadros da minha mãe que haviam sido doados pelo meu pai contra a minha vontade. Aproximei e sentei analisando os traços da tinta, os rabiscos ainda eram os mesmo de que me lembro e alguns traços eram da mesma cor que meu cabelo. Apoiei a cabeça na porta do armário e respirei fundo, o perfume dela ainda estava aqui. Ela com certeza havia me dopado para que eu não a notasse entrar com um quadro de quase um metro e meio pelo quarto. Sorri passando as mãos pelas laterais que eu imaginava terem sido tocadas por ela. Ficando de pé, corri descendo as escadas, a TV estava ligada e só havia uma pessoa nessa casa que fazia questão de ligar a TV como se fossemos uma família normal. Zaccheo estava jogado no sofá mudando os canais, ele não assistia TV, mas queria manter a normalidade que não existia. — Finalmente acordou, pensei que precisaria derrubar a casa para que levantasse — busquei por um kit de reparos que o jardineiro havia deixado em alguma gaveta da estante de TV. — Os remédios que ando tomando são bem fortes, me derrubam — não era bem uma mentira, achei a maleta e a abri pegando um parafuso e um martelo, quando a fechei para devolver sobre a estante, a manchete do jornal na TV me chamou atenção. “As autoridades não entendem o que aconteceu, os dois policiais que atenderam ao chamado desta madrugada foram hospitalizados, um deles com fraturas graves e completamente inconsciente e o segundo baleado nos ombros, ambos estavam aturdidos devido a muitas noites sem dormir. O que está consciente afirma que perseguiu um casal que tentava roubar o ateliê de artes no centro, mas quando analisada as câmeras nada foi encontrado além da polícia. A única evidência de que algo aconteceu é a porta que estava forçada, mas por dentro tudo estava em perfeitas condições.” — Por que você está sorrindo Niklaus? — a voz do meu irmão me despertou e eu me desliguei da TV e notei que realmente estava sorrindo. — A polícia anda mal, não acha? — meu irmão estreitou os olhos em minha direção e eu dei de ombros voltando para o quarto, bati a porta e caminhei até o closet. O esforço que a imprensa fazia para encobrir o uso de drogas dos policiais era algo a se orgulhar, alguns poucos jornais cumpriam o papel de dizer a verdade, mas quase sempre sofrem algum tipo de ataque. Levei o quadro do closet até meu quarto e já sabia que lugar eu o colocaria. Bati o prego na parede até que tivesse suficientemente firme e busquei o quadro, exatamente a frente da cama, onde eu pudesse encarar durante as noites sem sono. Outra ideia passou pela minha cabeça e eu peguei meu estojo de pintura e me sentei em frente ao quadro, passei a tarde toda desenhando ela, ou apenas o que eu conseguia saber dela, seus olhos e sua boca. Eu me amaldiçoei por não ter a beijado naquela noite. Capítulo 27 Yulieta Assim que voltei para casa, o sono me atingiu com o peso de mil bombas e eu dormi o dia todo, até que despertei com meu celular tocando desesperadamente, tateei ao redor e vi o nome de Lovell na tela. Deslizei atendendo. — Acho que já passou da hora de acordar — o barulho da câmera acompanhando meu movimento chiou aos meus ouvidos e eu estendi a mão em sua direção mostrando o dedo do meio — mal educada. — O que quer invadindo minhas câmeras? — Rolei no sofá, eu não consegui chegar no quarto para dormir. — Saber se sobreviveu, eu acompanhei sua fuga da polícia por todas as câmeras do quarteirão e da BR — suspirei e passei as mãos pelo rosto tentando impedir a claridade infernal que queimava meus olhos — eu dei sumiço em tudo, mas não pode contar com isso da próxima vez. O Klaus é muito visado pela polícia. Suspirei mais uma vez e me sentei sobre a cama, ativando o viva voz. E u iria passar um café. — Eu queria te pedir uma coisa Lovie — ouvi sua risada do outro lado da linha e novamente mostrei meu dedo para a câmera — quero ter acesso a todos os boletins de ocorrência no nome do Klaus, tudo que você puder achar. Consegue isso para mim? — Eu ainda estou programando alguns softwares de quebra de sigilo de criptografia, talvez leve algum tempo. Porém, você também pode tentar me ancorar pelo notebook que usa no escritório do jornal. Acho que lá você achará algo. Coloquei a chaleira sobre o fogão e pensei no que Lovell havia falado. Eu trabalhava a maioria do tempo em home office, mas tinha passe livre para ir ao escritório quando achasse pertinente. — Se eu baixar um dos seus programas vou conseguir entrar no site municipal talvez as quebras de sigilo lá sejam melhores. — Sim, é possível. Com acesso direto ao sistema apenas um software quebra os outros sigilos que são mais simples e o acesso ao banco total de dados é liberado. — Bingo, era sempre muito fácil pegar todas as informações necessárias de Lovell. Ela desatava a falar em looping com uma didática invejável e eu anotava cada coisinha em algum espaço da minha cabeça. Joguei o pó do café sobre o coador e desliguei o fogo da água. Joguei toda a água sobre o coador enquanto ela ainda continuava a tagarelar sobre fazer a busca correta usando os códigos que correspondem ao nome dele e que talvez ela usasse uma IA que faria esse trabalho para me poupar a manualidade. O aroma do café me levava para longe, enquanto a voz dela se tornava distante. Novamente, eu estava naquele carro sendo sufocadapelas mãos grandes de Klaus. Cada toque dele em minha pele era pesado e com uma força capaz de enviar ondas de dor por todo meu corpo, mas era notável o esforço que ele fazia para não liberar toda força que tinha. Eu queria ter me soltado das suas mãos e empurrar ele até a borda da raiva para sentir a força total do seu agarre. Essa ideia era extremamente perigosa e uma vertigem vacilou minhas pernas e me segurei sobre a bancada sorrindo, relembrando o tom da sua voz que me deixava ainda mais entorpecida. — Não se preocupe, se ficou confuso mandarei tudo em um arquivo e as pastas corretas para baixar, me ouviu? — Sim Lovie, ouvi perfeitamente. — Ok vou enviar por e-mail tudo que preciso para dar início hoje, não demore — me virei novamente para a câmera e acenei com as mãos desligando o celular. Não demorou muito e meu celular tocou com o e-mail. Passei a tarde toda anotando cada código que achei e que Lovell me mandou por mensagem. Quando eu fosse ao escritório na segunda eu começaria a instalar a âncora para que Lovell trabalhasse nas quebras de sigilo. Eu precisava entender mais sobre Klaus e cada detalhe não poderia passar batido, ela me avisou que talvez levasse algumas semanas e eu aceitei. Larguei o celular sobre a bancada e caminhei até o banheiro levando a mini banheira de mármore branco até o chuveiro, deixando que a água morna do chuveirinho preenchesse a banheira até a metade. Pousei ela sobre a pia do banheiro e voltei até o quarto e observei Venom levantar a cabeça para me olhar. — Venha, você precisa de um banho — estiquei minha mão até ela que prontamente obedeceu ao comando se enrolando por meus dedos até o braço sibilando para mim — também te amo. Aproximei meu nariz da linguinha que serpenteava da sua boca, levei ela até o banheiro deixando que ela deslizasse do meu braço para a banheira onde ela se enrolou e voltou a se apoiar nas bordas para me olhar. Eu me desfiz das minhas roupas jogando-as no cesto e caminhei para o box deixando a porta aberta. Venom ligeiramente mudou sua posição e me seguiu com o olhar. Deixei que a água morna levasse embora o que restou do cansaço em meu corpo, escolhi um dos shampoos mais perfumados que tinha e o sabonete líquido mais doce possível. Sei que Venom adorava o cheiro de morangos, então o banheiro exalava o cheiro mais doce que uma vagabunda poderia ter. Fechei o registro do chuveiro e me enrolei no roupão torcendo uma toalha nos cabelos. Já estava na hora de tirá-la da água, então me aproximei da banheira dedilhando sua cabecinha, abri um dos lados do armário buscando a esponja e umedeci na água apalpando cuidadosamente o corpinho dela. — Você sorri como ele — gargalhei torcendo a esponja e voltando a acariciar alguns restos da troca de pele dela de alguns dias atrás. A cobra se enrolou sobre meu braço e abri o porta toalhas buscando uma das de algodão para secá-la. Eu tinha todo cuidado possível nas vezes que dava banho em Venom, apesar de ser tão doce ela tinha um péssimo humor com estranhos. Cansei de tentar dar banhos em pet shop e nem chegar a atravessar a rua sem ser chamada de volta porque segundo eles, eu não tinha uma cobra e sim um diabo. Ninguém sabia lidar com ela além de mim. Deixei-a sobre a cama e me agachei encarando-a serpentear até mim. — Volto antes que amanheça — acaricio a cabecinha gelada e me levanto — Tem alguém que ficou me devendo algo. Capítulo 28 Yulieta Era início de dezembro e o inverno congelava os primeiros dias dos meses com uma geada, me obrigando a usar uma segunda pele preta, mas eu aguentaria o frio e deixaria o zíper do decote profundo aberto. As palavras de Klaus ainda ecoavam em minha cabeça, e posso confessar que elas me guiaram até aqui. Ele merecia o que estava prestes a fazer. Ajustei as mangas das luvas encarando o quadro de força que ficava em um dos quartos de hóspede feminino. A curiosidade sussurrava em meu ouvido, perguntando quem poderia ficar nesse quarto, já que a única mulher que algum dia morou nessa casa foi a mãe dele. Infelizmente, a pouca luz impedia minha visão de saber mais sobre o cômodo. Afastei minha curiosidade e pousei delicadamente as mãos sobre o disjuntor geral da casa, sentindo o desenho do metal em minhas mãos. Um sorrisinho surgiu em meu rosto e minha mão desceu a alavanca com toda fúria que me consumia lançando a escuridão por toda a casa. Meu sorriso se alargou ouvindo todas as luzes da casa caindo, repentinamente uma mão grande sufocou minha boca e eu senti meu corpo sendo arrastado, se chocando com uma parede de músculos. No impulso, joguei minha mão sobre o punhal no harness, mas senti a ponta gelada da arma chegar bem antes que minha mão. — Nem pense nisso — o cano da arma se afundou ainda mais em minha cintura e a voz rasteira de Klaus me jogou ao fogo — se mexa e eu fodo você com essa arma. Gargalhei em sua mão aproveitando para deixar minha língua roçar contra seus dedos. Ele firmou o aperto sobre meus lábios e rosnou no meu ouvido. — Vadiazinha psicótica — ele deu alguns passos para trás no quarto e nos enfiou dentro do que penso ser um closet, fechando a porta de correr com os pés me posicionando à sua frente sem soltar a arma da mira da minha cintura. Escorregando, caindo novamente. A privação de ar era quase dupla. A mão de Klaus era tão grande em relação ao meu rosto que conseguia tapar a respiração do meu nariz junto a boca. Tentei puxar sua mão mais para baixo, mas ele me repreendeu virando minhas costas bruscamente para a parede e apontou a arma para meu queixo. — Não torne isso mais difícil do que já é — seus olhos estavam semi abertos por conta da baixa luz e eu confirmei balançando a cabeça — Eles estão aqui e eu preciso que se comporte. Não consegui disfarçar a surpresa. De quem ele estava falando? Não havia carro nenhum do lado de fora. Estávamos sozinhos. — Por favor, apenas fique quieta. — Confirmei novamente com a cabeça, ele soltou minha boca e eu respirei fortemente tentando não perder o controle novamente. — Enlouqueceu? Quem tá… — antes que eu conseguisse terminar meu questionamento, ele voltou a tapar meus lábios me girando contra seu corpo. Ele estava completamente curvado para me alcançar e me esconder. Os passos foram surgindo e algumas vozes masculinas apareceram e saíram do quarto tão rápido quanto entraram. Esse maldito closet era pequeno demais e o perfume de Klaus estava me entorpecendo, a cada puxada de ar eu ficava mais ansiosa, e eu já não controlava mais a respiração. Respirava rápido demais, forte demais, em vão. Senti meu corpo escorregar em seus braços e o rosnado dele não ajudou em nada. — Não jogue essa bunda em mim novamente — eu senti o frio metálico ir ao encontro do meu rosto e um gemido baixo escapou propositalmente de mim, sentia como ele estava completamente duro atrás de mim. Klaus sorriu e virou em minha direção, unindo nossa testa. Eu era uma mulher em ruínas quando ele soltou minha boca e apertou meu pescoço. — Te excita pensar que com esses cinco dedos no seu pescoço eu poderia te matar enquanto ainda continuo com dois dedos dentro de você, te fodendo? — ele firmou o aperto no meu pescoço e o ar abandonava meu corpo devagar, deslizou a arma entre meu decote até pousar no zíper da minha calça — Te excitaria ainda mais se eu dissesse que nesse momento a polícia está no cômodo ao lado procurando por algo que, nem eu mesmo, eu sei o que é? Enquanto sou rendido por você nesse maldito armário sentindo seu cheiro e pensando o quanto sua calcinha deve estar molhada? Muitas perguntas, ele pergunta demais. Klaus aproximou a boca do meu nariz, roçou meus lábios entreabertos e eu me inclinei querendo a maciez dos seus lábios em mim novamente. Ele desfez o aperto em meu pescoço e segurou meu rosto enquanto buscava minha mão pousando arma em meus dedos me fazendo apontar para ele. — De alguma maneira estúpida, você derrubou todas minhas paredes e eu não consigo me proteger, então, quebre tudo o que resta de mim — seus olhos se fecharam e eu sentia cada palavra sussurrada emmeus lábios. Klaus pousou meus dedos sobre o gatilho e guiou minha mão em direção a seu peito — Eu verdadeiramente, loucamente, desesperadamente preciso de você. Preciso que me mate, me tire desse corpo desgraçado. Nem que seja para dançar com seus demônios. Seus olhos permaneciam fechados e mesmo através da luva sentia o metal gelado em minhas mãos em brasa. Avancei desejando seus lábios como uma prece. Mergulhando fundo em cada pecado que ele me ofereceu, soltando meus piores demônios sobre ele quando guardei a arma em seu bolso e desci minha mão em busca do seu zíper. Capítulo 29 Klaus Poucas vezes na vida eu me senti tão vivo como agora. O beijo dela fez correntes de energia rastejarem pela minha espinha e eu queria me fundir a ela. Cada toque quente da sua língua me arrastava ao fogo. Novamente, eu não queria existir, mas dessa vez para somente sobreviver dentro dela. Afundei meus dedos puxando os cabelos que cobriam seus ombros. Eu queria estar cada vez mais perto do seu corpo. Eu tinha sede e quanto mais eu a beijava, mais o ar me faltava e meu sangue subia. Ela devolvia a fúria mordiscando meus lábios tentando respirar, mas nenhum de nós conseguia fazer isso direito. Suas mãos se espalmaram em meu peito e eu cambaleei para trás me esbarrando contra a parede do closet. — Eu não vou exorcizar você — sua voz falhava enquanto eu me negava a ficar longe dos seus lábios — vou levá-lo para queimar comigo. Seus dedos ágeis já desabotoavam minha calça e desciam o zíper. Não havia luz em lugar algum, mas a luxúria dos seus olhos espelhava as chamas do inferno quando ela se ajoelhou devagar, abaixando minha roupa lentamente. Respirei fundo quando o ar gelado entrou em contato com meu pau que latejava com sua proximidade. E num momento eu já era consumido pelo calor da sua língua rastejando pela cabeça do meu pau e entreabri a boca gemendo. — Não me torture. — Voltei a agarrar seus cabelos obrigando ela a me encarar e me dei de encontro com o diabo sorrindo, colocando a língua para fora e lambendo meu pau devagar. Perdi a noção puxando sua cabeça com força, fazendo ela engolir meu pau. Delirava com a agilidade que ela deslizava a língua por meu pau que era seu completo devoto, se endurecendo ainda mais a cada movimento quente. De repente ela o largou e me fez rosnar com ódio por parar, mas eu sabia que esse maldito demônio queria acabar comigo. Enlacei as mãos em seu cabelo com mais força do que nunca e ela gemeu soltando uma risadinha engolindo meu pau ainda mais fundo. Controlei a velocidade das estocadas em sua boca, me esforçando ao máximo para não derreter sem que ela saiba que eu já havia chegado bem perto, me molhando diversas vezes quando ela se aproximava de mim me transportando para um vórtice de pecado, imaginando todas as maneiras que eu poderia foder com ela sem cansar. Sua língua era mais elétrica que os olhos e eu respirava tão pesado que meu peito oscilava como ondas de um mar agitado quando ela sugava meu pau até a ponta, deixando a língua dar pequenas voltas na cabeça me fazendo gemer. Inclinei meu quadril em direção à sua boca e enlacei seu cabelo novamente, firmando sua cabeça deixando o desejo domar cada movimento. A maldita obedecia como uma cadelinha doce, lambendo e chupando tudo o que conseguia. Ela lançou uma mordidinha na cabeça do meu pau e eu arfei entreabrindo a boca encarando seus olhos marejados, sorrindo feliz em ver minha reação tão entregue. Então, ela voltou a colocar meu pau na boca me olhando e deslizando a língua e aqueles olhos me prenderam. Suspirei e ela aumentou o ritmo me chupando com tanta vontade que recostei a cabeça nas roupas de minha mãe, enquanto a dor se acumulava em minhas bolas, ela voltou a se concentrar na cabeça do meu pau engolindo para dentro da sua boca com força e eu me desfiz. Não aguentaria mais, por um momento uma vertigem me atacou bombeando álcool puro em meu sangue e eu me segurei na barra das roupas penduradas no closet enquanto sentia ela sugar toda minha porra e eu ainda respirava pesado. Senti ela tirar a boca do meu pau e ouvi sua risadinha, abaixei minhas mãos trêmulas agarrando seu cabelo, puxando violentamente para cima e colando nossas bocas. Eu precisava dos seus lábios. E ela se entregou sem tirar a atenção da minha cueca que ela subia enquanto soltei as roupas para agarrar sua bunda e então ela desistiu dos botões da minha calça e pulou em meu colo se enrolando como uma serpente em meu corpo. Eu a segurei, o desenho do seu corpo era infinitamente pequeno e eu não me importava em medir a força que esmagava sua bunda ou beijava violentamente seus lábios. Ela relutava, apesar de aos poucos amolecer em meus braços pela falta de ar. — Eles não estão mais aqui. — Ela ofegava e cada palavra saia entrecortada por meus beijos. — Que se fodam — cortei a mínima distância que nos separava e lancei minhas duas mãos em sua bunda, arrastando a porta com o pé sem me distanciar um milímetro sequer da sua boca. Eu estava completamente tomado por seus lábios e não me separaria. Não por vontade própria. Eu conhecia a disposição do quarto, inclusive no escuro, e marchei até a cama que antes pertencera a minha mãe, a segurava junto a mim. Joguei seu corpo sobre a cama e escutei sua risadinha maligna, a pouca luz entrava pela janela, iluminava sua boca inchada. Arranquei minha jaqueta e ela tentou se virar para rastejar na cama, mas era tarde demais. Ela havia me dado o poder e eu não devolveria, não tão facilmente. Arrastei ela pelo tornozelo como se fosse uma pluma e a virei em minha direção prendendo seu pescoço entre meus dedos. — Você não sairá daqui antes que eu afunde minha língua na sua boceta. — aproximei nossos rostos, aumentei a força nos dedos, então ela sorriu inclinando a boca para mim e devorei seus lábios. Abri o seu decote o mais rápido que consegui, tentei controlar a força das minhas mãos, mas talvez eu tenha danificado o zíper no meio do processo. Seus seios eram perfeitamente arrebitados e aproveitei esse momento para ter um gostinho. Eles cabem na minha boca, como se eles fossem esculpidos para mim, para que eu os tenha e a marque com minha mordida. Não há nenhuma razão aqui, apenas a necessidade e não resisto, eu a mordo enquanto observo ela se contorcer e tentar gritar mesmo que a esteja asfixiando. Soltei a carne do seu peito e dei uma breve lambida por cima. Arrastei a barra da sua blusa até a curva escondida do quadril e mordi mais uma vez. Ela era tão pequena em relação a mim que com um breve abrir de boca eu abocanhava grande parte dela enquanto ela se contorcia me deliciando com os gemidinhos sussurrados com enorme esforço. Desabotoei sua calça e deslizei rapidamente o tecido apertado até seus joelhos deixando minha mão passear de volta até sua cintura. Ligeiramente senti minha mão se molhar com uma lágrima que escorreu de seus olhos e avancei mais uma mordida na sua coxa, muito perto, perto o suficiente para meu hálito fazer carinho a sua boceta. O cheiro dela me invadiu, então lancei meus dentes entre o vão da sua coxa e virilha e ela se arqueou esfregando a boceta molhada em minha cara. Eu me descontrolei cravando os dentes a fundo sobre a calcinha, a abaixando, fazendo minha respiração quente acariciar a sua calcinha encharcada. Depositei um beijo delicado com meus lábios gelados sobre a testa da sua boceta, senti o quanto ela estava quente e sorri suspirando sobre ela que aquiesceu chamando meu nome. Então, afrouxei o aperto das mãos e observei seu peito oscilar rápido. Aproveitei da distração para beijar mais abaixo, sentindo a minha língua mergulhar e me deparando com a quão molhada ela estava. O toque da minha língua deslizava com facilidade e incontrolavelmente impulsionava seu quadril para cima, me obrigando a usar minha outra mão para firmar seu corpo sobre à cama. — Eu mando aqui, vadiazinha. — Um breve suspirou escapou dos seus lábios tentando chamar meu nome, mas afundei minha boca e a língua deslizou invadindo ainda mais dela e mordisqueiseu lábio deixando que meu hálito serpenteasse por seu corpo. Seu corpo inteiro se arqueou me fazendo sorrir enquanto aprofundava o beijo violento em sua boceta. Ela esperneou e eu me aproveitei para lançar mais uma mordida, ainda mais profunda dessa vez, e então suas mãos buscaram os meus cabelos os puxando e eu afundei minha cabeça ainda mais, esfregando minha língua e sentindo o pulsar frenético da sua boceta em minha boca enquanto ela tentava se desfazer do meu agarre. Aumentei o ritmo sabendo que ela não conseguia mais segurar, apenas fazia porque era uma psicótica maluca, então seu pequeno corpo tremeu sobre meus braços e eu firmei meus movimentos e o aperto em sua cintura. Esmagava sua pele quente e me deliciava com cada movimento dela se entregando ao orgasmo. Ela gozou enquanto eu ainda mantinha minha língua dentro dela, bebendo cada gota e guardando cada suspiro enquanto relaxava em meus braços. Capítulo 30 Klaus Quando me levantei de sua virilha, voltei trilhando beijos até estar outra vez em sua boca, enquanto subia sua calça e deixava minhas mãos relembrarem cada curva do seu corpo. Ela segurou meu rosto me beijando devagar até me virar para o lado. De relance, olhei para ela que parecia sorria batendo os olhos devagar. Inclinei a cabeça e a segurei contornando sua boca e tentando imaginar como era seu sorriso nessa completa escuridão, mas ela continuava a dar risadinhas conforme meus dedos passeavam por sua boca. Eu me esforçava para gravar cada detalhe do seu sorriso e como seus lábios se esticavam completamente felizes. Senti que seu corpo se virou de barriga para cima, imagino que esteja olhando o teto, o único lugar ainda iluminado pela lua. Ela se remexeu um pouco mais, tentando apoiar as mãos na cama e voltou depois do que viu. — Sou eu? — sua voz vacilou e por pouco pensei que fosse chorar, mas logo em seguida gargalhou. — Sim — o som da sua risada me causou uma inveja profunda. E eu notei que ela havia levado a mão à boca dedilhando o contorno dos seus lábios e depois os olhos, iguais aos desenhados no teto do quarto — Essa é a minha cabeça nos últimos meses. Ela sorriu e se inclinou sobre mim tocando meu nariz e eu me permiti fechar os olhos, me acalmando. Eu não sentia seu toque diretamente, apenas o couro macio acariciava meu rosto. — Você faz o mesmo comigo nos últimos 4 anos — eu sentia seu hálito perto de mim então me inclinei procurando sua boca e seus lábios roçaram os meus — não há um dia sequer que eu não procure por você. Sorri contra seus lábios, imaginando há quanto tempo ela me espiava nas sombras, mas o barulho de carro se aproximando me retirou do seu toque e a afastei delicadamente, sentando na cama. Em alguns segundos ouvi a porta de casa se abrindo. — Fique aqui, eu já volto — ela se remexeu sentando-se na beira da cama e encarou o teto confirmando com um murmúrio. Me levantei e notei que a porta do quarto estava entreaberta. Com cuidado, retirei a chave do lado de dentro e a encostei fazendo o menor barulho possível enquanto eu trancava a porta pelo lado de fora. Desci as escadas me lembrando de fechar meu zíper e abotoar as calças, mas reconheci a silhueta de Zaccheo parado em frente a escada. — Você está aqui desde quando? — os olhos azuis eram túneis de escuridão profunda que até mesmo no breu da sala eu reconhecia sua preocupação. — Desde a tarde, o que houve? — meu irmão deteve os olhos como se enfim me enxergasse e agora me examinava com os lábios se esticando lentamente em um sorriso. — Você está fedendo a sexo e morango. — Dei um último suspiro afastando as memórias ainda quentes sobre minha pele e troquei o peso do corpo cruzando os braços — Por que não tem luz nessa casa? — Não sei, pode ser que houve uma queda. — Só aqui em casa? Seu olhar felino tentou enxergar algo através de mim como se ele fosse mesmo capaz de descobrir algo apenas me olhando no escuro. Porém, no segundo seguinte em que seus lábios se fecharam. A luz voltou a iluminar tudo ao redor e meu irmão revirou os olhos e passou por mim como um relâmpago. Ele abria todas as portas de casa, e farejava tudo como um lobo em busca de qualquer falha. Eu me recostei na parede e tentei parecer o mais desinteressado possível, mas meu coração errava as batidas no peito pensando no momento em que ele decidiria ir lá em cima. — Tem alguém, além de você e eu, dentro dessa casa. — ele soletrou para mim, como se tudo aquilo fosse simplesmente uma equação. — Não. A luz apenas caiu, e por sorte voltou quando você chegou. — Isso não foi uma pergunta, Niklaus. Estou afirmando. Aí estava ele, o metódico e frio Zaccheo. Olhando para mim como se eu fosse um mero mortal perto dele. — Bom, divirta-se caçando o que “afirma” estar dentro dessa casa. Tomei alguns remédios e preciso deitar. Dei alguns passos e senti sua mão espalmar em meu peito. Ergui meus olhos até ele e notei seu olhar vago em algum canto na sala. — Eu ainda não fui lá em cima. Fiz menção de abrir a boca, mas a fechei antes de falar. — Não há nada lá em cima. — o sorriso dele mordendo os lábios foi perverso. Perverso e cruel, como eu sabia que era. — Ou, não há nada lá em cima que você, gostaria de me ver caçando, não é? Eu reconhecia o sorriso cafajeste dele, deslizando a língua pelos caninos e a raiva esquentou meu corpo. Eu investi uma cabeçada contra seu queixo. Ele vacilou um pouco, mas precisaria de bem mais força para derrubar o imbecil do meu irmão que devolveu um soco no meu rosto. Éramos dois merdas vindo do mesmo útero e eu também não vacilei e avancei socando sua mandíbula. Ele soltou uma risada exasperada e agarrou a gola da minha camiseta enquanto eu tentava segurar seus cabelos resistindo à vontade de arrancar os tufos de cabeça dele. Mas eram 5 anos e 3 malditos centímetros a mais que me jogaram contra o piso frio de mármore. — Foi ela que deixou esse cheirinho doce em você? — rosnei contra o chão gelado que em nada diminuía minha raiva — Acho que há muito tempo eu não via você lutar tanto por algo como está lutando agora. Me revidando. Por favor, me deixe conhecer a pessoa que conseguiu despertar sua pulsação de vida, às vezes ela pode ter algo para mim. Me debati tentando me soltar dos seus braços, mas ele sabia que se me soltasse eu seria capaz de arrancar sua língua da boca. — Então, quer dizer que você achou o cheirinho da minha porra doce? — tentei sorrir contra o chão gelado e ele rosnou me soltando. — Suma da minha frente. Apoiei no antebraço me levantando e subi as escadas sem conseguir sequer olhar para trás, eu sentia o olhar débil dele acompanhando cada passo meu. Quando voltei ao quarto e o destranquei devagar só restava a cama e os lençóis bagunçados, além da brisa leve que entrava pela janela que antes estava trancada. Capítulo 31 Yulieta Eu tinha planos memoráveis para esse fim de semana. E como se já não bastasse, o empecilho humano que era o babaca do irmão dele agora havia arrumado companhia, atrapalhando todos os meus planos. O desgraçado do professor da Lovell havia levado meu morceguinho para longe. Eu reconhecia que, de fato, eles formavam um trio e Klaus se sentia verdadeiramente à vontade com Kenneth, então dei esse descanso a ele. Mas havia algo me mordendo por dentro, me fazendo continuar o planejado. Eu queria entender que merda acontecia por dentro da casa de Klaus, tentar achar algo que pudesse me ajudar a desvendar todo esse turbilhão, e também reconheci que ele precisa de um pouco de espaço. Ninguém estaria lá neste fim de semana, os poucos empregados foram dispensados e o pai deles viajou. Eu já espiei muitas vezes essa casa, sabia que havia muitos seguranças ocultos e a quantidade deles diminuía quando ninguém estava em casa. Passei uma semana vigiando Klaus depois da nossa briga e sabia que havia um momento do baseado entre eles, onde eles se aglomeravam na sauna. Contei o horário certo e quando caminhei até a sauna nos fundos da casa eles já estavam lá dentro. Movi meu polegar rompendo o lacre e pousei a cápsula de gás no chão.Com um chute delicado, o corpinho cilíndrico rolou para dentro do quarto e em alguns segundos os três despencaram no chão como pinos de boliche. Eu amava incondicionalmente o óxido nitroso e a maneira rasteira que ele agia levando à inconsciência. Era incolor, insípido e com um cheiro que se mesclaria a maconha e passaria imperceptível. Eles haviam deixado alguns baseados para fora e os isqueiros em cima dos bancos do jardim. Levei a seda ao nariz e coloquei fogo no cigarro puxando a fumaça. Malditos filhos da puta. Era uma das melhores que já havia provado. Joguei o isqueiro sobre o banco, caminhei até a garagem fumando mais um pouco e acalmando minha cabeça. De longe notei a sombra do carro de Lovell se movendo como um fantasma com todas as luzes desligadas, dei um último trago e apaguei o cigarro pisando com as botas. Lovell se apressou desligando todos os alarmes da mansão e dos arredores entrando com o carro. Quando elas desceram, eu estava em frente a porta da casa observando Lovie carregar uma bolsa com os equipamentos que ela precisava para manter todos os sistemas de segurança inativos e as câmeras desligadas. Peguei a mala de suas mãos e joguei a bunda contra a porta que se abriu. Marianelle foi a primeira a entrar e farejava o ar como se pudesse sentir o calor de cada passo que Zaccheo havia dado naquela sala, que era linda, por sinal. A decoração não era nenhuma pouco moderna. Era carregada de cores fortes e artigos de arte, mas definitivamente não parecia um lar. Pousei a mala sobre a mesa, Lovell pegou seu notebook e um jammer para interferir nos sinais de transmissão e conectar com os loopings pré programados para excluir as imagens atuais da câmera. — Os quartos ficam lá em cima, aqui embaixo tem apenas áreas comuns. Vou começar pelo escritório da suíte, você vem comigo Lovell. Eu quero entrar no computador dele. — Lovie confirmou e se levantou levando o computador com ela e eu jurei ver um sorriso através da balaclava que cobria seu rosto — Vou deixar para você vasculhar o quarto do Zaccheo atrás de algo relevante. Marianelle respirou fundo, subiu as escadas devagar e eu chamei Lovell com a cabeça e ela me acompanhou subindo as escadas. O corredor direito era a suíte e o corredor a esquerda os demais quartos. Paramos de frente a porta e esperei Lovell identificar algum alarme e quando ela negou com a cabeça eu girei a maçaneta. O quarto estava escuro, então Lovell sacou uma mini lanterna dos bolsos e iluminou ao redor. Aqui, as cores eram frias, um quarto em completo tom de bege que vagamente me lembrava um hospital e um arrepio vertiginoso remexeu meus nervos. Eu não sabia que merda havia naquele quarto, mas conseguiu tremular meu corpo inteiro e senti a mão quente de Lovell me tocar. — O que houve? Balancei a cabeça negando e tentando apartar o frio que se enrolava em meus pulsos. Tentei olhar em volta, mas não havia nada além da cama e dois aparadores. Lovell apontou a lanterna à esquerda e eu vi o mural de uma porta e caminhei até lá, mas o frio que emanava de lá era tão gélido que senti meus pés esfriarem sobre o beiral da entrada. — Vamos voltar, nada de bom sai desse lugar — meus pés se moveram sem minhas ordens e tão rápido eu estava do lado de fora, segurando a mão de Lovell e arrastando ela para fora do quarto. O calor voltou a esquentar meu corpo somente quando pisei meu último pé para fora daquele quarto e bati a porta. O cabelo loiro de Marianelle ondulou quando ela saiu do quarto e caminhou até nós. — Nada aí dentro também? Nós duas negamos, mas fui eu que dei os primeiros passos para longe daquele quarto, eu sentia que tinha algo olhando através da fechadura, me queimava e ardia. Eu não lembrava daquela escada parecer tão longa quanto era no momento em que descia por ela. Não conhecia todos os cômodos da casa, mas sabia como era a planta da obra então o escritório dele era aqui embaixo depois da sala de jantar bem nos fundos da casa. Rodei a maçaneta da porta, mas ela não abriu. — Tranca magnética específica conectada com satélites e biometria ativada — Lovie encarava o jammer nas mãos e se sentou no chão apoiando o notebook sobre o colo — não sei o que tem aí dentro, mas ele definitivamente não quer que ninguém entre. — Ele acaba de me dar mais um motivo pelo qual vou entrar aí. Lovell estreitou os olhos amendoados em direção à tela do notebook e eu sabia qual das feras eu havia ativado naquele momento. encostei no batente e espiei a sala de jantar. Sem perceber imaginei qual desses lugares eu ocuparia em um jantar de família e por um breve segundo vi Klaus sentado na cadeira em frente a janela. O sol era forte, tipicamente verão e iluminava seu cabelo como um anjo. Ele sorria tão abertamente, de uma maneira que nunca presenciei, com os olhos tão brilhantes que espelhava um garotinho de cabelos escuros sorrindo como ele, mas eu reconhecia meus olhos na criança e em segundos não havia nada, e a sala de jantar era destroços cobertos por teias e sangue. Tentei piscar, mas meus olhos petrificaram como cal e eu não conseguia sair de lá. Tudo era vívido demais para uma alucinação e turvo o suficiente para uma realidade. Click Suspirei alto, enfim me vendo na sala que estava e conseguindo me mexer novamente. — Consegui uma brecha no software, mas ela não pode fechar novamente ou vou ter que repetir o processo, alguém terá que ficar segurando a porta. Lovell já estava de pé guardando o jammer e segurando o computador, eu respirei tentando me acalmar e colocar a cabeça no lugar. — Lovie você entra comigo, Nelly, fica na porta por favor. Empurrei a maçaneta e a porta se abriu devagar. Capítulo 32 Yulieta Dentre todos os cômodos da casa, esse era o mais comum. Havia um sofá verde na lateral e duas paredes repleta de livros, quando a da esquerda era coberta por vários porta retratos. Infelizmente, eu não poderia acender as luzes, poderia chamar atenção de algum vizinho e Lovell havia desligado grande parte dos disjuntores elétricos para ter acurácia na interferência de sinal das câmeras. Tateei as fotos, eu reconheci o menino de cabelos loiros sentado em um banquinho sorrindo comendo algodão doce. Tentei enxergar outra foto e vi uma mulher loira olhando distante das duas crianças que corriam, não tinha nenhuma alegria em seus olhos além de estampar um sorriso frágil nos lábios. Lovell estava conectando seu computador ao dele e plugando mais dois pen drives, levaria algum tempo tentando derrubar os códigos do hardware dele, já que somente a porta tinha tantos segredos que dirá um computador. Dei mais alguns passos e o terceiro porta retrato me chamou atenção, era uma mulher que parecia sorrir coberta apenas por um lençol. A foto era tremida e os detalhes perdidos, mas a cor do cabelo não era a mesma da mãe dos meninos. Era escura, semelhante ao meu. No impulso, puxei o porta retrato para enxergar mais perto e o som de rodinhas se arrastando sobre o chão me fez virar para trás. Que merda é aquela? Marianelle se inclinou para dentro buscando de onde vinha o som, mas Lovell estava em hiperfoco e simplesmente todos os detalhes de fora eram silenciados completamente para ela. Entre duas estantes uma fenda se abria lentamente e o porta retrato ficou fixo na parede, era uma alavanca. Aproximei para tentar enxergar o que tinha lá dentro, mas era infinitamente mais escuro, senti que havia um declive com alguns degraus e desci dois deles até estar no chão novamente. Puxei meu celular do cinto e liguei a lanterna, não consegui conter a risada que escapou dos meus lábios. A cada canto que iluminava, eu achava mais armas. Todas as três paredes estavam cheias de armas de todo calibre penduradas como uma exposição. Não consegui conter minha ansiedade quando reconheci ela entre todas as outras armas. Apoiei o celular em cima de uma mesa que ficava ao centro e com todo cuidado tirei ela do cabide. Desde que decidi que compraria uma arma, sai pesquisando qual seria a melhor, mas eu tinha uma queda por artigos vintages e essaera a porra de uma espingarda de cano serrado tipicamente italiana. Eu conseguia notar os detalhes artesanais impressos em couro preto fazendo dela, toda negra como a noite. Instintivamente, levei o cano da arma até o nariz, ela não cheirava a pólvora o que me dizia estar guardada há muito tempo. O que fazia sentido já que armas como essas eram extremamente raras e na maioria das vezes eram passadas por gerações. Deixei o torpor acalmar meus ânimos e encarei realmente o espaço ao meu redor. Todas as armas dali eram diferentes. Duas das três paredes eram simplesmente armas de guerra. Segurei a Lupara em meus braços, caminhei até o outro lado, me aproximando mais e iluminando com o celular. Vi uma Beretta de 1934 e não consegui conter a vontade de pegá-la nas mãos. Ela tinha detalhes em couro avermelhado que dava um toque de feminilidade, era completamente a minha cara. Cada vez que eu passava os olhos sobre os coldres em exposição, mais eu queria todas para mim, fui dando passos para trás admirando o arsenal da parede central que era bem moderno com metralhadoras e fuzis automáticos. Quando dava meu terceiro passo para trás senti meu pé esbarrar novamente com a mesa central e notei que seu som era oco. Pousei as armas sobre o chão e voltei a bater em busca de som e achei uma trava que abria alguma coisa. Destravei e dentro de tudo que eu esperava encontrar na casa do prefeito, nunca imaginaria que poderia achar um arsenal de armas italianas e um baú de dinheiro. Nunca havia visto tanto dinheiro em espécie, eram bolos identificados com o valor de 40 mil dólares. Levantei rapidamente e senti a vertigem me pegar, eu estava frenética. Passei pela porta secreta e Lovell ainda estava debruçada sobre o notebook, então dei um leve toque em sua mão para que conseguisse enfim sua atenção. — Você acha que leva quanto tempo para finalizar tudo aí? — Mais uns cinco minutos, ele tinha muitas senhas e softwares de barragem. — Imagino que sim — sorri pensando em como esse filho da puta mantinha tudo isso escondido — quando acabar, desce e manobra o carro. Quero que coloque ele mais acima na garagem e deixa o porta malas aberto. Não dei tempo de Lovell responder, eu já estava lá fora pegando a mala que ficou sobre a mesa da sala. — Toma, coloca essa porcaria para segurar a porta e vem me ajudar aqui — estiquei minha mão entregando a Marianelle uma versão de um livro “política alfandegária e imposto” que literalmente era peso de porta naquela casa. Ela me olhou incrédula, com os olhos azuis cintilando perguntas, mas obedeceu e depois me seguiu para dentro do escritório. Finalmente, Lovell havia se tocado que estava perdendo a melhor parte da brincadeira e agora encarava a salinha escondida boquiaberta iluminando tudo com a lanterna, meu Deus era mais lindo ainda. — Vai manobrar o carro — dei um leve toque em Lovie que estava visivelmente abalada e me voltei para Marianelle que havia virado pedra de sal ao lado dela — vem. — Você não está pensando em levar isso embora, está? — Nelly estava em choque e mesmo assim era a única de nós que pensava. — E por que não? O que ele pode fazer? Chamar a polícia? — não consegui conter o riso que tomou meu corpo enquanto ajeitava o máximo de dinheiro que conseguia dentro da mala. Capítulo 33 Yulieta Preciso dizer ao papai que realmente sou uma garota persuasiva. Em questão de segundos, as duas se juntaram a mim tentando guardar o dinheiro. Lovell ia contando, enquanto Marianelle organizava os maços de dinheiro na mala. Mesmo assim, não coube tudo, então elas carregaram o restante e jogaram no porta-malas. — Ilumina aqui Lovie, eu acho que tem munição — ela se virou na direção que eu estava e na gaveta embaixo dos expositores realmente havia munição, o suficiente para usar algumas vezes. O relógio de pulso de Lovie soltou um bip, estávamos lá a mais de duas horas e em breve o efeito do gás iria passar e tudo deveria estar no mesmo lugar de antes. — Vão à frente, eu vou recolher o dispositivo de impulso elétrico que desligou a luz da casa. — Lovie se colocou a andar, mas voltou depressa e se inclinou sussurrando para mim — Deixa o carro pronto para a partida, desengata o freio. Confirmei com a cabeça e voltei a caminhar até a garagem. A bolsa com a maioria do dinheiro iria no banco de trás com Marianelle, então ajudei ela a colocá-lo. Voltamos um pouco para buscar o restante das armas, mas observei Lovell correr até nós. — Corre. Eu mudei a senha da sala secreta e para camuflar enviei uma notificação de queda de energia direta no celular dele. O piso de mármore recebia nossos passos frenéticos correndo pela sala e atravessando a casa até a garagem, o lugar parecia muito maior agora enquanto corríamos. Mirei meu relógio e com certeza eles já estão despertando e, em breve, receberão uma mensagem perguntando sobre a falta de energia. Conseguimos chegar ao carro, puxei a porta e me joguei sobre o banco do passageiro virando a chave e puxando o freio de mão aproveitando a descida da garagem para o carro começar a se mover. Lovell jogou o notebook para Marianelle e assumiu o volante acelerando devagar, ainda sem ligar os faróis. Peguei o Jammer no porta luvas e configurei para abrir os portões a tempo de passarmos. Assim que os portões se fecharam atrás de nós, Lovell trocou a marcha acelerando o carro com a maior potência que conseguiu e soltei o ar que nem sabia que estava guardando. — Eu não acredito no que fizemos. — Se preocupa depois, você acabou de roubar o prefeito então dirige o mais rápido que puder e para bem longe daqui — Levei a mão à testa, eu estava quente, fervendo. — 5 milhões. Eu e Marianelle encaramos Lovell em sincronia, depois observamos quando ela sorriu e gargalhou. — 5 milhões, eu contei. Tem 5 milhões dentro desse carro. — Ela afundou ainda mais o pé no acelerador e o vento invadiu o carro, bagunçando nossos cabelos enquanto nos desfazíamos da balaclava. — Puta que pariu — abaixei mais os vidros do carro e inclinei para fora gritando — vai se foder prefeito de merda. Quando voltei para o banco, Marianelle ria enquanto deixava o vento balançar seus cabelos. — Para onde a gente vai levar todo esse dinheiro? — A gente vai gastar — estiquei minhas pernas sobre o vidro do carro e olhei para Lovell — Preciso de um drink. Capítulo 34 Yulieta Enquanto Marianelle e Lovell descarregavam as armas do porta- malas, eu separava um pouco do dinheiro da mala e amontoava o que sobrou no canto do galpão. Separei exatamente 3 milhões e fechei o zíper colocando a alça sobre o ombro. Voltamos para o Opala e pedi a Lovell que dirigisse até a rua central. Eu sabia que muitas boates lá eram comandadas por gangues e eles nunca negariam dinheiro. Afinal, eu não poderia deixar que esse dinheiro ficasse parado, então gastaríamos da maneira mais ilícita possível. Lovell estacionou e desci do carro com a mala. Eu havia me desfeito das roupas pretas, obriguei ambas a vestirem algumas roupas que ficavam no galpão e escolhemos algo mais apropriado: minissaia e top. As meninas ficaram trancando o carro e eu caminhei até o homem parado entre a porta da boate que parecia a mais insalubre da cidade. — A boate já fechou e ninguém mais entra — abaixei meus óculos de sol e ergui meu olhar. Nossa ele era realmente alto. Pousei a mala sobre o chão e tateei o bolso da saia. — Imagino que seu trabalho deva ser uma merda entediante. Ficar vendo garotas entrarem e saírem bêbadas, checar o documento sabendo que eles são falsos — suspirei gesticulando com as mãos — sinto muito por você. O homem trocou o peso do corpo e me encarou. — Que tipo de perua é você? — canalha estúpido, perdi a paciência e gargalhei arrumando o casaco de pele sobre o corpo. Soprei um dos fios de cabelo que estava sobre o meu olho e estiquei a mão em direção a ele. — Imagino que você conheça um pouco sobre essa cidade, então sabe quanto o silêncio pode ser bem remunerado — pousei dois maços de dinheiro em um dos seus bolsos da frente e empurreidiscretamente o cano da 1934 em sua barriga. Eu me apaixonei pela arma e peguei ela discretamente enquanto as meninas descarregavam as armas. Ela cabia perfeitamente em qualquer bolso — mas caso não queira tenho outras opções. Ele soltou um suspiro pesado e prontamente deu dois passos para trás sorrindo enquanto desejava uma boa noite. Eu odiava essa maldita cidade. Só não mais do que odiava essas festas. Se você jogasse uma carteira de trabalho no meio deles, eles fugiriam como ratos. Firmei o aperto sobre a mala e caminhei em direção ao DJ que tocava uma porcaria sonora. Parei bem perto dele e dei a mala para Lovell segurar enquanto sacava mais um lote de dinheiro do bolso. — Pega essa merda e fica bem quietinho. — Bati a mão com o dinheiro sobre o disco e a música na balada parou e alguns uivos soaram. Drogados de merda. Avistei o microfone e puxei da mão do DJ dando dois toques para testar se estava ligado — Quero todos os homens fora desse lugar, agora. Meu marido vai pagar tudo que vocês consumirem esta noite no bar, e ele não vai ficar nem um pouco feliz em saber que tem outros homens aqui. O segurança que estava do lado de fora havia entrado e quando meu olhar pousou sobre ele, prontamente sua mão puxou alguns garotos para fora, enquanto o resto se encaminhavam sozinhos. — Você nem sequer namora, Yulieta — Marianelle me encarava como se eu fosse um bicho, enquanto descia do palanque. — Isso é questão de tempo. — Pisquei para ela pegando a bolsa de Lovell e voltei a olhar para o segurança e ele veio até mim — Você ouviu bem? Vou pagar tudo que elas consumirem hoje, então dê tudo que pedirem. Ele confirmou com a cabeça e eu tirei finalmente os óculos. — Eu quero uma sala com o mínimo de barulho possível, um Sex On The Beach e dois Martines com a melhor Vodka que tem nesse lugar e não aquela porcaria aguada que você vende para esses imbecis. Quero russa! E fala pro idiota ali do som tocar algo melhor. Ele assentiu e indicou a escada abrindo caminho entre as pessoas, destrancou a porta de uma sala que tinha vista ampla da pista de dança lá embaixo e me entregou as chaves, sorri piscando os olhos e ele desceu. Assim que entramos, Lovell abriu prontamente o notebook e se sentou em uma mesa. Aquela sala parecia mais um escritório, o que é estranho em uma boate. — Eu consegui quebrar o acesso de entrada e fiz uma cópia de todos os arquivos em pastas, mas pelo visto cada pasta tem uma criptografia específica. Isso vai levar muito tempo. Ela sorria repuxando os lábios arroxeados, teria muito com o que se divertir pelo visto. — Tem uma estimativa de tempo? Marianelle havia tirado as palavras da minha boca. Tudo o que aconteceu hoje me deixou ainda mais curiosa em saber o que mais o prefeito esconde debaixo do tapete, mas a forma como aquela loira se esticou sobre a mesa foi predatória. — No mínimo uma semana. — Rolei os olhos, eu odiava esperar. De repente, Marianelle socou a mesa e eu pulei do sofá que mal cheguei a sentar. — Que resposta mais você quer? Não tá na cara? — ela lançou os olhos azuis me queimando — Armas italianas raras e de guerra, 5 milhões em espécie escondidos numa portinha secreta. O prefeito é mafioso. — Então, essa é a merda que governa a cidade? — Marianelle revirou os olhos rindo. — Não, não exatamente. — Cruzei meus braços e encarei as mulheres no andar de baixo. Algumas se agachavam cheirando a cocaína sobre a mesa. Eu não daria mais do que 18 anos a todas elas. — É possível ter alguém acima das gangues, acima da própria máfia quando ela se senta no gabinete do estado? Voltei para Marianelle que estava apoiada sobre a mesa olhando a mesma cena que eu. — A polícia. — Os olhos azuis da loira se focaram em mim tentando arrancar o que eu não havia dito — Quando a máfia se junta com a polícia as engrenagens começam a funcionar em um emaranhado de segredos, onde é uma luta constante de cobra comendo cobra para ver quem vai sobreviver no final do dia. Então, só tem uma coisa que vence: a milícia. — Por isso as criptografias. Tem algo muito bem escondido nessas pastas e posso apostar que a polícia deve ter o mesmo sistema de arquivos — apontei para Lovell e confirmei. — Sim, é por isso que as gangues fazem o que querem nos becos e nas ruas. O prefeito tá na mão da polícia e, sem dúvidas, alguma parte desse dinheiro escoa para eles. — Ótimo, e como acabamos com isso? A polícia que deveria prender não faz seu trabalho e o prefeito enfiou a saúde pública no rabo. — Se a gente conseguir comprovar que a polícia se beneficia do tráfico… Gargalhei com a ingenuidade de Lovell, ela colocou um cacho crespo atrás das orelhas e eu me sentei no sofá. — Oh, sim, e vamos dizer o quê? Senhor policial prenda a polícia? Ela ergueu o dedo do meio para mim, sorri levantando do sofá para pegar o drink que pousaram na portinha e dei as duas taças a Lovie e Marianelle — O que é, o que é… — peguei minha taça e caminhei até as duas — Corre por dentro, não tem pernas e nunca descansa? Marianelle rolou os olhos e bebeu do drink enquanto Lovell me encarava como se eu fosse um ET. Eu amava a raiva dela por metáforas. — O sangue. No fim das contas, todos eles sangram. Capítulo 35 Yulieta Eu tinha muitas contas a acertar com Klaus. Senão fosse aquele maldito irmão atrapalhando tudo, talvez eu não faria o que estava prestes a fazer. Rodei o compartimento da arma me certificando que havia apenas uma bala. Enfiei a arma no bolso e encarei o carro de Klaus. Ele parou em um supermercado quase às duas da manhã na parte mais deserta e desabrigada da cidade. Assim que ouvi seus passos retornando, me agachei no carro enquanto ele abria o porta-malas e deixava as compras. Antes de fechar, eu me esgueirei até ele apontando o cano da arma em suas costas. — Oi, morceguinho. — Ele se virou, me olhando de soslaio, mas não sorriu — Está bravo? — Eu disse para ficar. — E ser pega pelo seu irmãozinho? — Foram 4 dias — a voz saiu acompanhada de um rosnado e eu me sentia feliz por ele sentir saudades. — Prometo me redimir, hoje mesmo — sorri, enquanto sacava umas das minhas seringas e aplicava rapidamente o líquido na sua jugular, ele oscilou e tentou dizer alguma coisa, mas empurrei seu corpo e ele caiu deitado no porta-malas. Ajeitei sua cabeça para dentro, assim como os pés. Caralho, ele era muito grande para essa porcaria de carro. Bati a porta traseira e corri até o volante me apressando em chegar na guarita o mais rápido possível. Evitei passar por buracos e não acelerar tanto, mas a ansiedade me corroía. Assim que estacionei, me acelerei para tirar Klaus do porta malas. Foi bem mais difícil do que das últimas vezes e eu estava completamente ofegante quando consegui colocar seu corpo sobre a cadeira. Amarrei suas mãos para trás e me distanciei olhando o relógio, apenas alguns minutos. Porém, ele me surpreendeu acordando bem antes e me encarando com tanta raiva que um fio de medo percorreu meu corpo me empurrando de novo para o fogo. Tudo ficou ainda mais selvagem quando ele focou os olhos na minha roupa, eu havia me desfeito do sobretudo e meu vestido estava à mostra. Meu busto estava coberto por uma renda fina e delicada deixando à mostra meus seios e uma parte do abdômen, e depois o tecido se agarrava ao meu corpo delineando a curva da minha cintura. Extremamente curto sem deixar minhas pernas muito visíveis, já que calcei uma meia preta até as coxas. Havia trocado a bota por um coturno de caça. — Me solta. — Ele se debateu sobre a cadeira e eu sorri caminhando até ele. Não muito perto. — Você não está colaborando, morceguinho. — Me inclinei, e a sua respiração acelerada acariciou meus lábios enquanto roçava nossa boca antes de me retirar — Eu queria apenas estar em cima de você me esfregando como uma vadia. Ele respirava como um demônio enfurecido, seus olhos fixos em mim como adagas. — Dessa vez, eu não apertei suas cordas e você não vai precisar de muito para se soltar, mas tome cuidado. Coloquei uma arma no seu bolso. — Ao ouvir minhas últimas palavras, elemoto para mudá-la de lugar. Naquele momento avistei Zaccheo Capulet contornando o estacionamento do ginásio, fazendo uma ligação. Destravei o freio e empurrei a moto até me esconder atrás dos arbustos. Eu dividia minha atenção entre me divertir acompanhando o moleque desesperado com o roubo da moto, e ver Zacch discar o número do irmão dezenas de vezes enquanto deslizava as mãos nervosas pelo cabelo escuro. Me esgueirei entre as sombras para ouvir sua conversa. — Eu não consigo conversar com ele, apenas chama e não encontrei seu carro aqui — houve uma pausa para ouvir a resposta — não, ele sem dúvidas me contaria, tem algo errado. Você consegue me enviar a localização do rastreador que colocamos no carro dele? Ele ouviu a última resposta e começou a caminhar em direção ao carro, mas parou olhando em volta. Eu sabia que estava bem escondida, mas seus olhos eram tão claros que senti que poderiam me iluminar como um holofote, então dei meia volta me distanciando. Voltei o mais rápido que pude para a moto e apanhei o celular no bolso selecionando o contato “POISON”. — Seja lá o que você estiver fazendo, para, e joga tudo dele fora — Yulieta não demorou a atender — ele tem um rastreador e o irmão dele tá indo atrás de você. — Não me diga que você tá espiando ele — a maluca ainda ironizava sussurrando. — Sim e você deveria me agradecer. Eu nem sei por que, mas algo me leva a pensar que você fez merda — a risada diabólica dela me interrompeu quase em confirmação — me manda a placa do carro dele que vou enviar para Lovell interceptar. Desliguei o celular às pressas e percebi que ele ainda mexia no telefone inclinado sobre o carro, mas assim que ele entrou e arrancou, eu segui ao seu encalço. Eu conhecia bem as estradas de St Harlem, já desovei motos em outros Halloweens, e apesar de ele dirigir uma Bugatti Noire, sabia que ele ultrapassava raramente a velocidade permitida e a moto do pateta bêbado era simplesmente uma Kawasaki ninja alcançando belos 400 km/hora. Firmei minhas mãos no acelerador e o girei. O motor me correspondeu com um ronco profundo e foi o necessário para despertar a besta adormecida em mim. O som do motor se intensificou à medida que a velocidade aumentava, vibrando pelo capacete e pulsando por todo o meu corpo. Eu já havia avistado o carro de Zaccheo e com um movimento rápido do meu punho, liberei a potência total da moto que disparou e mergulhou serpenteando o carro dele. Consegui perceber o tranco do seu freio quando me inclinei para trás, observando seus olhos faiscar. Com certeza o som do motor ainda era ensurdecedor aos seus ouvidos enquanto me distanciava do carro. Esperei a distância certa para diminuir minha velocidade até parar a moto e deitá-la no chão. Dou um chute na área central da moto e o cheiro inebriante da gasolina vazando incendeia meu espírito e um sorriso perverso contamina meus lábios. Fogo líquido corre em minhas veias enquanto arrasto a moto até o meio da via única e estreita. Como essa estrada em específico era cercada por mata, voltei alguns passos e me escondi em um dos grandes arbustos da margem. Não demorou muito para que escutasse o carro de Zaccheo se aproximar e desacelerar assim que notou a moto caída na estrada. Eu sabia do seu ímpeto de cavalheiro que não resistiria a necessidade de ajudar alguém. Observei ele saindo do carro e encarando a moto. Buscando ao redor, com seus olhos elétricos, ele tenta entender toda a situação. Confuso, ele pousou suas mãos sobre os quadris e caminhou para mais perto da moto, distanciando-se do carro. Mais um passo dele e pego a caixa de fósforos que guardei no cinto da roupa. Eu não contaria a Yulieta que a ideia de ter cinto foi útil. Assim que ele deu seu último passo a alguns metros da moto, eu risquei a cabeça do fósforo no verso da caixa e o atirei ao rastro de gasolina que vazou do tanque. Uma das coisas mais hipnotizantes no fogo é o jeito que sua chama se alastra em uma velocidade alucinante. É como se a combustão fosse pressentida pela gasolina até elas se unirem em uma explosão de cores que fez Zaccheo cambalear protegendo seu rosto do calor do fogo. O véu de fumaça me encobriu para que corresse até seu carro aberto e me aproveitasse da chave engatada. Uma nova onda de arrepios ascendeu por mim quando troquei a marcha e puxei o freio de mão acelerando. O ronco do motor atraiu o olhar de Zaccheo como um ímã até o carro, mas ele estava distante demais para me ver ou sequer me alcançar. Ele tenta correr e eu dou a ré pisando mais fundo no acelerador que ressoa numa melodia arrepiante. Dei uma última olhada enquanto ele tentava a todo custo alcançar a bugatti, um sorriso sádico se forma por meus lábios quando virei o volante trocando a marcha e acelerando para o mais longe dele. Tateei o bolso do cinto onde havia deixado o celular e notei que Yulieta me enviou a placa do carro, selecionei o contato LOVELACE para uma chamada. Enquanto eu esperava que ela aceitasse a ligação, liguei o som do carro um phonk[2] sinistro tocava. — Tenho mais uma placa para você neutralizar o rastreador Love- lovie. — A risadinha que ouvi na ligação ressoou ao mesmo tempo que a minha e aumentei o som deixando a batida da música me embalar com a velocidade do carro. Lovell Era quase meia-noite e eu ainda estava fora de casa, maquiada e sufocada pela fumaça infernal dos demônios que se acomodaram perto de mim para fumar. Marianelle se distanciou acenando e em alguns segundos sumiu entre os outros. Ridiculamente, ainda usamos o mesmo código desde os 8 anos quando descobri meu hiperfoco em códigos. Usamos 224 para qualquer coisa que saísse do controle. No começo, trocávamos bilhetinhos na escola avisando sobre os problemas com meninos, até chegar hoje em aparelhos ilegais e hackeados. Troquei o peso do corpo e cocei minha bochecha. O tecido de spandex, que antes era agradável, agora me causa desconforto sensorial nessa sauna que grotescamente chamam de festa. O cheiro da fumaça me irrita e mesmo assim sou obrigada a respirar fundo e tentar me acalmar, a noite está apenas começando e teria que suportar isso. Meus modos de passar o Halloween eram mais tranquilos que os das minhas duas amigas, mas nem por isso eram mais fáceis. Eu assustava pessoas com mais pedigree. Posicionei minha bolsa lateral sobre o ombro. As pessoas não se comportaram muito bem esse ano, tenho aproximadamente quatro pastas com mais de uma centena de páginas. Meu pescoço está doendo. Todo esse papel está sendo um verdadeiro peso sobre o meu ombro direito, mas ele não é o único na minha bolsa, também tenho o meu notebook com ainda mais documentos. Algumas vezes é um fardo ser um gênio. Além de tudo isso, ainda tenho minhas garantias, ou seja, todos esses arquivos estão salvos na nuvem e caso aconteça algo comigo, as meninas irão vazá-los para todos os meios de comunicação. Me esquivei de uma tropa de bêbados que atravessou meu caminho e peguei a chave da relíquia brasileira. O meu segundo hiperfoco e o mais perigoso: carros. Eu tinha um Opala negro e fosco, acoplado clandestinamente com peças esportivas e as placas perfeitamente raspadas por Yulieta há 4 anos. Meu pai me confiou um colecionável que uso para as noites de Halloween, e algumas outras coisas ilegais. Ele não tinha um sistema de chave remota como os carros mais modernos e o macete era suspender a chave enquanto destrancava, mas, ao fazer isso, um vulto chamou minha atenção. Era comum as pessoas se fantasiarem no Halloween, eu mesma me vestia de catwoman negra, mas o traje completo de Darth Vader parecia esconder algo suspeito. Continuei destrancando meu carro e observei o cavalheiro negro se aproximar da moto e ligá-la, sem ao menos se desfazer da cabeça do senhor sombrio ou colocar um capacete. Eu conhecia aqueles trejeitos sutis e elegantes, mas não poderia ser quem eu pensava. Dentro do carro, me acomodei, observando ele dar partida. Acelerei levemente e notei que ele não tinha pressa nenhuma. Eu tinha que tirar uma foto disso, Yulietacessou os movimentos e me encarou — Eu também tenho uma e ambas têm só uma bala. Você já brincou de roleta russa? Ele cerrou os olhos e eu alarguei o meu sorriso. — Se você acertar o tiro em mim, me ganha por uma noite toda. Ele jogou a cabeça para trás e gargalhou. — Eu não vou atirar em você. — Sorri sacando minha arma do harness e o cheiro do couro borbulhou meu sangue. — Então se esconda bem. Porque eu vou, e espero acertar. — Me virei de costas para ele inclinando para guardar a arma no coldre que amarrei na coxa direita e o rosnado exasperado dele confirmou que me inclinei o suficiente para que a barra do vestido curto mostrasse que eu estava sem calcinha. Ainda de costas eu sentia seu olhar queimar minha pele e o ranger da cadeira sobre o chão me deixava em êxtase. Eu sabia que bastava mais uma palavra e ele ia atingir o ápice da raiva e se soltaria de lá. Como mel, as palavras deslizaram da minha boca. — Está com medo de errar? Então venha me pegar. Eu conseguia sentir sua respiração de longe quando uma das mãos se soltou das cordas, seus passos trovejaram até mim que previ seu movimento e corri batendo a porta magnética que me daria tempo suficiente para me esconder. Dei a volta na casa e espreitei a maneira macabra como ele me caçava. A cabeça baixa e os olhos passeando por cada sombra. Rodei o tambor do revólver dando uma vantagem a ele e disparei, mas não havia bala e o estalo do gatilho apenas chamou sua atenção em minha direção. Curvei o corpo, e engatinhei até os fundos da guarita e voltei a ficar de pé espreitando onde ele estava. No entanto, como uma névoa, ele havia sumido. Me inclinei, tentando enxergar o ponto cego, quando, de repente, uma mão cobriu envolveu minha boca. O desgraçado parecia sentir meu cheiro ou era minha respiração desregulada por conta da crescente excitação. Dessa vez, não conseguiria correr, ele me sufocava contra a parede. — Vou te fazer engolir cada palavra que falou ali dentro. — Meu sorriso alargou por entre seus dedos e seu olhar sádico irradiou uma risada baixa em mim — Você é diabólica. Sacudi a cabeça e ele soltou minha boca apenas para esmagar meu pescoço com as mãos gigantes. Ergui a perna e saquei minha arma, apontando em direção a sua barriga. — Vai deixar que eu atire? — ele respirava acelerado contra meu rosto — ou precisa que eu implore? Alguma coisa explodiu dentro dele que rapidamente apontou a arma para minha coxa disparando. O calor da bala raspando minha pele me fez gemer, largando a arma no chão. Ele firmou o aperto no meu pescoço e jogou a boca quente contra meus lábios enquanto a dor irradiava por meu corpo, eu estava perdendo o ar com sua língua em minha boca. Ele afastou nossos lábios, lançou seu olhar obscuro e o desejo daqueles olhos queimavam minha pele. Sorri, sentindo toda dor do meu corpo se transformar em fogo. Capítulo 36 Klaus Eu mal conseguia respirar, meu sangue fervia em meu corpo. A maldição à minha frente sorria, avançando em mim com os lábios quentes como se não sentisse a dor do tiro na cintura e eu me perdia nessa insanidade desejando cada parte dessa loucura nos meus braços. Peguei ela no colo, suas pernas se enrolaram como uma cobra em volta do meu quadril e eu as agarrei. Queria deitá-la sobre o chão e estapear todo o seu corpo para que nunca mais ela se colocasse em perigo, mas seria inútil. Ela se alimentava desse medo e dessa dor e algo que nunca senti me fez sorrir contra seus lábios. Ela suspirou contra minha boca, tentando recuperar o fôlego. Dei um tapa em sua bunda e a ardência esquentou minhas mãos. Senti seu corpo tremer em meus braços e um gemido baixo fez de mim o homem mais feliz do mundo. — Estou farto de ser caçado por você, por mais que seja excitante saber que fiquei tão frágil em suas mãos — como uma cobra ela tentou aproximar nossas bocas e eu enlacei seu cabelo a puxando de volta — Eu ganhei, então decido quando me beija. Afrouxei as mãos em seu cabelo e tomei distância para levantá-la do chão, colocando-a em meus ombros. O toque da ferida contra meu pescoço provocou outro gemido de prazer que escapou dos seus lábios, me levando à beira da loucura. Dei mais um tapa quente em sua bunda e ela se remexeu sobre meus ombros. Sorri e contornei a guarita para abrir a porta, eu sentia minha pele ardendo e meu pau respondia a cada suspiro quente que ela soprava em meu pescoço. Joguei seu corpo contra um sofá vermelho que ficava no canto escuro do quarto. Puxei minha camiseta, a tirei e nem mesmo o ar frio do inverno conseguia amenizar meu calor. Eu ofegava sem conseguir respirar direito e me aproximei dela, erguendo a mão para sentir a ferida na lateral da sua coxa. O tiro passou raspando e não havia muito sangue além da sensibilidade. Meus dedos contornaram delicadamente a barra da meia que ela usava e sem aviso dei um tapa em cima do machucado e observei seu pequeno corpo arquear sobre o sofá estufando o peito pronta para soltar um gemido. Interrompi tampando sua boca enquanto agarrava a bainha daquele maldito vestido puxando a barra para cima. Ela tentou pegar o zíper da minha calça, mas dei outro estalo em sua ferida. Assustada, jogou as mãos para segurar meu punho que calava sua boca. Ela estava me jogando à beira do precipício e uma lágrima de dor escorreu por seus olhos ao mesmo tempo que senti meu pau pulsar por dentro da calça. — Eu te dei alguma ordem? — aproximei os olhos escuros dos seus, pressionando sua boca contra a minha, e ela negou com um sorriso — Se vai ser tão malcriada, espero que seu corpo aguente todos os tapas. Volto a estapear sua bunda enquanto ela luta para respirar entre meus dedos. — Entenda morceguinha, eu nunca vou me afundar na sua boceta antes de beber de você. Arrastei a barra do seu vestindo erguendo ainda mais e observei sua pele se arrepiar sob meu olhar de sarcasmo. Toquei delicadamente sua boceta molhada e deslizei meu corpo para baixo e sorri baixinho perto da sua virilha. O ar quente do meu hálito entrou em contato com a sua pele nua e ela se contorceu ansiosa pelo meu toque. Porém, ele não veio. Eu respirava contra sua pele exposta e molhada, enviando ondas de arrepios pelo seu corpo e observava enquanto a maldita se molhava ainda mais pelo simples roçar dos meus lábios em sua carne. Ela remexeu seu quadril inquieta, tentando me convencer a levar a língua até sua pulsação, mas eu não seria tão fácil e continuei a rir contra sua virilha. Um murmúrio baixo escapou sua boca e eu mal percebi que ela estava realmente chorando. Retornei o olhar para ela, encarando-a de baixo. Deslizei a língua devagar pela sua boceta, atento a cada espasmo do seu corpo enquanto inclinava o quadril até minha boca. Muito malcriada. Afundei meus dentes em sua pele e ela se molhou ainda mais com a dor crescendo com minha pulsação. Eu queria devorá-la. Sorri, deixando que minha boca beijasse seus lábios onde eu havia mordido, então mergulhei a língua quente em sua boceta e senti seu corpo se contorcer enquanto os gemidos abafados escapavam entre meus dedos tampando sua boca. Ela derretia em minha língua. Afastei rapidamente e o breve sopro do vento fez ela se remexer em protesto, mas logo eu me aproximei descendo o zíper da calça. Enfraqueci o aperto em sua boca e ela soltou meu punho se concentrando em tirar as luvas. Seus olhos curiosos espreitavam a maneira lenta que eu abaixava a roupa e até que deixasse a mostra meu pau. Ela me encarava notando as veias saltando por cima da pele e todas elas pareciam pulsar encantadas pela maldita visão das pernas abertas para mim. Minha mão pesada agarrou sua coxa machucada, afastando suas pernas e deslizando lentamente meu pau pelos lábios molhados da sua boceta. Ela estava tão molhada que a cabeça escapou penetrando um pouco enquanto ela se contorcia desejando sentir minhas estocadas dentro dela. Avancei com beijos violentos em sua direção, querendo todas as partes do seu corpo ao mesmo tempo. Tirei meu pau de dentro dela e deslizei a cabeça em volta de seu clitóris inchado, provocando-a atéme sentir satisfeito com seus gemidos abafados contra meus lábios. Afundei meu pau dentro do seu corpo de uma só vez, sentindo as paredes da sua boceta se contraírem ao meu redor, em uma tentativa de me acomodar. Meu corpo estava quente e senti o toque da sua mão de repente, ela não estava mais de luvas e o carinho dos seus dedos congelou o fogo do meu corpo. Meu sangue se cristalizou como gelo e eu me separei rapidamente dela. Eu não controlava meu coração e senti ele saltar no peito sufocando minha garganta, eu sentia minha pele antes quente agora completamente fria e grudenta. Não conseguia enxergar nitidamente, mas o vulto dela se endireitando sobre o sofá para tentar se aproximar me fez recuar fechando os olhos. — Não chegue perto. — Me esforcei para a voz sair firme, mas eu sequer conseguia respirar — Não me toque. — Klaus eu… — ela tentou tocar seu rosto, mas eu me encolhi escondendo uma lágrima que desceu rapidamente por meu rosto. — Não, por favor. Não toque em mim — Eu não estava naquela maldita noite, eu estava aqui, mas a sensação de nudez arrepiou meu corpo e eu queria me cobrir agora mesmo. Me levantei depressa, buscando a camiseta no chão e ouvi o barulho dos seus passos, enquanto ela ficava de pé dando dois passos para trás. — Eu te machuquei? Fiz alguma coisa? — Não, me deixe ir embora. — Tentei firmar o aperto das minhas mãos sobre o tecido, mas eu tremia tanto que não conseguia disfarçar. Passei a camiseta pela cabeça e encontrei a chave em cima da mesinha a minha frente. Meus dedos trêmulos falhavam em conseguir abotoar a calça. Sua sombra se aproximou quando ela deu alguns passos tentando erguer a mão até o botão, mas recuei gritando. — Tire as mãos de mim — Meu grito foi alto o suficiente para que se assustasse andando para trás. Eu senti meu corpo fraco, sem conseguir respirar direito e o choro amargou a minha boca quando encarei seu rosto triste, piscando para não chorar junto comigo, enquanto abaixa a barra do vestido. Eu não conseguiria mais ficar ali diante dela, vendo os estragos da minha sujeira fazendo a pessoa mais feliz que já conheci, chorando por minha culpa. Queria me desculpar, mas se eu abrisse a boca cairia de joelhos chorando. E foi exatamente o que fiz a noite toda quando sai de lá e cheguei em casa. Capítulo 37 Yulieta Eu estava completamente atordoada, não sabia o que fazer e cada momento que lembrava do terror nos olhos dele eu me amaldiçoava. Tentei repassar tudo o que aconteceu e achar meu erro, mas não havia. Não preguei os olhos durante a noite, nem de manhã, e não teria como tentar cochilar durante a tarde já que o único turno que restou no escritório foi justamente esse. Eu estava em cacos e mesmo assim me arrastei até o jornal. Cumprimentei brevemente algumas pessoas e achei minha cadeira de costas para a janela. Bati os dedos algumas vezes sobre as teclas, mas nada decente sairia de mim naquela situação então me rendi à sala de café, tomei uns 4 pelo menos. Encarava o relógio à frente arrastando os ponteiros me torturando. As horas daquele dia se recusavam a passar, atrasando a chegada da tarde. — Yulie, você vai ficar? — a voz suave da subchefe do jornal me tomou a atenção no exato momento que o ponteiro rastejou até às seis da tarde. Confirmei com a cabeça sorrindo. — Tenho que bater algumas emendas, apenas 30 minutinhos. — Ela acenou e colocou a chave em cima da minha mesa. Assim que o barulho dos seus saltos contra o chão de madeira estava longe o suficiente, peguei o pendrive que Lovell havia me dado, conectei na entrada do computador e liguei para ela. — Pasta A3 — ela prontamente atendeu, estava esperando minha ligação, bem mais ansiosa que eu — coloca o código na tela que vou entrar remotamente no computador. Fiz o que ela pediu e observei o mouse passear pela tela, cruzei meus braços e acompanhei. Ela era tão rápida que em alguns momentos eu me perdia no que estava acontecendo. Ligeiramente, sentia uma brisa soturna sibilar por meu pescoço, não poderia ser a janela, não havia abertura. O mouse navegava de um lugar ao outro, entrando no site de ocorrências que o jornal tinha acesso e era liberado pela imprensa. Em mais alguns clicks e muitas letras e números na tela, eu reconheci o logo da polícia. — Aqui tem a maioria das ocorrências. — Houve uma pausa e ela sinalizou o lugar que eu deveria fazer as pesquisas — Espera. Parece que tem uma pasta oculta… fique na linha, já venho. Novamente, um sopro percorreu meu corpo e me obriguei a girar tentando entender de onde vinha aquele frio. Algo está muito errado, não acha? Você não é tão burra assim. Ouvi um suspiro de Lovell quando ela voltou a linha. — Realmente, tinha um arquivo morto nos registros offline da polícia previamente protegidos por criptografia. Consegui quebrar esse, mas identifiquei mais alguns em outras pastas mais sigilosas que vai demorar algum tempo. — A excitação em sua voz era nítida e eu bufei me remexendo na cadeira, desconfortável — Eu realmente não sei o que pode ser útil nessa pasta e vou ficando por aqui, já que a curiosidade é somente sua. Nem tente levar esse computador para casa, ele é rastreado via satélite. Agradeci e suspirei, pronta para entrar com os códigos destinados ao nome do Klaus. Assim que digitei o código e executei a busca, uma ocorrência de 2013 chamou minha atenção. Klaus tinha 11 anos naquela época. Executei o arquivo e a tela do computador me mostrou diversas imagens. Imagens perturbadoras. Havia muito sangue escorrendo pelas pernas, hematomas em carne viva e as roupas completamente destruídas. Os vergões estavam espalhados por todo o pequeno corpo arroxeado e quase sem vida sobre o chão que eu havia pisado alguns dias atrás. Minhas mãos trêmulas rolaram o mouse e meus olhos correram por um depoimento enquanto cada palavra desabava sobre mim. Respire, você não está respirando. Desci a tela e a dor me absorvia como um abismo, me jogando onde não havia luz, apenas meu coração batendo por todas as partes do corpo. “Testemunha afirma que alguém levou a vítima. Pontua que o suspeito tinha uma voz descrita como amigável e completa dizendo que o acusado pedia a vítima para o seguir. Abaixo está a transcrição do depoimento: “eu ouvi alguém o levando, pedia a ele para ficar calmo e se sentar, mas em questão de minutos eu ouvi os gritos da criança, e em segundos não se ouvia mais nada.”” Fotos, testemunhas e exames. Um dossiê completo descrito no código de estupro de vulnerável, arquivado e arrastado como poeira velha para debaixo do tapete. Solte o ar, solte o ar. Solte o maldito ar. Levei a mão nervosa a boca tentando segurar o choro que ameaçou subir trazendo com ele a bile do meu estômago. A fraqueza me atingiu e eu não tinha forças para conter o choro ou meu corpo se curvando a falta de ar. Porém, eu não poderia parar, eu deveria ir até o final. Rolei a tela e observei mais um depoimento no nome do acompanhante: Zaccheo. Era uma gravação e eu reconhecia o irmão dele. Você já foi longe demais, não tem mais como voltar. Você já se afundou, não percebe? Ao menos consegue respirar decentemente e está castigando as palmas da sua mão com as unhas. Continue. Pressionei o “enter”. Zaccheo surgiu sentado diante da mesa enquanto encarava as mãos e assim que sua voz soou por mais fria que fosse eu sentia o oscilar do choro. “13 de agosto de 2013 Depoimento gravado as 17:54 da tarde. Policial: Você se lembra a hora que ele chegou em casa? Zaccheo: As 5 da manhã. Completamente sujo. Eu não conseguia saber o que era terra, barro ou sangue em suas roupas. Policial: O que você pode dizer sobre o estado mental do seu irmão? Zaccheo: Não havia nada naqueles olhos, ou dentro dele. Ele se encolheu na banheira em que minha mãe foi achada morta algumas semanas antes. Se encolheu lá por 3 dias. Chorando, sem cessar. Sabe o que é ver uma criança, chorar, mesmo enquanto dorme? O cansaço sempre vence o sono em crianças, mas meu irmão resistia. Foram 3 dias, 3 longos dias. Em que ele chorou, encolhido no seu sanguee nas roupas sujas porque ele mal suportava a ideia de tocar no próprio corpo. No quarto dia eu o obriguei e ele desmaiou em meus braços quando ameacei tocá-lo e foi quando finalmente consegui limpar toda a sujeira do corpo dele. E até mesmo 4 dias depois, ainda havia vestígios por todo corpo dele.” Eu me agarrava à mesa como Zaccheo fazia naquela hora. “Policial: Como você descreve a situação física do seu irmão? Zaccheo: Havia feridas e mordidas por todo seu corpo. E tudo mais que vocês veem diante desses exames. Meu irmão tem 11 anos e eu não sei até quando ele fingirá que vive. A dor não era mais física e eu era um inútil que só podia observar meu irmão morrer pela segunda vez, diante de mim. Policial: Sentimos muito pelo corrido. Zaccheo: Ah, claro. Vocês sempre sentem muito. Policial: Se acalme garotinho, estamos tentando te ajudar. Zaccheo: Não, vocês ainda não me viram agitado, e eu realmente não espero consolo de vocês, e nem sei o que estou fazendo aqui. Talvez apenas tentando salvar os restos do meu irmão, o que sobrou daquela noite. Policial: Você tem mais alguma coisa a acrescent... Zaccheo: Três. O legista acusa no mínimo 3 homens. Três homens contra uma criança, uma criança que acabou de perder a mãe num suicídio enquanto ficou trancado com ela por um dia inteiro. Meu irmão havia morrido um pouco naquele dia, mas vocês foram longe demais com uma criança de 11 anos. Policial: O que você está insinuando com essas palavras? Zaccheo: Que sei quem foram os três homens contra uma criança, num beco escuro, porque ele se perdeu na hora de voltar para casa.” Segurei contra a mesa, enquanto uma dor impedia meu ar de chegar aos pulmões. Os borrões se misturavam às lágrimas e eu tentava com o que restou da minha força empurrar o ar para fora de mim. Lancei as mãos sobre o rosto, tentando conter as lágrimas, mas era inútil. Eu estava lá, vendo tudo acontecer em frente aos meus olhos. Acabaram com ele, não restou nada. Veja, abra seus olhos. Não seja covarde. As lágrimas não paravam de rolar e eu conseguia ouvir seus gritos, os gemidos e o choro. Cravei as unhas em meus olhos. Não, eu não queria mais ver. Não queria mais chorar. Senti uma dor aguda me atingir e, sem perceber, arranhava meu rosto. Pare, pare de chorar. PARE. Rasguei as unhas pelos olhos até que elas estivessem à minha frente e observei o sangue tomar conta das minhas mãos trêmulas. Tentei impedir meu choro de sair alto, mas os soluços se soltaram sacudindo meu corpo e eu voltei as mãos aos olhos. Pare de chorar. PARE. — Pare de falar — a dor ficou ainda mais aguda quando arrastei as unhas por dentro dos olhos — Chega, pare de falar. Escorreguei pela cadeira me aninhando embaixo da mesa. Os soluços sacudiam meu corpo inteiro e desejei não ter olhos, enquanto tentava a todo custo arrancá-los do rosto. Foi por isso que ele não deixou você tocá-lo, sempre foi isso. Pare de chorar, faça alguma coisa. Levei as mãos à cabeça e puxei alguns fios tentando calar, mas a voz falou mais alto. Muito alto. Dentro de mim, por cada parte dos meus ossos, ressoando palavras. Você não pode salvar ele. Você não pode. Não sozinha, você não pode. Minhas unhas largaram meu couro cabeludo e voltaram a castigar meus olhos, as lágrimas não paravam e nem mesmo a dor estava a calando. Só uma maneira de acabar com tudo isso. — Então tire, tire isso de mim. Tire isso da minha cabeça — pela primeira vez eu a respondi. Não, não dessa maneira. Iremos substituí-las. Vi sangue. Vi o corpo daqueles porcos, estripados, e o sangue de todos eles em minhas mãos. Tentei limpar com o dorso da mão a última lágrima que desceu por meu rosto. Foram essas imagens que me levantaram debaixo da mesa e carregaram meu corpo até em casa naquela noite. Parte II “Meu Deus, por que me abandonaste? se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco.” Carlos Drummond de Andrade — Poema de sete faces Capítulo 38 Yulieta Hoje era véspera de Natal e a neve cumpria lindamente seu papel de deixar St. Harlem esbranquiçada e em clima de festa. Eu, particularmente, amava o clima natalino e todos aqueles enfeites iluminados, assim como as roupas vermelhas e o champanhe. É uma pena que nos últimos dias não pude aproveitar nada disso. Recentemente, eu havia mudado meu objeto de estudo. Deixei Klaus digerindo tudo que aconteceu e me detive. Com a frieza necessária, busquei quem foram os três homens de plantão naquele dia e por alguns depoimentos consegui descobrir quais eram suas características e um pouquinho de empenho me levou a eles. Um havia morrido alguns dias depois daquela filmagem de Zaccheo abrindo uma ocorrência. Uma morte, um tanto quanto duvidosa e misteriosa. O laudo era tão simplório, sem muitos exames ou exumação. Morte natural, e um velório de caixão fechado não fazia muito sentido. Mas ainda havia dois vivos e o primeiro deles se colocou no meu caminho como um porco coberto de ervas e recheado de batatas na época de Natal. Em poucos dias, descobri todos os seus passos e que ele passaria o dia de Natal trabalhando, um álibi ridículo para comer putas no escritório da polícia. Vesti minhas roupas de sempre, coloquei meu cinto e aprontei a mochila com tudo que fosse útil e a joguei sobre as costas. Eu tinha 4 horas para fazer o que precisava e chegar a tempo da ceia. Eu havia sido encarregada de levar a torta de cerejas esse ano e ela já estava pronta, esfriando no forno. Uns dias atrás, fui até o galpão e busquei minha moto, precisaria poupar muito tempo. Fui com ela e subi um dos prédios pelas escadas laterais. Por elas, eu conseguiria acesso mais fácil ao departamento de polícia que tinha algumas sacadas no escritório. Quando estava perto, desci e me ajeitei sacando o champanhe da bolsa, me certifiquei que a máscara estava no lugar e deixei o sopro frio da neve me resfriar. Marchei para dentro do departamento de polícia de St Harlem. Dispensei o uso de jammers, queria que tudo fosse gravado. Eu havia retirado a sola acolchoada das botas e seu eco pelo chão era um som cativante aos meus ouvidos. Vasculhei despretensiosamente ao redor, e finalmente ele notou minha presença. Estávamos sozinhos. Sorri esfregando as coxas e o ruído do tecido fez ele me devolver o sorriso. — O velho Noel já está distribuindo presentes? — observei seus passos lentos até estar diante de mim, hoje ele tinha 58 anos e um rosto cansado — Interessante, ainda tem o rostinho angelical. Ele era um pouco maior que eu e analisava cada parte do meu corpo e das poucas partes do meu rosto coberto pela máscara como quem escolhe uma peça no açougue. Seus dedos alcançaram meu cabelo e ele enrolou uma mecha nos dedos, me fazendo dar uma volta me virando de costas para ele estalar um tapa forte em minha bunda. O susto me fez arquear as costas e eu gemi alto observando seu sorriso de aprovação. Ele tomou minha mão e me levou embora da recepção. Caminhamos pelo corredor, quando estávamos perto de adentrar a sala puxei o braço dele encurtando nossa distância e lancei rapidamente a boca em direção a dele que me correspondeu imediatamente enquanto me arrastava para porta entrando em uma das salas. Ainda sem desgrudar nossas bocas, ele tentava trancar a porta atrás de nós, quando enfim o barulho da trinca fechando ressoou ao meu ouvido uma nova onda de arrepios incendiou todo meu corpo. Inclinei sobre a boca dele, senti suas mãos envolverem meu quadril. Segurei seu lábio inferior entre os dentes e sorri aumentando minha força na mordida puxando sua carne com força. Seu grito chegou tarde demais. A pele se rasgou e o lábio inferior estava pendurado entre meus dentes. Um gosto horrível inundou minha boca e eu cuspi aquela merda enquanto ele tentava em vão conter o sangue que jorrava da boca. — Seu sangue fede — cuspi mais uma vez, enquanto soltava a mochila dos ombros e pegava minhas cordas segurando entre os braços. O desespero dele era nítido, as mãos sujas e trêmulas vasculhavam os bolsos, mas revirei os olhos e ergui as chaves e sua arma nasmãos. Ele se contorceu me observando jogar a chave pela janela e apontar a arma na direção dele — Não seja tão patético. Joguei a arma na mochila aberta e avancei passando a corda por seu pescoço, ele tentou lutar contra mim, mas aproveitei da sua estupidez para embaraçar suas mãos na corda e choquei sua cabeça contra a mesa. O barulho oco da sua cabeça soou uma, duas e na terceira ele começou a se mexer lentamente, então pude amarrá-lo decentemente por cima da mesa com a barriga para baixo, como um maldito porco na ceia. — O que você quer comigo sua puta? Olhei em sua direção, analisando todos os nós que eu havia feito, cada palavra dita levava um esforço gigante e puxava a carne estraçalhada da boca salpicando sangue pela sala toda. — Você se divertiu muito? Nessa sua vida medíocre? — Havia uma cadeira entre mim e nós me apoiei nela — Se divertiu muito estuprando crianças por aí? Os olhos dele piscaram nervosos, a raiva o fez se remexer em cima da mesa e chorar pateticamente. — Não Rick, não é para você chorar. Responde a merda da pergunta. — Respirava calmamente, mas a histeria dele me agitava por completo, queria muito sentar e rir. — Eu descobri coisas incríveis no arquivo morto da polícia. As imagens daquele dia pularam na minha mente e eu conseguia sentir a raiva se enervando pelo meu corpo. — Você se lembra o que estava fazendo na noite de 9 de agosto de 2013? Peguei meu soco-inglês na bolsa respirando profundamente não iria perder o controle, mas seu corpo se remexeu sobre a mesa como bacon fritando em óleo quente. Ah ele lembrava. — Me solta daqui vadia, veio defender aquela putinha? Desde pequeno aquele imbecil gosta de… Inclinei arremessando um soco em sua boca dilacerada e o contato do veneno com seu sangue liberou um perfume envolvente pelo ar. — Você nunca mais vai sequer fazer menção alguma sobre ele. — O homem se retorceu em cima da mesa evitando me olhar, me aproximei beliscando a carne exposta e o corpo agonizou. — Mantenha seus olhos em mim, Rick. Isso não é muito educado. — O que você quer que eu faça? Que peça desculpas? — Gargalhei e lancei mais um soco na sua cara. Cínico. Porco. Nojento. — Eu quero que você morra. Lentamente, gota por gota — puxei a cadeira e me inclinei puxando o lábio destruído com a ponta dos dedos. Algumas partes da carne estavam em tom de roxo lindo e borbulhante. Ele abriu a boca para gritar, mas a pele dos lábios se puxou e o veneno impregnou ainda mais em seu sangue. — Quero sentir sua vida escorrer por meus dedos até que eu a puxe de volta num ciclo infernal. E você vai chorar, implorar e suplicar pela morte. E eu vou olhar em seus olhos e rir — segurei seu rosto, buscando minha lâmina no harness e rodopiei o cabo do punhal deslizando a lâmina devagar por seu lábio para que ele sentisse sua carne corroída pelo veneno desgrudar devagar. Se o veneno continuasse em contato com o sangue, ele convulsionaria e eu perderia a melhor parte. Ele choramingou baixinho e eu me esforcei para ouvir. — Você é maluca. Gargalhei alto, não me contendo. — Vocês homens gostam muito de dizer isso — me sentei na cadeira observando a pele se retrair e enegrecer, mas as lágrimas que rolavam pelo rosto do homem atrapalhavam minha contemplação — Vamos Rick, coloque um sorriso na sua cara. Esse choro está me irritando — peguei seu rosto novamente enquanto ele se debatia e arrastei a lâmina nas laterais da sua boca sentindo o borbulhar do seu sangue pingando. — Sabe Rick, eu poderia ter me perguntado por que Deus deixou isso acontecer. — Me apoiei sobre os braços e encarei a carne enegrecida pulsar tentando lutar contra o veneno da faca — No fim das contas, essa é só mais uma rebeldia humana para não reconhecer as próprias falhas. Deus não tem culpa da sujeira do mundo, Deus não tem culpa do bosta que você é. Marianelle ficaria orgulhosa de mim agora, sorri lembrando de um dos seus sermões. — Você pode me acusar de incoerência. Mas me diga, como a justiça existirá sendo que ela é feita de homens, carcaças podres como você? — Recostei na cadeira cruzando as pernas e ouvi meu próprio monólogo — A única justiça que tenho fé é a marcada pelo sangue. Sob a pele. O resto são modelos metódicos e com falhas criados por homens, iguais a você. Neguei com a cabeça, ele não merecia ouvir minhas verdades. — Por grande parte da minha vida eu resisti, resisti a voz que falava em minha cabeça. Eu achava que era mais racional. E eu não era. — Troquei uma perna pela outra e o simples movimento fez ele se assustar em cima da mesa. — E agora veja, eu tenho sua vida em minhas mãos para sempre, sempre e sempre. Uma gargalhada surge em mim e eu perco o fôlego enquanto pego na mochila aos meus pés o cutelo que preparei para esse momento. — Rick, você nunca mais vai voltar a tocar nele — levei a lâmina ao nariz e infelizmente essa estava esterilizada e sem veneno, mas o terror nos olhos do homem afirmando com a cabeça tomou conta de mim e deixava tudo ainda melhor — Sabe por quê? Você não terá mãos para isso. Sem aviso, desci a lâmina sobre seus punhos amarrados. A lâmina estava bem afiada, mas o osso se colocou no meio do caminho dificultando o corte. Suspirei tentando arrancar a lâmina que se prendeu ao membro. Desci mais uma vez, enfim decepando sua mão. Os gritos dele eram uma sinfonia sublime, retumbando com meu coração e repeti o gesto sobre o outro punho, mas esse foi ainda mais resistente e apenas na terceira facada enfim o pedaço da sua mão despencou no chão. — Shiu, vamos. Não chore. — Levei meus dedos afagando seus cabelos observando seu corpo oscilar tremendo enquanto se mijava. Puxei sua cabeça em direção ao meu peito e continuei o carinho enquanto sentia seu corpo agonizar se debatendo. Uh, isso deve ter doído muito. — Você não vai morrer. — Soltei cabeça e deslizei os dedos por seu braço até o membro decepado. Eu havia errado a força e seu osso trincado estava para fora. Belisquei a carne exposta agarrada ao osso observando seu corpo sofrer se debatendo. — Apesar de ter errado feio eu ainda assim acertei acima da articulação do seu pulso. Os olhos dele vacilavam, não existe mais forças nele para chorar, mas era nítida a dor lasciva latejando seus braços e quase levando ele ao desmaio. Minha risada soou alta e me lembrei que já estava na hora de ir. — Bom… até mais, Rick. Lancei meu soco-inglês em sua nuca e seu sangue respingou em meu rosto. Droga, eu teria que lavar meu cabelo. Capítulo 39 Departamento de polícia – St. Harlem 25 de dezembro 3:20 da manhã As sirenes da polícia não soavam, nem mesmo a ambulância fazia barulho retirando o corpo ensanguentado de Ricardo do 25º andar do departamento de polícia. Incrivelmente ele estava vivo e a rapidez da denúncia anônima foi a responsável por esse milagre. — Cuidado oficial, a cena é escorregadia de tanto sangue. — De fato, em frente a porta o sangue escorria. Assim que abri a porta, alguns legistas examinaram a caixa sob a mesa e a frase na parede. “Como se impede a erva daninha de se alastrar pelo campo?” — Já abriram a caixa? — Não senhor, estamos esperando a análise antibombas — em alguns segundos, um deles confirmou e eu calcei as luvas e abri a caixa torcendo o nariz para o que estava dentro. — Vocês leram a charada da parede? — todas as cabeças assentiram positivamente e então gesticulei para o auxiliar entrar. — Limpe essa bagunça, solte uma nota alegando ter sido um detento em fúria que atacou o policial e para proteção da família o quadro clínico segue em sigilo. Apague as imagens da câmera, não tem nada útil para nós. Ele fodeu com uma puta e minutos depois alguém entrou aqui. Alguém conseguiu entrar aqui. Alguém que sabe demais. E essa merda na parede só tem uma resposta. Me diga, como se impede a erva daninha de se alastrar pelo campo? — Ergui a caixa virada sobre a mesa e as mãos do policial rolaram no chão — Cortando o mal pela raiz. Capítulo 40 Klaus Não consigo dormir. Sento-me sobre a cama e embrenho as mãos nos fios de cabelos que insistemem cair sob meus olhos. — Você não tirou o suficiente de mim? Minha voz é alta o suficiente para notar o vulto em frente a porta caminhar até mim revelando que ela havia trocado as botas por um tênis preto e roupas mais casuais. — Não pode perturbar o sono de outra pessoa? Ela sorriu e meu corpo fadigado sentiu as fibras do coração se repuxarem, como aquilo doía. — Não seria tão divertido como é com você — acompanhei seus passos até mim e a maneira como se sentou no chão me encarando. — Há algo diferente no seu olhar, que nunca esteve aqui — ela revirou os olhos para mim e piscou depressa espantando as sombras que enxerguei há alguns segundos, ela suspirou fundo sem me encarar e mordeu os lábios. — Você está bem? Eu não esperava pela pergunta que escapou de sua boca como se a língua não suportasse falar. Uma dor lasciva espremeu meu pulmão e soltei ligeiramente o ar. — Sim… Ela ergueu o rosto, nossos olhares se cruzaram e senti ela examinar cada pedaço de mim, vacilei, desviando o olhar como um covarde com medo de ser pego mentindo. — Você andou chorando? Fechei os olhos, mal percebia prender o ar quando soltei e meus ombros desceram junto. — Não. Seus olhos fugiram dos meus, então senti uma lágrima pingar em minha mão e a encarei. Um maldito mentiroso. Ela se levantou depressa, deu dois passos em minha direção e eu me inclinei para trás sentindo todo meu corpo acelerar e agora eu não estava mais no controle da minha respiração. — Conte-me, não me deixe no escuro, Klaus. Neguei impaciente. A dor ameaçava me consumir, como febre. Ela puxou o ar e ergueu a cabeça voltando ambos os passos sem me olhar. — Me deixe tentar, ao menos me deixe tentar te ajudar. Eu me sentia sufocado, queimando e me afogando em sangue. Agora, nem mesmo a voz dela conseguia calar as lembranças que tomavam as forças do meu corpo. Minhas pernas fraquejaram e eu escorreguei pela cama, as arrastando contra o meu corpo. Os ruídos ao meu redor me mostravam que ela também havia voltado ao chão. Para perto de mim. Afundei a cabeça sobre as pernas, o choro soou alto por minha garganta e eu queria me tirar desse corpo maldito e ardente. Soluçava sem lágrimas até sentir o toque carinhoso dos dedos enluvados sobre meu cabelo. Eram círculos delicados e seus dedos quase não tocavam minha cabeça, deslizando num ritmo suave entre meus fios de cabelo recém lavados e espalhando o cheiro de menta pelo quarto. — Eu… vou tocá-lo. — sua mão ainda enluvada desceu circulando meu maxilar, A outra ocupou o lugar continuando seu ritmo gentil e cuidadoso. Então, ouvi ela começar a cantarolar o toque de alguma música que eu não me lembrava. O ritmo da melodia se unia aos dedos delicados sobre minha cabeça, me embalando para longe, até que enfim meus soluços foram se acalmando enquanto eu sentia seu corpo remexer acompanhando a música. Sua outra mão alternava em mapear meu queixo e orelha. Minha respiração estava ofegante, mas ergui meu rosto tentando olhar para ela e um sorriso brotou em seus lábios, ela mudou o ritmo da música quase rindo. Era espalhafatoso, até mesmo alegre, não parecia nunca ter tido um dia triste na vida, eu a invejei por isso. — Você precisa ser guardada e protegida desse mundo — desesperadamente joguei minhas mãos segurando o rosto dela e o sorriso cresceu ainda mais. — Então me guarde, junto de você. — Ela pousou as mãos sobre as minhas e eu respirei fundo o cheiro doce dos seus cabelos grudando nossa testa. — Eu não sou capaz, eu sou imundo. Ela balançou a cabeça negando e uniu nossos lábios. Seu gosto doce invadiu meus pensamentos, mas algo dentro de mim ainda estava lá, me perguntando por quanto tempo mais eu poderia sustentar essa ilusão. Meu peito palpitava novamente e tudo em mim se remexia, me afastei bruscamente e ela caiu sobre o chão. Não senti o ar entrando no meu corpo e a fraqueza tomava conta do meu peito. Muito baixo ouvi meu nome saindo da sua boca, mas eu estava sufocado e tudo se distorcia ao meu redor. Os dedos enluvados tocaram meus braços. Segurei seu pulso e puxei, esmagando a pele sob meus dedos. — Eu odeio você, odeio você por me mostrar o amor. — Eu não conseguia encarar seus olhos sem desabar com ela, mas isso estava indo longe demais — Eu não fui feito para isso, nem ao menos fui recebido neste mundo com amor. Odeio você, saia daqui. Saía de dentro da minha cabeça. Sua mão segurou meu braço tentando me fazer solta-lá. — Preste bem atenção. Hoje estou te dizendo o que deveria ter dito naquela maldita noite, deixe-me — aproximei minha boca do seu ouvido — Suma, me deixe em paz. Soltei seu rosto e ela respirava tão depressa que pensei que fosse cair no chão, eu não tive coragem de observá-la sair. Chorando. Capítulo 41 Yulieta A neve caía tão devagar sobre as ruas escuras que por um segundo ponderei a ideia de não ir. Mas eu deveria ir, e sabia disso. Faltava apenas um. Eu repetia isso para mim quando o vento gelado do inverno bagunçava meu cabelo. Apenas um. Ajeitei a mochila sobre os ombros tentando impedir que a neve me congelasse. Encarei a escada do prédio e o frio do metal chegou a queimar minhas mãos me obrigando a pôr luvas. Esse maldito morava em um apartamento a três ruas da minha casa, eu só conseguiria entrar pela janela de incêndio e me arriscar destravando a porta dele. Por sorte, era semana de feriado da virada de ano e a maioria havia viajado para algum lugar mais quente. Menos esse imbecil. Mal conseguiu se casar e estava em processo de separação por conta de um boato que correu a boca dos vizinhos, ele havia engravidado a prima da esposa. A garota tinha 16 anos. Firmei as mãos destravando a porta que abriu sem ranger. Olhei ao redor. Não havia ninguém além das câmeras que interferi no sinal assim que cheguei. Com os passos leves, me coloquei para dentro observando ao redor. Era um apartamento espaçoso para uma única pessoa e bem equipado para um policial de baixa patente. A curiosidade aguçou meus sentidos sob alguns papéis sobre a mesa, corri os olhos rapidamente pelam palavras. “Buscar carregamento no porto às 03:25, devolver a ata assinada na manhã seguinte no ponto de coleta” Que merda era aquela? Meus olhos percorreram a casa e um armário chamou minha atenção. A porta não conseguia fechar. Com cuidado caminhei até lá espiando a fenda aberta, dezenas de pacotes amontoados com etiquetas sinalizando 1 kg. Havia muito mais do que poderia contar. Incrédula, bati os olhos e algumas peças se encaixaram na minha cabeça. Porém, eu não tinha tempo para isso, talvez quando acabasse. A casa estava silenciosa demais e de onde estava conseguia ver a cozinha vazia, sobrava apenas o quarto com a porta entreaberta. Caminhei até lá e antes mesmo de cruzar o batente vi seu corpo deitado na cama. Me aproximei observando o peito subir e descer calmamente, não era justo ele dormir um sono tão tranquilo sem nenhuma preocupação enrugando sua cara. Depressa, pousei minha mochila no chão e posicionei o soco-inglês sobre a mão enluvada. Num gesto leve, montei em cima dele, pressionei sua boca e rapidamente ele acordou levando as mãos, tentando alcançar meu rosto. Entretanto, fui mais ágil, descendo um soco em seu rosto. As lâminas do soco-inglês perfuraram sua face, a voz de fúria de Klaus inundou minha mente e eu arrematei mais um soco, dessa vez em sua garganta, enquanto ele se debatia embaixo de mim. Desci um soco em seu peito e senti que as lâminas se cravaram em suas costelas e arrastei até a barriga me alimentando de seus gritos agudos que cortavam o silêncio entre nós. — Eu queria te partir em pedacinhos como carne moída de açougue, verme. — O horror em seus olhos incendiou meu corpo, e mais nada. Quando acertei o terceiro soco, seu corpo parou de se mexer repentinamente e eu também cessei os movimentos observando a maneira dura que ele havia caído sobre a cama. Ainda montada sobre ele, me inclinei colando o ouvido em seu peito ensanguentado e a falta de batimentos fez o meu próprio coração bater mais forte. Pressionei os dedosem seu pescoço grudento e nada, nem um fio de vida. Eu o matei? Passei as mãos ensanguentadas pelo rosto. Sim, eu matei. Matei um merda de um policial, em sua casa cheia de drogas. Pulei de cima dele e caminhei depressa de uma ponta a outra do quarto, isso não estava nos meus planos. O que eu faria com esse corpo? Eu não poderia chamar a gangue porque sem dúvidas isso chegaria aos ouvidos da polícia e seria mais fácil eu me entregar de bandeja para eles. Eu mesma limparia essa merda. Segurei o braço do cadáver, o puxei e ele acabou caindo no chão. — Não era para você morrer, inútil de merda — num impulso, chutei sua cabeça e ele era uma pedra oca. Peguei a faca da bota e agachei esfaqueando sua barriga — Patético, corno de merda. O cansaço tomou minhas mãos, eu me ajoelhei soltando seu corpo e me sujando completamente de sangue. Estou tão assustada, nada aparta isso de mim. Eu me sinto cada vez mais longe dele e eu temo o dia em que receberei a notícia que Klaus desistiu de tudo. Esse sentimento não vai embora e o sangue em meu corpo não basta. Respiro fundo e penso na última vez que Klaus sorriu para mim, tudo ia ficar bem. Eu não poderia ficar cansada, ainda tinha que me desfazer desse merda. Senti meus braços fadigarem, me repreendendo. Eu estava cansada, há dias não conseguia dormir decentemente. Não conseguia sequer pregar meus olhos por segundos durante a noite sem ser sufocada por tudo que descobri. Um suspiro sacudiu meu corpo e as lágrimas molharam meu rosto encarando o cadáver à minha frente. Quanto mais será preciso? Ainda ajoelhada no chão, peguei o celular no bolso e liguei para Lovell, algumas chamadas e ela atendeu. — Eu… — o soluço interrompeu minha voz e ela chamou por meu nome — Preciso de vocês… 224. Capítulo 42 Yulieta O olhar que Marianelle lançou sobre mim fez com que eu suspirasse. Eu estava completamente suja e o cansaço se amontoava nas minhas linhas de expressão. Lovell também me escaneou com seus olhos amendoados e suspirou amarrando o cabelo crespo em um coque. — O que você tá fazendo aqui? Que sangue é esse nas suas mãos? Marianelle encarava a minha roupa enquanto Lovell já estava muito distante de nós encarando o cadáver caído no chão. Suspirei pensando em algo para dizer, mas nada saia da minha boca. Os olhos azuis de Marianelle caíram sobre o distintivo da polícia jogado a mesinha de centro e então se voltaram nervosos na minha direção quando ela me contornou e seguiu a passos fortes até o quarto. — Você matou um policial na casa dele? — cocei alguns cabelos do pescoço e acenei com a cabeça, respondendo Marianelle — O que há de errado com você? Tem sumido nas últimas semanas sem ao menos dizer nada e agora numa véspera de feriado você aparece com um cadáver desfigurado? O que há de errado Yulieta? Não diga a ela. Não pode dizer. — Nada. Não há nada, eu ia apenas dar uma surra nele. Mas ele morreu. A risada que escapa dos seus lábios, me faz erguer os olhos em sua direção. — Isso é absurdo, você está se ouvindo? — Que merda você quer ouvir de mim? — arranquei a balaclava do rosto encarando a loira a minha frente dar dois passos em minha direção — Quer que eu diga que o matei? Matei esse filho da puta. Rápido demais, eu gostaria de ter sido mais lenta. — Não, você invadiu a casa dele na surdina da noite, por algum motivo muito perturbador. Está estampado no seu rosto a insanidade enquanto você sussurra sozinha. Eu te conheço desde os 8 anos, e você está escondendo algo. — Eu não devo merda nenhuma a você, a nenhuma de vocês. — Apontei o dedo em direção às duas e marchei até Marianelle — Pensei que existisse um fio de lealdade entre nós. Preciso explicar as minhas próprias decisões agora? Eu preciso da sua permissão? Eu gritava com toda a força, respirando como um demônio. — Você se acha muito superior em ter honra e ética. Limpe a bunda com essa merda, não me serve de nada. Tenho meus motivos, eu não preciso me esconder sobre um manto de castidade renegando minhas próprias vontades como uma vadia mentirosa. Eu ao menos tenho a dignidade de sustentar o que eu faço. Marianelle apertou os olhos e eu a encarava de perto odiando a nossa diferença de altura. — Eu não vou discutir com uma garotinha mimada. Uma sociopata que nunca teve problemas de verdade e que busca a insanidade para sair da vidinha patética e sem sentido que tem. Se você soubesse o que realmente é sofrer… Como é sentir dor de verdade, mas não sabe. Agora encare essa podridão à sua frente. Parabéns. Posso apostar que continua vazia. Ela está indo longe demais. Fechei meus olhos, tentando ignorar as palavras dela ecoando nos meus ouvidos, mas não conseguia controlar minha mão que descia até a faca escondida na calça. — Yulieta, pare. Agora. — A voz altiva de Lovell me espantou e eu recobrei a consciência afastando bruscamente a mão de onde estava — Nelly, cala a merda da boca. Marianelle deu dois passos para trás e se apoiou sobre a janela. — Cada uma tem racionalidade o suficiente para entender que tem um cadáver no mesmo cômodo que nós? — fiquei em silêncio e observei Marianelle confirmar acenando a cabeça — Então, também conseguimos entender que temos individualidade para escolher o que fazer. E eu quero sumir com esse cheiro metálico e ferroso do meu espaço e tomar um banho quente. Somos um trio, amarrados por muitos segredos. Se uma cai, todas caem. Queria me ajoelhar e agradecer a Lovell pela lucidez e também queria chorar, mas afastei esse sentimento inútil e vesti novamente a máscara. — Acredito que todas nós aqui temos segredos, que bom. Isso significa que não somos inteligência artificial. Sorri e troquei o peso do corpo. — Eu sei o que fazer com ele. Preciso de sacos de lixo — observei Marianelle me olhar e apontar em minha direção — Você vai se virar para desmembrar ele. Um arrepio rodopiou meu corpo e eu fui até a cozinha, buscando algo melhor. Capítulo 43 Yulieta Não levou muito tempo para desmembrar todas as partes do corpo dele. Por intervenção divina ele tinha um machado em casa. Fechamos todas as janelas e separei membro por membro enquanto Marianelle colocava em sacos e depois os amarrava. Aproveitei cada segundo em que a lâmina cega atingia os tendões do corpo dele me forçando a pisar em cima daquele porco para arrancar o machado e descê-lo novamente sobre a carne fresca. Como sempre, os ossos eram os mais difíceis e, ao mesmo tempo, o mais prazeroso de se ouvir trincando a cada golpe. Eu me sentia viva, uma espécie de Deus desmontando um quebra cabeça grotesco arremessando a lâmina contra o joelho e recebendo o estalo seco do seu osso se partindo. Encarava seus tendões e ligamentos mutilados com algumas partes da musculatura resistindo bravamente ao corte cego da lâmina. Suspirei fundo, desejando ter minhas facas em mão, para observar a viperina apodrecer e ver cada músculo rebelde se retrair, como se estivesse me desafiando a usar o dobro da força. Arremessei mais uma vez, e a machadada sobre o joelho estourou finalmente os ligamentos, respingando aquele sangue nojento em meu rosto. Levei o dorso da mão à bochecha, mas seria inútil, eu estava coberta de sangue e perdida admirando o amontoado de carne pendurada e os ossos estraçalhados sangrarem sem cessar. Acomodei o cabo do machado entre os dedos, equilibrando a força nas mãos ajustando meus passos diante dos restos dele: a cabeça. Elevei a lâmina acima do corpo, uma felicidade estranha e perversa me alegrou, desci o machado com toda raiva acumulada dos últimos dias. A lâmina encontrou a carne do rosto com um estalo profundo, enterrando-se na pele e chocando contra o crânio, espirrando sangue por meu braço. A força, no entanto, não foi suficiente para estourar a carcaça resistente da cabeça. Apoiei meu salto sobre a boca do cadáver, lutando para soltar a lâmina cravada ao nariz sentindo meu corpo se aquecer com o sangue que salpicava meu corpo misturando-se ao prazer obscuro que eu sentia nesse momento. Finalmente, a lâmina se soltou, e eu me ajeitei para desferir outro golpe.Dessa vez, um pouco mais acima do primeiro. O estalo seco ressoou enquanto forçava a lâmina contra a carne, e então sua cabeça se abriu ao meio. O sangue dele ainda quente respingou sobre meu rosto, inundando o carpete do quarto transformando o chão em uma pintura divina. Encarei a massa cerebral, afogando-se no mar de sangue e dos tecidos recém-ceifados, e não pude deixar de pensar que era muito menor do que os outros. Um porco de merda, um amontoado de carne sobre o próprio chão, insignificante. Eu queria gritar isso em seus ouvidos, mas que pena, não haveria mais córtex auditivo para fazer esse trabalho, já que acabei de rachar aquela cabeça oca em pedaços. Uma gargalha escapou dos meus lábios e eu me apoiava no machado, encarando o rosto estraçalhado divido ao meio. Mas a minha contemplação foi interrompida por uma tosse forçada de Marianelle. Virei-me para elas, que estavam paradas a porta, quase tão brancas quanto as paredes daquele quarto. Eu havia esquecido que não estava sozinha. — Acho que podemos ensacar. — Soltei o machado da mão e peguei a uma das metades da cabeça do chão estendendo em direção a elas, mas a joguei de novo ao chão sentindo os fios de cabelo molhados de sangue se enrolarem em meus dedos. Foram 6 sacos que eu mesma tive que descer os 10 lances de escada, com o frio cortante secando o sangue sobre minha pele enquanto a neve me deixava ainda mais gelada. Organizei todos os sacos no porta-malas do Opala e olhei o relógio, era quase 3 da manhã. Lovell encarava o cômodo analisando todas as hipóteses possíveis de como lidar com todo aquele sangue e então uma ideia surgiu em minha cabeça. — Podem descer, eu dou um jeito nisso. Lovie me encarou e negou com a cabeça. — Não dá, quando deram pela falta dele um breve exame legista vai acusar sangue por todo lado. — Ela levou as mãos ao queixo e poderia jurar que sairia fumaça da sua cabeça tamanho esforço que ela empregava tentando pensar. Aproximei dela tocando sua pele exposta, Lovell sentia muito calor quando estava nervosa. Minha mão era uma pedra de gelo em contato com sua pele negra. — Confie em mim. Lovell respirou fundo e deu meia volta fechando a porta quando saiu. Encarei o armário, a minha frente e me aproximei abrindo a porta, peguei um dos pacotes e caminhei até o quarto. Chegando lá, apanhei a faca em meu bolso, deslizei pelo plástico criando uma abertura por onde o pó caiu como farinha soprada pelo chão e eu sorri me divertindo vendo o pó branco se manchar de vermelho. Voltei até o armário, pegando quantos pacotes conseguia e rasgando freneticamente e espalhando pelo quarto inteiro. Eu me perdi na conta, mas havia no mínimo 30 pacotes que rasguei um a um forrando o chão inteiro do quarto. Estava acompanhando cada passo da polícia e ri alto observando a nota patética que lançaram depois do ocorrido no Natal. Porém, tive o que queria. Eles se assustaram, e estão escondendo da mídia tudo que faço e a única maneira de não deixar mais pistas é deixando claro que sei de tudo. Sorri, observando minhas letras na parede, fechei a porta e tirei as botas andando descalça até o carro onde Lovell já estava ao volante. Entrei e me sentei colocando o sapato no chão do carro. — Aonde vamos? — Hospital metropolitano. — Foi Marianelle que me respondeu sentada no banco à frente. Acenei com a cabeça e Lovell deu partida. As ruas eram escuras e ficaram ainda mais escuras quando as placas do centro apareciam. O hospital ficava largado às moscas e me surpreendeu quando Marianelle escolheu ele como campo de estágio, era decadente. Lovell estacionou e Marianelle começou a falar. — Esse hospital tem um incinerador onde eles descartam todo tipo de resíduo hospitalar, órgãos, seringas, sangue e muitas outras coisas. Será quase impossível ler o material genético dele meio de todos os outros nas cinzas. Não costuma ser um lugar movimentado, a cada 3 horas no período noturno eles rotacionam para recolher os resíduos e a sala fica vazia. Será o momento em que entraremos lá e jogar as sacolas no incinerador. A vagabunda era muito inteligente. — Lovell fica aqui interceptando a câmera da frente, enquanto eu e Yulieta vamos entrar. — Marianelle levou o olhar até o pulso e olhou o relógio — São quase 03:45, o que significa que a essa hora a sala está vazia. Vamos, desce do carro. Ela mal terminou de me dar a ordem e abriu a porta. Me apressei ainda descalça e o chão gelado sobre minha meia era cortante, mas seria arriscado demais deixar minhas pegadas por aí. As outras duas evitaram pisar no sangue enquanto eu era um cosplay ridículo de Carrie — A Estranha. Lovell manobrou o carro deixando o porta-malas virado para a entrada. Me apressei carregando 3 sacolas de uma vez e poupando tempo enquanto Marianelle inspecionava meu trabalho de longe, segurando a porta. Assim que levei a última sacola para dentro, o calor da sala me abraçou e me senti confortável, eu estava quase congelando do lado de fora. Marianelle também parecia mais confortável lá dentro. Eu tinha noção da sua repulsa ao inverno e principalmente à neve e agora eu me odiava por ter dito tudo aquilo mais cedo. Era um esforço tremendo para ela estar aqui, numa noite como essa. O olhar dela se ergueu até o meu e eu desviei inspecionando a sala. Havia algumas portas e o calor que saía delas era visível ondulando a luz ao redor. Essa merda deve ser muito quente. — O painel de controle é intuitivo, você vai conseguir operar enquanto coloco essas sacolas na câmara. — Obviamente ela iria ficar em frente ao fogo, a voz dela chamou minha atenção e eu caminhei até o painel de controle. Havia alguns botões indicando “abrir” “fechar” e “fogo”. Ela deu um sinal para mim com a cabeça e eu cliquei no botão “abrir” e um rangido soou ao abrir a enorme boca e eu vi a chama azulada dançando lá dentro. Marianelle encarou o fogo e sorriu. Ela havia encontrado um gancho comprido usado para jogar os sacos lá dentro. A cada saco jogado para dentro o fogo oscilava se engrandecendo, como uma besta se alimentando. Assim que ela lançou o último me apressei clicando em “fechar” e assim que a boca da câmara se fechou chiando bati o dedo sobre a tecla “fogo”. O estrondo do fogo exalou calor pela sala inteira e um cambaleei mesmo estando de longe. Marianelle permanecia intacta ainda mais perto do fogo. — Já chega, vamos embora. Isso tá ficando quente demais — coloquei a mão sobre o rosto tentando impedir o calor de ressecar meus olhos, mas ela parecia não me ouvir. A contragosto avancei dois passos em direção dela, mas a quentura era o dobro. — Marianelle, temos que ir — gritei, mas ela sequer se mexia — Marianelle o turno vai acabar, precisamos sair daqui agora. Marchei até ela sentindo o ardor do fogo me aquecer ainda mais e joguei os braços em seus ombros e virando ela na minha direção. — Vamos embora daqui, agora — seu olhar vagou como se não me enxergasse e eu tomei sua mão cruzando a sala em direção à saída. No exato momento em que passamos a porta o vento libertino e gélido se enroscou em meus pés e eu vacilei sentindo sua mão escapar da minha bruscamente. — Se vai escolher manter segredos, não me meta nas suas merdas. Ela passou voando por mim e entrou no carro batendo a porta. Capítulo 44 Yulieta Encaro a sola dos meus pés sentados na tampa do vaso. Eu me sentia péssima. Dormi o dia inteiro quando Lovell me deixou em casa, mas eu ainda sentia meu corpo pesado mesmo após tomar todos os analgésicos possíveis e eu sabia que boa parte daquilo era simplesmente emocional. Eu nunca briguei com nenhuma delas como naquele dia. Cheguei a pensar em enfiar minha faca na garganta da pessoa que eu mais confio na minha vida, de olhos fechados. Eu fui muito baixa, até mesmo para mim. Tudo isso me abriu os olhos, eu tinha que ser verdadeira com o Klaus. Se, de alguma maneira, eu quero que ele confie em mim, eu preciso demonstrar que tenho confiança nele. Enfaixei meus pés delicadamente e calcei minha bota que havia passado por um longo processo de lavagem onde minhas mãos quasecaíram do meu corpo. Vesti uma segunda pele menos chamativa dessa vez, uma gola alta. Eu definitivamente não queria mais experimentar o frio do inverno. Tranquei meu apartamento e coloquei a chave no bolso do harness. Durante todo o caminho de moto até a casa de Klaus repassei minhas falas como em um roteiro do que diria a ele. O rastreador apontava duas localizações, a do carro que estava em casa e a outra no parque do bairro, que imaginava ser ele. Eu iria até sua casa e esperaria no seu quarto, não teria como ele fugir de mim. Só me colocar para fora, mas ele não faria isso, não após eu contar tudo. Tenho certeza de que nos entenderíamos. A neve molhava completamente a capa que eu havia vestido e graças a ela eu não sentia o frio congelante que soprava, tive que dirigir com calma já que boa parte das ruas estavam cobertas de gelo. Assim que avistei os portões da propriedade desacelerei a moto e a estacionei longe para ir a pé até a casa. Busquei o jammer no bolso e acionei destravando a porta dos fundos para entrar. A porta se abriu e me esgueirei por ela sem fazer barulho. Ainda eram onze da noite e a casa tinha luz apenas na cozinha, onde imagino ser alguns empregados se arrumando para ir embora. Caminhei pelas sombras da parede até os fundos e notei que não havia luz na janela de Klaus. Peguei o celular no bolso e encontrei o número dele me apressando em digitar a mensagem. “Estou na sua casa e eu não vou embora sem uma conversa decente.” Enviei a mensagem e guardei o celular no bolso, eu não esperaria por sua resposta. Se ele quisesse conversar comigo teria que ser cara a cara. Me preparei para escalar a casa, já havia feito isso muitas vezes na vida e a casa de Klaus tinha trepadeiras ao redor que permitiam subir sem muito esforço. Afastei o tecido da blusa dos pulsos e ajeitei a máscara sobre o rosto estendendo o braço para alcançar o braço da planta, no entanto, senti uma mão envolver minha boca e me levantar do chão. Esperneei tentando me soltar, mas era inútil. Mordi a mão que me sufocava e enfim me soltei do seu agarre me virando para descobrir quem era. Um dos homens que eu reconhecia ser segurança pessoal do prefeito avançou sobre mim enquanto eu desviava soltando um chute em seu peito. Eu senti a adrenalina eletrizar meu corpo afastando o frio que me incomodava segundos atrás. Avancei investindo outro chute no meio das suas pernas, mas ele previu meu movimento e segurou minha perna me jogando de bruços no chão. Eu tentei me colocar de pé, mas senti uma mão se chocar contra meu rosto e tudo sumiu. Capítulo 45 Klaus Hoje me levantei da cama com muito esforço, eu não estava dormindo e não consegui fazer isso em nenhum dia dessa semana e hoje era sexta. Eu gostava de observar a natureza no inverno e não fui muito longe de casa, larguei o carro e fui a pé a um parque florestal bem perto. Me sentei no banco e observei o vento acelerar a descida da neve até o chão. O fim do recesso de ação de graças levava as famílias para rua e uma a minha frente montava bonecos de neve enquanto as crianças rolavam na cena mais clichê possível. O celular vibrou em meu bolso e eu deslizei minha mão até ele tirando as luvas. O número era desconhecido, mas eu sabia muito bem a quem essa mensagem pertencia. Desbloqueei o celular e meus olhos correram pela sua mensagem, mas foi a que recebi na barra de notificações que fez meu coração palpitar. “Estou chegando em casa em 5 minutos e quero você e seu irmão lá.” Me levantei depressa sem ao menos me importar se guardava a luva. Meu pai estava chegando em casa e ela também estava lá. Corri pela rua sentindo o suor frio escorrer pelas minhas costas e o ar queimava meu pulmão. Tudo em mim chacoalhava numa velocidade irritante onde eu sentia cada parte do meu corpo pulsar de ódio. Assim que avistei o portão busquei o controle nos bolsos apertando o botão para liberar minha entrada. Subi a rampa de carros tão rápido que as vozes dos seguranças me dizendo algo eram sussurros distantes. Entrei na sala e não havia ninguém além de Meredith colocando os pratos sobre à mesa. — Aonde vai com essa pressa? — Cadê meu pai? — eu mal conseguia falar sem perder o fôlego e então ela arregalou os olhos como se recordasse de algo. — Seu pai desceu recentemente lá para baixo, no subsolo. Pegaram uma pessoa que estava tentando invadir… Eu não estava mais lá para ouvir. Desci correndo as escadas laterais da garagem e enfim cheguei até as escadas do subsolo. Seria um porão, mas meu pai equipou com um bar e uma sala de jogos muito antiga. A voz dele é alta o suficiente para que desde o primeiro degrau eu a ouça. Quando cruzo a porta ela está lá, amarrada com braços para trás sobre uma cadeira esperneando. E pela primeira vez encaro seu rosto sem máscara e cada mínimo detalhe é como imaginei e sonhei tantas vezes. — O que seu pai diria se soubesse que está agora na minha frente, dentro da minha casa? — observei a pose dele com os braços cruzados à frente do corpo, ele havia se desfeito do paletó e arregaçado as mangas. Sorrindo para a minha garota. — Acho que ele não ficaria nenhum pouco feliz. — Conte a ele. — A sobrancelha escureceu seu olhar de fúria que sibilava em direção ao meu pai — Experimente e eu exponho todas as suas pastas secretas e sua coleção de armas. Tente dizer algo a ele e o mundo vai saber que a merda do prefeito é um mafioso de quinta dominado pela milícia. — Admiro sua inteligência, você vem invadindo minha casa há alguns meses como uma gata e mesmo que eu consiga te pegar, continuo em desvantagem? — observei o sorriso do meu pai enquanto ele cruzava os braços e nunca o vi sorrir desse jeito para ninguém. — Entrei muitas vezes nessa casa enquanto seus seguranças de merda fumavam maconha como um bando de pré-adolescentes ou batiam punheta na sua sauna. Me admira que você ainda esteja vivo com a qualidade ridícula dos seus homens. — Sem dúvidas, você é mil vezes melhor que eles. — Posso fazer isso até mesmo de salto, acho que isso diz o suficiente. Ele tomou o rosto dela nas mãos e deu uma risada galanteadora. — Você é igualzinha à sua mãe, Yulieta. — Ela esperneou sobre a cadeira tentando se afastar de seu toque e a fúria tomou todos os meus sentidos e eu saí das sombras da escada me colocando entre os dois. — Volte a colocar esse olhar porco sobre ela e eu arranco os olhos da sua cara. — Minha face estava colada a dele e eu rosnava como um cão enfurecido sentindo meu coração pulsar como nunca na vida. — Nunca mais toque nela, ouviu bem? Meu pai ria enquanto eu diminuía nossa distância pronto para pular em cima dele, mas a voz dela me roubou toda minha atenção. — Me solte filho da puta — ela se debatia lançando a boca nas mãos que tentavam contê-la e tinha muitas mãos sobre ela e isso borbulhou meu sangue me deixando cego. — Não toque nela — Me lancei sobre um dos seguranças de meu pai arrebentando um soco em seu queixo estalando seu osso. O segundo ainda a segurava e eu desci um soco em seu nariz e ele cambaleou a soltando e um dos homens que estava atrás do meu pai ameaçou se aproximar para segurá-la e me desesperei gritando — Não ouse tocar nela. Me agachei para ficar à altura dela e afastei alguns fios de cabelo do seu rosto que agora eu via completo. Notei um corte em sua boca e respirei fundo sentindo minha carne rasgar do corpo. — Bateram nela? Minha voz rasteira fez alguns homens de meu pai se remexerem. — Eu já dei um sermão neles de que essa não é uma conduta a se seguir com mulheres. Ela lutou muito antes de conseguirem contê-la. Bufei ouvindo meu pai falar de ética com mulheres. Deslizei o olhar pelo corpo dela e até seus pés estavam amarrados à cadeira. Desfiz cada nó deixando apenas as mãos amarradas. Envolvi meus braços em torno dela e a maldita familiaridade do seu shampoo ferveu meu sangue e eu sabia que precisava tirar ela dali agora. — Onde pensa que vai levando ela? — a mão de meu pai espalmou meu peito quando eu passava por ele — Ela entrou na minha casa, roubou meus documentos e minhasarmas, além… — Não — firmei o aperto das mãos no corpo pequeno em meus braços sentindo uma raiva primitiva tomar conta de mim como nunca — Ela é minha. Meu problema, minha. — Você não faz ideia da merda em que está se afundando, Niklaus. — Eu notava a impaciência do meu pai se segurando para não tomar ela dos meus braços — Deixe-a ir embora antes que chegue nos ouvidos do pai dela. — Não me dê conselhos, pai. Eu sobrevivi muito tempo sem eles e você sequer me conhece. — Não queria ter essa discussão na frente dela então sorri deixando o calor do corpo colado ao meu me acalmar — Você não imaginaria o quão longe eu poderia ir por ela. Então cuide dos seus malditos problemas que eu vou cuidar do que é meu. Passei as mãos delicadamente pelo pulso dela e contornei meu pai a tirando debaixo daqueles olhares sujos. Subi as escadas guiando-a pela corda amarrada nas mãos e passamos pela sala e eu a levei até meu quarto. — O que vai fazer? Me deixar amarrada? Bem genérico. — Ela riu nervosa e eu encarei seu rosto empurrando ela para dentro do quarto. Alguns fios de cabelo grudados em seu rosto e esse olhar de raiva eu nunca havia recebido dela, se pudesse ela cuspiria fogo sobre mim. — E mesmo assim seria justo — cada detalhe das suas expressões estavam lá e eu sorri jogando o corpo dela contra a porta que se fechou batendo. Senti a urgência da maciez da sua boca e me joguei contra ela. Eu tinha sede e fome dela, uma saudade que me esmagava e ela gemeu derretendo em minha boca. — Você disse que não faríamos isso de novo. — Me afastei dela guiando seu corpo até a cama. Puxei seu corpo contra o meu e foi o suficiente para tirar seus pés do chão e a deitei sobre a cama aproveitando a distração dela para passar a blusa por sua cabeça e deixando ela pendurada nas mãos. Segurei sua cintura e puxei seu corpo para cima. Eu nunca havia notado como seu corpo era tão leve. Desamarrei o nó das suas mãos e voltei a amarrá-la na cabeceira da cama. — Eu sou um mentiroso, Yulieta. Yulieta. Repeti o nome que pai usou para chamá-la e o som combinava com meus lábios e eu murmurei novamente enquanto a beijava. Capítulo 46 Klaus A raiva que irradiava do olhar dela seria capaz de me queimar e eu gargalhei puxando suas mãos testando o nó que havia dado na corda. — Me solte dessa merda. Fiquei sobre ela e ri do ódio que se espalhava por seu rosto e passei meu nariz por seu pescoço podendo sentir cada gota do seu perfume exalando da pele. — Acho que não, você entrou na minha casa e roubou meu dinheiro. Vadias não saem impunes de crimes assim. Cravei meus dentes em seu pescoço e seu gemido soou aos meus ouvidos. — Quer que eu devolva? Posso dar em dobro. Ela relutava com o desejo e resistia em não se entregar. — Sei bem uma maneira de você dar, em dobro. Agarrei sua cintura e girei seu corpo sobre a cama obrigando ela a ficar de quatro. Mergulhei minha mão nas suas pernas desabotoando a calça e enlacei a barra puxando sua roupa até os joelhos. Me surpreendi notando que mesmo ardendo em raiva a maldita estava desgraçadamente molhada. — Se segure na cabeceira, morceguinha. Ela tentou me olhar pelos ombros, mas fui rápido me livrando da minha calça e puxei seu quadril em direção ao meu pau quente. Ela agarrou a cabeceira e eu afundei meu pau em sua boceta sentindo ela fraquejar e empinar seu corpo para mim. Suspirei enrolando seus cabelos em minhas mãos e puxei sua cabeça até mim. — Eu quero que grite. Mostre para todo mundo nessa casa a quem você pertence. — Sussurrei em seu ouvido e sem aviso, estoquei com força meu pau até o fundo da sua boceta e ela suspirou gemendo, manhosa. A visão do seu corpo curvado para mim despertou o fervor do meu sangue e eu penetrava cada vez mais rápido à medida que seus gemidos iam ficando mais altos. Ela me torturava sugando meu pau e me apertando dentro dela até quase me sufocar. Rebolava me fazendo inclinar em seu ouvido para gemer e aproveitando a proximidade para morder suas costas. Ela arqueou o corpo e eu enlouqueci liberando minha força afundando meu pau e o corpo dela oscilava a cada encontro do meu quadril com sua bunda empinada. Um pensamento perverso me fez estralar um tapa em sua bunda e ela gritou meu nome esfregando a carne avermelhada contra minha coxa e me descontrolei, descendo uma série de tapas enquanto a mantinha parada e aberta recebendo meu pau inteiro. Encarei o estrago dos meus tapas com um sorriso. As pintinhas vermelhas se espalhavam pela bunda empinada e a cabeça deitada sobre a cama. Ela tentava se recompor dos tapas, mas notei que ela havia gozado, ergui seu corpo beijando sua pele e acariciando a carne vermelha. — Eu não acabei, meu bem. — Deixei um beijo delicado em seu pescoço, afundei meu pau, ela gemeu recebendo e se agarrou novamente a cabeceira rebolando. — Da próxima vez, vou comer esse rabo, já que insiste tanto em me provocar. — Passo minhas mãos por sua bunda, acariciando levemente, sentindo-a se empinar mais ainda. Agora, o show era todo dela, ela abriu as pernas para engolir meu pau inteiro e deslizava sobre ele balançando os quadris me enlouquecendo a cada vai e vem sobre ele. Segurei sua cintura e gozei, curvando meu corpo ao dela, estava em êxtase gemendo em seu ouvido. Senti seu corpo derreter em meus braços, mas o som da sua risada foi o suficiente para me hipnotizar e eu virei seu corpo ao encontro do meu e devorei seus lábios. Ela foi ágil jogando as pernas ao redor do meu quadril e segurei meu pau guiando ele até sua boceta novamente. — Você não pode deixar outras pessoas colocarem as mãos porcas em sua pele, ela é sagrada — afastei nossa boca e ela acenou com a cabeça voltando a me entregar seus lábios — a única pessoa que profana seu corpo sou eu. Você entende isso? Tomei seu rosto e ela abriu os lábios lentamente e sussurrou contra os meus gemendo quando sentiu meu pau entrar deslizando por sua boceta molhada. Retirei meu pau, apenas para ser consumido pela sensação de ser apertado por ela ou por seu interior novamente. — Sim... Sim, entendi — falava perdendo o fôlego entre os gemidos e eu colei nossas bocas deslizando a língua quente por seus lábios. Soltei seu rosto e apertei o seu quadril, que ela jogava em movimentos frenéticos contra meu pau, a parando. Queria escorregar por ela, sem pressa. Abrindo a gaveta da minha mesinha de cabeceira, peguei meu canivete. Seus olhos abriram e quando percebeu a lâmina em minhas mãos, um brilho diferente espelhou seus olhos. — Vou deixar bem claro — destravei o canivete e a lâmina apareceu — você é minha, e todos precisam saber que meu nome está sobre sua carne. Deslizei a ponta da lâmina pela lateral do seu corpo até a carne avermelhada de sua bunda. Cravei a ponta dela, arrastando sobre a pele quente e ela se remexeu abaixo de mim se esfregando em meu pau e eu ficava cada vez mais duro. Mantive minha mão firme, riscando meu nome e a cada toque da lâmina sobre a pele ela arfava, gemendo e engolindo meu pau com movimentos sutis. Assim que terminei, encarei meu nome em sua carne dando um tapa em seguida e ela se contorceu, então voltei a afundar meu pau nela. Ergui novamente a lâmina, mordendo a pele exposta do seu peito até que ela se debatesse e então eu a soltei, me aproveitando do ardor para deslizar a lâmina contra a pele escrevendo meu nome em seu peito. Ela atingiu o ápice com a lâmina fria deslizando por seu corpo quente, me recebendo em sua boceta. Seu corpo fraquejou e ela suspirava tão rápido que aninhei seu corpo ao meu, tentando desacelerar sua respiração enquanto ela gozava em meu pau. Capítulo 47 Yulieta Acordei com a claridade do quarto invadindo minha visão, mas aquele não era o quarto de Klaus. Era o meu. Sentei-me depressa na cama e olhei minhas roupas. Eram as mesmas de ontem, quando fui pega pelo pai dele. Suspirei, sem entender como aquele desgraçado havia me deixado em casa. Levantei e inspecionei o quarto. Tudo estava no lugar, mas como vim parar aqui? Cocei minha cabeça e cruzei o quarto até o banheiro, olhei no espelho e eurealmente senti que dormi por muito tempo. Mal me lembro quantas vezes gozei na boca dele naquela noite e a mera lembrança me fez suspirar. Joguei água no rosto, peguei minha escova colocando pasta e levando à boca enquanto continuava a me encarar no espelho. Eu havia vacilado muito na noite anterior, mas pela foda valeu todos os socos que levei. Meus lábios estavam levemente inchados, mas sem dúvidas foi a noite toda sendo esmagada e castigada pela boca de Klaus. Meu olhar estava brilhante e sorri cuspindo a espuma na pia e enchendo a boca de água. Sequei o rosto e prendi os cabelos em um coque. Eu tomaria café e depois um banho para entender o que aconteceu. Sai do quarto, indo em direção à sala e enquanto entrava, senti uma mão puxar meu pulso e meu corpo se chocou contra um gigante que eu reconhecia muito bem as tatuagens. — Como você entrou na minha casa? — ele segurava minhas mãos na frente do meu corpo. Sem camisa, na sala da minha casa, com o sol de meio no céu. — Você até que tem bom gosto para decoração — ele rolou os olhos pela minha sala e voltou a me encarar, levei os olhos até minha mão e me choquei como, com uma única mão, ele conseguia segurar meus dois pulsos. — Tinha uma chave no seu bolso. — Como descobriu onde eu morava? Ele riu e me arrastou até a minha cadeira, da minha cozinha como se fosse a dele. — Tenho contatos, você ante só tinha vantagem. Agora estamos quites. Sentei-me à mesa e encarei um café que ele havia passado, na minha cozinha. — Pode beber, eu não envenenei. Ele venceu e gargalhei, levando a xícara à boca. Ele ao menos sabia passar um café e observava cada movimento meu levando a xícara à boca. Então pega um prato da pia e coloco sobre a mesa. Encarei as panquecas e voltei a olhar para ele. — Eu tenho uma das melhores receitas de massa e posso apostar que nunca comeu nada tão saboroso quanto — ele me ofereceu um garfo e uma faca, peguei cortando um pedaço das panquecas e levando a boca. A massa era leve e derretia na boca combinando perfeitamente com o mel. Fechei meus olhos degustando da sensação que tomava minha boca e quando abri os olhos ele me encarava de perto apoiado sobre a bancada. Cortei mais e levei a boca, era maravilhoso. — Amo macarrão — ele riu e ergueu as sobrancelhas — Você disse que tem as melhores receitas de massa, eu amo macarrão. Vai ter que provar isso fazendo um do zero. Enquanto eu falava devorei quase todas as panquecas, estava morrendo de fome e nem ao menos perguntei se eu teria que dividir. Levei a última garfada à boca e ele sorriu. — Eu daria oito estrelas — Ele fez uma careta de indignação e estreitou os olhos para mim — Eu só dou dez se comer o macarrão. Gargalhei e ele contornou a mesa me tirando de cima da cadeira ainda sem deixar de segurar minhas mãos e, no fundo, eu entendia o motivo. Ele levou os lábios aos meus delicadamente, mas eu não sabia existir ao seu lado sem urgência então avancei minha língua sentindo seu sorriso crescer enquanto eu o devorava. Senti que ele me empurrava para trás e acompanhei seus passos enquanto tentava não esbarrar nos móveis da casa. Pelo visto, ele havia decorado o caminho e adentrou meu quarto me jogando sobre a cama. Nossas bocas não se desgrudaram em nenhum momento e passou meus braços para cima da cabeça. Ele trilhou beijos em todo meu pescoço enquanto levantava minha camiseta se divertindo ao ver que eu havia esquecido de colocar uma calcinha já que acordei sem ela. Ele deixou um beijo quente em minha barriga e eu sorri sentindo o calor tomar conta do meu corpo. Repentinamente, senti sua mão livre agarrar meu pescoço e olhar bem fundo nos meus olhos. — Você é mesmo uma cadela — sorri me contorcendo, ele avançou contra minha boca e eu senti a pressão do seu pau duro contra minha virilha — consegue ver o que faz comigo apenas rindo? Ele abaixou as calças, senti seu pau quente e tenso contra minha boceta, então abri as pernas erguendo uma até enlaçar sua cintura, ele riu entendendo meu convite e afundou o pau com força na minha boceta me fazendo ver estrelas. Eu nunca me acostumaria com a grossura do seu pau e como ele expandia meu corpo me dando ondas de prazer. — Prometa que nunca vai se esquecer de mim — ele pede. Aumentei o ritmo do meu quadril recebendo seu pau com força contra mim. Contorcia ouvindo sua voz rouca e confirmava com a cabeça. Eu queria sentir ele entrando e saindo de mim com força e raiva. — Nem se eu quisesse — sua mão pressionou meu pescoço e fraquejei sentindo o ar abandonar meus pulmões, mas o olhar dele paralisou e em pouco eu entendi. Venom estava enrolada em seu braço, sorrindo. Ela ergueu a cabeça até mim e deslizou pelo seu braço dando voltas até seu punho. — Se ficar me torturando com estocadas lentas eu a mandarei picar você, morceguinho. — Ele respirava forte e a cobra ergueu o corpo encarando-o. — Você não percebe que suas ameaças acabaram? — Venom parecia hipnotizada pela voz de Klaus e rastejou do seu pulso em direção a minha garganta e se enrolou nela logo acima das mãos dele. Ele rosnou, aumentando o aperto em meu pescoço e notei que a cobra imitou o gesto fazendo constrição em meu pescoço. O ar não chegava mais em meus pulmões e eu encarei o sorriso nos lábios dele ao ver uma lágrima escorrer dos meus olhos. Como mágica ele acariciou a cabeça de Venom e a cobra se desenrolou do meu pescoço e eu fui rápida a descendendo para o chão. Não houve tempo para respirar e logo suas mãos voltaram a apertar meu pescoço enquanto ele investia o pau contra mim sem aviso algum. Meu corpo se entregava sentindo seu pau me atravessar, não demorou muito e eu estava caindo no desespero do orgasmo ouvindo ele gemer em meu ouvido. — Não acabou para você, morceguinha. Senti meu corpo leve sendo retirado da cama e ele me arrastou até o banheiro. Klaus agarrou minha camiseta e a puxou, ele sorriu estalando um tapa em minha bunda me levando para dentro do box e ligando o chuveiro. Ele me fez molhar o corpo e o cabelo e pegou um shampoo esfregando minha cabeça. Me diverti sentindo ele massagear meu couro cabeludo. Ele sabia fazer isso e era muito bom. Ele voltou a colocar meu corpo debaixo do chuveiro esfregando minha cabeça, ajudando a espuma a sair. Tateei a parede em busca do registro para desligar o chuveiro, mas ele tapou minha boca, aproximou seu pau da minha bunda, o esfregando de leve em minha abertura. — Eu te avisei que a próxima vez seria com você gemendo enquanto eu me enterrava nesse seu rabo apertado, não avisei? — Senti meu corpo estremecer, com ele sussurrando ao pé do meu ouvido e olhando em direção a um dos meus nichos do box. — Uma coleção de vibrados no chuveiro? Esse rostinho esconde o quanto você é pervertida. Ele riu e pegou um dos lubrificantes fazendo questão de derrubar tudo no chão. — Não esperava essa sua predileção, mas ela também não me surpreende. — Ele olhou paa mim, dando um sorriso de canto, perverso, fazendo um arrepio subir pelo meu pescoço. Eu queria gritar com ele e mandar devolver tudo ao lugar como estava antes, mas fui surpreendida por seu pau completamente duro, raspando em minhas costas. Ele despeja o lubrificante em seus dedos, e os leva a minha bunda, massageando de leve. O sinto introduzir seu dedo, espalhando por dentro de mim. Ele para, despeja ainda mais lubrificante em seu pau, e o posiciona na minha entrada. Sinto ele se forçando, e eu tento ficar o mais relaxada possível. Seu pau é grosso, e isso só torna tudo malditamente delicioso. — Vamos morceguinho. Não está com dó, está? — Sorrio debochadamente para ele, vejo seu olhar escurecer e seu sorriso mais perverso surgir. — Vou fazer você se arrepender por pedir isso, sua cadela safada! Então, ele enfia seu pau com toda a força, e eu sinto queimar. É quase insuportável. Klaus se enfia cada vez mais forte, alcançando um ponto dentro de mim que eu nem sabia que existia. Grito, quando ele acerta um tapa em minha bunda, bem em cima de onde ele me marcou como um maldito gado. — Os vizinhos não precisam saber que você está sendonão acreditaria que um personagem de Star Wars estava dirigindo uma moto bem na minha frente. Com certeza, ela faria meme com isso. Puxei meu celular do bolso e selecionei a câmera capturando a imagem. Por sorte, nenhum dos semáforos estavam fechados. Não que eu estivesse o seguindo. Eu estava apenas indo embora pelo mesmo caminho. Alternei algumas faixas. Quando entramos na marginal, ele tomou a entrada da via e eu mantive distância antes de voltar a acelerar. Ele virou na segunda saída da via expressa e era ali que nosso caminho se bifurcava. Eu sabia que se atendesse a vontade insana de comprovar minha teoria as coisas poderiam ir além do meu controle e eu não deveria estar pensando nessa possibilidade. Pelo retrovisor, eu olhava a saída da via ficando para trás. Suspirei e deixei que meus olhos se fechassem. Eu estava sendo imprudente, mas rompi todos os limites quando deixei meu pé afundar sobre o freio e girei brutalmente o volante enquanto trocava a marcha. O eco cativante do meu pneu derrapando sobre a pista me embriagou bem mais do que a mistura nojenta que bebi naquele lugar insalubre que chamavam de festa. Busquei meu celular no porta-luvas e acionei o comando de voz: — Iniciar framework, rastrear e deletar imagens da via expressa principal de St Harlem, saída 15 — a notificação do lembrete criado, foi meu sinal verde para desacelerar, mas esse milésimo de segundo em que me distrai, custou caro. Acelerei tanto que poderia vê-lo a poucos metros de mim. Em um impulso voltei a pisar no freio, mas era tarde demais. Ele havia notado meu carro. Tento fingir normalidade, afinal, ainda estávamos distantes. Meus vidros eram escuros e a balaclava me escondia quase por completo. Não havia como ele me reconhecer. E eu não estava seguindo sua moto. Talvez. Coincidentemente, somos duas pessoas que pegaram o mesmo caminho. Porém, eu sentia seus olhos sobre mim através do vidro me dizendo o contrário. Ele começa a desacelerar e se vira para olhar em minha direção. — Finja Lovell finja, continue dirigindo — passei a marcha do carro e desacelerei para acompanhar nossa distância, mas ele estava cada vez mais perto. Não. Na verdade, ele estava quase parado de tão devagar que ia e, ao mesmo tempo, olhava para o meu carro. Ele estava me desafiando. — Droga, merd… — esmaguei o couro áspero do volante, não, eu não iria xingar. Meu carro começou a perder velocidade e eu estava tão perto. Perto demais. Era Halloween e tudo ficava perigosamente deserto nessa época, especialmente nesse horário, principalmente na marginal. Preciso sair daqui agora. Olhei pelo retrovisor, não teria como voltar, era arriscado demais andar na contramão da marginal. Eu precisava passar por ele. E se aquilo fosse realmente um desafio, eu passaria por cima dele, se necessário. Pousei minha mão sobre o câmbio da marcha e deixei que o frescor do metal aliviasse a tensão dos meus ombros. Suspirei profundamente e senti meu pé sobre a embreagem tremer todo meu corpo. Mudei minha marcha e acelerei. A velocidade fez novamente meus pneus cantarem, sinalizando ao motoqueiro fantasiado que eu estava indo até ele. Por alguns segundos, a reação fria dele ao inclinar a cabeça quase me fez recuar, porém, eu mantive meu olhar firme e girei o volante com precisão, contornando a moto com agilidade. Meu carro deslizou sobre o asfalto até o impacto do escape esbarrar em suas rodas, seguido de um som metálico horrível. Eu sabia que havia desviado dele, mas a sensação de passar tão perto desligou meus sentidos. Pelo retrovisor, vi ele cair em câmera lenta até despencar e ficar para trás. Minhas mãos estavam coladas ao volante e meu pé pesava sobre o acelerador. Eu respirava tão depressa que tudo era quase um borrão, mas eu reconhecia o lugar onde estava e o que havia acabado de fazer. Desacelerei meu carro conforme os enormes portões apareceram no horizonte da propriedade mais cara de toda cidade, onde cada m² daquele lugar valia o dobro e suas vastas áreas verdes eram cercadas por muros de alta segurança. Errei a troca de marchas e meu carro emitiu um barulho irritante enquanto eu acelerava a todo custo para sair dali e acessar o retorno da via. Eu havia me colocado no automático da obsessão novamente, derrubando e quase atropelando alguém. Tentei controlar minha respiração. Expande pulmão, contrai diafragma… Não havia chances de ele descobrir que era sua estagiária de laboratório . Segura 4 segundos o ar nos alvéolos… Não fazia sentido algum um professor vagar por uma festa estudantil de recepção no Halloween. Empurra o ar para fora e relaxa o diafragma… Também não fazia sentido seguir meu professor da pós-graduação . O toque do celular me fez voltar para realidade e eu busquei por ele vendo “BURN” piscar. Deslizando o dedo pela tela, atendi o seu chamado. — Tenho mais uma placa para você neutralizar o rastreador Love- lovie. — Uma risada nervosa escapou dos meus lábios quando ouvi a voz suave de Marianelle ficar abafada pela música do seu carro. Teríamos um café da manhã animado. Parte I “A força do amor nos faz ousados.” Romeu e Julieta por William Shakespeare Capítulo 1 Yulieta O celular vibrou em meu bolso e li a mensagem “neutralizado”. Elevei meus olhos ao corpo largado e sem nenhum pingo de tensão sobre a cadeira. Aquele era Klaus em sua essência. Sem medo de nada, uma sombra sobre tudo. Sorrindo! O maldito estava amarrado e sorrindo para mim. — Esse traje é do Batman? — por que ele está se divertindo? Me obriguei a sorrir ou largaria um soco em sua cara. — Então você faz piadas? — caminhei até ele me sentei na cadeira, era um belo ângulo para admirá-lo. — Não com frequência — seu olhar vagou para longe de mim. Como se o sorriso fosse uma roupa que não usasse sempre e somente agora se recordasse de onde estava, mas não demorou muito para que voltasse até mim sorrindo — e você só consegue responder com outra pergunta? Gargalhei e apoiei minhas mãos nas pernas. Que porra estamos fazendo? — Não acho que você está em condições de fazer perguntas e eu, muito menos, de ter que responder. — Sinto-me hipnotizada ao observar sua língua deslizando pelos seus lábios e a maneira como ele se ajeita na cadeira. Me remexo, tentando afastar o calor que invade meu corpo. — Tem algo mais a fazer ou vai apenas me drogar e amarrar? — inacreditavelmente ele cruzou a perna sobre o joelho e eu não conseguia desviar meus olhos da calça preta que se agarrou às coxas grossas dele. Pule sobre ele. — Enquanto me encara como se fosse me comer? Ergui meus olhos rapidamente até seu rosto, observando que ele exibe o sorriso mais convincente que um cafajeste pode dar. Apenas dois passos, se jogue sobre ele. — Você costuma ser tão convencido assim? Sem medo? — imitei seu gesto e sorri. Eu tinha que ignorar e resistir às dezenas de vozes que invadiram meus pensamentos, mas a lentidão que seu peito oscilava estava me enlouquecendo. — Talvez eu seja alguém muito difícil de se assustar, ou talvez eu esteja curioso para ver até onde você vai. — E está se intimidando comigo? — o divertimento tomou conta da minha voz e eu inclinei esperando a resposta. — É disso que as garotas gostam hoje em dia? — ele jogou a cabeça e alguns cachos loiros deram espaços aos seus olhos que me devoravam — Será que você me amarrou direito? A cadeira se remexeu e por um instante pensei que ele se jogaria sobre mim. — Eu poderia me soltar a qualquer momento. E considerando a nossa diferença de tamanho, você estaria fodida. Ele está brincando com você. Não consegui conter a risada que escapou dos meus lábios. Talvez gostaria de estar fodida. Ele era muito melhor do que um dia imaginei. Pousei meus pés sobre o chão e num impulso avancei puxando sua camisa e trazendo ele à minha frente. — Sou ótima com cordas, morceguinho. Tenho segurança de que tudo que faço é muito bom. — Forcei ele a chegar mais perto deixando as cordas se esticarem sobre sua pele, confirmando que eu tinha o amarrado muito bem. Ele voltou a exalar com força e o hálito quentefodida às duas horas da tarde — eu não conseguia respirar, minha boca estava completamente tapada e me afogava tentando puxar ar pelo nariz enquanto a água se derramava pelo meu rosto. Ele estocava fundo o pau em minha bunda e eu sentia meu corpo lento pela falta de ar e apenas empinei minha bunda recebendo seu pau até o fundo. Cheguei ao orgasmo, sentindo como se minha alma tivesse abandonado meu corpo. Klaus gozou junto comigo, gemendo meu nome baixinho em meu ouvido. Ele fez questão de me limpar debaixo da água, mas tudo passava em câmera lenta diante de mim. Senti minhas pernas serem suspensas do chão e meu corpo sentar-se sobre a cama, mas adormeci com ele secando meus cabelos com a toalha. Capítulo 48 Yulieta Ouço um barulho que me lembra as hélices de um helicóptero e me viro na cama encarando Klaus dormir distante de mim. A cama é grande o suficiente, mas ele está quase caindo dela. O som parece ficar mais alto e me sento na cama, recobrando a consciência e um estalo me coloca de pé nervosa. O barulho também parece acordar Klaus que abre os olhos e me encara como se perguntasse de onde vinha aquele barulho. Meu pai. Corro até meu guarda-roupa tentando me enfiar em um vestido que achei primeiro e me lembro que Klaus está nu em minha cama. Volto ao quarto para mandar ele se vestir, mas o encontro de pé dentro da calça. — Preciso que você vista a roupa e vá embora. Ele bate os cílios lentamente para mim e eu só queria voltar para essa cama com ele. — Esse helicóptero é pra você? Reviro os olhos e solto um palavrão querendo arrancar a língua da boca dele. Muitas perguntas. — Sim, eu preciso que você se vista agora. Ele abotoa a calça e vai até a sala procurando a camiseta, eu acendo a luz para ajudá-lo. São quase dez da noite, mas o toque da campainha embrulha meu estômago. Ele olha na minha direção e eu levo as mãos ao rosto. — Fique no meu quarto, quando eu não estiver mais aqui você sai. Arrasto ele pela camiseta e o coloco para dentro do quarto pegando a sapatilha que foi a primeira coisa que vi à minha frente. Novamente, batidas soaram em minha porta e abri encarando meu pai, com uma roupa casual e um buquê. — Oi, meu amor, eu te trouxe essas flores e um convite para jantar — sorri me desmontando e pegando o buquê de sua mão. — Não dava para ter vindo de carro? — dei espaço para que ele entrasse até o hall. Ele ergueu as sobrancelhas e riu. — Eu iria demorar, e deixar você esperando é quase um crime. Por que não atendeu às ligações? — travei olhando para ele, quais ligações? eu nem lembro onde larguei o celular. — O jornal tem me ocupado bastante meu amor, me perdoe — estalei um beijo em sua bochecha, quando voltei para encarar seu sorriso ele estava com os olhos grudados atrás de mim, então me virei devagar e Klaus estava parado olhando nós dois. — Quem é esse? A voz de Klaus era ríspida soando como um relâmpago e meu pai levou os olhos nervosos até mim. — Diga a esse idiota para sair da sua casa, Yulie. Fechei os olhos em uma careta quando meu pai me deu a ordem. — Quem é esse, Yulieta? — Klaus repetiu a pergunta e eles claramente estavam em um duelo onde meu nome era a espada. — Sou o dono dessa casa e estou mandando você sair da minha frente antes que eu te mate. Klaus conseguiu sorrir e meu pai avançou como um trovão em sua direção. — Pai, não faça isso. — Meu pai parou a alguns centímetros de Klaus e eu notei que ele tinha 5 centímetros a menos que ele. Klaus me olhou e eu senti a confusão em seu olhar, mas era tarde demais. — Eu mandei você sair dessa casa, por que continua diante de mim? A voz de meu pai era aço puro tilintando com fúria e eu me sentia perdida. — Pai, por favor. — Suplico baixinho sentindo o ar abandonar meu corpo. — Não, Yulieta. Eu te dei absolutamente tudo e você me agradece colocando esse bosta dentro da sua casa? — meu pai encarou minha roupa e me toquei que o vestido não dava conta de cobrir todas as marcas que Klaus deixou em mim — Não me diga que se deitou com esse lixo. A ira tomou conta de mim e pela primeira vez na vida gritei com meu pai. — Você não vai entrar na minha casa e falar assim dele na minha presença. — Yulie meu amor, você não tem noção de como o sangue que corre nas veias desse moleque é sujo. Chega a ser nefasto. — Não. Sei de toda a merda que o pai dele faz e isso, definitivamente, não se estende a ele. Klaus era uma estátua de sal tentando não se desfazer em nossa frente, mas eu tinha noção de como essas coisas ecoavam nele. — Você não vai colocar novamente essas mãos sujas na minha filha, ouviu bem? — meu pai estava tomado de raiva e pegou a gola da camiseta de Klaus gritando em seu rosto e eu não reconhecia aquele homem assustador a minha frente. — Se eu souber, vou ceifar suas mãos e deixar na porta do seu pai. E ele não reagia, nenhum sinal, nada. E isso me deixava ainda mais tonta. — Eu não quero imaginar quais foram as mentiras que você usou para enganar minha filha e fazer ela fraquejar desse jeito. Escute, eu te proíbo de chegar perto dela, eu te proíbo. Ouviu bem? — meu pai sacudia o corpo de Klaus enquanto gritava em sua cara e eu me aproximei puxando seu braço tentando fazer com que ele soltasse Klaus. — Não pai, não, não. — Minha voz era inútil e mal conseguia sair da minha boca enquanto eu era tomada por um choro desesperado. — Hoje, quando você chegar em casa, pergunte ao seu pai quem é Stefan Bryant e observe ele se mijar nas calças. Sejamos honestos, você sabe que minha filha não merece ninguém como você. Meu pai soltou Klaus que estava de olhos fechados e permaneceu até olhar para os pés. Klaus passou por mim, e eu tentei correr até ele, mas senti a mão pesada do meu pai me agarrar. Me debati para me soltar dele. Capítulo 49 Yulieta Eu não alcancei Klaus na rua, muito menos queria voltar para o apartamento e ter que encarar meu pai, atravessei a rua e entrei no apartamento das meninas. Por sorte, apenas Lovell estava lá e rapidamente ela me levou até a cozinha dando um copo de água em minhas mãos trêmulas. — Seu pai surtou, é de momento. Quando ele aceitar ficará mais fácil. Neguei com a cabeça sentindo a água gelada rasgar minha garganta. — Ele nunca vai aceitar, eu nunca vi meu pai naquele estado. Você consegue imaginar ele gritando com alguém? Ele ameaçou Klaus. Lovell hesitou um momento e o stim dela ameaçou aparecer quando ela estalou os dedos. Com um esforço visível ela se aproximou de mim e passou os braços acariciando minhas costas e eu inclinei a cabeça em seu peito, queria chorar, mas nem isso eu conseguia. — Você acha… que meu pai seria capaz? — Lovie pressionou os dedos contra meu corpo e fez uma careta tentando rolar os olhos. — Se ele encarar seus olhos por alguns segundos vai notar que você daria a vida por aquele garoto, Yulie. — As mãos delicadas de Lovell acariciaram meu rosto e eu sorri tentando acreditar no que ela falava. Eu havia deixado a merda do celular em casa e não tinha como mandar uma mensagem ou ligar para Klaus tentando explicar alguma coisa, eu teria que esperar meu pai ir embora da minha casa. Fiquei horas, deitada, observando Lovell teclar freneticamente no computador enquanto a ansiedade me corroía. Às duas e meia da manhã, olhei pela janela e enfim o helicóptero de meu pai não estava mais no heliporto. Me despedi de Lovell e atravessei a rua entrando no prédio. A porta do meu apartamento estava fechada e eu a abri olhando para dentro, meu pai havia realmente ido, então saí a procura do meu celular e o encontrei depois de quase meia hora procurando. Digitei a senha na tela de bloqueio e ele vibrou em minhas mãos com uma ligação da minha mãe. Deslizei o dedo sobre o ícone atendendo a chamada e minha mãe chamou meu nome na ligação e isso foi o suficiente para libertar o choro acorrentado na minha garganta. — Mamãe? — Meu amor, se acalme por favor. Preciso que você não se desespere. — Atendi ao seu comando e me sentei na cama respirando fundo o que sobrou do perfume dele pelos lençóis da cama, e eu acho que nunca seriacapaz de lavá-los. — Seu pai chegou devastado em casa e sem você. Ele me contou o que houve, mas preciso saber a sua verdade, Yulie. — Eu não reconheci meu pai essa noite. Se eu não estivesse diante dele poderia jurar que ele mataria Klaus nessa sala. — Minha voz falhava algumas vezes sufocada pelo choro. — Eu o amo, e se meu pai não aceitar isso, ele vai me perder. Eu não me importo com merda nenhuma que aquele maldito fez ou faz, Klaus é diferente. Ele é tão doce… O choro venceu tomando conta da minha voz e eu me calei. — Eu acredito Yulie. Perdoe seu pai, essa é uma história mal resolvida e você e nem esse garoto tem algo com isso. Tente descansar, eu darei tempo a vocês. Se cuida, meu amor. Me despedi da minha mãe ainda chorando e encarei o celular. Só ela poderia domar a fera que despertou em meu pai. Caminhei até a sala para buscar um analgésico e o celular voltou a vibrar no meu bolso e eu soltei o copo de água das mãos para pegá-lo. Peguei o celular e desbloqueei a tela. “Espero que um dia você me perdoe. Cuide de Ophélia, ela gosta do seu perfume” A foto de Klaus sumiu no ícone e me desesperei sentindo uma dor profunda que poderia me partir em pedaços agora mesmo. Passei as mãos na mochila e sai correndo sem me importar com a chuva que molhava meu cabelo. Capítulo 50 Klaus Mãe, hoje às ruas da cidade estão cobertas por uma garoa fina que ensopa o chão. Ninguém sai à rua, além de mim, que me castigo no frio. No fundo, eu gostaria de lhe dizer o quanto eu queria que tivesse me levado com você, mas me recuso a reconhecer isso. Às vezes, sinto que me infectei da sua doença quando abracei seu corpo sem vida na banheira. Acho que me tornei um pouco suicida naquele dia. Não valeria a pena continuar viva por mim, mãe? Eu queria que estivéssemos envelhecendo juntos, compartilhando lembranças e rugas. Agora entendo o quanto a sua dor era insuportável. Tão insuportável quanto está sendo para mim. Insustentável. A dor pesa em meu peito e eu me sinto fraco, mal sei como cheguei até aos 22 anos. Mas parece que para você, era demais, mais do que poderia suportar por nós dois. Eu te culpei até sentir em minha própria pele o quanto a dor nos torna vulnerável. Gostaria que você descansasse em paz sabendo que te perdoei na última vez que abracei seu corpo no caixão. Você sabe, nunca fui um garotinho rancoroso. Mamãe, eu não queria partir em um dia ensolarado. Eu sei que Zaccheo ama dias de sol e seria injusto fazê-lo odiar dias assim para sempre. A chuva cai sobre minha cabeça e parece uma permissão, uma benção para finalmente partir. E sinto que você está em algumas nuvens, me dizendo que está esperando por mim. Passei as minhas últimas horas nos braços da única pessoa que conseguiu me amar, e desejo poder viver nesses momentos, mas o despertar é tão doloroso. Espero poder levar essas memórias comigo para a morte. Queria ter coragem de ter dito que ela foi a razão pela qual fiquei um pouco mais, só que imaginar vê-la chorando quebra partes em mim que pensei já estarem estilhaçadas. Mamãe, são 3:15 da manhã e eu sinto a vida abandonando meu corpo aos poucos, lentamente. Já havia decidido que seria hoje, assim que acordei ontem. Nunca me considerei digno de nada, sempre me vi tão sujo. Tentei me agarrar em tudo, mas nunca fui digno, nem da obsessão dela, por mais distorcida que fosse. Cada gota de chuva sobre meu corpo é um lembrete. Gosto desse lugar, a torre da basílica. Você falava muito sobre ela. Vim procurá-la naquele dia em que me perdi, e mais uma parte de mim se quebrou. Não percebo que estou chorando, me sento com as costas no para- peito do prédio, tento acender um cigarro, mas está chovendo e ele sequer chega a queimar. Meu corpo está agitado, eu sei que está chegando a hora. Fecho os olhos e acompanho meu pulmão se encher de ar pela última vez. Meus pensamentos vão até ela. Deixei uma carta pedindo para entregar Ophélia apenas em suas mãos. Gostaria de vê-la se virando com uma cobra e uma gata. Isso me faz rir. A maioria das coisas sobre ela me fazem rir como nunca. Ouço sua voz e talvez esteja delirando, mas não, é ela na ponta da escada caminhando até mim. Seus passos sobre as poças de água me agonizam e sei que ela está vindo até meu encontro e me encolho. — Não se aproxime. Ela está completamente molhada e jogas mãos para o ar no momento que um trovão ilumina a noite escura. — O que posso fazer para você ficar? — a chuva molhava seus cabelos e rosto, mas eu conseguia ver que estava chorando. — Você sabe que não pode. — Grito em resposta, para mim também — Estou tão cansado, Yulieta. — Eu… eu não imagino um mundo sem você — ela avança mais dois passos e eu estou me espremendo contra mim mesmo — sei que nunca vou carregar seu fardo, mas posso carregar você. Me deixe mostrar que ainda existe esperança. — Não, eu estou tão cansado desse corpo, dessa vida. A esperança é uma coisa inútil. Algum dia eu a tive, acreditei que as coisas iriam melhorar. Aceitei que minha mãe se foi porque seria melhor para ela, mas arrancaram a esperança de mim tão fácil quando me arrastaram para um maldito lugar escuro e tiraram tudo que eu conhecia com 11 anos. Me tiraram tudo até que não sobrasse nada, a não ser sangue. Eu não… consigo sentir mais nada. Ela correu até mim e me encolhi sobre seu toque. Eu desejava que ela me abraçasse e eu não sentisse nojo de mim mesmo. — Por favor não me toque, por favor. — Eu choramingava baixinho e ela embrenhou as mãos em meus cabelos molhados e senti sua testa quente na minha — Por favor, me deixe ir. — Está tudo bem, eu estou aqui. Você está aqui. — Por favor, não me toque. — Afastei suas mãos e me levantei depressa pegando a arma da cintura. Eu precisava me tirar desse corpo. — Klaus, por favor, não faça isso. — Ela avançou dois passos e eu dei dois para trás ciente que se eu me aproximasse mais, cairia — Por favor não me deixe. Dei mais um passo e senti meu corpo bambear e levei a arma à cabeça. Os olhos dela estavam cravados em mim e hesitei por um breve minuto. Não gostaria que presenciasse isso, eu era mesmo imundo. Respirei fundo fechando os olhos e ouvi o barulho de gatilho se ativando, mas não era da minha arma. Quando abri os olhos, ela estava com a sua arma apontada para a própria cabeça. — Vamos, atire. — Sua mão tremia no ar e então ela colou o cano da arma na têmpora. — Vamos Klaus, juntos. Atire. — Yulieta… — Atire Klaus, eu não ficarei aqui. Dê mais um passo para trás e explodo minha cabeça. — Abaixe a arma, Yulieta. — Coloque a sua no chão — ela era fria como a chuva que molhava meu corpo e gritava mais alto que a chuva forte — coloque a sua arma no chão, Klaus. — Yulieta, por favor, abaixe essa arma. O som do tiro ecoou entre nós. Ela havia disparado para o alto, mas agora voltou o cano quente da arma para a cabeça. Respirei fundo, joguei minha arma no chão e dei dois passos à frente. Ela também suspirou, a mão vacilando, até que a arma começou a descer. Observei sua mão tremula guardar a arma na cintura antes de se aproximar, erguendo a mão para tocar meu rosto. Segurei seu punho com firmeza. — Pare de tentar. Eu não quero ser salvo. Soltei sua mão, passei por ela recolhendo a arma do chão e fui embora, sem olhar para trás. Capítulo 51 Yulieta A dor tomava meu corpo febril e me arrastei pela escada desejando não ter acordado da última vez que dormi. Passei as mãos no celular e me sentei perto com as costas contra meu carro sendo banhada pela chuva que aumentou seu ritmo. — Yulie? — A voz de Marianelle soou do outro lado da linha e caí em choro profundo. — Eu não posso salvar ele, eu não posso. — Meu choro cortava minha voz e me afundei no chão. — Fique onde está, já estamos chegando. Ficarei na ligação. Coloquei o celular no chão e chorei tanto que pensei que desmaiaria sem fôlego. Fiquei 15 minutos chorando e esperando por elas. Até que um carro estacionou e elas desceram me amparando e tirando do chão. Derreti em seus braços, chorando. — Eu não posso,eu não posso. Eu não vou conseguir. A dor me rasgava e as lágrimas me lembraram do quanto inútil era. Eu tinha mãos que não serviam de nada e olhos que apenas choravam. Minhas pernas fraquejaram e escorreguei nos braços de Marianelle. Levei as mãos ao rosto e arranhei minha face gritando, enquanto minhas duas amigas tentavam conter minhas mãos inutilmente. Eu era implacável me debatendo e cravando as unhas nos olhos tentando arrancar tudo de dentro de mim. Marianelle que era a maior entre nós imobilizou meus braços, eu soltei uma cabeçada no queixo dela que não se importou em machucá-la e continuou me segurando e balançando enquanto meu choro era tão alto que eu tremia em seus braços. Lovell segurou minhas mãos em um aperto, me lembrando de respirar novamente. — Yulie, você precisa ser forte. Como sempre é — a mão delicada de Lovell passeou por meu rosto molhado e eu negava, negava freneticamente. — Não, eu não posso. Vou perdê-lo. — meu sussurro saiu tão baixo que nem eu mesma fui capaz de me ouvir. A dor era febril, tremendo meu corpo e me encolhi nos braços de Marianelle que tentava me ninar. — Eu sei, eu vou perder ele. Eu já o perdi. O afago de Marianelle sobre minha cabeça acalmava meu choro, mas a triste e cruel verdade se deitava em meu coração e eu não tinha forças mais para lutar. Senti Lovell acariciar meu pescoço e com uma picada injetou líquido quente em meu sangue, me apagando. Capítulo 52 Polícia - St Harlem 13 de janeiro 4:16 da manhã Vicente não foi naquela noite levar o carregamento do Rizzo, e não apareceu a semana toda na delegacia. Ele era um viciado e imaginamos que estava enfurnado em casa cheirando a droga que deveria ter repassado. Vasculhamos a casa deles três dias depois e o mau cheiro havia se espalhado. Quando um dos agentes arrombou a porta do quarto tive que piscar rapidamente assimilando o que via. O chão estava coberto de cocaína, o carregamento era de 40 quilos e estava derramado sobre o chão. Em algumas partes, o branco ganhou as cores vivas do sangue e na parede havia mais uma frase escrita. “O inverno está chegando ao fim” — Houve uma carnificina nesse quarto. A voz do auxiliar desvia meus olhos da parede. — Há algo em comum entre o Natal e agora. — Encaro o quarto, procurando algo, mas não existe nenhuma pista e a cocaína por todo lado dificulta o trabalho — Esses dois policiais estavam envolvidos juntos em uma denúncia. Reli o arquivo morto. — Senti o olhar do auxiliar cair sobre mim. — 2013, o filho do prefeito. — O suspiro dele foi alto e eu olhava a barbaridade em que pisava os pés — Precisa mandar um recado, ou ele vai matar a polícia inteira. Fique de olho no mais novo, ele é o mais frágil. Um simples vento e ele se quebra, pegue o que ele gosta. Capítulo 53 Yulieta Acordei na cama de Marianelle sentindo meu corpo completamente dolorido. Lovell estava deitada ao meu lado mexendo no computador e Marianelle na mesinha de estudos perto da cama. Virei na cama e encarei o teto respirando fundo, tudo era real. Senti a mão de Lovie dedilhar meu couro cabeludo, olhei em sua direção e ela me ofereceu um sorriso que eu não pude retribuir. — Você precisa levantar e tentar comer alguma coisa. A voz de Marianelle chamou minha atenção, senti um nó em minha garganta e jurei que vomitaria em cima da cama. — Aquele dia, eu matei o policial porque ele foi um dos homens que abusou do Klaus, quando tinha 11 anos. — As palavras saltaram de minha boca e algum peso saiu das minhas costas pousando sobre minha garganta — Ele foi o segundo, na véspera de Natal fui atrás de outro. O olhar de Marianelle cruzou com o meu e eu não conseguia entender seus sentimentos. — Me desculpa. Pelo que eu disse naquele dia, se eu soubesse… — Tenho que pedir desculpas também, falei sem pensar. — Quando cheguei, fui pesquisar mais sobre Klaus. Ele tem 7 passagens pelo hospital psiquiátrico de St. Harlem. A primeira delas foi aos 11 anos, ficou internado por um tempo e fez sessões até os 15 quando abandonou e 6 episódios de tentativa de suicídios aconteceram. A morte perdeu todas. Me joguei na cama de novo me sentindo impotente e inútil. Eu nunca havia sido tomada por esse sentimento que corrói meus ossos, meus pensamentos e me levou a completa estafa. Faltei toda aquela semana na faculdade, custei a acordar todos os dias. Só conseguia comer porque elas duas me fizeram companhia enquanto fofocavam da vida e eu não tinha assunto para acompanhar. Me sentia completamente culpada e não receber informações sobre ele era uma angústia total. Ouvi os conselhos das minhas amigas: “dê um tempo a ele, você já demonstrou, deixe ele pensar.” Porém, eu não tinha esse tempo, eu o sentia sumir a minha frente e todo dia era igual. A mesma merda sem fim enquanto eu acabava comigo em preocupação. Acredito que se não fosse minhas amigas eu estaria bem pior. A companhia delas me salvou como nunca pensei que fosse possível. Eu queria mostrar isso para ele. O amor pode, sim, nos ajudar a suportar os momentos ruins da vida. Eu ficava hipnotizada e traçava mil planos de ir até ele e provar o quanto estou à disposição. Porém, não é sobre mim. O cansaço me pega e estou dormindo novamente quando ouço a companhia impaciente tocar. Arrasto até a porta e Lovell está risonha a minha frente. Esse sorriso dela me faria rir, mas eu não consigo fazer isso sinceramente. — Oi, meu amor — ela jogou os braços em mim e eu suspirei profundamente — quero que vá tomar um banho e lavar os cabelos. — Fiz isso ontem. — Hoje é sábado, você fez na terça. — Isso é quase ontem. — Ela riu de mim e me senti um pouco aliviada por saber que eu ainda sou engraçada. — Se lembra do meu jantar, não é? Fiz careta, merda. Sim, me esqueci do jantar beneficente que Lovell criou para arrecadar fundos para nova pesquisa. — Não, não me esqueci. — Então você tem fantasia? Ela havia me pegado. Neguei com a cabeça. Seria um jantar temático e isso eu mesma a convenci porque todo mundo espera uma data para fingir ser outra pessoa. — Estava passando por um bazar, tentando encontrar um complemento para minha fantasia e achei essa para você. Ela me entregou o saco e me sentei abrindo. Havia asas, um vestido branco até os pés, sem babados e com o decote quadrado que dava a sensação de ser um corset. Uma fantasia de anjo. Levei meus olhos a ela e ela me devolveu um sorriso. — Era o que tinha, só havia sobrado esse. — Confirmei com a cabeça e devolvi na sacola — traga ele, eu tenho uma sapatilha lá que vai combinar perfeitamente. Lovie fez sinal para mim e peguei meu celular e aproveitei para fechar as janelas. Um sopro gélido afastou meus cabelos do pescoço como se sussurrasse algo para mim. Capítulo 54 Klaus Eu havia me esquecido como minha vida era antes dela chegar. Monótona e fria. Quando cheguei naquele dia, a casa estava tão quieta que o som da minha respiração me incomodava como um grito no silêncio. Na manhã seguinte meu pai não disse nada a mesa e nem mesmo Zaccheo fazia questão de perguntar alguma coisa. Eles nunca conversavam, mas não por desdém e ódio como eu fazia. E sim porque eram estranhos um na vida do outro. Nasci 5 anos depois de meus pais reatarem o casamento, meu pai nunca foi presente com afeto, mas eu ainda via ele andar pela casa. Não aconteceu o mesmo com Zaccheo, já que passou os 5 anos de sua vida longe dele, e depois aos 16 anos passou mais 10. Ele vinha às vezes nas férias, mas era apenas para me ver e aproveitava os dias que meu pai não estava em casa. Zaccheo sempre foi frio, extremamente herói, mas frio. Nada o magoava de verdade ou profundamente. Eu sabia que ele herdou isso de nosso pai. Já eu era como minha mãe, sentia tudo e em todas as partes do corpo. Ainda pequeno, me lembro de ver minha mãe chorar inúmeras vezes e eu, perdido, sem saber ainda como água saía dos olhos, apenas oferecia carinho. Ela gritava para chorar. Zaccheo apenas encarava e se pudesse ler sua mente ele estaria pensando: “inútil”. Ele tinha emoções, mas bem peculiares, como raiva, ódio e felicidade.Ele não chorava nem quando caia, parecia feito do aço. Porém, eu sentia seu olhar de pena para mim. Havia culpa, e eu odiava causar isso nas pessoas. E me odiava por sentir que causava isso Nela. Então ela havia sumido. Eu havia pedido que fizesse isso, mas o vazio que me preencheu ardia. Eu encarava os livros, a minha frente, rabiscando meu caderno. O sol apareceu um pouco e todos estavam na rua aproveitando o cessar da neve. A música tocava nos fones, mas eu não ouvia, eu repassava suas palavras. Ela não mentiria, então por que eu não conseguia acreditar? Afastei dos pensamentos e pousei o lápis na mesa voltando a ler. Porém, não conseguia. Ophelia miou e olhei ela se enroscar em minhas pernas então a peguei no colo e a coloquei na cama ao meu lado. O celular vibrou sobre a mesa e eu peguei na esperança ridícula de que fosse ela. Porém, a mensagem que recebi era de um número não identificado e desconhecido. Desbloqueei e o medo percorreu meu corpo. “Eu vejo um anjinho.” Era uma foto dela pelas janelas do salão de cerimônia da faculdade. Eu não senti meus passos sobre o chão, não enxergava nada ao meu redor. Passei as mãos nervosas sobre a chave do carro em cima da mesa e atravessei a porta. Quase tropeçando enquanto descia a escada, tudo estava turvo e não sei quanto é raiva ou lágrimas. Minhas mãos estavam trêmulas abrindo a porta do carro e o tempo parecia não passar enquanto eu acelerava com o carro passando por todos os sinais vermelhos. Era um trajeto de 30 minutos, em que eu dirigia como louco ultrapassando todos a minha frente e quase atropelando os motoqueiros. Cheguei em 20 minutos, quase batendo o carro na parede e descendo cambaleando do carro. Subi as escadas do anfiteatro quase voando e cruzei a sala, onde via muitas pessoas fantasiadas entrarem. Entrei empurrando todas as pessoas que surgiam à minha frente até que enfim cruzei a porta da sala. Mas era tarde demais. O corpo ensanguentado dela já estava no chão em meio aos cacos de vidro enquanto as pessoas olhavam horrorizadas. Joguei meus joelhos contra o piso e levei minhas mãos a tocarem seu corpo inerte no chão. Um soluço queimou minha garganta e minhas mãos absorveram o frio do seu corpo. Ela estava tão gelada que envolvi seu corpo ao meu tentando trazer o calor de volta. Entretanto, nada disso adiantava. Peguei seu rosto, colando nossas testas, mas eu sentia diante de uma parede de gelo. Encarei seu rosto afastando os fios de cabelo que se grudam nas bochechas pálidas. As lágrimas nublaram minha visão, tentando roubar a última imagem que eu tinha dela. Ainda assim, a beleza não tinha se esvaído de seu rosto permanecendo intocável e nem mesmo a morte seria capaz de lhe roubar isso. Levei seus lábios aos meus pela última vez e a frieza deles quebrou o que restava em mim. Havia sangue em minhas mãos e manchando minha camiseta. O sangue dela. Pousei sua cabeça sobre o chão e encarava a sujeira que eu havia feito. Os olhos curiosos me encaravam como uma atração perto do seu corpo sem vida. Tentei conter a única lágrima que escorreu de meu rosto e sai caminhando. Sem saber para onde, sem saber o que fazer, me amaldiçoando. Deveria ser eu, tinha que ser eu. Cambaleei até o carro e dei partida sem enxergar nada ao meu redor enquanto o choro começava a romper por meu corpo, me levando para longe em minha cabeça. Era para ser eu, eu no lugar dela. Não seu sangue. Não seu corpo. Fiz isso com ela, a culpa era minha. A placa da cidade apareceu em minha frente como um sinal divino, mas onde estava Deus quando ela recebeu o tiro que deveria ser meu? Eu sabia o que devia fazer. Freei o carro e dirigi mata adentro em alta velocidade até frear novamente quando enxerguei a imensidão azul à minha frente. Sai do carro e caminhei a passos decididos até o lago. A noite era cálida e senti o frio da água molhar minhas pernas até que ficou fundo o suficiente para não sentir mais o chão abaixo dos meus pés, então a água me encobriu entregando meu corpo a morte de uma maneira que nunca havia tentado antes. Meu corpo foi ao fundo do lago e minha alma ao céu. Se você ou alguém que conhece está passando por um momento difícil, lembre-se de que não precisa enfrentar isso sozinho e pode escrever sua história diferente. O CVV oferece apoio e escuta com respeito e sigilo. Ligue 188 ou acesse cvv.org.br. Capítulo 55 Marianelle O vento da noite balançou alguns fios do meu cabelo enquanto eu guardava meu estetoscópio com todos os outros materiais. Meu turno havia acabado e eu passei um pouco do tempo tentando ajudar a drenar um coágulo de um dos pacientes na emergência. O hospital público de St. Harlem era decadente e todo dia faltava algum utensílio básico e o desespero tomava conta dos novos estagiários. Suspirei, cansada, repassando a lista de coisas que eu compraria por conta própria e traria amanhã cedo. O toque do celular desviou minha atenção do papel e o nome de Lovell piscava. Cliquei no ícone verde atentando e levei o celular à orelha. — A Yulie levou um tiro. Perdeu muito sangue e o pulso dela está muito baixo e eu mal consigo sentir sua respiração. — Senti uma fisgada e me obriguei a focar, escutando a voz trêmula de Lovie — Estanquei o sangramento e os paramédicos estão a caminho, mas ela está apagada e tão gelada. Eu não sei se ela vai aguentar. — Lovie… fique com ela. Não a deixe ficar inconsciente. — Nelly, eu preciso que seja forte e procure o Klaus. Quando toda a confusão aconteceu, ele apareceu e… eu tô rastreando-o. Ela nunca nos perdoaria se ele morresse também. Acenei, sussurrando sim e respirei fundo contendo as lágrimas que molhavam meu rosto. Levantei sem saber o que fazer, eu nunca poderia viver num mundo sem ela. — Por favor, Lovie, não a deixe ir. Por favor. — Sussurrei ao telefone, jogando as palavras ao vento para que ele levasse a minha oração e desliguei encarando a localização do carro de Klaus. Joguei o que restava na mochila e corri pela escada do hospital esbarrando em todo mundo. As lágrimas não paravam de rolar e eu firmava meus pés ao chão imaginando todas as piadas que ela faria dessa situação. Yulie me curou sem mesmo saber que eu estava doente e, por Deus, eu não poderia ficar sem ela. O frio do fim do inverno não me assustava nesse momento e em poucos passos, alcancei meu carro jogando a bolsa no banco e o ligando depressa. Peguei meu celular e mandei algumas mensagens para o número que Lovell havia me passado. “Yulieta não morreu.” “Klaus, me ligue quando você ver essa mensagem.” Tentei ligar, mas a chamada caiu na caixa postal. Arranquei com o carro e cruzei a contramão, eu não tinha tempo para fazer o retorno. Ignorei todas as buzinas que soaram e pisei fundo no acelerador conferindo que a localização dele não estava muito longe e ainda estava se movendo. Cortei caminho avançando todos os limites de velocidade, a última vez que mirei a localização ele não se movia e a ansiedade começou a corroer meus nervos. Minha cabeça ansiosa forjava imagens de Yulieta sangrando e eu tentava afastar todas elas me entregando a uma oração, mas meu choro vacilava as palavras na minha boca. O medo me tomou, girei o volante tomando um atalho pela mata e notei que havia conseguido. Eu estava bem perto dele, mas a sua localização não se mexia, me lembrei de Yulie e balancei a cabeça afastando meus pensamentos a tempo de ver o carro dele em frente. Freei com força e saltei do carro olhando em volta tentando achar ele. Dei mais alguns passos e o enorme lago a minha frente paralisou meus pés. A brisa gelada circulou meu corpo, eu cravei as unhas na palma da mão, me lembrando do que vim fazer e não daquele dia. Forcei meus pés a andar e uma sombra chamou minha atenção. Os cachos loiros de Klaus boiavam sobre a água e um arrepio tomou minha pele. Sem pensar muito, me joguei na água gelada dando braçadas com todo esforço enquanto eu repudiava todo meu medo e tentava ignorar a água e a escuridão em torno do meu corpo. Agarrei a jaqueta de Klaus e puxei seu corpo para perto tentandoacordar ele. Ainda o segurando tentei arrastar seu corpo para fora do lago, mas ele estava duro como pedra. Joguei o corpo dele na grama ao redor e iniciei uma massagem cardíaca e ele não respondia. Tentei sentir seu pulso, mas não havia sinal algum e eu tentei trazer seu fôlego de volta tentando aspirar a água da sua boca, mas ele continuava inerte. Minhas mãos tocaram seu rosto e o gelo da sua pele despertou o choro em mim. Eu perderia minha amiga e ele também. Continuei a massagear seu peito e ele estava empalidecendo ainda mais sob o luar. Fiquei de pé e arrastei o corpo dele até o carro e usei toda minha força para o colocar deitado no banco. Desesperada, fui até seu carro e peguei seu celular, que estava jogado no porta-luvas com todas as mensagens que enviei, ele sequer chegou a ler. Busquei o nome de Zaccheo e enviei uma mensagem. “Me encontre no hospital.” Sequei o celular na blusa jogada de Klaus e devolvi ao porta luvas. Pulei para dentro do meu carro e dirigi depressa até o hospital, às vezes olhando no retrovisor esperando ele dar algum sinal, mas seu corpo era uma pedra sobre o banco. Estacionei depressa e os paramédicos se aproximaram tirando o corpo gelado de Klaus de dentro do meu carro. — Eu já tentei a massagem cardíaca e respiração mecânica. O encontrei o corpo dele boiando no lago da reserva. Vocês sabem de quem ele é filho, e sabem para quem devem ligar. Os paramédicos sumiram com o corpo de Klaus em direção a emergência e me apoiei na parede tentando recuperar o fôlego. Minhas mãos tremiam ao pegar o celular, e o texto de Lovell congelou meu sangue. “Ela deu entrada na emergência. Estão preparando a sala de cirurgia para tentar retirar a bala do peito, mas ela perdeu muito sangue no caminho.” Rolei a tela, e uma segunda mensagem apareceu logo abaixo. “Nelly, ela teve uma parada cardíaca às 00:16” Levei minha mão à boca contendo um soluço e a voz do médico atrás de mim soou aos meus ouvidos. — Lamento senhora, mas ele teve uma parada cardíaca há 3 minutos. O número do celular me encarava: 00:19. O mundo pareceu se encolher sobre mim, arrastando-me para aquele lugar escuro e gelado novamente. Mais uma vez, eu estava em um hospital sofrendo por uma perda, sentindo o peso do silêncio me sufocar e afogar no próprio choro. Senti minhas pernas cederem, e o toque frio da parede contra minhas costas foi a única coisa que me ancorou, enquanto eu deslizava até o chão frio. O som do meu coração descompassado era o único no silêncio da minha cabeça. Minha mente se recusava a aceitar o que aqueles números significavam. Mas a realidade à minha frente se desdobrava com uma clareza cruel. Apertei o celular contra o peito me sentindo completamente vazia. O coração deles havia parado ao mesmo tempo. Capítulo 56 Klaus Meus olhos se abriram e as paredes brancas do hospital me encararam como se suspirassem, me perguntando quantas vezes mais eu teria que tentar até enfim conseguir. Senti o peso do meu braço cansado se erguendo para tocar meu rosto. Minha pele ainda estava quente e as lágrimas se encontravam em meus olhos, prontas para rolarem pelo meu rosto. Senti um toque gelado e arrastei meus olhos cansados reconhecendo as unhas pretas. — Por que continuo vivo? — Minha voz desgraçada me fez erguer meu rosto pálido e fúnebre até Zaccheo e o suspiro forte que escapou de seus lábios foi o comando para as lágrimas se soltarem molhando meu rosto — Por que Zacch? Eu era um fantasma em miséria, me esforçando para não perder o fôlego entre as palavras tristes. Meu irmão jogou os braços ao redor do meu corpo fraco e eu fraquejei. Não havia forças em mim, para renegar o único toque de afeto que me apertava tentando em vão reunir meus pedaços que desmoronaram com meu choro. Zaccheo me aninhou em seus braços e eu sentia a tristeza apertar as válvulas do meu coração. Por que estou vivo? Ninguém pode me responder que maldição é essa. Não há nada que eu ame que consiga sobreviver. Com quem tenho que falar? Eu pediria ao Caronte para trocar a minha vida pela dela. Barganharia com o diabo para que me levasse até o vale mais profundo do inferno e a deixasse, aqui, viva. Porém, eu estava preso a esse corpo maldito com uma condenação por ser tão sujo e inútil. Eu merecia toda essa dor que arrancava minha carne dos ossos e rasgava minhas entranhas. Eu merecia esse choro e desgraça. Eu merecia, mas não era digno dela. Não me lembro quando comecei a me bater, enquanto os gritos de meu irmão eram sussurros distantes. Eu arrancaria minha alma desse corpo com as próprias mãos. Meus passos eram flutuantes pelo chão, enquanto arremessava a cabeça contra a parede. — Klaus, pare — a fúria me transformou em um imortal e as mãos do meu irmão não conseguiam me conter e eu investia minha cabeça contra a parede branca. — Me leve… — Seu agarre era fraco diante da minha desgraça e eu sentia minha cabeça doer e o sangue pingar sobre meus pés, mas eu ainda estava nesse corpo infernal. Impulsionei meu corpo mais vezes contra o frio da parede ignorando as ondas de dor que irradiavam meus nervos. Senti diversas mãos me agarrarem e a escuridão tomou conta dos meus sentidos e eu rezei para ser a morte me aceitando do outro lado. E não era. Acordei um dia depois com a cabeça enfaixada e no mesmo corpo que antes. Havia ganhado amarras nas mãos e grades na janela. Além de prisioneiro desse corpo, eu ainda fui preso nesse maldito quarto encarando meu sangue manchando a parede. A depressão tomou conta do meu corpo como uma praga e eu não conseguia me mover na cama. Com o tempo comecei a negar a comida e então me amarravam a bolsas de vitamina. Eu morreria, algum dia a morte desistiria de fugir de mim. Não sei quanto tempo estava aqui, mas eu sentia meu cabelo longo ao ponto de coçar meu pescoço. Estava em coma dentro da minha própria cabeça. Não conseguia falar sem me entregar a um choro triste e desgraçado. Quando conseguia desligar minha mente daquelas paredes ela me vinha em ilusões. Eu imaginava com qual roupa ela foi enterrada. Se era aquela que ela usava em meus sonhos. Não poderiam colocar um véu em seu rosto e apartar as poucas horas que a terra tinha o deleite de ver seus detalhes. Eu não pude vê-la antes das traças devorarem o que restou do seu rosto angelical. Eu não pude colocar uma flor sobre seu corpo frio e a última imagem que tenho me mutila ainda mais. Sangrando. Por minha culpa. O som da chuva despertou minha atenção e me esforcei para virar meu rosto que também havia sido amarrado em um dos episódios de fúria em que tentei estourar a cama com ele. As gotas caiam suaves, uma a uma, por um longo tempo e adormeci observando o gotejar da água, mas um frio súbito tomou meu corpo e abri os olhos. O quarto estava o mesmo e eu talvez esteja perto de mais um delírio. Virei para janela tentando me concentrar na chuva. Respirei fundo e o aroma que chegou até mim estremeceu meu corpo. O cheiro de morango invadiu meus sentidos e fechei os olhos respirando devagar e deixando o delírio me levar. — Se continuar a respirar assim você vai acabar desmaiando, morceguinho — meus olhos se abriram rapidamente, encarei o quarto procurando e meu olhar buscou a sombra recostada à porta. — Eu… — ela se aproximou um pouco para que eu enxergasse que estava me mandando ficar quieto — Me leve com você. — Meu sussurro saiu áspero, eu não conseguia falar, o choro baixinho me afogava — Não me deixe. Ela prendeu os lábios entre os dentes, deu mais alguns passos. Reconheci a roupa preta e seu cinto e uma vontade tremenda de sorrir invadiu meu corpo, mas o choro matou tudo. — Eu nunca vou deixar você, achei que tivesse aceitado isso. — Ela cruzou os braços e sorriu, revirando aqueles olhos para mim — Eu sempre vou existir enquanto você viver. Eu negava com a cabeça, negava rapidamente sem me importar com o aperto do nó das cordas em volta do meu pescoço. Ela me surpreendeu descendo o zíper da blusa e arrastando a barra, me mostrando uma cicatriz vertical no peito esquerdo. Meus olhos vagavam inquietosda cicatriz ao seu rosto e ela tomou uma faca da cintura, cortando as amarras da minha mão e levou meus dedos ao seu peito quente. As batidas frenéticas do seu coração esquentavam minha mão gelada e meus olhos marejados encontraram seu rosto sorrindo. — Não é muito fácil matar o diabo — ela riu e eu sentia o sangue voltar a fluir por meu corpo como nunca. Tomei seu queixo aproximando nossos lábios. Eles estavam quentes e macios contra minha língua. Ela se afastou deitando minha cabeça em seus ombros e uma lágrima trilhou meu rosto caindo em suas costas. Ela nos separou agarrando a faca para cortar todas as tiras de couro que me seguravam e desci da cama agarrando seu corpo sentindo seu coração bater contra meu peito. Há muito tempo eu não ficava em pé e desmoronei de joelhos segurando suas pernas. — Prometo fazer da minha vida seu escudo. Prometo amar cada detalhe antes que a morte me pegue, prometo te proteger com a minha vida e esse será meu único propósito de hoje em diante. Ela sorriu, pousando as mãos em meu rosto me fazendo erguer as costas para que depositasse um beijo em minha testa, mas recuou depressa levando a mão ao ouvido. — Poison, não temos tempo para isso, pede para ele se declarar depois. Burn perdeu o controle — reconheci que era um ponto de voz e alguém conversava com ela. — Vamos, eu preciso sequestrar você desse lugar antes que tudo isso exploda. Tem uma piromaníaca a solta em St. Harlem. Epílogo Zaccheo Passei a gola da blusa por minha cabeça e acomodei o tecido em meus músculos observando meu reflexo em frente ao espelho, estava lindo. Plim plim plim. Desviei a atenção do espelho e olhei meu celular que estava com a tela desligada. Desbloqueei ele e o som continuou ecoando pelo quarto. Plim plim plim. Era no quarto que esse som vinha, mas estava muito abafado. Agucei minha audição caminhando pelo quarto em direção a minha cama ele estava ficando mais alto. Cada vez mais alto. Puxei o travesseiro e o som vibrou, mas ainda não estava alto o suficiente. Suspendi o colchão da cama e o celular rosa vibrou sobre as vigas. Eu não me lembro de ter fodido com nenhuma garota aqui em casa… se o desgraçado do meu irmão colocou alguma vagabunda na minha cama arrancarei um de seus mamilos. Peguei o celular e atendi a chamada. — Pensei que não quisesse falar comigo. A voz distorcida ao telefone silenciou todos os xingamentos que estavam deslizando pela ponta da minha língua. Apesar de trêmula, eu reconhecia um tom de voz feminino. — Quem é? A risada dela, mesmo modificada, parecia doce. — Pergunta errada. Deveria se questionar como esse celular foi parar embaixo da sua cama. — A diversão rolava por cada palavra distorcida que saiu do auto falante do celular. — Eu estive na sua casa algum tempo atrás. Ri e encarei meu quarto. Estava tudo igual antes, como sempre foi. — Isso é blefe. Ela murmurou do outro lado da ligação e suspirou antes de falar. — Se isso fosse um blefe eu não saberia que guarda as cuecas em ordem de cor e marca, além de separar camisetas e calças seguindo o mesmo padrão. Também, tem dois esmaltes no lado esquerdo da cama. Calma, me lembro. Escarlate e preto sépia. Cada mero detalhe estava igual ao que ela falava e ri exasperado, tentando entender que merda estava acontecendo. — Ótimo, então você não é uma vagabunda mentirosa. Vá direto ao ponto. Houve um silêncio que tensionou meus ombros e me obrigou a espiar o telefone para saber se ainda estávamos em ligação. — Qual é o seu filme de terror favorito? Gargalhei, me arrependendo do tempo perdido dando ouvidos a essa ligação. — Bom, o Halloween já passou há 4 meses. Essa piada não tem mais graça. — Nunca é tarde para uma travessura — a risadinha rasteira chegou distorcida aos meus ouvidos, eu revirei os olhos tentando compreender por que não desligar essa merda e atirar longe. Encarava os cantos do quarto tentando imaginar que merda aconteceu, qual detalhe eu havia perdido. — Não. Me procure aqui fora. — Me virei em direção à janela e notei uma silhueta coberta de sombras e com um capacete acenando para mim. — Não se preocupe, vamos ter muito tempo ainda e quem sabe eu consiga descobrir seu filme de terror favorito. Liguei apenas para avisar de que sei o que você fez no verão de 2013. Com riqueza de detalhes e imagens, de ângulos maravilhosos. Meus pés foram chumbados ao chão, enquanto eu encarava a silhueta passar as mãos enluvadas nos bolsos do cinto e pegar uma caixinha de fósforos. — Filha do satanás! — a fumaça neblinou tudo ao redor quando o fósforo caiu como pena das mãos em direção à poça de gasolina que escorria do meu carro. Futuro da série Olá querido leitor, se você chegou até aqui imagino que tenha gostado da minha história. Esse é o primeiro livro da trilogia e os próximos vão contar um pouco mais sobre o desfecho da Yulieta e do Klaus e um novo casal será apresentado. Apenas posso dizer que Burn é tão apaixonante quanto Yulie e Zacch é mil vezes pior que, estou me divertindo muito planejando o próximo livro e quem sabe ano que vem ele esteja entre nós. Há muitas coisas que você ainda vai descobrir sobre St Harlem e sua sociedade maldita. Beijos, até logo! Agradecimentos Nunca me imaginei chegando nessa página do livro e estou a alguns minutos encarando sem saber a quem agradecer primeiro. Eu fui muito abençoada durante a escrita desse livro, ele me mostrou o quanto sou amada e isso é um dos motivos pelos quais eu vivo cada dia. Obrigada às minhas amigas (por ordem alfabética para vocês não se matarem): Aline, Amanda’s, Bia, Carol, Gaby, Gabrieli Antunes, Emily’s, Jude, Leticia, Luna, Maria Clara, Marilu, Rayssa, Taís. Um puta agradecimento mais que especial as minhas parceiras: Loretta Lins e Ester Morana. Nada disso seria realidade sem vocês, eu amo cada uma incondicionalmente. Redes sociais Me siga e acompanhe mais do meu trabalho: Tiktok: @Jaymaironn Instagram: @Jaymairon https://www.tiktok.com/@jaymaironn?is_from_webapp=1&sender_device=pc https://www.instagram.com/jaymairon/ Biografia Apaixonada por gore, HQs e história horripilantes. Se aventurou na escrita aos 22 anos tentando achar um caminho, e não sabe se achou realmente, mas está amando a loucura de ser autora. Não sabe escrever biografia. [1] Frederick Clegg protagonista de O colecionador de John Fowles que sequestra sua obsessão desde criança após ganhar na loteria, mas o fim é inesperado. [2] Phonk é um gênero musical que combina batidas pesadas e lentas com samples de hip- hop dos anos 90, criando uma atmosfera nostálgica e sombria. [3] No autismo, "shutdown" é quando a pessoa se sobrecarrega emocional ou sensorialmente, levando a um colapso temporário, geralmente com desconexão e dificuldade de comunicação. [4] Stim (abreviação de autoestimulação) refere-se a movimentos repetitivos, sons ou ações que ajudam a regular as emoções e a reduzir o estresse. No caso da protagonista ela estrala, aperta os dedos e mordisca a cutícula do dedo. Esses comportamentos podem ser uma forma de autorregulação e conforto sensorial. [5] TEA: Transtorno do espectro autista. Nota da autora Alerta de gatilhos Playlist Dedicatória Epígrafe Prólogo Parte I Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10 Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20 Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Capítulo 29 Capítulo 30 Capítulo 31 Capítulo 32 Capítulo 33 Capítulo 34 Capítulo 35 Capítulo 36 Capítulo 37 Parte II Capítulo 38 Capítulo 39 Capítulo 40 Capítulo 41 Capítulo 42 Capítulo 43 Capítulo 44 Capítulo 45 Capítulo 46 Capítulo 47 Capítulo 48 Capítulo 49 Capítulo 50 Capítulo 51 Capítulo 52 Capítulo 53 Capítulo 54 Capítulo 55 Capítulo 56 Epílogo Futuro da série Agradecimentos Redes sociais Biografiaesquentou meu rosto. Ele não tem como se defender. Fui obrigada a soltá-lo ou faria alguma loucura. — Então me mostre. Temos a noite toda — sua voz era calma como um sussurro, mas sua respiração era forte e quente me sufocando. Não deixe ele tomar controle da situação. Forcei minha respiração a se acalmar e larguei meu corpo sobre a cadeira fingindo não ouvir nada do que ele disse. — Você sabe que seu pai e seu irmão colocaram um rastreador no seu carro? — voltei a me aproximar e ele estreitou os olhos — Mas também, com o seu histórico… Rolei os olhos, por isso nem ele esperava. — Preso por invasão, troca de tiros, desacato e mais alguns processos rolando. Deve ser delicioso ser protegido pelo título de filho do prefeito, não é? Ele voltou a me marcar com os olhos e sorriu. — Não é justo que você saiba tanto sobre mim e eu tão pouco sobre você. Foi minha vez de sorrir, ele ignorava tudo que eu dizia e já estava me irritando. — Bom, isso ainda é um sequestro. — Hipócrita. Sob seu olhar eu era uma presa, invertendo completamente a porra dos papéis — Vamos esclarecer algumas coisas: se você tentar ou até mesmo conseguir descobrir quem sou, serei obrigada a amarrar você nessa cadeira para sempre, num lugar mais escuro e impossível de ser encontrado. Talvez debaixo da terra. Aproximando dele, sinto sua respiração acelerar e acariciar meu queixo. Eu estava começando a gostar daquela proximidade e da maneira que ele se sentia em pânico comigo por perto. — Eu acho que você não gostaria disso, não é mesmo? — conseguia me ver refletida na íris do seu olhar escuro e, merda, a boca dele era um verdadeiro desenho — Apesar que, eu duvido que depois de hoje você vai sequer suportar um dia sem me ver. Klaus parecia uma pintura à minha frente e seu cabelo bagunçado sobre os olhos era a definição perfeita de anjo caído. — Não ache que por ser mulher eu não posso ser letal, esse é um erro bem grotesco que homens cometem. Veja só, é você que está com a bunda sentada nessa cadeira e eu tenho o poder dessa situação. — Meus dedos buscaram seu rosto, mas ele se afastou fazendo a cadeira ranger sobre o chão de madeira. — Se eu quisesse, poderia te matar como uma mosca indefesa contra a palma da minha mão, mas eu não quero. O sussurro quente da sua respiração me envolvia numa teia de tensão e desejo onde era difícil resistir a me jogar sobre ele. — Você é o demônio. A gargalhada escapou da minha boca ecoando pela sala escura. — Muitas pessoas dizem isso, e sabe? Nunca viram satã e eu no mesmo lugar. — Prendi a língua entre os dentes e me aproximei dele esperando o divertimento tomar conta do seu rosto, mas tudo em mim murchou quando seus olhos castanhos cruzaram com os meus e eu vi túneis de tristezas. Ele inclinou a cabeça me examinando, mas logo desistiu com um esforço visível de afastar algo de si. Eu queria fazer tantas perguntas, mas senti que havia o perdido naquele momento em que ele afundou a cabeça ao corpo. — Até mais, morceguinho — aproveitei do seu momento de distração e busquei em um dos meus bolsos a seringa que deixei pronta. Voltei a mirar sua jugular que pulsava mais do que antes. Observei seus olhos lentamente se fecharem enquanto ele me encarava, e eu injetava o veneno em seu sangue. Capítulo 2 Yulieta As ruas de St Harlem começavam a se iluminar quando Klaus voltou a despertar da última dose de veneno dentro do seu carro no estacionamento da faculdade. Eu o observava de longe, garantindo que ele estivesse sóbrio o suficiente para cuidar de si. Faz três horas que estou aqui, escondida, observando. Nesse meio tempo gravei cada mínimo detalhe das tatuagens espalhadas pelo seu corpo e o seu cheiro que é como me deitar em um campo de hortelã-pimenta. E nem mesmo agora eu sentia sono. Eu poderia ficar o dia inteiro analisando cada parte dele. Continuo esperando, aguardando que ele ligue o carro e vá embora. E quando ele sai finalmente com o carro posso conectar meus fones de ouvido por baixo da balaclava e dar o play na música. O beat se une com a adrenalina que pulsava nas minhas veias e tudo na rua some. Eu retribuía aos olhares estranhos dos trabalhadores com indiferença e deixei que o barulho dos meus saltos falasse mais do que eu. Que se fodam, era um dia lindo. A essa hora, eu já estaria em cima de um pula-pula treinando Jump, então havia bem mais adrenalina correndo em meu corpo que o normal. Eu era muito acelerada e passei a maioria da infância com meus pais prendendo minha atenção a algum exercício físico. Comecei com balé, depois passei mais tempo no karatê, e, ao longo dos anos, socar pessoas foi perdendo a graça. O carro de Lovell estava estacionado na frente do apartamento que ela e Marianelle dividiam, atravessei a rua e cumprimentei o porteiro que sorriu quando tirei minha balaclava e depois o fone. — A noite de Halloween foi longa, senhorita Bryant? — Foi a melhor noite de Halloween de todas, Benjor — soltei um beijo no ar e rodopiei entrando no elevador. Digitei a senha na fechadura eletrônica que Lovell instalou assim que se mudou, justificando que sempre poderia trancar a porta sem precisar voltar o caminho todo para ter certeza se estava ou não trancada. Fechei a porta atrás de mim e me assustei assim que entrei e dei de cara com ela ainda vestida com as mesmas roupas que eu. Ela costumava ser a primeira a chegar e se trocar para dormir. — O que aconteceu? — arremessei minha balaclava em cima da mesa e enrolei o fio do fone nas mãos. — São 6:30 da manhã, Yulieta — a voz de Marianelle soou como a da mãe dela nos acordando no domingo para ir à igreja — você ficou a noite toda fora. Me joguei sobre o sofá da sala e observei que ela também não havia trocado a roupa. — Por que vocês continuam vestidas? Vai rolar um after de Halloween? — tirei as botas e estiquei meus pés sob a mesa de centro, afastando alguns livros de programação que Lovell espalhava por todos os lugares. — Chegamos 15 minutos antes de você — Lovell estava agarrada a sua caneca favorita. As pontas dos dedos estavam brancas de tanta força que usava para segurar a xícara. Joguei a cabeça em direção a Marianelle sorrindo e ela fingiu não notar. — O que vocês estavam fazendo? — cruzei meus pés e estiquei os braços, o sono começava a coçar meus olhos — Eu tive um encontro. — Desmaiar pessoas com veneno e arrastar para um quarto no meio da mata parece um encontro para você? — Marianelle cruzou os braços e eu fiz uma careta, como eu explicaria… que sim? — Lovell apagou as imagens da câmera dos fundos do ginásio hoje de manhã e eu apaguei o histórico do rastreador do irmão dele — Pensei que aquela porcaria não funcionasse mais. — Prometi que só faria alguma loucura em lugares sem fiscalização de câmeras, e de fato aquela merda de câmera parecia um artigo vintage e não algo que realmente funcionasse. E como eu iria prever que o irmão dele rastreava ele como um cão? — E vocês? Como foi a noite? — Eu atropelei o Nate. Nossas cabeças viraram em sincronia para encarar Lovell que continuava a espremer a caneca nas mãos, mas a nossa reação foi completamente diferente. — Porra Lovie, eu disse para você se aventurar mais. Agora o Opala tem mais um atropelamento na conta — andei até ela e retirei a caneca das suas mãos, apertando seus dedos gelados enquanto ela sorriu me empurrando. — Tinha droga naquela bebida? Por que você atropelou seu professor? — Marianelle ocupou meu lugar no sofá e levou uma das mãos para segurar a cabeça — Tive que explodir uma moto e roubar o carro do Zaccheo ontem. — Você roubou a bugatti dele? — Marianelle rodou os anéis nos dedos confirmando com a cabeça — Realmente um Halloween memorável, devíamos tomar café na Latte Lane. — Eu não tenho cabeça para isso, preciso dormir — Lovell levou a mão à testa e entendi por que ela estava tomando café. Ela não costumava tomar café de manhã e nem estar acordada esse horário, se não deitasse com certeza teria um shutdown[3] — fiquei a madrugada toda vigiando a casa do Nate esperando ele voltar do hospital. — Elemachucou alguma coisa? — já que não iríamos tomar café fora, decidi organizar a mesa com pães e algumas frutas enquanto Lovell se sentou à bancada observando Marianelle que havia se levantado para preparar o café. — Ele voltou de carro, não consegui ver, não tenho certeza. Me atrasou completamente e eu não consegui entregar a pasta de documentos, farei isso hoje de noite. Quando nos mudamos no início da graduação, St Harlem nos acolheu em cada mínimo detalhe, desde os apartamentos com sacadas flutuantes que capturavam a nossa atenção para a visão das ruas boêmias, até mesmo os lugares escondidos emoldurados em gesso naquele recanto fora de toda a modernidade cafona e sem personalidade do resto de Nova York. Entretanto, as coisas mudaram totalmente quando a cidade mostrou que a fachada vintage era algo bonito para encobrir toda a merda que rolava nos becos e na política decadente da cidade. Cada lugar escuro e sombrio de St Harlem era uma alcova de segredos, onde muitos cadáveres se deitavam caso buscassem a verdade. É difícil explicar que tudo isso atiçou ainda mais a nossa curiosidade pela cidade e alguns dias depois mudamos de Nova York para St Harlem. Parecia simples acaso, mas cada uma de nós tinha interesses próprios em cursar a faculdade tão longe de casa. Marianelle escolheu medicina, o que combina muito com sua aspiração a Jesus Cristo e milagres. Eu me apaixonei pelo caminho das palavras. No final das contas, acabei cursando letras e estagiando no jornal local, especificamente na sessão de notícias policiais. Tenho uma queda por problemas, não precisa me dizer. Lovell se encaminhou para Biomedicina e avançou às matérias com tanta facilidade que estava estagiando no laboratório do professor mais prestigiado da faculdade e prestes a começar seu doutorado. Sem sua inteligência e hiperfoco em códigos e carros, metade das nossas noites estariam sendo noticiadas nas mesmas páginas que eu escrevia no jornal. Além de ser a melhor em direção ofensiva, ela era também nossa hacker. Me lembro de como tudo começou, foi bem natural. Marianelle foi assediada no ensino médio por um professor ridículo, eu havia dado a ideia de soltar Venom para fazer o trabalho sujo. Mas Lovell foi além, muito além. Ela decidiu usar seu primeiro programa para invadir um site que o professor tinha cadastro e puxou todos os dados dele, montando uma carta ameaçadora que deixamos na casa dele depois da aula. Lovell era a melhor hacker e conseguia sempre apagar nossos rastros, assim como também conseguia indiciar qualquer pessoa que tenha feito algo errado. Todo Halloween, ela faz essa mesma entrega de dossiês e derruba artigos científicos de ladrões acadêmicos. No dia seguinte, a bruxa corre solta nos corredores da faculdade. Um verdadeiro caos quando professores fogem com medo de que suas nojeiras revisitem o presente e muitos outros lançam nota de esclarecimento. Assim, ela devolve os artigos na plataforma com todos os erros e plágios detalhados. Sorri enquanto cortava um dos pães e observava ambas conversarem sobre as banalidades da vida, eu as amava tanto e sinto que elas nunca teriam noção do quão grande era minha devoção a elas. Capítulo 3 Klaus A garrafa de água que ela deixou sobre o banco do passageiro foi a primeira coisa a me encarar, a segunda delas foi o bilhete ao lado de alguns comprimidos. Me inclinei para alcançar a garrafa e novamente o seu perfume invadiu meu corpo como um fantasma me assombrando. Era tão distante, mas eu conseguia sentir em cada lugar que ela havia encostado. Engoli os comprimidos e me estiquei sobre o banco observando meu celular, que estava no painel, vibrar com diversas notificações do meu pai e de Zaccheo. Ignorei. Eu não teria paciência para explicar duas vezes que estava bem. Encarei o assento ao meu lado, tentando imaginar se ela havia ficado comigo ou foi embora assim que me largou no ginásio da faculdade. Manobrei o carro e segui para casa ainda com aqueles olhos enérgicos piscando como luzes de faróis. Eu precisava de um banho e também tranquilizar meu irmão que não parou de ligar o caminho todo, que não era tão longe de casa. Estacionei e voltei meus olhos para dentro do carro. O bilhete não tinha caligrafia alguma, eram colagens de alguma revista. A diversão me fez sorrir, ela acha mesmo que eu tentaria decifrar quem é ela pela caligrafia? O dobrei cuidadosamente e segurei entre os dedos. Peguei meu celular e respirei fundo uma última vez, tentando guardar na minha memória aquele cheiro que quase não existia mais. Antes mesmo de bater à porta do carro, meu irmão já estava do lado de fora com os braços cruzados. — Que merda de lugar você se meteu? — não tive tempo de andar, ele parou na minha frente, como uma estátua. Ele parecia um armário com seus 5 anos e 3 malditos centímetros a mais que eu — Por que não atendeu a porra do celular? Respirei fundo e a lembrança daqueles malditos olhos travessos espelharam minha mente. — Sai com uma garota — contornei ele e me virei — achei que seria deselegante atender chamadas enquanto afundava meu pau nela ou você preferia escutar ela gemendo do outro lado da linha? Seus olhos se fecharam e ele cruzou os braços, olhei ao redor e notei algo estranho. — Cadê seu carro? — ele descruzou os braços e remexeu o piercing no nariz. O gesto típico de quando ele contava uma mentira. — Deixei no lava-rápido — aceitei, mesmo sabendo que nenhum lugar funciona na madrugada de Halloween, eu não queria abrir espaço para explicar onde estive a noite toda. Não queria me lembrar dela, como estava fazendo nesse exato momento. Ouvi seus passos apressados me acompanharem até a sala, onde meu pai já estava sentado ajeitando a gravata. — Da próxima vez, nos avise que está por aí desgraçando o nome da família e comendo putas — senti meu sangue ferver como ácido e em segundos eu estava à frente do meu pai, com a face colada à sua. Eu não havia herdado seus cabelos negros, mas os olhos castanhos eram cópias idênticas, principalmente quando cintilavam com raiva. — Você acha mesmo que tem moral o suficiente para apontar qualquer um dos meus erros? — gritei e ele sequer me olhou nos olhos, continuou arrumando a gravata e me ignorou, como se eu não existisse. Senti o papel se esmagar entre meus dedos e dei um passo para trás aliviando a força nas mãos. Meu irmão me empurrou, recuei e a dor de cabeça deu as caras ecoando por todo meu corpo. — Se você não consegue ajudar, no mínimo, não atrapalhe. — Foi a vez do meu irmão encarar nosso pai e apontar o dedo em sua direção. Zaccheo recuou e agora apontava para mim — Sobe, toma um banho e tenta comer alguma coisa. Meu pai se curvou buscando a bolsa no sofá e passou esbarrando em mim e eu respirei fundo sem conseguir encarar meu irmão. Eu queria dizer que não me importava, mas as palavras morreram em minha boca. Passei uma das mãos nos cabelos e os puxei levemente, a maldita cabeça latejava a cada passo que eu dava em direção ao banheiro. Meus olhos pesavam e tomar banho sem pegar no sono foi mais difícil do que normalmente seria. Quando sai do banheiro enxugando o cabelo, meu irmão estava deitado na minha cama. — Trouxe um sanduíche e um chá de hortelã, — ele folheava um dos meus livros com as algumas unhas pintadas de um preto tão profundo quanto seu cabelo — você precisa parar de rabiscar tanto os seus livros, quase não dá para ler. Peguei meu exemplar de Virgens Suicidas das suas mãos e guardei o bilhete que havia retirado do meu bolso em meio as páginas do livro. — Preciso dormir, você pode ficar aqui na cama, mas não mexa nos meus livros novamente — guardei o livro na gaveta da mesa de cabeceira e passei meus braços pela camiseta, deixando o frescor do banho recai sobre meus ombros. Zacch cruzou os braços e os apoiou no meio das pernas, fingindo ser uma pessoa comportada. Ele ainda era o mesmo de sempre: tão feliz e idiota. A cama era espaçosa o suficiente para nós dois, então eu me acomodei enquanto ele colocava o filme da noiva de Chucky pela milésimavez. Não sei que merda aquela garota me deu, mas cai em sono profundo antes mesmo de lembrar de comer. E ainda assim, sonhei. Não houve desespero, somente olhos escuros e travessos me encarando. Se fosse possível, poderia dizer que ela me assistiu até mesmo nos sonhos. Capítulo 4 Yulieta Eu dormi o dia inteiro, mas consegui levantar a tempo de preparar um jantar antes que Marianelle chegasse do estágio no hospital e de Lovell voltar do laboratório completamente assustada e desconfiada. — Relaxa Lovie, ele chegou andando hoje na faculdade? — tirei Lovell enquanto Marianelle ainda terminava de comer. — Sim, mas com um humor terrível, um braço quebrado e matérias horríveis no jornal — minha risada alta explodiu e ela levou a taça à boca suspirando. — Quais foram as matérias mesmo? O duque queridinho quebrou a patinha na última noite e ninguém sabe o que aconteceu? Seria criativo dizer que ele foi o gato sacrificado nesse Halloween — Levei as mãos ao ar como se estampasse o jornal. É uma pena que eu não ficasse responsável pela aba de celebridades, eu sou ótima em trocadilhos. — Eu nem tive coragem de encarar ele hoje, um aluno quase rodou novamente — Lovell deu mais um gole e encarou o vazio. — Você fala como se o humor dele fosse agradável, é normal que todo dia alguém esteja na diretoria reclamando dele. — Marianelle respondeu entre as pausas enquanto sugava o macarrão e Lovell deu de ombros. — Deveria ter dado ré e passado mais uma vez por cima. As matérias seriam bem mais interessantes. — Enrolei um fio de macarrão e sorri para Lovie que balançava a cabeça rindo. Marianelle se apressou recolhendo nossos pratos se levantando da mesa, eu a acompanhei levando o refratário do macarrão. — Sinto que essa noite de Halloween foi como arrancar uma flor e perturbar uma andrômeda. — As palavras de Lovell se espalharam pela sala como um sussurro congelando o ar. O barulho estridente do meu vaso caindo sobre o chão cortou o silêncio e meus olhos foram atraídos para o canto escuro da sala. A chama da vela enlaçada com ramos de alecrim, se apagou em um suspiro. — Merda — Marianelle soltou um palavrão e eu tentava a todo custo desviar meu olhar daquele canto, mas eu sentia as sombras oscilando para mim e quando finalmente consegui me virar para ela, o sangue vermelho pingava das suas mãos. Um prato havia se estilhaçado quando o vaso veio abaixo. — Vamos, lave logo isso — Lovell se levantou e caminhou até nós, mas eu notei que seus braços estavam completamente arrepiados enquanto ela enrolava a mão de Marianelle em um pano que eu deixava em cima da pia. Pegue o baralho. Em um frenesi eu as deixei na cozinha e atravessei a sala. Pegue o baralho, pegue, pegue, pegue o baralho, pegue o baralho pegue, pegue, pegue, pegue o baralho. Minhas mãos buscaram o baralho e o eco do silêncio retumbou pelas paredes da minha cabeça. Você sabe o que precisa fazer. Faça, logo, rápido, depressa, urgente. — Senta. As duas. — As cartas do baralho rolavam entre meus dedos sem muito esforço. Elas me encararam sem dizer nada, fazendo o que eu pedi. Marianelle se apressou bebendo o último gole do vinho enquanto eu colocava uma das velas ao centro da mesa. Eu sabia que elas não acreditavam em nenhuma das minhas crenças, apesar de eu acreditar em Deus e na física quântica. Marianelle era temente demais a Deus para tarô e ervas de boa sorte, e Lovell uma completa cientista metódica. Afastei os sousplat que usamos para comer e puxei minha toalha esverdeada de veludo e seu tecido nunca foi tão áspero quanto agora. Respirei fundo tentando acalmar minha mente, mas tudo era em vão e meu sangue deslizava quente por meu corpo. Cruzei meus dedos e dei três batidas sobre as cartas e o arrepio congelou minhas mãos enquanto as cartas pesavam cada vez mais. Embaralhei um pouco mais as cartas, me forçando a não tremer. Você primeiro. Retirei três cartas e pousei viradas para baixo sobre a mesa. Fechei meus olhos, prendendo a respiração e desvirei as três cartas ignorando o calafrio que percorreu minha espinha ao virar a última e quando abri os olhos, o terror que me atingiu foi difícil disfarçar. Ruim, muito ruim, terrível. Um três de espadas, o enforcado e… — É a torre — minha cabeça pesou sobre o corpo, o mundo parecia se fechar ao meu redor e eu me esforcei para que minha voz saísse firme. — O que significa? — Marianelle estava agora à minha frente, seus olhos verdes brilhavam sobre mim como cristais ameaçadores. — Ela… — o peso sobre minha cabeça me forçou a recostar na cadeira e foi então que o ar na sala mudou. Frio, você sente o frio, isso é terrível. Abra os olhos. Num instante, a carta virou-se sozinha sobre a mesa, como se uma mão invisível a tocasse. Agora estava novamente, com seu desenho virado para baixo. Minha mão se moveu inconscientemente e eu virei a carta e notando que ela estava invertida. — Eu vou fechar a janela — Lovell se apressou caminhando até o único vidro da sala que estava aberta, distante demais até mesmo para ela admitir que o vento viria de lá. — O que significam essas cartas? — Marianelle suplicou, ela também havia sentido e seus olhos eram incapazes de negar. — O três de espadas pode ser algo marcante que aconteceu — me inclinei sobre a mesa, enquanto Marianelle mantinha o olhar vidrado em cada carta que eu pousava os dedos — o enforcado é a demora, estagnar-se no tempo, mas também pode ser o sacrifício. A torre sempre é destruição, invertida significa que essa destruição pode ser evitada ou atrasada. — Me deixe ir agora — Marianelle correu os dedos trêmulos pelas cartas e as reuniu me entregando. As cartas queimavam meus dedos e eu me esforçava para embaralhar e dispor em leque para escolher. Então ela começou. Retirando e virando uma a uma. Enquanto o baralho virava pluma em minhas mãos. Espiei as cartas que ele colocava sobre a mesa: cinco de copas, sacerdotisa e um nove de espadas. — Sempre a sacerdotisa livrando você dos seus pecados — pousei o baralho e sorri. Encarei o nove de espadas manchado com um pouco de sangue que escorreu do seu corte e, naquele momento, eu enxergava além dos meus olhos. Diga a ela. Vamos, diga, fale o que vê. Então eu a vi. Sentada sobre a cama, chorando. Os fios brilhantes do cabelo loiro estavam embaraçados e as lágrimas escorriam manchando o rosto angelical. — O nove de espadas é uma carta de muito tormento — eu não tinha o controle das mãos quando agarrei o pulso gelado de Marianelle — tormento que você se causa. Sempre. Por que você luta contra si mesma? O cinco de copas é uma profecia de muito arrependimento. Você apenas chora, chora por aquilo que você perdeu e cavou com os próprios pés. Os olhos de Marianelle ainda estavam sobre a carta quando senti minha mão escorregar e olhei a tempo de vê-la negando com a cabeça em silêncio, ela mal conseguia me olhar nos olhos dessa vez e eu murmurei um pedido de desculpas. Lovell se aproximou trocando de lugar com Marianelle. Eu sabia que uma de suas altas habilidades era a memória fotográfica, o que permitia que ela marcasse minhas cartas e decorasse deveria e pegar. Mesmo agora, eu podia ver o nervosismo repuxando seus olhos amendoados. Como de costume, ela olhava as cartas antes de colocar sob a mesa. Saiu o mago e o eremita, mas quando chegou a vez da terceira carta, seu olhar travou. Eu me segurei na cadeira quando ela pousou silenciosamente a morte sobre a mesa. — Essa carta, ela… — Trágico, completamente trágico. Não vai dizer a ela? Toquei suas mãos geladas e arfei, tentando calar minha cabeça. Um gosto amargo tomou conta da minha boca, assim que essas palavras escaparam dos meus lábios. Os olhos escuros de Lovell me encararam e, por um instante, eu os vi fechados, sem vida, como se já estivesse morta. Havia exagerado pra cacete no vinho. Você sabe que não. Sacudi novamente a cabeça e Marianelle se aproximou, apagando o lustre acima de nós. Ela acariciou as costas de Lovell, que continuava a encarar a carta enquanto esmagava os dedos embaixo da mesa, ecom certeza estava em stim[4], arrancando as pontas da cutícula. — Eu… — ela encenou que falaria, mas desistiu, engolindo algo que parecia não querer descer pela garganta. — Estou sobrecarregada. — Sim, foi uma semana cansativa. Vamos assistir alguma coisa até que o sono chegue? — Estiquei minha mão por debaixo da mesa e tentei segurar os dedos dela, mas ela roçou as mãos nas minhas e se separou do meu toque. Quando Lovell foi diagnosticada com TEA[5] tínhamos por volta de 12 anos, mas bem antes disso já sabíamos como lidar com ela. Sempre apagávamos o máximo de luzes possíveis, assistíamos seu desenho favorito, até que ela se acalmasse e voltasse para nós. — Vamos continuar aquele episódio do anime? — Marianelle passou por nós se jogando no sofá enquanto ligava a TV. — Quero saber se o menino vai comer todos aqueles dedos. Sorri, percebendo que Lovell correspondeu ao chamado de Marianelle e se levantou indo em direção ao sofá. Me apressei para juntar o tarô, mas algo remexeu as cartas sobre a mesa e a torre, morte e o nove de espadas estavam piscando sobre as outras cartas. O arrepio que escorreu por minhas costas demorou a passar, muitos dias depois eu ainda o sentia, como se algo realmente me espreitasse pelas costas, nas sombras. Esperando o momento certo para nos atacar. Capítulo 5 Yulieta Roupas elegantes e perfeitamente passadas não costumam ser o outfit esperado de um garoto problema que passa mais tempo preso em uma delegacia do que comparecendo às aulas de administração da faculdade. Por incrível que pareça, esse era o seu tipo. Klaus sempre se vestia com roupas clássicas e bem planejadas, era uma maneira de esconder o turbilhão de emoções que ele carregava nos olhos. Constantemente estava rodeado dos mesmos idiotas que levavam o mesmo estilo de vida, o de um rei. E agora, de longe e ao fundo do restaurante universitário, observar aqueles olhos vazios e a cara fechada nunca foi tão desconfortável. Qualquer pessoa que passasse tempo suficiente o observando notaria que ele sempre estava tão distante, como uma nuvem pairando sobre nossas cabeças. Hoje percebo que ele não era aquele mesmo cara que sorriu para mim, era o triste e distante de sempre, mas atento. Sentia seu olhar subir mais vezes do que o normal. Ele encarava todas as meninas com cabelo castanho que passavam. Mordi meus lábios, eu deveria me sentir feliz por ele me procurar. Porém, a forma como seus olhos se iluminava sempre que alguma menina de cabelo escuro passava, bombeava ódio puro pelo meu sangue, e não notei que minha caneta havia estraçalhado sob o apertar dos meus dedos. Senti o líquido escorrer, então tomei consciência da força que estava fazendo e olhei novamente para minhas mãos, agora vermelhas devido à tinta. Outra me atingiu e eu respirei fundo. Eu precisava me acalmar. — O que é isso na sua mão? — Marianelle foi a primeira a colocar a bandeja sobre a mesa e me olhar assustada. — A caneta estourou — eu não conseguia desviar os olhos dele, mesmo com Lovell sentada à minha frente. Ambas acompanharam o meu olhar. — Yulieta, limpe as suas mãos — Marianelle colocou um dos lenços em minha mão pressionando meus dedos e olhei para ela, obedecendo. — Já faz mais de uma semana, ele continua procurando por você? — Lovell me ofereceu um pouco de álcool que levava na mochila. — Sim, encarando qualquer piranha com cabelos escuros que passa por ele. Eu não deveria ter sumido — não pretendia me afastar por tanto tempo, mas a comemoração do meu aniversário me deixou longe, longe demais. Pressionei o lenço sobre meus dedos tentando limpar ao máximo aquela bagunça, mas não teria jeito, a tinta iria ficar marcada. Prestei atenção às manchas que se formaram e parecia sangue em minhas mãos, sangue daquelas meninas que ele ousava olhar, imaginando que era eu. Se houvesse alguma marca nele, elas não chegariam tão perto como aquela ruiva fez agora pouco. Encarei o vazio tentando ouvir mais, talvez seja isso. Eu deveria marcá-lo e assim ficaria claro que ele é meu. — Tem razão, já faz muito tempo, talvez eu devesse aparecer — sorri devolvendo o frasco de álcool a Lovie. — Acho que não foi isso que eu quis dizer — Lovell organizou a disposição do prato na bandeja e me encarou sorrindo, cadela maldita. Obviamente não foi. — Sim, você tem péssimos conselhos, então vou seguir o contrário. — Mordisquei a carne do garfo e depois apontei para ela. — Incrível como o pessoal de humanas tem tempo livre, você não tem prova essa semana? — Marianelle enrolava os cabelos num coque e eu ponderei a ideia de jogar o garfo em sua direção. — Tenho apresentação de seminário que usa bem mais neurônios que qualquer matéria tosca que você tem estudado — Marianelle revirou os olhos, voltou sua atenção para o prato e eu continuo a encarar ele, recostado na cadeira rodando um dos anéis enquanto passava os olhos pelo livro. Sorri mordiscando o garfo, eu iria aprontar uma surpresinha para ele. Capítulo 6 Klaus O fim de ano costuma ser monótono em St. Harlem, os dias parecem infinitamente longos e as noites tão silenciosas que consigo escutar o bater das asas de uma simples mosca. Eu gostava de encarar a cidade de cima, no prédio mais alto da avenida principal. Tudo era tão pequeno olhando daqui. Indiferente e banal. Subi aqui nos últimos dias lutando contra a esperança ridícula de avistar novamente aqueles olhos que inundavam meus pensamentos como ondas batendo sobre a encosta desgastada do mar. Como se fosse possível, uma parte minha creditava que poderia encontrá-la vagando pela rua numa madrugada tão fria. Não. Ela não tinha os olhos de alguém que passava noites em claro como eu. Essas lembranças sempre me obrigam a sorrir de tão irônico que tudo isso é, e do quão deprimente preciso ser para achar graça nisso, e de inutilmente me frustrar por não conseguir encontrá-la. Às vezes, meus pensamentos desprezíveis me levam a crer que fui uma péssima vítima ou aquilo tudo foi apenas uma brincadeira de Halloween. Um momento suspenso no tempo. Será que ela pensa em mim tanto quanto que penso nela? O soar do relógio da basílica marcou uma e meia da madrugada com suas badaladas e apoiei minha mão no chão, dando impulso para me levantar da borda do prédio. Eu precisava tomar um banho e dormir. Era o quinto dia que eu não conseguia sequer deitar na cama, pelo menos não sem sentir que me deitava sobre espinhos sem conseguir me mexer ou pegar no sono. O ar abandonou meu corpo em um suspiro pesado, puxei o lápis apoiado na orelha. Eu não conseguia ler sem que a imagem dela tomasse minhas lembranças e em segundos eu estava de novo sendo encarado por seu fantasma e, sem perceber, me peguei desenhando seus olhos nas páginas que eu deveria ler. Tentei impedir que meus olhos teimosos buscassem por ela nas luzes turvas da cidade. É em vão procurar e tentar me convencer de que estou enlouquecendo. Insatisfeito, me preparo para ir embora e guardo meu livro no bolso enquanto desço a escada e procuro meu carro no estacionamento. Assim que cheguei em casa, percebi que nem meu pai, nem meu irmão estavam aqui. Cruzei a sala até a cozinha e me deparei com meu chá sobre a bancada. Esse era o único costume de criança que sobreviveu em mim com o passar do tempo, a única lembrança fragmentada da minha mãe. Tomar chá de hortelã antes de dormir era o nosso ritual, um que ela compartilhava apenas comigo. Peguei o bule e uma xícara e os levei até meu quarto, tomando cuidado para não derramar no chão. Eu os deixei sobre o armário da cabeceira, tirando a jaqueta e caminhando até o banho. Me desfiz do resto de minhas roupas e liguei o chuveiro no máximo, deixando o mais quente possível, na esperança de dissolver todo o meu dia e, quem sabe, a mim mesmo. Em meio a neblina do banho volto a me lembrar dela, eu sinto que ela tem a maldita capacidade de me observar mesmo de longe, ou dentro da minha cabeça enquanto eu ainda sou capaz de ouvir suas risadas. A água quente avermelha meu corpo e o vapor começa a me sufocar e eu me apresso desligando o chuveiro.Assim que finalizei o banho, me sequei vestindo a roupa íntima e o short que deixava guardado no banheiro. Caminhei em busca da camiseta que havia ficado em cima da cama, mas fui surpreendido pela brisa gelada que soprou da janela, arrepiando meu corpo enquanto terminava de me vestir. Aproximei e fechei a janela, colocando um pouco de chá na xícara, dando um breve gole voltei ao banheiro para secar o cabelo. Era um ritual extremamente cansativo, ter que tomar banho, mas a mera ideia de estar sujo me arrastava para lugares escuros. Assim que meu cabelo ficou seco, voltei para o quarto e peguei um dos livros que havia comprado. Realmente, não havia espaço para anotar mais nada em Virgens Suicidas. Preparei a cama e me deitei, recostando na cabeceira e tomando outro gole do chá. Dessa vez, estava mais doce do que antes e quando olhei dentro da xícara as letras ondulavam como um encantamento no fundo. Minha cabeça começou a pesar e eu mal conseguia manter os olhos abertos. Quando ergui o olhar, a enxerguei recostada na porta do meu quarto segurando minha gata nos braços. É como se meu mero pensamento a invocasse, mesmo tentando evitar pensar nela a cada segundo desse dia. Com a minha visão ficando mais turva a cada segundo, ela parece uma assombração, pronta para me levar a morte. — Oi, morceguinho, acho que você acabou de ser envenenado — tudo era turvo, mas vi seu sorriso brilhar enquanto acenava para mim. — Vadiazi… — as palavras dormiram em minha boca e eu apaguei com elas. Tenho a impressão de que ela me espiou a noite inteira. Capítulo 7 Klaus O despertador da cabeceira soou exatamente às 7:00 e eu deslizei a mão sobre ele. Eu havia acordado alguns minutos antes e encarava o quarto vazio. O som do alarme foi um lembrete, ou talvez um favor deixado por ela na intenção de tentar me acordar, apesar de ter me dopado. Ophélia estava do lado oposto da cama, mas assim que me sentei a gata veio até mim. O seu cheiro estava por todos os lugares do quarto, mas assim que Ophélia se aproximou uma nuvem doce a acompanhou. — Você é uma traidora — afaguei o pelo macio e rajado. O perfume se atenuou e eu não consegui evitar trazer Ophélia para perto e inspirar fundo seu cheiro — me diga o que ela fez, pequena Ophélia. A gata ronronou se esfregando em mim. Poderia ter sido um delírio se aquele maldito cheiro não estivesse me sufocando agora mesmo. Não havia muito da minha sanidade para se queixar, mas eu me importava mais em entender por que ela me dopou sem dizer uma palavra sequer, do que como ela entrou aqui. Entretanto, eu era patético e apenas conseguia imaginar cada passo seu sobre esse chão e entre minhas coisas. Ergui o pelo macio de Ophélia até meu rosto novamente antes de colocá-la sobre a cama. Andei pelo meu quarto procurando por algo, mas estava tudo no mesmo lugar de antes. Eu desesperadamente queria fechar todas as janelas e portas desse quarto e não sair mais dele. E no exato momento em que pensei nisso a minha memória trabalhou me relembrando que eu havia batido a média de faltas e com Zaccheo de volta em casa, eu não queria o decepcionar mais do que já fazia só por existir. Comecei a tirar minha roupa e caminhei até o banheiro e, por um breve momento, a tontura estremeceu as paredes ao meu redor e eu poderia jurar que estava num djavú quando o perfume dela me enfeitiçou. Ele estava por todos os lados e principalmente impregnado no corpo da gata que sem dúvidas ficou por horas em seu colo. Desfiz meus passos e peguei minha camiseta do cesto e a vesti na minha gata que era grande o suficiente para lhe caber se amarrasse. Senti o olhar felino dela me julgar, mas afaguei sua cabeça e entrei no banho. Eu teria pouco tempo se quisesse tomar café, então levei menos tempo que o normal. Deixei o cabelo sem secar e fui à procura de algo para vestir. Era início de novembro e o tempo começava a esfriar devido ao inverno. Abri a porta do closet e paralisei assim que encarei minha camisa pendurada em um cabide com “POISON” marcado em vermelho. Me apressei até os suéteres, eles também estavam rabiscados, todas minhas roupas estavam marcadas. — Vadiazinha psicótica — ela não havia poupado nada no closet, e nem ao menos se intimidou com a marca sabendo que estava rabiscando quase um milhão e meio em roupas. Eu não tinha apego por nada, mas gostava de me vestir do meu jeito, preferindo o tecido de algodão e linho no geral, sem estampas e nem cores muito abertas, eu não poderia dizer que ficou feio. Nem mesmo minha jaqueta saiu intacta e o vermelho escureceu sob o couro em um tom mais fechado. Busquei minha blusa de gola alta e também havia escrito “poison” até o pescoço. Quando a vesti, distorcidamente, eu gostei daquilo. Gostei de sentir o seu cheiro sobre a roupa me sufocando a cada passo e sua marca quase sobre minha pele. Passei a jaqueta pelos braços e peguei minha calça que, ao menos, havia recebido sua misericórdia. Encarei meu reflexo no espelho, percebendo que eu era como um outdoor ambulante e com certeza era isso que ela queria, então eu daria. Fechei a porta do closet e peguei minha messenger bag e a chave do quarto fechando todas as janelas. Eu não queria que ninguém abrisse esse quarto hoje. Coloquei Ophélia sobre o sofá, estava de saída quando senti os olhos verdes do meu irmão se arregalaram para mim. — Que roupa é essa? — seu olhar me inspecionou e eu levei as mãos ao cabelo. — Roupa nova — eu não conseguia pensar em nenhuma mentira adequada, então me afastei dele sacudindo as mãos no ar, mas dei meia volta encarando meu irmão — Não ouse tirar a camiseta da gata. — Porque caralhos… — Seus olhos pousaram na gata pela primeira vez e ele cruzou os braços e sacudiu a cabeça. — Some daqui, Niklaus. Desci as escadas de casa apressado e me enfiei no carro, eu queria chegar a tempo do café. Se ela sabia onde eu estudava e me deixou isso, com certeza ela gostaria de ver minha reação e ainda mais de me ver vestindo sua marca. Manobrei o carro e dirigi o mais rápido que pude, talvez esse tenha sido o primeiro dia que fui com tanta vontade à faculdade. Capítulo 8 Yulieta Como alguém tão básico tem tantas peças de roupas em um único closet? Passei muito mais do que o planejado trancada naquele quarto, pintando e resistindo a vontade de ficar espiando seu sono. A gatinha me acompanhou no processo todo enquanto ele dormia como pedra. Acabei quase 4 da manhã e dormi tão pouco que minha cabeça ameaçava latejar. Avistei Marianelle e Lovell sentadas na mesa ao fundo do restaurante universitário e me aproximei com um café extra forte nas mãos. — Pensei que você não viria hoje, que cara horrível — Marianelle repassava alguma matéria com o caderno ao lado. — E com esse café amargo? — Lovell fez uma careta devolvendo o café que ela bebericou um pouco — Você não dormiu? — Não, eu passei a noite organizando algumas coisas. — Sorri e levei o copo aos lábios. — Que coisas, Yulieta? — Marianelle pousou a caneta sobre o caderno e estreitou o olhar para mim. — Visitei Klaus, na casa dele — pousei o copo sobre a mesa e as duas se aproximaram de mim — preparei uma coisinha para quando ele acordasse. Lovell ficava por horas em estado de hiperfoco, explicando passo a passo sobre interferir em sinais de câmera de segurança e com o tempo nos confiou jammers que eram dispositivos que mais pareciam um celular antigo, mas que eram capazes de emitir novas frequências que atrapalhavam o sistema de segurança. Apesar de ter muitos homens ocultos observando a casa do prefeito, nenhum deles sequer me viu escalar, entre as sombras, o muro alto da propriedade. A segurança dessa cidade era vergonhosa. — O que você fez dessa vez? — assim que as últimas palavras saíram da boca de Lovell, um sorriso alegre pintou nos meus lábios, imaginando a cara dele quando despertasse hoje de manhã. — Não precisa contar. — Marianelle apontou com os olhos e todas as cabeças já estavam focadas em Klaus entrando pela porta giratória. Ele havia usado as roupas que deixei por cima e meu sorriso se alargou