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PATOLOGIA AULA 5 Profª Tatiana Zuccolotto 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, veremos a diferença entre homeostasia e hemostasia. A importância de se manter o equilíbrio, e o que acontece quando este é desfeito. Veremos, também, a importância de garantir a fluidez sanguínea, o controle do sistema de coagulação, e as principais patologias associadas aos distúrbios circulatórios, as quais incluem: alterações hídricas intersticiais (edema); alterações no volume sanguíneo (hiperemia, hemorragia e choque); e alterações por obstrução intravascular (embolia, trombose, isquemia e infarto). TEMA 1 – MECANISMOS DE HOMEOSTASE A homeostase, também conhecida como homeostasia, são processos que garantem o equilíbrio do organismo, ou seja, previnem variações drásticas nos processos fisiológicos a fim de garantir a manutenção do funcionamento normal do corpo. Contudo, alguns fatores são capazes de desestabilizar esse equilíbrio, entre os quais podemos citar: as variações de temperatura corporal e do pH dos líquidos corporais, a concentração de alguns compostos, como o NaCl, nutrientes, como a glicose, de gases como o oxigênio, de resíduos, como o dióxido de carbono e a ureia, a pressão arterial e a frequência cardíaca. Quando isso acontece, o equilíbrio orgânico é desfeito e há o aparecimento de doenças. Se o equilíbrio não for restabelecido, pode culminar no óbito do paciente. O equilíbrio do organismo acontece por meio de uma sequência de processos fisiológicos que garantem a manutenção dos valores de parâmetros essenciais. Esses processos acontecem de maneira coordenada e são controlados pelo sistema nervoso, que informa quando algo errado está acontecendo no organismo por meio de respostas específicas a um determinado estímulo; e pelo sistema endócrino, que produz e libera mensageiros químicos capazes de induzir respostas. Um sistema importante para a manutenção do equilíbrio corporal é o sistema circulatório, pois ele é capaz de suprir os tecidos com metabólitos necessários à manutenção do seu funcionamento, bem como eliminar os produtos que não são utilizados. Esse sistema é capaz de atuar, também, na termorregulação do organismo e nas respostas do sistema imunológico. Quando se fala em sistema circulatório, lembramos quase que imediatamente do sangue. Esse sistema é conhecido também como um sistema 3 de transporte do líquido extracelular, o qual ocorre em duas fases: na primeira, o sangue é transportado pelos vasos sanguíneos e, na segunda, o sangue flui a partir dos capilares até as células. É durante esse percurso que acontecem as trocas entre o plasma e o líquido intersticial, permitindo a difusão de parte dos constituintes dissolvidos no sangue. Durante o percurso dentro do organismo, o sangue passa pelos pulmões, local onde capta o oxigênio presente nos alvéolos, e o transporta para outros órgãos, exercendo sua finalidade fundamental. Associado a esse processo, há a eliminação de CO2, um dos mais importantes resíduos metabólicos. Ao passar pelos capilares do sistema digestório, o sangue capta compostos provenientes da digestão, porém, nem todos podem ser aproveitados diretamente, por isso, ao passar pelo fígado, rins, mucosa intestinal e glândulas endócrinas, muitos desses compostos carregados pelo sangue são metabolizados e transformados em novos compostos, os quais poderão ser utilizados no demais tecidos orgânicos. E, nessa passagem por outros órgãos, há também o processo de eliminação através dos rins, de substâncias como a ureia e o ácido úrico. O tecido sanguíneo, então, é capaz de transportar nutrientes para manutenção de outros tecidos e células, transportar as escórias metabólicas para eliminação, transportar substâncias reguladoras como os hormônios, auxiliar no equilíbrio ácido-básico do organismo evitando quadros de acidose ou alcalose, induzir a ativação do sistema imune em caso de lesões e atuar mantendo a hemostasia no caso de alterações do fluxo sanguíneo normal. A hemostasia é um conjunto de ações cujo objetivo é manter o sangue fluindo dentro dos vasos, ou seja, é o funcionamento normal dos vasos e da circulação sanguínea. Assim, em um processo normal, não há coagulação desnecessária, pois o organismo produz anticoagulantes naturais que impedem esse processo. Entretanto, a hemostasia se torna um processo anormal quando há o processo de coagulação sanguínea em local e/ou momento inapropriado, ou ainda quando a coagulação não é capaz de interromper o fluxo sanguíneo no caso de ruptura do vaso. Os distúrbios da hemostasia podem ser classificados quanto a formação inapropriada de coágulos no interior do sistema vascular, gerando trombose; e quanto a incapacidade do sangue de coagular em resposta a um estímulo apropriado. 4 O processo hemostático é classificado, geralmente, em dois tipos: a hemostasia primária e hemostasia secundária; embora alguns autores considerem ainda a hemostasia terciária. 1.1 Hemostasia primária Corresponde à ação dos vasos sanguíneos e das plaquetas para impedir o sangramento. No caso de uma lesão vascular com extravasamento do sangue, este entra em contato com substâncias que estão do lado externo do vaso, ativando o processo de coagulação sanguínea. A primeira ação nesse caso é vascular, na qual ocorre a vasoconstrição como uma tentativa de reduzir o tamanho da lesão e, assim, reduzir o sangramento. Em seguida, entram em ação as plaquetas, as quais aumentam de tamanho e mudam sua forma, adquirindo um formato irregular. Isso é necessário para que aconteça o processo de adesão plaquetária, no qual essas plaquetas circulantes se aderem ao colágeno que ficou exposto no vaso sanguíneo lesionado. Nesse momento, há liberação de substâncias que recrutam mais plaquetas, as quais iniciam o processo de agregação plaquetária, ou seja, nesse caso, uma plaqueta se liga a outra para formar o tampão plaquetário e estancar o sangramento. Esses processos de adesão e agregação acontecem através de glicoproteínas presentes na superfície plaquetária. Uma dessas proteínas, presente no endotélio vascular e até mesmo nas plaquetas, é conhecida como fator de Von-Willebrand, que atua formando uma “ponte” unindo o endotélio às plaquetas, favorecendo a adesão e, consequentemente, a agregação plaquetária. As pessoas com deficiência no fator de Von-Willebrand apresentam problemas no processo de hemostasia primária. 1.2 Hemostasia secundária A hemostasia secundária ocorre em caso de ferimentos maiores, mais extensos e corresponde a atuação dos fatores de coagulação que ativam a fibrina formando um coágulo mais estável, mais difícil de ser removido. 5 A hemostasia secundária corresponde à cascata da coagulação, a qual é um longo processo que ocorre em diversas etapas e termina com a conversão do fibrinogênio, uma proteína plasmática solúvel, em fibrina. Nesse processo, os filamentos de fibrina, que são insolúveis, formam uma rede capaz de unir as plaquetas entre si, bem como outros componentes sanguíneos, originando o coágulo (Figura 1). Todo esse processo é regulado por fatores pró-coagulantes e anticoagulantes, os quais podem, respectivamente, promover ou inibir o processo de coagulação. Cada um dos fatores presentes na cascata da coagulação é identificado por um algarismo romano e é responsável por uma etapa específica do processo. Figura 1 – Cascata da coagulação Créditos: joshya / Shutterstock. Como vimos na Figura 1, a cascata da coagulação envolve dois mecanismos que culminam na ativação do fator X e na conversão da protrombina em trombina, que finalmente atuará como enzima para converter o fibrinogênio em fibrina, a proteína insolúvel que estabiliza o coágulo. Um dos mecanismos acontece pela via intrínseca, que é um processo mais lento e inicia na circulação com a ativaçãodo fator XII. O outro mecanismo acontece pela via extrínseca, que é um processo muito mais rápido e se inicia a 6 partir do traumatismo do vaso sanguíneo ou de tecidos e a liberação do fator tecidual, uma lipoproteína de adesão das células subendoteliais. 1.3 Hemostasia terciária O processo de hemostasia terciária, também conhecido como fibrinólise, envolve a dissolução do coágulo sanguíneo, e tem início logo depois de sua formação, permitindo o restabelecimento do fluxo sanguíneo e o reparo tecidual. Assim como acontece na formação do coágulo, sua dissolução também envolve uma sequência de etapas controladas por ativadores e inibidores. Entre as substâncias que controlam o processo de fibrinólise, está o plasminogênio, uma pró-enzima, normalmente presente no sangue em sua forma inativa, e que é convertida em sua forma ativa, a plasmina, por ativadores do plasminogênio presentes no endotélio vascular, no fígado e nos rins. A plasmina, embora seja rapidamente inativada pelo inibidor da cx2- plasmina, que limita o processo de fibrinólise ao coágulo local, é capaz de digerir os filamentos de fibrina do coágulo e, também, determinados fatores da coagulação, como o fibrinogênio, o fator V, o fator VIII, a protrombina e o fator XII. Os ativadores fisiológicos são liberados a partir do fígado, plasma e endotélio sempre que houver algum estímulo, como a presença de agentes vasoativos, oclusão venosa, elevação da temperatura corporal e exercício físico. Embora a liberação seja rápida, sua atuação é instável, uma vez que podem ser rapidamente inativados por inibidores sintetizados no endotélio e no fígado. De acordo com o exposto, podemos perceber que a presença de doença hepática crônica pode ser a causa de alterações na atividade fibrinolítica. A presença de plasminogênio, em altas concentrações, pode ser associada à ocorrência de trombose venosa profunda, coronariopatia e infarto do miocárdio. TEMA 2 – DISTÚRBIOS CIRCULATÓRIOS E SUA CLASSIFICAÇÃO O sistema cardiovascular, conhecido antigamente por sistema circulatório, tem como função principal, o transporte de inúmeras substâncias, entre as quais gases (O2, CO2 etc.), nutrientes, hormônios, anticorpos, substâncias para serem excretadas (compostos nitrogenados: ureia, amônia, ácido úrico), além da termorregulação em aves e mamíferos. 7 Esse sistema é composto por vasos sanguíneos, que são divididos em artérias, veias e vasos capilares; coração, um músculo que funciona como uma bomba, responsável por transportar o sangue a todos os tecidos; e sistema linfático, o qual é constituído pelos vasos linfáticos e pela linfa. Assim, quando falamos em distúrbios circulatórios, estes se referem às alterações circulatórias que envolvem a irrigação sanguínea e o equilíbrio hídrico, as quais são manifestações muito comuns na clínica médica, inclusive com altas taxas de óbito dos pacientes. Em geral, esse sistema obedece a um equilíbrio. Contudo, quando ocorre a quebra dessa homeostase, desenvolvem-se alterações que podem ser classificadas, de acordo com suas características, dentro dos distúrbios circulatórios em: alterações hídricas intersticiais, as quais incluem o edema; alterações no volume sanguíneo, que incluem a hiperemia, hemorragia e choque; e alterações por obstrução intravascular, as quais incluem a embolia, trombose, isquemia e infarto. 2.1 Edema Edema, também conhecido como hidropsia, caracteriza-se por um acúmulo anormal de água, sais e, em alguns casos, proteínas no meio extracelular (Figura 2). Essa disfunção é resultado do aumento da passagem de líquido do meio intravascular para o interstício, ou da redução na passagem de líquido do interstício para os capilares ou vasos linfáticos. Figura 2 – Edema e suas causas 8 Créditos: Barks / Shutterstock. O mecanismo de formação do edema inclui um ou mais fatores: • aumento da pressão hidrostática capilar; • diminuição da pressão oncótica plasmática; • aumento da permeabilidade capilar; e • obstrução do sistema linfático. Conforme o líquido passa para o interstício, há redução do volume intravascular, o que ativa o sistema renina-angiotensina-aldosterona- vasopressina (ADH), causando a retenção de sódio pelo rim. A retenção de sódio, por sua vez, aumenta a osmolaridade levando a retenção de água pelos rins, na tentativa de normalizar o volume plasmático. Essa retenção de sódio pode ser a causa da sobrecarga hídrica e, consequentemente, do edema. Além disso, embora com menor frequência, o edema pode ser resultado da redução na passagem de líquido do interstício para os capilares, devido à ausência adequada da pressão oncótica. Isso pode acontecer na síndrome nefrótica, na insuficiência hepática, ou ainda, em casos de inanição. A nível macroscópico, observa-se uma descoloração, ou palidez, local e um certo nível de inchaço; já microscopicamente, é possível observar a uma 9 tumefação celular discreta associada à separação dos elementos da matriz extracelular. O edema pode ser classificado em: transudato e exsudato, e edema localizado ou edema generalizado. O transudato é relativo aos líquidos correspondentes de edema não inflamatório, como o que ocorre na insuficiência cardíaca e nas doenças renais. Nesses líquidos, as proteínas são ausentes, ou, quando presentes, estas encontram-se em baixas concentrações. Possui aparência clara e conservação da membrana vascular. Já o exsudato corresponde ao líquido oriundo de um processo inflamatório, o qual é relacionado ao aumento da permeabilidade endotelial. No exsudato, encontram-se altas concentrações de proteínas, principalmente a albumina, além de inúmeros leucócitos, o que explica sua aparência turva. Quando o acúmulo de líquido acontece em regiões específicas, como cérebro, pulmão, membros inferiores ou superiores, ou ainda outros locais determinados, diz-se que o edema é localizado. O edema localizado é comum nos casos de trombose venosa profunda, angioedema e obstrução linfática. No caso de acúmulo de líquidos em vários tecidos do corpo, diz-se que é um edema generalizado, mais comum em insuficiência cardíaca, hepática e nas nefropatias. TEMA 3 – DISTÚRBIOS RELACIONADOS COM DESEQUILÍBRIOS NO VOLUME SANGUÍNEO Os distúrbios relacionados com os desequilíbrios no volume sanguíneo dizem respeito a um aumento ou redução da quantidade de sangue em um determinado órgão ou tecido. Fazem parte desse grupo: a hiperemia, a hemorragia e o choque. 3.1 Hiperemia A hiperemia é um distúrbio caracterizado pelo aumento no volume de sangue, no interior dos vasos, em um determinado órgão. Esse aumento de volume pode ser causado pelo aumento do aporte sanguíneo em uma determinada região ou pela redução do escoamento venoso. Em geral, o tecido afetado adquire uma característica avermelhada em função do congestionamento de vasos preenchidos com sangue oxigenado. 10 A hiperemia pode ser classificada em ativa e passiva. Na hiperemia ativa, há aumento do fluxo sanguíneo local, acompanhado de dilatação arteriolar, o que provoca o surgimento de eritema, aumento de temperatura no local e sensação pulsante. A hiperemia ativa pode ser causada, tanto por processos fisiológicos quanto processos patológicos. Entre os processos fisiológicos, estão incluídos o processo de digestão dos alimentos, a utilização do cérebro em períodos de estudo, a musculatura esquelética durante a prática de exercícios, entre outras. Já a hiperemia causada por processos patológicos inclui os processos inflamatórios, nos quais há liberação de mediadores químicos no local da lesão. Na hiperemia passiva, também conhecida como congestão, há uma redução no escoamento ou drenagem venosa, ocasionando a distensão de veias, vênulas e capilares. Durante esse processo, o local adquire uma coloração cianótica, em função da presença de sangue comalta concentração de hemoglobina desoxigenada. A hiperemia passiva pode estar presente nos casos de trombose, insuficiência cardíaca, entre outros. 3.2 Hemorragia A hemorragia corresponde ao extravasamento intenso e rápido do sangue, por meio de uma ruptura na parede do vaso. Esse extravasamento acontece a partir do seu leito no interior do vaso para o compartimento externo. A hemorragia pode ser interna ou externa. Na hemorragia interna, há o extravasamento do sangue no interior do organismo, não sendo possível sua visualização externa. Esse tipo de hemorragia pode ser causado por inúmeros motivos, sendo, em geral, antecedida por um trauma que causa uma forte compressão. Contudo, não há uma lesão externa. Entre os traumas, podemos citar a compressão do tórax em acidentes de automóveis, ou, ainda, fraturas na pelve. Embora os quadros de hemorragia interna sejam mais difíceis de identificar rapidamente, alguns sinais são característicos, por exemplo, a presença de escarro com sangue é indicativa de hemorragia pulmonar; sangramentos no nariz, boca ou ouvido são suspeitos de hemorragia cerebral. A hemorragia externa caracteriza-se pela ruptura da pele e extravasamento de sangue para fora do organismo e pode ser dividida em: arterial, venosa e capilar. 11 Na hemorragia arterial, o sangue é vermelho vivo, devido à alta concentração de O2, e a perda sanguínea é rápida e pulsátil, pois ocorre de acordo com as contrações sistólicas. Nesse tipo de hemorragia, a formação de coágulos é difícil, uma vez que a velocidade de saída do sangue é alta. A hemorragia venosa é caracterizada pela saída de sangue, mais escuro, em um fluxo regular. E a hemorragia capilar é caracterizada por uma perda pequena de sangue, em um fluxo lento. Em geral, é a perda de sangue que ocorre em arranhões mais superficiais. TEMA 4 – CONCEITO, CLASSIFICAÇÃO E ASPECTOS MORFOLÓGICOS DO CHOQUE O choque circulatório é uma insuficiência aguda do sistema circulatório em suprir os tecidos periféricos e órgãos do corpo com uma quantidade sanguínea adequada, o que causa, consequentemente, hipóxia celular. Nos casos de choque, é comum hipotensão e hipoperfusão, entretanto, em alguns casos, o choque pode ocorrer na presença de sinais vitais normais. Existem quatro classificações para o choque, as quais dependem do local ou estrutura que está sofrendo a alteração. • Choque cardiogênico: acontece quando o coração não bombeia sangue de maneira efetiva para suprir as necessidades do organismo. Clinicamente, ele é definido como débito cardíaco diminuído, hipotensão, hipoperfusão e hipóxia tecidual, apesar de um volume intravascular adequado. O choque cardiogênico pode ocorrer abruptamente por várias causas, incluindo infarto do miocárdio, sua causa mais comum. Porém, além do infarto, o choque cardiogênico pode ocorrer em função de contusão do miocárdio, arritmias prolongadas e cirurgia cardíaca, ou, ainda, como uma condição de estágio final de uma doença arterial coronariana ou de uma cardiomiopatia. Os sintomas mais comuns do choque cardiogênico incluem: hipoperfusão com hipotensão; lábios, leitos ungueais e pele cianóticos devido à redução quase total do fluxo sanguíneo e aumento de carboxihemoglobina; queda da pressão sanguínea em função do baixo volume de batimentos; redução do débito urinário em decorrência das pressões de perfusão renal mais baixas e da 12 liberação aumentada de aldosterona; e alterações na cognição ou na consciência. • Choque hipovolêmico: caracteriza-se pela redução no volume de sangue, o que leva a um preenchimento inadequado do compartimento vascular. Normalmente, o choque hipovolêmico acontece quando há uma perda aguda de sangue entre 15-20% do volume circulante. Os principais sinais e sintomas do choque hipovolêmico incluem: sede, aumento da frequência cardíaca, pele fria e úmida, redução da pressão sanguínea arterial, redução do débito urinário e alterações mentais. Em geral, a dosagem de hemoglobina e hematócrito fornecem informações a respeito da gravidade da perda sanguínea ou da hemoconcentração devida à desidratação. O lactato sérico e o pH arterial informam sobre a gravidade da acidose devida ao metabolismo anaeróbico, assim, a acidose metabólica revelada pela medição de gases sanguíneos arteriais é o teste diagnóstico padrão ouro. O choque hemorrágico agudo e fatal é caracterizado por acidose metabólica, coagulopatia e hipotermia, seguidos de insuficiência circulatória. • Choque distributivo: também chamado de choque vasodilatatório é caracterizado pela perda da tonicidade dos vasos sanguíneos, o que aumenta a capacidade de expansão do compartimento vascular, comprometendo o preenchimento do sistema circulatório com o volume habitual de sangue. As principais causas para perda do tônus vascular são: a diminuição no controle simpático do tônus vasomotor ou a liberação de substâncias vasodilatadoras excessivamente e complicações de uma lesão vascular que resulte de uma hipotensão prolongada e grave devido a uma hemorragia, a qual é conhecida como choque irreversível ou choque hemorrágico de fase tardia. Dentro da classificação de choque distributivos estão incluídos choque neurogênico, choque anafilático e choque séptico. O choque neurogênico é proveniente de uma falha no controle do sistema nervoso simpático sobre o tônus dos vasos sanguíneos, a qual está ligada a um defeito na regulação do centro vasomotor no tronco encefálico ou na descarga simpática para os vasos sanguíneos. 13 As síncopes ligadas a causas emocionais são uma forma transitória de descarga simpática impedida. Além disso, muitos anestésicos gerais podem causar uma reação semelhante a um choque neurogênico, especialmente durante a indução, devido à interferência na função do sistema nervoso simpático. O choque anafilático é resultado de uma reação imunológica exacerbada, a qual é mediada por substâncias vasodilatadoras, como a histamina, que são liberadas no sangue. Essas substâncias provocam vasodilatação arteriolar e venular e aumento da permeabilidade capilar. A resposta vascular na anafilaxia é acompanhada por edema de laringe e broncoespasmo, colapso circulatório, contração da musculatura lisa gastrointestinal, uterina, urticária e angioedema. O desenvolvimento do choque anafilático é extremamente rápido, e a morte pode ocorrer dentro de poucos minutos, a menos que uma intervenção médica apropriada seja prontamente instituída. Já o choque séptico está ligado a uma infecção grave e à resposta sistêmica à infecção. A sepse e o choque séptico tipicamente se manifestam com hipotensão arterial, porém com pele quente e ruborizada. Enquanto outras formas de choque, como o cardiogênico, hipovolêmico e obstrutivo, são caracterizadas por um aumento compensatório na resistência vascular sistêmica, o choque séptico frequentemente se apresenta com uma diminuição na resistência vascular sistêmica. • Choque obstrutivo: é conhecido como choque circulatório e resulta de uma obstrução mecânica do fluxo sanguíneo através da circulação central. As principais causas do choque obstrutivo podem ser aneurisma dissecante da aorta, tamponamento cardíaco, pneumotórax, mixoma atrial e evisceração de conteúdo abdominal para a cavidade torácica devido à ruptura do diafragma. Entretanto, a causa mais frequente é a embolia pulmonar maciça. Com a função do ventrículo direito prejudicada, há um aumento na pressão cardíaca direita, sendo este o principal resultado do choque obstrutivo. Além disso, ficam evidentes os sinais de insuficiência cardíaca direita, incluindo elevação da pressão venosa central e distensão venosa jugular. 14 TEMA 5 – DISTÚRBIOS RELACIONADOS COM ALTERAÇÕES POR OBSTRUÇÃO INTRAVASCULAR A hipercoagulabilidade corresponde à ativação excessiva do processo de hemostasia. Em geral, essequadro eleva as chances de formação de trombos ou coágulos na circulação. Os trombos podem ser arteriais ou venosos. Os trombos arteriais são associados a condições que produzem turbulência do fluxo sanguíneo e aderência das plaquetas; já os trombos venosos são associados a condições que causam redução do fluxo sanguíneo, com aumento na concentração dos fatores de coagulação. Esses quadros de hipercoagulabilidade podem levar ao desencadeamento de patologias como: embolia, trombose, isquemia e infarto. 5.1 Embolia É a obstrução de um vaso sanguíneo ou linfático por um fragmento sólido, líquido ou gasoso em circulação, o qual não se mistura com o sangue ou linfa. O fragmento que circula no interior dos vasos é chamado êmbolo. A embolia é uma das causas mais frequentes e importantes de morbidade e mortalidade, especialmente quando se trata da embolia pulmonar, que é o seu principal representante. A embolia pode ser direta, cruzada ou paradoxal e retrógrada. A embolia direta é a mais comum, pois o êmbolo flui na direção do fluxo sanguíneo. Por exemplo: os trombos originados nas artérias do lado esquerdo do coração seguem em direção aos capilares, sendo a principal causa da embolia sistêmica, tendo como alvos principais o cérebro, as extremidades, o baço e os rins. Se os trombos partirem das artérias do lado direito do coração, estes seguem para os pulmões, sendo a principal causa de embolia pulmonar, além de ser a mais letal. A embolia cruzada ou paradoxal acontece quando o trombo migra entre a circulação arterial e venosa sem passar pela rede capilar. No caso da embolia retrógrada, os trombos fluem no sentido contrário do fluxo sanguíneo. Esse tipo de embolia pode ser associado a disseminação de metástases vertebrais oriundas de adenocarcinomas prostáticos. Os êmbolos podem ser classificados em sólidos, líquidos ou gasosos. Os sólidos são os mais comuns e são originados a partir de trombos. Exemplo: massas tumorais, fragmentos de ateromas ulcerados. Os êmbolos líquidos são 15 menos comuns que os sólidos, sendo os responsáveis por dois tipos de embolias: a embolia amniótica (o líquido amniótico é jogado para dentro da circulação venosa pelas contrações uterinas durante o parto), e a embolia lipídica (a formação do êmbolo é comum em algumas situações, como em casos de inflamações agudas da medula óssea ou tecido adiposo; queimaduras em grandes extensões; esteatose hepática, entre outras). Por fim, os êmbolos gasosos, mais raros de acontecer, podem ocorrer quando há injeção de ar durante as contrações uterinas no momento do parto; ou ainda quando há perfuração do tórax com consequente aspiração do ar para instalação do pneumotórax, o que torna possível, também, a aspiração de ar para os vasos rompidos na região perfurada. 5.2 Trombose É uma patologia caracterizada pela solidificação in vivo dos constituintes normais do sangue, no sistema cardiovascular, podendo acontecer tanto no leito vascular, quanto no interior das câmaras cardíacas. Essa massa solidificada de sangue é denominada trombo. O processo de formação dos trombos envolve a coagulação sanguínea e a atividade plaquetária, sendo associada à tríade de Virchow, que compreende a lesão endotelial, a alteração do fluxo sanguíneo e a modificação na coagulação do sangue. A principal consequência desses trombos é a obstrução do vaso no local de sua formação ou a distância, quando o trombo se desprende ou se fragmenta e forma êmbolos. Esses trombos também podem sofrer colonização bacteriana ou fúngica e causar diversas lesões, como endocardite valvar ou mural, tromboflebite e endarterite, sendo as duas últimas favorecidas pelo uso de cateteres intravasculares de demora. Quando se fragmentam, esses trombos originam êmbolos sépticos. No caso de lesão endotelial, há liberação de substâncias com atividade pró e anticoagulante, numa tentativa de reaver a hemostasia do organismo. Dessa maneira, as agressões ao endotélio, sejam de natureza física, química ou biológica, podem torná-lo pró-coagulante por aumento na síntese de fatores da coagulação ou por perda do revestimento contínuo dos vasos. As alterações no fluxo sanguíneo, com redução do retorno venosos, podem ser associadas a insuficiência cardíaca e imobilidade no leito por 16 exemplo, sendo assim, a trombose venosa profunda nos membros inferiores é frequente em pacientes acamados, principalmente após cirurgias. No caso de turbulência ou aumento do fluxo sanguíneo, podem ocorrer lesões no endotélio, ativando-o e desfazendo o fluxo laminar. Além das agressões ao tecido, as modificações no fluxo podem dificultar a remoção de fatores pró-coagulantes e reduzir a chegada de fatores anticoagulantes, favorecendo a formação dos trombos. As modificações na alteração do fluxo sanguíneo estão associadas a aneurismas, dilatações das câmaras cardíacas, arritmias cardíacas, insuficiência ou estenose valvar ou anomalias congênitas. O aumento da coagulabilidade, seja por defeitos genéticos ou por condições adquiridas, é um dos fatores que predispõe ao desencadeamento de trombose. Esse aumento na coagulabilidade é o resultado do aumento no número de plaquetas com maior disponibilidade de fatores que promovem a coagulação. Em geral, esse aumento na coagulação sanguínea acontece após traumatismos, queimaduras, cirurgias extensas e outras agressões teciduais, pois, nesses casos, há liberação de tromboplastina, que ativa a via extrínseca da coagulação. Existem, ainda, outras situações em que também há aumento da coagulação, como certos tipos de câncer, anticoncepcionais orais, gravidez, período pós-parto, lúpus eritematoso. 5.3 Isquemia Isquemia é a redução ou inexistência de aporte sanguíneo em um determinado órgão ou estrutura do corpo. A gravidade do quadro depende do grau da obstrução que causou a redução. O processo isquêmico acontece sempre que a redução do fluxo sanguíneo, no local, é menor que a necessidade do órgão em questão. Em geral, isso acontece quando a interrupção do fluxo atinge 70% do calibre do vaso. E pode ser classificado como: isquemia relativa temporária, na qual há uma obstrução vascular parcial associada ao aumento da atividade de um órgão, porém não há morte celular ou sequelas. Isquemia subtotal temporária é aquela na qual há uma obstrução vascular incompleta capaz de manter o fluxo sanguíneo mínimo, porém, apesar de não haver morte celular, estas perdem sua função; isquemia absoluta temporária é aquela em que ocorre uma interrupção passageira do suprimento sanguíneo e, 17 nesse caso, durante o processo isquêmico, o órgão entra em disfunção, contudo, não há morte celular e, por fim, isquemia persistente, na qual há o bloqueio total da luz do vaso, por um longo período de tempo, o que pode provocar infarto e, consequentemente, necrose da área afetada. Entre as principais causas de isquemia, estão as causas funcionais e as causas mecânicas. Entre as causas funcionais, encontram-se: • espasmo vascular – causados por disfunção ou lesão endotelial, dor, frio ou ingestão de alcaloides do ergot, entre outros; • hipotensão acentuada; • hemoglobina alterada – presença da carboxihemoglobina; e • redistribuição sanguínea – acontece, por exemplo, nos casos de sono por isquemia cerebral durante a digestão, além de ser associado à hiperemia gastrointestinal. E entre as causas mecânicas estão: • compressão vascular – pode ser causada devido à presença de neoplasias, fragmentos ósseos, calos ósseos, hematomas, abscessos, cicatrizes, entre outros; • obstrução vascular – normalmente associada à trombose e embolia; e • espessamento da parede vascular com diminuição da luz – associada com a formação de ateromas, como nos casos de arteriolosclerose e arterites. 5.4 Infarto O infarto (=enfarte) corresponde a uma área limitada, onde ocorreu necrose tecidualcausada por isquemia absoluta prolongada por obstrução arterial ou venosa. Durante o processo isquêmico prolongado, há o consumo das reservas energéticas, o que ocasiona a morte celular por falta de energia mínima para manutenção das estruturas. O infarto pode ser classificado em infarto branco (anêmico ou isquêmico) e infarto vermelho (hemorrágico). O infarto branco é caracterizado pela obstrução arterial em órgãos sólidos com circulação terminal, mais comumente 18 ocorre no coração, no baço, no cérebro e nos rins. Em geral, a causa é arterial, ocorrendo uma oclusão tromboembólica, compressiva. No caso do infarto vermelho, a região afetada apresenta intensa hemorragia, por isso a denominação. O infarto vermelho pode ser causado por obstrução arterial, que ocasiona isquemia e necrose tecidual. Nesse caso, o sangue que chega via irrigação colateral extravasa causando o aspecto hemorrágico; ou por obstrução venosa, a qual é a causa mais comum do infarto vermelho. Há redução significativa do retorno venoso, contudo, o sangue continua a chegar via artérias, sendo interrompido o fluxo nos capilares, o que leva à necrose da área isquêmica e, consequente, inundação com sangue. NA PRÁTICA De acordo com o que estudamos nesta aula, vimos que a hemostasia é um conjunto de ações cujo objetivo é manter o sangue fluindo dentro dos vasos, ou seja, é o funcionamento normal dos vasos e da circulação sanguínea. Quando esse processo é atrapalhado, há o desenvolvimento de diversas patologias, entre as quais, o choque. Com base nos conhecimentos adquiridos e em literatura apropriada, elabore um mapa mental relacionando os tipos de choque, suas causas, os efeitos no organismo e os procedimentos para reversão do quadro. FINALIZANDO Nesta aula, vimos sobre o processo de homeostasia, o qual tem como objetivo primordial prevenir variações drásticas nos processos fisiológicos, com o intuito de garantir a manutenção do funcionamento normal do organismo. Porém, alguns fatores podem quebrar essa dinâmica e favorecer o surgimento de inúmeras patologias, entre os quais: as variações de temperatura corporal e do pH dos líquidos corporais, a concentração de alguns compostos, como o NaCl, nutrientes, como a glicose, de gases como o oxigênio, de resíduos, como o dióxido de carbono e a ureia, a pressão arterial e a frequência cardíaca. Entre os sistemas orgânicos importantes na manutenção do equilíbrio, encontra-se o sistema circulatório, o qual tem a função de suprir os tecidos com metabólitos necessários à manutenção do seu funcionamento, bem como eliminar os produtos que não são utilizados. 19 Ainda falando sobre equilíbrio, a hemostasia é um conjunto de ações cujo objetivo é manter o sangue fluindo dentro dos vasos, ou seja, é o funcionamento normal dos vasos e da circulação sanguínea. Quando a hemostasia se torna um processo anormal, pode haver coagulação sanguínea em local e/ou momento inapropriado, ou esta não é capaz de interromper o fluxo de sanguíneo no caso de ruptura do vaso. O processo hemostático é classificado em hemostasia primária, hemostasia secundária e hemostasia terciária. E os distúrbios da hemostasia podem ser classificados em: alterações hídricas intersticiais, as quais incluem o edema; alterações no volume sanguíneo, que incluem a hiperemia, hemorragia e choque; e alterações por obstrução intravascular, as quais incluem a embolia, trombose, isquemia e infarto. 20 REFERÊNCIAS MSD. Manual Professional Version. 2021. Disponível em: . Acesso em: 11 out. 2021.