Prévia do material em texto
1 GEOGRAFIA REGIONAL DO BRASIL 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA .................................................................................................... 2 1. O CONCEITO DE REGIÃO .............................................................................. 3 1.1-A região na história do pensamento geográfico .............................................. 3 1.2Construindo um quadro-síntese ...................................................................... 10 1.3 A região na contemporaneidade .................................................................... 14 2. PLANEJAMENTO REGIONAL ....................................................................... 15 2.1 A região como escala de planejamento ......................................................... 16 2.2-Planejamento regional e desenvolvimento econômico no Brasil ................... 19 2.3 O planejamento regional brasileiro para além das superintendências ........... 29 3. O ESTADO E A ESCALA REGIONAL ........................................................... 31 3.1-Estado e poder por meio do conceito de território ......................................... 31 3.2-Ordenamento territorial e planejamento regional no Brasil ............................ 33 4. REFERÊNCIAS: ............................................................................................. 35 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 1. O CONCEITO DE REGIÃO O conceito de região é uma das principais ferramentas analíticas da geografia, sua história está diretamente ligada à formação da geografia como ciência moderna, sendo considerado por vezes o próprio saber geográfico. No passado, dominar esse conceito era dominar o conhecimento geográfico. Sua posição central em discussões da geografia fez com que sua interpretação fosse modificada ao longo dos séculos. Desse modo, neste capítulo não apresentamos uma definição fechada e acabada do que significa região, mas sim uma reflexão sobre esse conceito ainda tão presente em trabalhos e no discurso da geografia. 1.1-A região na história do pensamento geográfico O uso de um termo que busque explicar eventos ou fenômenos da realidade reflete o momento histórico e os personagens envolvidos na geração desse conhecimento - e com o conceito de região não poderia ser diferente. Assim, no decorrer desta seção vamos conhecer a origem desse conceito e como ele foi modificado. No Império Romano, o termo região emergiu como um conceito importante. Originado do latim regere, estava relacionado, além das noções de localização e extensão, à centralização do poder em uma porção do espaço de alta diversidade social, cultural e espacial. No auge de suas conquistas, o Império Romano foi um exemplo perfeito do surgimento do poder centralizado e, com isso, das complexas relações entre o poder político e administrativo, áreas sujeitas a essa hegemonia. Com seu declínio, houve a fragmentação de seu território. Assim, as antigas regiões foram subdivididas e deram forma ao poder autônomo dos feudos, que predominaram na Idade Média. 4 Mapa 1 – Divisão do Império Romano em regiões no ano 117 d. C. Figura: 1 Contudo, as questões sobre essa noção persistiram e não desapareceram com o tempo. Assim, desde o surgimento desse conceito, é possível estabelecer relações entre a sua etimologia e a noção de um espaço delimitado e organizado por um governo local. Percebe-se que sua origem é relacionada à necessidade de um momento histórico, cuja principal característica era a centralização do poder (GOMES, 1995). Com a formação dos Estados modernos, novamente surgiu à necessidade de relacionar o poder centralizado às diversas unidades administrativas. Assim, a mesma questão da Antiguidade Clássica ressurgiu. Gomes (1995) elenca três importantes consequências da origem do conceito de região nesse contexto. A primeira se deu na esfera do debate político sobre a formação e dinâmica do Estado, por meio da organização cultural e da diversidade espacial das unidades administrativas. A segunda consistiu no modo como a região representava, nesse momento, as projeções de soberania, direito e autonomia e atribuía um componente espacial inquestionável ao conceito. Por fim, a terceira 5 consequência acarretou a eminência da formação da geografia como ciência moderna, tornando a região um de seus conceitos-chave. Na linguagem cotidiana do senso comum, podemos verificar a palavra região em expressões vagas, incertas, em que não existe a necessidade de estabelecer um limite para sua abrangência. Nesse sentido, reflexões são deixadas de lado, apenas um impulso momentâneo indica as diretrizes de sua utilização. Assim, os princípios de localização e de extensão são os únicos condicionantes do emprego da palavra. Não há uma especificação, fato que impossibilita o discernimento na diferenciação entre região, local, espaço e território, por vezes tratados como a sinônimos. Na metade do século XIX, as ciências passaram por um momento de consolidação. Com base nas ideias de Immanuel Kant (1724-1804), segundo o qual o conhecimento verdadeiro seria aquele verificável e seu princípio básico seria a causalidade, vários estudiosos qualificaram os métodos e os objetivos de suas respectivas ciências. No caso da geografia, Karl Ritter (1779-1859) foi o responsável por essa consolidação. Por meio de sua obra Geografia comparada, os objetivos e os métodos geográficos tornaram-se mais concisos. Nesse contexto, a região estava fortemente relacionada com a discussão das influências do meio natural na sociedade, uma corrente que se baseava em um domínio do ambiente sobre a orientação do desenvolvimento social. Foi também nesse momento que surgiram dois importantes autores da geografia moderna: Friedrich Ratzel (1844-1904), com o conceito de espaço vital – por vezes interpretado, de maneira equívoca, como sinônimo de região –; e Paul Vidal De La Blache (1845-1918), com o conceito de região natural, discutido em sua obra Tableau de la géographie de la France (1903). Em ambos os autores, o ambiente atua como limitante na continuidade regional. E apenas pelos meios técnicos o homem poderia superar as barreiras do ambiente. A vida social seria construída pela possibilidade do homem de atuar como agente de organização espacial das sociedades. No entanto, os pontos de vista desses dois autores eram opostos. Ratzel era rotulado como determinista, enquanto Vidal de La Blache era considerado possibilista. Na perspectiva possibilista, a região seria o produto das atividades humanas sobre o ambiente físico. Entretanto, o nome possibilismo foi dado por Lucien Febvre (1878-1956), como verificamos no texto de Mercier (2009, p. 7): 6Tal oposição provém, em larga medida, do comentário partidário de Lucien Febvre (1922) que, para melhor condenar os presumidos erros de Ratzel, caricaturou seu pensamento confinando-o a algumas sentenças lapidares revestidas sob o pejorativo título de “determinismo”. Inversamente, para garantir o triunfo de Vidal sobre Ratzel, atribui ao francês a paternidade de uma doutrina – o “possibilismo” – cuja principal qualidade era, justamente, invalidar o falacioso determinismo. A categoria de região natural – que representava um produto, uma porção do espaço delimitada por aspectos relacionados à geografia física, com forte influência da geologia –, ajudou na delimitação das regiões por bacias hidrográficas, consideradas demarcadores naturais (CLAVAL, 1976). Uma das construções práticas e teóricas que permanecem até hoje sobre essa categoria foi postulada por Andrew John Herbertson (1865-1915). Em sua proposta de regionalização da Terra, ele a dividiu em: polar, temperada fria, temperada quente, tropical, montanhosa subtropical, terras baixas e úmidas equatoriais. O IBGE, fortemente influenciado por essa noção, delimitou as macrorregiões naturais também desse modo. Trabalharemos mais sobre essa questão nos próximos capítulos. Com a emergência do pensamento possibilista, o conceito de região passou a ser trabalhado como região humana, e com a escola francesa, o gênero vida passou a fazer parte dos conceitos vinculados à região. Essa seria uma região de enfoque cultural, mas que teria como subsídio a base física e natural, elevada pela ação do homem em sua organização por meio da técnica. Nesse sentido, região e paisagem por vezes se tornam sinônimos. Essa união de aspectos físicos e humanos a fazem um produto e ao mesmo tempo uma síntese do saber geográfico. Desse modo, surgiu então a região geográfica: A região geográfica abrange uma paisagem e sua extensão territorial, onde se entrelaçam de modo harmonioso componentes humano e natureza. A ideia de harmonia, de equilíbrio, evidente analogia organicista que Vidal de La Blache adota, constitui o resultado de um longo processo de evolução, de maturação da região, onde muitas obras do homem fixaram-se, ao mesmo tempo com grande força de permanência e incorporadas sem contradições ao quadro final da ação humana sobre a natureza. (CORRÊA, 2000, p. 28) A região geográfica passou a ser o produto-síntese da geografia, que condensaria as ações transformadoras da sociedade sobre o ambiente. Podemos observar que apesar da mudança de enfoque, o conceito de região ainda é considerado um produto, uma 7 realidade concreta e física. Assim, o papel da geografia não estava necessariamente na delimitação de regiões, mas sim na busca de uma personalidade, uma assinatura que a diferenciasse das demais e a tornasse particular. Vidal de La Blache (1921) ressurgiu como expoente quando armou que apenas a descrição do espaço permitiria compreender a complexa estrutura dinâmica do espaço. Nesse período, a criação de monografias regionais foram um dos principais objetivos da geografia. Eram quase como receitas de bolo, que iniciavam com a descrição das características físicas (como geologia, vegetação e clima), passavam pela descrição estatística da população e, por m, suas atividades econômicas. Para tal, o trabalho de campo se tornou parte fundamental, tanto para aproximação do pesquisador na área quanto para o levantamento detalhado de informações para essas monografias. Essas características de estudo ficaram conhecidas como Escola Francesa de Geografia, que permaneceu no auge do cenário acadêmico europeu por cerca de 50 anos e foi amplamente incorporado por outros países, entre eles o Brasil. No método regional, trabalhado especialmente por Hartshorne (1978, p. 138), “a região é uma área de localização específica, de certo modo distinta de outras áreas, estendendo-se até onde alcance essa distinção”. Hartshorne foi discípulo de Hettner, um dos mais importantes geógrafos alemães do século XX. A revolução teorética-quantitativa da década de 1950, conhecida também como nova geografia, impôs uma lógica matemática e formal às ciências sociais – entre elas a geografia. Nessa transição (da geografia como ciência), a região deixou de ser um produto- síntese para um meio e uma maneira de demonstrar hipóteses. Regionalizar se tornou um método de dividir o espaço com base em critérios, hipóteses e teorias previamente estabelecidas e orientadas pelas indicações de cada pesquisador (GRIGG, 1967). Para Corrêa (1986, p. 32), região tornou-se “um conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses lugares são menores que as existentes entre eles e qualquer elemento de outro conjunto de lugares”. Desse modo, na análise regional, a região passou a ser uma classe especial, cuja delimitação se deu pela classificação por critérios e variáveis arbitrárias estabelecidas pela retórica científica. Por vezes ela era limitada a métodos e técnicas estatísticas descritivas, o que tornava o uso de planilhas, cartogramas e pesquisas em gabinete mais importantes do que o trabalho de campo. 8 Ao contrário do paradigma possibilista e da geografia hartshorniana, a nova procura leis ou regularidades empíricas sob a forma de padrões espaciais. O emprego de técnicas estatísticas, dotadas de maior ou menor grau de sofisticação – média, desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise fatorial, cadeia de Markov etc. –, a utilização da geometria, exemplificada com a teoria dos grafos, o uso de modelos normativos, a adoção de certas analogias com as ciências da natureza e o emprego de princípios da economia burguesa caracterizam o arsenal de regras e princípios adotados por ela. (CORRÊA, 2000, p. 18) Foi nesse momento que surgiram importantes autores, como Walter Christaller (1893-1969) e sua teoria das localidades centrais, John Friedmann (1926-2017) com a teoria do centro-periferia e François Perroux (1903- -1987) com a Teoria dos Pólos de Crescimento. Foi nessa perspectiva que surgiu o termo regiões homogênea. Essas eram subdivididas em regiões funcionais (relacionadas ao dinamismo do espaço e seus diversos fluxos, diretamente relacionadas à noção de rede) e tinham características fixas e homogêneas determinadas estatisticamente, especialmente para fins de planejamento territorial e compreensão do uso e ocupação do solo. E foi com base nas regiões funcionais que foi criada a escola geográfica das regiões polarizadas. Essa escola considerava a cidade como o comando de organização do espaço e tinha Pierre George (1909-2006) como um importante teórico (GOMES, 1995). As regiões polarizadas valorizavam a vida econômica das cidades e buscavam estabelecer organizações espaciais embasadas em teorias macroeconômicas de inspiração neoclássica, especialmente na obra de Perroux. Em contraposição a esse movimento, surgiu a geografia crítica ou radical, especialmente após os anos 1970, quando o materialismo histórico-dialético adentrou as Ciências Humanas. Para essa vertente, as regiões polarizadas naturalizavam o capitalismo e causavam a desigualdade também na esfera espacial. Assim, o espaço seria diferenciado devido à divisão territorial do trabalho e o processo de acumulação de capital. No Brasil, Milton Santos (1926-2001) trouxe à tona a ideia de região como uma totalidade socioespacial, em que as sociedades produziriam seus espaços de maneira dialética, influenciando e sendo influenciados ao mesmo tempo pelo espaço. De acordo com o teórico, “a região é, pois, nesta perspectiva a síntese concreta e histórica desta instância espacial ontológica dos processos sociais, produto e meio de produção e reprodução de toda a vida social” (SANTOS apud GOMES, 1995, p. 66). 9 Para a geografia crítica, a região não é apenas o resultado das diferentes formas de reprodução do capitalismo na sociedade eno espaço, mas também elucida o papel político da análise regional. Nas palavras de Corrêa (1986, p. 45), ela é “o resultado da lei do desenvolvimento desigual e combinado, caracterizada pela sua inserção na divisão nacional e internacional do trabalho e pela associação de relações de produção distintas”. Contrária à geografia crítica, temos a geografia humanística e a geografia cultural. Essas linhas concebem a região novamente como um produto. Elas existem tanto como um quadro de referência na consciência coletiva da sociedade quanto definidoras de um código social comum com base no território. Para os humanistas, a região deve ser vivida, e, com base nessa concepção, os trabalhos em campo voltaram à cena acadêmica com força. Isso fica claro na obra A região, espaço vivido, de Armand Frémont (1976). A geografia humanística buscava uma visão holística para a conceituação e o enriquecimento da organização espacial, logo, também para o conceito de região. Essa vertente tentou definir esse conceito pela sua multi-interpretação, ou seja, tentou explicá-lo de modo subjetivo, embasado na avaliação da identidade de determinado grupo social e sua espacialidade, o que ocasionou uma alta dependência da fenomenologia. A geografia cultural – de caráter mais filosófico e com concepções de gênero de vida e paisagem – baseou-se no estudo de paisagem. Nessa vertente, o conceito de região assumiu outra interpretação, como um somatório de inter-relações, comportamentos, decisões, apreensões e valorações. Com isso, esse conceito é caracterizado como intersubjetivo, uma vez que possui um código próprio (e por isso não pode ter um único modelo regional), que ultrapassa o pessoal e recebe sentido coletivo. A cultura é fundamental para a interpretação desse espaço. Como alternativa à geografia crítica, temos a geografia do poder, que contou com as contribuições de Michel Foucault (1926-1984) e têm nomes como Yves Lacoste (1929-), Paul Claval (1932-) e Claude Raffestin (1936-). Esses teóricos pensam na construção de redes de poder e políticas que transformam o espaço e constroem conexões regionais. Essas conexões não se explicariam apenas por relações econômicas, mas também pelas relações de poder, centralizadas no papel do Estado ou em tramas mais sutis, como o poder exercido por milícias e/ou grupos de poder político e sociedades organizadas. Especialmente na obra de Lacoste, a região adquire um papel político e demonstra as contradições do Estado-nação. Em suas palavras: 10 Enquanto seria politicamente mais sadio e mais eficaz considerar a região como uma forma espacial de organização política (etimologicamente, região vem de regere, isto é, dominar, reger), os geógrafos acreditam na ideia de que a região é um dado quase eterno, produto da geologia e da história. Os geógrafos, de algum modo, acabaram por naturalizar a ideias de região. [...] eles utilizam a noção de região, que é fundamentalmente política, para designar todas as espécies de conjuntos espaciais. (LACOSTE, 2005, p. 36) . 1.2Construindo um quadro-síntese No item anterior, observamos que o conceito de região foi ressignificado em diversos momentos. Ele sempre foi um tópico central das discussões geográficas e sofreu modificações de aporte teórico e metodológico. Porém, de modo geral, os estudos relacionados a esse conceito tinham como premissa o fenômeno espacial, que refletia as maneiras como as sociedades organizavam e materializavam suas relações sociais e com o meio natural. Nesse sentido, nossa intenção não é criar uma forma reducionista ou linear de compreender essa concepção ou estabelecer juízos de valor sobre as diferentes abordagens. Nosso objetivo é, com base em um quadro-síntese, evidenciar os aspectos mais relevantes sobre esse conceito na geografia. Esta seção visa justamente corroborar o conceito de região no quais novas e antigas definições coexistam e atribuem novos significados constantemente para construir um abrangente e complexo cenário científico para a geografia. Nas discussões sobre as definições de região natural e região geográfica, está em evidência o modo como a diversidade social é interpretada e sua relação com o meio natural. Assim, a importância dada às condições naturais na organização das sociedades e na sua espacialização dominam o discurso da delimitação da região. Nesse momento, a geografia se rearma como a ciência responsável por refletir a relação homem-natureza, mesmo com variações de elementos na formulação de fenômenos espaciais. Sua análise busca relacionar esses elementos em um mesmo quadro analítico. Especialmente após a década de 1950, houve discordâncias em considerar elementos humanos e físicos como conjuntos estruturantes do espaço geográfico 11 (GOUROU, 1973) e a região deixam de assumir seu papel de síntese. Gomes (1995, p. 69) resume esse processo: Em outras palavras, a lógica que preside a divisão regional sob o ângulo de uma ordem natural não pode ser enxertada à ordem social e vice-versa, o que resulta em uma renúncia da geografia moderna em ver a região como um objeto sintético que poderia resolver o velho problema dicotômico entre a geografia física e a geografia humana. Outro modificador do conceito de região é a compreensão de ciência. Como consequência dessa modificação, está o importante debate entre geografia geral ou sistemática e geografia regional, que é o foco de nosso livro. A Geografia geral, baseada na concepção de ciência geral, vê a região como um resultado obtido por meio de um sistema explicativo e critérios analíticos de extensão espacial (GRIGG, 1967). Ela é fundamentada em um modelo sintético de ciência do singular, no qual uma categoria é embasada em um determinado fenômeno. Para a geografia geral, esse fenômeno não pode ser desmembrado e sua totalidade deve ser compreendida como caso concreto. Nessa perspectiva, a região é uma realidade auto evidente e sua delimitação está ligada a um quadro de referência que não é necessariamente lógico, mas sim relacionado ao sentimento de pertencimento e de identidade (FRÉMONT, 1976). Gomes (1995) exemplifica muito bem essa relação: Existem, pois duas abordagens diferentes da realidade geográfica, uma que se aproxima da ecologia e, consequentemente, incorpora antes de mais nada os dados das ciências naturais e da sociologia; a outra está ligada sobretudo ao funcionamento do espaço territorial e dá destaque aos dados da economia política [...] Longe de excluírem uma a outra, estas duas abordagens se esclarecem mutuamente, mas somente a segunda permitirá talvez ultrapassar a enfermidade congênita da geografia: sua inaptidão para a generalização. (JUILLARD, 1974 apud GOMES, 1995, p. 70) Por fim, ainda podemos compreender esse conceito à luz de sua uniformidade ou sua capacidade de mutação. Assim, região pode ser um fenômeno espacial – derivado da classificação, uniformidade e hierarquização de um sistema espacial submetido às mesmas variáveis – ou uma relativização de variáveis que pertencem a dado fenômeno e atribui um caráter demonstrativo. 12 Embora tenham ocorrido todas essas transformações, o conceito de região e a regionalização ainda representam em si o sentido do saber geográfico. Como diz Haesbaert (1999), esse conceito permite à geografia se aproximar de sua maior vocação: de realizar sínteses baseadas na realidade espacial, nas quais a relação sociedade-natureza se apresenta nas mais complexas materializações. Ser capaz de se apropriar dessa concepção e de suas possibilidades teórico-metodológicas é essencial para o geógrafo. 13 A Figura a seguir demostra nossa síntese do conceito de região Figura: 2 14 1.3 A região na contemporaneidade Com o desenvolvimento do sistema capitalista e especialmenteo processo de globalização, houve autores que levantaram a possibilidade de “morte“ do conceito de região. A homogeneização e a uniformidade dos espaços e das relações sociais ocasionadas pela globalização marcariam o fim desse conceito (LIPIETZ, 1977). Com base nesse ponto de vista, os movimentos regionais seriam instâncias de resistência a esse processo. No entanto, uma outra vertente indicaria justamente o contrário. A região, por meio da globalização, poderia emergir como escala para a interpretação de conflitos e problemas na relação global/local. Segundo Santos (1999), a complexidade pertinente à região na contemporaneidade é única e parte inerente dos processos de globalização e fragmentação de maneira concomitante. Sobre essa dualidade, Santos ainda destacou: “não pensamos que a região haja desaparecido. O que esmaeceu foi a nossa capacidade de reinterpretar e de reconhecer o espaço em suas divisões e recortes atuais, desafiando-nos a exercer plenamente aquela tarefa permanente dos intelectuais, isto é, a atualização dos conceitos” (1994, p. 102). Desse modo, em uma perspectiva ampliada, o conceito de região pode se dar pela complexa rede de fenômenos multiescalares, isto é, que ultrapassam uma única escala geográfica do mundo contemporâneo. Seu resgate e sua ressignificação, com a ideia de região rede, podem ser estabelecidos por meio das relações sociais e do modo de produção capitalista. Além disso, o conceito pode perpassar as construções simbólicas de identidade regional, criar teias de relações espacialmente expressas e chegar até a necessidade do uso de região natural e regionalizações baseadas em aspectos físicos da paisagem (NOBREGA, 2015). Desse modo, essa concepção passa a ser fenômeno espacial da realidade, mas que existe como fenômeno geográfico. Assim, assume-se, concomitantemente, uma dualidade em seu uso como ferramenta analítica da geografia no aspecto concreto de território, na questão escalar, na pós-modernidade e na fenomenologia. 15 Sem nos limitarmos, mas pensando em bases para as reflexões propostas nesta obra, nos principais estudos de geografia regional da atualidade e, especialmente, no enfoque aqui dado em relação à divisão regional brasileira e ao planejamento regional, ainda podemos buscar um caminho teórico. Para Gomes (1995, p. 73), de qualquer forma, se a região é um conceito que funda uma reflexão política de base territorial, se ela coloca em jogo comunidades de interesse identificadas a certa área e, finalmente, se ela é sempre uma discussão entre os limites da autonomia em face de um poder central, parece que estes elementos devem fazer parte dessa nova definição em lugar de assumirmos de imediato uma solidariedade total com o senso comum que, neste caso da região, pode obscurecer um dado essencial: o fundamento político, de controle e gestão de um território. Assim, a materialidade desse conceito é relevada por mecanismos mais flexíveis e ele deixa de estar vinculado diretamente, por exemplo, à continuidade espacial, estabelecendo relações com ajustes nas escalas global e local no contexto de globalização. 2. PLANEJAMENTO REGIONAL Como vimos no primeiro capítulo, o ato de regionalizar é em si um ato político que evidencia, sobretudo do ponto de vista territorial e do Estado, como a representação no espaço se dá por meio das relações de poder. Assim, neste capítulo sustentamos que o planejamento e o desenvolvimento econômico são idealizados e realizados na escala regional, principalmente em economias emergentes e periféricas, como é o caso do Brasil. Além de relacionarmos conceitos, fazemos um breve levantamento histórico do planejamento regional brasileiro. Por fim, abordamos também a influência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que é até hoje o principal órgão de referência para o planejamento regional no Brasil. 16 2.1 A região como escala de planejamento O Planejamento é a ação de planejar, de estabelecer metas e diretrizes que pretendem manter ou modificar as ações sobre uma determinada situação. Quando referimo-nos ao planejamento regional, mais do que uma delimitação de escala (nesse caso a região), referimo-nos a um planejamento econômico e territorial, especialmente no caso do Brasil, de base capitalista. Assim, é interessante relembrarmos de qual conceito de região estamos nos referindo. Como já vimos, esse conceito pode ser aprendido e utilizado de diferentes maneiras. Aqui, ele será trabalhado com base na definição de Gomes (1995), que relaciona a região a aspectos sociais, de fundamentação política, de controle e gestão de um território. Podemos dizer que o planejamento regional pode ser entendido de duas maneiras. A primeira se dá quando esse planejamento objetiva o desenvolvimento ligado ao capital. Para atingir essa finalidade, suas ações são focadas na redução de incertezas do processo capitalista em determinada área do espaço. Assim, essa ação estará centrada na diminuição das disparidades causadas pelo desenvolvimento econômico na distribuição espacial dos polos econômicos. A segunda possibilidade ocorre quando o planejamento regional busca garantir interesses ligados às populações afetadas por ele. Nesse caso, haverá um enfoque no controle do capital e no modo de extração de recursos da natureza, além de aspectos sociais e econômicos da população (THEIS, 2016). Segundo Bomfim (2007), a geografia como ciência adotou de maneira ampla diversas bases teóricas para refletir o ato de planejar o espaço. Nessa perspectiva, a região se aproximaria de uma área programada, na qual a divisão teria como premissa a maximização da eficiência de um programa de desenvolvimento territorial. Para tanto, a regionalização seria parte desse processo, no qual suas delimitações estariam fortemente relacionadas às intenções e pretensões do planejamento regional. A expressão planejamento regional surgiu com o urbanista irlandês Patrick Geddes (1854-1932). Com forte influência da definição de região estabelecida por Vidal de La Blache, as monografias regionais e seus levantamentos sobre a região natural deram subsídios para a compreensão e elaboração de metas de desenvolvimento do espaço. Entretanto, a primeira experiência de planejamento regional teve origem nos Estados Unidos, como parte do programa New Deal durante o governo Roosevelt. Esse programa 17 tinha como objetivo a recuperação da economia norte-americana após a crise de 1929. Para tanto, foram adotadas medidas de combate ao desemprego, recuperação da agricultura por meio da criação de agências de crédito e fomento para agricultores, controle de preços para impulsionar a indústria, além de legislações que controlassem de maneira enfática o setor financeiro e tributário. O vale do Rio Tennessee (afluente dos rios Ohio e Mississipi), que tinha sua economia voltada para agricultura, era considerada umas regiões menos industrializadas dos EUA na década de 1930. Para suprir essa questão, foi criada a Tennessee Valley Autorithy (TVA), uma autarquia de planejamento econômico e territorial que existe até hoje. Baseada em uma política econômica do keynesianismo, foram realizadas nesse rio obras de navegabilidade, usinas hidrelétricas, pontes e rodovias, bem como o gerenciamento de recursos hídricos e o desenvolvimento de energia nuclear. A TVA não influenciou apenas o modo como orientamos o planejamento regional brasileiro, mas também nossa matriz energética e a criação de grandes empreendimentos, principalmente pela política econômica dos governos de Getúlio Vargas (1882-1954) e Roosevelt, como verificaremos adiante. Figura – Barragem de Guntersville (cidade do estado do Alabama, nos EUA) no Rio Tennessee. Figura: 3 18 Outro exemplo de planejamento regional é a Cassa per il Mezzogiorno, organização do governoitaliano baseada no exemplo da TVA para o desenvolvimento da Região Sul da Itália. O sul italiano é considerado a região menos desenvolvida economicamente do país. Entretanto, apesar da transferência de recursos, melhorias de infraestruturas e incentivos fiscais para a instalação de indústrias, essa ainda é uma região fortemente agrícola. Aspectos relacionados à corrupção e à máfia são entraves para seu desenvolvimento, fato que ocasiona, inclusive, o fechamento de importantes fábricas, como da Fiat. Podemos observar que as teorias e dinâmicas envolvidas na ação de planejar estão implicitamente ligadas às teorias e políticas econômicas. Teoricamente, no capitalismo, o espaço é compreendido de maneira integrada e articulada – é daí que surge, por exemplo, a definição de globalização. Assim, a regionalização é sempre entendida como um corte arbitrário e está relacionada com a interação entre pontos do espaço sob uma ótica capitalista. A dinâmica regional, desse modo, estaria relacionada aos movimentos de capital entre diferentes pontos do espaço. A direção e a motivação seriam elementos para a formulação de teorias. Entre os principais autores dessa concepção estão François Perroux, Jacques Boudeville (1919-1975) e Douglas North (1920-2015). Destes, Perroux foi o mais importante para a compreensão e delimitação de políticas para o planejamento regional no Brasil. Autor da expressão polos de desenvolvimento, sua teoria se baseou na industrialização como processo gerador de polos de aglomeração econômica. Com forte influência da revolução teorética quantitativa, para Perroux, o espaço era abstrato, euclidiano e poderia ser compreendido pela matemática e estatística. Para ele, as relações que ocorriam no espaço econômico não eram refletidas completamente no território nação, mas sim no domínio de alcance dos planos econômicos de governo e dos indivíduos, especialmente instituições econômicas. Além disso, os complexos industriais viabilizariam o crescimento econômico por meio de polos de desenvolvimento. Na busca de uma aproximação com a interpretação geográfica , podemos encontrar em Santos (1996, p. 63) um modo de compreender a organização espacial: O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. [...] Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro, o sistema de ações 19 leva a criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma. Para o autor, o espaço era formado pela interação entre sistemas de objetos e sistemas de ações. Dessa forma, podemos perceber que – especialmente no caso brasileiro – o planejamento e a formulação de mudanças nos sistemas de objetos tinham como essência as transformações do sistema de ações no âmbito econômico e de desenvolvimento. Esse desenvolvimento deve ser aqui compreendido com base nas premissas do sistema capitalista. 2.2-Planejamento regional e desenvolvimento econômico no Brasil O planejamento regional e o desenvolvimento econômico no Brasil estão intimamente relacionados. Eles derivam dos processos de acumulação de capital de economias emergentes, que resultam em contrastes e dependências da concentração geográfica do capital, ou seja, acarretam o desenvolvimento regional desigual (OLIVEIRA, 1981). Nesse sentido, verificamos que parte considerável das experiências de planejamento regional realizadas no Brasil buscou a manutenção dos processos de concentração capitalista. Essas visavam corrigir desigualdades de distribuição de capital, mas não corrigiam necessariamente a mitigação de desigualdades sócias espaciais relacionadas à extração desenfreada de recursos naturais e humanos. Assim, essas regiões não permaneceram dependentes e periféricas apenas daquelas mais desenvolvidas economicamente, mas também continuaram dependentes de economias centrais, em escala global. Antes de analisarmos detalhadamente os projetos existentes no Brasil, devemos compreender quais paradigmas foi absorvidos pelas políticas regionais e pelo ordenamento territorial e como esse processo incidiu sobre a ocupação territorial brasileira. Um dos primeiros paradigmas do planejamento regional brasileiro foi a política econômica conhecida como keynesianismo, que compreendia que o Estado deveria assumir um papel intervencionista, isto é, que controlasse e ordenasse a economia. Esse 20 pensamento perdurou dos anos 1950 até meados dos anos 1990, quando o neoliberalismo passou a dominar as políticas de governo. No neoliberalismo, o Estado deveria atuar de maneira restrita – como Estado mínimo –, no qual o mercado se autorregularia. Assim, caberia ao Estado apenas funções reguladoras sociais e assistencialistas (COSTA, 2008; CARDOSO JÚNIOR, 2011). Essa doutrina esteve muito presente no governo de Fernando Henrique Cardoso (1931-), caracterizado por políticas de privatização. Essa mudança refletiu também no modo de compreender o desenvolvimento durante o período keynesiano. Nessa época, ele foi atrelado ao Estado, especialmente na criação de polos industriais, no projeto conhecido como nacional desenvolvimentista. Durante o neoliberalismo, o enfoque foi modificado. Depois dos anos 2000, com os governos de centro-esquerda de Luís Inácio Lula da Silva (1945-), foi retomada uma ação mais ativa do Estado, que estabeleceu um neo desenvolvimentismo. Antes da Constituição Federal de 1988, o desenvolvimento e crescimento eram considerados apenas do ponto de vista econômico. A infraestrutura ou sistema de objetos era voltado apenas para a melhoria de aspectos dessa ordem. Com instrumentos de preservação do meio ambiente, bem-estar social e cultural, a Constituição foi um agente modificador das políticas de planejamento regional. Os anos de 1980 também foram decisivos para a agricultura mundial. Após a Revolução Verde, a industrialização e mecanização da agricultura, a emergência do mercado financeiro, a venda de commodities e os planejamentos regionais com enfoque no meio rural adquiriram novas facetas. Inicialmente, com o objetivo de criar novas fronteiras agrícolas e ocupar “vazios territoriais” (principalmente durante o Regime Militar, com o desmatamento de grandes áreas e a expansão da extração mineral), o agronegócio passou a ser visto como um motor da economia brasileira, especialmente pelo superávit da balança comercial, gerado pela venda de commodities (SIQUEIRA, 2013). Essa importância dada ao meio rural brasileiro sempre esteve presente nos projetos de planejamento regional, seja por obras de irrigação e créditos de financiamento a produtores, seja como agente dos processos migratórios, pelo êxodo rural e a migração de regiões menos desenvolvidas para aquelas com maior industrialização. Especialmente nos últimos anos, a visão sobre o meio urbano e a qualidade da infraestrutura social e cultural mudaram as necessidades em relação às cidades e às dinâmicas populacionais. 21 Os anos 1990 também foram um marco temporal para as relações estabelecidas pelas economias mundiais. Antes, a relação centro-periferia refletia a assimetria/desigualdade das relações econômicas. Após a globalização, em meados dos anos 1980, essas relações se tornaram muito mais complexas e diversificadas (UDERMAN, 2008). A Constituição Federal de 1988 incluiu ainda dois importantes pontos focais nos debates regionais: a importância da preservação do meio ambiente e das comunidades tradicionais e como o turismo poderia atuar como agente modificador de economias e regiões periféricas. A necessidade de incluir no planejamento a opinião da população, por meio de audiênciaspúblicas e planejamentos participativos, trouxe uma nova visão para os objetivos esperados do planejamento regional. Caberia muito mais controlar o capital do que apenas a criação de novos pólos de desenvolvimento econômico. Esses paradigmas foram absorvidos de diferentes modos pelas políticas de planejamento regional viabilizada por meio da criação de agências de desenvolvimento regional. A maioria foi criada na década de 1950, extintas durante a década de 1990 e recriadas na década de 2000 especialmente com a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), no ano de 2007. Antes voltadas à criação de pólos de desenvolvimento, essas políticas nos últimos anos têm incentivado a criação de distritos industriais, incubadoras para empresas de desenvolvimento e parques tecnológicos. Financiamentos e fundos de crédito ainda são mecanismos utilizados, e um dos principais agentes desse processo é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sobre o qual trataremos no próximo capítulo. Entretanto, apesar das tentativas, os resultados ainda estão longe dos esperados. Como poderíamos explicar o baixo alcance das metas de planejamento regional? Algumas das explicações estão fundamentadas em problema políticos de superposição de órgãos, guerras fiscais entre estados, municípios e governo federal, o peso dado à criação de centros de desenvolvimento fortemente ligados à industrialização (sem analisar se o mercado econômico estava favorável ou disposto a se relacionar com esses pólos), além de fraudes e corrupções. Atualmente, uns dos grandes entraves para a geração de políticas de planejamento regional estão também na falta de metodologias eficientes de participação popular nos processos decisórios e avaliativos. 22 De maneira resumida, podemos verificar que as inseguranças políticas e democráticas pelas quais o nosso país passou ao longo do tempo ocasionaram a burocratização das instituições e as sobreposições de interesses e ações. Baseado especialmente na criação de agências, superintendências e adoção de planos plurianuais, o planejamento regional brasileiro pouco evoluiu nas projeções que se propunha. Notamos que ele ainda é fortemente influenciado pela concentração de renda e pela economia dependente das oscilações do mercado internacional. Ainda neste capítulo, veremos como se deu o surgimento dessas agências e superintendências, e posteriormente analisaremos os planos plurianuais. Quadro 1 – Linha do tempo dos principais planos, agências e superintendências relacionadas ao planejamento regional brasileiro. QUADRO 1 23 24 O Nordeste brasileiro sempre esteve no centro das políticas de desenvolvimento econômico e no planejamento regional. Muito dessa questão está relacionada às especificidades físicas, como grandes estiagens, solos salinos e déficit hídrico. Esses aspectos dificultaram o desenvolvimento econômico, baseado especialmente na agricultura convencional, fato que ocasionou o empobrecimento da população e movimentos migratórios de êxodo. Desse modo, criou-se o imaginário de “região problema” já nos primeiros governos republicanos. Em 1909, no governo de Nilo Peçanha, foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), com o objetivo de coletar dados referentes aos aspectos físicos, principalmente meteorológicos e geológicos, que dessem os subsídios necessários para obras governamentais. Entretanto, essa ainda não pôde ser considerada uma proposta de planejamento regional, tendo em vista o enfoque paliativo das consequências das estiagens, e não necessariamente um plano de desenvolvimento regional. Foi somente após o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), com a adoção do modelo de Estado intervencionista na ditadura do Estado Novo, que foi incorporada a ideia de planificação da política econômica governamental. Emergiu daí a concepção de política pública, que tornou a administração pública complexa, planejada, regular e duradoura (PESSOA, 2006). É nesse contexto político-econômico brasileiro que houve a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fundamental para a implementação de políticas em escala regional e início do planejamento regional brasileiro. Surgiu também nesse momento o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), em 1942. No entanto, foi apenas no final do Estado Novo e com a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 que o planejamento regional brasileiro sofreu sua grande transformação. Na Constituição estava presente uma série de designações ao desenvolvimento regional. Uma delas era o art. 29, que tratava do vale do São Francisco e teve como desdobramento a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), em 1948, empresa pública com autonomia administrativa e financeira diretamente ligada à presidência da república. Seu objetivo consistia na criação de planos de aproveitamento para regulamentação dos recursos hídricos e fomento econômico, principalmente com indústrias e irrigação para a agricultura. O início dos anos de 1950 foram marcados pela criação do Banco de Crédito 25 da Amazônia, em 1950, e o Banco do Nordeste Brasileiro (BNB), em 1952. No segundo governo de Getúlio Vargas, foi criada a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), no ano de 1953. Durante o governo de Juscelino Kubitschek, foi criada, em 1956, a Superintendência do Desenvolvimento da Fronteira Sudoeste (SPVESUD) e, em 1959, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Dentre as atribuições destacavam-se estudar e propor diretrizes para o planejamento e o desenvolvimento regional. Para tanto eram criados projetos e programas de assistência técnica. Durante a ditadura militar, houve o fortalecimento dos órgãos de planejamento econômico. Em 1966, foi criada a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), destinada ao planejamento e desenvolvimento da então chamada Amazônia Legal. Em 1967, foram criadas a Superintendência do Vale do São Francisco (SUVALE), a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco) e a Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul (Sudesul). Em 1974 foram criados o Conselho de Desenvolvimento Econômico e a Secretaria de Planejamento da Presidência da República (SEPLAN). Nesse ano também foi criada a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), que além de gerir o aproveitamento dos recursos hídricos e do uso do solo, tinha por atribuição a promoção do desenvolvimento integrado da economia e a implantação de distritos agroindustriais. Após inúmeras críticas ao modo de organização dessas agências, casos de corrupção e ineficiência dos projetos, foram extintas no ano de 1990 a Sudeco e a Sudesul. A Sudene também foi extinta e substituída pela Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene) e a Sudam foi sucedida pela Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), desdobramento das políticas neoliberais do governo de Fernando Henrique Cardoso. Em 2000, a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco alterou sua razão social para Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Em 2010 sua área de atuação foi ampliada e a Companhia é até hoje um importante agente no processo de transposição do Rio São Francisco. A retomada de uma visão neodesenvolvimentista durante os governos de Luís Inácio Lula da Silva fez com que antigas superintendências fossem recriadas: a Sudam e a SUDENE, no ano de 2007, e a Sudeco, em 2009. Nos mapas a seguir podemos verificar as sobreposições de órgãos de 26 desenvolvimento e sua variabilidade espaço-temporal na história do planejamento regional brasileiro: Mapa 1 – Delimitação da área de atuação do IOCS (1909), antecedente dos planos de planejamento regional brasileiro. Figura: 4 Fonte:com base em Silva, 2014. 27 Mapa 2 – áreas de atuação atual da Codevasf Figura: 5 Fonte: com base em Silva, 2014 Mapa 3 – área de atuação da Sudene Figura: 6 28 Mapa 4- Áreas de atuação da Sudam. Figura: 7 Nos três primeiros mapas (1, 2 e 3), podemos compreender como foram alteradas as áreas de atuação das diferentes agências governamentais criadas para a atual região Nordeste, sempre com o objetivo de combater os efeitos climáticos da seca sob a economia e a sociedade. É interessante destacar a modificação da Codevasf, não apenas com a inclusão da bacia do Rio Parnaíba, mas também com as áreas influenciadas pela transposição do Rio São Francisco. Com relação ao Mapa 4 da Sudam, verificamos que nos dias atuais sua abrangência ultrapassa os limites da regionalização oficial do IBGE por estados brasileiros. A atual área de abrangência da Amazônia Legal, corresponde em sua totalidade os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parcialmente, o estado do Maranhão (a oeste do meridiano de 44º de longitude oeste), perfazendo um superfície de aproximadamente 5.217.423 km² correspondente a cerca de 61% do território brasileiro. A atuação da SUDAM obedece aos fundamentos, objetivos, diretrizes e instrumentos da Política de Desenvolvimento Nacional Integrada e do Plano de Desenvolvimento da Amazônia e é efetuada em articulação com o Conselho Deliberativo para o Desenvolvimento da Amazônia, órgãos e entidades públicas dos Governos federal, estaduais e municipais que atuam na Região e a sociedade civil organizada. 29 2.3 O planejamento regional brasileiro para além das superintendências Nos itens anteriores, verificamos que o planejamento regional brasileiro sempre foi marcado por um enfoque economista de desenvolvimento. Essa questão foi fortemente influenciada por mudanças políticas – especialmente crises democráticas, como o golpe militar de 1964. Desse modo, o Brasil estabeleceu uma correlação direta com a economia internacional, porém permaneceu como uma economia periférica. Nesta seção, analisamos as políticas de desenvolvimento, seus desdobramentos e outras espacializações do planejamento regional do país. Apesar de terem existido outros planos, foi o governo de Juscelino Kubitschek, com seu o Plano de Metas, o primeiro a estipular objetivo para o setor privado e estimular estudos relacionados ao diagnóstico da economia brasileira. Com forte influência da criação do BNDES, Kubitschek criou um programa de governo baseado na frase “50 anos em 5”. O Plano de Metas foi um conjunto de objetivos – 31 no total – que os setores-chaves da economia deveriam alcançar. Já no governo seguinte, de João Goular (1918-1976), em que o cenário econômico apresentava dificuldades, foi necessária a elaboração de outro plano econômico, o Plano Trienal, que tinha como premissa o combate à inação baseado na controle do déficit público. Esse plano foi interrompido pelo Golpe de 1964. Apesar da intervenção, esse foi um importante marco para a ampliação da visão dos planos de desenvolvimento e agregou uma visão global da economia. O primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) – elaborado em 1970 com base na ideologia política de segurança e desenvolvimento – criou um modelo de organização que consistiu em moldar as instituições por meio do poder do Estado. Esse plano objetivava a implementação da teoria de polos de crescimento e compreendia que a industrialização seria o meio ideal para alcançar o desenvolvimento econômico. Por meio da teoria de Perroux, os governos militares se aproximaram da relação entre o paradigma da industrialização como polo de desenvolvimento e a presença de um Estado desenvolvimentista. No I PND houve um forte estímulo para a instalação de indústrias de bens duráveis, em especial automobilística. Até hoje encontramos reflexos desse momento, como a forte influência das rodovias e do sistema rodoviário de transporte de cargas no modal brasileiro. 30 Além da instalação de indústrias, houve grande investimento na criação e ampliação do sistema rodoviário nacional. No II PND (1975-1979) ocorreu a mudança no enfoque das indústrias instaladas (siderúrgicas, de eletrônica pesada e de fertilizantes) – foram priorizadas as relacionadas aos bens de capitais – e a manutenção das altas taxas de crescimento econômico alcançado no I PND (na ordem de 10% ao ano). Apesar do aumento da inserção brasileira na divisão internacional do trabalho (FURTADO, 1981), a inconsistência financeira do BNDES naquele momento não garantiu a estabilidade de financiamentos necessários, bem como a crise política com o m do período da ditadura militar. O Programa Avança Brasil (2000-2003) foi marcado pelo termo custo Brasil, que consistiu em um conjunto de ineficiências e distorções que atingiram a competitividade do país em relação a outras nações. Fatores como sistema tributário desproporcional e injusto, malha rodoviária em más condições, administração pública corrupta, os altos encargos trabalhistas, elevadas taxas de juros, altos índices de violência, inadimplência e burocracia estatal eram aspectos a serem combatidos. Desse modo, buscou-se a otimização de resultados, sempre com vistas à redução de prazos e custos federais. Com forte caráter economicista e um modelo gerencial de planejamento econômico nacional, esse período foi marcado pela guerra fiscal entre estados e municípios, com o objetivo de arrecadar mais impostos e centralizar investimentos públicos. Como resultado desses anos de tentativas de planejamento regional voltado ao desenvolvimento econômico obteve muitas mudanças nos sistemas de objetos com grandes obras de engenharia, mudanças no uso e ocupação do solo, reorganização demográfica e conflitos pela terra cada vez mais violentos. 31 3. O ESTADO E A ESCALA REGIONAL Nos capítulos anteriores, observamos a intrínseca relação entre o conceito de região e território. Verificamos também que regionalizar e planejar regionalmente são atividades historicamente atribuídas ao Estado, e este exerce seu poder territorial e econômico por meio desses mecanismos. Neste capítulo, aprofundamos as discussões referentes a Estado, território e ordenamento territorial. Além disso, vamos conhecer melhor o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), importante agente do Estado no ordenamento territorial. 3.1-Estado e poder por meio do conceito de território Ao longo dos dois primeiros capítulos, verificamos que o conceito de região se modificou ao longo do tempo e do espaço. Além disso, na atualidade, essa concepção é em parte compreendida – quando nos referimos ao planejamento regional e à regionalização para esse fim – com um enfoque territorial. Depois, analisamos os processos de planejamento regional, principalmente no Brasil, e constatamos que a instabilidade democrática e a política econômica de cada governo influenciaram diretamente esse processo. Assim, a noção de Estado e como ele exerce seu poder perante o planejamento regional faz parte do objeto de pesquisa da geografia regional. Agora, vamos aprofundar nossos conhecimentos em relação ao Estado e o poder e verificar como eles estão relacionados ao conceito de território e, consequentemente, ao conceito de região. Quando falamos de Estado, referimo-nos à definição de Estado-nação ou à unidade político-territorial do sistema capitalista em que Estado e território se impõem de maneira soberana. A sociedade politicamente organizada, na qual destino e história são compartilhados, é o âmbito da nação. O Estado é, assim, uma organização soberana e uma ordem jurídica (BRESSER-PEREIRA, 2017). Esquematizamos essa definição a seguir: 32 Figura 8– componentes de nação e estado-nação.Figura: 8 Estado-nação e base territorial são os conceitos importantes abordados pela geografia do poder. Na Figura 8, verificamos seus componentes e podemos nos afastar do senso comum. Território é um conceito também absorvido por outras ciências, como sociologia, psicologia e biologia. Na geografia, ele é abordado principalmente na geografia humana. Castro (1992) traz a dimensão territorial como objeto social, em que seus limites são estabelecidos pela sociedade nele inserida. Para Raffestin (1993), o território se define primeiramente pelo poder. Assim, quando buscamos esse conceito em nossa narrativa, exaltamos as relações de poder que se estabelecem em uma dada porção do espaço. Raffestin (1993) ainda diferencia os termos Poder e poder. O Poder (com P maiúsculo) é fenômeno visível, concreto e identificável, em que o território é delimitado por complexos processos de controle de recursos e fluxos demográficos e de bens. No entanto, o poder (com p minúsculo) é fruto das relações, das trocas e das comunicações. Ele é muito mais sutil e estabelece teias que, por vezes, podem se sobrepuser às relações de poder institucionais. Assim, o território é compreendido como apropriação e domínio de um espaço socialmente compartilhado. Na apropriação, são exaltados aspectos simbólicos, enquanto 33 no domínio há um enfoque político-econômico concreto. Os indivíduos, o Estado e as organizações (público-privadas) são agentes de produção dos territórios, por meio das redes de circulação e comunicação, das relações de poder e das ações políticas, das atividades produtivas e das representações simbólicas. No entanto, não devemos cair na tentação de compreender a apropriação e o domínio como um palco para ações de poder institucionalizado, pois território é em si um elemento das relações sociais e econômicas em diferentes escalas. 3.2-Ordenamento territorial e planejamento regional no Brasil A natureza institucional com a qual o ordenamento territorial e o planejamento regional vêm sendo compreendidos no Brasil acaba gerando definições e aplicações vinculadas com a prática e a operacionalidade desses processos. Contudo, como geógrafos, podemos e devemos “pensar fora da caixa”. Nesse sentido, precisamos ser capazes de compreender as noções empregadas pelas instituições, mas também problematizá-las e aplicá-las. Desse modo, separamos esta seção em dois momentos: o primeiro aborda o tema com base na concretude das instituições; o segundo pelo ponto de vista científico. O ordenamento territorial é um instrumento de ação do poder público, que busca – por meio da articulação transetorial e interinstitucional – alcançar um planejamento integrado. Essa articulação viabiliza a ação conjunta das políticas de forma compatível com seus resultados na organização espacial. Não devemos, porém, confundir ordenamento territorial com regulamentação do uso e ocupação do solo. Esses são processos que ocorrem em diferentes escalas espaciais e de ações, com competências executivas e legislativas distintas. Cabe ao ordenamento territorial uma visão macro do espaço e uma escala de planejamento que compreende integridade do território nacional, com biomas, macrorregiões, redes de cidades, zonas de fronteira, reservas indígenas, instalações militares etc. Ele tem um caráter mais amplo, proporcionando ao planejamento dados como a densidade da ocupação, as redes instaladas e os sistemas de engenharia (MORAES, 2005). 34 Com base em diagnósticos regionais, a especificação desses territórios, suas demandas e potencialidades são levantadas. O planejamento ou ordenamento ocorre pela valorização dos espaços e a compreensão dos fluxos demográficos bens de capital e de produtos. Ordenar o território consiste no controle regular da organização instituída na base espacial dos movimentos globais da sociedade. Nas palavras de Moreira (2007, p. 77): “o ordenamento não é, pois, a estrutura, mas a forma como a estrutura espacial territorialmente se autorregula no todo das contradições da sociedade, de modo a manter a sociedade funcionando segundo sua realidade societária”. Moreira (2007) destaca ainda a noção de que toda proposta de organização e ordenamento do território busca na realidade a expressão da ação centralizadora do Estado por meio do poder. Para nortear estratégias de ações planejadoras, cabe ao Estado o decisivo papel de organizar e implementar iniciativas de desenvolvimento. No Brasil, essas ações são explicitadas no Estudo da Dimensão Territorial para o Planejamento (BRASIL, 2008), que propõe, entre outras coisas, a organização de novos arranjos para políticas públicas. 35 4. REFERÊNCIAS: BARDIN, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. A Sociedade em Rede. Vol. I.Trad. Roneide Venancio Majer. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. CASTRO, Josué de. Geografia da fome – o dilema brasileiro:: pão ou aço? Rio de Janeiro: civilização Brasileira, 2002. CORREA, R. L. A rede urbana. São Paulo. Ática, 1989. FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. MOTTA, P.R. (1997). Transformação organizacional. São Paulo: Qualitymark. MOREIRA, D. A. & Queiroz, A. C. S. (2007). Inovação organizacional e tecnológica. São Paulo: Ed. Thomson Learning. OLIVEIRA, Ariovaldo U. De. Amazônia: monopólio, expropriação e conflitos. 2. Ed. Campinas: Papirus, 1989. RAFFESTIN, Claude. Por Uma geografia do Poder. Trad. Maria Cecília França. São Paulo: Ática. 1993. SANTOS, M. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993. SOUZA, Nali de Jesus de. Desenvolvimento econômico. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012.