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1 FORMAÇÃO DE TERRITÓRIOS CULTURAIS E POLÍTICOS 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA .................................................................................................... 2 1. A NATUREZA DO ENFOQUE TERRITORIAL ................................................. 3 1.1-De objetos a sujeitos da política ...................................................................... 7 1.2-O desafio territorial da economia ..................................................................... 8 2. DA DIVERSIDADE CULTURAL À INTERCULTURALIDADE ........................ 10 2.1-Diferenciação cultural .................................................................................... 10 2.2-Heterogeneidade-diferenciação ..................................................................... 11 2.3-Das estratégias diferenciadas às autonomias ............................................... 12 2.4-O território emergente ................................................................................... 13 3. EM BUSCA DA INTEGRAÇÃO TERRITORIAL ............................................. 15 4. DESIGUALDADE E TERRITÓRIO ................................................................. 19 5. REFERÊNCIAS: ............................................................................................. 28 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 1. A NATUREZA DO ENFOQUE TERRITORIAL Hoje, empreendem-se diversos caminhos em busca de melhorar a qualidade do gasto público, um deles associa-se a estratégias da política para o desenvolvimento rural, em meio à transição para nova geração de políticas, programas e de estruturas institucionais a serem implantados. Mas esse processo depende de tentativas em longa caminhada e de experimentos em múltiplas opções e adaptações das decisões políticas, conforme tendências de mudanças em termos econômicos e políticos. No âmbito do desenvolvimento rural e da agricultura familiar vêm acumulando-se inúmeras experiências e diferentes tentativas, muitas com resultados decepcionantes que não refletem os esforços dispensados às expectativas e aos investimentos realizados. Hoje, a América Latina vivencia uma crise de resultados – expressa nas estratégias de desenvolvimento rural – face ao quadro que mantém as reivindicações do enorme segmento populacional rural, submetido à contradição de viver em condições de pobreza, em meio a um dos mais ricos universos rurais do planeta. Não constitui rompimento. A reconstrução permanente do processo de ajustes das estratégias de desenvolvimento é, em si, complexa, e abrange os marcos ideológicos, conceituais e metodológicos nos quais se baseia. Essa tentativa constitui necessidade para a identificação e a compreensão dos componentes que alimentam a nova estratégia de desenvolvimento rural e territorial que vem emergindo como parte da institucionalidade do continente. 4 Figura: 1 O Brasil, em especial, vem sendo ativo e inovador na criação de estratégias e caminhos do desenvolvimento, representando referência obrigatória aos países da região para o implemento de estruturas políticas que proporcionem a integração de estratégias a partir de lições já vivenciadas e aprendidas. Para novo objeto das políticas. Há um ponto em comum na criação dessas novas estratégias: a tendência que vem se impondo nas políticas públicas, nos enfoques interpretativos e nas concepções de desenvolvimento. Trata-se da tendência de deslocar o objeto das políticas da perspectiva setorial para outras – transetoriais, transversais e integradoras. Transição que vem refletindo-se nos instrumentos de gestão e planejamento do desenvolvimento rural, como é possível apreender nas políticas públicas protagonistas das últimas décadas nos países da região. O redescobrimento do território enquanto categoria política adequada para nortear as estratégias públicas tem diversas origens conceituais e, sem dúvida, a natureza de sua inserção nos discursos e decisões dos formuladores das políticas reflete os contextos históricos e políticos, e abrange, em especial, as forças sociais que empurram à transformação dos mecanismos de intervenção pública e de gestão social. 5 Mas há forças socioeconômicas que emergem do desenvolvimento das tendências ou de forças maiores que movem e demandam novas formas de conceber e construir o desenvolvimento. Espaço, identidade, território e territorialidade. Figura: 2 O território como eixo central de política pública de desenvolvimento traz em seu bojo vários conceitos que ajudam na compreensão da natureza de seu objeto de trabalho. Apesar de essa questão ser aprofundada mais adiante, é necessário recordar as interpretações afins feitas neste capítulo como ponto de partida para reflexão que terá de conduzir às respostas e perguntas instrumentais, que devem mostrar as exigências e as possibilidades que esse enfoque pode trazer às estratégias do desenvolvimento rural. É necessário, em primeiro lugar, estar ciente de que partimos do espaço enquanto conjunto de elementos e dimensões que o compõem – suas relações ou fluxos, incluindo a base material natural ou construída; as atividades econômicas que são empreendidas; as estruturas sociais que são geradas e suas inter-relações; as instituições construídas e a regras do jogo; os valores; e os códigos adotados. 6 No espaço, são gerados – como o produto dos processos históricos que determinam sua construção – processos de inserção da população, definindo distintas características e a expressão destas em seus próprios espaços, resultando na manifestação que denominamos identidade. Esta aparece com o caráter que expressa os atributos – étnicos culturais econômicos ou políticos – apropriados pelas pessoas em seus espaços. Nesse sentido, estamos restringindo o tema da identidade à sua natureza espacial – sabendo que não é possível desconhecer que a identidade abrange, e é aplicada, a outras dimensões e expressões não espaciais, a exemplo das características diferenciadas nas preferências religiosas, políticas, estéticas e sexuais que compõem também as características de identidade, que nem sempre se manifestam restritas a um espaço. Entendemos, por território, a dimensão política do espaço – quando este é referido reconhecido e identificado – enquanto unidade da gestão política que o distingue e o atribui existência, de certa forma institucionalizada. Nem sempre o território constitui-se numa entidade territorial, a exemplo de município, província, departamento ou estado. É suficiente ser reconhecido como unidade que pode controlar ou interagir enquanto a institucionalidade que expressa – pode ser a bacia de um rio, a união de organizações territoriais, um espaço com nítidascaracterísticas étnicas ou um espaço definido por redes econômicas bem caracterizadas. Dessa forma, o território pode, inclusive, chegar a constituir-se num espaço descontínuo. O elemento central da reflexão que nos ocupa é o fato de a identidade – como expressão de traços diferenciadores e distintivos da população pertencente a um espaço – converter-se no espírito essencial, básico e estruturante do território. Além de descrever e caracterizar o território, o mais importante é que a identidade orienta e ordena as estratégias de desenvolvimento ao definir e dar suporte ao caráter das forças motoras que possibilitam avançar na conquista do bem estar. A identidade, quando associada ao território no contexto político institucional, se expressa como territorialidade que denota o sentimento político, a energia social e a vontade coletiva, que resultam em sentimentos – nacionalista, patriótico, regionalista, amor pela terra e diversas manifestações da força social objetiva. E o reconhecimento e compreensão desses sentimentos promovem a afirmação de muitas estratégias de desenvolvimento. 7 1.1-De objetos a sujeitos da política A democracia territorial. Observa-se na América Latina um contínuo processo de construção de uma democracia incipiente, que constitui uma das mais importantes conquistas nas três últimas décadas (após a presença generalizada de ditaduras militares no continente). A democracia tem sido difícil, dolorosa e cheia de entusiasmos, que logo se convertem em frustrações. Esse processo de construção de modernas instituições políticas aponta para uma característica distinta, que vem se tornando comum em todos os países: a nova forma de enfrentar a antiga e mal resolvida disputa entre os modelos do poder centralizado com as regiões, os locais e espaços rurais, que lutam por maior autonomia, maior participação e autogestão de seus próprios destinos. Não se trata de uma nova luta, mas de novos elementos no cenário atual. Outra sociedade rural. O primeiro elemento está expresso em novas sociedades – locais, regionais e rurais – com maior capacidade de discernir, participar, pressionar e reivindicar. Evidencia-se que essas tensões não são exclusivas, como antes, do interesses de poucos (os grandes proprietários rurais caracterizados por visões e propostas políticas retrógradas e defensoras de privilégios). Emergem e ganham espaço os interesses das comunidades, dos pequenos proprietários e das sociedades locais e rurais com discursos progressistas e democratizantes. As profundas transformações que vêm sendo obtidos nos últimos cinquenta anos expressam uma sociedade rural em processo de superação das estruturas concentradas e determinadas pelo poder político. Isso é radicalmente diferente da sociedade anterior, caracterizada por bucólicas paisagens com populações analfabetas, isoladas, incomunicáveis, desarticuladas de vínculos importantes com o mercado, com grande deficiência de acesso aos serviços públicos e sem possibilidades de participar nos processos políticos. Embora o panorama esteja muito distante do idealizado, são evidentes os importantes avanços em todo continente em termos de integração, informação, educação 8 e acesso à comunicação. Isso vem se refletindo em toda região, na redução dos indicadores sobre necessidades básicas insatisfeitas. 1.2-O desafio territorial da economia Outra economia rural. Ao acompanhar o universo rural, observa-se que vêm ocorrendo outras mudanças na economia dos territórios. A integração dos espaços, na maior parte dos territórios da região, vem resultando num processo de desprimarização da economia rural, de forma que mais da metade da atual renda das populações rurais depende de atividades não agropecuárias. Essas economias refletem maior diversificação da atividade econômica, do investimento e do consumo, que são resultantes de diferentes formas de integração econômica e de articulação de cadeias produtivas que favorecem a agregação de valor. A terra, enquanto fator determinante dos modelos de desenvolvimento local e rural, vem cedendo espaço a outras demandas por recursos produtivos, por parte de sistemas produtivos rurais que esboçam novo patamar de eficiência socioeconômica, como ocorre nas sociedades mais desenvolvidas. Mas, na maioria de nossos países, os sistemas mais eficientes convivem com outros em condições adversas, inerentes aos problemas não resolvidos de concentração, de ineficiência e de terra improdutiva, além de outras restrições quanto ao acesso de outros recursos produtivos. Isso envolve profundas consequências políticas. 9 Mudanças nos mercados agroalimentares. Figura: 3 Em paralelo, têm ocorrido significativas mudanças nos desafios para as economias agrícolas e primárias em consequência de novas dinâmicas dos mercados, abrangendo os sistemas de produção e, em especial, a distribuição e o consumo. A revolução tecnológica – de biotecnologia, informática e telecomunicação – esboça um novo parâmetro para a produção, parâmetro em que o conhecimento entra como fator cada vez mais determinante das possibilidades e diferenciais de produtividade e competitividade. Quanto à distribuição, observam-se drásticas mudanças nas últimas décadas, em especial nos processos de comercialização de alimentos via esquemas de contratos para integrar a agricultura (adotados pelas redes de hipermercados), que resultam em forte impacto para o setor em termos de adoção de sistemas de abastecimento e de mudanças referidas à inovação tecnológica de significativas repercussões. 10 Na dimensão do consumo ocorreram também rápidas e profundas mudanças, com destaque para novas preferências, aumento da demanda por bens diferenciados e valorização dos atributos como inocuidade e da qualidade – elementos que definem nichos e novos perfis do mercado e representam impacto para as estruturas precedentes, baseadas na especialização da produção e em vantagens comparativas. Os desafios mudaram, mas as estratégias para enfrentá-los deixam a desejar. 2. DA DIVERSIDADE CULTURAL À INTERCULTURALIDADE Figura: 4 2.1-Diferenciação cultural O território, por ser uma construção histórica que incorpora as dimensões ambiental, econômica, social, institucional e política, expressa identidade e caráter. Por isso, também, ele abrange valores, significados, visões compartilhadas, códigos, ícones, tradições e o folclore. Sem dúvida, há outros elementos-chave associados ao desenvolvimento e que também diferenciam os territórios. São as estruturas econômicas, as redes sociais e as instituições, que refletem, delineiam ou descrevem com maior nitidez o caráter do território. 11 Diferentes concepções visualizam sistemas produtivos característicos – de determinado território – diferenciados de outros, mesmo quando dispõe de iguais condições quanto ao aporte de recursos, acesso aos mercados e nível tecnológico. Em sua totalidade, a cultura envolve a complexidade que compõe o espaço. Por isso, constitui-se numa dimensão que prepondera na determinação do tipo de desenvolvimento de cada território. A cultura, além de determinar em grande proporção os processos de desenvolvimento, determina os mecanismos da organização social, os incentivos para inserção política, as motivações e as possíveis explicações para que as condições subjetivas do desenvolvimento convertam-se em fundamentos de determinada estratégia política. É reconhecido que as características concepções homogeneizantes – que levam a grandes dificuldades quanto à apropriação, sustentabilidade e resultado do desenvolvimento – estão entre os maiores obstáculos de muitas estratégias de desenvolvimento empreendidas pelos nossos países. Em essência, discute-se que a falta de reconhecimento da cultura e da diferenciação é arazão das verdadeiras catástrofes do gasto público. 2.2-Heterogeneidade-diferenciação Nas diversas estratégias de política pública, identificam-se diferenças em relação aos objetos e beneficiários que se refletem nos mecanismos de execução. Seria injusto dizer que essas execuções estão distantes de corresponder às reais especificidades culturais. A constatação da heterogeneidade baseia-se na ideia de que os diferentes atores dispõem de condições objetivas que os distinguem. As categorias ou tipos de beneficiários das políticas pautadas nos critérios de tamanho – setor produtivo, posse da terra, condições étnicas, posição frente aos mercados ou capacidades exigidas e políticas diferenciadas para fazer face à heterogeneidade – são entendidos enquanto princípios de aplicação que norteiam a execução de determinada política – tecnológica, por exemplo – conforme as capacidades desenvolvidas pelos beneficiários da estratégia. 12 O instrumento técnico gerado para esse fim é centrado em esquemas de focalização, incluindo a identificação e individualização dos beneficiários elegíveis para determinado programa ou para participar de projetos. Esses modelos de focalização têm sido muito utilizados e incorporados aos regulamentos operacionais da maior parte das políticas de desenvolvimento rural de nossos países. As políticas de discriminação positivas constituem uma das mais notáveis aplicações desses princípios de diferenciação e focalização. Elas consistem na aplicação de critérios progressivos, centrados em objetivos para corrigir-compensar as condições de discriminação ou para superar brechas entre atores sociais, a exemplo das estratégias de gênero ou de atenção às populações marginalizadas. 2.3-Das estratégias diferenciadas às autonomias A incorporação da dimensão cultural como um dos fundamentos para definir políticas públicas conduz a um desafio realmente novo no cenário das decisões de políticas públicas. A dimensão cultural, apesar de muitas vezes identificada e delineada, continua sendo encarada como critério externo, de entorno, constituindo-se, na maioria das vezes, em dificuldade e impedimento para o sucesso das estratégias. É lugar comum, não apenas de opiniões triviais, mas das bases profundas dos sistemas de planejamento, considerar como grandes inimigos da América Latina a sua pobre e marginalizada cultura, seu fraco espírito empreendedor e a falta de capacidade de sacrifício, esforço ou seriedade. Há, inclusive, diversos exemplos de estratégias aplicadas para mudar a cultura ou melhorá-la, sob a justificativa de tratar-se de uma cultura atrasada, uma cultura da malandragem, da violência, da pobreza. Por causa dessa postura foi necessário adotar sistemas de formação-qualificação, no intuito de implantar processos de reeducação ou de aculturação. As estratégias que procuram criar capacidades de gestão e de planejamento sempre são formuladas a partir desses parâmetros, para fazer mudanças na cultura, ajustando-a aos propósitos da política. Como contrapontos surgem enfoques sugerindo que a heterogeneidade e a diversidade não podem ser trabalhadas a partir de estratégias de diferenciação e focalização. Sugere-se a necessidade de dar passos definitivos na construção de 13 processos autônomos, onde os graus de liberdade para a integração e o diálogo entre a cultura e a política sejam amplos, abertos, realistas e propositivos. 2.4-O território emergente Outra implicação das mudanças mundiais nas estruturas institucionais é o reordenamento das competências e responsabilidades públicas e dos resultados em relação às escalas territoriais onde atua. A característica preponderante do nível nacional em nossa história, desde os processos de independência – com exceção de algumas tentativas federalistas e localistas que nunca chegaram a prevalecer –, se faz presente enquanto responsável onipresente nas estratégias públicas mais importantes. E de repente passamos ao cenário onde se relega o nacional, que perde capacidade de resposta, cede responsabilidades e rearranja sua agenda. Despontam novos níveis territoriais que adquirem ou recebem essas responsabilidades (cedidas ou buscadas) em meio a um processo de direção dupla (para o local e para o global). A direção do local passa pelos níveis regionais, mostrando um novo cenário caracterizado pela universalização do modelo de eleição e representação das autoridades territoriais, com eleições dos prefeitos e governadores. Autoridades que deixam de ser representantes do estado nacional nos territórios para se converter em representantes dos territórios perante a nação. A federalização, a municipalização e a regionalização são a face do processo de descentralização em expansão, que tem redirecionado competências, funções, responsabilidades e recursos para processos cheios de conflitos, tensões, debilidades e tarefas inconclusas, mas irreversíveis. Aconteceu o mesmo em nível internacional, e isso ficou evidenciado em dois claros processos: a integração regional e a globalização. Esses processos são caracterizados por ignorar a discricionariedade nacional e pela independência nas decisões sobre temas- chave, que são transferidos às instâncias territoriais supranacionais. Embora essa tendência seja marcada, em especial, por aspectos dos mercados, onde a política comercial nacional é diluída na política comercial regional (em nível de blocos como o Mercosul ou em nível global, como a OMC, entre outros), há outros assuntos cruciais incluídos, como o meio ambiente e a justiça. 14 O Brasil é um país subdesenvolvido industrializado. Isso significa que o país possui um sistema político-econômico vinculado ao capitalismo. Esse processo promove a apresentação, no país, da maioria das empresas da iniciativa privada, que têm como principal finalidade a busca incessante de lucros. Dessa forma, o conjunto de atividades econômicas influencia diretamente na configuração da economia nacional. A sociedade brasileira, como a maioria dos outros países capitalistas, é dividida em dois grupos distintos. De um lado, a burguesia, conjunto de pessoas que detêm os meios de produção (indústrias, empresas, fazendas, bancos etc.) e que acumulam capitais a partir dos lucros arrecadados em suas propriedades produtivas. Do outro lado fica a classe trabalhadora ou proletária, pessoas que vendem sua força de trabalho em troca de salário. O Brasil, apesar de ser um país industrializado e capitalista, não se apresenta no centro do capitalismo mundial, pois se enquadra como uma economia dependente e periférica. No entanto, o país pode ser classificado como semiperiferia. Essas características são provenientes do alto grau de dependência tecnológica e econômica, fragilidade comercial em relação às grandes potências, dívida externa, grande quantidade de empresas multinacionais, restrita elaboração de novas tecnologias e grande reprodução de técnicas e tecnologias criadas em países centrais e uma enorme disparidade social. O Brasil apresenta economia dependente, apesar disso possui um alto índice de industrialização, com economia diversificada. Isso significa que a produção não se limita à produção agropecuária e à extração de minérios, existe também um complexo e completo parque industrial que produz aviões, automóveis, softwares e muito outros equipamentos modernos. O Brasil não faz parte do grupo de países com pequenas economias e industrialização modesta, no qual se integram Uganda, Costa do Marfim, Paquistão, Bangladesh, Etiópia, Niger, Mali, Zaire, Bolívia, Haiti, entre outros. Já países como Argentina, México, África do Sul, Tigres asiáticos, Coreia do Sul, Taiwam, Malásia, Hong Kong, Indonésia, Índia e especialmente a China, são prováveis potências mundiais. 15 3. EM BUSCA DA INTEGRAÇÃO TERRITORIAL A perspectiva da política públicaremete aos antecedentes das estratégias de desenvolvimento que priorizaram a integração regional e a intercomunicação. Elementos propositivos destacáveis no final da primeira metade do século passado, quando se considerava a urgente necessidade de superar a fragmentação do território, o isolamento, a inexistência de mercados regionais e a precária integração nacional. Os modelos modernizantes inerentes à substituição de importações das décadas de 1950 a 1970 pressionaram com propostas de estruturação regional, sob a ótica dos centros urbanos regionais e de modelos territorial secundários, onde o rural entrava como parte de modelos regionais centrados na lógica do modelo de desenvolvimento ―para dentro – base da construção das sociedades industrializadas. A partir de então, vieram os nítidos modelos de desenvolvimento regional, que se tornaram comuns em quase todos os países da região e influenciaram bastante as estratégias para o espaço rural, conforme os modelos do Desenvolvimento Rural Integrado (DRI). O conteúdo modernizante e integrador desses modelos tem uma característica notável enquanto prioridade para incorporação dos territórios à sociedade maior, ao desenvolvimento, aos mercados, à rede urbana e à industrialização. Espaços antes isolados passam a se integrar via fornecimento de matérias-primas e mão-de-obra ao se abrir aos mercados da indústria crescente. É necessário reconhecer que esses modelos obtiveram a incorporação de extensas áreas e, em muitos países, consolidaram a fronteira agrícola e redes urbanas hierarquizadas e integradas, que estruturam o mapa regional, servindo de arcabouço aos espaços rurais. Integração e brechas regionais Os processos de integração territorial, por diferentes razões, ocorreram em meio a enormes desigualdades regionais, devido aos desequilíbrios e privilégios ancestrais. As diferenças em termos de desenvolvimento relativo deram forma a um mapa de extremos entre regiões muito ricas e outras com profunda pobreza. As distâncias entre o desenvolvimento do Sul do Brasil e o Nordeste; ou entre o Norte e Sul do México são similares às disparidades que há entre os países mais desenvolvidos da Europa e os países 16 mais pobres da América. Essas diferenças têm norteado diversas políticas com objetivos diferenciados em relação à integração, abrindo-se à incorporação de objetivos sobre coesão territorial e inclusão. A especialização e a diferenciação territorial têm mostrado resultados por diversas razões – as condições naturais básicas, em termos de potencial produtivo, como nos ecossistemas árido e semiárido do Nordeste; os processos de apropriação de terras, a partir de modelos de fazenda e plantação excludentes e espoliadores, como no caso do Norte da Colômbia – devido à exclusão e padrões culturais que nunca são reconhecidos nos modelos de desenvolvimento dominantes, como nos casos dos quilombolas no Brasil, dos indígenas Maias na Guatemala e dos Quechuas e Aymaras na Bolívia. Produzem-se também as mesmas estratégias de desenvolvimento com duplas visões para áreas econômicas desiguais, o que gera efeitos polarizados. Mesmo assim, são apreciáveis devido à clara localização no território. Um exemplo é a política destinada ao desenvolvimento de setores prósperos e de encadeamentos agrícolas, orientados aos prósperos mercados de exportação. Em contraste, observam-se as precárias políticas de desenvolvimento para produtores em situação precária com vistas aos precários mercados do território. E as políticas pautadas em subsídios e executadas na agricultura vêm determinando uma estrutura regional e territorial com grande impacto nos mercados de terra, devido a pressão sobre os preços e as preferências produtivas. O território Brasileiro O território brasileiro inicialmente área de domínio e apropriação por parte de grupos dominantes europeus, entre o final do século XIX e início do XX já apresentava a sua vasta extensão atual. Expedições, acordos e conquistas na direção oeste e norte do continente sul americano romperam com o quanto determinado no Tratado de Tordesilhas. Porém, atender a todos os espaços brasileiros de forma igualitária era tarefa muito árdua para os governantes nacionais, em razão dos parcos meios de transporte e comunicação do período. A localização do centro do poder brasileiro também contribuía para ampliar as disparidades de atuação governamental. A capital do país era o Rio de Janeiro, cidade localizada na parte sudeste do litoral, demasiado distante da Amazônia, por exemplo. A 17 Constituição Republicana de 1891 já determinava a mudança da capital para o Planalto Central, mas “dificuldades de transporte para a área e os interesses contrários à transferência [...] fizeram com que o dispositivo constitucional não se efetivasse por mais de cinquenta anos” (ANDRADE, 1995, p. 42,). Esses fatos demonstram que o território era legalmente de domínio governamental, porém, transformar essa apropriação em controle e direcionamento, na prática, era deveras complicado no período antes citado. O desejo de ampliar o poder governamental frente à extensão territorial brasileira reforçou a atuação e constituição do Estado que, com caráter moderno, teve suas origens no século XV e XVI no Velho Mundo (COSTA, 1992, p. 266), mas que no Brasil vai florescer no início do século XIX. O Estado surge como um “poder, nascido da sociedade, mas posto acima dela [vai] se distanciando cada vez mais” (ENGELS, 1975 apud Ibidem) da população tornando-se a estrutura de controle e domínio do território. Além de seguir, inicialmente, o interesse da coletividade, o Estado acaba por corresponder também por sua unificação, conforme sintetizou Laski (1973 apud Idem, p. 268), pois, ao atender aos anseios daqueles que representa, o Estado passa a ter um papel ideológico sobre os mesmos, podendo utilizá- los de maneira positiva ou negativa. De fato, o Estado era o gestor principal e essencial no início do século XX dos espaços brasileiros. Representava os interesses dos cidadãos a partir da Constituição de 1891, passando a ter interesses diversos frente ao território que habitavam. Isso gerava conflitos e, consequentemente, necessidade de uma regulação. O Brasil no inicio do século passado era uma recém-formada República com forte apelo militar. Nossa economia era levada a reboque pelas principais nações da época como Inglaterra e os Estados Unidos. Ambas eram praticantes do laissez-faire, em que o próprio criador deste termo, o Marquês d‟Argenson, enfatizava que o Estado “para governar melhor é preciso governar menos” (COSTA, op.cit., p. 280). Quando da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque em 1929, várias nações que dependiam do seu capital, como o Brasil, sofreram um duro impacto em suas economias, gerando uma grave crise também no aspecto político. 18 Foi nesse cenário que Vargas assumiu o Estado brasileiro e, seguindo a cartilha keynesiano promoveu transformações profundas no país, acelerando a industrialização, regulando as atividades que envolvem capitais e o gerenciamento da estrutura populacional e territorial. A Nação, no caso brasileiro, vem a ser o produto dessa formação territorial e constitucional do Estado, sendo a junção histórica de elementos culturais, sociais, políticos e econômicos da população em torno da área que habita. No Brasil, a construção da unidade de nação não partiu da inclusão aleatória das classes sociais na geração de uma consciência nacional para a formação de uma nacionalidade, mas de uma “força interior”, ou seja, uma ação política organizada com a intenção de forjar uma atitude, um comportamento, para o povo que direcionou no período 1930-1945, ao pensamento único do interesse do Estado visando ser de interesse coletivo, semelhante ao que ocorreu na Alemanha, conforme assinalou Jacques Droz (apud Idem, p. 301).Wainberg (2003, p. 54) afirma que “a angústia por identidade levaria [...] Vargas a tornar o Estado um ator mediador decisivo na empreitada da construção do homem brasileiro”. Getúlio, inspirado pelo Modernismo de 1922, quando intelectuais brasileiros fizeram o Brasil olhar para si, com a intenção de encontrar as suas mais profundas raízes, forçou a propagação dessa cultura que adquiriu o status de oficial no pais, como ferramenta para a integração nacional. A Chateau coube à responsabilidade através dos Diários de difundir essa cultura, sendo essa a sua contribuição à nacionalidade brasileira, o que se tornou fundamental para a integração dos espaços aos quais passou a alcançar a partir de 1930. “A obra [...] realizada por Assis Chateaubriand expressou, a sua época, o Brasil que se fazia que se quisesse nação e que buscava sua identidade” (Idem, p. 277). 19 4. DESIGUALDADE E TERRITÓRIO O “capital necessita estabelecer-se em toda a parte, explorar em toda a parte, criar vínculos em toda parte” (MARX & ENGELS, 1982, p. 97). Esta “lei fundamental” torna evidente o caráter expansionista e incorporador do modo de produção capitalista, pois a busca da valorização dilui as fronteiras e homogeneíza as relações a partir da destruição das formas de organização que bloqueiam o avanço do capital, ao mesmo tempo em que novas relações são criadas para viabilizar o modo de produção dominante. Tal movimento não está presente na harmonia dos modelos liberais. Os teóricos “dualistas”, que vêem na suplantação das atividades “atrasadas pelas modernas o processo natural” de modernização econômica através do aumento da produtividade, proporcionando às populações residentes nos espaços arcaicos a oportunidade de usufruir os benefícios oriundos da disponibilidade de bens e serviços com o máximo aproveitamento custo/benefício, não consideram a complexidade e os paradoxos inerentes à dinâmica de expansão do capital. O capital não evolui através de uma sucessão de fases nas quais as atividades arcaicas são substituídas pelas modernas num movimento de equalização dos níveis de produtividade (ROSTOW, 1971), nem, tampouco, tal movimento assegura a disseminação da tecnologia derivada da pressão competitiva das firmas modernas (e das atividades de ponta) sobre os espaços protegidos e ineficientes (OHMAE, 2001). Movido pela lógica da valorização, o capital destrói, cria e recria espaços numa dinâmica marcada por avanços e retrocessos que refletem o ambiente competitivo e contraditório que é próprio da natureza do sistema. O resultado desse processo é a “combinação” de relações produção e de espaços cujo único elemento em comum (além de partilharem da órbita do capital) é a subordinação perante o centro dominante. A força e a forma como o capital se apropria das áreas dominadas foi descrita em detalhes por Marx em sua análise dos efeitos da expansão inglesa na Índia. Nesse trabalho, o autor mostra que a produção (artesanal) indiana de tecidos estava assentada numa estrutura político-administrativa que dotava as aldeias indianas de elevada autonomia. Tal organização permitiu que o país (e a sua estrutura de produção) pudesse sobreviver à dominação dos diferentes povos que invadiram a Índia antes dos ingleses. 20 Por mais importantes que tivessem sido as mudanças políticas experimentadas pela Índia, no passado, as suas condições sociais permaneceram intactas desde os tempos mais remotos até o primeiro decênio no século XIX. O tear manual e a roca de fiar, origem de um exército incontável de tecelões e fiandeiros, eram os eixos centrais da estrutura social da Índia (MARX, 1853). Esses pequenos organismos sociais foram destruídos não apenas pela força militar e de arrecadação dos ingleses, mas, principalmente, pela constituição da Companhia Inglesa das Índias Orientais que monopolizou o comércio indiano. Ao desmantelar a indústria doméstica dessas comunidades, os ingleses dissolveram as organizações sociais que sustentavam o equilíbrio daquela sociedade. Para Marx, essa foi a primeira e real revolução social assistida naquele país até então. Longe de representar uma atitude consciente de alteração da estrutura social (marcada por profundas injustiças, na visão do autor), tais transformações foram o resultado dos impulsos mesquinhos presentes na própria essência do capital. Entretanto, as relações de conflito presentes no sistema capitalista não estão circunscritas ao embate entre as atividades norteadas pela lógica do capital e os arranjos não capitalistas. Diferentes frações do capital travam uma luta permanente pela valorização de ativos e pela manutenção do processo de acumulação. Dentre os teóricos que trataram do assunto, vale mencionar os estudos desenvolvidos por David Harvey. Harvey (1990) mostra que o processo de acumulação requer a contínua inovação dos processos produtivos de forma a reduzir a taxa de salário e o tempo de realização do capital. Os capitalistas individualmente são compelidos pela acumulação a buscar novos processos tecnológicos e, com isso, alcançar lucros extraordinários. No entanto, tal movimento implica no crescimento assimétrico da economia, comprometendo o processo de acumulação e desestabilizando o sistema como um todo. A razão para isto está na diferenciação (ou desigualdade) do “tempo de realização” das atividades produtoras de bens e serviços que geram, desta forma, uma multiplicidade de taxas lucro de acordo com o produto e com o conjunto das técnicas empregadas. A busca pelo barateamento dos componentes do capital está relacionada com a origem e a reprodução dos desequilíbrios espaciais, pois é imperativo para o capital mover-se em direção às áreas que permitam a máxima exploração do capital e do trabalho. Em suma: diferentes mercadorias são produzidas em espaços diversos; contudo, todas elas 21 necessitam do mercado para que a realização da mais-valia seja efetivada, daí a necessidade do intercâmbio e da integração espacial. Esse movimento gera contradições no desenvolvimento capitalista, pois os produtores veem-se obrigados à criação permanente de novos mercados ao mesmo tempo em que buscam beneficiar-se da concentração geográfica dos capitais constante e variável. No curto prazo, a procura por condições ótimas de reprodução da acumulação produz configurações espaciais voltadas para suas necessidades. O sobre lucro, viabilizado pela utilização de espaços privilegiados (localização) e pelos avanços tecnológicos, coloca a possibilidade de desvalorização de alguns espaços em detrimento a outros. A competição surge, então, da necessidade dos capitalistas “passarem adiante” o ônus dessas desvalorizações. O autor enfatiza que a competição tenderá a reduzir os níveis de lucratividade e, em consequência, o ritmo de acumulação em razão do aumento da “composição orgânica do capital” e da incapacidade de “realização”10 do ciclo de valorização do capital. Harvey pondera, entretanto, sobre a existência de mecanismos capazes de minimizar ou mesmo superar o impasse colocado pelo declínio do ritmo de acumulação capitalista: I) A esterilização de parte do estoque de capital através de desvalorizações periódicas; II) A articulação de políticas macroeconômicas que coordenem o ritmo de acumulação e os setores afetados e, III) “a absorção da superacumulação através do deslocamento temporal e espacial”. Essa absorção ocorreria através da criação de oportunidades de valorização da riqueza por meio do desvio de capitais das necessidades atuais para exploração de usos futuros e em novos espaços de acumulação. A solução para isso vem das inovações tecnológicas que buscam reduzir custos e encurtar o tempo rotação do capital, daí a ideia da “aniquilação do espaço pelo tempo”. A extensão e a qualidade das estruturas de transporte são essenciais para a viabilidade daintegração espacial, pois contribuem para a determinação do valor da força de trabalho e da composição do valor da capital. Para Harvey, a conexão entre o sistema de transporte e o valor da força de trabalho é decisiva nas decisões de investimento. A 22 localização das unidades produtivas depende do transporte confiável, eficiente e de baixo custo para a redução dos custos de circulação. As locações bem servidas com infraestrutura favorecerão a apropriação de mais-valia pelos capitalistas ali instalados. Entretanto, os investimentos em transportes (capital fixo) têm caráter locacional específico e tendem a desvalorizar aportes realizados em outros espaços. Aí reside o caráter contraditório da expansão do capital no espaço. A despeito da necessidade de mover mercadorias, a promoção da integração espacial pode exigir a desvalorização do capital investido em infraestrutura de transportes (que são onerosas e imóveis) em outras localidades. Se o capital físico e o trabalho requerem circulação desimpedida e no menor tempo possível para viabilizar o processo de acumulação, o mesmo deve ocorrer com os valores monetários. Quanto mais livre for a circulação do dinheiro, melhores serão as relações de intercâmbio. A despeito da relativa facilidade de circulação da mercadoria dinheiro, esta também está sujeita a barreiras e contradições, daí o papel estratégico desempenhado pelo Estado como formulador das instituições que garantirão tal mobilidade. Mesmo assim, tais circunstâncias não impedem que nos momentos de crise a instabilidade do valor relativo entre as diferentes moedas nacionais sirva de obstáculo para a mobilidade da mercadoria-dinheiro. Tal situação traz consequências diretas não apenas sobre a circulação da riqueza na forma de dinheiro, mas, também, sobre as demais faces da produção e da realização no interior do sistema capitalista. Ao lado da mobilidade de capital-físico (infraestrutura), do trabalho e do dinheiro concorrem outros elementos que podem levar à rigidez do capital num espaço específico. Para Harvey, trata-se da cristalização de “infraestruturas sociais” e de “instituições” que asseguram o processo produtivo, além de desempenhar outras funções como a regulação de contratos, a circulação de crédito e de dinheiro, as condições de trabalho, etc. Harvey defende que a circulação de capital tem como resultado a transformação, a criação, a sustentação ou recriação de infraestruturas sociais em lugares específicos em detrimento de outros, daí o caráter contraditório do processo. No entanto, a circulação de valores através das infraestruturas sociais é apenas um momento da dinâmica de acumulação. O capital despendido para a formação dessas infraestruturas não é perdido, mas volta-se na forma de ampliação do mercado para seus produtos no barateamento dos 23 processos produtivos ou ainda na configuração de ambientes favoráveis para a ampliação das taxas de mais-valia. Tal movimento explica os motivos da diferenciação entre os espaços. O capital produz e reproduz uma série de mediações que se materializam nos ambientes físicos e sociais. Assim, a “geografia social” não é apenas um reflexo das necessidades do capital, pois seu interior reúne contradições poderosas e potencialmente desestabilizadoras. Por isso, a reestruturação periódica da geografia das infraestruturas sociais ocorre usualmente em períodos de crise do sistema capitalista. A mobilidade de capital de uma fração dos capitalistas pode constituir ameaça para outra, sobretudo em contexto de crise. Quando o processo de desvalorização é colocado em marcha, os capitalistas de segmentos específicos buscarão transferir o ônus da desvalorização para outrem. E aí, novamente, o Estado ocupa papel fundamental para a manutenção do sistema, na medida em que a ele será atribuído o papel de mediador das tensões do aparato social. Em suma, as ideias de unidade e de contradição estão presentes na produção e na realização do capital e se constituem no centro da análise marxista da crise. O trabalho de Harvey buscou mostrar os mecanismos de criação e de superação das barreiras que restringem a mobilidade do capital em diferentes aspectos (infraestrutura, trabalho, moeda, etc.) e, a partir disso, explicar como se processa o conflito intercapitalista, para concluir que as forças que levam à crise são as mesmas que criam a materialidade exigida para sua superação. A despeito dos avanços que os trabalhos de Harvey trouxeram ao entendimento das relações entre capital e espaço, outros teóricos buscaram mostrar que a dimensão espacial ocuparia posição ainda mais importante na dinâmica do sistema capitalista. Entre estes, destacam-se os trabalhos produzidos por Henri Lefebvre. Sua teoria está apoiada na ideia que o espaço não pode ser reduzido apenas a uma localização ou às relações sociais de posse da propriedade, posto que encerrem no seu interior múltiplas propriedades num plano estrutural. Para Lefebvre, o design espacial deve ser considerado como força produtiva, ao lado do capital e do trabalho. O autor defende que o espaço pode atuar como agente controlador das contradições inerentes ao capitalismo em benefício dos grupos dominantes. Em certa medida, os 24 capitalistas utilizaram o espaço como instrumento de manutenção do processo de acumulação e das relações capital/trabalho. Diante de um posicionamento revolucionário, o controle sobre as relações e o design espacial teria importância igualmente estratégica que o domínio dos meios de produção, “porque tanto as relações de posse quanto as de exteriorização material – isto é, a produção do espaço – está unida nas relações de propriedade que formam a essência do modo capitalista de produção” (GOTTDIENER, 1985, p. 129). O espaço não é apenas um dos elementos constitutivos das forças de produção, mas produto dessas mesmas relações. O “design espacial” pode ser entendido também como “objeto” a ser consumido. As relações sócias espaciais estariam impregnadas em meio as relações de produção capitalista a partir de um movimento no qual os papéis de produtor e de produto fundem-se e extrapolam os limites do embate entre as classes ou os territórios. O Estado ocuparia posição estratégica como instrumento do capital ao utilizar suas prerrogativas para assegurar o controle dos lugares, suas hierarquias e a capacidade de segregação em prol dos interesses da acumulação. Tal poder seria garantido pelos instrumentos de fiscalização, controle e repressão à disposição do governo. Lefebvre admitia a existência de uma contradição fundamental do espaço capitalista derivada do contraponto entre a fragmentação das relações sociais da propriedade privada e a capacidade científica e técnica de tratar o espaço como abstração. O Estado e a economia teriam transformado o espaço numa abstração, ainda que fragmentada. Contudo, em resposta a essa fragmentação fictícia do espaço reafirmam-se as singularidades do espaço personalizado e surgem conceitos orgânicos de integração espacial, como o espaço social, o residencial, etc. Essa explosão de distinções espaciais “coladas” a grupos de interesses está no cerne dos conflitos sócio espaciais e é resultado das diferenças concretas entre pessoas que, por sua vez, refletem o poder de dominação dos espaços abstratos. Assim, esses antagonismos espaciais atravessariam as linhas de classe porque não resultam apenas das relações de produção. 25 A principal contradição espacial da sociedade é a confrontação entre espaço abstrato, ou a exteriorização de práticas econômicas e políticas que se originam com a classe capitalista e com o Estado, e espaço social, ou o espaço de valores de uso produzidos pela complexa interação de todas classes na vivência diária (LEFEBVRE apud GOTTDIENER, 1985, p. 131). A hegemonia da classe capitalista seria mantida graçasao controle do espaço e de sua capacidade de segregação, cuja viabilidade depende da ação reguladora (e repressora) do Estado. Para Lefebvre, o conflito interclasses se estabelece através do antagonismo entre a produção de um espaço social de usos e a expropriação baseada num espaço abstrato. Mesmo levando em conta as diferenças existentes entre as interpretações de Harvey e as de Lefebvre, é fácil perceber a complexidade das mediações presentes em seus trabalhos na tentativa de relacionar a dinâmica do modo de produção capitalista à configuração do espaço. Transpassados pela matriz marxista, esses estudos mostram uma trajetória marcada por contradições, avanços e retrocessos que são inerentes à dinâmica capitalista, definitivamente em oposição à harmonia prevalecente nos modelos conservadores de cunho liberal. O interesse em torno de arranjos espaciais localizados ganhou força principalmente a partir dos anos 1980, com os trabalhos pioneiros produzidos por Arnaldo Bagnasco, Carlo Trigilia e Sebastiano Brusco sobre a “Terceira Itália”. Tais estudos destacaram as características sociais e a formação de cooperativas, qualidades que dotavam algumas regiões italianas dos pré-requisitos necessários ao seu engajamento no mercado mundial, remetendo a discussão ao conceito de “distrito industrial marshalliano” (BENKO, 1996). As vantagens dos distritos não estavam restritas ao melhor aproveitamento da infraestrutura disponível e dos ganhos de escala dos participantes. Há também um intenso processo de troca de informações entre produtores e fornecedores que é facilitado pela proximidade física, o que, naturalmente, associa este comportamento ao próprio processo de inovação. Para Benko, os trabalhos de Michel Piore e os de Charles Sabel, ainda no início da década de 1980, interpretaram o sucesso dos distritos industriais como um caso particular dentro de uma tendência mais geral na qual a rigidez da organização fordista seria substituída pela “especialização flexível”. Paralelamente, nos EUA, a partir das 26 experiências observada no Vale do Silício e no Orange Country, os trabalhos dos geógrafos Allen Scott, Michel Storper e Richard Walker apontariam para conclusões semelhantes. Nos anos 1990, a corrente localista ganhou impulso com o estreitamento das relações entre os países, sobretudo a partir da intensificação dos fluxos financeiros. Esse contexto abriu caminho para a disseminação da ideia que a escala nacional era insuficiente para responder aos requisitos exigidos pela “nova economia”. Dentre os autores que defendem o regional e o local como escalas privilegiadas para o crescimento econômico, os trabalhos de Ohmae (2001) destacaram-se, menos pelo rigor da construção teórica e mais pela popularidade alcançada e pela radicalização de suas ideias. É impossível pensar o desenvolvimento econômico e, em decorrência, a melhoria das condições de vida das populações através da ótica de um mundo (econômico) fechado, segundo o autor. Daí o papel estratégico desempenhado pelas economias regionais como “portas de entrada” dos “Estados-Nação” na economia global. Por muito tempo, defende ele, a guerra fria justificou a existência do poder nacional, mas com a queda do muro de Berlim, o aumento da importância do regional e do local materializou-se na expansão dos conflitos regionais. Ao invés de disseminar os benefícios produzidos pelo crescimento econômico, a transferência de excedentes das áreas competitivas para as menos-competitivas acabaria servindo como instrumento de manutenção de privilégios de grupos incrustados no poder. A questão fundamental estaria, portanto, na maneira de “integrar” as regiões à economia global. A redistribuição regional do excedente econômico criaria vícios, desestimulando o engajamento das economias regionais atrasadas na economia global, e consequentemente, seu desenvolvimento econômico. Tomando como exemplo a Malásia, Ohmae sugere ser possível oferecer certo grau de autonomia para as regiões sem o abandono do controle das instâncias nacionais. A autonomia econômica das regiões competitivas libertaria, enfim, as amarras que as prendem as áreas ineficientes (ou atrasadas economicamente), cuja sobrevivência dependeria dos subsídios oferecidos pelo governo nacional. O autor esclarece que tais mudanças requerem tempo para a sua efetivação e de um governo nacional estável para conduzi-las, lembrando que o governo central da Malásia permaneceu 12 anos no poder e que isso foi fator fundamental para a consolidação dessas políticas. 27 Com a consolidação do processo de integração torna-se praticamente impossível a formação, no âmbito de uma região isolada, de uma matriz produtiva densa e integrada, ou seja, regionalmente “completa”. Assim, resta aos espaços conquistados a inserção especializada e complementar nas cadeias produtivas constitutivas da “matriz produtiva nacional” comandada pelo “polo dinâmico” da acumulação, enquadrando-se à hierarquia e às decisões que definirão o papel e o ritmo de crescimento de cada espaço. Uma vez realizada a integração, a natureza e os limites do pólo dinâmico devem ser analisados. O movimento de polarização deriva da própria natureza desigual e combinada do desenvolvimento capitalista que gera estruturas de dominação fundadas na assimetria e na irreversibilidade, que serão reforçadas pela inércia dos investimentos em capital fixo e nos efeitos de aglomeração. Em suma, a polarização reflete os processos de concentração e de centralização do capital e suas repercussões no espaço. Isso não significa, entretanto, que os pólos dinâmicos sejam imutáveis, pois o desenvolvimento do capital leva ao redesenho permanente da “configuração do espaço” construindo e “desconstruindo” escalas, pontos nodais e as próprias forças de polarização. Para Brandão, as relações entre as regiões dominantes e as subordinadas têm se transformado no período recente em razão do aperfeiçoamento dos instrumentos técnicos e organizacionais que permitiram o avanço da seletividade geográfica do capital. Dessa forma, a noção de polarização não pode ser mais pensada em termos de “indústria motriz” e associada à ideia de distância. 28 5. REFERÊNCIAS: ANDRADE, Manuel Correia de. Geopolítica do Brasil. São Paulo: Ática, 4 ed., 1995. ARAÚJO, T. B. Brasil nos anos 90: Opções estratégica e dinâmica regional. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Ano 1, n. 2, ANPUR, Recife, 2000. BALTAR, P. E. A. Salários e preços: esboço de uma abordagem teórica. 1985. 358 p. Tese (Doutorado em Economia) – Faculdade de Economia, Universidade de Campinas (UNICAMP), Campinas, 1985. BENKO, G. Economia, espaço e globalização: na Europa do século XXI. São Paulo, Hucitec, 1996. BRANDÃO, C. A. A Espacialidade da Riqueza: notas teóricas sobre as principais determinações da dimensão espacial do desenvolvimento capitalista. Cadernos IPPUR, ano 15, n. 1, jan-jul/2001. CANO, W. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil: 1930–1995. Campinas, 2. ed., Unicamp/IE, 1998. 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