Prévia do material em texto
Alexandre Freitas Camara 0 Novo Processo Brasileiro Atlas, 2015 1 NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL O processo civil brasileiro é construído a partir de um modelo estabelecido pela Constituição da É chamado modelo constitucional de processo civil, expressão que designa conjunto de princípios constitucionais destinados a disciplinar pro- cesso civil (e não só civil, mas todo e qualquer tipo de processo) que se desenvolve no Brasil. Começando pelo princípio que a Constituição da República chama de devido processo legal (mas que deveria ser chamado de devido processo constitucional), delo constitucional de processo é composto também pelos princípios da isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, do contraditório, da motivação das decisões judiciais e da duração razoável do processo. Todos esses princípios são implementados através das normas (princípios e re- gras) estabelecidas no Código de Processo Civil. E primeiro capítulo do Código destina-se, exatamente, a tratar dessas normas fundamentais do processo civil. Esta é, portanto, a sede em que se poderá encontrar o modo como Código trata desses princípios. Registre-se, porém, que rol de normas fundamentais encontrado neste primeiro capítulo do CPC não é exaustivo (FPPC, enunciado 369), bastando recordar do princípio constitucional do juiz natural, que ali não é mencionado. Impende então dizer, de início, que O Código de Processo Civil afirma expressa- mente o princípio da inafastabilidade da jurisdição, isto é, princípio que assegura O amplo e universal acesso ao Judiciário (art. do CPC; art. XXXV, da Constituição da República), estabelecendo que "não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito", reconhecendo-se, porém, que isso é compatível com a utilização da arbitragem (art. § bem assim com a busca da solução consensual dos con- flitos (art. § Os métodos consensuais, de que são exemplos a conciliação e a mediação, deverão ser estimulados por todos os profissionais do Direito que atuam no processo, inclusi- ve durante seu curso (art. § É que as soluções consensuais são, múitas vezes, mais adequadas do que a imposição jurisdicional de uma decisão, ainda que esta seja construída democraticamente através de um procedimento em contraditório, com efetiva participação dos interessados. E é fundamental que se busquem soluções ade- quadas, constitucionalmente legítimas, para os conflitos, soluções estas que muitas vezes deverão ser consensuais. Basta ver que se passa, por exemplo, nos conflitos6 NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Câmara de A solução consensual é certamente muito mais adequada, já que os víncu- los intersubjetivos existentes entre os sujeitos em conflito (e também entre pessoas estranhas ao litígio, mas por ele afetadas, como se dá com filhos nos conflitos que se estabelecem entre seus pais) permanecerão mesmo depois de definida a solução da causa. Daí a importância da valorização da busca de soluções adequadas (sejam elas jurisdicionais ou parajurisdicionais) para os litígios. A solução da causa deve ser obtida em tempo razoável (art. do CPC; art. 5°, LXXVIII, da Constituição da República), incluída a atividade necessária à satisfação prática do direito (o que significa dizer que não basta obter-se a sentença em tempo razoável, devendo ser tempestiva também a entrega do resultado de eventual ativi- dade executiva) A garantia de duração razoável do processo deve ser compreendida, então, de forma panorâmica, pensando-se na duração total do processo, e não só no tempo necessário para se produzir a sentença do processo de conhecimento. Busca-se, então, assegurar a duração razoável do processo, sendo relevante desta- car o compromisso do Código de Processo Civil com esse princípio Há uma nítida opção do sistema pela construção de um sistema destinado a permitir a produção do resultado do processo sem dilações indevidas. Vale destacar, porém, que se todos têm direito a um processo sem dilações indevidas, daí se extrai que ninguém tem direito a um processo sem as dilações devidas. Em outros termos, o sistema é comprometido com a duração razoável do processo, sem que isso implique uma busca desenfreada pela celeridade processual a qualquer preço. E isto porque um processo que respeita as garantias fundamentais é, necessariamente, um processo que demora algum tempo. O amplo debate que deve existir entre os sujeitos do procedimento em contraditório exige tempo. A adequada dilação probatória também exige tempo. A fi- xação de prazos razoáveis para a prática de atos relevantes para a defesa dos interesses em juízo, como a contestação e os recursos, faz com que processo demore algum tempo. Mas estas são dilações devidas, compatíveis com as garantias constitucionais do processo. A observância de um sistema de vinculação a precedentes, especialmente no que concerne às causas repetitivas; a construção de mecanismos de antecipação de tutela, tanto para situações de urgência como para casos em que a se funda na evidência; a melhoria do sistema recursal, com diminuição de oportunidades recur- sais; tudo isso contribui para a duração mais razoável do processo. É, porém, sempre importante ter claro que só se pode cogitar de duração razoável do processo quando este é capaz de produzir os resultados a que se dirige. E estes são resultados que ne- cessariamente têm de ser constitucionalmente legítimos, pois resultados constitucio- nalmente legítimos exigem algum tempo para serem alcançados. Um processo rápido e que não produz resultados constitucionalmente adequa- dos não é eficiente. E a eficiência é também um princípio do processo civil (art. Impõe-se, assim, a busca do equilíbrio, evitando-se demoras desnecessárias, punin- do-se aqueles que busquem protelar processo (e daí a legitimidade de multas e daNormas fundamentais do Processo Civil 7 antecipação de tutela quando haja propósito protelatório), mas assegurando-se que processo demore todo tempo necessário para a produção de resultados legítimos. Vale destacar que do art. do CPC (e de uma grande série de outros dispositivos, como art. 317 e art. 488, entre muitos outros exemplos que poderiam ser indica- dos) se extrai um outro princípio infraconstitucional fundamental para sistema processual brasileiro: O princípio da primazia da resolução do mérito. É que, como se vê pela leitura do art. "as partes têm O direito de obter [a] solução integral do mérito". O processo é um método de resolução do caso concreto, e não um mecanismo destinado a impedir que caso concreto seja solucionado. Assim, deve-se privilegiar, sempre, a resolução do mérito da causa. Extinguir.o processo sem resolução do mérito (assim como decretar a nulidade de um ato processual ou não conhecer de um recurso) é algo que só pode ser admitido quando se estiver diante de vício que não se consiga sanar, ou por ser por natureza insanável, ou por se ter aberto a oportunidade para que mes- mo fosse sanado e isso não tenha acontecido. Deve haver, então, sempre que possível, a realização de um esforço para que sejam superados os obstáculos e se desenvolva atividade tendente a permitir a resolução do mérito da causa. É por isso, por exemplo, que se estabelece que no caso de se recurso sem comprovação de recolhi- mento das custas devidas deve haver a intimação para efetivar o depósito (em dobro, para que não se estimule a prática apenas como mecanismo protelatório) do valor das custas, viabilizando-se deste modo exame do mérito (art. 1.007, § ou se afirma que "[d]esde que possível, juiz resolverá O mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485". Há, pois, no moderno direito processual civil brasileiro, um princípio da primazia da resolu- ção do mérito, qual, espera-se, seja capaz de produzir resultados bastante positivos no funcionamento do sistema de prestação de justiça civil Outro princípio fundamental do processo é da boa-fé objetiva (art. FPPC, enunciado 374: "O art. prevê a boa-fé objetiva"). Não se trata, pois, apenas de se exigir dos sujeitos do processo que atuem com boa-fé subjetiva (assim entendida a ausência de má-fé), mas com boa-fé objetiva, comportando-se da maneira como geralmente se espera que tais sujeitos se conduzam. A vedação de comportamentos contraditórios (nemo venire contra factum proprium), a segurança resultante de compor- tamentos duradouros (supressio e surrectio), entre outros corolários da boa-fé objetiva, são expressamente reconhecidos como fundamentais para desenvolvimento do pro- cesso civil. A boa-fé processual orienta a interpretação da postulação e da sentença, permite a imposição de sanção ao abuso de direitos processuais e às condutas dolosas de todos os sujeitos do processo, e veda seus comportamentos contraditórios (EPPC, enunciado 378). Pense-se, por exemplo, no caso de juiz ter indeferido a produção de uma prova requerida pelo demandante, ao fundamento de que tal prova se destinaria a demons- trar um fato que já estaria comprovado. Posteriormente, O pedido é julgado improce- dente, ao fundamento de que aquele mesmo fato não estaria provado, sendo do autoro NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Câmara o ônus probatório. Essas são condutas contraditórias e, por isso mesmo, contrárias ao princípio da boa-fé objetiva. Não se admite que juiz assim proceda (FPPC, enun- ciado 375: "O órgão jurisdicional também deve comportar-se de acordo com a boa-fé objetiva"). Em casos assim, ou realmente fato está provado e, por conseguinte, a sentença de improcedência por falta da prova está errada, ou o fato não está provado, e nesse caso seria imperioso reabrir-se a atividade probatória para não surpreender- 376: se a parte que originariamente tivera aquela prova indeferida (FPPC, enunciado "A vedação do comportamento contraditório aplica-se ao órgão jurisdicional"). Também decorre da boa-fé objetiva reconhecimento de que comportamentos produzem legítimas expectativas. Figure-se um exemplo: intimado um devedor a cumprir uma decisão judicial em certo prazo sob pena de multa, este deixa transcorrer o prazo sem praticar os atos necessários à realização do direito do credor. Este, então, fica inerte, não toma qualquer iniciativa, e permite que os autos sejam arquivados. Passados alguns anos, credor desarquiva os autos e postula a execução da multa ven- cida por esses anos de atraso no cumprimento da decisão. Em um caso assim, deve-se considerar que comportamento do credor, que não tomou qualquer providência para evitar arquivamento dos autos por tão prolongado tempo, gerou no devedor a legíti- ma confiança em que não seria executado, daí resultando a perda do direito do credor à multa já vencida (supressio). Isso não implica, porém, dizer que credor não tenha direito à satisfação do seu direito já reconhecido. Será preciso, porém, novamente intimar o devedor para cumprir a decisão no prazo que lhe fora assinado, sob pena de tornar a incidir a multa. Mas a multa pelo decurso dos anos anteriores não será mais devida por força da violação da boa-fé objetiva. A boa-fé objetiva também impede que julgador profira, sem motivar de direi- for- ma específica a alteração, decisões diferentes sobre uma mesma questão de to aplicável a situações de fato análogas, ainda que em processos distintos (FPPC, enunciado 377). Em seguida, impende tratar do do contraditório (art. LV, da CRFB). Este dos princípios fundamentais do processo, que se revela como sua nota essencial. é, Em outros termos, que se quer dizer com isso é que contraditório é a característica fundamental do processo. Mais adiante se verá quando do trato deste instituto fundamental do direito processual que o processo deve ser entendido como procedimento em contraditório. Assim é que, para Estado Constitucional Brasileiro, a construção da decisão judicial deve dar-se através de um procedimento que se realiza com plena observância de um contraditório efetivo (qualificação do contraditório que se encontra expressa na parte final do art. O princípio do contraditório deve ser compreendido como uma dupla garantia (sendo que esses dois aspectos do contraditório se implicam mutuamente): a de par- ticipação com influência na formação do resultado e a de não surpresa.Normas fundamentais do Processo Civil 9 Em primeiro lugar, contraditório deve ser compreendido como a garantia que têm as partes de que participarão do procedimento destinado a produzir decisões que as afetem. Em outras palavras, O resultado do processo deve ser fruto de intenso de- bate e da efetiva participação dos interessados, não podendo ser produzido de forma solitária pelo juiz. Não se admite que resultado do processo seja fruto do solipsismo do juiz. Dito de outro modo: não é compatível com o modelo constitucional do pro- cesso que juiz produza uma decisão que não seja resultado do debate efetivado no processo. Não é por outra razão que, nos termos do art. 10, juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se te- nha dado às partes oportunidade manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício". A decisão judicial, portanto, precisa ser construída a partir de um debate travado entre os sujeitos participantes do processo. Qualquer fundamento de decisão precisa ser submetido ao crivo do contraditório, sendo assegurada oportunidade para que as partes se manifestem sobre todo e qualquer possível fundamento. Isso se aplica, inclusive, às matérias de ofício (como, por exemplo, a falta de legitimi- dade ou de interesse). Ser de ordem pública alguma matéria significa que pode ela ser apreciada de ofício, isto é, independentemente de ter sido suscitada por alguma das partes. Quer isto dizer, porém, que essas são matérias que juiz está autorizado a suscitar, trazer para debate. Autorização para conhecer de ofício, porém, não é autorização para decidir sem prévio contraditório. As questões de ordem pública, quando não deduzidas pelas par- tes, devem ser suscitadas pelo juiz, que não poderá sobre elas pronunciar-se sem antes dar oportunidade às partes para que se manifestem sobre elas. O modelo constitucional de processo impõe, assim, um processo comparticipa- tivo, policêntrico, não mais centrado na pessoa do juiz, mas que é conduzido por diversos sujeitos (partes, juiz, Ministério Público), todos eles igualmente importantes na construção do resultado da atividade processual. Consequência disso é assim chamado princípio da cooperação, consagrado no art. "Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva." Seria evidentemente uma ingenuidade acreditar que os sujeitos do processo vão se ajudar mutuamente. Afinal, litigantes são adversários, buscam resultados nicos, e seria absurdo acreditar que demandante vai ajudar demandado a obter um resultado que lhe interesse (ou vice-versa). Mas não é disso que se trata. da cooperação deve ser compreendido no sentido de que os sujeitos do processo vão "co-operar", operar juntos, trabalhar juntos na construção do resultado do processo. Em outros termos, os sujeitos do processo vão, todos, em conjunto, atuar ao longo do processo para que, com sua participação, legitimem resultado que através dele será alcançado. Só decisões judiciais construídas de forma comparticipativa por todos10 NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Câmara os sujeitos do contraditório são constitucionalmente legítimas e, por conseguinte, compatíveis com o Estado Democrático de Direito. O modelo de processo cooperativo, comparticipativo, exige de todos os seus su- jeitos de forma ética e leal, agindo de modo a evitar vícios capazes de levar à extinção do processo sem resolução do mérito, além de caber-lhes cumprir todos os deveres mútuos de esclarecimento e transparência (FPPC, enunciado 373). Sendo contraditório uma garantia de participação com influência, decisões ju- diciais contrárias a alguma das partes só são legítimas se produzidas com respeito a um contraditório prévio, efetivo e dinâmico. Não é por outra razão que o art. expressamente dispõe que "[n]ão se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida". Evidentemente, porém, é legítimo decidir a favor de uma das partes sem ouvi-la previamente, pois aí não haverá violação ao contraditório. Daí a legitimidade constitucional de se julgar improcedente o pedido liminarmente, sem prévia citação 332). É que nesse caso se decidirá a favor do réu sem ouvi-lo previamente; mas autor, contra quem se decide, terá sido ouvido anteriormente à prolação da sentença de improcedência liminar. O parágrafo único do art. 9°, porém, prevê três exceções à exigência de oitiva pré- via da parte contra quem se decide. A primeira exceção é a tutela provisória de urgência. Neste caso tem-se uma exceção legitimada pelo princípio constitucional do acesso à justiça, já que a urgência na obtenção da medida exige que esta seja deferida inaudita altera parte, sem oitiva da parte contrária, sob pena de, respeitada a exigência de oiti- va prévia da parte contra quem se decide, não ter a decisão qualquer efetividade. De todo modo, e por força do princípio da proporcionalidade, a exceção ao contraditório é estabelecida de forma a causar menor prejuízo possível. Daí por que a decisão con- cessiva de tutela de urgência que se profere inaudita altera parte é provisória, poden- do ser modificada ou revogada a qualquer tempo, após a efetivação do contraditório (art. 297). Não há, pois, uma supressão completa do contraditório, mas apenas sua postecipação, isto é, sua postergação para momento posterior. Há exceção à exigência de prévia oitiva da parte contra quem se decide também nos casos de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III. O primeiro desses casos é de demanda repetitiva, em que já há tese firmada em precedente vinculante em favor da pretensão deduzida pelo demandante, sendo suas alegações de fato comprováveis através de prova exclusivamente documental preconstituída. Trata-se, neste caso, de uma técnica de aceleração do resultado do processo, compatí- vel com princípio da duração razoável do processo, em casos em que já existe uma tese firmada em um precedente judicial que vincula o juízo competente para conhecer da causa. Mais uma vez, porém, é preciso ter claro que não se trata de uma decisão definitiva. O caráter provisório da decisão proferida inaudita altera parte, neste caso, é uma exigência do princípio do contraditório, uma vez que ao demandado, contra quem se terá proferido aquela decisão concessiva da tutela da evidência, deve ser assegurada a possibilidade de promover distinguishing, isto é, de demonstrar que oNormas caso submetido a julgamento é diferente daquele que gerou O precedente e, por isso, nele a tese firmada não deve ser aplicada (ou que é caso de operar-se overruling, a superação do precedente). A segunda hipótese em que se admite a concessão inaudita altera parte da tutela da evidência é a da demanda fundada em contrato de depósito, estando este comprovado documentalmente, caso em que será desde logo determinada a entrega da coisa, sob cominação de multa. Este é caso em que demandado é apontado como sendo depo- sitário infiel, assim entendido depositário que descumpre sua obrigação de restituir a coisa, com todos frutos e acrescidos, quando exija o depositante (art. 629 do Código Civil). Ora, se a lei civil impõe a devolução da coisa depositada tanto que depositante a exija, não haveria sentido em que direito processual civil não fosse capaz de prever mecanismos para a pronta restituição da coisa depositada, sob pena de frustrar-se O próprio direito material. Uma vez mais, porém, tem-se aí uma de- cisão provisória, sempre sendo possível ao demandado, após regular contraditório, demonstrar que não era caso de devolução do bem. último caso em que se admite a prolação de decisão judicial inaudita altera parte é da decisão que determina a expedição do mandado monitório (art. 701). Trata-se de decisão que integra, necessariamente, a estrutura do procedimento monitório, que tem entre suas características fundamentais que se costuma chamar de inversão de iniciativa do contraditório, já que neste caso só haverá contraditório pleno se O deman- dado optar por oferecer embargos (art. 702), sem os quais constituir-se-á de pleno direito título executivo judicial (art. 701, Consequência dessa percepção do contraditório como garantia de participação com influência é que deve ser ele, também, compreendido como uma garantia de não surpresa. Significa isto dizer que resultado do processo não pode ser tal que surpreen- da qualquer dos seus participantes. É que ocorre, por exemplo, quando se profere decisão acerca de uma questão de ordem pública suscitada de ofício sem que sobre ela se tenha garantido às partes oportunidade para prévia manifestação. Do mesmo modo, tem-se decisão surpresa naqueles casos em que juiz emite pronunciamento valendo-se de fundamento (de fato ou de direito) que não tenha sido submetido ao debate entre os participantes do processo. Sempre foi da cultura do processo civil brasileiro admitir-se a prolação de deci- fundadas em argumentos de direito que não tivessem sido submetidos a debate prévio. Era que se extraía da clássica parêmia da mihi factum, dabo tibi ius ("dá-me os fatos que te darei o direito"). É que tradicionalmente se acreditou que a incumbência das partes era apresentar ao juízo os fatos da causa, cabendo ao órgão jurisdicional es- tabelecer o direito aplicável. Ocorre que esta é uma forma de atuar incompatível com o Estado Constitucional, já que presa à ultrapassada ideia de que processo serve apenas para que Estado dê solução às causas que lhe são submetidas, construindo os resultados de forma solipsista. Este juiz solipsista, egoísta, que constrói a decisão judicial sozinho, é incompatível com Estado Democrático de Direito, qual exige12 NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Câmara que exercício do poder estatal se dê de forma comparticipativa, já que a participação da sociedade é um dos elementos integrantes dessa forma de Estado expressamente estabelecida pela Constituição da República. Assim, só é constitucionalmente legí- tima (ou, dito de outro modo, só é democrática) a decisão judicial construída em contraditório por todos os participantes do processo, aos quais incumbe debater todo e qualquer possível fundamento da decisão judicial. Não se admitem, portanto, as de- cisões chamadas "de terceira via", ou seja, as decisões baseadas em fundamento que juiz tenha "tirado da cartola", invocando-o de forma surpreendente, sem submetê-lo a prévio debate. Além do princípio do contraditório, incumbe também ao juiz assegurar a obser- vância do princípio da isonomia (art. caput e inciso I, da CRFB). É que art. es- tabelece que "[é] assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório". Isonomia, como provém de clássica lição, é tratar igualmente os iguais e desigualmen- te os desiguais, nos limites da desigualdade. Pois do princípio da isonomia devem ser extraídas duas ideias: primeiro, que as partes devem atuar no processo com paridade de armas (par conditio); segundo, que casos iguais devem ser tratados igualmente (to treat like cases alike). A paridade de armas garantida pelo princípio da isonomia implica dizer que no processo deve haver equilíbrio de forças entre as partes, de modo a evitar que uma delas se sagre vencedora no processo por ser mais do que a outra. Assim, no caso de partes que tenham forças equilibradas, deve tratamento a elas dispensado ser igual. De outro lado porém, partes desequilibradas não podem ser tratadas igual- mente, exigindo-se um tratamento diferenciado como forma de equilibrar as forças entre elas. É isso que justifica, por exemplo, a concessão do benefício da gratuidade de justiça aos que não podem-arcar com custo do processo (arts. 98 e seguintes); a distribuição dinâmica do ônus da prova nos casos em que haja dificuldade exces- siva, impossibilidade de sua produção ou maior facilidade na obtenção da prova do fato contrário (art. 373, § do benefício de prazo em dobro para os entes públicos (art. 183) etc. Já a exigência de que casos iguais sejam recebam decisões iguais nada mais é do que aplicação da norma constitucional que afirma a igualdade de todos perante a lei (art. da Constituição da República). Ora, se todos são iguais perante a lei, casos iguais devem receber soluções iguais. E este é um dos fundamentos a estabelecer a exigência de construção de um sistema em que se reconhece a eficácia vinculante de precedentes judiciais. Afinal, definida pelo tribunal competente qual é a norma jurídica aplicável a determinado tipo de situação (e por determinação da norma deve-se entender, evidentemente, a determinação da interpretação atribuída ao[s] texto[s] normativo[s], já que não se confunde texto com a norma, e esta é a interpretação atribuída ao texto), impende que casos iguais recebam a aplicação daNormas fundamentais do Processo Civil 13 mesma norma (ou seja, da mesma interpretação), sob pena de se ter soluções anti-iso- nômicas, com casos iguais sendo resolvidos diferentemente. Fosse isso legítimo e não se poderia dizer que são todos iguais perante a lei. Outros princípios que são expressamente referidos como normas fundamentais do processo civil são os da dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, razoabilidade, lega- lidade, publicidade e eficiência (art. princípio da dignidade da pessoa humana está posto no art. III, da CRFB. Deve-se entender por dignidade da pessoa humana a garantia de que cada pessoa natural será tratada como algo insubstituível, que deve ser reputada como um fim em si mesmo, tendo cada pessoa responsabilidade pelo sucesso de sua própria vida. Incumbe ao juiz - e aos demais sujeitos do processo garantir respeito à dignidade humana, assegurando valor intrínseco de cada vida que é trazida ao processo. Daí se infere, necessariamente, que aos sujeitos do preciso sempre ter claro que os titulares dos interesses em conflito são pessoas reais, cujas vidas serão afetadas pelo resultado do processo e que, por isso mesmo, têm direito de estabelecer suas estratégias processuais de acordo com aquilo que lhes pareça melhor para suas pró- prias vidas. É inadmissível tratar as partes como se não fossem pessoas meros dados estatísticos. Afinal, se para Judiciário cada processo pode parecer apenas mais um processo, para as partes cada processo pode ser único, mais relevante, aquele em que sua vida será decidida. E é dever do juiz assegurar que isto seja respeitado. Também se faz expressa referência no art. aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Estes são princípios cujo conteúdo ainda gera, na doutrina consti- tucional, tremenda controvérsia, sequer havendo consenso acerca de serem os termos razoabilidade e proporcionalidade sinônimos ou não. O STF tem invocado a razoa- bilidade e a proporcionalidade em diversas decisões, usualmente fazendo referência a eles como projeções, no plano substancial, do princípio do devido processo legal (substantive due process). princípio da legalidade deve ser entendido como uma exigência de que as de- cisões sejam tomadas com apoio no ordenamento jurídico. Não incumbe ao rio fazer a lei, mas interpretar e aplicar a lei que é democraticamente aprovada pelo Legislativo. Quem vai ao Judiciário busca ver seu caso solucionado de acordo com que consta do ordenamento jurídico, não tendo os juízes legitimidade para criar luções, segundo sua consciência ou seus valores pessoais, para os casos que lhes são submetidos. O papel criativo do juiz se limita à interpretação, a qual é evidentemente limitada por textos que ele não está legitimado a criar. Deve-se, pois, julgar cada causa submetida ao Judiciário conforme ordenamento jurídico vigente. De sua vez, princípio da publicidade exige que os atos processuais sejam prati- cados publicamente, sendo livre e universal ácesso ao local em que são praticados e aos autos onde estão documentados seus conteúdos. Esta é uma garantia de con- trolabilidade do processo, já que permite que toda a sociedade exerça um controle difuso sobre conteúdo dos atos processuais. Excepciona-se, porém, esta publicidade14 NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Câmara naqueles casos em que o processo tramita (ou algum ato processual tem de ser pra- ticado) em segredo de justiça (art. 189), em que é possível limitar-se o acesso ao ato processual às partes e seus procuradores e ao Ministério Público (art. 11, parágrafo art. 11 volta a fazer alusão ao princípio da publicidade ao afirmar que todos os julgamentos serão públicos. No Direito brasileiro há uma ampla publicidade do ato de julgar. Basta ver que são públicas as sessões de julgamento dos tribunais (algumas delas até transmitidas por via televisiva ou pela Internet), sendo permitido a qualquer pessoa presenciar o momento em que os juízes proferem seus votos. Esta é uma pe- culiaridade do Direito brasileiro, não se encontrando equivalente no Direito compara- do. De um modo geral, em outros lugares, o ato de julgar é sigiloso, posteriormente dando-se publicidade à decisão já proferida. De outro lado, no Brasil próprio ato de decidir é público. Por fim, art. faz menção ao princípio da eficiência. Este é princípio que tra- dicionalmente era conhecido como princípio da economia processual, e sua incidência no sistema processual decorre do art. 37 da CRFB. Pode-se compreender a economia processual como a exigência de que processo produza máximo de resultado com o mínimo de esforço. É este princípio que legitima institutos processuais como o li- tisconsórcio facultativo, a cumulação objetiva de demandas, a denunciação da lide etc. É que se deve entender por eficiência a razão entre resultado do processo e os meios empregados para sua obtenção. Quanto menos onerosos (em tempo e energias) os meios empregados para a produção do resultado (e desde que seja alcançado o resul- tado constitucionalmente legítimo), mais eficiente terá sido processo. O art. 11 (já mencionado por conta do princípio da publicidade) faz também alu- são ao princípio da fundamentação das decisões judiciais, que está consagrado no art. 93, IX, da Constituição. Todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, sob pena de nulidade. O CPC exige, concretizando o princípio constitucional, uma fundamentação subs- tancial das decisões. Não se admite a prolação de decisões falsamente motivadas ou com "simulacro de fundamentação". É o que se dá nos casos arrolados no § do art. 489, qual enumera uma série de casos de falsa fundamentação, as quais são expressamente equiparadas às decisões não fundamentadas (FPPC, enunciado 303: "As hipóteses descritas nos incisos do § do art. 489 são exemplificativas"). Assim, não se considera fundamentada a decisão que "se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida" Deste modo, não são aceitas, por falsamente fundamentadas, decisões que digam algo como "presentes os requisitos, defiro", ou "sendo provável a existência do direito alegado e havendo fundado receio de dano irreparável, defiro a tutela de urgência", ou qualquer outra a estas assemelhada. Do mesmo modo, é falsamente fundamentada a decisão que "empregar conceitos jurídicos indeterminados" (como razoável, proporcional ou interesse público) "sem explicar motivo concreto de sua incidência no caso".Normas fundamentais do Processo Civil 15 Também é nula por vício de fundamentação a decisão que "invocar motivos prestariam a justificar qualquer outra decisão". Assim por exemplo, é nula a decisão que, ao receber a petição inicial de uma demanda de improbidade administrativa, o faz com apoio no "fundamento" segundo qual tal recebimento deve se dar em defesa dos interesses da sociedade, não tendo o demandado demonstrado de forma definitiva que não ocorreu qualquer ato improbo, motivo pelo qual deve incidir "princípio" in dubio pro societate. Decisão como esta, a rigor, poderia ser utilizada em qualquer caso. E decisão que serve para qualquer caso, na verdade, não serve para caso algum. É nula, decisão que "não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador" (art. 489, IV). Este caso de vício de fundamentação demonstra, de modo muito claro, a intrínseca ligação existente entre princípio da fundamentação das decisões e princípio do contraditório. É que este princípio assegura aos sujeitos do processo participação ampla no debate destinado a construir a decisão. Daí se precisa extrair, então, que princípio do contraditório não garante às partes só direito de falar, mas também direito de ser ouvido. Ora, não haverá contraditório efetivo e dinâmico se os argumentos deduzidos pelas partes não forem levados em consideração na decisão judicial. Impende, então, que órgão jurisdicional leve em conta todos os argumentos suscitados pelas partes e que sejam capazes, em tese, de levar a uma decisão favorável. Isto combate o vício de muitos tribunais brasileiros de afirmar algo como juiz não está obrigado a examinar todos os fundamentos suscitados pelas partes, bastando encontrar um fundamento suficiente para justificar a decisão". Esta é postura que cla- ramente viola o princípio do contraditório e, portanto, é frontalmente contrária ao mo- delo constitucional de processo civil brasileiro. É claro que tendo órgão jurisdicional encontrado um fundamento suficiente para decidir favoravelmente a uma das partes, não há qualquer utilidade (e, portanto, não há interesse) em que sejam examinados outros fundamentos deduzidos pela parte e que também levariam a um resultado a ela favorável. Afinal, estes outros fundamentos não poderiam levar a um resultado distinto do já alcançado. Há, porém, necessidade de exame de todos os fundamentos deduzidos pela parte contrária e que, em tese, seriam capazes de levar a um resultado distinto. Em outros termos, é direito da parte ver na decisão que lhe é desfavorável a exposição dos motivos que levaram à rejeição de todos os fundamentos que suscitou em seu favor. Só assim se poderá afirmar que sua participação no processo de forma- ção da decisão foi relevante, que ela foi ouvida (ainda que não tenha sido atendida) e, portanto, que foi plenamente respeitada sua participação em contraditório. Também há vício de fundamentação na decisão judicial que "se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinan- tes nem demonstrar que caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos". Este é tema a que se voltará mais cuidadosamente adiante, no capítulo dedicado ao estu- do dos precedentes judiciais. De todo modo, não se pode agora deixar de dizer que princípio da fundamentação das decisões é afrontado em casos nos quais órgão16 NOVO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO Câmara jurisdicional se limita a indicar ementas de outros acórdãos em que teriam sido decidi- dos casos iguais ou análogos. A mera indicação de ementas não é correta invocação de precedentes. Impõe-se a precisa indicação dos fundamentos determinantes (rationes decidendi) da decisão invocada como precedente, com a precisa demonstração de que os casos (o precedente e o agora decidido) guardam identidade que justifique a apli- cação do precedente. Há, por fim, vício de fundamentação na decisão judicial que "deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem de- monstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do enten- dimento". Mais uma vez se tem aqui uma hipótese cujo exame aprofundado deve dar-se no capítulo dedicado ao estudo dos precedentes. De toda maneira, impende agora deixar claro que não estará legitimamente (constitucionalmente) fundamentada a decisão judicial que, em caso no qual a parte tenha invocado algum precedente (ou enunciado de súmula, ou jurisprudência predominante) que lhe favoreça, deixe de in- dicar os motivos pelos quais dele se afasta, apontando a distinção entre precedente e o caso agora examinado (distinguishing) ou a superação do entendimento adotado no precedente (overruling). Conclui-se capítulo das normas fundamentais do processo civil com um dispositivo (art. 12) destinado a estabelecer a exigência de que os órgãos jurisdicionais profiram suas sentenças e acórdãos obedecendo a uma ordem cronológica de conclusão. A fim de assegurar respeito a essa exigência, dispõe § 1° que a secretaria do órgão juris- dicional elaborará uma lista de processos aptos a julgamento (o que, na linguagem forense, sempre se chamou de "processos conclusos para sentença"), a qual deverá estar disponível para consulta pública em cartório e na Internet. Assim, incumbe ao juiz ou tribunal proferir suas sentenças (mas não necessa- riamente as decisões interlocutórias) ou acórdãos segundo a ordem cronológica em que os autos tenham sido enviados à conclusão. Ficam excluídos dessa regra, porém (art. 12, § as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos; próprio julgamento de casos repetitivos; as decisões de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 485); as decisões monocráticas proferidas nos tribunais pelo relator (art. 932); julgamento de embargos de declaração e de agravo interno; as preferências legais (como é caso do processo em que é parte idoso, ou os processos de habeas corpus) e os casos em que haja meta, estabelecida pelo CNJ, a cumprir; os processos criminais (quando órgão jurisdicional tiver competência e criminal); e as causas que exi- jam urgência na prolação da decisão, assim reconhecida expressamente por decisão fundamentada. Vale apenas referir, com relação a uma dessas exceções (a das decisões mono- cráticas proferidas pelo relator nos tribunais), que esta deve ser entendida modus in rebus. Quer-se com isto dizer que devem existir duas ordens cronológicas distintas deNormas fundamentais do Processo Civil 17 conclusão (isto é, duas filas a serem observadas): uma para as decisões monocráticas (que devem ser proferidas em ordem cronológica de conclusão, observadas as demais exceções previstas no do art. 12); outra para os acórdãos, devendo os processos ser incluídos na pauta de julgamento para apreciação pelo colegiado observando-se a ordem cronológica de conclusão ao relator (sempre observadas as expressa- mente previstas). O nítido objetivo aqui é evitar favorecimentos, de modo que um processo, por qualquer razão, tenha andamento mais rápido que outro, sendo decidido primeiro, não obstante tenham os autos ido posteriormente à conclusão. Impende ter claro, porém, que apenas a decisão final do procedimento (tanto na primeira instância como nos tribunais) se submete à regra da ordem cronológica. Decisões interlocutórias (mesmo nos tribunais, como é o caso da decisão do relator que atribui efeito suspensivo a um recurso) não "entram na fila", bastando nesses casos a observância dos prazos estabelecidos pela lei processual para que as decisões sejam proferidas.