Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

3 CENÁRIO DA PARTICIPAÇÃO EM PRÁTICAS DE GESTÃO DA COISA PÚBLICA NO BRASIL NO FINAL DO MILÊNIO: as mudanças no caráter do associativismo e nas políticas públicas No Brasil, a questão da participação política é um tema presente desde o tempo de lutas da Colônia contra a me- trópole, passando pelas lutas contra a escravidão e pelo sindicalismo anarquista nas primeiras décadas deste sé- culo. A participação política, estimulada por políticas pú- blicas estatais, surge a partir da "idéia da participação co- munitária [...] no início deste século, como um compo- nente ideológico e prático do movimento dos centros co- munitários de saúde norte-americanos. [...] Tal movimen- to nasce com o propósito de, no âmbito da assistência sa- nitária a indivíduos e grupos, dar resposta ao crescentemente grave problema da relação entre pobreza e doença. [...] Na América Latina a proposta teve pouca repercussão na época. [...] Nos anos 50, aparece a propos- ta de 'desenvolvimento da comunidade', criada por insti- tuições americanas envolvidas com a política de ajuda e sedução a países subdesenvolvidos no contexto da guerra fria" (Carvalho, 1995:16). A literatura sobre as políticas de desenvolvimento de comunidade já é extensa no Brasil (vide Wanderley, 1995). o importante a ser extraído da- quelas políticas é a concepção instrumental que as orien- 49participação era pensada como incorporação dos in- ações previamente elaboradas pelas autori- livres, com legítimos representantes da sociedade civil, eram dades ou grupos de missionários que desenvolviam pro- os objetivos centrais de todas as ações. A temática da parti- gramas assistenciais nas comunidades. cipação era vista associada à organização política dos tra- balhadores, devendo atender a dois princípios importantes: A participação dos indivíduos nos processos de elabo- ração de estratégias e de tomada de decisão só irá apare- 1. esclarecer e ordenar o que reivindicar e que direitos conquistar; cer na década de 1980, em propostas associadas aos movi- mentos populares, em atuação conjunta com comunidades 2. estabelecer formas de arregimentação de forças po- eclesiais de base, oposições sindicais, algumas categorias líticas próprias que sustentem as reivindicações e a con- profissionais do funcionalismo público, associações de quista dos direitos. moradores etc. termo recorrente era participação popu- Vários pesquisadores trabalharam com a categoria da e a categoria central era a das classes populares que participação como imperativo nas relações sociais vigen- remetia à de "povo" figura genérica, carente de estatu- tes, como forma de democratizar o Estado e seus apare- to teórico, bastante criticada na literatura das ciências so- Participação se tornou um dos principais termos A participação popular foi definida, naquele perío- articuladores no repertório das demandas e movimentos. do, como esforços organizados para aumentar o controle Demo (1988) assinalou, naquela época, que a participa- sobre os recursos e as instituições que controlavam a vida ção envolve mais do que a demanda: envolve a criação de em sociedade. Esses esforços deveriam partir fundamen- canais; disso resultou a discussão sobre como e quais seri- talmente da sociedade civil organizada em movimentos e am esses canais. Já se começava a delinear uma discussão associações comunitárias. povo, os excluídos dos a respeito dos conselhos: que canais, com que qualidade e culos do poder dominante, eram os agentes e os atores como participar. debate denotava a passagem de uma básicos da participação popular. Foi um período de luta fase da participação como simples pressão pela demanda nacional pelo acesso e reconhecimento dos direitos sociais, de um bem para outra fase, em que havia certa qualifica- econômicos e políticos dos setores populares. No plano ção da participação. mais geral, buscava-se o direito de eleger representantes Em termos da teoria política, o referencial fundava-se para cargos públicos, o direito de se manifestar e de se em concepções estratégicas, objetivando a tomada dos organizar livremente. Tratava-se de mudar as regras do aparelhos do Estado e sua democratização. A mobilização controle social e de alterar a forma de fazer política no da sociedade civil era parte de um plano de criação e de- O clamor à participação era geral e não se restringia senvolvimento de uma cultura de contra hegemonia à or- aos setores populares. As demandas marcaram um perío- dem dominante. Guerra de posição e guerra de movimen- do de ciclo de protestos e mobilizações em busca da de- to eram duas categorias chaves que formavam e informa- mocratização da sociedade brasileira, ao final da década vam sentido e a direção que muitas lideranças impri- de fim do regime militar e a volta de eleições miam aos movimentos e às organizações populares. 50 51Contrastando com os fundamentos teóricos que alimen- tes, na época, em grande escala, ao PMDB (Partido do tavam projeto de redemocratização, advindo em boa parte Movimento Democrático Brasileiro). Com o exercício das de concepções da esquerda, o conceito de participação novas práticas, também vieram as dificuldades, os limites continha, na prática, bases liberais, pois era vista como e as novas exigências dadas pela nova conjuntura econô- sinônimo de pressão popular encaminhada diretamente aos mica, social e política. Várias dessas dificuldades decor- órgãos públicos, particularmente às prefeituras. poder riam de problemas enraizados na própria cultura política de decisão, de responder ou não àquelas demandas, era do nacional, em que predominam valores como o clientelismo; mandatário local. Participar era interpretado de uma for- o paternalismo; o método de resolução de negócios públi- ma um tanto mecanicista, pois se restringia a uma aspira- cos por meio de procedimentos diretos, privilegiando in- ção à criação de canais, de organizações e de estruturas teresses particulares; a descrença na eficácia das leis, por- que viabilizassem a presença física de representantes da que, usualmente, elas só são aplicadas aos pobres e fracos sociedade civil nas estruturas estatais. "Participar era ter como mecanismo punitivo; a mania nacional de uso da "lei gente lá." de Gerson", de só levar vantagem, gerando processos como Na década de 1980, o cenário se altera. A despeito da a naturalização da corrupção como mais uma forma de le- desvalorização que a mídia em geral atribuiu ao período, var vantagem; o machismo predominante nos países de várias conquistas se efetivaram. Dentre elas destacamos cultura luso-espanhola; e a valorização das estruturas duas: primeiro, a constituição de um campo democrático corporativas, nos aspectos de vícios e privilégios que elas no seio da sociedade civil, formado por movimentos po- carregam etc. pulares; por movimentos sociais pluriclassistas, como o Ainda que parte das lideranças das estruturas colegiadas de mulheres, de negros, de ecológicos etc.; por lideranças não se pautasse por tais valores e buscasse fincar raízes das novas centrais sindicais; por parlamentares e partidos em referenciais democráticos, procurando elaborar políticos oposicionistas; por entidades profissionais com- cas alternativas àquelas que tradicionalmente o Estado ela- prometidas com a democracia; e por ONGs então emergen- borava, era muito difícil controlar processos sociais aber- na cena política nacional. novo campo democrático tos com a participação de matrizes político-partidárias desenvolveu uma cultura política de mobilização e de pres- variadas, no sentido de garantir a prevalência de novos são direta, como prática principal para viabilizar o encami- valores e práticas. Estávamos em uma fase de transição, nhamento das demandas que compunham suas agendas. em que as estruturas de participação foram sendo Segundo, a conquista de canais de participação da po- construídas a partir de arcabouços institucionais existen- pulação em assuntos que diziam respeito a coisa pública. tes, velhos e carcomidos pelos longos anos de práticas A criação desses novos canais colocou os sujeitos populistas, seguida pelas tortuosas e penosas décadas da demandatários em novas arenas de luta no interior dos ditadura militar. Acrescente-se ainda que as alianças polí- gãos nas salas e gabinetes estatais. Tratava-se de tico-partidárias dos que estavam no poder impunham li- saber negociar com os governos constituídos, pertencen- mites e constrangimentos a uma participação efetiva dos 52 53grupos e representantes da população nas estruturas que estavam engajados na busca de redemocratização do colegiadas arquitetadas. Em muitos casos, o processo se Estado, inicialmente o processo concentrou-se na questão resumiu a um grande discurso e a uma prática fantas- dos conselhos, priorizando no debate a dicotomia do cará- arquitetada de cima para baixo, objetivando le- ter que deveriam ter: consultivo, para auscultar a popula- gitimar um pseudoprocesso democrático em curso; e, em ção, ou normativo/representativo, com poder de decisão. outros, as organizações populares eram convidadas a par- Firmaram-se as primeiras experiências de conselhos.de ges- ticipar com objetivo de utilizá-las como via de tão da coisa pública em uma ampla gama de tipos, que ia agenciamento e engajamento da população na realização dos conselhos comunitários aos conselhos de escola; da de pequenas obras de baixa qualidade habitacional e pe- saúde às câmaras de gestão de setores variados, como trans- queno custo econômico. Alto custo social, pois exigia tem- portes, conselhos da condição feminina, do negro etc. E po e energia, implicando horas de trabalho gratuito. Gran- esta ampla gama de experiências funcionava paralelamen- de retorno político aos seus fomentadores, pois as propos- te aos conselhos populares dos movimentos sociais, pro- tas eram decididas e administradas pelas autoridades cons- vocando grande confusão toda vez que essas duas formas de participação e de representação se cruzavam, pois a dos A idéia básica presente nas políticas de participação conselhos populares se fundava nos princípios da partici- popular nos anos 1980 era a de que elas deveriam ser in- pação direta, e a dos conselhos comunitários e outros eram corporadas ao planejamento administrativo, desde que se articuladas pelos poderes públicos segundo critérios de considerasse planejamento de forma diversa da que pre- representatividade que supunham a participação indireta. dominou durante os anos 1970, ou seja, que ele não se cruzamento das duas formas só irá aparecer nos anos realiza de cima para baixo nem de fora para dentro. Não 1990, nas novas redes associativas. se tratava, também, de estimular meros debates. plane- o eixo articulatório central da temática da participação jamento participativo era um processo de relação entre o ainda continuou a ser, nos anos 1980, o da ocupação de governo e a comunidade. A comunidade era vista em ter- espaços físicos para que se fizessem ouvir outras vozes mos de forças populares que, por meio de mecanismos de além da dos que estavam no poder, para que se democrati- atuação política, poderiam realizar uma participação con- zasse a sociedade incluindo a diferença. Esse tipo de luta creta no exercício do poder. Quando se reivindica partici- se concentrava em duas direções: junto às administrações pação popular está se reivindicando a participação do povo locais, como grupo de pressão junto aos governantes e a nas decisões do poder político. Participação não para dis- representantes do Legislativo federal, na busca de se cons- cutir planejamento com técnicos, mas para beneficiar-se truir uma nova institucionalidade para o país que contem- do planejamento programado em razão de sua força no plasse novas leis, mais democráticas, que institucionali- contexto do poder. zassem os canais de participação. Assim, a conjuntura política dos anos 1980 construiu No decorrer dos anos 1980, o termo participação tor- outras dimensões para a categoria participação. Para os nou-se jargão popular, acabou apropriado por discursos 54 55políticos conservadores e foi referência obrigatória a todo sim a do conjunto de indivíduos e grupos sociais, cuja plano, projeto ou política governamental como sinônimo diversidade de interesses e projetos integra a cidadania e de descentralização, que na realidade não era descentra- disputa com igual legitimidade espaço e atendimento pelo lização, mas sim desconcentração, em oposição à centrali- aparelho estatal" (vide Carvalho, 1995:25). Trata-se de zação dos regimes militares. Perdeu sua força como cate- práticas que rompem com uma tradição de distanciamento goria explicativa nos processos sociopolíticos novos que entre a esfera em que as decisões são tomadas e os locais vinham ocorrendo na sociedade civil, na medida em que o onde ocorre a participação da população. conceito de processo de democratização se generalizou na América participação cidadã está lastreado na universalização dos Latina nessa fase da transição política. direitos sociais, na ampliação do conceito de cidadania e em uma nova compreensão sobre o papel e o caráter do Estado, remetendo à definição das prioridades nas Anos 1990: surgimento de um novo paradigma cas públicas a partir de um debate público. A participação na gestão dos bens públicos passa a ser concebida como intervenção social periódica e planejada, ao longo de todo o circuito de formulação e Sabemos que, ao final dos anos 1980, parcelas da opo- implementação de uma política pública, porque toda a sição política às elites tradicionais brasileiras ascenderam fase passa a ser dada nas políticas públicas. Portanto, não ao poder em várias cidades e no governo de alguns esta- será apenas a sociedade civil a grande dinamizadora dos dos. Esse fato é de suma importância, porque ele possibi- canais de participação, mas também as políticas públicas. litou requalificar a temática da participação em outras di- A principal característica desse tipo de participação é a mensões, que dizem respeito ao aprofundamento da de- tendência à institucionalização, entendida como inclusão mocracia; à construção de um novo paradigma; às ações no arcabouço jurídico institucional do Estado, a partir de coletivas baseadas na categoria da cidadania; e à constru- estruturas de representação criadas, compostas por repre- ção de novos espaços de participação, lastreados não em sentantes eleitos diretamente pela sociedade de onde eles estruturas físicas, mas em relações sociais novas que se provêm. Os conselhos gestores, que serão tratados adian- colocam entre o público e o privado, originando o público te, são os maiores exemplos. Isto implica a existência do não-estatal. Participação comunitária e participação po- confronto (que se supõe democrático) entre diferentes po- pular cedem lugar a duas novas denominações: participa- sições político-ideológicas e projetos sociais. Todas as de- ção e participação social. mandas são, em princípio, tidas como legítimas. Os novos Na participação cidadã, a categoria central deixa de ser sujeitos políticos se constróem por meio de interpelações a comunidade ou o povo e passa a ser a sociedade. "A recíprocas. participação pretendida não é mais a de grupos excluídos Algumas experiências de participação cidadã se nota- por disfunção do sistema (comunidades) nem a de grupos bilizaram na década de 1990, a exemplo das levadas a efeito excluídos pela lógica do sistema (povo marginalizado), e junto às administrações eleitas com o apoio do Partido dos 56 57Trabalhadores. entendimento da nova forma de partici- ticipação social, encontramos o conceito de mobilização pação deve ser feito nos marcos do entendimento das no- com conteúdos ressignificados, assim como se redefine o vas estruturas de representação, mas eles atuam em redes caráter da militância nas várias formas de participação exis- e se constituem como atores coletivos. Eles são compos- tentes. A mobilização social passa a ser vista não como a tos por movimentos, ONGs de variados tipos, departamen- aglutinação de pessoas para fins de protestos, manifesta- tos de universidades, entidades de classe que apóiam as ções públicas (como passeatas, concentrações etc.), mas camadas populares, setores de órgãos públicos que desen- como energias a serem canalizadas para objetivos comuns. volvem trabalhos em parceria com entidades populares "A mobilização ocorre quando um grupo de pessoas, uma voltados para a população, pequenas empresas organiza- comunidade, uma sociedade decide e age com um objeti- das sob a forma de cooperativas, federações, fundações comum, buscando, cotidianamente, os resultados dese- etc. Na realidade, são atores que já estiveram presentes jados por todos" (Toro, 2000:12). Observa-se que há um nos anos 1980 nas políticas dos conselhos. Só que, da for- total e completo esvaziamento do conteúdo político da ma como eles estão articulados, seus objetivos, constitui- mobilização e a sua transfiguração em processo para atin- ção jurídica, dinâmica de trabalho, papel na relação socie- gir resultados. novo conceito de mobilização passa a ser dade-estado são totalmente distintos hoje, conferindo novo uma das diretrizes básicas preconizadas nos programas para caráter à coalizão de forças que formava o campo popular uma gestão participativa desenvolvidos pelas novas ONGs nos anos 1980. Sem o entendimento dessas novas formas do Terceiro Setor. de representação, é impossível perceber as alterações em A abordagem sobre a participação social segue a trilha relação à década de 1980, até porque algumas dessas for- de questões clássicas nos estudos norte-americanos sobre mas não desapareceram. Resulta que as formas originárias a ação coletiva (vide Gohn, 1997): como motivar as pes- dos anos 1980 estão bastante modificadas. A direção ge- soas a se envolverem com a comunidade, com a vida da ral das ações coletivas caminha no sentido do chamado escola, de seu bairro etc. Outra categoria ganha empowerment, o empoderamento de grupos e indivíduos cia na ressignificação dos conceitos: a de pertencer, en- via a capacitação política e organizacional, que leva ao tendida como um sentimento de identidade que gera moti- resgate/crescimento da auto-estima e à construção da iden- vação. Os autores que tratam o tema sugerem que se deve tidade, assim como ao acesso a oportunidades de emprego envolver os atores mais motivados e disponíveis para um e geração de renda, itens de grande relevância em uma processo participativo. Outra dimensão da participação so- conjuntura de desemprego. empoderamento torna mais cial na política contemporânea é a redefinição do concei- fácil, também, o acesso aos serviços públicos, devido à to de solidariedade e de trabalho voluntário fora dos difusão de informações que gera. marcos filantrópicos e articulado às novas redes de socia- A participação social não representa um sujeito social bilidade. "Isto se reflete drasticamente nas associações específico, mas se constrói como um modelo de relação voluntárias. bom vizinho agora é substituído pelo vo- geral/ideal, na relação sociedade/Estado. No centro da par- luntário em uma ONG, em um trabalho que não se centra 58 59questões específicas da comunidade, mas na idéia de meninos e meninas morando nas ruas levou ao surgimento um serviço prestado a uma causa mais geral, como juven- de inúmeras ONGs para cuidar deles; oficinas e cooperati- tude, drogas, homeless, por exemplo. Os laços sociais que vas foram estruturadas em vários setores da economia para unem os indivíduos que participam não se localizam pre- viabilizar a produção de pequenos negócios e enfrentar a ponderantemente em estruturações identitárias baseadas no concorrência com preços competitivos. Levantamento reali- território (vizinhança), local de trabalho ou outros funda- zado pela ABONG Associação Brasileira de Organi- dos principalmente em laços fortes. São, antes de tudo, zações Não Governamentais revela que 70% das ONGs identidades construídas a partir de reconhecimento difuso realizam algum tipo de atividade educacional, sendo uma do eu e do outro, que traspassa rígidas fronteiras de socia- boa parte desenvolvida em parceria com instituições mu- bilidade antes predominantes, definidoras, por exemplo, das nicipais ou estaduais, o que se destaca nas políticas soci- identidades de classe e de nação" (Fontes, 2000:256-57). ais que envolvem parcerias entre órgãos públicos e ONGs. A abordagem da participação lastreada no desenvolvi- Entretanto, o tipo de ação das ONGs e a não- mento de uma cultura cívica (Putnam, 1996; Santos Júnior, obrigatoriedade delas com o universal tornam as entida- 2001) preconiza o desenvolvimento de comunidades atuan- des do Terceiro Setor muito localizadas. Para uns, isso é tes, compostas de organizações autônomas da sociedade positivo, pois conseguem fazer o que os órgãos governa- civil, imbuídas de espírito público, com relações sociais mentais não conseguem. Para outros, é negativo: o com- igualitárias e estruturas fincadas na confiança e na cola- promisso é localizado, focal, não há o desenvolvimento de boração, articuladas em redes horizontais. Essas comuni- uma consciência de cidadania real, de um cidadão ativo e dades são vistas como mecanismos poderosos de pleno de direitos. Há a modelagem de um cidadão passi- integração e habilitação dos cidadãos excluídos, por múl- vo, cliente/usuário de políticas sociais compensatórias. tiplas razões, do acesso aos direitos sociais e políticos; os o cenário das ONGs e do Terceiro Setor em geral se autores acima destacam ainda a importância dessas comu- complica, porque ao lado das entidades com perfil demo- nidades para a formação e desenvolvimento do capital so- crático, outras organizações voltadas inteiramente para o cial de uma dada região. Nessa abordagem, o capital social lucro se instalam e buscam se apropriar das mesmas polí- é tão importante quanto o capital econômico, pelo fato ticas e incentivos. o próprio poder público federal alterou dele gerar inovações, contribuir para minorar as desigual- sua forma de tratar o desemprego e passou a estimular, por dades existentes e aprofundar o processo democrático, ao intermédio do Ministério do Trabalho e outros, a geração ampliar a esfera pública demarcando-a com práticas de pequenos empregos ou a formação de pessoal para atuar associativistas igualitárias e de caráter solidário. no setor de prestação de serviços. Essas ações se baseiam A desativação de várias funções, antes desempenhadas no tripé governo, iniciativa privada (leia-se associações diretamente pelas estruturas estatais, levou ao surgimento patronais), entidades e organizações populares, incluin- de arenas novas, dadas pelas parcerias entre o público e o do-se os sindicatos de trabalhadores. Formam-se, assim, privado-comunitário. Na sociedade civil, o cenário de frentes coletivas com parceria entre atores que, em passa- 60 61em questões específicas da comunidade, mas na idéia de meninos e meninas morando nas ruas levou ao surgimento um serviço prestado a uma causa mais geral, como juven- de inúmeras ONGs para cuidar deles; oficinas e cooperati- tude, drogas, homeless, por exemplo. Os laços sociais que vas foram estruturadas em vários setores da economia para unem os indivíduos que participam não se localizam pre- viabilizar a produção de pequenos negócios e enfrentar a ponderantemente em estruturações identitárias baseadas no concorrência com preços competitivos. Levantamento reali- território (vizinhança), local de trabalho ou outros funda- zado pela ABONG Associação Brasileira de Organi- dos principalmente em laços fortes. São, antes de tudo, zações Não Governamentais revela que 70% das ONGs identidades construídas a partir de reconhecimento difuso realizam algum tipo de atividade educacional, sendo uma do eu e do outro, que traspassa rígidas fronteiras de socia- boa parte desenvolvida em parceria com instituições mu- bilidade antes predominantes, definidoras, por exemplo, das nicipais ou estaduais, o que se destaca nas políticas soci- identidades de classe e de nação" (Fontes, 2000:256-57). ais que envolvem parcerias entre órgãos públicos e ONGs. A abordagem da participação lastreada no desenvolvi- Entretanto, o tipo de ação das ONGs e a não- mento de uma cultura cívica (Putnam, 1996; Santos Júnior, obrigatoriedade delas com o universal tornam as entida- 2001) preconiza o desenvolvimento de comunidades atuan- des do Terceiro Setor muito localizadas. Para uns, isso é tes, compostas de organizações autônomas da sociedade positivo, pois conseguem fazer o que os órgãos governa- civil, imbuídas de espírito público, com relações sociais mentais não conseguem. Para outros, é negativo: o com- igualitárias e estruturas fincadas na confiança e na cola- promisso é localizado, focal, não há o desenvolvimento de boração, articuladas em redes horizontais. Essas comuni- uma consciência de cidadania real, de um cidadão ativo e dades são vistas como mecanismos poderosos de pleno de direitos. Há a modelagem de um cidadão passi- integração e habilitação dos cidadãos excluídos, por múl- vo, cliente/usuário de políticas sociais compensatórias. tiplas razões, do acesso aos direitos sociais e políticos; os o cenário das ONGs e do Terceiro Setor em geral se autores acima destacam ainda a importância dessas comu- complica, porque ao lado das entidades com perfil demo- nidades para a formação e desenvolvimento do capital so- crático, outras organizações voltadas inteiramente para o cial de uma dada região. Nessa abordagem, o capital social lucro se instalam e buscam se apropriar das mesmas polí- é tão importante quanto o capital econômico, pelo fato ticas e incentivos. o próprio poder público federal alterou dele gerar inovações, contribuir para minorar as desigual- sua forma de tratar o desemprego e passou a estimular, por dades existentes e aprofundar o processo democrático, ao intermédio do Ministério do Trabalho e outros, a geração ampliar a esfera pública demarcando-a com práticas de pequenos empregos ou a formação de pessoal para atuar associativistas igualitárias e de caráter no setor de prestação de serviços. Essas ações se baseiam A desativação de várias funções, antes desempenhadas no tripé governo, iniciativa privada (leia-se associações diretamente pelas estruturas estatais, levou ao surgimento patronais), entidades e organizações populares, incluin- de arenas novas, dadas pelas parcerias entre o público e o do-se os sindicatos de trabalhadores. Formam-se, assim, privado-comunitário. Na sociedade civil, o cenário de frentes coletivas com parceria entre atores que, em passa- 60 61do recente, estavam em luta. E os programas acontecem frequentam shoppings que transformaram praças de lazer porque são destinadas verbas para tal. e de alimentação, festas etc. A natureza desse associativis- Em resumo, este cenário conturbado e contraditório, mo é muito peculiar, pois é motivado, de um lado, por um que as experiências alternativas já não se restringem à espírito de agregação comunitário, um "nós" que se traduz criatividade do campo democrático popular e se por uma identidade de interesses comuns; mas, por outro institucionalizam também como políticas focalizadas, lado, o associativismo é estimulado também por uma bus- muitas vezes manipulatórias ou compensatórias, partici- ca de satisfação pessoal, pelo "eu", por propósitos indivi- par de fóruns, espaços e canais de intermediação dos pro- duais. cessos de parceria entre o governo e a população tem o Tornemos agora a mais uma dimensão do local: a eco- significado atual de participar de lutas de resistência. Mas lógico-ambiental. Embora ela afete a todos no plano geral, O grande fator dinamizador das forças de resistência aos é no local que ganhou destaque, porque sua percepção é efeitos devastadores da globalização da economia advém maior nesse nível. A vertente que se ocupa do desenvolvi- de uma categoria de múltiplas dimensões, no passado con- mento auto-sustentado das comunidades locais, sem de- siderada símbolo de conservadorismo social, que é a cate- vastar campos, matas e florestas; sem poluir os rios, ocea- goria local e no seu interior poder local, conforme já nos e todas as águas correntes existentes, preservando a tratado no capítulo anterior. A volta do processo eleitoral fauna e a flora, transformou algumas localidades em san- em todas as localidades brasileiras possibilitou o acesso tuários da humanidade, e a luta pela sua preservação em de representantes do campo democrático ao poder executi- um problema nacional. e tornou possível reverter o significado da então usual Mas todo esse processo de mudança no cenário da par- apropriação privada, que sempre caracterizou os manda- ticipação não tem sido gerado espontaneamente nem de tários das administrações municipais. ato de tornar pú- forma harmoniosa. Dois fatores devem ser destacados. Pri- blicas as informações relativas aos negócios do Estado, meiro, já havia uma herança anterior acumulada de expe- barreira e pedra de toque na questão do monopólio do riências de participação, advinda do campo democrático poder, pôde ser implementado, assim como experiências assinalado anteriormente, em particular aquelas desenvol- envolvendo a participação da população. vidas pelos movimentos sociais e pelas organizações de A dimensão do social em nível local sofreu transforma- assessoria. Foram experiências que forneceram patama- ções, que devem ser vistas do ponto de vista sociocultural res referenciais e alimentaram as novas práticas. Segun- e político-ideológico pois a esfera afetada foi a do associati- do, foi necessário ter vontade política para que um novo vismo. Novas formas de sociabilidade emergiram, princi- espaço público, de caráter não-estatal, se implantasse. Esse palmente as relativas ao lazer e à cultura. Os indivíduos, espaço surgiu como um agente de mudança, de decisão, e de forma geral, passaram a ser consumidores de espaços foi preciso construir regras de institucionalidade bem cla- geradores de sociabilidade em academias esportivas, as- ras para que os mecanismos de participação, de caráter sociações culturais, clubes, círculos, tribos diversas que democrático, viessem a operar. 62 63Entretanto, exercício da democracia, em nome da ci- dadania de todos, é um processo, não uma engenharia de regras. Como tal, ele demanda tempo, é construído por etapas de aproximações sucessivas, em que o erro é (ou deveria ser) tão pedagógico quanto o acerto. Desenhar es- paços participativos e construir a institucionalidade cor- respondente, de forma que respeite a diversidade, seja plu- ral, aberto às identidades de cada grupo/organização/mo- vimento, exige articulações políticas que superem os faccionismos e costurem alianças objetivando atingir de- terminadas metas. 64selheiros; incluíam-se os jovens de 16 anos porque eles podem votar; os CRs funcionariam como um colegiado sem presidente, mas com coordenadores temáticos. Pela proposta, o conselho é organizado por câmaras temáticas e constitui um fórum competente de elaboração do orça- mento participativo (OP). A proposta destaca ainda que os CRs não substituiriam os demais conselhos de direitos existentes, nem os delegados do OP. o IEA/USP, em um de seus debates, listou as princi- pais questões sobre os CRs, que iam de uma melhor defi- nição de seu caráter e natureza a pontos relativos ao seu funcionamento, em termos de estrutura, composição, atri- buições, forma de provimento, tempo de mandato, núme- ro de membros, das reuniões, horários de fun- cionamento, modo de funcionamento interno, prazos, eta- pas e critérios para implantação etc. Em janeiro de 2001, a comissão da USP apresentou uma proposta de CRs à Câ- mara dos Vereadores de São Paulo. 82tos para seu exercício via a democracia participativa. Leis atuam. Eles são compostos, portanto, por representantes orgânicas específicas, pós-1988, passaram a regulamentar do poder público e da sociedade civil organizada. direito constitucional à participação por meio de conse- Os conselhos gestores são diferentes dos conselhos co- lhos deliberativos, de composição paritária, entre repre- munitários populares tratados no capítulo anterior sentantes do poder executivo e de instituições da socieda- ou dos novos fóruns civis não-governamentais, porque es- de civil. Desde então, um número crescente de estruturas tes últimos são compostos exclusivamente de representan- colegiadas passou a ser exigência constitucional em diver- tes da sociedade civil, cujo poder reside na força da níveis das administrações (federal, estadual e munici- mobilização e da pressão e, usualmente, não possuem as- pal). As reformas operadas no Estado brasileiro, na últi- sento institucionalizado junto ao poder público. Os conse- ma década, articulou a existência de conselhos ao repasse lhos gestores são diferentes também dos conselhos de "no- de recursos financeiros do nível federal ao estadual e ao táveis" existentes em algumas áreas do governo como municipal. Muitos deles já foram criados, a exemplo dos educação, saúde etc. pelo fato de eles serem formas de conselhos circunscritos às ações e aos serviços públicos assessoria especializadas e incidirem na gestão pública de (saúde, educação e cultura) e aos interesses gerais da co- forma indireta. munidade (meio ambiente, defesa do consumidor, patrimô- No nível federal, Draibe (1998), destacou oito áreas nio histórico-cultural), assim como aos interesses de gru- públicas em que existem conselhos gestores, com a pre- pos e camadas sociais específicas como, crianças e ado- sença de 27 conselhos nacionais de políticas setoriais, a lescentes, idosos, mulheres etc. Em Salvador, Bahia, há saber: até um Conselho Municipal do Carnaval (Heber, 2000), Para a implementação dos conselhos, eles dependem com um importante papel na vida sociocultural da cidade. de leis ordinárias estaduais e municipais. Em algumas áreas, Os conselhos gestores são importantes porque são fru- essas leis já foram estabelecidas, ou há prazos para sua to de lutas e demandas populares e de pressões da socie- criação. Os conselhos gestores são novos instrumentos de dade civil pela redemocratização do país. Por terem sido expressão, representação e participação; em tese, eles são promulgados no contexto de uma avalanche de reformas dotados de potencial de transformação política. Se efeti- do Estado, de caráter neoliberal, vários analistas e militan- vamente representativos, poderão imprimir um novo for- tes de movimentos sociais desacreditaram os conselhos mato às políticas sociais, pois se relacionam ao processo enquanto possibilidade de participação real, ativa, esque- de formação das políticas e tomada de decisões. Com os cendo-se de que eles foram reivindicados e propostos pe- conselhos, gera-se uma nova institucionalidade pública. los movimentos em passado recente. As novas estruturas Eles criam uma nova esfera social-pública ou pública não- inserem-se na esfera pública e, por força de lei, integram- estatal. Trata-se de um novo padrão de relações entre Es- se com os órgãos públicos vinculados ao poder Executivo, tado e sociedade, porque eles viabilizam a participação de voltados para políticas públicas específicas, responsáveis segmentos sociais na formulação de políticas sociais e pela assessoria e suporte ao funcionamento das áreas onde possibilitam à população o acesso aos espaços nos quais 85Conselhos nacionais de políticas setoriais Previdência Conselho Nacional de CNSS MPAS social Seguridade Social CONSELHOS SIGLA Inserção Institucional Conselho de Gestão de CGPC MPAS Trabalho Conselho Nacional do CNT Ministério Trabalho Previdência Complementar Trabalho Conselho de Recursos de CRPC MPAS Previdência Complementar Conselho Deliberativo Codefat Min. Trabalho do FGTS Conselhos Conselho de Defesa dos CDDPH Min. Justiça de direitos Direitos da Pessoa Humana Conselho Curador CCFGTS Min. Trabalho do FGTS Conselho Nacional dos CNDM Min. Justiça Direitos da Mulher Conselho Nacional CIMG Min. Trabalho Conselho Nacional dos Conada de Imigração Min. Justiça Direitos da Criança e do Educação Adolescente Conselho Nacional CNE Independente de Educação Conselho Federal Gestor CFGDDD Min. Justiça do Fundo de Defesa dos Conselho de Reitores das CRUB Independente Direitos Difusos Universidades Brasileiras Conselho da Coordenadoria Corde Min. Justiça Conselho Nacional dos Consed Independente Nacional para Integração Secretários de Educação das Pessoas Portadoras de Deficiência União Nacional dos Undime Independente Dirigentes de Educação Cultura Conselho Nacional de CNPC Min. Cultura Política Cultural Assistência Conselho Nacional de CNAS MPAS social Assistência Social Saúde Conselho Nacional de Saúde CNS Min. Saúde Fórum Nacional de Fonseas Conselho Nacional dos Conasem Independente Independente Secretários Estaduais de Secretários de Saúde Assistência Social Conselho Nacional dos Conass Independente Secretários Estaduais Fórum Nacional de Fongemas Independente de Saúde Secretários Municipais de Assistência Social Ciência e Conselho Nacional de CNTC Min. C& Tec. tecnologia Ciência e Tecnologia Conselho do Programa CS Casa Civil/Pres. Comunidade Solidária RepMPAS Meio Conselho Nacional do Conama Min. Meio Ambiente ambiente Meio Ambiente Previdência Conselho Nacional de CNPS MPAS social Previdência Social Fonte: Draibe (1998) 86 87se tomam as decisões políticas. Se o Estado e as políticas organizativo-associativa, os conselhos têm sido apenas uma "desconstroem" o sentido do público, retiran- realidade jurídico-formal, e muitas vezes um instrumento do sua universalidade e remetendo para o campo do a mais nas mãos dos prefeitos e das elites, falando em assistencialismo e da lógica do consumidor usuário de ser- nome da comunidade, como seus representantes oficiais, não viços, os conselhos têm a possibilidade de reaglutinarem atendendo minimamente aos objetivos de se tornarem me- esses direitos fragmentados, reconstituindo os caminhos canismos de controle e fiscalização dos negócios públicos. de construção da cidadania que está sendo esfacelada. A legislação em vigor no Brasil preconiza, desde 1996, que para o recebimento de recursos destinados às áreas atual debate sobre os conselhos gestores sociais, os municípios devem criar seus conselhos gestores. Isso explica por que a maioria dos conselhos municipais Várias questões implícitas no debate sobre novos con- surgiu após essa data (em 1998, dos 1.167 conselhos exis- selhos são da mesma natureza das que estiveram presentes tentes nas áreas da educação, assistência social e saúde, no debate sobre os conselhos populares: qual o seu papel e 488 deles haviam sido criados após 1997; 305 entre 1994- a sua natureza? Devem ser organismos apenas consultivos 1996; e apenas 73 antes de 1991). Nas leis federais as ou também deliberativos? etc. A necessidade de se inter- áreas básicas dos conselhos gestores são: educação, assis- vir neste debate e nas discussões sobre a própria implanta- tência social, saúde, habitação, criança e adolescentes e ção dos conselhos decorre das várias lacunas hoje existen- emprego. Na esfera municipal, têm sido criados outros ti- tes, tais como: criação de mecanismos que garantam o cum- pos ligados à políticas urbanas, políticas agrícolas, cultu- primento de seu planejamento; instrumentos de ra, negro, portadores de deficiências físicas, idosos, meio responsabilização dos conselheiros por suas resoluções; ambiente, direitos das mulheres etc. estabelecimento claro dos limites e das possibilidades É importante destacar que a lei federal preconiza seu decisórias às ações dos conselhos; ampla discussão sobre caráter deliberativo, parte do processo de gestão descen- as restrições orçamentárias e suas origens; existência de tralizada e participativa, e os constitui como novos atores multiplicidade de conselhos no município, todos cria- deliberativos e paritários. Apesar disso, vários pareceres dos recentemente, competindo entre si por verbas e espa- oficiais têm assinalado e reafirmado o caráter apenas con- políticos; não existência de ações coordenadas entre sultivo dos conselhos, restringindo suas ações ao campo eles etc. da da consulta e do aconselhamento, sem poder Além das lacunas existentes, existem duas posições em de decisão ou deliberação. A lei vinculou-os ao poder Exe- relação ao papel central dos conselhos, a saber: a primeira cutivo do município, como órgãos auxiliares da gestão pú- circunscreve-os no plano da consulta, preocupa-se com a blica. E preciso, portanto, que se reafirme em todas as ins- demarcação de sua atuação em relação ao Legislativo, de- tâncias seu caráter essencialmente deliberativo, porque a fende que eles se limitem a auxiliares do poder Legislativo. opinião apenas não basta. Nos municípios sem tradição A segunda postula que eles atuem como órgãos de fiscali- 88 89zação do Executivo, conforme uma perspectiva e modelo de gestão descentralizada; preconiza que operem dentro maior cobrança de prestação de contas do poder executi- das decisões tomadas em sua área. Esta segunda posição vo, principalmente no nível municipal. Por isso, certas implica um estilo de governo que tenha como diretrizes e questões são muito relevantes no debate atual sobre a cria- cixos fundamentais as questões da participação e da cida- ção e implementação dos conselhos gestores, tais como: a dania; um governo que aceite os conflitos como parte do representatividade qualitativa dos diferentes segmentos jogo de interesses em uma democracia. Portanto, o papel sociais, territoriais e de forças políticas organizadas em dos conselhos incide na discussão sobre as estratégias de sua composição; o percentual quantitativo, em termos de gestão pública de uma forma geral e sobre o caráter das paridade, entre membros do governo e membros da socie- próprias políticas públicas em particular (vide Caccia-Bava dade civil organizada que o compõe; o problema da e Borja, 2000). Cabe ao Ministério Público zelar pela efe- capacitação dos conselheiros mormente os advindos da tiva implementação e funcionamento dos conselhos. Os sociedade civil; o acesso às informações (e à sua decodi- ficação) tornando públicas as ações dos conselhos; a fisca- conselhos podem, também, acionar o Ministério ao detec- lização e controle sobre os próprios atos dos conselheiros; tar alguma irregularidade. poder e os mecanismos de aplicabilidade das decisões que fazer para fortalecer os conselhos e interferir no do conselho pelo Executivo e outros etc. cenário em que se desenvolvem? De um lado, observa-se As questões da representatividade e da paridade cons- que a operacionalização não plena dessas novas instâncias tituem problemas cruciais a ser melhor definidas nos con- democratizantes se dá devido à falta de tradição participa- selhos gestores de uma forma geral. Os problemas decor- tiva da sociedade civil em canais de gestão dos negócios rem da não-existência de critérios que garantam uma efe- públicos; a curta trajetória de vida desses conselhos e, portanto, a falta de exercício prático (ou até a sua inexis- tiva igualdade de condições entre os participantes. Alguns analistas têm sugerido que a renovação do mandato dos tência); e ao desconhecimento por parte da maioria da conselheiros seja parcial, para não coincidir com o man- população, de suas possibilidades (deixando-se espaço li- dato dos dirigentes e alcaides municipais e para que fi- vre para que eles sejam ocupados e utilizados como mais quem desacoplados dos períodos dos mandatos eleitorais. um mecanismo da política das velhas elites, e não como o fato de as decisões dos conselhos terem caráter um canal de expressão dos setores organizados da socie- dade). De outro lado, a existência de concepções oportu- deliberativo não garante sua implementação efetiva, pois nistas, que não se baseiam em postulados democráticos e não há estruturas jurídicas que dêem amparo legal e obri- veem os conselhos apenas como instrumentos/ferramen- guem o executivo a acatar as decisões dos conselhos (mor- mente nos casos em que essas decisões venham a contra- tas para operacionalizar objetivos predefinidos tem feito riar interesses dominantes). Outro ponto relevante em rela- dessa área um campo de disputa e tensões. ção à representatividade é de que um representante que Acreditamos que os conselhos criam condições para um atua em um conselho deve ter vínculos permanentes com sistema de vigilância sobre a gestão pública e implicam a comunidade que elegeu. 90 91Em relação à paridade, ela não é uma questão apenas o impacto dos conselhos enquanto mecanismo ino- numérica, mas de condições de uma certa igualdade no aces- vador na gestão pública, no âmbito institucional e na à informação, disponibilidade de tempo etc. A disparidade esfera da participação da sociedade civil. de condições para a participação em um conselho de mem- bros advindos do governo daqueles advindos da sociedade Para esclarecer essas questões, buscamos amparo nas civil é grande. Os primeiros trabalham em atividades dos fontes tratadas na primeira parte conselhos durante seu período de expediente de trabalho deste livro. Mas na análise empírica, é necessário munir- normal remunerado, têm acesso aos dados e informações, se de um conjunto de recursos e de instrumentos metodoló- têm infra-estrutura de suporte administrativo, estão habi- gicos operacionais de campo, de forma a avaliar a nature- tuados com a linguagem tecnocrática etc. Ou seja, eles têm za do conselho que se está estudando e seu significado no O que os representantes da sociedade civil não têm (pela lei, conjunto das forças sociais de uma dada localidade. Para os conselheiros municipais não são remunerados nem con- tal, deve-se conhecer: tam com estrutura administrativa própria). Faltam cursos a) a constituição estrutural dos conselhos e sua nature- ou capacitação aos conselheiros de forma que a participa- za decisória, a forma como ele foi (ou está sendo) ção seja qualificada em termos, por exemplo, da elaboração organizado (deliberativa ou apenas conselheira/con- e gestão das políticas públicas; não há parâmetros que for- sultiva); taleçam a interlocução entre os representantes da sociedade b) dada sua existência, a relação que estabelece entre o civil com os representantes do governo. É preciso entender o governo e a sociedade civil (principalmente com os espaço da política para que se possa fiscalizar e também pro- movimentos sociais e com as entidades não-gover- por políticas; é preciso capacitação ampla que possibilite a namentais); todos os membros do conselho uma visão geral da política e c) as fronteiras entre sociedade e governo (poder local, da administração. Usualmente eles atuam em porções frag- basicamente); mentadas, que não se articulam (em suas estruturas) sequer d) a forma de combinação entre a democracia direta e com as outras áreas ou conselhos da administração pública. indireta nos conselhos. Alguns estudos já têm apontado: Diversidade de significados dos conselhos 1. uma tensão entre a universalização das políticas dos direitos e a ênfase na focalização das políticas dos A análise dos conselhos nos levou a pesquisar sobre: conselhos (leia-se particularismo); diversidade quanto ao próprio conceito de participa- 2. dificuldades de articular forças sociais divergentes ção e de gestão; sem ter um ponto ou marco referencial estratégico; sentido dos conselhos no universo e realidade das 3. dificuldade de articular o público estatal e público políticas sociais atuais; não-estatal; 92 934. fraca participação da sociedade civil e absenteísmo cas e não têm poderes sobre questões como dos membros governamentais; tem o poder Legislativo. 5. necessidade de destacar aspectos da instituciona- lidade dos conselhos: facilitados e obstáculos às ações da sociedade civil frente ao Executivo muni- Necessidade e lacunas cipal; A partir do inventário de temas, problemas, dúvidas e 6. os conselhos não podem ser vistos como substitutos indagações listadas acima, podemos sistematizar os seguin- da democracia representativa nem como braços au- tes pontos: xiliares de executivo, nem como substitutos da par- 1. falta uma definição mais precisa das competências e ticipação popular em geral. atribuições dos conselhos gestores; 2. deve-se cuidar da elaboração de instrumentos jurídi- A polêmica sobre os conselhos envolve problemas cos de apoio às suas deliberações; como: 3. deve haver uma definição mais precisa do que seja participação de um representante nos conselhos De um lado, eles são formas de descentralização do gestores. Nós a entendemos como o processo me- poder demandada pela população mas de ou- diante o qual as diferentes camadas sociais da popu- tro, eles são fruto da crise das instituições públicas e lação tem acesso aos espaços de definir e avaliar as parte constitutiva das reformas estatais que implicam políticas públicas, especialmente as de caráter social; diminuição de custos e transferência de responsabili- 4. há necessidade de capacitação dos conselheiros (in- dade na solução dos problemas locais para os cida- clusive com cursos, seminários, trocas de dãos, tratados como usuários ou clientes dos serviços cias, fóruns, espaços culturais, eventos etc.). A par- públicos. ticipação, para ser efetiva, precisa ser qualificada, São iniciativas para o desenvolvimento local susten- ou seja, não basta a presença numérica das pessoas tável e, para tal, implicam a existência uma sociedade porque o acesso está aberto. É preciso de civil organizada; entretanto, às vezes, o próprio de- informações e de conhecimentos sobre o funciona- sempenho dessas atividades se contrapõe a algumas mento das estruturas estatais. Não se trata, em abso- das funções que lhes foram pensadas originalmente, luto, de integrá-la, incorporá-las à teia burocrática. tais como a fiscalização das políticas públicas, pois Elas têm o direito de conhecer essa teia para poder eles se tornam parte destas políticas. intervir de forma a exercitar uma cidadania ativa, A relação com poder Legislativo. Devemos nos lem- não-regulada, outorgada, passiva; brar de que os conselhos não substituem o poder 5. os representantes da população têm que ter igualda- porque eles se situam em áreas específi- de de condições para participar, tais como as já cita- 94 95das em parágrafo anterior: acesso às informações (co- figura o espaço urbano enquanto tal, ou seja, meio dificadas nos órgãos públicos) e algum tipo de re- ambiente, moradia etc.; muneração para sua atividade. 2. os que decorrem da prestação de serviços urbanos por setores da administração: saúde, educação, trans- A universidade tem um grande campo de trabalho para portes etc.; ajudar na superação dessas lacunas. Pesquisas recentes do 3. os que abrangem as políticas focalizadas em grupos observatório IPPUR/FASE constataram que há várias insti- etários da população: idosos, crianças e jovens/ado- tuições desenvolvendo cursos de capacitação para os con- lescentes; ou destinados a categorias específicas: mu- selheiros sobre políticas municipais específicas. Entretanto, lheres, grupos étnicos ou raciais etc. Esses conse- as pesquisas mostraram também que o problema não está lhos "localizam-se" no urbano (mas não são exclusi- na ausência de conhecimento sobre as políticas municipais vos deles) e atuam sobre problemas sociais que in- específicas, porque os conselheiros demonstraram domínio terferem diretamente na qualidade de vida no meio nas áreas temáticas em que atuam. As lacunas estão na au- urbano; sência de capacitação em torno da elaboração e gestão de 4. uma quarta categoria é formada pelos conselhos na políticas públicas. Santos Jr. (2001), ao realizar pesquisa área da cultura. Apesar de a cultura ser uma das áreas pioneira com conselheiros de municípios da Baixada da administração setorial, como uma das secretarias Fluminense, constata que é alto o índice de associativismo/ de Estado, ela é mais que um serviço. É uma força- participação dos conselheiros, assim como o grau de instru- motriz que cria e/ou estimula a energia coletiva de ção de uma grande porcentagem deles. o problema é que a uma comunidade e de seus cidadãos. maioria da população não participa nem está representada nos conselhos. Não tem vínculos associativos, não compõe Na primeira categoria, destacam-se as iniciativas rela- tal capital social denominado por Putnam. Nesse sentido, tivas à questão da moradia, em especial a moradia popu- participar dos conselhos representa, também, uma forma de lar. Na categoria dos conselhos de serviços, o Conselho inclusão social. Eles habilitam os cidadãos ao exercício de Municipal de Transportes é um dos mais antigos. Ele sur- seus direitos sociais e políticos. giu, no caso de São Paulo, após as lutas de movimentos por transportes coletivos ao final dos anos 1970, e a orga- nização de câmaras colegiadas nos anos 1980. Os conse- Os conselhos gestores na gestão urbana lhos na área da educação apresentam, após 1996, muitas novidades algumas decorrem da nova Lei de Diretri- Na gestão urbana, propomos agrupar os conselhos zes e Bases da educação; outras decorrem de políticas so- gestores em quatro categorias: ciais advindas do novo modo de gestão estatal. Os conse- 1. os que se relacionam diretamente à chamada ques- lhos "focalistas" são os que têm tido maior repercussão na tão urbana por ser parte integrante do locus que con- sociedade, em especial junto à mídia, mas são também os 96 97mais em termos de recursos e infra-estrutura de 6 apoio. Citam-se o Conselho da Criança e do (ECA), os Conselhos Tutelares - também de crianças e adolescentes; o Conselho da Condição Feminina e outras os CONSELHOS MUNICIPAIS modalidades de conselhos voltados para o tema das mu- NA ÁREA DA EDUCAÇÃO Finalizamos este livro com algumas considerações so- bre os conselhos de uma área estratégica para o desenvol- vimento social no século XXI e para a melhoria da quali- dade de vida nas cidades: a educação. Focalizam-se os con- selhos relativos à educação escolar do nível fundamental. A escolha dos conselhos na educação foi feita dada a importância que essa área passou a ter na atualidade, no discurso e nas políticas governamentais, conferindo-se às escolas atributos que ultrapassam sua dimensão de ensino/ aprendizagem para se transformar em espaços de sociali- zação e de prestação de serviços públicos municipais, as- sim como o papel que a educação passou a ter no novo paradigma do mundo do trabalho. Desde 1995, o governo federal tem elaborado programas e diretrizes nacionais que têm provocado transformações profundas, do ponto de vista organizacional, nos diferentes níveis da educação brasi- leira. As diversas reformas educacionais gestadas em ní- vel federal fornecem as bases para a implementação das políticas estaduais. A rede de ensino pública dos níveis fundamental e médio, nos estados brasileiros, em sua maioria é de responsabilidade estadual e municipal, ha- vendo, excepcionalmente, a oferta pela União Federal (al- guns cursos técnicos vinculados às universidades federais públicas). Usualmente a rede de atendimento à educação infantil (de 0 a 6 anos de idade) é de responsabilidade do município. 98 99Na educação, o princípio da democracia participativa buída. Os conselheiros estaduais demandaram, ainda, a tem orientado, nos anos 1990, a criação de uma série de criação de um banco de dados que contenha informações estruturas participativas, em que se destacam diferentes sobre o funcionamento dos conselhos. tipos de conselho (nacionais, estaduais e municipais). Es- Os conselhos municipais são regulamentados por leis ses órgãos têm ganho, crescentemente, grande importân- cia, porque a transferência e o recebimento dos recursos estaduais e federais, mas eles devem ser criados por lei municipal, sendo definidos como normativo, con- financeiros pelos municípios, estão vinculados, por lei fe- sultivo e deliberativo do sistema municipal de ensino", deral, à existência desses conselhos. A lei preconiza três criados e instalados por iniciativa do poder Executivo mu- conselhos de gestão no nível do poder municipal, todos nicipal. Eles são compostos por representantes do poder com caráter consultivo, ligados ao poder Executivo, a sa- Executivo e por representantes dos vários segmentos da ber: Conselho Municipal de Educação, o Conselho de Alimentação Escolar e Conselho de Acompanhamento e sociedade civil local destacando-se entidades e organiza- ções não-governamentais prestadoras de serviços ou de de- Controle Social (CACS) do Fundo de Manutenção e De- fesa de direitos, organizações comunitárias, sindicatos, as- senvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização sociações de usuários, instituições de pesquisa etc. Parte do Magistério (Fundef). dos membros dos conselhos é eleita por seus pares e parte A mídia escrita divulgou que, entre junho de 1999 e é escolhida pelos representantes da administração públi- junho de 2000, o Ministério da Educação recebeu 888 ca. Todos eles devem ser nomeados pelo prefeito munici- denúncias de irregularidade sobre o Fundef, envolvendo pal. Esse fato confere força e legitimidade ao conselho, 315 municípios. número de denúncias foi tão alto que mas é também um ponto de fragilidade, dado os riscos que levou a Câmara Federal dos deputados a mobilizar sua esta nomeação envolve. Por isso, a comunidade educativa Comissão de Educação, Cultura e Desportos para realizar que tem se reunido para debater a questão dos conselhos uma investigação visando realizar auditorias pelo Tribu- de representantes da sociedade civil junto ao poder públi- nal de contas da União. Isto levou o governo federal a co, a exemplo da iniciativa do Instituto de Estudos Avan- criar conselhos de fiscalização e quebrar, em setembro de çados da Universidade de São Paulo, enfatiza a necessida- 2000, sigilo bancário das contas das prefeituras e gover- de de qualquer tipo de conselho ser eleitos por vários seto- nos estaduais em que são depositados os recursos do fun- res da sociedade civil e política. do. Há conselhos estaduais e municipais para o Fundef. No Estado de São Paulo, até 1998, dentre 625 municí- Os estaduais, em número de 24 mais o Distrito Federal, pios havia 191 conselhos municipais ativos, 66 criados e no ano de 2000, tiveram duas reuniões gerais e solicita- não-ativos 182 programados, 33 sem previsão da data de ram ao Ministério da Educação que fossem divulgadas criação, e 99 municípios não tencionavam criá-los (Fonte: todas as formas de transferências de recursos do Fundo CEE/SP). Lima (2000) alerta que, se os conselhos na área para os estados e municípios, e seus respectivos valores, da educação não superarem os limites técnico-burocráti- de forma a facilitar a tarefa de fiscalização que lhes é atri- cos e não pensarem a educação como um todo, eles atua- 100 101e conselho pode gerar uma ges- descrédito e desconfiança pelo sindicato dos professores tão participativa que conheça melhor a própria comunida- da educação básica, e eles têm suas razões: são atores fun- de escolar, seus saberes e práticas. Juntos podem fazer damentais para qualquer processo de reforma educacio- uma etnografia da escola e elaborar um projeto político- nal, mas, de fato, não têm sido ouvidos nem consultados pedagógico renovado. nas ações cotidianas elaboradas pela maioria dos poderes Os conselhos municipais na área da educação são ino- públicos que têm conduzido as reformas estaduais ou fe- vações recentes, ainda não apropriados pela população derais. Entretanto, ocupar espaços nos conselhos pode ser como espaços reais de participação. Os conselhos ligados uma maneira de estar presente em arenas em que se deci- ao Fundef, por exemplo, deveriam fiscalizar a correta apli- dem os destinos de verbas e prioridades na gestão de bens cação dos recursos desse fundo e, entretanto, a mídia tem públicos; é uma forma de ser ouvido e de continuar lutan- registrado denúncias de desvio dos recursos e nas finali- do para transformar o Estado pela via da democratização dades desse fundo. Os sindicatos preferem seus próprios das políticas públicas. Os conselhos devem ser espaço e canais, e entre os grupos e movimentos sociais mais orga- mecanismo operativo a favor da democracia e do exercício nizados há dúvidas quanto à eficácia de participar de tais da cidadania, em todo e qualquer contexto sociopolítico. canais institucionalizados, assim como há dificuldades para Eles podem se transformar em aliados potenciais e estra- assumir outros papéis mais propositivos e não apenas tégicos na democratização da gestão das políticas sociais. reivindicativos. As atribuições dos conselhos têm sido vis- Claude Lefort nos adverte: "É um grave erro supor que tas por vários sindicatos e movimentos sociais como parte não existem alternativas políticas. Acho que a nossa época das políticas que buscam desonerar o Estado de sua obri- é de desafios. A maioria deles é encontrar meios de adap- gação com as áreas sociais; iniciativas para privatizar a tação às mudanças tecnológicas, com suas educação por meio da transferência de suas responsabili- sobre a mão-de-obra, a mobilidade extrema no trabalho. dades principalmente de ordem financeira para a Essa adaptação deveria ser compatível com as exigências própria comunidade administrar a "miséria" ou criar/to- de integração de grandes camadas da população; isso se mar iniciativas para resolver os problemas via parcerias, faz criando laços sociais e reforçando as medidas de pro- doações, trabalho voluntário etc. Mas na política não se teção social" (1999, Caderno 2, Cultura, Estado de S. Pau- pode ignorar a necessidade da busca do consenso; a parti- lo, p. D5). No Brasil, as medidas de proteção social estão cipação nos conselhos gera convivência, estimula à mani- sendo flexibilizadas ou desregulamentadas; os laços so- festação do conflito, fruto das diferenças entre os pontos ciais estão enfraquecidos pela competição e por todas as de vista de grupos, camadas e classes sociais diferentes, o modalidades de violência. que deve ser visto como algo natural e necessário em um Uma sociedade civil participativa, autônoma, com seus contexto de participação democrática. direitos de cidadania conquistados, respeitados e exerci- As possibilidades de atuação dos conselhos como me- dos em várias dimensões, exige também vontade política canismos democráticos de gestão social são vistas com dos governantes, principalmente daqueles eleitos repre- 104 105sentantes do povo, pois trata-se de uma tarefa que não é 7 apenas dos cidadãos isolados. As dificuldades de representatividade nos diversos tipos de conselho da área da educação decorrem também da não-transparência das CONSIDERAÇÕES FINAIS: gestões públicas dado o fato de não tornarem públicas breve balanço sobre os conselhos as informações. Na luta pela igualdade, a sociedade deve se organizar politicamente para acabar com as distorções do mercado (e não apenas corrigir suas iniquidades) e lu- tar para coibir os desmandos dos políticos e administrado- Ao longo deste livro, pudemos observar que o debate res inescrupulosos. A exigência de uma democracia sobre os conselhos, como instrumento de exercício da de- participativa deve combinar lutas sociais com lutas mocracia, esteve presente entre setores liberais e de es- institucionais, e a área da educação é um grande espaço querda (em suas diferentes matizes). A diferença é que para essas ações, via a participação nos conselhos. eles são pensados como instrumentos ou mecanismos de colaboração pelos liberais; e como vias ou possibilidades de mudanças sociais, no sentido de democratização das relações de poder, pela esquerda. Para Hannah Arendt, os conselhos são a única forma possível de um governo hori- zontal, um governo que tenha como condição de existên- cia a participação e a cidadania. Em Crises da república, ela afirmou que os conselhos poderiam ser não apenas uma forma de governo, mas também uma forma de Estado (Arendt, 1973). Que pontos podemos destacar de um tema tão polêmi- e com referências históricas tão díspares como os con- selhos? Sem a intenção de fazer generalizações ou compa- rações, observamos: Os conselhos gestores são instrumentos de determina- dos processos políticos e constituem inovações institucionais na gestão de políticas sociais no Esses processos podem ter diferentes objetivos, contribuir para mudanças sociais significativas ou auxiliar a consolidação de estruturas sociais em transição ou sob impacto de for- tes pressões sociais. A qualificação e desenrolar do pro- 106 107cesso em que ocorre uma experiência de conselho é que público e denunciadores dos lobbies econômicos que pres- nos informa sobre a sua natureza, e não a existência dos sionam e dominam os aparelhos estatais, eles estarão cons- conselhos em si. Os conselhos, poderão ser tanto instru- truindo as bases de uma gestão democrática. Atualmente, mentos valiosos para a constituição de uma gestão demo- muitos de nossos administradores públicos tendem a con- crática e participativa, caracterizada por novos padrões de duzir as políticas sociais no campo da filantropia, da assis- interação entre governo e sociedade em torno de políticas tência, esvaziando o sentido público do caráter de uma sociais setoriais, como poderão ser também estruturas bu- política pública. Com isso, há um retraimento da respon- rocráticas formais e/ou simples elos de transmissão de sabilidade pública, um apelo à moral, à solidariedade, re- políticas sociais elaboradas por cúpulas, meras estruturas metendo as ações ao campo do assistencialismo, do para transferência de parcos recursos para a comunidade, voluntariado, do burocratismo e até mesmo do velho tendo o ônus de administrá-los; ou ainda instrumentos de clientelismo. Os direitos se transformam em benefícios acomodação dos conflitos e de integração dos indivíduos concedidos. Tende-se a restringir o campo da cidadania, em esquemas definidos previamente. Disso resulta que os retirando ou cerceando os direitos e ampliando os deve- conselhos são espaços com caráter duplo: implicam, de res. Resulta que esses administradores pouco inovam, a um lado, a ampliação do espaço público atuando como despeito das inovações existirem nas novas práticas agentes de mediação dos conflitos remando, portanto, con- associativas geradas pela sociedade civil e nos novos cam- tra as tendências das políticas neoliberais de suprimir os pos institucionais, previstos em lei, contemplados nas re- espaços de mediação dos conflitos; mas, de outro lado, formas estatais realizadas nos anos 90 (registre-se que nem dependendo da forma como são compostos, poderão eli- todas as reformas dessa década foram de cunho neoliberal; minar os efeitos do empowerment, do sentido de pertencer várias delas deram às diretrizes da Constitui- dos indivíduos, e reafirmar antigas práticas herdeiras do ção de 1988, que contemplou inúmeros avanços no campo fisiologismo. Como tal, carregam contradições e da democracia). contraditoriedades. Tanto podem alavancar processo de Os conselhos têm como arena principal de atuação as participação sociopolítica de grupos organizados, como esferas do consumo e da distribuição de bens, serviços e estagnar o sentimento de pertencer de outros se mono- equipamentos públicos. Entretanto, eles podem interferir polizados por indivíduos que não representem, de fato, as na esfera do processo de produção e gestão desses bens e comunidades que os indicaram/elegeram. Eles não substi- na qualidade dos serviços públicos prestados, principal- tuem os movimentos de pressão organizada de massas, ain- mente nas áreas sociais, como as da educação, saúde, ha- da necessários para que as próprias políticas públicas ga- bitação e transportes coletivos. A área da cultura também nhem agilidade. pode ser um espaço importante para o desenvolvimento Se representativos, os conselhos poderão alterar pro- dos conselhos, pelo fato de gerar o sentido de pertencer, gressivamente a natureza do poder local. À medida que identidades e de resgatar a memória coletiva dos grupos, eles se tornem atuantes, fiscalizadores das ações do poder além de desenvolver a auto-estima dos indivíduos. É uma 108 109área que contribui para o combate às diferentes formas de que haja aumento efetivo de recursos públicos nos orça- violência presentes na sociedade. mentos destinados aos conselhos e não apenas Enquanto elemento de um novo modo de governança complementações pontuais de ajustes; os conselhos têm na gestão dos negócios públicos, principal- que serem paritários não apenas numericamente, mas tam- mente em âmbito local, os conselhos gestores fazem parte bém nas condições de acesso e de exercício da participa- de um novo modelo de desenvolvimento que está sendo ção; a médio prazo, eles necessitam instituir formas pró- implementado em todo o mundo da gestão pública es- prias de pensar a cidade e seus problemas para além dos tatal via parcerias com a sociedade civil organizada "planejamentos estratégicos", de caráter emergencial, que objetivando a formulação e o controle de políticas sociais. diagnosticam para selecionar/priorizar as urgências. Os Em uma sociedade marcada por inúmeros processos de conselheiros devem ter cursos de formação e atualização exclusão social e de baixos níveis de participação política enquanto sujeitos políticos, que precisam ter como refe- do conjunto da população, os conselhos assinalam para rência um modelo de participação social cidadão com possibilidades concretas de desenvolvimento de um espa- pluralidade e que respeite as diversidades culturais e as público, que não se resume e não se confunde com o diferenças de raça, etnia, sexo, geração etc. respaldado por espaço governamental/estatal. A possibilidade da socie- um projeto emancipatório, que vislumbre mudanças na so- dade civil intervir na gestão pública, via parcerias com o ciedade a médio e longo prazo, e não se circunscrevam às Estado, representa a instauração de um novo padrão de ações imediatistas da conjuntura; deve-se também criar al- interação entre governo e sociedade; novas arenas de gum tipo de pré-requisito mínimo para que um cidadão se intermediação e novos mecanismos decisórios implanta- torne um conselheiro, principalmente no que se refere ao dos poderão ter a capacidade de incorporar uma grande entendimento do espaço que ele vai atuar, assim como um pluralidade de atores e de diferentes interesses. código de ética e posturas diante dos negócios públicos; Em suma, as diferentes modalidades de conselhos, in- deve-se ter uma forma de acompanhar as ações dos conse- cluindo-se os conselhos gestores, foram conquistas dos lhos e de se revogar e destituir qualquer membro que cum- movimentos populares e da sociedade civil organizada. Eles pra suas funções durante seu mandato; portanto, o exercí- são um instrumento de representação da sociedade civil e cio dos conselhos deve ser passível de fiscalização e ava- política. Por lei, devem ser também um espaço de liação. Finalmente, eles devem ter capacidade e poderes Mas, a priori, são apenas espaços virtuais. Para que eles normativos de decisão, e não se implantar como mera ins- tenham eficácia e efetividade na área em que atuam, e na tância consultiva e opinativa. sociedade de uma forma geral, destacamos neste livro que Concluímos assinalando a necessidade de pesquisas e é necessário desenvolver algumas condições e articulações, avaliações sobre o desempenho dos diferentes tipos de tais como: dar peso político a essa representatividade e conselho e, em especial, os gestores. Por ser consequência à luta dos segmentos sociais que acredita- recentes, pouco conhecemos ainda sobre a natureza de sua ram e lutaram pela democratização dos espaços públicos; realidade operacional. Por isso, no estágio atual, tende- 110 111mos a ser mais argumentativos em relação às suas quali- dades, virtualidades e potencialidades, e talvez não sufici- entemente críticos em relação aos seus problemas. Diag- nosticar e analisar os impactos das ações dos conselhos, sobre a sociedade e sobre o próprio Estado são caminhos essenciais para a compreensão do processo de construção da cidadania, assim como para avaliar as possibilidades de um aprofundamento do processo de democratização da sociedade brasileira. 112

Mais conteúdos dessa disciplina