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Moda Contemporânea mod. 2 Cultura e Consumo Introdução8 Após o estudo dos conceitos de arte e de cultura e suas relações com a produção de moda como elemento de linguagem na sociedade, se faz possível reconhecer sua influência nos modos de vida, no vestir e na aparência, bem como construir um repertório de conexões entre os sistemas culturais e a moda. A fim de promover o reconhecimento e uma visão crítica acerca dos diferentes tipos de cultura e suas influências no universo do vestuário, com foco no estudo da roupa como fonte de pesquisa, nesta unidade de Moda Contemporânea, serão abordados os temas cultura material e imaterial, consumo e contexto histórico e o consumo contemporâneo. Para este fim, serão desenvolvidos os seguintes tópicos: · Cultura material e imaterial; · Identidade cultural brasileira; · Consumo contemporâneo. Cultura Material e Imaterial A cultura de um povo, como já foi visto, é constituída de elementos das naturezas mais diversas, desde as tradições, os hábitos, os comportamentos, as lendas e os mitos, o modo de falar, as crenças, mas também os elementos artísticos como mú- sica, culinária, artesanato, etc. Todo este complexo de bens tangíveis e intangíveis compõe o patrimônio cultural de uma sociedade específica. Patrimônio cultural são as manifestações populares que são reconhecidos como ancestralidade e com im- portância histórica e cultural, as quais formulam as simbologias e a identidade de um povo. O patrimônio cultural de uma sociedade é protegido por leis e por entidades a fim de salvaguardar e de conservar esta identidade. Os bens de diferentes tipos que formam o mencionado patrimônio são classifica- dos em cultura material e imaterial. Cultura Material A cultura material é o conjunto de bens tangíveis, ou seja, de objetos físicos que podem ser tocados, fruto da criação artística e cultural de um povo. Estes objetos são legados concretos que representam sua história e tradição, devendo ser conservados, ensinados e reproduzidos para as gerações futuras. São exemplos disso alimentos típicos, utensílios, vestimentas, adornos, templos e artefatos religiosos, construções arquitetônicas destinadas à realização de práticas culturais, etc. Ou seja, obras de arte, design, arquitetura, o artesanato, objetos e artefatos que, quando associados aos sistemas sociais, históricos e culturais em que se inserem, representam os hábi- tos, as crenças, os valores e os símbolos de um povo. UNIDADE Cultura e Consumo 9 9 Figura 1 – Renda renascença, tradição cultural da Paraíba Fonte: talentos.portalsemear.org.br Cultura Imaterial A cultura imaterial são os bens intangíveis típicos de uma sociedade, ou seja, ele- mentos abstratos compartilhados pelas culturas que representam sua história, tradição e valores. São considerados bens intangíveis as práticas, os hábitos, as técnicas, as representações, as expressões, as simbologias, as crenças e lendas, os frutos da vi- vência de uma sociedade, seus valores, normas, costumes e ideologias. É também o conhecimento repassado, de modo oral e gestual, de geração em geração, por meios não tradicionais como livros e sistemas de ensino formal. Estas referências costumam estar enraizadas no cotidiano do indivíduo, marcando sua vivência em sociedade. Em Síntese Cultura material: obras de arte, design, arquitetura, artesanato, objetos e artefatos, culinária, etc.; Cultura imaterial: oralidade, saberes, ofícios, crenças, práticas, costumes, valores, há- bitos, rituais religiosos, desenvolvimento científico e tecnológico, conhecimentos popu- lares, manifestações artísticas, festas populares, etc. Tanto a cultura material quanto a imaterial carregam a herança cultural e possuem aspectos simbólicos típicos de um povo e promovem a identidade dessa cultura. Sob um olhar mais técnico e analítico sobre o tema, é necessário ressaltar que estes obje- tos expressam a estética, a tecnologia, a iconografia, as simbologias e a organização social de um povo. Partindo do entendimento da moda como uma linguagem de expressão, o designer possui um papel importante no processo de construção e de multiplicação desse patrimônio. O produto de moda alimenta o repertório criativo de uma sociedade, sendo por este motivo necessário o conhecimento, o respeito e a valorização das identidades culturais a fim de multiplicar o desenvolvimento cultural. A relação do design com as identidades culturais abrange diferentes aspectos. Um deles trata do papel que a indústria cultural possui de valorizar e de promover as múltiplas identidades de uma sociedade, como maneira de agregar valor cultural ao produto, respeitando as tecnologias, as estéticas e as simbologias identitárias da marca. Com isto, promovem-se as múltiplas possibilidades criativas e culturais de uma sociedade e evitam-se a homogeneização da sociedade. Outro aspecto é o for- talecimento cultural em resposta à cultura de cópia e de produção sem identidade. Identidade da Cultura Brasileira10 A compreensão da identidade da cultura brasileira se faz necessária para, pos- teriormente, discorrermos a respeito da identidade da moda nacional. A definição objetiva, a cerca da identidade cultural do Brasil, é ampla e complexa, visto que dificilmente chega-se a um consenso. É importante compreender que esta definição é tão complexa quanto a história desse povo que permeia por habitantes nativos, a colonização europeia e a escravização de africanos. A história do Brasil possui in- fluência da visão dos colonizadores, pouca ênfase na herança indígena e o racismo histórico gerado pela escravidão. Partindo deste entendimento, é possível perceber que as influências na formação da identidade desse povo são diversas, tanto no que diz respeito à miscigenação racial quanto à cultural, fruto das heranças dos povos europeus, indígenas e africanos. Ou- tro fator que torna esta cultura mista é a dimensão continental do país que abrange diferentes biomas, o que influencia o clima, a geografia, a multiplicidade ambiental e econômica. A história econômica do Brasil também contribui para a multiplicidade da identidade brasileira, visto que, o processo de industrialização do país está muito associado à dependência financeira das nações mais ricas. Por um longo período de tempo, a indústria brasileira foi focada em produzir criações industriais exportadas de multinacionais, o que gerou um longo atraso na difusão da produção autoral, além da pouca valorização da arte e da cultura nacional. O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) aponta que a identidade brasileira é a mul- ticultura, fruto das fusões religiosas, étnicas e geográficas, que se diferencia, inclusive, das matrizes formadoras, pois é resultado da redefinição das trações naturais. Uma caracte- rística da cultura brasileira é a hibridação, que se refere ao fenômeno de combinação de práticas culturais que geram novos objetos e práticas. Outra característica marcante da identidade brasileira é o fazer artesanal, que é uma forte herança da cultura e que tem direta relação tanto com a arte quanto com o design. Ele é a expressão de técnicas, de práticas e de materiais, mas também de iconografias e de simbologias ancestrais. Assim como a arte, cada objeto possui uma biografia, uma história e sua tradição. A moda também representa um tempo e uma sociedade a partir de sua estética, materiais, proces- sos tecnológicos e funcionalidades. A partir deste raciocínio, quais são os objetos do seu cotidiano que refletem algum elemento da cultura brasileira? Identidade da Moda Nacional Partindo do entendimento da qualidade multicultural da cultura brasileira, a pro- dução industrial autoral também reflete esta história. Além da miscigenação resul- tante da chegada dos europeus no território brasileiro em 1500, no século XIX a 11 11 imigração, principalmente, de japoneses, de italianos e de alemães contribuíram para o pluralismo cultural. Neste século, também vivenciamos o processo de globali- zação e a industrialização do país que não fortaleceu a criação autoral. Estes fatores resultaram em décadasde produtos industriais e sem identidade definida. Entre os anos de 1960 e 1990, a moda brasileira seguia a tendência mundial das tribos urbanas que surgiram com os movimentos de contracultura: o movimento hippie, o Rock n roll, o movimento punk, a discoteca, entre outros. Estes estilos diferenciavam os grupos, mas conferiam, também, uma homogeneização global, já fruto da globalização. A moda brasileira deu passos importantes no sentido de valo- rização da produção autoral nacional (Figura no link abaixo), em 1993 com o evento Phytoervas Fashion, que foi a primeira semana de moda do Brasil, promovida por empresas da área de cosméticos, com visibilidade para a moda nacional e ganhando espaço na mídia, permitindo, ainda, a criação de uma nova identidade brasileira de moda, a partir do trabalho de designers brasileiros. Coleção Alexandre Herchovitch (2006), São Paulo Fashion Week. Disponível em: https://bit.ly/2RYJXDZ O evento, então, evoluiu e abriu caminho para o maior evento de moda do país, a São Paulo Fashion Week que ganhou a atenção da mídia internacional e revelou nomes importantes como: Alexandre Herchcovitch, Walter Rodrigues, Ronaldo Fraga, Glória Coelho, Reinaldo Lourenço, Walter Rodrigues, Jun Nakao, entre muitos ou- tros. Estes estilistas fortaleceram a moda brasileira, entretanto, mercadologicamente, não sobreviveram ao mercado internacional ao tentarem expandir para outros países. A ausência de uma linguagem única e brasileira (brasilidade) em suas marcas é o que se atribui a este insucesso, perante os mercados de moda mais tradicionais do mundo. Atualmente, a moda brasileira caminha no processo de valorizar suas qualidades plu- ral e multiétnica, com herança artesanal, mas também industrial e alinhada às questões contemporâneas a fim de se afirmar enquanto identidade cultural. A Figura 2 mostra, a coleção do estilista Ronaldo Fraga inspirada nos traços do artista plástico paraibano Flávio Tavares e materializado por rendeiras tradicionais no interior da Paraíba. Figura 2 – Coleção de Ronaldo Fraga (2020) Fonte: paraiba.pb.gov.br 12 Pensando na característica multicultural da identidade brasileira, quais são os produtos de moda que você admira e que refletem algum elemento da cultura brasileira? Você tem o hábito de valorizar as produções de marcas da sua região? Esta pode ser uma atitude importante como consumidor. E como designer em formação, você costuma exprimir sua identidade cultural em seus projetos? Consumo Consumo é a prática econômica de adquirir bens e serviços que consiste na frui- ção de bens materiais e imateriais (serviços). O consumo é a fase final do processo produtivo, precedido pelas etapas da produção, da distribuição e da comercialização. É um fenômeno social que sofre influência de diversos fatores, desde os hábitos do comprador, a relação entre a oferta e a demanda do mercado, a concorrência, entre outros. Contudo, uma das dimensões principais do consumo é a cultura. Costumes, rotinas, associações e memórias são as principais motivações do consumo. A indústria cultural é uma ferramenta basal do sistema capitalista que articula as necessidades de consumo da população e a oferta de bens. Ao passo que a indústria cultural produz e distribui a cultura de massa, por meio da publicidade ela gera na população o desejo por novos produtos e tendências de comportamento. Ela cria no consumidor a necessidade de utilizar os produtos e os serviços usados nos spots publicitários e joga com a necessidade de se ser aceito pela coletividade, levando- -as a consumos estereotipados e de ostentação, como símbolos de ascensão social. A publicidade e as técnicas de venda e de marketing dão ao consumidor o conhe- cimento dos produtos existentes e a informação sobre a sua qualidade, ajudando-o a optar; ao passo que também podem condicionar a sua capacidade de escolha, ao criar motivações desajustadas das necessidades efetivas do indivíduo. Como o lucro é o maior objetivo do capitalismo, quanto mais consumo de bens e serviços, mais enriquecimento da industrial. A fim de estimular cada vez mais o consumo, a posse de bens e o status social são promovidos pela publicidade como sinônimo de sucesso social. Como resultado deste fenômeno, as ações do indivíduo como consumidor é um dos papéis desempenhado na sociedade, em busca da ex- pressão de si e da aceitação dos demais. Neste sentido, o consumo de moda é um dos principais instrumentos capazes de reforçar a imagem do indivíduo, de acordo com a estrutura de significados por ele percebida como vigente. Consumo Simbólico O consumo pode ser analisado como um sistema de códigos, no qual os bens ma- teriais e imateriais são portadores de simbologias e desempenham o valor mais impor- tante que o caráter prático e funcional. O consumo de produtos realizado em função dos símbolos que esses representam, alimenta um ciclo infinito de consumo, visto que, 13 13 o desejo e as necessidades simbólicas são renovados tanto pelas mudanças naturais da sociedade e de hábitos e costumes, mas também pela ação da publicidade. O consumo simbólico é a principal característica da sociedade de consumo, a qual estimula a utilização das simbologias e do desejo como instrumento de formação da identidade das pessoas e dos grupos sociais. Este jogo de formulação da identidade do indivíduo, a partir dos seus hábitos de consumo, institui os papéis sociais que estas pessoas e seus grupos irão assumir na sociedade. Neste modelo de sociedade, o consu- mo tem papel estruturante da indústria cultural e a moda é um dos instrumentos mais importantes de representação de valores, alimentando o ciclo de consumo simbólico. Em outro momento, serão abordadas as especificidades do consumo de moda na contemporaneidade. Com o objetivo de promover um repertório de conexões entre os sistemas culturais e a moda contemporânea, serão estudadas as características do consumo de moda, tanto no sentido das representações de desejo da atualidade, quanto dos desafios das marcas autorais. image4.png image5.png image6.png image7.png image8.png image9.png image10.jpeg image11.png image12.png image3.jpeg image1.png image2.png