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Como a ditadura militar exerceu o controle sobre a produção intelectual no Brasil? A ditadura militar no Brasil, que se estendeu de 1964 a 1985, instituiu um dos mais rigorosos aparatos de censura da América Latina. Somente entre 1968 e 1978, após a implementação do AI-5, mais de 500 livros foram oficialmente censurados, e estima-se que outros milhares foram vetados informalmente. O regime militar, através de uma estrutura hierárquica que envolvia mais de 220 censores federais ativos, exercia um controle sistemático sobre toda forma de expressão artística e intelectual. A censura era executada principalmente por dois órgãos: o Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP), criado em 1972, e o Serviço de Informação ao Exterior (CIEX), estabelecido em 1966. Estes órgãos mantinham uma lista atualizada semanalmente de temas proibidos, que incluía desde críticas diretas ao regime até referências veladas à resistência. Por exemplo, em 1975, o romance "Feliz Ano Novo" de Rubem Fonseca foi censurado por "atentar contra a moral e os bons costumes", permanecendo proibido por 13 anos. No mesmo período, "Zero" de Ignácio de Loyola Brandão foi recolhido das livrarias em 1976, tendo todos os seus 30 mil exemplares confiscados. A perseguição aos escritores foi particularmente brutal. Em 1969, o poeta Ferreira Gullar foi forçado a um exílio que durou seis anos, passando por Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires. Jorge Amado teve três obras proibidas entre 1975 e 1976, incluindo "Teresa Batista Cansada de Guerra". O dramaturgo Plínio Marcos teve todas as suas peças vetadas entre 1968 e 1979. Casos ainda mais graves incluíram a prisão e tortura do escritor Renato Tapajós em 1969, após a publicação de "Em Câmara Lenta", e o desaparecimento do jornalista e escritor Vladimir Herzog em 1975. Entre os métodos mais comuns de censura, destacavam-se a "censura prévia", que exigia que todas as obras fossem submetidas à análise antes da publicação, e o sistema de "autocensura induzida", onde os próprios editores e autores eram pressionados a modificar seus textos. A Editora Civilização Brasileira, por exemplo, sofreu mais de 20 intervenções entre 1964 e 1976, tendo seu proprietário, Ênio Silveira, preso sete vezes. A famosa livraria Cultura, em São Paulo, mantinha um porão secreto onde guardava livros proibidos, vendidos clandestinamente a clientes de confiança. Para sobreviver à censura, os escritores desenvolveram códigos sofisticados. Chico Buarque, por exemplo, publicou "Calabar" em 1973 sob o pseudônimo Julião Medeiros, enquanto Érico Veríssimo utilizava alegorias históricas em "Incidente em Antares" (1971) para criticar o regime. Os "jornais nanicos", como "O Pasquim", "Opinião" e "Movimento", criaram uma rede underground que chegou a circular com mais de 150 mil exemplares semanais, apesar das constantes apreensões. O impacto da censura permanece como uma cicatriz na literatura brasileira. Obras fundamentais como "Em Câmara Lenta" de Tapajós e "Bar Don Juan" de Antonio Callado, que retrataram diretamente a resistência à ditadura, influenciaram uma nova geração de escritores. Autores contemporâneos como Bernardo Kucinski, com "K - Relato de uma Busca" (2011), e Maria Valéria Rezende, com "Outros Cantos" (2016), continuam explorando as consequências daquele período sombrio, evidenciando como a memória da repressão segue viva na literatura nacional.