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Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS TEORIA E PRÁTICA DA PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA Autora: Anelise Donaduzzi 370.15 D674t Donaduzzi; Anelise Teoria e prática da psicopedagogia clínica/ Anelise Donaduzzi : UNIASSELVI, 2016. 137 p. : il. ISBN 978-85-69910-13-8 1.Psicopedagogia. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Bárbara Pricila Franz Profa. Cláudia Regina Pinto Michelli Prof. Ivan Tesck Profa. Kelly Luana Molinari Corrêa Revisão de Conteúdo: Profa. Fernanda Germani de Oliveira Chiaratti Revisão Gramatical: Profa. Sandra Pottmeier Revisão Pedagógica: Bárbara Pricila Franz Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci Copyright © Editora Grupo Uniasselvi 2016 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. UNIASSELVI – Indaial. Possui graduação em Educação Especial pela Universidade Federal de Santa Maria (1990), Pós Graduação em Psicopedagogia (1999), Pós Graduação em Alfabetização (1995) e mestrado em Educação pela Universidade do Vale do Itajaí (2003). Atualmente é psicopedagoga clínica em Blumenau, professor autor da Fundação Universidade Regional de Blumenau, professor do Instituto de Pós Graduação e Extensão e professor do Instituto Catarinense de Pós- Graduação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Especial e Psicopedagogia, atuando principalmente nos seguintes temas: psicopedagogia clínica, difi culdade de aprendizagem, educação especial, inclusão, alfabetização. Anelise Donaduzzi Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................ 7 CAPÍTULO 1 A História da Psicopedagogia Clínica: uma prática em construção ........................................................ 9 CAPÍTULO 2 O Processo de Investigação Clínica: o diagnóstico psicopedagógico ............................................... 27 CAPÍTULO 3 A Intervenção Psicopedagógica Clínica: Ressignificando o Aprender ..................................................... 89 CAPÍTULO 4 Perfil, Competências e Habilidades do Psicopedagogo Clínico ...................................................... 123 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Bem-vindo à disciplina de Teoria e Prática da Psicopedagogia Clínica. Este é o nosso caderno de estudos, material elaborado com muito carinho, com o objetivo de contribuir para a realização dos seus estudos e para a ampliação de seus conhecimentos sobre a Psicopedagogia Clínica. Os capítulos foram organizados de forma didática e complementar. Eles apresentam as informações básicas, com algumas questões para sua reflexão e indicam outras referências que irão complementar seus estudos. O primeiro capítulo trata da história da psicopedagogia clínica, abordando os conceitos fundamentais para a prática psicopedagógica. Em seguida, no segundo capítulo, abordaremos as questões pertinentes ao diagnóstico avaliativo psicopedagógico: em quê consiste este diagnóstico, quais as abordagens que fundamentam essa prática e quais os instrumentos que a área da psicopedagogia dispõe para a realização de uma avaliação psicopedagógica. Fecharemos este capítulo com a apresentação de um caso para ilustrar o que foi discutido anteriormente. No terceiro capítulo, discutiremos sobre a intervenção psicopedagógica na perspectiva preventiva e terapêutica. Analisaremos as principais metodologias e os principais instrumentos disponíveis para a realização da prática psicopedagógica na proposta interventiva. Novamente, encerraremos o capítulo com a apresentação de um caso clínico a fim de relacionar a teoria com a prática psicopedagógica. Finalmente, no último capítulo, fecharemos o nosso caderno com a discussão sobre o perfil, as competências e as habilidades que o psicopedagogo clínico deve desenvolver para o exercício pleno do seu trabalho. Levaremos você, caro (a) aluno (a), à reflexão (ou a refletir) sobre a postura e habilidades pessoais inerentes à prática da psicopedagogia. Espero que esse caderno corresponda às suas expectativas. Desejo a você um bom trabalho e que aproveite ao máximo o estudo dos temas abordados nesta disciplina! A autora. CAPÍTULO 1 A História da Psicopedagogia Clínica: uma prática em construção A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer a história da psicopedagogia clínica; Compreender os principais conceitos que fundamentam a prática da psicopedagogia clínica; Relacionar os conceitos da psicopedagogia clínica com a sua prática. 10 Teoria e prática da psicopedagogia clínica 11 A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA: UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃOCapítulo 1 ConteXtualiZação Atualmente, a psicopedagogia é um campo do saber amplamente conhecido e divulgado. No contexto escolar, hoje em dia, é muito comum haver uma parceria entre a escola e o profi ssional da psicopedagogia, principalmente no trabalho com alunos com difi culdades de aprendizagem. Acredito que você, aluno, já deva ter ouvido diversas pessoas se referirem à psicopedagogia, não é mesmo? Mas, nem sempre foi assim... Podemos dizer que esta área do conhecimento ainda é relativamente nova e seu corpo teórico encontra-se em permanente construção. Esse saber não está pronto e acabado, uma vez que dialoga constantemente com as outras áreas do conhecimento e recebe infl uência direta delas. Afi rmamos então, que a psicopedagogia é uma área do conhecimento multidisciplinar por receber infl uência e infl uenciar outras áreas, tais como a psicologia, a psicanálise, a linguística, a sociologia, a pedagogia, a neurologia, entre outras. Por esta razão, a psicopedagogia, desde os seus primórdios no Brasil, passou por várias fases na sua atuação, marcada pelas diferentes concepções que embasaram sua prática. Então, neste capítulo, aprofundaremos o nosso conhecimento sobre a trajetória da psicopedagogia no Brasil, até chegarmos ao momento atual. Discutiremos, também, os principais conceitos que se encontram presentes no fazer psicopedagógico. Com certeza, teremos um importante caminho de refl exões e discussões pela frente. Prontos para darmos início a essa jornada? A Psicopedagogia Clínica e sua História A maioria das produções científi cas que discutem as ações da psicopedagogia, seja no âmbito educacional ou clínico, foca a sua análise no processo de aprendizagem ou, mais especifi camente, na análise dos problemas de aprendizagem. Tal fato está intimamente relacionado às próprias origens da psicopedagogia enquanto área do conhecimento. De acordo com Bossa (2011, p. 20), “a psicopedagogia nasceu de uma necessidade: contribuir na busca de soluções para a difícil questão do problema de aprendizagem.” Portanto, seu surgimento respondeu, em primeira instância, a necessidade de melhor compreender as Necessidade de melhor compreender as difi culdades decorrentes do processo de aprendizagem. 12 Teoria e prática da psicopedagogia clínica difi culdades decorrentes do processo de aprendizagem, para evitar ou tratar os problemas que por ventura pudessem surgir. Num primeiro momento, as ações da psicopedagogia priorizavam, geralmente, a dimensão individual e cognitiva no processo de aprendizagem, pois a aprendizagem era concebida como um fenômeno que ocorria no interior do sujeito. O papel social, da família e das interações entre sujeitos e seu processo de aprendizagem, acabavam não sendo levados em consideração ou eram deixados para um segundo plano. Para compreendermos melhor, vamos buscar as origens destamelhor. Não gostei da professora, gritava muito. • Eu não queria aprender a ler e a escrever. Tenho medo de tirar nota baixa, repetir ano e perder os amigos. Tive difi culdade no colégio A, não era bom o ensino; aí, minha mãe me tirou e pôs em outra escola; aí, o segundo colégio não era bom e minha mãe botou em outro; aí, ela não gostou e eu voltei para o primeiro. 44 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Atividade de Estudos: 1) Escolha uma das queixas dos exemplos dados acima e elabore três hipóteses que possam justifi car tal queixa. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Devemos receber a queixa trazida pelos pais e pedir que estes desenvolvam uma descrição sobre o que querem dizer essas palavras, quem as diz, por que o dizem, que pensam eles do por quê disto e o que essa difi culdade signifi ca para eles. Podemos solicitar que descrevam alguma cena familiar em que fi que em evidência a queixa, para que o profi ssional consiga perceber no concreto as situações que causam incômodo para a família e para o paciente. Para fi nalizar esse primeiro contato, o psicopedagogo deve investigar com os pais e com o próprio paciente o que eles esperam do atendimento psicopedagógico e quais as suas fantasias sobre o trabalho pois, é fundamental que o profi ssional saiba quais são as expectativas da família/paciente sobre o seu trabalho. b) Anamnese A realização de uma anamnese completa é um dos pontos cruciais de um bom diagnóstico. Ela objetiva colher dados signifi cativos sobre a história de vida do paciente. Da análise do seu conteúdo obtemos dados para o levantamento de hipóteses sobre a possível origem do caso, bem como sobre os seus desdobramentos. É necessário que a mesma seja bem conduzida e registrada. Porém, seu registro não deve inibir ou interferir no momento da conversa por isso, orienta-se que durante a sessão, seja registrado somente o mais importante para, logo após o término, a conversa ser transcrita na íntegra. O psicopedagogo deve investigar com os pais e com o próprio paciente o que eles esperam do atendimento psicopedagógico. Da análise do seu conteúdo obtemos dados para o levantamento de hipóteses sobre a possível origem do caso. 45 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 É ela que possibilita a integração das dimensões de passado, presente e futuro do paciente, permitindo perceber a construção ou não de sua própria continuidade e das diferentes gerações [...]. A visão familiar da história de vida do paciente traz em seu bojo seus preconceitos, normas, expectativas, a circulação dos afetos e do conhecimento, além do peso das gerações anteriores que é depositado sobre o paciente (WEISS, 1994, p.48). Para Weiss (1994), durante a realização dos encontros com a família, é importante que o psicopedagogo tenha em mente dois grandes eixos que nortearão as conversas e possibilitarão uma posterior análise. Em primeiro lugar, deve estar presente o eixo horizontal, onde se explora basicamente o momento presente. Este eixo permite que se realize a contextualização do problema existente no “aqui e agora”. O eixo vertical é o eixo histórico e onde se busca a construção geral do sujeito e do seu problema. • 1º Horizontal – A-Histórico – Visão do Presente; “AQUI, AGORA, COMIGO”. • 2º Vertical – Histórico – Visão do Passado, Visão da Construção do Sujeito (WEISS, 1994, p. 15). Figura 1 – Eixo Horizontal e Eixo Vertical Fonte: WEISS (1994, p. 16). Devemos ter claro que os dados obtidos na anamnese estarão contaminados pela percepção que os pais têm dos fatos e o entrevistador estará construindo uma imagem do sujeito sob a ótica dos pais, se este momento acontecer nos primeiros encontros. Em função de não se “contaminar” pelo que é dito sobre o sujeito que a proposta da Epistemologia Convergente opta por realizar a anamnese depois de todos os encontros com o sujeito. Visão do Presente. Visão do Passado 46 Teoria e prática da psicopedagogia clínica A entrevista deve ser conduzida pelo psicopedagogo, de forma que possa deixar a família a vontade, para que não se sintam como se estivessem respondendo a um questionário rígido e formal. O modelo de anamnese que deve ser seguido é o modelo de entrevista semi-aberta, onde o entrevistado tem maior liberdade para falar. Sob hipótese alguma a anamnese, em atendimento clínico, pode ser feito por meio de perguntas e respostas. É importante que o psicopedagogo tenha um roteiro em mãos em que possa se basear enquanto realiza a entrevista e onde possa ir anotando, à medida que a família vai expondo. De acordo com Sampaio (2012, p. 143) “deixá-los falar espontaneamente permite ao psicopedagogo avaliar o que eles recordam para falar, qual a sequência e a importância dos fatos”. ROTEIRO DA ANAMNESE Gravidez / Parto; Alimentação; Primeiras aprendizagens informais; Desenvolvimento geral da criança; Sono; História clínica; História escolar; Comportamento; Independência; Rotina; Aspectos social/afetivo. Fonte: A autora. A partir deste roteiro, o psicopedagogo deverá fi car atento ao que é dito e por quem é dito, e investigar os seguintes pontos, conforme Sampaio (2012, p. 145): • Há consciência da família em relação às difi culdades da criança? • A família auxilia o desenvolvimento da autonomia? • Os pais são muito autoritários e causam medo na criança? • A família participa e incentiva descobertas pela criança? • Há estímulos em casa relacionados a aprendizagem? • Nesta família circula a afetividade, ou só há cobranças? • Os limites são impostos e como são colocados? • Qual a forma de punição dada por esta família? O modelo de anamnese que deve ser seguido é o modelo de entrevista semi- aberta, onde o entrevistado tem maior liberdade para falar. 47 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 Neste site, você encontra um roteiro bastante completo e detalhado de uma anamnese psicopedagógica. Segue o link: . c) Sessão Lúdica Centrada na Aprendizagem ou “A Hora do Jogo” Com toda a certeza, podemos afi rmar que observar uma criança brincando é uma grande oportunidade para conhecer e compreender seu modo de agir e de pensar. Quando uma criança interage com brinquedos, ela expressa a realidade do seu mundo interno e a sua relação com o mundo externo através do brincar. Brincar é uma forma de expressão, pois através do jogo a criança defi ne seus papéis, seu espaço, mostrando suas relações interpessoais. Concordo com Fernández (1991), quando afi rma que o espaço de aprendizagem e o espaço de jogar/brincar são coincidentes, já que a criança utiliza as mesmas estruturas mentais em ambos os casos. De acordo com Caierão (2013, p. 49): A Psicopedagogia, cuja função é mediar o processo de aprendizagem de quem se encontra impossibilitado de fazê- lo e resgatar o prazer de aprender, fazendo-se autor do seu próprio aprender, encontra na ação do brincar os principais fundamentos para a sua prática emancipatória com crianças, pois não há como fazer Psicopedagogia fora da perspectiva lúdica, já que a ludicidade implica construção, autoria e prazer. A observação lúdica é uma técnica de coleta de dados que auxilia o psicopedagogo a investigar os aspectos mais signifi cativos do brincar para a formulação das suas hipóteses sobre o quadro de difi culdade de aprendizagem que a criança vem enfrentando. Contudo, o profi ssional precisa saber “ler”as brincadeiras e esse é um dos maiores desafi os do nosso trabalho. Na sessão “A Hora do Jogo”, o psicopedagogo deve observar a criança brincando, bem como os instrumentos que ela utiliza para determinado fi m. Trata- se de uma observação espontânea na qual a motivação por brincar deve ser a maior preocupação da criança, do que o fato de se sentir observada. É importante lembrar que é a criança quem deve conduzir a brincadeira e, neste caso, o psicopedagogo só irá participar quando for solicitado. O espaço de aprendizagem e o espaço de jogar/brincar são coincidentes, já que a criança utiliza as mesmas estruturas mentais em ambos os casos. 48 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Caierão (2013) nos alerta que a “Hora do Jogo” não é um método, mas sim, uma técnica utilizada para diagnosticar o problema de aprendizagem e que o profi ssional deve prestar especial atenção ao processo de construção do simbólico presente neste momento. O psicopedagogo deve possuir objetivos claros ao realizar uma sessão lúdica ou uma sessão “A Hora do Jogo”, durante uma avaliação psicopedagógica. Listarei, a seguir, os principais objetivos para a utilização dessa técnica (WEISS, 1994; FERNÁNDEZ, 1991; PAIN, 1992): • Conhecer o universo interno da criança e a forma como se relaciona com o meio externo; • Estabelecer um vínculo positivo com a criança; • Levantar hipóteses sobre a sua modalidade de aprendizagem; • Levantar hipóteses sobre sua capacidade de simbolização; • Auxiliar no diagnóstico de crianças que não respondem a outras formas de avaliação; • Auxiliar na investigação dos processos cognitivos e afetivos – sociais da criança em questão. Mas, afi nal, como o psicopedagogo realiza essa técnica durante a avaliação? Em primeiro lugar, o psicopedagogo deve selecionar brinquedos e jogos diversos de acordo com o sexo da criança, o seu interesse e o que se quer investigar. Os brinquedos são colocados em uma caixa e são oferecidos para que a criança interaja com eles. A criança deve sentir liberdade na escolha e na condução das brincadeiras. O psicopedagogo deve entrar nas propostas, somente quando for solicitado, interferindo o mínimo possível no transcorrer da brincadeira. Lembre-se, é a criança quem conduz a situação. São exemplos de materiais que podem compor a caixa: quebra-cabeça, dominó, pega vareta, outros jogos de regras de acordo com a idade da criança, massinha de modelar, folhas e lápis de cor, livrinhos de história, blocos de montar, animais em miniaturas, carrinhos e bonecos, entre outros. Mas lembre-se, esta caixa tem que ser montada para cada criança, de acordo com as suas particularidades. Enquanto a criança brinca, o psicopedagogo deverá estar atento e observar diversos pontos. Entre eles: • A interação da criança frente ao brinquedo; • O repertório cognitivo, afetivo, motor, funcional e social, utilizados durante o ato de brincar; O psicopedagogo deve possuir objetivos claros ao realizar uma sessão lúdica ou uma sessão “A Hora do Jogo”. Deve selecionar brinquedos e jogos diversos de acordo com o sexo da criança, o seu interesse e o que se quer investigar. 49 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 • O nível e o tipo de linguagem; • A conduta; • O uso do brinquedo enquanto função real e/ou função semiótica (ou simbólica); • A proposta de brincadeiras; • A centralização de brinquedos regressivos ou superiores a idade da criança; • O nível de interação com o psicopedagogo (WEISS, 1994; FERNÁNDEZ, 1991; PAIN, 1992). O psicopedagogo deve também observar o modo como essa criança brinca, conforme Gomes e Azevedo (2016): • Usa o material mais ao alcance da mão, não explorando os restantes; • Explora todo o material e depois se fi xa em alguma coisa; • Escolhe os materiais planejando uma brincadeira; • Estrutura uma brincadeira com começo, meio e fi m, com coerência interna; • Tem fl exibilidade no uso dos objetos, modifi cando-o conforme a necessidade; • As brincadeiras são criativas ou são repetições de situações convencionais; • Começa uma atividade e a interrompe passando a outra, sem nunca concluir a primeira; • Permanece concentrado durante a brincadeira; • Qual o conteúdo das suas brincadeiras; • Quais os papéis que desempenha durante o jogo simbólico; • Resolve as situações problemáticas que surgirem; • Utilização do corpo durante a brincadeira, aspecto motor. E fi nalmente, o psicopedagogo deve observar como a criança interage com o profi ssional, conforme Gomes e Azevedo (2016): • Brinca sozinho, concentrado, ignorando o terapeuta; • Brinca sozinho, mas olhando constantemente para o terapeuta; • Fica dependendo do terapeuta para brincar, pedindo sempre a sua ajuda; • Solicita a ajuda somente quando esta é necessária; • Só escolhe brincadeiras que necessitam da participação do terapeuta como parceiro. Como o tema do brincar na psicopedagogia, ocupa um lugar de destaque, é muito importante que você, futuro psicopedagogo, se aprofunde neste tema e aprimore os seus estudos. Sugiro a leitura de um pequeno artigo que aponta a dimensão simbólica 50 Teoria e prática da psicopedagogia clínica e afetiva presente no brincar, bem como a sua importância para a aprendizagem. Você encontrará o artigo no link: . Podemos afi rmar que não existe nenhuma prática psicopedagógica que não tenha relação direta com o brincar, pois qualquer atividade lúdica implica em construção e prazer. Sabemos também, que é através do brincar que as crianças se expressam, portanto, será também através do brincar que o psicopedagogo estabelecerá um vínculo com ela. Você já viu o quanto é rico o brincar de uma criança? Atividade de Estudos: 1) Que tal você observar uma criança brincando espontaneamente? Tente observá-la durante uma brincadeira e não interfi ra. Siga o roteiro de observação apresentado anteriormente e anote os seus comentários. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ d) Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem – E.O.C.A. A Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem ou EOCA foi desenvolvida pelo psicólogo e psicopedagogo argentino Jorge Visca, inspirado na teoria da Psicologia Social de Pichon-Rivière, na Psicanálise e no método clínico da Escola de Genebra. De acordo com Barbosa (2013, p.69) “[...] o autor relata o surgimento deste Instrumento a partir da necessidade de situar seus atendimentos a partir do lugar do saber, valorizando o sujeito cognoscente”. Desta forma, este instrumento possibilita a sondagem da problemática da aprendizagem e auxilia o profi ssional a conhecer e construir uma imagem do sujeito enquanto aprendente. O surgimento deste Instrumento a partir da necessidade de situar seus atendimentos a partir do lugar do saber, valorizando o sujeito cognoscente. 51 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 Três aspectos devem ser observados durante a realização da EOCA (BARBOSA, 2013): – a temática que é tudo aquilo que o sujeito diz e o signifi cado manifesto e latente do conteúdo do que é dito; – a dinâmica que é tudo aquilo que o sujeito faz e que é expresso através do seu corpo, dos gestos, da entonação de voz, da maneira de sentar, de manipular os objetos, e – o produto que é tudo aquilo que o sujeito apresenta, que ele deixa registrado, que poderá ser uma escrita, um desenho, contas, a leitura, entre outros. • Objetivos da EOCA: – Detectar os sintomas das dificuldades apresentadas; – Formular hipóteses sobre as causas das quais emergem os sintomas; – Observar seus conhecimentos, atitudes, destrezas, ansiedades, conduta etc; – Obter dados a respeito do paciente nos aspectos afetivos e cognitivos, a fi m de formular um sistema de hipóteses e delinear linhas de investigação (CHAMAT, 2004, p. 72). • Materiais para a EOCA: Os materiais são dispostos sobre uma mesa e apresentados ao paciente. Normalmente são utilizados os seguintes materiais: – Folhas de papel A4, folhas pautadas; – Lápis novo sem ponta; – Apontador; – Caneta esferográfi ca; – Massa de modelar; – Borracha; – Tesoura e cola; – Papéis coloridos; – Régua; – Revistas e livros; – Canetas hidrográfi cas e lápis de cor. • Técnica: A EOCA é uma técnica simples, porém muito rica nos seus resultados. Através dela o psicopedagogo consegue reconhecer as possibilidades do sujeito diante do conhecimento (VISCA, 1987; SAMPAIO, 2012). Ela deve ser aplicada em apenas uma sessão e o O psicopedagogo consegue reconhecer as possibilidades do sujeito diante do conhecimento. 52 Teoria e prática da psicopedagogia clínica material deve estar de acordo com a idade do sujeito, pois pode ser utilizada em crianças a partir dos 5 anos até a idade adulta. É interessante deixar o material dentro da própria embalagem (lápis de cor, canetinhas, massa de modelar), para que o profi ssional possa observar a autonomia e a iniciativa do paciente. Deve-se começar solicitando ao sujeito (consigna) “Gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer, o que já lhe ensinaram.” “Esse material é para você usar e me mostrar o que já aprendeu.” Caso a criança não tome nenhuma iniciativa e fi que paralisada diante da proposta, o psicopedagogo pode repetir a consigna e acrescentar “Você pode desenhar, escrever, fazer alguma coisa de matemática ou qualquer outra coisa que lhe venha à cabeça.” • Roteiro de Observação: ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO Marque as questões observadas Em relação à Temática: ( ) fala muito durante todo o tempo da sessão ( ) fala pouco durante todo o tempo da sessão ( ) verbaliza bem as palavras ( ) expressa com facilidade ( ) apresenta difi culdades para se expressar verbalmente ( ) fala de suas ideias, vontades e desejos ( ) mostra-se retraído para se expor ( ) sua fala tem lógica e sequência de fatos ( ) parece viver num mundo de fantasias ( ) tem consciência do que é real e do que é imaginário ( ) conversa com o terapeuta sem constrangimento Observação: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Em relação à Dinâmica: ( ) o tom de voz é baixo ( ) o tom de voz é alto ( ) sabe usar o tom de voz adequadamente ( ) gesticula muito para falar ( ) não consegue fi car sentado 53 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 ( ) tem atenção e concentração ( ) anda o tempo todo ( ) muda de lugar e troca de materiais constantemente ( ) pensa antes de criar ou montar algo ( ) apresenta baixa tolerância à frustração ( ) diante de difi culdades desiste fácil ( ) tem persistência e paciência ( ) realiza as atividades com capricho ( ) possui hábitos de higiene e zelo com os materiais ( ) sabe usar os materiais disponíveis, conhece a utilidade de cada um ( ) ao pegar os materiais, devolve no lugar depois de usá-los ( ) não guarda o material que usou ( ) apresenta iniciativa ( ) ocupa todo o espaço disponível ( ) possui boa postura corporal ( ) deixa cair objetos que pega ( ) faz brincadeiras simbólicas ( ) expressa sentimentos nas brincadeiras ( ) leitura adequada à escolaridade ( ) interpretação de texto adequada à escolaridade ( ) faz cálculos ( ) escrita adequada à escolaridade Observação: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Em relação ao Produto: ( ) desenha e depois escreve ( ) escreve primeiro e depois desenha ( ) apresenta os seus desenhos com forma e compreensão ( ) não consegue contar ou falar sobre os seus desenhos e escrita ( ) se nega a descrever sua produção para o terapeuta ( ) sente prazer ao terminar sua atividade e mostrar ( ) demonstra insatisfação com os seus feitos ( ) sente-se capaz para executar o que foi proposto ( ) sente-se incapaz para executar o que foi proposto ( ) os desenhos estão no nível da idade do entrevistado ( ) prefere materiais que lhe possibilite construir, montar e criar ( ) fi ca preso ao papel e lápis ( ) executa a atividade com tranquilidade ( ) demonstra agressividade de alguma forma em seus desenhos e suas criações ou no comportamento ( ) é criativo(a) 54 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Observação: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Conclusão: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Fonte: Disponível em: . Acesso em: 01 mar. 2016. Existem muitos aspectos a serem observados durante a realização da EOCA. Este roteiro que acaba de ser apresentado, auxilia o psicopedagogo a dirigir o seu olhar para os pontos relevantes desta entrevista. É importante que você, futuro psicopedagogo, aprofunde os seus estudos sobre esta proposta, antes de utilizá-la. Vamos agora ler uma parte do texto Diagnóstico Psicopedagógico: O Desafi o de Montar um Quebra-cabeça, escrito pela psicopedagoga Simaia Sampaio, para conhecer um pouco mais sobre a proposta: DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICO: O DESAFIO DE MONTAR UM QUEBRA-CABEÇA A realização da EOCA tem a intenção de investigar o modelo de aprendizagem do sujeito sendo sua prática baseada na psicologia social de Pichón Rivière, nos postulados da psicanálise e método clínico da Escola de Genebra (BOSSA, 2000, p. 44). Para Visca, a EOCA deverá ser um instrumento simples, porém rico em seus resultados. Consiste em solicitar ao sujeito que mostre ao entrevistador o que ele sabe fazer, o que lhe ensinaram a fazer e o que aprendeu a fazer, utilizando-se de materiais dispostos sobre a 55 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 mesa, após a seguinte observação do entrevistador: “este material é para que você o use se precisar para mostrar-me o que te falei que queria saber de você” (VISCA, 1987, p. 72). O entrevistador poderá apresentar vários materiais tais como: folhas de ofício tamanho A4, borracha, caneta, tesoura, régua, livros ou revistas, barbantes, cola, lápis, massa de modelar, lápis de cor, lápis de cera, quebra-cabeça ou ainda outros materiais que julgar necessários. O entrevistado tende a comportar-se de diferentes maneiras após ouvir a consigna. Alguns imediatamente pegam o material e começam a desenhar ou escrever etc. Outros começam a falar, outros pedem que lhe digam o que fazer, e outros simplesmente fi cam paralisados. Neste último caso, Visca nos propõe empregar o que ele chamou de modelo de alternativa múltipla (1987, p. 73), cuja intenção é desencadear respostas por parte do sujeito. Visca nos dá um exemplo de como devemos conduzir esta situação: “você pode desenhar, escrever, fazeralguma coisa de matemática ou qualquer coisa que lhe venha à cabeça...” (1987, p. 73). Vejamos o que Sara Paín nos fala sobre esta falta de ação na atividade “A hora do jogo” (atividade trabalhada por alguns psicólogos ou Psicopedagogos que não se aplica à Epistemologia Convergente, porém é interessante citar para percebermos a relação do sujeito com o objeto): No outro extremo encontramos a criança que não toma qualquer contato com os objetos. Às vezes se trata de uma evitação fóbica que pode ceder ao estímulo. Outras vezes se trata de um desligamento da realidade, uma indiferença sem ansiedade, na qual o sujeito se dobra às vezes sobre seu próprio corpo e outras vezes permanece numa atividade quase catatônica. (1992, p. 53). Piaget, em Psicología de la Inteligência, coloca que: O indivíduo não atua senão quando experimenta a necessidade; ou seja; quando o equilíbrio se acha momentaneamente quebrado entre o meio e o organismo, a ação tende a reestabelecer este equilíbrio, quer dizer, precisamente, a readaptar o organismo... (PIAGET apud VISCA, 1991, p. 41). De acordo com Visca, o que nos interessa observar na EOCA são “...seus conhecimentos, atitudes, destrezas, mecanismos de defesa, ansiedades, áreas de expressão da conduta, níveis de operatividade, mobilidade horizontal e vertical etc (1987, p. 73). 56 Teoria e prática da psicopedagogia clínica É importante também observar três aspectos que fornecerão um sistema de hipóteses a serem verifi cados em outros momentos do diagnóstico: A temática – é tudo aquilo que o sujeito diz, tendo sempre um aspecto manifesto e outro latente; A dinâmica – é tudo aquilo que o sujeito faz, ou seja, gestos, tons de voz, postura corporal, etc). A forma de pegar os materiais, de sentar- se são tão ou mais reveladores do que os comentários e o produto. O produto – é tudo aquilo que o sujeito deixa no papel. (Id. Ibid., 1987, p. 74) Visca (1987) observa que o que obtemos nesta primeira entrevista é um conjunto de observações que deverão ser submetidas a uma verifi cação mais rigorosa, constituindo o próximo passo para o processo diagnóstico. É da EOCA que o psicopedagogo extrairá o 1º Sistema de hipóteses e defi nirá sua linha de pesquisa. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 01 mar. 2016. Para fi nalizar esta etapa, vale ressaltar que a EOCA é um instrumento muito rico e que nos dá a possibilidade de conhecer os aspectos operativos e a vinculação do sujeito com a aprendizagem. A partir dela, podemos construir várias hipóteses sobre o que está interferindo na aprendizagem daquele sujeito. Tais hipóteses poderão ser confi rmadas ou descartadas ao longo das próximas etapas do diagnóstico avaliativo. e) Diagnóstico Operatório de Piaget (DOP) Você, em seus estudos anteriores, já deve ter lido e ouvido falar muito em Jean Piaget, não é mesmo? Sem sombra de dúvidas, a teoria deste “epistemólogo” é de fundamental importância para a psicopedagogia. Foi a partir dos seus estudos e da elaboração da teoria da Epistemologia Genética, que começamos a compreender que o conhecimento não está previamente no sujeito, mas sim, que ele se constrói pela interação entre o sujeito e o meio (objeto). Sendo assim, ninguém pode aprender algo que esteja acima do seu nível de estrutura cognitiva, pois a construção do conhecimento é gradual e contínua. O conhecimento não está previamente no sujeito, mas sim, que ele se constrói pela interação entre o sujeito e o meio (objeto). Ninguém pode aprender algo que esteja acima do seu nível de estrutura cognitiva, pois a construção do conhecimento é gradual e contínua. 57 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 Pensando nisso, Piaget propõe que o desenvolvimento cognitivo de um sujeito aconteça seguindo uma sequência de fases, que possuem determinadas características cognitivas. Vamos relembrar estas fases ou os estágios do desenvolvimento cognitivo proposto por Piaget? 1º Estágio – Sensório-Motor (de 0 a 2 anos aproximadamente): é quando se inicia o desenvolvimento da inteligência na criança. Nessa fase, as primeiras aprendizagens se dão a partir dos refl exos, que vão se transformando em movimentos intencionais. Também, para que o conhecimento se construa neste estágio, é necessário que aconteça o contato físico com os objetos. 2º Estágio Pré-Operatório (de 2 a 7 anos aproximadamente): nesta fase, as crianças já possuem estruturas um pouco mais elaboradas e utilizam-se das atividades representativas para interagirem com o meio. Esta fase se inicia com a construção da função simbólica, que proporciona o desenvolvimento da linguagem, da brincadeira simbólica (ou do faz-de-conta) e do desenho. O pensamento da criança, neste estágio, ainda não é reversível. 3º Estágio das Operações Concretas (dos 7 aos 12 anos aproxima-damente): nesta fase, a criança consegue operar através de experiências mentais, sem precisar, necessariamente, da presença do objeto concreto. Desta forma, consegue perceber as transformações e conservar, alcançando a reversibilidade mental, ou seja, já é capaz de fazer uma operação ao contrário, retornando ao seu início. 4º Estágio Operatório Formal (dos 12 anos até a idade adulta): a partir desta fase, o adolescente já pode compreender situações mais abstratas, pois já é capaz de lidar com hipóteses, deduzindo conclusões a partir delas (pensamento hipotético-dedutivo). Esta é a etapa mais desenvolvida da inteligência humana. Quer saber mais sobre o assunto? Pesquise no livro: GOULART, Iris Barbosa. Piaget: experiências básicas para a utilização do professor. 29. ed. Florianópolis: Editora Vozes, 2013. Com uma linguagem acessível, a autora apresenta a teoria piagetiana de uma forma simples e com exemplos práticos. 1º Estágio – Sensório-Motor. 2º Estágio Pré- Operatório. 3º Estágio das Operações Concretas. 4º Estágio Operatório Formal 58 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Então, vamos agora ao Diagnóstico Operatório? Inicialmente, é importante assinalar que a utilização deste instrumento nos possibilita conhecer o funcionamento cognitivo e lógico do sujeito, se existe alguma defasagem em relação à sua idade cronológica. De acordo com Sampaio (2012, p. 41): Uma criança com difi culdades de aprendizagem poderá ter uma idade cognitiva diferente da idade cronológica. Esta criança encontra-se com uma defasagem cognitiva e esta pode ser a causa de suas difi culdades de aprendizagem, pois será difícil para a criança entender um conteúdo que está acima da sua capacidade cognitiva. O Diagnóstico Operatório é composto de várias provas que avaliam a funcionalidade cognitiva, a forma como o sujeito opera com o conhecimento, bem como quais as suas hipóteses sobre determinada situação. Existe uma sequencia lógica para a sua utilização, partindo-se da idade do sujeito avaliado. Vamos conhecer as provas que compõe o Diagnóstico Operatório? Provas de Conservação de: - pequenos conjuntos discretos de elementos; - superfície; - líquido; - matéria; - peso; - volume; - comprimento Provas de Classifi cação: - mudança de critério; - quantifi cação da inclusão de classes; - intersecção de classes. Prova de Seriação: - seriação de palitos. Provas de Espaço: - espaço unidimensional; - espaço bidimensional; - espaço tridimensional. Provas de Pensamento Formal: - combinação de fi chas; - permutação de fi chas; - predição. Fonte: Sampaio (2012, p. 43, 44). Possibilita conhecer o funcionamento cognitivo e lógico do sujeito. 59 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 Estas provas devem ser selecionadas partindo-se da idade cronológica do sujeito. Caso ele não obtenha sucesso nas respostas, deve-se realizar as provas do nível anterior à sua idade, e assim sucessivamente, até que ele obtenha sucesso nas respostas. Para facilitar a compreensão,apresentarei um quadro com a seleção das provas de acordo com a idade do sujeito. Quadro 3 – Seleção do tipo de prova de acordo com a idade cronológica Idade Cronológica Tipo de prova Até 6 anos - Seriação. - Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos. 7 anos - Seriação. - Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos. - Conservação de massa. - Conservação de comprimento. - Conservação de superfície. - Conservação de líquido. - Espaço unidimensional. 8 e 9 anos - Conservação de massa. - Conservação de comprimento. - Conservação de superfície. - Conservação de líquido. - Conservação de peso. - Mudança de critério. - Quantificação de inclusão de classes. - Intersecção de classes. - Espaço unidimensional. - Espaço bidimensional. 10 a 11 anos - Todas as provas de 8 e 9 anos, mais a de Conservação de volume. Acima de 12 anos - Conservação de volume. - Combinação de fichas. - Permutação de fichas. - Predição. - Espaço tridimensional. Fonte: Adaptado de Sampaio (2012). Para a avaliação das respostas dadas pelos sujeitos, durante a aplicação das provas, tais respostas podem ser divididas em três níveis: • Nível 1: Não há conservação e o sujeito não atinge o nível operatório nesse domínio. Estas provas devem ser selecionadas partindo-se da idade cronológica do sujeito. 60 Teoria e prática da psicopedagogia clínica • Nível 2 ou intermediário: As respostas apresentam oscilações ou não são completas. Em um momento conserva, em outro não. • Nível 3: As respostas demonstram que o sujeito adquiriu a noção, sem vacilos. Conserva (SAMPAIO, 2012). É importante ressaltar que a utilização das provas, não tem caráter de teste de inteligência como, erroneamente, alguns profi ssionais utilizam. Como falamos, o seu objetivo é conhecer como o sujeito opera e qual a lógica que ele utiliza. Vamos conhecer um pouco mais sobre o método clínico de investigação proposto por Jean Piaget? Este vídeo nos mostra um pouco da teoria piagetiana e discute sobre o método utilizado por ele. Acesse: . Em todos os seus estudos, Piaget demonstrou que devemos estar sempre muito atentos aos “erros” cometidos pelas crianças, pois, é justamente aí, que reside a sua lógica. Portanto, quando o psicopedagogo está aplicando o diagnóstico operatório, ele deve questionar a criança sobre as suas ações e ouvir atentamente seus argumentos para apropriar-se do seu funcionamento cognitivo. Atividade de Estudos: 1) Pesquise o conceito das seguintes palavras utilizadas pela teoria da Epistemologia Genética e escreva o seu signifi cado: - Epistemologia: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ - Interação: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A utilização das provas, não tem caráter de teste de inteligência. 61 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 - Estrutura Cognitiva: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ - Função Simbólica: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ - Reversibilidade: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ - Abstração: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ e) Técnicas Projetivas: O desenho é um dos principais instrumentos utilizados na psicopedagogia para conhecer a estrutura simbólica e subjetiva do sujeito. Quando uma criança desenha, ela está projetando no papel a sua realidade interior: seus confl itos, seus medos, seus desejos. Segundo Weiss (1994, p. 113), através das técnicas projetivas: O que se busca é descobrir como o sujeito usa seus próprios recursos cognitivos a serviço da expressão de suas emoções, face aos estímulos apresentados pelo terapeuta. O fundamental é a “leitura psicopedagógica” dessas situações e produtos para assim detectar o que está empobrecendo a aprendizagem ou produção escolar. Quando uma criança desenha, ela está projetando no papel a sua realidade interior. 62 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Podemos dizer que, para a psicopedagogia, estas técnicas têm como objetivo investigar os vínculos que o sujeito pode estabelecer em três grandes domínios: o escolar, o familiar e consigo mesmo. O princípio básico é de que a maneira do sujeito perceber, interpretar e estruturar o material ou a situação, refl ete os aspectos fundamentais do seu psiquismo (WEISS, 1994). Jorge Visca (1995), criador das técnicas projetivas psicopedagógicas, observa e recomenda que: • A interpretação de cada técnica projetiva deve ser realizada em função do sujeito em particular; • Não é necessário aplicar todas as provas, utilizar somente as necessárias em função do que se quer observar; • Não é recomendável aplicar mais do que duas provas projetivas na mesma sessão. Cada um dos grandes domínios propostos por Visca (1995) é composto por algumas provas específi cas, que serão apresentadas logo abaixo: • Vínculo Escolar: - Par Educativo; - Eu com meus companheiros; - A planta da sala de aula. • Vínculo Familiar: - A planta da minha casa; - Os 4 momentos do dia; - Família Educativa; - Família Cinética; - Família Projetiva. • Vínculo consigo mesmo: - O dia do meu aniversário; - Minhas férias; - Fazendo aquilo de que mais gosta; - O desenho em episódios; - Auto-retrato. Estas técnicas têm como objetivo investigar os vínculos que o sujeito pode estabelecer em três grandes domínios: o escolar, o familiar e consigo mesmo. 63 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 Quadro 4 - Nove setores que analisam os vínculos afetivos da criança Domínio Prova O que investiga Idade Escolar Par educativo O vínculo de aprendizagem 6/7 anos Eu com meus colegas O vínculo com os colegas de sala de aula 7/8 anos A planta da sala de aula A representação do campo geográfico da sala e as localizações, real e desejada, da mesma 8/9 anos Familiar A planta da minha casa A representação do campo geográfico do lugar em que mora e a localização real dentro do mesmo 8/9 anos As quatro partes de um dia Os vínculos ao longo de um dia 6/7 anos Família educativa O vínculo de aprendizagem com o grupo familiar e cada um dos integrantes do mesmo 6/7 anos Consigo mesmo O desenho em episódios A delimitação da continuidade da identidade psíqui- ca em função da quantidade dos afetos 4 anos O dia do meu aniversário A representação que se tem de si e do contexto fí- sico e sociodinâmico em um momento de transição de uma idade a outra 6/7 anos Nas minhas férias As atividades escolhidas durante o período de férias escolares 6/7 anos Fazendo o que mais gosto O tipo de atividadede que mais gosta 6/7 anos Fonte: Visca (1995, p. 18). Vamos conhecer as principais provas projetivas utilizadas durante a avaliação psicopedagógica? • Par Educativo (VISCA, 1995): – Objetivo: Investigar o vínculo da aprendizagem (com o professor, com a instituição, com os objetos e quem aprende). – Procedimento: pedir ao entrevistado que desenhe duas pessoas: uma que ensina e outra que aprende. Ao terminar, solicita-se que indique os nomes, idades, título do desenho e conte o que desenhou. 64 Teoria e prática da psicopedagogia clínica • Os Quatro Momentos do Dia (VISCA, 1995): – Objetivo: Investigar os vínculos ao longo de uma jornada (verifi car os momentos escolhidos, pessoas, campo geográfi co, objetos e sequência do desenho). – Procedimento: O entrevistador dobra uma folha em quatro partes iguais e pede-se que desenhe quatro momentos de seu dia, desde a hora que acorda até a hora que dorme. Pede-se que relate o que está acontecendo em cada desenho, solicita-se os detalhes, se forem omitidos. Faz-se as perguntas complementares. • Família Cinética (VISCA, 1995): – Objetivo: Observar a integração, dinâmica e posição da criança em relação à família. – Procedimento: Entregar uma folha e solicitar que desenhe a sua família fazendo algo. Pede-se que indique as idades, nomes, relação de parentesco e que comente sobre o que está acontecendo em seu desenho. Perguntas complementares. • Família Projetiva (VISCA, 1995): – Objetivo: Observar a representação que a criança faz de cada membro de sua família. – Procedimento: Solicitar que o entrevistado desenhe a sua família de uma forma diferente, sem a representação por pessoas. Ele deve imaginar as pessoas da família representadas de outra maneira, sem ser gente. Que coisas no mundo poderiam representar cada membro da sua família? Indagar o signifi cado de cada representação e justifi cativa. • Auto Retrato (VISCA, 1995): – Objetivo: Verifi car a auto-imagem do sujeito que aprende. – Procedimento: entregar uma folha e pedir que desenhe a si próprio como se fosse uma fotografi a. Explorar o desenho através de perguntas. E como devemos analisar esses desenhos? Sampaio (2012) nos dá algumas dicas de como pode ser feita esta análise e quais aspectos devemos fi car atentos. São eles: – O tamanho total do desenho; – O tamanho dos personagens; – Se o sujeito que desenha está presente nas cenas ou se não se desenha; – Quem não aparece nos desenhos; 65 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 – O distanciamento ou proximidade dos personagens; – Se usa a borracha de forma exagerada ou nunca usa; – A posição do desenho na folha. Não se esqueça: quem vai dar o signifi cado para o desenho é a própria criança. Portanto, escute com atenção o que vai ser dito sobre o desenho e explore todo o contexto do que foi desenhado. Você quer estudar mais sobre as técnicas projetivas psicopedagógicas? Então, não deixe de ler o livro de Jorge Visca: VISCA, Jorge. Técnicas projetivas psicopedagógicas e pautas gráfi cas para sua interpretação. 5. ed. Buenos Aires: Visca & Visca, 2015. Atividade de Estudo: 1) O desenho abaixo é a técnica projetiva do Par Educativo, feito por uma menina de 9 anos, aluna do 3º ano. Analise atentamente este desenho e escreva as principais características e indicativos de como essa aluna se vincula com a escola e com a aprendizagem. Figura 2 - Desenho do Par Educativo, feito por uma aluna do 3º ano, de 9 anos de idade. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 19 mar. 2016. 66 Teoria e prática da psicopedagogia clínica ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ f) Provas Pedagógicas: As provas pedagógicas dependem do nível de escolaridade do aluno, portanto são elaboradas para cada caso em específi co e constituem-se de situações pedagógicas que visam avaliar os pré- requisitos para a aprendizagem atual e se existe alguma defasagem pedagógica e de conteúdos que justifi que a difi culdade apresentada. As provas pedagógicas são constituídas de: leitura; interpretação da leitura; estruturação de texto; cálculos e situações problemas. Além das provas pedagógicas específi cas é importante que o psicopedagogo realize uma análise do material escolar da criança. Segundo Weiss (1994, p. 90): É necessário que se pesquise o que o paciente já aprendeu, como articula os diferentes conteúdos entre si, como faz uso desses conhecimentos nas diferentes situações escolares e sociais, como os usa no processo de assimilação de novos conhecimentos. É importante defi nir o nível pedagógico para se verifi car a adequação à série que cursa. O fato do psicopedagogo estar investigando os conhecimentos escolares, não signifi ca que ele deva reproduzir situações de sala de aula. Muito pelo contrário... Essas provas podem ser feitas através de jogos, com a utilização de computador ou outros recursos diferentes dos usados na escola. Visam avaliar os pré-requisitos para a aprendizagem atual e se existe alguma defasagem pedagógica e de conteúdos que justifi que a difi culdade apresentada. 67 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 De acordo com Weiss (1994); Acampora (2012), os itens mais importantes para que o psicopedagogo avalie durante as sessões são: • Alfabetização: quando a queixa escolar diz respeito a crianças em fase de alfabetização, este aspecto deve ser investigado. Devem ser verifi cadas quais as hipóteses a criança utiliza-se para ler e escrever. • Leitura / compreensão da leitura: deve ser selecionado um material de acordo com a idade e a série da criança e deve ser solicitado que ela leia, num primeiro momento, realize uma leitura silenciosa. Ao fi nal da leitura, verifi ca-se se ela compreendeu o sentido do texto e se é capaz de sintetizá-lo. Finalmente, a criança deve ler uma parte do mesmo texto em voz alta. • Escrita: solicita-se que a criança escreva uma história, um relato ou algo que seja signifi cativo a ela, sempre levando em consideração a sua série e idade. Avalia-se a escrita quanto a sua estrutura, organização, ortografi a, pontuação e criatividade. • Matemática: deve-se avaliar o raciocínio matemático, o cálculo, a resolução de situações problemas e o cálculo mental. Pode-se colocar desafi os mais lúdicos e resolução de situações problemas a partir de jogos. Também, durante esta etapa do diagnóstico psicopedagógico, é importante analisar o material escolar do paciente. Verifi car a sua organização, capricho, qualidade da letra, resolução das atividades, tarefas, provas etc. Por meio da análise dos cadernos e do material escolar, podemos observar a identifi cação do sujeito com o seu instrumento de trabalho e a sua relação vincular com o conhecimento. g) Levantamento de Dados do Desempenho Escolar: Este levantamento é feito através de conversa com professores (atuais e do ano anterior, se necessário) e com a coordenação e direção da escola em que a criança estuda. Esta conversa tem por objetivo colher dados e informações sobre o desempenho escolar atual e pregresso, bem como do comportamento e interação social no ambiente escolar. Normalmente acontece ao fi nal do diagnóstico psicopedagógico, mas pode ser feitaem qualquer momento, dependendo do caso. • O psicopedagogo, durante a sua conversa, deverá investigar os seguintes aspectos: • Quanto aos aspectos sócio-afetivos, quais os pontos favoráveis e quais necessitam melhorar no aluno? (relacionamento com a escola, professores, colegas) Tem por objetivo colher dados e informações sobre o desempenho escolar atual e pregresso, bem como do comportamento e interação social no ambiente escolar. • Alfabetização, • Leitura / compreensão da leitura, • Escrita e • Matemática 68 Teoria e prática da psicopedagogia clínica • Como é o desempenho do aluno? - quanto a organização? - quanto a responsabilidade? - quanto a atenção? - quanto a motivação? - ritmo de trabalho? • Em quais áreas ou disciplinas apresenta difi culdades? • Quando estas aparecem? • Como é o relacionamento entre a família e a escola? h) Informe Psicopedagógico: Ao fi nal do diagnóstico, o psicopedagogo já deve ter formado uma visão global do indivíduo, da sua contextualização na família, na escola e no meio social em que vive. Deve ter uma compreensão de seu modelo de aprendizagem, do que já aprendeu, o que pode aprender, das suas potencialidades, dos recursos que possui, se os utiliza ou não, e quais são seus interesses na busca do conhecimento. Já de posse de todas estas informações, o psicopedagogo deverá formular o Informe Psicopedagógico que tem como fi nalidade resumir as conclusões a que se chegou na busca de respostas às perguntas iniciais que motivaram o diagnóstico. (WEISS, 1994). É muito importante lembrar que o resguardo ético do indivíduo e de sua família deve merecer atenção, por isso devemos ter claro que esse informe só deverá ser entregue à família e, caso seja solicitado por outros, como a escola e outros profi ssionais, só deverá ser entregue mediante a autorização da família. ROTEIRO PARA A ELABORAÇÃO DO INFORME PSICOPEDAGÓGICO Dados Pessoais • Motivação da Avaliação – Encaminhamento: é necessário se relatar a queixa na visão da família e da escola, quando for o caso. Caracterizar o encaminhamento feito para um diagnóstico psicopedagógico pela escola, pediatra, neurologista, psicólogo e outros. Informe Psicopedagógico que tem como fi nalidade resumir as conclusões a que se chegou na busca de respostas às perguntas iniciais que motivaram o diagnóstico. 69 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 • Período de Avaliação e número de Sessões: ao defi nir o período de avaliação, delimita-se a época do ano letivo em que foi feita, a sua extensão, as interrupções ocorridas e suas causas. • Instrumentos Usados: relata-se o tipo de sessão usada (lúdica, familiar, EOCA, dramatização etc.), os diferentes testes e seus objetivos, bem como as diferentes entrevistas. • Analisar os Resultados nas Diferentes Áreas: - Pedagógica; - Cognitiva; - Afetivo - social; - Psicomotora. • Síntese dos Resultados – Síntese Diagnóstica: é feito uma síntese do que foi analisado no item anterior, sendo uma resposta mais direta à questão inicial. • Prognóstico: relata-se a hipótese de como será a evolução do caso. • Recomendações e Indicações: síntese das orientações dadas aos pais e à escola. Caso necessário, também serão acrescidos os encaminhamentos e indicações feitas. • Observações: o acréscimo de alguma questão importante que não foi colocada ao longo do informe. Fonte: Weiss (1994). i) Devolutiva: Finalmente chegamos a última etapa do nosso processo de avaliação psicopedagógica: a devolução. Segundo Weiss (1994, p. 118) “[...] devolução é a comunicação verbal feita ao fi nal de toda a avaliação em que o psicopedagogo relata aos pais e ao paciente os resultados obtidos ao longo do diagnóstico”. Podemos iniciar a devolutiva, recordando a queixa inicial trazida pelos pais. Após esse momento, é importante salientar os aspectos Devolução é a comunicação verbal feita ao fi nal de toda a avaliação em que o psicopedagogo relata aos pais e ao paciente os resultados obtidos ao longo do diagnóstico. 70 Teoria e prática da psicopedagogia clínica positivos do paciente, aqueles aspectos que levam à valorização do que faz melhor e da relação destes pontos com a perspectiva de evolução escolar ou seu futuro em geral. É sempre importante salientarmos as potencialidades do sujeito. Em seguida, precisamos analisar os aspectos que estão realmente causando a problemática na aprendizagem e interferindo na produção escolar. Podemos fi nalizar fazendo as recomendações e indicações necessárias, tanto no âmbito familiar, quanto escolar. Este é o momento em que passamos as orientações à família. A construção de um bom vínculo com os pais e com o paciente é fundamental para a aceitação das indicações necessárias. É indicado que a devolução se encerre, deixando claro o modelo de aprendizagem do paciente, suas manifestações saudáveis e suas difi culdades, bem como as possibilidades de mudanças do aprender (WEISS, 1994). Finalmente, concluímos todas as etapas do processo do diagnóstico avaliativo. Muita coisa, não é mesmo? Atividade de Estudos: 1) Convido você aluno, a sintetizar e organizar todas essas informações em um “mapa conceitual”, colocando a sequência dos passos e o objetivo principal de cada um deles. Chegamos ao fi nal de mais uma etapa deste capítulo... Acredito que até este momento você já conseguiu perceber o quão complexo é a realização de um diagnóstico avaliativo. Costumo dizer que o psicopedagogo tem uma enorme responsabilidade em suas mãos, pois o sucesso do seu trabalho depende em grande parte da correta condução da avaliação. E, de certa forma, o futuro acadêmico do seu paciente, também! 71 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 A partir deste momento, apresentarei os principais instrumentos utilizados durante a realização do diagnóstico avaliativo. Vamos conhecê-los? Instrumentos UtiliZados no Diagnóstico PsicopedagógicO Apesar de ser uma área do conhecimento relativamente recente, a psicopedagogia já possui uma gama bastante variada de instrumentos que podem ser utilizados pelo psicopedagogo. A maioria deles tem objetivos específi cos e avaliam determinado aspecto da aprendizagem. No momento da elaboração das hipóteses iniciais, o psicopedagogo deverá fazer a seleção dos instrumentos, de acordo com o caso, levando em consideração a queixa, a idade do paciente, nível de escolaridade e áreas que pretende avaliar. Nunca devemos utilizar um grande número de instrumentos, pois o excesso em nada contribuirá para o “bom” diagnóstico. Concordando com Weiss (1994, p. 19) quando afi rma que: A maior qualidade e validade do diagnóstico dependerá da relação estabelecida entre terapeuta-paciente: empática, de confi abilidade, respeito, engajamento. A relação de confi ança estabelecida cria condições para o início de qualquer atendimento posterior. Outro dado importante, que todo o psicopedagogo deve ter clareza, é que existem determinados instrumentos que só podem ser utilizados por psicólogos e outros que são da área específi ca da fonoaudiologia. Portanto, devemos fi car atentos de só utilizarmos os instrumentos da psicopedagogia. Apresentarei, a seguir, os principais instrumentos que são utilizados durante o diagnóstico psicopedagógico. Vamos conhecê-los? a) Caixa para a realização do Diagnóstico Operatório de Piaget: Esta caixa deverá conter os materiais necessários para a realização das provas do Diagnóstico Operatório, conforme foi explicado na sessão anterior. Esse material você poderá encontrar pronto ou confeccioná-lo você mesm(o)a. O psicopedagogo deverá fazer a seleção dos instrumentos, de acordo com o caso, levando em consideração a queixa, a idade do paciente, nível de escolaridade e áreas que pretende avaliar. Esta caixa deverá conter os materiais necessários para a realização das provas do Diagnóstico Operatório.72 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Figura 3 – Materiais que compõe a caixa do Diagnóstico Operatório Fonte: Disponível em: . Acesso em: 29 fev. 2016. No link abaixo, você encontrará a descrição do material necessário para as provas do Diagnóstico Operatório, bem como a forma de aplicação destas provas. Vale a pena conferir! Acesse: . b) Teste de Audibilização: Este teste foi desenvolvido pela psicopedagoga Clarissa S. Golbert e está descrito em detalhes no seu livro intitulado “A Evolução Psicolinguística e suas Implicações na Alfabetização”. De acordo com a autora, a audibilização: [...] é o processo pelo qual a cognição auditiva permite a aquisição e o desenvolvimento da linguagem e, mais tarde, da leitura e da escrita. [...] consideramos a discriminação fonemática, a memória e a conceituação como subprocessos da audibilização (GOLBERT, 1988, p. 19). Este teste é composto pelos seguintes itens e sub-itens (GOLBERT, 1988): 73 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 • Discriminação fonemática: 24 pares de sílabas para serem distinguidos pela criança se são iguais ou diferentes. • Memória: – Memória de frases – 6 frases apresentadas que a criança deverá repetir. – Memória de dígitos – conjunto de dígitos para a criança repetir. – Memória de relatos – 3,4,5,6 fatos que a criança deve repetir. • Conceituação: – Identifi cação dos absurdos – 6 frases onde os absurdos são indicados pela criança. – Identifi cação de objetos e situações – identifi car um objeto ou situação apresentada. – Defi nição de palavras – palavras que a criança deverá repetir por gestos, usos, descrição etc. – Organização sintático-semântica: conjunto de três palavras para a criança reunir signifi cativamente. – Avaliação do vocabulário compreensivo: 23 lâminas com 4 desenhos, a criança deve dizer qual desenho de cada lâmina melhor se encaixa com a palavra dita pelo examinador. c) Teste de Desempenho Escolar (TDE): O Teste de Desempenho Escolar é um instrumento psicométrico que foi criado pela psicóloga Lilian Milnitsky Stein. Ele busca “[...] oferecer uma avaliação das capacidades fundamentais para o desempenho escolar, mais especifi camente da escrita, aritmética e leitura.” (STEIN, 1994, p.01). O TDE é composto por 3 subtestes e pode ser aplicado para alunos de 1º ao 7º ano. Os aspectos avaliados são: • Escrita: escrita do nome próprio e de palavras isoladas apresentadas, sob a forma de ditado; • Aritmética: solução oral de problemas e cálculos de operações aritméticas por escrito; • Leitura: reconhecimento de palavras isoladas do contexto. Oferecer uma avaliação das capacidades fundamentais para o desempenho escolar, mais especifi camente da escrita, aritmética e leitura. 74 Teoria e prática da psicopedagogia clínica d) Instrumento de Avaliação do Repertório Básico para a Alfabetização (IAR): Este instrumento avalia o repertório das crianças no que diz respeito aos pré-requisitos fundamentais para a aprendizagem da leitura e da escrita e possibilita informações que indicarão se a criança está em condições ideais de iniciar a alfabetização propriamente dita. Pode ser aplicado em crianças no período de pré-alfabetização e alfabetização (de 5 a 7 anos), ou em crianças maiores quando existir queixa referente a este aspecto. Com a utilização deste instrumento, podemos conhecer como a criança se apropria dos seguintes conceitos: esquema corporal, lateralidade, posição, direção, espaço, tamanho, quantidade, forma, discriminação visual, discriminação auditiva, verbalização de palavras, análise-síntese e coordenação motora fi na (LEITE, 1984). e) Análise da Produção Escrita de Textos (APET): Avaliação do discurso escrito tem a função de verifi car o nível de independência, domínio e efi cácia do aprendente com a palavra escrita. Este material se propõe a avaliar o discurso escrito e a análise discursiva em três diferentes situações: um questionário referente ao dia a dia do avaliando, uma produção de texto narrativa e outra de um texto dissertativo-argumentativo. A APET é uma avaliação qualitativa e pode ser utilizada na avaliação de estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio (FORTE; SCARPA; KUBOTA, 2014). Além destes instrumentos, vale lembrar que existem muitos outros, cada um com a sua especifi cidade. Portanto, neste momento, o psicopedagogo precisa utilizar-se do seu bom senso para selecionar e escolher os instrumentos mais oportunos para aquele caso em especial. Caso ele precise utilizar um instrumento de outra área (psicologia ou fonoaudiologia), ele deve fazer o encaminhamento para esse profi ssional a fi m de complementar a sua avaliação. Para fi nalizar essa sessão, compartilho aqui uma refl exão importante para todo o profi ssional da área da psicopedagogia: Portanto, o psicopedagogo, neste momento, precisa fazer uso do seu bom senso e ética no sentido de não ultrapassar os limites de sua prática, ou seja, se existirem casos nos quais o diagnóstico necessite da ajuda de outros profi ssionais, o psicopedagogo deverá fazê-lo. Isso signifi ca trabalhar de maneira multidisciplinar: discutindo, pesquisando e interagindo com as diversas áreas de conhecimento que envolvem o trabalho psicopedagógico (LOPES, 2008, p. 37). Avalia o repertório das crianças no que diz respeito aos pré-requisitos fundamentais para a aprendizagem da leitura e da escrita. Avaliar o discurso escrito e a análise discursiva. 75 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 Bom, vamos agora sintetizar nosso conhecimento através de um quadro que compreende cada uma das etapas do diagnóstico e os instrumentos utilizados em cada uma delas. Quadro 5 – Seleção dos instrumentos a serem utilizados em cada etapa do Diagnóstico ETAPA INSTRUMENTOS Queixa - Roteiro para a investigação da queixa. Anamnese - Roteiro para a investigação da história do sujeito. Sessão Lúdica Centrada na Aprendizagem – “Hora do Jogo” - Uma caixa contendo quebra-cabeça, dominó, pega vareta, outros jogos de regras de acordo com a idade da criança, massinha de modelar, folhas e lápis de cor, livrinhos de história, blocos de montar, animais em miniaturas, carrinhos e bonecos, entre outros. EOCA - Uma caixa contendo: Folhas de papel A4; folhas pautadas; Lápis novo sem ponta; Apontador; Caneta esferográfica; Massa de mode- lar; Borracha; Tesoura e cola; Papéis coloridos; Régua; Revistas e livros; Canetas hidrográficas e Lápis de cor. Diagnóstico Operatório - Uma caixa contendo o material necessário para a aplicação das provas selecionadas. Técnicas Projetivas - Folhas de papel A4, lápis e borracha. Provas Pedagógicas - Teste de Audibilização; - Teste de Desempenho Escolar; - Instrumento de Avaliação do Repertório Básico para a Alfabetiza- ção; - Análise da Produção Escrita de Textos entre outros. Levantamento dos dados do desempenho escolar - Roteiro para a investigação na escola, com os professores e equipe. Informe Psicopedagógico - Instrumento elaborado pelo psicopedagogo. Devolutiva - Informe Psicopedagógico. Fonte: A autora. ESTUDO DE CASO Até aqui foram muitas informações, não é mesmo? Você deve estar se perguntando agora, como tudo isso funciona na prática. Para que possa fi car mais claro para você, apresentamos um caso, retirado do artigo de Haupenthal e Theise (2011), intitulado “Quero crescer? Quero ler e escrever? – refl exões psicopedagógicas”. O estudo de caso é uma ferramenta muito importante para 76 Teoria e prática da psicopedagogia clínica a formação do psicopedagogo, pois o leva a refl etir sobre os procedimentos utilizados, as hipóteses levantadas, bem como sobre o relacionamento psicopedagogo/paciente. Vamos, agora, ao caso? ESTUDO DE CASO – Parte I Este estudo de caso objetiva a compreensão das causas que geram difi culdadesde aprendizagem, especifi camente relacionadas à lecto-escrita. A criança pesquisada, que será chamada de R., tem 9 anos, é aluna da 4ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública. R. mora com a mãe, o pai e o irmão. A queixa trazida pela família foi de difi culdade na leitura e na escrita e falta de concentração. Na entrevista para a anamnese, a mãe de R. revelou ter descoberto que estava grávida dele, somente quando já estava sofrendo um princípio de aborto. Portanto, R. não foi um fi lho desejado, a mãe afi rma que a gravidez “aconteceu” e que quando ela descobriu omitiu este fato do pai da criança, pois estavam separados, contudo, o pai acabou sabendo da notícia por terceiros. Ao saber da gravidez, a mãe afi rma que o pai de R. aceitou tranquilamente e a apoiou. O restante do período gestacional ela relata ter sido tranquilo. O parto foi normal e sem nenhuma complicação, segundo a mãe. Quando R. nasceu, ela, o pai de R, e seu primeiro fi lho, foram morar juntos, e em seguida R. começou a apresentar problemas de saúde. Aos 9 meses R. foi operado para a remoção de uma hérnia, no entanto, durante o período de espera para a realização da cirurgia, R. tinha uma saúde muito debilitada e necessitava de cuidados especiais. A cirurgia correu bem, só que a mãe revela ter se traumatizado com este problema de saúde do fi lho, ela afi rma ter se tornado “neurótica” e diz que passou a superproteger o fi lho desde aquela época. R. tem um irmão de 13 anos, fruto de uma relação anterior da sua mãe. Contudo, só aos 9 anos R. fi cou sabendo que o seu irmão mais velho não era fi lho do seu pai. Essa revelação aconteceu porque R. perguntou por que o irmão não chamava seu pai de pai, então sua mãe lhe disse que era porque ele não era pai do irmão. Em trechos da entrevista, a mãe de R. fala que ele tem medo do escuro, medo 77 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 de temporal, medo de fi car doente etc. ela ainda comenta que foi ela quem “colocou” esses medos nele. A relação de R. com esse irmão é repleta de brigas, pois a mãe diz que eles possuem comportamentos opostos, R. é muito ativo, falante, adora brincar, já o irmão é calmo, tímido, quieto. R. mamou até os 3 anos de idade, chupou bico só durante os primeiros meses, tomou mamadeira até os 7 anos, falou e caminhou com 1 ano de idade, a mãe afi rma que ele só não caminhou antes, por causa do seu problema de saúde. Sobre o controle esfi ncteriano a mãe relata que R. tinha “nojo” das fraldas sujas e por isso parou cedo, por volta dos 2 anos. Aos 9 anos R. ainda dorme com mãe, mora a duas quadras da escola e seus pais o levam e buscam, e quando ele vai com a mãe, eles vão de mãos dadas até a porta da sala de aula. A característica que a mãe mais ressalta no seu fi lho é a facilidade de fazer amizades e se comunicar, no entanto, ela comenta que ele não tolera ser “feito de bobo”. Para a mãe, a importância da educação e da escola na vida do seu fi lho é possibilitar que ele tenha um emprego melhor do que ela e seu marido. Para viver “melhor”. R. é um menino de estatura baixa, franzino, e isso incomoda muito o seu pai que acha que o fi lho “tem problema” porque “não cresce”. A mãe diz que já o levou no médico e que isso é normal. R. brinca na escola, preferencialmente com crianças menores e na 4ª série, sente-se deslocado, chegando a pedir até para mudar de escola. A mãe diz que R. troca muitas letras quando escreve e é desatento, inclusive revela que R. também trocava letras na fala até aproximadamente 7 / 8 anos. Um dos principais momentos da entrevista foi quando a mãe de R. falou que “tem medo que ele cresça” e afi rmou ter consciência de que estabeleceu uma “relação de dependência com ele”. Outro ponto importante do relato da mãe é quando ela desabafa “se eu tivesse dinheiro, ia fazer um tratamento, porque depois que ele fi cou doente eu mudei, eu não era assim”. No momento de encontro com R., objetivando avaliar o seu desenvolvimento na leitura e na escrita, apresentamos para ele cinco livros de historinhas diferentes, para que ele escolhesse o que mais despertava o seu interesse, R. optou pelo livro intitulado “A festa encrencada”. Pedimos para que ele contasse a história para nós, 78 Teoria e prática da psicopedagogia clínica e ele prontamente iniciou a leitura do livro. R. demonstra ler com muita facilidade as palavras que fazem parte do seu cotidiano, do seu vocabulário. Contudo, apresenta certa difi culdade para identifi car palavras que ele desconhece, parando muitas vezes de ler e pedindo aprovação, olhando e perguntando: “está certo?”. Aconteceram alguns fatos que merecem destaque, durante a leitura da historinha. Um deles refere-se ao fato de R. estar lendo uma página e já ir folheando a próxima página, demonstrando curiosidade e uma ansiedade muito grande em concluir a leitura. Outro detalhe diz respeito à leitura da palavra “gruta”, R. não conseguiu ler essa palavra, e fez algumas hipóteses. Porém, mais adiante a palavra aparece novamente na história, e R. lê com muita facilidade a mesma palavra, que ele antes parecia não reconhecer. Também é importante pontuar a difi culdade que R. possui de pronunciar a letra “r” , quando essa se encontra no meio das palavras, por exemplo, a palavra “dragão” ele lia “dagão”. A última consideração, que nos despertou a atenção, foi o fato de, em dado momento da história, R. trocar a palavra “enorme”, por um sinônimo, “imenso”, com muita rapidez e destreza. Após a R. acabar a leitura do livro, foi feita uma releitura da história para ele e, posteriormente, foi solicitado que ele escrevesse o que ele havia compreendido sobre aquela história. Ele escreveu um resumo, onde privilegiou o início e o fi nal da história. Na escrita, verifi caram-se a troca ortográfi ca da letra “m”, pela letra “n” e vice-versa; trocas de tempos verbais e outros erros ortográfi cos, principalmente dúvidas quanto ao uso das letras “s”, “c” ou “ss”. No entanto, o texto apresentou estruturação lógica e organização de ideias condizentes com o esperado para um aluno de 4ª série. Após ler e escrever a história, foi solicitado a R. que ele fi zesse um desenho da sua família. Ele demonstrou bastante satisfação ao desenhar. R. organizou o desenho da seguinte forma: ele, com menor estatura, ao lado do irmão, um pouco mais alto, a mãe, mais alta que ele e que o irmão, e o pai, o integrante mais alto da família. R. desenhou sua família dentro de uma casa, que ele referiu ser a casa que ele morava antes. No desenho da casa, R. fez divisões e desenhou um quarto para os seus pais, e um quarto para ele e para o seu irmão. As fi guras humanas desenhadas por R. revelam que o mesmo, possui uma boa construção de noção de corpo. Na sua projeção, 79 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 também fi cam bem claras as diferenças de gênero, sendo que a mãe está usando um vestido e tem cabelos compridos e R., seu irmão e seu pai, vestem camisas e calças e têm cabelos curtos. Todas as pessoas desenhadas encontram-se de braços abertos e muito próximas umas das outras, as feições dos rostos são muito parecidas. R. fez uso da borracha ao desenhar seu rosto, o rosto da mãe e o rosto do pai, os braços da mãe e do pai também foram refeitos, assim como seus pés, os pés do irmão e da mãe. Observa-se que, R. desenhou um rosto que foi apagado. Não fi cando claro, a quem este rosto pertenceria. Além disso, ele desenhou seu irmão tão próximo de sua mãe, que os desenhos praticamente se sobrepõem. Após a realização da entrevista com a mãe (história vital), do momento de avaliação da leitura e da escrita e da aplicação da prova projetiva desenho da família, estas informações serviram para delimitarmos nossas hipóteses e construirmos o diagnóstico. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 29 fev. 2016. No relatoda mãe de R. aparecem vários pontos que merecem destaque e que podem estar causando a sua difi culdade de aprendizagem. Você consegue identifi cá-los? Esse relato da anamnese deixa claro a super proteção existente em torno da criança, bem como a sua falta de autonomia. É importante salientar também, que a própria mãe afi rma que tem medo que o fi lho cresça. Imagine que você é o psicopedagogo que está realizando a avaliação psicopedagógica de R. Que hipóteses você construiria a partir do que foi exposto acima? E, a partir destas hipóteses, que outros instrumentos de diagnóstico você utilizaria? A seguir, na segunda parte do Estudo de Caso, apresentaremos os resultados do diagnóstico, bem como as conclusões e as orientações psicopedagógicas para o caso. Você, aluno, poderá fazer o exercício de estabelecer relações entre a queixa que a mãe apresentou na primeira conversa e as informações que serão apresentadas abaixo. Vamos retornar ao caso: 80 Teoria e prática da psicopedagogia clínica ESTUDO DE CASO – Parte II Durante a pesquisa para a elaboração de um diagnóstico, que permita compreender, as difi culdades de aprendizagem mencionadas pela família e pela escola a respeito do desenvolvimento da lecto- escrita do sujeito R., percebe-se que a difi culdade de aprendizagem de R. está muito mais relacionada ao seu desejo de não mostrar o que sabe, para não perder o papel de bebê que a mãe designou a ele. Há um contrato de sobrevivência entre R. e sua mãe, o fato dele não querer crescer, traz de certa forma vantagens para ambos. O não-aprender de R. na estrutura familiar que ele se encontra, signifi ca manter o lugar que ele ocupa de bebê da casa, que, caso venha a aprender e a crescer estará impondo uma reestruturação na organização familiar vigente. R. representa um importante papel dentro da sua família, pois, foi ele quem uniu seus pais. Já que, durante a entrevista a mãe disse que ela e o pai de R. estavam separados, mas assim que souberam que havia “acontecido” a gravidez resolveram morar juntos. Nota- se, por diversas vezes na fala da mãe, que foi o nascimento de R. que motivou e mantém a sua união. Portanto, o fato dele não poder crescer, pode representar uma situação positiva: seus pais permanecem juntos. Em dado momento do processo diagnóstico, a mãe verbaliza seu sentimento de angústia em relação ao crescimento do fi lho dizendo que “tem medo que ele cresça”. O desejo da mãe, de que R. continue sendo seu bebê, é explicitado em diversos momentos da entrevista realizada para aquisição de dados acerca da história vital. Ela relata determinados fatos, fundamentais para o entendimento do contrato de sobrevivência existente entre os dois. Dentre eles: R. ainda dorme na cama com os pais; a mãe incentivou R. a parar de tomar mamadeira, mas depois tentou fazer com que ele tomasse novamente; ela leva e busca R. na escola que é bem próxima da sua casa; R. tem muitos medos (escuro, doença, temporal, etc.) e muitos deles só aparecem na presença da mãe. Além disso, R. é “pequenininho” como diz mãe, bem menor em relação às outras crianças da sua idade, mas ela justifi ca 81 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 afi rmando também ser “pequenininha” e diz não se preocupar com isso, mas comenta que o pai de R. fi ca muito preocupado com o “tamanho” do fi lho. Sendo assim, R. apenas corresponde à demanda que sua mãe lhe designa, em uma díade, onde se estabelece o seguinte acordo: o crescimento do fi lho não refl ete o desejo da mãe, para tanto, ele não aprende, não cresce e não desaponta essa mãe. Fica bom para todo mundo. Com base na construção da hipótese diagnóstica, que se refere ao fato da mãe desejar que R. não cresça e este, ocupar esse “papel” de bebê, inclusive fi sicamente (organicamente). Pode-se, perceber que apesar de R. estar alfabetizado, ele apresenta difi culdades de aprendizagem quanto ao fato de expandir seus conhecimentos e consequentemente expandir-se como sujeito. Pois, aprender e conhecer para R. pode representar entender seu papel na relação de seus pais, desapontar a sua mãe, reconhecer o seu desejo em contrapartida ao desejo da mãe. Esse revelar-se através do saber, pode signifi car sofrimento para R., que por isso se nega a mostrar o que sabe. Na entrevista devolutiva, sugerimos à família as seguintes ações: • Oportunizar através do lúdico, que R. desempenhe papéis (jogo simbólico) condizentes com a sua idade, e até, por vezes, papéis adultos. Favorecendo a aquisição da sua independência; • Estabelecer que R. tenha seu espaço determinado na sua casa, dormindo sozinho, cumprindo tarefas, participando das decisões e conversas familiares. Para que, desta maneira ele desenvolva responsabilidades, percebendo a sua importância e, consequentemente o seu lugar; • Autorizá-lo a realizar atividades que valorizem seu crescimento. Ex.: você pode ir e voltar sozinho da escola, pois você já é “grande” o bastante; você pode “dormir” sozinho, porque nada de mal lhe acontecerá; você pode acender o fogão, porque você vai cuidar etc. Conversar sobre os medos e as questões que lhe afl igem; • Possibilitar momentos de expressão da linguagem oral e escrita, contextualizados pelo desejo de R., por exemplo, jogos de 82 Teoria e prática da psicopedagogia clínica videogame, que, por serem momentos de prazer, facilitariam que ele revelasse seus saberes. Com base na entrevista e provas projetivas realizadas, chegamos a conclusão de que há um contrato de sobrevivência entre R. e sua mãe. Neste contrato R. deve manter-se no seu papel de bebezinho da mãe, que admite não desejar que seu fi lho cresça, sendo esta, ao nosso ver, a causa dos sintomas apresentados pela criança. Esta família também apresenta segredos, começando pela omissão da mãe sobre a gravidez, sendo que o pai foi informado por terceiros. O fato de R. ter descoberto apenas aos 9 anos que seu irmão não é fi lho de seu pai também denota que o segredo é presente nesta família, pois esta informação lhe foi omitida por muitos anos, o que pode criar em seu imaginário a fantasia de que, já que o irmão não é fi lho deste pai, talvez ele também não o seja. Em seu desenho R. faz um rosto e apaga, fi cando a marca no papel, nos revelando a possibilidade de haver mais um segredo, que talvez ainda não tenha sido revelado. Mesmo já estando alfabetizado, R. ainda apresenta difi culdades de lecto-escrita, onde quando escreve se esquece de letras no meio das palavras, e quando lê omite algumas letras, como o “r”. Em alguns momentos em seu caderno, que tivemos a oportunidade de ver, ele escreve algumas palavras pela metade, não fazendo isto no texto que produziu sobre a história que propomos. Tendo observado o desenho da família realizado por R., concluímos que ele apresenta o desejo de se libertar do papel que lhe é imposto pela sua família, pois em seu desenho faz um quarto para ele e o irmão separado do quarto dos pais, onde a cama de seu irmão fi ca entre a sua cama e o quarto que desenhou para seus pais. No mesmo desenho observamos que R. se coloca distante do pai, e põe seu irmão entre ele e sua mãe. Isto contradiz a fala da mãe, que em dado momento da entrevista nos informa que muitas vezes quando ela o leva a escola é ele quem pega na sua mão para andar na rua. Acreditamos que para que ocorra o crescimento, e consequentemente a aprendizagem de uma forma saudável, se faz necessário libertar R. do engolfamento da mãe. É maravilhoso o olhar que a Psicopedagogia tem sobre o sujeito, vendo-o com uma parte de um todo, compreendendo o papel que este ocupa no ambiente familiar, podendo assim ajudar não só 83 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 a este, mas também todo o grupo familiar, como é o caso da família de R., onde a estrutura do casamento dos pais se apóia na vida dele, foi a gestação dele que uniu este casal, os mantendo juntos até hoje.discussão... A preocupação com o fracasso escolar e, consequentemente, com as difi culdades de aprendizagem é relativamente recente. Somente com a chegada da Revolução Industrial, houve preocupação com a produtividade e com tudo o que pudesse atrapalhar o desempenho dos funcionários e o ritmo de produção. Segundo Cordié (1996, p.17), “o fracasso escolar é uma patologia recente. Só pôde surgir com a instauração da escolaridade obrigatória no fi m do século XIX e tomou um lugar considerável nas preocupações de nossos contemporâneos em conseqüência de uma mudança radical na sociedade”. Desde então, a escola passa a ser valorizada como um instrumento de ascensão e de prestígio social. Entre algumas famílias, a possibilidade de uma escolarização com sucesso passou a ser a única forma de vislumbrar um futuro promissor. A partir daí e cada vez mais, os alunos com algum tipo de difi culdade na escola passaram a ser vistos como os que possivelmente poderiam também, fracassar na vida. Neste contexto, as difi culdades de aprendizagem se tornam o foco de atenção de várias áreas, principalmente da Medicina, que começa a estudar a causa dos problemas e suas possíveis correções. A Oftalmologia, a Neurologia, a Psiquiatria eram algumas das áreas da Medicina que se ocupavam com esses estudos. Já no início do século XX, com a primeira guerra mundial em andamento na época, existia a oportunidade de se descobrir, no cérebro dos guerrilheiros atingidos, a relação das áreas cerebrais danifi cadas com as funções que apareciam prejudicadas. Tais descobertas acabaram por alavancar maiores pesquisas e publicações na área, chamando atenção de vários profi ssionais, entre eles educadores. Neste sentido, podemos destacar os trabalhos de Janine Mery (1985), psicopedagoga francesa que apresenta algumas considerações sobre o termo psicopedagogia e sobre a origem dessas ideias na Europa. De acordo com a 13 A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA: UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃOCapítulo 1 autora, os primeiros Centros Psicopedagógicos foram fundados na Europa, a partir da segunda metade do século XX, e objetivavam, a partir da integração de conhecimentos pedagógicos, psicanalíticos e da medicina, encontrar soluções para os problemas de comportamento e de aprendizagem. Desde a sua fundação, estes centros apoiavam-se nas áreas médica e pedagógica. Mery (1985) adotou o termo “Pedagogia Curativa” para caracterizar uma ação terapêutica que considerava aspectos pedagógicos e psicológicos no tratamento de crianças com problemas de aprendizagem. Método este, que favorecia a readaptação pedagógica do aluno. Segundo ela, tais crianças “experimentam difi culdades ou demonstram lentidão em relação aos seus colegas no que diz respeito às aquisições escolares” (MERY, 1985, p. 16). O nascimento da Psicopedagogia A Psicopedagogia nasceu na Europa, ainda no século XIX. Inicialmente, pensaram sobre o problema de aprendizagem: os fi lósofos, os médicos e os educadores. Na literatura francesa – encontra-se, entre outros, os trabalhos de Janine Mery, psicopedagoga francesa, que apresenta algumas considerações sobre o termo Psicopedagogia e sobre a origem dessas idéias na Europa, e os trabalhos de George Mauco, fundador do primeiro centro médico-psicopedagógico na França onde se percebe as primeiras tentativas de articulação entre Medicina, Psicologia, Psicanálise e Pedagogia, na solução dos problemas de comportamento e de aprendizagem. Janine Mery (1985) aponta o século XIX como aquele em que teve início o interesse por compreender e atender portadores de defi ciências sensoriais, debilidade mental e outros problemas que comprometessem a aprendizagem. Segundo essa autora, no fi nal do século XIX, educadores como Itard, Pereire, Pestalozzi e Seguin começaram a se dedicar às crianças que apresentavam problemas de aprendizagem em razão de vários tipos de distúrbios. Jean Itard mobilizou-se com o caso da reeducação de um enfant sauvage, Victor, uma história exemplar sob vários aspectos, entre outros pelo choque que esse ser real representava aos olhos do ideal romântico rousseauniano. Pestalozzi, inspirado nas idéias de Rousseau, fundou na Suíça um centro de educação através do trabalho, onde usou o método intuitivo e natural, estimulando, em especial, a percepção. Educadores como Pereire, Itard e Seguin também se preocuparam, principalmente, com a percepção. Mery aponta esses educadores como pioneiros no tratamento dos problemas de aprendizagem, 14 Teoria e prática da psicopedagogia clínica observando porém, que eles se preocupavam mais pelas defi ciências sensoriais e pela debilidade mental do que propriamente pela desadaptação infantil. Fonte: extraído de Revista de Psicologia: Interface Educação – “Análise Histórica do surgimento da Psicopedagogia no Brasil”. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2016. Enfant sauvage, termo francês, que signifi ca criança selvagem. São crianças que desde os primeiros anos de vida passaram a viver isoladas da humanidade. Por algum motivo, foram privadas do convívio sócio-cultural apropriado para o desenvolvimento intelectual e afetivo. Nessa mesma época, nos Estados Unidos, o mesmo movimento acontecia, porém enfatizava mais os conhecimentos médicos, dando um caráter organicista à preocupação com as difi culdades de aprendizagem. O movimento europeu acabou por originar a Psicopedagogia, enquanto que o movimento americano proliferou a crença de que os problemas de aprendizagem possuíam causas orgânicas e precisavam de atendimento especializado, infl uenciando parte do movimento da Psicologia Escolar que, até bem pouco tempo, determinou a forma de tratamento dada ao fracasso escolar (BOSSA, 2011). A corrente europeia infl uenciou a Argentina, que passou a tratar das pessoas com difi culdade de aprendizagem, há mais de 30 anos, realizando um trabalho na perspectiva reeducativa. “Trabalhavam-se as funções egoicas, como memória, percepção, atenção, motricidade e pensamento, medindo-se os défi cits e elaborando-se planos de tratamento que objetivavam vencer essas faltas” (BOSSA, 2011, p. 62-63). Nesta mesma época (1956), surge em Buenos Aires, a primeira graduação em Psicopedagogia, que também passou por diversas transformações ao longo dos anos. Na década de 1970, houve a criação dos primeiros Centros de Saúde Mental, na cidade de Buenos Aires, na Argentina. Juntamente com outros profi ssionais, O movimento europeu acabou por originar a Psicopedagogia. 15 A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA: UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃOCapítulo 1 os psicopedagogos atuavam fazendo o diagnóstico e o tratamento nos casos de problemas de aprendizagem. Neste período, houve uma grande mudança na práxis psicopedagógica: os psicopedagogos começaram a incluir o olhar e a escuta clínica da psicanálise no seu trabalho, por perceberem que somente um olhar médico e pedagógico não dava conta da diversidade de situações envolvidas no trabalho. Com isso, então, o perfi l do psicopedagogo muda de uma postura reeducativa para adquirir um olhar mais abrangente sobre o sujeito e o sintoma do não-aprender (BOSSA, 2011). No Brasil, a ideia vigente por muito tempo era de que os problemas de aprendizagem seriam consequências de fatores orgânicos, tendo como causa principal “[...] uma disfunção neurológica não detectável em exame clínico, [...] chamada de disfunção cerebral mínima (DCM)” (BOSSA, 2011, p. 76). Tal concepção, organicista e patologizante, foi amplamente difundida e utilizada na intenção de rotular todo e qualquer aluno que não conseguisse aprender dentro do esperado. Foi no fi nal da década de 1970, impulsionado por essa concepção de problemas de aprendizagem na escola, que surgiram os primeiros cursos de especialização em Psicopedagogia no Brasil. Eles foram pensados e idealizados para complementar a formação de psicólogos e educadores interessados em pensarUma mudança no papel que R. ocupa signifi caria a desestruturação de todo este movimento familiar, mexendo não só com ele, mas com as posições tomadas por todos, principalmente a da mãe. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 29 fev. 2016. E então, aproveitaram o caso? Com este exemplo fi ca muito fácil percebermos o quanto é rico o trabalho do psicopedagogo e quantas facetas vão se abrindo a partir de um olhar atento ao caso. Quando afi rmamos que o trabalho do psicopedagogo se assemelha ao trabalho de um detetive que deve ir juntando as peças para formar um grande quebra-cabeça, é justamente a isso que nos referimos... Uma queixa inicial aparentemente “comum” de difi culdade de leitura e de escrita e difi culdade de concentração carregava consigo tantos outros aspectos, não é mesmo? Vamos exercitar um pouco mais o seu “olhar psicopedagógico” com a atividade de estudo apresentada a seguir. Atividade de Estudos: 1) Agora é a sua vez! Elabore um Informe Psicopedagógico a partir dos dados a seguir: • Identifi cação: Nome: V. V. B. Idade: 11 anos Escola: Particular Escolaridade: 5º ano • Queixas: Família: difi culdade em matemática e interpretação de texto, dispersa com facilidade. Escola: difi culdade de aprendizagem. 84 Teoria e prática da psicopedagogia clínica • Aspecto Sócio-Afetivo: Consigo: É insegura, mas reconhece as suas difi culdades. Colegas: Tem bom relacionamento com os colegas e faz novas amizades com facilidade. Ensinante: tem boa relação com as professoras. Família: Apresenta bom relacionamento com os familiares, embora tenha difi culdade em aceitar algumas atitudes da mãe e possui fantasia da reintegração do pai ao núcleo familiar. (Provas Projetivas utilizadas: Par Educativo, Família Cinética, Os 4 Momentos do Dia, Auto retrato) • Objeto do conhecimento: Se interessa, tem desejo/prazer em aprender. Apresenta difi culdade, entretanto é persistente. • Predomínio da Aprendizagem: Assistemática. • Aspectos Cognitivos: Está no Estágio Operatório Concreto (Diagnóstico Operatório); Memória: desempenho médio; Atenção: apresentou baixo desempenho; Concentração: precisa de estimulação; Compreensão: não apresentou bom desempenho; Criatividade: Bastante criativa; Organização: Seu pensamento é organizado; Planejamento: pensa nas etapas do planejamento; Estratégia: consegue criar estratégias para a solução das situações problemas; Antecipação: precisa de estimulação. • Aspectos Pedagógicos: Leitura Silenciosa: faz com movimentos labiais, mas em silêncio. Leitura Oral: ritmo médio, expressiva, não assinala a linha com o dedo, movimenta a cabeça quando lê, não omite letras, substitui palavras por outras parecidas, não demonstra noção de pontuação. 85 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 • Conhecimento e Raciocínio Lógico Matemático: possui difi culdade de raciocínio lógico matemático, com difi culdade para abstrair. Reconhece as suas difi culdades e não desiste com facilidade. • Material Escolar: Não possui uma rotina estruturada, seus materiais escolares são desorganizados. Não há explicações prévias sobre as atividades de casa. As atividades de casa e de sala não são revisadas. Foram observados vários erros ortográfi cos. • Aspecto Psicomotor: Orientação temporal: não domina. Orientação espacial: não respeita as margens. Sequência lógica: Está bem desenvolvida. Coordenação motora fi na: Bem estimulada. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas ConsideraçÕes Chegamos ao fi nal de uma etapa muito importante do nosso estudo: o diagnóstico psicopedagógico. Foi um grande desafi o escrever este capítulo, pois considera-se ser o elemento chave para a obtenção de resultados satisfatórios. Tentei aliar a teoria com a prática psicopedagógica, tornando-a mais acessível. Espero que vocês tenham gostado e aproveitado ao máximo as informações que aqui estão contidas. Talvez, tenham surgido dúvidas ao longo da leitura. Porém, é importante que você tenha sempre presente o desejo de buscar mais, de saber mais e o prazer em aprender. A temática do diagnóstico psicopedagógico, não se esgota aqui. Muito pelo contrário! Espero que essas pinceladas iniciais sejam apenas o início de uma grande caminhada em busca de aperfeiçoamento e novos conhecimentos sempre! 86 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Quero deixar aqui registrado, um pensamento do grande educador Rubem Alves e que deve estar presente no dia a dia de todos os psicopedagogos: “O nascimento do pensamento é igual ao nascimento de uma criança: tudo começa com um ato de amor. Uma semente há de ser depositada no ventre vazio. E a semente do pensamento é o sonho. Por isso os educadores, antes de serem especialistas em ferramentas do saber, deveriam ser especialistas em amor: intérpretes de sonhos.” Rubem Alves Desejo, para todos nós, que depositemos muitas sementes no pensamento das nossas crianças!!!! Referências ACAMPORA, Bianca. Psicopedagogia Clínica: o despertar das potencialidades. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012. BARBOSA, Manuela. Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem – EOCA. In: SCICCHITANO, Rosa Maria Junqueira; CASTANHO, Marisa Irene Siqueira. Avaliação Psicopedagógica: recursos para a prática. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013. BOSSA, Nádia A. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011. BRUNNER e ZELTNER. Dicionário de psicopedagogia e psicologia educacional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. CAIERÃO, Iara. Hora do Jogo: a arquitetura lúdica como instrumento de avaliação psicopedagógica da criança. In: SCICCHITANO, Rosa Maria Junqueira; CASTANHO, Marisa Irene Siqueira. Avaliação Psicopedagógica: recursos para a prática. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013. CHAMAT, Leila Sara José. Técnicas de Diagnóstico Psicopedagógico: o diagnóstico clínico na abordagem interacionista. São Paulo: Vetor, 2004. FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. 87 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 FORTE, Lilian Kotujansky; SCARPA, Marlene Lopes; KUBOTA, Regina Soga. APET – Análise da Produção Escrita de Textos. São José dos Campos, SP: Pulso Editorial, 2014. GOLBERT, Clarissa S. A Evolução Psicolinguística e suas Implicações na Alfabetização: teoria – avaliação – refl exões. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. GOMES, Luciara; AZEVEDO, Sílvia. Diagnóstico Psicopedagógico Clínico. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2016. HAUPENTHAL, Muriel; THEISE, Andrea. Quero crescer? Quero ler e escrever?: refl exões psicopedagógicas. 2011. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2016. LEITE, Sérgio Antonio da Silva. Instrumento de Avaliação do Repertório Básico para a Alfabetização – IAR. São Paulo: EDICON, 1984. LOPES, Shiderlene Vieira de Almeida. O Processo de Avaliação e Intervenção em Psicopedagogia. Curitiba. 2008. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2016. PAIN, Sara. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. RUBINSTEIN, Edith. “Aespecifi cidade do diagnóstico psicopedagógico”. In: SISTO, Fermino Fernandes et al. Atuação Psicopedagógica e Aprendizagem Escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. SAMPAIO, Simaia. Manual Prático do Diagnóstico Clínico. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012. STEIN, Lilian Milnitsky. TDE – Teste de Desempenho Escolar: manual para a aplicação e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1994. VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 88 Teoria e prática da psicopedagogia clínica VISCA, Jorge. Tecnicas Proyectivas Psicopedagogicas. Buenos Aires: AG Servicios Gráfi cos, 1995. WEISS, Maria Lucia L. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. CAPÍTULO 3 A Intervenção Psicopedagógica Clínica: Ressignificando o Aprender A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer as diversas metodologias possíveis de serem utilizadas na intervenção psicopedagógica. Diferenciar ações terapêuticas de ações preventivas no contexto da psicopedagogia clínica. Situar a intervenção psicopedagógica clínica na abordagem com o paciente, a família e a escola. Analisar as possíveis ações psicopedagógicas a partir de um estudo de caso. Construir procedimentos de intervenção psicopedagógica clínica compatíveis com o caso apresentado. 90 Teoria e prática da psicopedagogia clínica 91 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 ConteXtualiZação No capítulo passado, estudamos detalhadamente o fazer psicopedagógico no processo de diagnóstico, não é mesmo? Neste capítulo, abordaremos as questões relacionadas à intervenção psicopedagógica. Em primeiro lugar, é extremamente importante que você tenha clareza que ambas as ações, estão interligadas, pois a intervenção dependerá do que foi visto no processo de avaliação. Neste sentido, o estudo deste capítulo, possibilitará a você, aluno (a), conhecer a práxis psicopedagógica relacionada ao processo de intervenção, destacando a amplitude de possibilidades presentes no nosso fazer. Para isso, inicialmente, será apresentada uma breve explanação sobre as principais metodologias que possibilitam a intervenção psicopedagógica, dando o suporte teórico necessário e caracterizando-as. Em seguida, falaremos sobre a intervenção psicopedagógica de caráter preventivo e terapêutico, diferenciando-as. Falaremos também, sobre a abordagem psicopedagógica no âmbito da família, da escola e com o paciente, bem como das principais ações do psicopedagogo em cada uma destas instâncias. Depois disso, discutiremos sobre o processo de alta no trabalho psicopedagógico e fecharemos o capítulo com um estudo de caso que servirá para ilustrar e concretizar tudo o que foi dito anteriormente. Espero que esse estudo seja muito proveitoso e que desperte várias refl exões sobre a prática do psicopedagogo clínico que possam fazer diferença no futuro, não só no futuro profi ssional, mas também no pessoal. Vamos então, dar início aos nossos estudos? As Metodologias de Intervenção Psicopedagógica Para darmos início a esse capítulo precisamos, antes de qualquer coisa, refl etir sobre o que signifi ca “intervenção psicopedagógica”. A intervenção psicopedagógica é muito discutida em todos os cursos de formação em Psicopedagogia, mas muitas vezes, as pessoas não têm a verdadeira compreensão do que ela signifi ca. Vamos começar com a defi nição da palavra “intervenção”. De acordo com o “Dicionário de Psicopedagogia e Psicologia Educacional” de Brunner e Zeltner (2000), o termo intervenção signifi ca: 92 Teoria e prática da psicopedagogia clínica 1. Designação geral relativa a interações na área peda- gógica, pedagógico-social e terapêutica, visando a modifi cação do comportamento ou características de personalidade de indivíduos ou de estruturas, padrões e condições socioeconômicas de campos sociais. 2. No sentido de teoria da aprendizagem: uma modifi cação planejada de determinados comportamentos geralmente com base em resultados da psicologia da aprendizagem. Desse conceito, duas palavras são fundamentais para pensarmos na intervenção psicopedagógica: interações e modifi cações. Quando falamos em interações, pensamos imediatamente em “troca”. Troca entre sujeitos, troca entre sujeitos e objetos. Contudo, estas trocas só acontecem quando existe uma mediação, um “colocar-se no meio”, entre os sujeitos ou entre os sujeitos e os objetos. Quando pensamos no signifi cado das palavras interação e mediação, imediatamente nos lembramos das diversas mediações que ocorrem com a criança, desde o seu nascimento. Podemos dizer que várias pessoas e até instituições “se colocam no meio”, entre a criança e o seu mundo físico e mental, propiciando o seu desenvolvimento. Dito isso, vamos pensar... Quais seriam as mediações que a criança estabelece e que são fundamentais para o seu desenvolvimento e aprendizagem? Sintetizando, podemos pensar o sentido de interação como mediação entre dois sujeitos; ação entre duas ou mais pessoas; um sistema da ajuda mútuo e um movimento orientado para a busca de equilíbrio. Retornando ao conceito, também aparece a palavra mudança. Todo o sujeito encontra-se em contínuo processo de mudança. Uma intervenção só acontece quando gera mudanças, quando deixa marcas. Pensando na psicopedagogia, qualquer intervenção psicopedagógica deve promover mudanças nos sujeitos envolvidos, deixando marcas no seu fazer, agir e pensar. Agora vamos falar em intervenção num sentido mais específi co: a intervenção psicopedagógica clínica. Interações e modifi cações. Sentido de interação como mediação entre dois sujeitos; ação entre duas ou mais pessoas; um sistema da ajuda mútuo e um movimento orientado para a busca de equilíbrio. 93 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 Na psicopedagogia, falamos em intervenção como uma interferência que um profi ssional habilitado realiza sobre o processo de desenvolvimento ou aprendizagem de um sujeito. Na intervenção, o procedimento adotado interfere nesse processo, gerando mudanças. No nosso caso, o psicopedagogo intervém quando uma criança apresenta problemas na sua aprendizagem. Um dos objetivos da psicopedagogia clínica é a intervenção, a fi m de “colocar-se no meio”, de fazer mediação entre a criança e o aprender, entre a criança e seus objetos de conhecimento, tornando-se assim, um facilitador do processo de aprendizagem. De acordo com Monereo e Solé (2000), a intervenção psicopedagógica, para ser efi caz, deverá levar em consideração as características individuais de cada aluno, bem como do meio social em que está inserido e as diversas interações que realiza nesse meio. Toda a intervenção psicopedagógica tem como objetivo abrir espaços subjetivos e objetivos, onde a autoria de pensamento seja possível, espaço onde pode surgir o sujeito aprendente, o sujeito desejante de aprender (FERNÁNDEZ, 2001). Durante a intervenção psicopedagógica, o profi ssional deverá ter muito claro os seus objetivos, o que ele quer alcançar com aquele sujeito em questão. Podemos dizer que os principais objetivos da intervenção são: • Conseguir uma aprendizagem que seja realização para o sujeito, resgatando seu desejo de aprender; • Conseguir uma aprendizagem independente por parte do sujeito; • Proporcionar a revalorização do vínculo com a aprendizagem; • Proporcionar a auto-valorização e a recuperação da auto-estima; • Proporcionar meios para que o sujeito supere as difi culdades encontradas no diagnóstico (FERNÁNDEZ, 2001; PAIN, 1992; VISCA, 1987). Nesse sentido, o psicopedagogo poderá fazer uso de vários instrumentos, dos mais modernos recursos durante o processo de intervenção, porém, de nada adiantará se ele não tiver traçado os objetivos que pretende alcançar naquele trabalho. Agora que você já sabe o que significa intervenção e quais são os seus objetivos, vamos conhecer as principais metodologias que embasam o trabalho de intervenção psicopedagógica. Toda a intervenção psicopedagógica tem como objetivo abrir espaços subjetivos e objetivos, onde a autoria de pensamento seja possível. 94 Teoria e prática da psicopedagogia clínica As Metodologias de Intervenção Psicopedagógica Assim como no diagnóstico psicopedagógico, na intervenção também existem diferentes teorias que embasam as metodologias que podem ser utilizadas no transcorrer deste trabalho. Apresentaremos a seguir, as principais metodologias que sustentam o fazer psicopedagógico e abrem caminhos possíveis de serem trilhados. a) Metodologia baseada na Epistemologia Convergente: A partir da década de 1970, começou a ser divulgada no Brasil a proposta teórica de Jorge Visca, denominada de “Epistemologia Convergente”. Esta teoria uniu conceitos vindos da Psicanálise, da Epistemologia Genética de Piaget e da Psicologia Social. Esta abordagem denomina a intervenção psicopedagógica como “Processo Corretor” (VISCA, 1987). Segundo Visca (1987), processo signifi ca o movimento pelo qual as coisas se transformam e o termo correto signifi ca a ação do correto funcionamento de um aparelho ou organismo. Portanto, para ele, “[...] o processo corretor consiste no conjunto de operações clínicas através do qual se facilitam o aparecimento e a estabilização de condutas.” (VISCA, 1987, p. 87). O referencial que respalda esta teoria vislumbra o ser humano como ser biopsicossocial, isto é, um ser integral no qual todas as suas funções e habilidades interagem concomitantemente. Nesse sentido, o ser humano passa a ser visto como um todo, como um ser que não pode ser fragmentado. Visca (2000) construiu seis modelos ou instrumentos psicopedagógicos para a investigação e ação: o esquema evolutivo da aprendizagem, o modelo nosográfi co, a matriz de pensamento diagnóstica, o processo diagnóstico, a entrevista operativa centrada na aprendizagem e o processo corretor. Vejamos cada um deles a seguir: • O esquema evolutivo da aprendizagem: a Epistemologia Convergente acredita que a aprendizagem se dá através de sucessivas etapas de construção da aprendizagem, que seria uma perspectiva evolutiva. • O modelo nosográfi co: classifi ca os estados patológicos da aprendizagem em três níveis complementares: o semiológico O processo corretor consiste no conjunto de operações clínicas através do qual se facilitam o aparecimento e a estabilização de condutas. • O esquema evolutivo da aprendizagem. • O modelo nosográfi co. 95 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 (caracterização dos sintomas objetivos e subjetivos), o patogênico (estruturas e mecanismos que provocam a sintomatologia), e o etiológico (causas históricas, segundo um princípio construtivista, da confi guração dos sucessivos níveis de integração). • A matriz de pensamento diagnóstica: refere-se ao diagnóstico e representa o instrumento conceitual que orienta o que se pretende e se busca no processo diagnóstico, para uma melhor análise das informações obtidas. • O processo diagnóstico: seu aspecto focal é o diagnóstico da aprendizagem através de instrumentos específi cos, conforme já foi visto no capítulo anterior. • A entrevista operativa centrada na aprendizagem: é um instrumento que centra a investigação, no momento do diagnóstico, nas difi culdades de aprendizagem assistemáticas e sistemáticas, conforme também já visto. • O processo corretor: consiste na utilização do método clínico para a especifi cidade de cada sujeito. É importante ressaltar que o objetivo central para esse trabalho não é o critério da supressão dos sintomas, critério sintomatológico, mas sim o critério estrutural, de supressão dos obstáculos intrapsíquicos, que interferem na aprendizagem. Se você tem interesse em conhecer melhor a proposta de Jorge Visca e da Epistemologia Convergente, sugiro a leitura do livro: VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica: epistemologia conver- gente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. Apesar deste livro não possuir uma linguagem fácil, ele aborda a teoria na íntegra. b) Metodologia baseada na proposição de situações problemas: Esta metodologia é baseada na concepção construtivista de Lino de Macedo, que sugere que a intervenção possa se dar por meio de proposição de situações-problemas, normalmente presentes nos jogos de regras. As situações-problemas não são aquelas tradicionalmente apresentadas nas aulas de matemática, mas sim, todas as situações que nos fazem desenvolver estratégias próprias. • A matriz de pensamento diagnóstica. • O processo diagnóstico. • A entrevista operativa centrada na aprendizagem. • O processo corretor. A intervenção possa se dar por meio de proposição de situações- problemas, normalmente presentes nos jogos de regras. 96 Teoria e prática da psicopedagogia clínica De acordo com Lopes (2008, p. 42): Macedo fundamenta-se em uma visão construtivista da psicopedagogia e portanto, estabelece que o conhecimento é construído gradativamente na medida em que o sujeito interage com o seu meio. E é exatamente a partir desta interação contínua que o sujeito irá se deparar com situações- problemas que irão requerer do mesmo o desenvolvimento de procedimentos e estratégias com o objetivo de resolvê-las e ultrapassá-las. Sempre que um sujeito se depara com uma situação-problema, ele tende a se desestabilizar e entra em desequilíbrio, o que obriga o sujeito a buscar e desenvolver estratégias com o objetivo de solucionar o problema proposto. Os jogos de regras são ótimos recursos nesse sentido pois, a partir deles, podemos elaborar e propor várias situações- problemas. É importante que você saiba que situações-problemas são todas as situações que nos fazem pensar, que nos fazem tentar achar um caminho para chegar a uma solução. Porém, o resultado não é o único aspecto que o psicopedagogo deve fi car atento. Ele precisa também, compreender o processo: como o sujeito chegou aquele resultado? Que caminhos ele percorreu? Qual a sua lógica? Portanto, é imprescindível que o psicopedagogo questione o sujeito e compreenda cada um dos seus passos para melhor interferir. Vamos agora, tentar resolver uma situação-problema? Mãos à obra... Aqui, apresento um desafi o para vocês! Três jovens de idades diferentes se interessam por atividades também diferentes. A partir das informações abaixo, tente descobrir o nome de cada jovem, sua idade e a atividade pela qual se interessa mais. Dicas: Vinicius tem 15 anos. O rapaz de 17 anos faz parte de uma banda. Nelson gosta de passar sua horas livres lendo. Obriga o sujeito a buscar e desenvolver estratégias com o objetivo de solucionar o problema proposto. 98 Teoria e prática da psicopedagogia clínica c) Metodologia baseada em Projetos de Trabalho: A proposta de projetos de trabalho é uma forma de intervenção psicopedagógica que inclui fenômenos cognitivos e cria situações que possibilitam o desenvolvimento do sujeito como um todo. As competências cognitivas desenvolvidas a partir desse trabalho são: observação, atenção, planejamento, memória e avaliação (MUSSALLAM, 2010). Ao trabalhar com Projetos de Trabalho, o psicopedagogo poderá elaborar um planejamento efi ciente, bem estruturado, que permitirá que ele atue mais diretamente sobre as difi culdades encontradas naquele sujeito, sendo capaz de transmitir conhecimentos e favorecer aprendizagens de forma prazerosa. Os Projetos de Trabalho são desenvolvidos através de algumas etapas. São elas: • Determinar a temática a ser estudada, partindo-se do interesse do sujeito; • Defi nir etapas: planejar e organizar as ações (procedimentos e delimitação do tempo); • Apresentar os resultados; • Estabelecer critérios de avaliação; • Avaliar cada etapa do trabalho, realizando os ajustes necessários; • Fazer ofechamento do projeto propondo uma produção fi nal (MUSSALLAM, 2010). Barbosa (2003), uma das principais divulgadoras desse projeto na psicopedagogia, afi rma que: Este projeto de trabalho a ser organizado pode estar relacionado a uma atividade de produção concreta ou simbólica e procura permitir com que a pessoa viva, desde seu planejamento até a sua execução, o sentimento de capacidade e de criação de alternativas diante dos erros que podem surgir neste processo. Além disto abre o espaço também para a busca do ensino, pois quando não se sabe e não se consegue criar alternativas, pode-se encontrar naquele que sabe um aliado, um mediador entre o saber e o não saber. (BARBOSA, 2003, p. 22). A proposta de intervenção psicopedagógica por meio de “Projeto de Trabalho” tem como diferencial a possibilidade de uma maior mobilidade do paciente frente a suas difi culdades, já que parte dele a organização e construção de algo que As competências cognitivas desenvolvidas a partir desse trabalho são: observação, atenção, planejamento, memória e avaliação. • Determinar a temática; • Defi nir etapas; • Apresentar os resultados; • Estabelecer critérios de avaliação; • Avaliar cada etapa do trabalho; • Fazer o fechamento. 99 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 seja de seu interesse. Nesta proposta, o sujeito é o agente da sua aprendizagem, uma vez que cada etapa é construída por ele. O Projeto de Trabalho deve ser visto como uma proposta propulsora de aprendizagens e de mudanças. Em casos de agressividade, a tônica pode ser no controle, para gradativamente, ir possibilitando o autocontrole; nos casos em que o sintoma é a chamada hiperatividade ou défi cit de atenção, a tônica é no planejamento; o incentivo a autonomia é a intenção do trabalho com pessoas dependentes; a função da leitura e escrita e das operações mentais, e o seus signifi cados, são enfatizados no caso de difi culdade de leitura e escrita e pensamento lógico matemático; e a segurança é a principal abordagem nos casos que apresentam medos excessivos (BARBOSA, 2003, p. 117). Portanto, através da metodologia de Projeto de Trabalho, é possível desenvolver várias habilidades e comportamentos que possam estar interferindo em todo o processo de aprender. O profi ssional precisa estar focado em seus objetivos e, a partir deles, direcionar o enfoque do trabalho, a fi m de alcançar as mudanças esperadas. Você gostou desta proposta de intervenção psicopedagógica por meio de Projetos de Trabalho? Então, sugiro a leitura do livro de Laura Monte Serrat Barbosa: BARBOSA, Laura Monte Serrat. O projeto de trabalho: uma forma de atuação psicopedagógica. Curitiba: Edição independente, 2003. d) Metodologia baseada no Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI): O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) foi desenvolvido pelo Prof. Reuven Feuerstein, psicólogo e educador romeno, radicado em Israel, fundador e diretor do ICELP - International Center for the Enhancement of Learning Potential (Centro Internacional de Desenvolvimento do Potencial de Aprendizagem), na cidade de Jerusalém, Israel. Este programa está projetado para desenvolver e estabelecer os fundamentos cognitivos da aprendizagem. Feuerstein baseou-se nas teorias de Piaget e de Vygotsky para elaborar o PEI. 100 Teoria e prática da psicopedagogia clínica De acordo com Ana Maria Martins de Souza (s.d.), no seu artigo “Programa de Enriquecimento Instrumental - PEI”, publicado no site do Instituto de Desenvolvimento Potencial Humano, O PEI baseia-se na teoria da modifi cabilidade cognitiva estrutural e na experiência de aprendizagem mediada, que partem do princípio de que todos podem aprender e de que a inteligência pode ser desenvolvida pela mediação, uma vez que ela é dinâmica e modifi cável. É um programa que trabalha habilidades cognitivas por meio de exercícios estruturados e que vão trabalhar funções cognitivas específi cas; as atividades partem das mais simples para as mais complexas, do fácil para o difícil, do concreto ao abstrato (SOUZA, s.d.). Para Feuerstein, o conceito de modifi cabilidade cognitiva é o conceito-chave para a sua teoria e equivale ao potencial de aprendizagem. A ideia de modifi cabilidade, como característica humana, aponta os modos de funcionamento da pessoa e deve ser distinta da ideia de mudança (SOUZA, s.d.). Para essa teoria, a mudança é previsível e está relacionada a diferentes fases de desenvolvimento, crescimento e maturação do organismo humano. Em contrapartida, a modifi cabilidade é imprevisível e está relacionada ao querer. É um ato que depende da vontade e pode levar a pessoa a desviar-se de caminhos pré-determinados em função de fatores familiares, pessoais, sociais e ambientais. Na psicopedagogia, a partir da década de 1990, o PEI passou a ser utilizado por muitos profi ssionais, como uma ferramenta possibilitadora de modifi cações estruturais no pensar. Para Macionk (2005, p. 01), Com base no pressuposto de que os seres humanos aprendem em diferentes medidas através das suas experiências de vida e da exposição aos estímulos do ambiente, a Aprendizagem Mediada representa uma modalidade de aprendizagem adicional e complementar. Dado o papel central da mediação no desenvolvimento da cognição e da metacognição, assim como dos pré-requisitos afetivos e sociais do pensamento efi ciente e da aprendizagem autônoma, quanto mais o indivíduo é capaz de se benefi ciar da interação com o meio através da aprendizagem mediada, mais ele será capaz de aprender diretamente das suas experiências de vida e das situações de aprendizagem formal e informal. O PEI é composto de uma série de 14 instrumentos cuja aplicação se dá por meio da mediação de um profi ssional capacitado e habilitado para tal. Os instrumentos buscam o desenvolvimento das funções cognitivas visando maximizar o desempenho intelectual e o potencial de aprendizagem dos indivíduos. 101 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 O PEI é um programa bastante completo, tanto no aspecto teórico, quanto no instrumental. Assista a esse vídeo e conheça mais sobre a teoria do Prof. Reuven Feuerstein. . O PEI, portanto, busca desenvolver e aumentar as habilidades necessárias visando a conquista do pensamento independente por parte do aprendente. As tarefas propostas pelo programa nunca são baseadas na repetição ou na reprodução, que são tarefas meramente mecânicas, mas sim, visa alcançar o pensamento crítico e autônomo. O sujeito, com o trabalho, começa “aprender a aprender”, pois o mais importante não é a resposta da tarefa em si, mas o processo para chegar até ela. Atividade de Estudos: 1) Com qual destas possibilidades metodológicas, apresentadas anteriormente, para a intervenção psicopedagógica, você mais se identifi cou? Justifi que a sua escolha. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Além destas metodologias apresentadas e discutidas até aqui, existem algumas outras possibilidades. É importante que você, aluno (a), tenha clareza de que não existe somente uma única possibilidade e nem a “melhor” metodologia. O que você precisa levar em consideração, frente a tal escolha, são as características 102 Teoria e prática da psicopedagogia clínica do sujeito a quemvai ser destinada a intervenção psicopedagógica, bem como as suas possibilidades de uso e a sua identifi cação com a metodologia. Vale lembrar que, para utilizar uma metodologia, é importante que você a estude com profundidade, através de cursos de formação, para ter segurança na aplicação e colher bons resultados. Neste sentido, concordamos com Weiss (2015, p.15), quando afi rma que: Não há modelo rígido de intervenção, não existem duas intervenções iguais. Cada caso é um caso, cada terapeuta tem a sua individualidade, assim como o paciente. O chamado “setting terapêutico” é sempre diverso. É importante não perder o objetivo da sessão que é sempre a construção da aprendizagem do sujeito, qualquer que seja a atividade em realização: brincadeiras, jogos, pinturas, dramatizações, passeios, leituras, cálculos, produções diversas. As atividades podem ser propostas pelo aprendiz-paciente ou pelo psicopedagogo. Vamos agora sintetizar essas informações em uma atividade de estudo? Atividade de Estudos: 1) Escreva o objetivo de cada uma das metodologias utilizadas na intervenção psicopedagógica: - Epistemologia Convergente: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ - Proposição de situações problemas: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ - Projetos de Trabalho: ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 103 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 ____________________________________________________ ____________________________________________________ - Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI): ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Dando prosseguimento aos nossos estudos apresentaremos, brevemente, alguns dos principais instrumentos possibilitadores da intervenção psicopedagógica. Vamos lá? • Caixa de Trabalho: A proposta de sua utilização no processo de intervenção psicopedagógica, partiu, inicialmente, da proposta de Jorge Visca. Nela são depositados objetos e materiais escolhidos tanto pelo paciente, como pelo psicopedagogo e pode ser composta de brinquedos, jogos e materiais que representem o mundo interno da criança, suas fantasias e medos frente ao mundo. Deve conter também, material básico, como lápis, borracha e papel. Para montar a caixa, é preciso considerar alguns aspectos, tais como: estágio de pensamento, interesses ou motivações, défi cits de aprendizagem, idade e sexo. Cada caixa é única e de uso exclusivo daquele sujeito pois, essa caixa, representa o seu vínculo com o trabalho psicopedagógico e com a aprendizagem. A caixa pode ser confeccionada pelo próprio sujeito. • Lúdico/Jogos: Os jogos e as brincadeiras estão presentes em diversos momentos do trabalho psicopedagógico e são excelentes instrumentos para serem utilizados com crianças com difi culdade de aprendizagem. Para Bossa (2011, p. 174) “o jogo é uma atividade criativa e curativa, pois permite à criança (re) viver ativamente as situações dolorosas que viveu passivamente [...]”. Para ela, “do ponto de vista cognitivo, signifi ca a via de acesso ao saber [...] pois o saber é a incorporação do conhecimento em uma construção pessoal relacionada com o fazer” (BOSSA, 2011, p. 175). Existem vários tipos de jogos, e estes devem ser selecionados levando- se em consideração o sexo, a idade, os interesses, as estruturas cognitivas e os aspectos subjetivos do paciente. • Caixa de Areia: Este instrumento está embasado na Terapia Sandplay, que foi desenvolvida por Dora Kalff em 1954, com base na teoria de Jung e, Representa o seu vínculo com o trabalho psicopedagógico e com a aprendizagem. Do ponto de vista cognitivo, signifi ca a via de acesso ao saber [...] pois o saber é a incorporação do conhecimento em uma construção pessoal relacionada com o fazer. 104 Teoria e prática da psicopedagogia clínica posteriormente, adaptado para o uso na psicopedagogia e entrelaçando-a com a teoria Piagetiana. Este instrumento consiste na possibilidade de criar cenários utilizando-se de miniaturas de fi guras e de uma caixa de areia. De acordo com Andion (2013, p. 79) “o psicopedagogo vai interagir com o sujeito e abrir ‘espaços’ para brincar junto, interferir, dialogar nas ações desse sujeito que pensa, constrói e aprende”. Ainda para Andion, (2013, p. 79) “sujeito que brinca de fazer estórias, que cria desafi os, confl itos e que resolve problemas, Um sujeito-autor, construtor de sua aprendizagem afetiva e cognitiva”. • Informática: A informática vem ocupando cada vez um espaço maior na educação. E, na psicopedagogia, não é diferente. Sua utilização como instrumento de aprendizagem pode ser um recurso bastante efi caz no trabalho de intervenção psicopedagógica nas difi culdades de aprendizagem escolar. No entanto, o uso deste instrumento por si só, não garante a efi cácia do trabalho. O mais importante é que o psicopedagogo não esqueça que a sua mediação é mais importante que a ferramenta propriamente dita. Para Bernardi (2010, p. 09), o uso da informática deve ser vista como “uma nova ferramenta que auxilie na aprendizagem, estimule o conhecimento e a criatividade, e ainda possibilite sempre uma solução possível. Isso mantém a criança entusiasmada e concentrada por mais tempo”. Para alcançarmos este objetivo, precisamos escolher adequadamente os programas e jogos que podem ser utilizados com aquele sujeito, de acordo com as suas necessidades. Atividade de Estudos: 1) Você conhece algum outro instrumento que pode ser utilizado como ferramenta psicopedagógica, no processo de intervenção? Se você conhecer, cite-o e descreva-o aqui. Caso você não conheça, faça uma pesquisa e descreva-o abaixo. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ O mais importante é que o psicopedagogo não esqueça que a sua mediação é mais importante que a ferramenta propriamente dita. Este instrumento consiste na possibilidade de criar cenários utilizando-se de miniaturas de fi guras e de uma caixa de areia. 105 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 ____________________________________________________ ____________________________________________________ Para fechar essa etapa, é importante que você, caro aluno, tenha clareza das várias possibilidades existentes para se realizar um trabalho de qualidade na psicopedagogia. Qualquer que seja a sua escolha é necessário que haja um aperfeiçoamento e estudo a fi m de que o profi ssional sinta-se mais seguro. E nunca se esqueça: o psicopedagogo deve manter-se sempre atualizado e a busca por novos conhecimentos deve ser uma constante na sua prática profi ssional.Dando continuidade ao nosso estudo, abordaremos a seguir, as ações psicopedagógicas com enfoque terapêutico e também preventivo. Discutiremos sobre cada uma destas áreas, conceituando-as e diferenciando-as. Vamos ao trabalho? AçÔes Terapêuticas e Preventivas na Psicopedagogia Você já deve ter ouvido falar e até já ter realizado alguns estudos anteriores sobre a Psicopedagogia Terapêutica e sobre a Psicopedagogia Preventiva, não é mesmo? Mas, você sabe realmente o que estes termos signifi cam e quais ações são desenvolvidas em cada uma destas instâncias? Para que isto fi que claro vamos abordar cada uma delas em separado. Neste primeiro momento iremos conceituar e traçar os objetivos da psicopedagogia terapêutica, bem como da psicopedagogia preventiva. a) Psicopedagogia Terapêutica: Quando pensamos em psicopedagogia terapêutica, qual é a primeira ideia que surge na sua mente? Acredito que seja a do trabalho psicopedagógico na clínica, não é mesmo? Isto se deve ao fato de a proposta da psicopedagogia terapêutica estar intimamente relacionada ao surgimento da prática psicopedagógica, como já visto no capítulo 1 deste caderno. Relembrando, inicialmente a prática psicopedagógica apresentava um caráter reeducativo e curativo e normalmente aconteciam em espaços clínicos. Somente com o passar do tempo, assumiu um enfoque terapêutico. 106 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Como o próprio nome já diz, o caráter curativo da psicopedagogia dizia respeito à concepção do profi ssional que via a difi culdade de aprendizagem como um problema individual a ser eliminado, “curado”. Ainda nessa perspectiva, o sentido da psicopedagogia seria “recuperar” o que foi perdido ou o que estava atrasado, reintegrando e readaptando o aluno à demanda escolar. Bossa (2011, p. 48), esclarece que: [...] enfoque terapêutico refere-se à mudança de postura do profi ssional frente ao sujeito da aprendizagem. O não- aprender assume um novo signifi cado, deixando de ser compreendido como ‘falta’. Em última instância, essa mudança de postura implica uma ampliação do campo de observação do psicopedagogo, que passa a buscar a causa dos problemas de aprendizagem não mais apenas no sujeito, passando a considerar a variedade de fatores que podem interferir no processo de aprendizagem. Neste sentido, o enfoque terapêutico pode acontecer em diferentes locais, como na escola, no espaço da clínica, em hospitais e está relacionado aos objetivos de trabalho do psicopedagogo. Essa ação terapêutica tem como seu principal objetivo a superação de uma queixa escolar, de uma difi culdade de aprendizagem, tendo em vista que esta já se encontra instalada no sujeito aprendente. A postura terapêutica, citada anteriormente por Bossa (2011), pode ser compreendida como sendo o modo próprio do psicopedagogo analisar a singularidade do sintoma do não-aprender, através da sua habilidade de “escuta clínica”. A habilidade de “escuta clínica” refere-se à postura investigadora que o psicopedagogo assume ao se deparar com situações de fracasso escolar, no qual deve desvendar o que está por trás do sintoma de “não-aprender”. Que função cumpre, para esse sujeito, o problema de aprendizagem? O que ele quer nos dizer com o seu problema? Qual a causa primeira para que tal situação tenha se instalado? Estas questões dão rumo para que o psicopedagogo possa “escutar” o que não é dito em palavras ou o que as palavras querem realmente dizer. Voltaremos a falar sobre a “escuta” psicopedagógica no próximo capítulo. Na ação terapêutica, cabe ao psicopedagogo: • Intervir, junto ao sujeito com difi culdade de aprendizagem, a partir de uma postura investigadora. Que passa a buscar a causa dos problemas de aprendizagem não mais apenas no sujeito, passando a considerar a variedade de fatores que podem interferir no processo de aprendizagem. 107 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 • Investigar as causas dos problemas de aprendizagem, partindo-se do sujeito em questão. • Considerar a variedade de fatores internos e externos ao sujeito que está com difi culdade, objetivando realizar uma leitura mais ampla da situação. • Analisar a singularidade do sintoma do não-aprender. • Propiciar o surgimento de espaços de autoria de pensamento, no qual o sujeito possa se reconhecer como autônomo. • Devolver ao sujeito o prazer de aprender e auxiliá-lo a criar estratégias de resgate da própria autonomia. Portanto, prezado (a) aluno (a), a psicopedagogia terapêutica está relacionada ao objetivo da atuação que o profi ssional quer alcançar com aquele sujeito que já apresenta uma difi culdade de aprendizagem instalada e não com o local de atuação. b) Psicopedagogia Preventiva: O caráter preventivo da psicopedagogia foi pensado um pouco mais tarde, quando o psicopedagogo pôde atuar nos processos educativos. O termo prevenção, no vocabulário próprio da psicopedagogia, refere-se à atitude do profi ssional no sentido de adequar as condições de aprendizagem de forma que se evitem comprometimentos nesse processo (BOSSA, 2011, p. 52). No trabalho preventivo, o psicopedagogo atua diretamente nos processos educativos com o objetivo de diminuir a frequência dos problemas de aprendizagem, prevenindo possíveis situações futuras de fracasso escolar. Seu trabalho recai nas questões didáticas e metodológicas, na formação e na orientação de professores. Essa forma de atuação visa evitar ou diminuir as possíveis situações de fracasso escolar. A psicopedagogia preventiva baseia-se principalmente na observação e na análise profunda de uma situação concreta, já existente no espaço educacional. Dessa forma, o trabalho com enfoque preventivo é de orientar o processo de ensino e aprendizagem, visando favorecer No trabalho preventivo, o psicopedagogo atua diretamente nos processos educativos com o objetivo de diminuir a frequência dos problemas de aprendizagem. 108 Teoria e prática da psicopedagogia clínica a apropriação do conhecimento e buscando a melhoria das relações com a aprendizagem e da construção da própria aprendizagem (BOSSA, 2011). Na sua ação preventiva, cabe ao psicopedagogo: • Detectar possíveis perturbações no processo de ensino e aprendizagem. • Participar da dinâmica das relações da comunidade educativa, a fi m de favorecer o processo de integração e de trocas entre os seus membros. • Promover orientações metodológicas de acordo com as características dos alunos e do seu funcionamento, tanto no grupal quanto no individual. • Realizar orientações aos professores e pais, tanto na forma individual quanto em grupo. • Possibilitar o aprofundamento ou a ampliação dos signifi cados do processo de aprendizagem escolar (BOSSA, 2011). Resumindo, na função preventiva o psicopedagogo atua de forma ampla, tanto na escola, como na família e na comunidade. Na escola, o psicopedagogo poderá estar próximo aos professores, auxiliando-os na busca de soluções para as difi culdades encontradas no processo de ensino e aprendizagem. A partir do momento em que o professor está mais seguro das suas ações e mais tranquilo para enfrentar os desafi os que a educação lhe propõe, seu aluno também estará mais feliz no contexto escolar. E, em última instância, o objetivo fi nal de todas as ações psicopedagógicas é sempre o aluno. Aluno que será uma criança mais fl exível, mais autônoma, mais motivada e interessada em aprender. Atividade de Estudos: 1) Complete o quadro a seguir com a defi nição e os principais objetivos da psicopedagogia terapêutica e preventiva: Psicopedagogia Terapêutica Psicopedagogia Preventiva Defi nição 109 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 Objetivos de Intervenção Nessa altura dos nossos estudos, você já deve ter percebido o quão abrangente é a atuação psicopedagógica, não é mesmo? Você pode estar se perguntando como, na prática, estas formas de atuaçãoacontecem, se entrelaçam ou se separam. A minha experiência mostra que devemos ter sempre muito claro qual é o objetivo que se pretende alcançar naquele dado momento, com aquele sujeito em específi co. Na área da psicopedagogia vale a máxima de que “cada caso é um caso” e não existe uma receita, somente estudo... Mais uma etapa concluída e, dando continuidade, vamos refl etir um pouco sobre como se dá a intervenção psicopedagógica com o paciente, com a família e com a escola. Vamos lá? A Intervenção Psicopedagógica Clínica nas Diferentes InstÂncias: o Paciente, a Família e a Escola Em minha experiência profi ssional, tenho observado que todo o trabalho de intervenção psicopedagógica clínica, com um sujeito em específi co, só alcança os objetivos na íntegra, quando se estabelece uma parceria entre psicopedagogo, a família deste sujeito e a sua escola. Mas, como podemos estabelecer estas parcerias e, ao mesmo tempo, proteger o espaço terapêutico do paciente? De pouco adianta desenvolvermos um trabalho psicopedagógico com o nosso paciente, entre quatro paredes, se fora deste ambiente, a situação se mantiver a mesma. Sabemos que, muitas vezes, o entrave para os problemas de aprendizagem podem estar na dinâmica familiar e/ou nas relações escolares, criando ou agravando os problemas de aprendizagem já instalados. Apresentarei, a seguir, em separado para ser mais didática, cada uma destas instâncias de intervenção psicopedagógica. 110 Teoria e prática da psicopedagogia clínica a) O paciente: A relação entre o psicopedagogo e o seu paciente, como toda a relação humana, é marcada pela subjetividade. De acordo com Rubinstein (1992, p. 107), “para dar sustentação ao trabalho é necessário que se estabeleça, como em qualquer situação clínica, um bom vínculo, sem o qual não há condições para o desenvolvimento e a criatividade na relação cliente/terapeuta”. O paciente precisa sentir-se seguro no espaço psicopedagógico e perceber que o psicopedagogo está ali para auxiliá-lo. Esta relação de confi ança e cumplicidade é fundamental para que o trabalho surta efeitos. Portanto, o espaço oferecido ao paciente, deverá ser um espaço sigiloso, onde ele sinta-se à vontade para demonstrar suas fraquezas, seus medos e seja lhe dada a possibilidade de errar. Ao longo de todo este caderno de estudos, falamos sobre a importância de uma interação positiva entre psicopedagogo/paciente. Por isso, não vamos nos aprofundar neste assunto e já partiremos para o enfoque com a família. b) A família: No trabalho com a família é importante que fi que claro, desde o início, qual é objetivo da intervenção psicopedagógica e verifi car se este vai ao encontro da demanda que a família possui sobre o atendimento. Quando este ponto fi ca claro com a família, as condições de trabalho são melhores. Quando o psicopedagogo conclui o processo de diagnóstico e esclarece a natureza da difi culdade trazida pela família, é necessário esclarecer sobre a forma de trabalho que será desenvolvida na intervenção. É importante que a família concorde com a metodologia utilizada para o caso “[...] a fi m de que expectativas diferentes por parte da família não interfi ram no trabalho. Muitas vezes os pais esperam que se atenda a criança através de conteúdos pedagógicos específi cos, e será necessário informar nossos limites e objetivos no atendimento.” (RUBINSTEIN, 1992, p. 109). Incluir os pais no processo de intervenção favorece o acompanhamento do trabalho realizado, bem como o sucesso de todo esse trabalho. Sabemos que a família também é responsável pela aprendizagem da criança, já que os pais são os primeiros ensinantes e os primeiros modelos de aprendizagem dos fi lhos. Por isso, não podemos pensar em um trabalho psicopedagógico, sem a participação da família. Incluir os pais no processo de intervenção favorece o acompanhamento do trabalho realizado, bem como o sucesso de todo esse trabalho. É necessário que se estabeleça, como em qualquer situação clínica, um bom vínculo, sem o qual não há condições para o desenvolvimento e a criatividade na relação cliente/ terapeuta. 111 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 O contato sistemático com a família é necessário e fundamental, a fi m de obter informações a respeito da evolução ou entraves no trabalho, orientar sobre alguns aspectos que poderão auxiliar na evolução do caso, bem como obter informações sobre a percepção que a família possui do sujeito e da sua aprendizagem. Para Rubisntein (1992, p.110), Às vezes, a difi culdade que a família enfrenta para aceitar o limite do fi lho, acrescida pela ansiedade, impede que possam com objetividade ajudá-lo. Nas sessões de orientação psicopedagógica, existe espaço para falar de questões como a lição de casa, o lazer, a estimulação, a sociabilidade, a organização da vida diária, as difi culdades nas relações com os membros da família, enfi m, questões que atingem diretamente o cliente e explicam em parte sua problemática. Por isso, a criação de uma relação de confi ança e parceria com a família é fundamental, pois favorece grandes trocas que resultam em um movimento de transformação mútua. c) A escola: Da mesma forma que é necessária uma boa vinculação com a família do paciente, o psicopedagogo também precisa estabelecer uma relação positiva e de trocas com a escola. Nem sempre o encaminhamento para o atendimento psicopedagógico é feito pela escola. Porém, mesmo assim o contato com a escola deve acontecer, com o objetivo de colher informações sobre a criança e dar indicações e sugestões para que a escola possa compreender e melhor ajudar seu aluno. É necessário que a escola consiga ver o seu aluno com “outros olhos” e compreenda o que realmente está acontecendo. Rubinstein (1992, p. 110) afi rma que “no decorrer da intervenção, contatos sistemáticos com a escola permitirão ao terapeuta psicopedagogo e à instituição subsidiarem-se mutuamente de dados que contribuam à ambos no seu trabalho”. Outro aspecto importante a ser ressaltado é que, muitas vezes, família e escola não conseguem estabelecer uma boa relação de confi ança mútua e começam um jogo de “achar culpados” para a difi culdade da criança: a família culpabiliza a escola e a escola culpabiliza a família. Esta atitude só prejudica o desenvolvimento da criança e, algumas vezes, o psicopedagogo precisa intervir e mediar estes desencontros. Colher informações sobre a criança e dar indicações e sugestões para que a escola possa compreender e melhor ajudar seu aluno. 112 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Poderá ser preciso que o psicopedagogo clínico compre- endendo essas relações construa encontros entre as partes com a sua presença e obtenha a colaboração da família e da escola para o crescimento do seu paciente na aprendizagem escolar (WEISS, 2015, p.118-119). O importante é que todo o processo de intervenção seja pautado em sentimentos de colaboração e confi ança entre os envolvidos. Se todos tiverem um objetivo em comum e conseguirem olhar para a mesma direção, o trabalho psicopedagógico dará muitos frutos. Caso contrário, me arrisco a dizer que o progresso não será o esperado. A seguir, dando continuidade aos nossos estudos, faremos algumas refl exões acerca do momento de alta e do encerramento do atendimento psicopedagógico. Para você saber mais sobre a relação família e escola no trabalho de intervenção psicopedagógica, leia o artigo indicado no link: . A Reavaliação Psicopedagógica e o Processo de Alta Você já se perguntou quando acontece a alta em psicopedagogia? Quando o paciente está preparado para seguir de forma independente? Convido você, aluno, a discutir um pouco sobre este assunto. Quando uma família busca o apoio da psicopedagogia, sempre existe uma queixa relacionada ao aprender. Esta demandainicial irá permear todo o processo de diagnóstico e de intervenção psicopedagógica, porém não deve ser o único aspecto a ser levado em consideração durante o trabalho. As mudanças observadas no paciente devem ser muito mais amplas e serem observadas não só nas sessões, mas também na escola e na família. Ao longo do processo de intervenção psicopedagógica, sempre que o psicopedagogo observa mudanças positivas no comportamento e na aprendizagem, as evoluções devem ser relatadas e compartilhadas com o 113 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 paciente, com a sua família e escola. Esses progressos observados e assinalados é que irão trilhar a futura alta do sujeito. Sobre esse assunto, Weiss (2015, p. 107) afi rma que: Quando o aprendiz-paciente está recuperando o prazer e o sucesso na vida escolar, dá-se o reforço do desejo de aprender mais na escola e fora dela também. Este é o sinal de que está caminhando junto o crescimento de sua auto-estima. Ele passa a olhar mais à sua volta, a questionar a vida escolar, a vida familiar e a social em geral. Está se sentindo o verdadeiro autor de seus atos, não se percebe mais como sendo apenas “empurrado”, cumprindo o desejo do outro. Muitas vezes, essa mudança de atitude não é bem compreendida pelos familiares que esperam apenas mudanças em relação ao foco da produção escolar. É importante frisar que, algumas vezes, quando a família percebe evoluções e mudanças de comportamento por parte do paciente, eles interrompem o trabalho de intervenção. Algumas vezes por acreditarem que essas mudanças já são sufi cientes e que não precisa mais do acompanhamento e outras vezes por não desejarem, mesmo que inconscientemente, as mudanças de certas atitudes, que implicariam em mudanças na própria dinâmica familiar. Ainda, outras vezes a família aponta que o sujeito “piorou” e esta piora pode estar relacionada a mudanças que a família não compreende. Exemplifi cando, uma criança que sempre teve uma postura de extrema dependência com os pais, necessitando deles para tudo, não conseguindo externalizar as suas próprias opiniões e, a partir da intervenção psicopedagógica, tornou-se mais independente, assumindo os seus desejos e apontando as suas escolhas. Essa mudança, que é extremamente positiva, pode ser vista pela família como um ato de rebeldia e má criação. É importante, que ao longo de todo o processo de intervenção psicopedagógica, o profi ssional vá realizando reavaliações sobre determinados aspectos que foram verifi cados como defasados no processo de diagnóstico, para que ele vá verifi cando como se dá a evolução ao longo do tempo. Não existe um momento preciso para se fazer esta reavaliação. Ela pode ser feita sempre que o psicopedagogo sentir necessidade de verifi car as mudanças e traçar novos objetivos terapêuticos. Todas as mudanças positivas precisam ser assinaladas, reforçadas para que o paciente vá interiorizando a melhora e percebendo que o atendimento caminha para terminar. Paralelamente ao ganho no seu processo de busca de novos conhecimentos, ele irá perceber a perda futura das sessões Quando o aprendiz- paciente está recuperando o prazer e o sucesso na vida escolar, dá-se o reforço do desejo de aprender mais na escola e fora dela também. Este é o sinal de que está caminhando junto o crescimento de sua auto-estima. O profi ssional vá realizando reavaliações sobre determinados aspectos que foram verifi cados como defasados no processo de diagnóstico. 114 Teoria e prática da psicopedagogia clínica com todo o acolhimento e as relações que foram aprofundando ao longo do tempo (WEISS, 2015, p.109). Retomando esse pensamento de Weiss, já acompanhei alguns casos que, quando fi caram sabendo e perceberam que a alta estava se aproximando, retrocederam em alguns aspectos para manter o acompanhamento psicopeda- gógico. Por isso, é importante que o momento de alta seja acordado tanto com a família, quanto com o paciente. Estes vão assinalando sobre o momento certo a fazermos tal desligamento. Inicialmente, podemos propor um espaçamento maior entre as sessões até que aconteça o desligamento efetivo. Sempre é importante frisar para a família, para a escola e para o paciente a sua trajetória de crescimento, desde o diagnóstico até o presente momento. Após a alta, de tempos em tempos ou sempre que se fi zer necessário, o psicopedagogo e o paciente podem se encontrar para avaliar como está a evolução nas situações escolares e dar segurança ao paciente e a sua família sobre a disponibilidade do terapeuta para auxiliá-los no que for preciso. Vamos agora partir para a parte prática? Apresentarei o estudo de um caso para possibilitar a integração de todos os conhecimentos discutidos ao longo deste capítulo. ESTUDO DE CASO O caso a seguir, consta no artigo intitulado DA AVALIAÇÃO À INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA: UM ESTUDO DE CASO, de Emily Ann Francisco Blum e outros – PUCPR. Vamos ao caso... ESTUDO DE CASO A clientela foi uma criança, do gênero masculino que, a fi m de preservar sua identidade, será chamado de Alex, com oito anos e sete meses no início da avaliação, cursando o terceiro ano do ensino fundamental em uma escola pública do município de Curitiba. Alex foi encaminhado pela escola ao Núcleo de Práticas em Psicologia da PUCPR com a queixa de difi culdades de aprendizagem que vinha apresentado na leitura e escrita. Sempre é importante frisar para a família, para a escola e para o paciente a sua trajetória de crescimento, desde o diagnóstico até o presente momento. 115 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 A avaliação psicopedagógica teve a duração de nove sessões, sendo realizadas uma vez por semana, com duração de 50 minutos cada. Foram utilizados os seguintes recursos: Anamnese, EOCA (Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem), Técnicas Projetivas, Teste de Inteligência WISC–III, Provas Piagetianas, Atividades Pedagógicas (leitura, escrita e operações matemáticas), entrevista com a pedagoga da escola, observações e a utilização de jogos no decorrer do processo. Ao fi nal da avaliação, foi realizada uma entrevista devolutiva com o responsável do paciente, sendo entregue o laudo da avaliação. Posteriormente, foi dado início à intervenção psicopedagógica, que está em andamento, sendo realizada uma sessão semanal, com duração de 50 minutos. Até o presente momento, foram realizadas onze sessões. Nas sessões de intervenção, são realizadas atividades pedagógicas e atividades lúdicas. Resultados Com a avaliação, observou-se que Alex apresentou maior facilidade em atividades de execução, que envolvem manipulação, memória visual e análise-síntese. No entanto, demonstrou acentuada difi culdade nas atividades verbais que envolvem a fala e nas que exigem que ele mostre os conhecimentos já adquiridos, apresentando baixa fl uência verbal. Demonstrou ter falta de concentração e de interesse, além de resistência durante a realização da maioria das atividades, principalmente nas verbais. Além disso, respondia e realizava rapidamente a maioria das atividades, principalmente as pedagógicas, o que pode indicar sua vontade de encerrá-las o quanto antes. Por esse motivo, foi necessário a avaliadora incentivar e lhe explicar várias vezes o motivo pelo qual ele estava ali. Durante os jogos, demonstrou ser competitivo e não aceitar perdas. Em alguns momentos, quando percebia que estava perdendo, tentava atrapalhar o jogo da avaliadora e burlar as regras. Porém, quando questionado, aceitava que aquilo não era correto. Apresenta escrita alfabética e, na maioria das vezes em que vai escrever, Alex diz a palavra em voz alta, fi ca soletrando e repetindo a palavra enquanto escreve. Observa-se também difi culdades referentes à ortografi a como a troca de letras que apresentam sons semelhantes e omissão de letras. Em relação à leitura, lêa maioria das palavras de forma pausada, mas corretamente. Durante a execução de operações matemáticas, frequentemente fez uso de apoio de material concreto, seja contando nos dedos ou usando folha 116 Teoria e prática da psicopedagogia clínica e lápis para “desenhar” riscos. Apresenta difi culdade em reconhecer os sinais matemáticos e alguns números. O responsável foi orientado a dar continuidade ao reforço escolar devido às difi culdades de leitura, escrita e matemática que apresenta. Além disso, recomendou-se ao fi nal da avaliação uma intervenção psicopedagógica, que poderia contribuir para melhorar o seu rendimento acadêmico. A partir do que foi observado na avaliação psicopedagógica, nas sessões de intervenção foram realizadas atividades pedagógicas e lúdicas. Ressalta-se que os jogos escolhidos foram utilizados com o objetivo de se trabalhar não apenas a motivação de Alex, como também para trabalhar o aspecto pedagógico de forma lúdica. Por exemplo, utilizar o jogo de boliche para se trabalhar matemática. Em todos os casos em que apresentava alguma difi culdade ou não sabia como fazer, era possível intervir da forma mais adequada para a situação, como auxiliar na leitura de algumas palavras contidas em uma história. Além disso, também foram trabalhados aspectos como o estabelecimento de limites, tolerância à frustração, cumprimento de regras e aumento da auto-estima. [...] Alex demonstrou falta de interesse e resistência em realizar as atividades pedagógicas propostas. Contudo, elas são essenciais para conhecer o que a criança já aprendeu e como ela age frente a situações que envolvem conhecimentos escolares. [...]. Na intervenção psicopedagógica, é possível ter uma maior fl exibilidade, trabalhando com aspectos que forem surgindo ao longo da sessão. Nessa segunda etapa é necessário ter maior criatividade para poder trabalhar as difi culdades do paciente de uma forma lúdica e prazerosa, pois é importante que o paciente tenha vontade de aprender. O objetivo é a longo prazo. [...]. Além disso, é trabalhada a auto-estima do paciente com constantes elogios, pois vários autores como Roeser e Eccles (2000 apud STEVENATO et al, 2003) afi rmam que a criança com difi culdade de aprendizagem tem uma tendência em apresentar baixo auto conceito por se sentir inferior às outras crianças da mesma idade. [...]. 117 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 Outra característica da intervenção psicopedagógica é atuar nas difi culdades por meio das atividades lúdicas. [...] a utilização de jogos em contextos educacionais com crianças que apresentam difi culdades poderia ser efi caz em dois sentidos: iria lhes garantir o interesse e a motivação, e por outro, estaria atuando com o intuito de possibilitar-lhes a construir ou aprimorar seus instrumentos cognitivos, facilitando a aprendizagem dos conteúdos. Além de se trabalhar a difi culdade que a criança apresenta, na intervenção também é possível intervir no comportamento. No processo de Alex, foi importante trabalhar com regras e limites, pois na maioria dos atendimentos se fazia necessário fazer um acordo para que ele realizasse as atividades que não desejava. Porém, nem sempre Alex conseguia cumprir o acordo. [...]. Considerações fi nais A atuação da psicopedagogia passa por muitos desafi os relacionados aos atendimentos com crianças que apresentam difi culdade de aprendizagem, pois o número de crianças das quais a família e a escola formulam queixas têm crescido cada vez mais. Quando não se sabe a causa, são atribuídos diversos rótulos como “incapaz” para aprender, “preguiçoso”, “lento”, “distraído”, entre outros, o que pode trazer consequências desastrosas tanto para o sujeito como para outros que o rodeiam. Por isso, é importante olhar todo o contexto em que ele está inserido. As difi culdades para aprender podem aparecer de diferentes maneiras e não existe uma única causa que possa desencadear essa difi culdade. Por esse motivo, a avaliação e a intervenção sempre diferem para cada caso. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2016. Então, caro aluno, com esse estudo de caso, foi possível estabelecer uma relação entre os achados da avaliação psicopedagógica e o processo de intervenção? Apesar de serem momentos distintos, os achados da avaliação devem servir como norteadores do fazer psicopedagógico durante a intervenção. Um “erro” que muitos psicopedagogos cometem é desvincular esses dois momentos, sem utilizar tais achados para verifi car os avanços do paciente e compartilhar os resultados positivos obtidos. 118 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Atividade de Estudos: 1) A seguir, apresentarei um caso em que realizei o diagnóstico psicopedagógico, com o resultado de todo esse processo. Leia o caso com atenção, analise-o e elabore os objetivos para a intervenção psicopedagógica. ESTUDO DE CASO Nome: E. S. Idade: 5a 3m Escola particular – Infantil 4 Queixa Principal: É muito distraído. AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA Período compreendido entre 20/07/2011 e 22/09/2011 Anamnese com a família – 6 sessões com a criança – Entrevista com a professora (escola) – Entrevista devolutiva com a família. • Dados da Anamnese: - Desenvolvimento cedo da linguagem (11 meses). - Desenvolvimento motor foi mais demorado e mais lento. - Entrada na escola com 1 ano: desenvolveu poucos vínculos, fi cava mais sozinho. Apresentava comportamento diferente das outras crianças. Ficou nesta escola até os 4 anos. - Fev. 2011 mudou de escola: boa adaptação, gosta de ir para a escola, pais estão satisfeitos com a mudança. Difi culdade em estabelecer vínculo com as outras crianças. - Faz as tarefas com a mãe. Esta percebe difi culdade na concentração. - Tem ótima memória visual. Lembra de fatos que aconteceram há muito tempo. - Comportamento repetitivo, gosta de rotina e não aceita quebrá-la. Difi culdade em aceitar coisas diferentes. - Quando tinha 2a 6m, nasceu a irmã, que “roubou a cena”. Irmã chama muito a atenção por onde passa. - Desiste do que é difícil. Muitas vezes não quer nem tentar. Espera que façam por ele. - Fica nervoso quando se frustra. - Ansioso. - É bastante rígido com as regras. 119 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 • Imagem do Sujeito: - Aspectos Cognitivos: excelente capacidade intelectual, ótimo vocabulário, excelente memória visual. Boa capacidade de compreensão. Difi culdade de concentração (atenção sustentada). Difi culdade na organização. - Aspectos Pedagógicos: difi culdade nos aspectos gráfi cos e na execução das propostas. Tendência a não concluir as propostas. - Aspectos Motores: Difi culdade na organização viso-motora e na coordenação motora fi na. Apresenta difi culdade na organização espacial. Apresenta agitação motora. - Instrumento: Sondagem das Habilidades para a Alfabetização: discrepância entre os resultados – linguagem oral (excelente resultado) e aspectos gráfi cos e motores (muito rebaixado). - Aspectos Emocionais: difi culdade de interação, excesso de fantasia, tendência ao isolamento, difi culdade em lidar com a frustração. Fixação em interesses e rotinas. Ansiedade, impulsividade e impaciência. - Modalidade de aprendizagem: Hiperassimilativo (desrealização do pensamento). - Conversa com a escola: possui a referência de um único amigo, tendo difi culdade em interagir com o grupo. Fica nervoso quando não consegue realizar certas atividades, agitado e com difi culdade de concentração. Fica nervoso frente à elementos surpresas, isolando-se. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 120 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Caro aluno, mais uma importante etapa de estudo concluída... Vimos aqui como as ações da psicopedagogia se relacionam e se entrelaçam. O nosso fazer nunca pode ser baseado no “fazer por fazer”, isto é, nunca deve ser uma prática solta, isolada, não fundamentada. Por isso, volto a frisar a importância da formação do psicopedagogo, que deve ser uma formação sólida, baseada em muitos estudos, leituras e atualizações. Algumas ConsideraçÕes Chegamos ao fi nal de mais um capítulo! Espero que tenham gostado e compreendido sobre os elementos que são importantes para a condução de todo o processo de intervenção psicopedagógica. O importante é que você sempre tenha em mente que a palavra-chave para todo o processo de intervenção é SUPERAÇÃO. Quero lembrar, que o que foi aqui apresentado, são apenas algumas das muitas possibilidades existentes na realização de um trabalho de intervenção. Neste processo, não só o paciente, mas o psicopedagogo também deve autorizar- se a pensar e criar a partir das necessidades de cada caso. Não existe uma receita pronta e acabada! Como se costuma falar: “cada caso é um caso”! Para encerrar, deixo aqui um pensamento de Pablo Picasso... “Há pessoas que transformam o sol em uma simples mancha amarela, mas há aquelas que fazem de uma simples mancha amarela, o próprio sol.” Referências ANDION, Maria Teresa Messeder. Jogo de Areia Psicopedagógico (JAP): instrumento de diagnóstico e intervenção psicopedagógica. In: SCICCHITANO, Rosa Maria Junqueira; CASTANHO, Marisa Irene Siqueira. Avaliação Psicopedagógica: recursos para a prática. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013. BARBOSA, Laura Monte Serrat. O projeto de trabalho: uma forma de atuação psicopedagógica. Curitiba: Edição independente, 2003. BERNARDI, Solange Teresinha. Utilização de Softwares Educacionais nos Processos de Alfabetização, de Ensino e Aprendizagem com uma Visão Psicopedagógica. Revista de Educação do IDEAU. v.5 - n.10 - Janeiro - Junho 121 A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA CLÍNICA: RESSIGNIFICANDO O APRENDERCapítulo 3 2010 Semestral. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2016. BOSSA, Nadia A. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011. BLUM, Emily Ann Francisco (et al.). Da Avaliação à Intervenção Psicopedagógica: estudo de caso. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2016. BRUNNER e ZELTNER. Dicionário de psicopedagogia e psicologia educacional. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo: a psicopedagogia proporcionando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed, 2001. LOPES, Shiderlene Vieira de Almeida. O Processo de Avaliação e Intervenção em Psicopedagogia. Curitiba. 2008. Disponível em: . Acesso em: 05 mar. 2016. MACIONK, Márcia. PEI – Programa de Enriquecimento Instrumental do Dr. Feuerstein: um Programa para a Promoção da Aprendizagem Autônoma. 2005. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2016. MONEREO, Carles; SOLÉ, Isabel (cols.) O assessoramento psicopedagógico: uma perspectiva profi ssional e construtivista. Porto Alegre: Artmed, 2000. MUSSALAM, Fernanda Limeira. Projeto de Trabalho: uma forma de intervenção pscopedagógica em crianças com difi culdade de aprendizagem. 2010. Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2016. PAÍN, Sara. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. RUBINSTEIN, Edith. A intervenção psicopedagógica clínica. In: SCOZ, Beatriz Judith; BARONE, Leda Maria Codeço (orgs) et al. Psicopedagogia: contextualização, formação e atuação profi ssional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. 122 Teoria e prática da psicopedagogia clínica SOUZA, Ana Maria Martins de. Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI). (s.d). Disponível em: . Acesso em: 13 mar. 2016. VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica: epistemologia convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. VISCA, Jorge. Psicopedagogia: novas contribuições. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000. WEISS, Maria Lucia L. A Intervenção Psicopedagógica nas Difi culdades de Aprendizagem Escolar. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2015. CAPÍTULO 4 Perfil, Competências e Habilidades do Psicopedagogo Clínico A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Identifi car o perfi l, as competências e habilidades necessárias para o exercício do fazer psicopedagógico. Conceituar o olhar e a escuta psicopedagógica. Relacionar a construção da autoria de pensamento com a atuação psicopedagógica clínica. 124 Teoria e prática da psicopedagogia clínica 125 PERFIL, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO PSICOPEDAGOGO CLÍNICOCapítulo 4 ConteXtualiZação Chegamos, fi nalmente, ao último capítulo de nosso caderno de estudos. Estudamos, até aqui, muitos assuntos relacionados à psicopedagogia clínica: desde a sua história, até a prática psicopedagógica clínica, nos processos de avaliação da aprendizagem e intervenção. Sei que são muitas informações importantes para serem assimiladas e compreendidas, mas acredito que com dedicação aos estudos você, caro aluno (a), chegará lá... Fecharemos o nosso caderno com o capítulo quatro, que abordará questões pertinentes à formação do profi ssional psicopedagogo clínico. Nessa altura de seus estudos, você já deve ter se questionado sobre quais habilidades e competências serão necessárias para o exercício da profi ssão da psicopedagogia, não é mesmo? E de que forma você, aluno (a), poderá desenvolver esse perfi l? Essas são perguntas que tentaremos responder ao longo deste capítulo. Nesse sentido, inicialmente, abordaremos as questões referentes ao perfi l do psicopedagogo clínico, bem como as suas competências e habilidades. Em seguida, defi niremos o que é a “escuta” e o “olhar” que o psicopedagogo deve ter na sua prática profi ssional. E fi nalmente, encerraremos este capítulo, discutindo sobre a construção da autoria de pensamento na atuação psicopedagógica. Espero que o nosso fechamento seja bastante proveitoso e te leve, caro (a) aluno (a), a refl etir sobre o perfi l que você precisa desenvolver para seu futuro profi ssional, de atuação na psicopedagogia clínica. Afinal, Quem É o Psicopedagogo Clínico? A partir de agora, convido você, aluno (a), a mergulhar um pouco mais nesse universo mágico que é a psicopedagogia! Pretendo aqui, brevemente, contar a você um pouco sobre o meu percurso profi ssional até me tornar especialista em psicopedagogia clínica e o motivo pelo qual me apaixonei por essa área. Desde muito cedo, pensava em atuar com crianças na educação. Mais tarde, cheguei a pensar em fazer faculdade de Psicologia ou de Fonoaudiologia... Foi quando eu conheci o curso de Educação Especial, oferecidonas alternativas e soluções para estes problemas. O primeiro curso surgiu na Clínica Médico-Pedagógica de Porto Alegre e tinha a duração de dois anos. Podemos dizer que, assim como a literatura francesa infl uenciou as ideias sobre psicopedagogia na Argentina, as ideias presentes neste país, infl uenciaram o surgimento e a construção da psicopedagogia no nosso país. Portanto, o movimento da psicopedagogia no Brasil, remete as concepções e práticas trazidas da Argentina. Alguns autores e psicopedagogos argentinos marcaram fortemente os ideais teóricos e constituíram os primeiros esforços para a divulgação e difusão da psicopedagogia no Brasil. Dentre estes autores, podemos citar: Sara Paín, Alícia Fernandez, Jorge Visca, entre outros. Sugiro a leitura do livro da Nádia Bossa (2011), “A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática”, para que você possa conhecer mais profundamente a história do surgimento da psicopedagogia. Este livro aborda várias questões importantes para todos os que estão inseridos nesta área. O movimento da psicopedagogia no Brasil, remete as concepções e práticas trazidas da Argentina. 16 Teoria e prática da psicopedagogia clínica A seguir veremos uma breve evolução histórica da Psicopedagogia no Brasil: Quadro 1 – Psicopedagogia no Brasil 1979 Em 1979, foi criado o primeiro curso de psicopedagogia no Instituto Sedes Sapien- tiae, em São Paulo, pela pedagoga e psicodramatista Maria Alice e pela diretora do Instituto Madre Cristina Sodré. O objetivo desse curso era valorizar a ação do educador. Ele começou abordando o tema da reeducação em psicopedagogia, de- pois assumiu um caráter terapêutico com aprofundamento nos aspectos afetivos da aprendizagem (BOSSA, 2011). 1979/1980 No Rio Grande do Sul, a PUC realizou cursos de especialização relacionados a re- educação em linguagem em 1979/80 e curso de psicoeducação em 1982/83. Ela mantém, ainda, desde 1972 a área de concentração em aconselhamento psicopeda- gógico dentro do curso de pós-graduação em Educação. 1980 A Associação Brasileira de Psicopedagogia, com sede em São Paulo, foi fundada no final de 1980, com a finalidade de promover o aperfeiçoamento de seus associados e a qualidade da prática psicopedagógica mediante a realização de cursos e de en- contros científicos. Além disto, começou a publicação de um periódico especializado na área, com o objetivo de trocar experiências e conhecimentos teóricos entre os associados. Devemos enfatizar aqui os estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul como os grandes pioneiros em formação e qualificação de profissionais em psicopedagogia. A partir destes estados é que houve a divulgação da profissão e de cursos para os outros estados do Brasil. 1984 Em novembro de 1984, aconteceu o primeiro encontro de psicopedagogia em São Paulo, inaugurando uma nova etapa no nosso país. Neste encontro, as psicopeda- gogas Clarissa Golbert e Sonia Kiguel apresentaram trabalhos demonstrando e dis- cutindo as atividades dos psicopedagogos de Porto Alegre. A partir deste evento foi fundado um Grupo de Estudos em Psicopedagogia que se reunia mensalmente, com o objetivo de discutir as questões pertinentes ao fazer psicopedagógico. A partir des- tes encontros criou-se a Associação Brasileira de Psicopedagogia – capítulo gaúcho. Década de 1990 Somente na década de 1990, os cursos de especialização Lato Sensu se multiplica- ram, surgindo cursos por mais estados brasileiros. Hoje, podemos dizer que a psico- pedagogia está presente em todo o território nacional, seja através da sua atuação em vários campos ou de cursos de especialização e aperfeiçoamento. Fonte: Elaborado pela autora. 17 A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA: UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃOCapítulo 1 Ao longo destes anos todos, desde que se começou a falar em psicopedagogia no Brasil, até os dias de hoje, a forma de conceber o fracasso escolar e os problemas de aprendizagem mudaram signifi cativamente: passaram de uma concepção organicista, que explicava tais problemas como resultado de condições orgânicas para uma abordagem que concebe a aprendizagem como resultado de múltiplos fatores, dentre eles, emocional, social, relacional. Neste sentido, o “não aprender” assume um novo sentido e deixa de ser compreendido como uma falta. Para você pesquisar e se aprofundar sobre o exercício da psicopedagogia no Brasil, sobre a luta da classe dos psicopedagogos para regularizar a profi ssão, além de ter acesso a vários textos e publicações científi cas da área, acesse o site da Associação Brasileira de Psicopedagogia: . Lá você terá informa- ções muito importantes sobre a psicopedagogia. A partir do que foi apresentado até agora, podemos concluir que a psicopedagogia nasce e se constitui na área clínica. Somente nos últimos 20 anos é que a atuação do psicopedagogo se expandiu para outras áreas, como a institucional, empresarial e hospitalar. Na próxima seção aprofundaremos os conceitos atrelados a psicopedagogia clínica, relacionando-os com a sua prática. Com todas essas informações, encerramos a primeira parte deste capítulo. Que tal organizarmos todas essas informações em uma linha do tempo? Atividade de Estudos: 1) Elabore uma linha do tempo, marcando os principais aconteci- mentos que contribuíram para o surgimento e o fortalecimento da psicopedagogia, bem como os respectivos anos de tais acontecimentos. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Os estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul como os grandes pioneiros em formação e qualifi cação de profi ssionais em psicopedagogia. 18 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Psicopedagogia Clínica ou Clínica Psicopedagógica? - Compreendendo Alguns Conceitos. Conforme vimos na seção anterior, a psicopedagogia é um campo do conhecimento relativamente recente no Brasil, apesar de já estar bastante difundida e sua prática já ser reconhecida e solicitada. Porém, em função de ser uma ciência “jovem”, ainda existem muitas confusões sobre o conceito e o objeto de estudo da psicopedagogia, bem como das atribuições do psicopedagogo. Inicialmente, apresentaremos alguns conceitos da psicopedagogia como um todo para, em seguida, nos aprofundarmos nos aspectos clínicos. Entendemos a psicopedagogia como área do conhecimento que investiga e intervém na relação do sujeito que aprende e o conhecimento a ser apreendido. Esta relação pode confi gurar- se como problemática em razão de seus aspectos pedagógicos, cognitivos e/ou afetivos, no âmbito individual e/ ou social/relacional. Conceituando a Psicopedagogia De acordo com o que o professor Antonio Joaquim Severino escreveu na introdução do livro de Bossa (2011, p. 19): A Psicopedagogia é tomada como um corpo de conhecimentos, construído com vistas a encontrar soluções para os problemas da aprendizagem, em uma aplicação que, além da clínica, se quer também preventiva. Área recente, multidisciplinar, é eminentemente prática, sem deixar de ser simultaneamente, campo de investigação e, ainda, saber científi co. Para aprofundarmos nossa discussão, vamos desmembrar este conceito em itens menores e refl etirmos sobre seu signifi cado. a) Corpo de conhecimentos: este termo nos remete a pensar que a psicopedagogia é uma área de caráter multidisciplinar, constituída pelo saber de várias outras áreas e não só da psicologia e da pedagogia, como o seu nome sugere. As principais teorias que constituem o corpo de conhecimentos 19 A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA: UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃOCapítulo 1 da psicopedagogia são: a psicanálise, a psicologia social, a epistemologia, a psicologia genética, a linguística, a pedagogia e a neuropsicologia.pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), RS. Neste momento, descobri qual faculdade gostaria de cursar. Durante os quatro anos de faculdade, me dediquei ao estudo da aprendizagem, principalmente em crianças com defi ciência ou público-alvo 126 Teoria e prática da psicopedagogia clínica da Educação Especial. Na época da minha faculdade, ainda não se falava em psicopedagogia e muito menos em inclusão. O trabalho ainda era realizado em classes e escolas especiais. Depois de formada, vim morar em Blumenau-SC, onde comecei a trabalhar com crianças especiais em salas de recurso. Neste período, conheci outros profi ssionais e comecei a desenvolver um trabalho junto a uma equipe multidisciplinar, ainda na área da Educação Especial. Comecei a ler e a conversar com outros profi ssionais sobre a psicopedagogia, para complementar a minha atuação nesta equipe. Busquei por cursos de formação na área e, na época, não existia nenhum no estado inteiro de Santa Catarina. Minha primeira formação na área da Psicopedagogia foi no ano de 1995, em São Paulo. Neste período, foi necessário muito estudo, dedicação, disposição e motivação para viajar toda a semana para tão longe em busca de novos conhecimentos. Mas esse foi só o “ponta-a-pé” inicial... Depois desta formação, foram muitos cursos, congressos, especializações e mestrado sempre em busca de aperfeiçoamento e novos conhecimentos. Nesta época, já atuava como psicopedagoga clínica, junto a uma equipe multidisciplinar, além de dar aula na universidade em cursos de graduação e de pós-graduação. Posso dizer que, nesses mais de 20 anos como profi ssional da psicopedagogia, não fi quei nem um ano sequer, sem realizar novos cursos e aprender um pouco mais... Posso resumir essa atitude de busca pelo conhecimento, pelo novo, pelo aperfeiçoamento, em uma só palavra: DESEJO. Desejo pelo saber, desejo pela psicopedagogia, desejo por ver o progresso dos pacientes no trabalho psicopedagógico. E quanto mais eu aprendo, quanto mais eu estudo, mais apaixonada eu fi co pelo meu trabalho... Espero que esse meu singelo exemplo possa inspirar você, caro (a) aluno (a), a também se tornar “desejoso” pela psicopedagogia. Atividade de Estudos: 1) Após esse breve relato sobre a minha inserção na psicope- dagogia, refl ita sobre as questões e registre nas linhas abaixo. a) Qual o motivo que fez você buscar a Psicopedagogia? b) Quais são as suas características pessoais que você julga ser importante para o exercício da psicopedagogia clínica? _____________________________________________________ _____________________________________________________ Posso resumir essa atitude de busca pelo conhecimento, pelo novo, pelo aperfeiçoamento, em uma só palavra: DESEJO. 127 PERFIL, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO PSICOPEDAGOGO CLÍNICOCapítulo 4 _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ O psicopedagogo clínico, enquanto profi ssional que atua nas áreas da saúde e da educação, deverá se instrumentalizar teoricamente, mas sem deixar de lado a sua formação pessoal. Sua formação deverá ter por base sólidos conhecimentos científi cos, a fi m de alcançar um maior nível de qualidade, de seriedade e comprometimento em suas ações. Além disso, esse profi ssional deverá ter sempre presente a sua grande responsabilidade frente a realidade educacional brasileira (SCOZ, 1991). E o que queremos dizer quando falamos da importância da formação pessoal do psicopedagogo? Podemos afi rmar que a melhor ferramenta educativa é a própria fi gura do professor. A lógica, na psicopedagogia, é a mesma! Para obtermos um maior proveito no uso de qualquer ferramenta na psicopedagogia, precisamos conhecê-la bem, aprender para que serve e conhecer também as suas limitações. Quando afi rmamos que a melhor ferramenta psicopedagógica é o próprio psicopedagogo, estamos dizendo que para realizar a sua função, o psicopedagogo deve conhecer- se. Só assim poderá identifi car a maneira que o seu mundo afetivo, psicológico, ético e criativo pode ser utilizado em prol do seu trabalho. Sabemos também que todo o ser humano tem as suas limitações. Com o sujeito psicopedagogo não é diferente! É importante que esse profi ssional conheça as suas limitações, tanto teóricas quanto pessoais, para que consiga saber até onde pode ir. Aprender a conhecer você mesmo, respeitando os seus limites é a chave para você se aceitar e ajudar os outros. De acordo com França (1996, p. 100) [...] o psicopedagogo não podendo ser autônomo no atendimento, pois depende de outros especialistas, também não pode ser um “cyborg” intelectual que entenda os aspectos pedagógicos, psicológicos, neurológicos, fonoaudiológicos, psicolingüísticos e de outras exigências da psicopedagogia. O psicopedagogo clínico, enquanto profi ssional que atua nas áreas da saúde e da educação, deverá se instrumentalizar teoricamente, mas sem deixar de lado a sua formação pessoal. A melhor ferramenta psicopedagógica é o próprio psicopedagogo, estamos dizendo que para realizar a sua função, o psicopedagogo deve conhecer-se. 128 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Quando reconhecemos os limites da nossa atuação, estamos sendo éticos com a nossa profi ssão. Não podemos “abarcar o mundo com as pernas” e nem assumir responsabilidades que não competem a nós. Concordo com Garcia (2000, p. 32), quando afi rma que [...] o psicopedagogo, como o imaginamos hoje, é um profi ssional que pode ter sua origem profi ssional em distintas áreas das chamadas ciências humanas e sociais. No entanto, a sua qualifi cação profi ssional específi ca deve levá-lo a uma habilitação que possibilite enxergar no educando aquilo que transcende o conhecimento das disciplinas pedagógicas. E isto se consegue, ademais, com o cultivo de habilidades, que somadas ao conhecimento especializado permitem ajudar o outro a elevar-se um degrau em seu processo formativo. Seja no diagnóstico ou nas recomendações prescritas, o que diferenciará o bom, do mau profi ssional, será esta apurada acuidade de operar em uma área onde a seriedade e a charlatanice convivem em espaços muito próximos. Falando-se em ética, é oportuno resgatar os capítulos do Código de Ética elaborado pela Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp que tratam das responsabilidades do psicopedagogo. Capítulo IV – Das responsabilidades Artigo 11 São deveres do psicopedagogo: a) manter-se atualizado quanto aos conhecimentos científi cos e técnicos que tratem da aprendizagem humana; b) desenvolver e manter relações profi ssionais pautadas pelo respeito, pela atitude crítica e pela cooperação com outros profi ssionais; c) assumir as responsabilidades para as quais esteja preparado e nos parâmetros da competência psicopedagógica; d) colaborar com o progresso da Psicopedagogia; e) responsabilizar-se pelas intervenções feitas, fornecer defi nição clara do seu parecer ao cliente e/ou aos seus responsáveis por meio de documento pertinente; f) preservar a identidade do cliente (paciente) nos relatos e dis- cussões feitos a título de exemplos e estudos de casos; g) manter o respeito e a dignidade na relação profi ssional para a harmonia da classe e a manutenção do conceito público. Com o cultivo de habilidades, que somadas ao conhecimento especializado permitem ajudar o outro a elevar-se um degrau em seu processo formativo. 129 PERFIL, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO PSICOPEDAGOGO CLÍNICOCapítulo 4 Capítulo V – Dos instrumentos Artigo 12 São instrumentos da Psicopedagogia aqueles que servem ao seu objetode estudo – a aprendizagem. Sua escolha decorrerá de formação profi ssional e competência técnica, sendo vetado o uso de procedimentos, técnicas e recursos não reconhecidos como psicopedagógicos. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2016. Para fi nalizar essa seção, vamos retomar a pergunta inicial deste capítulo: “mas afi nal, quem é o psicopedagogo?” Sintetizando, o psicopedagogo é o profi ssional que deve ser capaz de investir na sua formação pessoal, de maneira contínua e signifi cativa, de modo a estar apto a também desenvolver um papel profi ssional inovador, no qual quem ensina deve, inicialmente, ter aprendido e vivenciado o que efetivamente vai ensinar. Esse profi ssional deve possibilitar a todos, inclusive a si próprio, a oportunidade de lidar com seus próprios processos de aprendizagem (BOSSA, 2011). Encerramos assim, esta seção para, em seguida, discutirmos sobre alguns termos tão utilizados na psicopedagogia: o olhar e a escuta psicopedagógica. Convido você a continuar nosso caminhar... O OlHar e a Escuta Psicopedagógica Você já deve, por muitas vezes em seus estudos, ter se deparado com esses termos: “olhar” psicopedagógico e “escuta” psicopedagógica. Você já parou para pensar o que eles signifi cam? Que concepção está por trás destes conceitos? Faremos, a seguir, algumas refl exões. Quando pensamos nas ações de olhar e de escutar, a primeira ideia que nos vem à mente é que estas ações estão relacionadas aos nossos órgãos dos sentidos (visão e audição) e que são canais receptores de informações do meio social. Esta ideia não deixa de estar correta, se pensarmos no nosso organismo enquanto aparelho biológico. Porém, sabemos que o nosso corpo é muito mais do que isso. E o olhar e a escuta também! 130 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Em primeiro lugar, podemos considerar que para olhar e escutar, além das informações recebidas pelos órgãos sensoriais, está a interpretação e o sentido que damos às mensagens que recebemos. Nesse sentido, esta interpretação é estritamente pessoal e subjetiva. Será que existe uma única forma de “escutar” o que aquele paciente quer nos dizer? Como saber se é isso mesmo? A psicopedagogia toma emprestado os termos, “olhar e escuta” da psicanálise. Para a psicanálise, escutar é diferente de ouvir e a escuta está sempre relacionada ao discurso do outro, ao o que o outro quer dizer com as suas palavras e também, ao que não é dito. Veremos, neste pequeno texto do psicanalista Marlos Terêncio, a diferença entre ouvir e escutar para a psicanálise. Um conhecido texto de Rubem Alves, intitulado “Escutatória”, aborda de maneira criativa e poética a problemática de escutar e falar na experiência humana. Diz o escritor, com muito bom humor, que todos procuram por cursos de oratória, ou seja, todos querem aprender a falar, mas ninguém se interessaria por um curso de “escutatória”, isto é, pelo aprendizado da arte de escutar. Diriam alguns que ouvir é muito fácil, que árduo é aprender a falar, a se expressar, a se comunicar. Sem dúvida que a expressão é difícil para muitos — em clínica psicanalítica recebemos pacientes com tal difi culdade –, mas saber escutar é igualmente trabalhoso e raro. Sugiro aqui uma distinção entre ouvir e escutar. Ouvir é aquilo que fazemos em nossos relacionamentos cotidianos: ouvimos o outro, muito embora, com frequência, estejamos apenas esperando por nossa oportunidade para falar. Misturamos nossos preconceitos e julgamentos com aquilo que ouvimos da boca do próximo e, como resultado, compreendemos e acolhemos muito pouco daquilo que ele ou ela nos dirige com sua fala. Estamos ávidos por opinar, por discordar, por aconselhar. A escuta, por sua vez, tem uma qualidade diferente. É aquilo que se faz, como diz Rubem Alves, quando há silêncio dentro da alma. Quando os pensamentos não fazem ruído excessivo em nossa cabeça, aí, sim, podemos escutar o outro. Quando abrimos mão de nossos preconceitos, certezas e julgamentos, podemos realmente escutar e acolher aquilo que o outro nos endereça em sua fala. [...] 131 PERFIL, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO PSICOPEDAGOGO CLÍNICOCapítulo 4 O psicanalista também está ciente do problema, pois sabe que somente se escuta um paciente na ausência de julgamentos e de certezas absolutas a respeito do que ele fala. E o paciente, ao sentir- se verdadeiramente escutado, consegue, fi nalmente, dar expressão aos seus pensamentos e sentimentos. Nos idos de 1900, foi Freud o primeiro a dar uma escuta às pacientes histéricas, que eram vistas como dissimuladas pelos médicos da época. Ninguém realmente as escutava, seu discurso era menosprezado. E com esse ato simples, porém difícil, de escutar, conseguiu Freud compreender e mostrar- lhes a dinâmica inconsciente de seus sintomas, livrando muitas delas da miséria neurótica. Muitos profi ssionais se propõem a escutar o sofrimento alheio, mas é comum que estejam apenas esperando para aconselhar, com receitas prontas, os seus clientes. A escuta do psicanalista é diferente, pois tem o compromisso com a singularidade de cada sujeito: cada história de vida é única e, assim, também é singular o caminho a ser trilhado pelo paciente para a resolução de seus confl itos. [...] O que escuta, então, o psicanalista? O analista escuta o desejo inconsciente — aquilo que, muitas vezes, difere do que, conscientemente, queremos. O analista percebe e pontua essa divergência, o que é sufi ciente para abrir ao sujeito uma chance de constituir um novo posicionamento em relação a sua vida. Em um mundo marcado por tantos discursos sobre o sofrimento psíquico, cada qual propondo-se como a verdade última e o caminho certeiro para a felicidade, há pouco espaço para a escuta sincera de cada sujeito em sua singularidade, no intuito lhe facultar o encontro de sua própria voz. Essa é a proposta de uma escuta psicanalítica. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2016. Do texto acima, destaco uma frase: “o analista escuta o desejo inconsciente”. Na psicopedagogia a lógica é a mesma: o psicopedagogo deve escutar além das palavras que são ditas e olhar além das ações e dos gestos que são feitos. O psicopedagogo deve conseguir escutar e olhar o que está por trás das palavras e das ações, o que aquele sujeito quer nos dizer e nos mostrar. O psicopedagogo deve escutar além das palavras que são ditas e olhar além das ações e dos gestos que são feitos. 132 Teoria e prática da psicopedagogia clínica E é exatamente o “olhar” e a “escuta” psicopedagógica que nos permitem traçar o perfi l de uma atitude clínica. Fernandez (1991) questiona-se sobre como ler a produção de um paciente, como conseguir uma escuta-olhar psicopedagógicos. Ao fi nal das suas refl exões, a autora sintetiza da seguinte maneira “[...] posicionando-se em um lugar analítico e assumindo uma atitude clínica, à qual será necessário incorporar conhecimentos, teoria e saber, acerca do aprender.” (FERNANDEZ, 1991, p. 126). Mais adiante, Fernandez (1991, p. 131) continua “o escutar e o olhar do terapeuta vai permitir ao paciente falar e ser reconhecido, e ao terapeuta compreender a mensagem.”. Vale lembrar que essa escuta deve ser livre de preconceitos, de pré-julgamentos, sem contaminação com nossos sentimentos pessoais e sempre ser contextualizada com a aprendizagem, que é o campo de atuação da psicopedagogia. Atividade de Estudos: 1) Defi na, com as suas palavras, o que é a “escuta” e o “olhar” psicopedagógico. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ Esta visão mais abrangente que o psicopedagogo deverá ter, não será focada somente nas questões cognitivas, nos fracassos. Sempre que o olhar e a escuta estiverem presentes em seu trabalho, o foco será o de descobrir e revelar possibilidades. Para fi nalizar este capítulo, falaremos na próxima sessão sobre a construção da autoria de pensamento na atuação psicopedagógica clínica, do ponto de vista tanto do ensinante, quanto do aprendente. 133 PERFIL, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO PSICOPEDAGOGO CLÍNICOCapítulo 4 A Construção da Autoria de Pensamento na Atuação Psicopedagógica Muitas crianças, adolescentes e até mesmo adultos que vem em busca do trabalho psicopedagógico, não conseguem reconhecerem-se como sujeitos autores e construtores das suas produções. Não conseguem confi ar no que pensam e no que produzem e não acreditam no seu potencial. Fernández (2001, p. 90) defi ne a autoria “como o processo e o ato de produção de sentidos e de reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante de tal produção”. Ser autor é reconhecer-se enquanto criador de uma obra, seja ela qual for: uma pintura, um desenho, uma escrita, uma construção ou um pensamento. A autora destaca que pensar a autoria de pensamento implica pensar na relação entre os sujeitos: eu-outro, ensinante-aprendente, ou seja, pensar na inserção do sujeito nesta relação, assumindo-se como participante e responsável por suas ações e escolhas, demonstrando sua maneira de pensar (FERNÁNDEZ, 2001). Ensinante – aprendente: são os sujeitos da psicopedagogia, ou seja, os sujeitos da autoria de pensamento. Diferencia-se da relação professor-aluno, pela posição que cada um ocupa. Na relação professor-aluno, existe uma hierarquia entre aquele que transmite um conhecimento e o outro que o assimila. A relação ensinante-aprendente não diz respeito a papéis sociais, mas sim, ao posicionamento subjetivo que cada um ocupa frente ao conhecimento. Todos nós somos ensinantes e aprendentes simultaneamente, e transitamos por esses lugares ao longo da nossa vida. Uma criança com difi culdade de aprendizagem, por exemplo, não deve ver-se somente como aprendente, por julgar que não tem nada para ensinar ao outro. Ao aprender, o sujeito aprendente, precisa conectar-se com o que já sabe a respeito do que lhe está sendo ensinado, pois, remetendo-se a si mesmo, poderá reconhecer seu saber e mostrá-lo a quem o ensina. Por sua vez, o ensinante deverá reconhecer e valorizar o saber do aprendente para que ambos estejam conectados. 134 Teoria e prática da psicopedagogia clínica É preciso que quem estiver ensinando, esteja aberto para conhecer e valorizar o outro como possuidor de um saber, reconhecendo-o como sujeito ensinante, já que ele mostra ao outro o que sabe. Desta forma, quem ensina também pode aprender e quem aprende também pode ensinar. Nesta relação, os lugares não são fi xos e proporcionam um espaço de trocas favorável ao ensino e à aprendizagem. Com este movimento, o sujeito vai se constituindo como um sujeito autor, pois ele consegue transitar entre o ser ensinante e o ser aprendente (POPPOVIC, 2004). Atividade de Estudos: 1) Estabeleça as diferenças existentes nas relações entre professores / alunos e entre ensinantes / aprendentes. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ E afi nal, quem é esse sujeito autor? Para a psicopedagogia, o sujeito autor é o sujeito que constrói a autoria do seu pensamento, que se autoriza a pensar, não somente por meio de conteúdos acadêmicos, mas sim, por meio de todas as suas experiências de vida: social, familiar, acadêmica. Esse sujeito se autoriza a conduzir a sua própria vida, de maneira autônoma, independente. Dessa forma, podemos estabelecer uma relação direta entre autoria e autonomia. Para Fernández (2001), somente através da autoria e da autonomia de pensamento é que o sujeito consegue alcançar a liberdade: liberdade de pensar, de agir, de sonhar, de comandar a sua vida... Indico a leitura do texto “PSICOPEDAGOGIA: OFICINA DE JOGOS, UM ESPAÇO PARA A AUTORIA DE PENSAMENTO” de Saj Porcacchia, Sonia; Perce Eugenio, Aline Aparecida. Este artigo foi apresentado na Universidade de Buenos Aires, em 2011, e trata de mostrar como um trabalho com jogos pode propiciar a autoria de pensamento. Ao fi nal do texto, as autoras apresentam um caso que ilustra suas concepções. O artigo está disponível em: . 135 PERFIL, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO PSICOPEDAGOGO CLÍNICOCapítulo 4 Para o psicopedagogo, nada é mais gratifi cante do que ver o sujeito aprendente desafi ando-se a pensar, criando e construindo novas relações e conexões. Muitas vezes, esse sujeito que chega até nós, impregnado pelo não-saber, inseguro quanto ao seu pensar e desacreditado quanto as suas possibilidades, consegue, com o trabalho psicopedagógico, ver-se como ensinante-aprendente. Para fi nalizar, compartilho com você, aluno (a), uma poesia escrita por duas psicopedagogas sobre a autoria de pensamento. Vale a leitura e a refl exão! Ser autor é... ...viver no eterno agora deixando a luz da vida, brilhar em cada passo que dou, Deixando minha marca pelos caminhos que vou... ...buscar no inconsciente a consciência de quem sou, ...se deixar sonhar para poder criar e recriar, ...ser livre para se deixar voar...nas asas da imaginação, realizando-nos como pessoas únicas que somos, na beleza do momento presente, na eterna dança do amor... ...viver no encantamento da vida, Vivida com todas as cores, luzes, sabores e amores, ...abrindo caminhos para as transformações... Ser ecológico, Ser que ama, Ser que se ama, Ser que soma, Ser que divide, multiplica. Ser que age inter-age; Transforma, forma, Integra, reintegra, Ser-mente, semente. Ser autor: ser com amor. Ser vida: ser Teia da Vida. Fonte: Alves e Bossa (2006, s. p.). 136 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Algumas ConsideraçÕes Prezado (a) aluno (a), concluímos mais um capítulo e com isso encerramos o caderno de estudos da disciplina de “Teoria e Prática da Psicopedagogia Clínica”. Foi um longo caminho até aqui, não é mesmo? Muitas informações, novos conhecimentos e horas de estudo e dedicação. Espero que tenha sido de muito proveito para você! Para mim, todas as experiências de escrita, produzem novas refl exões, novas leituras e, consequentemente, novos saberes. Realmente, escrever e aprender não é uma prática, uma tarefa, algo fácil! Existem momentos que nos geram angustia e insegurança. Mas, quando o resultado fi nal é positivo, quando o autor contempla a sua obra e sente-se orgulhoso, é porque todo o esforço valeu a pena!!! Este é o verdadeiro sentido da autoria de pensamento, processo pelo qual todos nós, psicopedagogos, aprendentes e ensinantes, deveremos passar. Como despertar e desenvolver no outro, sentimentos e experiências que não estão em mim? Como despertar o desejo do aprender no outro, se eu não me reciclo, não estudo, não leio? Como ensinar o outro a pensar, se para mim é tão difícil criar e tomar decisões? Como auxiliar o outro a se conhecer melhor, se eu não me conheço e nem me reconheço por inteiro? Portanto, futuro (a) psicopedagogo (a), deixo aqui estas refl exões para que você perceba que a formação do psicopedagogo passa tanto pelo conhecimento teórico, profi ssional, quanto pelo pessoal. Essa profi ssão implica em muita dedicação, mas em contrapartida, é muito gratifi cante! Desejo a você, prezado (a) aluno (a), um futuro brilhante, com um caminho pleno de realizações!!!!! Referências ALVES, Maria Dolores Fortes; BOSSA,Nádia. Psicopedagogia: em busca do sujeito autor. s.d. Disponível em: . Acesso em: 04 abr. 2016. BOSSA, Nádia A. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011. FERNANDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada: abordagem psicopeda-gógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. 137 PERFIL, COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DO PSICOPEDAGOGO CLÍNICOCapítulo 4 _____. O saber em Jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed, 2001. FRANÇA, Carlos. Um novato na Psicopedagogia. In: SISTO, Fermino Fernandes; OLIVEIRA, Gislene de Campos; FINI, Lucila Diehl Tolaine et al. (orgs). Atuação Psicopedagógica e Aprendizagem Escolar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. GARCIA, Walter E. A psicopedagogia face aos desafi os da transdisciplinaridade. In: NOFFS, Neide de Aquino; FABRÍCIO, Nívea de Carvalho; SOUZA, Vânia de Carvalho Bueno de. A Psicopedagogia em Direção ao Espaço Transdisciplinar. São Paulo: Editora Sterchele, 2000. POPPOVIC, Ana Maria. Contribuições da Psicopedagogia a Construção do Professor. Boletim Clínico, nº 18, setembro de 2004. Disponível em: . Acesso em: 03 abr. 2016. SCOZ, Beatriz Judith Lima. A Identidade do Psicopedagogo: formação e atuação profi ssional. In: SCOZ, Beatriz Judith Lima; BARONE, Leda Maria Codeço; CAMPOS, Maria Célia Malta; MENDES, Mônica Hoehne (orgs.). Psicopedagogia: contextualização, formação e atuação profi ssional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.b) Aprendizagem: atualmente, a psicopedagogia trabalha com a concepção de aprendizagem segundo a qual participam deste processo o sujeito individual, através do seu equipamento biológico, afetivo e intelectual, e a relação deste sujeito com o seu meio. As trocas entre o sujeito e o seu meio são infl uenciadas pelas condições socioculturais, e pelas relações familiares, grupais e institucionais. c) Problemas de aprendizagem: podemos dizer que os problemas de aprendizagem são todos os entraves que difi cultam signifi cativamente o processo de aprender, determinando um desempenho abaixo do esperado, levando-se em consideração a idade e série do aprendente, embora o sujeito tenha a necessária capacidade intelectual para tal aprendizado. d) Aplicação clínica: o sentido deste termo no contexto da defi nição de psico- pedagogia signifi ca o trabalho de resgate da possibilidade da aprendizagem quando já existe um problema instalado. Envolve todas as ações que o psicopedagogo faz para diagnosticar e intervir com o objetivo de buscar soluções e reverter um quadro de difi culdade. Esse termo não signifi ca que o trabalho deva acontecer em um espaço clínico, pois a aplicação do trabalho psicopedagógico clínico pode acontecer em diversos espaços. e) Aplicação preventiva: para a psicopedagogia, o termo prevenção refere- se ao trabalho no sentido de adequar as condições de aprendizagem de forma a evitar possíveis comprometimentos nesse processo. Portanto, o trabalho com caráter preventivo acontece quando não existe um problema de aprendizagem instalado. A intervenção do psicopedagogo tem o objetivo de facilitar o processo de aprendizagem. f) Área prática, sem deixar de ser um campo de investigação e um saber científi co: a psicopedagogia já nasce como uma necessidade prática, uma vez que existe uma demanda para isso. Porém, essa prática jamais pode ser desvinculada de um saber teórico que a embase e a sustente. Quando falamos em “práxis psicopedagógica” é justamente a isso que nos referimos: a inter-relação entre teoria e prática, capaz de gerar novos conhecimentos, abrindo um vasto campo para a investigação. Agora que o conceito de psicopedagogia já foi aprofundado, vamos continuar discutindo os aspectos pertinentes à psicopedagogia clínica. 20 Teoria e prática da psicopedagogia clínica ObJeto de Estudo da Psicopedagogia Como sabemos o objeto de estudo da psicopedagogia é a aprendizagem humana e, consequentemente, os problemas de aprendizagem. Tanto no trabalho psicopedagógico clínico, quanto no trabalho preventivo, a compreensão de como se dá a aprendizagem nas diversas idades e quais habilidades são necessárias para que ela aconteça, é de fundamental importância para ambos os trabalhos. Por isso é equivocada a ideia de que o psicopedagogo deve estudar e se aprofundar somente nos transtornos e problemas de aprendizagem. Em primeiro lugar, ele deve compreender sobre a aprendizagem como um todo. De acordo com Bossa (2011, p.33): [...] a Psicopedagogia estuda as características da aprendizagem humana: como se aprende, como essa aprendizagem varia evolutivamente e está condicionada por vários fatores, como se produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las. Conforme foi visto na seção anterior, na sua origem, o trabalho psicopedagógico priorizava a reeducação, objetivando vencer as defasagens, pois as difi culdades de aprendizagem eram sempre avaliadas em função dos seus défi cits. Atualmente, a psicopedagogia vê o “não-aprender” como uma resposta a alguns fatores que podem não estar bem por estarem em desacordo com o esperado e estes são sempre carregados de signifi cados. Tais fatores podem ser de ordem emocional, social, afetivo, pedagógico, cognitivo, relacional, entre outros. Portanto, num trabalho de investigação psicopedagógica, deve-se priorizar a busca pelas causas da difi culdade e não somente voltar o seu olhar para os défi cits. A Revista Ciência & Vida Psique (Editora Escala, ano 1, n. 2) lançou uma edição especial intitulada PSICOPEDAGOGIA: para quê? Esta publicação é formada por diversos artigos escritos por psicopedagogos renomados que tratam desde o nascimento da psicopedagogia até as contribuições mais recentes da neurociência para auxiliar na compreensão de como se processa a aprendizagem humana. Vale à pena a leitura! Agora que já temos claro o conceito de psicopedagogia, bem como o seu objeto de estudo, vamos nos aprofundar nos conceitos que constituem a psicopedagogia clínica. O objeto de estudo da psicopedagogia é a aprendizagem humana e, consequentemente, os problemas de aprendizagem. 21 A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA: UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃOCapítulo 1 Você já deve ter ouvido os termos “psicopedagogia clínica” e “clínica psicopedagógica”, não é mesmo? E será que estes termos são sinônimos um do outro e querem dizer a mesma coisa? Ou será que são expressões com sentido diferente e que, por falta de conhecimento, são utilizadas erroneamente? A Psicopedagogia Clínica e a Clínica Psicopedagógica O primeiro ponto importante para deixarmos claro nestas refl exões é que a psicopedagogia é uma área única do conhecimento e que abrange algumas ramifi cações, relacionadas aos campos de atuação do psicopedagogo. No Brasil, a partir da década de 1990, com a proliferação dos cursos de especialização por todo o país, tais cursos começaram a ser oferecidos com a nomenclatura de “psicopedagogia clínica”, “psicopedagogia institucional” e, mais recentemente, “psicopedagogia hospitalar” e “psicopedagogia empresarial”. Estes termos acabaram sendo divulgados e bastante falados, mas, muitas vezes, não se tem a verdadeira conotação do que eles querem dizer. Podemos afi rmar que todos os campos pertencem a uma só psicopedagogia, que compartilham dos mesmos conceitos, dos mesmos referenciais teóricos e a mesma conduta ética do psicopedagogo. A psicopedagogia clínica refere-se a um dos campos de atuação da psicopedagogia. Refere-se também a um saber, a postura clínica que o psicopedagogo deve assumir frente ao seu paciente, que envolve o olhar e a escuta psicopedagógica clínica. Essa postura deve ser assumida pelo psicopedagogo com o seu cliente nos diversos campos de atuação e nos diversos espaços que ocupa e não somente no espaço clínico. Portanto, podemos dizer que o método utilizado pelo psicopedagogo é o método clínico, por ser um método investigativo e de observação da realidade. O psicopedagogo o utiliza como instrumento de investigação na coleta de dados para o diagnóstico e intervenção nas difi culdades de aprendizagem apresentadas por seus clientes. A psicopedagogia é uma área única do conhecimento e que abrange algumas ramifi cações, relacionadas aos campos de atuação do psicopedagogo. 22 Teoria e prática da psicopedagogia clínica O olhar clínico em psicopedagogia é o olhar que tem por objetivo compreender como o sujeito aprende, na sua relação com os outros sujeitos, com a cultura, com sua história e com os objetos de aprendizagem. Este olhar envolve o sujeito como um todo e tenta perceber como faz para evitar ou superar suas difi culdades em relação à aprendizagem. De acordo com Fernández (2001a), o termo “psicopedagogia clínica” foi utilizado pela primeira vez na década de 1970, pela psicopedagoga argentina Blanca Tarnopolsky. Esse enfoque passou a reconhecer a existência de fenômenos inconscientes e da transferência, ambos os conceitos utilizados pela teoria da psicanálise. Para ela, “[...] isso signifi cou um giro de grande importância sobre o questionamento de reeducação psicopedagógica que, em geral, está só a serviço da exigência de uma adaptação mecanicista” (FERNÁNDEZ, 2001a, p. 49). • Inconsciente: área do psiquismo que não é acessível à consciência do indivíduo. De acordo com a concepção da psicanálise, no inconsciente se encontram conteúdos que foram reprimidos. O acesso ao inconsciente se abrede preferência através de sonhos, atos falhos e sintomas neuróticos. • Transferência: conceito da psicanálise: processo em grande parte inconsciente pelo qual se revivem, nas relações atuais, afetos e desejos referentes a relações anteriores (sobretudo experiências infantis) dirigidas a objetos (sobretudo pessoas). A transferência representa, no âmbito da relação paciente- terapeuta, um dos meios mais importantes para tornar conscientes confl itos inconscientes. Fonte: Extraído de Brunner e Zeltner (1994). A postura clínica deve fazer parte do psicopedagogo e de suas ferramentas teóricas e deve ser utilizada independente de onde ele estiver trabalhando: seja numa escola, num consultório, num hospital ou numa faculdade. Entendemos então que, o adjetivo “clínica” faz referência a uma postura, a uma ética e a um modo de investigar as situações e de intervir. Para encerrar esta seção, vamos retomar o questionamento feito anteriormente: seria a “psicopedagogia clínica” e a “clínica psicopedagógica” a O olhar clínico em psicopedagogia é o olhar que tem por objetivo compreender como o sujeito aprende, na sua relação com os outros sujeitos, com a cultura, com sua história e com os objetos de aprendizagem. 23 A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA: UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃOCapítulo 1 mesma coisa? A resposta é NÃO. Na maioria das vezes, estes dois termos são utilizados como sinônimos, mas você já compreendeu que a “psicopedagogia clínica” refere-se a uma postura ética, a uma forma de conduzir o trabalho psicopedagógico, independente do local de atuação. A “clínica psicopedagógica” refere-se a atuação psicopedagógica no espaço clínico, no consultório, sendo portanto, o espaço de trabalho do psicopedagogo. O que entendemos por intervenção psicopedagógica clínica A intervenção psicopedagógica clínica é muito diferente da reeducação, já que esta última tende a corrigir e remediar. Assim, muitas crianças são submetidas a métodos reeducativos que tentam uma “ortopedia mental” como se fosse possível colocar “próteses cognitivas”. O fracasso escolar ou problema de aprendizagem deve ser sempre um enigma a ser decifrado que não deve ser calado, mas escutado. Desse modo, quando o “não sei” aparece como principal resposta, podemos perguntar-nos o que é que não está permitido saber. Nossa escuta não se dirige aos conteúdos não-aprendidos, nem aos aprendidos, nem às operações cognitivas não-logradas ou logradas, nem aos condicionantes orgânicos, nem aos inconscientes, mas às articulações entre essas diferentes instâncias. Não se situa no aluno, nem no professor, nem na sociedade, nem nos meios de comunicação como ensinantes, mas nas múltiplas relações entre eles. Fonte: Fernández (2001b, p. 38). Atividade de Estudos: 1) Neste capítulo, apresentamos vários conceitos importantes para o trabalho psicopedagógico. Volte ao texto, leia novamente estes conceitos, elabore-os e reescreva-os utilizando-se das suas palavras: 24 Teoria e prática da psicopedagogia clínica ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas ConsideraçÕes Este primeiro capítulo tem um caráter um pouco mais teórico, mas é de fundamental importância para que você possa compreender a prática da psicopedagogia clínica. Todos os conceitos que aqui foram apresentados e discutidos estarão presentes ao longo desta disciplina e você, aluno, deve ter clareza desse referencial. Ressalto a importância da compreensão de determinadas teorias, pois serão elas que orientarão a nossa prática futura. Como estudante da psicopedagogia, futuro profi ssional psicopedagogo que trabalhará com a aprendizagem, você precisa estar sempre atento e refl etir sobre como se dá a sua própria aprendizagem. Como foi o seu processo de aprender ao longo deste capítulo? Com quais sentimentos você se deparou: angústia, medo, insegurança, gratifi cação, prazer? Quais as estratégias você utilizou para melhor fi xar tantas informações? Durante o nosso trabalho, é importante que estes questionamentos estejam presentes para que você possa se conhecer melhor. Não podemos mediar a aprendizagem de outras pessoas se não conseguimos compreender a nossa própria. Portanto, fi que atento e se observe... No próximo capítulo abordaremos o processo do diagnóstico psicopedagógico clínico, suas características, as etapas para a realização deste, os instrumentos utilizados durante esse processo, bem como as diferentes abordagens que fundamentam a investigação psicopedagógica. 25 A HISTÓRIA DA PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA: UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃOCapítulo 1 Referências BOSSA, Nádia A. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011. BRUNNER e ZELTNER. Dicionário de psicopedagogia e psicologia educacional. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. CORDIÉ, Anny. Os atrasados na existem: psicanálise de crianças com fracasso escolar. Porto Alegre: Artmed, 1996. FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo: a psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Porto Alegre: Artmed, 2001a. ______. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001b. MERY, Janine. Pedagogia curativa escolar e psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 1985. 26 Teoria e prática da psicopedagogia clínica CAPÍTULO 2 O Processo de Investigação Clínica: O Diagnóstico Psicopedagógico A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer as diversas abordagens que fundamentam o diagnóstico psicopedagógico. Caracterizar as etapas do diagnóstico psicopedagógico clínico. Identifi car os principais instrumentos utilizados no diagnóstico psicopedagógico. Relacionar as etapas do diagnóstico psicopedagógico, bem como os instrumentos utilizados neste processo com o caso apresentado. Elaborar o relatório do diagnóstico psicopedagógico a partir da análise dos dados apresentados. 28 Teoria e prática da psicopedagogia clínica 29 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 ConteXtualiZação Você deve estar lembrado, conforme vimos no capítulo anterior, que a psicopedagogia busca encontrar soluções para os problemas de aprendizagem. E você já parou para pensar como se dá essa busca? Que instrumentos o psicopedagogo utiliza para tal fi m? É justamente este o objetivo principal deste capítulo: demonstrar e aprofundar os conhecimentos acerca de todo o processo do diagnóstico psicopedagógico. Num primeiro momento, iremos discutir sobre as diferentes abordagens teóricas que embasam os procedimentos do diagnóstico psicopedagógico. Em seguida, abordaremos todas as etapas para a realização desse diagnóstico, desde o primeiro contato telefônico até a elaboração do relatório fi nal. Posteriormente, apresentaremos todos os instrumentos que poderão ser utilizados em cada uma das etapas do diagnóstico. Dando continuidade, iremos conhecer como se elabora o relatório do diagnóstico psicopedagógico a partir da análise de todos os dados coletados durante esse processo. E, fi nalmente, apresentaremos um caso, onde o passo-a-passo de diagnóstico psicopedagógico estará presente, com objetivo de tornar mais concreto todo o conhecimento apresentado até então. Acharam muito conteúdo? Com toda certeza... Porém, todo este conteúdo éfundamental para a prática psicopedagógica clínica. Nenhuma intervenção psicopedagógica pode surtir o resultado desejado, sem que se tenha realizado um bom diagnóstico, com uma correta interpretação dos resultados obtidos. Portanto, temos sim, muito estudo pela frente. E espero, que quando você, aluno, chegar ao fi nal desse capítulo, possa sentir-se seguro para realizar um diagnóstico psicopedagógico. Vamos começar? As Diferentes Abordagens UtiliZadas no Processo do Diagnóstico Psicopedagógico Para introduzir este capítulo, antes de partimos para as diversas abordagens que embasam o processo do diagnóstico psicopedagógico, é muito importante que tenhamos clareza sobre alguns conceitos. Em primeiro lugar, o que queremos dizer quando falamos em diagnóstico? E diagnóstico psicopedagógico? O que signifi cam estes termos? 30 Teoria e prática da psicopedagogia clínica De acordo com o “Dicionário de psicopedagogia e psicologia educacional”, de Brunner e Zeltner (2000, p. 77 e 78), diagnóstico é o resultado de exames psicológicos e médicos. Após aplicação de métodos diagnósticos, por exemplo, questionários e testes, torna-se possível fazer uma avaliação sobre a existência e a extensão de um comportamento desviante ou de uma enfermidade. Além disso, deve ser descoberta, enquanto possível, a causa da perturbação ou da enfermidade. Um diagnóstico pode ser expresso, por exemplo, da seguinte forma: “Estado depressivo ocasionado pela morte do parceiro”. O diagnóstico é a base principal para o subsequente aconselhamento ou tratamento. Diagnóstico designa também o exame de questões circunscritas na área da medicina, psicologia ou pedagogia por meio de métodos diagnósticos. Ao mesmo tempo, o diagnóstico abrange uma área especial da psicologia que se ocupa com a teoria e a prática da aplicação de métodos diagnósticos. Na psicologia se empregam, sobretudo, questionário, observação e aplicação de testes, como o de pessoalidade, de desempenho e de desenvolvimento. O diagnóstico se propõe o seguinte, entre outras coisas: 1. identifi cação do distúrbio; 2. explicação das causas (nosologia); 3. verifi cação das reações das pessoas frente ao distúrbio; 4. diferenciações entre distúrbios orgânicos e funcionais; 5. elaboração de um prognóstico sobre possibilidades de tratamento e; 6. estabelecimento de bases para o aconselhamento ou tratamento. Diagnóstico Psicopedagógico A partir do conceito de diagnóstico, será que você consegue inferir o conceito de diagnóstico psicopedagógico? Vamos tentar? Em primeiro lugar, é importante que você, aluno, tenha muito claro que o termo diagnóstico, para a psicopedagogia, não signifi ca que o psicopedagogo está habilitado para emitir laudos com diagnósticos fechados. Para nós, da psicopedagogia, o diagnóstico refere-se a avaliação diagnóstica que compreenderá o levantamento de dados ou hipóteses avaliativas. A partir destas hipóteses, Diagnóstico é o resultado de exames psicológicos e médicos. 31 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 caso haja necessidade, o psicopedagogo pode estabelecer parcerias com outros profi ssionais, como neurologistas ou psicólogos, que nos amparam na busca de um melhor diagnóstico avaliativo. O diagnóstico psicopedagógico pode ser entendido como um processo contínuo, no qual é analisada a situação do aprendente dentro do contexto escolar, familiar e social. Esta análise deverá estar embasada nos funda-mentos teóricos, e na utilização de atividades e instrumentos específi cos e terapêuticos. Através do olhar e da escuta psicopedagógica, numa postura clínica, o profi ssional deverá envolver o aprendiz, os pais e a escola, e levantar dados sobre como os fatos ocorreram. De acordo com Sampaio (2012, p. 17), O diagnóstico psicopedagógico clínico tem como objetivo identifi car as causas dos bloqueios que se apresentam nos sujeitos com difi culdades de aprendizagem. Estes bloqueios apresentam-se por meio de sintomas que podem se manifestar de diferentes maneiras: baixo rendimento escolar, agressividade, falta de concentração, agitação, etc. O sintoma é o que pode ser percebido pelo próprio indivíduo ou pelos outros (familiares, professores, colegas). Todo o sintoma está relacionado ao signifi cado que a problemática da difi culdade de aprendizagem tem para o sujeito. Um sintoma é um sinal, um indício de que algo não vai bem com aquele sujeito, por isso, para compreendermos, precisamos recorrer à sua história pessoal. Muitas vezes, um sintoma pode ser da ordem do inconsciente. Para que você compreenda melhor o que representa um diagnóstico psicopedagógico, podemos fazer uma analogia com um trabalho de investigação. O psicopedagogo seria um detetive a procura de pistas que o auxiliem na descoberta do que está por trás das queixas e dos sintomas presentes no caso. Para Weiss (1994) todo o diagnóstico psicopedagógico é uma investigação, uma pesquisa sobre o que não vai bem com o sujeito em relação ao que é esperado na sua aprendizagem. Ainda para esta autora, a investigação não pretende rotular o sujeito, mas sim obter uma compreensão global da sua forma de aprender e do que está difi cultando este processo. Todo o diagnóstico psicopedagógico é uma investigação, uma pesquisa sobre o que não vai bem com o sujeito em relação ao que é esperado na sua aprendizagem. Diagnóstico psicopedagógico é analisada a situação do aprendente dentro do contexto escolar, familiar e social. O profi ssional deverá envolver o aprendiz, os pais e a escola, e levantar dados sobre como os fatos ocorreram. 32 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Realizar um diagnóstico é como montar um grande quebra- cabeças, pois, à medida que se encaixam as peças, vai se descobrindo o que está por trás destes sintomas. As peças serão oferecidas pela família, pela escola e pelo próprio sujeito, entretanto a maneira de montá-las só depende do psicopedagogo e, para que este tenha um bom resultado, precisa levar em conta os aspectos objetivos e subjetivos observados nos diversos âmbitos: cognitivo, familiar, pedagógico e social (SAMPAIO, 2012, p. 17). Fernández (1991), afi rma que o diagnóstico deve ter a função de dar suporte ao psicopedagogo, para que este faça todos os encaminhamentos necessários, assim como uma rede dá o suporte para um equilibrista. Destaca ainda, ser um processo que permite ao profi ssional investigar, levantar hipóteses provisórias que serão ou não confi rmadas ao longo do processo. Para ela, o diagnóstico está relacionado a conhecimentos práticos e teóricos. Atividade de Estudos: 1) A partir do que foi estudado até agora, elabore, com as suas palavras, o conceito de: Diagnóstico e Diagnóstico Psicopedagogo. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ Cabe aqui ressaltar que “o sucesso de um diagnóstico não reside no grande número de instrumentos utilizados, mas na competência e sensibilidade do terapeuta em explorar a multiplicidade de aspectos revelados em cada situação” (WEISS, 1994, p.16). Gostaria de lembrá-los que muitos profi ssionais também utilizam o termo avaliação psicopedagógica para referir-se ao diagnóstico psicopedagógico, por considerarem que o termo diagnóstico tem uma forte conotação médica, centrado na classifi cação de doenças e que o termo avaliação estaria mais ligado à área educacional. Porém, na nossa disciplina, considero que ambos os termos estão corretos e podem ser utilizados como sinônimos. 33 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃOCLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 Abordagens Que Embasam o Diagnóstico Psicopedagógico Retomando ao que já vimos no primeiro capítulo deste caderno de estudo, a psicopedagogia é uma área de caráter multidisciplinar, constituída pelo saber de várias outras áreas. Este corpo teórico que embasa o fazer psicopedagógico, acabou constituindo os diferentes caminhos que possibilitam a realização do diagnóstico psicopedagógico. Dito de outra maneira, o profi ssional psicopedagogo irá optar por uma abordagem que indicará o caminho a ser seguido. Tal abordagem está fundamentada em uma ou outra abordagem teórica que servirá como pano de fundo para o seu fazer (BOSSA, 2011). No quadro a seguir, apresentarei todas as teorias que fundamentam o fazer psicopedagógico: Quadro 2 – As teorias que fundamentam a psicopedagogia TEORIA CONTRIBUIÇÃO Psicanálise A Psicanálise encarrega-se do mundo inconsciente, das representações profundas, operantes através da dinâmica psíquica que se expressa por sintomas e símbolos, permitindo-nos levar em conta a face desejante do homem. Psicologia Social A Psicologia Social encarrega-se da constituição dos sujeitos, que res- pondem a relações familiares, grupais e institucionais, em condições socioculturais e econômicas específicas e que contextualizam toda a aprendizagem. Epistemologia e Psicologia Genética A Epistemologia e a Psicologia Genética se encarregam de analisar e descrever o processo construtivo do sujeito cognoscente em interações com os outros e com objetos. Linguística A Linguística traz a compreensão da linguagem como um dos meios que caracterizam o sujeito como tipicamente humano e cultural: a língua enquanto código disponível a todos os membros da sociedade e a fala como fenômeno subjetivo, evolutivo e de acesso a toda estrutura simbólica. Pedagogia A Pedagogia contribui com as diversas abordagens do processo ensino- -aprendizagem, da didática e das diversas metodologias, analisando-as do ponto de vista de quem ensina e de quem aprende. Neuropsicologia Os fundamentos na Neuropsicologia possibilitam a compreensão dos mecanismos cerebrais que subjazem ao aprimoramento das atividades mentais, indicando-nos a que correspondem, do ponto de vista orgânico, todas as alterações ocorridas. Fonte: Bossa (2011). Este corpo teórico que embasa o fazer psicopedagógico, acabou constituindo os diferentes caminhos que possibilitam a realização do diagnóstico psicopedagógico. 34 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Decorrentes dessa diversidade de campos teóricos, surgiram diferentes possibilidades de atuação e “caminhos” a serem trilhados, que embasam a ação psicopedagógica, durante o processo diagnóstico ou de avaliação. Os caminhos mais conhecidos e utilizados entre os psicopedagogos são propostos por: • Maria Lúcia Weiss; • Transtorno da clínica psicológica – segue o modelo médico; • Epistemologia Convergente - Jorge Visca; • Edith Rubinstein; • Sara Pain / Alícia Fernandez. Vamos conhecer, a seguir, cada um desses modelos? a) Sequência diagnóstica proposta por Weiss (1994): Este primeiro modelo, proposto por Maria Lúcia Weiss, é apresentado no livro “Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica”. Nele, a autora faz um recorte de como os aspectos que levam um sujeito ao histórico de fracasso escolar, podem ser detectados através do diagnóstico psicopedagógico. Apresentaremos, a seguir, a sequência proposta por ela. 1º Entrevista Familiar Exploratória Situacional (E.F.E.S.) (WEISS, 1994) Nessa entrevista o psicopedagogo reúne-se com os pais e com a criança ou adolescente para uma sessão conjunta, com duração de 50 minutos aproximadamente. A E.F.E.S. tem como objetivos a compreensão da queixa nas dimensões familiar e escolar, a captação das relações e expectativas familiares centradas na aprendizagem escolar, a expectativa em relação à atuação do terapeuta, a aceitação e o engajamento do paciente e seus pais no processo diagnóstico e o esclarecimento do que é um diagnóstico psicopedagógico (WEISS, 1994, p. 36). Para esta entrevista, é necessário que exista um clima de confi ança para que haja liberdade de informações e sentimentos. O foco principal é o momento presente. O registro fi el do que foi falado também é muito importante, para que o terapeuta, em outro momento, possa analisar tudo o que foi dito. É necessário que exista um clima de confi ança para que haja liberdade de informações e sentimentos. Diferentes possibilidades de atuação e “caminhos” a serem trilhados. 35 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 2º Anamnese (WEISS, 1994) Essa entrevista tem o objetivo de colher os dados importantes e signifi cativos sobre a história de vida do sujeito. Ela possibilita a integração das dimensões de passado, presente e futuro do paciente. Normalmente é realizada com os pais, mas quando outra pessoa (avó, babá, madrinha etc) também acompanhou e participou do desenvolvimento da criança, é importante que ela se faça presente, sempre que possível. 3º Sessões Lúdicas centradas na aprendizagem (para crianças) (WEISS, 1994) Essa sessão tem o objetivo de obter dados sobre os aspectos afetivos para a aprendizagem, tais como: exploração do novo, criatividade, vinculação com os objetos, modalidade de aprendizagem. Além disso, também favorece a interação e a vinculação paciente/ terapeuta. 4º Complementação com provas e testes (WEISS, 1994) Este momento compreende várias sessões (de 3 a 4 sessões) que serão destinadas a realização de provas e testes específi cos para o diagnóstico psicopedagógico. Eles serão selecionados de acordo com a necessidade e com as hipóteses levantadas nas sessões anteriores. 5º Síntese Diagnóstica – Prognóstico (WEISS, 1994) Este é o momento em que o profi ssional deve debruçar-se sobre todo o material colhido durante as sessões com o paciente e com as entrevistas e analisá-los criteriosamente. É o momento em que faz a análise de toda a problemática para, em seguida, se chegar às conclusões pertinentes ao caso. 6º Devolução - Encaminhamentos (WEISS, 1994) A devolução é uma comunicação verbal feita ao fi nal de toda a avaliação em que o psicopedagogo relata aos pais e ao paciente os resultados obtidos ao longo de todo o processo. Esse encontro pode ser realizado em conjunto (pais e paciente) ou em momentos separados, de acordo com cada caso em específi co. Neste encontro também são dadas as orientações necessárias e são feitos os encaminhamentos para outros profi ssionais, quando houver necessidade. Objetivo de colher os dados importantes e signifi cativos sobre a história de vida do sujeito. Objetivo de obter dados sobre os aspectos afetivos para a aprendizagem. Serão selecionados de acordo com a necessidade e com as hipóteses levantadas nas sessões anteriores. Faz a análise de toda a problemática para, em seguida, se chegar às conclusões pertinentes ao caso. Relata aos pais e ao paciente os resultados obtidos ao longo de todo o processo. 36 Teoria e prática da psicopedagogia clínica Para você conhecer melhor a sequência diagnóstica proposta por Weiss, leia o livro: WEISS, Maria Lucia L. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994. Lá a autora descreve detalhadamente e com vários exemplos, cada uma das etapas do diagnóstico. Vale a pena ler! b) Sequência Diagnóstica Tradicional – Modelo Médico O modelo diagnóstico tradicional, segue o modelo médico, com a sequência de passos propostos pela medicina. Este foi um dos primeiros modelos utilizados na psicologia clínica e também na psicopedagogia. 1º Anamnese É o momento em que o profi ssional vai entrar em contato com a situação e conhecer a história do sujeito. Participam desta entrevista, os pais e/ou algum responsável que conheça a história do paciente e possa repassar as informações importantes. 2º Testagem e provas pedagógicasEste momento acontece em várias sessões com o paciente, individualmente. Tem por objetivo conhecer a situação e tentar identifi car que áreas estão comprometidas, difi cultando o aprender. Busca compreender a causa da difi -culdade de aprendizagem. 3º Laudo O momento do laudo é o momento em que o profi ssional elabora a síntese das suas conclusões, reunindo todas as informações importantes sobre o caso, para ser repassado à família. Esta etapa também abrange o momento do prognóstico, isto é, o momento em que o psicopedagogo traça o provável desenvolvimento futuro, baseando- se no desempenho verifi cado a partir dos testes e das provas que foram aplicadas durante as sessões de diagnóstico. Vai entrar em contato com a situação e conhecer a história do sujeito. Tentar identifi car que áreas estão comprometidas, difi cultando o aprender. O profi ssional elabora a síntese das suas conclusões, reunindo todas as informações importantes sobre o caso, para ser repassado à família. 37 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 4º Devolução A devolução é o momento da verbalização do laudo ao paciente e/ ou aos pais. Neste momento, são esclarecidas as dúvidas e discutido o prognóstico do caso em questão. c) Sequeência Diagnóstica proposta pela Epistemologia Convergente O modelo proposto pela Epistemologia Convergente foi, originalmente, pensado por Jorge Visca e difundido no Brasil, pelo próprio autor. Hoje, é um dos modelos mais utilizados pelos psicopedagogos brasileiros, pois possui uma fundamentação teórica bastante consistente. Visca baseou-se nas teorias psicanalítica, piagetiana e da psicologia social. 1º Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem - E.O.C.A. (VISCA, 1987) Esta entrevista é utilizada como um instrumento que possibilita a sondagem da problemática da aprendizagem e auxilia o profi ssional a delinear o que mais necessita ser investigado. Normalmente se dá em uma única sessão. A partir deste momento, o profi ssional elabora o seu 1º sistema de hipóteses, defi ne as linhas de investigação e escolhe os instrumentos que irá utilizar para confi rmar, ou não, o seu 1º sistema de hipóteses. 2º Testes (VISCA, 1987) Neste momento, o psicopedagogo aplica os testes defi nidos na etapa anterior, da E.O.C.A. Não existe uma bateria de testes pré-defi nidos e fi xos, pois estes são defi nidos a partir de cada caso. O profi ssional pode levar várias sessões para concluir esta etapa. Elabora-se, então, o 2º sistema de hipóteses a partir do que foi levantado na testagem realizada e defi nem-se novas linhas de investigação sobre o caso. 3º Anamnese (VISCA, 1987) Este modelo propõe que a anamnese seja uma entrevista aberta, ou seja, não dirigida; e situacional, isto é, que leve em consideração os fenômenos do passado e do presente. Neste modelo, a anamnese acontece ao fi nal das sessões com o paciente para que o profi ssional não se “contamine” com a história apresentada pelos pais e possa ser o mais neutro possível frente ao caso. Neste momento, o psicopedagogo irá verifi car o 2º sistema de hipóteses e formular o 3º sistema com as hipóteses que se mantiveram. Momento da verbalização do laudo. Que possibilita a sondagem da problemática da aprendizagem e auxilia o profi ssional a delinear o que mais necessita ser investigado. Aplica os testes defi nidos na etapa anterior. Anamnese seja uma entrevista aberta, ou seja, não dirigida; e situacional, isto é, que leve em consideração os fenômenos do passado e do presente. 38 Teoria e prática da psicopedagogia clínica 4º Elaboração do Informe Psicopedagógico (VISCA, 1987) É o momento em que se elabora a imagem do sujeito que articula os aspectos da aprendizagem com os aspectos estruturais e emocionais que a condicionam. Essa imagem é repassada aos pais e a escola e é a partir dela que se inicia o processo corretor. Para você conhecer mais sobre a Epistemologia Convergente, teoria proposta por Jorge Visca, poderá consultar o livro: VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica: epistemologia conver- gente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. Neste livro você encontrará a fundamentação teórica e a explicação detalhada de cada um dos momentos propostos acima. d) Sequência Diagnóstica proposta por Rubinstein Edith Rubinstein, uma das precursoras da psicopedagogia no Brasil e uma grande mestra, também trouxe a sua contribuição sobre o diagnóstico psicopedagógico. Para ela, “[...] no diagnóstico psicopedagógico pretende- se diagnosticar as condições de aprendizagem do aprendiz.” (RUBINSTEIN, 1999, p. 130). 1º Entrevista com a Família (RUBINSTEIN, 1999) Este modelo propõe que a entrevista com a família se dê em três momentos distintos. Estes momentos são: • Contatos anteriores a consulta – são os primeiros contatos realizados pela família e podem ser via telefone, internet ou mensagem. • Escuta do motivo da consulta – primeiro contato presencial com a família na qual o profi ssional vai escutar o motivo pelo qual estão buscando o trabalho psicopedagógico. • História vital ou anamnese – seria o momento da anamnese propriamente dita, onde o profi ssional irá escutar a história do sujeito. Contatos anteriores a consulta, Escuta do motivo da consulta e História vital ou anamnese. Elabora a imagem do sujeito que articula os aspectos da aprendizagem com os aspectos estruturais e emocionais que a condicionam. 39 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 2º Entrevista com o sujeito (RUBINSTEIN, 1999) Esta segunda etapa é quando acontecem todos os encontros com o paciente, normalmente de 6 a 8 encontros. Este modelo propõe que as sessões sejam divididas em três fases: • Escuta do motivo da consulta – acontece quando o psicopedagogo vai escutar do próprio paciente o motivo da procura pelo atendimento psicopedagógico. • Instrumentos escolhidos pelo psicopedagogo com base nas necessidades do sujeito – é o momento da aplicação das provas e testes selecionados. • Devolutiva ao sujeito – momento em que o psicopedagogo irá conversar individualmente com o sujeito e apontar suas potencialidades, seu estilo de aprendizagem e suas habilidades. 3º Contato com a escola (RUBINSTEIN, 1999) Este é um momento prévio ao fi nalizar, em que o psicopedagogo entra em contato com a escola e escuta os professores do aluno em questão, sobre as suas queixas escolares. 4º Contato com outros profi ssionais (RUBINSTEIN, 1999) Posterior e logo em seguida ao contato com a escola, o psicopedagogo também entra em contato, para trocar informações, com os outros profi ssionais envolvidos no caso (psicólogo, fonoaudiólogo, psiquiatra, médico pediatra ou neuropediatra etc). 5º Devolutiva e encaminhamentos à família (RUBINSTEIN, 1999) No último momento, após ter conversado e escutado todos os outros profi ssionais e professores envolvidos no caso, o psicopedagogo conversa com a família para dar a devolutiva do que foi avaliado e fazer os encaminhamentos necessários. e) Sequência Diagnóstica proposta por Pain / Fernández (1992) A sequência diagnóstica proposta, originalmente, por Sara Pain e, mais tarde, complementada por Alícia Fernández, baseou-se nos pressupostos da psicanálise e da psicologia genética de Piaget. Para esta proposta, a aprendizagem é o resultado da utilização dos aspectos orgânicos, cognitivos, afetivos e culturais (PAIN, 1992). Escuta do motivo da consulta. Instrumentos escolhidos pelo psicopedagogo com base nas necessidades do sujeito. Devolutiva ao sujeito. O psicopedagogo entra em contato com a escola e escuta os professores. Trocar informações, com os outros profi ssionais envolvidos no caso. Conversa com a família para dar a devolutiva do que foi avaliado e fazer os encaminhamentos necessários. 40 Teoria e prática da psicopedagogia clínica 1º Entrevista de “motivo da consulta” (PAIN, 1992) Este primeiro momentoé quando o psicopedagogo recebe a queixa que a família traz sobre o paciente e explora o que esta queixa signifi ca. O profi ssional pode pedir que a família descreva alguma situação que fi que evidenciado o que está sendo exposto. Esta entrevista “motivo da consulta” também é feita com o paciente. 2º Entrevista “História Vital” (PAIN, 1992) É o momento em que o psicopedagogo escuta toda a família, inclusive os irmãos, sobre a situação “problema de aprendizagem” e investiga a história do paciente. Tenta também compreender o lugar do sintoma do não-aprender para este grupo familiar. 3º Sessão “Hora do Jogo” (PAIN, 1992) A “hora do jogo” é utilizada para compreender alguns processos que podem ter levado ao surgimento de patologias no aprender. Este modelo vê o espaço de aprendizagem e o espaço de jogar como coincidentes. Normalmente esse momento é realizado em um encontro com o paciente individualmente. 4º Provas Psicométricas (PAIN, 1992) É o momento em que o psicopedagogo irá fazer uso de alguns testes e provas para avaliar as questões intelectuais como, por exemplo, a utilização do Diagnóstico Operatório de Piaget (D.O.P.). Essas provas oferecem uma visão do sujeito em função do rendimento apresentado e do comportamento apresentado. 5º Provas Projetivas (PAIN, 1992) É o momento em que utilizamos o desenho como um instrumento para o diagnóstico psicopedagógico com o objetivo de verifi car quais as situações que o sujeito projeta no seu desenho e quais os conteúdos estão presentes aí. Estas provas tentam desvendar como o sujeito se vê enquanto aprendente e qual a relação que estabelece com a aprendizagem. 6º Provas Específi cas (PAIN, 1992) O momento da utilização das provas específi cas tem como objetivo identifi car o nível de conhecimento que o sujeito possui. O psicopedagogo recebe a queixa que a família traz sobre o paciente e explora o que esta queixa signifi ca. É o momento em que o psicopedagogo escuta toda a família. Sobre a situação “problema de aprendizagem” e investiga a história do paciente. Compreender alguns processos que podem ter levado ao surgimento de patologias no aprender. Uso de alguns testes e provas para avaliar as questões intelectuais. Desenho como um instrumento para o diagnóstico psicopedagógico com o objetivo de verifi car quais as situações que o sujeito projeta no seu desenho e quais os conteúdos estão presentes aí. Tem como objetivo identifi car o nível de conhecimento que o sujeito possui. 41 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 Normalmente, são avaliadas as áreas de leitura, escrita, cálculo e, quando necessário, algumas provas psicomotoras. 7º Hipótese Diagnóstica (PAIN, 1992) É o momento em que o psicopedagogo reúne todo o material produzido pelo paciente e o analisa, bem como realiza a análise das entrevistas e da “hora do jogo”. Desta análise, o psicopedagogo levanta hipóteses sobre os motivos da difi culdade e busca compreender o sintoma do não-aprender. 8º Devolução Diagnóstica (PAIN, 1992) É o momento em que o psicopedagogo “devolve” à família o que vem a ser a difi culdade de aprendizagem do paciente e resgata a queixa inicial trazida na primeira entrevista. Para que você possa se aprofundar neste modelo diagnóstico, sugiro a leitura de dois livros básicos e de leitura obrigatória para todo psicopedagogo. São eles: PAIN, Sara. Diagnóstico e Tratamento dos Problemas de Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. FERNÁNDEZ, Alicia. A Inteligência Aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. Quanta informação, não é mesmo? Que tal organizarmos estes novos conhecimentos? Então, mãos à obra... Atividade de Estudos: 1) Proponho que você complete a tabela abaixo com cada um dos momentos propostos pelos modelos de diagnóstico psicopedagógico estudados anteriormente. O psicopedagogo levanta hipóteses sobre os motivos da difi culdade e busca compreender o sintoma do não- aprender. O psicopedagogo “devolve” à família o que vem a ser a difi culdade de aprendizagem do paciente e resgata a queixa inicial trazida na primeira entrevista. 42 Teoria e prática da psicopedagogia clínica SEQUÊNCIA DIAGNÓSTICA MOMENTOS Proposta de Weiss Modelo Médico Tradicional Proposta da Epistemologia Convergente Proposta de Rubinstein Proposta de Pain e Fernández 1º momento 2º momento 3º momento 4° momento 5º momento 6º momento 7º momento 8º momento De acordo com o que estudamos até agora, você pôde conferir que o profi ssional da área da psicopedagogia dispõe de diferentes possibilidades que nortearão a realização do diagnóstico. Mas, vale lembrar que, independente da sua futura escolha, aluno, é importante que o seu “fazer psicopedagógico” seja sempre pautado numa postura ética para com o sujeito aprendente. Na próxima sessão deste capítulo, vamos conhecer e estudar cada uma das etapas que compõe a realização do diagnóstico avaliativo. Espero que esse estudo seja muito proveitoso! Etapas do Diagnóstico Avaliativo Você já sabe que a realização de um bom diagnóstico é de grande relevância para todo o processo de intervenção psicopedagógica, não é mesmo? Já estudou também que existem vários caminhos possíveis para a realização deste diagnóstico, e que essa escolha depende da postura teórica adotada e da concepção que o profi ssional mais se identifi ca. É importante aqui ressaltar que as diferenças existentes entre uma ou outra abordagem e o modelo de diagnóstico escolhido, não devem alterar o resultado da avaliação, porém é preciso que o profi ssional acredite na linha que escolheu e se aprofunde nesta abordagem. A partir de agora, detalharemos cada uma das etapas do diagnóstico psicopedagógico, para que você, aluno, consiga compreender e aplicar cada uma delas. Queixa fundamental a difi culdade de um de seus membros diante da sua aprendizagem. 43 O PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO CLÍNICA: O DIAGNÓSTICO PSICOPEDAGÓGICOCapítulo 2 a) A queixa Como já visto anteriormente, a procura pelo trabalho psicopedagógico acontece quando uma família tem como queixa fundamental a difi culdade de um de seus membros diante da sua aprendizagem, sendo, portanto, a aprendizagem e suas relações a porta de entrada para a compreensão do caso que se apresenta. Durante a entrevista, na qual o profi ssional está explorando a queixa, é importante que ele fi que atento as diferentes formulações feitas pelos pais, pela escola e pelo próprio paciente em sua autovisão, para que sejam analisadas nos seus diferentes signifi cados. Nessas frases há diversas pistas que contribuem para o diagnóstico, trazendo à tona o signifi cado do sintoma da difi culdade no aprender. É importante que você perceba, aluno, que a “queixa” não é apenas uma frase falada no primeiro contato, ela precisa ser escutada ao longo das diferentes sessões, sendo fundamental refl etir sobre o seu signifi cado (WEISS, 1994). Durante a conversa para explorar a queixa, o psicopedagogo deve manter o foco no paciente e na sua problemática. Uma queixa nunca é isolada, existem todos os desdobramentos desta queixa e que devem ser apurados no momento do diagnóstico. Exemplos de queixas trazidas pelas famílias: • Ele não faz nada na sala, não fi xa em nada, não presta atenção na aula. • Lê bem, mas não consegue escrever. É ótimo na matemática, mas sempre foi mal em português. • Vai sempre mal na escola, mas eu também era assim e hoje estou muito bem. Estou aqui porque a escola mandou. Exemplos de queixas trazidas pelo próprio paciente: • Erro na escrita porque faço muito rápido, não sei fazer devagar. Não gosto de ler livro. O que eu gosto mais é da aula de música. Não gosto de dividir, não sei conta de dividir. • Estudo, na hora da prova dá nervoso e eu esqueço. Estou me esforçando. Nas matérias não vou nada bem. Não sei se vou conseguir resultado