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ERGONOMIA APLICADA Dulce América de Souza Circulação e fluxos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Conceituar circulação e fluxos. Aplicar as normas técnicas sobre espaços de circulação. Explicar por que a circulação é parte componente de um projeto. Introdução Os sistemas de circulação são componentes essenciais nos projetos arquitetônicos — eles conduzem os usuários até os edifícios e equipa- mentos públicos e definem o seu movimento no interior dos espaços. Esse percurso pode ser natural ou forçado, mas deve ser confortável para todas as pessoas. Respeitando as diferenças humanas, as circulações ho- rizontal e vertical são regulamentadas por normas técnicas e prescrições de projeto, com o intuito de proporcionar qualidade espacial, segurança e eficiência nos deslocamentos. Neste capítulo, você vai estudar os aspectos relacionados aos sistemas de circulação, verificando os subsídios legais e espaciais que auxiliam nos projetos de arquitetura e de design de interiores. A compreensão dos princípios antropométricos relacionados à acessibilidade expressos na ABNT NBR 9050:2015 é valiosa para nossas decisões projetuais. Assim, você vai também verificar as principais diretrizes e orientações para que sejam adotadas propostas de circulação inclusivas e ergonômicas. Percepção dos espaços O percurso de movimento pode ser concebido como a linha perceptiva que conecta os espaços de uma edifi cação ou uma série qualquer de espaços internos ou externos. Segundo Ching (2013, p. 240), “[...] como nos movemos no tempo através de uma sequência de espaços, experimentamos um espaço em relação aos locais em que já estivemos e aos quais planejamos ir”. A dimensão humana da arquitetura pode ser mensurada pelas confi gurações de circulação dos edifícios, uma vez que o corpo humano é a nossa propriedade tridimensional mais fundamental. Nossa tridimensionalidade, essencial e memorável, é determinada pela experiência corporal, um sentido que desencadeia nossa percepção espacial. O conceito de circulação captura a experiência de deslocar nossos corpos em torno de um edifício, em um espaço coletivo ou no interior de um ambiente, tridimensionalmente e através do tempo. Do ponto de vista físico, a circula- ção é entendida como um espaço entre os espaços, adquirindo uma função conectiva. De fato, as rotas de circulação são os caminhos (espontâneos ou não) que as pessoas percorrem para acessar outros espaços, conforme leciona Ching (2013). As pessoas se movimentam ao longo dos espaços, ao redor deles e entre os ambientes edificados ou áreas ao ar livre. Os elementos de conexão espacial podem ser categorizados em circulação horizontal (como os corredores) e circulação vertical (escadas, rampas e elevadores). Existem espaços que agregam a função de circulação e de permanência, como lobbies, átrios ou entradas de algumas edificações. Os locais de circulação podem ser públicos ou privados, podendo haver em um determinado edifício de uso público acessos restritos e áreas de circulação privada, permitidas somente a grupos de usuários específicos, conforme leciona Neufert (2013). Destacamos a importância da circulação nos edifícios públicos ou de uso coletivo, nos quais os sistemas de circulação vertical (escadas, rampas, esca- das rolantes e elevadores) devem ser posicionados visando otimizar o fluxo das pessoas e evitar conflitos de usos. Normalmente a função de circulação vertical de um edifício é aglutinada em um núcleo, conhecido como núcleo de circulação vertical. Associado ao conceito de circulação está o conceito de fluxo, que pode ser definido como “[...] o deslocamento de um conjunto de pessoas ou coisas numa determinada direção” (PERFEITO, 2012, apud SANTOS, 2013, p. 96). Brandão (2009) observa que toda circulação de pessoas, objetos ou infor- mações que ocorre de modo sistemático nos edifícios passa a configurar-se como fluxo. O domínio do conhecimento do tráfego na edificação — a partir dos ambientes que a constituem e de seus usuários — é fundamental para a elaboração das primeiras etapas do projeto arquitetônico. A complexidade dos estudos de fluxo de uma edificação é proporcional à complexidade do programa arquitetônico: há diferentes fluxogramas para hospitais e para programas de uso residencial, por exemplo. Circulação e fluxos2 O fluxograma abaixo ilustra graficamente o sistema de fluxos proposto em um deter- minado projeto, definindo os acessos principal e secundário (e os demais, se houver). No fluxograma, são destacadas as circulações e conexões necessárias para o bom desempenho da mobilidade na edificação. Um bom exemplo é o estudo inicial para determinar os fluxos de uma edificação hospitalar, conforme abaixo. Fonte: Guelli (2003, apud SIQUEIRA, 2016). Relacionando os conceitos apresentados com as nossas atividades cotidianas de “morar”, podemos afirmar que a circulação é a movimentação das pessoas pelo espaço, realizada a partir dos elementos de conexão (corredores, rampas, etc.). Os caminhos percorridos são o fluxo da casa e as rotas utilizadas para executar nossas atividades cotidianas. A circulação dos usuários no espaço residencial deve ocorrer facilmente, portanto, as áreas de circulação devem atender às normas técnicas para serem seguras e ergonomicamente adaptadas aos indivíduos. 3Circulação e fluxos Prescrições e normas técnicas para espaços de circulação As circulações horizontais e verticais, os acessos e as saídas de emergência de todas as edifi cações devem atender às normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), aos Códigos de Edifi cações Mu- nicipais e aos Decretos Estaduais do Corpo de Bombeiros (apresentados em forma de Instrução Técnica — IT ou ITCB —, ratifi cados pela ABNT NBR 9077:2001, intitulada “Saídas de emergência em edifícios”), com ênfase em algumas diretrizes condicionadas ao programa arquitetônico (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 1993). A ABNT instituiu a ABNT NBR 9050:2015 (“Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos”), o documento que estabelece os parâmetros e critérios técnicos para certificar a acessibilidade em território nacional. Determina a norma: Para serem considerados acessíveis, todos os espaços, edificações, mo- biliários e equipamentos urbanos que vierem a ser projetados, constru- ídos, montados ou implantados, bem como as reformas e ampliações de edificações e equipamentos urbanos, atendem ao disposto nesta Norma (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2015, docu- mento on-line). Dentre os objetivos da ABNT NBR 9050:2015, destacamos o mais amplo, que é proporcionar à maior quantidade possível de pessoas, inde- pendentemente de idade, estatura, limitação de mobilidade ou percepção, a utilização autônoma e segura do ambiente, das edificações, do mobiliário e dos equipamentos urbanos (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2015). Circulação e fluxos4 A ABNT NBR 9050:2015 informa que à própria Norma atrelam-se outras importantes normas técnicas: Os documentos relacionados a seguir são indispensáveis à aplicação deste documento. Para referências datadas, aplicam-se somente as edi- ções citadas. Para referências não datadas, aplicam-se as edições mais recentes do referido documento (incluindo emendas) (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2015, documento on-line). No link abaixo, você pode consultar integralmente a ABNT NBR 9050:2015: https://goo.gl/kkv5ln Para definir os parâmetros e critérios que garantam acessibilidade a todos, foram levadas em consideração as mais distintas condições de mobilidade e percepção do ambiente. Portanto, os parâmetros e critérios dimensionais estabelecidos na ABNT NBR 9050:2015 atentam não somente aos dados antropométricos da população brasileira, mas também aos espaços necessá- rios para a utilização segura dos equipamentos assistivos. Os equipamentos ou tecnologias assistivasconsistem em técnicas, aparelhos, instrumentos, produtos e procedimentos que visam a auxiliar a mobilidade, a percepção e a utilização do meio ambiente e dos elementos por pessoas com deficiência. São eles: as próteses, os aparelhos de apoio, as cadeiras de rodas, as bengalas de rastreamento e os sistemas assistivos de audição e de visão (BRASIL, 2015). A definição de área de circulação na referida Norma é: “[...] espaço livre de obstáculos, destinado ao uso de todas as pessoas” (ASSOCIAÇÃO BRASI- LEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2015, documento on-line). Os parâmetros antropométricos utilizados na Norma determinam as dimensões referenciais considerando as medidas entre 5% e 95% da população brasileira. Para o nosso objeto de estudo (espaços destinados às circulações), esses parâmetros são os princípios basilares da Norma. O item 4 da ABNT NBR 9050:2015 estabelece os parâmetros antropométricos, dos quais extraímos o módulo de referência (MR = 1,20 m × 0,80 m) como o padrão mínimo dimensional para as circulações (Figura 1); isso porque, sendo atendido o cadeirante, as demais variáveis antropométricas serão contempladas. 5Circulação e fluxos Figura 1. Módulo de referência (dimensões em metros). Fonte: Associação Brasileira de Normas Técnicas (2015, documento on-line). Os parâmetros antropométricos estabelecidos na ABNT NBR 9050:2015 são exigências legais relativas às edificações de uso privado multifamiliar (destinadas à habitação), edificações de uso coletivo (destinadas às ativida- des de natureza comercial) e edificações de uso público (administradas por entidades da administração pública). As dimensões essenciais padronizadas são as referências utilizadas para o cálculo dos espaços destinados às circu- lações verticais e horizontais de todas as edificações. Lembrando que outros requisitos técnicos devem ser consultados nas Instruções Técnicas do Corpo de Bombeiros, no Código de Obras Municipal (ou Código de Edificações Municipal) e na bibliografia de referência para projetos arquitetônicos. Cabe destacar que o maior número de não conformidades em circulações se verifica, fundamentalmente, seja por inexistência ou por inadequação de dimensões, nos seguintes elementos (BRASIL, 2015): estacionamentos; rotas acessíveis; abrigos em pontos de embarque; circulação externa; rebaixamento de calçadas; rampas; escadas e degraus isolados; elevadores para transporte de pessoas com deficiência; elevadores novos; elevadores existentes; plataformas elevatórias; Circulação e fluxos6 plataformas de percurso vertical; plataformas de percurso inclinado; portas. A aplicação das normas técnicas, prescrições e recomendações é atribuição do arquiteto e urbanista e dos demais projetistas habilitados junto aos órgãos competentes para aprovação de projetos nas prefeituras. Sendo assim, devemos nos comprometer com as consultas, não somente para aplicar à risca os instru- mentos legais existentes, mas para que adotemos procedimentos — já no partido arquitetônico — almejando a qualidade ergonômica dos espaços construídos. Concepções projetuais — a importância das circulações para a ergonomia dos espaços construídos O aparato normativo e as demais diretrizes dimensionais objetivam fornecer subsídios para que o projeto arquitetônico atenda à máxima de que todos os usuários — independentemente de idade, gênero ou capacidade física — tenham acesso às edifi cações e, em seu interior, consigam movimentar-se com segurança e conforto. As circulações de pessoas no entorno e no interior de um edifício devem ser criteriosamente estudadas desde as primeiras etapas do projeto de arquitetura. O entendimento do termo circulação é amplo e integra as áreas adjacentes às edifi cações, as vias públicas, as calçadas, as travessias de pedes- tres, os estacionamentos, o mobiliário, os equipamentos urbanos e a vegetação (CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DE SANTA CATARINA, 2017). Nossa abordagem pontua as informações básicas para o projeto arquitetônico de edificações — e seu entorno imediato —, considerando que a ergonomia fornece uma valiosa contribuição aos arquitetos e demais projetistas quanto à adequada mobilidade dos espaços de circulação. Os requisitos fundamentais de projeto são: acesso, circulação horizontal, circulação vertical, portas e dispositivos. O acesso às edificações “Nas edifi cações e equipamentos urbanos, todas as entradas, bem como as rotas de interligação às funções do edifício, devem ser acessíveis” (ASSOCIA- ÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2015, documento on-line). A determinação indica que o projeto arquitetônico deve garantir que todas 7Circulação e fluxos as pessoas alcancem a entrada das edifi cações a partir do passeio público ou de um estacionamento específi co, de maneira efi ciente e segura. Os preceitos de acessibilidade nas rotas de acesso às edifi cações determinam que haja interligação de todas as partes de uso comum ou abertas ao público, sendo obrigatório um percurso acessível que una a edifi cação à via pública. Rotas acessíveis — desníveis e obstáculos Capachos, forrações, carpetes, tapetes e similares devem ser evitados em rotas acessíveis. Quando existentes, devem ser embutidos ou sobrepostos no piso e nivelados de maneira que eventual desnível não exceda 5 mm (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2015, documento on-line). Fonte: Conselho Regional de Engenharia e Agricultura de Santa Catarina (2017, documento on-line). Desníveis devem ser evitados em rotas acessíveis. Com até 5 mm, desníveis não necessitam de tratamento. Quando superiores a 15 mm devem atender aos requi- sitos de rampas e degraus, conforme a norma ABNT NBR 9050:2015. Entre 5 mm e 20 mm, desníveis devem ser tratados como rampas com inclinação máxima de 1:2 (50%) (CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DE SANTA CATARINA, 2017, documento on-line). Fonte: Associação Brasileira de Normas Técnicas (2015, documento on-line). Circulação e fluxos8 Os possíveis desníveis existentes entre o passeio público e o acesso prin- cipal do edifício devem ser vencidos por meio da implantação de rampas ou equipamentos eletromecânicos. A inclusão de uma rampa é um aspecto recorrente no processo de projeto arquitetônico; nesse quesito, devemos ob- servar as dimensões estabelecidas pela Norma, os materiais empregados na construção da rampa e a segurança do usuário. Ao projetar uma rampa, devemos assegurar o deslocamento das pessoas sem que elas tenham que fazer esforços excessivos e sem que elas corram risco de tropeços e quedas. Além disso, as rampas devem possuir largura suficiente para acomodar o movimento simultâneo de pessoas em diferentes direções, conforme leciona Buxton (2017). A seguir são listados os principais requisitos para o projeto de rampas, conforme a Associação Brasileira de Normas Técnicas (2015) e demais pres- crições técnicas, com base em Buxton (2017): Definição — são consideradas rampas as superfícies de piso com declividade igual ou superior a 5%. Dimensionamento — para garantir que uma rampa seja acessível, são definidos os limites máximos de inclinação (Figura 2), os desníveis a serem vencidos e o número máximo de segmentos. A inclinação das rampas deve ser calculada conforme a seguinte equação: , onde i é a inclinação, expressa em porcentagem (%), h é a altura do desnível e c é o comprimento da projeção horizontal. 9Circulação e fluxos Figura 2. Vistas superior e lateral de uma rampa, conforme as orientações de dimensionamento. Fonte: Associação Brasileira de Normas Técnicas (2015, documento on-line). Limites de inclinação — as rampas devem ter inclinação de acordo com os limites estabelecidos, conforme mostra o Quadro 1. Para in- clinação entre 6,25% e 8,33%, é recomendado criar áreas de descanso nos patamares a cada 50 m de percurso. Fonte: Adaptado de Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Santa Catarina (2017). Inclinaçãoadmissível em cada segmento de rampa Desnível máximo de cada segmento de rampa Número máximo de segmentos de rampa 5,00% (1:20) 1,50 Sem limite 5,00% (1:20)inclusive para o caso de haver algum degrau isolado previsto no projeto arquitetônico. Além disso, conforme o Conselho Regional de En- genharia e Agronomia de Santa Catarina (CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DE SANTA CATARINA, 2017, p. 62), as escadas fixas devem contemplar: largura livre mínima de 1,20 m; quando não existirem paredes laterais, as rampas devem possuir guias de balizamento, com altura mínima de 5 cm, executadas nas projeções dos guarda-corpos; patamar no sentido do movimento, a cada 3,20 m de altura, com di- mensão mínima de 1,20 m, ou quando houver mudança de direção (nesse caso, a largura do patamar deverá ser igual à largura da escada); piso tátil para sinalização, com largura entre 25 e 60 cm, localizado antes do início e após o término da escada; primeiro e último degraus de um lance de escada a uma distância mínima de 30 cm do espaço de circulação — dessa forma, o cruzamento entre as circulações horizontal e vertical não é prejudicado; todos os degraus devem ter sinalização visual na borda do piso e do espelho, em cor contrastante; inclinação transversal máxima admitida de 1% em escadas internas e 2% em escadas externas; corrimãos instalados em ambos os lados, a 0,92 m e a 0,70 m do piso, prolongados paralelamente ao patamar, por pelo menos 30 cm nas extremidades, sem interferir com as áreas de circulação. Um aspecto importante relativo às circulações verticais é o fato de que elas incorporam as rotas de fuga, que devem atender ao disposto na ABNT NBR 9077:2001 e em outras regulamentações locais contra incêndio e pânico. Nesse caso, junto às escadas ou aos elevadores de emergência, devem ser previstas 17Circulação e fluxos áreas de resgate com espaço reservado e demarcado para o posicionamento de pessoas em cadeiras de rodas, dimensionadas de acordo com o M.R., conforme mostra a Figura 8. Figura 8. Exemplos de área de resgate. Fonte: Associação Brasileira de Normas Técnicas (2015, documento on-line). A área de resgate deve estar localizada fora do fluxo principal de circulação e garantir área mínima de circulação e manobra para rotação de 180°. Quando localizada em nichos, devem ser respeitados os parâmetros mínimos, e a área deve ser ventilada, provida de dispositivo de emergência ou intercomunicador e apresentar o M.R. sinalizado (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2015). Circulação e fluxos18 Segundo a norma ABNT NBR 9050:2015, nas áreas de resgate, deve ser previsto no mínimo um M.R. a cada 500 pessoas de lotação, por pavimento, sendo no mínimo um por pavimento e um para cada escada e elevador de emergência. Se a antecâmara das escadas e a dos elevadores de emergência forem comuns, o quantitativo de M.R. pode ser compartilhado (CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DE SANTA CATARINA, 2017, p. 63). Do ponto de vista ergonômico, os dados antropométricos têm sido es- tudados e aplicados no dimensionamento dos elementos de circulação pela bibliografia de referência. Panero e Zelnik (2008, p. 271) postulam: Nenhum espaço público pode funcionar satisfatoriamente sem sistemas ade- quados de circulação vertical. Se eles não forem projetados de acordo com a dimensão do corpo humano, seu uso e eficiência diminuem. Além disso a segurança pessoal do usuário fica em perigo. Em nenhum lugar isto tem maior importância que no projeto de escadas. Tanto a largura da escada quanto a relação profundidade/altura do degrau devem refletir a dimensão humana. A relação piso/espelho do degrau é baseada em várias regras antropométri- cas que resultaram em um padrão de medidas semelhante internacionalmente. No Brasil, adotamos as seguintes medidas: entre 27 cm e 30 cm para o piso (largura do degrau) e entre 15,5 cm e 19 cm para o espelho (altura do degrau). Para a ergonomia, a relação piso/espelho do degrau é o ponto mais importante a ser analisado, pois ela é responsável pela comodidade almejada na utilização das escadas. Tanto a altura excessiva quanto a dimensão reduzida do piso do degrau podem comprometer o conforto e a segurança dos usuários. Outro aspecto importante diz respeito aos corrimãos e guarda-corpos das escadas, normatizados pela ABNT NBR 9050:2015. Embora atendam a funções distintas, podem estar integrados em um mesmo elemento. A preo- cupação ergonômica quanto a esses elementos é de ordem de segurança; os corrimãos, por exemplo, muitas vezes têm que oferecer suporte físico para ajudar os usuários com dificuldade de locomoção. Nesse caso, estão sujeitos a carregamentos significativos, devendo ser executados de forma a suportar 19Circulação e fluxos a carga ocasional. Quanto aos guarda-corpos, além de proteger a queda das pessoas da escada, devem ser projetados para garantir que uma esfera de 10 cm de diâmetro não possa passar em qualquer abertura do guarda-corpo. Essa precaução é fundamental para evitar acidentes infantis; uma criança poderia cair através de uma das aberturas e sofrer estrangulamento, conforme exemplifica Buxton (2017). Os equipamentos eletromecânicos de circulação também possuem a função de vencer desníveis; são eles: elevadores, plataformas elevatórias e escadas rolantes. No projeto arquitetônico, deve ser definido o local onde será instalado o equipamento eletromecânico, com a especificação técnica e a indicação da rota acessível até o equipamento, observando as áreas mínimas da largura dos corredores e da área de manobra. Os elevadores de passageiros devem atender integralmente à ABNT NBR NM 313:2007 (“Elevadores de passageiros — Requisitos de segurança para construção e instalação — Requisitos particu- lares para a acessibilidade das pessoas, incluindo pessoas com deficiência”), conforme orienta a ABNT NBR 9050:2015 (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2015). A construção e a instalação dos elevadores devem garantir: • Acesso a todos os pavimentos; • Cabina com dimensões mínimas de 110 cm x 140 cm; • A área em frente ao elevador deve ter uma forma que permita a inscrição de um círculo, com diâmetro mínimo de 1,50 m, para permitir a manobra de uma pessoa em cadeira de rodas (CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DE SANTA CATARINA, 2017, p. 64). A ABNT NBR 9050:2015 determina que o direcionamento da pessoa com deficiência visual para um ou mais equipamentos deve ser feito por meio do piso tátil direcional, e, quando direcionada ao elevador, a linha formada pelo piso tátil deve encontrar a sinalização tátil de alerta ao lado da botoeira do equipamento (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2015). Em relação às plataformas elevatórias, a ABNT NBR 9050:2015 determina que elas devem seguir as normas técnicas ABNT NBR ISO 9386-1:2013, ou, no que couber, a ABNT NBR ISO 9386-1:2013 para as plataformas de elevação vertical. Para as plataformas de elevação inclinada, a ABNT NBR Circulação e fluxos20 9050:2015 recomenda as orientações da ABNT NBR ISO 9386-2:2012. Elas devem possuir dimensões mínimas de 90 cm × 140 cm e observar todas as regras de segurança normatizadas. Para vencer níveis de até 2,00 m, a plataforma vertical com fechamento contínuo até 110 cm pode ser utilizada. Para vencer níveis de até 9,00 m, deverá ser utilizada somente a plataforma elevatória vertical com caixa enclausurada (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2017). Constituindo-se como elementos importantes da circulação, as portas também têm sua configuração normatizada. A ABNT NBR 9050:2015 deter- mina que pessoas que utilizam equipamentos auxiliares no seu deslocamento (cadeira de rodas ou andadores) necessitam de um espaço adicional para o manejo das portas. A maçaneta deve estar ao alcance da mão, e o movimento de abertura da porta não deverá ser prejudicado. Para tanto, a ABNT NBR 9050:2015 dedica às portas um detalhado material que contempla as dimensões adequadas, bem como os sistemas ideais para manuseio, a fim de atender às demandas ergonômicas da maioria dos usuários possíveis. Os sistemasde circulação, dos quais todos somos usuários, podem parecer complexos — e o são —, porém, precisam ser entendidos como componentes indissociáveis dos programas de projeto arquitetônico. Eles podem viabilizar com eficiência o deslocamento de pessoas e equipamentos, proporcionando o fluxo contínuo e confortável de uma edificação. O amparo da legislação é fundamental para a aprovação do projeto pelos órgãos competentes e, conse- quentemente, para atender ao requisito da funcionalidade. As prescrições e normas devem ser consultadas constantemente pelos projetistas. Com a prática da pesquisa, as dúvidas são dirimidas e as soluções de projeto tendem a ser mais criativas e acertadas. 21Circulação e fluxos ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. 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