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EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Kevin Daniel dos Santos Leyser CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Tathyane Lucas Simão Prof. Ivan Tesck Revisão de Conteúdo: Graciele Alice Carvalho Adriano Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2018 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 370.7 L685e Leyser, Kevin Daniel dos Santos Leyser Educação integral e educação comparada / Kevin Daniel dos Santos Leyser. Indaial: UNIASSELVI, 2018. 227 p. : il ISBN 978-85-69910-91-6 1.Educação, Estudo e Ensino. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. Impresso por: Kevin Daniel dos Santos Leyser Possui graduação em Psicologia com Licenciatura Plena, Bacharelado e Formação pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (2005), em Filosofi a com Licenciatura Plena pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (2004), em Teologia com Bacharelado pela Faculdade de Educação Teológica Logos (2002). É especialista em Psicopedagogia e Práticas Pedagógicas e Gestão Escolar pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação, Letras (FACEL) (2007). Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB) (2011). Trabalha há 11 anos no Ensino Superior, atualmente é professor na FAMEG/UNIASSELVI em Guaramirim (SC) e no Centro Universitário Leonardo da Vinci/UNIASSELVI em Indaial (SC). Faz parte do grupo de pesquisa em Filosofi a da Educação (EDUCOGITANS). Tem experiência na área de Filosofi a, com ênfase em epistemologia, pragmatismo e educação; na área de Psicologia, com ênfase em psicoterapias fenomenológico-existenciais, processos cognitivos, aprendizagem sócio emocional e educação; na área e Teologia, com ênfase em fi losofi a e epistemologia da religião. Na EAD, publicou: Filosofi a Geral e da Religião; Psicologia Geral e da Religião; Filosofi a Política e Ética e Profi ssão. Sumário APRESENTAÇÃO ..........................................................................01 CAPÍTULO 1 Fundamento Epistemológico e Desenvolvimento da Educação Comparada .............................................................11 CAPÍTULO 2 Mapeando o Discurso Intelectual Sobre “Educação Comparada” ...................................................................................49 CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4 CAPÍTULO 5 Educação Comparada, Campos Relacionados e sua Definição ................................................................................91 Globalização, Internacionalização e a Educação ................137 Educação Integral: Cosmovisões e Conceitos .....................183 APRESENTAÇÃO Caro pós-graduando, este livro tem como objetivo sistematizar os elementos básicos da disciplina de Educação Comparada e Educação Integral, o qual proporcionará um contato com os principais tópicos, autores e obras da área, além dos instrumentos necessários, não apenas para acompanhar a disciplina ofertada, mas também para os estudos autônomos posteriores. Apesar da sua história ter mais de um século, as questões sobre a identidade e a natureza da educação comparada foram e continuam a ser criadas na literatura, particularmente tendo em vista uma expansão na gama de atividades que foram rotuladas de "educação comparada". Paradoxalmente, o campo foi instituído em cursos universitários e sociedades profissionais em várias partes do mundo, e tem suas próprias publicações especializadas em livros e periódicos. Que o campo é institucionalizado como uma área separada de inquérito em muitos países - alguns mais fortes do que outros - não implica, necessariamente, muito menos justifica, a sua legitimidade intelectual como campo independente. Os praticantes no campo debatem a questão de saber se a educação comparada é uma disciplina, uma quase-disciplina, um campo multidisciplinar, um método ou simplesmente uma perspectiva diferente na educação. O debate sobre essas grandes questões diminui quando os membros do campo se tornam convencidos de que não há, nem tem de haver, respostas universais finais. Todavia, o debate continua, e se resume em uma única questão: o que é educação comparada? Este livro, especificamente os três primeiros capítulos, gira essencialmente em torno de dois temas centrais: as infraestruturas institucionais da educação comparada e seus contornos e substâncias intelectuais. Neste livro, procuramos elucidar o que a educação comparada é - intelectualmente e institucionalmente -, como essas duas facetas se relacionam entre si e, acima de tudo, por que suas trajetórias divergem. Abordamos, assim, as questões sobre o que é a educação comparada e como ela foi construída como um campo. Utilizando análise sociológica e argumentação filosófica, buscamos elucidar a formação institucional e intelectual da educação comparada por fatores associados à epistemologia, estrutura, agência e discurso. Afirmamos que a educação comparada existe e se perpetua institucionalmente como um campo distinto, apesar dos debates contínuos sobre sua legitimidade intelectual, porque é um corpo de conhecimento construído não puramente fora de uma lógica interna baseada em critérios cognitivos, mas também como resultado de uma sociedade envolvente de discursos (Foucault) e a interação das relações de poder localizadas tanto nas estruturas sociais como na agência humana (Bourdieu). Na construção de suas infraestruturas institucionais e de suas definições intelectuais, as relações de poder incorporadas em discursos, estruturas sociais e agência humana intervêm em conjunto com os princípios cognitivos. No primeiro capítulo, traçamos as raízes intelectuais - formas de conhecimento aceitas - subjacente ao trabalho dos educadores comparativos. Isso serve de base para a compreensão das definições e redefinições do campo por educadores comparativos nos próximos capítulos. Assim, no capítulo 2 e 3, tentamos responder à pergunta - o que é educação comparada? - com base nas definições intelectuais oferecidas pelos comparativistas, analisando-os de uma perspectiva realista e de construção. Não só procuramos esclarecer o debate sobre se a educação comparada é uma disciplina ou um campo ou método, mas também procuramos estabelecer o que diferencia a educação comparada de estudos educacionais e áreas afins. Ao examinar o discurso que distingue a educação comparada dos campos relacionados, elucidamos algumas relações entre essas definições intelectuais (por exemplo, entre educação internacional e educação comparada) e as histórias institucionais e as homologias encobertas com o mundo do poder. O objetivo nesta parte do livro é entender como os fatores associados à epistemologia, estrutura-agência e discurso constroem o campo da educação comparada. Procuramos oferecer alguns pontos de vista críticos sobre as noções assumidas ao conceder a educação comparada como um campo. Uma suposição particular que procuramos criticar é a noção de que o conhecimento incorporado na forma de disciplinas ou campos acadêmicos - neste caso, o campo da educação comparada - está isolado das influências do poder. No capítulo 4, saímos do terreno delimitado da Educação Comparada e adentramos o território da Globalização na Educação. Aqui, apresentamos aos leitores as teorias sobre a globalização da educação e os modelos mundiaisde educação. Fazemos isso diferenciando a educação global da educação comparada, introduzindo teorias dos fluxos e redes globais, da cultura educacional mundial, do sistema mundial e teorias pós-coloniais e críticas, das perspectivas culturalistas, do modelo mundial de capital humano, entre outras teorias e suas influências na educação. Finalmente, no capítulo 5 introduzimos o tema da educação integral. Neste capítulo percorremos várias cosmovisões que influenciam e influenciaram a educação (tradicional, moderna, pós-moderna), para culminar na cosmovisão integral. O intuito é que a partir desta compreensão mais abrangente, os conceitos operacionais e as propostas educacionais inerentes à educação integral ganhem mais sentido. Boa jornada, rumo à edificação acadêmica, professional e pessoal, e sucesso frente aos desafios intelectuais, éticos e pessoais proporcionados pelo estudo da Educação Comparada e da Educação Integral. Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser CAPÍTULO 1 Fundamento Epistemológico e Desenvolvimento da Educação Comparada A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:  Compreender os fundamentos epistemológicos da educação comparada.  Identifi car as correntes teóricas e metodológicas em educação comparada.  Comparar os temas importantes da educação comparada.  Distinguir as histórias intelectuais alternativas da educação comparada. 12 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA 13 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 ConteXtualização Erwin H. Epstein (2013, p. 11) afi rma que duas características fundamentais identifi cam a educação comparada como campo acadêmico. A primeira delas se baseia em plataformas epistemológicas discerníveis e veneráveis que se desenvolveram no século XIX e que defi niram seus limites. Num segundo momento, desde o século XX, teve um número crescente de estudiosos, professores e profi ssionais que se identifi caram com este campo e incorporaram uma consciência coletiva sobre este empreendimento. Além disso, o autor prossegue com as plataformas epistemológicas, as quais servem de base para a formação da identidade e associação coletiva, na medida em que, sem a apreensão das maneiras aceitas de conhecer a realidade educacional na educação comparada, delineia seus limites através de meios institucionais ou outros será superfi cial. Assim, exploraremos neste capítulo as histórias intelectuais do campo. Uma compreensão das origens intelectuais do campo da educação comparada estabelece o enquadramento para a compreensão de sua natureza e modelagem intelectual (GARCÍA GARRIDO, 1996), assunto que discutiremos no próximo capítulo. O propósito deste capítulo é delinear uma história intelectual (e, possivelmente, histórias em vez de uma história) do campo da educação comparada a partir do século XIX até o presente. Procuraremos integrar um exame das bases epistemológicas da educação comparada com a aceitação de orientações teóricas e disciplinares correlativas. O capítulo contém, portanto, uma revisão da literatura sobre as raízes epistemológicas, o desenvolvimento teórico e os perfi s temáticos da educação comparada. Para essas seções, as principais fontes são Epstein (2008), Paulston (1994) e Cowen (2003), respectivamente. Em uma quarta seção, introduziremos algumas literaturas publicadas sobre a educação comparada e apresentaremos histórias alternativas a essas interpretações anteriores. Limites Epistemológicos da Educação Comparada Epstein (2013, p. 11) argumenta que os estudos sistemáticos de educação comparada dependem de plataformas ou correntes epistemológicas que defi nem seus limites - "as ‘visões’, os focos, em torno das quais os estudiosos possam se reunir sistematicamente para estudar questões internacionais de educação e compartilhar suas ideias e descobertas com outros". Ele as chama de "marcos referenciais epistemológicos" para conotar sua característica normativa na formação Os estudos sistemáticos de educação comparada dependem de plataformas ou correntes epistemológicas que defi nem seus limites. 14 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA dos enquadramentos conceituais no campo. Em um trabalho relacionado, Epstein (2008) afi rma que a educação comparada tem três plataformas epistemológicas – o positivismo, o relativismo e o funcionalismo histórico –, cada uma das quais pode ser atribuída a três estudiosos do século XIX: Marc-Antoine Jullien (1817) da França, K. D. Ushinsky (1857) da Rússia e Wilhelm Dilthey (1888) da Alemanha, respectivamente. Há uma tradução da obra de Marc-Antoine Jullien, Esquisse et vues préliminaires d’un ouvrage sur l’éducation comparée, para o português: JULLIEN, M. A. Esboço e perspectivas preliminares de uma obra de educação comparada. Coimbra, s.e., 1967. (Obra original de 1817). Em primeiro lugar, Epstein (2008) posiciona o positivismo de Jullien como a epistemologia fundadora. Epstein faz uma distinção entre uma "fundação" e um "começo". Um começo ou antecedente nunca é preciso em qualquer campo, refere-se às suas sementes. Uma fundação, ao contrário, marca um único evento, um momento decisivo pelo qual um campo se torna um campo de estudo profi ssional (ou sistemático). Para muitos estudiosos do campo, começando com Brickman (1960, 1966), a publicação do Esquisse et vues préliminaires d'un ouvrage sur l’éducation comparée (As visualizações do esboço e preliminares de um livro sobre educação comparada) de Marc-Antoine Jullien em 1817, marca a fundação da educação comparada como campo de estudo. A abordagem positivista que Jullien inaugurou é, portanto, a epistemologia fundadora, segundo Epstein, a primeira plataforma epistemológica da educação comparada. O positivismo (ou cientifi cismo) é a fi losofi a que explica os fatos físicos por eles mesmos, verifi cáveis através da observação. De acordo com Auguste Comte (1830, apud EPSTEIN, 2008), o positivismo vê os fenômenos como sujeitos a leis invariáveis. Jullien, que estava à frente de Comte por mais de uma década, propôs uma observação sistemática dos fenômenos educacionais para descobrir princípios de lei (uma abordagem nomotética) para melhorar os sistemas públicos de educação. Como Jullien afi rma em seu Esquisse (apud PALMER, 1993, p. 171): A educação, como todas as outras artes e ciências, é composta por fatos e observações. Parece, portanto, ser necessário produzir para esta ciência, como foi feito para outros ramos do conhecimento, coleções de fatos e observações organizadas A abordagem positivista que Jullien inaugurou é, portanto, a epistemologia fundadora, a primeira plataforma epistemológica da educação comparada. 15 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 em tabelas analíticas, para que esses fatos e observações possam ser comparados e determinados princípios e regras defi nidas deduzidas deles, para que a educação possa tornar- se uma ciência quase positiva [...]. Para este fi m, Jullien projetou tabelas com seis categorias principais de educação e um questionário em duas séries: "A" para o Ensino Fundamental (120 perguntas) e "B" para o Ensino Médio (146 perguntas) (PALMER, 1993, p. 171). O questionário, no entanto, nunca foi implementado e logo foi esquecido. Não deixou rastro na literatura educacional da época, até sua "redescoberta" na década de 1940 por Ferenc Kamény, que o doou em 1935 ao Escritório Internacional de Educação em Genebra, em que Pedro Roselló o levou à fama internacional através de sua publicação em 1943 e 1962, respectivamente (PALMER, 1993). García Garrido (1996) sustenta que o Esquisse de Jullien não era um estudo teórico sobre a aplicação do método comparativo à educação, nem estava lançando as bases de uma nova ciência sistemática chamada "educação comparada". Era umesquema prático, um relatório preliminar, uma proposta de trabalho para criar sob a proteção dos Estados soberanos uma Comissão Especial de Educação encarregada de coletar dados sobre as instituições e métodos de educação em diferentes Estados europeus e compará- los. Os dados educacionais nacionais deveriam ser agrupados e justapostos em tabelas para discernir tendências e classifi car seu desempenho, bem como determinar suas causas subjacentes e identifi car quais práticas recomendadas podem ser transferidas para outros países. Mas o trabalho de Jullien ofereceu características científi cas (em seu estudo sistemático das causas) e características práticas à educação comparada e dotou-a de autonomia epistemológica: agora tinha um objeto e método apropriado (positivista) de estudo e um propósito prático de informar e reformar a educação. Ofereceu uma orientação clara, empírica e positivista à ciência da educação em geral e à educação comparada em particular. García Garrido, no entanto, discorda daqueles que designam Jullien como o "pai" ou "fundador" da educação comparada (1996, p. 36-37). Ele afi rma que o título, "pioneiro", de um campo científi co deve ser reservado para aqueles que realmente iniciaram tal empreendimento com tenacidade e com a consciência clara de seu papel fundamental. Este não foi o caso de Jullien, que não lutou por sua causa nem procurou alguns discípulos. Depois de 1817, Jullien fi cou absorvido com outros esforços, inclusive concorrendo à eleição para a Câmara dos Deputados e participando da fundação de um periódico, Le Constitutionnel, um órgão importante do pensamento liberal (PALMER, 1993). Seu Esquisse foi O título, “pioneiro”, de um campo científi co deve ser reservado para aqueles que realmente iniciaram tal empreendimento com tenacidade e com a consciência clara de seu papel fundamental. 16 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA esquecido até sua "redescoberta" um século depois. Assim, García Garrido tende a considerar Jullien como precursor não tanto da educação comparada em geral (ou da educação comparada moderna, de acordo com Noah e Eckstein [1970]), mas de uma ramifi cação particular dentro do campo: a ramifi cação positivista, como sugere Epstein (1983, p. 27). Este não é um mérito pequeno por parte de Jullien, que estava à frente do tempo em termos do pensamento positivista. Em qualquer caso, a plataforma positivista de Jullien ganhou domínio no campo nas décadas de 1950 e 1960, particularmente na América do Norte, como afi rmam Noah e Eckstein (1970), e ganhou maior destaque na Avaliação Internacional de Realização Educacional (International Evaluation of Educational Achievement - IEA) (HUSÉN, 1967). Atividade de Estudos : 1) Qual foi a contribuição de Marc-Antoine Jullien para a Educação Comparada? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A segunda plataforma epistemológica de Epstein (2008) para o campo é o relativismo. Sucede o positivismo, mas não o supera, e continua em uma linha paralela em justaposição com o positivismo. Esta forma de relativismo, que incorporou o conceito de "caráter nacional", tornou-se dominante em torno da segunda metade do século XIX. K. D. Ushinsky da Rússia e Michael Sadler da Inglaterra são autores notáveis desta epistemologia relativista na educação comparada. O artigo de Ushinsky, intitulado "Carácter nacional da educação pública" (1857) e o discurso em uma conferência de Sadler (1900), “Até onde podemos aprender qualquer coisa de valor prático no estudo de sistemas de educação estrangeiros?”; são considerados textos paradigmáticos (EPSTEIN, 2008). Ambos os autores professaram uma abordagem ideográfi ca para o estudo dos sistemas educacionais, enfatizando seu "caráter nacional". A educação estava inextricavelmente ligada ao seu contexto social e cultural, e o conhecimento derivado do seu estudo não era transferível para outros contextos. O avanço de Sadler em comparação a Ushinsky, afi rma Epstein (2008), está em sua proposta Compreender com espírito de simpatia um sistema de educação estrangeiro para entender mais profundamente nossa própria educação. 17 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 de compreender com espírito de simpatia um sistema de educação estrangeiro para entender mais profundamente nossa própria educação. Os principais representantes das abordagens relativistas do "caráter nacional" na educação comparada incluem Mallinson (1957), E. King (2012) e Masemann (1990). Uma terceira plataforma epistemológica, de acordo com Epstein, é o funcionalismo histórico, que apresenta na educação comparada uma síntese do positivismo e do relativismo e é atribuível ao historiador e fi lósofo alemão do fi nal do século XIX, Wilhelm Dilthey (embora ele mesmo tenha negado que fosse um relativista histórico). Tanto Friedrich Schneider (1961) quanto Isaac Kandel (1933) inauguraram esta plataforma na educação comparada, inspirando-se em Dilthey (EPSTEIN, 2008). Epstein defi ne o funcionalismo histórico como uma fusão da história (relativista) e da macrossociologia (positivista). Tal plataforma examina a educação como "inter-relacionada com outras instituições sociais e políticas; e pode ser mais bem entendida se for examinada em seu contexto social" (KAZAMIAS; MASSIALAS, 1982, p. 309). Epstein explica que essa relação inextricável entre educação e outras instituições sociais, vistas de uma perspectiva macrossociológica, como demonstrada por Archer (2013) em 1979, apresenta características universalmente generalizáveis, ou "leis de composição" (EPSTEIN, 2008, p. 9). Mas os funcionalistas históricos argumentariam que tais leis positivistas que governam a educação podem ser melhor compreendidas no contexto histórico (e, portanto, relativista). Epstein afi rma, portanto, que a epistemologia funcionalista histórica na educação comparada sintetiza a generalização transnacional positivista - para mostrar a universalidade das teorias sobre educação -, compreensão relativista em profundidade do "caráter nacional" e a infl uência mútua entre a educação e seu contexto sócio-histórico. Essa abordagem diverge das histórias que retratam a educação comparada em desenvolvimento evolutivo e incremental ao longo de estágios ou fases, como em Noah e Eckstein (1970) e Phillips e Schweisfurth (2006). Essas outras histórias, afi rma Epstein, demonstram a importância das correntes epistemológicas subjacentes ao desenvolvimento intelectual do campo. Em vez disso, ele postula que a educação comparada "não evoluiu como um campo unitário, mas como uma unidade solta de correntes separadas embora prósperas" (EPSTEIN, 1983, p. 28). Mais recentemente, ele afi rma que o campo se desenvolveu ao longo de linhas paralelas, não por um estágio, eclipsando outro, mas pelo posicionamento de estruturas conceituais em justaposição e em tensão (EPSTEIN, 2008). Assim, a abordagem positivista de Jullien perdura ao lado dos métodos relativistas de Ushinsky, bem como do funcionalismo histórico de Dilthey. Esses marcos de referenciais epistemológicos normativos oferecem uma estrutura de generalização, mas eles veem a realidade através de diferentes lentes e, portanto, levam a diferentes abordagens. A epistemologia funcionalista histórica na educação comparada sintetiza a generalização transnacional positivista, compreensão relativista em profundidade do “caráter nacional” e a infl uência mútua entre a educação e seu contexto sócio- histórico. 18 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Atividade de Estudos : 1) Qual foi a contribuição de Marc-Antoine Jullien para a Educação Comparada? ____________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ Correntes Teóricas e Metodológicas em Educação Comparada Epstein (2008) demonstra de forma convincente as raízes epistemológicas da educação comparada que remonta ao século XIX. Para esta posição, Paulston (2004) teria reiterado sua crítica às obras anteriores de Epstein, como "tentativa de policiar o discurso da educação comparada usando um cânone exclusivo de textos supostamente fundamentais “[...], [alegando que tal] perspectiva canônica ortodoxa defende a necessidade de uma lógica linear fechada de binários patriarcais excludentes" (PAULSTON, 2004, p. 1). Essa contestação entre Epstein e Paulston é um exemplo da construção dinâmica do campo intelectual através da interação discursiva entre posições opostas no campo, como Pierre Bourdieu o concebe. Embora se possa não concordar com a acusação de Paulston sobre a posição de Epstein como uma linearidade fechada, pode-se alegar que Paulston responde adequadamente às teorias e paradigmas que se ramifi caram das três epistemologias-raiz que Epstein identifi cou e suas inter-relações dinâmicas. Epstein reconhece isso, mas ele segue imediatamente com uma crítica detalhada das fraquezas epistemológicas da abordagem fenomenológica de Paulston como uma forma de relativismo extremo e de sua cartografi a como uma rígida reifi cação e distorção das plataformas intelectuais que categoriza (EPSTEIN; CARROLL, 2005, p. 81). Com uma abordagem semelhante à de Epstein, pode-se considerar o trabalho de Paulston com uma expressão explícita de desacordo com sua posição epistemológica ultrarrelativista e não essencialista. Concretamente, a linha que se segue neste capítulo, na descrição e enquadramento epistemológico da educação comparada, não compartilha da visão subjetivista de alguns pensadores pós- modernos. Nesse sentido, ecoa a crítica de Epstein e Carroll aos defensores da 19 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 "cartografi a" e escritores pós-modernos que afi rmam que a realidade é redutível a "invenções de linguagem e representações mentais [... e que] todos os conceitos e o próprio processo de conceitualização são fl uidos e incognoscíveis" (EPSTEIN; CARROLL, 2005, p. 69-70). O que se consegue extrair do trabalho de Paulston são os paradigmas-raiz dominantes e suas teorias ramifi cadas à medida que se tornam salientes em períodos históricos particulares. O que Paulston e outros estudiosos – que não se vinculam explicitamente aos pressupostos de mapeamento de Paulston, por exemplo, Kubow e Fossum (2003) – contribuem de forma complementar aos marcos epistemológicos tri-lineais de Epstein, as dimensões da estrutura- agência, macro-micro e sociedade-indivíduo e como estas se relacionam com a estabilidade e a mudança, e com o consenso e o confl ito (funcionalismo e humanismo e seus opostos radicais/formas críticas). Eles abordam a aceitação das grandes teorias sociais na educação comparada e dentro dessas grandes teorias, de teorias de médio alcance como a modernização, a teoria do capital humano e assim por diante. Brevemente, serão apresentadas essas teorias antes de descrever seu impacto na educação comparada. Aceitação das grandes teorias sociais na educação comparada e dentro dessas grandes teorias, de teorias de médio alcance. Mudanças nas Visões do Mundo Filosófico e Sociológico Kubow e Fossum (2003, p. 27-28) distinguem as grandes teorias sociais que procuram descrever fenômenos humanos e sociais amplos e teorias de médio alcance que aplicam essas premissas teóricas mais amplas e impulsionam tentativas mais específi cas ao contexto para organizar o pensamento e a ação. Ambos os enquadramentos teóricos, originários principalmente da sociologia e da fi losofi a, infl uenciam a formação intelectual da educação comparada. Uma outra classifi cação importante é entre as perspectivas modernistas e pós-modernistas. Do ponto de vista modernista, um agrupamento posterior engloba duas grandes teorias sociais: o funcionalismo estrutural (ou funcionalismo) e teoria do confl ito marxista. Antes da década de 1970, prevaleceu uma visão modernista do mundo e do conhecimento do mundo. Esta perspectiva vê o conhecimento como inerentemente progressivo e linear no tempo. O conhecimento era certo, racional, objetivo, autônomo e orientado para a busca da verdade universal (GRENZ, 1996). Mas a publicação em 1979 da obra A Condição Pós-Moderna, de Jean-François Lyotard, marcou um novo desafi o epistemológico. A mudança pós-moderna na década de 1970 introduziu teorias sociais construtivistas, antiessencialistas e contra- ontológicas. Pode-se dizer que uma perspectiva pós-moderna rejeita qualquer 20 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA visão de mundo única e, em vez disso, celebra a diferença e a localização. A razão e o conhecimento são mantidos em suspeita. O conhecimento é entendido principalmente como condicionado historicamente e culturalmente. A verdade e a realidade são relativas e o tempo não é linear, mas descontínuo (GRENZ, 1996). Paralelamente a essas mudanças epistemológicas (e talvez informadas por elas), ocorreram as transformações nas visões de mundo dominantes predominantes nas ciências sociais, que eram a teoria funcionalista, as teorias dos confl itos de inspiração marxista e as teorias interpretativas. Os debates nessas teorias sociais oscilam entre a determinação estrutural e a agência individual. A teoria funcionalista explica os fenômenos sociais em termos de sua contribuição para as operações de um fenômeno, instituição ou sociedade social maior. As instituições educacionais e seus diversos componentes organizacionais, portanto, evoluem em resposta ou em função das necessidades da sociedade em geral. Metaforicamente, tipicamente compara a sociedade com um organismo biológico ou sistema composto por muitas partes interdependentes e cooperativas. A escola é vista como um "órgão" da sociedade (FEINBERG; SOLTIS, 2004). O funcionalismo vê a sociedade de forma otimista como um sistema unitário que busca normas e valores compartilhados e assume que o consenso e o equilíbrio são estados preferidos. A teoria funcionalista baseia- se na visão iluminista elevada da racionalidade humana, tal como ilustrada pela perspectiva modernista descrita acima. O funcionalismo estava em seu ponto mais alto nas décadas de 1960 e 1970, até que foi desafi ado pelas teorias do confl ito e as teorias interacionistas na virada dos anos 70 (TURNER; MITCHELL, 1997). A teoria do confl ito enfatiza os efeitos das estruturas educacionais (macro) na manutenção da desigualdade e da estratifi cação social. Assume pelo menos duas formas principais: a teoria do confl ito neomarxista e a teoria do confl ito neoweberiana. Elas diferem quanto ao grau em que as estruturas e os processos escolares correspondem, refl etem ou reproduzem as relações de produção. Embora a teoria do confl ito de inspiração marxista assuma uma conexão relativamente estreita entre a subestrutura e a superestrutura, os teóricos neoweberianos veem a classe como um fenômeno multidimensional que envolve mais do que relações de produção. Na perspectiva neoweberiana, os limites que separam os grupos de status são mais permeáveis e menos duradouros do que as classes sociais na perspectiva marxista (TURNER; MITCHELL, 1997). As teorias do confl ito marxista enfatizam o papel da estrutura, principalmente A teoria funcionalista explica os fenômenos sociais em termos de sua contribuição para as operações de um fenômeno, instituição ou sociedade social maior. 21 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 a estrutura econômica, como o enquadramento explicativo geral para a sociedade. Isso signifi ca que as instituições educacionais e o conhecimento são vistos comosítios para a manutenção das relações de poder existentes ou de resistência a eles. A escola é considerada como um "instrumento" de dominação de classe (FEINBERG; SOLTIS, 2004). A teoria marxista, ao contrário do funcionalismo, questiona a autenticidade do consenso assumido e a própria possibilidade de um consenso autêntico e afi rma que o confl ito, em vez do equilíbrio, é o catalisador primordial para a mudança social (KUBOW; FOSSUM, 2003, p. 28). A teoria interpretativa de inspiração weberiana oferece uma explicação alternativa aos modelos mecanicistas e deterministas encontrados em certas formas de teorias marxistas e funcionalistas. Concentra-se no papel da agência humana, particularmente na observação e na interpretação teórica dos "estados de espírito" subjetivos dos atores humanos. A teoria interpretativa vê o mundo social como constituído por atores com propósitos que adquirem, compartilham e interpretam um conjunto de signifi cados, regras e normas que tornam possível a interação social. As forças sociais operando são signifi cados compartilhados e indivíduos interpretadores que interagem em contextos sociais particulares (FEINBERG; SOLTIS, 2004). Atividade de Estudos: 1) Cite e descreva brevemente as mudanças nas visões do mundo fi losófi co e sociológico que infl uenciaram a educação comparada. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 22 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Mudanças Teóricas na Educação Comparada Essas mudanças nas cosmovisões fi losófi cas e sociológicas tiveram seu eco na educação comparada, mas com algum tempo de atraso (PAULSTON, 1994). Paulston postula três períodos principais na história intelectual do campo: • a ortodoxia do funcionalismo e do positivismo nas décadas de 1950 e 1960; • a heterodoxia entre funcionalismo, humanismo e suas respectivas contrapartes radicais durante os anos 70 e 80; • a heterogeneidade desde a década de 1990, com a aceitação da complementaridade de diferentes paradigmas e seu entrelaçamento eclético (PAULSTON, 1994, p. 923). Paulston chegou a esta classifi cação de mudanças de representação do conhecimento por meio de análise e interpretação textual. Sua classifi cação pode ser questionada com base na representatividade da literatura pesquisada e na objetividade de sua interpretação textual e classifi cação dessas obras, mas sua estrutura será sufi ciente como um esquema de trabalho sujeito a verifi cação e elaboração. Foi reproduzido no Quadro 1 duas colunas (paradigmas- raiz e "teorias” ramifi cadas) de sua tabela de uma taxonomia heurística das perspectivas de conhecimento em textos de educação comparada e internacional e inserimos três domínios - epistemologia, orientação, enfoques - retirados de seu macromapeamento desses paradigmas. Quadro 1 – Taxonomia de Paulston dos paradigmas-raiz e das teorias ramifi cadas na educação comparada Episte- mologia Orientação Enfoque Paradigmas- -Raiz/Cosmovi- sões “Teorias” Ramifi cadas R ea lis ta -O bj et iv is ta Equilíbrio Es tru tu ra Ortodoxia Fun- cionalista das décadas de 1950-60 Modernização/Capital Hu- mano Neofuncionalista Escolha racional/micro-ma- cro Teoria do Confl ito Dependência Transforma- ção Hetorodoxia Fun- cionalista Radical da década de 1970 Materialista histórico Neomarxista/pós-marxista Racionalização Cultural 23 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 Id ea lis ta -S ub je tiv is ta Equilíbrio Ag ên ci a Heterodoxia Hu- manista da déca- da de 1970 Etnográfi co/Etnológico Fenomenográfi co/ Etnometodológico Transforma- ção Heterodoxia Hu- manista Radical da década de 1980 Teoria crítica/etnográfi ca crítica Feminista (1990...) Pós-estruturalista/ Pós-modernista Interacionismo pragmático Fonte: Extraído de tabelas e fi guras em Paulston (1994, p. 924, 928, 931). Em relação à coluna “enfoques”, Paulston (1994) não usou os termos “estrutura” e “agência”. Em vez disso, ele usou os termos “estrutura e sociedade’ e “consciência e cultura”. De acordo com Paulston (1994), o período das décadas de 1950 e 1960 testemunhou o domínio dos paradigmas positivistas e funcionalistas na educação comparada. Particularmente, na América do Norte, cada vez mais infl uenciados por abordagens das ciências sociais e naturais na busca de generalizações transnacionais similares às leis, tal como se vê em Torsten Husén (1967) e Noah e Eckstein (1970). Bereday (1972) divergiu em sua defesa de uma metodologia comparativa indutiva a partir de ciências não sociais, embora ainda dentro de um enquadramento positivista. No fi nal da década de 1960, o planejamento educacional e a ajuda ao desenvolvimento de países recém-independentes ganharam ascendência em alguns países. Nesse sentido, as teorias da modernização e do capital humano prosperaram como aplicações de alcance médio dos pressupostos do funcionalismo em relação ao consenso e à estabilidade, na tentativa de explicar questões de mudança e desenvolvimento. A teoria da modernização assume fortes ligações causais entre processos de modernização e desenvolvimento nacional (FÄGERLIND; SAHA, 1989). Prescreve a educação dos indivíduos em valores, atitudes e comportamentos desejados pelas pessoas "modernas" como um meio necessário para alcançar o progresso social. A teoria do capital humano, a partir da economia, também assume uma relação direta e funcional entre educação e desenvolvimento. Assume uma relação causal entre investimento e As teorias da modernização e do capital humano prosperaram como aplicações de alcance médio dos pressupostos do funcionalismo em relação ao consenso e à estabilidade, na tentativa de explicar questões de mudança e desenvolvimento. 24 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA educação dentro de uma sociedade funcional e harmoniosa, e elabora métodos econométricos com fórmulas e cálculos de retornos sobre o investimento (SCHULTZ, 1963; PSACHAROPOULOS, 1973). No início da década de 1970, o domínio do funcionalismo estava recuando, quando as teorias do confl ito e as teorias interacionistas desafi aram a adequação da análise funcional (TURNER; MITCHELL, 1997). Paulston (1994) agrupa a teoria do confl ito neoweberiana e a teoria da dependência sob o funcionalismo, mas classifi ca a teoria do confl ito inspirada no marxismo (por exemplo, posições neomarxistas, pós-marxistas e materialista- históricas) sob o funcionalismo radical. No entanto, poder-se-ia discordar da classifi cação de Paulston sobre as teorias de confl ito e dependência estarem sob o funcionalismo, já que o funcionalismo vê as instituições em uma cooperação harmoniosa e orgânica. Em contrapartida, as teorias de confl itos criticam essas instituições como envolvidas em um confl ito sobre recursos limitados e como agentes de reprodução de desigualdades sociais. A este respeito, poder-se-ia concordar com Gottlieb (2000), que diverge da taxonomia de Paulston e, em vez disso, classifi ca tais teorias – de confl ito, de dependência e de inspiração marxista – sob um estruturalismo radical. Esta posição vê a educação como parte da estrutura de dominância pelo Estado e pela economia. De acordo com Gottlieb (2000, p. 162), exemplos desse gênero de trabalho na educação comparada incluem Carnoy (1974), Altbach (1977) e Arnove (1980). Paulston (1994) sugere que os neomarxistas americanos tendem a se concentrar na abordagem do confl ito macrossociológico, enquanto seus homólogos britânicos, por exemplo, Bernstein (1977), se concentraram em estudos interpretativistas microssociológicos. Isso se relaciona com a teoria interacionista, outro ataque contra-ortodoxo ao funcionalismo, que começou entre o fi nal dadécada de 1940 e a década de 1970 fora da educação comparada (SAUSSURE, 2006; LEVI-STRAUSS, 1953; YOUNG, 1971). O interacionismo concentra-se na análise de nível médio e micro do comportamento individual dentro das confi gurações educacionais. Paulston denomina este paradigma de "humanista" e destaca o importante trabalho de Berger e Luckmann (1985), A construção social da realidade, como um texto fundacional que introduz uma orientação humanista e subjetivista para o conhecimento. A forma inicial do construcionismo social de Berger e Luckmann postula que o mundo social externo aos atores individuais é criado por signifi cados constituídos intersubjetivamente e por atividades práticas cotidianas que, como se tornam habituais, tornam-se "objetivadas" como nossa realidade adquirida: são reais porque foram defi nidas como tal e podem, através do hábito e da história, tornar-se institucionalizadas. Berger e Luckmann não negam que existe um mundo objetivo, mas argumentam que essa realidade é realizada através O interacionismo concentra-se na análise de nível médio e micro do comportamento individual dentro das confi gurações educacionais. 25 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 da atividade humana. Gottlieb sustenta que, estritamente falando, o trabalho comparativo (embora pequeno) é feito dentro do paradigma interpretativo, já que "o interpretativista procura entender como os atores de uma cultura experimentam e compreendem seu próprio mundo social" (2000, p. 164), e não teorizar usando categorias transculturais. No entanto, Paulston (1994, p. 926-927) fornece alguns exemplos de textos paradigmáticos que defendem a perspectiva humanista na educação comparada, incluindo Heyman (1979), que defendeu abordagens etnográfi cas e etnometodológicas, e Clignet (1981). Paulston também, na mesma passagem, cita a pesquisa etnográfi ca de Avalos (1986) e Gibson e Ogbu (1991). No início dos anos 80, um marxismo mais humanista, ou humanismo radical (PAULSTON, 1994, p. 926), emergente do movimento intelectual da teoria crítica, começou a ganhar presença na educação comparada. Gottlieb descreve o humanismo radical como o posicionamento de um estado de "humanidade completa" como ponto de partida para criticar o estado atual da educação como um estado de alienação (2000, p. 164). A título de pano fundo, a teoria crítica traça suas raízes na Escola de Frankfurt, década de 1930, como uma renovação do marxismo. Habermas liderou uma segunda geração de teóricos críticos na década de 1960. Por "crítico", ele quis dizer o desmascaramento da intrusão ilegítima da ciência (ideológica) no domínio das normas sociais. Naquela época, a teoria tradicional (que a teoria crítica pretendia criticar) buscava conhecimento sobre fenômenos sociais sob a forma de generalizações explicativas semelhantes à lei, inspiradas nas ciências naturais. Em contrapartida, a teoria crítica considera as condições sociais e históricas do conhecimento. Ela examina criticamente como categorias e ideias emergem e apoiam a ordem social. A obra Conhecimento e Interesse, de Habermas (1982), é uma forma de teoria crítica que oferece uma síntese de ordem superior para criticar o positivismo como reducionista e o interpretativismo como relativista. Habermas abordou essas defi ciências alocando as ciências empírico-analíticas (ciências naturais) e as ciências histórico-hermenêuticas para os seus próprios domínios de objeto, mutuamente exclusivos, dotados de suas respectivas metodologias. Uma terceira ordem de conhecimento, as ciências críticas, é orientada pelo objetivo da emancipação social (LAKOMSKI, 1997). Gottlieb (2000, p. 164) sugere que a Education for Critical Consciousness (Educação para Consciência Crítica), de Paulo Freire (1973), serviu como um texto paradigmático de conscientização entre os educadores comparativos sobre as condições opressivas da educação entre populações pobres. Paulston (1994, p. 929) lista alguns proeminentes comparativistas americanos que projetaram uma perspectiva humanista radical, por exemplo, ele cita Kelly e Nihlen (1982) e Stromquist (1989). Abordagens alternativas à teoria crítica são representadas por Pierre Bourdieu e Michel Foucault. Bourdieu elaborou uma teoria autorrefl exiva sobre a reprodução das desigualdades sociais em diferentes campos sociais (BOURDIEU, 1992). 26 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Com Foucault, as teorias interpretativas, como o construcionismo social, assumem uma virada linguística na década de 1970, com foco nas relações de poder-discurso, que produzem a razão, o sujeito e as sociedades bem ordenadas. As formas pós-estruturalistas do construcionismo social substituem o mundo objetivo anterior pelo discurso com a formação regular de objetos que emergem apenas no discurso (FOUCAULT, 2008). As perspectivas pós-estruturalistas e pós-modernas começaram a ganhar atenção na literatura da educação comparada na década de 1990, conforme documentado por Ninnes e Burnett (2003). Entre os primeiros exemplos de textos deste gênero identifi cados por Paulston (1994, p. 930) estão Cherryholmes (1988) e Rust (1991). Assim, Paulston caracteriza a forma intelectual da educação comparada até o fi nal da década de 1980 e na década de 1990 como distanciando-se da heterodoxia para uma nova etapa de heterogeneidade, refl etindo o ar penetrante do ceticismo das grandes teorias e paradigmas nas ciências sociais, em parte provocado pelo pós-modernismo. Uma mudança paralela de interesse dos estudos macroestruturais para as análises interpretativas de microagências é notável na literatura na década de 1990 (PAULSTON, 1994, p. 928). Embora os estudos baseados na teoria funcionalista permaneçam, Paulston observa que as versões neofuncionalistas manifestam uma abertura às perspectivas hermenêuticas e interpretativas, como se vê em Adams (1988), e a adoção da teoria da escolha racional, como assumido por Turner (1987). As teorias funcionalistas radicais (estruturalistas radicais) também se deslocaram para uma postura neomarxista ou pós-marxista menos determinista, particularmente após o colapso do comunismo em 1989 na Europa Oriental, como observamos em Carnoy e Samoff (1990). Com respeito ao paradigma interpretativo humanista, Paulston (1994) aponta para o surgimento de estudos fenomenográfi cos na educação comparada sob a forma de mapas conceituais com base em análise textual. Estes visam "caracterizar como os pesquisadores veem, apreendem e pensam sobre constructos do conhecimento como ‘paradigmas e teorias’ em diferentes momentos e em diferentes culturas e subculturas do conhecimento" (PAULSTON, 1994, p. 932). Ao invés de um mapeamento das coisas "como elas são", as análises fenomenográfi cas - tal como o mapa de Paulston - apresentam maneiras de pensar sobre o mundo. Na virada do século XXI, um crescente entrelaçamento de paradigmas, abordagens disciplinares, níveis macro e micro de análise, metodologias quantitativas e qualitativas, teoria e práxis, passou a ser defendido por comparativistas e começou a ganhar destaque na literatura. Ao invés de visualizar as posições como declarações dualistas, dicotômicas e disputantes "ou-ou", há uma mudança notável para visualizar posições como descentradas e localizadas ao longo de As formas pós- estruturalistas do construcionismo social substituem o mundo objetivo anterior pelo discurso com a formação regular de objetos que emergem apenas no discurso Ao invés de um mapeamento das coisas “como elas são”, as análises fenomenográfi cas - tal como o mapa de Paulston - apresentam maneiras de pensar sobre o mundo. 27 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 um continuum, permitindo diferentes graus de interação entre duas polaridades. Provavelmente, um texto paradigmático é o Bridging Cultures and Traditionsin the Reconceptualisation of Comparative and International Education (Construindo pontes entre culturas e tradições na reconceitualização da Educação Comparada e Internacional), de Michael Crossley (2000). Temas Importantes da Educação Comparada Nas seções anteriores deste capítulo, consideram-se o trabalho de Epstein (2008), que demonstrou as plataformas epistemológicas-raiz da educação comparada, e de Paulston (1994), que elucidou as inter-relações dinâmicas entre as teorias e perspectivas dominantes que caracterizaram o campo. O que falta nessas discussões é uma classifi cação tipológica dos temas "abrangentes" ou paradigmáticos que atraíram educadores comparativos ao longo do tempo. Noah e Eckstein (1970), Ferrán Ferrer (2002), Crossley e Watson (2003), Cowen (2003) e Phillips e Schweisfurth (2006) oferecem diversas leituras da história do campo. A visão geral esquemática de Cowen dos temas dominantes no campo serve como um meio útil para reunir os vários aspectos da história intelectual do campo discutidos neste capítulo. Serão considerados em primeiro lugar, e depois a revisão das leituras alternativas. Temas Paradigmáticos de CoWen Cowen (2003, p. 6-7) defi ne "questões paradigmáticas" como tendo três características: • uma agenda de atenção específi ca, que delimita a dimensão social, defi ne algum processo educativo como mais importante do que outros e detalha a escolha entre as muitas possíveis relações sociais e educacionais que podem ser analisadas; • uma mega-unidade de análise comparativa; • uma atração de grandes corpos de descrição comparativa substantiva. Ele então postula quatro temas paradigmáticos que produziram um discurso substantivo na educação comparada. Estes são Sadler, as Escolas de Chicago/New York, os Discursos do Desenvolvimento e as Tendências. Resumidos, contam os principais pontos no Quadro 2. Quatro temas paradigmáticos que produziram um discurso substantivo na educação comparada. Estes são Sadler, as Escolas de Chicago/New York, os Discursos do Desenvolvimento e as Tendências. 28 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA A posição dominante na década de 1960 do que Cowen chamou de "Escolas de Chicago/Nova York" para se referir à relevância das ciências sociais empíricas na educação comparada eclipsou grande parte do valioso trabalho histórico- culturalista e interpretativo nos anos 1930-1950. Para citar Cowen (1996, p. 152): Tradições alternativas disponíveis na literatura foram rejeitadas, ignoradas e marginalizadas. Assim, o trabalho de Hans e Schneider, centrado na história, não foi refutado: foi simplesmente evitado na busca de uma ciência relevante. Da mesma forma, o motivo culturalista na obra de Ulich (1964), Lauwerys (1967), Nash et al. (1965), Halls (1973), Mallinson (1975) e King (1979), fi cou sobrecarregado com a busca por rigor científi co e precisão. O paradigma dominante, para pesquisa, tornou-se a economia positivista e a sociologia positivista, particularmente nos EUA. Phillips e Schweisfurth (2006) ecoam esta observação de Cowen. Concretamente, eles criticam a rejeição de Gottlieb (2000, p. 155) das abordagens históricas valiosas na tradição de Kandel e Hans, descrevendo-as como "simplistas, subjetivas e totalistas". Essas críticas à marginalização das tradições disciplinares alternativas podem se estender ao eclipsamento de histórias disciplinares alternativas da educação comparada. O próprio Robert Cowen (2002) reconhece isso, ressaltando que essas histórias não são sufi cientemente universais e não oferecem uma análise sustentada do "Gestalt teórico (forma inconfundível) da educação comparada" (2002, p. 414). Crossley e Watson (2003) fazem eco desta crítica sobre a defi ciência, desde uma perspectiva transcultural, de fases ocidentais genéricas que afi rmam representar a história global do campo. Esses autores também apontam as limitações de tais periodizações históricas na simplifi cação excessiva da realidade. Crossley e Watson (2003, p. 21), no uso das quatro fases históricas da educação comparada de Brickman (1966), apontam que esses tipos de demarcação mascaram o fato de que essas fases não são "necessariamente lineares ou consistentes ao longo do tempo, culturas ou indivíduos". Uma crítica similar poderia aplicar-se ao modelo de ênfase histórica de Phillips e Schweisfurth na análise comparativa (2006, p. 28). Com base nos cinco estágios de desenvolvimento da educação comparada de Noah e Eckstein (1970), Phillips e Schweisfurth propõem uma cadeia sequencial de sete linhas de ênfases históricas em análises comparativas, cada uma das quais começa em um ponto histórico defi nido e continua paralelamente às ênfases já existentes, interagindo com elas. Embora tais enquadramentos sejam úteis para uma ampla compreensão das mudanças Phillips e Schweisfurth propõem uma cadeia sequencial de sete linhas de ênfases históricas em análises comparativas 29 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 no pensamento intelectual, as perspectivas foucaultianas apontam suas limitações para projetar um progresso histórico linear, suave, unidirecional e aparentemente universal. Isso leva à importância de explorarmos "outras" histórias intelectuais da educação comparada. Quadro 2 – Temas paradigmáticos na educação comparada Sadler Escolas de Chi- cago e New York Discurso do De- senvolvimento Tendências Te xt os P ar ad ig m át ic os Sadler (1900). Vertente da Con- vergência: • Halsey et al. (1965); • Anderson e Bow- man (1966) Arnove (1980) Carnoy (1974) Altbach e Kelly (1978) Jullien (1817) Rosselló (1960) • Vertente do Con- trole: Noah e Eckstein (1970). Ag en da d e At en çã o Forças impalpá- veis: - histórica, cultu- ralista; - caráter nacio- nal. Convergência da Economia, educa- ção e sociedade: mundo econômico (modernização e capital humano) e funções seletivas dos sistemas edu- cacionais. Educação e de- senvolvimento: te- oria da dependên- cia neomarxista: • desigualdades sociais; • identidades subordinadas nos processos educa- cionais; • interpretações feministas e antro- pológicas; • pós-colonia- lismo, gênero e raça. Tendências educacionais Controle e ciência: análise quantita- tiva. M eg a- u- ni da de d e co m pa ra çã o Sociedade-na- ções Convergência: imperativo tecno- lógico. Sistemas-mundiais em termos neo- marxistas. Tendências educacionais. Controle: resulta- dos educacionais. 30 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA D is cu rs o su bs ta nt iv o Acadêmico, baseada na uni- versidade: por exemplo Kandel (1933), Hans (1950); Sch- neider (1964); Lauweyrs (1965); Mallinson (1957); E. King (1968) Conhecimento politicamente útil sobre efi ciência educacional. Conhecimento emancipatório e posicional: por exemplo Burns e Welch (1992). Informações úteis para a me- lhoria da educa- ção: relatório do Banco Mundial e do Bureau Internacional de Educação (IBE). Por exemplo, Banco Mundial (1995). Convergência: Inkeles e Smith (1974). Controle: Estudos IEA. Fonte: Cowen (2003). Ferrán Ferrer (2002, p. 33-36) classifi ca ainda mais este paradigma interpretativo histórico em três ramifi cações: uma histórica interpretativa; uma interpretativa-antropológica; e uma interpretativa- fi losófi ca. Ferrán Ferrer também citou alguns autores típicos que Cowen não citou, por exemplo, Kandel (1933) e Schneider (1964). Cowen mencionou que Rosselló levantou essa questão em 1920, mas não deu a referência completa. Referimos, portanto, a obra de Rosselló de 1960. Atividade de Estudos: 1) Quais são os quatro temas paradigmáticos postulados por Cowen que produzem um discurso substantivo na educação comparada? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ________________________________________________________________________________________________________ ____________________________________________________ 31 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 Histórias Intelectuais: Alternativas da Educação Comparada Nesta seção, serão destacados as "outras" histórias que desafi am os discursos dominantes sobre a história intelectual da educação comparada, conforme discutido anteriormente. Serão limitados às constelações do discurso a partir do século XX. Para citar Crossley e Watson (2003, p.140), a educação comparada talvez seja melhor visualizada como uma "constelação de campos criativa e multidisciplinar", ou o que Cowen (1990, p. 333) chamou de educações comparadas. Podem-se extrair da tese de Cowen que uma descontinuidade fortemente visível na literatura (mudança paradigmática de Kuhn) só resulta quando uma combinação da leitura interna da episteme (defesa de uma forma disciplinar) e uma leitura externa do cosmos (um mundo social e espaço-tempo global específi co) faz sentido para uma geração de estudiosos em um determinado local. Cowen, provavelmente, aplicou essas lentes a uma leitura ocidental de educações comparadas em um mundo ocidental, como se podem ver em suas obras de 1996 e 2002. Mas, como afi rma Schriewer (2003, p. 279), “diferenças signifi cativas se manifestam não só entre diversas comunidades de discursos linguísticos” (por exemplo, chinesa, espanhola, russa), mas também dentro de cada uma dessas constelações discursivas, infl uenciadas por transformações radicais em seus sistemas políticos e ideologias dominantes. Essas constelações diversas não são apenas separadas entre si por barreiras linguísticas, mas também por muros estruturais de natureza política, ideológica, disciplinar e econômica. Isso ecoa o conceito de Foucault (2008) de uma formação discursiva que permite e restringe o que pode ser dito ou pensado em uma episteme particular ou período histórico. Da mesma forma, a partir de uma perspectiva bourdieuiana, pode-se dizer que essas constelações discursivas estavam operando em epistemes distintas, tendo em conta os diferentes constrangimentos estruturais dentro dos quais os agentes (comparativistas) poderiam atuar no campo intelectual da educação comparada. Pode-se, assim, visualizar comunidades de estudiosos excluídos dos discursos opostos mapeados por Paulston (1994) durante o período de heterodoxia nas décadas de 1970 e 1980, como se fossem "espectadores de uma luta de boxe" entre funcionalistas e suas críticas radicais, ou mesmo deixados sem o conhecimento que tais contestações estavam ocorrendo. Até certo ponto, o trabalho de documentar uma história global e inventariar a educação comparada foi realizado por Halls (1990). Este volume editado apresenta relatórios regionais sobre a Europa Ocidental (Holmes), países socialistas (Hofmann e Malkova), a América do A educação comparada talvez seja melhor visualizada como uma “constelação de campos criativa e multidisciplinar” O trabalho de documentar uma história global e inventariar a educação comparada foi realizado por Halls (1990). 32 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Norte (Lawson), América Latina (Oliveros), Ásia e o Pacífi co (Kobayashi, Burns), África (Fafunwa) e os Estados Árabes (Benhamida). Mas o mundo sociopolítico mudou dramaticamente desde então. Uma das principais mudanças geopolíticas é o colapso do comunismo e o fi m da Guerra Fria em 1989. Assim, um exemplo é um capítulo nesse livro sobre os países socialistas (HOFMANN; MALKOVA, 1990), que retrata principalmente a situação do campo da Educação Comparada na União Soviética como um todo, enquanto as "vozes individuais" dos países ocupados pelos soviéticos são "silenciadas". Aqui, será uma tentativa de expandir e atualizar o discurso, aplicando as “lentes duplas” de leitura de Cowen para uma leitura mais nacional/local da educação comparada, por vozes, nacionais/locais de comparativistas falando sobre sua própria história local. Nisto, serão usadas tanto literaturas publicadas quanto entrevistas publicadas com estudiosos da educação comparada que atuaram como líderes das sociedades profi ssionais da educação comparada em todo o mundo. CHina Continental Bray (2001) contrasta a representação da história do campo da educação comparada na obra de Noah e Eckstein (1998), “Fazendo educação comparada: três décadas de colaboração”, e obra de Gu Mingyuan (2001), “Educação na China e no exterior: perspectivas de uma vida em educação comparada”. O trabalho de Noah e Eckstein abrangeu o período da década de 1960 até a década de 1990, baseado principalmente em uma América do Norte industrializada e, em sua maior parte, no contexto político da Guerra Fria. Este também é o principal contexto dentro do qual os escritores ocidentais citados anteriormente, particularmente Epstein (2008), Cowen (2003) e Paulston (1994), rastrearam a história intelectual "global" da educação comparada. Noah e Eckstein e outros estudiosos anglo-americanos, na década de 1950 e 1960, pareciam estar absortos por debates metodológicos sobre uma ciência positivista da educação comparada e estar orientados para o mundo industrializado – fato que se pode também ver em Bray (2015) e Bray e Gui (2001) –, e se eles se concentraram no mundo "em desenvolvimento", era para oferecer prescrições educacionais para alcançar o desenvolvimento nacional. Isso foi em parte impulsionado pelo trabalho de organizações nacionais e internacionais nos países industrializados, que ofereceram ajuda ao desenvolvimento de países mais pobres, infl uenciados pelas teorias de modernização e capital humano. Em contraste, Gu (2001) estava começando seus estudos universitários em um mundo comunista que operava no quadro da ideologia marxista-leninista. A educação comparada como um campo de estudo na China, no período da revolução comunista de 1949, foi abolida (como foi em muitos países sob o bloco soviético), apenas para A educação comparada como um campo de estudo na China, no período da revolução comunista de 1949, foi abolida. 33 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 ser posteriormente retomada durante a Política de Portas Abertas desde 1979. Passando do período da década de 1960 para a década de 1970, que Paulston caracterizou como estágio da heterodoxia em seu "mapa global", o funcionalismo e o consequente domínio das ciências sociais empíricas foram desafi ados por teorias estruturalistas e interpretativistas radicais. O discurso de desenvolvimento estava em ascensão, em que os teóricos neomarxistas criticaram as teorias orientadas para o funcionalismo e as economias capitalistas pelas desigualdades no sistema mundial. A literatura acadêmica anglo-americana projetou uma sensação de crise no campo da educação comparada. Em contraste, a década de 1980 testemunhou um renascimento da educação comparada na China. Em 1986, por exemplo, Gu ressaltou que o "objetivo fi nal" da pesquisa educacional comparada na China "é promover o desenvolvimento educacional e a reforma em nosso próprio país" (GU, 2001, p. 221), e que “não devemos realizar pesquisas pela própria pesquisa". Ele elaborou ainda mais sobre a metodologia de pesquisa: Devemos adotar uma atitude positiva em relação à aplicação da metodologia de pesquisa em ciências naturais na pesquisa comparada sobre educação. Devemos considerar seriamente como analisar os fenômenos educacionais contemporâneos de forma científi ca e efetiva [...]. No entanto, temos que enfatizar aqui que, não importa qual método empreguemos, não devemos abandonar a metodologia de pesquisa mais básica – os princípios marxista-leninistas (GU, 2001, p. 224-225). Um artigo posterior de Gu explica o funcionamento da ideologia marxista na pesquisa de educação comparada chinesa: "O sistema educacional de um país não pode ser separadode sua economia política e tradições culturais [...] o nível mais profundo é a ideologia [...]”, e ele continua, “a ideologia pertence ao domínio da superestrutura e refl ete a base econômica e o clima político. [...] Se ignorarmos esse aspecto (ideologia), a pesquisa será defi nitivamente superfi cial” (GU, 2001, p. 233). No mesmo ano, ele exortou os comparativistas chineses a romper com as metodologias de pesquisa eurocêntricas e a construir uma educação comparada com características chinesas que se baseassem nas doutrinas socialistas de Karl Marx e Mao Zedong como fundamentos metodológicos (GU, 2001). Uma década depois, e em vista do clima político em mudança na China, as alusões às doutrinas marxistas e maoístas estavam menos presentes no trabalho dos estudiosos. Estas citações bastante longas de Gu Mingyuan, uma das principais fi guras da educação comparada na China, têm como objetivo enfatizar que as fases históricas das mudanças paradigmáticas na educação comparada, representadas, por exemplo, pelo "mapa global" de Paulston (1994), não correspondem à imagem da realidade global. A educação comparada na China é um exemplo. Assim, enquanto as representações pós-Segunda Guerra Mundial do campo retratavam As fases históricas das mudanças paradigmáticas na educação comparada, representadas, por exemplo, pelo “mapa global” de Paulston (1994), não correspondem à imagem da realidade global. 34 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA uma educação comparada "científi ca", o campo de estudo estava, por assim dizer, "morto" na China. E, quando o domínio das ciências sociais empíricas na educação comparada passou a ser criticado e parcialmente corroído no discurso anglo- americano, é na mesma e sucessiva década defendida no campo na China, mas dentro de um enquadramento marxista. A este respeito, há alguma convergência entre o funcionalismo radical (ou o estruturalismo radical) identifi cado por Paulston nas décadas de 1970 e 1980 com a epistemologia dominante na China. Para os educadores comparativos, baseados em um contexto "capitalista", um enquadramento (neo)marxista era um dos vários enquadramentos em um mundo epistemologicamente pluralista, mas na China, a epistemologia marxista era a epistemologia. Em termos foucaultianos, era a formação discursiva operando dentro dessa episteme. Outra divergência é a de que, enquanto os debates teóricos e metodológicos absorveram as energias dos estudiosos da América do Norte, partes da Europa, da Austrália e do Canadá, as pesquisas teóricas eram de menor importância para os homólogos chineses, cujo principal objetivo, na época, era a pesquisa para o desenvolvimento educacional e a reforma em seu país de origem. Zhao (2005 apud MANZON, 2011, p. 145), ecoando Gu Mingyuan (2003), afi rma que “a pesquisa de educação comparada anglo-americana atende a um propósito acadêmico, enquanto a pesquisa de educação comparada chinesa é para aplicação”. Isso, no entanto, não foi o caso nas sociedades chinesas próximas, como em Hong Kong e Taiwan, onde um impulso teórico e acadêmico se desenvolveu ao lado do trabalho aplicado (BRAY; GUI, 2001). Europa Oriental Socialista Hofmann e Malkova (1990) explicaram o papel e o estado da educação comparada nos países socialistas que formavam a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Quase três décadas se passaram desde as mudanças políticas em 1989 e a ruptura da União Soviética. Neste capítulo, portanto, será observado a literatura mais recente (WOLHUTER et al., 2013; MASEMANN et al., 2007) sobre as histórias da educação comparada em alguns países que anteriormente compunham o bloco soviético. Nestes dois volumes recentes, vários capítulos são dedicados aos países agora independentes, antes da ocupação soviética (por exemplo, Bulgária, República Tcheca, Hungria, Cazaquistão, Polônia), além da Rússia e da Alemanha unida (então dividida entre o Oriente e o Ocidente). O período da década de 1940 testemunhou a anexação de partes da Europa Oriental pelo regime soviético. Isso restringiu a atividade de educação comparada existente nos países ocupados pelos soviéticos. Como Manzon e Bray (2007) observam, este contexto político disruptivo silenciou o trabalho comparativo na 35 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 Bulgária, na Tchecoslováquia, na Alemanha Oriental, na Hungria, na Polônia e na Rússia. A década de 1930 testemunhou o surgimento do regime totalitário na URSS e a designação do leninismo como único fundamento epistemológico para todas as ciências (BOREVSKAYA, 2007). Na Bulgária, comentou Popov, a "segunda metade da década de 1940 e a década de 1950 foram os anos mais sombrios. O menor interesse pela educação nos países ocidentais era considerado uma provocação e até mesmo um crime" (2007, p. 271). Para a então Checoslováquia, ocorreu um processo disruptivo semelhante em 1968, que testemunhou a censura de membros que eram líderes de sua sociedade profi ssional de educação comparada após sua crítica pública à ideologia predominante (WALTEROVÁ, 2007). Uma semelhança entre esses países era o monismo epistemológico sob uma ideologia marxista-leninista. Para citar Walterová (2007, p. 257): A bipolaridade política do mundo se refl etiu na "educação socialista" da década de 1950 até a década de 1980: uma orientação forte e acrítica para o Oriente e uma superestimação da educação soviética e uma crítica unilateral da educação ocidental. Uma unifi cação epistemológica sob a guarda ideológica do marxismo-leninismo não permitiu o desenvolvimento de pesquisas comparativas objetivas e metodologicamente transparentes. Assim, o mundo por trás da Cortina de Ferro foi poupado dos debates metodológicos e teóricos ativos que sitiavam seus homólogos ocidentais. Nesse sentido, a educação comparada em grande parte da Europa era mais parecida com a China, do que com os homólogos europeus e norte-americanos. AmÉrica do Sul Os eventos políticos, sob a forma de nacionalismo, intervieram em vários países. Isso signifi cava o isolamento político do país em questão, e seu corolário, a interrupção dos contatos internacionais, uma vez que a infl uência estrangeira era vista pelo governo como uma forma de imperialismo cultural. Esta situação de encerramento político impactou a interrupção da atividade de educação comparada existente. As comunidades de comparativistas foram assim excluídas do discurso global, não por diferenças linguísticas ou monismo epistemológico: o trabalho comparativo foi limitado pelas ideologias políticas predominantes que se fi ltraram para as universidades. No Brasil, Marta L. Sisson de Castro (2007) relata que, após a deposição de seu regime político autoritário, que governou o país durante duas décadas (1964-1985), no país recentemente democratizado "tudo tinha que ser preto A educação comparada em grande parte da Europa era mais parecida com a China, do que com os homólogos europeus e norte- americanos. O trabalho comparativo foi limitado pelas ideologias políticas predominantes que se fi ltraram para as universidades. 36 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA ou branco, esquerdista ou de direita" (p. 241). Anteriormente, isto é, na década de 1930, a educação comparada era uma matéria obrigatória na formação de professores. No entanto, em 1969, foi excluída do currículo nacional (SISSON DE CASTRO; GOMES, 2013). Na década de 1980, a politização dos círculos acadêmicos na nação recém-democratizada marginalizou ainda mais a educação comparada, observando com suspeita sua prática de empréstimos de políticas de outras nações. Foi visto como um instrumento do “imperialismo e colonização norte-americana” (NOGUEIRA, 2004 apud MANZON, 2011, p. 49). Como afi rma Verhine (2004 apud MANZON, p. 147), “a conotação não nacionalista da educação comparada contrastava com a corrente nacionalista atual no Brasil”.Nesse contexto, a política de empréstimos não estava em voga. A educação comparada foi ainda desinstitucionalizada dos programas de pós-graduação das universidades brasileiras em meados da década de 1990. Uma descontinuidade semelhante devido ao nacionalismo ocorreu na história da educação comparada no Chile. Em 1967, a educação comparada foi ministrada em universidades do país. No entanto, foi retirada dos currículos universitários durante a ditadura militar (1973-90), durante a qual o país estava fechado à infl uência ideológica estrangeira (RODRÍGUEZ, 2013). Padrões Europeus Uma visão alternativa do mapa global de Paulston vem da observação de diferenças epistemológicas entre comparativistas britânicos e americanos. Embora a literatura tenha sido dominada por estudiosos anglo-americanos, essas duas comunidades também diferem em suas epistemologias (COWEN, 1980) e, em seus próprios grupos nacionais, ocorrem novas divergências (CROSSLEY; WATSON, 2003). Cowen (1980, p. 108) estabelece uma distinção entre comparativistas europeus e americanos no período pós-Segunda Guerra Mundial: A defi nição intelectual da educação comparada europeia é bem diferente daquela da educação comparada americana. Os principais fundadores da educação comparada europeia de meados dos anos vinte estavam trabalhando em temas que eram compreensíveis em termos de Durkheim, Weber e Marx. A busca de novas abordagens metodológicas nos Estados Unidos e a confi ança que os educadores comparativos americanos tiveram em técnicas positivistas derivadas de outras ciências sociais signifi caram que um campo de estudo com um nome comum divergiu fortemente. 37 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 Na mesma linha, Waterkamp (2007) afi rma que os métodos historiográfi cos tendiam a dominar a pesquisa comparativa na Alemanha, até que essa hegemonia foi questionada no fi nal da década de 1960 por estudiosos que enfatizaram a importância das teorias sociológicas, políticas e econômicas. García Garrido (2005) também afi rma que os educadores comparativos espanhóis adotaram abordagens histórico-culturalistas e muito menos posições sociológicas positivistas ou posições humanistas radicais. Isto é parcialmente evidenciado pelos resultados de uma análise de conteúdo da Revista Española de Educação Comparada (MARTÍNEZ; VALLE, 2005), que revela que a maioria dos estudos é de natureza qualitativa, na forma de análise de documentos e revisões de literatura, e minimamente, aqueles sob a forma de estudos etnográfi cos. Ferrán Ferrer (2002) ressalta que a diferença na tradição histórica e na barreira do idioma é uma das razões pelas quais os comparativistas espanhóis geralmente não participaram nas conferências da British Association for International and Comparative Education (BAICE) e Comparative and International Education Society (CIES). Mitter (2007), no entanto, afi rma que ao longo do tempo, as diferenças entre os comparativistas europeus e norte-americanos tornaram-se menos "nítidas", como quando Cowen escreveu seu artigo em 1980. Para citar Mitter, "a metodologia empírica tem adquirido acesso à teoria da educação comparada e pesquisas em universidades e institutos de pesquisa europeus, enquanto as teorias sociais exerceram seu impacto na educação comparada nos EUA" (2007, p. 126). O trecho anterior mostra que, por um lado, o mapeamento de Paulston afasta as divergências, não só nas teorias e paradigmas dominantes em subcomunidades de comparativistas, mas também em termos do período histórico em que eram dominantes. Através da interação e do diálogo entre essas comunidades divergentes, suas diferentes abordagens tenderam a se interpenetrar mutuamente entre os limites teóricos uns dos outros, como Mitter descreveu anteriormente. Ao longo do tempo, as diferenças entre os comparativistas europeus e norte-americanos tornaram-se menos “nítidas” Alguns países da África e da Ásia, seja devido ao seu conservadorismo cultural ou à atenção prestada a necessidades mais básicas da educação, prestaram menos atenção às críticas pós-modernistas e aos debates metodológicos em seus discursos. África e Ásia Um argumento fi nal envolve a penetração desigual das perspectivas pós-modernas na comunidade acadêmica de comparativistas em todo o mundo. Pode-se afi rmar que, alguns países da África e da Ásia, seja devido ao seu conservadorismo cultural ou à atenção prestada a necessidades mais básicas da educação, prestaram menos atenção às críticas pós-modernistas e aos debates metodológicos em seus discursos. Pode-se apoiar este argumento com uma análise dos 38 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA objetivos e livros didáticos utilizados no ensino de educação comparada em alguns países africanos e asiáticos perfi lados em Wolhuter et al. (2013). Na Ásia, eles incluem China, Japão, Cazaquistão, Coreia, Malásia, Omã e Tailândia. Na África, eles compreendem Burundi, Egito, Tanzânia e Uganda. A seleção desses países é infl uenciada pela crítica de Cowen (1996, p. 165-166) sobre a possibilidade de um apelo universal do pós-modernismo. Ele argumenta que: O corpus de escrever sobre o pós-estruturalismo e pós- modernismo atraiu a atenção internacional, mas as contribuições para esse corpus de conhecimento têm necessariamente trajetórias locais [...] O pós-modernismo, em suas dimensões comparativas, é impressionantemente paroquial: não refl ete ou lê as condições socioeconômicas estruturais, projetos ideológicos, sistemas educacionais ou questões de identidade das autossociedades no Japão, Taiwan ou Coreia do Sul e, ainda menos, na China. Não pode ser facilmente alargado para compreender os projetos estatais para a construção da identidade islâmica na Argélia, no Irã, na Malásia ou no Paquistão e parece ter pouco a dizer sobre a crise da legitimação estatal e da reforma educacional na Europa Central e Oriental. Talvez isso seja porque grande parte da escrita sobre o pós-modernismo se inclinou muito na direção de perguntar sobre a destruição do self do "iluminismo", o indivíduo autônomo [...]. Este comentário analítico encontra um eco nos dados empíricos sobre a posição atual da educação comparada nas universidades. Com relação aos objetivos do ensino da educação comparada, o foco no Cazaquistão, onde a retomada da atividade comparativa é bastante recente, e para um objetivo preditivo: identifi car as tendências futuras e os resultados das reformas educacionais em outros países (KUSSAINOV; MUSSIN, 2013). Na China, na Malásia, em Omã e na Tailândia, os propósitos informativos e reformadores da educação comparada são de maior interesse do que os objetivos teóricos, como se pode ver nos trabalhos de Al-Harthi (2013), Manzon (2013) e Mohd Meerah e Halim (2013). Em termos de livros didáticos, como se pode observar em Wolhuter et al. (2013), vários países estão limitados ao uso de livros estrangeiros antigos e/ ou artigos de periódicos, por exemplo, Burundi, Malásia, Tanzânia, Tailândia e Uganda. Os trabalhos datam desde Kandel (1933), sendo os mais recentes os trabalhos de Altbach e Kelly (1990) e Halls (1990). Um dos motivos, e digno de nota, é que estes são clássicos. Mas, um fator restritivo, em alguns casos, é recursos fi nanceiros. Anangisye (2013) e Ocheng Kagoire (2013) observam a limitação das bibliotecas universitárias na Tanzânia e Uganda, respectivamente, deixando estudiosos com pouca escolha para recursos de pesquisa e ensino. Sheldon Weeks (2004 apud MANZON, 2011, p. 150) identifi cou uma restrição semelhante ao desenvolvimento da educação comparada na Zâmbia, no Zimbabwe e no Malawi, em particular devido ao colapso do sistema de bibliotecas 39 FUNDAMENTO EPISTEMOLÓGICO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO COMPARADA Capítulo 1 após a independência dos países. Tal como Anangisye (2013) destaca, não só os materiais estão desatualizados,mas também são escritos em contextos socioeconômicos do Norte que não são aplicáveis aos usuários locais. Entre os clássicos utilizados, a maioria opera sob uma estrutura funcionalista e positivista. Outro fator limitante é o idioma. No caso da Coreia, livros estrangeiros raramente são usados por limitações de linguagem (PARK; HYUN, 2013). O acesso limitado a livros de texto ocidentais mais recentes implica em acesso limitado a discursos intelectuais mais recentes, não menos importantes, sobre o pós-modernismo. Por outro lado, no Egito, Megahed e Otaiba (2013), surpreendentemente, observam uma tendência oposta. Apesar do acesso dos estudiosos egípcios ao diálogo internacional sobre o desenvolvimento e a teoria dos sistemas mundiais, os livros- texto recentes em uso em suas universidades adotam uma abordagem nacional, funcionalista e evolutiva para classifi car os países. Os exemplos anteriores ilustram que o pós-modernismo realmente foi paroquial. Embora Ninnes e Burnett (2003) tenham documentado sua crescente presença na literatura de educação comparada, durante a década de 1990, uma pesquisa de 2008 de objetivos de ensino e livros didáticos, usados em alguns países africanos e asiáticos, aponta para um processo lento de apreensão, ou quase ausente, das perspectivas pós-modernistas nessas regiões. A educação comparada visa abordar necessidades pragmáticas e informativas mais imediatas do sistema educacional doméstico, enquanto a teoria acadêmica e os debates metodológicos são deixados de fora do discurso. Nessa linha, abordagens mais tradicionais e livros didáticos clássicos são empregados, também à luz de restrições fi nanceiras e linguísticas por parte de algumas comunidades. Esta é mais uma história alternativa àquela mapeada por Paulston (1994). A educação comparada visa abordar necessidades pragmáticas e informativas mais imediatas do sistema educacional doméstico, enquanto a teoria acadêmica e os debates metodológicos são deixados de fora do discurso. Algumas Considerações Neste capítulo, tentamos mapear as histórias intelectuais da educação comparada do século XIX até o presente. Procuramos integrar uma exploração dos fundamentos epistemológicos do campo com a aceitação de orientações teóricas e disciplinares correlativas, relacionando-as com gêneros de estudos comparativos. Seguindo Epstein (2008), descrevemos três raízes epistemológicas principais do campo: positivismo (Jullien), relativismo (Ushinsky) e funcionalismo histórico (Dilthey). Para complementar esta história intelectual, mencionamos Paulston (1994), que mapeou o desenvolvimento de teorias e paradigmas na educação comparada que se ramifi caram a partir dessas plataformas epistemológicas e de teorias fi losófi cas e sociológicas de médio alcance a partir da década de 1950. 40 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Quatro paradigmas principais serviram para infl uenciar os diversos tipos de estudos comparativos de educação: funcionalismo, estruturalismo radical, humanismo e humanismo radical. Para enriquecer ainda mais a história teórica da educação comparada, discutimos a tipologia de Cowen (2003) de focos temáticos dominantes de estudos comparativos desde Jullien em 1817. Ele categorizou estudos comparativos em quatro principais "escolas" ou temas paradigmáticos: Sadler, Escolas de Chicago/New York, discurso de desenvolvimento e tendências (de Jullien). Estes se distinguiram por sua combinação específi ca de agenda de atenção, mega-unidade de comparação e o discurso comparativo substantivo que é produzido sobre eles. Finalmente, aplicando lentes foucaultianas a uma interpretação crítica das histórias disciplinares, notamos que essas histórias intelectuais apresentaram visões parciais das histórias globais do campo. A fi m de ampliar o discurso e conscientizar que as histórias disciplinares não são lineares e evolutivas, mas são descontínuas e distantes de uma unidade, expusemos na seção fi nal deste capítulo sobre histórias alternativas e interpretações de outras culturas. Essas "outras" histórias intelectuais trazem à luz as ideias de Bourdieu sobre o campo intelectual como resultado da interação complexa entre restrições/oportunidades estruturais e agência humana, através da qual os estudiosos da educação comparada formulam os objetos e propósitos pertinentes de seu trabalho e, assim, moldam o discurso intelectual. Essas perspectivas históricas sobre as bases intelectuais da educação comparada prepararam o cenário para uma compreensão contextualizada da natureza do campo, o tema do próximo capítulo. ReferÊncias ADAMS, Don. Extending the educational planning discourse: conceptual and paradigmatic explorations. Comparative Education Review, v. 32, n. 4, p. 400- 415, 1988. AL-HARTHI, Harnood K. Comparative education in universities in the Sultanate of Oman. In: WOLHUTER, C. et al. (Eds.). Comparative Education at Universities World Wide. 3 ed. Sofi a: Bureau for Educational Services, 2013. p. 306-313. Disponível em: <https://drive.google.com/open?id=0B-G- 4kRTROUUSTgyNWN6OHJVdU0>. Acesso em: 25 jun. 2017. ALTBACH, Philip G. Servitude of the mind? Education, dependency and neo- colonialism. Teachers College Record, v. 79, n. 2, 187-204, 1977. ______. KELLY, Gail. (Orgs.). Nuevos enfoques em educación comparada. 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Comparar as várias defi nições de educação comparada.  Distinguir vários discursos intelectuais sobre educação comparada e suas defi nições sobre a natureza da educação comparada. 50 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA 51 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 ConteXtualização Depois de delimitar os fundamentos intelectuais e o desenvolvimento da educação comparada no capítulo anterior, neste será explorada a natureza da educação comparada, analisando as defi nições intelectuais do campo construído por comparativistas. Denota-se a natureza construída dessas defi nições no título deste capítulo, colocando o termo "educação comparada" entre aspas. O objetivo deste capítulo é duplo: primeiro, "mapear" o discurso sobre a educação comparada como disciplina, como campo, como método ou outra designação cunhada por acadêmicos que trabalham na educação comparada. Como os comparativistas defi nem "educação comparada" e distinguem-na de campos relacionados? Em segundo lugar, avaliar estas diferentes posições de forma crítica à luz do enquadramento conceitual sobre campos e disciplinas acadêmicas, a fi m de obter uma compreensão mais clara do status epistemológico da educação comparada. Serão abordados a perspectiva realista, por exemplo, Hirst (1974), bem como em perspectivas construcionistas, particularmente de Foucault e Bourdieu. Este capítulo responde a Rosselló (1978 apud MARTÍNEZ, 2003, p. 28), que, em vista da falta de uma defi nição unânime de educação comparada, ironicamente disse que "é preciso começar, então, com um estudo comparativo das numerosas defi nições da educação comparada". Uma década após o trabalho de Rosselló, a pesquisa mundial de W. D. Halls (1990), sobre o estadoda educação comparada, continua a assinalar como problema a falta de uma defi nição precisa do campo da educação comparada e observa a discrepância entre o nome "educação comparada/comparativa" que conota explicitamente a comparação, e os trabalhos não comparativos (embora muitas vezes implicitamente comparativo) publicados em periódicos da área. O capítulo, portanto, contém uma categorização temática das múltiplas defi nições de educação comparada na literatura especializada que refl ete sobre o campo. A abordagem temática é preferível à abordagem cronológica na realização do objetivo de elucidar o conteúdo substantivo das defi nições, em vez das principais tendências dentro de um período histórico particular. Após um breve preâmbulo sobre defi nições, serão categorizadas as defi nições de educação comparada de acordo com o objeto, o método e os propósitos, a fi m de fi xar as bases para a próxima etapa de estabelecer se a educação comparada é uma disciplina, um campo ou um método. Com isso, serão diferenciadas a educação comparada dos campos relacionados e será concluído o capítulo propondo uma defi nição de educação comparada e uma explicação do processo de sua construção intelectual. 52 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Marginson e Mollis (2002, p. 615) observam a maneira pela qual diversas línguas "moldam a multiplicidade e a variedade dos fenômenos explicados pela educação comparada" e a falta de diversidade linguística na literatura no campo, com vozes anglo-americanas que dominam o discurso. Eles defendem, portanto, o uso de uma abordagem multilíngue em estudos comparativos. Estas serão as abordagens: ao pesquisar principalmente a literatura anglo-americana para defi nições acadêmicas de educação comparada, ir além de suas fronteiras e explorar outras perspectivas nos discursos espanhol, chinês, francês e alemão. Tipos de Definições Ruscoe e Nelson (1964) oferecem um prolegômeno a uma defi nição de educação comparada. Entre as defi nições gerais, citam três tipos amplos que se distinguem com base na intenção da pessoa que defi ne os termos. Primeiro, a defi nição estipulativa especifi ca como um termo deve ser usado. Segundo, a defi nição descritiva resume os usos anteriores do termo. E em terceiro lugar, a defi nição programática promove um programa de ação, que conota uma dimensão moral e prática. Koehl (1977, p. 178) designa a defi nição estipulativa como prescritiva, enquanto também chama a defi nição programática de normativa. Ele explica ainda que "a defi nição programática torna claro que o método está lá para um propósito, geralmente meliorista e reformando". Defi nições e terminologias não existem no vácuo. Do ponto de vista bourdieuiano de campo, defi nições, teorias e conceitos – como obras de arte – só podem ser plenamente compreendidos em relação à posição mantida no campo intelectual por aqueles que os produziram (BOURDIEU, 1993). Como Cowen (1990, p. 333) adverte, [...] as defi nições acadêmicas [de educação comparada por educadores comparativos] devem ser observadas, mas também devem ser entendidas como refl etindo alguns dos contextos institucionais, sociais e políticos de seu trabalho. Essa contextualização social da educação comparada conduz a diferentes educações comparadas em diferentes partes do mundo. Anweiler (1977, p. 110) argumenta ainda que "as defi nições teóricas do sujeito são o resultado de desenvolvimentos práticos e as questões de pesquisa que emergem desses". Primeiro, a defi nição estipulativa especifi ca como um termo deve ser usado. Segundo, a defi nição descritiva resume os usos anteriores do termo. E em terceiro lugar, a defi nição programática promove um programa de ação, que conota uma dimensão moral e prática. 53 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 As defi nições são, portanto, posicionais. Elas são formuladas por pessoas que ocupam diferentes locais dentro do campo intelectual, dando-lhes o poder simbólico para defi nir e delimitar os limites e objetos de estudo de seu campo. Esses intelectuais percebem a realidade em um determinado momento e se dirigem a um determinado público. Isso não quer dizer que todas as defi nições são subjetivas e relativas, ou que não têm valor generalizável como abstrações conceituais. A cautela deve, no entanto, ser exercida ao lê-las e interpretá-las. Atividade de Estudos: 1) Comente sobre os três tipos de defi nições propostos por Ruscoe e Nelson. _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ O Discurso e a Educação Comparada O discurso, sob uma perspectiva foucaultiana, refere-se a todo o conjunto de declarações sobre um tópico, que estabelecem as condições da verdade dentro de um período histórico específi co (FOUCAULT, 2003). Essas declarações podem compreender palavras, gráfi cos ou símbolos orais ou escritos, ou seja, textos (FOUCAULT, 2008). As formações discursivas contribuem para a construção de disciplinas acadêmicas, organizando ideias e produzindo "objetos de conhecimento". Transpondo essas ideias para o campo da educação comparada, Mehta e Ninnes (2003) argumentaram que, uma vez que o discurso molda e constrói as relações de poder, tem efeitos materiais, como a construção da "verdade" sobre os limites do campo. Os discursos particulares de indivíduos proeminentes no campo infl uenciam a formação intelectual do campo. Assim, a resposta de Ninnes (2004, p. 44) à pergunta, o que é educação comparada? "É o que os educadores comparativos e outras pessoas que se envolvem com o campo dizem que é [...] Como outras disciplinas, a educação comparada é construída através do processo de pessoas falando e escrevendo sobre sua ‘natureza’". O discurso, sob uma perspectiva foucaultiana, refere- se a todo o conjunto de declarações sobre um tópico, que estabelecem as condições da verdade dentro de um período histórico específi co 54 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA A Disciplina e o Campo Desde uma postura realista, uma disciplina é normalmente identifi cada por essas características epistemológicas: um objeto comum, perspectiva, critérios de verdade, estrutura conceitual e integração teórica, métodos e habilidades, e produtos de conhecimento. Em contraste, um campo é unifi cado por um objeto material comum ou fenômenos de estudo, ou uma busca prática comum. As abordagens que um campo usa para estudar seu objeto próprio são múltiplas e são extraídas de mais de uma disciplina (HIRST, 1974). Além disso, Becher e Trowler (2001) concebem uma disciplina acadêmica como resultado de uma interação mutuamente dependente da força estrutural do caráter epistemológico das disciplinas que condiciona a cultura e a capacidade de indivíduos e grupos como agentes de ação autônoma, incluindo atos interpretativos. Assim, as características epistemológicas estruturam o campo, tal como os fatores sociológicos de estrutura, agência e discurso. Do ponto de vista crítico, no entanto, disciplinas e campos são vistos como sítios de contestação para o poder. Como aludidos anteriormente, Foucault (1972) vê as disciplinas como formações discursivas historicamente contingentes, compostas por elementos heterogêneos. As disciplinas emergem das lutas de poder e constituem relações de poder. Bourdieu (1968) também vê o campo intelectual como incorporado em campos do poder, defi nindo-o como um sistema dinâmico de posições e oposições entre os agentes, que moldam o campo através de sua concorrência sobre o capital valorizado, a fi m de obter distinção para o seu trabalho intelectual. Bourdieu alega ainda que a discussão sobre o cânon de um campo (por exemplo, o cânone literário)é um "sítio e estaca de disputa, pois grupos diferentes argumentaram por seu rearranjo ao longo de linhas mais favoráveis aos seus interesses e agendas divergentes" (JOHNSON, 1993, p. 19). Para Bourdieu, aqui está a própria dinâmica de mudança no campo, pois o que está sempre em jogo é a defi nição legítima de campo e da prática de campo. As características epistemológicas estruturam o campo, tal como os fatores sociológicos de estrutura, agência e discurso. A Comparação Simples e CompleXa Schriewer (2002, p. 19) distingue entre comparações "simples" e "complexas". Comparação simples, "como uma operação mental universal incorporada na vida social cotidiana, [...] [está voltada para] estabelecer relações entre fatos observáveis". Em contraste, a comparação complexa é um método científi co social destinado a "estabelecer relações entre relações". Esta última operação diz respeito às "relações entre áreas de objeto ou níveis de sistema variáveis e à confi guração dessas em relação uma à outra". A comparação, em seu uso como método científi co social, é pertinente para a compreensão da natureza da educação comparada. 55 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 Educação Comparada: uma Disciplina, um Campo, um MÉtodo? Kelly, Altbach e Arnove (1982) descrevem a crise intelectual em que a educação comparada entrou na década de 1960 como aquela que se resumiu a responder às questões: O que é educação comparada? É realmente um campo de estudo distinto? Isso estimulou novos debates centrados em cinco questões principais: • a educação comparada é defi nida pelo método ou pelo conteúdo? • se por conteúdo, então, do que deve esse conteúdo específi co consistir? • se o conteúdo específi co da educação comparada é constituído pelas relações escola/sociedade, então, como é distinto de disciplinas relativas que estudam conteúdo semelhante? • se o foco específi co é apenas em fenômenos escolares separados do contexto, então, como é distinta da psicologia educacional, administração educacional ou currículo e instrução? • qual contribuição distinta a educação comparada traz para a formação de políticas e para a formação de professores? Essa preocupação com o reconhecimento acadêmico como uma ciência social com uma metodologia distinta gerou uma literatura substancial (PRICE, 1992). Embora, quase seis décadas se passaram, desde que a educação comparada entrou nesta crise de identidade, o debate está longe de ser resolvido e a questão "o que é educação comparada" continua sendo perguntada, como se pode ver nos trabalhos de Carnoy (2006), Bray (2015), Kubow e Fossum (2007). Wolhuter (2008, p. 323) descreve grafi camente a realidade desta condição, recordando que, quando Erwin H. Epstein, iniciando sua apresentação no XI Congresso Mundial na Coreia em 2001, perguntou: "O que é educação comparada?", sua pergunta foi atendida por um silêncio de uma audiência de comparativistas eminentes. Nesta seção, será traçado o discurso sobre esta questão em duas etapas: primeiramente, serão examinados o discurso sobre o objeto específi co, o propósito e o método da educação comparada, a fi m de sustentar ainda mais o argumento quanto à sua natureza. Conforme observado anteriormente, enquanto um campo deve ter pelo menos um objeto material comum ou um propósito prático comum, as disciplinas requerem, além disso, um método comum e uma base teórica. Depois de ter estabelecido o objeto específi co, propósitos e métodos da educação comparada, será defi nido de forma mais conclusiva o que ela é. Assim, na segunda parte, serão avaliadas as declarações de comparativistas que 56 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA tentaram justifi car se a educação comparada é uma disciplina, um campo, um método ou outras classifi cações, e faremos esta avalição à luz das conclusões da primeira parte. Vários estudiosos, como Jones (1971), Kelly, Altbach e Arnove (1982), e García Garrido (1996), resumiram o debate sobre a natureza da educação comparada nesse sentido. Entre as categorias pertinentes, costumavam classifi car as diferentes defi nições da educação comparada: por conteúdo ou objeto de estudo, por método, e por propósitos. Estas são, portanto, as três categorias que adotaremos na primeira parte desta seção. Como em qualquer trabalho classifi catório, existe o perigo de pensar em termos rígidos e exclusivos. As defi nições da educação comparada por um único autor nem sempre se enquadram perfeitamente em uma única categoria, mas às vezes se estendem a outras categorias. Seguindo alguns predecessores neste trabalho, tentou-se classifi car as defi nições dadas pelos comparativistas de acordo com o(s) principal(ais) recurso(s) de cada um, ou o que Kirkwood (2001) se refere como "ênfase do autor". Assim, se alguém defi nir a educação comparada, dando mais ênfase ao seu "método comparativo" como característica defi nidora, mesmo que ele enumere vários objetos de estudo, serão categorizados essa defi nição como "defi nida pelo método". Entre as categorias pertinentes, costumavam classifi car as diferentes defi nições da educação comparada: por conteúdo ou objeto de estudo, por método, e por propósitos. Educação Comparada Definida pelo ObJeto García Garrido (1996, p. 92-96) classifi ca o debate sobre o objeto da educação comparada em seis posições principais: • não existe um objeto específi co e, portanto, não há ciência comparativa da educação. É apenas uma metodologia - a metodologia comparativa - aplicada à educação; • existe uma ciência comparativa da educação, que é o método comparativo aplicado aos problemas educacionais; • existe uma ciência comparativa da educação porque tem um objeto específi co, embora sua metodologia não seja adequada; • a educação comparada é substancialmente "geografi a da educação"; • a educação comparada é substancialmente "história comparativa da educação contemporânea"; • a educação comparada é o estudo comparativo dos sistemas educacionais que operam no mundo de hoje. 57 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 Nesta seção, será focada na terceira, na quarta e na sexta posição, que especifi cam o objeto da educação comparada, e serão deixados os outros pontos para discussão em seções posteriores deste capítulo. Há aqueles que afi rmam que a educação comparada é uma ciência porque tem um objeto específi co, mas não um método específi co. A suposição é que, para uma ciência, o que importa é o objeto, e não o método. Lê Thành Khôi (1981 apud GARCÍA GARRIDO, 1996, p. 94) defi ne o objeto da educação comparada como “a comparação de fatos/ realidades educacionais e de suas relações com seu meio ambiente”. García Garrido ressalta, no entanto, a questão problema de defi nir como objeto da educação comparada o ato de comparação per se. A este respeito, a defi nição avançada por Olivera (2009) distingue os objetos materiais e formais da educação comparada. Ele afi rma que a educação comparada é a disciplina que investiga, através de uma abordagem comparativa, fenômenos educacionais globais ou particulares em duas ou mais sociedades ou agrupamentos humanos em relação a suas semelhanças e diferenças e sua interação com seus respectivos ambientes sociais. Alguns outros estudiosos, como Debesse e Mialaret (1974 apud GARCÍA GARRIDO, 1996, p. 94), defi nem a educação comparada como "geografi a da educação", cujo objeto é países ou nações vistas do ponto de vista de sua organização educacional. O método descritivo é adotado nestes estudos. Fletcher (1974, p. 353) faz eco da visão de que a educação comparada se distingue fundamentalmente por "sua orientação geográfi ca, na sua preocupação com a análise ecológica e a diferenciação aérea". Bereday (1972) também usa o termo "geografi a educacional" para enfatizar a orientação espacial do objeto de estudo da educação comparada,mas ele não vê a educação comparada como apenas uma atividade descritiva. Kaloyiannaki e Kazamias (2012) fazem assim uma distinção entre Auslandspädagogik (descrição de práticas educacionais estrangeiras) e educação comparada, que tenta entender a educação em seu contexto social. A última posição citada por García Garrido (1996, p. 95) defi ne a educação comparada como o estudo comparativo dos sistemas educacionais. Afi rma que esta é a defi nição comum de educação comparada e uma que ele compartilha também. O objetivo específi co da educação comparada é o sistema educacional. Este objeto não é estudado por nenhuma outra ciência da educação, mesmo que algumas (por exemplo, a sociologia da educação e a pedagogia geral) o incluíram como parte de seus currículos. Mas o autor reconhece que os "sistemas educacionais" são um conceito problema. E ainda, usa sistemas educacionais no sentido Há aqueles que afi rmam que a educação comparada é uma ciência porque tem um objeto específi co, mas não um método específi co. O objetivo específi co da educação comparada é o sistema educacional. 58 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA amplo: como um sistema, ou alguns de seus aspectos ou partes ou problemas. Ele classifi ca dois usos principais do termo (GARCIA GARRIDO, 1996, p. 102): entendidos como "sistemas educacionais nacionais", como também vemos em Hans (1971, 2012); e entendidos na prática, devido ao trabalho de organizações internacionais, como "sistemas de escolas públicas". Finalmente, ressalta que o debate sobre o objeto próprio da educação comparada não é conclusivo. Além disso, Martínez (2003, p. 32) revisou as defi nições por uma variedade de autores, alguns dos quais não são geralmente citados na literatura anglo-americana. Ele incluiu Schneider (1964), Lauwerys (1974), Vexliard (1970), Quintana (1983) e Raventos (1990). Concluiu que os objetos que defi nem a educação comparada são: sistemas educacionais, política educacional, problemas educacionais e processos educacionais. Os objetos específi cos da educação comparada, que até agora foram identifi cados, variam desde a comparação geral, de fatos educacionais, até a específi ca, dos sistemas educacionais nacionais. Outros estudiosos destacam diferentes aspectos deste objeto, como as relações transnacionais ou entre a escola-sociedade. Listados a seguir, categorizados de acordo com as características salientes do objeto da educação comparada em que se concentram. Também serão exploradas posições alternativas sobre o objeto mais amplo da educação comparada e recapitulamos os elementos comuns, observando-os através das "ideias unitárias" de Cowen (2012). a) O campo transnacional ou transcultural Kazamias e Massialas (1965, p. 14) descrevem o tema da educação comparada como "coincidente com o tema da educação em si", exceto que a educação comparada "ultrapassa os limites da educação em uma nação, sociedade ou grupo, e usa métodos e técnicas transnacionais ou transculturais". Trethewey (1976) compara as defi nições ou descrições do campo da educação comparada por Bereday (1972), Kandel (1961) e Noah e Eckstein (1970) e conclui que sua semelhança está em uma ênfase transnacional ou transcultural no estudo da educação e dos sistemas educacionais. Outros autores que adotam essa posição são Mallinson (1975) e Parkyn (1977). Parkyn afi rma que o objeto de estudo é o que distingue a educação comparada de outras disciplinas comparativas: No sentido particular em que ele (comparativo) é usado no termo educação comparada, a limitação usual de signifi cado é que o que está sendo comparado são aspectos da educação que são evidenciados em diferentes sociedades, culturas Os objetos que defi nem a educação comparada são: sistemas educacionais, política educacional, problemas educacionais e processos educacionais. 59 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 ou estados [...] Os problemas e tópicos a serem estudados são, então, educacionais, não simplesmente sociológicos, psicológicos, econômicos, fi losófi cos, etc. Além disso, eles devem ser estudados comparativamente entre sociedades e culturas, pois um dos principais propósitos desse estudo é derivar generalizações válidas em todos os sistemas educacionais (PARKYN, 1977, p. 89-90). Epstein (1994, p. 918) usa um termo mais genérico na defi nição do objeto da educação comparada como "estudo transsocietal da educação", comparando-a com outros campos de estudo acadêmico que são dedicados ao estudo transsocietal de outras instituições sociais, como política comparada, economia comparada e religião comparada. O autor também considera, segundo Maria Manzon (2011), as comparações explícitas e implícitas como objetos aceitáveis, em que a comparação explícita tem duas ou mais unidades de análise (sociedades ou períodos históricos), enquanto a comparação implícita se refere à pesquisa em uma determinada sociedade ou período histórico, mas onde o esquema analítico pode ser estendido a problemas em outras sociedades e períodos. Phillips e Schweisfurth (2006, p. 24) defi nem a educação comparada como "o estudo de quaisquer aspectos dos fenômenos educacionais em duas ou mais confi gurações nacionais ou regionais diferentes, nas quais são feitas tentativas para tirar conclusões de uma comparação sistemática dos fenômenos em questão". Sua defi nição requer explicitamente um enfoque comparativo transnacional ou transregional. b) O campo das relações escola-sociedade Estudiosos como Anderson (1961), Noah e Eckstein (1970), Kneller (1972) e Khôi (1981) divergem daqueles que consideram que o sistema educacional nacional é a principal unidade de análise na educação comparada. Em vez disso, eles consideram que as relações escola-sociedade – a relação dos sistemas escolares com os sistemas nacionais de estratifi cação social – é o conteúdo essencial da educação comparada (KELLY; ALTBACH; ARNOVE, 1982; MARTÍNEZ, 2003). Anderson defi ne a educação comparada amplamente como a "comparação transcultural da estrutura, operação, objetivos, métodos e realizações de vários sistemas educacionais e os correlatos societários desses sistemas educacionais e seus elementos" (1961, p.4). Além disso, ele delimita o conteúdo do campo dessa forma: A comparação explícita tem duas ou mais unidades de análise (sociedades ou períodos históricos), enquanto a comparação implícita se refere à pesquisa em uma determinada sociedade ou período histórico, mas onde o esquema analítico pode ser estendido a problemas em outras sociedades e períodos. 60 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA O campo poderia ser defi nido em termos de seu conteúdo – relações escola/sociedade, que poderiam ser estudadas utilizando metodologias derivadas da história e das ciências sociais, incluindo economia, ciências políticas, sociologia e antropologia. Nenhum método poderia abranger o campo ou defi ni-lo. Além disso, o trabalho na educação comparada não necessariamente tem que ser comparativo. Estudos aprofundados de fenômenos educacionais dentro de um país foram úteis na identifi cação das relações escola/sociedade, que então poderiam ser verifi cadas através de testes em outros contextos nacionais (apud KELLY; ALTBACH; ARNOVE, 1982, p. 513). Este último ponto, sobre os estudos de unidade única que se qualifi cam como trabalho comparativo, é ecoado por editores anteriores do periódico Comparative Education Review (EPSTEIN, 1992; RUST, 2001). Esta posição, pode-se argumentar, enfraquece por diluição a identidade da educação comparada ao tratar todos esses estudos como "implicitamente comparativos". É preciso perguntar, então, o que não é comparativo? No entanto, não há unanimidade sobre este ponto e a visão mais comum seja talvez a comparação explícita entre sistemas educacionais ou problemas em dois ou mais contextos (nacionais)(RUST, 2001, p. iii). Isso não quer dizer, no entanto, que ter duas ou mais unidades de comparação seriam sufi cientes para constituir um estudo de "educação comparada". Cowen (2008) afi rma que a adoção de uma forma "A versus B" não é um estudo de educação comparada, a menos que também tenha uma episteme específi ca: uma abordagem disciplinar ou enquadramento intelectual. c) Alargando o objeto na década de 1980 Ferrán Ferrer (2002, p. 49-50) enumera quatro mudanças principais (das quais serão listadas três, uma vez que a quarta poderia ser combinada com a primeira) que impactaram na ampliação do objeto da educação comparada de seus objetos tradicionais, os sistemas educacionais. Em primeiro lugar, as consequências da globalização para a educação levaram muitos a questionarem a relevância do estado-nação em assuntos educacionais, como se pode ver em Dale (2002), Arnove e Torres (2007). Green (2003, p. 95) afi rma que a globalização criou novos "espaços educacionais que pertencem exclusivamente a nações nem sistemas". Ferrán Ferrer refere-se, em segundo lugar, a uma maior ênfase em alguns aspectos dos sistemas educacionais, como os discursos próprios de cada sistema educacional, como se percebe, por exemplo, em Schriewer (2009). Uma terceira mudança observada por Ferrán Ferrer é o aumento da importância atribuída à história, em contraste com a ênfase predominantemente sociológica nos estudos de educação comparada e, em particular, nas comparações sócio- históricas, vistas, por exemplo, em Nóvoa (2002). A adoção de uma forma “A versus B” não é um estudo de educação comparada, a menos que também tenha uma episteme específi ca: uma abordagem disciplinar ou enquadramento intelectual. 61 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 Assista ao vídeo da palestra de António Nóvoa sobre a comparação em educação entre Portugal e a Europa. Palestra disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=nvCdMZg1oYw>. Ferrán Ferrer (2002, p. 50) conclui que todas essas novas abordagens ainda tomam o sistema educacional como um ponto de referência, mas o enriquecem com novas abordagens e análises que permitem uma melhor compreensão de sua natureza complexa. Além de referências comuns ao estado-nação como autor de seu sistema educacional (nacional), Ferrán Ferrer (2002, p. 51) cita vários autores que propõem diferentes classifi cações de sistemas educacionais: Khôi (1981) os classifi ca em padrões supranacionais, e níveis de comparação internacionais e intranacionais; Halls (1990) os classifi ca em comparações entre estados-nações, sistemas mundiais, sistemas ideológicos, regiões do mundo, de acordo com os níveis de prosperidade econômica e locais ou intranacionais. Bray e Thomas (1995) traçaram em um cubo objetos de comparação (aspectos da educação e da sociedade), contextos locacionais/geográfi cos (das regiões do mundo até unidades intranacionais, como estados, distritos, escolas, salas de aula e indivíduos), e grupos demográfi cos (por exemplo, grupos minoritários, grupos religiosos, população inteira). Um volume mais recente de Bray, Adamson e Mason (2015) oferece novos entendimentos das unidades de comparação mais estabelecidas – locais, sistemas, tempo –, bem como outras unidades, como culturas, valores, políticas, currículos, desempenhos educacionais, organizações educacionais, formas de aprendizagem e inovações pedagógicas. Eles encorajam análises comparativas de vários níveis e retratam diferentes modelos, incluindo a comparação de duas localizações; de uma localização focal com outros locais, conforme apropriado; e de múltiplas localizações. Enquanto esses novos focos e abordagens são perspicazes, em retrospectiva, pode-se concordar com Mason (2008) ao argumentar que o cubo de Bray e Thomas endossa e provavelmente contribui para legitimar uma diluição da natureza distinta da educação comparada, precisamente devido à sua defesa de um objeto mais amplo de comparação, passando das unidades transnacionais tradicionais de análise para as unidades intranacionais de análise. Até certo ponto, isso pode ser interpretado muito amplamente até o ponto de eclipsar o elemento transnacional. Pode-se afi rmar, no entanto, que ambos os objetos – sistemas educacionais transnacionais e transculturais – e o uso explícito da metodologia comparativa devem estar presentes para que um estudo seja categorizado de forma distinta como "educação comparada". Se o elemento transnacional ou 62 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA internacional estiver ausente, então a natureza distintiva da educação comparada torna-se desfocada e a comparação pode se tornar uma atividade "pedestre": qualquer outro pesquisador educacional pode e realmente compara duas salas de aula na mesma escola ou salas de aula em uma única cidade ou estado de origem, antes e depois de uma experiência pedagógica. Qualquer outro sociólogo da educação pode e realmente compara as políticas e práticas de educação de minoria em dois estados do mesmo país, e assim por diante. A comparação é, de todas formas, parte integrante da investigação científi ca. Mas o que diferencia a educação comparada de ramos de estudos educacionais que também utilizam o método comparativo? Poderia se argumentar que são os "contextos espaciais" em que se encontra um objeto "educacional" de comparação – o transnacional – que faz a diferença. Tanto os contextos transnacionais (a questão de "onde") e a metodologia comparativa explícita estão entre os elementos sine qua non que fazem da educação comparada um subcampo distinto de estudos de educação. Existem outros elementos, que discutiremos na próxima seção. As defi nições de educação comparada revisadas acima até agora identifi caram o objeto do campo como educação, questões educacionais e problemas, e mais especifi camente, sistemas educacionais vistos de uma perspectiva transnacional. As comparações explícitas implicam que o número de objetos de comparação é mais do que um (além de uma nação, sociedade ou grupo), embora alguns considerem os estudos de unidade única também como "comparativos", desde que sejam enquadrados em uma perspectiva comparativa (EPSTEIN, 1994). No entanto, vários estudiosos reconhecem que o "sistema educacional" é um conceito complexo, cuja compreensão continua a ser debatida, como sugerem os estudiosos García Garrido (1996), Ferrán Ferrer (2002) e Bray e Jiang (2015). Para a conclusão desta seção sobre o objeto específi co da educação comparada, retorna-se para a análise bastante compreensiva de Cowen sobre a questão. d) As "ideias-unidade” da educação comparada de Robert Cowen Robert Cowen (2012) sugere que um conjunto de ideias centrais sirva para enquadrar intelectualmente a educação comparativa, dando-lhe alguma continuidade em suas histórias variadas e aparentemente descontínuas. Essas "ideias-unidade" são: espaço, tempo, estado, sistema educacional, identidade educada, contexto social, transferência e práxis. Ele argumenta que a educação comparada acadêmica tipicamente trabalha com uma combinação dessas ideias nucleares, as quais adquirem diferentes ênfases e signifi cados ao longo do tempo, Tanto os contextos transnacionais (a questão de “onde”) e a metodologia comparativa explícita estão entre os elementos sine qua non que fazem da educação comparada um subcampo distinto de estudos de educação. 63 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 em resposta a variados contextos políticos e contextos disciplinares e interesses dos autores. Segundo ele, um tema nuclear da educação comparada é o das relações triádicas entre transferência, tradução e transformação, que ele defi ne assim (COWEN, 2006, p. 566): A transferência é o movimento de uma ideia ou prática educativa em espaço supranacional ou transnacional ou internacional; A tradução é a mudança de forma das instituiçõeseducacionais ou a reinterpretação de ideias educacionais que rotineiramente ocorrem com a transferência no espaço; As transformações são as metamorfoses que a compressão do poder social e econômico na educação no novo contexto impõe à tradução inicial: isto é, uma série de transformações que cobrem tanto a indigenização quanto a extinção da forma traduzida. Com base nesses elementos, ele propõe uma agenda permanente da educação comparada acadêmica como aquela de revelar as compressões do poder social, econômico e cultural nas formas educacionais, especialmente nos momentos mais visíveis de transferência, tradução e transformação (COWEN, 2012). Ele também defi ne a educação comparada acadêmica como o estudo universitário de padrões educacionais como parte das relações políticas e econômicas internacionais. Por uma boa educação comparada, ele propõe um esforço universitário para entender a problemática de C. Wright Mills sobre a interseção da história, estrutura social e biografi as individuais (COWEN, 2008). Atividade de Estudos: 1) Como poderíamos defi nir a educação comparada pelo seu objeto? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 64 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Educação Comparada Definida pelo MÉtodo Enquanto a maioria dos estudiosos citados defi ne educação comparada por seu objeto e do que consiste esse objeto, há aqueles que argumentam que a educação comparada deve ser defi nida pelo seu método: o método comparativo. Defensores dessa posição incluem Bereday (1972), Tusquets (1969), Brembeck (1975) e Green (2003). Em seu livro clássico, Método Comparativo na Educação, Bereday (1972, p. ix) defi ne a educação comparada como "o levantamento analítico dos sistemas educacionais estrangeiros". Embora defi nida por seu método, Bereday reconheceu que a educação comparada tinha que confi ar em uma série de métodos de outras disciplinas. Tusquets (1969, p.18) afi rma que "a pedagogia comparada é substancialmente um método". Vexliard (1970 apud MARTÍNEZ, 2003, p. 30-31) observa ainda que "a pedagogia comparada é uma disciplina que investiga e tenta obter novos conhecimentos, tanto teóricos como práticos, por meios de justaposição de dois ou mais sistemas educacionais em diferentes países, regiões ou diferentes períodos históricos". Brembeck (1975) enfatiza que a chave para delimitar a educação comparada é a palavra "comparativa": Defi no amplamente o campo da educação comparada e internacional: é o estudo comparativo dos fenômenos educacionais, formal e não formal, doméstico e internacional. Para mim, a palavra-chave é ‘comparativa’, em vez de ‘internacional’. Por ‘estudo’, quero dizer incluir a pesquisa e a prática auto-examinada, tanto do erudito como do praticante. Por ‘doméstico’, quero dizer que devemos estar tão preocupados com os estudos comparativos ‘aqui’, como estamos ‘lá’. Por ‘internacional’, quero dizer incluir estudo comparativo, tanto em fronteiras nacionais quanto dentro de fronteiras estrangeiras. (BREMBECK, 1975, p. 371). Finalmente, Green (2003) lembra a necessidade da educação comparada ter uma metodologia distintamente comparativa para identifi car o seu território acadêmico: A educação comparada precisa comparar e fazer isso de forma sistemática, se for para evitar a acusação de que muitas vezes degenera em um catálogo de contos de viajantes, defesa de políticas e diretrizes, e racionalização oportunista A educação comparada tinha que confi ar em uma série de métodos de outras disciplinas. 65 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 de empréstimos de políticas e diretrizes não científi cas. Uma maneira de fazê-lo é extrair mais sobre a corrente principal da história comparada e da pesquisa de ciências sociais para seus conceitos, metodologia e evidência. (GREEN, 2003, p. 95). Alguns estudiosos são, no entanto, cautelosos sobre a defi nição da educação comparada a partir de seu método somente. Jones (1971) observa a relação interligada entre o método e a fi nalidade ou propósito. Anweiler (1977), entretanto, destaca a interdependência entre o método e o objeto (objeto de estudo) e argumenta que o método de comparação mostra-se um procedimento científi co, que [...] não explica adequadamente a natureza especial da educação comparada, [...] mas é exigida pelo objeto. Percebida como tal, a controvérsia sobre a prioridade de ‘Objeto’ ou ‘Método’ na educação comparada torna-se sem sentido. (ANWEILER, 1977, p. 113). Enquanto isso, Hörner (2000) observa que o debate sobre se a educação comparada é defi nida pelo seu objeto ou pelo seu método, está enraizado na lógica da linguagem, particularmente a língua alemã. Ele observa que em francês, o termo éducation comparée nomeia o objeto de investigação (educação), unido a um particípio passado para designar que o objeto já foi comparado (método). Algo parecido ocorre nas versões espanhola, italiana e portuguesa do termo (educación comparada, educazione comparata e educação comparada). Nessas línguas, portanto, o objeto e o método são unidos e inseparáveis. Mas em inglês e alemão, e talvez em outras línguas, essas nuances semânticas são menos abertas, dando origem a tais debates. Um defensor contemporâneo da visão de que a educação comparada é defi nida pelo método é Mason (2008), que afi rma que a educação comparada é um subcampo metodologicamente e não substantivamente distinto de estudos da educação. Com a argumentação lógica, ele demonstra que a educação comparada não possui conteúdo que seja substancialmente distinto ou que possa ser mais amplamente defi nido do que o campo de estudos da educação e que "tudo o que o distingue do campo de estudos da educação é o explícito uso do método comparativo" (MASON, 2008, p.1). Em outras palavras, o conteúdo substantivo ou objeto da educação comparada é coextensivo com aquele dos estudos da educação. Destarte, serão examinados detalhadamente as alegações de Mason, do mesmo modo utilizando a argumentação lógica, para responder à pergunta: É possível isolar a educação comparada como campo ou subcampo de estudos da educação, e, em caso afi rmativo, em que fundamentos? É apenas por motivos de distinção metodológica ou também de distinção substantiva? A educação comparada não possui conteúdo que seja substancialmente distinto ou que possa ser mais amplamente defi nido do que o campo de estudos da educação 66 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA De acordo com Mason (2008), duas condições devem ser atendidas para a defi nição de educação comparada e sua delimitação como campo ou subcampo de estudos da educação. Em primeiro lugar, deve ter uma característica necessária ou essencial (isto é, todos os aspectos da educação comparada exibem isso) e, em segundo lugar, uma característica sufi ciente ou singular (ou seja, apenas a educação comparada contém isso). Ele afi rma que os aspectos necessários e sufi cientes da educação comparada são: seu conteúdo/substância trata da educação e seu método é comparativo. Assim, o conteúdo ou substância essencial da educação comparada não pode ser mais amplamente defi nido do que o dos estudos educacionais, mas está circunscrito dentro dos limites dos estudos educacionais. O único aspecto singular da educação comparada, distinguindo-a dos estudos educacionais, é o (uso explícito do) método comparativo. Ele conclui, portanto, que o campo da educação comparada não é um campo substancialmente distinto de estudos da educação, mas um subcampo metodologicamente distinto de estudos da educação. Pode-se concordar com Mason nas premissas de sua conclusão: que o objeto necessário da educação comparada se enquadra dentro, nãofora, no escopo dos estudos educacionais; e que seu tratamento exclusivo deste objeto é através da aplicação do método comparativo ou métodos (uma vez que não existe apenas um método usado na educação comparada). Contudo, pode-se discordar com sua visão reducionista da educação comparada como apenas um campo metodologicamente distinto de estudos da educação. Ou seja, pode- se argumentar que, apesar de ser um método/abordagem útil, não é apenas ou meramente isso, mas também um campo distinto. Primeiramente, o conteúdo da educação comparada é a educação é inegável. Se fosse de outra forma, fora dos estudos de educação, então não seria educação comparada. Ao contrário das disciplinas da história, da fi losofi a, da sociologia e da psicologia, que se situam fora dos estudos educacionais; e cuja interseção com estes produzem esses subcampos como a história da educação, a fi losofi a da educação e assim por diante; não existe um "campo comparativo" que se situe fora dos estudos de educação (ou fora de qualquer disciplina) e apenas parcialmente se intercepta com ele. Assim, não se pode falar de um "comparativo da educação" ou de um "comparativo da história". Além disso, não seriam capazes de saber de algo sobre educação que se situe totalmente fora do domínio dos estudos de educação. Se algo estudado comparativamente fosse se situar fora dos estudos de educação, então seria "x" comparado: portanto, se seu objeto é um sistema jurídico, então seria o direito comparado. A educação comparada é sobre educação. Mas, não são os estudos de educação O objeto necessário da educação comparada se enquadra dentro, não fora, no escopo dos estudos educacionais; e que seu tratamento exclusivo deste objeto é através da aplicação do método comparativo ou métodos Os princípios de diferenciação no plano teórico podem ser redutíveis a estes três: um objeto de estudo mais estreito (fragmentação ou especialização do objeto), abordagens metodológicas ou disciplinares alternativas e/ou especializadas e razões teleológicas (propósito/ fi nalidade). 67 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 e seus subcampos também sobre educação? Não há outros círculos menores – subcampos – dentro do grande círculo de estudos de educação? Nem todos os estudos de educação são comparativos, assim como nem todos os estudos são sociológicos, históricos ou fi losófi cos. Mas essas subespecializações não são unifi cadas pelo denominador comum de "educação" ou o fenômeno educacional como objeto de estudo? A questão que precisa ser feita talvez seja: o que, então, diferencia os estudos de educação dos subcampos que o constituem? Pode-se argumentar que os princípios de diferenciação no plano teórico podem ser redutíveis a estes três: um objeto de estudo mais estreito (fragmentação ou especialização do objeto), abordagens metodológicas ou disciplinares alternativas e/ou especializadas e razões teleológicas (propósito/fi nalidade). Em termos da fragmentação do objeto, a Educação Especial é um subcampo especializado, assim como a Educação Infantil. Em termos teleológicos, a Teoria da Educação diferiria da Didática. Finalmente, em termos da diferenciação disciplinar, existem os subcampos da Psicologia da Educação ou História da Educação, por exemplo, que são o resultado da interseção entre psicologia ou história com os estudos de educação. A especialização do objeto permite aprofundar ou ampliar a compreensão das realidades educacionais e o domínio das habilidades em pedagogia e organização e política educacional. Neste contexto, é possível afi rmar que a educação comparada merece um lugar legítimo como um subcampo distinto de estudos educacionais sobre esses três fundamentos: especialização do objeto, abordagens metodológicas e (inter)disciplinares e teleologia. Em termos da especialização do objeto, a educação comparada pode reivindicar um objeto mais estreito do que o dos estudos educacionais como um todo. Assim, em contraste com Mason (2008), que afi rma que o conteúdo da educação comparada é tão amplo quanto os estudos de educação, e que os dois domínios são apenas distinguidos metodologicamente, García Garrido (1996) expressa cautela sobre defi nir a educação comparada por meio de seu método somente, de alegar que consiste fundamentalmente na aplicação do método comparativo à educação. Em sua opinião, esta posição poderia levar a duas aporias: primeiro, poderia levar a uma interpretação muito ampla do alcance da educação comparada, que todos os estudos comparativos em educação (por exemplo, em psicologia da educação, sociologia da educação, história da educação etc.) são redutíveis à educação comparada. Por outro lado, isso também poderia levar a uma redução do alcance da educação comparada, ou a uma diluição de sua natureza distintiva, privando-a de autonomia legítima de 68 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA outros subcampos de estudos educacionais. Ele, portanto, propõe que método e objeto deveriam juntamente defi nir o campo: A educação comparada precisa ter, além de uma metodologia específi ca, um objeto específi co de estudo. Seu objeto não pode ser a educação em geral, ou tudo que está relacionado à educação. A maioria dos comparativistas concorda que este objeto específi co é o sistema educacional. Mas o problema reside na compreensão do que signifi ca ‘sistema educacional’ (GARCÍA GARRIDO, 1996, p. 100-102). Partindo da posição de Cowen (1982), pode-se afi rmar que o conteúdo substantivo da educação comparada é o fenômeno educacional em outros lugares, geralmente em duas ou mais nações, e mais especifi camente, examina sistemas educacionais e suas relações com fenômenos intra e extraeducacionais. O objeto específi co da educação comparada envolve, portanto, uma dimensão da Outridade (comumente transcultural, transnacional, transregional, transsocietal) do sistema educacional, cuja dimensão os estudos educacionais englobam implicitamente, mas não abordam de forma explícita e tão extensivamente quanto a educação comparada. Teoricamente, estudos da educação ou educologia (OLIVERA, 1988) examinam a realidade educacional na sua totalidade, abstraída das dimensões espacial, cultural e temporal e eliminando suas importantes diferenças, inter- relações e implicações consequentes. O subcampo substancialmente distinto da educação comparada destrincha o impacto de contextos espaciais e culturais em processos e instituições educacionais, assim como o subcampo da história da educação lida com o fator temporal. Assim, a educação comparada é necessariamente sobre educação, mas apenas a educação comparada lida sistematicamente de "outras educações" ou "outros sistemas educacionais", em particular, e as interações entre eles e seus ambientes. O conhecimento que contribui é diferente daquele dos estudos educacionais em geral, ou da psicologia da educação, dos estudos de políticas educacionais, da história da educação, mas existem sobreposições, uma vez que as educações comparadas se baseiam em diversas disciplinas. Isso leva a algumas observações sobre o segundo princípio da diferenciação, que podemos argumentar que reside na metodologia da educação comparada. A educação comparada, embora um subcampo metodologicamente distinto de estudos da educação, não possui um conjunto único de métodos. Além dos métodos comparativos (no plural), utiliza conceitos, teorias e abordagens metodológicas das ciências sociais e humanidades (história, linguística etc.), O conteúdo substantivo da educação comparada é o fenômeno educacional em outros lugares, geralmente em duas ou mais nações, e mais especifi camente, examina sistemas educacionais e suas relações com fenômenos intra e extraeducacionais. 69 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 bem como a educação. Além disso, a educação comparadadifere dos estudos educacionais em termos do número de unidades de fenômenos educacionais ou "educações" analisadas. Para comparações explícitas, são necessários dois ou mais sistemas educacionais. Mason (2008, p.4) afi rma que o que localizaria um estudo de "fatores que aprimoram a aprendizagem na escola”, dentro da educação comparada é se fosse um "estudo comparativo de fatores que aprimoram a aprendizagem". Assim, ele conclui que o critério metodológico, e não o critério substantivo, é o que distingue a educação comparada dos estudos educacionais. Contudo, poder-se-ia contra-argumentar que a comparação (sistemática) faz parte de toda investigação científi ca. Como pode ser então o fator único para delimitar o limite de um campo científi co de outro? O que diferenciaria a literatura comparada do direito comparado, se ambos usam o método comparativo? Mesmo dentro do círculo maior de estudos da educação, existem círculos menores que circunscrevem subcampos como psicologia da educação, sociologia da educação, história da educação etc., em que o método comparativo é usado sistematicamente. Como eles se distinguem uns dos outros e da educação comparada? Eles se tornam "educação comparada" quando comparam seus respectivos objetos de estudo ou um estudo de educação comparada é rotulado como "psicologia da educação" quando compara dois contextos desde uma perspectiva psicológica? Se, como afi rma Mason (2008, p. 5), "todos os tópicos substancialmente defi nidos no campo dos estudos educacionais podem ser pesquisados comparativamente", então não só "não existe um campo de educação comparada substancialmente distinto do campo de estudos da educação", mas a proposição obversa também sustentaria que não existe nenhum campo de estudos da educação que não seja potencialmente o campo da educação comparada. Como mencionado acima, García Garrido (1996, p. 101) identifi cou adequadamente a aporia que defi niu a educação comparada meramente ou apenas como um subcampo metodologicamente distinto, sem conteúdo distinto e necessário. Para resolver esse problema, postulamos que deve haver um coprincípio para o método comparativo que distingue um campo científi co de outro, um campo comparativo de outro e dois ou mais subcampos (de um campo originário) em que ambos usam o método comparativo entre si. Podemos argumentar que um objeto específi co de comparação deve servir como o coprincípio do método comparativo, ambos os princípios sendo elementos coconstitutivos essenciais para defi nir a substância distinta de qualquer campo. Assim, respondendo à afi rmação de Mason de que a educação comparada é apenas um subcampo metodologicamente distinto de estudos da educação, poder-se-ia contrariar dizendo que a educação comparada é um subcampo de estudos da educação tanto metodologicamente quanto substantivamente distinto. Mas, em que consiste o conteúdo substantivo distinto da educação comparada? 70 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Extraindo diversos elementos das defi nições oferecidas por vários estudiosos (COWEN, 1982; GARCÍA GARRIDO, 1996; EPSTEIN, 1994), pode-se provisoriamente defi nir a educação comparada como: O subcampo de estudos da educação que examina sistematicamente os sistemas educacionais e suas relações com fenômenos intra e extraeducacionais dentro e entre duas ou mais nações. Seu objeto específi co são os "sistemas educacionais" e as interações entre eles, examinados a partir de uma perspectiva transcultural (ou transnacional, transregional e transsocietal) através do uso sistemático do método comparativo. Um leitor cético pode conceder ao defi nido acima, mas apenas em parte, reconhecendo que no "mundo das ideias" (sentido platônico), esses argumentos fazem sentido, mas nem tanto assim no "mundo da realidade". Ele ou ela pode contra-argumentar que, no mundo real, a educação comparada exibe tanto uma falta de objetividade ou centralidade substantiva quanto metodológica, tal como endossado e legitimado pelo enquadramento de Bray e Thomas (1995) da análise da educação comparada. Pode-se de fato concordar que essa afi rmação é verdadeira, mas dever-se-ia apontar que um apelo a argumentos empíricos é um salto indefensável na argumentação lógica. Assim, reiterar-se-ia a posição de que é logicamente compreensível e desejável que um subcampo seja delineado não apenas por motivos metodológicos, mas também, e inseparavelmente, por motivos substantivos. Propõe-se, portanto, um terceiro princípio de diferenciação dentro dos estudos educacionais (e dentro de qualquer disciplina ou campo, para esse assunto): a teleologia. Jantsch (1970), ao declarar a característica singular da interdisciplinaridade, afi rma que esta introduz uma dimensão teleológica, um sentido de propósito que une várias disciplinas em um nível superior. Argumentar-se-ia, portanto, que a educação comparada é um subcampo substantivo e metodologicamente distinto de estudos da educação que, por sua interdisciplinaridade, fornece uma plataforma para o diálogo e a interação entre outros subcampos de estudos educacionais, e estes com outras disciplinas extraeducacionais. Conforme defi nido por Epstein (1994, p. 918), a educação comparada está preocupada com "problemas internacionais de educação", com o "estudo transsocietal" da educação, aplicando teorias e métodos interdisciplinares. Afi rma-se, então, que a educação comparada não só exibe as características acima mencionadas da interdisciplinaridade, na medida em que extrai seus enquadramentos teóricos das disciplinas estabelecidas, mas também no sentido de dar um propósito distinto e superior aos estudos de educação comparada. Hirst (1974) argumenta que um campo não é apenas defi nido por seu objeto, também Pode-se provisoriamente defi nir a educação comparada como: O subcampo de estudos da educação que examina sistematicamente os sistemas educacionais e suas relações com fenômenos intra e extraeducacionais dentro e entre duas ou mais nações. Seu objeto específi co são os “sistemas educacionais” 71 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 poderia ser defi nido por uma busca superior comum. Essa busca superior poderia ser “sinótica ou instrumental” (LYNTON, 1985 apud KLEIN, 1990, p. 41). Um propósito sinóptico de interdisciplinaridade busca unidade e síntese no conhecimento, enquanto uma justifi cativa instrumental tenta resolver problemas geralmente de origem prática. Esses dois propósitos têm vinculado (e continuam a vincular) o (sub) campo da educação comparada junto, um talvez mais salientemente do que o outro em diferentes pontos do tempo e do espaço e, talvez, ofuscando às vezes o objeto comum de estudo e/ou a metodologia no campo. Pode-se, de fato, visualizar a educação comparada como um subcampo interdisciplinar de estudos da educação, substantivamente e metodologicamente distinto e atravessando outras ciências educacionais. Como afi rma Olivera (1988), a educação comparada funciona em um nível de análise mais elevado, com base em análises comparativas previamente elaboradas, bem como em inputs teóricos dos campos de estudos da educação, ciências sociais e outras disciplinas. A educação comparada funciona em um nível de análise mais elevado, com base em análises comparativas previamente elaboradas, bem como em inputs teóricos dos campos de estudos da educação, ciências sociais e outras disciplinas. Atividade de Estudos: 1) Como podermos defi nir a educação comparada a partir do método? _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ Educação Comparada Definida pelo Propósito A teleologia é a doutrina de que a existência de fenômenospode ser explicada com referência aos propósitos que servem. Esta é a abordagem adotada nesta seção para explicar ou defi nir a educação comparada. Em primeiro lugar, serão examinados três propósitos (fi nalidades) principais da educação comparada, conforme prescrito ou descrito por comparativistas: o teórico, o pragmático e o crítico. 72 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Vários autores tentaram sintetizar os principais propósitos da educação comparada, por exemplo, Jones (1971) e Arnove (2007). Arnove propõe três principais impulsos da educação comparada e internacional: a compreensão científi ca, a compreensão pragmática e a compreensão internacional/global, considerando essas dimensões como estreitamente relacionadas e convergentes. A dimensão científi ca refere-se ao propósito da educação comparada em contribuir para a construção teórica: a formulação de proposições generalizáveis sobre o funcionamento dos sistemas escolares e suas interações com as economias, políticas, culturas e ordens sociais circundantes. A dimensão pragmática tem como propósito descobrir o que pode ser aprendido com os sistemas educacionais de outras sociedades que contribuam para aprimorar a política e a prática doméstica. E o terceiro impulso é contribuir para a compreensão e a paz internacional/global, um propósito talvez mais pertinente para a educação internacional do que para a educação comparada. Martínez (2003) acrescenta a dimensão ou fi nalidade crítica da educação comparada, importante para a interpretação de fenômenos educacionais e estudos comparativos. Essas três dimensões - teórica, pragmática e crítica/emancipadora – ecoam os três interesses cognitivos de Habermas (1982), que também são citados por Kubow e Fossum (2007) em sua discussão sobre os propósitos do campo. Deste modo, portanto, serão analisados os pontos salientes dos autores que defi nem a educação comparada por seus propósitos, que foram agrupados em três: teórico, pragmático e crítico. Apesar dessas classifi cações, esses propósitos se sobrepõem na realidade, e provavelmente continuarão a fazê-lo, antes mesmo das solicitações para se criar "pontes" entre os propósitos teóricos e práticos, as tradições e as culturas da pesquisa comparada em educação (CROSSLEY, 2008; KLEES, 2008). a) O propósito teórico Vários autores defendem o propósito teórico da educação comparada como inseparável da prática. Destacam-se algumas de suas afi rmações a seguir. Kandel (1933, p. xix) descreve a função científi ca da educação comparada assim: “O principal valor de uma abordagem comparativa de tais problemas reside numa análise das causas que os produziram, em uma comparação das diferenças entre os vários sistemas e os motivos subjacentes a eles, e, fi nalmente, em um estudo das soluções tentadas”. Poucos anos depois, ele reiterou que "o propósito da educação comparada, como o direito comparado, literatura comparada ou anatomia comparada, é descobrir as diferenças nas forças e causas que produzem diferenças nos sistemas educacionais" (KANDEL, 1936, p. 406). Na minha opinião, Kandel prescreve nestas duas declarações o propósito teórico da educação comparada ao serviço da dimensão prática. O objetivo de 73 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 descobrir princípios gerais (científi co/teórico) é para entender melhor as soluções (pragmáticas) que foram tentadas ao abordar diversos problemas educacionais. Um defensor mais explícito do propósito teórico da educação comparada é Bereday (1972). Ele sugere que a principal justifi cativa para a educação comparada é intelectual: o conhecimento por si mesmo. Imediatamente, após esta descrição, no entanto, ele cita os dois objetivos práticos que a educação comparada serve: Primeiro, deduzir das realizações e erros de sistemas escolares que não sejam os seus próprios, lições para suas próprias escolas [...] e, segundo, avaliar as questões educacionais desde uma perspectiva global e não etnocêntrica, ou seja, estar atento sempre aos pontos de vista de outras nações (BEREDAY, 1972, p. 5). Esses dois objetivos práticos poderiam ser interpretados como o aprimoramento político e a compreensão internacional. Holmes (1971, p. x-xi) faz eco de objetivos similares em duas vertentes: Um objetivo da educação comparada é teórico. É para melhorar a nossa compreensão da educação como tal; e em particular dos nossos próprios problemas nacionais na educação. A educação comparada também tem uma fi nalidade prática. Isso deve ajudar os administradores a reformar suas escolas de forma mais efi caz e efi ciente. Já Parkyn (1977) defi ne o propósito específi co da educação comparada como o aumento da nossa compreensão da relação entre educação e sociedade através da análise comparativa de fatores transsocietários. Martínez (2003, p. 58) também cita vários autores que argumentam que o método comparativo deve produzir conhecimento generalizável, por exemplo, Anderson (1961) e Farrell (2000). b) O propósito pragmático Arnove (2007) enfatiza que a dimensão pragmática da educação comparada reside na descoberta do que se pode aprender ao estudar os sistemas educacionais de outras sociedades, a fi m de contribuir para a melhoria da política e da prática doméstica. Dois "antepassados" da educação comparada, nomeadamente Marc- Antoine Jullien e Michael Sadler, afi rmam que a transferência internacional de políticas e práticas educacionais está no cerne do campo da educação comparada. Edmund King (1965, p. 148) sugere que o propósito implícito da educação comparada é "ser útil na melhoria dos sistemas escolares" e reitera essa orientação política da educação comparada em trabalhos posteriores (KING, 1977). Este propósito meliorista da educação comparada é ecoado por Pedró (1993). 74 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Apesar de Jones (1971) não pretender defi nir a educação comparada por meio de seu propósito, ele lista os seguintes objetivos práticos: humanitário, comunicação e compreensão entre os povos e planejamento educacional. García Garrido (1996, p. 111), no entanto, argumenta que o propósito da educação comparada é "não oferecer modelos a serem imitados ou rejeitados, mas entender os outros e aprender com suas experiências educacionais e culturais". Já Marginson ló (1972, 1978), citada por Martínez (2003, p. 60), defi ne o papel da educação comparada em termos de “determinação e interpretação das tendências educacionais”, além de poder prever as orientações futuras. O objetivo pragmático também é saliente na defi nição dos objetivos da educação comparada por comparativistas chineses. No primeiro livro-texto sobre educação comparada publicado depois de 1949, Wang, Zhu e Gu (1982 apud GU, 2001, p. 238), os autores defi nem o objetivo da educação comparada como: descobrir os princípios e tendências educacionais comuns no desenvolvimento da educação em outros países, e tirar lições das experiências de outros países. c) O propósito crítico Um terceiro propósito da educação comparada, de acordo com Martínez (2003), é oferecer uma interpretação crítica das questões educacionais, como defendido por vários estudiosos, por exemplo, Altbach (1991) e Nóvoa (2000). Phillips e Schweisfurth (2006, p. 19) descrevem o propósito crítico da educação comparada, particularmente na área das transferências de políticas educacionais, com dois objetivos: produzir "controles e contrapesos e fornecer comentários críticos – muitas vezes, comentários que alertam contra cursos de ação propostos com base em modelos observados superfi cialmente em outro lugar". Este aspecto do campo ecoa a ideia de Bourdieu (1968) sobre a relativa autonomia do campo intelectual – sua capacidade de refrear o poder social externo – ao poder transformar seus objetos de conhecimento em objetos de crítica. McClellan (1957) defi ne esta contribuição "crítica" da educação comparada nos seguintestermos: A educação comparada [...] não prova nada, mas o que refuta é de extrema importância. É algo como um gigantesco espelho de aumento; revela-nos as nossas próprias faces com impiedade [...] o estudo da educação comparada nos protege de aceitar conteúdos com garantias superfi ciais, enquanto as incertezas fundamentais ainda permanecem. (McCLELLAN, 1957, p. 9) De outra perspectiva, defendendo uma abordagem crítica em um sentido habermasiano, Mason (2015, p. 288) aprofunda em dizer que "a melhor maneira de conceituar a educação comparada é como uma ciência social crítica”, incorporando um interesse emancipador focado “na distribuição do poder e seus atributos associados: riqueza econômica, infl uência política, capital cultural, prestígio social e afi ns, [...] na busca da equidade educacional". Isso provavelmente está mais 75 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 no interesse do desenvolvimento da educação internacional do que da educação comparada per se. A título de resumo, García Garrido (1996, p. 98) enumera seis usos da educação comparada: • a educação comparada ajuda a conhecer e compreender a atividade educacional em diferentes comunidades, países, nações, regiões etc.; • o conhecimento dos sistemas de outros nos permite ter um conhecimento mais adequado e uma melhor compreensão do nosso próprio sistema; • assim, o conhecimento sobre os outros e nossos próprios sistemas educacionais pode levar a uma compreensão das principais tendências da educação mundial e à escolha de melhores futuros educacionais; • a educação comparada é um instrumento indispensável para o projeto e implementação de reformas e inovações educacionais; • a educação comparada pode contribuir decisivamente para o entendimento internacional, a paz no mundo e uma eliminação gradual das atitudes etnocêntricas; • também pode ser um poderoso instrumento de assistência técnica educacional em países menos desenvolvidos. Definindo as CaracterÍsticas da Educação Comparada Com base nas defi nições prescritivas da educação comparada examinada anteriormente, surgem alguns elementos constitutivos. A educação comparada é um subcampo substantivamente e metodologicamente distinto de estudos educacionais, delimitado pelo seu objeto, método e propósitos específi cos. Os sistemas educacionais e suas relações com fenômenos intra e extraeducacionais dentro de duas ou mais nações (ou regiões, culturas, sociedades) constituem seu objeto de estudo. O método comparativo, que se baseia em diferentes abordagens disciplinares e teorias das ciências sociais e humanas, é empregado para propósitos sinópticos e instrumentais. O propósito sinóptico procura alcançar a unidade e a síntese no conhecimento educacional, enquanto seu propósito instrumental tenta iluminar os problemas educacionais relevantes em todo o mundo. Agora que as características distintivas da educação comparada foram estabelecidas, serão analisar os debates sobre se a educação comparada é uma disciplina, um campo ou um método. A educação comparada é um subcampo substantivamente e metodologicamente distinto de estudos educacionais, delimitado pelo seu objeto, método e propósitos específi cos. 76 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA A Educação Comparada Considerada como uma Disciplina Heath (1958) levantou a questão de saber se a educação comparada é uma disciplina. Ao defi nir uma disciplina como algo "que requer um corpo especializado de conhecimento que é aplicado com habilidade para um propósito humanitário" (1958, p. 31), Heath (1958) descreve dez critérios que defi nem uma disciplina e os coloca como um espelho para examinar a natureza da educação comparada. Um resumo é dado a seguir, nos estudos realizados por Heath (1958): 1 Uma disciplina defi ne seu corpo de conhecimento especializado. 2 Uma disciplina tem caráter intelectual e pressupõe uma educação liberal como base. 3 Uma disciplina exige que seus profi ssionais tenham treinamento especializado. 4 Uma disciplina requer um período de aprendizagem em serviço para aqueles que desejam entrar no campo. 5 Uma disciplina é um campo de carreira – não um passo a passo para outra carreira. 6 Uma disciplina desempenha uma função que nenhum outro campo de atividade executa. 7 Uma disciplina defi ne e estabelece os caminhos de entrada – educação formal, treinamento em serviço e experiência prática necessária, e um sistema de reconhecimento para aqueles que se qualifi cam – e depois ganha reconhecimento por outros pelos seus padrões. 8 Uma disciplina estabelece um código de procedimento ao qual seus praticantes concordam em aderir. 9 Uma disciplina existe em benefício da humanidade. 10 Uma disciplina vincula seus profi ssionais em associação formal. Através dessa associação formal, os membros estabelecem e mantêm seus padrões, asseguram a prática ética, incentivam os candidatos prováveis a se qualifi carem para entrar no campo e trocam informações e experiências para se ajudarem a melhorar seus serviços para a humanidade. A maioria dos critérios para uma disciplina listados por Heath convergem com defi nições anteriores, exceto por três. Primeiro, que uma disciplina pressupõe um propósito educacional liberal é uma contenção dubitável. Em segundo lugar, que uma disciplina tem um propósito humanitário prático não é uma característica necessária para todas as disciplinas. Finalmente, pode-se também contestar seu último critério citando a existência de uma sociedade profi ssional como uma 77 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 justifi cativa de que a educação comparada é uma disciplina. As sociedades de educação comparada, incluindo a Comparative and International Education Society (CIES), são agrupamentos soltos de estudiosos com uma identidade profi ssional relativamente fl exível e que compartilham referências pequenas ou não consensuais sobre o conteúdo central do campo. Entre os primeiros autores que designam a educação comparada como disciplina estão: Vexliard (1970), referindo-se à "Pedagogia Comparada", Koehl (1977) e Olivera (1988). Os autores mais recentes incluem Higginson (1999), Gu (2001), Martínez (2003) e Sutherland (2007). Outros se referem à educação comparada como uma disciplina científi ca ou uma ciência: Kandel (1933), Schneider (1964) e Tusquets (1969), que usam o nome de "pedagogia comparada" para designar o campo, Noah e Eckstein (1970) e Martínez (2003). García Garrido (1996) sustenta que a educação comparada é uma disciplina, uma ciência, porque tem seu próprio objeto (sistemas educacionais) e método (o método comparativo). Outros autores, no entanto, descartaram a designação da educação comparada como uma disciplina por alegarem ter ocorrido um equívoco na designação. Anderson (1961) considerou a educação comparada como multidisciplinar porque não podia reivindicar um único método. Bereday (1972) também faz eco desta posição propondo que a tarefa específi ca da educação comparada [...] é reunir várias das preocupações das humanidades e das ciências sociais em aplicação a uma perspectiva geográfi ca da educação [...] A educação comparada não é nenhuma dessas disciplinas (história da educação, antropologia ou sociologia ou economia da educação) somente. Em vez disso, é em parte todas elas juntas (BEREDAY, 1972, p. x). Posições relacionadas com a natureza multidisciplinar ou interdisciplinar da educação comparada são discutidas na seção a seguir. Enquanto isso, Bray (2015) considera que os poucos que descreveram a educação comparada como uma disciplina talvez tenham usado o termo vagamente, como Sutherland (2007) e Chabbott (2003). Pode-se supor que, além do uso solto do termo "disciplina" para designar educação comparada, as questões de tradução linguística também têm um papel a desempenhar na adição à confusão. Em espanhol e português, porexemplo, o termo "disciplina" também é usado para designar um assunto universitário, um curso ministrado em nível universitário. Além do uso solto do termo “disciplina” para designar educação comparada, as questões de tradução linguística também têm um papel a desempenhar na adição à confusão. 78 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA O debate sobre se a educação comparada é ou não é uma disciplina continua. Phillips e Schweisfurth (2006, p. 9-10) levantam algumas questões: Será que a educação comparada cumpre o requisito essencial de uma disciplina como sendo ‘um ramo de aprendizagem ou instrução acadêmica’ com suas próprias regras e métodos discretos? Ou a educação comparada deve ser vista, como o Epstein e Halls indicam, como um campo contribuinte dentro da atividade transdisciplinar que constitui ‘educação’ como objeto, da mesma forma que a fi losofi a ou a psicologia ou a história educacional fornecem o apoio necessário dentro dessa área multifacetada de atividade acadêmica? Phillips e Schweisfurth concluem que não é uma disciplina no sentido estrito da palavra, mas que tem "qualidades disciplinares sufi cientes para ser descrita como uma ‘quase disciplina’" (2006, p. 12-13), desempenhando um papel importante na área educacional, bem como em áreas transdisciplinares, tais como avaliação, necessidades especiais, aprendizagem da primeira infância, relações entre a escola e a casa, responsabilidade e outras. A Educação Comparada Considerada como um Campo Como mencionado anteriormente, Bereday (1972) e Anderson (1961) são de opinião que a educação comparada é um campo multidisciplinar. Da mesma forma, Parkyn (1977, p. 90) alude à natureza transdisciplinar do campo, em que várias disciplinas são reunidas para alcançar um propósito mais elevado. Kubow e Fossum (2007) consideram que a educação comparada é um campo e não uma disciplina, citando tanto a Broadfoot (1977) quanto a Parkyn (1977), que defenderam essa posição. Kubow e Fossum afi rmam que a educação comparada não é uma disciplina, mas um campo, porque A palavra disciplina em si mesma conota a dedicação a um conjunto específi co de regras e padrões. Os adeptos de qualquer disciplina se dedicam a técnicas e procedimentos pertencentes a essa disciplina, ao mesmo tempo que rejeitam implícita ou explicitamente métodos e técnicas de outros caminhos. [...] A educação comparada, no entanto, não assume essa hierarquia; em vez disso, como um campo, ela se baseia em uma variedade de disciplinas para entender melhor a complexidade de determinados fenômenos educacionais (KUBOW; FOSSUM, 2007, p. 7). 79 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 Tomando uma abordagem lógica (ao invés de uma cronológica) para os usos do termo "campo" para designar a educação comparada, listamos as seguintes declarações signifi cativas de comparativistas reconhecidos. Entre as declarações mais claras e fundamentais foi a de Lawson (1975, p. 346), que usa o termo "campo" seguindo a defi nição de Hirst (1966) como uma coleção de conhecimento de várias formas que tem unidade apenas porque o conhecimento se relaciona com algum objeto ou interesse. Altbach (1991) argumenta que a educação comparada é um campo multidisciplinar que examina a educação em um contexto transcultural. Ele explica que a razão pela qual a educação comparada não é uma disciplina é a falta de uma metodologia padrão. Essa posição ecoa a defi nição de um campo oferecida por Lawson e Hirst como algo unifi cado por objeto, não pelo método. Um avanço bastante sutil é feito por Epstein (1994) em sua designação de educação comparada como um campo interdisciplinar, ao invés de um campo multidisciplinar. O termo "interdisciplinar" introduz um sentido de propósito – teleologia – que une várias disciplinas em um nível mais elevado, enquanto que a multidisciplinaridade se refere à aplicação simultânea, mas desigual de várias disciplinas/abordagens disciplinares (JANTSCH, 1970). Assim, Epstein defi ne a educação comparada como um campo de estudo que aplica teorias e métodos históricos, fi losófi cos e de ciências sociais aos problemas internacionais na educação. Os seus equivalentes em outros campos do estudo acadêmico são aqueles dedicados ao estudo transsocietal de outras instituições sociais, como a política comparada, a economia comparada e a religião comparada. A educação comparada é principalmente uma busca acadêmica e interdisciplinar (JANTSCH, 1970, p. 918). Uma defi nição mais restrita da educação comparada como campo vem de Noah e Eckstein (1970), que circunscrevem a interface do campo com as ciências sociais, mas não com as artes liberais, como foi o caso de Bereday (1972) e Altbach (1991). Noah e Eckstein (1970, p. 121) declaram que: A educação comparada é potencialmente mais do que um amontoado de dados e perspectivas das ciências sociais aplicadas à educação em diferentes países. Nem o tema da educação nem a dimensão transnacional é central para qualquer das ciências sociais; tampouco são as preocupações das ciências sociais e a dimensão transnacional centrais para o trabalho dos educadores. O campo da educação comparada é melhor defi nido como uma interseção das ciências sociais, educação e estudos transnacionais. A razão pela qual a educação comparada não é uma disciplina é a falta de uma metodologia padrão. 80 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Embora o termo "campo" seja talvez a designação mais comum da educação comparada atualmente, Laska (1973) observa que a educação comparada não é um campo acadêmico independente, mas depende principalmente da área de fundamentos de educação ou estudos educacionais, e não em uma variedade de campos não educacionais (por exemplo, economia, política, sociologia, antropologia e história). No entanto, o que signifi ca esta relação "dependente"? De que forma a educação comparada depende de estudos de educação? Alguns estudiosos afi rmam que não é nem mesmo um campo distintivo dentro dos estudos de educação, mas apenas um método distintivo ou um contexto. A educação comparada não é um campo acadêmico independente, mas depende principalmente da área de fundamentos de educação ou estudos educacionais, e não em uma variedade de campos não educacionais A educação comparada não é reifi cada como um campo acadêmico independente, mas como uma perspectiva ou contexto distinto para análise cultural crítica. A Educação Comparada Considerada como um MÉtodo ou uma Perspectiva Nas seções anteriores, revisadas as declarações de comparativistas que defenderam a posição de que a educação comparada é uma disciplina, ou uma ciência, ou um campo que se distingue principalmente pelo estudo transnacional da educação e seu uso do método comparativo. Em contraste, nesta seção, examino as afi rmações de alguns estudiosos que negam que a educação comparada seja de fato um campo distinto, mas a veem apenas como um método distintivo, ou um contexto ou perspectiva no campo da educação. Entre os primeiros estudiosos que alegaram que a educação comparada não é uma disciplina, mas um contexto, temos Broadfoot (1977). Ela afi rma assim: O estudo comparativo da educação não é uma disciplina: é um contexto. Ele permite a interação de perspectivas decorrentes de uma série de disciplinas de ciências sociais e de uma ampla gama de backgrounds nacionais. Permite uma maior compreensão da inter-relação das variáveis educacionais através da análise de resultados educacionais semelhantes e diferentes dos estudos de caso nacionais. De um modo bastante prático, estudos comparativos podem fornecer um contexto para a tomada de decisões sobre questões de planejamento e políticas (BROADFOOT, 1977, p. 133). Broadfoot argumenta que o contributo distinto da educação comparada é oferecer um contexto ou plataforma para análise interdisciplinar e transnacional da educação.Uma década depois, Broadfoot (1999, p. 29) elabora sua declaração anterior, explicando que a educação comparada "precisa ser vista como a expressão de uma perspectiva de ciência social mais geralmente concebida". Ela ainda afi rma que a educação comparada 81 MAPEANDO O DISCURSO INTELECTUAL SOBRE “EDUCAÇÃO COMPARADA” Capítulo 2 "não é tanto um contexto, mais um modo de vida", no sentido de ser o "meio de destacar os múltiplos níveis de perspectiva cultural e as restrições ideológicas e institucionais que constituem o território da ciência social" (BROADFOOT, 1999, p. 28). Nesse sentido, a educação comparada não é reifi cada como um campo acadêmico independente, mas como uma perspectiva ou contexto distinto para análise cultural crítica. A resposta de E. King ao artigo de Broadfoot (BETTS; WILDE, 1999) faz eco desta posição e acrescenta que a educação comparada, ao invés de uma arena, é uma área de investigação complementar. Na mesma linha, Kubow e Fossum (2007, p. 7) afi rmam que a educação comparada [...] serve como um dispositivo para mediar as relações entre os fundamentos da educação (por exemplo, história, fi losofi a e sociologia) e desafi ar os estudantes a considerar a interação de fatores fi losófi cos, históricos e sociológicos à medida que analisam as abordagens educacionais das culturas estrangeiras. Os autores, ecoando a descrição de Tretheley (1976, p. ix) da educação comparada como "um campo de estudo extenso e mal defi nido", abstêm-se de defi ni-la e, em vez disso, adotam uma abordagem prática, reconhecendo a vantagem de incluir a educação comparada na formação de professores como meio para promover o pensamento crítico entre os educadores e ajudá-los a perceber que a educação não existe no vácuo (KUBOW; FOSSUM, 2007). Há, no entanto, aqueles que afi rmam que a educação comparada é apenas um método utilizado nos estudos de educação, que não possui um objeto de estudo específi co ou único, diferente dos estudos educacionais, e que, portanto, não existe uma "ciência" comparativa da educação, apenas uma metodologia comparativa aplicada à educação. Tusquets e Rosselló, infl uentes comparativistas espanhóis na década de 1960, concordaram em afi rmar que "a pedagogia comparada, em vez de uma ciência, é um método" (VILANOU; VALLS, 2001, p. 282). Vilanou e Valls explicam ainda que, para Tusquets (2001, p. 282), [...] a pedagogia comparada não é uma ciência autônoma, mas um método aplicável a todos os aspectos dos diferentes ramos da pedagogia/educação, que tem três formas: 1) comparação pedagógica; 2) comparação educacional (aspectos didáticos e psicopedagógicos); e 3) comparação histórica. García Garrido (1996, p. 93) observa que alguns outros comparativistas latino- americanos, como Villalpando (1961) e García Hoz (1968), apoiaram esse ponto de vista argumentando que o método comparativo deveria ser usado em cada parte específi ca dos estudos educacionais, por exemplo, dentro da Didática, da Psicologia da Educação, da História da Educação etc., mas que não era necessário ter uma ciência educacional autônoma que reivindique um uso exclusivo do método comparativo. As justifi cativas que eles oferecem se assemelham àquelas estabelecidas por Mason (2008) e discutidas extensivamente na seção anterior. 82 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Algumas Considerações Examinar os debates na literatura sobre se a educação comparada é uma disciplina, um (sub)campo, ou simplesmente um método ou perspectiva em estudos educacionais. A discussão acima demonstrou que a educação comparada é amplamente vista como um subcampo interdisciplinar de estudos de educação que se baseia em várias disciplinas das ciências sociais para seus recursos teóricos e metodológicos, a fi m de estudar adequadamente questões ou sistemas de educação transsocietais. Após este exame da "anatomia" da educação comparada, no próximo capítulo buscar-se-á examinar sua natureza distinta do ponto de vista externo, comparando-a com os campos de estudo com os quais compartilha semelhanças, seja no uso do método comparativo ou no foco em Educação e/ou suas dimensões internacionais. 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CAPÍTULO 3 Educação Comparada, Campos Relacionados e sua Definição A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:  Compreender as disciplinas/campos nas ciências sociais e nas humanidades que utilizam o método comparativo e seus vínculos com as ciências da educação.  Identifi car o lugar da educação comparada nas ciências da educação.  Comparar o signifi cado e as relações entre educação comparada e campos relacionados.  Distinguir e sintetizar as defi nições de Educação Comparada baseado em seu objeto, método, propósito. 92 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA 93 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 ConteXtualização Neste capítulo, incialmente discutiremos as disciplinas/campos nas ciências sociais e humanas que utilizam o método comparativo, tendo em vista os vínculos estreitos que as ciências da educação têm com esses domínios acadêmicos. Em segundo lugar, examinaremos as ciências da educação e o lugar da educação comparada dentro deste corpo de conhecimento. Em terceiro lugar, vamos esclarecer o signifi cado e as relações entre educação comparada e campos relacionados, que também estudam questões internacionais na educação. Este estreitamento do foco levará ao fi nal deste capítulo, que será o último sobre a educação comparada, que recapitula as principais descobertas sobre a natureza específi ca da educação comparada: seu objeto, método, propósito e status dentro dos estudos educacionais. CiÊncias Sociais e Humanidades Comparadas Será realizado um exame dos campos comparativos nas ciências sociais e humanas, no que seja essencial para estas, como um campo comparativo de uma disciplina mais ampla. Isso ajudará a colocar o debate sobre a posição da educação comparada, no âmbito das ciências da educação, numa perspectiva mais ampla. Primeiramente, examinar as defi nições de alguns campos comparativos. Em segundo lugar, abstrair os elementos que os defi nem como um campo à parte da disciplina de origem, para apreender os elementos necessários e sufi cientes que os distinguem como campos comparativos. Será que eles são distinguidos apenas pelo uso do método comparativo? O que se pode entender pelo termo "comparação"? Antes de aprofundar em ramos comparativos particulares da ciência social, seria útil começar com uma "defi nição" de ciência social comparada, por Ragin (1987, p. 5): "O que distingue a ciência social comparada é o seu uso dos atributos das unidades macrossociais em declarações explicativas". Os dois elementos – macrossocial e explicativo – merecem destaque. Goedegebuure e Van Vught (1996, p. 378) esclarecem o termo "unidades macrossociais" como incluindo "todos os tipos de entidades sociais além do comportamento e as opiniões dos indivíduos". Quanto ao valor explicativodos estudos comparativos, o método comparativo adquire um papel signifi cativo ao oferecer explicações causais aos fenômenos. O que distingue a ciência social comparada é o seu uso dos atributos das unidades macrossociais em declarações explicativas 94 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA PolÍtica Comparada Será examinado o campo da política comparada e dois dos seus subcampos: administração pública comparada e estudos de políticas públicas comparadas. Os discursos sobre sua natureza são úteis para esclarecer a questão da natureza da educação comparada. Roberts (1972, p. 63) defi ne a política comparada como "o estudo da relação de teorias e conceitos com o universo dos sistemas políticos, passado e presente, e necessariamente empregando a comparação como um meio de explicação". Roberts destaca o assunto específi co como "sistemas", não estados; o propósito teórico do campo; e a abordagem comparativa como um elemento necessário. Ele argumenta que, embora a análise comparativa seja inextricavelmente parte da análise política, "não há, no entanto, uma área legítima, bastante lógica e pedagogicamente válida da disciplina, que merece o rótulo de ‘política comparada’" (ROBERTS, 1972, p. 9). Esta posição discursiva ecoa discursos similares sobre o próprio território acadêmico da educação comparada. Lane e Ersson (1994, p. 6) expandem o discurso sobre a "crise" na política comparada. Em primeiro lugar, afi rmam que a política comparada é distinta e não redutível ao método comparativo. Enquanto a política comparada é o estudo da política no nível macro, referindo-se a unidades denotadas por palavras como “sistema político”, “estado” ou “estado-nação” e “governo”, o método comparativo é uma metodologia para o estudo de qualquer tipo de unidade social, por exemplo, partidos políticos ou sociedades, diacronicamente ou de forma sincrônica. Essas defi nições delimitam o objeto de estudo da política comparada ao nível macroscópico. Lane e Ersson (1994) salientam, no entanto, que não há unanimidade entre os comparativistas políticos quanto ao que constitui a substância da "disciplina". No entanto, três ênfases históricas podem ser identifi cadas no estudo da política comparada. Primeiro, a abordagem "tradicional" da descrição confi gurativa dos estudos (não comparativos) de um único país dominante até a década de 1950. Em seguida, houve uma ênfase no uso dos resultados da pesquisa da política comparada como ferramenta para orientar a formulação de políticas públicas em Estados recém-independentes durante as décadas de 1960 e 1970 (o que é conhecido como Estudos de Desenvolvimento). Uma terceira ênfase histórica, que começou em meados da década de 1950, foi a preocupação com a interpretação (científi ca) e a explicação, tomando a política comparada como um "empreendimento nomotético que, como uma arte, deveria ter uma estrutura estrita que inclua conceitos bem defi nidos e uma rede hierárquica de hipóteses a serem corroboradas pela pesquisa cumulativa" (LANE; ERSSON, 1994, p. 5). Esses propósitos e ênfases temáticos concorrentes (bem como complementares) refl etem as histórias intelectuais variadas da educação comparada. Não há unanimidade entre os comparativistas políticos quanto ao que constitui a substância da "disciplina". 95 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 O "sistema" político é tomado como a unidade básica de análise. Mais especifi camente, Peters (1998, p. 22-23) observa que o "sistema" é usado para se referir ao estados-nação ou país, bem como a unidades subnacionais dentro de um único estado-nação. Ele classifi ca estudos no campo da política comparativa em cinco tipos: • estudos de um único país; • estudos de processos e instituições que comparam alguns países; • estudos de formação tipológica de países ou unidades subnacionais; • estudos estatísticos regionais de um subconjunto dos países do mundo; • estudos estatísticos globais. Estudos de caso de um único país, ou estudos de área, são tipicamente descritivos e apenas implicitamente comparativos (em que o caso é distinto daquele do autor e do público visado) e basicamente explicam a política "em outro lugar". Esta foi – e continua a ser – uma forma dominante de estudos políticos comparativos, como se pode ver, por exemplo, em Peters (1998) e Munck e Snyder (2007), embora haja uma consciência crescente da necessidade de estudos explicitamente comparativos na pesquisa contemporânea (GOEDEGEBUURE; VAN VUGHT, 1996, p. 376). No outro extremo, tem-se o estudo estatístico global, cujo objetivo é testar relações entre variáveis políticas para toda a população de países, abandonando os detalhes das descrições espessas de países individuais. A diversidade nos tipos de estudos sob o rótulo de "política comparada", enquanto vista por alguns como uma “fraqueza”, como se percebe, por exemplo, em Wiarda (1986 apud PETERS, 1998, p. 9), é vista por outros como um sinal de “vitalidade do campo” (VERBA, 1986 apud PETERS, 1998, p. 10). Este discurso ecoa contestações semelhantes sobre o campo da educação comparada. Pode- se dizer que, enquanto os focos da política comparada sejam instituições políticas e processos vistos comparativamente, os focos da educação comparada são instituições educacionais e processos analisados comparativamente. No que se refere aos objetivos, o analista comparativo está preocupado tanto com os objetivos práticos como teóricos na realização de estudos comparativos. Com respeito ao propósito teórico, Peters (1998, p. 25) alega que, como em qualquer ciência social, "para ser efetivo no desenvolvimento da teoria, e [...] para fazer declarações sobre estruturas maiores que um indivíduo ou grupo pequeno, as ciências sociais devem ser comparativas". Para este fi m, uma tarefa específi ca que incumbe ao comparativista é a elaboração metodológica, a fi m de fazer declarações signifi cativas de valor prático ou teórico. Kesselman, Krieger e Joseph (2007, p. 8) defi nem a "política comparada" como um "subcampo dentro da disciplina acadêmica da ciência política, bem Estudos de caso de um único país, ou estudos de área, são tipicamente descritivos e apenas implicitamente comparativos 96 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA como um método ou abordagem para o estudo da política. O objeto de estudo da política comparada é a política doméstica de países ou povos", geralmente assumindo como sua unidade de análise as instituições e processos políticos em dois ou mais estados-nação ou através do tempo em um ou mais países. Em resumo, o objeto essencial da política comparada é a unidade macrossocial do sistema político, ou mais amplamente, as instituições, processos, atitudes e questões políticas domésticas em dois ou mais países, ou em um ou mais países ao longo do tempo. O uso explícito da comparação é uma clara marca distintiva, embora a trajetória histórica da política comparada tenha exibido um alargamento do objeto de estudo e da forma dos estudos tipo "A versus B". Tanto objetivos teóricos quanto práticos subjazem seu estudo. O objeto essencial da política comparada é a unidade macrossocial do sistema político, ou mais amplamente, as instituições, processos, atitudes e questões políticas domésticas em dois ou mais países, ou em um ou mais países ao longo do tempo. Atividade de Estudos: 1) Entre as ciências sociais e humanas comparadas temos o campo da Política Comparada. Sintetize o que é a Política Comparada. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Direito Comparado Bogdan (1994, p. 17) descreve que na disciplina do Direito, a ordenação sistemática de assuntos legais e campos de pesquisageralmente refl ete a maneira comum de dividir o sistema legal. Por exemplo, o Direito Penal está preocupado com as regras que prescrevem a punição de atos criminosos. No entanto, alguns campos da ciência jurídica lidam com problemas de natureza geral que afetam o sistema jurídico inteiro, ou quase todo. A esta categoria pertence temas teóricos como história jurídica, sociologia do direito e direito comparado. Ele defi ne o direito comparado como o assunto que abrange: 97 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 Atividade de Estudos: 1) Entre as ciências sociais e humanas comparadas temos o campo do Direito Comparado. Sintetize o que é o Direito Comparado. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A comparação de diferentes sistemas jurídicos com o objetivo de verifi car suas semelhanças e diferenças; trabalhando com as semelhanças e diferenças verifi cadas, por exemplo, explicando sua origem, avaliando as soluções utilizadas nos diferentes sistemas jurídicos, agrupando sistemas legais em famílias do direito ou buscando o núcleo comum dos sistemas jurídicos (objetivos teóricos); e o tratamento dos problemas metodológicos que surgem em conexão com essas tarefas, incluindo problemas metodológicos relacionados ao estudo do direito estrangeiro (BOGDAN, 1994, p. 18). Conforme destacado na citação, os elementos essenciais que constituem o direito comparado são: comparação (método), sistemas jurídicos (objeto), entendimento teórico (propósito/objetivo) e preocupação com questões metodológicas concernentes à comparação. Tende, portanto, a fi ns geralistas, teóricos e científi cos, ao invés de fi ns pragmáticos. Embora os estudos jurídicos comparados também possam ter um valor prático, incluindo uma maior compreensão da própria lei do comparativista, a opinião de Bogdan é que este campo se preocupa principalmente com questões teóricas e científi cas. Ele afi rma que o direito comparado é uma ciência independente na medida em que diz respeito a questões que se situam em um nível superior de abstração – um comentário que se assemelha à visão de Olivera (1988) da educação comparada –, por exemplo, "quando se busca o núcleo comum dos sistemas legais, ou quando se tenta agrupar os sistemas legais em famílias do direito" (BOGDAN, 1994, p. 24). Além disso, a pesquisa em direito comparado normalmente envolve a colaboração com outros campos da pesquisa legal, caso em que Bogdan afi rma que o direito comparado se distingue pelo uso do método comparativo. Bogdan reconhece que os “limites que dividem as disciplinas legais já estabelecidas são ofuscados e porosos”, normalmente determinados por razões práticas (pedagógicas, em particular), do que por motivos teóricos ou científi cos (BOGDAN, 1994, p. 25), uma observação importante que ressoa o discurso sobre os limites da educação comparada. Os elementos essenciais que constituem o direito comparado são: comparação (método), sistemas jurídicos (objeto), entendimento teórico (propósito/ objetivo) e preocupação com questões metodológicas concernentes à comparação. 98 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Sociologia Comparada A Sociologia é essencialmente uma disciplina comparada. Assim, Émile Durkheim (1985, p. 121) postula que "a sociologia comparada não é um ramo particular da sociologia; é a própria sociologia, na medida em que deixa de ser puramente descritiva e aspira a explicar os fatos". Higgins acredita que a sociologia comparada é melhor entendida como "um método, não um campo" (1981 apud CROW, 1997, p. 24), fazendo eco à posição insegura dos estudos comparados nas ciências sociais. Os debates são abundantes sobre o que os sociólogos comparativos pensam. A unidade convencional de comparação – "sociedades" – é problematizada por sociólogos, como Mann e Runciman, que afi rmam que não existe uma concepção unitária de sociedade, mas que suas fronteiras espaciais e temporais são fl uidas e tênues (CROW, 1997). Além disso, novas unidades de comparação em diferentes níveis – além da unidade macrossocial de uso dominante do Estado-nação – estão em uso. De acordo com Crow, a sociologia comparada tem três propósitos principais: "desprovincializar" o pensamento sociológico, revelando a imensa diversidade de confi gurações sociais; descobrir padrões sistemáticos de variações observadas a partir de arranjos sociais para extrair "o que era, se não universal, pelo menos geralmente verdadeiro para um grande número de casos" (INKELES; SASAKI, 1996 apud CROW, 1997, p. 2); e analisar e explicar sistematicamente por que os fenômenos sociais diferem. Crow (1997) afi rma ainda que a sociologia comparada toma a sociologia histórica (focos temporais) e os estudos de área (focos geográfi cos) como pontos de partida. Assim, pode extrapolar-se disso que a sociologia comparada analisa os fenômenos sociais em um nível epistemológico mais elevado e em um nível de abstração mais elevado. A sociologia comparada toma a sociologia histórica (focos temporais) e os estudos de área (focos geográfi cos) como pontos de partida. Atividade de Estudos: 1) Entre as ciências sociais e humanas comparadas temos o campo da Sociologia Comparada. Sintetize o que é a Sociologia Comparada. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 99 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 Literatura Comparada Aldridge (1969, p. 1) defi ne a literatura comparada como "o estudo de qualquer fenômeno literário na perspectiva de mais de uma literatura nacional ou em conjunto com outra disciplina intelectual ou até mesmo várias". Ele distingue a literatura comparada da literatura geral, destacando que este campo comparativo se concentra nas "relações entre uma literatura específi ca e outras", em que tais relações podem assumir a forma de "afi nidade, tradição ou infl uência" (ALDRIDGE, 1969, p. 3). A "afi nidade" refere-se a semelhanças em estilo, estrutura, ideia ou humor entre duas obras que, de outra forma, não estão relacionadas, enquanto estudos de "tradição" examinam semelhanças entre obras que fazem parte de um grande grupo de trabalhos similares compartilhando uma ligação comum histórica, cronológica ou formal. Um terceiro tipo de estudos literários comparados investiga as relações de "infl uência" ou inspiração entre um trabalho e seus precedentes. Remak (1971) oferece uma defi nição mais elaborada e inclusiva de literatura comparada como: O estudo da literatura além dos limites de um país em particular, e o estudo das relações entre a literatura, por um lado, e outras áreas do conhecimento e da crença, como as artes, a fi losofi a, a história, as ciências sociais, as ciências, a religião etc., por outro. Em resumo, é a comparação de uma literatura com outra ou outras, e a comparação da literatura com outras esferas da expressão humana (REMAK, 1971, p. 1). Remak, no entanto, qualifi ca que essas comparações entre a literatura e os campos extraliterários, se elas devem ser consideradas "literatura comparada", devem ser sistemáticas e estar entre a literatura e uma "disciplina separável e coerente fora da literatura" (REMAK, 1971, p. 7). Em outras palavras, na visão de Remak, a comparação de literaturas pode ser de natureza transnacional ou transdisciplinar. Esses recursos se assemelham aos da educação comparada. Quanto à posição e ao papel da literatura comparada nos estudos literários, Remak (1971) a concebe não como uma disciplina independente, mas como uma disciplina auxiliar cujo objetivo é fazer uma ponte entre áreas organicamenterelacionadas, mas separadas fi sicamente, da criatividade humana, oferecendo uma compreensão mais abrangente da literatura como um todo, estendendo a investigação da literatura geografi camente e genericamente. Embora reconhecendo sobreposições entre literatura comparada, literatura nacional e literatura mundial, Remak distingue uma das outras nestes termos. Em primeiro lugar, a literatura comparada transcende a literatura nacional em seu estudo do "contato ou colisão entre diferentes culturas [...] e os problemas relacionados à tradução" (REMAK, 1971, p. 8). Em segundo lugar, A comparação de literaturas pode ser de natureza transnacional ou transdisciplinar. 100 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA a literatura comparada é distinta da literatura mundial em cinco domínios: espacialmente, a literatura comparada tem um escopo geográfi co mais restrito que a literatura mundial, que tem um alcance universal. Em termos de tempo e qualidade, a literatura comparada tem um alcance mais amplo do que a "literatura mundial", que se limita à literatura de renome mundial cuja qualidade resistiu à prova do tempo ou obras recentes que receberam intensos aplausos no exterior. Por último e mais importante, a literatura comparada prescreve um método específi co – a abordagem comparativa –, enquanto a literatura mundial comumente não estuda obras-primas individuais como trabalhos autônomos. Assim, o elemento distintivo da literatura comparada consiste no seu estudo transcultural das literaturas nacionais. Ocorreram contestações sobre a defi nição bastante inclusiva da literatura comparada proposta por Remak (BASSNETT, 1993), tentando redefi nir a "disciplina" da literatura comparada e refl etindo o humor da insegurança intelectual que permeia esse campo comparativo. Esses debates são semelhantes aos da educação comparada e exemplifi cam o conceito de Bourdieu do campo intelectual como um sistema de posições e oposições entre agentes concorrentes para defi nir a área dominante de sua topografi a intelectual. O elemento distintivo da literatura comparada consiste no seu estudo transcultural das literaturas nacionais. Atividade de Estudos: 1) Entre as ciências sociais e humanas comparadas temos o campo da Literatura Comparada. Sintetize o que é a Literatura Comparada. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ A EssÊncia dos Campos de Estudos Comparados A discussão anterior demonstrou que o discurso sobre a posição, limites e contribuição específi ca de vários campos de estudos comparados nas ciências sociais e humanidades é ensaiado na literatura da educação comparada. A 101 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 contínua problematização do que é o objeto próprio de estudo de um campo comparativo particular e a delimitação do seu território acadêmico de campos ou disciplinas cognatas talvez mais estabelecidas são uma característica comum dos campos comparativos levantados anteriormente. Esses campos convergem nos seguintes elementos: uma preocupação com questões teóricas e generalizadas; o "sistema" (político, jurídico, educacional) como objeto específi co de estudo; a dimensão espacial (tomando o objeto de dois ou mais contextos nacionais); e o uso do método comparativo. A literatura comparada apresenta outro tipo de elemento, semelhante ao da educação comparada: a sua transdisciplinaridade. Esses campos compartilham uma ferramenta comum para a pesquisa – o método comparativo –, contudo, não são apenas subcampos metodologicamente distintos, mas subcampos substantivamente distintos de suas respectivas disciplinas primárias, cuja contribuição consiste em servir como uma ponte para vincular o nacional com o domínio transnacional, uma disciplina única com múltiplas disciplinas. Esta é a essência dos campos comparativos interdisciplinares: superar a fragmentação disciplinar e "desprovincializar" o conhecimento das lentes etnocêntricas. Juntamente com esses critérios epistemológicos compartilhados, a encarnação desses campos em instituições acadêmicas também geralmente exibe alta sensibilidade a motivos variados de ordem prática e sócio-histórica que intervêm em seu estabelecimento e desenvolvimento. Talvez, devido à amplitude de seu objeto e ao seu enfoque geralista, a identidade de campos de estudos comparados geralmente é contestada por campos vizinhos, uma característica comum entre os campos intelectuais, como observa Bourdieu (1968). Assim, uma visão depreciativa comum dos comparativistas, particularmente em seu estágio "pré-científi co", repete-se nas narrativas anteriores em diferentes campos do estudo comparado. Os não simpatizantes consideravam "o direito comparado como uma casa de jogo para os teóricos escapistas com interesses bastante peculiares" e os juristas comparativos como "juristas que, em seu próprio país, fi ngiam ser especialistas em direito estrangeiro, enquanto no exterior se representavam como especialistas na lei de seu país de origem" (BOGDAN, 1994, p. 25). Da mesma forma, a administração pública comparada tem sido considerada como "uma série de excursões no exótico dos sistemas políticos mundiais com a intenção de descrever diferentes sistemas administrativos e, com alguma sorte, desenvolver um repertório de anedotas divertidas baseadas no trabalho de campo" (PETERS, 1988 apud GOEDEGEBUURE; VAN VUGHT, 1996, p. 391). O que precede mostrou que campos interdisciplinares, como os estudos comparativos, sempre são confrontados com a questão desafi adora: qual é o objeto de estudo necessário e sufi ciente do seu campo? Todos os campos citados anteriormente estão lidando com esta questão, assim como a educação comparada. Campos interdisciplinares, como os estudos comparativos, sempre são confrontados com a questão desafi adora: qual é o objeto de estudo necessário e sufi ciente do seu campo? 102 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Educação Comparada nas CiÊncias da Educação Nesta seção, procuram-se elucidar os diferentes subcampos de estudos educacionais e o papel específi co da educação comparada neste mapa disciplinar. Entre os trabalhos que discutiram o lugar da educação comparada nas ciências da educação estão Cowen (1982), Mitter (1982), García Garrido (1996), Olivera (1988, 1990), Ferrer (2002) e Martínez (2003). Cowen (1982) descreve brevemente a transformação dos estudos educacionais no século XX, de uma disciplina que estava unifi cada por uma visão moral/fi losófi ca da educação e alimentada por princípios de grandes pensadores educacionais no passado, à sua fragmentação pela introdução das ciências sociais em suas fi leiras. Assim, ciências específi cas da educação tomaram forma e o núcleo moral dos estudos educacionais tornou-se diferenciado na fi losofi a da educação, história da educação e educação comparada. Com este fundo histórico em mente, a taxonomia proposta por García Garrido (1996, p. 209) oferece um quadro claro e útil para os propósitos desta discussão, dos quais uma versão simplifi cada é apresentada no Quadro 3. Ele explica que o objeto das ciências da educação é o processo educacional. Este objeto pode ser entendido a partir de três elementos básicos diferentes: os sujeitos ou atores do processo educacional, os fi ns/ objetivos da educação e os meios para alcançar esses fi ns. Para o primeiro agrupamento, denomina as ciências preocupadas com o estudo dos sujeitos ou atores da educação como as ciências antropológicas da educação, uma vez que lidam com as realidades humanas. Estes incluem psicologia, sociologia e antropologia da educação. O segundo agrupamento, preocupado com os meios ou métodos para alcançar esses fi ns, ele chama de ciências metodológicas da educação. Estas englobama didática, a organização escolar, a política da educação, a economia da educação e o planejamento educacional. Finalmente, o terceiro agrupamento, preocupado com os objetivos da educação, ele denomina de ciências teleológicas da educação, segundo o qual ele classifi ca a fi losofi a e a teologia da educação. Todos esses três agrupamentos tendem a se concentrar em uma parte do processo educacional, assim também podem ser chamadas de ciências analíticas da educação. Em contraste, existem aquelas que lidam com todo o processo da educação, que ele designa como ciências sintéticas da educação (por exemplo, a pedagogia geral). E, fi nalmente, entre estas duas estão as ciências O objeto das ciências da educação é o processo educacional. 103 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 analíticas-sintéticas da educação que, inicialmente, analisam partes do processo educacional (análise histórica ou comparada) antes de culminar em um estudo sintético. Elas podem tomar como objeto de estudo todo o processo educacional ou alguns aspectos dele (por exemplo, os fi ns, os meios ou os atores). Sob este agrupamento, García Garrido classifi ca a história da educação e a educação comparada. Mitter (1982) destaca a contribuição única desses dois assuntos para as ciências da educação como a de fornecer uma perspectiva histórica e geográfi ca, respectivamente. As ciências analítico-sintéticas, em particular, permitem transcender os limites disciplinares (ou subcampo) nos estudos educacionais, usando as dimensões do tempo e do espaço. Isto é o que as ciências históricas e comparadas conseguem fazer. Assim, Sutherland (2007, p. 197) observa que "a educação comparada tem a difícil tarefa de reconhecer e sintetizar a contribuição de muitos aspectos diferentes dos sistemas de educação", que os ramos individuais dos estudos da educação abordam separadamente. Essa síntese é necessária para uma compreensão holística do processo educacional. As ciências analítico-sintéticas, em particular, permitem transcender os limites disciplinares (ou subcampo) nos estudos educacionais, usando as dimensões do tempo e do espaço. Quadro 3 – Uma classifi cação das ciências da educação Ciências Analíticas da Educação Ciências Antropológicas Ciências Metodológicas Ciências Teleológicas · Psicologia da Educação · Sociologia da Educação · Antropologia da Educa- ção · Didática · Organização Escolar · Políticas da Educação · Economia da Educação · Planejamento Educacional · Filosofi a da Educação · Teologia da Educação Ciências Analíticas-Sin- téticas Ciências Sintéticas · História da Educação · Educação Comparada · Pedagogia Geral · Pedagogia Especial Fonte: Versão simplifi cada e adaptada de García Garrido (1996, p. 209). Ao posicionar a educação comparada dentro deste quadro de ciências da educação, García Garrido (1996) diferencia o objeto próprio da educação comparada – na sua opinião, sistemas educacionais – e o objeto próprio da(s) ciência específi ca(s) da educação (psicologia, sociologia, fi losofi a etc.). Ele reconhece a complexidade de delimitar as diferentes ciências da educação, e não vamos replicar aqui as longas discussões sobre o assunto. O objetivo aqui é iluminar a natureza distintiva da educação comparada desses outros grupos 104 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA de ciências da educação e argumentar que, portanto, merece um lugar no mapa das ciências da educação, apesar das sobreposições óbvias em temas e do compartilhamento de metodologias comparativas. Nos parágrafos seguintes, serão discutidos alguns dos ramos das ciências da educação listados anteriormente e seu relacionamento com educação comparada. Salvo indicação em contrário, as ideias foram tiradas de García Garrido (1996). O início serão com as ciências antropológicas, seguidas das ciências metodológicas, depois das ciências teleológicas. Após a discussão, essas ciências analíticas, então serão exploradas a ciência analítica-sintética da história da educação. A psicologia da educação é um ramo da psicologia que está preocupado com o processo educacional e especifi camente com os atores da educação, suas interações e as relações entre o indivíduo e a cultura. Particularmente pertinentes à educação comparada são os subcampos da psicologia social e da psicologia da aprendizagem. Em termos gerais, o objeto da sociologia da educação inclui "fenômenos sociais" e as "instituições sociais e relacionamentos com referência à educação e à sociedade" (MARTÍNEZ, 2003, p. 45). Isso evidentemente se sobrepõe ao objeto de educação comparada – sistemas educacionais – que são essencialmente instituições sociais. Uma contribuição específi ca da sociologia da educação para a educação comparada é a análise do comportamento de grupos sociais específi cos em diferentes contextos (educacional, social, político e econômico). A antropologia da educação é um campo das ciências da educação que é uma interface entre a educação e antropologia cultural. Estuda o desenvolvimento da educação em culturas vivas (em oposição às culturas pré-históricas, que é o objeto estudado pela arqueologia). O antropólogo pode “contribuir para a educação e a compreensão intercultural do comportamento humano, bem como o conhecimento da própria cultura” (NICHOLSON, 1969 apud GARCÍA GARRIDO, 1996, p. 224). Isso tem ressonância particular na educação comparada. Após uma discussão das ciências que lidam com os atores no processo educacional, agora exploraremos as ciências que lidam com os meios e métodos de educação. A Organização Escolar estuda os meios e métodos que garantem a efi ciência das escolas, individualmente consideradas. Especialistas em organização/ administração escolar têm recorrido a experiências educacionais estrangeiras Uma contribuição específi ca da sociologia da educação para a educação comparada é a análise do comportamento de grupos sociais específi cos em diferentes contextos (educacional, social, político e econômico). 105 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 e metodologia comparativa. Por outro lado, os comparativistas precisam de um conhecimento sólido das questões organizacionais da escola. García Garrido (1996) defi ne o ramo de estudo das Políticas Educacionais, ou políticas da educação, como a ciência que investiga o uso correto do poder político com o objetivo de atingir o nível mais alto possível de educação para seus cidadãos. Tratam-se dos métodos ou dos meios para atingir fi ns educacionais. Precisa-se de educação comparada para oferecer uma visão crítica da política educacional no país e no exterior. Ao mesmo tempo, os comparativistas precisam ter algum conhecimento de ciência política e política educacional, uma vez que os sistemas educacionais são, em si mesmos, sistemas políticos, infl uenciados por objetivos políticos e estabelecidos através de meios políticos. Ao serviço das políticas públicas educacionais estão a Economia da Educação e o Planejamento Educacional. O primeiro aborda o fi nanciamento da educação e o segundo a aplicação de análises sistemáticas e racionais à educação, a fi m de que ela possa atender de forma mais efi caz às necessidades e objetivos dos alunos e da sociedade (COOMBS, 1970 apud GARCÍA GARRIDO, 1996, p. 235). García Garrido (1996) defi ne a Filosofi a da Educação como o estudo dos objetivos/fi ns da educação. Em seu estudo dos sistemas educacionais, a educação comparada deve se preocupar com os objetivos e fi ns dos sistemas educacionais, e precisa estar familiarizada com os conceitos fi losófi cos. Lauwerys, por exemplo, foi um comparativista que adotou uma abordagem fi losófi ca, identifi cando os sistemas educacionais mundiais pelas tradições fi losófi cas subjacentes em cada país (MARTÍNEZ, 2003). A história da educação estuda tanto a história do pensamento educacionalquanto a realidade educacional. García Garrido (1996) classifi ca tanto a história da educação como a educação comparada como ciências analítico-sintéticas. A relação entre os dois campos tem sido longa e forte, particularmente na Europa (FERRER, 2002). Ferrer identifi ca duas escolas de pensamento com respeito à relação entre a história da educação e a educação comparada: primeiro, a fusão desses dois ramos do conhecimento pelo campo sócio-histórico, como se pode ver em Archer (1979), Pereyra (1989), Ringer (1992) e Schriewer (2009); e segundo, o papel auxiliar da história da educação para a educação comparada defendida por García Garrido (1996). Ferrer (2002) resolve essa aparente dicotomia ao distinguir os estudos comparados diacrônicos e sincrônicos. Quando a abordagem diacrônica é usada, um estudo mais claro pertence à história da educação. No entanto, quando uma abordagem sincrônica é empregada, a A educação comparada deve se preocupar com os objetivos e fi ns dos sistemas educacionais, e precisa estar familiarizada com os conceitos fi losófi cos. 106 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA história da educação se volta ao serviço da educação comparada, porque o que domina não é a evolução de um sistema educacional, mas o estudo de vários sistemas em um ponto no tempo. Ao se empregar o quadro analítico oferecido por García Garrido (1996), que classifi cou as ciências da educação pelo seu próprio objeto de estudo, a discussão anterior clarifi cou a posição distinta da educação comparada nos estudos educacionais. Enquanto os subcampos analíticos das ciências da educação estudam um aspecto específi co do processo educacional –os atores, os meios ou os fi ns – e os subcampos sintéticos (por exemplo, a pedagogia geral) estudam todo o processo educacional, a educação comparada e a história da educação estudam os aspectos analíticos e sintéticos da perspectiva do espaço e do tempo. A natureza híbrida da educação comparada, com seu objeto específi co (sistemas educacionais), tem a tarefa desafi adora de sintetizar a contribuição de muitos aspectos diferentes dos sistemas de educação. A natureza híbrida da educação comparada, com seu objeto específi co (sistemas educacionais), tem a tarefa desafi adora de sintetizar a contribuição de muitos aspectos diferentes dos sistemas de educação. Atividade de Estudos: 1) García Garrido ofereceu uma possível classifi cação das ciências da educação, na qual podemos situar a educação comparada. Sintetize o lugar, em relação às outras ciências da educação, da Educação Comparada. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Educação Comparada e Campos Relacionados Diversas tipologias foram oferecidas para distinguirem os diferentes campos estreitamente aliados à educação comparada. Halls (1990) ofereceu um modelo preliminar reproduzido na Figura 1. Ferrer (2002) citou o trabalho de Van Daele (1993), que distinguiu entre os seguintes termos relacionados: educação comparada, educação internacional (como subcampo da educação comparada), 107 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 educação para o desenvolvimento e educação multicultural (e intercultural). Nota-se que Halls localiza a educação comparada como o campo abrangente que engloba subcampos como educação internacional, educação intercultural e educação para o desenvolvimento, entre outros. Figura 1 - Tipologia de Halls de educação comparada Fonte: Halls (1990, p. 23). A este respeito, Phillips e Schweisfurth (2006) não concordam com o posicionamento de que Halls faz da educação internacional um subconjunto de educação comparada. Eles propõem, em vez disso, que a "educação comparada" e a "educação internacional" sejam vistas como "campos consanguíneos" (PHILLIPS; SCHWEISFURTH, 2006, p. 154), como pontos de partida iguais e essencialmente relacionados para o "mapeamento" do campo (ver Figura 2). Phillips e Schweisfurth afi rmam que ambos os termos – comparada e internacional – são necessários para descrever adequadamente o campo, uma vez que "educação comparada sem o qualifi cador" internacional "pode estar comparando qualquer coisa [...]”, enquanto “a educação internacional sem comparação nega suas fundações intelectuais" (PHILLIPS; SCHWEISFURTH, 2006, p. 152-153). No entanto, Manzon (2008) discorda desta afi rmação de que a educação comparada e a educação internacional são campos consanguíneos, porque eles realmente têm antecessores diferentes (EPSTEIN, 1994) e corpos de literatura incomunicáveis: educadores internacionais falam menos de educação comparada do que o inverso. 108 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Além disso, o entrelaçamento dos campos de educação comparada e internacional era peculiar a alguns países, como demonstrado nas histórias da sociedade profi ssional (MANZON; BRAY, 2007) e, como afi rma Cowen (2012), estava politicamente posicionado em termos da política externa dos EUA e da Inglaterra. Essas diferentes tipologias podem assim ser vistas como movimentos discursivos variados para legitimar uma ou outra defi nição do campo, localizando visualmente sua posição com campos relacionados. Halls (1990) mapeia a educação comparada como um campo guarda- chuva que abrange toda uma série de atividades educacionais transnacionais, incluindo a educação internacional. Em contraste, Phillips e Schweisfurth (2006) colocam educação comparada e a educação internacional igualmente entre si, tratando-as como campos inseparáveis e simbióticos. O entrelaçamento dos campos de educação comparada e internacional era peculiar a alguns países Figura 2 – Esquema para o campo da educação comparada e internacional Fonte: Phillips e Schweisfurth (2006, p. 10). Para fi ns de discussão, será utilizada a tipologia de Halls, depois de uma breve defi nição desses principais títulos, a elucidação dos termos que foram debatidos na literatura recente, a saber, a Educação Estrangeira, a Educação Internacional, a Educação Global, a Educação para o Desenvolvimento e a Educação Intercultural. Em parte, segue Cheng (2003) nesta abordagem, que elucidou os vínculos entre a educação comparada e esses outros campos de pesquisa, embora excluísse a Educação Intercultural. Halls subdivide a primeira categoria, Estudos Comparados, em dois: Pedagogia Comparada, refere-se ao estudo do ensino e ao processo de sala de aula em diferentes países. A análise intraeducacional e intracultural envolve a investigação da 109 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 Educação por seus vários níveis, e também pesquisa sistematicamente as forças históricas, sociais, culturais, políticas, religiosas, econômicas e fi losófi cas que em parte determinam e são parcialmente determinadas pelo caráter dos sistemas educacionais e comparam os consequentes resultados em dois ou mais sistemas, áreas ou até mesmo globalmente (HALLS, 1990, p. 24). Uma segunda categoria é a Educação no Exterior (Auslandspädagogik) ou educação estrangeira, que estuda os aspectos de um sistema educacional ou sistemas diferentes daqueles do próprio país. Um terceiro agrupamento é a Educação Internacional, subdividida em: Pedagogia internacional, “que é o estudo do ensino de grupos multinacionais, multiculturais e multirraciais, ou a educação de minorias linguísticas ou étnicas”, é também o “estudo de assuntos como educação para o entendimento internacional, educação para a paz e estudos da população e da ecologia internacionais" (HALL, 1990, p. 24). Enquanto isso, o Estudo do Trabalho das Instituições Educacionais Internacionais se sobrepõe à Pedagogia Internacional, mas aborda questões de política (por exemplo, promoção de intercâmbios educacionais,estabelecimento de aceitação internacional de qualifi cações). O último grupo proposto por Halls (1990, p. 24) é o Educação para o Desenvolvimento, que trata da "produção de informações e planos para auxiliar os formuladores de políticas, o desenvolvimento de métodos e técnicas educacionais adequados e a capacitação de pessoal para implementar programas". Educação Estrangeira Um termo que tem sido frequentemente associado e confundido com a educação comparada em sua história anterior é "educação estrangeira". Rust (2001, p. iii) cita a noção de Friedrich Schneider de educação estrangeira como incluindo as obras que descrevem e explicam principalmente fenômenos educacionais em um único país. Isto é semelhante ao que Bereday (1972) identifi cou como estudos de área, que normalmente estão preocupados com um país ou região, em contraste com estudos comparativos que fazem justaposição de dados de diferentes países e que comparam simultaneamente suas unidades de análise. Rust, no entanto, argumenta que nem todos os estudos de um único país são descritivos e, portanto, classifi cáveis como "educação estrangeira". Eles também podem ser comparativos se "permitem que os leitores que estão fora desse sistema educacional entendam como seus problemas podem iluminar problemas em outros lugares" ou se "eles dependem ou testam teorias mais gerais" (RUST, 2001, p. iv). Esses critérios concordam com os estabelecidos pelo predecessor de Rust como editor do periódico Comparative Education Review, Erwin H. Epstein (1994), bem como por Anderson (1961). Um termo que tem sido frequentemente associado e confundido com a educação comparada em sua história anterior é "educação estrangeira". 110 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA A educação estrangeira é menos utilizada na literatura contemporânea. Seu uso na década de 1950 pode ser parcialmente explicado pelas ideologias então predominantes (MANZON; BRAY, 2007). As instituições da Alemanha Oriental (República Democrática Alemã) usaram o termo "educação estrangeira" ou "educação no exterior" para denotar o trabalho que era descritivo ou consistia em traduções de artigos de autoria estrangeira. Eles evitavam o termo "educação comparada" porque qualquer comparação era considerada ideologicamente arriscada, até a reunifi cação da Alemanha Oriental e Ocidental em 1989. A educação estrangeira é menos utilizada na literatura contemporânea. Seu uso na década de 1950 pode ser parcialmente explicado pelas ideologias então predominantes. Educação Internacional Bray (2007) rastreou os debates que tentaram defi nir a educação internacional e distingui-la da educação comparada. Ele citou quatro signifi cados diferentes da educação internacional. Primeiro, Scanlon e Shields (1968, p. x) defi nem a educação internacional como "os vários tipos de relações educacionais e culturais entre as nações". Distinguindo a educação comparada a partir desta defi nição, Epstein (1968, p. 376-377) afi rma que a educação internacional "tende a ser menos científi ca do que a educação comparada", e que estava menos preocupada com a análise e o estudo, mas mais com a prática e a implementação da política. Mais tarde, ele defi ne a educação comparada como "um campo de estudo que aplica teorias e métodos históricos, fi losófi cos e de ciências sociais aos problemas internacionais na educação", e o contrasta com a educação internacional que "promove uma orientação internacional no conhecimento e atitudes, e entre outras iniciativas, reúne estudantes, professores e estudiosos de diferentes nações para aprender sobre si e uns com os outros" (EPSTEIN, 1994, p. 918). Epstein (1994) afi rma que os comparativistas são principalmente estudiosos interessados em explicação e análise do por que os sistemas e processos educacionais variam e como eles se relacionam com seus contextos sociais mais amplos, enquanto os educadores internacionais estão mais focados em informações descritivas sobre os sistemas educacionais das nações e sociedades e engajados na elaboração de políticas públicas na área de intercâmbio e entendimento internacional. Esta segunda defi nição de educação internacional parece variar apenas ligeiramente daquela de Scanlon e Shield, particularmente em sua delimitação do escopo para a educação formal. Wilson (1994) contesta a conceptualização dicotômica de Epstein da educação comparada versus internacional. Em vez disso, ele afi rma que os dois campos – educação comparada e educação internacional – são campos gêmeos e que os educadores internacionais estão preocupados com a melhoria dos sistemas 111 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 educacionais nacionais através do empréstimo ou transferência de modelos educacionais, práticas e inovações de outros sistemas educacionais nacionais. Wilson, portanto, "apropria-se" do propósito meliorista como um fator diferenciador da educação internacional. Nesta tipologia, ele inclui o trabalho de "funcionários em organizações bilaterais, multilaterais e não governamentais envolvidos em estudos nacionais, geralmente relacionados a um projeto de desenvolvimento" (WILSON, 1994, p. 455). Vários outros ecoam esta característica explicitamente aplicada e orientada para a ação da educação internacional, também entendida como ajuda internacional ao desenvolvimento, como vemos, por exemplo, em Crossley (1999) e Watson (1999). Outra defi nição, citada por Bray (2007), é de Postlethwaite (1988b p. xvii), que classifi ca sob o título de "educação internacional" aqueles estudos que "não se comparam, mas descrevem, analisam ou fazem propostas para um aspecto particular da educação em um país que não seja o próprio país do autor". A educação comparada, especifi ca Postlethwaite, é estritamente relacionada com a "comparação", com o exame de duas ou mais entidades (entre ou dentro dos sistemas educacionais), justapondo-as e buscando semelhanças e diferenças entre elas ou nelas. Postlethwaite reserva assim para a educação comparada o uso explícito do método comparativo e deixa para a educação internacional a vasta área de estudos estrangeiros não comparativos, descritivos e/ou pragmáticos. Comparando as diferentes defi nições de educação internacional citadas anteriormente, os seguintes elementos tendem a distingui- la da educação comparada: a educação internacional não é explicitamente comparativa, funciona em um país/cultura estrangeira, tem um propósito pragmático/aplicado, diz respeito à promoção de intercâmbios e entendimentos internacionais, e com o trabalho de organizações educacionais internacionais. No entanto, as defi nições de educação internacional oferecidas por estudiosos da educação internacional (que não se consideram explicitamente como comparativistas) oferecem perspectivas diferentes das apresentadas anteriormente. Cambridge e Thompson (2004) identifi cam o uso do termo "educação internacional" com o trabalho de escolas internacionais, como se verifi ca, por exemplo, em Lowe (1998). Associados a esse uso, Cambridge e Thompson introduziram duas interpretações atuais da educação internacional. Uma segue uma inclinação ideológica "internacionalista", que "identifi ca a educação internacional com o desenvolvimento de atitudes internacionais, consciência internacional, A educação internacional não é explicitamente comparativa, funciona em um país/cultura estrangeira, tem um propósito pragmático/aplicado, diz respeito à promoção de intercâmbios e entendimentos internacionais, e com o trabalho de organizações educacionais internacionais. 112 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA mentalidade internacional e compreensão internacional". Outro está de acordo com a tendência pragmática "globalista" em relação a "servir um mercado que exige a certifi cação global das qualifi cações educacionais" (CAMBRIDGE; THOMPSON, 2004, p. 173).Além disso, os propósitos da educação internacional têm sido ampliados por alguns autores, como Sylvester (2007) e Vestal (1994), para incluir a educação para o entendimento internacional e a educação para a cidadania mundial, vinculando-a com atividades e disciplinas sob o nome de relações internacionais, educação global, educação multicultural, educação para a paz, programas de intercâmbio, globalização e estudos interculturais. Uma confusão maior é introduzida pelo uso amplo de Marshall (2007) de "educação global" a seguir. Apesar dessas distinções, os comparativistas reconhecem que a educação comparada e a educação internacional se complementam. Assim, Crossley (1999), também Crossley e Watson (2003), propõem uma fundamental reconceptualização e reconciliação dos dois campos. Epstein (1994, p. 922) elucida essa relação simbiótica entre os dois: A educação internacional, estabelecendo o enquadre para observações da educação em outros países, é o ponto de partida para a educação comparada. A comparação dá sentido às observações feitas pela educação internacional, expandindo as possibilidades de análise. Para entender o porquê e como algumas funções exigem investigação sobre o relacionamento entre suas partes [...]. Muitas estatísticas podem ser acumuladas na educação em um determinado país, mas, a menos que sejam incorporadas dentro de um enquadre comparativo, a análise será limitada. Educação para o Desenvolvimento Expandindo ainda mais a breve defi nição oferecida por Halls (1990) anteriormente, citam-se alguns outros autores nesta seção. Parkyn (1977, p. 88- 89) defi ne claramente esta área de estudo, assim: Basicamente, a distinção entre ‘educação para o desenvolvimento’ e ‘educação comparada’ é referente ao propósito. A educação para o desenvolvimento está especifi camente preocupada com a necessidade imediata dos países em desenvolvimento de alcançar a modernização econômica, política e social. 113 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 Ele contrasta com o propósito da educação comparada, que é de "aumentar nossa compreensão da relação entre educação e desenvolvimento" (PRKYN, 1977, p. 89) através de um estudo comparativo de fatores transsocietais. Kazamias e Massialas (1982, p. 314) ecoam esta compreensão da educação para o desenvolvimento e enfatizam o seu propósito ao designá-la com um termo único, como "educação-para-o-desenvolvimento". A educação comparada é, portanto, mais acadêmica e tradicionalmente focada em países "desenvolvidos", enquanto que a educação para o desenvolvimento é mais orientada para as políticas públicas e focada em países "menos desenvolvidos". Nos seus objetivos aplicados, a educação para o desenvolvimento é mais parecida com a educação internacional do que com a educação comparada. Adams (1977, p. 296) aponta duas nuances no uso do termo "educação para o desenvolvimento". Primeiro, utilizou-se para se referir a "esse tipo de educação especialmente concebida tanto para refl etir a pobreza do meio ambiente como para promover a mudança da comunidade ou da sociedade". Em segundo lugar, também se referiu a "estudos e políticas públicas de relações entre educação e o processo geral de desenvolvimento" (ADAMS, 1977, p. 296). Ishii (2001) traça o surgimento da educação para o desenvolvimento como um tema de estudos nas escolas até a década de 1960. Após o nascimento de países recentemente independentes, as nações industrializadas perceberam suas responsabilidades morais e éticas em relação aos mesmos, entre os meios que aplicaram, foi a introdução da educação para o desenvolvimento em escolas (por exemplo, Suécia, Noruega, Canadá, França e Reino Unido, e depois a Holanda). O objetivo era capacitar os estudantes nos países desenvolvidos a estarem “mais conscientes da existência de desigualdades econômicas e de oportunidades de vida desiguais nos países em desenvolvimento e da importância de uma sociedade internacional justa” (ISHII, 2001, p. 330). Ishii ressalta ainda que o termo usado nos EUA para este tipo de estudos foi "educação global". A educação comparada é, portanto, mais acadêmica e tradicionalmente focada em países "desenvolvidos", enquanto que a educação para o desenvolvimento é mais orientada para as políticas públicas e focada em países "menos desenvolvidos". Educação Global Marshall (2007, p. 38) usa o termo "educação global" para abranger a [...] educação para o desenvolvimento ou estudos mundiais (relacionados ao trabalho de organizações e indivíduos que defendem a inclusão de uma dimensão global no ensino e currículo escolar) e a tradição da Educação Internacional (muitas vezes defi nida em relação às escolas internacionais e modelos curriculares, como o Bacharelado Internacional, IB). 114 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Ele traçou o surgimento do campo aos movimentos de paz do século XIX nos EUA, Grã-Bretanha e Europa continental, e o surgimento dos termos "educação global", "educação para a cidadania mundial" e "educação para a compreensão internacional" na década de 1950, particularmente no Reino Unido (MARSHALL, 2007, p. 39-40). As décadas de 1960 e 1970 alimentaram o crescimento da educação global, com o surgimento de ONGs e políticas públicas orientadas globalmente nesta área (por exemplo, a Recomendação Relativa à Educação para a Compreensão, a Cooperação e a paz Internacional da UNESCO em 1974). Fujikane (2003) acrescenta à lista de predecessores da educação global: educação para o desenvolvimento, educação multicultural e educação para a paz. Kirkwood (2001) comparou as principais defi nições de educação global por estudiosos globais e concluiu que eles convergiram em quatro temas principais: perspectivas múltiplas, compreensão e apreciação das culturas, conhecimento de questões globais e o mundo como sistemas inter-relacionados. Em termos de distinguir a educação global da educação internacional, Cheng (2003, p. 20) elucida que, embora ambos os campos promovam a paz e o entendimento, "a educação internacional conceitua os seres humanos como indivíduos políticos e culturais com identidade nacional e mente internacional, [enquanto] a educação global tende mais a conceituar que somos habitantes da Terra global". Como Fujikane (2003, p. 145) descreve, após a década de 1990, o foco da educação global mudou: "agora estamos abraçando a ideia de novos ‘cidadãos do mundo’, que reconhecem a interdependência, atuam independentemente de seus estados-nação e estão construindo a moral universal para criar uma sociedade global mais justa”. Marshall (2007) cita duas tradições que tentaram articular os limites da educação global: a tradição dos direitos humanos e a tradição das Escolas Internacionais/IB. A educação em direitos humanos dá uma substância identifi cável e foco em estudos globais, enquanto a tradição IB delimita o alcance da educação global para o papel das escolas internacionais na educação sobre valores internacionais. O objetivo dos estudos globais nesta luz é promover uma sensação de "mentalidade internacional". Marshall, no entanto, qualifi ca sua compreensão da educação global para o contexto do Reino Unido, assim como Fujikane (2003), que limita sua noção aos contextos dos EUA, Reino Unido e Japão. Esta qualifi cação é importante, pois o mesmo termo se presta a signifi cados contrastantes, dependendo de quem o defi ne. As décadas de 1960 e 1970 alimentaram o crescimento da educação global, com o surgimento de ONGs e políticas públicas orientadas globalmente nesta área 115 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 Educação Intercultural Dasen (2000 apud FERRER, 2002, p. 199) descreve a Educação Intercultural como “abrangendo três tipos de estudos”: o estudo de um fenômeno dentro de uma cultura; o estudo comparado de um fenômeno em várias culturas; e o estudo dos processos envolvidosna reunião de várias pessoas de diferentes culturas de origem. Ferrer (2002, p. 199-200) opina que é no último tipo de estudos em que “a educação intercultural interage com a educação comparada”. Ele ressalta o foco comum no "outro" e o interesse similar na cultura, embora, enquanto a cultura é o cerne da educação intercultural, para a educação comparada, é um meio interpretativo para a compreensão dos sistemas educacionais (PÉREZ; GROUX; FERRER, 2000). Esta é, obviamente, apenas uma visão da cultura em relação à educação comparada. A própria cultura é um termo complexo para defi nir, como mostra Mason (2015). Um termo relacionado e às vezes intercambiavelmente utilizado é o de educação multicultural. Fujikane (2003) analisa variações nos signifi cados e na importância desta área de país a país. No Reino Unido e em partes da Europa Continental, EUA e Japão, foi associado aos crescentes problemas de imigração dentro da sociedade hospedeira e promoveu uma compreensão das diferentes culturas e raças que compõem esta sociedade. Banks e McGee Banks (2004) observam que a educação multicultural é usada para descrever uma ampla gama de programas e práticas educacionais relacionadas a grupos étnicos, grupos minoritários, grupos de baixa renda e pessoas com defi ciência. A educação multicultural é usada para descrever uma ampla gama de programas e práticas educacionais relacionadas a grupos étnicos, grupos minoritários, grupos de baixa renda e pessoas com defi ciência. A educação comparada, estritamente falando, refere- se ao subcampo acadêmico de estudos educacionais, que analisa em perspectiva comparativa sistemas e processos educacionais em dois ou mais contextos nacionais ou culturais e sua interação com seus ambientes sociais. Distinguindo a Educação Comparada de Campos Cognatos A taxonomia mencionada iluminou os elementos que distinguem a educação comparada de campos relacionados que também exploram realidades e atitudes educacionais "estrangeiras" ou "outras", por diversos propósitos. O contraste com os campos relacionados traz em perspectiva o território distintivo, embora não sempre exclusivo, da educação comparada. A educação comparada, estritamente falando, refere-se ao subcampo acadêmico de estudos educacionais, que analisa em perspectiva comparativa sistemas e processos educacionais em dois ou mais contextos nacionais ou culturais e sua interação com seus ambientes sociais. Seu objetivo é o acadêmico, isto é, para a compreensão teórica e a construção da teoria. Nesses três domínios – objeto de estudo, método e propósito – a educação comparada é distinguível dos campos vizinhos intimamente associados a ela. 116 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Assim, a educação estrangeira geralmente está preocupada com um único país ou região "estrangeira", e é principalmente descritiva ou informativa. A educação internacional é um termo amplo que, dependendo de um período histórico particular e país, pode abranger a educação global, a educação intercultural e a educação para o desenvolvimento. A educação internacional também está preocupada com os sistemas e práticas de educação estrangeira, mas não é explicitamente comparativa e seus propósitos são geralmente pragmáticos – o de melhorar a política pública e a prática educacional –, geralmente realizados em colaboração com organizações educacionais internacionais. A este respeito, está associada à educação para o desenvolvimento. A educação internacional também está intimamente associada à promoção de intercâmbios e atitudes internacionais de compreensão internacional e, nesse sentido, se sobrepõe à educação global e intercultural. A educação global difere da educação internacional em seu interesse em promover uma atitude de ser cidadãos responsáveis do mundo global, ao contrário desta última, que é mais estreita em seu objetivo, foca em várias nações (internacionais). A educação intercultural e a educação multicultural estão preocupadas com a educação das comunidades de imigrantes. E a educação para o desenvolvimento geralmente é considerada como assistência educacional aos países "menos desenvolvidos" ou "em desenvolvimento", fornecida por países desenvolvidos ou industrializados. Dadas as suas diferentes ênfases, mesmo perante a ausência de um consenso em seus limites exatos, as infraestruturas institucionais (programas e cursos universitários, centros de pesquisa, publicações especializadas, sociedades profi ssionais) foram nomeadas com um ou mais desses termos combinados. A combinação mais comum (embora não universal) é entre a educação comparada e a educação internacional. Entre as mais de 37 sociedades profi ssionais de educação comparada, seis combinam a educação comparada e a internacional em seus nomes, e uma delas inclui educação intercultural também. Entre os periódicos das sociedades, da sociedade grega é chamado de Comparative and International Education Review, e da sociedade australiana e da Nova Zelândia é chamado de The International Education Journal: Comparative Perspectives. Quanto aos programas de pós-graduação no Canadá, por exemplo, os nomes incluem: Mestrado em Educação Comparada, Internacional e para o Desenvolvimento, Mestrado em Educação Comparada e Intercultural, Mestrado em Estudos de Desenvolvimento Internacional, Mestrado em Globalização e Desenvolvimento Internacional (LARSEN; MAJHANOVICH; MASEMANN, 2008). 117 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 Em vista dessa diversidade em focos e propósitos, Cheng (2003) propõe uma alternativa à estrutura de Halls (1990). Ao invés de ver a educação comparada como um campo guarda-chuva que abrange os campos relacionados da educação estrangeira, educação internacional e educação para o desenvolvimento, pode ser considerada como um campo independente, mas sobreposto, com os campos "irmãos". Concorda-se com Cheng e, talvez, a educação comparada possa ser vista como primus inter pares (primeiro entre iguais), uma vez que fornece a estrutura teórica ou base para os outros campos. A educação comparada, pode ser considerada como um campo independente, mas sobreposto, com os campos "irmãos". Atividade de Estudos: 1) Como podemos distinguir a educação comparada de outros campos cognatos? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Definindo a Educação Comparada Conforme mencionado em capítulos anteriores, as defi nições e terminologias não existem sem motivo. Elas são formuladas por pessoas que percebem a realidade em um determinado momento e que se dirigem a uma determinada audiência. Toma-se, por exemplo, a defi nição de educação comparada oferecida pela Gu (2001) na China. A ênfase saliente no "desenvolvimento da educação" contrasta com defi nições mais comuns por estudiosos anglo-americanos do mesmo período. Outro exemplo é o uso de terminologias. Em nível institucional, a mudança nos nomes de algumas sociedades profi ssionais da educação comparada foi catalisada por fatores contextuais (MANZON; BRAY, 2007). Isso não quer dizer que todas as defi nições e terminologias sejam subjetivas e de valor relativo. Estes são apenas alguns exemplos que servem para que as defi nições e as terminologias tenham uma gênese e devem ser vistas criticamente no contexto, isto é, em relação à sua posição dentro de um campo intelectual. 118 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Comparando Definições de Educação Comparada Nesta seção, serão reunidos os principais pontos demonstrados nos capítulos anteriores e neste capítulo até o momento. Consideram-se importantes não só comparar as defi nições da educação comparada como sugerido por Rosselló (1978),mas também fazê-lo através das comunidades linguísticas (MARGINSON; MOLLIS, 2002), tal como empreendido por Manzon (2007). Selecionam-se e justaposicionam-se as defi nições de educação comparada por comparativistas dos contextos espanhóis (Europa continental), americanos, chineses e sul- americanos, respectivamente. Primeiro, Martínez (2003), que confrontou as defi nições de educação comparada por estudiosos anglo-saxões, europeus e espanhóis. Em segundo lugar, Epstein (1994), dos EUA, em terceiro Gu (2001), da China e, por fi m, Olivera (2009), da Costa Rica, que também comparou as defi nições de educação comparada por estudiosos de diferentes tradições. A Tabela 1 mostra uma justaposição dessas várias defi nições. Talvez, mais do que a diversidade linguística, essas defi nições podem ser consideradas como tipologias de defi nições contextualizadas. Reconhecem-se os limites e os perigos de reifi car essas defi nições em tipos específi cos, mas essa equiparação de comparações é útil para abstrair em nível superior a natureza da educação comparada. Embora a defi nição de Epstein talvez refl ita o contexto do país industrializado norte-americano, aquela de Gu surge de uma perspectiva de país "em desenvolvimento", que é um novo participante e se tornou um protagonista importante no sistema mundial. Martínez, baseou-se em uma comparação de muitas defi nições de educação comparada, representa um pouco da visão convencional (mainstream), ao passo que a defi nição de Olivera pode ser considerada uma visão "idealista" da educação comparada, como afi rma García Garrido (1996). Classifi caram-se as defi nições de acordo com três domínios principais: objeto, método e propósitos. Mapear as defi nições multilíngues/multicontextuais da educação comparada confi rma que a educação comparada é um campo interdisciplinar, com um objeto, método e propósito apropriados. Da Tabela 1, podem-se resumir certos elementos comuns ou compartilhados que podem constituir uma defi nição internacionalmente e transcontextualmente consistente de educação comparada. Em primeiro lugar, o objeto distinto da educação comparada consiste de sistemas, questões e padrões ou modelos educacionais em dois ou mais contextos nacionais/culturais. Em segundo lugar, o método empregado é essencialmente comparativo, com Classifi caram-se as defi nições de acordo com três domínios principais: objeto, método e propósitos. 119 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 estruturas teóricas extraídas das ciências sociais, da história e da fi losofi a. Em terceiro lugar, o propósito (objetivo) principal da educação comparada é a compreensão teórica das relações entre padrões ou modelos educacionais inter- nações e seus respectivos contextos sociais. Quadro 4 – Comparação de defi nições tipológicas de educação comparada Convencio- nal Martinez (2003, Espa- nha) Industrializada Epstein (1994, EUA) Em Desenvolvi- mento Gu (2001d, China) Idealista Olivera (2009, Costa Rica) Objeto Sistemas, problemas e processos educacionais. Questões in- ternacionais da educação. Educação em pa- íses estrangeiros ou regiões em um país particular. O fenômeno educa- cional em duas ou mais sociedades. Método Comparativo. Histórico, fi lo- sófi co, teorias e métodos científi - co-sociais. Comparativo; a partir das ciências sociais. Comparativo. Propó- sito Básico: com- preender a interação dos fenômenos educacionais com o con- texto. Explicar como e por que a educa- ção se relaciona com fatores sociais e forças que formam seu contexto. Identifi car princí- pios e tendências do desenvolvi- mento da educa- ção como uma referência para a reforma educacio- nal local. Entender as simila- ridades e diferenças entre os fenômenos educacionais e suas formas de interação com seu ambiente social, e elucidar a tomada de decisão para o aprimoramen- to educacional. Fonte: O autor. Em critérios epistemológicos, pode-se concluir que a educação comparada não é uma disciplina, mas um subcampo interdisciplinar de estudos educacionais. É um subcampo substantivamente distinto de estudos educacionais, uma vez que o objeto próprio da educação comparada, em strictu sensu, consiste em dois ou mais sistemas educacionais, ou conjuntos de relacionamentos previamente elaborados entre dois ou mais sistemas educacionais. Este objeto é essencialmente diferente dos objetos apropriados dos outros subcampos de estudos educacionais. A educação comparada tampouco é simplesmente um método ou apenas um subcampo metodologicamente distinto. Diluir a educação comparada a um método distintivo em estudos educacionais ignora que tem um objeto e propósito distintivos, e que não possui um único método distintivo, mas extrai seus métodos e teorias de fontes multidisciplinares. Em critérios epistemológicos, pode-se concluir que a educação comparada não é uma disciplina, mas um subcampo interdisciplinar de estudos educacionais. 120 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA No entanto, disciplinas e campos não são construídos apenas em torno de um núcleo epistemológico não arbitrário, mas também em torno de elementos sociologicamente arbitrários (MANZON, 2007). Tanto o poder sociológico como o poder epistemológico constituem conhecimento. A estrutura epistemológica de um campo exibe características necessárias, permanentes e universais, enquanto suas formas sociológicas apresentam características contingentes, variáveis e particulares. Ambos interagem com estruturas sociais externas e o trabalho substantivo e discursivo de agentes que, motivados por interesses intelectuais e micropolíticos, procuram desenvolver seu campo e suas posições dentro dele. Assim, enquanto a educação comparada é argumentavelmente um subcampo distinto de estudos de educação de um ponto de vista teórico (como demonstrado anteriormente), é menos claro assim em sua substância empírica (como aludido, nas lutas geralmente compartilhadas por campos comparativos para defender seus respectivos territórios). Essa tensão deve-se em parte à amplitude do objeto e abordagens disciplinares (fatores epistemológicos) utilizados em campos e campos comparativos, em particular, e em parte às forças sociológicas e discursivas que intervêm na construção de campos. Com base nas perspectivas foucaultianas e bourdienianas, procurou-se agora descobrir como as forças sociológicas e discursivas constroem a educação comparada como um campo intelectual, interagindo com sua estrutura epistemológica. Marta L. Sisson de Castro (2013, p. 45) defi ne a Educação Comparada no contexto brasileiro da seguinte maneira: Tem um ‘signifi cado ou uso’ singular, que não é o mesmo conceito ou defi nição científi ca usada em outras regiões. Essa diferença é edifi cada por várias condições e limitações que são características do país. Primeiro, no Brasil nós não temos programas de graduação profi ssional na área de Educação Comparada e Internacional como os programas na Europa e nos Estados Unidos, então nós vemos a educação comparada como conhecimento que irá enriquecer nossa compreensão da educação como a mesma é praticada por todo o mundo, e menos como um campo profi ssional no qual nós poderíamos procurar por empregos e oportunidades. Segundo, nós tendemos a ter uma perspectiva de ‘outsider’, que é um produto do pós-colonialismo ou dos países com uma história de sub-desenvolvimento. A educação comparada reforça essa tendência de procurar fora por novas experiências e ideias em outros países e regiões, mas não para dentro da nação. Os professores tendem a 121 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 não valorizar suas próprias experiências e ações inovadoras e têm difi culdades de desenvolver um discurso sobre sua prática. O terceiro ponto é um muito relevante, que é a limitação da língua. A maioriados professores e estudantes na educação não lê inglês ou outras línguas estrangeiras. Então este fator restringe o acesso às principais publicações na área. O espanhol é a língua estrangeira de disseminação do conhecimento no Brasil e na América Latina, então, se um artigo ou livro não for traduzido para o espanhol ou português, não será parte do repertório da maioria dos professores universitários e estudantes de graduação de educação no Brasil. Hoje, com a disponibilidade da informação com bancos de dados e através da internet, nós podemos esperar que isso vai mudar. [...]. Em relação ao conceito da educação comparada, eu tendo a ver a educação comparada no Brasil ligada à educação internacional. Quando nós precisamos comparar a educação, devemos comparar as práticas, resultados, políticas educacionais em uma perspectiva internacional. Nós temos uma perspectiva de outsider e estamos comparando a experiência brasileira à experiência de outros países. Eu penso que esta é uma distinção muito importante, porque o método científi co é comparativo por natureza, e nós comparamos o grupo de controle com o grupo experimental. Em minha visão, a essência do método comparativo na educação comparada é sua perspectiva internacional. Neste sentido, as diferentes dimensões de análise comparativa propostas por Bray e Thomas (1995) devem ser demarcadas pela dimensão internacional. Fonte: Castro (2013, p. 45). Construção Intelectual da Educação Comparada Bourdieu e Foucault destacam a natureza construída socialmente das disciplinas e campos e as contingências históricas que cercam sua formação. Primeiro, Foucault ilumina o conceito de construção discursiva de campos de conhecimento. Conforme observado anteriormente, Foucault vê disciplinas (e campos) como formações discursivas historicamente contingentes de elementos 122 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA heterogêneos, que emergem das lutas de poder e constituem relações de poder. Em segundo lugar, e (na perspectiva do autor deste livro) complementando Foucault, Bourdieu conceitua os campos intelectuais como uma rede dinâmica de posições hierárquicas de poder detido por ocupantes que competem para defi nir o campo, que por sua vez é um contexto mediador entre forças nos campos externos de poder e habitus individual e coletivo. A lógica interna do campo intelectual refrata as forças externas, dando assim ao campo autonomia intelectual. Nesse sentido, o campo intelectual é constituído tanto por uma arbitrariedade cultural ou sociológica, quanto por uma não arbitrariedade epistemológica. Aplicando lentes foucaultianas ao campo da educação comparada, Ninnes (2008) afi rma que os campos acadêmicos são constituídos discursivamente e reconstituídos através dos debates sobre o que as pessoas dentro do campo e outras partes relacionadas dizem que é. Ele demonstrou isso através de uma análise do discurso histórico dos discursos sobre medo e desejo na literatura da educação comparada. A este ponto de vista, postula-se ainda que a educação comparada como um campo consiste de elementos heterogêneos – objetos, métodos, teorias, participantes – que, devido a condições historicamente contingentes, se uniram para formar uma formação ou campo discursivo mais ou menos estável conhecido como "Educação Comparada", institucionalizada sociologicamente em centros de pesquisa, programas acadêmicos, sociedades profi ssionais e periódicos e livros especializados. As características heterogêneas e contingentes do campo são mostradas de forma clara e consistente por pesquisas dos contornos do campo (por exemplo, perfi s dos cursos, análises de conteúdo de periódicos, análises demográfi cas e de citações). Contudo, em parte através do trabalho discursivo de comentários sobre específi cos trabalhos referenciais no campo, histórias disciplinares, avaliações do campo e os discursos muito disputados sobre a educação comparada (como os apresentados nas seções anteriores) servem para organizar o conhecimento, as instituições e as práticas, classifi cando-as e atribuindo signifi cados e valores, bem como hierarquias de "poder". Uma formação discursiva da educação comparada é assim formada e reformada. Uma poderosa ferramenta discursiva foi sintetizada pelas tipologias e taxonomias da educação comparada formuladas por estudiosos, por exemplo, Halls (1990) e Phillips e Schweisfurth (2006). Conforme mencionado, Phillips e Schweisfurth divergem da visão de Halls sobre a educação comparada como um campo abrangente tipo guarda-chuva que subsume, entre outros, a educação internacional. Em vez disso, eles argumentam que a educação internacional deve ser posicionada em paralelo com a educação comparada, ambos subcampos, formando assim pontos de partida interdependentes de um campo ampliado. Esses movimentos discursivos moldam parcialmente as hierarquias de poder na Os campos acadêmicos são constituídos discursivamente e reconstituídos através dos debates sobre o que as pessoas dentro do campo e outras partes relacionadas dizem que é. 123 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 conceptualização do campo. Uma revisão das defi nições de educação comparada também exibe o que Foucault (1984) denomina de "práticas divisórias", pelo qual os comparativistas distinguem seu trabalho de comparações não científi cas e de transferências internacionais não críticas de práticas educacionais. Essas práticas divisórias são salientes na contestação entre Epstein (1968) e Wilson (1994) sobre a natureza da educação comparada em relação à educação internacional. Enquanto Epstein caracterizou a educação internacional como sendo descritiva, orientada para as políticas e "menos científi ca do que a educação comparada" (EPSTEIN, 1968, p. 376-377), Wilson dissentiu dessa visão e argumentou por posicionar a educação internacional em pé de igualdade com a educação comparada como campo gêmeo. No entanto, é necessário ter cautela contra uma interpretação simplista do esforço para defi nir o campo interpretando-o como uma construção puramente discursiva que eclipsa ou descentra o sujeito (o agente do discurso). Neste sentido, usou-se o termo construção "quase- discursiva" da educação comparada para destacar que os discursos têm um sujeito humano como seu autor. Isso também serve para focar no papel da estrutura e da agência, que, na teoria bourdieuiana, são vistas igualmente intervindo em conjunto com os interesses cognitivos, na construção do campo. O pensamento bourdieuiano oferece insights sobre a construção sociológica dinâmica dos campos intelectuais através da interação da estrutura social e da agência. Para Bourdieu, a contestação entre os ocupantes no campo que competem por cargos de autoridade para defi nir seu campo é a própria fonte do dinamismo do campo, pois "o que está sempre em jogo é a defi nição legítima do campo e das práticas do campo" (JOHNSON, 1993, p. 19). Transpondo as ideias de Bourdieu, do campo literário/cultural para o campo da educação comparada, vê-se a contenda entre os comparativistas para defi nir um "cânon de educação comparada" como representando um lócus de contenção em que diferentes estudiosos defendem uma redefi nição canônica ao longo de linhas mais favoráveis em consonância com seus diferentes interesses e agenda. Isto é evidenciado nas defi nições contrastantes entre Carnoy (2006) e Epstein (2006), por um lado, e Klees (2008) e Cowen (2006), por outro. Carnoy adota uma visão positivista do conhecimento da educação comparada (e internacional), em contraste com Epstein, que considera o positivismo como apenas uma das três plataformas epistemológicas, sendo as outras duas o relativismo e o funcionalismo histórico. Outra posição, proposta por Klees (2008, p. 303), estabelece "a relevância para o dilema central do nosso tempo (o que fazer sobre a pobreza, a desigualdade e o desenvolvimento)" como um doscritérios que dá coerência à agenda da educação comparada e internacional. Cowen (2006), no entanto, assume uma posição oposta à defesa de ação educacional de Klees, expressando sua cautela Usou-se o termo construção "quase-discursiva" da educação comparada para destacar que os discursos têm um sujeito humano como seu autor. 124 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA em relação aos educadores comparativos que "atuam comparativamente sobre o mundo educacional" e, em vez disso, faz uma distinção entre "educação comparada acadêmica" e "educação comparada aplicada". Isso ressoa com as ideias de Bourdieu no campo da produção cultural como estruturado por uma oposição entre dois subcampos: o campo da produção restrita, como na arte erudita, e o campo da produção em larga escala, representado pela arte popular (JOHNSON, 1993, p. 15). Uma perspectiva de campo bourdieuiana contribui ainda mais para a noção de que as defi nições de um campo são "posicionais". Em outras palavras, as defi nições teóricas de um campo podem ser entendidas de forma abrangente se forem examinadas à luz das posições e interesses de quem os produz no campo intelectual, que é quando o habitus e o campo externo de poder – acadêmico- institucional, nacional e internacional – cruzam e interagem. Os defensores de diversas defi nições de educação comparada competem uns com os outros pela legitimidade para defi nir o campo. Estes autores humanos – agentes – ocupam diferentes posições de poder dentro do campo intelectual e interagem com tradições intelectuais e com oportunidades e demandas externas nos campos acadêmico-institucional e social/político de poder. Os agentes dentro do campo intelectual competem pelo capital valioso dentro do campo para defi nir a direção de seu campo, e eles o defi nem substancialmente através do discurso acadêmico. O discurso é, portanto, o meio (textual) pelo qual as relações de poder entre agência-estrutura e epistemologia se traduzem em defi nições do campo, ou seja, a construção quase-discursiva do campo. Essas considerações implicam que as defi nições acadêmicas não são abstrações conceituais a priori por estudiosos com base apenas em critérios cognitivos. Em vez disso, são defi nições a posteriori baseadas não apenas em certas estruturas epistemológicas, mas também no trabalho acumulado realizado no campo (que é parcialmente determinado por desenvolvimentos práticos fora do campo intelectual e áreas de ensino/pesquisa que surgem deles) e na posição de poder e amplitude de visão dos acadêmicos que defi nem o campo em relação a outras posições no campo. As defi nições intelectuais do campo da educação comparada são assim construídas em parte pela epistemologia e, em parte, pela interação de estruturas sociais objetivas e disposições subjetivas de agentes e seus interesses (micro) políticos divergentes. Seria necessário ir mais longe, dizendo que as defi nições acadêmicas do campo representam a construção intelectual quase-discursiva da educação comparada por universitários individuais que, através do discurso acadêmico, codifi cam as relações de poder entre as estruturas sociais externas Os defensores de diversas defi nições de educação comparada competem uns com os outros pela legitimidade para defi nir o campo. As defi nições intelectuais do campo da educação comparada são assim construídas em parte pela epistemologia e, em parte, pela interação de estruturas sociais objetivas e disposições subjetivas de agentes e seus interesses (micro) políticos divergentes. 125 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 nas quais trabalham (a partir de universidades internacionais, nacionais até às universidades locais), as várias formas de capital que possuem e as tradições e critérios intelectuais que governam seu campo intelectual. Estes insights sobre as "propriedades posicionais" das defi nições de educação comparada já foram observados por comparativistas como Anweiler (1977), Kelly et al. (1982), Cowen (1990) e Marginson e Mollis (2002). Uma compreensão social das defi nições acadêmicas é particularmente pertinente para uma leitura crítica das contingências históricas que levaram ao surgimento de campos relacionados à educação comparada, mas distintos da educação comparada: educação internacional, educação global, educação para o desenvolvimento. Assim, Kelly et al. (1982) observaram que os debates metodológicos e as crises de identidade na educação comparada não ocorreram despropositadamente. Estavam intimamente ligados ao trabalho empírico realizado por comparativistas – estudos que foram amplamente gerados para atender aos interesses ou preocupações pertinentes dos governos nacionais, organizações internacionais e agências de fi nanciamento privadas. Eles também ocorreram no contexto de distúrbios intelectuais nas ciências sociais e na fi losofi a (por exemplo, o pós-modernismo). A interação dialética dessas forças trouxe crescimento e diversidade na comunidade social que povoa a educação comparada, introduzindo novos desafi os para seus fundamentos e defi nições intelectuais. Percebe-se assim que o tema da construção intelectual da educação comparada e da educação internacional ilumina a questão de como as forças da epistemologia, estrutura e agência e o discurso constroem o campo intelectual da educação comparada. Estendendo os insights dos estudiosos, anteriormente mencionados neste trabalho, argumenta-se que as defi nições de "educação comparada (acadêmica)", em relação às defi nições de "educação comparada e internacional", podem ser melhor compreendidas ao se perceber as propriedades posicionais dos agentes que as defendiam e as variadas forças estruturais sociais com as quais os agentes interagem. Por exemplo, a tipologia dos EUA e o internacionalismo pós-guerra elucidam o entrelaçamento entre os discursos sobre educação comparada, educação internacional e educação para o desenvolvimento. A política externa americana favorável, em vista de preocupações geopolíticas para equilibrar o poder mundial, ofereceu oportunidades estruturais para ampliar a ajuda externa a outros países, em parte através do trabalho de organizações internacionais e fundações fi lantrópicas. O tema da construção intelectual da educação comparada e da educação internacional ilumina a questão de como as forças da epistemologia, estrutura e agência e o discurso constroem o campo intelectual da educação comparada. 126 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Dentro desta estrutura favorável, os estudiosos individuais que possuíam formas de capital pertinentes (linguísticas, culturais, políticas, sociais) e habitus, mais tarde, formaram as bases de um novo campo intelectual: o campo da educação comparada e internacional (e/ou para o desenvolvimento). Devido a diversos motivos contingentes, a crescente comunidade de praticantes internacionais e/ou orientados para o desenvolvimento tornou-se associada a estudiosos da educação comparada. Em alguns casos, as razões pragmáticas e institucionais prevaleceram sobre considerações epistemológicas, conduzindo assim a coalizões entre esses diferentes subcampos. No entanto, a vertente da educação comparada e internacional não é um fenômeno universal e necessário. Um indicador é o nome (e as histórias subjacentes) das sociedades profi ssionais. Das 37 sociedades membros do Conselho Mundial de Sociedades de Educação Comparada (WCCES), apenas seis têm a "educação comparada e internacional" em seus nomes. São as sociedades dos EUA, Reino Unido, Alemanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, e os países nórdicos. Estas sociedades apresentam uma característica comum: a existência de uma comunidade de estudiosos que trabalham no campo da educação internacional e/ou para o desenvolvimento, uma característica menos saliente em outras sociedades (MANZON; BRAY, 2007).Assim, a educação comparada e internacional simboliza um subcampo construído sociologicamente, formado em circunstâncias históricas contingentes e devido a relações de poder específi cas, particularmente nos países que atuam na assistência internacional ao desenvolvimento ou no trabalho de agência internacional. O Conselho Mundial de Sociedades de Educação Comparada (WCCES) é uma organização internacional de sociedades de educação comparada criada em 1970. É organizada como uma ONG em relações operacionais com a UNESCO. O atual presidente é o professor (Dr.) N'Dri T. Assié-Lumumba. A Sociedade Brasileira de Educação Comparada (SBEC), fundada em 1983, é membro da WCCES. 127 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 Os fatores macroeconômicos, como a política externa, não são, no entanto, os únicos formadores da educação comparada e internacional. As políticas acadêmico-institucionais em nível médio, bem como o hábito individual e os interesses micropolíticos também desempenham um papel. Como Bourdieu (1968) sustenta, as forças macropolíticas não moldam diretamente o campo intelectual, mas o impactam de maneira sutil. Uma forma é através das políticas institucionais que governam as universidades, em particular, através da alocação de recursos (por exemplo, cortes/subsídios orçamentários, políticas de bolsas de pesquisa) e através de políticas estruturais que afetam a posição de poder de um campo acadêmico sobre outro (por exemplo, a contração ou expansão da formação de professores, ou a sua localização estrutural dentro de um departamento universitário ou em uma faculdade de professores). Os habitus individuais e interesses políticos também intervêm na construção sociológica do campo. Assim, mesmo dentro dos mesmos limites nacionais e institucionais, um estudioso individual pode se identifi car mais com a educação comparada, enquanto outro estudioso próximo àquele pode provavelmente trabalhar na área da educação internacional. Assim, como Marginson e Mollis (2002, p. 582) observaram de forma apropriada: a "combinação entre poder e conhecimento refl ete o peso econômico/ intelectual das principais potências mundiais, a localização geográfi ca e política de agências como o Banco Mundial e a biografi as de agentes, funcionários e profi ssionais acadêmicos". Ver as defi nições acadêmicas da educação comparada, posicionadas dentro de um campo intelectual, ilumina sua natureza construída. No entanto, isso não quer dizer que os campos acadêmicos e suas defi nições sejam puramente subjetivos e tenham um valor generalizável limitado. Conforme indicado anteriormente, tanto as forças epistemológicas como as forças sociológicas- discursivas interagem na estruturação de campos acadêmicos. Embora a estrutura epistemológica exiba características universais e necessárias, as forças estruturais, orientadas pela agência e discursivas desencadeiam os aspectos particulares e contingentes do campo intelectual. Isso ecoa a afi rmação de Cowen (2012) de que, embora o campo da educação comparada seja altamente sensível à interseção de transformações políticas e epistêmicas locais e internacionais, como refl etido em suas mudanças de agendas de atenção, permanecem certas ideias nucleares que unem o campo. Mesmo dentro dos mesmos limites nacionais e institucionais, um estudioso individual pode se identifi car mais com a educação comparada, enquanto outro estudioso próximo àquele pode provavelmente trabalhar na área da educação internacional. 128 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Algumas Considerações Este capítulo mapeou o discurso sobre "educação comparada" para esclarecer a necessária estrutura epistemológica do campo em resposta à questão: o que é educação comparada? Examinamos as defi nições desta área de estudo formulada por comparativistas provenientes de múltiplos contextos linguísticos e históricos. Concretamente, o período coberto é de 1933, com o trabalho de Isaac L. Kandel, até 2009. Além da literatura anglo-americana, incluímos discursos espanhóis, chineses, franceses e alemães. Aplicando um enquadramento conceitual sobre a natureza dos campos e disciplinas acadêmicas, categorizamos as defi nições de acordo com o objeto, método e propósito. Comparamos quatro defi nições tipológicas da educação comparada, conduzindo assim alguma forma de "meta-análise", a fi m de discernir as características epistemológicas necessárias e permanentes da educação comparada. A análise revelou que há consenso de que o objeto distinto da educação comparada consiste em sistemas, padrões e questões educacionais em dois ou mais contextos nacionais. Seu método é essencialmente comparativo, com abordagens teóricas e metodológicas extraídas de fontes multidisciplinares, principalmente das ciências históricas e sociais. O propósito, objetivo, principal da educação comparada (acadêmica) é a compreensão teórica da relação entre educação e contextos sociais. Tendo estabelecido o objeto específi co, método e propósitos da educação comparada, argumentamos que a educação comparada não é meramente um método distinto em estudos de educação. Embora desempenhe uma função metodológica útil para outras ramifi cações de estudos de educação, reduzi-la a um subcampo metodologicamente distinto dentro de estudos educacionais conduz a uma aporia séria: uma vez que todos os tópicos dos estudos de educação são pesquisáveis de forma comparativa, não só não existe nenhum campo distinto da educação comparada, mas também não há um campo distinto de estudos de educação que não seja potencialmente o campo da educação comparada. Em vez disso, a educação comparada não é apenas metodologicamente distinta, mas também um subcampo substancialmente distinto de estudos de educação. Essas características epistemológicas distinguem a educação comparada de campos relacionados que estudam questões internacionais ou globais na educação. 129 EDUCAÇÃO COMPARADA, CAMPOS RELACIONADOS E SUA DEFINIÇÃO Capítulo 3 Resumindo os resultados da análise anteriores, pode-se, portanto, defi nir a educação comparada acadêmica estritamente falando como: um subcampo interdisciplinar de estudos de educação que examina sistematicamente as semelhanças e diferenças entre sistemas educacionais em dois ou mais contextos nacionais ou culturais e suas interações com ambientes intra e extraeducacionais. Seu objetivo específi co é o sistema educacional examinado a partir de uma perspectiva intercultural (ou transnacional, transregional) através do uso sistemático do método comparativo, para o avanço da compreensão teórica e da construção da teoria. Completando essa análise epistemológica, na penúltima seção deste capítulo, coadunamos as considerações sobre as características contingentes do campo resultantes de sua construção sociológica e discursiva. Fomos ainda além, propondo que as forças da estrutura, agência, discurso e epistemologia interagem em uma construção intelectual quase-discursiva do campo da educação comparada. Podemos, assim, ver as defi nições acadêmicas do campo como "posicionais", ou seja, como declarações formuladas por autores humanos que ocupam posições de poder diferentes no campo intelectual. Esses autores humanos, em interação com tradições e critérios intelectuais, demandas e oportunidades institucionais e forças estruturais mais amplas da sociedade, competem para defi nir seu campo e fazem-no de forma substancial através do discurso acadêmico. O discurso é, portanto, o meio (textual) pelo qual as relações de poder entre agência-estrutura e epistemologia são traduzidas em defi nições do campo. Sendo assim uma construção quase-discursiva do campo, o que destaca a natureza posicionada e autoria humana de defi nições discursivas de um campo. Neste capítulo, portanto, demonstramos que a educação comparada não só é construída por tradições e critérios epistemológicos,que a dotam de autonomia intelectual relativa, mas também pelos discursos entre estudiosos que competem para defi nir seu campo que, por sua vez, está socialmente localizado em campos de poder mais amplos. Deste modo, interpretamos as defi nições do campo como codifi cações das formas sociológicas e epistemológicas do poder, isto é, constituído por um poder social estruturado e posicionado e por critérios epistemológicos não arbitrários e estruturantes. 130 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA ReferÊncias ADAMS, D. Development education. Comparative Education Review, v. 21, n. 2-3, 1977. p. 296-310. ALDRIDGE, Alfred Owen. (Ed.). Comparative literature: matter and method. 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CAPÍTULO 4 Globalização, Internacionalização e a Educação A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem:  Esclarecer os impactos da globalização na educação.  Descrever as implicações da internacionalização da educação.  Criticar a relação entre conhecimento global e local na globalização.  Analisar os efeitos da globalização e internacionalização na educação. 138 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA 139 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 ConteXtualização A globalização da educação refere-se às discussões, processos e instituições disseminados mundialmente e afeta práticas e políticas educacionais locais. A chave na declaração anterior é a palavra "mundialmente". Isso signifi ca que os eventos estão acontecendo em escala global e afetam os sistemas escolares nacionais. A imagem é uma das políticas e práticas educacionais globais coexistindo com uma superestrutura acima das escolas nacionais e locais. Nada é estático nesta imagem. Existe uma dinâmica constante de interação: ideias globais sobre práticas escolares interagem com os sistemas escolares locais; enquanto que, através da interação mútua, tanto sistemas locais quanto globais são alterados. Em outras palavras, esta superestrutura global está em constante mudança. As nações continuam a controlar de forma independente seus sistemas escolares enquanto estão sendo infl uenciadas por essa superestrutura de processos de educação global. Atualmente, muitas nações optam por adotar políticas desta superestrutura global para competir na economia global. Para explicar o que abrange essa superestrutura de educaçãoglobal, existem organizações internacionais que, de forma direta e indireta, infl uenciam os sistemas escolares nacionais. Existem corporações educacionais e escolas multinacionais. O governo e profi ssionais se envolvem em discussões globais sobre políticas escolares. No primeiro volume do periódico Globalization, Societies and Education (DALE; ROBERTSON, 2003) - Globalização, Sociedades e Educação -, os editores afi rmaram que a globalização da educação seria considerada como um conjunto interligado de processos globais que afetam a educação, como discursos mundiais sobre capital humano, desenvolvimento econômico e multiculturalismo; organizações intergovernamentais; tecnologia da informação e comunicação; organizações não governamentais; e corporações multinacionais. Para citar alguns exemplos: existem discursos globais sobre a economia do conhecimento, a aprendizagem ao longo da vida, a migração global, circulação de cérebros, e neoliberalismo. Ilustrativos das principais instituições globais que afetam as práticas e políticas educacionais mundiais são: Banco Mundial, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Organização Mundial do Comércio (OMC) e seu Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (AGCS), Nações Unidas, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e outras organizações intergovernamentais (OIG) e organizações não governamentais (ONGs), como organizações de direitos humanos, ambientais e de mulheres. Outro fator é o impacto nas escolas locais do desenvolvimento do inglês como língua do negócio global. As explicações e análises desses aspectos da globalização educacional e seu impacto nos sistemas escolares nacionais compõem a maior preocupação em um estudo sobre esta temática. 140 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Neste capítulo, examinaremos diferentes interpretações teóricas sobre a globalização da educação, modelos mundiais de práticas educacionais e empréstimos globais de ideias e práticas educacionais. Essas interpretações e modelos estabelecem o enquadramento básico para analisar diversos aspectos da globalização educacional. Globalização da Educação O conceito de instituições educacionais globalizadas e discursos desenvolveram-se após o termo "globalização" ter sido cunhado pelo economista Theodore Levitt em 1985 para descrever as mudanças na economia global que afetam a produção, o consumo e o investimento (STROMQUIST, 2003). O termo foi rapidamente aplicado às mudanças políticas e culturais que afetam de modo comum grandes segmentos dos povos do mundo. Um desses fenômenos globais comuns é a escolarização. Como afi rma o editorial de abertura da primeira edição do periódico Globalização, Sociedades e Educação – a própria fundação deste periódico indica a crescente importância da globalização e da educação como um campo de estudo –, "a educação formal é a instituição mais comumente encontrada e a experiência mais comumente compartilhada de todas no mundo contemporâneo" (DALE; ROBERTSON, 2003, p. 7). No entanto, a globalização da educação não signifi ca que todas as escolas sejam as mesmas, como indicado por estudos sobre as diferenças entre o local e o global (ANDERSON-LEVITT, 2003). Na década de 1990, a linguagem da globalização inseriu discursos sobre a escolarização. Os grupos governamentais e empresariais começaram a falar sobre a necessidade de as escolas atenderem às necessidades da economia global. Por exemplo, a organização dos Estados Unidos, Achieve Inc., formada em 1996 pelas Associações de Governadores Nacionais e CEOs de grandes corporações com o propósito de reforma escolar, declarou que "o ensino médio agora é a linha de frente da batalha dos Estados Unidos para se manter competitivo no crescentemente competitivo cenário econômico internacional" (NATIONAL EDUCATION SUMMIT ON HIGH SCHOOLS, 2006, p. 175). A organização forneceu a seguinte defi nição sobre a economia global, em um título de publicação que sugeriu as ligações feitas por políticos e empresários entre educação e globalização, America’s High Schools: The Front Line in the Battle for Our Economic Future (Escolas da América: a linha de frente na batalha pelo nosso futuro econômico). O conceito de instituições educacionais globalizadas e discursos desenvolveram- se após o termo "globalização" ter sido cunhado pelo economista Theodore Levitt em 1985 para descrever as mudanças na economia global que afetam a produção, o consumo e o investimento 141 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 A integração da economia mundial, através de tecnologias de informação e comunicação de baixo custo, tem implicação mais importante do que a expansão dramática do volume de comércio e do que pode ser negociado. O comércio e a tecnologia tornam as nações do mundo mais parecidas. Juntos, podem trazer a todas as empresas do mundo os mesmos recursos - a mesma pesquisa científi ca, o mesmo capital, as mesmas peças e componentes, os mesmos serviços empresariais e as mesmas habilidades (NATIONAL EDUCATION SUMMIT ON HIGH SCHOOLS, 2006). Da mesma forma, o documento Teaching and Learning: On Route to the Learning Society (Ensinando e Aprendendo: rumo à sociedade da aprendizagem) da Comissão Europeia descreve três causas básicas da globalização: "o advento da sociedade da informação, a civilização científi ca e técnica e a globalização da economia. Todos os três contribuem para o desenvolvimento de uma sociedade de aprendizagem" (EUROPEAN COMMISSION, 1998, p. 21). O aumento de discursos e instituições educacionais mundiais levou a agendas educacionais nacionais semelhantes, particularmente, o conceito de que a educação deve ser vista como um investimento econômico com o objetivo de desenvolver capital humano ou melhores trabalhadores para promover o crescimento econômico. Consequentemente, os discursos educacionais em todo o mundo, muitas vezes, referem-se ao capital humano, à aprendizagem ao longo da vida para melhorar as habilidades profi ssionais e ao desenvolvimento econômico. Além disso, a economia global está provocando uma migração em massa de trabalhadores, resultando em discussões globais sobre a educação multicultural. Os discursos educacionais em todo o mundo, muitas vezes, referem-se ao capital humano, à aprendizagem ao longo da vida para melhorar as habilidades profi ssionais e ao desenvolvimento econômico. Atividades de Estudos: 1) O documento Teaching and Learning: On Route to the Learning Society (Ensinando e Aprendendo: rumo à sociedade da aprendizagem) da Comissão Europeia descreve três causas básicas da globalização (1998, p. 21). Quais seriam estas três causas? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 142 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA As organizações intergovernamentais, como as Nações Unidas, a OCDE e o Banco Mundial, estão promovendo agendas educacionais globais que refl etem discursos sobre capital humano, desenvolvimento econômico e multiculturalismo. As tecnologias de informação e comunicação estão acelerando o fl uxo global de informações e criando uma biblioteca de conhecimentos mundiais. As organizações globais não governamentais, em particular as que se preocupam com os direitos humanos e o ambientalismo, tentam infl uenciar os currículos escolares em todo o mundo. As empresas multinacionais, particularmente as envolvidas na publicação, na informação, em testagem nas escolas com fi ns lucrativos e nos computadores, comercializam seus produtos para governos, escolas e países em todo o mundo. As discussões sobre a globalização, muitas vezes, referem-se a sociedades em contraste com os estados-nação, conforme indicado pelo título do periódico Globalização, Sociedadese Educação. Isso resulta em referências a uma ou mais sociedades globais. O termo "sociedades" deve abranger algo mais amplo do que uma nação, incluindo organizações econômicas e políticas, sociedade civil e cultura. Destina-se a identifi car grupos de pessoas que compartilham características semelhantes que se veem conectadas entre as fronteiras nacionais. Nesta defi nição, as nações não desaparecem, mas se tornam subconjuntos de sociedades. Em outras palavras, sociedades específi cas podem ser identifi cadas com formas políticas similares, como organizações econômicas democráticas ou totalitárias, como organizações econômicas similares ou orientadas pelo mercado ou religiões semelhantes, como islâmicas, cristãs, budistas ou hindus. Enquanto os fundadores do Globalização, Sociedades e Educação usam a palavra "sociedades" no seu título em contraste com "nações" ou "estados-nação", outros escolheram a palavra "civilizações" (HAYHOE; PAN, 2001; HUNTINGTON, 1997). O termo civilizações pode ser usado para as categorias de Oriente e Ocidente, Norte e Sul. No entanto, esses termos são tão amplos que desafi am qualquer defi nição clara. Ao comparar o pensamento dos estudantes asiáticos e ocidentais, Nesbitt (2004) defi niu seu conceito de civilização asiática baseado em valores éticos confucionistas, como os encontrados na China, na Coreia e no Japão, enquanto a civilização ocidental se baseia nos primeiros trabalhos de pensadores gregos como Platão e Aristóteles. Samuel Huntington (1997) popularizou a ideia de choque de civilizações. Sua visão é de um mundo dividido por diferenças religiosas, culturais e econômicas que superam os limites do Estado-nação. Suas categorias de civilização incluem Ocidental, América Latina, Africana, Islâmica, Sínica (China e a Coreia), Hindu, Cristianismo Ortodoxo Oriental e Japonesa. O autor argumenta que no futuro os choques de civilização serão entre ocidentais, islâmicos e sínicos. As discussões sobre a globalização, muitas vezes, referem-se a sociedades em contraste com os estados-nação 143 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 O Instituto de Estatísticas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) lançou o eAtlas para a Educação 2030, material que reúne todos os dados disponíveis sobre a educação global. Por meio de uma série de mapas interativos, que mostram a situação de vários critérios educacionais em diversos países, o novo eAtlas irá monitorar a evolução especialmente do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) número quatro. Ele faz parte dos 17 ODS criados pela Organização das Nações Unidas para melhorar a qualidade de vida; garantir a prosperidade; proteção do meio ambiente e enfrentamento das mudanças climáticas para os próximos 15 anos. O ODS4 visa assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Por meio dos mapas é possível ver, por exemplo, os níveis básicos de profi ciência em leitura e matemática; as taxas de conclusão da educação básica ao ensino superior; o percentual de crianças fora da escola; o montante a ser gasto em educação com cada aluno; e a oferta de professores qualifi cados. Também é possível visualizar a diferença de acesso à educação entre meninos e meninas; a segurança do ambiente escolar; assim como o número de adultos que estão inscritos em programas de educação. Além de acessar os mapas, é possível personalizar as visitas à plataforma e compartilhar as páginas via redes sociais. É possível também incorporá-las dentro de sites, blogs, apresentações e relatórios. Com a ferramenta, os países conseguem explorar os dados e usar os indicadores para desenvolver seus próprios quadros de monitoramento. O eAtlas está totalmente aberto ao público e disponível em inglês no link: <http://tellmaps.com/sdg4>. Atividades de Estudos: 1) As discussões da globalização, muitas vezes, referem-se às sociedades em contraste com os estados-nação. Explique a razão desta escolha de termos. _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ 144 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Educação Global e Educação Comparada Questiona-se o fato pelo qual o estudo da globalização e da educação é diferente do campo tradicional da educação comparada. Para responder, primeiramente, os pesquisadores de globalização e de educação não estão vinculados necessariamente à educação comparada, embora muitos desses pesquisadores, que estudam a globalização, sejam identifi cados com esse campo. Como um novo campo de estudo, os pesquisadores sobre os processos e os efeitos da globalização em práticas e políticas educacionais provêm de uma variedade de disciplinas educacionais, incluindo antropologia, estudos curriculares, economia, história, sociologia, política educacional, educação comparada, psicologia e metodologias instrucionais. Como exemplo, tem-se o livro Globalizing Education: Policies, Pedagogies, and Politics (Globalizando a Educação: Políticas, Pedagogias e Política) é editado por Michael Apple, um pesquisador com extenso currículo, Jane Kenway, uma pesquisadora de sociologia da educação, e Michael Singh, um pesquisador de políticas educacionais (APPLE; KENWAY; SINGH, 2005). Consequentemente, pelo menos em suas etapas iniciais, a pesquisa neste novo campo tende a ser interdisciplinar. Isso não exclui a possibilidade de que no futuro os pesquisadores no campo da globalização e da educação sejam especialistas educados em programas de doutorado dedicados ao tema. Num segundo momento, a educação comparada tradicional se concentrou na comparação dos sistemas educacionais das nações. Referindo-se ao "novo mundo para a educação comparada", Dale (2005, p. 123) afi rmou que, com a globalização, o mundo [...] não pode mais ser questionado de forma incompatível como constituído por estados autônomos, uma suposição que tem sido bastante fundamental para muito trabalho na educação comparada, de fato, a base das comparações que realizou. Ainda, como afi rmam Carnoy e Rhoten (2002, p. 1): “Antes da década de 1950, a educação comparada se concentrou principalmente nas origens fi losófi cas e culturais dos sistemas educacionais nacionais". Em um editorial no periódico Comparative Education (Educação Comparada), Broadfoot escreveu que o tema da globalização teve um efeito positivo sobre as mudanças históricas no valor percebido do campo da educação comparada: "Atualmente, estamos no último extremo, com governos em todo o mundo ansiosos para aprender sobre práticas educativas em outros países, à medida que examinam as últimas tabelas Os pesquisadores sobre os processos e os efeitos da globalização em práticas e políticas educacionais provêm de uma variedade de disciplinas educacionais 145 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 classifi cativas internacionais do desempenho escolar" (BROADFOOT, 2003, p. 411). Pesquisadores no campo da educação comparada têm, logicamente, voltado as suas atenções para a questão da globalização, como indicado por artigos que aparecem no periódico Educação Comparada "Globalização, Economia do Conhecimento e Educação Comparada" (DALE, 2005) e o artigo "Aceitando o Desafi o Global? Comparando iniciativas recentes na Ciência e Tecnologia Escolar" (JORDAN; YEOMANS, 2003). PONTOS-CHAVE: OS COMPONENTES DA GLOBALIZAÇÃO EDUCACIONAL 1. A adoção por noções de práticas educacionais semelhantes, incluindo currículos, organizações escolares e pedagogias. 2. Discursos globais que estão infl uenciando os formadores de políticas educacionais locais e nacionais, administradores escolares, funcionários do Ensino Superior e professores. 3. Organizações intergovernamentais e não governamentaisque infl uenciam as práticas educacionais nacionais e locais. 4. Redes globais e fl uxo de ideias e práticas. 5. Empresas multinacionais que comercializam produtos educacionais, como testes, currículos e materiais escolares. 6. Comercialização global da educação superior e serviços educacionais. 7. Tecnologia da informação global, e-learning e comunicações. 8. O efeito da migração mundial dos povos nas políticas e práticas escolares nacionais e locais em matéria de multiculturalismo. 9. O efeito atual do inglês como a língua global do comércio nos currículos e culturas escolares locais. 10. Modelos globais de educação religiosa e indígena. Fonte: O autor. Em resumo, os componentes-chave da globalização educacional destacam seus diferentes aspectos. 146 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Duas excelentes obras sobre a globalização na educação e a educação comparada são “Fragmentos da globalização na educação: uma perspectiva comparada”, organizada por Márcia Ondina Vieira Ferreira e Alfredo Alejandro Gugliano (2000). E “Globalização e educação: desafi os para políticas e práticas”, de Antônio Flávio Barbosa Moreira e José Augusto Pacheco (2006), a qual retrata o resultado de refl exões que autores portugueses e brasileiros, no contexto de projetos de investigação e de espaços conjuntos de troca de experiências profi ssionais, têm realizado nos últimos anos. Atividades de Estudos: 1) Como o estudo da globalização e da educação é diferente do campo tradicional da educação comparada? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ FluXos e Redes Globais É sugerida a imagem das políticas educacionais globais como parte de uma superestrutura infl uenciando as práticas educacionais nacionais e locais. Outras imagens sobre o funcionamento desta superestrutura foram oferecidas, tais como fl uxos globais e redes (networks) globais. Arjun Appadurai (1996) introduziu a imagem dos fl uxos globais de ideias, práticas, instituições e pessoas que interagem com as populações locais. Ele chama o fl uxo global dos povos do mundo de "etnopaisagem". O movimento global de pessoas inclui aqueles que se deslocam para morar em outras nações; turistas e trabalhadores, particularmente aqueles que trabalham para empresas multinacionais. Evidentemente, esse fl uxo de pessoas envolve um fl uxo global de culturas que interagem e mudam. 147 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 Enquanto os migrantes que se instalam em outras nações têm o maior impacto nas trocas culturais globais, também há um impacto a partir do turismo. As culturas locais também respondem ao fl uxo global de culturas populares através de fi lmes, televisão, revistas e outras mídias. Appadurai (1996) chama este movimento de imagens e ideias na cultura popular de “mediapaisagem” (paisagens de mídia). Ele se refere ao movimento global de comércio e capital como "fi nanciopaisagem". De particular importância para a educação é o fl uxo de ideias e práticas concernentes ao governo e outras políticas institucionais que Appadurai (1996) chama de "ideopaisagem" (paisagens de ideias). Esse fl uxo global de ideias interage com ideias nacionais e locais sobre práticas governamentais e institucionais. Essa interação resulta em mudanças das ideias no fl uxo global e das ideias em nível local. Nada é estático nesta imagem: ideias globais mudam ao mesmo tempo em que afetam as práticas locais da escola. Os fl uxos globais são acelerados pelos avanços nos transportes e nas tecnologias da comunicação e da informação. Os avanços na nova tecnologia na imagem de Appadurai (1996) também fazem parte do mundo global que ele chama de "tecnopaisagem". É uma nova tecnologia de transporte que possibilita o movimento mais rápido de migrantes, trabalhadores e turistas globais e possibilita que líderes educacionais e governamentais conheçam facilmente qualquer lugar no globo. As tecnologias de comunicação e informação permitem o intercâmbio global de ideias sobre práticas educativas e criam uma biblioteca mundial de informações. É notório que as novas tecnologias educacionais têm um impacto nas pedagogias locais. Portanto, usando as imagens de Appadurai (1996), a superestrutura educacional consiste em fl uxos globais de ideias, instituições e pessoas com interações dinâmicas com organizações e pessoas locais. Outra imagem é a das redes (networks) globais. Essas redes são constituídas por pessoas; organizações intergovernamentais, não governamentais; e multinacionais. As tecnologias de comunicações e de informação aumentam a possibilidade de construir e manter redes globais. Na educação, existem redes globais que ligam instituições educacionais, formadores de políticas educacionais, organizações educacionais profi ssionais e organizações intergovernamentais. Devido à Internet, as redes podem comprimir o tempo e o espaço para que a comunicação se torne quase instantânea. Além disso, as redes continuam a expandir e atrair membros. Estar em uma rede aumenta as possibilidades de sucesso na maioria dos empreendimentos. Redes maiores podem abranger redes menores, como exemplo, pode haver uma rede global de educadores cujos membros participem de outras redes que vinculam agências intergovernamentais e corporações educacionais multinacionais (CASTELLS, 2000). De particular importância para a educação é o fl uxo de ideias e práticas concernentes ao governo e outras políticas institucionais Na educação, existem redes globais que ligam instituições educacionais, formadores de políticas educacionais, organizações educacionais profi ssionais e organizações intergover- namentais. 148 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Ao estudar a transformação global da economia política, Held, McGrew, Goldblatt e Perraton (1999) utilizaram os conceitos de fl uxos e redes para categorizar áreas da globalização: militar; governança; comércio e economia; meio ambiente; migração; mídia popular e comunicação; e transporte. Na sua conceptualização da globalização, essas áreas se estendem através dos limites das nações e dos continentes com o local e o global tornando-se enredados. As imagens de fl uxo e rede da globalização foram criticadas por retratarem os indivíduos como participantes ou sujeitos passivos (MARGINSON; SAWIR, 2005). Na imagem de fl uxos e redes, existe o perigo de se pensar que as práticas educacionais de um professor são simplesmente um produto das infl uências de ideopaisagens, tecnopaisagens e etnopaisagens globais e redes globais que ligam os formadores de políticas educacionais e instituições intergovernamentais e não governamentais. Na realidade, funcionários e professores das escolas locais não seguem simplesmente o ritmo de fl uxos e redes globais. Primeiramente, eles podem dar sentido à infl uência das políticas e práticas educacionais globais, através da lente de suas próprias perspectivas culturais. Num segundo momento, eles podem adaptar as práticas educacionais globais às condições locais. E, por fi m, eles podem rejeitar ou resistir a infl uências globais. Em resumo, a globalização das instituições e as práticas educacionais podem ser vistas como resultados de uma superestrutura composta por fl uxos e redes globais nas quais sua infl uência é determinada pela interpretação, adaptação ou rejeição de educadores locais. Esta representação engloba os seguintes elementos da globalização educacional: As imagens de fl uxo e rede da globalização foram criticadas por retratarem os indivíduos como participantes ou sujeitos passivos PONTOS-CHAVE: FLUXOS E REDES GLOBAIS NA EDUCAÇÃO 1. O fl uxo global de ideias ou ideopaisagens contribui para a similaridade global nas políticasnacionais de educação. 2. As redes de formadores de políticas educacionais que trabalham para organizações intergovernamentais, como a UNESCO, a OCDE e o Banco Mundial, engajam-se em discursos educacionais globais e contribuem para o fl uxo global das práticas educacionais. 3. As redes de formadores de políticas educacionais e acadêmicos, que através de e-mail e outras formas de comunicação, publicações acadêmicas e reuniões internacionais, contribuem para um fl uxo global de ideias e discursos educacionais. 149 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 4. O fl uxo global de capital e o comércio ou as fi nanças incluem empresas multinacionais que comercializam produtos e serviços educacionais. 5. As redes globais incluem as que pertencem a outras redes globais de formadores de políticas educacionais e de acadêmicos, membros de organizações intergovernamentais e corporações multinacionais que contribuem para o fl uxo de discursos e práticas educacionais. 6. Redes globais que conectam redes educacionais globais com formadores de políticas educacionais, administradores e professores locais que contribuem para o fl uxo de discursos e práticas educacionais. 7. A migração global ou etnopaisagens contribuem para a formação de comunidades globais que se estendem além dos limites de um estado-nação. Fonte: O autor. Atividades de Estudos: 1) Arjun Appadurai (1996) introduziu a imagem dos fl uxos globais de ideias, práticas, instituições e pessoas que interagem com as populações locais. O autor utiliza termos próprios, como etnopaisagem, mediapaisagem, fi nanciopaisagem, ideopaisagem e tecnopaisagem. Defi na cada um destes termos. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 150 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Cultura Educacional Mundial: o TrabalHo dos Teóricos da Cultura Mundial Um importante contributo dos teóricos da cultura mundial é a pesquisa que demonstra a existência de práticas educacionais globais comuns. Uma premissa dos estudiosos da cultura mundial é que todas as culturas estão se integrando lentamente em apenas uma cultura global. Muitas vezes, chama-se de "neo-institucionalistas", os defensores desta escola de pensamento acreditam que os formadores de políticas nacionais se baseiam nesta cultura mundial no planejamento dos seus sistemas escolares (BOLI; THOMAS, 1999; LECHNER; BOLI, 2005; RAMIREZ, 2003; RAMIREZ; BOLI, 1987). Antes de considerar a teoria geral dos teóricos da cultura mundial, é relevante considerar algumas de suas descobertas sobre práticas educacionais comuns. Duas das obras mais importantes a este respeito são “Conhecimento Escolar para as Massas: modelos mundiais e categorias curriculares primárias nacionais no século XX”, de John Meyer, David Kamens e Aaron Benavot (1992), e “Diferenças nacionais, similaridades globais: cultura mundial e o futuro da escolarização”, de David Baker e George Letendre (2005). Os autores da obra “Conhecimento Escolar para as Massas” afi rmam que os formadores de políticas educacionais locais dependem de uma cultura educacional mundial para tomar suas decisões políticas. Como resultado, os "esquemas gerais da educação de massa e seu currículo mostram, frequentemente, graus surpreendentes de homogeneidade em todo o mundo" (MEYER; KAMENS; BENAVOT, 1992, p. 2). Para exemplifi car, a maioria dos sistemas escolares dos governos no mundo é estruturada em torno de uma escada educacional que leva de séries primárias a alguma forma de escola média ao ensino secundário até ao ensino superior ou alguma forma de ensino pós-secundário. Essa estrutura educacional é tão comum que os relatórios educacionais globais podem combinar estatísticas nacionais em títulos comuns, como “primário” ou “secundário”. Por exemplo, o quadro estatístico sobre educação no relatório da UNICEF de 2006, Situação Mundial da Infância: excluídas e invisíveis, apenas informa números sobre matrículas e frequências das nações do mundo sob as colunas "escola primária" e "escola secundária" (UNICEF, 2006). A maioria dos leitores deste e de outros relatórios similares provavelmente não consideram incomum que as nações do mundo utilizem a mesma escala educacional. Uma premissa dos estudiosos da cultura mundial é que todas as culturas estão se integrando lentamente em apenas uma cultura global. 151 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 Em relação aos currículos, os autores de “Conhecimento Escolar para as Massas” (MEYER; KAMENS; BENAVOT, 1992) encontraram uma similaridade mundial signifi cativa na organização e nos rótulos dos cursos para a educação primária. Eles concluíram, a partir de um exame das diretrizes curriculares nacionais, que havia [...] mais homogeneidade e padronização entre os currículos prescritos pelos estados-nações, do que se esperava [...]. Os rótulos, pelo menos, dos currículos de massa estão tão intimamente ligados a visões mundiais amplas e padronizadas de progresso social e educacional, que tendem a ser modeladas de forma bastante consistente em todo o mundo (MEYER; KAMENS; BENAVOT, 1992, p. 2). Existe uma relevante uniformidade nas descobertas. No entanto, deve- se ter a compreensão de que essa pesquisa global examinou os títulos dos cursos, mas não o conteúdo dos cursos; por exemplo: eles coletaram dados sobre a porcentagem média do tempo total de instrução nas regiões do mundo identifi cadas como África subsaariana, África do Norte do Oriente Médio, Ásia, América Latina, Caribe, Europa Oriental e Ocidental. No assunto denominado "linguagem", os pesquisadores descobriram que a porcentagem média do tempo total de instrução para as regiões do mundo, além da América Latina, variou de 34,1% a 38,2%. Para a América Latina, o cálculo foi de 24,4%. Para "matemática", o alcance para todas as regiões do mundo foi de 16,6% a 20,7%, para "ciência natural" foi de 6,7% a 11,3%, para "ciências sociais" foi de 6,3% a 13,1%, e para a educação estética foi de 7,7% a 13,5% (MEYER; KAMENS; BENAVOT, 1992, p. 51). Conforme demonstrado, os autores de “Conhecimento Escolar para as Massas” argumentam que o contínuo desenvolvimento da homogeneidade global do currículo é o resultado das elites políticas nacionais, em particular nos países em desenvolvimento, selecionando uma cultura educacional mundial (MEYER; KAMENS; BENAVOT, 1992). Em outras palavras, as escolas locais selecionam uma agenda global de melhores práticas educacionais. Embora os autores não utilizem a linguagem dos fl uxos globais, a imagem que eles criam é a de um fl uxo global das melhores práticas educativas que os formadores de políticas nacionais confi am. Esses formadores de políticas nacionais modifi cam as práticas globais para alinhá-las às necessidades e práticas locais. A criação da cultura educacional mundial pode ser atribuída, de acordo com Meyer, Kamens e Benavot (1992), como resultado da disseminação mundial do conceito ocidental do Estado-nação, que incluía a crença em educar para a cidadania para garantir a estabilidade política e o crescimento econômico. No fi nal do século XIX, os autores argumentam: "a racionalização gradual da política As escolas locais selecionam uma agenda global de melhores práticas educacionais. 152 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA ocidental, a estrutura curricular moderna tornou-se um ‘modelo’ adquirido na virada do século XX" (MEYER; KAMENS; BENAVOT, 1992, p. 72). Na medida em que o conceito ocidental de Estado-nação se propagou, “o modelo padrão do currículo também se difundiu em todo o mundo, criando homogeneidade mundial no sistema categórico geral [categorias de currículo]" (MEYER; KAMENS; BENAVOT, 1992,p. 72). Eles identifi cam outros motivos para o desenvolvimento de uma cultura educacional mundial (MEYER; KAMENS; BENAVOT, 1992, p. 172-173): Anos de pesquisa educacional produziram resultados identifi cando as melhores práticas educacionais. Os formadores de políticas locais podem selecionar materiais curriculares e práticas educacionais de um grupo mundial de pesquisas. A internacionalização das práticas educativas foi auxiliada pela instrução de línguas estrangeiras nos sistemas escolares nacionais. Embora os autores não mencionem diretamente o ensino e a disseminação do inglês, esse fenômeno apoiaria seu argumento. A propagação das noções ocidentais de conceitos liberais de crianças, conhecimento e mundo social. Da mesma forma, David Baker e George LeTendre (2005, p. 3) declaram em “Diferenças nacionais, semelhanças globais: cultura mundial e o futuro da escolarização”: "Apesar do fato de que as nações [...] tenham controle político e fi duciário imediato sobre a escolarização, a educação como uma instituição tornou-se um empreendimento global". Esta conclusão foi alcançada após análise de dados do Terceiro Estudo Internacional de Matemática e Ciências (TIMSS). Os testes internacionais como o TIMSS são um fator na globalização das práticas educacionais. Adicionando à lista de razões para a adoção mundial de uma educação em massa e de uma escala educacional padrão, eles apontam para a crescente importância das credenciais educacionais para o emprego no mercado global. Para que as credenciais educacionais sejam de valor na economia global, é necessária alguma padronização da escala educacional e dos currículos. Os graus universitários de instituições na Índia e na China devem ser semelhantes aos graus das universidades da União Europeia e dos Estados Unidos para que o diploma possa ser usado como credencial para o emprego global. Baker e LeTendre (2005, p. 12) acreditam que uma cultura mundial de escolarização se desenvolveu, o que levará à homogeneidade entre os sistemas escolares globais. Eles argumentam: "A escolarização em massa é o modelo predominante de educação no mundo de hoje. Permeia toda parte da vida das Para que as credenciais educacionais sejam de valor na economia global, é necessária alguma padronização da escala educacional e dos currículos. 153 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 pessoas na sociedade moderna e cria uma educação cultural sem precedentes na existência humana". A partir de sua análise do TIMSS, Baker e LeTendre (2005) concluem que as seguintes tendências refl etem no crescimento de uma cultura mundial da escolarização: a) de redução global das diferenças de gênero nos rendimentos de matemática e ciência; b) de um declínio na importância global dos recursos familiares na determinação dos rendimentos nas escolas; c) de demanda global por credenciais educacionais que resultou no crescimento mundial de sistemas de educação "sombra" que incluem empresas com fi ns lucrativos que oferecem serviços de tutoria e preparação para testes de alto risco (exames para ingresso e saída de instituições, como exames de ingresso universitário); d) de uma crescente similaridade global no trabalho do professor, como métodos de instrução e organização de classe; e) globalmente, dos professores cobram tipos similares de lição de casa (atribuições de livros didáticos e fi chas de trabalhos); f) de uma similaridade crescente em como as nações organizam seus sistemas escolares. Existem vários pontos importantes sobre a lista citada das tendências globais. Reduzir as diferenças de gênero em matemática e ciência é fortemente apoiado por organizações intergovernamentais globais como o Banco Mundial e a UNESCO. Um fator que contribui para o crescimento da igualdade de gênero no rendimento escolar é a crença de que a educação das mulheres é importante, entre outras coisas, para a competição nacional na economia global. Como cuidadoras das crianças, as mulheres estão preparando a geração futura de trabalhadores e mulheres são necessárias como trabalhadoras na economia do conhecimento. O aumento da igualdade de oportunidades educacionais nos sistemas escolares nacionais refl ete o fl uxo global de ideias educacionais enfatizando que o futuro econômico de uma nação depende da educação dos trabalhadores. A importância das credenciais educacionais para o emprego refl ete-se no crescimento dos sistemas de educação “sombra”, com os pais acreditando que o rendimento escolar é a chave para o sucesso econômico futuro de seus fi lhos. Essas pressões parentais contribuíram para o crescimento dos serviços educacionais com fi ns lucrativos. A crescente uniformidade global do trabalho dos professores e das tarefas de casa por eles propostas refl ete a infl uência do fl uxo global de ideias educacionais e das editoras intergovernamentais e multinacionais. As organizações intergovernamentais globais estão promovendo um tipo particular de organização para sistemas escolares. A crescente uniformidade global do trabalho dos professores e das tarefas de casa por eles propostas refl ete a infl uência do fl uxo global de ideias educacionais e das editoras intergovernamentais e multinacionais. 154 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Em resposta às críticas sobre a ideia de que exista um modelo global único de educação, Francisco Ramírez (2003) explicou as origens do conceito de cultura educacional mundial. Como participante de um grupo de sociólogos da Universidade de Stanford nos anos 1970 e 1980, cujo trabalho se concentrou na evolução da teoria da cultura mundial, Ramirez (2003, p. 242) escreveu: A cultura [do mundo] em seu trabalhar, mais tarde afi rmada, foi articulada e transmitida através dos Estados-nação, organizações e especialistas que incorporaram o triunfo de uma ‘sociedade credenciada’ do mundo escolarizado. Uma sociedade credenciada é aquela em que é necessária uma credencial educacional para a aquisição de emprego. Ele afi rma que uma cultura de educação mundial se desenvolveu como parte de um aumento na ênfase das identidades e objetivos globais. A escolarização fornece entrada para a economia global. Nas palavras de Ramirez (2003, p. 242), [...] a escolarização surge como uma tecnologia privilegiada para a afi rmação de identidade e a realização de metas; sua busca intensa pelos indivíduos e pelos Estados faz sentido apenas em um mundo que privilegia fortemente a escolarização. Ramirez (2003) localiza as origens da cultura educacional mundial no trabalho de teóricos culturais mundiais, particularmente o trabalho de John Boli e Gerald Thomas (1999), Frank Lechner e John Boli (2005) e Immanuel Wallerstein (1984; 2004). Esses teóricos argumentam que uma cultura mundial começou com a propagação de ideias cristãs ocidentais no fi nal do século XIX e aumentou após o fi nal da Segunda Guerra Mundial. John Boli e George Thomas (1999, p. 3) afi rmam que, Emergindo da cristandade ocidental e propagada através dos processos e mecanismos analisados tão bem na pesquisa do sistema mundial [...] este nível transcendente de realidade social começou a se cristalizar organizacionalmente na segunda metade do século XIX. Após as vicissitudes das duas guerras mundiais, desempenhou um papel impressionantemente autoritário na formação do desenvolvimento global nos últimos cinquenta anos. De acordo com essa perspectiva, a cultura da educação mundial está aninhada em uma cultura mundial mais geral. Argumenta- se que um fl uxo global de ideias e a existência de organizações intergovernamentais e internacionais não governamentais resultam em organizações governamentais similares em todo o mundo. Um grupo de teóricos culturais mundiais conclui: "Um conjunto considerável de evidências apoia nossa proposição de que os modelos da sociedade mundial moldam as identidades, as estruturas e o comportamento do Estado-naçãoA cultura da educação mundial está aninhada em uma cultura mundial mais geral. 155 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 através de processos culturais e associativos mundiais" (MEYER et al., 2004, p. 90). Desta perspectiva, como afi rmado anteriormente, a cultura educacional mundial desenvolveu-se ao lado da propagação mundial de modelos ocidentais de governo e nação. Em resumo, os teóricos da cultura educacional mundial acreditam que a semelhança impressionante entre os sistemas escolares mundiais, em particular no que se refere às escadas educacionais (escolas primárias, médias, secundárias, conduzindo ao Ensino Superior) e currículos semelhantes, é resultado de: • disseminação mundial de conceitos ocidentais de governo e nação em que um componente é a escolarização em massa; • elites nacionais e outras que se baseiam em modelos mundiais de escolarização ao planejar sistemas escolares; • propagação de sociedades credenciadas em que as credenciais educacionais são necessárias para o emprego; • existência de pesquisa educacional disponível em nível mundial, indicando as melhores práticas educacionais. Escolarizando o mundo – o último fardo do homem branco, de Carol Black, aborda a educação escolar como ferramenta de colonização e de homogeneização cultural. Disponível em: https:// www.youtube.com/watch?time_continue=462&v=6t_HN95-Urs Atividades de Estudos: 1) Como foi criada a cultura educacional mundial? _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ _______________________________________________ 156 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Sistema Mundial e Teoria Pós- Colonial/CrÍtica Enquanto os teóricos da cultura mundial apresentam a imagem de líderes nacionais que selecionam livremente de um fl uxo global de ideias educacionais, os teóricos do sistema mundial veem essas ideias como sendo impostas pelo poder econômico de uma rede de instituições globais, como o Banco Mundial e outros doadores (ANDERSON- LEVITT, 2003, p. 4). Os teóricos do sistema mundial consideram que o globo é integrado com duas grandes zonas desiguais. A zona central são os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão, que domina as nações da periferia. O objetivo do núcleo é legitimar seu poder inculcando seus valores em nações periféricas através de sistemas escolares nacionais que ensinam modos de pensamento e análise capitalistas (TABULAWA, 2003; WALLERSTEIN, 1984; 2004). O cientista político alemão Hans Weiler (2001) identifi ca essa relação entre conhecimento e poder global como envolvendo hierarquia de conhecimento em que uma forma de conhecimento é privilegiada sobre outra. Uma forma dominante de conhecimento é legitimada por um sistema transnacional de poder que trabalha através de organizações globais, como empresas de publicação, organizações de pesquisa, instituições de Ensino Superior, organizações profi ssionais e serviços de testagens, que legitimam uma forma de conhecimento. Nessa perspectiva, a globalização da educação é parte de um esforço para impor agendas econômicas e políticas particulares que benefi ciam as nações ricas em detrimento dos pobres do mundo (APPLE, 2005a; BROWN; LAUDER, 2006; GABBARD, 2000). Apoiando-se os argumentos dos teóricos do sistema mundial, tem-se a análise pós-colonial/crítica, que enfatiza que a escolarização ocidental domina a cena mundial como resultado da sua imposição pelo imperialismo europeu e seus aliados missionários cristãos. Simplifi cando, as escolas de estilo ocidental se espalharam pelo mundo como resultado do imperialismo cultural europeu (CARNOY, 1974; SPRING, 1998, 2006; WILLINSKY, 1998). O termo "teóricos pós-coloniais/críticos" está sendo usado para incluir aqueles que se identifi cam como teóricos críticos. Esses teóricos argumentam que o poder colonial continuou em novas formas após a dissolução dos impérios coloniais seguido à Segunda Guerra Mundial. Os teóricos pós-coloniais/críticos argumentam que após a dissolução dos impérios coloniais, o poder dos colonizadores anteriores foi reemergido em novas formas através do trabalho de organizações intergovernamentais, corporações multinacionais e acordos comerciais. Na sua manifestação atual, os poderes pós-coloniais promovem as economias de mercado, a educação do capital humano e as reformas Os teóricos do sistema mundial consideram que o globo é integrado com duas grandes zonas desiguais. No enquadramento da teoria pós- colonial/crítica, a educação é vista como um investimento econômico destinado a produzir melhores trabalhadores para atender às corporações multinacionais 157 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 escolares neoliberais para estimular os interesses das nações ricas e das poderosas corporações multinacionais. No enquadramento da teoria pós-colonial/ crítica, a educação é vista como um investimento econômico destinado a produzir melhores trabalhadores para atender às corporações multinacionais (BECKER, 2006; CROSSLEY; TIKLY, 2004; SPRING, 1998; STROMQUIST, 2003). Ao descrever o que consideram ser os efeitos negativos das organizações intergovernamentais globais e dos acordos comerciais sobre a educação latino- americana, Schugurensky e Davidson-Harden (2003, p. 333) entendem que: [...] tomamos uma perspectiva pós-colonial ao considerarmos as desigualdades históricas [...] marcar as relações da região com os países mais ricos do mundo [...] [A Organização Mundial do Comércio/Acordo Geral sobre Comércio de Serviços] tem o potencial de continuar os ciclos do imperialismo que subjugaram o desenvolvimento dos países latino-americanos desde o momento da colonização. Em geral, a análise pós-colonial/crítica [...] inclui questões de escravidão, migração e formação da diáspora; os efeitos da raça, cultura, classe e gênero nas confi gurações pós-coloniais; histórias de resistência e luta contra a dominação colonial e neocolonial; as complexidades da formação da identidade e da hibridez; direitos linguísticos e a linguagem; as lutas constantes dos povos indígenas pelo reconhecimento de seus direitos (CROSSLEY; TIKLY, 2004, p. 148). Para pesquisar sobre a globalização e a educação na perspectiva crítica, leia a obra “Globalização e educação: perspectivas críticas”, de Nicholas Burbules e Carlos Torres (2004). Nesta obra, um notável grupo de especialistas internacionais explora as dimensões cada vez mais importantes da globalização, à medida que ela afeta políticas e práticas educacionais ao redor do mundo. Abordando questões como o feminismo, multiculturalismo e novas tecnologias, essa coletânea de ensaios originais irá ampliar o contexto no qual as decisões sobre políticas educacionais são consideradas. 158 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Atividades de Estudos: 1) Os teóricos do sistema mundial, juntamente com a análise pós- colonial/crítica sobre a globalização da educação, possuem pontos em comum. Quais seriam as similaridades de seus argumentos? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Culturalista: EmprÉstimos Educacionais Os culturalistas enfatizam a existência de diferentes "conhecimentos" ou formas diferentes de ver e conhecer o mundo e os empréstimos de ideias educacionais (HAYHOE; PAN, 2001b). A sua posição difere daqueles que argumentam que existe uma única forma de conhecimento e daqueles que acreditam que o período pós-colonial dá continuidade ao poder econômico e político das nações ricas. Os culturalistas questionam a ideiade que modelos de escolarização são simplesmente impostos às culturas locais. Este grupo de teóricos acredita que os atores locais pegam emprestado e adaptam modelos múltiplos do mundo global das ideias educacionais. Um exemplo de empréstimo educacional pode ser visto nos formadores de políticas dos Estados Unidos na década de 1980, fi cando fascinado com o sistema japonês e outros sistemas educacionais por causa da crença de que a economia dos Estados Unidos estava diminuindo nos mercados mundiais como resultado de seu sistema escolar. O relatório do governo federal de 1983, Nação em Risco, culpou a qualidade acadêmica supostamente pobre das escolas públicas americanas por causar menores taxas de produtividade do que as do Japão e da Alemanha Ocidental, além de reduzir a liderança dos Estados Unidos no desenvolvimento tecnológico. O relatório afi rma: "Se apenas para manter e melhorar a diminuta vantagem competitiva que ainda retemos nos mercados mundiais, devemos rededicar-nos à reforma do sistema educacional em benefício Os atores locais pegam emprestado e adaptam modelos múltiplos do mundo global das ideias educacionais. 159 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 de todos" (GARDNER et al., 1983, p. 7). Não apenas esse argumento era quase impossível de provar, mas alguns alegaram que foi baseado em falsos dados e suposições, como apreendidos no título da obra de David Berliner e Bruce Biddle (1995), “A crise fabricada: mitos, fraude e ataque às escolas públicas dos Estados Unidos”. Embora a análise possa ter sido errada, os educadores dos Estados Unidos se apressaram para estudar as escolas japonesas como forma de melhorar suas escolas, um exemplo interessante de empréstimo de ideias educacionais, porque a atual organização das escolas japonesas tinha sido imposta ao Japão pelos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. No contexto do sistema escolar japonês altamente orientado para o teste, o relatório Nação em Risco recomendou que o sistema escolar americano fosse fortemente governado por "testes padronizados dos rendimentos" (GARDNER et al., 1983, p. 27). O resultado foi uma pressão dos formadores de políticas dos Estados Unidos para imitar as escolas japonesas (SPRING, 2006). Ao desenvolver uma teoria da atração política, David Phillips sugeriu um estudo sobre o movimento transnacional das reformas educacionais, que incluem o dar e o receber empréstimos de ideias. A análise da atração de aspectos da oferta educacional no Japão para observadores americanos durante um longo período, por exemplo, seria de interesse considerável. Assim também o exame detalhado dos modelos estrangeiros utilizados nas discussões de políticas nos países da Europa Oriental, posteriores às mudanças dramáticas de 1989 ou da infl uência do ensino primário centrado na criança na Grã- Bretanha sobre políticas e práticas em outras partes da Europa (PHILLIPS, 2004, p. 65). Além da perspectiva dos empréstimos transnacionais, os culturalistas argumentam que as ideias educacionais globais são muitas vezes adaptadas às condições locais. Kathryn Anderson-Levitt (2003, p. 2) afi rma que a imposição colonial da educação ocidental "em novas áreas [...], por exemplo, [pela] Inglaterra versus a França, parecia diferente desde o início". Ela argumenta que, embora haja uma aparência de homogeneização da escolarização global, na realidade, os professores e outros funcionários das escolas locais resistem e transformam modelos globais de escolarização. Além disso, os culturalistas rejeitam a ideia de que todas as organizações globais estão trabalhando em uníssono para promover a mesma agenda educacional. O Banco Mundial e a UNESCO argumentam que, às vezes, oferecem conselhos diferentes às escolas locais. Por exemplo, a Agência dos As ideias educacionais globais são muitas vezes adaptadas às condições locais. 160 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e a agência de desenvolvimento internacional da França “ofereceram diferentes conselhos aos profi ssionais das escolas na Guiné” (ANDERSON-LEVITT, 2003, p. 15). No Brasil, o modelo de educação religiosa apoiado pela Igreja Católica diferiu do modelo oferecido pelo Banco Mundial e pela USAID. Conforme descrito por Lesley Bartlett (2003), as instituições educacionais não públicas no Brasil apoiaram o modelo educacional que enfatizava temas progressivos de desenvolvimento humano e justiça social. Dentro da Igreja Católica Sul-Americana, este modelo de educação humanitária foi infl uenciado pela Teologia da Libertação. Por outro lado, as escolas públicas brasileiras, sob a infl uência do Banco Mundial e da USAID, adotaram o modelo de capital humano. O resultado foi uma diferença marcante no ensino da alfabetização. Muitas escolas católicas, infl uenciadas pela Teologia da Libertação, ensinaram alfabetização em um contexto social e político. Em contraste, escreveu Bartlett que o modelo de capital humano usado nas escolas públicas "evitou cuidadosamente os aspectos políticos da escolarização, utilizou instrução baseada em fonética e afi rmou que a educação pode e deve contribuir para o desenvolvimento econômico" (BARTLETT, 2003, p. 196). Os culturalistas também argumentam que não há modelo único de educação mundial, mas concorrentes. Em suas críticas aos teóricos da cultura da educação mundial, Kathryn Anderson-Levitt (2003) argumenta que existem dois modelos mundiais concorrentes para a educação. Os teóricos da cultura mundial argumentam que o objetivo do modelo educacional mundial é preparar os estudantes para serem trabalhadores da economia global. A autora identifi ca dois modelos de educação mundial concorrentes, que se pode rotular de Modelo Mundial de Capital Humano e Modelo Mundial de Educação Progressiva; além de dois outros modelos globais concorrentes: Modelos Mundiais de Educação Religiosa e Modelos Mundiais de Educação Indígena. Estes dois últimos modelos globais rejeitam abertamente os modelos mundiais de escolarização baseados na educação ocidental. Para aprofundar o seu conhecimento sobre a globalização e a educação, especifi camente quanto às questões transnacionais, pesquise a obra de António Teodoro, “Educação, globalização e neoliberalismo: os novos modos de regulação transnacional das políticas de educação” (2010). 161 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 Atividades de Estudos: 1) Descreva alguns dos posicionamentos dos culturalistas quanto à globalização da educação. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Modelo Mundial de Capital Humano O Modelo Mundial de Capital Humano, em geral, é apoiado por muitos líderes nacionais porque promete crescimento econômico e desenvolvimento. De acordo com os teóricos mundiais da cultura educacional, é a base das elites nacionais. O principal objetivo deste modelo é educar os trabalhadores para a concorrência por empregos na economia global. Este modelo, usando as divisões esquemáticas de Anderson-Levitt (2003, p. 9), contém os seguintes componentes: • padronização nacional do currículo; • testes padronizados para promoção, entrada e saída de diferentes níveis de escolarização; • avaliação do desempenho do ensino com base em testes padronizados de estudantes; • livros-texto obrigatórios; • tarefas esquematizadas; • ensino de línguas mundiais, particularmente inglês. Pode-se acrescentar ao modelo de Anderson-Levitt: • o objetivo da educação é educar os trabalhadores para competir na economia global; • o valor da educação é mensurado pelo crescimento econômico e pelo desenvolvimento. O Modelo Mundial de Capital Humano, em geral,é apoiado por muitos líderes nacionais porque promete crescimento econômico e desenvolvimento. 162 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA PONTOS-CHAVE: INTERPRETAÇÕES PELOS TEÓRICOS: CULTURA EDUCACIONAL MUNDIAL; SISTEMA MUNDIAL E PÓS-COLONIAL/CRÍTICO; E CULTURALISTAS. Cultura Educacional Mundial 1. Desenvolvimento de uma cultura educacional global uniforme compartilhando objetivos semelhantes, práticas educacionais e organizações. 2. Similaridade dos sistemas escolares nacionais, resultado da adoção do modelo ocidental de Estado-nação que exige educação em massa. 3. A maioria dos sistemas escolares nacionais compartilha uma escala educacional e organização curricular comum. 4. A uniformidade global da escolarização fornece entrada na economia global. Sistema Mundial e Pós-colonial/Crítico 1. Ideias educativas e práticas impostas a outras nações que favoreçam as vantagens econômicas das nações ricas. 2. A criação da uniformidade educacional global será usada para legitimar o poder das nações ricas. 3. Organizações globais que apoiam políticas que benefi ciarão países e pessoas ricas, como educar estudantes como trabalhadores para a economia global e privatizar a escolarização. Culturalista 1. Rejeita a reivindicação de uniformidade crescente de políticas e objetivos globais. 2. Enfatiza a forma como as comunidades locais mudam as ideias emprestadas do fl uxo global de ideias e práticas educativas. 3. Reconhece a existência de diferentes saberes e modelos de educação global. 4. Não acredita que as organizações globais trabalhem em uníssono para criar uniformidade educacional global. Fonte: O autor. 163 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 O Modelo de Capital Humano pode ser criticado por educar os cidadãos que aceitam passivamente as estruturas políticas e econômicas existentes, mesmo quando operam contra seus interesses. Há pouca tentativa de educar cidadãos ativos que atuam para promover melhorias políticas, econômicas e sociais. Aprofunde seus estudos lendo a obra de Marcos Cezar de Freitas e Dermeval Saviani, “A reinvenç ã o do futuro: trabalho, educaç ã o, polí tica na globalizaç ã o do capitalismo” (1996), na qual as críticas ao modelo do capital humano são bem fundamentadas. Modelo Mundial de Educação Progressiva De acordo com Anderson-Levitt (2003), este modelo fornece maior controle do currículo e da instrução pelo professor ao aluno. E, em contraste com o modelo de capital humano, o objetivo do modelo progressista é educar cidadãos conscientes das injustiças sociais para que trabalhem ativamente para corrigi-las. Anderson-Levitt (2003, p. 9) inclui neste modelo: • profi ssionalismo e autonomia dos professores; • aprendizagem com base nos interesses e participação dos estudantes; • aprendizagem ativa; • proteção de idiomas locais. Pode-se adicionar a este modelo os seguintes elementos: • educação para garantir a justiça social; • educação para participação ativa na determinação de mudanças sociais e políticas. Um problema com o modelo de Anderson-Levitt (2003, p. 9), chamado de Modelo Mundial de Educação Progressiva, é a inclusão de "escolha de escolas, de mercado, ou ‘reformas liberais’". Essas reformas são frequentemente referidas como “neoliberalismo” e podem ser vinculadas ao Modelo Mundial de Capital Em contraste com o modelo de capital humano, o objetivo do modelo progressista é educar cidadãos conscientes das injustiças sociais para que trabalhem ativamente para corrigi-las. 164 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA Humano. Os comentaristas sobre a educação global consideram que as reformas neoliberais da escola devem ser projetadas para privatizar os serviços escolares tradicionais governamentais e devolvê-los ao mercado sob a forma de escolha de escolas e de escolarização com fi ns lucrativos (APPLE, 2005b; CROSSLEY; TIKLY, 2004; DALE, 2005; GABBARD, 2000; OLSSEN, 2004). O neoliberalismo é frequentemente associado à educação de capital humano. Ilustrando o vínculo entre o neoliberalismo e a educação de capital humano, Michael Apple conclui: "os neoliberais são o elemento mais poderoso da aliança que apoia a modernização conservadora [...] subjacente a esta posição está uma visão dos estudantes como capital humano [...] como futuros trabalhadores" (APPLE, 2005a, p. 214). Em resumo, há grande diferença entre os Modelos de Capital Humano e Educação Progressiva. Nas escolas, o Modelo de Capital Humano assume o controle dos comportamentos dos professores através de um currículo nacional prescrito e dependência de testes padronizados com o objetivo de educar os trabalhadores para a economia global. O Modelo Progressivo pressupõe que a instrução envolverá a aprendizagem ativa com base nos interesses dos alunos e na participação com alto grau de autonomia docente no planejamento de lições com o objetivo de educar cidadãos que abordarão ativamente questões de justiça social. Modelos Mundiais de Educação Religiosa Tanto os Modelos de Capital Humano quanto os modelos de Educação Progressiva fazem parte da tradição educacional ocidental que se tornou parte do conceito global de ideias educacionais. Uma crítica a esses modelos é que se apoiam em uma sociedade secular cujos objetivos são o desenvolvimento econômico ou a equidade econômica. Faltam, para alguns, objetivos e valores espirituais e religiosos. No mundo, há um grande número de escolas religiosas que servem comunidades cristãs, budistas, islâmicas, hindus e outras comunidades religiosas. Algumas fornecem instruções religiosas após o horário escolar ou em dias religiosos, enquanto outras operam escolas em tempo integral. As escolas religiosas oferecem instruções que enfatizam a espiritualidade, em contraste com a ênfase econômica e secular dos modelos mundiais de capital humano e Educação Progressiva. Portanto, recomenda-se chamar essas propostas de modelos mundiais de educação religiosa (NESBITT, 2004). Algumas de suas características seriam as seguintes: • estudo de textos religiosos tradicionais; • estudo e prática de ritos religiosos; • ênfase na espiritualidade; Tanto os Modelos de Capital Humano quanto os modelos de Educação Progressiva fazem parte da tradição educacional ocidental que se tornou parte do conceito global de ideias educacionais. 165 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 • ênfase em instilar padrões morais e éticos; • rejeição do secularismo. Modelos Mundiais de Educação IndÍgena Em 13 de setembro de 2007, houve um comunicado de imprensa anunciando a ratifi cação da Declaração sobre os Direitos dos Povos Indígenas, as Nações Unidas estimaram que existem 370 milhões de povos indígenas existentes em todo o mundo em áreas do Pacífi co Sul, Ásia, Europa e as numerosas nações indígenas da África e da América do Norte e do Sul (UN NEWS SERVICE, 2007). A defi nição dos povos indígenas do mundo enfatiza a ocupação de longo prazo de uma determinada área geográfi ca (DEI; HALL; ROSENBERG, 2000). Por exemplo, as nações indígenas do Canadá enfatizam a "ocupação de longo prazo", escolhendo o autoidentifi cador "Primeiras Nações". No entanto, alguns grupos que hoje se identifi cam como indígenas eram anteriormente poderes com impérios que dominavam outros povos e terras, como os astecas, os maias e os incas das Américas. Pode-se questionar se seriam essas as nações ou os povos que elas dominaram os ocupantes de longo prazo. Uma resolução de quem é indígena pode ser através da autoidentifi cação. O Banco Mundial inclui em sua defi nição de indígena a "autoidentifi cação" e a "produção orientada para a subsistência". A defi nição do Banco Mundial (1991, p. 1) é: Os termos ‘populações indígenas’, ‘grupos tribais’ e ‘tribos inventariadas’ descrevem grupos sociais que têm uma identidade social e cultural diferente da sociedade dominante, que as torna suscetíveisde fi car em desvantagem no processo de desenvolvimento. CARACTERÍSTICAS DOS POVOS INDÍGENAS a) estreita vinculação a territórios ancestrais e recursos naturais nessas áreas; b) autoidentifi cação e identifi cação por parte de outros como membros de um grupo cultural distinto; c) um idioma indígena, muitas vezes, diferente da língua nacional; d) presença de instituições sociais e políticas costumeiras; e produção orientada primariamente para a subsistência. Fonte: Banco Mundial (1991, p. 1). 166 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA No entanto, a "produção orientada primariamente para a subsistência" não descreve realisticamente o trabalho de alguns povos indígenas autoidentifi cados que ocupam empregos em fábricas modernas, agricultura corporativa ou em outras profi ssões profi ssionais e empresariais. Ao longo do século passado, os povos indígenas lutaram para restabelecer os métodos de educação tradicional, após tentativas de alguns colonialistas de usar formas ocidentais de escolarização para erradicar suas culturas. Em alguns casos, aos povos indígenas foi negada a escolarização, como um método para excluí-los da entrada em organizações econômicas e políticas dominantes. Consequentemente, muitas nações indígenas estão tentando restaurar seu controle sobre a educação e garantir o reconhecimento dos métodos educacionais tradicionais. Os modelos mundiais de educação indígena incluem: • nações indígenas controlam suas próprias instituições educacionais; • a educação indígena tradicional serve de guia para o currículo e métodos de instrução; • a educação é fornecida na língua da nação indígena; • a educação refl ete a cultura da nação indígena. Os povos indígenas lutaram para restabelecer os métodos de educação tradicional, após tentativas de alguns colonialistas de usar formas ocidentais de escolarização para erradicar suas culturas. EXemplos da Difusão de Modelos Educacionais Globais Os teóricos da cultura mundial apresentam uma imagem benigna das elites nacionais e grupos locais escolhendo uma cultura educacional mundial, enquanto os teóricos do sistema mundial e os teóricos pós-coloniais/críticos enfatizam o uso do poder para impor modelos educacionais. Os culturalistas enfatizam a importância do empréstimo de ideias educacionais e sua adaptação local. No entanto, a história da disseminação global da educação é complexa e envolve escolha e imposição. Inicialmente, como afi rmam os teóricos pós-coloniais/críticos, as formas de educação ocidentais se espalharam pelo mundo como resultado do imperialismo europeu. Além de uma busca pela riqueza, os colonialistas europeus também foram motivados pela crença na superioridade da civilização ocidental e pelo desejo de converter os povos do mundo ao cristianismo. Pode-se denominar este processo, de modo alusivo, de "amor branco" (SPRING, 1998). Convencidos da inferioridade de outras civilizações e de que o cristianismo era a única e verdadeira religião, os colonialistas acreditavam estar ajudando aos outros tentando mudar as religiões e as culturas locais. 167 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 A difusão precoce da escolarização ocidental não incluiu, embora o processo estabeleceu as bases para sua posterior adoção, o atual Modelo Mundial de Capital Humano. A difusão global do modelo de capital humano ocorreu após a Segunda Guerra Mundial. O trabalho dos missionários cristãos representa um modelo religioso global. Nas Américas, os espanhóis estabeleceram uma extensa rede de igrejas e escolas para converter nativos americanos. Na América do Norte, os britânicos encorajaram os missionários protestantes e aqueles que trabalhavam nas escolas a converter e educar os povos indígenas. Tanto na América do Sul quanto na América do Norte, a força física, às vezes, era usada para salvar almas para um Deus cristão. Na África, os europeus estabeleceram escolas e enviaram pessoas da igreja para conquistar os corações e as mentes das pessoas subjugadas. Na Índia, os britânicos fi zeram do idioma inglês e a educação em escolas de estilo inglês o caminho para os locais ingressarem na administração colonial. Enquanto os franceses não encorajavam a expansão da educação de estilo europeu para os povos colonizados no Camboja e na Indochina, estabeleceram escolas para a educação dos fi lhos de seus administradores coloniais e apoiaram os esforços dos grupos religiosos para converter e educar a população local. Os holandeses seguiram um padrão semelhante na Indonésia (CARNOY, 1974; SPRING, 1998, 2006; WILLINSKY, 1998). Por outro lado, alguns países escolheram a educação do estilo ocidental por razões de defesa, enquanto tentavam proteger os sistemas étnicos locais. No século XIX, os líderes japoneses pediram o estabelecimento de escolas de estilo ocidental para aprenderem tecnologia ocidental e ciência para construir uma máquina de guerra capaz de resistir ao expansionismo europeu na Ásia. A Carta de Juramento emitida pelo recém-criado Departamento de Educação do Japão em 1868 refl etiu uma visão global na organização de um novo sistema educacional: "O conhecimento deve ser buscado em todo o mundo" (MARSHALL, 1994, p. 25-26). Adotando uma estrutura escolar de estilo ocidental, o Código de Educação Fundamental do Japão de 1872 exigiu a construção de 54.760 escolas primárias, distritos de ensino médio e distritos universitários (PASSIN, 1965). Um padrão de desenvolvimento semelhante ocorreu nos países árabes quando o exército de Napoleão entrou no Egito em 1798 e ocupou o país por três anos. Os líderes egípcios decidiram que seus cidadãos precisavam estudar a tecnologia europeia, a ciência e a organização militar. Na obra “Colocando o Islã no trabalho: política e transformação religiosa no Egito”, Gregory Starrett (1998, p. 26) resume estes esforços de "ganhar paridade militar com a Europa que motivou a importação inicial da escola de estilo europeu para o Egito". Alguns países escolheram a educação do estilo ocidental por razões de defesa, enquanto tentavam proteger os sistemas étnicos locais. 168 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA A história educacional da China apoia a afi rmação dos teóricos da cultura educacional mundial de que a disseminação da escolarização em massa acompanhou a adoção do modelo ocidental de Estado-nação. Em 1912, o imperador chinês foi suplantado por uma república de estilo ocidental apoiada pelos seguidores do líder revolucionário Sun Yat- sen. O futuro líder do Partido Comunista Chinês, Mao Zedong, lembrou que depois da abdicação de 1912 do imperador, "as escolas modernas surgiram como brotos de bambu após uma chuva de verão" (SHORT, 1999, p. 52). Escolas modernas ou de estilo ocidental eram consideradas essenciais para manter uma forma republicana de governo. O novo ministro da educação, Cai Yuanpei, emitiu um edital eliminando textos clássicos chineses do currículo da escola primária e proibiu todos os livros didáticos que não concordavam com os ideais republicanos (BAILEY, 1990). É importante notar que tanto a China quanto o Japão adotaram os modelos da escola ocidental, enquanto tentavam reter os valores tradicionais, como exemplifi cado pelos slogans educativos: espírito japonês, habilidades ocidentais e ciências ocidentais, moralidade oriental, e na China como função ocidental, essência chinesa (SPRING, 1998, 2001). O Modelo de Educação Progressiva era parte desse fl uxo global de práticas e ideias educacionais (SPRING, 2006). Muitas vezes, foi associado a movimentos de justiça social e mudanças políticas e econômicas. Em 1919, o ícone da Educação Progressiva, John Dewey, realizou uma turnê de dois anos pela China, onde foi saudado como o "Segundo Confúcio" (KEENAN, 1977; HALL; AMES, 1999). Os chineses que os convidaram fi zeram parte do crescente movimento transnacional de estudantes. Em 1908, o Congresso dos Estados Unidos concordouem devolver os fundos devidos aos Estados Unidos pela China, que seriam utilizados para “apoiar os estudantes chineses a estudar nos Estados Unidos. Entre 1921 e 1924, estimava-se que os Estados Unidos hospedassem o maior número de estudantes chineses estudando no exterior” (KEENAN, 1977, p. 14-15). Após a revolução bolchevique de 1917, os educadores soviéticos foram atraídos pela Educação Progressiva americana como parte da ação do Comissariado Popular de Educação para criar um sistema educacional experimental. Esse Comissariado incentivou a aprendizagem ativa através da discussão em aula e da educação estética, juntamente com um currículo integrado em que a leitura, a escrita, a aritmética, a história, a geografi a, a literatura, a química, e outros assuntos, foram estudados em conjunto. O Comissariado recomendou o uso do Plano Dalton desenvolvido pela educadora progressiva dos Estados Unidos, Helen Parkhurst, em 1918. No Plano Dalton, os estudantes assinavam contratos mensais em que todos os assuntos deveriam ser estudados no contexto de um único tema. Os alunos cumpriam seus contratos trabalhando de acordo com seu próprio ritmo (HOLMES, 1999; SHORE, 1999). Tanto a China quanto o Japão adotaram os modelos da escola ocidental, enquanto tentavam reter os valores tradicionais 169 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 As ideias educativas progressivas americanas receberam apoio adicional em 1929, quando “o Comissariado Popular de Educação ordenou que todas as escolas adotassem o Método de Projeto como o sistema de instrução” (HOLMES, 1999, p. 10). O Método de Projeto foi proposto pela primeira vez em 1918 pelo educador progressista americano William Heard Kilpatrick, um amigo e colega de John Dewey no Teachers College, Universidade de Columbia (KILPATRICK, 1918). Tudo isso mudou quando Stalin subiu ao poder. Em 1931, o Comissário de Educação Andrei Bubnov condenou o Método de Projeto na reunião da Conferência de Chefes de Departamentos Regionais de Educação da Rússia. Ele afi rmou que os professores estavam inadequadamente preparados para usar o método do projeto e as instruções baseadas em atividades. Exigiu que as escolas oferecessem instrução sistemática em matemática, química e física. O Comitê Central do Partido Comunista declarou: "É necessário travar uma luta decisiva contra o planejamento irrefl etido com métodos [...] especialmente contra o chamado método de projeto" (HOLMES, 1999, p. 11). Em 1932, o Comitê Central condenou o Plano Dalton. A disseminação global de ideias e instituições educacionais não é via unidirecional da Europa e dos Estados Unidos para o resto do mundo. Na próxima seção, sobre empréstimos educacionais, demonstram-se como as ideias globais são alteradas e depois infl uenciam os discursos educacionais globais. Tanto a China quanto o Japão adotaram os modelos da escola ocidental, enquanto tentavam reter os valores tradicionais Para saber mais sobre a globalização, a educação e a pós- modernidade, leia a obra organizada por José Claudinei Lombardi, com o título “Globalização, pós-modernidade e educação: história, fi losofi a e temas transversais” (2009). A publicação da coletânea Globalização, pós-modernidade e educação resulta de uma parceria entre a Unicamp e a Universidade do Contestado - UnC. Essa publicação é um resultado direto de parte das conferências, acrescida de contribuições de docentes vinculados aos Grupos de Estudos e Pesquisa HISTEDBR e PAIDEIA. 170 EDUCAÇÃO INTEGRAL E EDUCAÇÃO COMPARADA EXemplos de EmprÉstimo Educacional: o Caso da AmÉrica do Sul A América do Sul exemplifi ca o empréstimo de ideias educacionais globais e sua adaptação às condições locais. Os países da América do Sul foram infl uenciados pelo colonialismo espanhol e português, e por modelos de educação de capital humano dos Estados Unidos (SPRING, 2006). O Modelo de Educação Progressiva contemporâneo mais importante desenvolvido pelo educador brasileiro Paulo Freire emergiu de preocupações sobre o impacto desses outros modelos de educação global. O exemplo sul-americano demonstra que o fl uxo global de ideias e instituições educacionais não é unidirecional. Envolve, como apreendido no título de um livro editado pela educadora comparativa Gita Steiner- Khamsi (2004), A Política Global do Empréstimo Educacional (tendo em mente que o “empréstimo” aqui se refere ao ato de emprestar e pegar emprestado, é bidirecional). Um pioneiro no pensamento educacional progressista na América do Sul foi o peruano José Carlos Mariátegui. Seus escritos infl uenciaram o fi lósofo educacional Paulo Freire, a cruzada de alfabetização após a revolução cubana e as campanhas de alfabetização lideradas por teólogos de libertação. Mariátegui solicitou uma educação política de massa de camponeses e povos indígenas como condição necessária para a justiça econômica na América do Sul. Ele se tornou um marxista quando, depois de receber uma educação de oito anos, assumiu um trabalho no jornal peruano La Prensa e começou a escrever artigos políticos. O radicalismo de seus artigos levou o governo peruano a exilá-lo para a Europa em 1919. Na Europa, ele frequentou os círculos comunistas na França e na Itália e se familiarizou com ideias progressistas sobre a importância de libertar o pensamento humano da subjugação ideológica pelas elites estatais e econômicas (LISS, 1984). A educação política de massa, acreditava Mariátegui, era necessária para alcançar a justiça econômica no contexto da América do Sul, particularmente para o recrutamento de camponeses e povos indígenas. Mariátegui (1971, p. 122) argumentou: "O problema do analfabetismo indiano ultrapassa a esfera pedagógica. Torna-se cada vez mais evidente que ensinar um homem a ler e a escrever não é educá-lo”. Foi o fl uxo global das ideias e instituições educacionais que Mariátegui (1971) culpou parcialmente pela destruição das culturas indígenas e pela criação de uma vida de pobreza abjeta para a maioria da população peruana. Quanto ao efeito do colonialismo espanhol, ele afi rmou: O Modelo de Educação Progressiva contemporâneo mais importante desenvolvido pelo educador brasileiro Paulo Freire emergiu de preocupações sobre o impacto desses outros modelos de educação global. 171 GLOBALIZAÇÃO, INTERNACIONALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO Capítulo 4 A herança espanhola não era apenas psicológica e intelectual, mas sobretudo econômica e social. A educação continuou sendo um privilégio porque os privilégios de riqueza e classe continuaram. O conceito aristocrático e literário de educação era típico de um sistema e economia feudal. Não tendo abolido o feudalismo no Peru, a independência não aboliria suas ideias sobre educação. (MARIÁTEGUI, 1971, p. 79). Um modelo educacional de capital humano emprestado dos Estados Unidos, Mariátegui argumentou, perpetuou as divisões econômicas do Peru. No início do século XX, os líderes educacionais peruanos pediram a adoção do modelo de educação dos Estados Unidos para auxiliar no desenvolvimento industrial ou, em outras palavras, para relacionar mais estreitamente a educação com o planejamento econômico. O principal defensor do modelo dos Estados Unidos foi Manuel Villarán, que argumentou: "a educação no Peru [...] sofre com a incapacidade de atender às necessidades da economia nacional em desenvolvimento e da sua indiferença ao elemento indígena" (VILLARÁN apud MARIÁTEGUI, 1971, p. 86). Ele argumentou que o futuro econômico do Peru dependia de seu sistema educacional preparando os trabalhadores, em vez de escribas para entrar nas burocracias governamentais e na profi ssão legal. Villarán afi rmou: [...] as grandes nações da Europa hoje estão remodelando seus programas educacionais, em grande parte ao longo das linhas norte-americanas, porque entendem que este século exige homens de empreendimento e não homens de letras [...]