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AULA 1 AUDITORIA CONTÁBIL Prof. Luiz Eduardo Croesy Jenkins 2 TEMA 1 – CONCEITO E EVOLUÇÃO DA AUDITORIA CONTÁBIL A contabilidade e a auditoria são áreas estreitamente relacionadas, já que a base para a atuação dos auditores contábeis está nas demonstrações contábeis, que são produzidas e expressas por meio de sistemas de contabilidade, sendo preparadas pelo setor de contabilidade e controladoria das organizações. O processo evolutivo da auditoria contábil está atrelado à evolução da contabilidade como ciência e setor auxiliar à gestão, no processo de suporte informacional e de tomada de decisões. A abordagem da área foi aprimorada, ao longo do tempo, por parte da auditoria externa, refletindo necessidades ligadas à evolução das organizações, em especial o aumento da complexidade nas transações, no comércio exterior e nas novas formas de arranjo organizacional, considerando principalmente a inovação tecnológica. 1.1 Auditoria contábil: surgimento A auditoria contábil surge como parte da evolução do sistema capitalista, com o estabelecimento das primeiras organizações empresariais, de teor mais profissional, em detrimento das práticas artesãs e das atividades individuais. Com o advento dessas organizações, que são menos familiares e mais profissionais, a contabilidade se desenvolveu como ciência, buscando fazer frente às necessidades de organização das atividades operacionais. Há indícios de sua prática ainda nos séculos XV e XVI, na Itália. Assim, o país é conhecido como o berço da contabilidade, em grande parte por conta da efervescência de suas atividades comerciais e marítimas. A Itália era um dos principais centros econômicos e comerciais da época, com forte influência religiosa da Igreja Católica, que desde o Século III d.C. se encontra estabelecida naquela região. O reconhecimento oficial da contabilidade data de 1581, em Veneza, a com a instituição do primeiro Collegio dei Raxonati (Colégio de Contadores). Inicialmente, os trabalhos relacionados à auditoria eram bastante limitados, e de certa forma simples, em comparação ao que feito atualmente. Restringia-se à verificação de registros contábeis para comprovar a sua exatidão. 3 Nessa época, as empresas eram fechadas e familiares. Não existia mercado de capitais, tampouco acionistas e investidores externos. Os proprietários dos negócios utilizavam os seus próprios recursos. O primeiro grande boom ocorreu com o advento da Revolução Industrial. Com a expansão das empresas e o acirramento da concorrência, surgiu a necessidade de buscar novos produtos e mercados, de modo que as empresas se tornaram mais complexas, passando a captar recursos com terceiros, mediante empréstimos bancários e abertura de capital. A partir do momento em que as empresas passaram a ser públicas, ou seja, de interesse público (afinal, o seu capital passa a ser diluído por diversos acionistas), surgiu a necessidade de que terceiros, independentes, apresentassem um parecer sobre a saúde financeira e patrimonial das entidades. Os investidores precisavam conhecer a posição patrimonial e financeira da empresa, a sua situação atual, a fidedignidade das informações apresentadas de natureza contábil e os riscos. A melhor alternativa para garantir esse processo com segurança foi o desenvolvimento de demonstrativos contábeis. Assim, as demonstrações contábeis passaram ter grande importância para os investidores. Como medida de segurança, os investidores passaram a exigir que as demonstrações contábeis fossem examinadas por um profissional independente da empresa, de reconhecida capacidade técnica. Surge aí a figura do auditor independente. A auditoria moderna surge a Inglaterra, com a instituição do 1º Ato Formal, de 1845, conhecido como “Railway Companies Consolidation Act”, uma espécie de parecer dos auditores sobre uma companhia. 1.2 Evolução da auditoria interna no Brasil No Brasil, o primeiro parecer contábil foi emitido em 1903, para a São Paulo Tramway, Light and Power Company, por meio de sua matriz no Canadá. A primeira firma estabeleceu-se no Rui de Habeuri em 1909 (McAuliffe Davis Bell & Co., que se transformou mais tarde na Arthur Andersen). Em 1915, a Price Waterhouse, junto com a W. B. Peat & Co. e a Touche Faller & Co., abre um escritório na América do Sul, também no Rio de Janeiro. A auditoria ganha novo impulso com a criação, nos EUA, da Securities and Exchange Comission (SEC), em 1934, que obrigava as empresas abertas à publicação de balanços anuais auditados. 4 A instalação de firmas de auditoria no Brasil decorre basicamente da necessidade legal das empresas americanas de serem auditadas. Nos últimos anos, a função de auditoria sofreu uma grande reviravolta, por conta de escândalos corporativos, especialmente nos EUA. Essa reviravolta, especialmente após o caso Enron e a derrocada da Arthur Andersen, culminou com a promulgação, nos EUA, da “Sarbanes-Oxley Act” (ou Lei Sarbanes-Oxley), com impactos não apenas na auditoria americana, mas de todo o mundo globalizado. No Brasil, o desenvolvimento da auditoria foi impulsionado pelos seguintes fatores: • Abertura de filiais de empresas multinacionais; • Filiais e subsidiárias de firmas estrangeiras de auditoria; • Financiamento de empresas brasileiras em entidades internacionais; • Crescimento das empresas brasileiras e necessidade de descentralização das atividades econômicas; • Evolução do mercado de capitais; • Criação das normas de auditoria emitidas pelo Banco Central do Brasil, em 1972; • Criação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e publicação da Lei da Sociedades Anônimas, em 1976. 1.3 Histórico legal da auditoria no Brasil Vejamos um histórico da legislação pertinente à área no Brasil: • 1965: a Lei n. 4.728 disciplinou o mercado de capitais, estabelecendo regras e medidas para o seu desenvolvimento. Ela traz pela primeira vez a expressão “Auditores Independentes”. • 1972: o Banco Central do Brasil (Bacen) estabelece uma série de regulamentações para o Sistema Financeiro Nacional (SFN), bem como para as companhias de capital aberto, considerando as normas gerais de auditoria por meio da Circular Bacen n. 179/1972. • 1972: o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), por meio da Resolução n. 321/1972, aprovou normas e procedimentos de auditoria, elaboradas em conjunto com o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IAIB (atual Ibracon). 5 • 1976: instituída a Lei n. 6.404/76, denominada “Lei das Sociedades Anônimas”, que revogou a Lei n. 4.728/65, ampliando-a. • 2001: instituída a Lei n. 10.303/01, que alterou dispositivos da Lei n. 6.404/76, basicamente no que tange ao mercado específico de negociação de ações, debêntures, acordo de acionistas e as próprias formas de atuação da Comissão de Valores Mobiliários –CVM. • 2007: instituída a Lei n. 11.638/07, que marca uma revolução em termos normativos, impactando o mercado da auditoria contábil. Equipara (em termos de obrigações, transparência e divulgação de informações) as sociedades limitadas de grande porte às sociedades anônimas, com forte atuação no processo de harmonização das normas brasileiras de contabilidade aos padrões internacionais, em especial o International Financial Reporting Standard – IRFS. Atualmente, a auditoria deve fazer parte de um sistema de governança corporativa. Quando uma empresa disponibiliza as suas demonstrações contábeis para que sejam auditadas por firmas de auditoria independente, esse procedimento garante maior credibilidade às informações divulgadas, transmitindo ao mercado um fator impactante de transparência. A auditoria deve buscar manter sempre o trust, ou seja, a confiança do mercado em sua marca e, principalmente, em seus serviços. No Brasil, a auditoria independente passou a ser mais efetiva a partir da década de 1970, especificamentea partir do estabelecimento da Lei das Sociedades Anônimas, de 1976. À época, a grande demanda por serviços de auditoria independente no Brasil estava ligada ao trabalho de Empresas Públicas e de Economia Mista (como Petrobrás, Banco do Brasil, Vale do Rio Doce – atual Vale – e Caixa Econômica Federal). Tais organizações foram precursoras da auditoria no país, por conta da regulamentação e consequente normatização. É importante aqui considerar o volume de recursos, transações e riscos relacionados às instituições financeiras e às entidades equiparadas. Ainda hoje, as instituições financeiras equiparadas ocupam o papel de protagonistas na área de auditoria contábil externa ou independente, quer seja por conta do volume de horas de prestação de serviços a que estão dispostas, quer seja pelo valor dos honorários que são movimentados nesse mercado, especificamente nas atividades de auditoria de bancos e seguradoras. 6 Outra área de atuação que fomenta o mercado da auditoria contábil no país é das filiais de multinacionais instaladas no Brasil, que também recorrem à auditoria para certificar as suas operações. Isso vale também para as sociedades limitadas de médio porte, já que as suas matrizes exigem que as filiais sejam auditadas, por conta de regras internacionais de consolidação de balanços ou ainda porque as multinacionais, em origem, são organizações que negociam ações no mercado de valores mobiliários. Atualmente, novas empresas, inclusive aquelas sem obrigação normativa, têm aderido à auditoria, por enxergarem nela mecanismos que podem conduzir as organizações à minimização de impactos, corrigindo erros materiais ou melhorando processos operacionais. TEMA 2 – ÓRGÃOS E ENTIDADES RELACIONADAS Os trabalhos de auditoria contábil não se resumem à figura do auditor e do auditado. Por ser uma atividade com alto grau de normatização, a auditoria contábil e tributária tem um relacionamento direto com as seguintes organizações: • Conselho Federal de Contabilidade (CFC) • Conselho Regional de Contabilidade (CRC) Além dos órgãos normativos da profissão contábil, o CFC e os CRCs, outras organizações desenvolvem um relacionamento estrito com os auditores internos, sejam eles profissionais independentes ou firmas de auditoria externa: • Instituto Brasileiro dos Auditores Independentes (Ibracon) • Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA Brasil) • Comissão de Valores Mobiliários (CVM) • Banco Central do Brasil (Bacen) • Superintendência de Seguros Privados (Susep); • Agências reguladoras (Anac, Anatel, ANA, Aneel etc.) • International Federation of Accountants (Federação Internacional de Contadores – IFAC) • International Accounting Standard Committee (Comitê de Normas Contábeis Internacionais – IASC) O CFC, em conjunto com o Ibracon, é responsável pela elaboração dos pronunciamentos contábeis, por meio de um comitê específico (CPC), tendo como principal atributo a harmonização das práticas contábeis adotadas no Brasil com 7 a de outros países, sobretudo as Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS), que são um padrão global de normatização na área contábil-financeira em países europeus e nos países mais desenvolvidos da Ásia. Além disso, o CFC, por meio dos Conselhos Regionais (CRC) é responsável por fiscalizar a atuação dos auditores e verificar o cumprimento do que é estabelecido no Programa de Educação Continuada daquele organismo, certificando-se de que os auditores estão cumprindo um regime anual de horas de atividade de treinamento e aperfeiçoamento profissional. A CVM, o Bacen e a Susep, como organismos normativos e equiparados a agências reguladoras, atuam como mecanismos orientadores aos trabalhos executados pelos auditores independentes, apresentando as premissas e os parâmetros que devem ser aplicados aos trabalhos de auditoria independente, bem como as regras das organizações auditadas. Os organismos internacionais (IFAC e IASC) são responsáveis pelo processo de harmonização das normas contábeis e de auditorias internacionais às práticas de contabilidade e de auditorias adotadas no Brasil. As agências reguladoras têm o papel de normatizar e controlar atividades relacionadas a concessões e prestações de serviços públicos, buscando garantir a qualidade de serviços executados pelos prestadores de serviços. A auditoria é influenciada pela alta carga normativa e de prestação de informações das entidades que atuam em mercados que dispõem de agências reguladoras, atuando como instrumentos verificadores do compliance das empresas auditadas. TEMA 3 – AUDITORIA INTERNA E AUDITORIA INDEPENDENTE NA CONTABILIDADE É comum que os profissionais tenham dúvidas em relação à atuação da auditoria interna e externa (ou independente). A confusão recai sobre o papel e as características que envolvem cada uma das formas de atuação. 3.1 Auditoria interna O IIA Brasil (2022) define a auditoria interna da seguinte forma: uma atividade independente e objetiva de avaliação e consultoria, criada para agregar valor e melhorar as operações de uma organização. Ela auxilia a organização a atingir seus objetivos a partir da aplicação de uma abordagem sistemática e disciplinada à avaliação e melhoria da 8 eficácia dos processos de gerenciamento de riscos, controle e governança. Portanto, a partir do conceito apresentado pelo IIA Brasil, é possível observar a forma de atuação da auditoria interna, que pauta a sua atividade na avaliação de processos, no gerenciamento de riscos, na avaliação dos controles internos e na observância dos pressupostos relacionados à governança. A sua forma de atuação consiste basicamente em analisar os processos- chave da empresa, o gerenciamento dos riscos e a utilização de ferramentas de controle interno. Observa ainda os demais procedimentos internos, analisando as consequências do relacionamento com instituições externas e identificação de ativos e passivos não registrados. Apesar de apresentar em seu escopo a avaliação dos registros contábeis da organização e a atuação do departamento contábil, a atuação da auditoria interna não está relacionada exclusivamente às demonstrações contábeis da organização, sendo muito mais atuante na avaliação de processos-chave e na avaliação de controles internos. Os auditores internos realizam, efetivamente, procedimentos de auditoria para avaliar se as demonstrações contábeis foram preparadas de forma a garantir que os informes apresentados sejam fidedignos. Um ponto que diferencia a auditoria interna da externa é a questão estrutural. Enquanto a realização de atividades de auditoria externa fica a cargo de organismos independentes, portanto externos à organização, o trabalho da auditoria interna pode ser realizado por funcionários da empresa, desde que a unidade de auditoria interna (ou órgão equivalente) disponha de independência estrutural em relação à área ou setor auditado, sem relação de subordinação. As atividades de auditoria interna podem ser realizadas, ainda, por empresas independentes ou mesmo por pessoas físicas que atuam como auditores internos. 3.2 Auditoria externa As Normas Brasileiras de Contabilidade – Técnicas de Auditoria (NBC-TA) descreve a atividade da auditoria externa como um trabalho de asseguração (assurance, em inglês). A utilização do termo asseguração remete à ideia de robustez ao trabalho, em comparação com o termo anterior adotado anteriormente, que carregava a ideia de emitir uma opinião. A asseguração é equivalente à apresentação de uma opinião muito mais embasada, o que acarreta 9 a execução de um número maior de testes e procedimentos de auditoria, a fim de garantir que a opinião emitida pode assegurar aquilo que está sendo informado. Obviamente, por se pautar em uma atividade que se baseia em testes amostrais, o risco de uma opinião inadequada pode existir,sendo previsto nos planejamentos e no escopo adotado pelas equipes de auditoria, o que implica a execução de um maior volume de testes, de questionamentos, de entrevistas, com verificação documental a depender da área ou do grupo de contas analisados pelos auditores independentes. A “NBC-TA 00 Estrutura Conceitual” define o objetivo dos trabalhos de asseguração executados pela auditoria externa da seguinte forma: “visa obter evidências apropriadas e suficientes para expressar sua conclusão, de forma a aumentar o grau de confiança dos usuários previstos sobre o resultado da mensuração ou avaliação do objeto, de acordo com os critérios que sejam aplicáveis” (Brasil, 2015). Conforme já destacamos anteriormente, a auditoria externa ou independente surgiu como atividade cujo foco principal era a verificação da fidedignidade das informações apresentadas nas demonstrações contábeis. Com o processo evolutivo pelo qual passaram as organizações, e que impactou a atividade contábil, a auditoria externa passou a avaliar outros aspectos organizacionais, para além das demonstrações contábeis, conforme destaca a NBC-TA 00: O resultado da mensuração ou avaliação do objeto é a informação que resulta da aplicação do critério ao objeto. Por exemplo: • Demonstrações contábeis (resultado) resultam da mensuração da posição patrimonial e financeira da entidade, do desempenho e dos fluxos de caixa (objeto) ao aplicar a estrutura de relatórios financeiros aplicáveis (critério). • Conclusão sobre a eficácia do controle interno (resultado) decorre da avaliação da eficácia do processo de controle interno da entidade (objeto) ao aplicar os critérios aplicáveis. • Mensurações de desempenho específicas à entidade (resultado) decorrem da mensuração de vários aspectos de desempenho (objeto) ao aplicar as metodologias de mensuração aplicáveis (critério). • Declaração de gases de efeito estufa (resultado) decorre da mensuração das emissões de gases de efeito estufa da entidade (objeto) ao aplicar o reconhecimento, mensuração e apresentação de protocolos (critério). • Declaração sobre o cumprimento (resultado) decorre da avaliação do cumprimento da entidade (objeto) com, por exemplo, lei ou regulamento (critério). Observamos aqui a norma contábil destacando, como objeto da auditoria, não apenas as demonstrações contábeis, mas também a avaliação dos controles 10 internos (embora este também seja um elemento de análise por parte da auditoria interna), indicadores de desempenho, além de cumprimento de metas ambientais e de planejamentos estabelecidos. O quadro a seguir apresenta um resumo das principais características e diferenças entre auditoria externa, auditoria interna e auditoria governamental na área tributária, abordando atores envolvidos na atividade, vínculos com as organizações auditadas, objetivo principal das atividades executadas, documento a ser produzido, quem é o usuário do trabalho, e quem se responsabiliza pelas informações apresentadas nos trabalhos de auditoria executados. Quadro 1 – Principais diferença entre auditoria externa, interna e governamental TEMA 4 – INDEPENDÊNCIA DO AUDITOR EXTERNO A independência do auditor externo é a base de sua atuação, como um elemento capaz de emitir uma opinião acerca das demonstrações contábeis de uma organização. A independência passa pela observação de vários fatores, como vamos expor a seguir, que devem ser observados para salvaguardar o poder de expressão de um auditor independente ou de uma firma de auditoria. As Normas Brasileiras de Contabilidade Profissionais da Área de Auditoria – NBC-PAs tratam dos aspectos que norteiam a atuação da auditoria em termos profissionais, de conduta e de postura. Entre as NBC-PAs existentes, destacam- 11 se duas, mais especificamente relacionadas à condição de independência do auditor: as NBC-PAs 290 e 291. A NBC-PA 290 trata da independência no âmbito dos trabalhos de asseguração ou, como é mais conhecido, dos trabalhos de auditoria independente. É uma premissa básica, para que os trabalhos de auditoria independente se desenvolvam sem questionamentos quanto à postura e o posicionamento do auditor em relação aos auditados, com uma política de independência entre as partes. Na condução dos trabalhos de auditoria, é de interesse do público (portanto, requerido por essa norma) que os membros das equipes de auditoria, firmas e firmas em rede sejam independentes dos clientes de auditoria. A independência compreende: • Independência de pensamento (postura) • Aparência de independência (percepção por terceiros) 4.1 Independência de pensamento A independência de pensamento consiste em evitar que o auditor, as firmas independentes ou as firmas em rede estabeleçam juízo de valor em relação à equipe do cliente ou em relação à organização como um todo. Pressupõe que o auditor não pode estabelecer conceitos prévio e pré- concebidos capazes de impactar o trabalho, a ponto de subestimar o fato de que os processos e as informações de ordem contábil e financeira são adequados. Nesses casos, a natureza, a extensão e a profundidade dos exames de auditoria serão superficiais, acarretando o risco de o auditor não detectar as fragilidades existentes nos controles internos e nos registros contábeis. Além disso, a falta de independência pode levar o auditor a superestimar procedimentos de auditoria, incorrendo em volumes de horas de trabalho e exames desnecessários. Ele ainda pode ser levado a apresentar uma postura de desconfiança em relação às respostas e justificativas apresentadas pela equipe do cliente. 4.2 Aparência de independência Esta característica está relacionada com o comportamento, a postura e a percepção por parte de terceiros, principalmente empregados e gestores do 12 cliente, em relação à independência do auditor. As atitudes, o posicionamento e a abordagem do auditor devem buscar transmitir ao cliente uma postura de transparência em relação à sua atuação como auditor externo. Atualmente, a exposição das pessoas em mídias sociais é cada vez mais intensa. Esse componente é muito importante, pois o auditor externo deve ter o cuidado em termos de postura e opinião, inclusive fora do ambiente de trabalho. A aparência de independência não deve ser vista como preocupação ou necessidade apenas do auditor, mas também da firma de auditoria independente. Uma firma de auditoria, bem como o seu conjunto de dirigentes (sócios de auditoria), deve evitar que ela esteja envolvida em escândalos de corrupção, fraude, desvio de recursos, lavagem de dinheiro, ou ainda conflito de interesses em conluio com clientes. Um exemplo clássico do envolvimento da auditoria externa com operações inadequadas de clientes, acarretando conflito de interesses, é a relação entre a filial americana da firma de auditoria externa Artur Andersen e alguns de seus clientes. O principal problema ocorreu com a Enron, empresa do setor de energia dos Estados Unidos. Nesse conflito de interesses entre empresas, a Artur Andersen deixou de relatar problemas relacionados a manipulações contábeis em seu registro de reconhecimento de receitas na realização de trabalhos de auditoria. A empresa também realizava outros trabalhos de consultoria, em valores de honorários expressivos, de modo que os auditores não atuaram de forma imparcial e independente, deixando de relatar os desvios praticados pela Enron. A SEC – Securities Exchange Comission (órgão equivalente à CVM no Brasil) responsabilizou as partes envolvidas nos crimes ocorridos, entre elas uma instituição centenária, que foi berço de diversas firmas de auditoria. 4.2.1 Ameaças à independência Vejamos agora algumas situações em que o princípio da independência na atuação do auditor externo encontra-se ameaçado: • Ameaça de interesse próprio: interesse financeiro ou outro interesse não apropriado,interferindo no julgamento ou no comportamento do auditor (conflito de interesses propriamente dito). • Ameaça de autorrevisão: o auditor não avalia apropriadamente os resultados de julgamento anterior, ou por outra pessoa de sua firma, nos 13 quais o auditor confiará para formar um julgamento como parte da prestação do serviço atual (negligência). • Ameaça de defesa de interesse do cliente: o auditor promove ou defende a posição de seu cliente, comprometendo a sua objetividade. • Ameaça de familiaridade: devido a um relacionamento longo ou próximo com o cliente, o auditor torna-se solidário com os seus interesses, ou aceita o seu trabalho sem muito questionamento (ameaça clássica). • Ameaça de intimidação: ameaça de que o auditor será dissuadido de agir objetivamente em decorrência de pressões reais ou aparentes, incluindo tentativas de exercer influência indevida sobre o auditor (influência na execução da auditoria). TEMA 5 –APLICAÇÃO DAS NORMAS DE AUDITORIAS VIGENTES NO BRASIL Os trabalhos de auditoria estão ligados ao estabelecimento de um princípio de independência entre o auditor e o auditado. Essa independência pode ser afetada por diversos fatores, entre os quais destacamos ameaças de interesse próprio, ameaça de autorrevisão, e ainda ameaça de defesa de interesse da empresa auditada, de familiaridade e de intimidação. Certas atitudes e condições assinalam a perda de independência por parte da firma de auditoria em relação ao cliente auditado, a exemplo de interesse financeiro, com operações de crédito e financiamento realizadas pela equipe de auditoria para o cliente auditado; relacionamento familiar e pessoal; e atuação como dirigente, administrador ou conselheiro na empresa auditada. Tais relações podem causar quebra de independência em relação à capacidade de realizar a auditoria de forma imparcial. Por exemplo, podemos ter a seguinte situação: um dos profissionais da equipe de auditores relacionados para atuar na auditoria de um determinado cliente Alfa (no caso em tela, um assistente de auditoria) foi relacionado para atuar, no mês de dezembro, no acompanhamento de inventário físico realizado pelo cliente Alfa. Ocorre que o referido auditor assistente já havia trabalhado no cliente Alfa, como analista financeiro na área de tesouraria, há cerca de 4 anos. Em uma avaliação de planejamento para a definição da equipe que iria participar do inventário, o gerente verificou a Ficha de Declaração de Independência, documento interno que a firma de auditoria tem para avaliar os riscos de independência, que o auditor havia preenchido no início do ano. Então 14 questionou os demais responsáveis pelo cliente, o diretor e o sócio-líder do projeto, se o auditor assistente poderia participar do trabalho. O trabalho realizado inclui acompanhamento de inventário, mas não a auditoria de demonstrações contábeis. O auditor trabalhou na empresa há 4 anos; mas não era gestor ou responsável por autorizações de registros. Ele poderia participar deste trabalho? Resposta: a liderança, em conjunto, tomando por base o entendimento da norma NBC-PA 290, optou por aceitar a participação do auditor assistente no acompanhamento do inventário físico, já que o principal ponto era o tempo em que ele estava afastado da empresa, superior de 4 anos, o que descaracteriza resquício de dependência, até porque ele não iria auditar transação, registro ou operação que ele mesmo tivesse executado. Por fim, outro argumento favorável é que ele não atuava em posição de gestão ou liderança, a ponto de influenciar o trabalho da auditoria. 15 REFERÊNCIAS BRASIL. Norma Brasileira de Contabilidade, NBC TA 220 Estrutura Conceitual, de 20 de novembro de 2015. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 21 nov. 2015. IAA BRASIL. Definição de Auditoria Interna. Disponível em: <https://iiabrasil.org.br/ippf/definicao-de-auditoria-interna>. Acesso em: 21 mar. 2022.