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<p>Leitura e literatura</p><p>Objetivos de aprendizagem</p><p>Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:</p><p> Analisar a importância das diferentes formas de leitura no cotidiano</p><p>escolar.</p><p> Diferenciar a leitura de textos literários da leitura de outros tipos de</p><p>texto.</p><p> Apontar diferentes métodos de leitura em sala de aula.</p><p>Introdução</p><p>Os brasileiros leem muito pouco e compram poucos livros — todos sabem</p><p>disso. Mas por que será que isso ocorre? Por que esse desinteresse tão</p><p>grande pela leitura? Um dos fatores que podemos apontar como parte</p><p>dessa desmotivação é o trabalho com leitura em sala de aula: a leitura</p><p>utilizada com um simples pretexto para o ensino da gramática; a leitura</p><p>visando apenas à avaliação; a leitura com vistas a tirar informações.</p><p>Neste capítulo, você estudará sobre a importância da leitura em sala</p><p>de aula e, especificamente, a importância da leitura de literatura em</p><p>sala de aula. Para isso, analisará as diferenças entre a leitura de um texto</p><p>literário e de um texto não literário, visto que possuem características,</p><p>funções e objetivos bastante diferentes e exigem, portanto, posturas</p><p>variadas do leitor no momento da leitura. Essas diferenças exigirão que</p><p>o professor pense em um trabalho diferenciado para a leitura de textos</p><p>literários. Assim, por fim, você analisará alguns métodos de leitura em sala</p><p>de aula que chamem a atenção dos alunos e os estimulem a realizar as</p><p>leituras indicadas pela escola e muitas outras, por sua própria vontade.</p><p>Para isso, é necessário formar leitores de literatura na escola — uma</p><p>tarefa nada fácil.</p><p>A importância das diferentes formas de leitura</p><p>no cotidiano escolar</p><p>Saber ler e produzir textos de diferentes formatos, com diferentes objetivos e regis-</p><p>tros da língua é um ato de cidadania. Saber transitar entre as variações linguísticas</p><p>é um dos passos necessários para viver em sociedade: se você precisa encaminhar</p><p>um e-mail para seu chefe, mandar um recado de condolências, conversar com um</p><p>amigo em um ambiente descontraído ou analisar um edital de um concurso, todas</p><p>essas diferentes modalidades exigem uma adaptação do discurso. Às vezes, é</p><p>requerido que utilizemos uma variante mais formal da língua; às vezes, uma mais</p><p>informal. Portanto, ensinar aos nossos alunos os diferentes registros de uma mesma</p><p>língua e como ou quando utilizá-los faz parte de um trabalho maior de formação</p><p>de um cidadão consciente e capaz de atuar com propriedade em sociedade.</p><p>Esse trabalho inclui proporcionar aos estudantes a possibilidade de tomar</p><p>contato e de ler diferentes textos em sala de aula. Depois de ler e de estudar o</p><p>gênero, os estudantes podem ser convidados a produzir os seus próprios textos.</p><p>Se esse trabalho puder ser construído da forma mais significativa possível,</p><p>melhor ainda. Por exemplo, quando os alunos estiverem aprendendo como se</p><p>escreve cartas ou e-mails, por que não os enviar, de fato? Ou, se o gênero for</p><p>notícia de jornal, por que não construir um jornal da turma com as informações</p><p>sobre o cotidiano deles e sobre a escola? Tudo para que os estudantes consigam</p><p>enxergar como esses diferentes gêneros funcionam na prática.</p><p>Sobre a importância da leitura em sala de aula, encontramos a seguinte</p><p>informação nos Parâmetros Curriculares Nacionais:</p><p>A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compre-</p><p>ensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento</p><p>sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem, etc.</p><p>Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra</p><p>por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção,</p><p>antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência.</p><p>É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido,</p><p>permitindo tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, avançar</p><p>na busca de esclarecimentos, validar no texto suposições feitas (BRASIL,</p><p>1988, p. 69–70).</p><p>Você pode perceber, portanto, a riqueza que é o trabalho com a leitura,</p><p>que mobiliza muito mais competências e conhecimentos do que simplesmente</p><p>os de decodificar letras, formando palavras. Fica evidente, dessa forma, a</p><p>importância de se trabalhar rotineiramente com a leitura em sala de aula.</p><p>Leitura e literatura2</p><p>A leitura pode ocorrer de diferentes formas e modalidades: a leitura</p><p>realizada pelo professor para os alunos; a leitura realizada pelos alunos de</p><p>forma silenciosa ou em voz alta; a leitura compartilhada; a leitura realizada</p><p>para apresentar para os colegas. Cada vez mais, a leitura tem ocupado um</p><p>local privilegiado nos planejamentos dos professores e nas aulas, servindo</p><p>como base para inúmeros tipos de atividades. Isso porque a leitura pode</p><p>oferecer inúmeras possibilidades: a leitura para que o próprio aluno reflita</p><p>e critique, atribuindo um sentido a ela; para que debata um assunto junto</p><p>com os colegas e com o professor; para que releia e compare as conclusões</p><p>da primeira leitura com a segunda leitura; ler para ouvir o que os outros têm</p><p>a dizer sobre o texto; ler para comparar essa leitura com a leitura de outros</p><p>textos; ler para apreciar.</p><p>Nesse sentido, é importante que o conceito de fluência leitora esteja claro,</p><p>visto que essa é uma das grandes reclamações dos professores: os alunos</p><p>não leem ou raramente leem; os alunos não leem com atenção; os alunos</p><p>não compreendem o que leem. Para definirmos a fluência leitora, devemos,</p><p>ainda, discutir a questão do letramento. Letramento, ao contrário da alfabe-</p><p>tização, não pressupõe apenas um sujeito capaz de decodificar letras e de,</p><p>consequentemente, desvendar as palavras que formam um texto; pressupõe</p><p>um sujeito capaz de decodificar um texto, mas também de interpretá-lo, de</p><p>fazer inferências a partir dele e de perceber esse texto dentro do seu contexto.</p><p>Todo texto é produzido por um autor em uma determinada circunstância, e</p><p>entender e perceber como essas informações se relacionam com o conteúdo</p><p>do texto é tarefa de um leitor competente. Além disso, o leitor deve ser</p><p>capaz de saber quando utilizar determinados tipos ou gêneros de texto de</p><p>acordo com as diferentes situações e modalidades da língua e deve saber</p><p>quais são as suas funções. Um leitor fluente deve conseguir realizar todas</p><p>essas etapas de leitura.</p><p>Agora, é importante que você perceba quais são os fatores que determinam</p><p>a compreensão da leitura de um texto. Koch e Elias (2006) apontam dois ele-</p><p>mentos fundamentais para refletirmos sobre o sucesso ou não de uma leitura:</p><p>o autor/leitor e o próprio texto.</p><p>Primeiramente, o aspecto leitor/autor está relacionado ao “[...] conhecimento</p><p>dos elementos linguísticos (uso de determinadas expressões, léxico antigo</p><p>etc.), esquemas cognitivos, bagagem cultural, circunstâncias em que o texto</p><p>foi produzido [...]” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 24). Leia o texto a seguir para</p><p>perceber como isso funciona na prática:</p><p>3Leitura e literatura</p><p>VIDE BULA</p><p>[...] Muito se tem tentado com drogas tradicionais, ou novidades, porém</p><p>até agora nenhum teve o tão almejado efeito de curar este pobre enfermo.</p><p>Há bem pouco tempo foi tentada uma droga novíssima, quase não tes-</p><p>tada, mas que prometia sucesso total, a “Collorcaína”, que, infelizmente,</p><p>na prática de nada serviu, seus efeitos colaterais extremamente deletérios</p><p>(como a liberação da “Pecelidona”) quase acaba com o doente. Porém,</p><p>para o ano que vem, novos medicamentos poderão ser usados. Enquanto</p><p>isso não acontece, o doente consegue se manter com doses de “Itamarina”</p><p>que é uma espécie de emplastro que, se não cura, também não mata [...]</p><p>(KOCH; ELIAS, 2006, p. 25).</p><p>Para que o leitor compreenda o texto, ele precisa lançar mão de co-</p><p>nhecimentos de mundo específicos — precisa conhecer a história recente</p><p>do Brasil, principalmente no que diz respeito à política e às eleições pre-</p><p>sidenciais. O autor inventou palavras, como “Collocaína” e “Itamarina”,</p><p>a partir de nomes de presidentes ao brincar com outro gênero textual: a</p><p>bula de remédio.</p><p>O doente, no caso, é o Brasil, e os políticos são possíveis</p><p>remédios receitados para a cura do paciente. Dessa forma, o leitor deve</p><p>levar em consideração esses conhecimentos (sobre história e política no</p><p>Brasil do século XX e sobre o gênero textual bula) para compreender, de</p><p>fato, o texto. Assim, as autoras concluem:</p><p>[...] podemos dizer que os conhecimentos selecionados pelo autor na e para</p><p>a constituição do texto ‘criam’ um leitor-modelo. Desse modo, o texto, pela</p><p>forma como é produzido, pode exigir mais ou exigir menos conhecimento</p><p>prévio de seus leitores [...] (KOCH; ELIAS, 2006, p. 28–29).</p><p>O segundo elemento que determina a leitura é o próprio texto e a sua legi-</p><p>bilidade. Podemos pensar em aspectos materiais, linguísticos e de conteúdo.</p><p>Dentre os materiais, podemos citar: tamanho, fonte e clareza das letras, cor e</p><p>textura do papel, comprimento das linhas, tamanho das frases e dos parágra-</p><p>fos, qualidade da tela, etc. Já os linguísticos abrangem um número extenso</p><p>de aspectos, como o léxico, o excesso de orações subordinadas, ausência de</p><p>nexos para marcar a relação entre orações e frases, ausência ou inadequação</p><p>do uso de pontuação, etc. Por último, a questão do conteúdo, que pode ser</p><p>mais técnico ou não, mais complexo ou mais simples.</p><p>Leitura e literatura4</p><p>Um exemplo bastante característico de textos cujos fatores materiais e linguísticos</p><p>comprometem a leitura é a bula de remédio. As bulas de remédio costumam configurar-</p><p>-se como leitura difícil, pois letras com fonte muito pequena, pouco espaçamento</p><p>entre as linhas e termos técnicos confundem os leitores.</p><p>Pensando em todas essas características do texto e da leitura de texto, o professor</p><p>deve estar sempre atento para realizar um trabalho diversificado: trabalhar não</p><p>apenas com diferentes tipos e gêneros textuais, mas também com atividades que</p><p>privilegiem vários aspectos, capacidades, conhecimentos e habilidades que devem</p><p>ser levados em consideração e mobilizados durante a leitura de um texto. Dessa</p><p>forma, o aluno começará a realizar leituras cada vez mais conscientes e efetivas.</p><p>O que diferencia a leitura da literatura</p><p>da leitura de outros tipos de texto?</p><p>Depois de estabelecermos a importância da leitura de variados tipos e gêneros</p><p>textuais, é importante que deixemos claro quais são as diferenças entre um</p><p>texto literário e um texto não literário, visto que, dentro da leitura de textos,</p><p>a leitura de textos literários ocupa um espaço muito importante e que deve</p><p>ser cada vez mais privilegiado e destacado.</p><p>Em primeiro lugar, devemos apontar que, enquanto a conotação é característica</p><p>do texto literário, a denotação é característica do texto não literário. Conotação é a</p><p>linguagem utilizada em seu sentido metafórico, ao passo que a denotação, em seu</p><p>sentido literal. Claro que, quando falamos dessas características, não queremos</p><p>dizer que nunca aparecerá uma metáfora, por exemplo, e uma linguagem mais</p><p>conotativa em um texto não literário. O mesmo ocorre com o texto literário e</p><p>com a denotação: com certeza, em vários momentos, a linguagem utilizada em</p><p>seu sentido objetivo, ou dicionarizado, aparecerá em um texto literário. Estamos</p><p>tratando aqui de predominâncias, e não de exclusividades — de características</p><p>que são mais fortes ou marcantes em cada um dos tipos de texto. O Quadro 1, a</p><p>seguir, apresenta uma relação entre texto literário e texto não literário.</p><p>5Leitura e literatura</p><p>Texto literário Texto não literário</p><p>Conotação: linguagem utilizada em seu</p><p>sentido metafórico</p><p>Denotação: linguagem utilizada</p><p>em seu sentido literal</p><p>Mais subjetivo Mais objetivo</p><p>Mais metafórico Mais literal</p><p>Linguagem pessoal Linguagem mais impessoal</p><p>Preocupação com a forma/expressão: além do</p><p>que se escreve, há uma preocupação com o</p><p>como se escreve, o estilo</p><p>Preocupação com a informação</p><p>Linguagem poética, que pode refletir sobre</p><p>aspectos da realidade</p><p>Tentativa de representação da</p><p>realidade</p><p>Quadro 1. Texto literário versus texto não literário</p><p>Em seguida, é fundamental abordarmos a questão da subjetividade, uma</p><p>das principais marcas da literatura. A subjetividade pode se referir a, pelo</p><p>menos, dois fenômenos relacionados ao texto literário. O primeiro se refere</p><p>ao fato de que, no texto literário, nós podemos aprender muito sobre o seu</p><p>autor. Mesmo que ele não escreva sobre ele mesmo, mas sobre personagens</p><p>fictícios, suas crenças e sua visão de mundo acabarão aparecendo, nem que seja</p><p>um pouquinho, em seu texto. Isso tem relação com o fato de o texto literário</p><p>ser um texto pessoal e não ter preocupação em ser isento — em apresentar as</p><p>informações de forma mais objetiva possível.</p><p>Você já se perguntou se é possível ser completamente isento, ou imparcial, ao se</p><p>utilizar a linguagem? Muitos jornais se apresentam como jornais isentos, que apenas</p><p>apresentam a informação de forma completamente impessoal e direta, mas será que</p><p>isso é verdade? Como a linguagem é produção humana e como somos seres com</p><p>posições e opiniões, esse produto do nosso trabalho consequentemente apresentará</p><p>posições e opiniões. Podemos apenas produzir textos mais ou menos diretos, mais</p><p>ou menos isentos. No entanto, produzir textos completamente isentos é uma impos-</p><p>sibilidade humana. Até a escolha vocabular pode revelar uma posição; por exemplo,</p><p>se escolhemos o termo jovem ou meliante em uma notícia sobre um assalto, essa</p><p>escolha revelará nossa posição sobre o acontecido.</p><p>Leitura e literatura6</p><p>Além desse primeiro aspecto da subjetividade de um texto literário, há</p><p>outro ainda: é possível afirmar que o sentido do texto literário nunca está</p><p>dado, nunca está pronto. É sempre o leitor quem definirá o que cada texto</p><p>literário significará para si, o que tem como consequência o fato de leitores</p><p>diferentes, em diferentes tempos e em diferentes lugares, lerem um mesmo</p><p>texto de formas diferentes. Mais do que isso, um mesmo leitor, em momentos</p><p>distintos de sua vida, pode ler um mesmo texto de modos distintos. Entretanto,</p><p>isso não significa que possamos interpretar qualquer coisa a partir de um texto.</p><p>Apesar disso, as possibilidades de interpretação são várias.</p><p>Uma outra marca que diferencia os textos literários dos textos não lite-</p><p>rários é a preocupação com a forma. Se o texto não literário se preocupa em</p><p>passar uma informação, o texto literário está muito mais preocupado com a</p><p>forma como passará essas informações — as informações acabam ficando em</p><p>segundo plano. Podemos perceber isso a partir da leitura do trecho a seguir,</p><p>fragmento do livro Iracema, de José de Alencar.</p><p>Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu</p><p>Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais</p><p>negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.</p><p>O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no</p><p>bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a corça selvagem,</p><p>a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua</p><p>guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando,</p><p>alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas</p><p>(ALENCAR, 1865, documento on-line).</p><p>José de Alencar poderia ter afirmado, de uma forma muito mais simples e</p><p>direta, que Iracema era uma moça alta e esguia, com os cabelos negros, com</p><p>um sorriso bonito e belos lábios, que é bastante rápida na corrida. Se o desejo</p><p>do escritor fosse o de passar essas informações ao leitor, ele, com certeza, não</p><p>teria escolhido a maneira correta de fazer isso — em vez de um vocabulário</p><p>mais simples, ele optou por outro, muito mais rebuscado e cheio de metáfora</p><p>(i.e., uma figura de linguagem em que se utiliza uma palavra ou expressão com</p><p>um significado pouco usual para estabelecer uma comparação). No fragmento,</p><p>por exemplo, o narrador afirma que o talhe de Iracema era parecido com o</p><p>de uma palmeira. O que isso quer dizer? Pense na imagem de uma palmeira:</p><p>elas costumam ser árvores bastante altas, com um tronco mais fino. Portanto,</p><p>Iracema provavelmente é</p><p>alta e magra. O desejo do escritor não é o de passar</p><p>informações diretamente, mas o de, justamente, causar sentimentos, emoções</p><p>7Leitura e literatura</p><p>e possibilitar que o leitor crie uma imagem mental do que está sendo descrito.</p><p>Apesar de não ser fácil, atente para a poeticidade do trecho de Iracema — aliás,</p><p>Alencar começou escrevendo um poema sobre essa índia virgem dos lábios</p><p>de mel e depois acabou transformando-o em prosa.</p><p>Observe outros dois textos para ver, na prática, como textos literários se</p><p>diferenciam de textos não literários. O primeiro é a definição de literatura</p><p>retirada de um dicionário:</p><p>li·te·ra·tu·ra</p><p>(latim litteratura, -ae)</p><p>substantivo feminino</p><p>1. Forma de expressão escrita que se considera ter mérito estético ou estilís-</p><p>tico; arte literária.</p><p>2. Conjunto das obras literárias de um país, de uma região ou de determinada</p><p>época.</p><p>3. Disciplina que estuda obras, temas e autores literários.</p><p>4. Conjunto de escritores e poetas de uma determinada sociedade (LITERA-</p><p>TURA, 2019, documento on-line).</p><p>Aqui, fica claro o desejo de passar informações precisas, diretas e objetivas.</p><p>Não era a intenção de quem escreveu o verbete a de que cada leitor pudesse</p><p>interpretá-lo de uma maneira diferente, por isso a linguagem é direta e não</p><p>aparece o uso de figuras de linguagem. Apresentam-se, dessa forma, quatro</p><p>definições claras do que podemos considerar como literatura. A partir de, por</p><p>exemplo, “conjunto de escritores e poetas de uma determinada época”, não</p><p>é possível compreender de outra forma que não a de um grupo de escritores</p><p>produzindo em um mesmo tempo.</p><p>Agora, observe um texto que também define literatura, mas de uma forma</p><p>completamente diferente da do verbete de dicionário acima:</p><p>A vaca e o hambúrguer</p><p>Parece-me, às vezes, que a literatura funciona como as máquinas de picar</p><p>carne. No início está sempre uma vaca concreta e real. Depois mata-se</p><p>a vaca, corta-se a vaca e atiram-se os bocados para dentro da máquina</p><p>trituradora. Do outro lado do aparelho aparecem, ao fim de um bocado,</p><p>hambúrgueres, almôndegas e carne picada. Mas não tenho a certeza</p><p>de que a vaca ainda seja capaz de se reconhecer se lhe for permitido</p><p>contemplar-se, já embalada, nas prateleiras do supermercado (TAVARES;</p><p>MARMELO; ASSUNÇÃO, 2016, p. 132).</p><p>Leitura e literatura8</p><p>Logo percebemos a diferença, pois ela fica evidente desde o título do</p><p>livro: “Verbetes para um dicionário afetivo”. Qual seria a diferença de um</p><p>dicionário para um dicionário afetivo? Essa condição do dicionário não foi</p><p>evidenciada à toa. Precisamos nos atentar para o título desse conceito em</p><p>específico do dicionário: “A vaca e o hambúrguer”. O que isso significa?</p><p>Será que o autor se refere a vacas e a hambúrgueres de verdade? Concretos?</p><p>Percebemos que não quando ele abre o seu texto falando a forma como,</p><p>para ele, a literatura parece funcionar. Mas qual a relação entre vacas,</p><p>hambúrgueres e literatura? Aqui, é necessário um esforço extra do leitor</p><p>para compreender o texto, pois o sentido não é direto, como no anterior.</p><p>Podemos pensar que a vaca real e concreta é a realidade, e o hambúrguer</p><p>e a carne picada, a literatura. Isso porque a literatura pode se inspirar no</p><p>real, mas não é simplesmente a cópia deste. Há um trabalho do escritor</p><p>em cima dos dados do mundo concreto para transformá-los em texto li-</p><p>terário. Outra possibilidade de leitura é a seguinte: a vaca real é o texto</p><p>literário, e o hambúrguer, a interpretação de cada um dos leitores, que</p><p>devem trabalhar e construir os sentidos do texto. Perceba, portanto, que o</p><p>texto metaforiza, a partir dos elementos vaca e hambúrguer, justamente o</p><p>que é literatura. Ele não apenas conceitua literatura, como igualmente é</p><p>literatura, e a literatura carrega elementos relacionados aos sentimentos,</p><p>às emoções, aos sonhos, aos devaneios e também — como aponta o título</p><p>da obra — ao afeto.</p><p>É importante, dessa forma, que o professor fique atento a essas marcas</p><p>e características quando for trabalhar com textos literários em sala de aula.</p><p>Por essa natureza distinta, as atividades com o texto literário também devem</p><p>ser distintas. Deve-se colocar em destaque não só o conteúdo dos textos (a</p><p>história, a narrativa, as ações da história), mas também os recursos linguísticos</p><p>e estilísticos de que o autor lançou mão para escrever tais textos, visto que,</p><p>em um texto literário, como se conta uma história é tão ou mais importante</p><p>do que a história em si. É claro que um trabalho mais estruturado deve ser</p><p>realizado com a literatura, porém sem nunca perder de vista o caráter lúdico</p><p>e prazeroso que a leitura literária deve ter. Os alunos devem sempre estar</p><p>cientes dessas diferenças, e um dos papéis do professor é justamente o de</p><p>salientá-las em sala de aula.</p><p>9Leitura e literatura</p><p>Métodos de leitura: diferentes possibilidades</p><p>para serem aplicadas em sala de aula</p><p>Depois de discutirmos teoricamente sobre a leitura em sala de aula e sobre</p><p>as diferenças entre a leitura de textos literários e de textos não literários,</p><p>chegou o momento de analisarmos diferentes possibilidades de aplicação de</p><p>métodos de leitura em sala de aula. Diferentes tipos e gêneros textuais pedirão</p><p>diferentes tipos de atividades.</p><p>Começaremos com um trabalho a partir de um texto literário. Nesta aula,</p><p>o professor introduzirá um gênero literário narrativo a partir da leitura de</p><p>um conto, para que os alunos sejam convidados a inferir as características</p><p>do gênero após a análise do texto. Assim, os estudantes passarão do concreto</p><p>(texto literário) para o abstrato (características do gênero narrativo), e serão</p><p>os responsáveis por construir esses conhecimentos, o que será muito mais</p><p>significativo do que o professor simplesmente escrever no quadro a lista para</p><p>os alunos copiarem. O texto escolhido pode ser o seguinte:</p><p>Grêmio</p><p>Quando minha mãe morreu, eu acordava em Florianópolis. Na rodoviária</p><p>de Porto Alegre pedi ao taxista que me levasse depressa. A viagem atrasara.</p><p>Ele disse que, como o cemitério ficava perto do campo do Grêmio e tinha</p><p>jogo naquela noite, o trânsito não estaria fácil. Passamos pelo clarão do</p><p>estádio. O motorista ostentava quase um desconsolo, embora eu não tivesse</p><p>confessado a qualidade íntima do velório. O padre soube observar meu</p><p>suor. Horas depois forcei a chave para entrar no apartamento dela. Por que</p><p>não tentar desde logo o que eu não ousara formular até ali? Virei-me. O cão</p><p>rosnava. Preparava sua fúria para me atacar (NOLL, 1999, documento on-line).</p><p>O conto, apesar de curto, guarda inúmeros sentidos e é bastante rico: o professor</p><p>pode trabalhar as elipses temporais da narrativa; os significados de expressões,</p><p>como “quase um desconsolo”, “qualidade íntima do velório”; o motivo de a frase</p><p>“o padre soube observar o meu suor” ser importante na narrativa; o sentido do cão</p><p>furioso no apartamento da mãe falecida; a relação entre o(a) narrador(a) e a mãe.</p><p>Depois desse trabalho imprescindível com os sentidos do texto, o professor</p><p>deve questionar os alunos sobre quais elementos eles encontram nesse texto.</p><p>Caso a turma sinta dificuldades, deve ajudar com perguntas, como “quem está</p><p>contando a história?” ou “essa história se passa em algum lugar?”. Ao final, os</p><p>Leitura e literatura10</p><p>alunos devem listar os elementos essenciais das narrativas: narrador, personagem,</p><p>enredo, tempo e espaço. Outras narrativas podem ser lidas e interpretadas, e esses</p><p>mesmos elementos podem ser analisados dentro delas.</p><p>Outra atividade para colocar em prática esses conhecimentos é uma produ-</p><p>ção textual literária: o professor deverá recortar imagens representando lugares,</p><p>tempos e personagens. Deve colocá-los em três sacos distintos, destinados a</p><p>cada um desses elementos, e sortear para cada um dos alunos um elemento.</p><p>Assim, os alunos precisarão construir uma narrativa com os elementos sorte-</p><p>ados. O professor poderá brincar com esses elementos para que essa seja uma</p><p>atividade divertida. Por exemplo, como um aluno construirá uma narrativa</p><p>dando conta de juntar, de forma coerente,</p><p>o personagem Harry Potter no Japão</p><p>em pleno século XIX? Além de trabalhar com os elementos da narrativa, os</p><p>alunos ainda deverão utilizar muito da criatividade.</p><p>Aqui, portanto, o aspecto lúdico da literatura será igualmente desenvolvido.</p><p>Para finalizar, o professor poderá propor que aqueles alunos que se sentirem</p><p>confortáveis leiam seus textos para os colegas. Esse pode ser um momento</p><p>interessante de debates e de trocas ricas. A Figura 1 apresenta exemplos de ele-</p><p>mentos que podem ser sorteados entre os alunos para se construir uma narrativa.</p><p>Figura 1. Imagens dos elementos que podem</p><p>ser sorteados entre os alunos para se construir</p><p>uma narrativa: personagens, tempos e espaços.</p><p>História narra</p><p>acontecimentos</p><p>do passado</p><p>História narra</p><p>acontecimentos</p><p>que duraram</p><p>1 hora</p><p>História narra</p><p>acontecimentos</p><p>do futuro</p><p>História narra</p><p>acontecimentos</p><p>que duraram</p><p>10 anos</p><p>11Leitura e literatura</p><p>Outra sugestão de trabalho é com o gênero textual resenha. Depois de o</p><p>professor já ter trabalhado com o gênero textual resumo, ele introduzirá o</p><p>gênero resenha. É fundamental que os alunos já estejam familiarizados com</p><p>o resumo, visto que uma das etapas da resenha é justamente o de resumir o</p><p>objeto resenhado.</p><p>Primeiramente, os alunos devem assistir a um filme ou a um documentário,</p><p>ler um livro ou ir a um museu — qualquer atividade envolvendo arte, para que,</p><p>depois, eles possam resenhar. Uma sugestão é o documentário “Absorvendo</p><p>o tabu”. Para alunos com 14 anos ou mais, essa é uma interessante produção;</p><p>Vencedora do Oscar de Melhor Documentário de Curta-Metragem em 2019,</p><p>a obra aborda o tabu criado em torno da menstruação na Índia. Essa atividade</p><p>pode, inclusive, fazer parte de um projeto transdisciplinar sobre a saúde do</p><p>adolescente. Um debate deve ser realizado com os estudantes: por que e como</p><p>uma condição biológica pode ser considerada como um tabu tão grande? Em</p><p>que medida a realidade brasileira se aproxima ou se afasta da realidade indiana?</p><p>Depois do debate, o professor deve selecionar algumas resenhas sobre o</p><p>filme na internet. A sugestão seria a de escolher três resenhas: uma resenha</p><p>que o professor julgue muito boa; uma que ele julgue boa; e outra que ele julgue</p><p>ruim. Primeiro, os alunos devem, por si próprios, ler as resenhas; apontar, para</p><p>cada uma delas, em que passagens podemos encontrar informações e em que</p><p>passagens encontramos a opinião do autor do texto sobre o objeto resenhado;</p><p>apontar características positivas e negativas para cada um dos textos; e esco-</p><p>lher qual a melhor, na sua opinião. Dessa forma, como no exemplo anterior,</p><p>o aluno construirá conhecimentos sobre esse gênero textual de forma ativa e</p><p>significativa, e não estará em uma posição passiva, de receber informações</p><p>passadas pelo professor.</p><p>Em um próximo momento, o professor deve conduzir a conversa sobre as</p><p>resenhas e ir explicando o que, em cada um dos textos, está adequado para o</p><p>gênero textual — e que eles devem tomar como modelo — e o que não está</p><p>adequado — e que eles devem evitar.</p><p>Em seguida, é chegado o momento de uma sistematização, que pode ser</p><p>realizada no quadro: o professor, com o auxílio dos alunos, deverá elencar</p><p>as características do gênero textual resenha. E, é claro, para finalizar esse</p><p>momento, os alunos deverão produzir as suas próprias resenhas críticas sobre</p><p>o documentário.</p><p>Um último exemplo de trabalho com texto em sala de aula poderia ser com</p><p>um conto do escritor moçambicano Mia Couto, O adivinhador das mortes. Na</p><p>narrativa, surgem diversos neologismos, como observa-se no trecho a seguir:</p><p>Leitura e literatura12</p><p>No bairrinho de Muitetecate havia um poderoso espiriteiro que</p><p>adivinhava, com acerto de álgebra, a data das individuais mortes [...]</p><p>Pois, em Muitetecate, todos encorajavam Adabo Salanje a consultar os</p><p>serviços do adivinheiro [...]</p><p>Naquele mesmo momento, ele se decidiu e se encaminhou para o</p><p>adivinhista. [...] Desconsigo. Sua cabeça está muito barulhosa. Aquiete</p><p>lá o pensamento! [...] O cliente se abismalhou (COUTO, 2009, p. 189–197).</p><p>As palavras em negrito não estão dicionarizadas, mas, nem por isso, o</p><p>leitor é incapaz de compreender seus significados. Isso acontece porque essas</p><p>expressões são formadas a partir de regras de formação de palavras exis-</p><p>tentes no nosso idioma e a partir de afixos e radicais igualmente existentes.</p><p>Adivinheiro, por exemplo, é formado por adivinhar com o sufixo “eiro”, que</p><p>pode indicar o sujeito que pratica uma ação. Assim, adivinheiro é aquele que</p><p>adivinha. Os alunos, portanto, depois de um trabalho de interpretação do texto</p><p>em sua íntegra, seriam convidados a refletir sobre essas palavras “estranhas”</p><p>e sobre o motivo de, apesar de elas não existirem no idioma, eles conseguirem</p><p>compreender seus sentidos. A partir dessa análise, o professor poderá falar</p><p>sobre a formação das palavras.</p><p>Ao final, o professor deverá retomar o conto e questionar seu aluno: por que</p><p>será que o autor decidiu inventar essas palavras e não utilizar as que já existem</p><p>na língua portuguesa? Qual efeito que essas palavras podem causar no leitor?</p><p>Essa ideia de trabalho mostra que é possível utilizar textos literários para</p><p>trabalhar com questões linguísticas — desde que esse não seja o único fim da</p><p>leitura. Nesse caso, o estudo sobre morfologia contribuirá para a ampliação da</p><p>discussão sobre o conto e seus sentidos — e deve vir, é claro, acompanhada</p><p>de um debate sobre o conto como um todo.</p><p>ALENCAR, J. Iracema. 1865. Disponível em: http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/</p><p>Livros_eletronicos/iracema.pdf. Acesso em: 26 jun. 2019.</p><p>BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto</p><p>ciclos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC, 1988.</p><p>COUTO, M. Estórias abensonhadas. Lisboa: Caminho, 2009.</p><p>13Leitura e literatura</p><p>KOCH, I. V.; ELIAS, V. Ler e compreender: os sentidos de um texto. São Paulo: Contexto,</p><p>2006.</p><p>LITERATURA. In: DICIONÁRIO Priberam da Língua Portuguesa. 2019. Disponível em:</p><p>https://www.priberam.pt/dlpo/literatura. Acesso em: 26 jun. 2019.</p><p>NOLL, J. G. Grêmio. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17 jun. 1999. Disponível em: http://</p><p>www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq17069909.htm. Acesso em: 26 jun. 2019.</p><p>TAVARES, A. P.; MARMELO, M. J.; ASSUNÇÃO, O. P. Verbetes para um dicionário afetivo.</p><p>Alfragide: Caminho, 2016.</p><p>Leitura e literatura14</p>