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<p>1</p><p>Profª. Drª. Bruna Carolina de Almeida Salles</p><p>Prática Pedagógica</p><p>Interdisciplinar:</p><p>Teoria Literária</p><p>FUNIP301</p><p>Texto digitado</p><p>Profª. Drª. Karla Menezes Lopes Niels</p><p>1</p><p>PRÁTICA PEDAGÓGICA</p><p>INTERDISCIPLINAR:</p><p>TEORIA LITERÁRIA -</p><p>TOMO I</p><p>1</p><p>© 2021, Faculdade Única.</p><p>Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autoriza-</p><p>ção escrita do Editor.</p><p>FACULDADE ÚNICA EDITORIAL</p><p>Diretor Geral:Valdir Henrique Valério</p><p>Diretor Executivo:William José Ferreira</p><p>Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Cristiane Lelis dos Santos</p><p>Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Gilvânia Barcelos Dias Teixeira</p><p>Revisão Gramatical e Ortográfica: Izabel Cristina da Costa</p><p>Revisão/Diagramação/Estruturação: Bruna Luíza mendes Leite</p><p>Carla Jordânia G. de Souza</p><p>Guilherme Prado</p><p>Design: Aline De Paiva Alves</p><p>Bárbara Carla Amorim O. Silva</p><p>Élen Cristina Teixeira Oliveira</p><p>Taisser Gustavo Soares Duarte</p><p>Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.</p><p>NEaD – Núcleo de Educação a Distância FACULDADE ÚNICA</p><p>Rua Salermo, 299</p><p>Anexo 03 – Bairro Bethânia – CEP: 35164-779 – Ipatinga/MG</p><p>Tel (31) 2109 -2300 – 0800 724 2300</p><p>www.faculdadeunica.com.br</p><p>2</p><p>1° edição</p><p>Ipatinga, MG</p><p>Faculdade Única</p><p>2021</p><p>PRÁTICA PEDAGÓGICA</p><p>INTERDISCIPLINAR: TEORIA</p><p>LITERÁRIA - TOMO I</p><p>4</p><p>LEGENDA DE</p><p>Ícones</p><p>São os conceitos, definições ou afirmações importantes</p><p>aos quais você precisa ficar atento.</p><p>Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do</p><p>conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones</p><p>ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado</p><p>trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a</p><p>seguir:</p><p>São opções de links de vídeos, artigos, sites ou livros da biblioteca</p><p>virtual, relacionados ao conteúdo apresentado no livro.</p><p>Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade,</p><p>associando-os a suas ações.</p><p>Atividades de multipla escolha para ajudar na fixação dos</p><p>conteúdos abordados no livro.</p><p>Apresentação dos significados de um determinado termo ou</p><p>palavras mostradas no decorrer do livro.</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>VAMOS PENSAR?</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>5</p><p>SUMÁRIO UNIDADE 1</p><p>UNIDADE 2</p><p>UNIDADE 3</p><p>1.1 Introdução .........................................................................................................................................................................................8</p><p>1.2 Do senso comum ao conceito ............................................................................................................................................8</p><p>1.3 Estudos literários antes da teoria .....................................................................................................................................11</p><p>1.4 Nasce a teoria ...............................................................................................................................................................................12</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO ..............................................................................................................................................................16</p><p>2.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................20</p><p>2.2 “Em busca do Santo Graal” ou por um conceito de literatura .................................................................20</p><p>2.3 Das características da literatura ou da literariedade ......................................................................................22</p><p>2.4 Das muitas funções da literatura .................................................................................................................................24</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................27</p><p>3.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................34</p><p>3.2 Platão e o mito da caverna ...............................................................................................................................................34</p><p>3.3 As formas e o mito da caverna .......................................................................................................................................34</p><p>3.4 A mimeses platônica .............................................................................................................................................................36</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO..............................................................................................................................................................38</p><p>O QUE É TEORIA?</p><p>MAS, O QUE É LITERATURA?</p><p>UNIDADE 4</p><p>4.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................43</p><p>4.2 Da poética aristotélica e outras poéticas ................................................................................................................43</p><p>4.3 Das paixões humans à catarse ......................................................................................................................................45</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO ............................................................................................................................................................48</p><p>A ARTE IMITA A VIDA?</p><p>LITERATURA: A ARTE DAS PAIXÕES?</p><p>UNIDADE 5</p><p>5.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................54</p><p>5.2 Por uma história da história .............................................................................................................................................54</p><p>5.3 Como se contrói um cânone?...........................................................................................................................................56</p><p>5.4 Todo cânone precisa de revisão? ..................................................................................................................................56</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................59</p><p>PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA E FORMAÇÃO DO CÂNONE</p><p>UNIDADE 6</p><p>6.1 Introdução .....................................................................................................................................................................................65</p><p>6.2 Formalismo russo e estruturalismo ............................................................................................................................65</p><p>6.3 New Cristicism e New Historicism ...............................................................................................................................67</p><p>6.4 Teoria do efeito estético e Teoria da interpretação ..........................................................................................68</p><p>6.5 “De se fazer muitos livros não há fim” ou das muitas teorias ....................................................................71</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO .............................................................................................................................................................73</p><p>retroceder às poéticas clássicas, isto é, aos gregos antigos,</p><p>para compreender o(s) conceito(s) modernos de Literatura e da disciplina Teoria da Lite-</p><p>ratura. Por isso, neste capítulo, falaremos sobre o conceito de mimeses na filosofia e na</p><p>Grécia antiga, sobretudo, em Platão, discutindo a importância de sua visão para os estudos</p><p>literários que o sucederam.</p><p>Vamos lá!</p><p>Certamente você já ouviu a máxima: “a arte imita a vida e a vida imita a arte”. De fato,</p><p>a arte parte do que lhe fornece o real a fim de trabalhar e retrabalhar este mesmo real,</p><p>conferindo-lhe novos significados. Grosso modo, através das mais diversas manifestações</p><p>artísticas o homem consegue melhor compreender a si, à sociedade e ao mundo que o</p><p>cerceia.</p><p>Platão, no entanto, via essa imitação de uma maneira negativa. Tanto que no diálogo</p><p>A República, bane a Literatura de sua cidade ideal por endenter que ela era nociva para a</p><p>paideia, a educação grega que envolvia trabalhar corpo e mente, e a aletheia, a verdade</p><p>filosófica.</p><p>A primeira obra platônica a tratar de um tema diretamente ligado à Literatura é o</p><p>diálogo Ion, mas é n’ A República que Platão vai engendrar duas teorias que embasam seu</p><p>pensamento, a Teoria das Formas e o Mito das Cavernas, ambas complementares para en-</p><p>tendermos o porquê Platão considera a Literatura como um fazer negativo. Argumentação</p><p>contra a arte e a Literatura</p><p>O diálogo é dividido em dez livros. Destacamos aqui os que interessam sobremanei-</p><p>ra ao nosso estudo. No livro I, Platão introduz o seu conceito de justiça e ética; no livro II,</p><p>inicia sua argumentação contra a literatura através de uma crítica pedagógica e teológica</p><p>contra essa, crítica que dá continuidade no Livro III ao abordar a constituição da cidade-es-</p><p>tado ideal. No livro VII, apresenta a Alegoria ou Mito da Caverna e, por fim, no Livro X, for-</p><p>mula sua crítica à mimeses e, por conseguinte, conclui que a literatura não pode ter espaço</p><p>na cidade-estado ideal.</p><p>3.3 AS FORMAS E O MITO DA CAVERNA</p><p>Platão, em A República, caracteriza as causas inteligíveis dos objetos físicos como</p><p>ideias ou formas, sendo essas as causas da beleza da verdade e da justiça. Os objetos, por</p><p>seu turno, meras sombras daqueles. Para ele, somente através de processos cognitivos,</p><p>isto é, do pensamento filosófico, pode-se se desamarrar da matéria e atingir-se a verdade</p><p>das coisas, a saber, suas formas etéreas . A fim de defender tal argumentação, Sócratres a</p><p>ilustrará através de uma alegoria.</p><p>35</p><p>Figura 2: Mito da Caverna</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3y2SmcP. Acesso em: 28 maio 2021.</p><p>Ele pede a Glauco que imagine uma caverna na qual prisioneiro viveram a vida toda</p><p>sem jamais conhecer o mundo fora dela. Tudo que viam do mundo exterior era apenas</p><p>sombras dos objetos, animais e pessoas que se projetavam em uma parede à sua frente,</p><p>como pode se verificar na imagem acima. Essas sombras significavam todo o conheci-</p><p>mento de mundo desses homens.</p><p>As sombras, como é sabido, distorcem a forma dos objetos de acordo com a posição</p><p>e projeção da luz. Portanto, o conhecimento do mundo que esses homens tinham era</p><p>distorcido assim como as sombras projetadas na parece. No entanto, na sequência de sua</p><p>argumentação, afirma que aqueles prisioneiros, não tendo contato com o mundo exterior,</p><p>criam ser o que viam a verdade (ou ao menos a sua verdade), tanto que afirma que se um</p><p>deles saísse e retornasse contando o que vira no mundo exterior seria taxado de mentiroso.</p><p>Paralelamente, a caverna representaria o mundo material, sensitivo e físico, em contrapon-</p><p>to ao mundo exterior que representaria o mundo inteligível ou das ideias.</p><p>Externo - espírito Caverna - corpo</p><p>Ideia – forma matéria</p><p>Inteligível sensitivo</p><p>Real aparente</p><p>Universal particular</p><p>Eterno Efêmero</p><p>Essência objeto</p><p>Quadro 1: Forma versus sombra</p><p>Fonte: Elaborado pela Autora (2021)</p><p>A ideia de essência e essencial é que ordenaria a noção particulares das coisas, isto</p><p>é, sua imagem ou objeto. Sendo assim, Platão entendia que as artes, por serem somenos</p><p>simulacro da verdade, dificultariam o processo de ascensão ao mundo inteligível, pois por</p><p>serem aparências das formas presentes no mundo ideal, enganariam o receptor.</p><p>Para saber mais sobre o pensamento platônico acerca da educação e o papel</p><p>didático da Literatura, veja o livro de Rodrigo (2014) “Platão e o debate educati-</p><p>vo na Grécia Antiga” disponível em: https://bit.ly/3d8aCZW. Acesso em: 28 maio</p><p>2021</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>https://bit.ly/3y2SmcP</p><p>https://bit.ly/3d8aCZW</p><p>36</p><p>A obra de Paviani (2008) “Platão & a Educação” também abrange o papel da</p><p>literatura na educação e está disponível em: https://bit.ly/35Novsq. Acesso em:</p><p>28 maio 2021</p><p>Para saber mais sobre “A república”, de Platão, leia o primeiro capítulo da obra</p><p>de Tavares e Noyama (2017) intitulada “Textos clássicos da filosofia antiga: uma</p><p>introdução a Platão e Aristóteles”, disponível em: https://bit.ly/3h1BcVR. Acesso</p><p>em: 28 maio 2021.</p><p>3.4 A MIMESES PLATÔNICA</p><p>Se de dentro da caverna só se viam as sombras das formas, aquele que as via tinha</p><p>apenas uma vaga noção do mundo ideal. Desse modo, aquele que fabrica um objeto ba-</p><p>seado não na forma, mas na ideia daquele objeto, fabrica uma cópia. Por sua vez, se um</p><p>pintor pinta aquilo que foi fabricado estará produzindo uma cópia da cópia, portanto, afas-</p><p>tando-se três vezes do real, isto é, a forma etérea das coisas.</p><p>Conforme salienta Benedito Nunes, em Platão:</p><p>[...] o artista imita por deficiência de conhecimentos. Se</p><p>fosse verdadeiramente sábio, não trocaria a realidade</p><p>pela aparência. Sua práxis, supérflua, é apenas um jogo,</p><p>uma atividade gratuita, que nada tem de séria, e que</p><p>pode, contudo, aumentando a sedução equívoca da ma-</p><p>téria sobre a sensibilidade, enredar a alma na trama de</p><p>falsos sentimentos e emoções, facilmente suscitados</p><p>pela Música e pela Poesia. Reencontramos o duplo senti-</p><p>do da mimese assinalado no capítulo 4: as composições</p><p>poéticas e musicais sugestionam o ouvinte, induzindo-o</p><p>a experimentar os estados de alma a que se associam.</p><p>Em linguagem moderna, diríamos que elas expressam e</p><p>comunicam estados afetivos (NUNES, 1999, p. 19).</p><p>O artista, portanto, é em Platão apenas um mero criador de aparências, simulacros</p><p>que não correspondem a verdade etérea das coisas, essas apenas possível de serem alcan-</p><p>çadas no mundo das ideias. Da mesma maneira, a literatura produziria um conhecimento</p><p>que seria nefasto a república ideal porque três vezes afastado da realidade. Por não corres-</p><p>ponder à verdade, não seria possível aprender nada por meio dela. Platão, portanto, não</p><p>admitia uma característica essencial do literário, a possibilidade de assemelhar-se ao real,</p><p>sem de fato imitá-lo integralmente.</p><p>O termo mimeses, em grego, seria, grosso modo, puramente imitação. Uma arte</p><p>mimética seria, portanto, meramente imitativa. Segundo Eric Haverlock (1996), primeiro</p><p>como mera classificação estilística, depois como método de composição e/ou ato de cria-</p><p>ção, na qual o poeta entraria em contato com a musa , e, por último atuação/perfomance.</p><p>Esta é, pois, a chave mestra da opção de Platão relativa-</p><p>mente à palavra mimesis para descrever a experiência</p><p>poética. Ela se concentra inicialmente não na atividade</p><p>criativa do artista, mas em sua capacidade de fazer com</p><p>que seu público se identifique quase patológica e sem</p><p>https://bit.ly/35Novsq</p><p>https://bit.ly/3h1BcVR</p><p>37</p><p>dúvida empaticamente com o conteúdo do que ele está</p><p>dizendo. E, por conseguinte, também quando Platão pa-</p><p>rece confundir os gêneros épico e dramático, o que está</p><p>dizendo é que qualquer enunciado poetizado deve ser</p><p>planejado e recitado de maneira tal que se transforme</p><p>numa espécie de drama dentro da alma tanto do recita-</p><p>dor quanto, consequentemente, do público. Essa espé-</p><p>cie de drama, essa maneira de reviver a experiência na</p><p>memória em vez de analisá-la e compreendê-la, constitui</p><p>para ele “o inimigo” [a ser combatido] (HAVERLOCK, 1996,</p><p>p. 61).</p><p>Para Platão, a Literatura seria nefasta porque impediria que o homem conhecesse</p><p>a verdade,</p><p>essa que só se teria acesso pela filosofia. No entanto, pense sobre o tudo o que já leu e apren-</p><p>deu sobre Literatura e reflita: o texto Literário, ao repensar o real por outros prismas, permite-</p><p>-nos refletir sobre a nossa realidade desconstruindo e reconstruindo o que acreditávamos ser</p><p>verdade?</p><p>VAMOS PENSAR?</p><p>Para Platão as artes e, por conseguinte, a literatura, é somenos uma cópia três vezes afasta-</p><p>da da realidade, isto é, das formas ideais. Por se apenas um simulacro da verdade, não teria</p><p>espaço em sua república ideal, assim como o artista, mero criador de aparências.</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>Aletheia – palavra grega que designava a relação entre verdade e razão. Grosso modo, a ver-</p><p>dade filosófica pertencente ao mundo inteligível.</p><p>Mimeses: Noção grega que entende a arte como uma forma de representação da realidade.</p><p>Mundo inteligível: O mundo das ideias, aquele que só se atinge através do pensamento filosó-</p><p>fico. O conhecimento por esse propiciado, portanto, é aquele que se atinge pela razão.</p><p>Mundo Sensitivo: Conhecimento que se atinge através da percepção sensitiva, sem funda-</p><p>mento no pensamento ou na razão, por isso, próprio das artes.</p><p>Efêmero: Algo passageiro; de curta duração.</p><p>Verossimilhança: Similar ao que é verdadeiro. Que se assemelha ao real.</p><p>Paideia - Sistema de educação grego que incluía visava preparar o homem para o exercício</p><p>de seu papel na pólis (cidade). Era uma educação completa que trabalhava desde ginástica,</p><p>a artes, retórica e matemática.</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>38</p><p>1. (Enade 2008)</p><p>E dir-se-á o mesmo do justo e do injusto, do bom e do mau e de todas as ideias: cada uma, de per</p><p>si, é uma, mas, devido ao fato de aparecerem em combinação com ações, corpos, e umas com as</p><p>outras, cada uma delas se manifesta em toda a parte e aparenta ser múltipla.</p><p>Platão, República V. 476a. Fundação Calouste Gulbenkian.</p><p>A partir desse texto, assinale a opção correta.</p><p>a) Cada ideia é uma, mas aparenta ser múltipla.</p><p>b) Cada uma das ideias em toda a parte manifesta ser uma.</p><p>c) Ações e corpos manifestam-se em combinação uns com os outros.</p><p>d) As aparências combinam-se umas com as outras em toda a parte.</p><p>e) Cada ideia é múltipla, manifestando-se em combinação em toda a parte.</p><p>2. (Enade 2005) – Que responda esse honrado homem que não acredita que algo seja</p><p>belo em si, nem exista nenhuma ideia de um belo em si, sempre idêntica a si mesma, mas</p><p>que reconhece muitas coisas belas – esse amante dos espetáculos – que não aceita que lhe</p><p>digam que o belo é um só, e o justo, e do mesmo modo as outras realidades. Ora, dentre</p><p>estas coisas, diremos que, das muitas que são belas, acaso haverá alguma que não pareça</p><p>feia? E das justas, uma que não pareça injusta? E, das santas, uma que não pareça ímpia?</p><p>– Não, é forçoso que as mesmas coisas pareçam belas e feias, tal como as outras de que</p><p>falas.</p><p>Platão. República. (com adaptações).</p><p>Com base nesse texto de Platão, analise as asserções a seguir:</p><p>I. As coisas parecem ser o que são e o seu contrário</p><p>PORQUE</p><p>II. As muitas coisas são idênticas a si mesmas.</p><p>Assinale a opção correta a respeito dessa afirmação.</p><p>a) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta</p><p>da primeira.</p><p>b) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma justificativa</p><p>correta da primeira.</p><p>c) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a segunda é uma proposição falsa.</p><p>d) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda é verdadeira.</p><p>e) As duas asserções são proposições falsas.</p><p>3. (INSTITUTO AOCP - 2019 - adaptado) O Mito da Caverna, de Platão, estabelece uma</p><p>relação interna ou intrínseca entre paideia (educação) e aletheia (verdade): a filosofia é</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>39</p><p>educação ou pedagogia para a verdade. Sobre o Mito da Caverna e o conceito de verdade</p><p>em Platão, assinale a alternativa INCORRETA.</p><p>a) A relação entre paideia e aletheia é proposta pelo mito com a analogia entre os olhos do</p><p>corpo e os olhos do espírito quando passam da obscuridade à luz: assim como os primeiros</p><p>ficam ofuscados pela luminosidade do Sol, também o espírito sofre um ofuscamento no</p><p>primeiro contato com a luz da ideia do Bem, que ilumina o mundo das ideias.</p><p>b) Platão abandonou o antigo conceito de verdade, isto é, a evidência como adequação</p><p>entre a ideia e o intelecto, o inteligível e a inteligência, obtida apenas pelas operações da</p><p>própria alma e o substituiu por aquele em que o próprio ser se manifesta no mundo e ao</p><p>mundo.</p><p>c) A trajetória realizada pelo prisioneiro é a descrição da essência do homem (um ser dotado</p><p>de corpo e alma) e sua destinação verdadeira (o conhecimento intelectual das ideias). Essa</p><p>destinação é seu destino: o homem está destinado à razão e à verdade.</p><p>d) O Mito da Caverna preserva o antigo sentido da aletheia como não esquecimento e</p><p>não ocultamento da realidade, pois aletheia é o que é arrancado do esquecimento e do</p><p>ocultamento da realidade, fazendo-se visível para o espírito, embora invisível para o corpo.</p><p>e) É uma alegoria retirada de “A República” de Platão, que fala sobre o conhecimento</p><p>verdadeiro e o governo político.</p><p>4. (IF-RR – 2015) - Acaso não existem três formas de cama? Uma que é a forma natural, e</p><p>da qual diremos, segundo entendo, que Deus a confeccionou. Ou que outro Ser poderia</p><p>fazê-lo? - Nenhum outro, imagino. - Outra, a que executou o marceneiro. - Outra, feita pelo</p><p>pintor. Ou não? - Sim. - Logo, pintor, marceneiro, Deus, esses três seres presidem aos tipos</p><p>de cama.</p><p>PLATÃO. A república. São Paulo: Martin Claret, 2000: 295. (adaptado)</p><p>No diálogo do Livro X de “A República”, o autor discorre sobre o processo mimético, ou seja,</p><p>a relação imitativa entre as formas naturais e poéticas. A partir da reflexão do fragmento</p><p>platônico, música e músico estariam</p><p>a) excluídos do processo mimético.</p><p>b) próximos à forma natural e semelhantes a Deus.</p><p>c) igualados à função de imitadores da imitação como o pintor</p><p>d) posicionados como imitadores de 1ª categoria como o marceneiro.</p><p>e) presentes nas três formas e, portanto, ocupando as três posições de criação.</p><p>5. (Colégio Pedro II – 2016 - adaptado) – Então, tomemos dessas pluralidades a que quiseres;</p><p>a seguinte, por exemplo, se estiveres de acordo: leitos há muitos, e também mesas. – Como</p><p>não? – Porém para todos esses móveis só há duas ideias: a ideia do leito e a ideia da mesa.</p><p>– Certo. – Costumamos, também, dizer que os obreiros desses móveis têm em mira a ideia</p><p>segundo a qual um deles apronta leitos e outros as mesas de que nos servimos, e assim</p><p>para tudo o mais. Porém a ideia em si mesma, o obreiro não fabrica. Como o poderia?</p><p>(PLATÃO. A República – livro X. In: MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de textos filosóficos.</p><p>Curitiba: SEED, 2009. p. 553)</p><p>O trecho citado, retirado do Livro X da República de Platão, expressa</p><p>40</p><p>a) a crítica à imitação como afastamento da verdade em três graus.</p><p>b) um caso tipificado de contemplação das formas pela experiência.</p><p>c) o reconhecimento da forma de leito e de cadeira por reminiscência.</p><p>d) uma explicação do uno e do múltiplo pressupondo a teoria das ideias.</p><p>e) Um elogio à imitação como forma exemplar de contemplação do real.</p><p>6. (Colégio Pedro II – 2016 -adaptado) A arte de imitar está muito afastada da verdade,</p><p>sendo que por isso mesmo dá a impressão de poder fazer tudo, por só atingir parte mínima</p><p>de cada coisa, simples simulacro. O pintor, digamos, é capaz de pintar um sapateiro, um</p><p>carpinteiro ou qualquer outro artesão, sem conhecer absolutamente nada das respectivas</p><p>profissões. No entanto, se for bom pintor, com o retrato de um carpinteiro, mostrado de</p><p>longe, conseguirá enganar pelo menos crianças ou pessoas simples e levá-las a imaginar</p><p>que se trata de um carpinteiro de verdade.</p><p>(PLATÃO. A República (Livro X). In: MARÇAL, Jairo (org.). Antologia de textos filosóficos.</p><p>Curitiba: SEED, 2009. p. 558.)</p><p>Sobre a relação entre arte e verdade, assinale a alternativa correta, segundo o pensamento</p><p>platônico.</p><p>a) As obras de arte estão</p><p>distanciadas três graus da realidade, e, por isso, estão muito</p><p>distantes da representação da verdade.</p><p>b) Não poderíamos nos aproximar da verdade por meio das obras de arte, uma vez que elas</p><p>apresentam somente uma representação das ideias.</p><p>c) Existe um valor positivo da arte imitativa, mas no âmbito da cidade ela era corrosiva, pois,</p><p>em relação à verdade, desloca a atenção que a política necessitava.</p><p>d) As obras de arte são necessárias para uma aproximação da verdade, mas apenas no</p><p>âmbito privado, negando dessa forma, sua função na cidade e, portanto, deveriam ser</p><p>excluídas.</p><p>e) A arte imitativa é positiva porque permite ao fruidor através da mimese escapar do real</p><p>e vivenciar experiências que jamais vivenciaria se não fosse pela arte.</p><p>7. Por isto, Wolfgang Iser reconhece a necessidade da literatura neste efeito de perspectiva,</p><p>vale dizer, na sua propriedade de obrigar o leitor, ao identificar-se com um personagem,</p><p>ou com o narrador, a olhar-se, e ao mundo por um ângulo novo, por um ângulo inusitado</p><p>– por uma nova perspectiva. As consequências estéticas, psicológicas e éticas desta</p><p>perspectivação podem ser radicais, obrigando-nos não só a compreendermos que a</p><p>realidade, em última instância, nos é inacessível – só temos acesso, no máximo, à sua</p><p>sombra. A realidade nos é inacessível porque ela engloba tudo o que existe e todas as</p><p>perspectivas possíveis.</p><p>(BERNARDO, Gustavo. O conceito de Literatura. In: JOBIM, José Luís (Org.)</p><p>Introdução aos termos Literários. Rio de Janeiro: Eduerj, 1999).</p><p>Ao dizer que a realidade nos é inacessível, que apenas acessamos a sua sombra, Gustavo</p><p>Bernardo refere-se</p><p>a) à teoria da ideia platônica.</p><p>b) à mimeses aristotélica.</p><p>41</p><p>c) à teoria da contingência platônica.</p><p>d) ao mito grego de Narciso.</p><p>e) à ideia de peripécia e catarse.</p><p>8. Leia a tirinha abaixo:</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3y5GPK9 . Acesso em: 28 maio 2021.</p><p>Sobre mito da Caverna, de Platão é que:</p><p>I. Que aquele que conhece o mundo apenas através das sombras das formas, não chegou</p><p>a conhecer a verdade das coisas.</p><p>II. Que aquele que vê o mundo apenas através das sombras das formas, vê que as formas</p><p>correspondem aos objetos.</p><p>III. A literatura, como toda arte, é uma sombra distante três vezes da forma ideal.</p><p>a) I, apenas.</p><p>b) II, apenas.</p><p>c) I e II, apenas.</p><p>d) II e III, apenas.</p><p>e) I, II e III.</p><p>42</p><p>LITERATURA: A ARTE DAS</p><p>PAIXÕES?</p><p>UNIDADE</p><p>04</p><p>43</p><p>4.1 INTRODUÇÃO</p><p>A Poética, de Aristóteles, além de ser a pioneira a dedicar-se ao tema é um dos mais</p><p>importantes títulos, senão o mais importante, para os Estudos Literários e, por conseguinte,</p><p>para a Teoria. Nesse texto, deferentemente do texto platônico, é dedicado exclusivamente</p><p>à arte literária, em especial, às do gênero épico e dramático, isto é, à épica e a tragédia. Ape-</p><p>sar de Aristóteles tecer algumas considerações sobre a comédia e a lírica, concede a essas</p><p>pouco espaço.</p><p>Dissemos que A poética é de extrema importância para os Estudos Literários, isso</p><p>porque nos legou conceitos importantíssimos que ainda hoje são basilares para a análise</p><p>do texto literário como o próprio conceito de mimeses (na visão aristotélica que veremos a</p><p>seguir e não a platônica), de verossimilhança e de catarse. Vejamos então o que é a mime-</p><p>sis para Aristóteles e para os que o sucederam.</p><p>Vamos lá!</p><p>4.2 DA POÉTICA ARISTOTÉLICA E OUTRAS POÉTICAS</p><p>Apesar de discípulo de Platão, Aristóteles divergirá de seu mestre, especialmente</p><p>no valor que confere à obra de arte, inclusive a literária. Se para o mestre ela era pernicio-</p><p>sa, para o discípulo ela é essencial para o desenvolvimento de senso de justiça e moral do</p><p>povo, porque possibilitaria ao expectador (ou leitor) aprender sem ser pela experiência.</p><p>Lembremos, pois, do que dissera Umberto Eco sobre a principal função da Literatura ser</p><p>educar-nos ao “Fado e à morte” (ECO, 2002, p. 21). A função apresentada em Eco já estava</p><p>em Aristóteles!</p><p>Figura 3: Aristóteles</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3zRfz3d. Acesso em: 28 maio 2021.</p><p>Ao conceito de mimesis, conforme proposto pelo discípulo de Platão, se coaduna ao</p><p>conceito de verossimilhança. Para o filósofo a arte poética, ou seja, a Literatura, não preci-</p><p>saria copiar fidedignamente o real, conforme postulava Platão (daí, ele condená-la por não</p><p>se corresponder a verdade), mas deveria assemelhar-se com a realidade que se pretendia.</p><p>Mas o que seria algo verossímil? Antes de discutirmos o conceito, desmembremos a pala-</p><p>vra. Vero, do latim verus, significa verdadeiro (tanto que a palavra verdade em italiano é jus-</p><p>tamente vero!); Símil, do latim símile, significa semelhante. Então, grosso modo, podemos</p><p>afirmar que algo verossímil seria algo semelhante ao verdadeiro.</p><p>[...] é preciso, quanto ao caráter dos personagens, como</p><p>também no arranjo das ações, procurar o necessário ou</p><p>o provável, de forma a que alguém de certa qualidade</p><p>diga ou faça coisas de certa qualidade necessariamente</p><p>ou provavelmente. É evidente, então, que os desenlaces</p><p>https://bit.ly/3zRfz3d</p><p>44</p><p>dos enredos devem decorrer do próprio enredo, e não do</p><p>artifício da mêchanê [...]. Mas se deve fazer uso da mêcha-</p><p>nê no que diz respeito ao que se passa fora de cena, seja</p><p>o que ocorreu antes dos incidentes mostrados, que não</p><p>é possível ao homem saber, seja o que ocorreu antes dos</p><p>incidentes mostrados, que não é possível ao homem sa-</p><p>ber, seja o que é posterior e que necessita de uma predi-</p><p>ção e de um anúncio, pois aos deuses concedemos tudo</p><p>verem (ARISTÓTELES, 2006, p. 91-93).</p><p>Mesmo que o discurso da literatura não seja verdadeiro como desejava Platão, é ne-</p><p>cessário que seja provável, que tenha um pé calcado no real para que expectador ou leitor</p><p>possa identificar-se com aquilo que assiste ou lê. Se o receptor não se identifica, a poesis</p><p>não consegue cumprir com a sua função essencial (sobre a qual falaremos no próximo tó-</p><p>pico).</p><p>Sendo assim, a arte literária não é apenas uma reprodução do mundo em que vi-</p><p>vemos, mas uma representação desse. A Literatura, portanto, teria a capacidade de pela</p><p>mimesis recriar acontecimentos, situações, criando outras possibilidades de existência no</p><p>mundo (lembremos que Aristóteles atém-se sobremaneira à épica e a tragédia). Devido</p><p>a essa capacidade do literário, seu discurso estaria mais próximo do discurso filosófico do</p><p>que o discurso histórico que tem o dever de apresentar as coisas como ocorreram e não</p><p>como poderiam ter ocorrido.</p><p>Luiz Costa Lima, partindo das considerações de Friedrich Shelegel sobre a mímeses,</p><p>dirá que essa “tem uma relação paradoxal com a verdade” (LIMA, 2000, p. 63). No texto,</p><p>Lima fala sobre a obra Kaftiniana que, como é sabido, exploras temáticas irreais, fantásticas</p><p>, guardando, portanto, pouca semelhança com a verdade, isto é o real, mas ainda assim, ao</p><p>guardar alguma “semelhança com o que a sociedade” toma por verdadeiro, é verossímil e,</p><p>portanto, mimética. O que torna o efeito de verossimilhança “inseparável tanto da produ-</p><p>ção quanto da recepção” (LIMA, 2000, p. 64).</p><p>O poeta romano Horácio, em consonância com o princípio aristotélico, defenderá ser</p><p>a arte literária, assim como a pintura, como uma arte de imitação reprodutiva. Horácio, no</p><p>entanto, em sua arte poética atem-se à um gênero literário que teria sido pouco considera-</p><p>do por Aristóteles, a lírica, a qual também considera produto fruto desta mesma atividade</p><p>mimética.</p><p>Na verdade, não apenas Horácio, como outros latinos, traduziram mímeses como</p><p>imitatio (que literalmente significa imitação), mas com o tempo a ideia latina de criação</p><p>literária será entendida para além da mimetização (ou imitação) da natureza e dos costu-</p><p>mes humanos, como se verifica em outro autor latino, Quintiliano, para entende-la como</p><p>imitação de modelos autorais anteriores, isto é, como aemulatio (emulação).</p><p>Já em Aristóteles verificamos uma normatização do fazer literário; o como se deve</p><p>fazer ou o como deve ser a obra literária de qualidade para que suscite as emoções que</p><p>deve suscitar. Nos latinos isso refletirá a ideia de que se</p><p>um poeta foi bem-sucedido usando</p><p>determinadas técnicas, o caminho para o sucesso dos que haverão de vir é, obviamente,</p><p>copiá-lo. Mas não era um puro e simples plágio como podemos equivocadamente sermos</p><p>levados a pensar, mas uma emulação daquele autor considerado como autorictas (auto-</p><p>ridade) no gênero. Mas qual a diferença entre imitar e emular algo ou alguém? Vejamos o</p><p>esclarecimento dado por João Cezar de Castro Rocha:</p><p>45</p><p>[...] a prática da emulação implica uma ideia particular</p><p>de sistema literário, privilegiando o ato de leitura como</p><p>gesto eminentemente inventivo. Afinal, partindo-se da</p><p>imitação de um modelo considerado autoridade num de-</p><p>terminado gênero, busca-se emular esse modelo, produ-</p><p>zindo uma diferença em relação a ele (ROCHA, 2013, p. 12).</p><p>Grosso modo, portanto, a emulação implicaria em não apenas representar aquilo</p><p>que a natureza nos oferece, conforme postulado por Aristóteles, mas em copiar um mode-</p><p>lo autoral com vistas a suplantá-lo. Ideia que teria sido fortemente combatida pelos român-</p><p>ticos que criam que a obra de arte devesse ser original e fruto da genialidade do artística e</p><p>não da reprodução de técnicas de autores anteriores ou mesmo contemporâneos.</p><p>Para saber mais sobre a mímesis em Aristóteles e noutros autores consulte o</p><p>verbete mímeses ou mimese no dicionário “E-dicionário de termos literários de</p><p>Carlos Ceia”, disponível em: https://bit.ly/3gQ9pc3 . Acesso em: 28 maio 2021.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>Para saber mais sobre a emulação no contexto romântico, sobretudo na obra</p><p>de Machado de Assis, consulte o livro Machado de Assis: por uma poética da</p><p>emulação, de João Cezar de Castro Rocha. Leia o resumo disponível em: https://</p><p>bit.ly/3xJBfMQ . Acesso em: 28 maio 2021.</p><p>4.3 DAS PAIXÕES HUMANAS À CATARSE</p><p>O termo catarse em sua origem grega, Kátharsis, significa purificação do espírito hu-</p><p>mano. O filósofo grego Aristóteles entendia que o objetivo da arte literária, especialmente</p><p>a tragédia, como um meio de purificação das emoções humanas, ou seja, que através do</p><p>terror ou da piedade proporcionados pelas ações sofridas pelas personagens, conduziriam</p><p>o receptor (expectador ou leitor) a se aproximar de alguns personagens (geralmente o</p><p>protagonista), levando-o a crer na possibilidade de ser moralmente superior ao outro, au-</p><p>xiliando-o na criação de um senso de justiça e de moral.</p><p>Para que tal objetivo pudesse ser atingido, era crucial que o poeta partisse de um en-</p><p>redo verossímil, em que o herói trágico sairia “da fortuna para o infortúnio, não por perver-</p><p>sidade, mas por um grande erro de alguém”, ocasionando a mudança dos acontecimen-</p><p>tos, isto é, a peripécia que conduziria o herói a sair do estado de desconhecimento para o</p><p>de reconhecimento e, levando-o, por fim, ao evento patético ou catastrófico, o que por seu</p><p>turno conduziria o expectador a expurgação de suas emoções, sofrendo o processo catár-</p><p>tico.</p><p>A catarse importa não apenas para textos literários escritos para serem encenados,</p><p>como no caso da tragédia e por extensão ao teatro e cinema moderno, mas aos mais di-</p><p>versos gêneros literários. Sobre o processo catártico na literatura de horror, por exemplo, o</p><p>ficcionista Stephen King afirma que :</p><p>https://bit.ly/3gQ9pc3</p><p>https://bit.ly/3xJBfMQ</p><p>https://bit.ly/3xJBfMQ</p><p>46</p><p>[...] inventamos horrores para nos ajudar a suportar horro-</p><p>res verdadeiros. Contando com a infinita criatividade do</p><p>ser humano, nos apoderamos dos elementos mais polê-</p><p>micos e destrutivos e tentamos transformá-los em ferra-</p><p>mentas – para desmantelar estes mesmos elementos. O</p><p>temo catarse é tão antigo quanto o drama na Grécia [...],</p><p>mas, mesmo assim, ele tem seu uso [...] (KING, 2007, p. 24).</p><p>O comentário de King nos ajuda a compreender que os horrores da ficção podem</p><p>amenizar nossos piores medos , uma vez que podemos experimentamos o apuro sem</p><p>correr risco real.</p><p>Fonte: Elaborado pelo Autor (2021)</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>PLATÃO ARISTÓTELES HORÁCIO</p><p>Íon A República A Poética Arte Poética</p><p>Platão tenta des-</p><p>crever a origem da</p><p>obra de arte literá-</p><p>ria. Ignora o fato de</p><p>a poesis (poética)</p><p>ser fruto de um tra-</p><p>balho de criação.</p><p>Platão tece uma crí-</p><p>tica epistemológica</p><p>à literatura, vendo-a</p><p>como nefasta para</p><p>a sua república ide-</p><p>al. Por isso, no livro</p><p>X procura normati-</p><p>zá-la.</p><p>Na poética, assim como</p><p>no livro X de A Repúbli-</p><p>ca, Aristóteles norma-</p><p>tiza a arte poética, isto,</p><p>estabelece normas que</p><p>devem ser seguidas</p><p>pelos “bons” poetas.</p><p>No entanto, ao mesmo</p><p>tempo que normatiza,</p><p>toma também uma po-</p><p>sição crítica ao classifi-</p><p>car as obras em supe-</p><p>riores e inferiores.</p><p>Em sua Arte Poéti-</p><p>ca, Horácio se dedica</p><p>ao gênero que teria</p><p>propositalmente sido</p><p>esquecido por Aristó-</p><p>teles, a lírica. O poeta</p><p>latino, entenderá a</p><p>poesia lírica também</p><p>como uma arte de</p><p>imitação e represen-</p><p>tação do real mesmo</p><p>que não haja nela fi-</p><p>guração de persona-</p><p>gens como na poesia</p><p>épica e nos dramas</p><p>trágicos e cómicos.</p><p>Quando se diz que a ARTE é REPRESENTAÇÃO, qual o sentido está em jogo? Qual o sentido</p><p>está posto na poética aristotélica? Trata-se apenas da representação do ator em cena? A re-</p><p>presentação em Aristóteles é muito mais ampla do que aquela que se faz no palco. Seja o ator</p><p>do drama encenado, seja o expectador ou o leitor da obra, todos esses sujeitos colocam-se no</p><p>lugar de um outro, a personagem, vivenciando as dores e as paixões desses, efeito criado pela</p><p>obra literária.</p><p>VAMOS PENSAR?</p><p>47</p><p>Para saber mais sobre a Poética de Aristóteles, leia o capítulo quatro do livro</p><p>“Textos clássicos da filosofia antiga: uma introdução a Platão e Aristóteles” de</p><p>Tavares e Noyama (2017) que está disponível através do link: https://bit.ly/2TVj-</p><p>F9Z. Acesso em: 28 maio. 2021.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>Para conhecer mais sobre a tragédia grega, assista à encenação de Édipo Rei,</p><p>de Sófocles, pela Oficina de Teatro Capitão Gancho, encenada no Museu de</p><p>Aveiro, em Portugal. Disponível em: https://bit.ly/3gOKwNS. Acesso em: 28 maio.</p><p>2021.</p><p>Catarse: Processo de purificação do espírito humano e de expurgação de suas emoções, al-</p><p>cançado pela vivência de experiências de outrem através da representação artística.</p><p>Comédia: Gênero teatral grego que encenava menor que satiriza as fraquezas humanas.</p><p>Epopeia: Poema narrativo em versos que canta os feitos do herói histórico ou lendário.</p><p>Mimesis: Noção grega que entende a arte como uma forma de representação da realidade.</p><p>Peripécia: Evento que, ao alterar o curso dos acontecimentos, conduz o herói a sair do estado</p><p>de desconhecimento para o de reconhecimento e, levando-o, por fim, ao evento patético ou</p><p>catastrófico.</p><p>Poética: Disciplina da Antiguidade Clássica que se ocupou do estudo metodológico e norma-</p><p>tivo de obras literárias, especialmente das epopeias e tragédias. É também o estudo sistemá-</p><p>tico e normativo de literatura.</p><p>Tragédia: Gênero teatral grego que encenava as peripécias e catástrofes de homens de moral</p><p>superior.</p><p>Verossimilhança: Similar ao que é verdadeiro. Que se assemelha ao real. Que é provável ou</p><p>necessário, segundo a perspectiva aristotélica.</p><p>Verossimilhança interna: Trata-se da coerência interna da narrativa que pressupõe uma lógi-</p><p>ca na ocorrência e sucessão dos acontecimentos narrados.</p><p>Verossimilhança externa: Trata-se da aderência da narrativa ao espectro do real segundo o</p><p>provável ou necessário.</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>https://bit.ly/2TVjF9Z</p><p>https://bit.ly/2TVjF9Z</p><p>https://bit.ly/3gOKwNS</p><p>48</p><p>1. (Prefeitura de Cujubim - RO 2018) Em teoria literária, usa-se o termo CATARSIS. Este</p><p>termo, um tanto técnico, tem sua origem:</p><p>a) na mescla de mistério e magia desde sua criação. Penetrou na cultura dos povos</p><p>primitivos e descobriu-se como gênero de experiências extravagantes na contemplação</p><p>do belo.</p><p>b) na época de Aristóteles, termo empregado por um médico, significando purgação e, se</p><p>usado por um discurso religioso, representava expiação ou purificação.</p><p>c) em tratados papais, expressão usada para caracterizar homem confuso e apreensivo</p><p>com as transformações do mundo. Platão, na alegoria da Caverna, utilizou-a pela primeira</p><p>vez na história da literatura.</p><p>d) no Termo filosófico cunhado por Aristóteles em A República e agregado aos ofícios</p><p>literários para designar que a arte replica o mundo, no qual está tudo contido e faz sentido.</p><p>A expressão Catarsis se configurou como exercício de expurgação e purificação.</p><p>e) na expressão Hebraica adaptada por Aristóteles em Filosofia prática.</p><p>2. (FCC - 2014 – TRT)</p><p>O caldo cultural do Nordeste, particularmente do sertão, foi primordial na formação</p><p>do paraibano Ariano Suassuna. A infância passada no sertão familiarizou o futuro escritor e</p><p>dramaturgo com temas e formas de expressão artística que mais tarde viriam a influenciar</p><p>o seu universo ficcional, como a literatura de cordel e o maracatu rural. Não só histórias e</p><p>casos narrados foram aproveitados para o processo de criação de suas peças e romances,</p><p>mas também todas as formas da narrativa oral e da poesia sertaneja foram assimiladas e</p><p>reelaboradas por Suassuna. Suas obras se caracterizam justamente por isso, pelo domínio</p><p>dos ritmos da poética popular nordestina.</p><p>Com apenas 19 anos, Suassuna ligou-se a um grupo de jovens escritores e artistas.</p><p>As atividades que o grupo desenvolveu apontavam para três direções: levar o teatro ao</p><p>povo por meio de apresentações em praças públicas, instaurar entre os componentes do</p><p>conjunto uma problemática teatral e estimular a criação de uma literatura dramática de</p><p>raízes fincadas na realidade brasileira, particularmente na nordestina.</p><p>No final do século XIX, surgiu no Nordeste a chamada literatura de cordel. A primeira</p><p>publicação de folheto no Nordeste, historicamente comprovada, aconteceu em 1870.</p><p>O nome cordel originou-se do fato de os folhetos serem expostos em cordões,</p><p>quando vendidos nas feiras livres. O principal nome do cordel foi Leandro Gomes de Barros,</p><p>considerado por Ariano Suassuna “o mais genial de todos os poetas do romanceiro popular</p><p>do Nordeste”.</p><p>A peça Auto da Compadecida, de Suassuna, é uma releitura do folclore nordestino</p><p>em linguagem teatral moderna. O enredo da peça é um trabalho de montagem e</p><p>moldagem baseado em uma tradição muito antiga, que remonta aos autos medievais e</p><p>mais diretamente a inúmeros autores populares que se dedicaram ao gênero do cordel.</p><p>As apropriações de Suassuna tanto do folheto nordestino quanto de outras fontes</p><p>literárias são possíveis porque a palavra imitação, usada por Suassuna, remete-nos ao</p><p>conceito aristotélico de mimesis, cujo significado não representa apenas uma repetição à</p><p>semelhança de algo, uma cópia, mas a representação de uma realidade. Suassuna já fez</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>49</p><p>diversos elogios da imitação como ato de criação e costuma dizer que boa parte da obra</p><p>de Shakespeare vem da recriação de histórias mais antigas.</p><p>Recontar uma história alheia, para o cordelista e para o dramaturgo popular, é torná-</p><p>la sua, porque existe na cultura popular a noção de que a história, uma vez contada, torna-</p><p>se patrimônio universal e transfere-se para o domínio público. Autoral é apenas a forma</p><p>textual dada à história por cada um que a reescreve.</p><p>Depreende-se do contexto que o autor lança mão do conceito de “mimesis” para</p><p>a) explicitar que, em sua obra, Suassuna se apropria da literatura sertaneja, reelaborando-a</p><p>com um estilo próprio.</p><p>b) enaltecer a erudição de autores como Suassuna, capazes de revelar a essência de uma</p><p>realidade por meio da literatura de cordel.</p><p>c) diferenciar o plágio do processo por meio do qual se parte de uma forma artística já</p><p>existente para parodiá-la, como fez Shakespeare.</p><p>d) sugerir que Suassuna valoriza autores do romanceiro nacional que, diferentemente de</p><p>Shakespeare, foram consagrados pelo gosto popular.</p><p>e) retratar a obra de Suassuna como pertencente a um modelo literário propenso a ser</p><p>reproduzido em simulacros do folclore nacional.</p><p>TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 2 QUESTÕES</p><p>Considere o texto abaixo para responder à(s) questão(ões) a seguir.</p><p>É célebre a escultura de Laocoonte, em que estão representados pai e filhos envolvidos por</p><p>serpentes. Nela está tematizada a dor de um pai que vê os filhos serem devorados. O crítico alemão</p><p>Lessing sentiu-se intrigado pela seguinte questão: como entender que a personagem principal</p><p>do grupo representado mal abra a boca, apesar de sofrer de modo tão intenso? Para explicar a</p><p>composição moderada da dor, assinala:</p><p>“É que as leis da escultura impõem a figuração da dor de modo totalmente diverso do da</p><p>poesia. A escultura e a pintura não podem representar senão um único momento de uma ação; é</p><p>preciso então escolher o momento mais fecundo; ora, só é fecundo aquilo que deixa campo livre à</p><p>imaginação; não é preciso, pois, escolher o momento do paroxismo [o momento mais intenso], mas</p><p>o que o precede ou segue.”</p><p>3. (Enade 2005) Quanto à arte literária, é correta a seguinte inferência:</p><p>a) a literatura distingue-se da escultura porque, nela, em todos os gêneros literários (lírico,</p><p>épico e dramático), predomina a expressão de tempos simultâneos.</p><p>b) uma obra de arte bem realizada (um romance ou um conto, por exemplo) renuncia ao</p><p>clímax da situação narrada, em busca do ideal de preservar o imaginário do leitor.</p><p>c) o processo de criação artística, em qualquer gênero literário que se considere, representa</p><p>as paixões segundo modelos historicamente prestigiados.</p><p>d) a brevidade do poema lírico o aproxima da pintura e da escultura, pois o eu poético só</p><p>tem tempo para o desenrolar de uma única ação.</p><p>e) os discursos literários, graças à natureza da linguagem verbal, podem retomar uma</p><p>mesma ação em distintos momentos, diferentemente do que ocorre na escultura ou na</p><p>pintura.</p><p>50</p><p>4. (Enade 2005) O que se pode deduzir corretamente do texto acerca da representação</p><p>artística?</p><p>a) Na arte, o modo como se retratam certas emoções depende do conhecimento da sua</p><p>natureza pelo artista, pois o seu ideal é reproduzir o mundo natural.</p><p>b) Numa obra de arte, a expressão não é determinada pela natureza do objeto representado,</p><p>mas está relacionada aos princípios que regem a modalidade artística adotada.</p><p>c) Em algumas formas de expressão artística, a representação corresponde necessariamente</p><p>à diminuição da intensidade das emoções experimentadas.</p><p>d) Na composição artística, a escolha de traços de um objeto que podem ser mais produtivos</p><p>para a criação depende mais da perícia do artista em lidar com eles do que da linguagem</p><p>da arte em que ele se expressa.</p><p>e) Em qualquer expressão artística, é mais importante a capacidade que o artista tem de</p><p>apontar, no ser humano representado, a grandeza e a serenidade da alma, do que retratar</p><p>o vigor de um sofrimento .</p><p>5. Leia o texto abaixo:</p><p>A Barata</p><p>ABERTO O ENVELOPE, SUSTO: a barata dentro dele, imóvel, expectante, sobre o cartão!</p><p>Quem foi que teve ideia dessa brincadeira repulsiva! E como conseguiu que passasse pelo</p><p>Correio sem esmagar a barata? Por que ela está viva, vivinha da silva & santos. Não se mexe é</p><p>de sabida.</p><p>-Joga fora essa imundice! Ou antes, não jogue...</p><p>Esta é uma barata de lei, com cerca de 150 anos de existência. Criação verista de Debret,</p><p>sua reprodução na capa do convite para a exposição de inéditos do artista é de tal modo</p><p>convincente que engana qualquer um.</p><p>[..]</p><p>Barata ao vivo é nojenta, chinele-se a bicha. Barata pintada é arte. Maçã na casa de frutas, ferra-</p><p>se o dente ou açucara-se em torta, vita brevis, re não se fala mais nisso! A maça de Cézanne,</p><p>mas para que a maça? As cebolas de Cézanne, e mais a garrafa de rouge, o copo com vinho</p><p>pela metade, a rolha, a faca, a toalha embolada, em Nature morte aux Oignos, refutam o</p><p>princípio de destruição inevitável das formas, pelo menos enquanto o quadro existir.</p><p>Ideias velhas, barata nova. Debret foi mais documentarista do que criador, mas nem por isso</p><p>sua barata é menos criação. Porque Debret pegou do bicho imundo e disse:</p><p>-Agora vou te dar vida longa, maior que a minha, vou te representar. Representar é ser outra</p><p>vez, e mais. Tudo quanto posso fazer por mim, e por nós, é fazer-te e fazer-me. Representando-</p><p>me, e</p><p>aos objetos e cenas a que assisto (coroação, fira, inseto), asseguro a tudo a mais valia de</p><p>uma vida suplementar, que se chama vida das figuras, das aparências, que são mais do que</p><p>as essências, pois estas se evolam, e a aquelas persistem. Entendeste?</p><p>[...] -Pensando melhor, a essência está na aparência, que nos propicia o conhecimento imediato</p><p>do cosmo. O resto é imaginação ou confirmação. Ês habitante vil de um planeta confuso, que</p><p>adotou padrões de classificação baseados em nada. Vil por quê? Por que assim te rotularam?</p><p>Que achas das criaturas que te rotulam, ó barata minha?</p><p>[...] Sei que a representação é completa e fiel, tão fiel, tão vera, que a representação de</p><p>representação, no convite, fez uma senhorita jogas fora o papel e envelope, e correr para lavar</p><p>as mãos:</p><p>51</p><p>-Ui, que horror! Uma baratona.</p><p>-Calma, ela é pintada.</p><p>-E daí? Pareceu mais real que uma verdadeira!</p><p>O maior elogio a Debret, que já ouvi.</p><p>(ANDRADE, Carlos Drummond de. Barata. In: Poesia e Prosa. Rio de Janeiro.</p><p>Ed. Nova Aguilar, 1983. P. 1438-1439).</p><p>Aristóteles defende a mímeses não como uma cópia imperfeita do real como fizera Paltão,</p><p>mas como uma representação de uma realidade. Como o conto de Drummond ratifica</p><p>esta ideia?</p><p>a) Ao criticar a pintura realista de Debret de uma barata.</p><p>b) Ao mostrar que representação da barata não se assemelha ao real.</p><p>c) Ao questionar o princípio da verossimilhança na representação artística.</p><p>d) Ao mostrar que a representação feita pela arte pode suplantar o modelo real.</p><p>e) Ao demonstrar que a essência estará sempre no real, nunca na representação.</p><p>6. (NC-UFPR - 2015 - COPEL) Comentários na Internet são “descarrego de ódio”, dizem</p><p>psicólogos:</p><p>Se você busca debates sadios, opiniões ponderadas e críticas construtivas, não entre nos comentários</p><p>de notícias e posts na Internet. Os itens acima são coisa rara no meio do mais puro “ódio.com”.</p><p>“É um canal de escape emocional 24 horas no ar. Se a emoção é forte, eu descarrego um caminhão</p><p>de sentimentos nos comentários”, afirma Andréa Jotta, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em</p><p>Psicologia em Informática da PUC-SP. “O problema é que a Internet deixa aquilo eterno. Você pode</p><p>mudar de opinião, mas aquilo fica registrado e pode te prejudicar no futuro”, completa.</p><p>Dez anos atrás se popularizou o conceito de “Web 2.0”, e os sites noticiosos abriram espaço para os</p><p>internautas opinarem sobre as reportagens. A ideia original era tornar os portais de notícia “uma</p><p>rua de mão dupla”. Na prática, o espaço virou um congestionamento de palavrões, ameaças e</p><p>preconceitos.</p><p>“A tecnologia da internet fez explodir a demanda social da catarse. As opiniões são sempre radicais,</p><p>explosivas”, opina o psicólogo Jacob Pinheiro Goldberg. “A lógica binária da internet estimula a</p><p>visão maniqueísta do mundo: ou você é contra ou a favor. A sutileza não é o traço essencial da</p><p>internet”, argumenta.</p><p>A interatividade acabou gerando duas crias indesejadas: os “trolls” e os “haters”. O primeiro é um</p><p>polemista que se diverte com a repercussão de suas “troladas”, gíria para opiniões descabidas e</p><p>zombeteiras só publicadas para gerar revolta nos outros internautas.</p><p>Já os “haters” são acusadores que distribuem sua fúria contra times, partidos, religiões, raças,</p><p>gêneros, opções sexuais, gostos musicais e o que tiver em pauta.</p><p>Rodrigo Bertolotto, disponível em https://bit.ly/3x8DyZ7 , 13/08/2015</p><p>De acordo com o texto, podemos entender “demanda social da catarse” como:</p><p>a) o extravasamento de sentimentos através de opiniões explosivas e radicais dos leitores.</p><p>b) a necessidade de um meio digital para as pessoas exercitarem a sensibilidade.</p><p>52</p><p>c) a importância se disponibilizar uma forma de as pessoas aprenderem a lidar com o</p><p>estresse.</p><p>d) polêmicas geradas pelas crias da internet, os “trolls” e os “haters”.</p><p>e) a oportunidade dada aos comentaristas de internet de expressarem suas opiniões.</p><p>7. ( FCC - 2018 - DPE-AM ) Considere as afirmações abaixo:</p><p>I. A mimese, prática observada apenas em seres humanos, consiste na recriação de</p><p>uma determinada situação a partir do arremedo ou da imitação, com a finalidade de</p><p>reinterpretá-la, conferindo-lhe novo significado.</p><p>II. Pode-se observar, a partir das brincadeiras infantis, que as crianças são atraídas tanto</p><p>pelo familiar e conhecido como pelo inovador e inusitado.</p><p>III. A imitação e o arremedo, práticas importantes para certas áreas, como o teatro, são</p><p>condenáveis quando se trata de uma composição literária, já que, conforme se infere da</p><p>opinião do autor, podem, nesse caso, constituir plágio.</p><p>Está correto o que se afirma APENAS em</p><p>a) I e II.</p><p>b) II e III.</p><p>c) II.</p><p>d) I e III.</p><p>e) I.</p><p>8. (Prefeitura do Rio de Janeiro - RJ -adaptado)</p><p>“(…) a imitação da realidade, ou melhor, sua representação (...) supõe a existência de dois objetos</p><p>– o modelo e o objeto criado –, que mantém entre si uma relação complexa de similitude e de</p><p>dessemelhança.”</p><p>No trecho acima, de Marie-Claude Hubert, a autora refere-se ao conceito de</p><p>a) Poética.</p><p>b) Mímeses.</p><p>c) Metafísica.</p><p>d) Verossimilhança.</p><p>e) Catarse.</p><p>53</p><p>PERIODIZAÇÃO LITERÁRIA E</p><p>FORMAÇÃO DO CÂNONE</p><p>UNIDADE</p><p>05</p><p>54</p><p>5.1 INTRODUÇÃO</p><p>Vimos na Unidade I que no século XVIII, com o Iluminismo, surgiram novas formas de</p><p>se ver e entender o mundo, o que propiciou uma mudança das relações sociais e com isso</p><p>a forma de produção e circulação da literatura. Consequentemente, mudou-se também a</p><p>maneira como o estudioso passa a se relacionar com o texto literário dando origem à críti-</p><p>ca impressionista e à historiografia. Será sobre esta última que falaremos nesta unidade.</p><p>Vamos lá!</p><p>5.2 POR UMA HISTÓRIA DA HISTÓRIA</p><p>A movimento literário que inicia na Europa ainda no século XVIII e aqui do outro lado</p><p>do Atlântico, no século seguinte, – Romantismo – foi um movimento de extremo naciona-</p><p>lismo. Na Europa resultado direto da Revolução francesa; aqui dos movimentos de inde-</p><p>pendência.</p><p>Superado o absolutismo na Europa ou o domínio colonial aqui, tornava-se essencial</p><p>uma afirmação dos Estados-nação por intermédio de seus produtos culturais, isto é, das</p><p>artes. Era também necessário contar a história desses estados, e não seria diferente da his-</p><p>tória cultural e, por metonímia, a literária.</p><p>A configuração do seu objeto, portanto, parte da premis-</p><p>sa central do romantismo: cada nação se distingue por</p><p>peculiaridades físico geográficas e culturais, sendo a li-</p><p>teratura especialmente sensível a tais peculiaridades, do</p><p>que deriva sua condição de privilegiada parcela da cultu-</p><p>ra, funcionando à maneira de um espelho em que o espi-</p><p>rito do nacional pode mirar-se e reconhecer-se (SOUZA,</p><p>2014, p. 60).</p><p>A partir desse momento, portanto, tornarem-se menos comuns as Poéticas, e surgi-</p><p>rem em peso as Histórias Literárias – florilégios, parnasos e compêndios que inventariavam</p><p>os textos literários produzidos sobre e naqueles estados por seus cidadãos, cujos textos</p><p>eram agrupados segundo as características e a época em que foram produzidos, os cha-</p><p>mados períodos literários ou estilos de época. Surge então uma nova disciplina, “a história</p><p>literária, que, desinteressada das noções clássicas de boas ou belas-letras ,isto é, das esta-</p><p>belecidas pela Poética] instala o conceito moderno de literatura nacional” (SOUZA, 2018, p.</p><p>33) mais preocupado no levantamento de textos representativos do nacional do que nas</p><p>qualidades estéticas das obras. Surge, portanto, neste momento as disciplinas de história</p><p>de literatura nacional que hoje conhecemos simplesmente por Literatura, Brasileira, Lite-</p><p>ratura Italiana, Literatura Russa, Literatura Francesa, Literatura Inglesa etc.</p><p>O próprio conceito de história, conforme salienta José Luiz Jobim, esteve por muito</p><p>tempo atrelado a textos escritos, em especial no século XIX. Afinal, “o passado não pode ser</p><p>conhecido, exceto através da mediação das fontes, e as únicas fontes são as escritas. Em</p><p>resumo: a história é feita de textos”. (POMIAN 1999, p. 34 Apud, JOBIM, 2003, p. 117). A obra</p><p>literária também é texto. Mas essa, apesar de ser um objeto</p><p>do passado (capaz de ajudar na</p><p>sua reconstrução), diferente de outros eventos e documentos históricos também é um ob-</p><p>jeto do presente. Podemos ler hoje tanto o original de Dom Casmurro, na primeira edição,</p><p>disponível na +Biblioteca Nacional, ou em uma edição em e-book diretamente na internet.</p><p>O que faz com que o observemos tanto em perspectiva diacrônica como sincrônica.</p><p>55</p><p>No caso da cultura brasileira, quando se fala em história</p><p>literária nas escolas, parece que a referências básica são</p><p>os chamados “períodos literários” (ou melhor, “estilos de</p><p>época”, como se costuma designá-los). Estes são mostra-</p><p>dos com frequência como entidades auto-evidentes, evi-</p><p>tando-se na maior parte das vezes todos os problemas</p><p>teóricos que a sua construção conceitual abriga (JOBIM,</p><p>2003, p. 126).</p><p>No entanto, é preciso que o estudo da história da literatura seja mais do que apenas</p><p>uma catalogação de obras literárias do passado ou uma lista de características de época</p><p>que os alunos do ensino médio decoram a fim de passar nas provas. O que, apesar de um</p><p>problema atual, tem raiz no próprio surgimento dos estudos historiográficos.</p><p>Figura 4: Linhagem cronológica da Literatura</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3zLLnGN. Acesso em: 29 jun. 2021</p><p>Vale lembrar ainda que este momento, no qual emerge a historiografia literária, é</p><p>também o momento da crítica impressionista de Anatole France e do biografismo de bio-</p><p>grafismo de Sainte-Beuve, o que condicionou parcialidade na formação do cânone na me-</p><p>dida em que crítico e historiador selecionavam as obras que comporiam seus florilégios e</p><p>parnasos, não apenas a partir de um horizonte de expectativas do presente, mas também</p><p>a partir de seus juízos de valor, mesmo que entendendo como ciência buscasse impar-</p><p>cialidade (SOUZA, 2014). Um bom exercício para verificar essas características é ler com-</p><p>parativamente o História da literatura brasileira, de 1888, de Silvio Romero, e o História da</p><p>literatura brasileira, de 2011, de Carlos Nejar.</p><p>Por isso, os estudos historiográficos e os historicismos precisam e têm se preocupa-</p><p>do cada vez mais com a “re-significação da herança anterior” (JOBIM, 2003, p. 121), ou seja,</p><p>com a compreensão de que sentido tinha aquela atividade, aquele texto para determinado</p><p>autor (ou autores), em determinado tempo e sociedade, cuidando assim para que se evite</p><p>o erro do anacronismo – atribuição de conceitos do presente a obras do passado. Mas, ain-</p><p>da assim, ciente de que é difícil olhar para o passado sem alguma medida de contamina-</p><p>ção do presente. No caso do exemplo citado acima de Dom Casmurro, devido ao romance</p><p>abordar temas universais, que ainda hoje refletem a nossa sociedade, é preciso pensar</p><p>concomitantemente tanto no ontem como no hoje.</p><p>Falaremos mais sobre as perspectivas dessa nova história na Unidade 6 quando abor-</p><p>daremos o new historicism.</p><p>https://bit.ly/3zLLnGN</p><p>56</p><p>O estudioso de literatura, seja o historiador, seja o teórico precisa sempre estar atento para</p><p>não analisar uma obra literária a partir do horizonte de seu presente. O que o passado pro-</p><p>duziu de horizonte para si próprio, como também para o presente, precisa estar na reflexão</p><p>do historiador ou teórico da literatura.</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>5.3 COMO SE CONSTRÓI UM CÂNONE?</p><p>Quando vimos conceito de Literatura, vimos que a ideias do que vem a ser ou não</p><p>literário estariam relacionadas aos juízos de valor de uma determinada sociedade em de-</p><p>terminado momento histórico. Sendo assim, a cada época, alguns dos textos considera-</p><p>dos literários apresentarão características, ou traços comuns, a que chamamos períodos</p><p>literários, escolas literárias ou estilos de época. No entanto, esta visão pode nos conduzir a</p><p>um pensamento equivocado de que a história da literatura sempre existiu e os autores dos</p><p>quais sempre ouvimos falar e que permeiam os livros didáticos e as histórias da literatura</p><p>são e serão sempre os mesmos. O que comporá ou não o cânone de uma determinada</p><p>literatura nacional, ou mesmo da chamada literatura mundo, depende de escolhas, grosso</p><p>modo, subjetivas, pois implicam uma valoração da obra de arte segundo a visão parcial do</p><p>crítico. Vale ainda lembrar que a construção de um cânone é também uma construção</p><p>política.</p><p>Outro problema que não se pode desconsiderar é que a perspectiva do presente</p><p>sempre influi sobre a escrita que se faz sobre o passado. O risco do anacronismo é sempre</p><p>um risco real enfrentado pelo historiador da literatura, como consideramos no tópico an-</p><p>terior. Ainda, a perspectiva do presente do historiador ou teórico faz com que por ventura</p><p>venha a considerar um elemento ou autor mais importante que outros. Daí, autores negros</p><p>e autoras mulheres terem sido excluídos dos cânones apontados por nossas primeiras his-</p><p>toriografias, por exemplo.</p><p>Júlia Lopes de Almeida foi uma autora oitocentista brasileira bastante produtiva. Publicou en-</p><p>tre romances, novelas, contos, peças teatrais etc, mais de trinta título. Apesar de ter participa-</p><p>do da idealização da Academia Brasileira de Letras (ABL) e de seu ter estado na primeira lista</p><p>dos imortais que a fundariam, seu nome fora excluído. Da mesma maneira, durante muitos</p><p>anos seu nome também esteve apagado das historiografias literárias, bem como dos livros</p><p>didáticos. Vamos pensar, quais seriam os motivos que ocasionaram essa exclusão da autora</p><p>da Academia e do cânone?</p><p>VAMOS PENSAR?</p><p>Haroldo de Campos escreveu e publicou a tese cujo título chama-nos a atenção: O</p><p>sequestro do barroco na Formação da Literatura Brasileira. O título remete ao fato de que</p><p>no livro de natureza historiográfica, de Antônio Candido, Formação da Literatura Brasilei-</p><p>ra, o professor emérito da USP, considera o Arcadismo e o Romantismo como os períodos</p><p>5.4 TODO CÂNONE PRECISA DE REVISÃO?</p><p>57</p><p>literários que dão início à disciplina Literatura Brasileira. Seu argumento seria que somen-</p><p>te durante o Arcadismo é que teríamos tido um sistema de circulação literária. O livro de</p><p>Campos, opõe-se à argumentação de Candido, defendendo que já no período anterior,</p><p>mesmo que timidamente, já havia um sistema literário posto no Brasil colônia.</p><p>Anos mais tarde, em 2017, Júlio França publica o artigo “O sequestro do gótico no</p><p>Brasil” , no qual argumenta que no Brasil, diferentemente do que tradicionalmente a his-</p><p>toriografia tem mostrado, tivemos um profícuo movimento romântico de estética gótica</p><p>e que esta estética permanece latente até a contemporaneidade. Semelhantemente, eu</p><p>escrivei um artigo intitulado “O sequestro do fantástico na literatura brasileira” , no qual</p><p>discuto a formação de nosso cânone literário, ainda no século XIX, que teria optou por não</p><p>incluir (ou desmerecer) um fazer literário que, assim como o gótico, acontecia marginal-</p><p>mente ao movimento romântico nacionalista marcado pela “cor local”, isto é, a literatura</p><p>fantástica.</p><p>O fato é que, como dissemos, a formação do cânone implica em escolhas subjetivas,</p><p>políticas e, às vezes, motivadas por uma visão anacrônica do crítico. Por isso, se em algum</p><p>momento um gênero ou autor foi considerado menor e excluído do cânone; noutro poderá</p><p>ser visto como autor universal e incluído. É o que vimos ocorrer, no caso brasileiro com as</p><p>autoras Emília Freitas e Júlia Lopes de Almeida, por exemplo. Assim, como a própria forma</p><p>de ler o cânone é modificada com o passar dos anos. A construção de um cânone de uma</p><p>literatura nacional ou mundial é algo que está sempre me constante construção e revisão.</p><p>Para saber mais sobre a crítica e a historiografias brasileiras, leia a tradução de</p><p>um artigo de Souza e Jobim (2020), publicado originalmente em Mandarim na</p><p>revista “Foreign Languanges e Cultures” em março de 2020 e republicado em</p><p>português na Revista Juçara em julho de 2020, disponível em: https://bit.ly/3zS-</p><p>d9Bq. Acesso em: 28 maio. 2021.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>Para saber mais sobre como se constroi o cânone leia o tópico “O contexto de</p><p>produção do texto literário”, na Unidade 2 do livro Teoria da Literatura II de orga-</p><p>nização de Pedro Paulo da Silva,</p><p>disponível em: https://bit.ly/2V9DoU0 . Acesso</p><p>em: 28 maio 2021.</p><p>Leia também o artigo “A formação dos cânones literários e visuais”, de Renan</p><p>Belmonte Mazzola, disponível em: https://bit.ly/3kX0GYf Acesso em 29 jun. 2021.</p><p>Para aprofundar a questão da exclusão das literatura produzida por mulheres</p><p>do cânone ou a sua pouco valoração, veja também o artigo “Cânone, valor e a</p><p>história da literatura: pensando a autoria feminina como sítio de resistência e</p><p>intervenção”, de Rita Terezinha Schmidt, disponível em: https://bit.ly/36Yymwp .</p><p>Acesso em 29 jun. 2021.</p><p>https://bit.ly/3zSd9Bq</p><p>https://bit.ly/3zSd9Bq</p><p>https://bit.ly/2V9DoU0</p><p>https://bit.ly/3kX0GYf</p><p>https://bit.ly/36Yymwp</p><p>58</p><p>Anacronismo: equívoco gerado ao se aplicar conceitos e perspectivas do presente para discu-</p><p>tir e problematizar eventos do passado.</p><p>Cânone literário: também conhecido como cânon trata-se de um conjunto sistemáticos de</p><p>autores e obras considerados universais e, por isso, dignos de permanecerem para a posteri-</p><p>dade. Estilo de época: são os movimentos ou escolas literárias que consideram as característi-</p><p>cas comuns ou semelhantes entre as mais diversas obras publicadas em determinado espaço</p><p>de tempo. Estilo comum aos autores de uma determinada época ou período.</p><p>Florilégio: coletânea de obras literárias; antologia.</p><p>Historiografia literária: ramo dos estudos literários que surge entre o século XVIII e século XIX,</p><p>como o objetivo de inventariar (e recontar) o passado literário e cultural de povos. Por isso,</p><p>mantêm estreita relação com os procedimentos adotados pela História.</p><p>Parnaso: assim como o florilégio é uma antologia. Ex. Parnaso Brasileiro, de Januário da</p><p>Cunha Barbosa.</p><p>Periodização literária : Trata-se do conjunto de períodos, eras ou escolas literárias sucedidas</p><p>na linha do tempo histórico.</p><p>Vanguarda: Literatura ou arte que se pretende inovadora , e por isso, rompe com as estéticas</p><p>vigentes. Ao início do Modernismo o mundo observou o surgimento de movimentos vanguar-</p><p>distas nas artes como o futurismo, o dadaísmo, o expressionismo, o surrealismo.</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>59</p><p>1. Sobre a historiografia literária, é correto afirmar:</p><p>a) trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a literatura</p><p>em perspectiva histórica.</p><p>b) trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a cronologia</p><p>das narrativas.</p><p>c) trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa estudas apenas obras</p><p>contemporâneas</p><p>d) trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a literatura</p><p>textualmente.</p><p>e) trata-se de uma corrente dos estudos literários que se preocupa em estudar a obra</p><p>literária segundo seu engajamento social.</p><p>2. (Enade 2011)</p><p>Para estudar a história literária brasileira, em vez de um critério político, deve-se adotar uma filosofia</p><p>estética compreendendo-a como um valor literário. Para tal, a periodização correspondente é de</p><p>natureza estilística, isto é, em lugar da divisão em períodos cronológicos ou políticos, a ordenação</p><p>por estilos.</p><p>(COUTINHO, A. (Org.) Literatura brasileira: (introdução). In:.</p><p>A literatura no Brasil: introdução geral. 6. ed. São Paulo: Global, 2003, v.1, p. 132).</p><p>Nas sequências, está destacado um trecho da obra História Concisa da Literatura Brasileira,</p><p>de Alfredo Bosi. Avalie se tanto o autor quanto o estilo literário indicados correspondem ao</p><p>que Bosi trata no respectivo trecho.</p><p>I. “Não se trata, aqui, de fechar os olhos aos evidentes defeitos de fatura que mancham</p><p>a prosa do romancista: repetições abusivas, incerteza na concepção de protagonistas,</p><p>uso convencional da linguagem...; trata-se de compreender o nexo de intenção e forma</p><p>que os seus romances lograram estabelecer quando atingiram o social médio pelo</p><p>psicológico médio (...)” Érico Veríssimo. Pré-Modernismo.</p><p>II. “Sempre se salva, no foro íntimo, a dignidade última dos protagonistas, e se redimem as</p><p>transações vis repondo de pé herói e heroína. Daí os enredos valerem como documento</p><p>apenas indireto de um estado de coisas, no caso, o tomar corpo de uma estética</p><p>burguesa e ‘realista’ das conveniências durante o Segundo Império” José de Alencar.</p><p>Romantismo.</p><p>III. “Teve mão de artista bastante leve para não se perder nos determinismos de raça ou</p><p>de sangue que presidiriam aos enredos e estofariam as digressões dos naturalistas de</p><p>estreita observância [...]” Adolfo Caminha. Naturalismo.</p><p>IV. “O seu equilíbrio não era o gotheano – dos fortes e dos felizes, destinados a compor hinos</p><p>de glória à natureza e ao tempo; mas o dos homens que, sensíveis à mesquinhez humana</p><p>e à sorte precária do indivíduo, aceitam por fim uma e outra como herança inalienável,</p><p>e fazem delas alimento de sua reflexão cotidiana” Machado de Assis. Realismo.</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>60</p><p>São corretas apenas as correspondências feitas em</p><p>a) I e II.</p><p>b) I e III.</p><p>c) II e IV.</p><p>d) I, III e IV.</p><p>e) II, III e IV.</p><p>3. (Enade 2011)</p><p>Texto I</p><p>[...] na leitura — e essa é a primeira reflexão que quero fazer — de qualquer obra literária, de qualquer</p><p>texto que tenha por base a intensificação de valores — daquilo que chamamos de uma ou outra</p><p>maneira aproximada de valores literários —, existe sempre, como dizia o grande crítico canadense</p><p>recentemente falecido, Northrop Frye, a necessidade de conhecimento de duas linguagens.</p><p>Segundo ele, na leitura de qualquer poema, “é preciso conhecer duas linguagens: a língua em que</p><p>o poeta está escrevendo e a linguagem da própria poesia”. [...] a literatura nunca é apenas literatura;</p><p>o que lemos como literatura é sempre mais — é História, Psicologia, Sociologia. Há sempre mais</p><p>que literatura na literatura. No entanto, esses elementos ou níveis de representação da realidade</p><p>são dados na literatura pela literatura, pela eficácia da linguagem literária.</p><p>(BARBOSA, J. A. Literatura nunca é apenas literatura. In: Seminário linguagem e linguagens: a fala,</p><p>a escrita, a imagem. Disponível em: Acesso em: 16 ago. 2011 (com adaptações).</p><p>Texto II</p><p>Fatores linguísticos, culturais, ideológicos, por exemplo, contribuem para modular a relação do leitor</p><p>com o texto, num arco extenso que pode ir desde a rejeição ou incompreensão mais absoluta até</p><p>a adesão incondicional. Também conta a familiaridade que o leitor tem com o gênero literário, que</p><p>igualmente pode regular o grau de exigência e de ingenuidade, de afastamento ou aproximação.</p><p>(BRASIL. MEC/SEB. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens,</p><p>códigos e suas tecnologias. Brasília, 2006, v.1, p. 68)</p><p>Considerando os textos acima, é correto afirmar que os professores</p><p>a) devem privilegiar, no Ensino Médio, o estudo de obras da literatura brasileira e portuguesa,</p><p>a fim de preparar os alunos para o ingresso profissional na universidade.</p><p>b) devem adotar, no Ensino Médio, metodologias que privilegiam a história da literatura,</p><p>porque elas incorporam contextos socioculturais que favorecem a compreensão da</p><p>linguagem literária.</p><p>c) devem privilegiar o estudo de obras que se ajustam às necessidades programáticas tanto</p><p>da Língua Portuguesa quanto das demais disciplinas da estrutura curricular, enfatizando a</p><p>função didático-pedagógica da literatura e de outros códigos e linguagens.</p><p>d) devem buscar a adequação de obras literárias a serem lidas, tomando como referência</p><p>a idade dos alunos, a motivação e, ainda, o conteúdo programático a ser ministrado,</p><p>favorecendo a interação entre língua e literatura.</p><p>e) devem adotar metodologias que privilegiam o contato direto com o texto literário e</p><p>61</p><p>reflexões acerca das relações que o texto estabelece com outras áreas do conhecimento e</p><p>com outros códigos e linguagens.</p><p>4. “O ‘conteúdo’ de um período literário é o sentido formado tanto por aquilo que o período</p><p>significa para acultura em que foi constituído [...] quanto por aquilo que ele significa para a</p><p>cultura que se apropria dele, gerando uma unidade de sentido para o que evoca, revisa e/</p><p>ou cria” (JOBIM, 2003, p. 127).</p><p>Assinale a alternativa consoante com a assertiva</p><p>acima.</p><p>a) O que o passado produziu de horizonte para o futuro precisa estar presente na reflexão</p><p>do historiador e do teórico.</p><p>b) O que o presente produziu de horizonte para si próprio precisa estar presente na reflexão</p><p>do historiador e do teórico.</p><p>c) O que o passado produziu de horizonte para si próprio precisa estar ausente na reflexão</p><p>do historiador e do teórico.</p><p>d) O que o passado produziu de horizonte para si próprio precisa estar presente na reflexão</p><p>do historiador e do teórico</p><p>e) O que o presente produziu de horizonte para o passado não precisa estar presente na</p><p>reflexão do historiador e do teórico.</p><p>5. “Até o século XVIII enquanto persistiu o prestígio da retórica e da poética, pode-se</p><p>dizer que a crítica consistia em apreciar a conformidade de um texto às regras do gênero</p><p>respectivo; no entanto, depois de abandonada a preceptística clássica constituída por</p><p>aquelas disciplinas antigas, pari passu com a revolução romântica nas letras, nas artes e</p><p>no pensamento, a crítica se torna pessoal e tendenciosamente arbitrária, quando muito</p><p>fixando como critério de valor noções vagas como autenticidade emocional ou verismo</p><p>figurativo, cuja presença nos textos literários lhes garantiria o mérito</p><p>(SOUZA, Roberto Acízelo de. História da literatura: Trajetória, fundamentos, problemas.</p><p>São Paulo: É Realizações, 2014, p. 57)</p><p>a) a crítica oitocentista ao ser pessoal e arbitrária fará uma seleção parcial do cânone em</p><p>que não leva necessariamente em conta o valor estético das obras, mas juízos de valores</p><p>pessoais, além de questões político-sociais daquele tempo.</p><p>b) a crítica impressionista, apesar de pessoal e arbitrária, conseguia manter a neutralidade</p><p>requerida a qualquer ciência, a fim de compor o cânone com imparcialidade.</p><p>c) os estudos historiográficos oitocentistas continuaram tomando por base os estudos de</p><p>retórica e poética, preocupando-se com como um texto seguia ou não as regras do gênero.</p><p>d) a historiografia oitocentista, apesar de influenciada pelo critica impressionista e pelo</p><p>biografismo, procurava seguir os preceitos das poéticas clássicas.</p><p>e) tanto a crítica impressionista quanto a biografista preocupavam-se com a personalidade</p><p>do autor, mas sem esquecer-se das questões formais do texto, seu principal interesse.</p><p>6. São corretas as assertivas:</p><p>I. a formação de um cânone depende de questões não apenas estéticas, mas subjetivas</p><p>e político sociais.</p><p>62</p><p>II. uma obra menor será sempre menor, nunca comporá o cânone.</p><p>III. O horizonte de expectativas do passado é importante para a compreensão da obra</p><p>literária.</p><p>IV. são excluídos do cânone apenas obras consideradas best sellers.</p><p>a) Apenas I.</p><p>b) I e IV.</p><p>c) II, III e IV.</p><p>d) II e IV.</p><p>e) I e III.</p><p>7. (UNICENTRO-2019 -adaptado)</p><p>O lançamento da obra Quarto de despejo, em 1960, fez de Carolina de Jesus o maior sucesso</p><p>editorial da história da literatura brasileira, com cerca de um milhão de cópias vendidas. A autora</p><p>deixou registrado o seguinte depoimento:</p><p>“Enquanto escrevo vou pensando que resido num castelo cor de ouro que reluz na luz do</p><p>sol. Que as janelas são de prata e as luzes de brilhantes. Que a minha vista circula no jardim e eu</p><p>contemplo as flores de todas as qualidades.”(1976).</p><p>Tendo em vista que a obra de Quarto de despejo não se encaixa exatamente no s</p><p>chamados períodos literários, como o depoimento da autora de Jesus atesta o que sobre a</p><p>obra:</p><p>a) seu estilo é romântico, com tendência a idealizar a realidade e a enxergar o mundo</p><p>numa ótica maniqueísta, tanto na literatura como na vida.</p><p>b) seu estilo é neossimbolista na literatura, mas tem uma tendência realista na relação com</p><p>a vida.</p><p>c) apesar de seu estilo ser realista e espelhar a realidade da vida na favela, a narradora desta</p><p>obra permite-se penetrar no mundo onírico com as digressões subjetivas.</p><p>d) a escritora vale-se do realismo, retratando a vida como ela é, inclusive com personagens</p><p>retirados do mundo real das favelas, permite-se sublimar tudo isso na vida real, vendo</p><p>assim o mundo idealizado em seu pensamento.</p><p>e) a narrativa segue os princípios do Realismo Fantástico, em que realidade e sonho se</p><p>sobrepõem confundindo o leitor.</p><p>8. Leia o trecho abaixo de Ferdinand Wolf, em O Brasil Literário, umas das primeiras</p><p>historiografias da Literatura Brasileira:</p><p>Macário e Noite na taverna, em prosa e que têm por heróis verdadeiras caricaturas meias Fausto,</p><p>meio Don Juan, delirando como loucos, e expondo aos olhos um cinismo aborrecido. Suas</p><p>expressões são a um tempo de uma sentimentalidade procurada e de uma rudeza de mau gosto,</p><p>a dicção é amaneirada. [...] são na verdade aberrações de espírito, sem maturidade, transviado por</p><p>leituras sem escolha e agitado por uma ambição enferma [...]</p><p>(WOLF, Ferdinand. O Brasil literário. São Paulo: Companhia Nacional, 1955, p. 317 [1863]).</p><p>Sobre o comentário de Wolf a respeito da prosa de Álvares de Azevedo é correto afirmar</p><p>que:</p><p>63</p><p>a) pautou-se nas pelas qualidades formais e estruturais das obras que demonstraram</p><p>serem “de uma rudeza e mau gosto”.</p><p>b) pautou-se não nas qualidades estéticas das obras, mas no juízo de gosto do historiador,</p><p>influenciado pela biografia do autor.</p><p>c) pautou-se no fato de sua obra em prosa demonstrar exacerbado nacionalismo, o que</p><p>não era bem visto à época.</p><p>d) pautou-se pelo fato de seus personagens serem caricaturas, o que esteticamente não</p><p>vai bem à uma obra literária digna do cânone.</p><p>e) pautou-se no fato de o drama Macário e os contos de Noite na taverna não seguirem os</p><p>preceitos da Poética de Aristóteles.</p><p>64</p><p>DE NOVO, A TEORIA:</p><p>CORRENTES</p><p>UNIDADE</p><p>06</p><p>65</p><p>No capítulo I falamos sobre estudos acerca do texto literário que antecederam o sur-</p><p>gimento da disciplina Teoria da Literatura, como as poéticas clássicas que estudamos nos</p><p>capítulos 3 e 4 ou como a historiografia que vimos no capítulo 5. Agora falaremos sobre</p><p>outros estudos, ou correntes teóricas, que interessam aos Estudos Literários, e por conse-</p><p>guinte, à Teoria da Literatura.</p><p>6.1 INTRODUÇÃO</p><p>Como vimos nas unidades 1 e 2 o Formalismo Russo surge ao início do século XIX, es-</p><p>pecificamente entre 1910 e 1930. Grosso modo, tratava-se de um grupo de estudiosos russos</p><p>– Viktor Chklosvski, Vladimir Propp, Romam Jakobson, Yuri Tynianov, Boris Eikhenbaum,</p><p>Roman Jakobson e Grigory Vinokur – que defendiam a materialidade do texto literário em</p><p>detrimento à mimeses. Por isso, abriam mão de abordagens de ordem sociológica, históri-</p><p>ca, política e filosófica como nos movimentos críticos do século anterior ou mesmo os do</p><p>século XX como a crítica marxista . Isso significa dizer que percebiam o texto literário como</p><p>uma obra de arte que singulariza a linguagem ao ultrapassar a mesmice do discurso co-</p><p>loquial. Sendo assim, apresentaria traços e formas que, como vimos, caracterizaria o texto</p><p>literário como literário, ao que chamaram de literariedade.</p><p>6.2 FORMALISMO RUSSO E ESTRUTURALISMO</p><p>Os formalistas russos são responsáveis por uma renova-</p><p>ção da metalinguagem crítica, fornecendo novos termos</p><p>de análise do texto literário, discutíveis individualmente,</p><p>sem dúvida, mas que constituem ainda hoje objecto de</p><p>reflexão e discussão, o que prova a sua importância. Mui-</p><p>tos dos temas teóricos escolhidos para investigação nun-</p><p>ca antes haviam sido discutidos [...] (CEIA, 2009).</p><p>O movimento nasce ligado a duas áreas de estudos que podemos dizer serem cir-</p><p>cunvizinhas, a linguística e a poética procurando estabelecer um ponto de equilíbrio en-</p><p>tre as duas áreas. Tendo como um de seus principais expoentes o morfologista russo V.</p><p>Chklosvski (porque seus estudos tornaram-se basilares para a Teoria, assim como os de</p><p>Jakobson para a Linguística ou de Propp para os estudos do maravilhoso e do fantástico),</p><p>nos interessa aqui comentar suas ideias sobre os procedimentos linguísticos formais que</p><p>levam a construção do texto literário tal qual objeto artístico. Em “A arte como procedi-</p><p>mento”, Chklosvski defende a tese de que a linguagem literária seria um desvio de nossa</p><p>linguagem cotidiana. Por não abordar</p><p>o cotidiano, a arte literária não pode partir de sim-</p><p>ples imagens do real que mimetiza. Daí sua contundente crítica ao teórico Potebnia para</p><p>quem a arte, especialmente a poesia, seria uma maneira de permitir ao homem “pensar</p><p>por imagens” (CHKLOVSKI, 1978, p. 39).</p><p>É evidente que a arte literária, ao fazer uso da conotação, isto é, do sentido figurado</p><p>das palavras, produz uma série de imagens que permitem ao leitor, quando confrontado</p><p>com o texto literários, recompor o quadro ficcional construído pelo autor.</p><p>No entanto, Chklosvski defende que a imagens não deveriam ser construídas como</p><p>forma de facilitação do conhecimento e entendimento, como no caso das parábolas bíbli-</p><p>cas, não como uma forma de singularização da linguagem, que desautomatize o processo</p><p>de leitura e produza um efeito de estranhamento no leitor quando confrontado com a</p><p>66</p><p>singularidade. É o caso que observamos, por exemplo, no realismo mágico de Jorge Luís</p><p>Borges e Gabriel Garcia Marques ou nos romances de Saramago.</p><p>Estranhamento é efeito estético que uma determinada obra literária causa ao leitor na me-</p><p>dida que o distancia da linguagem coloquial e corriqueira e permite-lhe ver o mundo por</p><p>um prisma singular que só lhe é possibilitado pela obra literária, na medida que o desafia ao</p><p>propor-lhe a revisão de seu conhecimento de mundo.</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>A partir da argumentação de V. Choklovist que vê a imagem poética como aquela que pre-</p><p>tende promover um desautomatização da percepção do leitor durante o processo de leitura,</p><p>provocando o que chama de estranhamento, pense nos textos literários que já leu em como, e</p><p>em que medida, estes procuram causar um estranhamento através, seja do uso de imagens</p><p>poéticas como metáforas, metonímias e outras figuras de linguagem, seja por quebrar a ex-</p><p>pectativa lógica da narrativa. Por exemplo, quando lemos em Camões que que o amor “é um</p><p>contentamento descontente, / é dor que desatina sem doer”, o paradoxo instaurado nos causa</p><p>estranhamento, assim como ler as memórias de um defunto narradas por ele mesmo como</p><p>ocorre nas Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.</p><p>VAMOS PENSAR?</p><p>O estruturalismo, por seu turno, é uma corrente de pensamento que ultrapassa os</p><p>estudos literários, estando presente na filosofia, na antropologia, a psicologia. A corrente,</p><p>principalmente, na literatura, parte da linguística saussuriana. Grosso modo, propõe aplicar</p><p>os princípios formulados por Saussure, em especial, os de langue e parole ao estudo do</p><p>texto literário:</p><p>[...] qualquer obra literária deve ser entendida como uma</p><p>parole, isto é, como o uso individual da langue, que é</p><p>aquele sistema impessoal constituído pelo conjunto de</p><p>todos os usos que antecederam a apropriação específica</p><p>desse sistema por um dado autor num determinado mo-</p><p>mento. Assim como o usuário da língua se apropria de</p><p>estruturas que antecedem a sua fala, o romancista lança</p><p>mão de unidades narrativas pré-existentes a seu roman-</p><p>ce. (TEXEIRA, 1998, p. 35).</p><p>Assim, enquanto os estudos anteriores se preocupavam com elementos extratextu-</p><p>ais, como a crítica impressionista, o biografismo e a historiografia, a crítica estrutural pre-</p><p>ocupar-se-á, como o nome já denuncia, com a estrutura dos textos literários. Isso porque,</p><p>para a crítica estrutural “a obra literária é vista, neste caso, antes como uma construção ver-</p><p>bal que a representação de uma realidade” (TODOROV, 1971, p. 12). Afinal, se a literatura é a</p><p>arte da palavra, nada mais lógico do que o estudo de como essas se combinam de forma</p><p>a formar uma estrutura que é o própria do texto literário, ou como ratifica Todorov “a letra</p><p>e o signo verbal serão consideradas por todos nós como a base de toda a literatura”, posto</p><p>que o “conhecimento da literatura e o conhecimento da linguagem são simultâneos” (TO-</p><p>DOROV, 1971, p. 22), o que implicaria, portanto, que somente seja possível falar-se em um</p><p>67</p><p>“discurso literário na medida em que possamos falar do verbo em geral, e inversamente”</p><p>(TODOROV, 1971, p. 22).</p><p>Não interessava, no entanto, ao crítico estudar as singularidades de uma única e</p><p>específica obra literária, mas a criação de uma poética que explicitasse a estrutura e o fun-</p><p>cionamento do discurso literário, como uma espécie de gramática descritiva do literário.</p><p>Como postula Roland Barthes, em Introdução à Análise estrutural da narrativa, bastava o</p><p>conhecimento de algumas obras literárias para observar as regras gerais que regeriam as</p><p>demais, assim como faz o antropólogo ao observar alguns membros de uma comunidade</p><p>para descrevê-la.</p><p>A poética estrutural, ao não considerar valores extrínsecos à obra literária, como a</p><p>vida do autor ou o contexto histórico-social no qual a obra talvez se insira, e cuidar exclusi-</p><p>vamente da estrutura das obras, isto é, de sua construção verbal, não soluciona o problema</p><p>surgente lá em Kant ainda no século, isto é, o “valor artístico, pois a caracterização do dis-</p><p>curso literário ou a descrição estrutural de uma obra não explicam a razão de sua beleza”</p><p>(TEIXEIRA, 1998, p. 37). Cumpre ressaltar, no entanto, que a despeito das muitas críticas que</p><p>recebera o estruturalismo ao longo dos anos, é fato incontestável que tal corrente nos le-</p><p>gou preceitos, conceitos e postulados se “incorporaram definitivamente no próprio modo</p><p>de ser do pensamento contemporâneo” (TEXEIRA, 1998, p. 34), a exemplo dos pontos de</p><p>vista narrativos e da ordem temporal narrativa.</p><p>Como os próprios nomes já denunciam, as correntes teóricas do New Cristicism e do</p><p>New historicismo, indicam o surgimento de uma nova crítica e de uma nova história literá-</p><p>ria.</p><p>O primeiro, assim como o Formalismo Russo e o Estruturalismo, constitui-se em uma</p><p>corrente literária avessa ao historicismo e ao biografismo que marcaram os estudos lite-</p><p>rários no século anterior, bem como os diálogos com o universo extratextual que ocorreu</p><p>entre décadas de 1940 e 1950, mais propriamente entre o universo anglófono. Teve entre</p><p>seus Assim como postulava o estruturalismo, o New Cristicism defendia o close reading,</p><p>isto é, a abordagens na análise literária dos elementos estruturais do texto literário.</p><p>6.3 NEW CRISTICISM E NEW HISTORICISM</p><p>Contrariando noções consagradas do século XIX, Eliot re-</p><p>cusou a ideia de poesia como expressão da personalida-</p><p>de do poeta, concebendo-a como resultado consciente</p><p>do trabalho do espirito, que organiza a experiência da</p><p>personalidade. Em vez de entender o poema como con-</p><p>sequências como consequências de sentimentos pesso-</p><p>ais, Eliot passou a encará-los como forma de apropriação</p><p>pessoal da tradição literária, em que a visão individual das</p><p>coisas deve, essencialmente, se transformar em sabedo-</p><p>ria técnica (TEXEIRA, 1998, p. 34).</p><p>Com isso em mente, a nova crítica, a partir dos ensaios “Intentional fallacy” “Affecti-</p><p>ve fallacy”, de William K. Wimsatt e Monroe Beardsley, se orientará pelas noções por eles</p><p>cunhadas homônimas aos títulos do ensaio – em português falácia intencional e falácia</p><p>afetiva ou emotiva –, no sentido de rechaçar a ideia (falaciosa como denuncia o adjetivo</p><p>fallacy) de que, na análise do texto literário, seja necessário recuperar as intenções do autor</p><p>ou de que o estudioso deve-se preocupar-se com as emoções provocadas pelo texto literá-</p><p>68</p><p>rio, pois estes seriam aspectos que não caberiam à crítica literária, mas à historiografia no</p><p>primeiro caso e à psicologia no segundo.</p><p>O segundo, como o nome nos denuncia significa um retorno aos estudos historio-</p><p>gráficos, formulando uma nova história. Assim como o New cristisism surge nos Estados</p><p>Unidos da América, mas como uma oposição ao estruturalismo e ao próprio nem cristi-</p><p>cism, através dos estudos de Stephen Greenblat.</p><p>Greenblat, a partir dos estudos de Michel Foucaut e de Jacques Derrida, ambos tam-</p><p>bém críticos ao pensamento estruturalista, entenderá a literatura como uma estrutura que</p><p>nos permite “ler o espírito de uma época” (TEXEIRA, 1998, p. 32). Desse modo, seria impos-</p><p>sível o seu estudo sem diálogo “com a historicidade do texto e a textualidade</p><p>RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO ....................................................................................................................77</p><p>REFERÊNCIAS....................................................................................................................................................................................78</p><p>DE NOVO, A TEORIA: CONCORRENTES</p><p>6</p><p>UNIDADE 1</p><p>Na unidade I, falaremos sobre o que é a Teoria da Literatura, sua origem, trajetória</p><p>e fundamentos. Antes distinguiremos senso comum de conceito e juízo de valor,</p><p>cuja compreensão é essencial para a disciplina.</p><p>UNIDADE 2</p><p>Na unidade II, abordaremos uma questão que é bastante complexa para os Estudos</p><p>Literários e, por conseguinte, para a Teoria da Literatura, a saber, a definição de seu</p><p>objeto, a Literatura: O que é Literatura?</p><p>UNIDADE 3</p><p>Na Unidade III, discorreremos sobre os conceitos de mimeses e verossimilhança</p><p>- conceitos essenciais para a Teoria da Literatura e para os Estudos Literários -, a</p><p>partir da República, de Platão e do mito da caverna.</p><p>UNIDADE 4</p><p>Na Unidade IV, consideraremos a visão de Aristóteles, e de outros autores, a respeito</p><p>dos conceitos de mimeses e de verossimilhança. Falaremos também sobre os</p><p>conceitos de peripécia e catarse, conceitos também imprescindíveis.</p><p>UNIDADE 5</p><p>Na unidade V, adentraremos o terreno da historiografia literária, ao falarmos sobre</p><p>a periodização da literatura, sobre a formação das escolas literárias e sobre as</p><p>escolhas que possibilitam a formação de um cânone literário.</p><p>UNIDADE 6</p><p>Na unidade VI, fechamos o ciclo desta disciplina, ao retornar à abordagem histórica</p><p>dessa iniciada na Unidade 01, a fim de comentar as principais correntes teóricas da</p><p>Teoria da Literatura.</p><p>C</p><p>O</p><p>N</p><p>FI</p><p>R</p><p>A</p><p>N</p><p>O</p><p>L</p><p>IV</p><p>R</p><p>O</p><p>7</p><p>O QUE É TEORIA? UNIDADE</p><p>01</p><p>8</p><p>1.1 INTRODUÇÃO</p><p>Roberto Acízelo de Souza (2018)inicia o seu manual de Teoria da Literatura com um</p><p>capítulo cujo título, per si, já nos conduz à reflexão: “Sem uma Teoria, a Literatura é o óbvio”.</p><p>A palavra teoria, obviamente nos remete à algumas conhecidas teorias como a teoria do</p><p>big bang, a teoria da evolução, a teoria das cordas, entre outras.</p><p>De fato, desde o século XIX, com o racionalismo, o positivismo e o avanço das ciên-</p><p>cias, fomentar teorias (e, por conseguinte, comprová-las), tornou-se de extrema importân-</p><p>cia para as mais diversas áreas do conhecimento, inclusive as humanas, como é o caso da</p><p>Literatura. Mas o que vem a ser uma teoria? O que seria a Teoria da Literatura? E, por que</p><p>sem ela, a Literatura se torna óbvia? É o que veremos nesta Unidade.</p><p>Vamos lá?</p><p>1.2 DO SENSO COMUM AO CONCEITO</p><p>Antes de falarmos propriamente sobre a Teoria, é imprescindível que distingamos</p><p>senso comum de conceito. E, para falarmos de senso comum, convém, a priori, desmem-</p><p>brarmos a expressão: a palavra senso, diz respeito à faculdade de julgar, de sentir, de apre-</p><p>ciar; juízo, entendimento, percepção, sentido; já o termo comum nos remete a algo habitu-</p><p>al ou partilhado entre várias pessoas de uma comunidade, enfim, algo que não é dotado</p><p>de uma especificidade que o singularize.</p><p>O sentido de senso comum é descrito desde a Roma antiga como uma sorte de</p><p>convicções tidas como verdadeiras pela sociedade, apresentando-se como um juízo par-</p><p>tilhado por todos sobre a vida cotidiana e desprovido de questionamentos ou reflexões a</p><p>respeito deste entendimento ou percepção. Grosso modo, portanto, poderíamos dizer que</p><p>o senso comum é um conhecimento compartilhado por indivíduos de uma dada socieda-</p><p>de.</p><p>O filósofo Hans-Georg Gadamer (2000) aduz que o presente não é uma coleção fixa</p><p>de opiniões, sendo moldado pelo passado para construção do senso comum presente em</p><p>uma dada sociedade que, obviamente, tende a modificar-se no futuro. Para ele, os conhe-</p><p>cimentos, os valores e as visões estão situados dentro de tradições comuns, enraizados co-</p><p>munitariamente, das quais induzimos nossa produção de ideias e pensamentos, ou seja, o</p><p>senso comum nos direciona a uma dinâmica entre convicções concebidas e herdadas pela</p><p>sociedade através do tempo e a um presente ininterruptamente formado em que analisa-</p><p>mos e criticamos o conhecimento humano.</p><p>Antes dele, o filósofo Immanuel Kant (2016) já havia discorrido sobre a questão. Ele</p><p>cria também que senso comum era algo compartilhado por todos nós, mas entendia o ad-</p><p>jetivo comum como sinônimo de vulgar. O termo em sua etimologia seria aquilo que per-</p><p>tence ao vulgo, isto é, à plebe ou povo, portanto, sem distinção ou nobreza. Desse modo,</p><p>ele compreendia o senso comum como um poder de julgar que levaria em conta não ape-</p><p>nas a nossa própria impressão, mas as de outros sobre o mesmo objeto ou assunto. Ade-</p><p>mais, para o filosofo a faculdade de julgar estaria relacionada sobremaneira a capacidade</p><p>de pensar “o particular contido no universal” Assim, a capacidade de julgar, segundo Kant,</p><p>sempre dependerá de uma antinomia entre um gosto que “não se funda em conceitos”,</p><p>racional, e outro “se funda em conceitos”, sensitivo (KANT, 2016, p. 339).</p><p>9</p><p>Figura 1: Immanuel Kant</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3wVnGK6. Acesso em: 09 abr. 2021.</p><p>De fato, o senso comum é aquilo que nos permite apreender o real através de um</p><p>conhecimento historicamente compartilhado, mas quando começamos a refletir sobre o</p><p>real (ou parte dele), como o surgimento do universo, ou o início da vida, por exemplo, co-</p><p>meçamos formular ideias, isto é, teorias e conceitos que validem ou modifiquem nosso</p><p>conhecimento de mundo.</p><p>Portanto, é a reflexão sobre um objeto que nos permite formular teorias sobre ele e,</p><p>por conseguinte, engendrar conceitos a seu respeito. Dentro desse contexto, o conceito</p><p>aparece como resultado de um esforço que produz ideias, valores e conhecimentos par-</p><p>tindo de uma perspectiva formal, objetiva, institucionalizada e metódica, resultado de um</p><p>trabalho que deriva em um aprendizado que, no que lhe concerne, advém de uma obser-</p><p>vação analítica sobre o real, para além do que o senso comum oferece, que questiona e</p><p>problematiza as ideias concebidas usualmente pelo senso comum. Logo, podemos afir-</p><p>mar que o conceito é um modo de retorno ao que nos é apresentado, ao que está diante</p><p>de nós e nos provoca a assimilá-lo.</p><p>Com isso, entendemos que senso comum e conceito são termos que, utilizados em</p><p>determinados momentos, podem expressar uma objeção entre ideias adquiridas acritica-</p><p>mente e ideias que são resultado de um pensamento crítico. Entretanto, quando refleti-</p><p>mos analítica e criticamente sobre a expressão senso comum, também podemos evoluir</p><p>para um conceito de senso comum. Da mesma maneira, o senso comum pode ser confir-</p><p>mado pelo conceito ou até servir de base primária para a produção do conceito.</p><p>Sobre a relação entre o senso comum e os conceitos gerados pela teoria é pertinente</p><p>trazer a lume o que afirmou Compagnon (1999, p. 17-18)a respeito:</p><p>Para saber mais sobre Kant (2018) e, especialmente, sobre suas ideias acerca do</p><p>senso comum e juízo de gosto, consulte o livro “Crítica da faculdade de julgar”,</p><p>disponível em: https://bit.ly/3qoTqoD. Acesso em: 09 abr. 2021.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>Os paradigmas não morrem nunca, juntam-se uns aos</p><p>outros, coexistem mais ou menos pacificamente e jo-</p><p>gam indefinidamente com as noções – noções que per-</p><p>tencem à linguagem popular [...]. É sempre pertinente</p><p>parir das noções populares que a teoria quis anular, as</p><p>mesmas que voltaram quando a teoria se enfraqueceu,</p><p>a fim de não só de rever as respostas opositivas que ela</p><p>https://bit.ly/3wVnGK6</p><p>https://bit.ly/3qoTqoD</p><p>10</p><p>Se teorizar é uma maneira de pensar e refletir sobre um objeto de forma a gerar conceitos so-</p><p>bre ele, a Teria da Literatura, assim como as outras disciplinas que se ocupam do fazer literá-</p><p>rio, implica em uma forma de pensar a produção literária. Há, no entanto, duas maneiras nas</p><p>quais podemos pensar sobre um objeto; uma de forma prescritiva e normativa; e outra de des-</p><p>critiva e reflexiva. Pense agora nas práticas literárias que conhece e pense em que situações</p><p>o crítico</p><p>da história”</p><p>(TEXEIRA, 1998, p. 32).</p><p>No entanto, sua proposta de retorno ao estudo do literário que considere os contex-</p><p>tos históricos de composição e circulação pretende se colocar como um meio termo entre</p><p>o que eram os estudos historiográficos oitocentista, a crítica marxista e os estudos estrutu-</p><p>ralistas. Assim, a obra literária não é nem reflexo do contexto histórico social como preco-</p><p>nizava o velho historicismo, nem pretexto para a leitura politizada da obra como postulava</p><p>a crítica marxista e muito menos um conjunto de estruturas linguísticas sem função social</p><p>como queriam os estruturalistas.</p><p>“A primeira grande diferença entre o historicismo tradicional consiste na incorpora-</p><p>ção da ideia de história com discurso: a história não é fato, mas registro dele. [...] Para que o</p><p>fato se converta em histórica é preciso primeiro assumir a condição de discurso” (TEXEIRA,</p><p>1998, p. 33) e esse discurso também é refletido no literário. Por isso, o estudo da obra lite-</p><p>rária, bem como de outras manifestações culturais ajudariam na recomposição da episte-</p><p>me de uma época, isto é, na maneira como os diversos discursos se articularam a fim de</p><p>promover “uma visão crítica da história” (TEXEIRA, 1998, p. 34). Mas isso só seria possível se</p><p>o historiador ou crítico mantiver algum distanciamento para evitar a emissão de juízos de</p><p>valor contaminados pelo seu tempo.</p><p>Como vimos os estudos literários do século XIX, em especial a historiografia, deram</p><p>demasiada ênfase aos elementos autor e contexto. Já no século XX, a estilística, o formalis-</p><p>mo, o estruturalismo e o new critcism tornaram a arte literária autônoma, quase a deixan-</p><p>do órfão ao decretar a chamada “morte do autor” e ao supervalorizar a materialidade do</p><p>texto.</p><p>No ensaio “O que é um autor”, Foucault (1992), comenta que a autoria, que para nó</p><p>hoje é algo tão óbvio, não era no passado. Na Antiguidade, o anonimato não constituía ne-</p><p>nhum problema e os textos circulavam sem precisão exata acerca de sua autoria. Segundo</p><p>ele, a autoria dos textos só passaram a ter importância quando os discursos, orais ou es-</p><p>critos, tornaram-se transgressões passíveis de punições. Eram preciso saber quem disse o</p><p>que, onde e quando.</p><p>Se a noção de autoria nasce em tempos relativamente recentes, essa pouco dura,</p><p>pois logo o autor perde o seu prestígio (ao menos no que tange à literatura). É o que procu-</p><p>ra defender Roland Barthes (1977) no ensaio “A morte do autor”. Para o ensaísta de orien-</p><p>tação estruturalista, o autor não deve ter a importância que os séculos XVIII e XIX lhe con-</p><p>cederam, haja vista ser somenos um sujeito social e historicamente constituído, que ao</p><p>escrever torna-se um produto deste.</p><p>6.4 TEORIA DO EFEITO ESTÉTICO E TEORIA DA INTERPRETAÇÃO</p><p>69</p><p>Ainda, Barthes questiona a visão romântica do autor como um gênio criador. Para</p><p>ele o escritor será sempre o imitador de um gesto ou de uma palavra anteriores a ele, pois</p><p>o ato de produção de discursos é sempre um ato dialógico, isto é, um ato que pressupõe</p><p>um movimento de retomada a outros textos, a outros discursos. Sendo assim, as intenções</p><p>do autor, sua biografia ou mesmo o contexto em que viveu e produziu deixam de ter im-</p><p>portância para a interpretação da obra literária. Uma vez publicado, o livro passaria a ser</p><p>livre, aguardando que o leitor lhe imputasse os sentidos cabíveis. Noutras palavras, morre</p><p>o autor e nasce o leitor.</p><p>Inseridos, portanto, nesse contexto de valorização da leitura e da livre interpretação,</p><p>muitas teorias foram então articuladas visando às questões receptivas da obra literária, tais</p><p>como a estética da recepção de Hans Rober Jauss (1994) e a teoria do efeito estético de</p><p>Wolfgang Iser (1996). Estudos que ao se voltarem para o receptor da obra literária, colocam</p><p>a seu cargo o papel fundamental da (re)construção do sentido do texto, mas sem incorrer</p><p>nas tentativas de recuperar as “intenções do autor”. Entretanto, cumpre ressaltar que:</p><p>[...] as posições de Jauss e Iser não são, nem nunca foram,</p><p>totalmente homólogas, [apesar de dialógicas]. Ao passo</p><p>que Jauss está interessado na recepção da obra, na ma-</p><p>neira como ela é (ou deveria ser) recebida, Iser concen-</p><p>tra-se no efeito (Wirkung) que causa, o que vale dizer,</p><p>na ponte que se estabelece entre um texto possuidor de</p><p>tais propriedades — o texto literário, com sua ênfase nos</p><p>vazios, dotado pois de um horizonte aberto — e o leitor”</p><p>(LIMA, 1979, p. 25).</p><p>Isso significa dizer que para Jauss importa como a obra é recebida pelo público leitor</p><p>e como o repertório de expectativas, ou seja, o conhecimento de mundo e leituras ante-</p><p>riores, desse público influi nesta recepção e na reconstrução dos sentidos do texto. Já para</p><p>Iser importa quais os efeitos (no sentido propriamente aristotélico) a obra literária inflige</p><p>no leitor quando desta reconstrução.</p><p>Outro autor cujo o pensamento se coaduna ao de Jauss e Iser, é do francês Jean-Paul</p><p>Sartre, para quem o leitor será sempre coautor do texto que lê. O texto, sem o movimento</p><p>de leitura de um leitor real, não passaria de rabiscos num papel, pois “ler implica prever,</p><p>esperar, prever o fim da frase, a frase seguinte, a outra página [...]” (SARTRE,1989, p. 35), num</p><p>processo contínuo de coprodução autor-leitor.</p><p>Uma das premissas teóricas de Iser reafirma esse aspecto fenomenológico da leitu-</p><p>ra, com o conceito de “leitor implícito”, leitor que só existe na medida em que o texto deter-</p><p>mina a sua existência através das estruturas imanentes. Apesar de não ter existência real,</p><p>pressupõe uma leitura real:</p><p>As perspectivas do texto visam certamente a um ponto</p><p>comum de referências e assumem assim o caráter de ins-</p><p>truções; o ponto comum de referências, no entanto, não</p><p>é dado enquanto tal e deve por isso ser imaginado. É nes-</p><p>se ponto que o papel do leitor, delineado na estrutura do</p><p>texto, ganha seu caráter efetivo [...]. O sentido do texto é</p><p>apenas imaginável, pois ele não é dado explicitamente [...]</p><p>(ISER, 1996, p. 75).</p><p>70</p><p>Assim como Sartre, Iser admite a participação do leitor na (re)construção do sentido</p><p>da obra através da leitura, mas como ato estruturado dentro do texto. Uma perspectiva pa-</p><p>recida a que surge posteriormente na obra do semiologista italiano Umberto Eco, a partir</p><p>de sua obra Obra Aberta (1961) e que se desenvolve em textos posteriores. A Obra citada</p><p>tratava-se de um estudo de estética que tocava nas questões receptivas e interpretativas</p><p>de uma obra literária e que entende que o texto literário também depende das interven-</p><p>ções do leitor. O ensaio aborda, portanto, a dialética entre a problemática da liberdade de</p><p>interpretação, a que Eco chamaria e superinterpretação, e a extrema fidelidade ao texto tal</p><p>qual queria formalismo russo, o estruturalismo e o New Cristicism desejavam. A propósito</p><p>disso, é válido citarmos o comentário de Sandra Cavicchioli que prefaciou a obra:</p><p>Esta dialética se manifestou na combinação da tradição</p><p>do estruturalismo e do pragmatismo de Peirce, com o</p><p>objetivo de não fechar demais o texto sobre si mesmo e</p><p>ao mesmo tempo não o abrir ilimitadamente a cada tipo</p><p>de instância interpretativa. (ECO, 1995, p. 184, traduzido</p><p>pela autora)</p><p>Para Eco, portanto, todo texto literário é uma “máquina pobre” (ECO, 1994, p. 3 – tra-</p><p>duzido pela Autora) que sobrevive da valorização do sentido que o leitor pode (e deve) ali</p><p>introduzir, contando sempre, portanto, com o conhecimento de mundo seus leitores para</p><p>atualizá-lo. Por ser “pobre”, toda narrativa é muito lacunar, como já defendia o alemão Iser,</p><p>e, quanto mais lacunas apresentar, maiores serão os riscos de interpretações absurdas,</p><p>como parece ocorrer em romances de cunho psicológico. Por exemplo, seria como ler Per-</p><p>to do coração selvagem, de Clarice Lispector adequando-o única e exclusivamente aos</p><p>seus ideais políticos, sociais ou psicológicos, como se o romance falasse não para o leitor ,</p><p>mas sobre o leitor. Ou, ainda, ler O processo, de Kafka, como um romance policial; o que</p><p>apesar de viável, textualmente não surtiria os mesmos</p><p>efeitos do que lê-lo como uma nar-</p><p>rativa fantástica, do absurdo.</p><p>Outro exemplo desse movimento de participação do leitor na (re)construção do</p><p>texto, são as narrativas vanguardistas, que, ao diferentemente das reais-naturalistas, não</p><p>procuram identificar e instruir seu leitor, mas são construídas de modo a frustrá-lo e sur-</p><p>preendê-lo, causando um estranhamento ainda maior do que o de outros textos literários,</p><p>exigindo do leitor um trabalho maior no processo interpretativo. Preencher tais lacunas, ou</p><p>“vazios”, se usarmos o termo de Iser, portanto, não significa construir outro texto diverso do</p><p>inicial, mas aceitar o jogo de reconstrução de sentidos proposto. Entretanto, tal afirmação</p><p>reitera o pressuposto de que o texto precisa de um leitor para concretizá-lo.</p><p>Nesse sentido, o leitor é condição indispensável para a capacidade concreta da co-</p><p>municação do texto e da sua potencialidade criativa:</p><p>Em um texto narrativo, o leitor é forçado a cada momen-</p><p>to a fazer uma escolha. Além, esta obrigação de escolha</p><p>se manifesta através do nível de qualquer enunciado,</p><p>pelo menos a cada ocorrência de um verbo transitivo.</p><p>Enquanto o falante está prestes a terminar a frase, nós,</p><p>mesmo que inconscientemente, fazemos uma aposta,</p><p>antecipamos a sua escolha, ou nos sentimos angustiados</p><p>em querer saber qual escolha ele fará (ECO, 1994, p. 7, tra-</p><p>duzido pela Autora).</p><p>71</p><p>O leitor empírico por ser um leitor real, de carne e osso como todos nós, ao contrário</p><p>do leitor que Eco chama por modelo, não é compromissado com o texto, e por isso nele</p><p>imprime os mais diversos sentidos segundo o seu desejo, às vezes, sentidos não necessa-</p><p>riamente vinculados ao texto. O leitor modelo (ou ideal em termos formalistas), por seu</p><p>turno, não é um leitor real; é na verdade uma criação do próprio texto, um efeito de suas</p><p>estruturas narrativas.</p><p>Para Eco, trata-se, portanto, de “un lettore-tipo che il testo non solo prevede come</p><p>collaboradore, ma anche cerca di creare” (ECO, 1994, p. 11). Em outras palavras, o leitor mo-</p><p>delo seria aquele que se questiona sobre como o texto precisa ser lido e busca a resposta</p><p>ao seguir as pistas que o próprio texto, na figura do que Eco chama de autor modelo, isto</p><p>é, as estratégias narrativas e as marcas próprias do gênero. É possível que esse leitor faça</p><p>conexões extratextuais, mas jamais sem calçar-se no textual e cotextual, sob o risco de in-</p><p>correr em uma superinterpretação, isto é, em afirmar algo que o texto não diz.</p><p>Uma proposta de leitor que em muito se assemelha ao leitor implícito proposto por</p><p>Wolfgang Iser. Mas no caso do teórico alemão, mesmo que entenda tal leitura implícita</p><p>como parte da estrutura narrativa imanente ao texto, admite, assim como Sartre, a ocor-</p><p>rência de uma leitura real que se dá como ato estruturado fora do texto. Grosso modo,</p><p>para o alemão , o leitor é aquele que condiciona o texto imputando-lhe sentido; para ita-</p><p>liano, no entanto, o texto, melhor dizendo, suas estratégias narrativas, condicionam o leitor</p><p>na recuperação dos sentidos possíveis. Com isso, é possível entendermos que toda leitura</p><p>é empírica, no sentido proposto por Iser, e a leitura modelo, conforme proposta por Eco,</p><p>como uma idealização teórica que precisa ser buscada não pelo leitor comum, mas pelo</p><p>estudioso do texto literário.</p><p>Há um trecho da Bíblia, em Eclesiastes 12:12 em que o Rei Salomão afirma: “[...]” de se</p><p>fazerem muitos livros não há fim [..]” (A BÍBLIA, 2013). Ora, você deve estar perguntando-se:</p><p>Por que trazer um versículo bíblico para cá? A afirmativa do autor do livro bíblico é verídica,</p><p>desde o advento da escrita, nas mais diversas culturas, a produção de livros tornou-se bas-</p><p>tante profícua, tendo intensificado com a imprensa e agora, com a internet e os e-books,</p><p>ainda mais.</p><p>Quanto mais se produz literatura, mais inovações percebe-se nos novos textos lite-</p><p>rários surgentes. Afinal, aqueles que permanecerão para a posteridade serão sobretudo</p><p>aqueles que ao invés de fazer mais do mesmo, produzem a diferença, ou nas palavras de</p><p>Chklovcki, a singularização que propicia o estranhamento tão necessário à arte.</p><p>Com tantos livros, dos mais diversos gêneros , surgem, a fim de dar conta destes as</p><p>mais diversas teorias e correntes teóricas para estudá-los. Tomemos por exemplo o gênero</p><p>fantástico. Desde o seu nascedouro no século XVIII e XIX, muitos foram os estudiosos que</p><p>se dedicaram a estudar o gênero e formularam as mais diversas teorias, algumas conver-</p><p>gentes, outras divergentes .</p><p>Impossível contemplar todas as correntes teóricas nesta disciplina, abordamos so-</p><p>mente as principais que configura a base para as demais. Cabe ao estudioso de literatura</p><p>estar em constante renovação do conhecimento, buscando (e formulando) novas teorias</p><p>que deem conta da produção literária da antiguidade a contemporaneidade.</p><p>6.5 “DE SE FAZER MUITOS LIVROS NÃO HÁ FIM” OU DAS MUITAS</p><p>TEORIAS</p><p>72</p><p>Para saber mais sobre as diversas correntes teóricas para a investigação do dis-</p><p>curso literário, consulte o livro da professora e pesquisadora Maria Antonieta</p><p>Jordão de Oliveira Borba, “Tópicos de teoria: para a investigação do discurso</p><p>literário”. No título, a autora fala sobre as principais correntes críticas e aborda</p><p>em detalhes as contribuições da linguística e da psicanálise para a teoria da</p><p>literatura e as teorias do efeito estético da interpretação.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>Para saber mais sobre as correntes teóricas que aqui comentamos e outras mais, veja o arti-</p><p>go “As novas correntes da crítica Literária” de Luiz Carlos Moreira da Rocha e Carlos César de</p><p>Carvalho Marques disponível em: https://bit.ly/3i6A1Gq. Acesso em: 29 jun. 2021.</p><p>Estranhamento: Conceito cunhado pelo formalista russo V. Chokovski que preconiza que o</p><p>texto literário deve produzir imagens poéticas que provoquem um efeito de desautomatiza-</p><p>ção ou desfamiliarização em relação à linguagem cotidiana.</p><p>Leitor implícito: Conceito de leitor/leitura cunhado pelos estruturalistas. Trata-se do leitor que</p><p>seria engendrado pelas estruturas narrativas do texto.</p><p>Leitor ideal: Trata-se de um leitor que, assim como o leitor implícito, leria a texto seguindo as</p><p>pistas que as estruturas narrativas lhe deixam, isto é, aquele cuja leitura cola à do leitor implí-</p><p>cito do texto.</p><p>Leitor empírico: Trata-se do leitor real, de carne e osso, aquele a que efetivamente lê ou lerá a</p><p>obra literária.</p><p>Episteme: Conceito grego reformulado mais tarde por Michel Foucault. Para o filósofo a epis-</p><p>teme é o conjunto de discursos promovidos pelo as diversas manifestações sociais e culturais</p><p>de uma determinada época que permitiriam recompor a história de um povo.</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>https://bit.ly/3i6A1Gq</p><p>73</p><p>1. (CESPE / CEBRASPE - 2018 - IFF - Professor - Letras/Espanhol)</p><p>O séc. XX instaura um corte na episteme do século que o antecede ao modificar radicalmente</p><p>o rumo dos estudos literários. Em vez da concepção de literatura como epifenômeno social ou como</p><p>ramo de uma ciência hegemônica da qual todas as outras disciplinas derivassem, ou, ainda, como</p><p>projeção narcísica do sujeito fruidor, dá-se ênfase agora à produção do discurso e às diferenciações</p><p>discursivas e, em consequência, às indagações acerca da especificidade da literatura e da relação</p><p>que esta mantém com a “realidade”, em contraposição a outras modalidades de discurso. Nesse</p><p>contexto, surgem duas linhas de abordagem do literário, conforme a orientação teórica que as</p><p>caracteriza predominantemente: as abordagens de cunho prevalentemente linguístico e as de</p><p>cunho prevalentemente cultural, como as distingue Luiz Costa Lima, sem, contudo, deixar de</p><p>assinalar os traços comuns que as correlacionam.</p><p>(Sônia Lúcia Ramalho de Farias Graphos v 10, n º 2 João Pessoa, dez /2008 (com adaptações).</p><p>A abordagem literária de cunho prevalentemente cultural mencionada no texto inclui</p><p>a) a estilística.</p><p>b) o formalismo russo.</p><p>c) o new criticism.</p><p>d) o estruturalismo.</p><p>e) a crítica marxista.</p><p>2. (Enade 2014) Leia os textos abaixo</p><p>Texto 1</p><p>Ainda quando se</p><p>defende a existência de “uma escrituralidade literária”, herdeira, em certo sentido,</p><p>do conceito de “literariedade”, utilizado pelos formalistas russos, a questão da especificidade do</p><p>discurso literário esbarra em entraves complicados e quase sempre obriga o estudioso a trilhar</p><p>caminhos que podem desviá-lo do seu objeto de análise. Isso explica, por exemplo, a possibilidade</p><p>de haver excelentes teóricos da literatura que sejam incapazes de ser leitores “desarmados” de</p><p>literatura; que possam deixar de lado a teoria e “entrar no texto”, confundir-se com personagens</p><p>que transitam no palco literário. Se, de fato, parece ser problemático definir literatura pelo que</p><p>ela é – e sua existência está comprovada por uma tradição e pela multiplicidade de obras que</p><p>mantêm viva essa tradição –, talvez seja mais prudente concordar com a existência de um “estatuto</p><p>do literário” que, por vezes, se vale de critérios externos ao texto mais do que de uma observação</p><p>minuciosa de sua produção.</p><p>(Disponível em: http://www.pucminas.br . Acesso em: 28 jul. 2014 (adaptado)</p><p>Texto 2</p><p>Desencanto</p><p>Eu faço versos como quem chora</p><p>De desalento... de desencanto...Fecha o meu livro, se por agora</p><p>Não tens motivo nenhum de pranto.</p><p>Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão...</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>74</p><p>Dói-me nas veias. Amargo e quente,</p><p>Cai, gota a gota, do coração.</p><p>E nestes versos de angústia rouca,</p><p>Assim dos lábios a vida corre,</p><p>Deixando um acre sabor na boca. Eu faço versos como quem morre.</p><p>(BANDEIRA, M. A cinza das horas. 1917).</p><p>A partir dos textos citados, assinale a opção que apresenta a relação entre a especificidade</p><p>da linguagem literária e a crítica literária.</p><p>a) A partir de leituras críticas do poema de Manual Bandeira, é possível fruí-lo melhor, pois</p><p>a crítica literária não deixa nada descoberto.</p><p>b) Os critérios de classificação propostos pela crítica e pelos teóricos da literatura permitem</p><p>ao leitor uma fruição mais prazerosa do poema de Manuel Bandeira.</p><p>c) Para facilitar a leitura e permitir fruição estética mais intensa ao leitor, os críticos literários</p><p>mostram a morfologia do texto e as armadilhas que constituem a sua estrutura.</p><p>d) A crítica literária, por não apontar caminhos precisos do processo de leitura do texto, é</p><p>ineficaz para a fruição e interpretação do poema de Manuel Bandeira.</p><p>e) Para que possa fruir esteticamente o poema de Manuel Bandeira, é necessário que o</p><p>leitor articule sua experiência de mundo com seus conhecimentos sobre a literatura.</p><p>3. (Enade 2005) O texto abaixo, de Antonio Candido, exemplifica o trabalho do crítico.</p><p>Em Gonçalves Dias, sentimos que o espírito pesa as palavras, em Castro Alves, que as palavras</p><p>arrastam o espírito na sua força incontida. Situado não apenas cronologicamente entre ambos,</p><p>Álvares de Azevedo é um misto dos dois processos. Na melhor parte de sua obra, as palavras se</p><p>ordenam com medida, indicando que a emoção logrou realizar-se pelo encontro da expressão justa.</p><p>Infelizmente, porém, (...) se na sua obra propriamente lírica existe não raro uma serena contenção,</p><p>a que lhe deu fama e definiu a sua maneira própria se caracteriza pela tendência à digressão e à</p><p>prodigalidade verbal, que o tornaram, com o passar do tempo, o poeta desacreditado de nossos</p><p>dias.</p><p>(Formação da literatura brasileira: momentos decisivos)</p><p>Considere as afirmações que seguem:</p><p>I. a crítica implica uma valoração, resultante das relações que o crítico estabelece entre os</p><p>elementos constitutivos da obra analisada e a série literária.</p><p>II. em cada situação específica, a crítica incide na análise independente de um dos três</p><p>aspectos do fenômeno literário: ou o produtor, ou a obra, ou o público.</p><p>III. é tarefa do crítico prescrever leituras que, ao suprirem certas necessidades do ser</p><p>humano, atendam às expectativas do público.</p><p>Confirma-se no texto de Antonio Candido o que se declara corretamente sobre a crítica</p><p>APENAS em</p><p>a) I.</p><p>b) II.</p><p>c) III.</p><p>75</p><p>d) I e II.</p><p>e) II e III.</p><p>4. (Enade 2005)</p><p>O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e</p><p>talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por</p><p>balaustradas baixíssimas. (...) A Biblioteca existe ad eterno. Dessa verdade, cujo corolário imediato</p><p>é a eternidade futura do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. (...) Em alguma estante</p><p>de algum hexágono (raciocinaram os homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio</p><p>perfeito de todos os demais: algum bibliotecário o consultou e é análogo a um deus.</p><p>(Jorge Luís Borges, “A biblioteca de Babel”, Ficções)</p><p>Associe a gravura abaixo ao texto de Borges, transcrito acima.</p><p>O espaço descrito no texto e o espaço representado na gravura têm em comum</p><p>a) a rejeição do irreal e o engajamento político.</p><p>b) a emotividade e a negação da simetria.</p><p>c) o efeito de claro-escuro e o sentimento da natureza.</p><p>d) a vida idealizada e o sentimento do provisório.</p><p>e) a fantasia intelectual e a composição geométrica.</p><p>5. (Enade 2005) O crítico José Guilherme Merquior, ao analisar a questão da literatura na</p><p>Modernidade, afirma:</p><p>“... a partir de Flaubert e Baudelaire, instala-se nas letras o senso da “vacuidade do ideal”; emerge a</p><p>tradição moderna como literatura crítica.</p><p>O ideal esvaziado de conteúdo, assinalado pelo crítico, no texto de Eça de Queirós,</p><p>a) constitui a busca do “paladino da moral”.</p><p>b) é considerado causa da ação de “celebrar missa durante tantos anos”.</p><p>c) pode ser associado a “escangalhada catedral romântica”.</p><p>d) está tomado como sinônimo de “palpitação mesma da vida”.</p><p>e) é tido como consequência da “propaganda do amor ilegítimo”.</p><p>6. Para V. Choklovisk a literatura deve produzir imagens poéticas que se diferenciem</p><p>76</p><p>das imagens corriqueiras. A obra de arte literária deve libertar-se do automatismo do</p><p>reconhecimento para provocar um estranhamento através da singularização da imagem</p><p>poética. Ciente disso, assinale a alternativa em que verifica uma imagem poética:</p><p>a) “o amor é fogo que arde sem se ver” (Luís de Camões)</p><p>b) Rio de neve em fogo convertido! (Gregório de Matos)</p><p>c) “Pequenas canções me fazem feliz” (Aline Maciel)</p><p>d) “A febre deve estar assando Nicó” (Arthur Engrácio)</p><p>e) “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá” (Gonçalves Dias)</p><p>7. (CESPE / CEBRASPE - 2018 - IFF)</p><p>O texto a seguir é um trecho de uma entrevista concedida por Janet M. Paterson à revista</p><p>Aletria.</p><p>Aletria — Vários críticos, tais como Lacan, Derrida, Levinas, Deleuze, Lévi-Strauss, Bhabha</p><p>e Spivak, têm discutido a questão da alteridade e as implicações das teorizações baseadas nas</p><p>percepções do outro. Quais são as bases teóricas de sua pesquisa sobre figurações da alteridade?</p><p>Janet M. Paterson — O trabalho do sociossemioticista francês Eric Landowski forneceu o</p><p>arcabouço conceitual de meu livro. Em Présences de l’Autre: essais de socio-sémiotique, Landowski</p><p>estuda casos reais de alteridade em Paris, tais como os moradores de rua ou os artistas da região do</p><p>Centre Pompidou. Isso lhe permitiu elaborar uma metodologia extremamente requintada e precisa</p><p>que me pareceu muito útil. Mencionarei alguns de seus principais conceitos: a distinção entre</p><p>diferença e alteridade (distinção que permite a Landowski conceituar alteridade); a necessidade</p><p>de um grupo de referência (um grupo social dominante) para a existência de qualquer forma de</p><p>alteridade; e a complexidade dos vários tipos de relações estabelecidas com o outro. Acima de</p><p>tudo, eu era continuamente lembrada de que na literatura, assim como na sociedade, a alteridade</p><p>é sempre uma construção.</p><p>Na teoria literária, a emergência da noção de alteridade vincula-se teoricamente de modo</p><p>mais expressivo aos textos produzidos no</p><p>a) contexto da pós-modernidade.</p><p>b) âmbito das vanguardas históricas.</p><p>c) período da belle époque.</p><p>d) contexto da crítica marxista.</p><p>e) contexto pré-romântico.</p><p>8. O estruturalismo foi um movimento crítico que teve nos nomes de Roland Barthes</p><p>e</p><p>Tzvetan Todorov seus maiores expoentes. Para tal corrente crítica, o estudo do discurso</p><p>literário deveria centrar-se:</p><p>a) na biografia autor.</p><p>b) no contexto histórico.</p><p>c) nas estruturas narrativas.</p><p>d) nas idiossincrasias do leitor.</p><p>e) na estrutura da psique humana.</p><p>2</p><p>PRÁTICA PEDAGÓGICA</p><p>INTERDISCIPLINAR: TEORIA</p><p>LITERÁRIA - TOMO II</p><p>FUNIP301</p><p>Texto digitado</p><p>GÊNEROS LITERÁRIOS</p><p>10</p><p>1.1 INTRODUÇÃO</p><p>1.2 CLASSIFICAÇÃO PARA QUÊ?</p><p>Como parte e continuação dos estudos de Teoria Literária, as páginas que se</p><p>seguem se ocupam da classificação dos gêneros literários, seus conceitos, critérios e</p><p>métodos de análise e interpretação.</p><p>Para se estudar literatura, é preciso aprender a identificar e manejar criteriosamente</p><p>conceitos e noções que permitem fazer do texto literário um objeto de estudo dotado de</p><p>especificidades que o texto não literário não possui.</p><p>A palavra “gênero” não apresenta correspondência de sentido apenas no âmbito</p><p>da literatura e da gramática, quando falamos em gêneros textuais e em gêneros</p><p>literários. A origem etimológica desse termo (do latim, genus / generis) remete à noção</p><p>de origem ou de raiz da qual deriva um conjunto que pode ser identificado mediante</p><p>características em comum. Por isso, podemos falar em gênero com o intuito de identificar</p><p>ou discernir certas categorias. Por exemplo, quando se emprega a designação “gênero</p><p>masculino” e “gênero feminino” pretende-se, em geral, fazer certas associações que</p><p>dizem respeito a uma forma de divisão da espécie humana, seja ela referencial ou</p><p>descritiva.</p><p>Essa distinção nos serve de exemplo porque cada um desses gêneros apresenta</p><p>um conjunto de características mais ou menos variáveis, mas que nos permitem</p><p>identificar ou discernir, ao menos pelo critério biológico, entre homens e mulheres. Assim,</p><p>partimos da generalidade conceitual de que a classificação da literatura em gêneros se</p><p>dá por via comparativa a partir da análise de objetos que apresentam características</p><p>em comum.</p><p>Desse modo, a teoria dos gêneros constitui uma tentativa de organizar, sob a</p><p>sombra de alguns critérios considerados essenciais, os modos de se fazer literatura.</p><p>Portanto, é ela que nos oferece subsídios fundamentais para lermos e interpretarmos o</p><p>texto literário de acordo com certas diretrizes formais e estéticas. Trata-se de uma das</p><p>vertentes mais antigas no âmbito dos estudos de teoria da literatura e se caracteriza</p><p>como um conjunto de convenções em relação ao qual os escritores se orientam quando</p><p>da composição de suas obras, seja para fidelizá-las a um de seus modelos, seja para</p><p>criar combinações novas entre eles.</p><p>Neste estudo, vamos nos enveredar pelos critérios de classificação dos gêneros</p><p>literários, da tradição clássica à modernidade, assim como pelas principais correntes</p><p>teóricas que orientam a investigação do texto de feição artística de acordo com o</p><p>gênero em que ele é escrito.</p><p>Afinal, por que classificamos as obras literárias? Um ponto de vista que ilustra</p><p>a importância dos estudos discursivos e, no interior deles, a necessária distinção dos</p><p>gêneros é o expresso por Fernando Paixão:</p><p>A evolução histórica e política da sociedade [...] acabou</p><p>dando à linguagem as mesmas rígidas características</p><p>que se verificam nas relações de trabalho. Divisões.</p><p>Especializações, manipulações, etc. E a linguagem, do</p><p>mesmo modo que a vida, passou a ser governada por</p><p>11</p><p>Desse ponto de vista, no processo de estratificação do conhecimento, os estudos</p><p>discursivos promoveram uma distinção entre gêneros textuais literários e não literários.</p><p>Essa conceituação visa, de um lado, reconhecer e reunir, mediante o estabelecimento de</p><p>critérios, textos que apresentam características em comum para discerni-los enquanto</p><p>formas específicas do uso da linguagem. Trata-se, assim, de uma forma de organização</p><p>do conhecimento ordenada por certas demarcações.</p><p>A classificação dos livros, de maneira geral, parece estar intrinsecamente</p><p>associada à experiência de leitura. Hoje em dia, quando vamos a uma biblioteca ou</p><p>a uma livraria em busca de um livro, somos orientados por tipologias que consideram</p><p>os gêneros nos quais eles foram escritos. Assim, no que concerne especificamente à</p><p>literatura, apesar de haver critérios distintos entre a esfera acadêmica e a editorial, e</p><p>que não cabe aqui elucidar, em geral, temos prateleiras identificadas como romance,</p><p>outras como conto, outras ainda como poesia.</p><p>Na materialidade do livro em si, quando pegamos um exemplar nas mãos,</p><p>antes mesmo de estabelecermos contato direto com o seu conteúdo, somos levados,</p><p>primeiramente, à sua identificação por meio de uma nota sobre o título impresso em sua</p><p>lombada (ou cinta), comentários inseridos em suas orelhas acerca do conteúdo e do</p><p>seu autor, uma minibiografia do autor e suas escolhas enquanto escritor, sua formação</p><p>ou referências ideológicas, além da ficha catalográfica fixada como obrigatória</p><p>na prática editorial mundial etc. Todos esses elementos compõem os chamados</p><p>paratextos editoriais que apresentam um conjunto de elementos responsáveis por</p><p>relacionar o livro ao público leitor, trazendo consigo certos termos que permitem uma</p><p>rápida identificação da obra antes mesmo de se iniciar a leitura propriamente dita do</p><p>livro. Os paratextos são divididos em pré e pós-textuais, a depender da posição em</p><p>que aparecem no livro: se antes ou depois do texto. Eles são, assim, uma espécie de</p><p>invólucro indispensável para o direcionamento do livro para o público leitor.</p><p>regras e leis. Proibições e limites. (PAIXÃO, 1984, p. 16).</p><p>Figura 1: Paratextos editoriais e suas localizações no livro</p><p>Fonte: Disponível em: https://shre.ink/TjAY. Acesso em: 20 jan. 2023.</p><p>12</p><p>Ademais, os paratextos são também importantes instrumentos de legitimação</p><p>do livro, uma vez que eles sinalizam sentidos para a recepção de uma obra em dado</p><p>contexto e, ainda, avaliam o valor que ela alcança no conjunto de obras escritas por um</p><p>autor, realizando, assim, um julgamento que consiste em um pacto de responsabilidade</p><p>de um lado para com o autor e, de outro, para com o público ao qual o livro se destina.</p><p>Nesse sentido, no tocante à literatura, a classificação em gêneros não serve</p><p>apenas ao critério de organização física dos livros nas prateleiras para identificação</p><p>do gosto ou do interesse do leitor, mas, também à análise de sua composição. Isto</p><p>é, à apreciação de sua forma especial de organização e do conjunto de elementos</p><p>que, de acordo com alguns critérios, fazem com que a obra seja considerada como</p><p>literária. Em outras palavras, a classificação das obras se configura como um processo</p><p>de compreensão e catalogação de sua identidade artística.</p><p>Como toda teoria, a conceituação dos gêneros literários segue alguns preceitos</p><p>orientadores e, através deles, ela visa promover a delimitação de um conjunto de textos</p><p>que compõe o que podemos imaginar como um acervo de textos artísticos, ou seja,</p><p>que possuem um caráter estético de seleção, organização e tratamento da matéria</p><p>que os compõem. Em teoria literária, portanto, tomamos como pressuposto que o que</p><p>diferencia o objeto de estudo da literatura é o tratamento estético dado à linguagem.</p><p>Dessa maneira, a classificação dos textos literários em gêneros específicos tem</p><p>como princípio básico promover a identificação de “mecanismos de estruturação</p><p>semelhantes” (SOARES, 2007, p. 7). Sendo assim, o que nos interessa observar é o modo</p><p>pelo qual o texto se organiza estruturalmente para construir significado.</p><p>Devemos ter em perspectiva, no entanto, que a classificação dos gêneros encerra</p><p>certos problemas que o estudante de literatura deve reconhecer: em primeiro lugar, nem</p><p>toda obra literária, sobretudo em se tratando das modernas, se encaixam em normas</p><p>e definições preconcebidas; em segundo, que após o romantismo não se pode falar</p><p>em gêneros puros; e, em terceiro, que a palavra gênero redunda em certa imprecisão</p><p>terminológica nos estudos literários, ao servir tanto para identificar uma divisão tripartida</p><p>(lírico, narrativo e</p><p>dramático), como para designar, no interior dessa tripartição, as</p><p>formas literárias que dela resultam, falando-se em gênero romance, gênero comédia</p><p>ou gênero ode. Acerca desse aspecto, Yves Stalloni pondera que: “[...] parece ser muito</p><p>difícil, para a literatura, chegar a um consenso sobre uma teoria coerente dos gêneros</p><p>baseada em definições rigorosas e em delimitações precisas. [...].” (STALLONI, 2007, p.</p><p>16).</p><p>Tendo em vista essas três questões que levantam problemas de definição no</p><p>âmbito dos gêneros, devemos levar em consideração que os critérios de classificação,</p><p>embora sejam válidos, sobretudo do ponto de vista estrutural, não são incontestáveis</p><p>no processo de apreciação crítica de uma obra.</p><p>Embora seja própria dos estudos literários, a teoria dos gêneros não se limita às Letras. Sen-</p><p>do muito importante no processo de letramento e alfabetização de modo geral, ela tam-</p><p>bém é utilizada por outras áreas do conhecimento. Você consegue citar ao menos uma</p><p>delas? Uma dica: todas lidam de alguma forma com a produção escrita.</p><p>VAMOS PENSAR?</p><p>13</p><p>Portanto, a análise da sistematização formal do texto literário nos permite agrupá-</p><p>lo em uma categoria ou, de maneira oposta, situar a distância que ele estabelece em</p><p>relação a essa categoria, quando dela divergir. De qualquer forma, de uma maneira</p><p>geral, é preciso conhecer as diretrizes que orientam a classificação dos gêneros literários,</p><p>pois elas nos possibilitam estabelecer parâmetros de análise para o estudo do texto de</p><p>feições artísticas.</p><p>1.3.1 Grécia</p><p>Os primeiros estudos de que se tem conhecimento a respeito dos gêneros literários</p><p>remontam à Antiguidade clássica e podem ser situados a partir da obra de Platão (c.</p><p>428 a.C – c. 347 a.C). No terceiro livro de A República (394 a.C), o filósofo grego propõe</p><p>em seus diálogos a divisão tripartida dos gêneros literários, atribuindo-lhes, como</p><p>designativos os seus modos de apresentação. Assim, a comédia e a tragédia (que</p><p>correspondem ao drama) se fazem por mimesis (“imitação”), os ditirambos (poesia),</p><p>por exposição e a epopeia (narrativa) pela conciliação entre mimesis e exposição.</p><p>Ao ditirambo, no entanto, conforme Platão (no diálogo 398 b, p. 154), caberia apenas</p><p>“o estilo moderado” em sua exposição, não podendo ele sair dos modelos previamente</p><p>instituídos para tal, de modo a não correr-se o risco de desvirtuar, pelo divertimento</p><p>focado no indivíduo (na acepção antiga, por oposição ao coletivo), a edificação da</p><p>pólis.</p><p>A teoria platônica dos gêneros preestabeleceu, portanto, que para cada forma</p><p>havia um modo de se fazer a arte. Entretanto, Platão soergueu seus argumentos com</p><p>base na função moralizante que cada gênero desempenhava na vida da pólis e, sendo</p><p>assim, em sua hierarquização, acabou por reduzir a importância da poesia.</p><p>Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), que fora discípulo de Platão, por sua vez, discordando</p><p>da formulação proposta por seu mestre, constrói uma segunda conceituação para os</p><p>gêneros, deixando de lado o critério moralizante e orientando-se pelo viés estético, isto</p><p>é, pela organização formal da obra e seus elementos intrínsecos.</p><p>Em sua Poética, ele retoma o conceito de mimesis, dotando-o de um caráter</p><p>engenhoso pelo qual se processa o trabalho de transposição da realidade empírica</p><p>para a realidade artística. Nesse processo, a teoria aristotélica formula diferentes meios,</p><p>objetos e modos para identificar a constituição da obra artística.</p><p>Embora não nos tenha chegado a segunda parte da Poética, os critérios gerais</p><p>nela elaborados permitem conceber parâmetros de análise para a organização estética</p><p>de uma obra a partir de três elementos:</p><p>1.3 OS GÊNEROS LITERÁRIOS NA TRADIÇÃO CLÁSSICA</p><p>Os ditirambos são composições poéticas que eram entoadas e apresentadas na tradição</p><p>grega ao som de instrumentos (como tambores, liras e flautas), um coro e um corifeu (can-</p><p>tor principal). Seus temas eram voltados para os afetos, a paixão, a admiração, a exaltação</p><p>do amor e outros motivos sentimentais que ensejavam o culto a Baco. Essa era uma forma</p><p>artística devotada à expressão sob um viés individual (na acepção da cosmovisão grega).</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>14</p><p>Na teoria aristotélica, o meio equivale ao objeto e ao modo, havendo, portanto,</p><p>uma perfeita correspondência entre esses elementos para a configuração do trabalho</p><p>estético, o que configura a sua harmonia formal. Assim, uma linguagem grandiloquente</p><p>está associada aos seres superiores e encontram correlativos, por exemplo, na epopeia</p><p>e na tragédia. Por sua vez, a uma linguagem mediana, isto é, compreensível sem muitos</p><p>esforços (o que não significa que ela seja destituída de artifícios artísticos) associa-se o</p><p>homem comum; e uma linguagem baixa estará sempre associada aos seres inferiores,</p><p>como aqueles que povoam com seus caracteres as comédias.</p><p>Em suma, a conceituação poética aristotélica baseia-se na divisão dos gêneros</p><p>em três modalidades: lírico, épico e dramático. Essa formulação seguiu sem grandes</p><p>alterações por todo o período clássico e pode-se dizer que, compreendida a substituição,</p><p>na modernidade, da epopeia pelo romance (o que justifica a mudança que a Teoria da</p><p>literatura opera na designação de “épico” para “narrativo”), continua ela ainda válida,</p><p>sendo que ao longo da história foram surgindo novas formas que refletem a profunda</p><p>relação da literatura com as transformações e as configurações das sociedades.</p><p>1.3.2 Roma</p><p>Já em Roma, na Carta aos Pisões, ao tratar da poesia dramática, Horácio (65 a.C.</p><p>– 8 a.C.) preceitua a regra da perfeita conformidade entre tema, tom, ritmo e métrica.</p><p>Na conceituação horaciana, a rigidez formal é enfatizada como método de criação</p><p>para os poetas que tinham intenção de obter algum reconhecimento por suas obras,</p><p>não sendo admitido trabalho artístico que não obedecesse aos parâmetros formais</p><p>estabelecidos em torno dos princípios da ordem e do arranjo.</p><p>Embora tenham importantes diferenças de abordagens, essas linhas de</p><p>conceituação dos gêneros literários sintetizam, sobretudo, dois pontos fundamentais: 1)</p><p>os gêneros possuem configurações normativas que devem ser respeitadas; 2) possuem</p><p>também funções sociais que permitem à literatura funcionar como uma espécie de</p><p>MEIOS referem-se ao ritmo, ao tipo de linguagem utilizada e à harmonia formal da</p><p>obra;</p><p>OBJETOS referem-se aos tipos retratados, isto é, seres superiores (ou de elevada psique,</p><p>em cujas virtudes e ações se concentram as transformações do mundo), seres</p><p>equivalentes ao homem comum e seres piores (portadores de vícios e más</p><p>condutas);</p><p>MODOS eferem-se ao processo como a mimesis é desenvolvida, isto é, pelo modo nar-</p><p>rativo e pelo dramático (ação / encenação).</p><p>Quadro 1 : organização estética de uma obra a partir de três elementos</p><p>Fonte: Elaborado pelo autor com base em ARISTÓTELES (2008).</p><p>' A obra de Aristóteles, Arte Poética, constitui um dos ensaios mais importantes</p><p>dos estudos literários que herdamos da Antiguidade clássica, por isso é essen-</p><p>cial que você leia o texto na íntegra. Você pode acessá-lo na Biblioteca Pearson.</p><p>Disponível em: https://shre.ink/Tjyg. Acesso em: 05 jan. 2023.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>15</p><p>Figura 2 : Roda de Virgílio</p><p>Fonte: GUIRAUD (1970, p. 26).</p><p>“ferramenta” social, moral, política e ética.</p><p>Assim, o panorama dos gêneros literários e suas formas de classificação na</p><p>Antiguidade pode ser assim compreendido:</p><p>Quanto aos estilos, obras como Ilíada, Odisseia e Eneida constituem os mais</p><p>importantes paradigmas formais para os estudos filológicos. Assim, no século XII,</p><p>conforme GUIRRAUD (1970), o filósofo João de Garlândia faz uma importante contribuição</p><p>aos estudos estilísticos ao arquitetar a “Roda de Virgílio” (Rota Vergilii) para categorizar</p><p>os estilos da poesia de Virgílio a partir das suas três principais obras (Eneida, Geórgicas</p><p>e Bucólicas) em um raio de três aros concêntricos, havendo, para cada um deles,</p><p>um grupo de elementos unificados com estilo, ambiente, instrumentos, alimentos e</p><p>personagens característicos.</p><p>Na antiguidade, impõem se como</p><p>principais formas lite-</p><p>rárias a epopeia, a tragédia e a comédia, além de moda-</p><p>lidades que se absorveriam no conceito de gênero lírico,</p><p>como ditirambo, a ode, o hino, o epigrama, a égloga. A</p><p>reflexão sobre os gêneros, por sua vez, tende a fixar três</p><p>princípios: normatividade (cada gênero tem suas regras</p><p>de composição); hierarquia (há gêneros tidos como su-</p><p>periores – por exemplo, a tragédia – e outros considera-</p><p>dos inferiores – por exemplo, a comédia); pureza (não se</p><p>admite em princípio a possibilidade de uma obra com-</p><p>binar elementos de gêneros diversos). (SOUZA, 1999, p.</p><p>12).</p><p>16</p><p>A Roda de Virgílio se insere no âmbito dos chamados estudos de estilística,</p><p>e, segundo João Adolfo Hansen (2013, p. 26), pode ser associada à divisão feita por</p><p>Teofrasto, discípulo de Aristóteles, em três estilos: simples, temperado e nobre, o que</p><p>demarca os critérios conceituais da tradição estilística das formas clássicas.</p><p>1.3.3 Era medieval e Renascimento</p><p>Já na Idade Média, ao lado das formas tradicionais greco-latinas, se processa</p><p>o desenvolvimento de novas formas e técnicas literárias que dão origem a novas</p><p>modalidades líricas narrativas e dramáticas. As mudanças das formas literárias se</p><p>explicam em razão das:</p><p>A grande mudança no cenário medieval em relação à teoria clássica dos gêneros</p><p>é o surgimento da poesia trovadoresca que reivindica, dada a sua importância na</p><p>vida medieval, novos critérios de concepção e análise poética. Na narrativa, surgem</p><p>as novelas de cavalaria que, gradativamente, marcam a substituição da epopeia</p><p>por outras formas narrativas. Ressalte-se, nesse contexto, o rompimento da estética</p><p>medieva para com o modelo clássico na tentativa de abafar a cosmovisão politeísta</p><p>nela contida.</p><p>Posteriormente, o movimento renascentista, ao buscar revitalizar os conceitos</p><p>clássicos, desencadeia um processo de recuperação dos preceitos aristotélicos. O</p><p>Classicismo, orientado pela primazia da mimesis, recobra a relação do texto artístico</p><p>com a imitação da natureza. Pressupõe-se nesse período que, pertencendo a poesia</p><p>(tomada como sinônimo do que hoje denominamos literatura) mais ao domínio da</p><p>imitação do que ao da criação, ela deveria seguir rigorosamente certas leis formais, à</p><p>deriva das quais, deixava de ser poesia (literatura).</p><p>Ao retomar a tradição clássica, o Renascimento torna obsoletas as formas</p><p>medievais. No entanto, nesse período também ocorre a canonização do soneto (forma</p><p>fixa originária do século XII). É importante ressaltar que, nessa retomada dos conceitos</p><p>alterações fonológicas e morfológicas do latim, cuja uni-</p><p>dade então se fragmenta em vários falares românicos</p><p>que darão origem às línguas neolatinas, possibilitam a</p><p>reforma do sistema do verso: desenvolve-se a métrica</p><p>apoiada nas sílabas e no acento de intensidade, bem</p><p>como a técnica das rimas, processos desconhecidos na</p><p>poesia antiga. também se firmam modalidades líricas,</p><p>narrativas e dramáticas propriamente medievais, sem</p><p>raízes clássicas. Entre as manifestações líricas, destaca</p><p>se a cansó provençal, base do lirismo trovadoresco que</p><p>se difundiu na Europa em torno do século XIII; entre as</p><p>narrativas, as épicas escandinava (sagas), francesa (can-</p><p>ções de gesta), espanhola e alemã, bem como formas</p><p>em prosa, a exemplo da novela de cavalaria e do chama-</p><p>do conto burguês; por fim, entre as manifestações dra-</p><p>máticas, o teatro cômico francês (sotias; farsas; pastorais</p><p>e monólogos dramáticos) e o teatro religioso (milagres,</p><p>mistérios, autos). (SOUZA, 1999, p. 12-13).</p><p>17</p><p>da Antiguidade, os princípios vinculados à tradição clássica (normatividade, hierarquia</p><p>e pureza) são reafirmados e reapropriados como fundamentais na classificação dos</p><p>gêneros.</p><p>A caracterização dos gêneros em estilos diz respeito à distinção das variações</p><p>discursivas de caráter artístico, isto é, às diferentes formas de elocução e suas</p><p>características. O termo “estilo” provém do vocábulo latino stilus, instrumento (espécie</p><p>de estilete) utilizado para talhar a escrita em uma base de cera e carrega, portanto, essa</p><p>carga semântica de um modo característico de se trabalhar a escrita, lapidando-a.</p><p>A preocupação clássica para com o estilo não se refere apenas aos textos</p><p>literários. Advém dela também o interesse, nos estudos de retórica, pela construção de</p><p>um modo de dizer que vai caracterizar a enunciação de outros gêneros não literários.</p><p>De um modo geral, retórica e estilística aparecem na tradição clássica como</p><p>fundamentos importantes para os estudos do discurso e, consequentemente, para</p><p>a caracterização e classificação dos gêneros. A primeira se ocupa das formas de</p><p>adequações do discurso para um fim, isto é, a finalidade com a qual o discurso é</p><p>elaborado fica a depender da forma específica pela qual ele é organizado com vistas a</p><p>alcançar as suas intenções. Significa dizer que o conteúdo depende, em parte, da forma</p><p>para obter êxito ao transmitir a sua mensagem.</p><p>Por sua vez, a estilística se ocupa de um conjunto de preceitos seguidos por um</p><p>modus operandi, seja de um autor específico ou de vários autores (quando falamos</p><p>de movimentos estéticos, por exemplo) na composição de suas obras. Assim, pode-se</p><p>dizer que marcas estilísticas são, em geral, orientadas por princípios estéticos pessoais</p><p>ou de movimentos artísticos aos quais os autores se associam.</p><p>Em suma, a estilística é o campo dos estudos da linguagem que se preocupa com</p><p>a identificação dos estilos em diferentes gêneros discursivos. É ela também que estuda</p><p>as figuras de linguagem enquanto recursos da comunicação e de efeitos de sentido. O</p><p>que interessa chamar atenção é que a preocupação com a forma (que culminou nos</p><p>estudos dos gêneros discursivos) é uma herança clássica que o mundo contemporâneo</p><p>buscou, ao seu modo, aprimorar. E é no âmbito literário que o estilo alcança seu maior</p><p>potencial expressivo. Por esse motivo, as noções de estilo e de configuração dos gêneros</p><p>literários constituem os grandes pontos de interesse do conhecimento humanístico</p><p>acerca das formas de maior depuração estética-expressiva.</p><p>Pode-se dizer que os preceitos estilísticos clássicos – pelos quais se orientam</p><p>Não devemos confundir gêneros literários com movimentos literários. Os gêneros são for-</p><p>mas que se constituem como diretrizes para a produção de obras literárias, e são identi-</p><p>ficados mediante caracteres estruturais que a compõem. Além disso, cada gênero possui</p><p>constantes ou marcas de conteúdo segundo as quais podemos identificar uma obra e as-</p><p>sociá-la à tradição literária, por exemplo, do romance, da poesia bucólica etc. Os movi-</p><p>mentos, por sua vez, são responsáveis por elencar um conjunto de características próprias</p><p>de um determinado período sócio-histórico que servem de orientação à composição das</p><p>obras. A relação entre gêneros e movimentos literários se configura na medida em que</p><p>cada época, isto é, cada movimento artístico, seleciona características específicas a serem</p><p>incorporadas pelos gêneros, moldando-os, assim, ao gosto artístico em voga.</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>18</p><p>as classificações dos gêneros – com certas oscilações, vigoram até o surgimento do</p><p>Romantismo, quando inauguram-se novos conceitos de composição que fundam e</p><p>estimulam experiências formais diversas daquelas preconizadas pela teoria clássica</p><p>dos gêneros. Isso porque a maior bandeira empunhada pelos românticos era a da</p><p>liberdade criativa, que de certo modo ainda reina como princípio de criação literária.</p><p>Nesse sentido, opera-se nesse momento um rompimento para com os princípios</p><p>clássicos de norma, pureza e hierarquia.</p><p>O marco fundamental dessa mudança de paradigma – que é conceituada como</p><p>transição da tradição clássica para a moderna – é o longo prefácio escrito pelo escritor</p><p>francês Victor Hugo, em 1827, em sua obra dramática intitulada Cromwell, o qual se</p><p>tornou uma espécie de manifesto da estética romântica ao afirmar: “Destruamos as</p><p>teorias, as poéticas e os sistemas. Derrubemos este velho gesso que mascara a fachada</p><p>da arte.” (HUGO, 2007, p. 64).</p><p>A importância que esse</p><p>texto crítico de Victor Hugo alcança é tamanha que</p><p>os historiadores da literatura consideram-no como limiar entre a conceituação da</p><p>literatura clássica – que separa e distingue os estilos grotesco e sublime, o belo do</p><p>feio, os homens dos deuses etc. –, e da moderna, em que esses estilos aparecem sem</p><p>rigor de distinção como partes estilísticas complementares concebidas a partir de um</p><p>princípio de representação da realidade em si mesma, o que, para Hugo, era o maior</p><p>compromisso do drama moderno.</p><p>O grande ponto de inversão da tradição clássica pelo princípio de liberdade</p><p>criativa propagado pela corrente romântica reside no pressuposto de que “[...] o real</p><p>resulta da combinação bem natural de dois tipos, o sublime e o grotesco, que se cruzam</p><p>no drama, como se cruzam na vida e na criação.” (HUGO, 2007, p. 46). É essa “harmonia</p><p>de contrários”, baseada no princípio da mistura de estilos que passa a conduzir os estilos</p><p>literários modernos, produzindo um contraste expressivo em relação àquela pureza</p><p>clássica de estilos, segundo os quais se edificou a teoria clássica dos gêneros.</p><p>Como consequência para a configuração das formas, há uma maior valorização</p><p>do romance (forma moderna por excelência) e do drama, que passa por uma nova</p><p>conceituação de acordo com os valores “emergentes das revoluções industrial, liberal</p><p>e burguesa” (SOUZA, 1999, p. 14); ao passo que:</p><p>Embora o movimento romântico tenha incidido enfaticamente sobre as formas</p><p>fixas do gênero lírico, não se pode dizer, no entanto, que elas tenham deixado de existir.</p><p>O soneto, amplamente praticado em períodos posteriores, é prova cabal de que as</p><p>formas fixas não foram abolidas da literatura. Contudo, devemos compreender que</p><p>esse foi um momento de forte desapego da normatividade formal que vigorava até</p><p>então como critério de valorização do objeto artístico, redirecionando a ênfase do fazer</p><p>literário sobre a criatividade, em detrimento dos meios e do modo.</p><p>Destaca-se também que, a partir do século XIX, sob a influência do pensamento</p><p>evolucionista de Charles Darwin (1809-1882), surgem estudos que relacionam a</p><p>[...] a lírica praticamente abandona os esquemas com-</p><p>plicados e preestabelecidos das formas fixas valorizadas</p><p>no período clássico – balada, vilancete, rondel, rondó,</p><p>triolé, terceto, décima, oitava, sextina, canto real, vilanela</p><p>–, optando por formatos contingentes, criados pelo ar-</p><p>bítrio subjetivo de cada poeta. [...]. (SOUZA, 1999, p. 14).</p><p>19</p><p>[...] do mesmo modo que uma espécie animal surge, se</p><p>desenvolve e desaparece, vencida por outras espécies</p><p>melhor adaptadas ao meio ambiente, também os gê-</p><p>neros cumpririam o mesmo ciclo. Segundo esse pensa-</p><p>mento, a tragédia clássica, por exemplo, teria desapare-</p><p>cido na concorrência com o drama romântico, ‘espécie’</p><p>mais apta a sobreviver no ‘meio’ moderno, da mesma</p><p>maneira que o romance, para citar outro caso, seria o</p><p>sucessor da epopeia. (SOUZA, 1999, p. 14).</p><p>[...] As mudanças históricas dos estilos de linguagem</p><p>estão indissoluvelmente ligadas às mudanças dos gê-</p><p>neros do discurso. A linguagem literária é um sistema</p><p>dinâmico e complexo de estilos de linguagem; o peso</p><p>específico desses estilos e sua inter-relação no sistema</p><p>da linguagem literária estão em mudança permanente.</p><p>A linguagem da literatura, cuja composição é integrada</p><p>pelos estilos da linguagem não literária, é um sistema</p><p>ainda mais complexo e organizado em outras bases.</p><p>para entender a complexa dinâmica histórica desses sis-</p><p>temas, para passar da descrição simples (e superficial na</p><p>maioria dos casos) dos estilos que estão presentes e se</p><p>alternando para a explicação histórica dessas mudanças</p><p>faz-se necessário uma elaboração especial da história</p><p>dos gêneros discursivos (tanto primários quanto secun-</p><p>dários), que refletem de modo mais imediato, preciso e</p><p>flexível as mudanças que transcorrem na vida social. Os</p><p>enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos,</p><p>são correias de Transmissão entre a história da socieda-</p><p>de e a história da linguagem. nenhum fenômeno novo</p><p>(fonético, léxico, gramatical) pode integrar o sistema da</p><p>língua sem ter percorrido um complexo e longo cami-</p><p>nho de experimentação e elaboração dos gêneros e es-</p><p>tilos. (BAKHTIN, 2011, p. 267-268).</p><p>evolução dos gêneros literários às mudanças históricas. Essa é a perspectiva assumida</p><p>por Ferdinand Brunetière em sua tese sobre A evolução dos gêneros na história da</p><p>literatura, de 1889, a qual se baseia no silogismo de que:</p><p>Dessa formulação resulta uma das principais linhas interpretativas dos gêneros,</p><p>dado que ela se baseia na acomodação das formas às funções que a sociedade a</p><p>elas atribui, de modo que em determinadas condições sociais e históricas predominam</p><p>gêneros que correspondem às necessidades manifestadas por dada sociedade. Assim,</p><p>a análise e a classificação dos gêneros hoje são mais marcadas pela averiguação de</p><p>suas marcas predominantes em dado período, com a observação de certas constantes</p><p>de forma e conteúdo, do que pelos critérios de normatividade, pureza e hierarquia.</p><p>Partindo da interpenetração entre sujeito, sociedade, tempo histórico e discurso e</p><p>corroborando para a instituição de conceitos de análise modernos para apreciação dos</p><p>gêneros, em Estética da criação verbal (2011), Mikhail Bakhtin estabelece como princípio</p><p>de distinção dos gêneros a partir de “atos de linguagem” que configuram os diferentes</p><p>tipos de discursos no âmbito da sociabilidade humana:</p><p>20</p><p>Na perspectiva bakhtiniana, a linguagem literária, que caracteriza os diferentes</p><p>estilos no âmbito dos gêneros literários, se baseia em uma formulação mais complexa</p><p>e, portanto, de segunda instância em relação a outros gêneros discursivos de uso</p><p>cotidiano, uma vez que trata-se de uma reelaboração de estilos de linguagem não</p><p>literários (BAKHTIN, 2011, p. 263-264). Dessa forma, há que se considerar, no processo de</p><p>apreensão das formas literárias, a profunda interpenetração entre sujeito, sociedade,</p><p>tempo histórico e discurso, sendo que no universo discursivo, os “gêneros primários”</p><p>(utilizados na comunicação da vida real) estarão reformulados nos “gêneros</p><p>secundários” (mais complexos), que derivam de uma organização mais criteriosa dos</p><p>usos e sentidos linguísticos.</p><p>O que permanece como primado da teoria clássica é que os gêneros literários são</p><p>conceitos que se referem às formas de arte que se manifestam pela expressão linguística,</p><p>e se configuram a partir de uma unidade formal que é responsável por tornar uma obra</p><p>um objeto estético.</p><p>1.4.1 O critério rítmico</p><p>A identificação e a caracterização dos gêneros literários podem ser feitas a partir</p><p>de dois critérios convencionais. O primeiro é baseado no aspecto rítmico e culmina em</p><p>uma divisão mais genérica entre dois gêneros: a prosa e a poesia, sendo o ritmo da</p><p>prosa identificado por contraposição ao da poesia, que, construída a partir de versos,</p><p>métrica e rimas, ganha uma feição melódica que a prosa, embora possa também</p><p>alcançar, não mantém com a mesma intensidade e concentração.</p><p>Mas o que é ritmo? De acordo com Roberto Acízelo de Souza: “Entende-se por</p><p>ritmo a repetição de certos elementos a intervalos mais ou menos regulares.” (SOUZA,</p><p>1999, p. 16).</p><p>Por sua vez, Octavio Paz (1984) faz uma distinção bastante didática que nos permite</p><p>perceber porque o critério rítmico é mais focado no verso do que na prosa. Em primeiro</p><p>lugar, segundo ele, o verso corresponde a um impulso primitivo da expressão humana,</p><p>uma vez que ele está associado a canções, mitos e outras expressões poéticas que se</p><p>relacionam ao imaginário humano; ao passo que a prosa se origina de um processo</p><p>reflexivo, correspondendo a uma espécie de evolução do pensamento e da vida em</p><p>sociedade. Em segundo, porque “o ritmo se dá espontaneamente em toda forma verbal,</p><p>mas só no poema se manifesta plenamente” (PAZ, 1984, p. 82). Assim sintetiza ele a</p><p>distinção entre prosa e verso / poesia:</p><p>1.4 CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO</p><p>A linguagem, por inclinação natural, tende a ser ritmo.</p><p>Como se obedecessem a uma</p><p>misteriosa lei de gravi-</p><p>dade, as palavras retornam espontaneamente à poesia.</p><p>No fundo de toda prosa circula, mais ou menos rarefeita</p><p>pelas exigências do discurso, a invisível corrente rítmica.</p><p>E o pensamento, na medida em que é linguagem, sofre</p><p>o mesmo fascínio. Deixar o pensamento em liberdade,</p><p>divagar, é regressar ao ritmo; as razões se transformam</p><p>em correspondências, os silogismos em analogias e</p><p>a marcha intelectual em fluir de imagens. O prosador,</p><p>21</p><p>Em vista disso, podemos afirmar que esse critério se pauta na identificação de</p><p>recursos sonoros que conferem à poesia um estatuto especial enquanto expressão</p><p>artística mediada pela palavra. É assim que ao lermos ou ouvirmos a recitação dos</p><p>“Versos íntimos” de Augusto dos Anjos (1884-1914), podemos identificá-lo como poesia,</p><p>ainda que o título do poema não fizesse qualquer referência a versos, pois o seu ritmo,</p><p>construído com recursos expressivos métricos e rimados, conferem uma organização</p><p>especial entre as palavras que culminam em um processo de construção de um efeito</p><p>sonoro mediante a concentração e a intensidade alcançada pelas combinações do</p><p>poeta.</p><p>Vês! Ninguém assistiu ao formidável</p><p>Enterro de sua última quimera.</p><p>Somente a Ingratidão – esta pantera –</p><p>Foi tua companheira inseparável!</p><p>Acostuma-te à lama que te espera!</p><p>O homem, que, nesta terra miserável,</p><p>Mora, entre feras, sente inevitável</p><p>Necessidade de também ser fera.</p><p>Toma um fósforo. Acende teu cigarro!</p><p>O beijo, amigo, é a véspera do escarro,</p><p>A mão que afaga é a mesma que apedreja.</p><p>Se alguém causa inda pena a tua chaga,</p><p>Apedreja essa mão vil que te afaga,</p><p>Escarra nessa boca que te beija!</p><p>Quanto à forma, observa-se com clareza um ritmo marcado pela repetição</p><p>de sons que causam assonância (repetição de vogais) e aliteração (repetição de</p><p>consoantes). A forma fixa composta a partir de dois quartetos e dois tercetos evidenciam</p><p>a configuração de um soneto.</p><p>No plano do conteúdo, percebe-se a perspectiva de alguém (eu lírico / eu</p><p>poético / sujeito poético) que expressa uma visão negativa das relações sociais pela</p><p>contraposição que tece em relação à expressão da afetividade (elementos positivos)</p><p>e sua devolutiva (elementos negativos), ou ainda, da ambiguidade que caracteriza as</p><p>atitudes alheias (“A mão que afaga é a mesma que apedreja”). O conteúdo remete</p><p>a uma subjetividade que expressa seu sentimento por meio de linguagem figurada –</p><p>caracterizada pelo emprego da conotação. Ao construir associações inesperadas que</p><p>projetam figuras na mente do leitor ou ouvinte, esse efeito culmina em estranhamento</p><p>(Somente a Ingratidão – esta pantera –). Assim, a voz que emerge é responsável por</p><p>toda uma organização do conteúdo que constrói a forma da poesia e o modo como a</p><p>sentimos.</p><p>Conforme Soares, esse critério se explica porque:</p><p>porém, busca a coerência e a claridade conceptual. Por</p><p>isso, resiste à corrente rítmica que fatalmente tende a se</p><p>manifestar em imagens e não em conceitos. (PAZ, 1984,</p><p>p. 82-83).</p><p>22</p><p>na Antiguidade, enquanto a epopeia se destinava a can-</p><p>tar o coletivo, a unidade da polis, outro tipo de compo-</p><p>sição, naquela época acompanhada pela flauta ou pela</p><p>lira, surgia voltada para a expressão de sentimentos</p><p>mais individualizados, como as cantigas de ninar, os la-</p><p>mentos pela morte de alguém, os cantares de amor...</p><p>Eram os cantos líricos que (mesmo quando ligados a as-</p><p>pectos da vida comunitária: o "lirismo coral"), já em suas</p><p>origens, vinham marcados pela emoção, pela musica-</p><p>lidade e pela eliminação do distanciamento entre o eu</p><p>poético e o objeto cantado. Ao passar da forma somente</p><p>cantada para a escrita, nesta se conservariam recursos</p><p>que aproximariam música e palavra: as repetições de</p><p>estrofes, de ritmos, de versos (refrão), de palavras, de sí-</p><p>labas, de fonemas, responsáveis não só pela criação das</p><p>rimas, mas de todas as imagens que põem em tensão o</p><p>som e o sentido das palavras. (SOARES, 2007, p. 24).</p><p>[...] sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D.</p><p>Severina. nunca vira outros tão bonitos e tão frescos. A</p><p>educação que tivera não lhe permitia encará-los logo</p><p>abertamente, parece até que a princípio afastava os</p><p>olhos, vexado. Encarou-os pouco a pouco, ao ver que eles</p><p>não tinham outras mangas, e assim os foi descobrindo,</p><p>mirando e amando. No fim de três semanas eram eles,</p><p>moralmente falando, a suas tendas de repouso. Aguen-</p><p>tava toda a trabalheira de fora, toda a melancolia da so-</p><p>lidão e do silêncio, toda grosseria do patrão, pela única</p><p>paga de ver, três vezes por dia, o famoso par de braços.</p><p>(ASSIS, 2019, p. 195).</p><p>Em contrapartida, a prosa se constrói por um processo linguístico menos marcado</p><p>pelo efeito sonoro, embora este também possa ocorrer nela, como é característico, por</p><p>exemplo, da prosa poética. Em geral, como critério de distinção do ritmo, a concentração</p><p>e o efeito sonoro se diluem na prosa em função da transposição dos limites expressivos</p><p>(concisão) que caracterizam a poesia. A organização da prosa obedece a uma outra</p><p>configuração estrutural e linguística, conforme podemos observar no trecho:</p><p>O conto “Uns braços”, de Machado de Assis, foi escrito em 1895 e narra o despertar</p><p>da paixão de Inácio, um menino de 15 anos, por D. Severina, uma senhora mais velha</p><p>e casada. A paixão do menino por D. Severina desperta nela um outro olhar sobre si</p><p>mesma, mediante a comparação que surge entre o desinteresse manifestado pelo</p><p>marido e o sentimento demonstrado pelo jovem Inácio. A questão do adultério surge</p><p>como uma ideia oposta à idealização feminina, aos valores e à moralidade burguesa</p><p>da sociedade carioca do fim do século XIX.</p><p>Quanto ao ritmo, embora haja certas combinações que se harmonizam</p><p>sonoramente, não se pode identificar, como na poesia, os intervalos nos quais esses</p><p>sons se processam, de modo que, “o ritmo existente não é especialmente relevante,</p><p>limitando-se praticamente a conservar o ritmo espontâneo que a linguagem verbal</p><p>possui mesmo em seus empregos fora da literatura.”. (SOUZA, 1999, p. 41).</p><p>23</p><p>Observa-se a condução da narrativa por uma voz que não expressa, como ocorre</p><p>na poesia, seus sentimentos de maneira direta. O narrador, como é chamada a voz</p><p>que constrói a perspectiva pela qual se configura a narração na prosa, se posiciona de</p><p>maneira diversa do eu poético, uma vez que, sua intenção é contar fatos, acontecimentos</p><p>ou situações que permitam a construção de um enredo, por isso, ele tende a proceder</p><p>de maneira mais clara e objetiva do que o poeta na construção de figurações.</p><p>Portanto, em suma, a partir do critério rítmico, os principais elementos que devem</p><p>ser levados em consideração no discernimento entre prosa e poesia referem-se a um</p><p>conjunto de caracteres que imprimem suas marcas sobre a forma poética e a forma</p><p>prosaica e podem ser sintetizadas em termos de perspectiva e linguagem.</p><p>Assim, na poesia identificam-se: presença da expressão da subjetividade (eu lírico /</p><p>eu poético / sujeito poético), isto é, perspectiva construída internamente (intrassubjetiva),</p><p>e predominância da linguagem conotativa que culmina na construção de figurações</p><p>variadas; a prosa, por sua vez, configura-se pela presença de um narrador (que pode</p><p>ser personagem, observador ou onisciente, como veremos com maior detalhamento na</p><p>unidade 3), o que, em geral, constitui a construção de uma perspectiva que pressupõe</p><p>a relação entre sujeitos (intersubjetiva) e uma linguagem mais clara e objetivamente</p><p>organizada, alternando-se, o mais das vezes, linguagem denotativa e conotativa, sem</p><p>que se configure a predominância de uma ou de outra.</p><p>Há, entretanto, que se ter em mente que essas fronteiras nem sempre são</p><p>claramente distinguíveis, dado que “[...] certos textos em prosa possuem qualidades</p><p>rítmicas tão especiais que somos levados a concluir que a exploração do ritmo como</p><p>elemento da composição artística não é privilégio absoluto da poesia. [...].”, ao passo</p><p>que, por outro lado, “[...] certos textos de poesia apresentam qualidades prosaicas.”</p><p>(SOUZA, 1999, p. 44), o nos leva a considerar</p><p>a relatividade dessas fronteiras entre os</p><p>conceitos de prosa e poesia estabelecidas pelo critério rítmico.</p><p>1.4.2 O critério histórico</p><p>O segundo critério é histórico ou relativo ao modo como se apresenta o gênero.</p><p>Esse critério pressupõe a configuração de diferentes formas de organização da</p><p>produção literária e, ainda, leva em consideração as suas funções sociais, oferecendo</p><p>uma classificação em três gêneros: o lírico, o narrativo e o dramático</p><p>Figura 2 : Quadro sinótico dos gêneros literários pelo critério rítmico</p><p>Fonte: (SOUZA 1999, p. 58).</p><p>24</p><p>Quando o texto literário não dispõe de história, temos o</p><p>gênero lírico; quando dispõe, o gênero poderá ser o nar-</p><p>rativo ou dramático. Se a história apresentada ao leitor</p><p>através da mediação de um narrador, temos o gênero</p><p>narrativo; se é apresentada sem esta mediação, ou seja,</p><p>diretamente nos diálogos desenvolvidos pelos persona-</p><p>gens temos o gênero dramático. (SOUZA, 1999, p. 49).</p><p>Essa classificação admite uma subclassificação que será mais detalhada nas</p><p>próximas unidades. Por hora, podemos apenas predefinir que ao domínio do lírico</p><p>pertencem a elegia, a écloga, a sátira, a ode; o epitalâmio, o soneto e o haicai, por</p><p>exemplo; a epopeia, o romance, a novela, o conto e a fábula pertencem ao domínio</p><p>narrativo; e a tragédia, a comédia, a tragicomédia, o auto e a farsa, ao domínio do</p><p>dramático.</p><p>Em linhas gerais, os aspectos mais relevantes a se considerar na conceituação</p><p>desses gêneros pelo critério histórico são: o gênero lírico caracteriza-se por um ponto</p><p>de vista subjetivo e uma linguagem marcada pela conotação e pela emotividade. O</p><p>gênero narrativo (ou épico) apresenta um narrador que conta uma história situada</p><p>em um tempo e um espaço. E o gênero dramático consiste em uma forma híbrida, pois</p><p>pode ser, além de escrito ou recitado, também encenado, sendo predominantemente</p><p>marcado pelo diálogo entre as personagens ou pelo monólogo (quando apresenta</p><p>apenas uma personagem).</p><p>Esse critério se fundamenta na recuperação do pensamento aristotélico e tem</p><p>como pressuposto que as formas literárias se consagram de acordo com a função</p><p>que desempenham em determinados contextos, compreendendo o surgimento de</p><p>subgêneros derivados das três principais formas literárias clássicas (lírico, narrativo (ou</p><p>épico) e dramático), conforme se pode observar no terceiro quadro sinótico:</p><p>Figura 3 : Quadro sinótico dos gêneros literários pelo critério histórico</p><p>Fonte: (SOUZA, 1999, p. 58)</p><p>25</p><p>Desse ponto de vista, pressupõe-se uma variação valorativa dos subgêneros que</p><p>se classificam no interior dessa tríade de acordo com os valores e as necessidades</p><p>expressivas de cada sociedade. É assim que se interpreta, por exemplo, a epopeia como</p><p>forma mitológica expressiva do heroísmo de um povo, a novela de cavalaria como</p><p>expressiva da sociedade medieval e sua progressiva transformação em romance,</p><p>forma narrativa mais representativa das sociedades modernas e contemporâneas. Nas</p><p>próximas unidades, veremos como esses aspectos são apresentados na construção</p><p>das obras literárias e os conceitos que se consolidaram como marcas expressivas de</p><p>cada um desses gêneros.</p><p>Figura 4: Quadro sinótico dos gêneros literários pelo critério histórico</p><p>Fonte: (SOUZA, 1999, p. 59)</p><p>26</p><p>Épico – refere-se a uma técnica narrativa (epopeia) da Antiguidade que se exprimia me-</p><p>diante a narração de feitos grandiosos ligados ao passado pátrio.</p><p>Lírico – refere-se à poesia lírica, manifestação artística dotada de ritmo e voltada para a</p><p>expressão da subjetividade.</p><p>Dramático – refere-se ao drama, manifestação artística baseada na representação de diá-</p><p>logos e monólogos.</p><p>Grotesco – (do italiano grotta = caverna, gruta) palavra usada para se referir aos desenhos</p><p>que os antigos faziam nas paredes das grutas, passando a nomear a pintura que a imitava.</p><p>Na literatura, é o feio, o disforme, o extravagante, o desarmônico.</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>27</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>1. Ano: 2018 Banca: FUNDATEC Órgão: Prefeitura de Bom Jesus – RS Prova: FUNDATEC –</p><p>2018 – Prefeitura de Bom Jesus – RS – Professor – Língua Portuguesa</p><p>Assinale a alternativa que preenche, correta e respectivamente, as lacunas do seguinte</p><p>texto.</p><p>Para um maior entendimento da literatura, Aristóteles, na obra Arte Poética, definiu os</p><p>gêneros literários. Cada um deles reúne um conjunto de obras com características</p><p>análogas ou parecidas de forma e conteúdo. Tais gêneros se dividem, na classificação</p><p>aristotélica, em épico, lírico e dramático. Atualmente, entretanto, os textos literários são</p><p>classificados, quanto à forma, em prosa ou em poesia; quanto ao conteúdo, em narrativos,</p><p>líricos e dramáticos. No gênero ___________ há a presença de um _________,</p><p>responsável por contar uma história em que os personagens atuam em um determinado</p><p>espaço e tempo. Já os textos do gênero __________ têm predominância da função</p><p>poética da linguagem. Os textos classificados como ___________ são próprios para</p><p>a representação ou encenação teatral e têm __________ como base.</p><p>a) épico ou narrativo – eu lírico – lírico – dramáticos – os personagens</p><p>b) épico ou narrativo – narrador – lírico – dramáticos – o diálogo</p><p>c) narrativo – autor – lírico – dramáticos – o palco</p><p>d) épico – herói – poético – narrativos – o narrador</p><p>e) lírico – eu lírico – dramático – narrativos – as falas dos personagens</p><p>2. Ano: 2018 Banca: AOCP Órgão: Prefeitura de Feira de Santana – BA Prova: AOCP –</p><p>2018 – Prefeitura de Feira de Santana – BA – Professor – Língua Portuguesa</p><p>Os gêneros literários reúnem um conjunto de obras que apresentam características</p><p>análogas. No gênero narrativo, há a presença de um narrador, responsável por contar</p><p>uma história na qual as personagens atuam em um determinado espaço e tempo.</p><p>Pertencem a esse gênero as seguintes modalidades, EXCETO:</p><p>a) romance.</p><p>b) novela.</p><p>c) conto.</p><p>d) comédia.</p><p>e) crônica.</p><p>3. Ano: 2020 Banca: FUNDATEC Órgão: Prefeitura de Cristinápolis – SE Prova: FUNDATEC</p><p>– 2020 – Prefeitura de Cristinápolis – SE – Professor de Língua Portuguesa</p><p>Assinale a única alternativa que indica um gênero literário.</p><p>28</p><p>a) Barroco</p><p>b) Épico</p><p>c) Naturalismo.</p><p>d) Romantismo.</p><p>e) Arcadismo.</p><p>4. Ano: 2020 Banca: MS CONCURSOS Órgão: Prefeitura de Corumbiara – RO Provas: MS</p><p>CONCURSOS – 2020 – Prefeitura de Corumbiara – RO – Médico (adaptada)</p><p>Sobre gêneros literários, marque (V) verdadeiro ou (F) falso e assinale a alternativa</p><p>correta:</p><p>( ) Os gêneros literários reúnem um conjunto de obras que apresentam características</p><p>análogas de forma e conteúdo. Essa classificação pode ser feita de acordo com critérios</p><p>semânticos, sintáticos, fonológicos, formais, contextuais etc.</p><p>( ) Os gêneros literários dividem-se em três categorias básicas: épicos, líricos e</p><p>dramáticos.</p><p>( ) No gênero épico, há presença de um narrador, responsável por contar uma história,</p><p>na qual as personagens atuam em um determinado espaço e tempo. A narrativa</p><p>apresenta um episódio heroico, geralmente há presença de figuras fantasiosas.</p><p>( ) No gênero lírico, são expressos os sentimentos e as emoções do eu lírico, há</p><p>predominância de pronomes e verbos na 1ª pessoa, além da exploração da musicalidade</p><p>das palavras.</p><p>( ) O gênero dramático é próprio para a representação, ele aparece em versos ou prosa,</p><p>passíveis de encenação teatral. A voz narrativa está entregue às personagens, atores</p><p>que contam uma história por meio de diálogos ou monólogos.</p><p>A) V – V – V – V – V.</p><p>B) F – V – V – V – F.</p><p>C) V – V – V – V – F.</p><p>D) F – V – V – V – V.</p><p>E) V – F – F – F – V.</p><p>5. Ano: 2020 Banca: INSTITUTO AOCP Órgão: Prefeitura de Betim – MG Prova: INSTITUTO</p><p>AOCP – 2020 – Prefeitura de Betim – MG – Professor – Português</p><p>Considerando os diferentes tipos de gêneros que o Teatro abarca, assinale a alternativa</p><p>que NÃO corresponde a uma forma dramática.</p><p>A) Melodrama.</p><p>B) Auto.</p><p>C) Farsa.</p><p>D) Cantiga.</p><p>E) Tragicomédia.</p><p>6. (Adaptada) Ano: 2018 Banca: Instituto Excelência Órgão: Prefeitura de Taubaté – SP</p><p>Prova: Instituto Excelência – 2018 – Prefeitura de Taubaté – SP – Guarda Civil Municipal</p><p>29</p><p>Leia o</p><p>texto e responda à questão.</p><p>A MÁQUINA DO MUNDO – CARLOS DRUMMOND DE</p><p>ANDRADE</p><p>E como eu palmilhasse vagamente</p><p>uma estrada de Minas, pedregosa,</p><p>e no fecho da tarde um sino rouco</p><p>se misturasse ao som de meus sapatos</p><p>que era pausado e seco; e aves pairassem</p><p>no céu de chumbo, e suas formas pretas</p><p>lentamente se fossem diluindo</p><p>na escuridão maior, vinda dos montes</p><p>e de meu próprio ser desenganado,</p><p>a máquina do mundo se entreabriu</p><p>para quem de a romper já se esquivava</p><p>e só de o ter pensado se carpia.</p><p>Abriu-se majestosa e circunspecta,</p><p>sem emitir um som que fosse impuro</p><p>nem um clarão maior que o tolerável</p><p>pelas pupilas gastas na inspeção</p><p>contínua e dolorosa do deserto,</p><p>e pela mente exausta de mentar</p><p>toda uma realidade que transcende</p><p>a própria imagem sua debuxada</p><p>no rosto do mistério, nos abismos.</p><p>Abriu-se em calma pura, e convidando</p><p>quantos sentidos e intuições restavam</p><p>a quem de os ter usado os já perdera</p><p>e nem desejaria recobrá-los,</p><p>se em vão e para sempre repetimos</p><p>os mesmos sem roteiro tristes périplos,</p><p>convidando-os a todos, em coorte,</p><p>a se aplicarem sobre o pasto inédito</p><p>da natureza mítica das coisas,</p><p>30</p><p>assim me disse, embora voz alguma</p><p>ou sopro ou eco ou simples percussão</p><p>atestasse que alguém, sobre a montanha,</p><p>a outro alguém, noturno e miserável,</p><p>em colóquio se estava dirigindo:</p><p>"O que procuraste em ti ou fora de</p><p>teu ser restrito e nunca se mostrou,</p><p>mesmo afetando dar-se ou se rendendo,</p><p>e a cada instante mais se retraindo,</p><p>olha, repara, ausculta: essa riqueza</p><p>sobrante a toda pérola, essa ciência</p><p>sublime e formidável, mas hermética,</p><p>essa total explicação da vida,</p><p>esse nexo primeiro e singular,</p><p>que nem concebes mais, pois tão esquivo</p><p>se revelou ante a pesquisa ardente</p><p>em que te consumiste... vê, contempla,</p><p>abre teu peito para agasalhá-lo."</p><p>As mais soberbas pontes e edifícios,</p><p>o que nas oficinas se elabora,</p><p>o que pensado foi e logo atinge</p><p>distância superior ao pensamento,</p><p>os recursos da terra dominados,</p><p>e as paixões e os impulsos e os tormentos</p><p>e tudo que define o ser terrestre</p><p>ou se prolonga até nos animais</p><p>e chega às plantas para se embeber</p><p>no sono rancoroso dos minérios,</p><p>dá volta ao mundo e torna a se engolfar,</p><p>na estranha ordem geométrica de tudo,</p><p>e o absurdo original e seus enigmas,</p><p>suas verdades altas mais que todos</p><p>monumentos erguidos à verdade:</p><p>e a memória dos deuses, e o solene</p><p>sentimento de morte, que floresce</p><p>no caule da existência mais gloriosa,</p><p>31</p><p>tudo se apresentou nesse relance</p><p>e me chamou para seu reino augusto,</p><p>afinal submetido à vista humana.</p><p>Mas, como eu relutasse em responder</p><p>a tal apelo assim maravilhoso,</p><p>pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,</p><p>a esperança mais mínima — esse anelo</p><p>de ver desvanecida a treva espessa</p><p>que entre os raios do sol inda se filtra;</p><p>como defuntas crenças convocadas</p><p>presto e fremente não se produzissem</p><p>a de novo tingir a neutra face</p><p>que vou pelos caminhos demonstrando,</p><p>e como se outro ser, não mais aquele</p><p>habitante de mim há tantos anos,</p><p>passasse a comandar minha vontade</p><p>que, já de si volúvel, se cerrava</p><p>semelhante a essas flores reticentes</p><p>em si mesmas abertas e fechadas;</p><p>como se um dom tardio já não fora</p><p>apetecível, antes despiciendo,</p><p>baixei os olhos, incurioso, lasso,</p><p>desdenhando colher a coisa oferta</p><p>que se abria gratuita a meu engenho.</p><p>A treva mais estrita já pousara</p><p>sobre a estrada de Minas, pedregosa,</p><p>e a máquina do mundo, repelida,</p><p>se foi miudamente recompondo,</p><p>enquanto eu, avaliando o que perdera,</p><p>seguia vagaroso, de mãos pensas.</p><p>Referência Bibliográfica:</p><p>ANDRADE, Carlos Drummond. Claro Enigma. 13ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.</p><p>A poesia de Carlos Drummond de Andrade enquadra-se no que podemos chamar</p><p>de gênero literário. Esse tipo de gênero subdivide-se em três categorias. Assinale a</p><p>alternativa CORRETA que corresponda às subdivisões do gênero literário.</p><p>32</p><p>a) Gênero Épico, Lírico e Dramático.</p><p>b) Gênero Injuntivo, Expositivo, Descritivo.</p><p>c) Gênero Épico, Injuntivo, Expositivo.</p><p>d) Gênero Lírico, Dramático e Injuntivo.</p><p>e) Gênero Dramático, Expositivo, Narrativo.</p><p>7. De acordo com SOARES (2007), o gênero lírico se configura por meio de uma</p><p>individualidade (eu lírico / eu poético / sujeito poético) que se exprime pela</p><p>combinação entre construção de sentido e efeitos sonoros. Isso porque, em sua</p><p>gênese:</p><p>“[...] na Antiguidade, enquanto a epopeia se destinava a cantar o coletivo, a unidade</p><p>da polis, outro tipo de composição, naquela época acompanhada pela ______ou</p><p>pela _______, surgia voltada para a expressão de _________ mais ________.”</p><p>(SOARES, 2007, p. 24).</p><p>Assinale a alternativa cujos elementos correspondem às lacunas do texto.</p><p>a) Cítara; trombetas, histórias; coletivas.</p><p>b) Gaita; flauta; histórias; individualizadas.</p><p>c) Flauta; lira; sentimentos; individualizados.</p><p>d) Cítara; flauta; sentimentos; coletivos.</p><p>e) Flauta; lira; sentimentos; coletivos.</p><p>8. Entre os textos críticos mais importantes para a história dos gêneros (e</p><p>consequentemente para a Teoria da literatura) está um prefácio escrito por Victor</p><p>Hugo no período do Romantismo. Assinale a alternativa correta acerca desse texto.</p><p>a) Trata-se do prefácio escrito ao livro Os miseráveis, em que Victor Hugo rompe com a</p><p>representação de temas mitológicos para tratar dos pobres.</p><p>b) Trata-se do prefácio escrito a Cromwell, que discute as misturas de estilos como</p><p>princípio da composição literária moderna.</p><p>c) Trata-se do prefácio escrito ao livro As contemplações, que trata da natureza do</p><p>objeto literário.</p><p>d) Trata-se do prefácio escrito ao livro A lenda dos séculos, em que Victor Hugo discorre</p><p>sobre a importância de adequar os gêneros literários, considerando a sua evolução</p><p>histórica.</p><p>e) Trata-se do prefácio ao livro Os orientais, em que Victor Hugo questiona o estilo</p><p>clássico herdado do Ocidente.</p><p>FUNIP301</p><p>Texto digitado</p><p>FORMAS LÍRICAS</p><p>34</p><p>2.1 INTRODUÇÃO</p><p>2.2 CONSTITUIÇÃO DE 1988: CARTA MAGNA BRASILEIRA</p><p>Esta unidade tem como principal objetivo traçar uma caracterização das formas</p><p>líricas de poesia a partir de sua estrutura e configurações temática e estilística, de modo</p><p>a possibilitar a identificação de um texto poético, bem como oferecer subsídios para</p><p>sua análise e interpretação.</p><p>Na Antiguidade clássica, a lírica não recebe uma conceituação específica</p><p>enquanto gênero literário. Conforme Yves Stalloni (2007), em Aristóteles, embora a</p><p>poesia, como identificamos hoje as formas líricas (sobretudo a ditirâmbica), tenha sido</p><p>reconhecida por suas características, ela não passou pelo mesmo processo de reflexão</p><p>filosófica e estética, com o estabelecimento de critérios e fundamentos, como ocorreu</p><p>com os gêneros narrativo (identificado à épica) e o dramático:</p><p>De acordo com Yves Stalloni, na conceituação clássica, portanto, não se considera</p><p>a poesia um gênero autônomo dotado de especificidades, uma vez que, dentro da</p><p>concepção aristotélica, a poesia é uma forma menor derivada das grandes formas</p><p>(épica e drama).</p><p>Tomamos como ponto de partida para a delimitação do estudo das formas líricas</p><p>o conceito de lirismo:</p><p>De fato, os dois grandes modos literários (o dramático e</p><p>o narrativo) encontra uma expressão, indiferentemente,</p><p>na prosa e no verso. Ou, melhor, sendo a forma prosai-</p><p>ca relativamente rara na antiguidade, seria quase lícito</p><p>dizer que, para os antigos, toda forma literária é poéti-</p><p>ca, o que é ilustrado, no gênero dramático, pela poesia</p><p>trágica e, no gênero narrativo, pelo ditirambo ou pela</p><p>epopéia. A distinção genérica – se é que se pode atribuir</p><p>essa ambição à Poética – parece, portanto, transcender</p><p>o princípio de escrita para fundamentar-se em outros</p><p>princípios tipológicos, como modo de enunciação (pri-</p><p>meira ou terceira pessoa) o grau de nobreza do modelo.</p><p>(STALLONI, 2007, p. 130-131).</p><p>o lirismo será definido como a expressão pessoal de uma</p><p>emoção demonstrada por vias ritmadas e musicais. [...].</p><p>A relação com o canto (ou com o grito), bem como o</p><p>conteúdo confidencial, duas características dominantes</p><p>do texto lírico, acarretam o recurso a estruturas ritma-</p><p>das, encantatórias,</p><p>a figuras da exaltação e da grandeza,</p><p>a um léxico rebuscado e simbólico – que constituem o</p><p>terceiro traço específico do gênero. O verso e o poema</p><p>de forma fixa (...) serão os meios favoritos do lirismo. Os</p><p>grandes sentimentos individuais (o amor infeliz, o sofri-</p><p>mento, a tristeza, a melancolia ou, com menor frequên-</p><p>cia, a alegria e o entusiasmo) serão seus temas privile-</p><p>giados. (STALLONI, 2007, p. 151).</p><p>35</p><p>Nesse sentido, o critério que erige a poesia como um gênero independente é</p><p>posterior aos preceitos aristotélicos e diz respeito à configuração de um universo de</p><p>representação pautado, fundamentalmente, na subjetividade. É este, ainda hoje, o</p><p>discernimento que impera no estudo do texto poético, mesmo após a consolidação</p><p>do modelo da lírica moderna, em que há uma tendência à dissolução do eu poético,</p><p>conforme trata a tese desenvolvida por Hugo Friedrich em Estrutura da lírica moderna</p><p>(1978).</p><p>O conceito de poesia lírica está ligado a uma forma de perceber e expressar</p><p>em que predomina uma visão particular, isto é, a subjetividade (eu lírico). Como</p><p>característica discursiva, essa forma literária se expressa por meio do discurso que</p><p>tem como temas sentimentos e ideias e se caracteriza pela musicalidade gerada pela</p><p>combinação sintática e semântica que o poeta constrói ao combinar palavras para</p><p>gerar significados.</p><p>O termo “lírico” deriva de lira, instrumento utilizado na Antiguidade clássica como</p><p>acompanhamento melódico de recitais. Por isso, a poesia guarda uma íntima relação</p><p>com a música, tendo em vista que elas se utilizam de ferramentas expressivas, melódicas</p><p>e rítmicas equivalentes e que visam ressaltar o aspecto emotivo da linguagem.</p><p>Como vimos no critério rítmico, o gênero poético (ou lírico) caracteriza-se pela</p><p>construção de um discurso com estrutura versificada, podendo ou não apresentar</p><p>métrica, rima e divisão em estrofes. Em geral, o que facilita a identificação de uma obra</p><p>lírica é a fragmentação das palavras, a predominância da conotação, a construção</p><p>de imagens e a presença de uma subjetividade que expressa a sua visão ou o seu</p><p>sentimento em relação a algo ou alguém.</p><p>Dentre os diferentes tipos classificáveis de poemas líricos está a elegia, que</p><p>consiste em um poema de tom melancólico, pois é tradicionalmente caracterizada por</p><p>expressar sentimentos ou estados de espírito que remetem à tristeza ou à nostalgia.</p><p>Nesse tipo de poema, o eu lírico professa os seus sentimentos mais íntimos em tom</p><p>confessional.</p><p>A écloga é um tipo de expressão lírica que canta aspectos e temas da vida</p><p>bucólica, isto é, relativos à vida no campo e ao contato com a natureza. Em geral, o</p><p>tema da écloga é de exaltação da natureza, seja do ponto de vista de sua beleza ou dos</p><p>benefícios (riquezas e alimentos) que ela rende aos homens; portanto, o seu discurso,</p><p>de maneira correspondente, é marcado por um tom de contemplação e exaltação.</p><p>A sátira guarda uma profunda relação com a crítica social a um determinado</p><p>Dada a imprecisão terminológica que cerca o gênero lírico, cabe fazermos um adendo</p><p>quanto ao emprego de termos que muitas vezes aparecem como sinônimos ou correlatos</p><p>em textos de análise poética:</p><p>Poesia – é um gênero literário, que se distingue da prosa pela presença marcante do ele-</p><p>mento ritmo;</p><p>Poema – é toda composição literária pertencente ao gênero da poesia;</p><p>Verso – é o “...período rítmico que se agrupa em séries numa composição poética.” (Cunha,</p><p>1970, p. 156), ou, por outras palavras, é cada linha do poema. (SOUZA, 1999, p. 36).</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>36</p><p>sujeito, tipo ou comportamento, utilizando-se, para tanto, do recurso da ironia, que é</p><p>uma das figuras de linguagem mais complexas da literatura.</p><p>Por sua vez, a ode configura-se como um poema de exaltação que pode ter como</p><p>elemento central a pátria, os deuses, a pessoa amada ou admirada. Quando musicada,</p><p>a ode se transforma em hino.</p><p>Epitalâmio é um tipo de poema feito para situações nupciais e tem como temas</p><p>o amor, a união, a vida conjugal etc. Na Antiguidade clássica, essa forma se associava</p><p>ao culto de Himeneu, deus do matrimônio.</p><p>O soneto se configura a partir de uma forma fixa que visa mobilizar recursos</p><p>métricos para produzir sonoridade. É construído em quatorze versos (dois quartetos e</p><p>dois tercetos) e abrange temáticas das mais variadas.</p><p>Haicai é um gênero de poema curto originário do Japão, mas que ganhou grande</p><p>repercussão na configuração do gênero lírico no Ocidente por levar ao extremo a</p><p>concisão poética com apenas três versos de dezessete sílabas.</p><p>Existem ainda outros tipos de poemas que derivam das formas já apresentadas,</p><p>como os ditirambos (cantos/elegia a Baco), a barcarola (elegia/cantos entoados pelos</p><p>gondoleiros italianos que estabelecem a temática da navegação); a cantata (pequena</p><p>ópera), o canto real (elegia bastante empregada entre os parnasianos), a gloza e o</p><p>vilancete (cantigas satíricas de escárnio e maldizer), o madrigal (poesia idílica (écloga)</p><p>de amor), o noturno (poema melancólico (elegia) à noite), as parlendas (composições</p><p>destinadas ao universo infantil) e as trovas (ou quadrinhas, são poemas/cantigas</p><p>populares).</p><p>Essas são todas formas derivadas do gênero lírico que se diferenciam pelo tema</p><p>e pela combinação dos versos que as compõem, como veremos de maneira mais</p><p>aprofundada na próxima unidade. Por hora, devemos ter em mente a multiplicidade</p><p>de formas poéticas que se enquadram como líricas. Além disso, outro aspecto que é</p><p>imprescindível na conceituação do gênero lírico é que: “Não podemos mesmo esquecer</p><p>que traços líricos podem aparecer em textos épicos (como no célebre episódio da Ilha</p><p>dos Amores, de Os Lusíadas), na fala de personagens de um drama, ou mesmo em</p><p>passagens de diferentes espécies de narrativas, já se tornando comum a expressão</p><p>"romance lírico".” (SOARES, 2004, p. 29).</p><p>As características que, em geral, nos permitem identificar o texto lírico referem-</p><p>se ao seu modo particular de organização no que diz respeito à sua forma e ao seu</p><p>conteúdo. Como vimos na unidade introdutória à questão dos gêneros, a forma lírica é,</p><p>no mais das vezes, reconhecida pela sua disposição fragmentária, pelo ritmo criado por</p><p>uma combinação sonora de sílabas, pela brevidade (sobretudo em relação à prosa,</p><p>mas também existem poemas longos) e pela concisão de ideias representadas por</p><p>meio de figuras; quanto ao conteúdo, predomina a manifestação da subjetividade que</p><p>' O livro A poesia é necessária (2011), organizado por André Seffrin, constitui uma</p><p>coleção de poemas da literatura brasileira selecionados por Rubem Braga</p><p>quando era colunista das revistas Manchete e Nacional e abrange desde poetas</p><p>jesuítas até modernistas. O livro está disponível na Biblioteca Pearson através do</p><p>link: https://shre.ink/TVGy. Acesso em 31 dez. 2022.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>37</p><p>expressa pelo pensamento ou pela imaginação os sentimentos e as sensações que se</p><p>projetam em seu íntimo.</p><p>Esse último aspecto consiste em uma das razões pelas quais os teóricos da</p><p>antiguidade clássica não conceberam uma conceituação específica para a poesia,</p><p>tendo em vista que ela se desviava do princípio da mimesis (imitação da natureza),</p><p>que na concepção clássica, é um propósito fundamental da poética (entendida como</p><p>expressão artística da linguagem) para se atrelar à expressão da interioridade humana.</p><p>Em O que é poesia (1984), Fernando Paixão busca conceituar essa forma literária como</p><p>expressiva do aflorar da sensibilidade humana:</p><p>Por isso, a poesia é uma expressão daquilo que sentimos em relação às coisas,</p><p>às pessoas ou aos acontecimentos. Assim, é com base no critério da subjetividade que</p><p>podemos conceituar a lírica, pois de acordo com Yves Stalloni:</p><p>Portanto, temos que nas formas líricas, o poeta procede de modo a projetar</p><p>uma linguagem voltada para si mesmo, com o intuito de ressignificar o domínio da</p><p>sensibilidade humana, utilizando-se da máxima potencialidade expressiva das palavras.</p><p>É nesse sentido que Alfredo Bosi afirma que o poeta é um “doador” de sentidos.</p><p>Todos nós já fomos</p><p>tocados algum dia por essa emo-</p><p>ção esquisita. Na leitura de algum poeta, cantando ou</p><p>escutando as letras de música, vivemos momentos em</p><p>que as palavras adquirem uma força incomum, estra-</p><p>nha, como se das coisas banais elas revelassem o lado</p><p>escondido, poucas vezes visitado pelo nosso pensamen-</p><p>to. Quando isto acontece, sentimo-nos como se estivés-</p><p>semos em meio a uma aventura da imaginação, consu-</p><p>mindo seus prazeres e perigos.</p><p>[...] A sensação provocada pelo contato com a natureza,</p><p>uma situação cotidiana ou o convívio de alguém tem</p><p>um sabor diferente para cada um de nós e, se fôssemos</p><p>escrever sobre isso, nunca dois indivíduos usariam as</p><p>mesmas palavras. [...].</p><p>E é efetivamente essa marca pessoal e intransferível</p><p>que caracteriza a poesia. Sabendo que linguagem e re-</p><p>alidade são duas coisas bastante distintas, mas que se</p><p>interpenetram, o poeta tenta realizar na sua poesia uma</p><p>nova realidade construída de palavras, que estimulam o</p><p>vôo da imaginação e, ao mesmo tempo, permitem co-</p><p>nhecer de modo mais atento e cuidadoso a própria rea-</p><p>lidade vivida pelo homem. (PAIXÃO, 1984, p. 7-9).</p><p>[...] o poeta abandona o domínio da imitação da reali-</p><p>dade em troca daquele da introspecção individual. Essa</p><p>tendência literária que negligencia a atitude de tomar</p><p>o mundo como modelo, que ignora as expectativas do</p><p>auditório, que parece traduzir, de maneira incontrolada,</p><p>a interioridade do criador e reproduzir uma fala que ele</p><p>dirige a si mesmo, corresponde àquilo que será chama-</p><p>do de lirismo. (STALLONI, 2007, p. 135).</p><p>38</p><p>De maneira ilustrativa, Fernando Paixão faz uma diferenciação acerca da forma</p><p>específica de como a poesia faz uso da linguagem:</p><p>Os aspectos rítmicos que geram musicalidade, por sua vez, contribuem para</p><p>condensar as sensações transmitidas pelo texto poético, atuando na construção de</p><p>uma comoção por parte do leitor:</p><p>1O poema “Poesia”, de Carlos Drummond de Andrade (1983), constrói-se a partir</p><p>de um momento em que o poeta expressa, de maneira controversa, a sua incapacidade</p><p>expressiva. O verso “que a pena não quer escrever” figura como uma ideia acesa dentro</p><p>dele (“inquieto, vivo”) e, nesse movimento silencioso que ele capta a partir de uma</p><p>sondagem interior, a poesia figura como algo imanente e momentâneo, cuja força</p><p>vigorosa (expressa pelo verbo “inunda” no último verso) desencadeia uma sensação</p><p>transcendente.</p><p>Percebemos claramente se tratar de poesia pelos seguintes aspectos: a)</p><p>composição a partir de linhas descontínuas ou segmentárias que configuram versos;</p><p>b) presença de sílabas métricas que constroem um ritmo; c) rimas entre as linhas</p><p>(isto é, entre os versos); d) presença de aliteração (repetição de sons consonantais) e</p><p>assonância (repetição de sons vocálicos); e) repetição de versos (característica que</p><p>contribui para criar musicalidade ou efeitos sonoros, chamado no estudo do poema de</p><p>Gastei uma hora pensando um verso</p><p>que a pena não quer escrever.</p><p>No entanto ele está cá dentro</p><p>inquieto, vivo</p><p>Ele está cá dentro</p><p>e não quer sair.</p><p>Mas a poesia deste momento</p><p>inunda minha vida inteira.</p><p>Envolvido pela paixão, pela alegria ou pela tristeza, o po-</p><p>eta pode conceber as imagens mais alucinadas: que um</p><p>guarda-roupa voa pela janela ou que uma fogueira está</p><p>contida dentro da mão, etc. O que importa para ele não</p><p>é a veracidade ou a verdade dos fatos, importa sim que</p><p>esteja escrevendo aquilo que sente, em palavras que</p><p>transmitam a sua visão de mundo, seja ela qual for, e</p><p>mostrando seu combate com a vida.</p><p>E como a matéria-prima do poeta é em primeiro lugar</p><p>seu sentimento, ele procura arranjar as palavras no po-</p><p>ema do modo como seu sentimento exige, a fim de</p><p>transmitir toda a sua experiência. ao contrário na lin-</p><p>guagem de uso prático, onde as palavras são emprega-</p><p>das a partir do significado comum a todas as pessoas, a</p><p>característica marcante da poesia é a de recriar o signifi-</p><p>cado das palavras, colocando as num contexto diferente</p><p>do normal.</p><p>[...] Essa capacidade de revelar nova substância dentro</p><p>de palavras já gastas e surradas é que constitui a maior</p><p>riqueza da poesia [...]. (PAIXÃO, 1984, p.14-15).</p><p>39</p><p>refrão ou estribilho).</p><p>Em suma, os elementos elencados anteriormente nos permitem identificar um</p><p>texto como lírico. Mas há também processos de versificação que promoveram, ao</p><p>longo do tempo, misturas em relação à configuração dos tipos de versos e métricas,</p><p>como o chamado verso branco e o verso livre. Ademais, surge na modernidade, como</p><p>resultado de experimentações artísticas que levaram à evolução do gênero, um tipo</p><p>limítrofe entre a poesia e a prosa: o poema em prosa.</p><p>De maneira a aprofundar nossos estudos no âmbito do gênero, vejamos, a seguir,</p><p>cada um dos elementos aqui elencados.</p><p>Conceitos e classificações para a análise poética</p><p>Partimos do pressuposto de que, sendo a poesia uma forma literária dotada de</p><p>características peculiares, é importante que conheçamos os principais conceitos e as</p><p>classificações deles derivadas para o trabalho com o texto poético. De acordo com</p><p>Roberto Acízelo de Souza (1999, p. 20-40), esses conceitos são:</p><p>O verso – é um segmento ou uma frase que apresenta ritmo e/ou regularidade</p><p>quanto ao número de sílabas que o constitui. Podemos considerar dois tipos de versos,</p><p>o chamado “verso tradicional”, com estruturas regulares fixas, cuja origem, em língua</p><p>portuguesa, está associada ao Trovadorismo, tendo sido amplamente explorado, mais</p><p>tarde, pelos poetas parnasianos; e o chamado “verso livre” que, ao contrário, não segue</p><p>regularidade métrica, o que culmina em uma disposição silábica irregular sem regras</p><p>de tonicidade e rima.</p><p>A sílaba métrica – refere-se à menor unidade de pronúncia de uma palavra</p><p>(fonema): “a sílaba métrica será o fonema ou grupo de fonemas que pronunciamos</p><p>numa só expiração, quando dizemos um verso inteiro.” (SOUZA, 1999, p. 21). A contagem</p><p>de sílabas métricas nem sempre corresponde à separação silábica que aprendemos a</p><p>fazer no processo de alfabetização. Isso porque ela obedece a outros critérios, como o</p><p>da junção de sons (pronunciados de uma só vez) e o de se contar a sílaba métrica até</p><p>a última sílaba tônica (mais forte).</p><p>Esse processo é muito importante na análise de um poema, pois é por meio dele</p><p>que se pode estabelecer a classificação dos versos em monossilábicos, dissilábicos,</p><p>trissilábicos, tetrassilábicos, pentassilábicos (ou redondilha menor), hexassilábicos</p><p>(ou heroicos quebrados), heptassilábicos (ou redondilha maior), octassilábicos,</p><p>eneassilábicos, decassilábicos, hendecassilábicos, dodecassilábico-s (ou alexandrinos).</p><p>Exemplo:</p><p>' Em 1905, Olavo Bilac e Guimaraes Passos escreveram um Tratado de versifica-</p><p>ção da literatura brasileira que até hoje é usado em estudos de poesia. O docu-</p><p>mento, de domínio público, faz parte do acervo digital da Biblioteca Brasiliana e</p><p>pode ser acessado através do link: https://shre.ink/TVjL. Acesso em: 24 jan. 2023.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>40</p><p>Verso: Quando os teus olhos fecharem (do poema “Canção elegíaca”, do poeta</p><p>recifense Joaquim Cardozo)</p><p>Separação das sílabas métricas: Quan / do os / teus / o / lhos / fe / cha / rem</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Para fazer a contagem das sílabas métricas de um verso, recorremos ao processo</p><p>de escansão. De acordo com Norma Goldstein, escandir significa dividir os versos em</p><p>sons. Os versos acima possuem sete sílabas métricas, isto é, sete sons (lembrando-se</p><p>que a última sílaba métrica só é contabilizada quando tiver acento tônico (mais forte)),</p><p>o que nos permite classificá-los como heptassilábicos ou redondilha maior.</p><p>Note-se a importância do som produzido pela união das sílabas para esse processo.</p><p>Assim, mesmo quando diante de palavras distintas, se há junção sonora entre elas,</p><p>contabilizamos apenas uma sílaba métrica, como ocorre na segunda sílaba do exemplo</p><p>citado. A única forma de descobrir o padrão métrico de um poema, portanto, é realizar</p><p>a escansão de todos os seus versos, observando-se,</p><p>sempre, a última sílaba tônica</p><p>que o compõem, pois a quantificação será estabelecida até ela, desconsiderando-se</p><p>o restante do verso, como ocorre com fe/cha/rem, em que a sílaba -rem, por ser mais</p><p>fraca, não é considerada para efeito de contagem.</p><p>Fala-se em estrutura rítmica para descrever a cadência produzida pelos versos,</p><p>que pode ser constante e revelar monotonia, ou ser marcada por uma cesura, que</p><p>constitui a quebra do ritmo para dar destaque rítmico a determinadas sílabas.</p><p>A rima – aspecto que permite a identificação do ritmo dos versos: “Rima é a</p><p>coincidência de fonemas, geralmente a partir da vogal tônica e no final dos versos”</p><p>(SOUZA, 1999, p. 30). Portanto, a rima resulta da combinação de fonemas, e sua</p><p>caracterização requer uma identificação prévia das sílabas métricas, de modo a se</p><p>reconhecer na estrutura do verso os sons que se repetem.</p><p>As rimas se dividem em “consoantes” (formadas a partir das vogais tônicas:</p><p>regras/pedras; aflito/grito etc.) e em “assonantes” (ou “toantes”), em que apenas as</p><p>vogais tônicas se repetem (exemplo: reta/vela; vil/mil etc.). E podem ser consideradas</p><p>“pobres”, “ricas”, “raras”, “preciosas”, de acordo com o modo como se configuram no</p><p>poema, conforme a tabela abaixo.</p><p>RIMAS OCORRÊNCIA</p><p>Pobres entre palavras de mesma classe gramatical</p><p>(ex.: cantado/amado)</p><p>Ricas</p><p>entre palavras de diferente classe gramatical</p><p>(ex.: figura/pura)</p><p>Raras entre palavras de difíceis combinações sonoras</p><p>(ex.: tisne/cisne)</p><p>Preciosas resultam de combinações artificiosas que revelam um trabalho mais depurado</p><p>(ex.: cinge-as/carolíngeas)</p><p>Quadro 1: Configuração das rimas</p><p>Fonte: Elaborado pela autora com base em SOUZA (1999, p. 31-33)</p><p>41</p><p>A classificação das rimas tem ainda um terceiro critério: a disposição em que</p><p>aparecem nos versos. Assim, ao estudar um poema, podemos atribuir uma letra a</p><p>um verso de modo a identificar a disposição das rimas. Nesse sentido, elas podem</p><p>ser: emparelhadas (AABB); alternadas (ABAB); interpoladas (ABBA); ou misturadas</p><p>(ABCBCDE).</p><p>Como exemplo, podemos observar o esquema de rimas dos primeiros versos da</p><p>famosa canção de Vinícius de Moraes, “Pela luz dos olhos teus”:</p><p>Quando a luz dos olhos meus (A)</p><p>E a luz dos olhos teus resolvem se encontrar (B)</p><p>Ai, que bom que isso é, meu Deus (A)</p><p>Que frio que me dá o encontro desse olhar. (B)</p><p>A aliteração e assonância – refere-se a formas específicas de repetição sonora</p><p>que configuram a aliteração e a assonância. O recurso da aliteração caracteriza-se</p><p>pela repetição marcada de consoantes; já o da assonância configura a repetição de</p><p>vogais.</p><p>Exemplo de aliteração:</p><p>Sou leso em tratagens com máquina.</p><p>Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.</p><p>Nos dois primeiros versos de “O fazedor de amanhecer”, de Manoel de Barros,</p><p>percebemos a repetição sonora da consoante t, gerando um ritmo de repetição de</p><p>batida que remete a uma máquina.</p><p>Exemplo de assonância:</p><p>Se desmorono ou se edifico,</p><p>permaneço ou me desfaço</p><p>– não sei, não sei. Não sei se fico</p><p>ou passo.</p><p>A alternância de assonâncias pela repetição das vogais e e o nos versos do poema</p><p>“Motivo”, de Cecília Meireles, contribui para o ritmo de dúvida que paira na expressão do</p><p>eu lírico.</p><p>O refrão ou estribilho – “Chama-se refrão ou estribilho ao(s) verso(s) que se</p><p>' Para ampliar seu vocabulário acerca dos termos relacionados à poesia, consul-</p><p>te o Pequeno Dicionário de Arte Poética, de Geir Campos que, além de elencar a</p><p>terminologia, exemplifica com poemas diversos conceitos relacionados ao gê-</p><p>nero. Disponível em: https://shre.ink/TVzN. Acesso em 31 dez. 2022</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>42</p><p>repete(m) numa composição poética.” (SOUZA, 1999, p. 35). Considera-se aqui não a</p><p>repetição de fonemas, mas a repetição de versos inteiros que demarcam a retomada</p><p>ou reafirmação de um ritmo mais forte e que, por isso, se torna mais marcante na</p><p>construção do poema, guardando a sua relação umbilical com a música.</p><p>Exemplo:</p><p>E agora, José?</p><p>A festa acabou</p><p>A luz apagou</p><p>O povo sumiu</p><p>A noite esfriou</p><p>E agora, José?</p><p>E agora, você?</p><p>Você que é sem nome</p><p>Que zomba dos outros</p><p>Você que faz versos</p><p>Que ama, protesta?</p><p>E agora, José?</p><p>Está sem mulher</p><p>Está sem discurso</p><p>Está sem carinho</p><p>Já não pode beber</p><p>Já não pode fumar</p><p>Cuspir já não pode</p><p>A noite esfriou</p><p>O dia não veio</p><p>O bonde não veio</p><p>O riso não veio</p><p>Não veio a utopia</p><p>E tudo acabou</p><p>E tudo fugiu</p><p>E tudo mofou</p><p>E agora, José?</p><p>E agora, José?</p><p>Sua doce palavra</p><p>Seu instante de febre</p><p>Sua gula e jejum</p><p>Sua biblioteca</p><p>Sua lavra de ouro</p><p>Seu terno de vidro</p><p>Sua incoerência</p><p>Seu ódio, e agora?</p><p>Com a chave na mão</p><p>Quer abrir a porta</p><p>Não existe porta</p><p>Quer morrer no mar</p><p>43</p><p>Mas o mar secou</p><p>Quer ir para Minas</p><p>Minas não há mais</p><p>José, e agora?</p><p>Se você gritasse</p><p>Se você gemesse</p><p>Se você tocasse</p><p>A valsa vienense</p><p>Se você dormisse</p><p>Se você cansasse</p><p>Se você morresse</p><p>Mas você não morre</p><p>Você é duro, José!</p><p>Sozinho no escuro</p><p>Qual bicho-do-mato</p><p>Sem teogonia</p><p>Sem parede nua</p><p>Para se encostar</p><p>Sem cavalo preto</p><p>Que fuja a galope</p><p>Você marcha, José!</p><p>José, para onde?</p><p>No poema de Carlos Drummond de Andrade, a retomada da interrogação dirigida</p><p>ao personagem José (marcada em negrito) é um recurso que contribui para dar ritmo</p><p>ao poema (no plano sonoro) e reiterar a sua posição inerte perante o mundo (no plano</p><p>semântico).</p><p>A estrofe – considerando uma identificação visual, isto é, a composição gráfica</p><p>do poema, estrofe é “agrupamento de versos dispostos no poema” (SOUZA, 1999, p.</p><p>36). As estrofes que compõem um poema também são elementos estruturais a serem</p><p>analisados, por isso, elas também recebem denominações, a depender do número de</p><p>versos que as compõem:</p><p>A análise das formas líricas implica, assim, quanto ao aspecto formal, na</p><p>identificação quantitativa das estrofes para que, a partir dela, se possa classificar o</p><p>poema.</p><p>[...] Graficamente, as estrofes aparecem separadas en-</p><p>tre si por um espaço em branco, uma entrelinha maior</p><p>do que as entrelinhas que separam os versos uns dos</p><p>outros. Não há limite quanto ao número de versos que</p><p>uma estrofe pode ter, sendo no entanto mais comuns</p><p>estrofes que apresentam de dois a dez versos; por isso,</p><p>tais estrofes – e mais aquela constituída por um único</p><p>verso – recebem denominações especiais, conforme a</p><p>quantidade de versos de que se compõem. [...]”. (SOUZA,</p><p>1999, p. 37).</p><p>44</p><p>Quantidade de versos Classificação</p><p>Um monóstico</p><p>Dois dístico, parelha ou pareado</p><p>Três terceto ou trístico</p><p>Quatro quadra ou quadrinha (4 versos com 7 sílabas)</p><p>quarteto ou tetrástico (4 versos com 8 a 12 sílabas)</p><p>Cinco quinteto ou pentástico</p><p>Seis sextilha, sexteto ou hexástico</p><p>Sete sétima, septilha, septena, hepteto ou heptástico</p><p>Oito oitava ou octástico</p><p>Nove oitava ou octástico</p><p>Dez décima, década ou decástico</p><p>Quadro 2: Classificação do poema conforme a quantidade de estrofes</p><p>Fonte: Elaborada pela autora com base em SOUZA (1999, p. 37-40)</p><p>O gênero lírico, no entanto, comporta também formas menos rigorosas de</p><p>versificação. Essa liberdade formal foi gradativamente sendo conquistada pelos</p><p>poetas no processo de experimentação e evolução do gênero, sendo que a marca</p><p>predominante dessa transformação é a flexibilidade formal que vai se consolidando</p><p>de maneira gradual do verso branco ao livre e, por fim, em um nível mais extremo, ao</p><p>poema em prosa.</p><p>Verso branco</p><p>O verso branco promove uma variação do comprimento dos versos ao longo de</p><p>todo o poema, de modo que a sua configuração não nos permite enquadrá-los nos</p><p>esquemas fixos representado pelos versos regulares anteriormente tratados.</p><p>A disposição do poema de versos brancos é marcada por uma maior assimetria</p><p>tipográfica, o que implica em um esquema métrico sem correspondência e, portanto,</p><p>com menor ênfase na rima, dada a variação entre os versos.</p><p>Exemplo:</p><p>[...]</p><p>Serás lido, Uraguai. Cubra os meus olhos</p><p>Embora um dia a escura noite eterna.</p><p>Tu vive e goza a luz serena e pura.</p><p>Vai aos bosques de Arcádia: e não receies</p><p>Chegar desconhecido àquela areia.</p><p>Ali de fresco entre as sombrias murtas</p><p>Urna triste a Mireo não todo encerra.</p><p>Leva de estranho céu,</p><p>sobre ela espalha</p><p>Co’a peregrina mão bárbaras flores.</p><p>E busca o sucessor, que te encaminhe</p><p>Ao teu lugar, que há muito que te espera.</p><p>45</p><p>(Trecho do canto quinto de O Uraguai, de Basílio da Gama)</p><p>Verso livre</p><p>O verso livre, por sua vez, se caracteriza pela liberdade métrica, isto é, “quando</p><p>os versos obedecem às regras métricas de verificação ou acentuação, mas não</p><p>apresentam rimas” (GOLDSTEIN, 2006, p. 49). Dessa forma, não segue, como o verso</p><p>branco, nenhum critério de combinação de rimas. A disposição do poema de versos</p><p>livres segue mais o ritmo e o fluxo de palavras propostos pelo poeta do que uma rigidez</p><p>formal, sendo essa uma forma considerada tipicamente modernista. Nesse tipo, “cada</p><p>verso pode ter tamanho diferente a sílaba acentuada não é fixa, variando conforme a</p><p>leitura que se fizer” (GOLDSTEIN, 2006, p. 49), o que gera imprevisibilidade, dando maior</p><p>liberdade ao poeta.</p><p>Exemplo:</p><p>Poema em prosa</p><p>Forma essencialmente ligada à modernidade, o poema em prosa se caracteriza</p><p>pela liberdade formal que faz com que a poesia ultrapasse os limites que a separam da</p><p>prosa, guardando, no entanto, um aspecto que ainda se conserva como essencialmente</p><p>distintivo: a brevidade.</p><p>O poema em prosa é, segundo Yves Stalloni, um “ponto crítico [de evolução] em</p><p>que a poesia vem abandonar seus traços formais distintivos para ultrapassar uma linha</p><p>de delimitação que a distingue de um gênero rival, é finalmente atingida com o poema</p><p>em prosa”. (STALLONI, 2007, p. 162).</p><p>Exemplo:</p><p>Assim eu quereria meu último poema</p><p>Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais</p><p>Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas</p><p>Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume</p><p>A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos</p><p>A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.</p><p>(“O último poema”, de Manuel Bandeira)</p><p>Em vista do exposto, conclui-se quanto à forma lírica que, existem poemas</p><p>compostos em formas regulares, e que podem ser estruturalmente analisados a partir</p><p>de critérios de simetria; e poemas compostos em formas irregulares, ou seja, que</p><p>Se a marca distintiva mais evidente da lírica é sua configuração em versos, qual outro cri-</p><p>tério de identificação podemos eleger diante de seu formato em prosa?</p><p>VAMOS PENSAR?</p><p>46</p><p>utilizam parcialmente ou mesmo dispensam as convenções formais como parâmetro</p><p>de composição. Diante dessas duas grandes vertentes, enquanto estudiosos, devemos</p><p>ter em mente que:</p><p>Conforme sintetiza Antonio Candido:</p><p>Desse ponto de vista, devemos compreender que existem diretrizes para a análise</p><p>do texto lírico ou poético, mas que o gênero não se esgota em formatos estanques;</p><p>ao contrário, ele flerta com os outros gêneros como se buscasse conter algo que,</p><p>obedecendo a um impulso espontâneo e primitivo, como a lei da gravidade, promove</p><p>um retorno à poesia, já que, para retomar a conceituação de Octavio Paz: “Deixar o</p><p>pensamento em liberdade, divagar, é regressar ao ritmo”. (PAZ, 1984, p. 82-83). Portanto,</p><p>quando a prosa perde o seu caráter racional e analítico, ela se deixa retornar ao estado</p><p>poético da linguagem que reflete menos a razão do que os sentimentos e as emoções.</p><p>Daí as fronteiras da forma serem hoje mais pontes do que limites entre os gêneros.</p><p>Lírica e sociedade</p><p>Por conta dos elementos que, como vimos, fizeram da lírica uma expressão, a</p><p>priori, voltada aos sentimentalismos e à vida interior, os traços que tradicionalmente</p><p>a caracterizam como forma literária estão ligados à presença de um eu lírico (ou eu</p><p>poético) que condensa uma visão de mundo, sendo responsável por sintetizar, no tempo</p><p>poético, os seus impulsos interiores. A lírica moderna, no entanto, inclui uma visão social</p><p>mais reflexiva que abrange essencialmente a materialidade que rodeia o eu lírico e que</p><p>se processa em contraste com imaterialidade (intimismo, emoção) que vigorou como</p><p>uma de suas características primordiais. De acordo com Angélica Soares:</p><p>a diferença entre os tipos de verso é somente de estrutu-</p><p>ra e não de qualidade. Há belos poemas em versos regu-</p><p>lares e belos poemas em versos livres. O modo de com-</p><p>por traduz a visão de mundo uma certa época. Muda o</p><p>modo de vida, mudam as formas artísticas. Cada poe-</p><p>ta escolhe, o ritmo que julgar adequado ao tema, que</p><p>vai tratar. O leitor deve buscar integrar o ritmo, seja ele</p><p>qual for, aos demais aspectos estruturadores do poema.</p><p>(GOLDSTEIN, 2006, p. 51).</p><p>poesia não se confunde necessariamente com o verso,</p><p>muito menos com o verso metrificado. Pode haver po-</p><p>esia em prosa e poesia em verso livre. Com o advento</p><p>das correntes pós-simbolistas, sabemos inclusive que a</p><p>poesia não se contém apenas nos chamados gêneros</p><p>poéticos, mas pode estar autenticamente presente na</p><p>prosa de ficção. (CANDIDO, 2006, p. 21).</p><p>É comum, nessa lírica de temática não intimista, a subs-</p><p>tituição gramatical da primeira pela terceira pessoa. O</p><p>sujeito, então, mais que nunca, identifica-se na e pela</p><p>linguagem, através da dicção própria de cada poema,</p><p>de sua estruturação singular. Aí evidencia-se a tensão</p><p>47</p><p>Nesse sentido, na lírica moderna, a linguagem poética busca redimensionar a</p><p>relação do eu lírico com a vida em sociedade, construindo imagens que promovem</p><p>uma ressignificação a partir da imbricação entre sujeito, sentimentalismo e processo</p><p>social, isto é, misturando o que era pura sensação, emoção ou sentimento à reflexão,</p><p>que, conforme vimos no texto de Octavio Paz (1984), constitui um atributo mais da prosa</p><p>do que da poesia.</p><p>Esse processo realizado pela lírica moderna de descentramento do intimismo</p><p>poético pode ser atribuído ao advento já mencionado de misturas dos gêneros literários,</p><p>em que prosa e poesia rompem as fronteiras estabelecidas pelos critérios clássicos e</p><p>se interpenetram como resultado de operações formais da rebeldia romântica.</p><p>Condensados os elementos que nos permitem identificar o texto de caráter poético</p><p>(clássico e moderno), passemos agora aos aspectos que constituem importantes</p><p>diretrizes quanto ao conteúdo da lírica.</p><p>Outros níveis estruturais do poema</p><p>Além dos aspectos formais já apontados, existem aspectos relacionados mais ao</p><p>conteúdo do poema que também devem ser associados à sua estrutura. Trata-se dos</p><p>níveis lexical, sintático, semântico e figurativo (ou imagético). Vejamos cada um deles.</p><p>Léxico</p><p>O estudo do nível lexical do poema se refere à análise do vocabulário. A escolha</p><p>lexical do poeta deve ser compreendida em toda sua complexidade, lembrando, ainda,</p><p>que ele possui a chamada licença poética que o possibilita empregar palavras para</p><p>criar novos sentidos para elas.</p><p>Quanto ao léxico, as formas tradicionais tendem a empregar um vocabulário</p><p>mais culto; ao passo que as formas modernas incorporaram a coloquialidade, assim</p><p>como um vocabulário próprio das sociedades técnico-científicas. Sendo assim, formas</p><p>poéticas mais identificadas às sociedades primitivas em geral, serão marcadas por</p><p>escolhas lexicais ligadas ao primitivo. Por outro lado, a poesia que reflete o meio urbano</p><p>e industrial será marcada por um vocabulário condizente com ele.</p><p>Outro aspecto a ser levado em consideração nesse nível de análise é o das</p><p>categorias gramaticais. Conforme Norma Goldstein (2006), a predominância de certas</p><p>categorias contribui para a construção de sentidos do poema (GOLDSTEIN, 2006, p.</p><p>88). Por exemplo, poemas em que há predominância de verbos de ação sugerem</p><p>dinamicidade/transformação; já os que têm predominância de verbos de estado</p><p>transmitem, em geral, uma ideia de condição; e a ausência de verbos, por outro lado,</p><p>pode indicar estaticidade, imobilidade, inércia.</p><p>Ainda no que diz respeito à escolha lexical dos verbos, o tempo e o modo verbal</p><p>também contribuem para a construção de sentido poético, uma vez que, expressam</p><p>a relação do eu lírico com os elementos apresentados no poema, como relações de</p><p>distância ou proximidade, assim como a noção de passado, presente e futuro; quanto</p><p>entre o individual e o coletivo, brotando o geral da in-</p><p>dividualização,</p><p>como nos lembrou Theodor Adorno, em</p><p>seu célebre “Discurso sobre lírica e sociedade”. (SOA-</p><p>RES, 2004, p. 26)</p><p>48</p><p>aos diferentes modos, eles indicam realidade (indicativo), possibilidade e desejo</p><p>(subjuntivo). Esses elementos do léxico quando redirecionados em função da estrutura</p><p>do poema nos permitem situar no tempo e no espaço os seres e objetos que o povoam.</p><p>Outra categoria à qual deve-se dar especial atenção é a dos substantivos. De</p><p>acordo com Goldstein (2006, p. 88), quando a escolha lexical relacionada a essa categoria</p><p>refletir elementos abstratos, pode-se dizer que há uma tendência à generalização, isto</p><p>é, a figura não remete a um ser ou objeto específico, mas ao conceito ao qual essa figura</p><p>se relaciona de um modo generalista. Quando, porém, os substantivos empregados</p><p>são concretos, ocorre o oposto e há uma tendência à particularização desse elemento.</p><p>Dessa forma, a análise do léxico na configuração da linguagem poética nos</p><p>oferece subsídios para compreender o universo ao qual ele se conecta.</p><p>Sintático</p><p>No nível sintático estuda se o modo pelo qual o poeta organiza sua seleção lexical</p><p>para construir relações de sentido. São elementos considerados na análise poética em</p><p>nível sintático: a pontuação, a caracterização de períodos (curto ou longos), os recursos</p><p>recorrentes (como combinações entre verbos do mesmo tipo do mesmo modo e tempo,</p><p>associações entre substantivos e adjetivos, presença de locuções, preposições etc.); as</p><p>construções paralelísticas, isto é, a repetição de estruturas para formar uma unidade</p><p>maior.</p><p>A repetição no encadeamento sintático do poema pode resultar em anáfora,</p><p>criando efeitos sonoros que costuram os elementos lexicais de modo a potencializar o</p><p>seu sentido.</p><p>Também no plano sintático analisa se o processo de encadeamento ou, em</p><p>francês, enjambement que consiste em uma “construção sintática especial que liga</p><p>um verso ao seguinte, para completar o seu sentido”. (GOLDSTEIN, 2006, p. 92).</p><p>É preciso dizer que o encadeamento/enjambement é um fenômeno</p><p>especificamente sintático da poesia, que cria um efeito de transbordamento de um</p><p>verso para outro. Nesse sentido:</p><p>Lembremos que a configuração sintática do poema não segue a configuração</p><p>sintática da prosa, pois os versos se constroem de maneira mais lacunar e fragmentária.</p><p>No entanto, quando o sentido do verso, ainda que se considere o seu caráter lacunar e</p><p>fragmentário, precisa ser preenchido para fazer sentido, essa relação de dependência</p><p>sintático-semântica é denominada enjambement ou encadeamento. Trata-se,</p><p>portanto, de um fenômeno que depende de uma análise atenta da estrutura do poema</p><p>para ser devidamente descrito e caracterizado.</p><p>Semântico</p><p>O enjambement, ou encadeamento, é um recurso que</p><p>deve ser analisado cuidadosamente, já que surge [da]</p><p>tensão relativa a som, sintaxe e sentido. Geralmente,</p><p>seu efeito pode ser associado ao de outros recursos em-</p><p>pregados nos mesmos versos ou em versos próximos.</p><p>(GOLDSTEIN, 2006, p. 93).</p><p>49</p><p>[...] No trabalho criador, o poeta (1) usa palavras na acep-</p><p>ção corrente; (2) usa palavras dotadas de uma acepção</p><p>diversa da corrente, mas que aceita por um grupo; (3)</p><p>usa palavras dotadas de uma acepção que ele cria, e</p><p>que pode ou não tornar-se convencional. Em qualquer</p><p>dos casos, está efetuando uma operação semântica pe-</p><p>culiar – que é arranjar as palavras de maneira que o seu</p><p>significado apresente ao auditor, ou leitor, um supersig-</p><p>nificado, próprio ao conjunto do poema, e que consti-</p><p>tui o seu significado geral. as palavras ou combinações</p><p>de palavras usadas podem ser signos normais, figuras,</p><p>imagens, metáforas, alegorias, símbolos [...]. (CANDIDO,</p><p>2006, p. 103).</p><p>A palavra imagem possui, como todos os vocábulos, di-</p><p>versas significações. Por exemplo: vulto, representação,</p><p>como quando falamos de uma imagem ou escultura de</p><p>Apolo ou da virgem. Ou figura real ou irreal que evoca-</p><p>mos ou produzimos com a imaginação. Nesse sentido,</p><p>o vocábulo possui um valor psicológico: as imagens são</p><p>produtos imaginários. Não são esses seus únicos signifi-</p><p>cados, nem os que aqui nos interessam. Convém adver-</p><p>tir, pois, que designamos com a palavra imagem toda</p><p>forma verbal, frase ou conjunto de frases, que o poeta</p><p>diz e que, unidas, compõem um poema. (PAZ, 1984, p.</p><p>119).</p><p>Toda a organização do poema visa o aspecto semântico, por isso, devemos seguir</p><p>os pressupostos de que tudo no poema se orienta para a produção de sentido, desde o</p><p>som, o ritmo, a organização das estrofes, a seleção lexical, a ordenação sintática até as</p><p>figuras que se consolidam nesse nível.</p><p>O estudo das figuras no poema se dá pela análise das combinações, de</p><p>aproximações e distanciamentos entre termos lexicais que passam pela ordenação</p><p>sintática segundo os critérios do poeta. Desse modo, podemos presumir que a linguagem</p><p>poética se configura a partir de “operações semânticas”, uma vez que, segundo Antonio</p><p>Candido:</p><p>Chegamos ao ponto de dizer que, enquanto unidade, o poema é uma trama cujo</p><p>sentido resulta da união de sua estrutura rítmica à sua estrutura semântica. As figuras</p><p>ou imagens poéticas resultam, portanto, dessa coerência expressiva que é construída</p><p>pela poeta.</p><p>Figuratividades</p><p>O estudo das figuratividades diz respeito à análise das imagens expressas em um</p><p>poema. Conforme Octavio Paz:</p><p>A imagem no poema é responsável por criar, no plano dos significados, a</p><p>correspondência entre os impulsos rítmicos, a condensação de ideias e o valor simbólico</p><p>do poema. Foi justamente a imagem como resultado de um processo fantasmagórico,</p><p>quimérico, que reflete uma liberdade imaginativa, que fez com que Platão, em sua</p><p>50</p><p>conceituação, limitasse a atuação do poeta, por ela não conter obrigatoriamente o</p><p>princípio da mimesis, conceito que na teoria clássica se referia à expressão do real por</p><p>meio da imitação da natureza. A poesia, ao contrário, por ser abstração preserva uma</p><p>relação com o enigma, o mistério, a sensação da descoberta ou a conexão psíquica do</p><p>homem com o mundo (BOSI, 2004, p. 29).</p><p>A figuratividade poética resulta, assim, de um jogo linguístico capaz de criar</p><p>relações de analogias e oposições simbólicas que traduzem sentidos a partir da</p><p>projeção de “imagens apropriadas” (CANDIDO, 2006, p. 108). Nesse sentido, a analogia</p><p>(associação entre palavras) “está na base da linguagem poética, pela sua função de</p><p>vincular os opostos, as coisas diferentes, e refazer o mundo pela imagem [...]”. (CANDIDO,</p><p>2006, p. 108).</p><p>De acordo com Norma Goldstein (2006), entre os tipos mais comuns de processos</p><p>figurativos temos:</p><p>Comparação – aproximação entre termos por meio do emprego de locução</p><p>conjuntiva (como, tal, qual etc.);</p><p>Metáfora – a construção da metáfora resulta de “uma comparação abreviada”</p><p>(GOLDSTEIN, 2006, p. 94) que culmina em uma síntese poética.</p><p>Alegoria – refere-se ao encadeamento de metáforas de maneira recursiva, que</p><p>contribuem para se criar uma simbologia maior.</p><p>Sinestesia – refere-se a um recurso linguístico que constrói impressões sensoriais,</p><p>isto é, ligadas aos cinco sentidos: visuais, táteis, auditivas, olfativas e/ou palatais.</p><p>Metonímia – substituição de um termo por outro que seja equivalente na relação</p><p>de contingência.</p><p>Sinédoque – figura que exprime a substituição de um termo que equivale à parte</p><p>pelo todo.</p><p>Antítese – figura que exprime a aproximação de contrários.</p><p>Das conceituações clássicas às modernas, a imagem poética perfaz uma íntima</p><p>relação, sobretudo, com a metáfora. De acordo com Viviana Bosi (2004):</p><p>Na acepção moderna, por seu turno:</p><p>Afirma Aristóteles quer metáfora confere nobreza a lin-</p><p>guagem porque cria enigmas (a essência do enigma é</p><p>de colocar juntos termos inconciliáveis). Só a metáfora</p><p>torna isso possível. a metáfora é palavra ornamental (a</p><p>expressão de Aristóteles é cosmos, cosmético): ordena-</p><p>da e bela – uma palavra cosmética – para nós, com a</p><p>acepção de maquiagem, para os gregos, também no</p><p>sentido de organizada artisticamente. Enfim, o filósofo</p><p>assevera que o predicado mais importante do poeta re-</p><p>side</p><p>em sua capacidade de ser excelente na criação de</p><p>metáforas, e tal qualidade constitui a essência da poie-</p><p>sis. (BOSI, 2004, p. 29-30).</p><p>O processo de criação de imagens nunca engendra có-</p><p>pia passiva ou imitação da natureza em sua aparência.</p><p>trata-se, de um trabalho do espírito para construir laços,</p><p>não mais entre coisas, mas entre Campos semânticos</p><p>51</p><p>Para exemplificar esse conceito, leiamos o poema abaixo, intitulado “Medinaceli”,</p><p>de João Cabral de Melo Neto:</p><p>Do alto de sua Montanha</p><p>numa lenta hemorragia</p><p>do esqueleto já folgado</p><p>a cidade se esvazia.</p><p>Puseram Medinaceli</p><p>bem na estrada de Castela</p><p>como no alto de um portão</p><p>se põe um leão de pedra.</p><p>qMedinaceli era o centro</p><p>(nesse elevado plantão)</p><p>do tabuleiro das guerras</p><p>entre Castela e o Islão,</p><p>entre Leão e Castela,</p><p>entre Castela e Aragão,</p><p>entre o Barão e seu rei,</p><p>entre o rei o infanção,</p><p>onde engenheiros, armados</p><p>com abençoados projetos,</p><p>lograram edificar</p><p>todo um deserto modelo.</p><p>Agora, Medinaceli</p><p>é cidade que se esvai:</p><p>mais desse por esta estrada</p><p>do que esta estrada lhe traz.</p><p>Pouca coisa ali sobrou</p><p>senão ocos monumentos,</p><p>com virtuais relações. A imagem poética conserva o</p><p>frescor da revelação, imanente ao seu processo rei de</p><p>criação, no qual o poeta ativamente deu à luz um novo</p><p>sentido. O espírito inventa um sistema de afinidades,</p><p>que não constituem em absoluto um reflexo da realida-</p><p>de, mas um desenho por ele prefigurado: “quase ma-</p><p>téria por se deixar ainda ver e quase espírito por não se</p><p>deixar tocar” (Bergson), a imagem faz parte do aspecto</p><p>simbolizante da poesia, que, como já disseram a Hegel,</p><p>é o luzir ou transparecer sensível da ideia. Portanto, a</p><p>aisthesis é um dos aspectos fundamentais da lingua-</p><p>gem poética. (BOSI, 2004, p. 31).</p><p>52</p><p>senão a praça esvaída</p><p>que imita geral exemplo;</p><p>pouca coisa lhe sobrou</p><p>se não foi o poemão</p><p>que poeta daqui contou</p><p>(talvez cantou, cantochão),</p><p>que poeta daqui escreveu</p><p>com a dureza de mão</p><p>com que hoje a gente daqui</p><p>diz em silêncio seu não</p><p>No poema inserido na coletânea Morte e vida severina, o poeta constrói por meio</p><p>do encadeamento de imagens a visão do esvaziamento da antiga Medinaceli (espécie</p><p>de cidade-fortaleza espanhola que no século XII constituía fronteira com o império</p><p>árabe, servindo de portão de defesa ao reino de Castela.</p><p>A imagem que se perpetua no poema ecoa intensificando a relação entre presente</p><p>e passado e o sentido do mundo expresso pelo eu lírico cinge a cidade, resguardando-a</p><p>do completo esquecimento em uma profunda fusão expressiva em que o esvaimento</p><p>encontra a dureza da linguagem, seca e resistente como um monumento contra o</p><p>esquecimento. Dessa forma, a figuratividade poética resulta da construção da unidade</p><p>do poema.</p><p>Análise e interpretação poética</p><p>O processo analítico em literatura, seja voltado para a prosa ou para a poesia,</p><p>pressupõe parcialidade e incompletude, uma vez que, ainda que uma análise siga todos</p><p>os critérios propostos pela teoria da literatura, ela jamais será capaz de dar conta de todos</p><p>os elementos que são passíveis de análise profunda, dada a sua complexa elaboração.</p><p>Isso porque, tenhamos sempre em mente, a plurissignificação comportada pelas obras</p><p>literárias (elemento primordial da composição do texto literário), sucessivamente,</p><p>dará margem a novas perspectivas de análise e interpretação que podem tanto</p><p>complementar quanto contrapor as análises já existentes sobre um determinado texto</p><p>literário.</p><p>Dito isto, o exemplo aqui proposto de análise e interpretação do poema nada mais</p><p>é do que um exercício didático que não tem qualquer pretensão a fixar-se como um</p><p>esquema rígido, visto que em cada época, cada leitor lê e interpreta um texto poético de</p><p>acordo com as referências que configuram sua visão de mundo. Aqui, portanto, faremos</p><p>um exercício analítico utilizando os conceitos explanados anteriormente de maneira a</p><p>demonstrar orientações de análise e interpretação baseadas em referenciais teórico-</p><p>críticos.</p><p>De acordo com Antonio Candido, em O estudo analítico do poema (2006), o primeiro</p><p>passo para se iniciar a análise de um poema é a identificação daquilo que o poema</p><p>possui de concreto: “partimos do poema em sua realidade concreta porque desejamos</p><p>sobretudo adquirir uma Sé certa competência na análise, e não primariamente na</p><p>interpretação que decorre dela. [...].” (CANDIDO, 2006, p. 22). Dessa forma, a atuação da</p><p>análise se dá especificamente em torno do poema em sua integridade, isto é, a partir</p><p>dos elementos que ele apresenta, os quais são indispensáveis para a sua compreensão:</p><p>53</p><p>Portanto, trata-se de vislumbrar, em uma primeira etapa, os seus elementos</p><p>estruturais para, só então, vicejarmos o plano da interpretação.</p><p>Por sua vez, interpretação não significa falar apenas sobre o que a materialidade</p><p>do poema mostra, já que o sentido advém de um processo de interiorização dessa</p><p>linguagem; também não se trata de falar de si mesmo, expressando seus sentimentos,</p><p>suas ideias ou suas sensações, uma vez que:</p><p>A interpretação parte desta etapa, começa nela, mas se</p><p>distingue por se eminentemente integradora, visando</p><p>mais a estrutura, no seu conjunto, e aos significados que</p><p>julgamos poder ligar a esta estrutura. [...].</p><p>Análise e interpretação representam os dois momentos</p><p>fundamentais do estudo do texto, isto é, os que se po-</p><p>deriam chamar respectivamente o “momento da parte”</p><p>e o “momento do todo”, completando o círculo herme-</p><p>nêutico, ou interpretativo, que consiste em entender o</p><p>todo pela parte e a parte pelo todo, a síntese pela análise</p><p>e a análise pela síntese. (CANDIDO, 2006, p. 29).</p><p>Tendo em vista a conceituação de Candido com relação à análise e interpretação</p><p>do poema, passemos ao exercício de análise poética. O poema que nos servirá de base</p><p>para tanto é “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, uma importante composição que é</p><p>representativa do romantismo brasileiro e data de 1843:</p><p>Canção do Exílio</p><p>Minha terra tem palmeiras,</p><p>Onde canta o Sabiá;</p><p>As aves, que aqui gorjeiam,</p><p>Não gorjeiam como lá.</p><p>Nosso céu tem mais estrelas,</p><p>Nossas várzeas têm mais flores,</p><p>Nossos bosques têm mais vida,</p><p>Nossa vida mais amores.</p><p>Em cismar, sozinho, à noite,</p><p>Mais prazer encontro eu lá;</p><p>Minha terra tem palmeiras,</p><p>Onde canta o Sabiá.</p><p>Minha terra tem primores,</p><p>A análise comporta praticamente um aspecto de co-</p><p>mentário puro e simples, que é o levantamento de</p><p>dados exteriores à emoção poética, sobretudo dados</p><p>históricos e filológicos. e comporta um aspecto jamais</p><p>próximo à interpretação, que é a análise propriamente</p><p>dita, o levantamento analítico de elementos internos do</p><p>poema, sobretudo os ligados à sua construção fônica e</p><p>semântica, e que tem como resultado uma decomposi-</p><p>ção do poema em elementos, chegando ao pormenor</p><p>das últimas minúcias. (CANDIDO, 2006, p. 29).</p><p>54</p><p>Que tais não encontro eu cá;</p><p>Em cismar — sozinho, à noite —</p><p>Mais prazer encontro eu lá;</p><p>Minha terra tem palmeiras,</p><p>Onde canta o Sabiá.</p><p>Não permita Deus que eu morra,</p><p>Sem que eu volte para lá;</p><p>Sem que desfrute os primores</p><p>Que não encontro por cá;</p><p>Sem qu’inda aviste as palmeiras,</p><p>Onde canta o Sabiá.</p><p>O título do poema remete por si só ao estilo formal adotado: trata-se de uma</p><p>canção. Olhamos primeiramente para a sua composição concreta, isto é, a sua</p><p>disposição de versos, e percebemos que ele possui cinco estrofes, sendo as três</p><p>primeiras compostas por 4 versos, o que configura quartetos; e as duas últimas por 6</p><p>versos, configurando, portanto, sextetos.</p><p>Quanto à métrica, o procedimento adotado para classificá-la, como vimos,</p><p>é a escansão, que deve separar a sílaba métrica de acordo com a unidade sonora</p><p>produzida pelos versos e quantificá-la, contabilizando os sons até a última sílaba forte:</p><p>Min/ha/ ter/ra /tem/ pal/mei/ras, A</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>On/de/ can/ta o/ Sa/bi/á; B</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>As/ a/ves/, que a/qui/ gor/jei/am, C</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Não/ gor/jei/am/ co/mo/ lá. B</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Nos/so/ céu/ tem /mais/ es/tre/las, D</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Nos/sas/ vár/zeas/ têm/ mais/ flo/res, E</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Nos/sos/ bos/ques/ têm/ mais/ vi/da, F</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Nos/sa/ vi/da/ mais/ a/mo/res. E</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Em/ cis/mar/, so/zi/nho, à/ noi/te, G</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Mais/ pra/zer/ en/con/tro eu/ lá; B</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Mi/nha/ ter/ra/ tem/ pal/mei/ras, A</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>On/de/ can/ta o/ Sa/bi/á. B</p><p>55</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Min/ha/ ter/ra/ tem/ pri/mo/res, E</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Que/ tais/ não/ en/con/tro eu/ cá; B</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Em/ cis/mar/ — so/zi/nho, à/ noi/te — G</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Mais/ pra/zer/ en/con/tro eu/ lá; B</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Mi/nha/ ter/ra/ tem/ pal/mei/ras, A</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>On/de/ can/ta o/ Sa/bi/á. B</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Não/ per/mi/ta/ Deus/ que eu/ mor/ra, H</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Sem/ que eu/ vol/te/ pa/ra/ lá; B</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Sem/ que/ des/fru/te os/ pri/mo/res E</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Que/ não/ en/con/tro/ por/ cá; B</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Sem/ qu'i/nda a/vis/te as/ pal/mei/ras, A</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>On/de/ can/ta o/ Sa/bi/á. B</p><p>1 2 3 4 5 6 7</p><p>Feita a escansão, podemos concluir que se trata de um poema de versos</p><p>heptassílabos (sete sílabas), também denominados de redondilhas maiores, que cria</p><p>um ritmo regular, sendo, portanto, caracteristicamente configurado por uma forma fixa.</p><p>Quanto ao esquema de rimas, sinalizado na escansão pelas letras em caixa alta,</p><p>temos uma leve alternância, com predomínio da rima B (repetição sonora da vogal</p><p>aberta de “sabiá”, “lá”, “cá”). Há ainda presença de refrão configurada pela repetição de</p><p>“Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá” que reforça o caráter de musicalidade</p><p>do poema.</p><p>Há aliteração pela repetição de sons consonantais (m/n/t) e assonância pelo</p><p>emprego de um encadeamento sonoro de vogais abertas e fechadas “Minha terra tem</p><p>palmeiras / Onde canta o sabiá”. Do ponto de vista formal, ressalta-se a musicalidade</p><p>que os versos produzem remetendo ao título do poema (canção).</p><p>Quanto ao tema do poema, o termo que acompanha a identificação do estilo</p><p>adotado (“exílio”) se fixa como um importante referencial para a construção figurativa</p><p>dos versos. Revela-se um eu lírico distante de sua terra natal, que, de outro lugar, exalta</p><p>as cores e as formas do seu país. Trata-se de uma ode à pátria cujo sentido se reveste de</p><p>nostalgia e idealização, como podemos exemplificar pelos versos da segunda estrofe:</p><p>Nosso céu tem mais estrelas,</p><p>Nossas várzeas têm mais flores,</p><p>56</p><p>Nossos bosques têm mais vida,</p><p>Nossa vida mais amores.</p><p>A partir dessa estrofe também se projeta a identificação do eu lírico a uma</p><p>dimensão coletiva, que é reiterada pelos pronomes possessivos que iniciam os versos</p><p>(“Nosso”, “Nossas”, “Nossos”, “Nossa”).</p><p>Um jogo comparativo se constrói pela versificação de modo a criar figuras de</p><p>analogia entre um “cá” (o exílio) e um “lá” (o Brasil). Poderíamos simplesmente ficar com</p><p>essa comparação que já é suficiente para situarmos o poema como uma exaltação da</p><p>pátria. Complementarmente, no entanto, podemos acrescentar a essa configuração</p><p>formal, se assim acharmos viável à análise, informações acerca da trajetória do autor.</p><p>Nesse sentido, poderíamos, como um adendo, adicionar a informação biográfica de</p><p>que Gonçalves Dias compôs a “Canção do exílio” quando estava cursando Direito em</p><p>Portugal. Assim, podemos fazer uma associação do sentimento expresso pelo eu lírico</p><p>com o momento vivido pelo poeta.</p><p>Do ponto de vista temático, é significativo que se faça essa oposição entre</p><p>Brasil e Portugal, sobretudo, porque apesar de termos passado por longos séculos de</p><p>colonização portuguesa, nossa pátria não é a portuguesa, e sim a brasileira que, com</p><p>sua flora, com sua fauna, com suas silhuetas próprias provoca grande nostalgia em</p><p>quem dela partiu.</p><p>O poema de Gonçalves Dias é uma das composições que mais passaram por</p><p>reapropriações na literatura brasileira, tendo sido dois dos versos acima explicitados</p><p>empregados por Joaquim Osório Duque-Estrada na composição do nosso hino nacional,</p><p>em 1914.</p><p>A “Canção do exílio” é representativa da fase inicial do romantismo brasileiro</p><p>(movimento artístico que vigorou entre as décadas de 30 e 80 do século XIX), momento</p><p>em que há uma preocupação para com a unificação de um sentimento nacional</p><p>que exprime a relação da sociedade brasileira com a paisagem, imperando um</p><p>sentimentalismo que compreende uma profunda identificação do homem com seu</p><p>meio, ainda que a grande marca dessa projeção seja a idealização desse pertencimento.</p><p>Fica perceptível na análise exposta que a interpretação de um poema, como de</p><p>qualquer obra literária, decorre da junção dos vários elementos que a caracterizam.</p><p>Nunca um elemento sozinho (apenas a forma ou apenas o conteúdo, tampouco apenas</p><p>informações sobre a conjuntura em que foi escrita) será suficiente para dar conta da</p><p>complexidade de uma obra literária, no caso, de um poema.</p><p>57</p><p>Alegoria: figura construída a partir de um encadeamento de metáforas.</p><p>Aliteração: repetição da mesma consoante no interior de um ou mais versos.</p><p>Anáfora: figura de linguagem que consiste na repetição recursiva da mesma palavra, na</p><p>mesma posição, em vários versos (sempre no começo, sempre no meio ou sempre no final</p><p>do verso).</p><p>Antítese: figura de linguagem baseada na aproximação de opostos.</p><p>Assonância: repetição da mesma vogal dentro de um ou mais versos.</p><p>Cesura: pausa que decorre de uma transposição de um termo de um verso para outro.</p><p>Encadeamento: ou enjambement é um recurso que opera um “corte” no verso de modo a</p><p>se estabelecer ligação sintática e semântica com o verso seguinte.</p><p>Escansão: processo de decomposição dos versos em sílabas métricas para analisar sua</p><p>estrutura formal.</p><p>Esquema rítmico: nome dado à estrutura de rimas de um poema.</p><p>Estrofe: conjunto de versos de um poema. A identificação da quantidade de estrofes ajuda</p><p>na classificação da estrutura formal do poema.</p><p>Metáfora: figura de linguagem complexa que promove uma comparação abreviada e</p><p>simbólica.</p><p>Metonímia: figura que se baseia em um aspecto para promover uma representação global</p><p>(a parte pelo todo).</p><p>Métrica ou metrificação: sinônimo de versificação, diz respeito ao estudo da estrutura do</p><p>verso.</p><p>Rima: compreende a semelhança entre os sons e pode ser interna (quando ocorre no interior</p><p>do mesmo verso) ou externa (quando ocorre nos finais dos versos); pode ser consoante</p><p>(quando ocorre entre vogais e consoantes) ou toantes (quando ocorre apenas nas vogais</p><p>tônicas); pode ser classificada como “pobre”, “rica”, “rara” ou “preciosa”, conforme a extensão</p><p>dos sons que rimam ou a categoria gramatical das palavras combinadas; e, ainda, quanto à</p><p>disposição formal, podem ser alternadas, emparelhadas, interpoladas ou misturadas.</p><p>Sinédoque: figura de linguagem que emprega um termo pelo outro, em uma relação de</p><p>compreensão.</p><p>Sinestesia: recurso que promove associação entre diferentes impressões sensoriais, ou</p><p>seja, aos cinco sentidos: visão, audição, olfato, paladar, tato.</p><p>Verso: trata-se de uma linha de um poema, com ritmo específico, diferente do de uma</p><p>linha de prosa. Quando o verso segue as regras da métrica clássica, chama-se verso regular.</p><p>Quando não obedece a elas, chama-se livre.</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>58</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>1.(Adaptada) Ano: 2021 Banca: Prefeitura de Bombinhas – SC Prova: Prefeitura de</p><p>Bombinhas – SC – Prefeitura de Bombinhas – Engenheiro Agrimensor – 2021</p><p>Leia O “Soneto de Separação”, de Vinicius de Moraes, e responda as questões:</p><p>“De repente do riso fez-se o pranto</p><p>Silencioso e branco como a bruma</p><p>E das bocas unidas fez-se a espuma</p><p>E das mãos espalmadas</p><p>fez-se o espanto.</p><p>De repente da calma fez-se o vento</p><p>Que dos olhos desfez a última chama</p><p>E da paixão fez-se o pressentimento</p><p>E do momento imóvel fez-se o drama.</p><p>De repente, não mais que de repente</p><p>Fez-se de triste o que se fez amante</p><p>E de sozinho o que se fez contente.</p><p>Fez-se do amigo próximo o distante</p><p>Fez-se da vida uma aventura errante</p><p>De repente, não mais que de repente.”</p><p>(https://www.pensador.com/sonetosdeviniciusdemoraes/)</p><p>O “Soneto de Separação” é formado por:</p><p>a) quatro estrofes, quinze versos, três quartetos e dois tercetos.</p><p>b) quatro estrofes, quatorze versos, dois quartetos e dois tercetos.</p><p>c) três estrofes, quatorze versos, dois quartetos e sete tercetos.</p><p>d) quatro estrofes, dez versos, dois quartetos e dois tercetos.</p><p>e) três estrofes, quatorze versos, três quartetos e dois tercetos.</p><p>2. De acordo com a conceituação de Yves Stalloni:</p><p>O verso e o poema de forma fixa (...) serão os meios favoritos do lirismo. Os grandes</p><p>sentimentos individuais (o amor infeliz, o sofrimento, a tristeza, a melancolia ou, com</p><p>menor frequência, a alegria e o entusiasmo) serão seus temas privilegiados. (STALLONI,</p><p>2007, p. 151).</p><p>Nesse sentido, o gênero lírico se caracteriza, de maneira geral, pela representação</p><p>construída a partir da perspectiva:</p><p>a) da musicalidade.</p><p>b) da impessoalidade.</p><p>c) do sofrimento.</p><p>d) do pensamento.</p><p>59</p><p>e) da subjetividade.</p><p>3. (Adaptada) Ano: 2021 Banca: Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da UEL –</p><p>FAUEL Prova: FAUEL – Prefeitura de Rio Azul – Psicólogo – 2021</p><p>Analise o poema a seguir, escrito por Luís de Camões, para responder às próximas</p><p>questões.</p><p>“Como podes, ó cego pecador,</p><p>estar em teus errores tão isento,</p><p>sabendo que esta vida é um momento,</p><p>se comparada com a eterna for?</p><p>Não cuides tu que o justo Julgador</p><p>deixará tuas culpas sem tormento,</p><p>nem que passando vai o tempo lento</p><p>do dia de horrendíssimo pavor.</p><p>Não gastes horas, dias, meses, anos,</p><p>em seguir de teus danos a amizade,</p><p>de que depois resultam mores danos.</p><p>E pois de teus enganos a verdade</p><p>conheces, deixa já tantos enganos,</p><p>pedindo a Deus perdão com humildade”.</p><p>Considere as opções a seguir e marque a que indica o gênero literário que melhor</p><p>corresponde ao texto selecionado.</p><p>a) Crônica urbana.</p><p>b) Poesia lírica.</p><p>c) Romance histórico.</p><p>d) Sátira política.</p><p>e) Drama moderno.</p><p>4. Ano: 2020 Banca: EDUCA Assessoria Educacional – EDUCA Prova: EDUCA –</p><p>Prefeitura de Cabedelo – Agente de Combate às Endemias – 2020</p><p>Leia o texto 1 para responder às questões de 1 a 5.</p><p>Texto 1</p><p>Se eu conversasse com Deus,</p><p>Iria lhe perguntar:</p><p>Por que é que sofremos tanto</p><p>Quando viemos pra cá?</p><p>Que dívida é essa que o homem</p><p>Tem que morrer pra pagar?</p><p>60</p><p>Perguntaria também</p><p>Como é que ele é feito</p><p>Que não dorme, que não come</p><p>E assim vive satisfeito.</p><p>Por que foi que ele não fez</p><p>A gente do mesmo jeito?</p><p>Por que existem uns felizes</p><p>E outros que sofrem tanto?</p><p>Nascidos do mesmo jeito,</p><p>Criados no mesmo canto.</p><p>Quem foi temperar o choro</p><p>E acabou salgando o pranto?</p><p>REZENDE, Marcos. Ariano Suassuna - Quem foi temperar o choro e acabou salgando o</p><p>pranto... 2016. (4 min:11s). Disponível em https://www.youtube.com (Texto transcrito a</p><p>partir de declamação feita por Ariano Suassuna).</p><p>A voz que fala no poema (eu lírico) questiona a existência de Deus. Entretanto, o leitor</p><p>desse poema – independente do credo que professe – deve lê-lo como:</p><p>a) Um documento cujo conteúdo traduz um dogma de fé.</p><p>b) Um texto literário cuja linguagem se insere no domínio artístico.</p><p>c) Um texto cujo gênero é a conversa informal.</p><p>d) Um texto jornalístico que se assemelha a uma entrevista.</p><p>e) Um texto narrativo semelhante a uma crônica.</p><p>5. De acordo com o conteúdo estudado na unidade, são todas formas derivadas do</p><p>gênero lírico que se diferenciam entre si pelos temas de que tratam, exceto:</p><p>a) Soneto.</p><p>b) Elegia.</p><p>c) Trovas.</p><p>d) Cantigas satíricas.</p><p>e) Romance lírico.</p><p>6.(Adaptada) Ano: 2021 Banca: Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural</p><p>e Assistencial Nacional - IDECAN Prova: IDECAN - IFCE - Professor de Ensino Básico,</p><p>Técnico e Tecnológico - Área: Letras – Língua Portuguesa - 2021</p><p>Texto para as questões 37 a 46</p><p>Alma minha gentil, que te partiste</p><p>Tão cedo desta vida descontente,</p><p>Repousa lá no Céu eternamente,</p><p>E viva eu cá na terra sempre triste.</p><p>61</p><p>Se lá no assento etéreo, onde subiste,</p><p>Memória desta vida se consente,</p><p>Não te esqueças daquele amor ardente</p><p>Que já nos olhos meus tão puro viste.</p><p>E se vires que pode merecer-te</p><p>Alguma cousa a dor que me ficou</p><p>Da mágoa, sem remédio, de perder-te;</p><p>Roga a Deus que teus anos encurtou,</p><p>Que tão cedo de cá me leve a ver-te,</p><p>Quão cedo de meus olhos te levou.</p><p>(Luís de Camões)</p><p>O poema de Camões se classifica como:</p><p>a) soneto, gênero lírico.</p><p>b) écloga, gênero lírico.</p><p>c) ode, gênero dramático.</p><p>d) barcarola, gênero épico.</p><p>e) elegia, gênero lírico.</p><p>7. Ano: 2022 Banca: FUNDATEC Processos Seletivos – FUNDATEC Prova: FUNDATEC –</p><p>Prefeitura – Professor de Português – 2022</p><p>Analise as assertivas abaixo e assinale V, se verdadeiras, ou F, se falsas.</p><p>( ) Uma característica comum às narrativas mais antigas é contar os feitos</p><p>extraordinários de um herói. Por meio de longos poemas narrativos, um acontecimento</p><p>histórico protagonizado por um herói ou por um povo é contado em estilo solene,</p><p>grandioso.</p><p>( ) A poesia lírica surge como uma forma de expressar sentimentos e emoções</p><p>pessoais pela voz do eu-lírico. Alguns exemplos dessa poesia são a elegia, a écloga, a</p><p>ode e o soneto.</p><p>( ) Na poesia, além do significado das palavras, a sua sonoridade é a base para a</p><p>construção de recursos poéticos, como o ritmo, a rima e o metro.</p><p>( ) A cena, num espetáculo teatral, é a unidade de ação das personagens. O mais</p><p>importante, no gênero dramático, é o texto da obra; logo, corpo do ator na cena, assim</p><p>como o cenário, o figurino e a iluminação têm pouca importância no desenrolar de</p><p>uma peça.</p><p>A ordem correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:</p><p>a) V – V – V – V.</p><p>b) V – V – V – F.</p><p>c) V – F – F – F.</p><p>62</p><p>d) F – F – V – V.</p><p>e) F – V – F – V.</p><p>8. A classificação da estrutura estrófica de um poema desempenha importante</p><p>função em sua análise formal. Leia o poema abaixo e, de acordo com o conteúdo</p><p>estudado ao longo da unidade, assinale a alternativa correspondente.</p><p>[...]</p><p>Tanto os esforços em subir concentra,</p><p>Em tantas zonas de Prodígios entra.</p><p>Nas suas asas tal vigor supremo</p><p>Leva, através de todo o Azul extremo,</p><p>Que parece cem águias de atras garras</p><p>Com asas gigantescas e bizarras.</p><p>Cem águias soberanas, poderosas</p><p>Levantando as cabeças fabulosas.</p><p>[...]</p><p>(Cruz e Sousa, “Luar de lágrimas”, Faróis (1996).</p><p>O trecho do poema de Cruz e Sousa pode ser classificado quanto às suas estrofes:</p><p>a) como quartetos (quatro versos).</p><p>b) como dísticas (dois versos).</p><p>c) como oitavas (oito versos).</p><p>d) como sextetos (seis versos).</p><p>e) como quadra (quatro versos).</p><p>FUNIP301</p><p>Texto digitado</p><p>FORMAS NARRATIVAS LONGAS</p><p>64</p><p>Esta unidade tem como principal intuito traçar uma caracterização geral das</p><p>formas narrativas a partir de suas estruturas de composição, suas temáticas e seus</p><p>estilos, de maneira a sintetizar conceitos que permitam a identificação de um texto</p><p>literário de caráter narrativo, bem como seus princípios de análise e interpretação. Em</p><p>seguida, de maneira sucinta, perpassa por conceituações acerca da epopeia e do</p><p>romance enquanto formas narrativas caracterizadas por serem longas.</p><p>De acordo com os estudos de narratologia desenvolvidos por Gérard Genette,</p><p>as narrativas possuem formas e princípios de composição comuns, que podemos</p><p>conceber como níveis globais de organização que funcionam como mecanismos</p><p>internos. A narrativa nasce da necessidade de contar. Assim, ela advém da memória e</p><p>sua transmissão se dá pela narração.</p><p>Narração</p><p>Fundamentalmente, o que caracteriza uma narrativa é a narração, isto é,</p><p>a configuração de uma história: tipo de discurso pelo qual se faz a exposição de</p><p>acontecimentos. Ou seja, a narração é o processo que torna a narrativa um objeto</p><p>apreensível pelo ouvinte ou leitor.</p><p>Para tal, faz-se necessária</p><p>a presença de uma voz que é responsável por contar/</p><p>transmitir a história. Essa voz é denominada de narrador. O narrador constrói uma visão</p><p>sobre um determinado acontecimento ou uma determinada situação que culmina</p><p>na construção de um enredo (ou trama), que podemos compreender como sendo a</p><p>estrutura da narrativa desde a primeira sentença proferida pelo narrador até o seu</p><p>desfecho.</p><p>Dentro dessa estrutura geral de transmissão de uma história, temos aspectos</p><p>que caracterizam a configuração do texto narrativo. Isso porque, ao narrar, a figura do</p><p>narrador constrói uma relação entre elementos que são primordiais à existência de</p><p>uma história, tais como personagens, espaço, tempo e ação.</p><p>Observemos o texto abaixo para percebermos como esses mecanismos se</p><p>associam:</p><p>3.1 INTRODUÇÃO</p><p>No barulho que enchia a praça ninguém notou a pro-</p><p>vocação. E Fabiano foi esconder-se por detrás das bar-</p><p>racas, para lá dos tabuleiros de doces. Estava disposto</p><p>a esbagaçar-se, mas havia nele um resto de prudência.</p><p>Ali podia irritar-se, dirigir ameaças e desaforos inimigos</p><p>invisíveis. Impelido por forças opostas, expunha-se e</p><p>acautelava-se. Sabia que aquela explosão era perigosa,</p><p>temia que o soldado amarelo surgisse de repente, viesse</p><p>plantar-lhe no pé a reiuna. O soldado amarelo, falto de</p><p>substância, ganhava fumaça na companhia dos parcei-</p><p>ros. Era bom evitá-lo. Mas a lembrança dele tornava-se</p><p>às vezes horrível. E Fabiano estava tirando uma desforra.</p><p>Estimulado pela cachaça fortalecia-se:</p><p>̶ Cadê o valente? Quem é que tem coragem de dizer que</p><p>eu sou feio? Apareça um homem.</p><p>65</p><p>Lançava o desafio numa fala atrapalhada, com o vago</p><p>receio de ser ouvido. Ninguém apareceu. [...]. (RAMOS,</p><p>2021, p. 76).</p><p>a epopeia ancora-se na história de um país, do qual ela</p><p>fornece a crônica, amplamente alimentada por mitos e</p><p>lendas. Mas, no decorrer do tempo, essa representação</p><p>dos fundamentos do mundo desliza mais para o lado da</p><p>lenda, até vir a colocar-se deliberadamente no terreno</p><p>do imaginário maravilhoso. [...]. (STALLONI, 2007, p. 78).</p><p>Visualmente, percebemos tratar-se de um texto narrativo na medida em que</p><p>se apresenta em linhas consecutivas, isto é, sem os espaçamentos fragmentários</p><p>característicos da poesia. No entanto, é preciso ter claro que o texto narrativo pode</p><p>apresentar-se tanto em prosa como em verso, sendo este o caso da epopeia e, aquele,</p><p>o caso do conto, da novela e do romance.</p><p>Diante do exemplo de que dispomos, podemos tomar como um ponto de partida</p><p>para uma prévia distinção entre a narrativa em prosa e em verso, esse discernimento de</p><p>que, na prosa, a narrativa se constrói a partir do encadeamento sintático consecutivo,</p><p>ao passo que, em verso, ela se aproxima sintaticamente da configuração fragmentária</p><p>da poesia.</p><p>Na sincronia dos elementos que aparecem no texto, percebemos a referência a</p><p>um espaço (a praça), um tempo (sinalizado pela conjugação verbal majoritariamente</p><p>construída no passado), ações que são atribuídas aos personagens (Fabiano, soldado</p><p>amarelo) e uma figura pela voz da qual a narrativa é organizada: o narrador, e que</p><p>constitui, assim, o ponto de vista da narração. Além disso, observa-se a transposição</p><p>da voz direta do personagem (Fabiano), sinalizada como diferente da narração pelo</p><p>emprego do travessão (̶).</p><p>Dessa forma, de acordo com Roberto Acízelo de Souza (1999, p. 51-52), a narrativa</p><p>admite a narração (organização geral da história contada), a descrição (elenca</p><p>elementos que contribuem para a caracterização do espaço e dos personagens, tanto</p><p>física quanto psicológica) e a dissertação (argumentos que são reunidos pelo narrador</p><p>ou pela fala dos personagens para transmitir um ponto de vista).</p><p>Seguindo um critério diacrônico, comecemos por nos deter na conceituação da</p><p>epopeia.</p><p>A epopeia</p><p>A forma narrativa que predominou na Antiguidade Clássica e vigorou até a</p><p>constituição dos países modernos foi a epopeia: longo poema que narra, em tom solene,</p><p>os feitos heroicos de um povo a partir de figuras representativas da coletividade.</p><p>O surgimento da epopeia como forma literária se atrela às origens dos processos de</p><p>elaboração narrativa, por isso, essa forma é também denominada de gênero épico, ou</p><p>simplesmente épica, por se referir, na conceituação aristotélica, ao modo representativo</p><p>pautado na narração.</p><p>De acordo com Yves Stalloni:</p><p>66</p><p>Canta-me a Cólera – ó deusa! – funesta de Aquiles Peli-</p><p>da,causa que foi de os Aquivos sofrerem trabalhos sem</p><p>conta e de baixarem para o Hades as almas de heróis</p><p>numerosose esclarecidos, ficando eles próprios aos cães</p><p>atirados e como pasto das aves. Cumpriu-se de Zeus o</p><p>desígnio desde o princípio em que os dois, em discórdia,</p><p>ficaram cindidos, o de Atreu filho, senhor de guerreiros,</p><p>e Aquiles divino.Qual dentre os deuses eternos foi causa</p><p>de que eles brigassem?</p><p>[...]</p><p>(HOMERO, 2015A, p. 55).</p><p>A forma narrativa épica tem n’A epopeia de Gilgamesh (escrita pelos sumérios</p><p>no século XX a.C., considerada a obra literária mais antiga de que se tem ciência) e nas</p><p>obras atribuídas a Homero, Ilíada e Odisseia (escritas no século IX a.C.), um referencial</p><p>fundador que caracteriza a composição desse modelo de forma fixa. No âmbito da</p><p>língua portuguesa, as obras mais representativas de narrativa épica, considerando a</p><p>literatura portuguesa e brasileira, são: Os lusíadas (1572), de Luís Vaz de Camões e O</p><p>Uraguai (1769), de Basílio da Gama, respectivamente.</p><p>A narrativa épica tradicional deriva de uma forma fixa composta a partir de</p><p>versos que se distribuem em cantos que narram grandes acontecimentos históricos</p><p>em tom grandiloquente, construindo uma imagem mítica e coletiva para um povo que</p><p>se ampara em figuras heroicas e simbólicas.</p><p>As cinco características que sintetizam a estética da epopeia, de acordo com</p><p>Yves Stalloni (2007, p. 79-81), são:</p><p>– Narrador onisciente: distanciado dos fatos narrados.</p><p>– Forma poética: composição em versos (maior poder de fixação).</p><p>– Retórica codificada: utilização de figuras de estilos (por exemplo, para</p><p>engradecer certos personagens ou objetos), hipérbole, acumulação, descrição</p><p>detalhada, repetição, vocabulário elevado.</p><p>– O uno e o múltiplo: associação entre um ser de conduta elevada e uma</p><p>coletividade que deve se guiar pelas suas qualidades.</p><p>– O sentido da história: oferece uma visão da “fundação” de um povo ou uma</p><p>nação, mormente, está ligada ao surgimento de uma liderança representativa, em</p><p>sentido primitivo e belicoso, que guie seu povo e torne distinta a sua nação.</p><p>Quanto à estrutura, de acordo com SOARES (2007, p. 39-40), a epopeia se compõe</p><p>de cinco partes essenciais:</p><p>– Proposição: apresentação da temática tratada e do herói;</p><p>– Invocação: o poeta reivindica inspiração de uma divindade;</p><p>– Dedicatória: a obra é dedicada a uma personalidade importante;</p><p>– Narração: a história, o seu desenrolar, a trajetória e as aventuras vividas pelo</p><p>herói;</p><p>– Remate: desfecho da narrativa.</p><p>Em Ilíada, temos uma narrativa dividida em 24 cantos nos quais distribuem-se 15.693</p><p>versos que se concentram em eventos históricos e míticos da guerra de Troia:</p><p>67</p><p>A ação e os acontecimentos narrados incidem, sobretudo, em Aquiles, de modo</p><p>que esse personagem se converte, por esse motivo, em herói da obra. O desenrolar</p><p>dos eventos envolve a relação mítica dos homens com as divindades, dependendo</p><p>destas o destino do herói, assim como do povo, o que exprime a cosmovisão cultural da</p><p>antiguidade clássica.</p><p>A Odisseia, por sua vez, em perfeita simetria formal com a Ilíada, possui também</p><p>24 cantos, mas, um número menor de versos: 12.000, e narra os eventos da guerra de</p><p>Troia pela perspectiva de Odisseu (ou Ulisses, de acordo com algumas traduções) e,</p><p>consecutivamente, o seu retorno para casa. Finalizada a guerra narrada na Ilíada, outra</p><p>aventura épica se inicia: o retorno dos guerreiros para seus lares. Depois de dez anos</p><p>lutando em Troia, Odisseu passaria ainda mais dezessete em sua viagem de volta para</p><p>que, por fim, pudesse regressar a Ítaca:</p><p>A ação e os acontecimentos narrados se</p><p>concentram, sobretudo, nos atos de</p><p>Odisseu. Essa centralização, na épica, é um critério narrativo que culmina na eleição,</p><p>entre os personagens, de um herói. Assim como na Ilíada, em torno do herói se organizam</p><p>os elementos do espaço, do tempo, outros personagens etc. Todos aqueles elementos</p><p>“[...]</p><p>Sim, seu destino funesto o levou no navio escavado</p><p>para essa Troia infeliz, cujo nome dizer não consigo”</p><p>Disse-lhe, então, em resposta Odisseu, o guerreiro soler-</p><p>te: Ó venerável esposa do herói Odisseu Laercíada,</p><p>não mais se nuble teu belo semblante, nem tanto te</p><p>aflijas por teu marido, conquanto não possa censura fa-</p><p>zer-te. Toda mulher chora a perda, em verdade, do es-</p><p>poso legítimo de menor fama, de quem teve filhos em</p><p>laço afetivo. Mas Odisseu, dizem todos, um deus imortal</p><p>parecia. Cessa, porém, de chorar, e concede atenção ao</p><p>que digo. Hei de falar-te conforme a verdade, sem nada</p><p>esconder-te. Já tive, certo, notícia da volta do herói Odis-</p><p>seu, que se acha perto, na terra fecunda dos homens</p><p>Tesprotos, ainda com vida, e conduz para casa precio-</p><p>sos tesouros, que em toda parte angariou. Mas a nau</p><p>de costado escavado e os companheiros queridos, per-</p><p>deu-os no mar cor de vinho, ao se afastar da Trinácria.</p><p>Indignado contra eles se achava Zeus e Hiperiônio, por</p><p>terem deste último as vacas matado. Todos a Morte en-</p><p>contraram no meio das ondas furiosas. Ele, porém, pre-</p><p>so à quilha, jogado se viu contra a praia da região dos</p><p>Feácios, que são descendentes dos deuses. Estes o hon-</p><p>raram de jeito, qual fosse ele próprio um dos deuses, e</p><p>o cumularam com muitos presentes, dispostos, ainda,</p><p>a repatriá-lo sem dano. Há bem tempo pudera Odisseu</p><p>já ter voltado; mas no imo do peito julgou preferível por</p><p>muitas terras viajar, angariando riquezas sem conta, de</p><p>tal maneira ultrapassa Odisseu na inventiva de astúcias</p><p>os homens todos; nenhum dos mortais rivaliza com ele.</p><p>[...]</p><p>(HOMERO, 2015B, p. 318-319).</p><p>68</p><p>que, como vimos anteriormente, constituem uma narrativa.</p><p>O motivo épico se baseia no desenrolar dos eventos, que decorre da escolha</p><p>aventureira de Odisseu em empreender uma busca por riquezas na ocasião de seu</p><p>retorno, mas essas aventuras não são apenas conquistas materiais, de modo que</p><p>Odisseu alcança um status de personalidade heroica e desafiadora que se contrapõe à</p><p>do herói que termina a guerra se limitando ao sentimento de dever cumprido. Odisseu,</p><p>ao contrário, segue para outros desafios que também vão colocá-lo entre a vida e a</p><p>morte; e ele busca extrair dessas situações desafiadoras a sua glória e suas atitudes se</p><p>fixam como simbólicas da força, resiliência e sabedoria de seu povo em uma dimensão</p><p>narrativa que cruza, essencialmente, a experiência individual à coletiva.</p><p>Em Os lusíadas, a ação principal decorre da viagem empreendida por Vasco da</p><p>Gama às Índias. O herói Vasco da Gama é erigido pelo poeta como símbolo do indômito</p><p>espírito descobridor do povo lusitano:</p><p>CANTO I</p><p>1</p><p>As armas e o barões assinalados,</p><p>Que da ocidental praia lusitana,</p><p>Por mares nunca de antes navegados,</p><p>Passaram ainda além da Taprobana.</p><p>Em perigos e guerras esforçados,</p><p>Mais do que prometia a força humana,</p><p>E entre gente remota edificaram</p><p>Novo Reino, que tanto sublimaram;</p><p>2</p><p>E também as memórias gloriosas</p><p>Daqueles Reis, que foram dilatando</p><p>A Fé, o Império, e as terras viciosas</p><p>De África e de Ásia andaram devastando;</p><p>E aqueles, que por obras valerosas</p><p>Se vão da lei da morte libertando;</p><p>Cantando espalharei por toda parte,</p><p>Se a tanto me ajudar o engenho e arte.</p><p>3</p><p>Cessem do sábio Grego e do Troiano</p><p>A conceituação da epopeia tem sua principal fonte na obra de Aristóteles e é</p><p>essencial que você consulte-a na íntegra. A obra está disponível na Biblioteca</p><p>Pearson através do link: https://shre.ink/TxHt. Acesso em 30 dez. 2022.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>69</p><p>Entre as diferenças formais que marcam a épica homérica e a épica camoniana</p><p>está o tipo de verso utilizado. Isso porque na Antiguidade, a poesia épica era composta</p><p>por versos denominados hexâmetro heroico ou hexâmetro dactílico (versos de seis</p><p>sílabas métricas). Posteriormente, passou-se a utilizar como forma fixa da épica o verso</p><p>decassílabo (isto é, dez sílabas métricas). Assim, Ilíada e Odisseia são obras compostas</p><p>no metro hexâmetro heroico (ou dactílico), ao passo que Os lusíadas e O Uraguai são</p><p>compostos em decassílabos.</p><p>Por fim, para exemplificar a forma épica na literatura brasileira, um trecho de O</p><p>Uraguai, de Basílio da Gama:</p><p>O nosso último rei e o rei de Espanha</p><p>Determinaram, por cortar de um golpe,</p><p>Como sabeis, neste ângulo da terra,</p><p>As desordens de povos confinantes,</p><p>Que mais certos sinais nos dividissem</p><p>Tirando a linha de onde a estéril costa,</p><p>E o cerro de Castilhos o mar lava</p><p>Ao monte mais vizinho, e que as vertentes</p><p>Os termos do domínio assinalassem.</p><p>Vossa fica a Colônia, e ficam nossos</p><p>Sete povos, que os Bárbaros habitam</p><p>Naquela oriental vasta campina</p><p>Que o fértil Uraguai discorre e banha.</p><p>Quem podia esperar que uns índios rudes,</p><p>Sem disciplina, sem valor, sem armas,</p><p>Se atravessassem no caminho aos nossos,</p><p>As navegações grandes que fizeram;</p><p>Cale-se de Alexandro e de Trajano</p><p>A fama das vitórias que tiveram;</p><p>Que eu canto o peito ilustre Lusitano,</p><p>A quem Neptuno e Marte obedeceram:</p><p>Cesse tudo o que a Musa antiga canta,</p><p>Que outro valor mais alto se alevanta.</p><p>Dividida em 10 cantos, a narrativa de Os lusíadas possui 8.816 versos. O motivo</p><p>da navegação e a exaltação dos lusitanos são elementos claramente identificáveis no</p><p>primeiro canto da obra. Observa-se a presença mais marcante de rimas (cruzadas e</p><p>emparelhadas) e estrofes bem delimitadas em oito versos (oitavas).</p><p>A narrativa épica se construía, de acordo com o modelo clássico, em versos, por isso, tam-</p><p>bém recebe a designação de “poema épico”. Na acepção antiga, a palavra “poesia” é em-</p><p>pregada na acepção hoje atribuída ao termo “literatura”. Portanto, o termo “poesia épica”</p><p>se refere a um gênero narrativo, e não lírico.</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>70</p><p>E que lhes disputassem o terreno!</p><p>[...]</p><p>E os padres os incitam e acompanham.</p><p>Que, à sua discrição, só eles podem</p><p>Aqui mover ou sossegar a guerra.</p><p>Os índios que ficaram prisioneiros</p><p>Ainda os podeis ver neste meu campo.</p><p>Deixados os quartéis, enfim partimos</p><p>Por diversas estradas, procurando</p><p>Tomar no meio os rebelados povos.</p><p>Por muitas léguas de áspero caminho,</p><p>Por lagos, bosques, vales e montanhas,</p><p>Chegamos onde nos impede o passo</p><p>Arrebatado e caudaloso rio.</p><p>Por toda a oposta margem se descobre</p><p>De bárbaros o número infinito</p><p>Que ao longe nos insulta e nos espera.</p><p>Conforme dito anteriormente, composto em versos decassílabos (dez sílabas</p><p>métricas), a obra de Basílio da Gama não possui rimas, sendo, portanto, considerado</p><p>como de “versos brancos” e narra, em cinco cantos e 1.377 versos, a guerra promovida</p><p>por portugueses e espanhóis contra jesuítas e índios, a partir de eventos históricos e</p><p>míticos que datam do século XVIII (que ficaram conhecidos como “Missão dos Sete</p><p>Povos do Uraguai”), na conjuntura do Tratado de Madri, que dispunha sobre a divisão</p><p>territorial do chamado “Novo Mundo” (América Latina) por Portugal e Espanha. O poema</p><p>trata dos conflitos que envolveram o cumprimento desse acordo diante da resistência</p><p>dos habitantes da região dos Sete Povos (situada no atual estado do Rio Grande do</p><p>Sul) em passarem ao domínio português. Continuando uma longa tradição, Basílio da</p><p>Gama mantém um estilo grandiloquente característico da épica (SOARES, 2004, p. 40).</p><p>Assim, o poeta árcade transpõe o gênero clássico ao contexto cultural brasileiro (em</p><p>formação), antecipando certos critérios de composição que seriam reapropriados pela</p><p>estética romântica na construção de uma representação nacional.</p><p>De acordo com SOARES (2004), no entanto, o modelo épico de narração:</p><p>Dessa forma, não existem mais obras puramente épicas, como os exemplos</p><p>citados, mas pode ocorrer a incorporação de elementos épicos</p><p>mas uma</p><p>https://bit.ly/3xTlXFt</p><p>https://bit.ly/3d67rlC</p><p>https://bit.ly/3d67rlC</p><p>13</p><p>prática literária) é imperativo trazer a lume um comentário de Souza (2018, p. 32):</p><p>A crítica dita científica, no século XIX, buscou apoios con-</p><p>ceituais na história, na sociologia, na psicologia, ao passo</p><p>que, no século XX, aproximou-se da linguística, da antro-</p><p>pologia, da psicanálise. Por outro lado, institucionalizou-</p><p>-se na universidade, enquanto sua vertente conhecida</p><p>como impressionismo (ou crítica impressionista) elegeu</p><p>jornais e revistas como espaço para suas manifestações.</p><p>A crítica literária, por seu turno, no âmbito acadêmico,</p><p>passou a ser empregada no século XX ora para designar</p><p>o estudo analítico dos textos específicos (no sentido, pois,</p><p>de análise literária), ora como sinônimo de teoria da lite-</p><p>ratura, neste último caso, ao que parece, por influência de</p><p>sua acepção usual em língua inglesa.</p><p>Seria então a Teoria da Literatura somenos um braço da Crítica ou um mero exer-</p><p>cício de análise literária? Apesar de quaisquer disciplinas dos Estudos Literários sempre</p><p>partirem de análises de textos literários seja para formular seja para comprovar teorias, a</p><p>disciplina em causa não é um mero exercício de analise literária.</p><p>Ocorre que no século XIX e início de século XX os Estudos Literários teriam sido mar-</p><p>cados por duas grandes áreas, digamos, a história da literatura e a crítica literária; essa divi-</p><p>dida entre uma crítica impressionista e uma especializada (a acadêmica).</p><p>Contudo, com o “declínio do historicismo e do naturalismo científico, [...] a ascensão das</p><p>chamadas ciências humanas, [...] e o surgimento das chamadas vanguardas artísticas”</p><p>(SOUZA, 2018, p. 36).</p><p>Torna-se essencial novas abordagens do literário como maior rigor metodológico,</p><p>que a considerasse como um produto da linguagem e que procurasse escrutinar suas ca-</p><p>racterísticas intrínsecas em detrimento às extrínsecas. Os Estudos Literários passam então</p><p>a dialogar com outros campos do saber como a linguística, a antropologia e a psicanálise</p><p>em lugar a filologia, da sociologia e da psicologia. Tais estudos darão origem, ainda nas pri-</p><p>meiras décadas do século XX à algumas correntes teóricas como a Estilística, o Formalismo</p><p>Russo e o New Cristicism .</p><p>A despeito de a expressão Teoria da Literatura já haver sido utilizada anteriormente,</p><p>é em 1949, com a publicação do manual homônimo de René Wellek e Austin Warren (1962)</p><p>é que Teoria emerge propriamente como disciplina, posto que “graças ao prestígio alcan-</p><p>çado [...] logo passaria a integrar currículos universitários mundo afora” (SOUZA, 2018, p. 24).</p><p>O primeiro, oriundo do Formalismo Russo; o segundo do New Cristicism, duas correntes</p><p>teóricas que a despeito das divergências eram avessas ao historicismo e ao biografismo</p><p>que marcaram os estudos literários no século anterior.</p><p>Ademais, o compêndio representou um marco ao estabelecer “uma distinção cen-</p><p>tral entre a abordagem extrínseca do estudo da literatura (biográfica, histórica, sociológica,</p><p>psicológica) e o estudo intrínseco da literatura, interessado pela estrutura do artefato ver-</p><p>bal” (CULLER, 1988, p. 12 Apud ARAÚJO, 2020, p. 27), e rumando em direção a uma abor-</p><p>dagem metodológica da Literatura que se opusesse ao historicismo, valorizando o caráter</p><p>literário dos textos sem, contudo, alcançar o outro extremo, o do estudo do texto pelo texto.</p><p>Para os professores Wellek e Warren História, Teoria e Crítica, longe de serem concorrentes,</p><p>deveriam ser complementares.</p><p>Souza (2018)afirma que a partir desse momento tem-se um entendimento equivo-</p><p>14</p><p>cado acerca da Teoria da Literatura, pois passa-se a compreendê-la como “a disciplina que</p><p>trata das questões literárias em geral” (SOUZA, 2018, p. 24)que abarcaria todas as outras</p><p>sob suas asas. Entendimento que segundo Souza, desconhece a “especificidade histórica</p><p>da teoria da literatura quanto das demais disciplinas” (SOUZA, 2018, p. 25) que se ocupam</p><p>do literário. A Teoria, portanto, seria a disciplina que se ocupa sobremaneira com a investi-</p><p>gação dos princípios gerais, científicos e filosóficos, da literatura enquanto área do conhe-</p><p>cimento, isto é, enquanto ciência.</p><p>Teoria da Literatura é tanto uma área do conhecimento quanto uma disciplina universitária,</p><p>que compõe os chamados Estudos Literários. Surge e se estabelece como disciplina em me-</p><p>ados do século XX com a publicação do manual homônimo de Warren e Wellek. No Brasil, a</p><p>área integrará o curso de Letras apenas na década de 1960, na Universidade de São Paulo,</p><p>por iniciativa de Antonio Candido.</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>Para saber mais sobre o que é a Teoria da Literatura, leia a Unidade I de “Teoria</p><p>da Literatura I”, organizado por Silva (2014) e disponível em: https://bit.ly/3dc-</p><p>qZoB. Acesso em: Para saber mais sobre o surgimento da disciplina Teoria da</p><p>Literatura nos currículos dos cursos de Letras brasileiros, leia o artigo de Nitri-</p><p>ni (1994), professora da Universidade de São Paulo, disponível em: https://bit.ly/</p><p>3j9bYaN . Acesso em: 22 maio 2021.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>Assista também à palestra do professor Paul Fry, da Universidade de Yale, dis-</p><p>ponível no canal do YouTube da Universidade Virtual do Estado de São Paulo.</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3dbLFNj . Acesso em: 22 maio 2021.</p><p>Conceito: Resultado de um processo de estudo analítico e metodológico acerca de um objeto.</p><p>A criação de um conceito requer, portanto, um estudo científico acerca do objeto estudado.</p><p>Crítica: Do grego krinein, significa diferenciar, realçar, julgar. Tecer uma crítica, portanto, se-</p><p>ria emitir um juízo de valor sobre algo. Nesse respeito, a crítica literária ocupa-se em julgar</p><p>as obras literárias sincronicamente tomando por base seu contexto de produção, sobretudo,</p><p>quando se trata de uma crítica não acadêmica, como a jornalista.</p><p>Estudos Literários: Conjunto de disciplinas e práticas que se ocupam de estudar, problemati-</p><p>zar falar sobre a literatura. Estes englobam as literaturas nacionais, a world literature, a litera-</p><p>tura comparada, a teoria da literatura, a crítica literária, a historiografia etc.</p><p>Estética: Disciplina que surge com a publicação homônima inacabada de Alexander Gottlieb</p><p>Baumgarten (1714-1762). Essa representava um estudo epistemológico sobre a ciência das</p><p>sensações ou o conhecimento do mundo sensível.</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>https://bit.ly/3j9bYaN</p><p>https://bit.ly/3j9bYaN</p><p>https://bit.ly/3dbLFN</p><p>15</p><p>Juízo de gosto (ou valor): Julgamento que se emite a partir de percepções individuais sobre</p><p>determinado objeto que não passaria pela razão, mas pela sensibilidade.</p><p>Poética: Disciplina da Antiguidade Clássica que se ocupou do estudo metodológico e norma-</p><p>tivo de obras literárias, especialmente das epopeias e tragédias.</p><p>Retórica: Disciplina da Antiguidade Clássica que se ocupou do estudo das técnicas de orató-</p><p>ria. Com o passar do tempo, a retórica também de ocuparia da linguagem escrita, tanto que</p><p>nos legou o que hoje chamamos de figuras de linguagem.</p><p>Senso Comum: Conjuntos de ideias e valores acerca do real partilhados por indivíduos de</p><p>dada sociedade sem a necessária comprovação científica dos fatos.</p><p>Teoria: Conjunto de ideias ou conceitos que pretendem explicar fatos ou objetos e embasam</p><p>uma ciência.</p><p>Teoria da Literatura: Disciplina moderna que se ocupa do estudo não apenas do texto literá-</p><p>rio autorreferente, mas das diversas teorias que servem ao seu estudo.</p><p>Teoria Literária: Noção que se distingue da disciplina Teoria da Literatura. O texto literário</p><p>pode ser estudado por diversos vieses, isto é, por teorias, por exemplo, teoria pós-colonial, te-</p><p>oria decolonial, teoria marxista, teoria queer etc.</p><p>16</p><p>1. (Enade 2014)</p><p>Não sendo um meio de conhecimento ou informação, a literatura expeliu de seu âmbito o jornalismo,</p><p>a história, a filosofia. Para a poética neoclássica, os gêneros literários eram todas as manifestações</p><p>da atividade intelectual, possuíam um sentido amplo e sua classificação era exaustiva. Mas, a</p><p>duras penas, a literatura libertou-se das outras atividades. E isso depois</p><p>por parte de obras</p><p>modernas e contemporâneas, seguindo a tendência vigorante desde o Romantismo de</p><p>mistura de estilos.</p><p>segundo Lukács, corresponde a um tempo anterior ao</p><p>da consciência individual e, portanto, voltado para o</p><p>destino de uma coletividade, não se manteve em nossa</p><p>época, que se caracteriza sobretudo pelo individualismo</p><p>e pelo investimento nos domínios do inconsciente hu-</p><p>mano. O sentido do épico, no entanto, se manifesta toda</p><p>vez que se tem a intenção de abarcar a multiplicidade</p><p>dinâmica da realidade em uma só obra, criando-se uma</p><p>unidade. (SOARES, 2004, p. 42)</p><p>71</p><p>A seguir, veremos outra forma narrativa em prosa: o romance.</p><p>O romance</p><p>O romance é a forma narrativa que mais reflete o homem e a sociedade moderna</p><p>porque incorpora, em sua forma, elementos que na épica eram associados, mas que</p><p>se tornaram inconciliáveis na transição para os valores modernos, e que se manifestam</p><p>em duas dimensões distintas: a individual e a coletiva. Por isso, de certa forma, embora</p><p>também seja uma narrativa, o romance é uma forma que segue princípios muito</p><p>diversos da epopeia.</p><p>De acordo com Stalloni (2007), embora existam narrativas na Antiguidade que se</p><p>aproximam do nosso romance, a exemplo de Satíricon, de Petrônio, conceitualmente,</p><p>o romance surge como uma expressão de um “falar” vulgar e, portanto, assume um</p><p>sentido específico de registro de uma língua inferior:</p><p>Nesse sentido, se a epopeia é uma forma de narração baseada na grandiloquência</p><p>para narrar aqueles que são considerados como os grandes momentos da história de</p><p>um povo, o romance se converte em expressão do cotidiano, buscando construir-se</p><p>a partir da verossimilhança linguística e também das situações vividas pelos homens</p><p>comuns em um contexto que já é também muito diverso do clássico: o “mundo burguês”.</p><p>Por “mundo burguês” compreende-se o sistema de valores que surge a partir</p><p>do fim da Idade Média, com a formação de “burgos”, pequenas vilas e cidades</p><p>movimentadas pelo crescimento comercial e urbano do continente europeu em uma</p><p>conjuntura que é responsável por modificar as relações sociais pelo surgimento do</p><p>conceito de individualismo. Dessa forma, de acordo com Soares (2007):</p><p>Muitas são as teses que buscam conceituar o nascimento do romance tal como</p><p>o compreendemos hoje. Ian Watt (2010), por exemplo, vai dizer que o romance nasce na</p><p>Inglaterra no século XVIII com Daniel Defoe, Samuel Richardson e Henry Fielding; por sua</p><p>vez, Mikhail Bakhtin (2010) afirma que o gênero passou por um longo amadurecimento</p><p>para se constituir como expressão linguística de uma realidade concreta, de modo que a</p><p>própria construção da linguagem do romance expressa uma cosmovisão. Esse modelo</p><p>de narrativa, assim concebido, nasce nos séculos XVI e XVII com François Rabelais,</p><p>escritor francês, e Miguel de Cervantes, escritor espanhol.</p><p>A divergência entre esses autores se explica, de uma maneira geral, pelos critérios</p><p>por eles adotados. Ian Watt vai considerar a representação do individualismo como</p><p>[...] O “romance” é inicialmente um modo de expressão,</p><p>um “falar” (encontrado nas chamadas “línguas români-</p><p>cas”), antes de ser um tipo de obra. E esse modo de ex-</p><p>pressão é de um registro inferior, popular, como a obra</p><p>que ele designa. [...]. (STALLONI, 2007, p. 92).</p><p>O romance vem a ser a forma narrativa que, embora</p><p>sem nenhuma relação genética com a epopeia (como</p><p>nos demonstram as teses mais avançadas), a ela equi-</p><p>vale nos tempos modernos. E, ao contrário da epopeia,</p><p>como forma representativa do mundo burguês, volta-se</p><p>para o homem como indivíduo. (SOARES, 2007, p. 42).</p><p>72</p><p>Originalmente, a descrição está ausente do gênero nar-</p><p>rativo, que consiste essencialmente em contar aconteci-</p><p>mentos. Hoje, ainda, muitos concordam em reconhecer</p><p>à descrição apenas um lugar secundário. Entretanto ela</p><p>impôs-se progressivamente como meio para autenti-</p><p>car a narrativa (pela introdução do “efeito de real”), para</p><p>embelezar (pela utilização expressiva dos elementos</p><p>exteriores). a tradição realista do século XIX vai impor o</p><p>procedimento descritivo como uma maneira de preen-</p><p>cher o melhor possível a missão mimética da arte [...].</p><p>(STALLONI, 2007, p. 99).</p><p>a pedra de toque do romance, ao passo que Mikhail Bakhtin erige sua tese levando</p><p>em consideração a representação do popular por meio de uma linguagem que</p><p>constrói a especificidade do discurso romanesco. Pela abrangência que representa, a</p><p>conceituação deste autor tem sido mais amplamente adotada nos estudos literários</p><p>do gênero, ainda que a leitura de Watt levante argumentos significativos quanto às</p><p>obras eleitas para conceituar o nascimento do gênero.</p><p>De acordo com Yves Stalloni (2007), cinco pontos são responsáveis pela</p><p>caracterização da estética do romance:</p><p>– Escrita em prosa: embora a literatura moderna tenha abolido as fronteiras entre</p><p>prosa e poesia, o discurso romanesco se constrói predominantemente por meio da</p><p>prosa.</p><p>– O lugar da ficção: o romance se associa ao princípio da ficção em que há uma</p><p>relativização da verdade a partir de uma mistura entre “real” e “inventado”.</p><p>– A ilusão da realidade: um dos princípios mais caros ao romance é a</p><p>verossimilhança, pela qual ele se propõe a “reproduzir o mundo real e acontecimentos</p><p>plausíveis.” (STALLONI, 2007, p. 98). Daí o realismo ser defendido por alguns teóricos,</p><p>como Georg Lukács, por exemplo, como mais que um princípio estético, um princípio</p><p>estrutural do gênero.</p><p>– A introdução de personagens: ainda que as tendências modernas e</p><p>contemporâneas promovam a dissolução de certas categorias estruturais do romance,</p><p>falando-se, por vezes, na “morte da personagem”, ainda assim, elas constituem uma</p><p>dimensão estrutural imprescindível para a configuração do romance, uma vez que,</p><p>sem personagem não há ações e acontecimentos, sem ações e acontecimentos não</p><p>enredo e sem enredo, por sua vez, não há história.</p><p>– A descrição: o discurso romanesco evoca o meio como parte importante da</p><p>caracterização e da representação moral, social e psicológica das personagens. Sendo</p><p>assim, opera-se, em decorrência dessa necessidade representativa, a recorrência a</p><p>técnicas descritivas que se projetam por meio da narração. De acordo com Yves Stalloni:</p><p>A partir dessa estruturação recorrente na estética romanesca, o autor busca</p><p>conceituar o romance como “um gênero incômodo” (STALLONI, 2007, p. 102), dado que se</p><p>apresenta a partir de uma plasticidade inconcebível nos chamados gêneros clássicos,</p><p>sendo considerado como a forma que rompeu definitivamente com a hierarquia</p><p>clássica.</p><p>A inexistência de uma fórmula invariável de composição que pudesse perfazer</p><p>uma caracterização do caráter dessa forma literária ou o seu modo sistemático de</p><p>73</p><p>criação dá lugar a tentativas de definições que mostram que o romance não é um gênero</p><p>isolado, mas um gênero que se faz em relação aventureira com outros gêneros.</p><p>Assim, não se pode dizer que a linguagem do romance é, como na epopeia, elaborada</p><p>pelo critério da grandiloquência, dado que muitas são as formas e os estilos que podem</p><p>aparecer misturados no discurso romanesco, cabendo uma análise que vise perscrutar</p><p>como cada romance se constrói formalmente e de maneira específica.</p><p>Assim, os critérios gerais que, segundo o autor, podem ser levados em consideração</p><p>na estrutura essencialmente variável do romance são:</p><p>– O contexto da intriga: recorte temporal (histórico) e espacial (geográfico);</p><p>– A ação: natureza e tom dos acontecimentos, assim como a condição social das</p><p>personagens, levando-se em conta que elas podem interferir no sentido como estas</p><p>agem (lembremo-nos, por exemplo, dos romances de Dostoiévski);</p><p>– A técnica narrativa: princípios utilizados na composição da obra, pontos de</p><p>vistas abordados, modo de estruturação da narrativa etc.</p><p>Na conceituação do romance, privilegia-se um princípio que não deve ser jamais</p><p>ignorado: há uma variabilidade considerável, e que a modernidade tende a acentuar</p><p>nos domínios da experimentação, que converge para a existência de subgêneros do</p><p>romance.</p><p>Essa subclassificação pode ser feita de acordo com o tema que o romance</p><p>aborda: romance fantástico, romance policial, romance de aventuras, romance pastoral,</p><p>romance regionalista, romance histórico, romance urbano etc.</p><p>Yves Stalloni elenca os principais subgêneros do romance:</p><p>– Romance heroico: espécie de epopeia em prosa.</p><p>– Romance cômico: baseia-se na mistura de realismo e burla, romance e paródia.</p><p>– Romance picaresco: narra aventuras vividas por um jovem pobre que busca</p><p>escapar de sua condição por seus meios.</p><p>– Romance epistolográfico: baseia-se na sucessão de cartas que, reunidas,</p><p>constituem o enredo.</p><p>– Romance de formação: baseia-se na experiência de um personagem jovem</p><p>que passa por profundas transformações internas.</p><p>– Romance histórico: baseia-se no passado para reconstruir figuras históricas</p><p>visando projetar uma visão nova sobre determinado(s) acontecimento(s).</p><p>– Romance autobiográfico: caracteriza-se pela narração homodiegética que se</p><p>constrói pela rememoração de acontecimentos que marcaram a vida da personagem.</p><p>– Nouveau roman: modelo narrativo que surgiu por volta da segunda metade do</p><p>século XX, na França, e busca exprimir o universo ficcional sem recorrer aos processos</p><p>psicológicos das personagens, de modo a projetá-las em sua materialidade física e</p><p>humana.</p><p>De uma maneira geral, o autor fixa a forma romanesca no âmbito da instabilidade:</p><p>o romance – que além do mais é vítima de um sucesso</p><p>comercial e literário que o torna tão suspeito quanto fas-</p><p>cinante – apresenta assim esse paradoxo, que consiste</p><p>em ser unanimemente reconhecido como um gênero,</p><p>no sentido forte da palavra, e em resistir aos esforços te-</p><p>óricos que tendem a formalizar sua expressão e nela dis-</p><p>cernir constantes estáveis. (STALLONI, 2007, p. 109).</p><p>74</p><p>Feita essa observação quanto aos desafios da conceituação formal do romance,</p><p>passemos às características ou categorias que podem ser compreendidas como</p><p>comuns ao gênero romanesco a partir de um plano de elaboração.</p><p>Pode-se dizer que, em parte, a dificuldade conceitual relacionada à origem</p><p>do romance anteriormente mencionada se processa pela própria estruturação da</p><p>narrativa romanesca que, por contar uma história, não destoa, quanto a esse aspecto</p><p>estrutural, de outras formas narrativas antigas, possuindo um enredo, personagens,</p><p>espaço, tempo e ponto de vista. Como condição para adentrarmos o âmbito da análise</p><p>e interpretação de um romance, vejamos como se configura cada um desses elementos</p><p>de acordo com Angélica Soares (2007).</p><p>Análise e interpretação do romance</p><p>A análise e a interpretação do romance – assim como no caso do poema – se</p><p>fazem a partir de seus elementos concretos, considerando-se a forma como aparecem</p><p>sistematizados. Para tanto, consideram-se os elementos que , em geral, são mais</p><p>estáveis na configuração de uma narrativa, ou seja, o enredo, as personagens, o espaço,</p><p>o tempo e o ponto de vista que a caracterizam.</p><p>Enredo</p><p>Também denominado de trama ou intriga, o enredo resulta da ação dos</p><p>personagens, a partir de uma ordenação especial feita pelo discurso narrativo. Os</p><p>formalistas russos conceituaram o enredo a partir de dois critérios: os acontecimentos</p><p>(fábula) e o modo especial como são ordenados no texto narrativo (trama/enredo). Em</p><p>distinções equivalentes, o estruturalista Tzvetan Todorov denomina a fábula de história</p><p>e a trama/enredo de discurso; outro estruturalista, Maurice-Jean Lefebvre, por sua vez,</p><p>conceitua essa distinção através dos denominadores: narração e diegese.</p><p>Essas distinções servem, no plano analítico, para diferenciar certas estruturas</p><p>que compõem a narrativa, não devendo ser tomadas como categóricas. Tampouco</p><p>devemos concebê-las, em termos dualísticos, como relativas, respectivamente,</p><p>“realidade” e “ficção”, uma vez que, sendo o romance uma reelaboração da realidade</p><p>e, portanto, uma ficção, os acontecimentos podem logo de começo serem por si só</p><p>ficcionais.</p><p>De maneira sintética, essas duas dimensões se associam na medida em que</p><p>a trama liga os acontecimentos por um fio temático que une os “elementos mínimos</p><p>da obra” (denominados de “motivos” (SOARES, 2007, p. 43)) de maneira a construir um</p><p>sentido que se configura como uma unidade maior do texto.</p><p>As origens do romance no Brasil, conforme a conceituação de Antonio Candido, em For-</p><p>mação da literatura brasileira, perfazem o movimento romântico (século XIX) e se desen-</p><p>volveram como um importante instrumento de expressão da identidade nacional. O Mo-</p><p>dernismo, porém, é visto como o ponto mais alto da produção romanesca brasileira, tanto</p><p>pela importância que essa forma literária assume, sobretudo na segunda fase, quanto pelo</p><p>tratamento dado a ela pelos romancistas da primeira metade do século XX.</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>75</p><p>Basicamente, existem dois esquemas diegéticos para o romance. Até o século</p><p>XIX predominou uma estrutura fechada, isto é, um esquema diegético fixo e claramente</p><p>delimitado por início, meio e fim, assim divididos, de acordo com SOARES, (2004, p. 45):</p><p>– apresentação (dos personagens, da ambiência etc.);</p><p>– complicação (circunstância desencadeada pelos acontecimentos conjugados</p><p>às ações dos personagens);</p><p>– clímax (ápice da situação);</p><p>– epílogo (desfecho dos acontecimentos/destino dos personagens).</p><p>A partir do século XIX foram se tornando cada vez mais comuns os chamados</p><p>romances abertos, em que o esquema diegético não segue um padrão formal, tampouco</p><p>há uma perfeita delimitação entre início, meio e fim, sendo, por vezes, mesmo suprimido</p><p>o desfecho da narrativa, de modo a parecer que a obra ficou inconclusa, um recurso</p><p>que sugere uma continuidade ao invés de um desenlace.</p><p>Exemplo do primeiro esquema diegético é Senhora, de José de Alencar; ao passo</p><p>que Dom Casmurro, de Machado de Assis pode ser situado no segundo esquema pelas</p><p>lacunas propositais que cria na narrativa. Vejamos mais de perto como se configuram</p><p>esses esquemas:</p><p>Foi depois de passados os seis meses de luto, que Au-</p><p>rélia apareceu na sociedade. Tinha-se ela ensaiado para</p><p>seu papel. Desde o primeiro momento em que apresen-</p><p>tou-se nos salões, firmou neles seu império, e tomou</p><p>posse dessa turba avassalada, cujo destino é bajular as</p><p>reputações que se impõem.</p><p>Encontramo-la deslumbrando a multidão com sua be-</p><p>leza, e açulando a fome do ouro nos cavalheiros do lans-</p><p>quenete matrimonial. Regozijava-se em arrastar após si,</p><p>rojando-os pelo pó, e fustigando-os com o sarcasmo, a</p><p>esses sócios e êmulos de Fernando Seixas, ansiosos de</p><p>venderem-se como ele, ainda que por maior preço.</p><p>Por isso os tinha reduzido à mercadoria ou traste, fazen-</p><p>do-lhes a cotação, como se usava outrora com os lotes</p><p>de escravos.</p><p>Aquele marido de maior preço a que ela se referia não</p><p>era outro senão seu antigo amante, que a desprezara</p><p>por ser pobre.</p><p>No meio desta acrimônia que lhe inspirava a sociedade,</p><p>não perdera porém Aurélia de todo a crença na nobreza</p><p>d’alma, sabia respeitá-la onde quer que a descobria.</p><p>Assim, quando algum homem honesto, sinceramente</p><p>seduzido pelos dotes de sua pessoa, e não pelo brilho</p><p>da riqueza, lhe fazia a corte, ela portava-se com ele de</p><p>modo inteiramente diverso. Acolhia-o com afabilidade</p><p>e distinção; mas aproveitava o primeiro momento para</p><p>desvanecer-lhe toda a esperança.</p><p>Só com os caçadores de dotes era loureira, se tal nome</p><p>pode-se aplicar ao constante ludíbrio e humilhação a</p><p>que submetia seus apaixonados.</p><p>76</p><p>O romance Senhora, de José de Alencar foi escrito no século XIX e está associado</p><p>ao movimento romântico. Do ponto de vista estrutural, segue uma divisão bem</p><p>delimitada em quatro partes que recebem denominações do romancista: “O preço”,</p><p>“Quitação”, “Posse” e “Resgate”. O tema do livro é o casamento por interesse, que leva</p><p>Fernando Seixas a se casar com Aurélia Camargo, uma moça que fora pobre (e que</p><p>Fernando conhecera ainda pobre) até ficar órfã e receber uma herança paterna.</p><p>Tendo-a renegado por não possuir dote, o rapaz descobre que Aurélia, já em outras</p><p>condições, havia-o “comprado” como marido.</p><p>Trata-se</p><p>de um romance urbano, ambientado na cidade do Rio de Janeiro na</p><p>segunda metade do século XIX. Podemos pressupor pela divisão feita pelo romancista</p><p>quanto às partes que compõem a obra um esquema que segue o modelo de romance</p><p>fechado, com início (“O preço”), em que o romancista busca expor os valores da</p><p>sociedade burguesa fluminense; a complicação (“Quitação”) em que a personagem</p><p>principal (Aurélia) é enleada em acontecimentos que serão decisivos para o modo como</p><p>se configurará a sua relação com Fernando; o clímax (“Posse”), em que a “compra” do</p><p>marido ganha contornos problemáticos mediante os sentimentos que existem entre</p><p>eles; e, por fim, o epílogo (“Resgate”), em que se dá a reconciliação do casal pela via</p><p>amorosa.</p><p>Em Dom Casmurro, por sua vez, a diegese segue outra ordenação:</p><p>Capitu não hesitou em jurar, e até lhe vi as faces verme-</p><p>lhas de prazer. Jurou duas vezes e uma terceira:</p><p>- Ainda que você case com outra, cumprirei o meu jura-</p><p>mento, não casando nunca.</p><p>- Que eu case com outra?</p><p>- Tudo pode ser, Bentinho. você pode achar outra moça</p><p>que lhe queira, apaixonar-se por Ela e casar. quem sou</p><p>eu para você lembrar-se de mim nessa ocasião?</p><p>- Mas eu também juro! Juro, Capitu, juro por Deus nosso</p><p>senhor que só me casarei com você. Basta isto?</p><p>- Devia bastar, disse ela; eu não me atrevo a pedir mais.</p><p>Sim, você jura... Mas juremos por outro modo; juremos</p><p>que nos havemos de casar um com o outro, haja o que</p><p>houver.</p><p>Compreendeis a diferença; era mais que a eleição do</p><p>cônjuge, era a afirmação do matrimônio. A cabeça da</p><p>minha amiga sabia pensar claro e depressa. Realmente,</p><p>a fórmula anterior era limitada, apenas exclusiva. Podí-</p><p>amos acabar solteirões, como o sol e a lua, sem mentir</p><p>ao Juramento do poço. Esta fórmula era melhor, e tinha</p><p>a vantagem de me fortalecer o coração contra a inves-</p><p>tidura eclesiástica. Juramos pela segunda fórmula, e fi-</p><p>camos tão felizes que todo o receio de perigo desapare-</p><p>ceu. Éramos religiosos, tínhamos o céu por testemunha.</p><p>Eu nem já temia o seminário.</p><p>- Se teimar em muito, irei; mas faço de conta que é um</p><p>colégio qualquer; não tomo ordens.</p><p>Capitu temia a nossa separação, mas acabou aceitan-</p><p>do este alvitre, que era o melhor. Não afligíamos minha</p><p>77</p><p>mãe, e o tempo correria até o ponto em que o casamen-</p><p>to pudesse fazer-se. ao contrário, de qualquer resistên-</p><p>cia ao seminário confirmaria a denúncia de José Dias.</p><p>Esta reflexão não foi minha, mas dela.</p><p>Tendo por tema também a relação amorosa e conjugal, no caso, que se configura</p><p>entre Bentinho e Capitu, o romance se desenvolve como um grande fluxo de consciência</p><p>(narrador homodiegético) em que Bentinho, já velho, rememora sua paixão de infância</p><p>e os infortúnios que teve que suportar para casar-se com Capitu. Por conta desse</p><p>caráter rememorativo, o enredo do romance é repleto de digressões que se configuram</p><p>pelo distanciamento do narrador em relação aos fatos e pela construção em si de uma</p><p>direção única para a narrativa: convencer o leitor de que Capitu o traíra.</p><p>Publicado em 1899, o romance machadiano se filia ao movimento realista do</p><p>final do século XIX que, ao contrário do Romantismo, preocupava-se em representar</p><p>um anti-idealismo amoroso, focalizando questões como o adultério e a dúvida sobre</p><p>o amor. Enquanto narrador, Bentinho parece se preocupar menos com a história que</p><p>conta do que em procurar em Capitu, em suas ações e comportamentos, elementos</p><p>que corroborem a sua tese do adultério cometido por ela com seu amigo Escobar.</p><p>Os capítulos não seguem, assim, uma linearidade formal com início, meio e</p><p>fim, tal como a que se verifica em Senhora. Em Dom Casmurro predomina o fator da</p><p>imprevisibilidade narrativa e seu desfecho, ou antes, antidesfecho, não é uma resolução,</p><p>mas um convite à reflexão.</p><p>Enquanto elemento da composição da obra, o enredo está intrinsecamente ligado</p><p>às personagens e àquele que conta a história: o narrador.</p><p>Personagens e narrador</p><p>As personagens que compõem um romance são, a um só tempo, ficcionais e</p><p>verossímeis. São ficcionais na medida em que são inventados; e verossímeis na medida</p><p>em que apresentam dimensões psicológica, moral e social análogas às de sujeitos</p><p>reais, sendo que a instância responsável por dotá-las de realismo é a do narrador.</p><p>De acordo com Angélica Soares (2007): “personagens funcionam, segundo o</p><p>teórico francês Roland Barthes, como agentes da narrativa. Isto porque depende delas</p><p>o sentido das ações que compõem a trama.” (SOARES, 2007, p. 46). Nesse sentido, todos</p><p>os personagens desempenham um papel no enredo romanesco e suas atuações se</p><p>dão de acordo com o conjunto maior que integram.</p><p>Podemos dividir as personagens em duas espécies:</p><p>– personagens principais</p><p>– personagens secundárias</p><p>As personagens principais são identificadas como aquelas de cujas ações</p><p>dependem, em maior grau, o desenvolvimento do enredo, pois elas atuam de maneira</p><p>centralizada. Por sua vez, as personagens secundárias atuam de maneira periférica, e</p><p>suas ações têm menor grau de incidência sobre o enredo, configurando-se de maneira</p><p>mais pontual. A título de exemplificação, em Senhora, Aurélia é uma personagem</p><p>principal, ao passo que Fernando é uma personagem secundária. Em Dom Casmurro,</p><p>78</p><p>Bentinho é uma personagem principal, ao passo que José Dias é uma personagem</p><p>secundária.</p><p>Ainda, de acordo com a classificação feita por E. M. Forster, seguida por Soares</p><p>(2007, p. 49), podemos classificá-las também em dois tipos principais:</p><p>– personagens planas</p><p>– personagens redondas</p><p>A personagem plana é aquela que não se modifica de maneira significativa no</p><p>decorrer da narrativa, permanecendo, basicamente, com as mesmas características</p><p>iniciais. A personagem redonda, por outro lado, é aquela que sofre transformações</p><p>substanciais ao ser submetida aos acontecimentos. Nos romances aqui tomados como</p><p>exemplos, em Senhora, Aurélia é uma personagem redonda, assim como Fernando,</p><p>pois seus perfis se modificam ao longo da narrativa, ao passo que Dr. Torquato Ribeiro</p><p>(personagem secundária) é plana.</p><p>Entre as personagens se situa o narrador, isto é, aquele que conta a história. O</p><p>narrador constitui o ponto de vista da narração e não se confunde com a figura do</p><p>autor, assim como o narratário (destinatário da narração) também não se confunde</p><p>com o leitor real. Os teóricos estruturalistas, de acordo com Soares (2007, p. 47), mais</p><p>especificamente Gérard Genette, estabelece uma tipologia do narrador e do narratário.</p><p>De acordo com ela, temos:</p><p>– Narrador autodiegético: participa da história como personagem;</p><p>– Narrador heterodiegético: não participa da história como personagem;</p><p>– Narratário intradiegético: participa da história como personagem;</p><p>– Narratário extradiegético: não participa da história como personagem.</p><p>Essa distinção faz-se necessária no estudo da narrativa, uma vez que, depende</p><p>dela a caracterização do ponto de vista adotado.</p><p>Tempo</p><p>O tempo é outra categoria estrutural do romance, na medida em que, ainda que</p><p>não fique expressamente claro quando os fatos ocorreram, a sucessão apresentada</p><p>pelo encadeamento narrativo pressupõe por si só uma noção de duração. Nesse</p><p>sentido, o tempo pode ser expresso na diegese a partir de referenciais que remetem</p><p>a “dias, meses, horas, anos, ao ritmo das estações ou a uma determinada época”</p><p>(SOARES, 2007, p. 50); mas também pode ocorrer de a diegese não se referir a nenhum</p><p>Beth Brait dedica todo um estudo à personagem, aprofundando-se em sua</p><p>complexa especificidade. O livro A personagem (2017) está disponível na Biblio-</p><p>teca Pearson através do link: https://shre.ink/TZPL. Acesso em 31 dez. 2022.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>79</p><p>desses marcadores de tempo. Neste caso, resta uma análise do tempo do discurso,</p><p>uma categoria interna à elaboração da narrativa, em geral, mais difícil de se perceber.</p><p>O tempo do discurso pode ser estabelecido a partir de uma análise criteriosa da</p><p>sucessão dos fatos. Com base Gérard Genette, Soares (2007) afirma:</p><p>Em síntese, há romances cujo tempo da narração é cronológico, ou</p><p>seja, obedece</p><p>à sucessão (início, meio e fim) dos acontecimentos; há romances em que a narração</p><p>se faz do meio para o final (in medias res); e há romances em que a narração percorre</p><p>o movimento contrário ao cronológico, isto é, em flashback ou analepse.</p><p>De acordo com a conceituação estruturalista, a anacronia (desencontros entre</p><p>os tempos do romance) pode decorrer da apresentação, pelo narrador, de algo que</p><p>ainda não ocorreu, essa antecipação recebe a denominação de prolepse.</p><p>A simultaneidade entre esses tempos só é alcançada a partir dos diálogos,</p><p>que suspendem a narração para dar espaço a uma unificação do tempo diegético</p><p>que é representada pela fala da personagem. A narração, por sua vez, tende às</p><p>chamadas anisocronias, que estabelecem percepções diversas do tempo mediante</p><p>a manipulação do relato em termos de resumo e prolongamento de situações. Esses</p><p>recursos, denominados, respectivamente, de elipses e digressões são responsáveis por</p><p>suspender ou acelerar o tempo da diegese (SOUZA, 2007, p. 50).</p><p>O tempo psicológico é uma categoria bastante importante na narração porque</p><p>exprime, ainda, uma terceira noção de tempo: o tempo interior. Esse tempo é denominado</p><p>de “monólogo interior” ou “fluxo de consciência” e advém de um mergulho mais</p><p>profundo no íntimo (pensamentos ou sentimentos) de uma determinada personagem.</p><p>Nesse caso, pode ser ela mesma a descrever sua percepção (no caso de narração</p><p>autodiegética) ou o narrador, em geral, heterodiegético.</p><p>Espaço</p><p>Outro elemento estrutural do romance é o espaço. De acordo com Soares (2007):</p><p>É impossível uma coincidência perfeita entre o desenro-</p><p>lar cronológico da diegese e a sucessão, no discurso, dos</p><p>acontecimentos. Ao desencontro entre esses dois tem-</p><p>pos, Genette chamou anacronias. Não é raro que o co-</p><p>meço do discurso equivalha a uma fase já avançada da</p><p>diegese (narrativa in médias res) e, por isso, se narre de-</p><p>pois, no discurso, o que já havia acontecido antes na die-</p><p>gese. Acontece até que o romancista prefira construir o</p><p>discurso a partir do desfecho da diegese (in ultimas res),</p><p>tendo, portanto, como no caso anterior, que recuar no</p><p>tempo, o que chamamos de flashback (na nomenclatu-</p><p>ra de Genette: analepse). (SOARES, 2007, p. 50).</p><p>Também denominado ambiente, cenário ou localiza-</p><p>ção, o espaço é o conjunto de elementos da paisagem</p><p>exterior (espaço físico) ou interior (espaço psicológico),</p><p>onde se situam as ações das personagens. É ele impres-</p><p>cindível, pois não funciona apenas como pano de fundo,</p><p>mas influencia diretamente no desenvolvimento do en-</p><p>redo, unindo-se ao tempo. (SOARES, 2007, p. 51-52).</p><p>80</p><p>Assim como o tempo, o espaço norteia a ação das personagens e permite situar</p><p>os acontecimentos, podendo exercer um papel determinante no enredo ou apenas</p><p>servindo como pano de fundo para os acontecimentos. A ideia de que um romance</p><p>pode nos transportar para qualquer lugar do mundo reside na expressiva importância</p><p>que, de maneira geral, essa categoria desempenha no gênero.</p><p>Ponto de vista</p><p>Na terminologia estruturalista, ponto de vista, foco narrativo ou focalização diz</p><p>respeito à perspectiva pela qual a narrativa se constrói, de modo a exprimir “a relação</p><p>entre o narrador e o universo diegético e ainda entre o narrador e o narratário”.</p><p>Ao estudar a estrutura do romance, Jean Pouillon estabeleceu um critério de</p><p>distinção para caracterizar o ponto de vista. De acordo com o resumo feito por Soares</p><p>(2007), ele pode ser configurar uma visão:</p><p>– “Por trás” da narração, em que o narrador é conhecedor de tudo o que se passa</p><p>com as personagens, tendo pleno domínio de sua perspectiva tanto externa (ações)</p><p>quanto internamente (sentimentos e consciência);</p><p>– “Com”, em que o narrador compartilha da mesma perspectiva das personagens,</p><p>não sabendo nada além do que elas sabem;</p><p>– “De fora”, em que o narrador estabelece uma relação entre os acontecimentos</p><p>apenas a partir daquilo que vê acontecer, não penetrando no interior das personagens</p><p>(essa seria uma abordagem típica do Noveau roman, caracterizado por uma perspectiva</p><p>anti-psicológica).</p><p>De maneira a complementar essa definição acerca do ponto vista, Soares vale-se</p><p>da distinção feita pelo crítico e teórico de literatura, Vítor Manuel de Aguiar e Silva que,</p><p>em sua Teoria da literatura, propõe uma classificação do foco narrativo mais detalhada</p><p>e mais funcional do ponto de vista da análise literária porque opõe, de maneira didática,</p><p>os tipos de focalização:</p><p>a) Focalização heterodiegética versus focalização homodiegética</p><p>Na focalização heterodiegética, o narrador não participa da diegese romanesca,</p><p>ao passo que na homodiegética ele é um dos personagens da história que narra. A partir</p><p>dessa distinção, na focalização homodiegética, o narrador pode ser o protagonista.</p><p>Nesse caso, a narrativa é contada em primeira pessoa, caso em que recebe uma</p><p>classificação mais específica, denominada de focalização autodiegética. É o caso, por</p><p>exemplo, de Bentinho em Dom Casmurro, de Machado de Assis. Mas ele também pode</p><p>ser um narrador-personagem que participa sem ser propriamente o protagonista,</p><p>atuando mais como uma espécie de testemunha dos acontecimentos.</p><p>b) Focalização interna versus focalização externa</p><p>Na focalização interna, o narrador é capaz de transmitir aspectos da interioridade</p><p>das personagens); ao passo que na externa, ele se limita aos aspectos físicos, ficando</p><p>a representação das consciências das personagens por conta dos diálogos (discurso</p><p>direto livre).</p><p>c) Focalização onisciente versus focalização restritiva</p><p>A focalização onisciente ocorre quando o narrador apresenta um conhecimento</p><p>ilimitado em relação às personagens e aos eventos, sabendo tudo o que se passa</p><p>em seus pensamentos e, podendo, por vezes, antecipar acontecimentos de que as</p><p>personagens não têm ciência de que irão ocorrer; ao passo que na focalização restritiva,</p><p>81</p><p>o narrador apresenta um conhecimento mais limitado e de acordo com a aparência ou</p><p>as ações das personagens.</p><p>d) Focalização interventiva versus focalização neutra</p><p>A focalização interventiva se configura quando o narrador faz comentários</p><p>interventivos que agregam características à aparência ou ao caráter das personagens</p><p>e/ou acerca dos acontecimentos. Na focalização neutra, por sua vez, o narrador</p><p>não realiza nenhuma intervenção. No entanto, este tipo de narração (neutra) seria</p><p>implausível, na medida em que a narração se baseia em um processo de adjetivação</p><p>constante, o que pressupõe um ponto de vista interventivo; no entanto, a focalização</p><p>neutra pode servir como modelo para a análise de narrações que se caracterizam por</p><p>serem preponderantemente despersonalizadas ou mais objetivas, implicando em um</p><p>discurso que tende a empregar menos adjetivos, enfatizando mais as personagens e a</p><p>ação (isto é, predominância de substantivos e verbos).</p><p>Embora sejam focalizações diversas, é possível que uma mesma narrativa</p><p>apresente uma combinação delas. De modo particular, o romance epistolográfico,</p><p>por constituir-se a partir de cartas, constrói uma visão pluridimensional acerca dos</p><p>acontecimentos. A esse modelo de focalização, o teórico estruturalista Tzvetan Todorov</p><p>(1973) chamou “focalização estereoscópica”.</p><p>Como se vê, a questão do ponto de vista no romance vai depender, de maneira</p><p>direta, de como se situa o narrador da obra: se como participante ou observador; se</p><p>como conhecedor da totalidade das personagens e dos acontecimentos ou como uma</p><p>testemunha que sabe apenas sobre o que presenciou/observou etc., uma vez que, a</p><p>perspectiva do foco narrativo é que erige a forma como ocorrerá a caraterização das</p><p>personagens e dos acontecimentos de maneira específica e, dada a liberdade formal</p><p>de que goza a narrativa romanesca diante desses muitos modos de narrar, esse aspecto</p><p>deve ser analisado não como uma categoria geral ao gênero, mas como ocorre em</p><p>cada romance em específico.</p><p>Ademais, o que caracteriza o gênero romanesco é a forma pela qual ele organiza</p><p>uma multiplicidade de discursos por meio da narração. De</p><p>acordo com Bakhtin (1993),</p><p>um dos conceitos mais importantes para se compreender a especificidade do discurso</p><p>romanesco é o dialogismo, um conceito que encerra a íntima relação entre enunciado</p><p>e contexto. Diferentemente da epopeia, o narrador no romance não é um ser totalmente</p><p>distanciado dos acontecimentos no sentido de que o seu discurso não se separa de</p><p>uma realidade sócio-histórica. É essa dimensão que caracteriza o seu ponto de vista e</p><p>a torna inseparável de um modo de conceber o mundo.</p><p>Franco Moretti (2009), por sua vez, compreende que a complexidade da forma</p><p>romanesca advém de três fatores principais: 1) a prosa, enquanto construção discursiva,</p><p>é uma multiplicadora de estilos; 2) a aventura, que se configura como a motivação</p><p>primeira da narração no romance é também uma multiplicadora de possibilidades de</p><p>histórias; e, por fim, o fato de o romance trafegar tanto pelo erudito quanto pelo popular</p><p>fez com que ele incorporasse outras formas arcaicas de narração ao mesmo tempo em</p><p>que se constitui como a forma moderna hegemônica (MORETTI, 2009, p. 205).</p><p>No mundo moderno, nenhum destino é previamente traçado, pois o herói moderno</p><p>constrói seu próprio destino à medida que se posiciona diante do mundo. Nesse sentido, o</p><p>romance lida com essa imprevisibilidade de maneira formal, oferecendo ao romancista</p><p>as mais diversas possibilidades de desfecho e, consequentemente, um leque infinito de</p><p>destinos aos seus heróis.</p><p>82</p><p>Na literatura brasileira, acompanhando a tendência moderna de valorização do</p><p>gênero, o romance desfruta de grande prestígio. Destacam-se entre os mestres do</p><p>romance brasileiro: Joaquim Manuel de Macêdo, Manuel Antônio de Almeida, Gonçalves</p><p>Dias, José de Alencar, Álvares de Azedo, Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Casimiro</p><p>de Abreu, Euclides da Cunha, Bernardo Guimarães, Raul Pompeia, Lima Barreto, Cecília</p><p>Meireles, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz,</p><p>Jorge de Lima, José Lins do Rego, Jorge Amado, Clarice Lispector, Adélia Prado, Guimarães</p><p>Rosa, Érico Veríssimo, Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles, João Ubaldo Ribeiro, João</p><p>Antônio, Antônio Callado, Chico Buarque, Milton Hatoum, entre muitos outros.</p><p>Dialogismo – conceito pelo qual se pressupõe a construção de um discurso em diálogo</p><p>com outros.</p><p>Estruturalismo – corrente teórico-metodológica que se baseia na análise da estrutura e</p><p>funcionamento da obra literária.</p><p>Polifonia – conceito que compreende a variabilidade de vozes presentes em diversas vozes.</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>83</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>1. De acordo com Roberto Acízelo de Souza (1999, p. 51-52), o gênero narrativo se</p><p>caracteriza por contar uma história organizada a partir de elementos estruturantes.</p><p>Assinale a alternativa que apresenta corretamente esses elementos:</p><p>a) espaço, tempo, personagens, ação e narrador.</p><p>b) narrador, personagens, espaço e ambientação.</p><p>c) ação, personagens, tempo e espaço.</p><p>d) tempo, espaço, ambientação, acontecimentos e personagens.</p><p>e) personagens, narrador, espaço e ação.</p><p>2. (Adaptada) Ano: 2021 Banca: AMEOSC Órgão: Prefeitura de Santa Helena - SC Prova:</p><p>AMEOSC - 2021 - Prefeitura de Santa Helena - SC - Professor com Licenciatura Plena</p><p>em Língua Port. e Estrangeira (Espanhol) - Edital nº 06</p><p>Analise as assertivas com (V) verdadeiro ou (F) falso:</p><p>(__) O gênero épico é um texto literário que apresenta aventuras heroicas e eloquentes</p><p>baseadas na história cultural dos povos, o narrador épico pode construir a narrativa</p><p>tanto em versos (chama-se versos épicos) quanto em prosa (denominada de narrativa</p><p>épica).</p><p>(__) A logicidade, a racionalidade e a objetividade são o tripé textual que o narrador</p><p>épico utiliza para dar o tom grandioso na narrativa épica, mas o tom grandioso se</p><p>descaracteriza justamente pela presença de elementos místicos e aventuras fantásticas,</p><p>baseados em mitos como a mitologia grega, em razão disso, existe a presença de</p><p>deuses, semideuses, heróis e figuras fantasiosas que interferem negativamente para</p><p>atrapalhar o desenrolar dos acontecimentos.</p><p>(__) O gênero lírico se refere ao tipo de texto literário onde predomina a expressão de</p><p>sentimentos e emoções subjetivas do sujeito lírico – o eu lírico. São maioritariamente</p><p>escritos em verso, sendo textos breves por não apresentarem enredo, mas sim a</p><p>exteriorização do mundo interior do eu lírico.</p><p>(__) Dentre os subgêneros líricos, temos: Ode: poema lírico de exaltação, entusiasmo</p><p>e alegria, Elegia: poema lírico melancólico sobre a morte e a tristeza, Idílio: poema lírico</p><p>sobre a vida pastoril e bucólica.</p><p>Após análise, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA dos itens</p><p>acima, de cima para baixo:</p><p>a) V, V, V, V.</p><p>b) F, V, V, F.</p><p>c) V, F, V, V.</p><p>d) F, F, V, F.</p><p>e) F, V, F, V.</p><p>84</p><p>3. (Adaptada) Ano: 2019 Banca: Instituto Consulplan Órgão: FASEH Prova: Instituto</p><p>Consulplan - 2019 - FASEH - Vestibular de Medicina</p><p>Em relação à estrutura de um poema épico, cujas partes são denominadas cantos,</p><p>relacione adequadamente as colunas a seguir.</p><p>1. Proposição. 2. Invocação. 3. Narração. 4. Conclusão.</p><p>( ) Definição do tema e do herói do poema.</p><p>( ) Ocorre após o relato dos feitos gloriosos que marcaram a trajetória do herói.</p><p>( ) Refere-se à apresentação da sequência cronológica dos fatos que envolvem as</p><p>aventuras do herói.</p><p>( ) Pedido do poeta à Musa para que lhe inspire, para que desenvolva perfeitamente o</p><p>tema de seu poema.</p><p>Está correta a sequência em:</p><p>a) 1, 2, 3, 4.</p><p>b) 2, 3, 4, 1.</p><p>c) 3, 4, 2, 1.</p><p>d) 1, 4, 3, 2.</p><p>e) 4, 3, 2, 1.</p><p>4. De acordo com a conceituação de Yves Stalloni (2007, p. 79-81), as características</p><p>que sintetizam o estilo épico são cinco. Assinale a alternativa que NÃO se refere a uma</p><p>delas:</p><p>a) Predomínio de estrutura versificada.</p><p>b) Onisciência do narrador (distanciamento narrativo).</p><p>c) Fluxo de consciência do herói (sentido da história).</p><p>d) Retórica codificada (utilização de figuras de linguagem combinada à eloquência).</p><p>e) Associação do herói a valores de uma coletividade.</p><p>5. (Adaptada) COPEVE (UFAL) – Vestibular (Uncisal) 2013/2014</p><p>O poema épico é um dos mais antigos dos gêneros literários. Foi largamente elaborado</p><p>na Antiguidade greco-latina tendo sido também produzido em momentos posteriores,</p><p>a partir do modelo dos poemas homéricos, a Ilíada e a Odisseia, e do poema épico</p><p>latino A Eneida, de Virgílio. Esse gênero tem como principal objetivo exaltar os feitos dos</p><p>heróis de um povo, preservando a sua memória e revela que:</p><p>a) foi elaborado, no Brasil, no período do Naturalismo, por Aluísio Azevedo.</p><p>b) o principal poeta, na poesia de língua portuguesa, épico é Luís Vaz de Camões, autor</p><p>de Os lusíadas.</p><p>c) atualmente há uma intensa produção de poemas épicos em nosso país.</p><p>d) o poema épico adota uma postura crítica, comum no Modernismo, nas obras de</p><p>Oswald de Andrade.</p><p>e) há muitos poemas épicos no Simbolismo brasileiro, exaltando os nossos heróis, de</p><p>85</p><p>autoria de Cruz e Sousa.</p><p>6. Ano: 2021; Banca: Fundação Getúlio Vargas - FGV;Prova: FGV - Prefeitura de Paulínia</p><p>- Cirurgião Dentista - 2021</p><p>“Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central</p><p>um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me,</p><p>sentou-se ao pé de mim, falou da Lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos.</p><p>A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu,</p><p>porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou</p><p>para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.”</p><p>Esse é o início do romance Dom Casmurro; é correto afirmar, sobre esse texto, que se</p><p>trata de texto:</p><p>a) narrativo com sequências descritivas e argumentativas.</p><p>b) narrativo com sequências descritivas.</p><p>c) descritivo, com sequências narrativas e argumentativas.</p><p>d) narrativo com sequências expositivas.</p><p>e) descritivo com sequências descritivas e expositivas.</p><p>7. Ano: 2022; Banca: IFPA; Prova: IFPA - IFPA - Professor de Ensino Básico, Técnico e</p><p>Tecnológico - Área: Letras - Língua Portuguesa - 2022</p><p>A seguir,</p><p>o trecho inicial do romance Relato de um certo Oriente, de Milton Hatoum,</p><p>publicado pela primeira vez em 1989:</p><p>"Quando abri os olhos, vi o vulto de uma mulher e o de uma criança. As duas figuras</p><p>estavam inertes diante de mim, e a claridade indecisa da manhã nublada devolvia os</p><p>dois corpos ao sono e ao cansaço de uma noite maldormida. Sem perceber, tinha me</p><p>afastado do lugar escolhido para dormir e ingressado numa espécie de gruta vegetal,</p><p>entre o globo de luz e o caramanchão que dá acesso aos fundos da casa. Deitada na</p><p>grama, com o corpo encolhido por causa do sereno, sentia na pele a roupa úmida e</p><p>tinha as mãos repousadas nas páginas também úmidas de um caderno aberto, onde</p><p>rabiscara, meio sonolenta, algumas impressões do voo noturno". (HATOUM, 2008, p. 7).</p><p>De acordo com a leitura do trecho em destaque e sobre a instância fictícia do narrador</p><p>no romance, é possível dizer que:</p><p>a) A narradora do romance apresenta os acontecimentos da narrativa, mesmo não se</p><p>fazendo presente na história que narra.</p><p>b) No discurso da narradora há predominância da narração em detrimento da descrição.</p><p>c) A narradora apresenta os acontecimentos experenciados pelas personagens</p><p>mencionadas nas primeiras linhas.</p><p>d) O narrador, claramente masculino, narra acontecimentos posteriores ao tempo da</p><p>narração.</p><p>e) A narradora, marcadamente feminina, participa da história que narra e seu discurso</p><p>é predominantemente descritivo.</p><p>86</p><p>8. Ano: 2022; Banca: Instituto Brasileiro de Apoio e Desenvolvimento Executivo - IBADE</p><p>Prova: IBADE - TJ RS - Oficial de Justiça - 2022</p><p>“Uma noite, trabalhava eu no silêncio do meu gabinete, quando fui procurado por uma</p><p>velhinha, toda engelhada e trêmula, que me disse em voz misteriosa ter uma carta para</p><p>mim.</p><p>— De quem? perguntei.</p><p>— De um moço que está na casa de Detenção.</p><p>— De um preso?! Como se chama ele?</p><p>— V. S. vai ficar sabendo pelo que vem nesse papel. Tenha a bondade de ler.”</p><p>Esse é o início de um romance de Aluísio Azevedo; sobre o narrador desse pequeno texto</p><p>pode-se afirmar que:</p><p>a) se trata de um personagem participante da ação.</p><p>b) se mostra como observador dos fatos narrados.</p><p>c) se apresenta como um relator de fatos reais.</p><p>d) se identifica como interessado direto nos fatos.</p><p>E) se destaca como narrador-escritor.</p><p>FUNIP301</p><p>Texto digitado</p><p>FORMAS</p><p>NARRATIVAS BREVES</p><p>87</p><p>FORMAS NARRATIVAS BREVES</p><p>88</p><p>Esta unidade retoma a terminologia utilizada na unidade 3 para a caracterização</p><p>geral das formas narrativas, direcionando a conceituação agora para as narrativas</p><p>intermediárias (novelas) e breves (contos e fábulas) a partir de suas estruturas de</p><p>composição, suas temáticas e seus estilos, de maneira a sintetizar conceitos que</p><p>permitam a identificação desses tipos de textos literários. O critério empregado nessa</p><p>divisão é o da extensão, que caracteriza, em geral, as diferentes formas narrativas.</p><p>A novela</p><p>Enquanto forma narrativa, a novela apresenta, basicamente, os mesmos</p><p>elementos estruturais do romance. Entretanto, essa forma literária se diferencia do</p><p>romance, essencialmente, em função de dois aspectos básicos: a sua economia</p><p>estrutural (reduzia em relação àquele) e, em consequência desta, a sua menor extensão.</p><p>O ponto chave da redução estrutural da novela em relação ao romance se dá no</p><p>recorte realizado pelo novelista. De acordo com Soares (2007):</p><p>Nesse sentido, a novela focaliza “momentos excepcionais”. Diferentemente do</p><p>romance que se caracteriza por uma construção mais lenta, gradual e minuciosa</p><p>dos episódios que narra, procedendo cumulativamente, a novela deve se ater a um</p><p>número menor de personagens, o que implica em um círculo mais restrito de ações e</p><p>acontecimentos.</p><p>De acordo com a conceituação de Yves Stalloni (2007):</p><p>Poderíamos traduzir o sentido de novela expresso por Yves Stalloni, de acordo</p><p>com nosso contexto cultural e idiomático, pela expressão “as novas” ou “as boas novas”.</p><p>Portanto, uma particularidade do gênero seria o contar algo novo de maneira breve.</p><p>Mas essa caracterização parece constituir-se em algo sumamente vago para que</p><p>4.1 INTRODUÇÃO</p><p>Têm aparecido como mais apropriadas à novela as situ-</p><p>ações humanas excepcionais que, não sendo apresen-</p><p>tadas como um flash (o que constituiria um conto), se</p><p>desenvolvem como um corte na vida das personagens,</p><p>corte este explorado pelo narrador em intensidade, ao</p><p>contrário do romance, que se estende por um longo pe-</p><p>ríodo ou até por uma vida inteira. (SOARES, 2007, p. 55-</p><p>56).</p><p>O vocábulo francês “nouvelle” foi emprestado, por vol-</p><p>ta do século XVI, ao italiano novella, forma substantiva-</p><p>da de um verbo – novellar, que significou inicialmente</p><p>“mudar”, antes de assumir o sentido de “contar”. Em</p><p>francês, na linguagem moderna e corrente, uma “nou-</p><p>velle” (boa ou má) designa “o primeiro parecer que se</p><p>dá ou se recebe (de um acontecimento recente)” e, no</p><p>plural – nouvelles, “informações que dizem respeito ao</p><p>estado ou situação de uma pessoa” (Robert). O que se</p><p>deve reter desse sentido geral são os significados de re-</p><p>lato e de coisa imediata. (STALLONI, 2007, p. 113).</p><p>89</p><p>façamos dela um critério de identificação do gênero. Por isso, de acordo com a</p><p>proposição conceitual do autor supracitado, a novela se define, de uma maneira geral,</p><p>por três aspectos que lhe são característicos:</p><p>– Unidade de ação: aproximando-se do drama, a novela elege um acontecimento</p><p>único que culmina em um desfecho dramático, o qual o narrador busca exprimir com</p><p>economia e intensidade até desembocar em um desfecho marcante.</p><p>– Narração monódica: quem conta a história da novela é, em geral, um único</p><p>narrador. Existem obras que são compostas de várias novelas, como Decamerão.</p><p>A estrutura desse tipo de obra obedece ao princípio do “encaixe” (que é próprio das</p><p>narrativas), sendo que cada novela possui uma autonomia dentro do conjunto, podendo</p><p>ser lida separadamente, o que evidencia o caráter monódico da narração.</p><p>– Ambição da verdade: uma das aspirações da novela é o princípio da</p><p>verossimilhança que estabelece uma estética pautada na fidelidade ao real que, nas</p><p>palavras do autor: “pretende revelar uma verdade imanente” (STALLONI, 2007, p. 117).</p><p>Com esses princípios, a principal função da novela é o entretenimento. Por ser</p><p>uma obra canônica do gênero, Decamerão, de Giovanni Boccaccio, é frequentemente</p><p>tomada como paradigma da novela, pois ela foi escrita no período de isolamento</p><p>social da Peste Negra e sua própria estrutura (dez novelas contadas por dez narradores</p><p>diferentes) reflete a função de entreter por meio da narração, em um período que a</p><p>literatura era um dos únicos meios de entretenimento, já que não existiam recursos</p><p>audiovisuais. Adaptando-se ao mundo moderno, a novela mantém, entretanto, essa</p><p>sua função de entreter ao mesmo tempo que corresponde à necessidade humana de</p><p>narrar.</p><p>No entanto, embora haja critérios cientificamente estabelecidos para distinguirmos</p><p>a novela de outras formas narrativas, a sua conceituação segue problemática na medida</p><p>em que certas obras poderão ser consideradas ora como novelas, ora como romances.</p><p>Esse é o caso, na literatura brasileira, de A hora da estrela, de Clarice Lispector:</p><p>A unidade de ação se configura na eleição de uma parte da vida de Macabéa:</p><p>a sua chegada ao Rio de Janeiro. Enquanto retirante que parte de sua terra natal em</p><p>busca de uma vida melhor, o que importa ao enredo da obra é a outra ponta à qual ela</p><p>se conecta: o destino da personagem nordestina, que encerra uma unidade dramática</p><p>pela cena que configura o seu desfecho.</p><p>A narração é monódica na medida em que é feita unicamente pela perspectiva</p><p>de Rodrigo S. M. em primeira pessoa, a partir de um foco narrativo que é homodiegético,</p><p>onisciente, interno e interventivo.</p><p>A narrativa se configura como ambição de verdade na medida em que busca</p><p>exprimir uma realidade: a da retirante que sai em busca de seus sonhos, mas se depara</p><p>com as dificuldades de uma vida real, em sua existência miserável, em que não apenas</p><p>lhe faltam recursos, como também afeto, algo de que ela se mostra</p><p>ainda mais faminta.</p><p>Por essa leitura, de acordo com a conceituação ora explicitada, A hora da estrela</p><p>Ela sabia o que era o desejo — embora não soubesse</p><p>que sabia. Era assim: ficava faminta mas não de comida,</p><p>era um gosto meio doloroso que subia do baixo-ventre</p><p>e arrepiava o bico dos seios e os braços vazios sem abra-</p><p>ço. Tornava-se toda dramática e viver doía. Ficava então</p><p>meio nervosa e Glória lhe dava água com açúcar.</p><p>90</p><p>Quanto mais concentrado, mais se caracteriza como</p><p>arte de sugestão, resultante de rigoroso trabalho de se-</p><p>leção e de harmonização dos elementos selecionados e</p><p>de ênfase no essencial. Embora possuindo os mesmos</p><p>componentes do romance (...), o conto elimina as análi-</p><p>ses minuciosas, complicações no enredo e delimita for-</p><p>temente o tempo e o espaço. (SOARES, 2007, p. 54).</p><p>seria uma novela, e não um romance, embora haja leitores que defendam que a obra</p><p>apresenta demasiada complexidade e, por isso, se encaixaria melhor na denominação</p><p>de romance. Estruturalmente, porém, como se pode perceber, A hora da estrela possui</p><p>os princípios estruturais da novela.</p><p>Essa confusão pode ser ainda exacerbada pela transposição de romances para</p><p>novelas televisivas (que seria um outro gênero, considerado no âmbito audiovisual).</p><p>Por hora, os critérios expostos nos servem como fundamentos de diferenciação entre a</p><p>novela, o romance e o conto, entendendo-se que a novela ocupa posição intermediária</p><p>(pela sua configuração estrutural) entre esses dois últimos.</p><p>São exemplos de novelas na literatura brasileira: O alienista, de Machado de Assis;</p><p>A morte e a morte de Quincas Berro d’Água, de Jorge Amado; Um copo de cólera, de</p><p>Raduan Nassar; O exército de um homem só e Max e os felinos, de Moacyr Scliar, além</p><p>da já citada obra de Clarice Lispector.</p><p>O conto</p><p>Se o romance pode abarcar toda uma vida e a novela elege desta apenas os</p><p>acontecimentos mais importantes, o conto se detém sobre um episódio emoldurável,</p><p>sendo, por esse critério, a forma narrativa mais breve.</p><p>De acordo com Soares (2007):</p><p>Em vista disso, o conto se caracteriza pela síntese e intensidade com que os</p><p>elementos narrativos são trabalhados, sendo, portanto, uma forma dotada de extrema</p><p>depuração.</p><p>De acordo com Nádia Batella Gotlib (1990), o conto nasce como um gênero</p><p>votado à necessidade do homem de contar (oralmente) e vai sendo incorporado</p><p>pelas sociedades que possuem cultura escrita de maneira gradativa, transpondo-se</p><p>as narrativas orais para a escrita e, por esse motivo, esse gênero pode ser concebido</p><p>a partir de uma importante relação com o desenvolvimento das sociedades, pois à</p><p>medida que as sociedades se organizam de maneira mais complexa, o conto também</p><p>ganha maior complexidade.</p><p>Conforme conceitua Yves Stalloni, desde o século XVIII, o conto:</p><p>' Deleuze e Guattari compuseram um estudo que busca diferenciar a novela do</p><p>conto. Trata-se de Quatro novelas e um conto: as ficções do platô 8 de Mil platôs</p><p>(2014). O livro está disponível na Biblioteca Pearson através do link: https://shre.</p><p>ink/TZfB. Acesso em 31 dez. 2022.</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>91</p><p>Angélica Soares aponta que a estrutura do conto se divide em: apresentação,</p><p>complicação, clímax e desfecho (SOARES, 2007, p. 55).</p><p>Stalloni (2007, p. 121), por sua vez, se ampara na distinção de alguns traços</p><p>característicos à constituição do conto:</p><p>– inclinação à fábula (pelo uso de elementos oníricos e maravilhosos);</p><p>– personagens mais simbólicas que reais;</p><p>– fundamento popular (tradições oral, coletiva e folclórica);</p><p>– brevidade;</p><p>– narração direta;</p><p>– intenção moral e didática, encerra algum tipo de ensinamento.</p><p>O autor expõe, ainda, uma tipologia do conto moderno:</p><p>– O conto gaulês: que deu origem ao modelo de narrativa breve burlesca/</p><p>engraçada, herdada da tradição francesa medieval e que inclui narrativas baseadas</p><p>em ensinamentos do mundo animal transfiguradas de humanidade, histórias libertinas,</p><p>aventuras e sátiras.</p><p>– O conto maravilhoso: famosos contos “Era uma vez...”, baseados em lendas, no</p><p>princípio da transfiguração que admite o irreal, o onírico, o sobrenatural, os poderes</p><p>mágicos e ocultos.</p><p>– O conto filosófico: característico do século XVIII, denominado “século das luzes”,</p><p>pelo nascimento do Iluminismo, movimento europeu baseado no racionalismo e no</p><p>empirismo. O conto filosófico se caracteriza por seu conteúdo edificante a partir de um</p><p>tema leve e reflexivo que capta um momento simbólico e emoldurável que culmina em</p><p>um ensinamento filosófico.</p><p>– O conto fantástico: diferente do conto maravilhoso, tem no medo um fator para</p><p>o impulso narrativo, baseia-se no confronto entre real e inverossímil em um clima que</p><p>suspende o leitor de sua posição confortável diante da narrativa e o arrebata a partir de</p><p>um final dramático.</p><p>O primeiro estudioso que toma o conto como objeto de análise visando construir</p><p>uma conceituação dessa forma narrativa a partir de sua especificidade, nos estudos</p><p>modernos, é Vladimir Propp 1895 – 1970). Em 1928, Propp publica a sua Morfologia do</p><p>conto maravilhoso, um trabalho minucioso que analisa mais de 300 contos folclóricos</p><p>da literatura russa. O estudioso, após fazer um levantamento detalhado da estrutura</p><p>desses contos, elege 150 elementos que lhes são comuns e que desempenham 31</p><p>funções. Esse critério, apesar de detalhado, culminou em uma teoria demasiado</p><p>extensa do gênero, considerando que Propp tratava apenas dos contos maravilhosos.</p><p>Dessa forma, a sua conceituação precisou passar por uma síntese para tornar-se mais</p><p>apreensível enquanto modelo de análise para outros estudiosos do conto.</p><p>Nesse sentido, um importante conceituador do conto maravilhoso foi o linguista</p><p>francês de formação estruturalista Claude Brémond (1929 – 2021). Segundo Gotlib</p><p>[...] em sua acepção literária, especializou-se no senti-</p><p>do de “relato de fatos, de acontecimentos imaginários,</p><p>destinados a distrair” (Robert). Mesmo que, como vimos,</p><p>seu campo de aplicação tenha podido variar ao sabor</p><p>das épocas e que autores do século XIX tenham rejeita-</p><p>do o critério de inverossimilhança. (STALLONI, 2007, p.</p><p>120).</p><p>92</p><p>[...]</p><p>Minha casa é ampla, pintada de branco por fora, bonita,</p><p>antiga, meio de um grande jardim com árvores mag-</p><p>nífica e que sobe até a floresta, escalando os enormes</p><p>rochedos de que lhes falei há pouco.</p><p>Minha criadagem compõe-se, ou melhor, compunha-se</p><p>de um cocheiro, um jardineiro, um camareiro, uma co-</p><p>zinheira e uma roupeira que era ao mesmo tempo uma</p><p>espécie de governanta. toda essa gente morava comi-</p><p>go havia dez a dezesseis anos, todos me conheciam,</p><p>conheciam minha casa, a região, tudo o que cercava a</p><p>minha vida. Eram bons e tranquilos servidores. isso im-</p><p>porta para o que vou dizer.</p><p>[...]</p><p>O inverno tinha passado, a Primavera começava. Eis que</p><p>uma manhã, quando passeava junto ao canteiro das</p><p>roseiras, vi, vi distintamente, muito próximo de mim, o</p><p>caule de uma das rosas mais bonitas quebrar se como</p><p>se uma espécie de mão invisível a tivesse colhido; em</p><p>seguida a flor fez a curva que teria descrito um braço</p><p>para levá-la a uma boca, que permaneceu suspensa no</p><p>ar transparente sozinha, imóvel, assustadora, a três pas-</p><p>sos de meus olhos.</p><p>(1999), Brémond propõe uma síntese dos estudos realizados por Propp para classificar</p><p>a estrutura do conto. Basicamente, o que Brémond afirma é que as 31 funções de</p><p>Propp podem ser resumidas a três: (1) abertura de uma possibilidade, (2) realização da</p><p>possibilidade (com sucesso ou fracasso) e (3) desfecho. Em outras palavras, de acordo</p><p>com essa estrutura, o conto possui princípio, meio e fim, ficando o seu desfecho com a</p><p>parte mais importante de sua constituição.</p><p>Um pouco diferente do conto maravilhoso (ou mítico) são os contos modernos/</p><p>contemporâneos. Ainda que sejam também caracterizados pela brevidade, o conto</p><p>moderno/contemporâneo se baseia em uma estrutura mais complexa.</p><p>Esse modelo é associado à obra de Edgar Allan Poe (1809-1849), escritor norte-</p><p>americano que fez dos contos de terror o grande paradigma do conto moderno.</p><p>Além de inaugurar a</p><p>forma moderna do conto, Poe foi também um de seus</p><p>conceituadores. Neste campo, sua maior contribuição foi o conceito de “unidade de</p><p>efeito”, que pode ser associado ao efeito catártico atribuído à tragédia grega. Para</p><p>Poe, esse efeito na construção da contística obedece a uma gradação que vai se</p><p>encaminhando para o desfecho na medida em que se intensifica, criando um impacto</p><p>sobre o leitor. Embora esse efeito possa ser verificado em qualquer conto, isto é, não</p><p>necessariamente apenas em contos de terror ou policiais, como nos de Poe, é nesse</p><p>subgênero que ele se configura de maneira mais clara para causar o efeito contundente,</p><p>o que explica o fato de ele ter se tornado uma espécie de paradigma dessa forma</p><p>narrativa.</p><p>Além de Poe, outros contistas elaboraram conceituações acerca do gênero,</p><p>unindo prática e teorização. Guy de Maupassant (1850 – 1893) compôs contos que se</p><p>pautavam no princípio da “fluência natural do acontecimento”, como podemos ver a</p><p>partir de um trecho de “O Horla”:</p><p>93</p><p>Esse modo de percepção do contista guia o processo narrativo pelo qual o conto se</p><p>configura, de modo que o efeito de naturalidade resulta de um processo de elaboração</p><p>estética bastante depurada por parte do autor.</p><p>Em grande parte dos contos desse escritor francês, há um trabalho de narração que</p><p>parte de um acontecimento casual, comum e cotidiano que culmina em um desfecho</p><p>desorientador ou desconcertante para o leitor. O contista busca, assim, ressignificar a</p><p>percepção do leitor, anestesiada pela vida comum e pelo individualismo frenético.</p><p>Anton Tchecov (1860 – 1904), outro contista e conceituador do conto, ressalta</p><p>duas principais características importantes: a unidade de efeito e a contenção, já que</p><p>todo conto se submete ao princípio da brevidade. O grande mérito da conceituação de</p><p>Tchecov, de acordo com Gotlib (1990), é o fato de ele:</p><p>Vamos exemplificar os princípios composicionais de Tchecov a partir do conto</p><p>“Coisa-ruim” que, por tratar da temática do sobrenatural, nos permite visualizar um</p><p>tratamento diverso do de Maupassant:</p><p>Tomado por um pânico louco, atirei-me sobre ela para</p><p>apanhá-la. Não achei nada. Tinha desaparecido. Então</p><p>fui tomado de uma cólera furiosa contra mim mesmo.</p><p>Não se permite que um homem racional e sério tenha</p><p>alucinações desse tipo!</p><p>Mas seria mesmo uma alucinação? Procurei o caule.</p><p>Encontrei-o imediatamente, recém-cortado, no arbus-</p><p>to entre duas outras rosas que continuavam presas ao</p><p>ramo; porque eram três as rosas que eu tinha visto per-</p><p>feitamente.</p><p>então voltei para casa, o espírito agitado. Senhores, es-</p><p>cutem me, estou calmo; eu não acreditava no Sobrena-</p><p>tural, e mesmo hoje não acredito; mas a partir daquele</p><p>momento fiquei certo, certo como do dia e da noite, que</p><p>existe a meu lado um ser invisível que me habitara, de-</p><p>pois me deixara, e que voltava.</p><p>[...]. (MAUPASSANT, 2009, p. 652-654).</p><p>avançar no sentido de libertar o conto de um de seus</p><p>fundamentos mais sólidos: o do acontecimento. E, neste</p><p>aspecto, afasta-se do conto de acontecimento extraor-</p><p>dinário, tal como o conto de Poe. E afasta-se também do</p><p>conto de simples acontecimento, tal como o conjunto</p><p>de contos de Guy de Maupassant. (GOTLIB, 1990, p. 46).</p><p>– Quem é?</p><p>Não há resposta. O guarda não vê nada, mas por entre</p><p>o barulho do vento e o ramalhar das árvores sente per-</p><p>feitamente que anda alguém a calcorrear a álea à fren-</p><p>te dele. A noite de Março, cerrada e nevoenta, envolve a</p><p>terra, e parece ao guarda que a terra, o céu e ele próprio</p><p>mais os seus pensamentos se fundiram numa coisa úni-</p><p>ca, enorme, impenetravelmente negra. Só às palpadelas</p><p>se pode andar.[</p><p>– Quem é? – repete o guarda, e parece-lhe ouvir um sus-</p><p>94</p><p>Percebe-se na construção da ambientação do conto de Tchékhov uma tensão</p><p>interna que resulta da proximidade do narrador em relação aos fatos. Disso resulta uma</p><p>espécie de dissolução entre o que é real e o que é resultado da imaginação. No conto</p><p>de Guy de Maupassant, essas fronteiras são claramente definidas.</p><p>Assim, o efeito da conceituação de Anton Tchékhov se baseia no princípio de que</p><p>livre da obrigação do discernimento entre o que é acontecimento e o que é imaginação,</p><p>o conto adquire maior liberdade enquanto obra de ficção, uma vez que:</p><p>A partir da obra de James Joyce, surge, por sua vez, o conceito de epifania:</p><p>O livro Dublinenses é uma coletânea de contos em que Joyce narra diversos</p><p>episódios da vida dos moradores de Dublin. “Os mortos” é o conto que encerra o livro,</p><p>como uma espécie de ciclo da vida local.</p><p>surro e um riso contido. – Quem está aí?</p><p>– Sou eu, paizinho... – responde uma voz de velho.</p><p>– Tu, quem?</p><p>– Eu... um caminheiro de Cristo.</p><p>– Caminheiro? – diz o guarda num grito zangado, mas</p><p>a sua voz gritada é mais para disfarçar o medo. – Andas</p><p>por onde não és chamado! Esta agora, diabo do homem</p><p>a passear-se à noite no cemitério!</p><p>[...]</p><p>Ajuda-me, por amor de Cristo. Não vejo nada e arreceio-</p><p>-me de andar sozinho num cemitério. Tenho medo, ami-</p><p>go, muito medo.</p><p>– Era só o que me faltava – suspira o guarda. – Está bem,</p><p>vamos lá!</p><p>O Guarda e o romeiro põem-se a caminho. Juntos, om-</p><p>bro com ombro, calados. O vento húmido, acutilante,</p><p>bate-lhes na cara, e as árvores invisíveis, ramalhando</p><p>crepitantes, despejam por cima deles salpicos grossos.</p><p>A álea é, quase toda, uma sucessão de charcos.</p><p>– Só uma coisa me faz espécie – diz o guarda depois de</p><p>um longo silêncio –, como é que entraste? É que o por-</p><p>tão está fechado a cadeado. Subiste à cerca, foi? Mas</p><p>olha que saltar por cima da cerca não é coisa para ve-</p><p>lhos!</p><p>[...].</p><p>(TCHÉKHOV, 2001, p. 148-150).</p><p>não se refere só ao acontecido. Não tem compromisso</p><p>com o evento real. Nele, realidade e ficção não têm limi-</p><p>tes precisos. Um relato, copia-se; um conto, inventa-se,</p><p>afirma Raúl Castagnino. (GOTLIB, 1990, p. 14).</p><p>Epifania, tal como a concebeu James Joyce, é identifica-</p><p>da como uma espécie ou grau de apreensão do objeto</p><p>que poderia ser identificado com o objetivo do conto,</p><p>enquanto uma forma de representação da realidade.</p><p>(GOTLIB, 1990</p><p>95</p><p>Nesse conto, Joyce lança mão de uma narrativa detalhista sobre o tradicional</p><p>baile natalino das irmãs Morkan, alçado na cultura e no cotidiano dublinense que dão</p><p>um clima especial ao conto. Cada detalhe, no entanto, não é, como pode parecer à</p><p>primeira vista mera descrição. Em verdade, o encadeamento de detalhes – construindo</p><p>espécies de cenas da vida familiar – é responsável por condicionar a tensão do conto:</p><p>O clima de festa construído culmina em uma música específica que liga os</p><p>acontecimentos ocorridos na casa das irmãs Morkan aos protagonistas Gabriel e Gretta.</p><p>Ao longo do conto, Gabriel mostra-se apaixonado pela esposa, ao passo que esta</p><p>demonstra certa timidez ou frieza. Essa dissonância cria uma falta de sintonia entre o</p><p>casal, até que, afastados da festa, ocorre uma situação que desencadeia um momento</p><p>de tensão insuperável entre os protagonistas:</p><p>[...]</p><p>Era sempre um grande acontecimento, a festa anual</p><p>das irmãs Morkan. Todo mundo que as conhecia vinha</p><p>à festa, parentes, velhos amigos da família, integrantes</p><p>do coral em que Julia cantava, alunos de Kate com ida-</p><p>de suficiente, e até mesmo alguns dos alunos de Mary</p><p>Jane. A festa jamais fracassara. Ano após ano tudo sem-</p><p>pre transcorrera em grande estilo até onde as pessoas</p><p>podiam se lembrar; desde que Kate e Julia, depois da</p><p>morte do irmão, Pat, mudaram-se da casa em Stoney</p><p>Batter e levaram Mary Jane, única sobrinha, para morar</p><p>com elas em Usher's Island numa casa escura e lúgubre,</p><p>cuja parte superior fora alugada de um tal Mr. Fulham,</p><p>um negociante de cereais que morava no andar térreo.</p><p>Isso fora há exatamente trinta anos.</p><p>[...]</p><p>(JOYCE, 2012, p. 158).</p><p>[...]</p><p>Gabriel, trêmulo de prazer diante do beijo inesperado e</p><p>das palavras inusitadas, passou levemente as mãos nos</p><p>cabelos dela, quase sem tocálos. Os cabelos estavam la-</p><p>vados e viçosos. O coração dele transbordava de felici-</p><p>dade. Exatamente quando mais a desejava ela viera por</p><p>vontade própria. Talvez os pensamentos dela estives-</p><p>sem correndo paralelamente aos dele. Talvez ela tivesse</p><p>sentido o desejo impetuoso que o consumia, e então re-</p><p>solvera ceder. Agora que ela se rendera tão facilmente,</p><p>ele se perguntava por que tinha sido tão tímido.</p><p>Segurou o rosto dela entre as mãos. Então, envolvendo-</p><p>-a com um dos braços e trazendo-a para junto de si, dis-</p><p>se à meia-voz:</p><p>– Gretta, querida, em que você está pensando? Ela não</p><p>respondeu e tampouco cedeu inteiramente ao abraço.</p><p>Ele repetiu, à meia-voz:</p><p>– Conta pra mim, Gretta. Acho que já sei do que se trata.</p><p>Será que sei?</p><p>96</p><p>Atravessados pelo morto que fizera parte do passado de Gretta, os protagonistas</p><p>vivem situações que mostram a intensidade rítmica da vida em direção à morte. Esse</p><p>processo, detalhadamente construído pelo autor, é responsável pelo efeito epifânico</p><p>que Joyce conceitua como um princípio essencial do conto.</p><p>O conceito de epifania seria o efeito alcançado pelo conto, a sua beleza estética,</p><p>porque congrega todos os outros elementos, desde os detalhes do ambiente até as</p><p>caracterizações das personagens, entretecidos de modo a alcançar esse efeito.</p><p>Joyce elege ainda outros dois elementos que constituem a espinha dorsal do conto:</p><p>a integridade (a obra integral, o seu universo particular) e a simetria (partes e suas</p><p>relações com o todo), sem os quais não é possível alcançar a epifania.</p><p>Ela não respondeu de imediato. Então disse em meio a</p><p>uma explosão de lágrimas:</p><p>– Ah, estou pensando naquela canção, The Lass of Au-</p><p>ghrim.</p><p>Desvencilhou-se dos braços dele e correu para a cama</p><p>e, agarrando-se à cabeceira, escondeu o rosto. Gabriel</p><p>ficou atônito durante alguns instantes e então foi ao</p><p>encontro dela. Quando passou na frente do espelho gi-</p><p>ratório viu sua própria figura, em corpo inteiro, o tórax</p><p>largo e robusto, o rosto cuja expressão sempre o intriga-</p><p>va quando diante de um espelho e os óculos dourados,</p><p>brilhantes. Deteve-se a alguns passos dela e disse:</p><p>– O que tem a ver a canção? Por que ela te faz chorar?</p><p>Ela ergueu a cabeça que estava apoiada nos braços e</p><p>enxugou os olhos com as costas da mão como uma</p><p>criança. A voz dele assumiu um tom mais benévolo do</p><p>que ele pretendia.</p><p>– Por que, Gretta? – ele perguntou.</p><p>– Estou pensando numa pessoa que muito tempo atrás</p><p>costumava cantar aquela canção.</p><p>[...]</p><p>– Ele está morto – ela disse finalmente. – Morreu aos de-</p><p>zessete anos de idade. Não é terrível morrer tão jovem</p><p>assim?</p><p>[...].</p><p>(JOYCE, 2012, p. 192-194).</p><p>Analise os conceitos de unidade de efeito (de Edgar Allan Poe) e de epifania (de James Joy-</p><p>ce) e estabeleça as suas semelhanças e diferenças quanto ao que se propõem alcançar</p><p>na estrutura do conto.</p><p>VAMOS PENSAR?</p><p>97</p><p>Por fim, outros dois contistas que oferecem conceituações ao conto são Júlio</p><p>Cortázar (1914 – 1984) e Ricardo Piglia (1941 – 2017), ambos argentinos. Cortázar (2006), ao</p><p>conceituar a brevidade do conto, utiliza-se da comparação entre cinema e fotografia, de</p><p>modo que o cinema se associaria, em termos de extensão, ao romance e a fotografia, ao</p><p>conto. Nesse sentido, a fotografia e o conto se configuram por um paradoxo: constituem-</p><p>se em “unidades fechadas” e “fragmentárias” que, no entanto, apontam para fora, para</p><p>um todo (do qual fazem parte, do qual são fragmentos), de modo que os limites aos</p><p>quais estão submetidos devem constituir a direção da amplitude que podem alcançar.</p><p>Na conceituação de Cortázar (2006), o princípio da forma contística é o da</p><p>seleção, e não da acumulação (princípio do romance), e essa economia, quando bem</p><p>orientada, consegue produzir um efeito sobre o leitor. Buscando evidenciar esse efeito,</p><p>ainda considerando as nuances que caracterizam o conto em face do romance, ele</p><p>compara o método do contista ao do boxista: no combate entre um texto apaixonante</p><p>e o leitor, o romance ganha por pontos (ou seja, cumulativamente), enquanto o conto</p><p>deve ganhar por nocaute.</p><p>Para além de lançar luz sobre a sua própria forma de escrever contos, Cortázar</p><p>chama a atenção para a transformação sistemática pela qual o gênero passa no século</p><p>XX, de modo que a forma narrativa pela qual se estrutura, em uma acepção clássica</p><p>(início, meio e fim de um acontecimento) vai perdendo rigidez para ganhar nuances</p><p>mais elaboradas que levam em conta o dado implícito, isto é, uma “ordem mais secreta</p><p>e menos comunicável”, o não dito, o subentendido. E, nesse sentido, o conto acaba por</p><p>se aproximar da poesia, sobretudo, por conciliar síntese formal (baseada na economia</p><p>de palavras) a um sentido que lhe é subjacente, sugestivo e mais oculto. Nas palavras</p><p>de Cortázar, esse processo de aperfeiçoamento do conto moderno o torna: “tão secreto</p><p>e voltado para si mesmo, caracol de linguagem, irmão misterioso da poesia em outra</p><p>dimensão do tempo literário.” (CORTÁZAR, 2006, p. 149).</p><p>Portanto, para o crítico, o conto se caracteriza como “uma síntese viva ao mesmo</p><p>tempo que uma vida sintetizada.” (CORTÁZAR, 2006, p. 150). E o princípio da síntese</p><p>é o mais estrutural de todos, uma vez que, “o contista sabe que não pode proceder</p><p>acumulativamente, verticalmente, seja para cima ou para baixo do espaço literário”.</p><p>(CORTÁZAR, 2006, p. 152). Sendo assim, se o conto se aproxima da fotografia, espaço e</p><p>tempo (elementos primordiais de uma narrativa) devem passar por um processo de</p><p>condensação de “alta pressão” que elimina tudo o que não for essencial para que se</p><p>consiga o efeito de “abertura” para fora de sua limitação. Assim:</p><p>Acrescenta-se a esta uma última conceituação do conto: a de Ricardo Piglia.</p><p>Levando em consideração a complexidade alcançada pelo conto moderno/</p><p>contemporâneo, Piglia desenvolve sua conceituação a partir de duas teses: 1) um conto</p><p>sempre conta duas histórias; 2) a história secreta é a chave para a sua compreensão. A</p><p>partir dessa distinção, o autor contrasta o conto clássico ao moderno:</p><p>Um conto é significativo quando quebra seus próprios</p><p>limites com essa explosão de energia espiritual que ilu-</p><p>mina bruscamente algo que vai muito além da pequena</p><p>e às vezes miserável história que conta [...]. (CORTÁZAR,</p><p>2006, p. 153).</p><p>98</p><p>Procedendo dessa forma, o conto moderno/contemporâneo se baseia na</p><p>construção de uma ausência que deve ser preenchida pelo leitor, privilegiando-se o</p><p>não dito, o alusivo e o sugestivo. Nessa conceituação também podemos dizer que o</p><p>conto é a forma em prosa que mais se aproxima da poesia em se tratando de princípios</p><p>de composição.</p><p>Essas distintas conceituações servem para analisarmos contos que se valem de</p><p>diferentes princípios de composição e, embora haja uma tendência de o conto moderno/</p><p>contemporâneo se caracterizar por uma elaboração mais complexa, isso não significa</p><p>que os princípios do conto clássico (início, meio e fim de um acontecimento) tenham</p><p>sido completamente abandonados. Cada contista opta por estruturar a sua narrativa</p><p>de acordo com a estrutura que mais lhe convém e que corresponde às suas intenções</p><p>estéticas.</p><p>Na literatura brasileira, existe uma gama considerável de contistas. Entre os</p><p>mestres do gênero situam-se Machado de Assis, Álvares de Azevedo, Júlia Lopes de</p><p>Almeida, Lima Barreto, João Alphonsus, João do Rio, Clarice Lispector, Lygia Fagundes</p><p>Teles, Murilo Rubião, Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Fernando Sabino, Ana Cristina</p><p>César, entre muitos outros.</p><p>Outras formas narrativas breves</p><p>A fábula é outra forma literária que se configura a partir de uma narrativa breve.</p><p>Segundo Yves Stalloni, o termo:</p><p>[...] deriva do latim fabula, que significa relato, narrativa.</p><p>O primeiro sentido de fábula remete a essa origem e re-</p><p>cobre um simples conteúdo narrativo. Durante a Idade</p><p>Média, a palavra francesa fable (fábula) tende a confun-</p><p>dir-se com o vocábulo fabliau e aplica-se igualmente</p><p>aos relatos mitológicos. (STALLONI, 2007, p. 125).</p><p>A versão moderna do conto [...] abandona o final surpre-</p><p>endente e a estrutura fechada, trabalha a tensão entre</p><p>as duas histórias sem nunca resolvê-la. A história secreta</p><p>é contada de um modo cada vez mais alusivo. O conto</p><p>clássico à Poe contava uma história</p><p>anunciando que ha-</p><p>via outra; o conto moderno conta duas histórias como</p><p>se fossem uma só. (PIGLIA, 2004, p. 91).</p><p>Entre os contos maravilhosos mais famosos encontram-se os contos dos irmãos Grimm.</p><p>Jacob Ludwig Karl Grimm e Wilhelm Karl Grimm compuseram os famosos contos de fada</p><p>que foram adaptados pela Disney para a televisão, como “Branca de neve”, “Chapeuzinho</p><p>vermelho”, “A Bela Adormecida”, “Rapunzel”, “João e Maria”, entre outros. Esses contos ainda</p><p>exercem forte inspiração nas obras destinadas ao público infantil, tanto as literárias quanto</p><p>as cinematográficas e, mais recentemente, as feitas pelas plataformas de streaming.</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>99</p><p>Esse tipo de narrativa se identifica às formas clássicas na medida em se baseia</p><p>em um relato com narrador, personagens, tempo e espaço que recorre ao imaginário</p><p>simbólico para transmitir uma lição ou um ensinamento. Assim, a fábula possui uma</p><p>dimensão fortemente inclinada à educação moral.</p><p>Em sua origem, a fábula seguia certas “leis” gerais de composição: “ser curta, utilizar</p><p>personagens que podem ser animais de valor simbólico, basear-se numa narração (o</p><p>apólogo), que prepara uma lição (a moral), tudo escrito em versos.” (STALLONI, 2007, p.</p><p>125).</p><p>Ao longo do tempo foi-se abandonando a sua relação exclusiva com o verso, mas</p><p>não com a oralidade, de modo que ela se aproxima das formas populares de narração,</p><p>tanto que, por vezes, ela se desprende de um determinado autor para se fixar como</p><p>parte do repertório popular, sendo contada repetidas vezes em função da moral que</p><p>encerra. O processo de zoomorfização também ainda se mantém como fundamental</p><p>na constituição do gênero.</p><p>Na literatura brasileira, Monteiro Lobato é autor de diversas fábulas que seguem o</p><p>modelo grego clássico de Esopo e Fedro, assim como o do francês Jean de La Fontaine:</p><p>A literatura de cordel também apresenta muitos exemplos desse gênero e o</p><p>fortalece, tanto em prosa quanto em verso, pois tende a se nutrir organicamente de</p><p>elementos populares.</p><p>De acordo com Yves Stalloni, além da fábula, podemos elencar como formas</p><p>narrativas breves: o relato de viagem, a crônica, a parábola, as lendas, as memórias e</p><p>A assembleia dos ratos</p><p>Um gato de nome Faro-Fino deu de fazer tal destroço</p><p>na rataria de uma casa velha que os sobreviventes, sem</p><p>ânimo de sair das tocas, estavam a pronto de morrer de</p><p>fome.</p><p>Tornando-se muito sério o caso, resolveram reunir-se</p><p>em assembleia para o estudo da questão. Aguardaram</p><p>para isso certa noite em que Faro-Fino andava aos mios</p><p>pelo telhado, fazendo sonetos à Lua.</p><p>– Acho – disse um deles – que o meio de nos defender-</p><p>mos de Faro-Fino é lhe atarmos um guizo ao pescoço.</p><p>Assim que ele se aproxime, o guizo o denuncia e pomo-</p><p>-nos ao fresco a tempo.</p><p>Palavras e bravos saudaram a luminosa ideia. O projeto</p><p>foi aprovado com delírio. Só votou contra um rato cas-</p><p>murro, que pediu a palavra e disse:</p><p>– Está tudo muito direito. Mas quem vai amarrar o guizo</p><p>no pescoço de Faro-Fino?</p><p>Silêncio geral. Um desculpou-se por não saber dar nó.</p><p>Outro, porque não era tolo. Todos, porque não tinham</p><p>coragem. E a assembleia dissolveu-se no meio de geral</p><p>consternação.</p><p>Dizer é fácil, fazer é que são elas!</p><p>(“A assembleia dos ratos”, Fábulas. Monteiro Lobato).</p><p>100</p><p>até mesmo as piadas.</p><p>Em suma, as formas narrativas podem ser divididas conceitualmente, conforme</p><p>vimos no decorrer desta unidade, em formas longas (epopeia e romance), forma</p><p>intermediária (novela) e formas breves (conto, fábula etc.). Todas elas, porém,</p><p>apresentam em comum o ato narrativo que se configura pela intenção de contar</p><p>fatos ou acontecimentos que são, para tanto, organizados em forma de relato, o que</p><p>pressupõe uma estruturação e ordenação dos acontecimentos de maneira peculiar.</p><p>Outra característica em comum é a mistura, orientada para mais ou para menos,</p><p>entre elementos ficcionais e realidade. E, por fim, a prosa se configura como o modo</p><p>privilegiado das formas narrativas modernas, ficando o verso predominantemente ao</p><p>domínio da lírica, ainda que possa aparecer na configuração da fábula.</p><p>De todas as formas narrativas aventadas, o romance se converte em uma forma</p><p>mais expressiva da modernidade, assim como a epopeia gozou de maior distinção na</p><p>estética clássica. E é importante dizer que o romance é uma forma que incorpora um</p><p>princípio caro à concepção dos gêneros literários no período pós-romântico: a mistura</p><p>de gêneros e estilos. Nesse sentido, ele é considerado como um gênero “canibal”, que</p><p>devora as outras formas, acomodando-as dentro de sua plasticidade orgânica.</p><p>Em síntese, todas as formas narrativas visam, no fim das contas, contar uma história</p><p>e, por isso, se estruturam de maneira similar, mas mantendo certas especificidades de</p><p>acordo com a função que desempenham. Podemos compreender as formas narrativas</p><p>estudadas nas unidades 3 e 4 a partir das seguintes características:</p><p>– Epopeia: historicamente, é a primeira modalidade narrativa, isto é, aquela</p><p>que inaugura o gênero, e se configura como um longo poema que narra temas de</p><p>caráter histórico, baseando-se em grandes acontecimentos de dimensão coletiva e</p><p>nacional a partir de um estilo grandiloquente, isto é, solene elevado, tendo entre seus</p><p>personagens a figura de destaque do herói. Essa foi a forma predominante, e considerada</p><p>hierarquicamente superior, em todo o período clássico.</p><p>– Romance: narrativa longa composta por capítulos que estabelecem uma</p><p>sequência narrativa em prosa, com número ilimitado de personagens e acontecimentos</p><p>conjugados a um tempo e espaço e conduzidos por um narrador. diferentemente da</p><p>epopeia, o estilo romanesco associa se ao falar, isto é, tem uma concepção usual da</p><p>linguagem, incorporando discursivamente outros tipos de discursos que gravitam na</p><p>vida social, nutrindo-se organicamente de seu contexto histórico. Por sua complexidade,</p><p>o romance não é apenas uma narrativa de entretenimento, pois encerra questões que</p><p>levam a profundas reflexões.</p><p>– Novela: assim como o romance, a novela apresenta uma narrativa organizada</p><p>por uma sequência de episódios com personagens, acontecimentos, tempo e espaço</p><p>ordenados por um narrador. No entanto, esta forma se diferencia do romance na</p><p>medida em que apresenta a menor densidade narrativa e uma sequência de capítulos</p><p>que podemos ler autonomamente como episódios. Além disso, a novela se aproxima</p><p>do drama na medida em que todos os eventos/acontecimentos convergem para uma</p><p>cena final ou desfecho e, nesse sentido, ela possui uma unificação mais direcionada a</p><p>partir, como vimos, de um recorte especialmente delimitado para alcançar esse efeito.</p><p>– Conto: narrativa em prosa que se caracteriza pela brevidade e economia de</p><p>meios orientadas para um efeito surpreendente. Assim, o conto é a forma narrativa em</p><p>prosa que mais se aproxima dos princípios de composição da poesia, pois também lida</p><p>101</p><p>com a concisão enquanto princípio formal e de significação.</p><p>– Fábula: assim como o conto, a fábula se caracteriza pela brevidade, mas não se</p><p>orienta para um efeito surpreendente. Seu intuito e sua função é produzir uma lição ou</p><p>um ensinamento moral. Tem profunda relação com a oralidade e, em geral, se realiza</p><p>quanto às personagens, por um processo de zoomorfização.</p><p>102</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>1. (Adaptada) Ano: 2021Banca: AMEOSC - Associação dos Municípios do Extremo</p><p>Oeste de Santa Catarina – AMEOSC Prova: AMEOSC – Prefeitura – Professor de Língua</p><p>Portuguesa – 2021</p><p>Analise as assertivas seguintes:</p><p>I. "Trata-se de uma narrativa curta que, em geral, apresenta apenas um conflito,</p><p>narrador, enredo, personagens, espaço, tempo, dentre outros componentes".</p><p>II. "Trata-se de um gênero textual discursivo que narra situações cotidianas da vida</p><p>urbana. A linguagem costuma ser leve e coloquial".</p><p>III. Trata-se de um texto narrativo longo, em prosa que tem na sua composição:</p><p>narrador, personagens, ação, espaço e tempo. Surgiu no século XVIII. (...) Além disso,</p><p>pode ser classificado como: monofônico, polifônico, fechado, aberto, linear, vertical</p><p>ou psicológico.</p><p>que a ciência estética,</p><p>a partir do Século XVIII, se desenvolveu, passando pela polêmica romântica acerca dos gêneros</p><p>literários e pelas restrições de Croce. Em nosso tempo, as teorias poéticas, não aceitando, embora,</p><p>o negativismo croceano, tampouco se deixaram reverter à tradição neoclássica. Repelem, pois, o</p><p>sentido lato, amplo, reduzindo os gêneros literários àqueles de cunho estritamente literário, isto é,</p><p>os gêneros narrativos da ficção e epopeia, os gêneros dramáticos, líricos e ensaísticos, fechando</p><p>a porta a tudo o mais que não seja produto da imaginação e vise objetivos de conhecimento,</p><p>investigação, informação, análise.</p><p>COUTINHO, A. Notas de teoria literária. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p.92 (adaptado).</p><p>A partir da relação entre crítica literária e literatura estabelecida no texto acima, avalie as</p><p>afirmações a seguir:</p><p>I. A crítica literária é uma atividade intelectual reflexiva cuja matéria-prima é o fenômeno</p><p>literário.</p><p>II. A crítica literária não possui um campo de atuação que lhe é próprio; por isso, transita</p><p>por diversos setores da cultura e das ciências.</p><p>III. A crítica literária constitui-se no desenvolvimento de todas as forças intelectuais de um</p><p>povo: é o complexo de suas luzes e civilização; é a expressão do grau de ciência que ele</p><p>possui; é a reunião de tudo quanto exprime a imaginação e o raciocínio pela linguagem.</p><p>É correto o que se afirma em</p><p>a) I, apenas.</p><p>b) II, apenas.</p><p>c) I e III, apenas.</p><p>d) II e III, apenas.</p><p>e) I, II e III.</p><p>2. Para o filósofo Hans-Georg Gadamer, os conhecimentos, os valores e as visões que</p><p>utilizamos estão situados dentro de tradições comuns, enraizados comunitariamente, das</p><p>quais induzimos nossa produção de ideias e pensamentos. Ou seja, o senso comum nos</p><p>direciona a uma dinâmica entre convicções concebidas e herdadas pela sociedade através</p><p>do tempo e a um presente ininterruptamente formado em que analisamos e criticamos o</p><p>conhecimento humano. A partir disso, podemos entender senso comum como:</p><p>a) conjunto de ideias e valores compartilhados pelos membros de uma comunidade e</p><p>elaborados criticamente.</p><p>b) conjunto de ideias e valores compartilhados pelos membros de uma comunidade com</p><p>aprofundamento teórico.</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>17</p><p>c) conjunto de ideias e valores compartilhados por uma parcela de membros de uma</p><p>comunidade acriticamente.</p><p>d) conjunto de ideias e valores compartilhados por uma parcela de membros de uma</p><p>comunidade criticamente.</p><p>e) conjunto de ideias e valores compartilhados pelos membros de uma comunidade sem</p><p>aprofundamento crítico e/ou teórico.</p><p>3. Sobre conceito é correto afirmar:</p><p>I. O conceito é o fruto de um estudo analítico e científico sobre determinado assunto.</p><p>II. O conceito é a ideia que todos compartilhamos sobre determinado assunto.</p><p>III. O conceito aparece como resultado de um esforço que produz ideias, valores e</p><p>conhecimentos partindo de uma perspectiva formal, objetiva.</p><p>a) I, apenas.</p><p>b) II, apenas.</p><p>c) I e III, apenas.</p><p>d) II e III, apenas.</p><p>e) I, II e III.</p><p>4. Eis o grande problema a ser solucionado pela Theory tal como formulado logo no</p><p>início do livro por Wellek e Warren [...] avulta bem entendido, em vista de certo imperativo</p><p>enunciado de antemão pelos autores: o da cientificidade ou racionalidade no estudo da</p><p>literatura. Sim, pois se a atividade literária em si mesma “é criadora, uma arte”, ponderam</p><p>os autores, o estudo literário, por sua vez, “se não precisamente uma ciência, é uma espécie</p><p>de conhecimento ou saber”.</p><p>ARAÚJO, N. Teoria da Literatura e história da crítica: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Eduerj, 2020.</p><p>Para Wellek e Warren o estudo literário é:</p><p>a) uma atividade impressionista motivada pelo gosto.</p><p>b) uma atividade impressionista sem motivação científica.</p><p>c) uma prática social como a própria Literatura.</p><p>d) uma ciência básica que produz um saber sobre o literário.</p><p>e) uma ciência aplicada que procura usos práticos para a Literatura.</p><p>5. A linguagem poética organiza, comprime os recursos da linguagem cotidiana e, às</p><p>vezes, até comete violência contra ela, em uma tentativa de forçar a nossa consciência e</p><p>atenção. Muitos desses recursos um escritor encontrará formados, ou pré-formados, pelas</p><p>atividades silenciosas e anônimas de muitas gerações. Em certas literaturas altamente</p><p>desenvolvidas e especialmente em certas épocas, o poeta limita-se a usar uma convenção</p><p>estabelecida: a linguagem, por assim dizer, poetiza por ele (WELLEK; WARREN, 2003, p. 17).</p><p>Segundo Wellek e Warren, não o autor não é um gênio, no sentido atribuído pelos</p><p>românticos. Nesse respeito, a linguagem poética surge</p><p>a) da emulação inconsciente de modelos autorais de outras épocas.</p><p>b) da originalidade inconsciente do poeta de qualquer época.</p><p>18</p><p>c) da cópia consciente de modelos autorais de outras épocas.</p><p>d) de seguir preceitos normativos de modelos autorais do passado.</p><p>e) da paródia e do pastiche dos modelos autorais de sua época.</p><p>6. O estudo de um texto literário pode ser dar a partir de diferentes abordagens, histórica,</p><p>sociológica, antropológica, psicanalítica etc. Que abordagens teriam sido combatidas pelos</p><p>estudos literários dos primeiros anos do século XX?</p><p>a) A abordagem antropológica e sociológica.</p><p>b) A abordagem historiográfica e biográfica.</p><p>c) A abordagem estruturalista e formalista.</p><p>d) A abordagem retórica e poética.</p><p>e) A abordagem psicanalítica e antropológica.</p><p>7. Sobre a Teoria da Literatura é correto afirmar:</p><p>a) é uma disciplina recente que se ocupa do estudo do literário.</p><p>b) é uma disciplina que remonta da Antiguidade Clássica.</p><p>c) é uma disciplina que integra as artes literárias.</p><p>d) é uma disciplina que se ocupa da crítica impressionista.</p><p>e) é uma disciplina que se ocupa da história da literatura.</p><p>8. Ora, contrariando a sólida tradição de que a produção literária se presta a tornar-</p><p>se objeto de estudo – de caráter normativo ou descritivo-especulativo-, desenvolveu-se</p><p>uma posição que pretende subtrair o texto literário a esse círculo analítico, para confiá-lo</p><p>à fruição subjetiva e desinteressada de métodos e conceitos, próxima àquela espécie de</p><p>desarmamento conceitual próprio do leitor comum. Essa atitude antiteórica é conhecida</p><p>pelo nome de impressionismo crítico, tendo encontrado seu momento de formulação em</p><p>fins do século XIX e início do século XX, como reação contra o esforço de atingir objetividade</p><p>científica[...]. Assim, para os adeptos do impressionismo, o que se pode fazer com a produção</p><p>literária não é teorizar a seu respeito, mas tão somente registrar impressões de leitura [...].</p><p>(SOUZA, R.A.de. Teoria da Literatura: trajetória, fundamentos, problemas. São Paulo: É realizações, 2018.</p><p>Sobre o impressionismo crítico é correto afirma:</p><p>a) trata-se de uma crítica literária motivado por princípios científicos.</p><p>b) trata-se de uma crítica literária respaldada pela retórica.</p><p>c) trata-se de uma crítica literária motivada pela antropologia social.</p><p>d) trata-se de uma crítica literária respaldada pela Poética.</p><p>e) trata-se de uma crítica literária motivada pelo juízo de gosto.</p><p>19</p><p>MAS, O QUE É LITERATURA?</p><p>UNIDADE</p><p>02</p><p>20</p><p>2.1 INTRODUÇÃO</p><p>Se perguntarmos a alguém na rua, ou mesmo a um estudante do ensino fundamen-</p><p>tal ou médio o que é Literatura, ou, ainda, se fizermos uma rápida pesquisa em um site de</p><p>buscas, acharemos respostas das mais diversas, mas nenhuma que responda satisfatoria-</p><p>mente a essa questão. Uns dirão que são romances, contos, poemas – somenos exemplos</p><p>de textos literários; outros tratar-se de uma forma de entretenimento – uma das funções</p><p>da Literatura; ainda outros que é simplesmente uma disciplina estudada na escola. De fato,</p><p>há diversas opiniões no senso comum para a pergunta “o que é Literatura?”, mas nenhuma</p><p>que responda assertivamente à questão.</p><p>Como vimos na Unidade I, para Roberto Acízelo de Souza, a Literatura, sem uma</p><p>teoria que a balize, se torna algo óbvio. Se a Literatura é algo mais que do que romances,</p><p>contos, poemas que servem ao entretenimento e ao estudo, o que ela vem a ser</p><p>As assertivas contêm elementos que caracterizam, respectivamente:</p><p>a) Conto, crônica, romance.</p><p>b) Romance, novela, epopeia.</p><p>c) Crônica, romance, conto.</p><p>d) Novela, epopeia, conto.</p><p>e) Novela, romance, epopeia.</p><p>2. A origem da novela moderna, na definição de Yves Stalloni (2007), está associada:</p><p>a) à necessidade de narrar feitos cotidianos com leveza.</p><p>b) ao princípio da transmissão da experiência de personagens considerados exemplares.</p><p>c) aos valores da vida moderna e urbana.</p><p>d) à construção de um gênero narrativo intermediário.</p><p>e) à transmissão por meio da narração de um acontecimento recente (“contar as boas</p><p>novas”).</p><p>3. (Adaptada) Ano: 2021 Banca: AMEOSC Órgão: Prefeitura de Guarujá do Sul - SC Prova:</p><p>AMEOSC - 2021 - Prefeitura de Guarujá do Sul - SC - Professor - Português - Edital 01</p><p>Gênero literário é expressão utilizada nas diferentes formas de arte, para denominar um</p><p>conjunto de obras que apresentam características semelhantes de forma e conteúdo.</p><p>Sobre os "Gêneros Literários " marque a afirmação INCORRETA.</p><p>a) Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, Ilíada e Odisseia, de Homero, exemplificam a</p><p>Epopeia ou o estilo Épico.</p><p>b) Crônica é uma narrativa informal, ligada à vida cotidiana, com linguagem coloquial,</p><p>breve, com um toque de humor e crítica.</p><p>c) No gênero narrativo, temos somente: romance, conto, fábula e epopeia.</p><p>d) A classificação das obras literárias pode ser feita de acordo com critérios semânticos,</p><p>sintáticos, fonológicos, formais, contextuais e outros.</p><p>103</p><p>e) No gênero romance, o narrador pode ser personagem, observador ou possuir total</p><p>conhecimento dos fatos sem participar da intriga.</p><p>4. De acordo com o conteúdo estudado ao longo da unidade, analise o excerto a seguir</p><p>e identifique o tipo de narrador configurado.</p><p>[...] Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se</p><p>acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe</p><p>o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos,</p><p>tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos!</p><p>Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços</p><p>dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada</p><p>mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e</p><p>estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.</p><p>(ASSIS, Machado de, “A cartomante”. Machado de Assis: contos e crônicas. Rio de Janeiro:</p><p>Malê, 2019).</p><p>a) narrador homodiegético (participa da narrativa).</p><p>b) narrador heterodiegético (observador).</p><p>c) narrador heterodiégético (participa da narrativa, mas não se confunde com as</p><p>personagens).</p><p>d) narrador onisciente (tem conhecimento de tudo).</p><p>e) narrador homodiegético (não participa da narrativa).</p><p>5. Ano: 2022; Banca: PS Concursos; Prova: PS Concursos - Prefeitura de Sombrio -</p><p>Operador de Equipamentos - 2022</p><p>Os gêneros textuais reúnem diversos tipos de textos, sendo classificados conforme suas</p><p>características em relação à linguagem e ao conteúdo. O Texto Narrativo é um tipo de</p><p>texto que apresenta um enredo com tempo, espaço, personagens e um narrador. Sua</p><p>estrutura é dividida em apresentação, desenvolvimento, clímax e desfecho.</p><p>São gêneros dessa tipologia, EXCETO:</p><p>a) Romance</p><p>b) Novela</p><p>c) Crônica</p><p>d) Reportagem</p><p>e) Lendas</p><p>6. De acordo com a conceituação de J. Cortázar (2006) acerca do conto, preencha as</p><p>lacunas do texto abaixo e assinale a alternativa correspondente:</p><p>[...] o princípio da forma contística é o da _______, e não da _______ (princípio do</p><p>romance), e essa economia, quando bem orientada, consegue produzir um _______</p><p>sobre o leitor. [...].</p><p>a) narração; descrição; impulso.</p><p>b) descrição; narração; efeito.</p><p>104</p><p>c) acumulação; seleção; impulso.</p><p>d) seleção; acumulação; efeito.</p><p>e) acumulação; narração; efeito.</p><p>7. Ano: 2021; Banca: MS Concursos; Prova: MS Concursos - Prefeitura de Campo Grande</p><p>- Professor - Área: Educação Infantil - 2021</p><p>“Uma raposa faminta, ao ver cachos de uvas suspensos em uma parreira, quis pegá-</p><p>los, mas não conseguiu. Então, afastou-se dela, dizendo: “Estão verdes””.</p><p>Este texto é um exemplo de um dos gêneros da Literatura Infantil, marque a alternativa</p><p>que o identifica:</p><p>a) Fábulas.</p><p>b) Crônicas.</p><p>c) Contos.</p><p>d) Lendas.</p><p>e) Novelas.</p><p>8. Ano: 2022; Banca: Centro de Treinamento e Desenvolvimento - CETREDE; Prova:</p><p>CETREDE - Prefeitura de Paraipaba - Agente Administrativo - 2022</p><p>Leia o texto a seguir para responder as questões de 1 a 3.</p><p>A RAPOSA E AS UVAS</p><p>Certa raposa esfaimada</p><p>encontrou uma parreira</p><p>carregadinha de lindos</p><p>cachos maduros, coisa</p><p>de fazer vir água à boca.</p><p>Mas tão altos que nem</p><p>pulando.</p><p>O matreiro bicho torceu</p><p>o focinho.</p><p>- Estão verdes – murmurou.</p><p>– Uvas verdes, só</p><p>para cachorro.</p><p>E foi-se.</p><p>Nisto deu o vento e</p><p>uma folha caiu.</p><p>A raposa ouvindo o</p><p>barulhinho voltou</p><p>depressa e pôs-se</p><p>a farejar.</p><p>Quem desdenha quer comprar.</p><p>(LOBATO, Monteiro. Fábulas, 31 ed. São Paulo, Brasiliense, 1982. P. 148).</p><p>Esse texto é do tipo narrativo e o gênero é um(a):</p><p>105</p><p>a) Poema.</p><p>b) Melodia.</p><p>c) Crônica.</p><p>d) Fábula.</p><p>e) Conto.</p><p>FUNIP301</p><p>Texto digitado</p><p>FORMAS DRAMÁTICAS</p><p>107</p><p>Nesta unidade vamos nos aprofundar na caracterização das formas dramáticas,</p><p>suas configurações estruturais, temáticas e a subdivisão estilística do gênero em</p><p>tragédia, comédia, auto e farsa. Além disso, a unidade também aborda a configuração</p><p>do drama contemporâneo e suas tendências.</p><p>A primeira distinção que se deve fazer a respeito do gênero dramático é a sua</p><p>natureza híbrida, pois ele se configura em duas dimensões complementares: o texto e a</p><p>encenação:</p><p>5.1 INTRODUÇÃO</p><p>O gênero dramático, embora também constitua, por fim, uma espécie de narrativa,</p><p>não se configura como as formas vistas anteriormente. Isso porque, ele se caracteriza</p><p>por ser um gênero híbrido, pois é composto, a partir de critérios formais, textualmente</p><p>falando. No plano da realização, no entanto, ele se destina, sobretudo, à representação</p><p>cênica, isto é, ao espetáculo.</p><p>Outra diferença substancial em relação às formas narrativas é que, no gênero</p><p>dramático, as personagens se apresentam sem a intermediação constante do narrador,</p><p>já que o enredo teatral é composto majoritariamente por diálogos e/ou monólogos.</p><p>De acordo com Stalloni (2007, p. 41-46), podemos discernir entre o texto narrativo e o</p><p>texto teatral a partir de alguns critérios:</p><p>1º – Enunciação: o processo pelo qual se constrói o enunciado no gênero dramático</p><p>se baseia em uma pretensa objetividade que se exprime por meio da fala e da ação</p><p>(ato) das personagens, em oposição ao ponto de vista ou foco narrativo que caracteriza</p><p>a narração.</p><p>2º – Tempo: o gênero dramático apresenta uma “temporalidade suspensa,</p><p>contemporânea da representação” (STALLONI, 2007, p. 41). Assim, o tempo dramático</p><p>é o aqui e agora, o “ao vivo” da ação teatral. Além disso, a sua estrutura temporal se</p><p>orienta por cortes e sequências que constituem encaixes entre as cenas e os atos.</p><p>3º – Linguagem: o texto dramático se caracteriza por uma linguagem própria que</p><p>constrói uma perspectiva por meio de diálogos ou monólogos. Em ambos os casos, a</p><p>sua construção se pauta na fala da(s) personagem(ns). Dentro de sua especificidade</p><p>linguística situam-se os comentários de “efeito de direção”, as chamadas didascálias,</p><p>pelas quais o escritor/compositor tece considerações relevantes acerca da</p><p>O texto dramático é aquele que se qualifica para a ence-</p><p>nação. isso se verifica quando, prescindindo do palco, o</p><p>texto o evoca como instância complementar para a to-</p><p>talização de seus efeitos estéticos. Tal designação apon-</p><p>ta especificamente para todas as informações que se</p><p>inscrevem no conjunto escritural, incluindo-se aí o título</p><p>e (quando há) a sugestão autoral de inserção da obra</p><p>numa das espécies do gênero; a distribuição dos discur-</p><p>sos pelos intérpretes e as de das calhas ou rubricas des-</p><p>tinadas à direção cênica. O adjetivo dramático explicita</p><p>a abordagem do texto como objeto literário, pelo critério</p><p>da análise das</p><p>então? A</p><p>resposta a essa pergunta, por mais simples que possa parecer, é assaz complexa (ao menos</p><p>para aqueles que se dedicam ao estudo dela!). Mas, digamos que seja possível alcançar</p><p>uma resposta satisfatória. Essa ainda levantaria muitas outras questões:</p><p>• O que distingue o texto literário do não literário?</p><p>• Há algum traço distintivo partilhado pelas obras literárias?</p><p>• A que propósito serve a Literatura? Quais seriam suas funções?</p><p>• O que diferencia a Literatura de outras atividades humanas?</p><p>A fim de responder não apenas o que é Literatura, mas também às demais questões</p><p>que se desdobram desta primeira, nesta Unidade, abordaremos as dificuldades da defini-</p><p>ção do que é Literatura; apresentaremos (e discutiremos) a visão de alguns teóricos e; por</p><p>fim, discorreremos sobre algumas das funções dela.</p><p>Vamos lá?</p><p>2.2 “EM BUSCA DO SANTO GRAAL” OU POR UM CONCEITO DE</p><p>LITERATURA</p><p>Como falamos na Introdução, definir o conceito do objeto de estudo da Teoria da</p><p>Literatura não é assim tão fácil. Uma vez que a Literatura é um objeto complexo, defini-la e</p><p>conceitua-la é uma tarela igualmente complexa. O filósofo Edmund Husserl () já defendia</p><p>que o objeto a ser conceituado já existe e que apresenta com um caráter familiar. Noutras</p><p>palavras, antes de haver um conceito de literatura, já há uma ideia de literatura. Diferen-</p><p>temente, no entanto, de alguns conceitos das áreas de exatas ou de biomédicas, não há</p><p>uma única e taxativa ideia de Literatura. Essa muta-se de autor para autor e de época para</p><p>época.</p><p>Cunhar um conceito de Literatura, portanto, seria como sair em busca do Santo Gra-</p><p>al. Sobre tal dificuldade, Culler (1999, p. 26-27) afirmou:</p><p>O que é Literatura? Essa é uma pergunta difícil. Os teóri-</p><p>cos lutaram com ela, mas sem sucesso notável. As razões</p><p>estão longe de se encontrar: as obras literárias de litera-</p><p>tura vêm em todos os formatos e tamanhos e a maioria</p><p>delas parece ter mais em comum com as obras que não</p><p>são geralmente chamadas de Literatura do que com al-</p><p>21</p><p>gumas outras obras reconhecidas como Literatura.</p><p>Ao que parece, para Culler, nem sempre aquilo que se denomina como Literatura</p><p>parece sê-lo e vice e versa. Exemplo disso é o fato de hoje lermos a Carta de Achamento do</p><p>Brasil de Pero Vaz de Caminha como Literatura, quando originalmente não foi escrito com</p><p>a finalidade de sê-lo.</p><p>De fato, o conceito de literatura remete a retomada crítica do que é literatura pelo</p><p>senso comum, assim como uma revisão histórica que perpassa sua conceituação dada</p><p>pelas diferentes culturas desde a invenção da escrita até a atualidade. Por exemplo, muito</p><p>do que hoje chamamos de “literatura”, na Idade Média (ou mesmo antes) deveria ser mais</p><p>propriamente denominado de performance, uma vez que manuscritos eram escritos ape-</p><p>nas para serem executados (ZUMTHOR, 1993). Sendo assim, faz-se mister retrocedermos</p><p>até a origem do termo que queremos conceituar.</p><p>A palavra Literatura, não apenas em língua portuguesa, mas em língua igualmen-</p><p>te românicas como o francês, o espanhol, o italiano; como não românicas como inglês e</p><p>alemão, origina-se do latim LITTERAE. O mesmo termo latino daria origem em português</p><p>à palavra letra, estabelecendo assim uma estreita relação com o código escrito da língua.</p><p>Sendo assim, poderíamos considerar como sendo Literatura todo e qualquer texto escrito?</p><p>Como um conjunto do que se produziu em termos de cultura letrada?</p><p>De fato, antes do século XIX, tinha-se por literatura “as inscrições, a escritura, a erudi-</p><p>ção, o conhecimento das letras” (COMPAGNON, 1999, p. 30). Ainda hoje, de acordo com o</p><p>significado da palavra, podemos entender o termo literatura como um coletivo de textos</p><p>escritos, a exemplo, da literatura médica (tudo que se escreveu sobre medicina), da litera-</p><p>tura de engenharia (tudo o que se escreveu sobre engenharia), da literatura matemática</p><p>(tudo o que se escreveu sobre matemática) etc.</p><p>Mas o que queremos aqui é definir o que é Literatura enquanto instituição e área do</p><p>conhecimento, tal qual os contornos que ganhou durante e após o Romantismo. Sobre tal</p><p>ponto, Eagleton (1997, p. 21-22) dirá que:</p><p>Alguns textos nascem literários, outros atingem a condi-</p><p>ção de literários, e a outro tal condição é imposta. [...] A</p><p>Literatura não existe da mesma maneira que os insetos,</p><p>e os juízos de valor que a constituem são historicamente</p><p>variáveis, mas que esses juízos têm, eles próprios, uma es-</p><p>treita relação com as ideologias sociais.</p><p>Já Souza (2014, p. 14 ) defenderá que: “[...] a literatura é um produto cultural que surge</p><p>com a própria civilização ocidental, pelo fato de que textos literários figuram entre os indí-</p><p>cios mais remotos da existência histórica da civilização “.</p><p>O que podemos compreender dos pontos de vista de Eagleton e de Souza? Se a</p><p>Literatura é um produto cultural, é preciso entender primeiro o que é cultura e como a</p><p>Literatura é um produto seu. Segundo Terry Eagleton, em A ideia de Cultura, definir e con-</p><p>ceituar a cultura é uma atividade tão complexa como definir e conceituar literatura: “es-</p><p>tamos presos, no momento, entre uma noção de cultura debilitantemente ampla e outra</p><p>desconfortavelmente rígida” (EAGLETON, 1997, p. 52).</p><p>Mas, para nós, no entanto, interessa saber qual a ideia de cultura parece ter sido ado-</p><p>tada por Souza (2014)ao afirmar que a literatura é um produto cultural que emerge junto</p><p>com a civilização ocidental. Fiquemos, portanto, com uma definição apontada pelo mes-</p><p>mo Eagleton (1997, p. 58)</p><p>22</p><p>2.3 DAS CARACTERÍSTICAS DA LITERATURA OU DA LITERARIEDADE</p><p>De maneira alternativa, pode-se tentar definir cultu-</p><p>ra funcionalmente em vez de substantivamente, como</p><p>tudo o que for supérfluo com relação às exigências ma-</p><p>teriais de uma sociedade. Segundo essa teoria, a comida</p><p>não é cultural, mas tomates secos são; o trabalho não é</p><p>cultural, mas usar trabalhos ferrados ao trabalhar é. Na</p><p>maioria dos climas, usar roupas é uma questão de neces-</p><p>sidade física, mas que tipos de roupas se usa não é .</p><p>Mais adiante, Eagleton (1997, p. 63)complementa:</p><p>A inflação da cultura é, assim, parte da história de uma</p><p>época secularizada, visto que de Arnold em diante, a Lite-</p><p>ratura – justamente a Literatura! – herda as pesadas tare-</p><p>fas éticas, ideológicas e mesmo políticas que tinham sido</p><p>uma vez confiadas a discursos mais técnicos ou práticos.</p><p>Em suma, cultura seria tudo aquilo que o homem não precisa para sua sobrevivência</p><p>física, mas que é essencial para o seu desenvolvimento e sobretudo para a vida em socie-</p><p>dade, isto é, práticas simbólicas que vão desde a língua a vestimenta de uma comunidade.</p><p>Nesse sentido, a literatura como parte de um fazer social, torna-se um produto cultural,</p><p>isto é, uma arte e uma prática social solidamente incorporada e, como tal, carrega a ideo-</p><p>logia da época e da sociedade que a produziu. Isto, portanto, significa dizer que o conceito</p><p>de literatura varia de acordo com a comunidade e o tempo em que se insere. Com isso,</p><p>voltamos à citação de Culler: o que hoje entendemos como literário, não era no passado;</p><p>e, talvez, aquilo que viermos a compreender no futuro não será o que entendemos ser no</p><p>presente.</p><p>Podemos definir a Literatura, então, a partir da diferenciação do que é ou não texto lite-</p><p>rário para determinada época e sociedade. Mas a despeito disso, é ainda imperativo nos</p><p>perguntarmos: haveria uma “essência” da Literatura? Algo que a caracterizasse definitiva-</p><p>mente como tal assim como uma mesa é e será sempre uma mesa?</p><p>Segundo Eagleton (1997) não. Para ele não há no texto literário algo que seja único e ex-</p><p>clusivo desse tipo de texto. Seria o uso social que se faz dele, o que definiria a sua natureza</p><p>literária. Antes de Eagleton, no entanto, um grupo de estudiosos da Literatura, que ficou</p><p>conhecido como “Formalistas Russos”, defenderam que o texto literário apresentaria tra-</p><p>ços e formas que o caracterizaria como imanentemente literário. Para esses estudiosos,</p><p>a arte literária, assim como qualquer arte, apresentaria características próprias que nos</p><p>fariam</p><p>reconhecê-la como tal, assim como quem assiste ao Lago dos Cisnes sabe estar</p><p>diante de uma apresentação de balé, ou se ouve a uma execução de Mozart, sabe que está</p><p>a ouvir uma ópera.</p><p>A esses traços, denominaram “Literalidade”, isto é, usos específicos da linguagem encon-</p><p>trados em textos de natureza literária. Vejamos, então, alguns desses que, em tese, carac-</p><p>terizariam o texto literário:</p><p>1. Organização linguística da linguagem – A Literatura é a linguagem que</p><p>23</p><p>coloca em 1º plano a própria linguagem (CULLER, 1999). Se o pintor usa tela</p><p>e pincel para criar a sua obra, o escritor usa papel e palavras para criar a sua</p><p>obra. A linguagem é sua matéria-prima. Da mesma forma, como um artista</p><p>plástico trabalha as cores e as texturas de forma a criar significados únicos</p><p>para sua obra, assim o faz o escritor com as escolhas de termos nos eixos sin-</p><p>tagmáticos e paradigmáticos, trabalha os elementos de formar a criar múlti-</p><p>plos significados para sua obra. Sendo assim, ele vai selecionar e organizar as</p><p>palavras de forma a passar mais do que uma simples informação ao seu re-</p><p>ceptor. Uma seleção muito mais criteriosa do que a que fazemos em nossos</p><p>atos de fala cotidianos, ao conversamos com colegas, familiares, ou mesmo</p><p>ao escrever um e-mail ou ao escrever uma dissertação.</p><p>2. A relação entre a forma e o conteúdo - A contribuição que cada elemento</p><p>escolhido pelo autor traz para a construção do todo, a saber, o ritmo, a so-</p><p>noridade, a rima, as repetições, aliterações, metáforas, metonímias, etc. Em</p><p>outras palavras, como que o tema (ou assunto) tratado se relaciona com a</p><p>forma escolhida, se um soneto, uma ode, um hacai, um conto, uma crônica,</p><p>um romance.</p><p>3. A plurissignificação – O texto literário ao fazer um uso bastante específico</p><p>dos termos da língua, confere a essa uma significação múltipla, para além do</p><p>sentindo dicionarizados dos termos. Você já aprendeu que a língua pode ser</p><p>usada em seu sentido denotativa, isto é, em seu sentido primeiro, concreto,</p><p>dicionarizado; e em seu sentido conotativo, isto é, para além do seu significa-</p><p>do primeiro, o sentido figurado, metafórico. É sobretudo esse uso da língua</p><p>por parte da literatura que a permite ter múltiplos significados. O semiologis-</p><p>ta Umberto Eco, no livro Opera aperta, defendeu que a literatura é uma obra</p><p>de arte que está aberta às inferências do leitor. Da mesma maneira, o filósofo</p><p>francês Jean-Paul Sartre, em O que é Literatura?, assim como o professor e</p><p>crítico literário alemão Wolfgang Iser, dirá que toda obra literária apresenta</p><p>vazios e lacunas que devem ser preenchidas pelo leitor, tal qual coautor da</p><p>obra. Obviamente, cada leitor um preencherá as lacunas de acordo com o</p><p>seu reportório cultural, conforme postulado por Jauss (1994).</p><p>4. Ficcionalidade – “As obras literárias se referem a indivíduos imaginários e</p><p>não históricos. [...] A ficcionalidade da literatura separa a linguagem de outros</p><p>contextos nos quais ela poderia ser usada e deixa a relação da obra com o</p><p>mundo aberta à interpretação” (CULLER, 1999, p. 33) justamente por primar</p><p>pela linguagem conotativa e, com isso, ampliar suas significações, como vi-</p><p>mos no ponto 3. Nesse processo, recria-se, problematiza-se o real permitindo</p><p>ao leitor refletir sobre o mundo em que vive, o que nos leva diretamente ao</p><p>ponto 5.</p><p>5. Construção intertextual ou autorreflexiva – toda obra de arte existe e signi-</p><p>fica a partir das relações que estabelece com o seu meio. A literatura é uma</p><p>manifestação artística que, reflete e problematiza o seu meio, isto é, a socie-</p><p>dade em que vivemos. E, isso sempre se dá pela releitura que cada texto faz</p><p>do repertório cultural, literário e não literário, desta mesma sociedade.</p><p>6. Função estética da linguagem - literatura vista como objeto estético que</p><p>“exorta os leitores a considerar a interrelação entre forma e conteúdo” e des-</p><p>pertar-lhe emoções prazerosas, através do contato com essa. Da mesma ma-</p><p>24</p><p>Literatura pode ser definida como a arte da linguagem que integra as práticas culturais de</p><p>uma dada sociedade. Como toda arte, configura-se como uma representação do real, ge-</p><p>ralmente de cunho ficcional, que pode ser mais ou menos verossímil, isto é, pode estar mais</p><p>próxima ou mais afastada da percepção de realidade do leitor.</p><p>FIQUE ATENTO</p><p>neira que podemos nos emocionar com uma música ou sentir medo com</p><p>um filme de terror, o texto literário pode proporcionar a mesma experiência.</p><p>2.4 DAS MUITAS FUNÇÕES DA LITERATURA</p><p>Bosi (2006) argumenta que a Literatura não tem função pragmática na sociedade,</p><p>apesar de ser uma prática social solidamente incorporada. Por outro lado, o teórico da Li-</p><p>teratura Tzvetan Todorov (2009) afirma, em Literatura em Perigo, que a Literatura amplia</p><p>nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo. Quem</p><p>já não ouviu a máxima, “Quem lê, viaja”?</p><p>Da mesma maneira, Candido (2017)em “Direito à Literatura”, afirma que a Litera-</p><p>tura tem o poder de confirmar e negar, de propor e denunciar, de apoiar e combater e,</p><p>com isso, fornecer-nos todas as “possibilidades de vivermos dialeticamente os problemas”</p><p>(CANDIDO, 2017, p. 177)de nossa época, e, por isso, deveria ser entendida como um “direito</p><p>inalienável”de todo e qualquer ser humano.</p><p>Sendo assim, que funções, além das expostas por Todorov e Candido, podemos atri-</p><p>buir à Literatura? O Italiano Umberto Eco, em Sobre a Literatura, aponta alguns que co-</p><p>mentamos a seguir:</p><p>1. “A língua mantém em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo” (ECO,</p><p>2002, p. 10)</p><p>2. “A prática literária mantém em exercício também a nossa língua individual” (ECO, 2002,</p><p>p. 11)</p><p>3. “As obras literárias nos convidam à liberdade de interpretação, pois propõem um dis-</p><p>curso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambiguidades e da lin-</p><p>guagem da vida” (ECO, 2002, p. 12)</p><p>4. “O mundo da literatura é tal que nos inspira confiança de que algumas proposições não</p><p>podem ser postas em dúvida; que ele nos oferece, portanto, um modelo tanto quanto</p><p>se quiser, de verdade (ECO, 2002, p. 14)</p><p>5. “A função dos contos ‘imodificáveis’ [isto é, a Literatura] é precisamente esta: contra</p><p>qualquer desejo de mudar o destino, eles nos fazem tocar com a impossibilidade de</p><p>mudá-lo [...]. Creio que esta educação ao Fado e à morte é uma das funções principais</p><p>da literatura” (ECO, 2002, p. 21)</p><p>Muitas são as funções da literatura. Impossível seria comentar todas neste livro. Mas</p><p>é fato que concordamos com Umberto Eco que “a educação ao Fado e À morte” (ECO,</p><p>2002, p. 21) é uma de suas principais funções. Na Unidade quatro, você verá como esta fun-</p><p>ção foi considerada já na Grécia Antiga por Aristóteles.</p><p>25</p><p>Como podemos pensar a literatura como uma prática social que ultrapassa os muros da es-</p><p>cola? Para refletir sobre as questões citadas, associando-as à suas ações, seja no ambiente</p><p>profissional ou cotidiano, pense em práticas literárias que tem o potencial de garantir ao cida-</p><p>dão e ao leitor o “Direito à Literatura” (CANDIDO, 2017). Na sua cidade, no seu estado, enfim, no</p><p>Brasil, o direito e o acesso à Literatura têm sido respeitados? Se sim, esse tem ocorrido e que</p><p>forma? Somente através da escola ou por ações que ultrapassam os seus muros?</p><p>VAMOS PENSAR?</p><p>Leia o capítulo um, intitulado Fenômeno Literário, do livro “Teoria da Literatura”,</p><p>de Paula (2012) , disponível em: https://bit.ly/3wVPiPc. Acesso em: 15 maio 2021</p><p>BUSQUE POR MAIS</p><p>Para entender a Literatura como uma manifestação artística, leia o texto “Arte</p><p>como procedimento”, do formalista russo Chkovski (1914), disponibilizado pela</p><p>Universidade de São Paulo: https://bit.ly/3zSiXLh. Acesso em: 29 maio 2021</p><p>Veja também o editorial da Revista Letras, v. 25, n. 51, dez. 2015, da Universidade</p><p>Federal de Santa Maria, intitulado “Literatura, cultura e outras artes: percursos</p><p>críticos, interpretativos e metodológico”, de Tavares e Steil (2015) disponível em:</p><p>https://bit.ly/3xMbBqI. Acesso em: 21 maio 2021</p><p>Para saber mais sobre as muitas funções da Literatura,</p><p>leia o livro “Literatura</p><p>para quê?” de Compagnon (2010). Se desejar poderá ler a resenha do título em:</p><p>https://bit.ly/3zX3d9A. Acesso em: 29 maio 2021</p><p>Para saber mais da Literatura como um direito de todo e qualquer ser humano,</p><p>leia na íntegra o texto de Antonio Candido “O direito à Literatura”, disponibiliza-</p><p>do pela USP em: https://bit.ly/3zrYs74 . Acesso: 29 maio 2021</p><p>Arte: Manifestação humana com objetivo estético, isto é, de propiciar prazeres e emoções ao</p><p>observador.</p><p>Cultura: O conjunto da língua, dos hábitos e costumes e das manifestações artísticas de de-</p><p>terminado povo ou comunidade constituem sua cultura. É chamada de alta cultura aquela</p><p>produzida e consumida pela elite social da comunidade e cultura popular a que se produz e</p><p>se consome pelas massas populares.</p><p>Literatura: Forma de manifestação artística ficcional que utiliza a linguagem verbal e mista</p><p>como matéria prima e que integra as práticas culturais de uma dada sociedade</p><p>GLOSSÁRIO</p><p>https://bit.ly/3wVPiPc</p><p>https://bit.ly/3zSiXLh</p><p>https://bit.ly/3xMbBqI</p><p>https://bit.ly/3zX3d9A</p><p>https://bit.ly/3zrYs74</p><p>26</p><p>Literatura comparada: Também conhecido por comparatismo, trata-se do estudo que</p><p>visa comparar duas ou mais literaturas nacionais ou mesmo diferentes obras literárias de</p><p>mesma língua e origem.</p><p>Literatura infantil e juvenil: Conjunto de textos literários produzidos especificamente volta-</p><p>do para a criança e para o jovem.</p><p>Literatura feminina: Literatura escrita por autoras mulheres, muitas das vezes, mas não</p><p>via de regra, abordando temas afins ao feminismo.</p><p>Literatura marginal: O termo marginal aparece nas décadas de 1970 e 1980. Designava</p><p>um tipo de literatura surgente naqueles anos que afrontava o cânone ao romper com os</p><p>modelos estéticos e culturais ora vigentes. O termo também fora usado para qualificar o</p><p>trabalho de escritores que, contrários às regras impostas pelo mercado editorial, partem</p><p>para a produção e venda independente de sua obra. Ainda, no cenário contemporâneo o</p><p>termo qualifica a produção literária de autores oriundos das periferias e que tematizam</p><p>em sua literatura problemas de ordem social destas periferias como o crime, a violência, as</p><p>drogas e a miséria.</p><p>Literatura mundo ou world literature: Ideia que se contrapõe à ideia de literatura nacio-</p><p>nal. Essa relacionasse com a circulação de texto literários pelo mundo.</p><p>Literatura nacional: A ideia ou conceito de literatura nacional surge e ganha força com</p><p>o movimento romântico, quando a expressão da cultura nacional foi bastante valorizada.</p><p>Nesse sentido, literatura nacional diz respeito a literatura produzida na língua e por cida-</p><p>dão nascidos/residentes em determinado estado-nação. Daí termos Literatura Brasileira,</p><p>Literatura Portuguesa, Literatura Moçambicana, Literatura Americana, Literatura France-</p><p>sa etc.</p><p>Literatura oral – Narrativas que constituem a cultura de um povo ou comunidade que são</p><p>transmitidas oralmente de geração em geração, às vezes, compiladas como no caso dos</p><p>contos compilados pelos irmãos Grimm ou das lendas catalogadas por Câmara Cascudo.</p><p>27</p><p>1. (OMNI 2021 – Prefeitura Santana do Livramento – magistério - adaptado)</p><p>Cegalla, no Dicionário escolar da língua portuguesa, afirma que a Literatura é a “arte de</p><p>compor ou escrever trabalhos em prova ou verso com o objetivo de atingir a sensibilidade ou</p><p>emoção do leitor ou do ouvinte” (CEGALLA, 2005, p. 543).</p><p>Com base na afirmação, analise as afirmativas a seguir:</p><p>1. Considera-se obra literária somente o escrito que se distingue pela beleza da forma</p><p>e a excelência do conteúdo. Será tanto mais apreciada quanto maior o seu poder de</p><p>sugerir, de tocar a nossa sensibilidade, de empolgar o nosso espírito.</p><p>2. As obras literárias de alcance universal têm, geralmente, menos valor que as de caráter</p><p>estritamente nacional ou regional.</p><p>3. Todo escritor tem seu estilo próprio, pessoal, isto é, sua expressão reveste uma forma</p><p>característica, pela qual se manifestam seus impulsos emotivos, sua sensibilidade e a</p><p>feição peculiar de seu espírito, afirmando que o estilo é o espelho em que se reflete a</p><p>alma do escritor, a tela em que se projeta a personalidade do artista.</p><p>Assinale a alternativa CORRETA.</p><p>a) Está correta somente a primeira afirmativa.</p><p>b) Está correta somente o segunda afirmativa.</p><p>c) Está correta apenas a terceira afirmativa.</p><p>d) Estão corretas o primeira e segunda afirmativas.</p><p>e) Estão corretas a primeira e a terceira afirmativas.</p><p>2. (UECE-CEV - 2018 - SECULT-CE - Analista de Cultura - Letras)</p><p>Concebendo a Literatura como uma forma de apreensão do real, podemos dizer que</p><p>esta capacidade de apreender o real chama-se literariedade. Assim, a literatura tem esta</p><p>propriedade devido a dois fatores: a linguagem, enquanto aquilo que nos capacita dizer o</p><p>que dizemos; e a ideia ou ideologia, entendida como a apreensão do real que há naquilo</p><p>que dizemos. Assinale a opção que faz digressão ao conceito de Literatura e aos fatores da</p><p>literariedade.</p><p>a) O termo literariedade nasceu com os críticos conhecidos como formalistas. O destino</p><p>desse termo se dirigiu à Linguística, ciência da linguagem humana, não como crítica da</p><p>escrita, mas como crítica literária.</p><p>b) A Literatura fala do mundo através de uma imagem do mundo. Segundo Sartre (1973),</p><p>só apreendemos o real se sairmos do real, pela imaginação.</p><p>c) Sendo a Literatura uma forma de apreensão do real, é ideológica, pois a sua mimese passa</p><p>por um código ideológico. Os dois fundamentos – linguagem e ideologia – caracterizam a</p><p>escrita do texto de arte literária.</p><p>d) Pode-se assegurar que linguagem e ideologia são duas faces da mesma moeda, pois</p><p>FIXANDO O CONTEÚDO</p><p>28</p><p>se a linguagem é aquilo que nos capacita dizer o que dizemos, seu dizer não se dá sobre</p><p>um vazio semântico, o que ele diz é ideológico, e sua capacidade de dizer manifesta a</p><p>linguagem.</p><p>e) Segundo Eco, a Literatura não tem função na sociedade, portanto, não tem serventia</p><p>pragmática para além da estética.</p><p>3. (Enade 2014)</p><p>Texto 1</p><p>Ainda quando se defende a existência de “uma escrituralidade literária”, herdeira, em certo sentido,</p><p>do conceito de “literariedade”, utilizado pelos formalistas russos, a questão da especificidade do</p><p>discurso literário esbarra em entraves complicados e quase sempre obriga o estudioso a trilhar</p><p>caminhos que podem desviá-lo do seu objeto de análise. Isso explica, por exemplo, a possibilidade</p><p>de haver excelentes teóricos da literatura que sejam incapazes de ser leitores “desarmados” de</p><p>literatura; que possam deixar de lado a teoria e “entrar no texto”, confundir-se com personagens</p><p>que transitam no palco literário. Se, de fato, parece ser problemático definir literatura pelo que</p><p>ela é – e sua existência está comprovada por uma tradição e pela multiplicidade de obras que</p><p>mantêm viva essa tradição –, talvez seja mais prudente concordar com a existência de um “estatuto</p><p>do literário” que, por vezes, se vale de critérios externos ao texto mais do que de uma observação</p><p>minuciosa de sua produção.</p><p>Disponível em: <http://www.pucminas.br>. Acesso em: 28 jul. 2014 (adaptado).</p><p>Texto 2: Desencanto</p><p>Eu faço versos como quem chora</p><p>De desalento... de desencanto...Fecha o meu livro, se por agora</p><p>Não tens motivo nenhum de pranto.</p><p>Meu verso é sangue. Volúpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vão...</p><p>Dói-me nas veias. Amargo e quente,</p><p>Cai, gota a gota, do coração.</p><p>E nestes versos de angústia rouca,</p><p>Assim dos lábios a vida corre,</p><p>Deixando um acre sabor na boca. Eu faço versos como quem morre.</p><p>(BANDEIRA, M. A cinza das horas. 1917)</p><p>A partir dos textos citados, assinale a opção que apresenta a relação entre a especificidade</p><p>da linguagem literária e a crítica literária.</p><p>a) A partir de leituras críticas do poema de Manual Bandeira, é possível fruí-lo melhor, pois</p><p>a crítica literária não deixa nada descoberto.</p><p>b) Os critérios de classificação propostos pela crítica e pelos teóricos da literatura permitem</p><p>ao leitor uma fruição mais prazerosa do poema de Manuel Bandeira.</p><p>c) Para facilitar a leitura e permitir fruição</p><p>estética mais intensa ao leitor, os críticos literários</p><p>mostram a morfologia do texto e as armadilhas que constituem a sua estrutura.</p><p>d) A crítica literária, por não apontar caminhos precisos do processo de leitura do texto, é</p><p>ineficaz para a fruição e interpretação do poema de Manuel Bandeira.</p><p>e) Para que possa fruir esteticamente o poema de Manuel Bandeira, é necessário que o</p><p>leitor articule sua experiência de mundo com seus conhecimentos sobre a literatura.</p><p>29</p><p>4. (Enade 2011) Nos textos comuns, não literários, o autor seleciona e combina as palavras</p><p>geralmente pela sua significação. Na elaboração do texto literário, ocorre uma outra</p><p>operação, tão importante quanto a primeira: a seleção e a combinação de palavras se</p><p>fazem muitas vezes por parentesco sonoro. Por isso se diz que o discurso literário é um</p><p>discurso específico, em que a seleção e a combinação das palavras se fazem não apenas</p><p>pela significação, mas também por outros critérios, um dos quais, o sonoro. Como resultado,</p><p>o texto literário adquire certo grau de tensão ou ambiguidade, produzindo mais de um</p><p>sentido. Daí a plurissignificação do texto literário.</p><p>GOLDSTEIN, N. Versos, sons, ritmos. 5. ed. São Paulo: Ática, 1988, p. 5.</p><p>Os símbolos, as metáforas e outras figuras estilísticas, as inversões, os paralelismos e as</p><p>repetições constituem outros tantos meios de o escritor transformar a linguagem usual</p><p>em linguagem literária.</p><p>AGUIAR E SILVA, V. M. Teoria da literatura. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1979, p.58 (com adaptações).</p><p>Tomando como referência os textos acima, avalie as afirmações que se seguem.</p><p>I. A plurissignificação de um texto literário é construída pela combinação de elementos</p><p>que vão além da significação das palavras que o compõem.</p><p>II. A construção do texto literário envolve um processo de seleção e combinação de palavras</p><p>baseados, necessariamente, no uso de metáforas.</p><p>III. A ambiguidade do texto literário resulta de um processo de seleção e combinação de</p><p>palavras.</p><p>IV. O texto literário se diferencia do não literário por não depender de significação, mas,</p><p>sim, de outros recursos no processo de seleção e combinação das palavras.</p><p>É correto apenas o que se afirma em</p><p>a) I e II.</p><p>b) I e III.</p><p>c) II e IV.</p><p>d) I, III e IV.</p><p>e) II, III e IV.</p><p>TEXTO PARA AS PRÓXIMAS 3 QUESTÕES:</p><p>Textos para a(s) questão(ões) a seguir.</p><p>Texto 1</p><p>30</p><p>Texto 2</p><p>A própria produção literária atual encaminha-se na direção de uma fusão com vários</p><p>segmentos culturais, de que a chamada cultura de massa, tradicionalmente discutida em sua</p><p>diferença negativa, constitui tão somente um dos aspectos de negociação em bases renovadas. A</p><p>defesa exclusiva da literatura clássica e da herança nacional, um casamento expresso e legitimado</p><p>pela construção e manutenção de repertórios recheados de um saber cultural canônico, no entanto,</p><p>parece tão problemática quanto a sua rejeição global. Hoje circulam e prevalecem formas culturais</p><p>mistas, e até os textos canônicos são relidos como pontos de cruzamento de discursos amplos, que</p><p>transcendem as fronteiras tradicionais da esfera do literário e do horizonte de pertença a espaços</p><p>nacionais linguística e geograficamente circunscritos.</p><p>OLINTO, H. K. Literatura/cultura/ficções reais. In: OLINTO, H. K.; SCHLLHAMMER, K. E.</p><p>Literatura e Cultura. Rio de Janeiro: EPUC, 2008, p. 75 (adaptado).</p><p>5. (Enade 2014) Assinale a opção que melhor expressa as ideias desenvolvidas no texto 2.</p><p>a) b) c)</p><p>d) e)</p><p>6. (Enade 2014) Tomando como referência os textos 1 e 2, avalie as afirmações a seguir.</p><p>I. A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade cultural recriada.</p><p>II. A literatura apropria-se de valores de diversos segmentos culturais, estabelece fusão</p><p>entre eles e reelabora-os, por meio da língua, em formas estéticas.</p><p>III. A fusão estabelecida entre literatura e cultura tem por princípio apenas os valores</p><p>culturais canônicos.</p><p>IV. A literatura canônica está inserida em formas culturais mistas que transcendem a esfera</p><p>do tradicional.</p><p>É correto apenas o que se afirma em</p><p>a) I e II.</p><p>31</p><p>b) I e III.</p><p>c) III e IV.</p><p>d) I, II e IV.</p><p>e) II, III e IV.</p><p>7. (Enade 2014) Considerando a imagem e a citação, pode-se afirmar que a relação entre</p><p>manifestações literárias contemporâneas e cultura :</p><p>a) reelabora os valores culturais. Assim, a diversidade é transformada em unidade, à</p><p>semelhança do que se observa na imagem.</p><p>b) apresenta começo e fim determinados. Assim, a imagem aponta diversidades culturais</p><p>que existiram por um período preestabelecido.</p><p>c) desenvolve a diversidade cultural, à semelhança do que aponta a imagem, mas não</p><p>transcende os valores canônicos tradicionais da esfera do literário.</p><p>d) estabelece a fusão entre diversos valores culturais. Os elementos apresentados na imagem</p><p>são mais ou menos destacados, dependendo da literatura em que são referenciados.</p><p>e) torna a literatura contemporânea um modismo a partir dos cânones exclusivos das</p><p>literaturas clássicas. Assim, contrapõe-se à imagem que aponta para diversos elementos</p><p>culturais não canônicos.</p><p>8. (Quadrix - 2018 - SESC-DF - Professor - Português)</p><p>De fato, antes procurava‐se mostrar que o valor e o significado de uma obra dependiam de ela</p><p>exprimir ou não certo aspecto da realidade, e que este aspecto constituía o que ela tinha de</p><p>essencial. Depois, chegou‐se à posição oposta, procurando‐se mostrar que a matéria de uma obra</p><p>é secundária, e que a sua importância deriva das operações formais postas em jogo, conferindo‐lhe</p><p>uma peculiaridade que a torna de fato independente de quaisquer condicionamentos, sobretudo</p><p>social, considerado inoperante como elemento de compreensão. Hoje sabemos que a integridade</p><p>da obra não permite adotar nenhuma dessas visões dissociadas; e que só a podemos entender</p><p>fundindo texto e contexto numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto</p><p>de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a</p><p>estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários do processo</p><p>interpretativo. Sabemos, ainda, que o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem</p><p>como significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da</p><p>estrutura, tornando‐se, portanto, interno.</p><p>Antonio Candido. Crítica e sociologia. In: Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2010, p. 13 e 14.</p><p>A respeito das duas correntes teóricas de interpretação da obra literária apresentadas no</p><p>texto acima, assinale a alternativa correta.</p><p>a) De acordo com o texto, o essencial em uma obra literária é a expressão de determinado</p><p>aspecto concreto da realidade, independentemente de fatores estéticos.</p><p>b) A fusão de texto e contexto no processo interpretativo da obra significa, necessariamente,</p><p>o apagamento do contexto em favor das dimensões estéticas do texto.</p><p>c) Uma interpretação dialeticamente íntegra implica na neutralidade do crítico, que não</p><p>deve assumir nem uma perspectiva sociológica nem uma abordagem esteticista.</p><p>d) Infere‐se do texto que a abordagem crítica exigida pela obra de arte é aquela que</p><p>32</p><p>considera o trabalho estético de internalização dos dados externos na estrutura da obra.</p><p>e) O texto defende a ideia de que a corrente crítica que privilegia a centralidade da matéria</p><p>social na obra de arte está ultrapassada e deve ser substituída pela perspectiva crítica</p><p>atenta aos jogos de linguagem.</p><p>33</p><p>A ARTE IMITA A VIDA?</p><p>UNIDADE</p><p>03</p><p>34</p><p>3.1 INTRODUÇÃO</p><p>3.2 PLATÃO E O MITO DA CAVERNA</p><p>Vimos no capítulo anterior que o conceito de Literatura é algo complexo, difuso e his-</p><p>toricamente marcado, variando a ideia do que venha a ser ou não texto literário de acordo</p><p>com a época, a cultura e a ideologia social na qual se insere (EAGLETON, 1997).</p><p>No entanto, é imperativo</p>As assertivas contêm elementos que caracterizam, respectivamente: a) Conto, crônica, romance. b) Romance, novela, epopeia. c) Crônica, romance, conto. d) Novela, epopeia, conto. e) Novela, romance, epopeia. 2. A origem da novela moderna, na definição de Yves Stalloni (2007), está associada: a) à necessidade de narrar feitos cotidianos com leveza. b) ao princípio da transmissão da experiência de personagens considerados exemplares. c) aos valores da vida moderna e urbana. d) à construção de um gênero narrativo intermediário. e) à transmissão por meio da narração de um acontecimento recente (“contar as boas novas”). 3. (Adaptada) Ano: 2021 Banca: AMEOSC Órgão: Prefeitura de Guarujá do Sul - SC Prova: AMEOSC - 2021 - Prefeitura de Guarujá do Sul - SC - Professor - Português - Edital 01 Gênero literário é expressão utilizada nas diferentes formas de arte, para denominar um conjunto de obras que apresentam características semelhantes de forma e conteúdo. Sobre os "Gêneros Literários " marque a afirmação INCORRETA. a) Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, Ilíada e Odisseia, de Homero, exemplificam a Epopeia ou o estilo Épico. b) Crônica é uma narrativa informal, ligada à vida cotidiana, com linguagem coloquial, breve, com um toque de humor e crítica. c) No gênero narrativo, temos somente: romance, conto, fábula e epopeia. d) A classificação das obras literárias pode ser feita de acordo com critérios semânticos, sintáticos, fonológicos, formais, contextuais e outros. 103 e) No gênero romance, o narrador pode ser personagem, observador ou possuir total conhecimento dos fatos sem participar da intriga. 4. De acordo com o conteúdo estudado ao longo da unidade, analise o excerto a seguir e identifique o tipo de narrador configurado. [...] Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas. (ASSIS, Machado de, “A cartomante”. Machado de Assis: contos e crônicas. Rio de Janeiro: Malê, 2019). a) narrador homodiegético (participa da narrativa). b) narrador heterodiegético (observador). c) narrador heterodiégético (participa da narrativa, mas não se confunde com as personagens). d) narrador onisciente (tem conhecimento de tudo). e) narrador homodiegético (não participa da narrativa). 5. Ano: 2022; Banca: PS Concursos; Prova: PS Concursos - Prefeitura de Sombrio - Operador de Equipamentos - 2022 Os gêneros textuais reúnem diversos tipos de textos, sendo classificados conforme suas características em relação à linguagem e ao conteúdo. O Texto Narrativo é um tipo de texto que apresenta um enredo com tempo, espaço, personagens e um narrador. Sua estrutura é dividida em apresentação, desenvolvimento, clímax e desfecho. São gêneros dessa tipologia, EXCETO: a) Romance b) Novela c) Crônica d) Reportagem e) Lendas 6. De acordo com a conceituação de J. Cortázar (2006) acerca do conto, preencha as lacunas do texto abaixo e assinale a alternativa correspondente: [...] o princípio da forma contística é o da _______, e não da _______ (princípio do romance), e essa economia, quando bem orientada, consegue produzir um _______ sobre o leitor. [...]. a) narração; descrição; impulso. b) descrição; narração; efeito. 104 c) acumulação; seleção; impulso. d) seleção; acumulação; efeito. e) acumulação; narração; efeito. 7. Ano: 2021; Banca: MS Concursos; Prova: MS Concursos - Prefeitura de Campo Grande - Professor - Área: Educação Infantil - 2021 “Uma raposa faminta, ao ver cachos de uvas suspensos em uma parreira, quis pegá- los, mas não conseguiu. Então, afastou-se dela, dizendo: “Estão verdes””. Este texto é um exemplo de um dos gêneros da Literatura Infantil, marque a alternativa que o identifica: a) Fábulas. b) Crônicas. c) Contos. d) Lendas. e) Novelas. 8. Ano: 2022; Banca: Centro de Treinamento e Desenvolvimento - CETREDE; Prova: CETREDE - Prefeitura de Paraipaba - Agente Administrativo - 2022 Leia o texto a seguir para responder as questões de 1 a 3. A RAPOSA E AS UVAS Certa raposa esfaimada encontrou uma parreira carregadinha de lindos cachos maduros, coisa de fazer vir água à boca. Mas tão altos que nem pulando. O matreiro bicho torceu o focinho. - Estão verdes – murmurou. – Uvas verdes, só para cachorro. E foi-se. Nisto deu o vento e uma folha caiu. A raposa ouvindo o barulhinho voltou depressa e pôs-se a farejar. Quem desdenha quer comprar. (LOBATO, Monteiro. Fábulas, 31 ed. São Paulo, Brasiliense, 1982. P. 148). Esse texto é do tipo narrativo e o gênero é um(a): 105 a) Poema. b) Melodia. c) Crônica. d) Fábula. e) Conto. FUNIP301 Texto digitado FORMAS DRAMÁTICAS 107 Nesta unidade vamos nos aprofundar na caracterização das formas dramáticas, suas configurações estruturais, temáticas e a subdivisão estilística do gênero em tragédia, comédia, auto e farsa. Além disso, a unidade também aborda a configuração do drama contemporâneo e suas tendências. A primeira distinção que se deve fazer a respeito do gênero dramático é a sua natureza híbrida, pois ele se configura em duas dimensões complementares: o texto e a encenação: 5.1 INTRODUÇÃO O gênero dramático, embora também constitua, por fim, uma espécie de narrativa, não se configura como as formas vistas anteriormente. Isso porque, ele se caracteriza por ser um gênero híbrido, pois é composto, a partir de critérios formais, textualmente falando. No plano da realização, no entanto, ele se destina, sobretudo, à representação cênica, isto é, ao espetáculo. Outra diferença substancial em relação às formas narrativas é que, no gênero dramático, as personagens se apresentam sem a intermediação constante do narrador, já que o enredo teatral é composto majoritariamente por diálogos e/ou monólogos. De acordo com Stalloni (2007, p. 41-46), podemos discernir entre o texto narrativo e o texto teatral a partir de alguns critérios: 1º – Enunciação: o processo pelo qual se constrói o enunciado no gênero dramático se baseia em uma pretensa objetividade que se exprime por meio da fala e da ação (ato) das personagens, em oposição ao ponto de vista ou foco narrativo que caracteriza a narração. 2º – Tempo: o gênero dramático apresenta uma “temporalidade suspensa, contemporânea da representação” (STALLONI, 2007, p. 41). Assim, o tempo dramático é o aqui e agora, o “ao vivo” da ação teatral. Além disso, a sua estrutura temporal se orienta por cortes e sequências que constituem encaixes entre as cenas e os atos. 3º – Linguagem: o texto dramático se caracteriza por uma linguagem própria que constrói uma perspectiva por meio de diálogos ou monólogos. Em ambos os casos, a sua construção se pauta na fala da(s) personagem(ns). Dentro de sua especificidade linguística situam-se os comentários de “efeito de direção”, as chamadas didascálias, pelas quais o escritor/compositor tece considerações relevantes acerca da O texto dramático é aquele que se qualifica para a ence- nação. isso se verifica quando, prescindindo do palco, o texto o evoca como instância complementar para a to- talização de seus efeitos estéticos. Tal designação apon- ta especificamente para todas as informações que se inscrevem no conjunto escritural, incluindo-se aí o título e (quando há) a sugestão autoral de inserção da obra numa das espécies do gênero; a distribuição dos discur- sos pelos intérpretes e as de das calhas ou rubricas des- tinadas à direção cênica. O adjetivo dramático explicita a abordagem do texto como objeto literário, pelo critério da análise das