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<p>Presidente da República</p><p>Luiz Inácio Lula da Silva</p><p>Ministério da Justiça e Segurança Pública</p><p>Ricardo Lewandowski</p><p>Secretaria Nacional de Segurança Pública</p><p>Mario Luiz Sarrubbo</p><p>Diretoria de Ensino e Pesquisa</p><p>Michele Gonçalves dos Ramos</p><p>Coordenação-Geral de Ensino</p><p>Márcia Alencar Machado da Silva</p><p>Coordenação de Ensino a Distância</p><p>Tainara Leiria da Silveira</p><p>Coordenação Pedagógica</p><p>Joyce Cristine da Silva Carvalho</p><p>Conteudistas</p><p>Analuisa Macedo Trindade</p><p>Camila Carvalho da Costa Freire</p><p>Cristiane Fernandes Simões</p><p>Maria Gislene Carvalho Fonseca</p><p>Roberta Barbosa Monteiro</p><p>Revisão Pedagógica</p><p>Ardmon dos Santos Barbosa</p><p>Gerente de Curso</p><p>Danilo Bruno Moreira</p><p>Programação e Edição / Designer</p><p>Renato Antunes dos Santos</p><p>Designer Instrucional</p><p>Luana Manuella de Sales Mendes</p><p>SUMÁRIO</p><p>APRESENTAÇÃO DO CURSO ..................................................................................................................... 5</p><p>MÓDULO 1 – GÊNERO E ASSÉDIO SEXUAL: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS ................................................ 9</p><p>APRESENTAÇÃO ....................................................................................................................................... 9</p><p>OBJETIVOS ............................................................................................................................................... 9</p><p>AULA 1 - MULHER: DA ANTIGUIDADE AO PENSAMENTO MODERNO .................................................. 10</p><p>AULA 2 - A MULHER E O AMBIENTE DE TRABALHO .............................................................................. 16</p><p>AULA 3 - QUESTÕES REFERENTES AO CONCEITO DE GÊNERO .............................................................. 31</p><p>AULA 4 - GÊNERO, SEXO E SEXUALIDADE ............................................................................................. 35</p><p>AULA 5 -GÊNERO E PODER: BREVE ANÁLISE ......................................................................................... 37</p><p>FINALIZANDO... ..................................................................................................................................... 43</p><p>MÓDULO 2 - A QUESTÃO DE GÊNERO NO ÂMBITO DO SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA (Susp)</p><p>................................................................................................................................................................ 44</p><p>APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................................... 44</p><p>OBJETIVOS .............................................................................................................................................. 44</p><p>AULA 1- INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 45</p><p>AULA 2 - A TRAJETÓRIA DA MULHER NA SEGURANÇA PÚBLICA ........................................................... 49</p><p>2.1 - A INSERÇÃO PROFISSIONAL DAS MULHERES NO SUSP E AS RELAÇÕES DE PODER DEFINIDORAS</p><p>DESTA ATUAÇÃO. .................................................................................................................................. 54</p><p>AULA 3 - A CULTURA DO PATRIARCADO, O CAMPO POLICIAL E MILITAR E O REFLEXO DAS VIOLÊNCIAS</p><p>DE GÊNERO RELATADAS PELAS PROFISSIONAIS DO SUSP ..................................................................... 56</p><p>3.1 A cultura brasileira e os seus reflexos na representatividade social da mulher ............................. 57</p><p>3.2 O Campo policial e militar: do simbolismo de reduto patriarcal à inserção feminina profissional.59</p><p>AULA 4 - O ASSÉDIO NO TRABALHO E SUAS CONSEQUÊNCIAS ............................................................. 63</p><p>4.1 A conquista do trabalho e a experiência da mulher nas instituições de segurança ....................... 68</p><p>4.2 O assédio sexual nas Instituições de Segurança Pública do Brasil .................................................. 71</p><p>FINALIZANDO... ...................................................................................................................................... 75</p><p>MÓDULO 3 – O ASSÉDIO SEXUAL NA LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL E NACIONAL ............................... 77</p><p>APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................................... 77</p><p>OBJETIVOS .............................................................................................................................................. 77</p><p>AULA 1 - A PROTEÇÃO INTERNACIONAL E NACIONAL AOS DIREITOS HUMANOS COMO FORMA DE</p><p>COMBATE AO ASSÉDIO SEXUAL. ESTAMOS EVOLUINDO? ..................................................................... 78</p><p>AULA 2 - A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE ASSÉDIO SEXUAL ............................................................. 87</p><p>AULA 3 - A TIPIFICAÇÃO PENAL DO CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL NO BRASIL ......................................... 90</p><p>3.1 - O assédio sexual no código penal militar. ..................................................................................... 97</p><p>AULA 4 - AS PROVAS DO ASSÉDIO SEXUAL. DIFICULDADES E JURISPRUDÊNCIA. ................................ 102</p><p>AULA 5 - O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. LACUNA LEGISLATIVA SANADA? ............................ 108</p><p>AULA 6 - CONSEQUÊNCIAS PENAIS, PROCESSUAIS PENAIS MILITARES E CÍVEIS DA PRÁTICA DO CRIME</p><p>DE ASSÉDIO SEXUAL. ............................................................................................................................ 110</p><p>6.1. Consequências Penais e Processuais Penais Militares. ................................................................ 111</p><p>6.2. Consequências Cíveis. .................................................................................................................. 113</p><p>MÓDULO 4 - OS MECANISMOS DE DENÚNCIA E AS REDES SOCIAIS COMO NOVO ESPAÇO DE FALA DAS</p><p>MULHERES ............................................................................................................................................ 118</p><p>APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................... 118</p><p>OBJETIVOS ............................................................................................................................................ 118</p><p>INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 119</p><p>AULA 1 - A DESIGUALDADE DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO E O CONTEXTO DE ASSÉDIO</p><p>MORAL. ............................................................................................................................................... 123</p><p>AULA 2- OS DESAFIOS DAS VÍTIMAS PARA DENUNCIAR A VIOLÊNCIA ............................................... 124</p><p>2.1. Funcionamento com horário limitado e número insuficiente de Delegacias Especializadas ....... 125</p><p>2.2. Falta de capacitação de agentes públicos ..................................................................................... 130</p><p>2.3. Dificuldade para comprovar a agressão ........................................................................................ 130</p><p>2.4. Vergonha da exposição ................................................................................................................. 132</p><p>AULA 3- DAS LÁGRIMAS À ESPERANÇA: A REDE PROTETIVA PARA A MULHER NO BRASIL ................ 132</p><p>3.1. Coordenadorias Estaduais e Municipais das Mulher .................................................................... 132</p><p>3.2. Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 ............................................................................. 133</p><p>3.3. Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos ..................................................................................... 134</p><p>3.4. Delegacias Eletrônicas</p><p>e social) de a</p><p>mulher ter que conciliar as tarefas domésticas com as profissionais.</p><p>Para Hirata (2004, p. 20), a concretização de uma cidadania mundial só será</p><p>possível por meio de uma efetiva igualdade social e sexual e, nesse caso, a mudança</p><p>da divisão sexual do trabalho doméstico é uma pré-condição para que seja alcançada</p><p>cidadania plena. Caso contrário, enquanto houver a divisão do trabalho doméstico</p><p>de forma assimétrica, “a igualdade será uma utopia”.</p><p>Para isso, Lima (2004) apresenta uma saída, ainda que generalista, propondo</p><p>que a perspectiva de gênero deva ser considerada e incorporada aos direitos</p><p>humanos, aos acordos comerciais, às relações de trabalho e à vida cotidiana, às</p><p>migrações, aos aspectos trabalhistas, só assim permitiria a garantia de igualdade de</p><p>oportunidades para homens e mulheres. Por conseguinte, favorecerá uma condição</p><p>de equidade social e de distribuição de riquezas.</p><p>Além da consideração do gênero nos diversos assuntos do cotidiano,</p><p>Fonseca (2004) destaca a necessidade de desenvolver uma nova configuração do</p><p>trabalho que não seja pautada nos moldes da ética capitalista, mas que seja</p><p>permeada pela ética humanista, que leve em consideração a equalização nas relações</p><p>de gênero, o trabalho reprodutivo e os direitos humanos das mulheres.</p><p>Por equidade de gênero entenda-se não o favorecimento de homens ou</p><p>mulheres, porém o processo de ser justo com mulheres e homens (Lisboa, 2005). De</p><p>mesmo modo, Almeida (2000) lembra que a equidade não se refere a toda diferença,</p><p>42</p><p>mas àquelas que são consideradas injustas, e que tais injustiças, são baseadas em</p><p>valores.</p><p>Fonseca (2005) esclarece o que é a adoção da equidade de gênero nas</p><p>relações de trabalho e diferencia equidade de igualdade. Equidade e igualdade não</p><p>são sinônimas. A noção de equidade traduz-se no direito que todo cidadão tem de</p><p>receber segundo suas necessidades e de contribuir segundo suas possibilidades:</p><p>Adotar a equidade de gênero como um conceito ético associado aos princípios</p><p>de justiça social e de direitos humanos não implica em desmerecer ou desvestir</p><p>de direitos os homens para privilegiar as mulheres. Trata-se de rever, com</p><p>esmero e cuidado, a situação de milhares de mulheres que sofrem iniquidades</p><p>no cotidiano, indignar-se com isso e mover-se para as transformações, sem</p><p>confundir o direito à assistência digna e respeitável por serem, antes de tudo,</p><p>cidadãs, com o imperativo de tê-las hígidas e produtivas, por serem geradoras</p><p>e mantenedoras da força de trabalho presente e futura, portanto, de quem a</p><p>sociedade depende para a geração de riqueza social. Com os pés calcados na</p><p>realidade do que as mulheres representam na atualidade, em termos de lócus</p><p>de exercício de cidadania e de produção e reprodução social, mais que na</p><p>idealização inatingível da felicidade individual e coletiva, descontextualizada e</p><p>a histórica, cidadãs-trabalhadoras devem ser atendidas de acordo com as</p><p>necessidades do seu perfil de saúde-doença, compreendidas à luz da sua</p><p>condição de gênero, situação de classe, perfil de geração e outros recortes</p><p>analíticos. (FONSECA, 2005, p.29)</p><p>Dessarte, compreende-se que a presença da mulher no mercado de trabalho</p><p>implica as organizações considerar que além do espaço público, a mulher também está</p><p>inserida no espaço doméstico, com diversas atribuições que asseguram a manutenção</p><p>da família. Tal singularidade, para Cappelin (1996), marca a adequação da mulher à</p><p>organização produtiva e ao mercado de trabalho.</p><p>A partir do que você leu até aqui, chegamos a uma questão fundamental para</p><p>este curso: considerando todos esses desafios em torno das relações de poder sobre</p><p>o gênero, passando pela longa opressão históricas das mulheres, desde uma</p><p>perspectiva epistemológica até ações concretas da entrada das mulheres no mercado</p><p>de trabalho, como o problema salarial, como têm sido a entrada e a permanência das</p><p>mulheres que trabalham em instituições de segurança pública? É o que buscaremos</p><p>responder no próximo módulo do curso.</p><p>43</p><p>FINALIZANDO...</p><p>Neste módulo você estudou que:</p><p>• O início das mulheres no campo da segurança pública foi extremamente</p><p>preconceituoso com as primeiras policiais femininas realizando serviços de</p><p>cuidadoras, conduzindo velhos e crianças na rua e nunca empregadas na</p><p>atividade-fim da corporação, segundo Moreira e Wolff (2009).</p><p>• Beauvoir (1970) afirma que a mulher sempre apareceu de forma negativa e</p><p>limitada. A essa mulher coube a imagem da fragilidade e de um ser sem</p><p>autonomia que precisaria de complemento, obviamente o tal complemento</p><p>trata-se do homem, que ao contrário da mulher, ele é absoluto.</p><p>• As pesquisas sobre a participação das mulheres nas forças policiais,</p><p>especialmente nas atividades ligadas ao policiamento ostensivo, ainda são raras</p><p>no Brasil, além de o tema ter ficado à margem das discussões tanto acadêmicas</p><p>quanto no próprio setor da segurança pública, vindo a ter maior visibilidade</p><p>somente a partir da década de 1990 (CALAZANS, 2003; 2004).</p><p>• Ao observar a formação cultural do Brasil, historicamente, as</p><p>mulheres possuem um estereótipo cultural construído com papéis estipulados,</p><p>distintos aos homens. O senso comum, já visualizam a mulher no espaço</p><p>doméstico, como “dona de casa”. Ao homem, já está a visão de “chefe da</p><p>família”.</p><p>• As relações existentes entre a distribuição do trabalho e a questão</p><p>do gênero;</p><p>• O trabalho e a questão do gênero contribuem para a construção</p><p>do patriarcado atual, até mesmo para a compreensão do fenômeno do assédio</p><p>e como ele pode ser legitimado pela cultura patriarcal.</p><p>44</p><p>MÓDULO 2 - A QUESTÃO DE GÊNERO NO ÂMBITO DO</p><p>SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA (SUSP)</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>O objetivo deste módulo é construir uma reflexão sobre a questão de gênero</p><p>tendo por recorte o ambiente da segurança pública. Ao explicar como ocorreu a</p><p>incorporação das mulheres em um espaço marcado por representações de gênero e a</p><p>sua trajetória até os dias atuais, contextualizando com as relações de poder, o sistema</p><p>patriarcal e hierarquizado que facilitar existência de violências de gênero. A abordagem</p><p>será feita dentro desta perspectiva sobre o assédio sexual nas instituições de segurança</p><p>pública e as suas consequências.</p><p>OBJETIVOS</p><p>• Compreender as representações de gênero dentro do contexto</p><p>das instituições de segurança pública;</p><p>• Reconstruir a contextualização das relações de poder nas</p><p>instituições de segurança pública;</p><p>• Continuar as reflexões sobre como o sistema patriarcal e</p><p>hierarquizado pode facilitar a ocorrência de violências de gênero.</p><p>45</p><p>AULA 1- INTRODUÇÃO</p><p>A nossa reflexão sobre a questão de gênero busca compreender este recorte</p><p>no ambiente da segurança pública do Brasil, que se evidencia na essência de sua</p><p>formação, independentemente da força de segurança elencada, indicando que existe</p><p>um ponto em comum: a hegemonia masculina. Tal entendimento nos remete à</p><p>centralidade de considerar a categoria gênero para compreender como as dinâmicas</p><p>de trabalho, a inserção profissional e mesmo das próprias dinâmicas institucionais</p><p>são perpassadas por questões que levam aos significados de “ser homem” e “ser</p><p>mulher”.</p><p>Partimos do pressuposto que antes de ser profissional militar da segurança</p><p>pública, estamos falando de mulheres. É essencial, portanto, entendermos</p><p>efetivamente sobre o que significa falar de gênero. Scott apresenta sua definição de</p><p>gênero, a qual faz dois desmembramentos: primeiro, o gênero é um elemento</p><p>constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos;</p><p>segundo, gênero constitui-se como uma forma primária para dar significado às</p><p>relações de poder (SCOTT, 1990, p.19).</p><p>Figura 14 – Assédio nas instituições militares</p><p>Fonte: https://ponte.org/reportagem-especial-mulheres-sao-vitimas-de-assedios-</p><p>diariamente-na-pm/.</p><p>https://ponte.org/reportagem-especial-mulheres-sao-vitimas-de-assedios-diariamente-na-pm/</p><p>https://ponte.org/reportagem-especial-mulheres-sao-vitimas-de-assedios-diariamente-na-pm/</p><p>46</p><p>Evocamos a contribuição de Joan Scott (1990), para entendermos o processo</p><p>de introdução de mulheres, profissionais, no ambiente da Segurança Pública. Busca-</p><p>se lançar um olhar sobre a inserção das mulheres neste campo onde além do</p><p>obstáculo da diferença entre os sexos, existe a relação de poder fortemente instituída</p><p>na cultura policial e militar. Inserido nesse contexto de relações de poder,</p><p>percebemos um paradigma androcêntrico no cerne da doutrina hierarquizada,</p><p>refletindo-se em todas as instituições que esta permeia. As instituições militares,</p><p>arvoradas sobre esta lógica militarista, contêm este paradigma arraigado e</p><p>institucionalizado em seus seios. Como versam Montejo e Fries (1999):</p><p>(...) Se o homem é visto como o modelo do ser humano, todas as instituições</p><p>socialmente criadas respondem principalmente às necessidades e interesses</p><p>do homem e, na melhor das hipóteses, às necessidades ou interesses que os</p><p>homens pensam que as mulheres têm. (MONTEJO, FRIES, 1999, p. 36)</p><p>Notadamente, observa-se que a superação de tal paradigma androcêntrico</p><p>evidencia-se como a primeira barreira a ser vencida nesse processo. Segundo Capelle</p><p>(2006) as forças policiais e militares possuem uma cultura organizacional que tendem</p><p>a cultuar a masculinidade, a qual incluem um ideal de herói e um perfil combativo</p><p>diretamente atribuído aos homens.</p><p>Portanto, o androcentrismo apresenta-se como esse saber que, constituído</p><p>no âmbito das relações sociais de gênero, atua demarcando as relações de poder e</p><p>não-poder para homens e mulheres (SARDA,1987).</p><p>O enfrentamento a essa concepção hegemônica masculina no ambiente</p><p>hierarquizado, envolvendo preconceitos e violências de todas as formas, passou a ser</p><p>luta diária para as mulheres que decidiram abraçar a carreira policial e militar. São</p><p>diversos os estudos que comprovam a dificuldade de inserção feminina no mercado</p><p>de trabalho, que se multiplicam quando observamos um campo em que existe uma</p><p>crença institucionalizada de que o papel masculino seria superior ao feminino.</p><p>47</p><p>A incorporação das mulheres ocorre em um espaço marcado pelas</p><p>representações de gênero – acerca do que é o fazer dos homens e o fazer das</p><p>mulheres –, que impõem uma lógica “masculinizante” (ALMEIDA; PAIVA, 2008).</p><p>Apesar de as instituições policiais agregarem em seus quadros as mulheres,</p><p>muitas ainda se veem presentes em um universo de significações que embrutece, ou</p><p>seja, fazem-nas estarem mais próximas de sentimentos classificados e reconhecidos</p><p>socialmente como pertencentes ao universo masculino (ALMEIDA; PAIVA, 2008).</p><p>Figura 15 – Comparação salarial por gênero</p><p>Fonte: Ministério do Trabalho e Previdência / Novo CAGED (2022).</p><p>Considerando que a missão da segurança pública é a defesa social, torna-se</p><p>desafiadora a desconstrução de uma visão machista e patriarcal, que atribuiu ao</p><p>homem o papel de defender e combater.</p><p>Inúmeras são as alegações para justificar esse pensamento, por exemplo, o</p><p>físico masculino estar biologicamente mais preparado para os treinamentos em</p><p>relação ao feminino, limitando para elas a efetivação na carreira militar. Porém, na</p><p>realidade, não há embasamento para que o argumento exposto seja considerado</p><p>48</p><p>assertivo, haja vista que técnicas e táticas, além de equipamentos, logística e</p><p>inteligência, superaram há muito tempo a valorização de bíceps e tríceps.</p><p>A respeito dessa retórica que coloca a mulher como ser inferior ao homem,</p><p>surgiu o questionamento sobre como esse pensamento foi consolidado entre os</p><p>indivíduos. Beauvoir (1970) indagou como a mulher deixou-se tornar submissa e sem</p><p>poder de contestação. A feminista e filósofa percebeu que a submissão da mulher</p><p>ocorreu pela ausência de reciprocidade, solidariedade e reconhecimento, sendo</p><p>construída no decorrer do tempo. E para explicar essa falta de união entre as</p><p>mulheres, a autora faz reflexões sobre o movimento dos operários e negros, que os</p><p>fortaleceu socialmente graças à união da força do coletivo:</p><p>Os proletariados nos dizem. Os negros também(...) A ação das mulheres nunca</p><p>passou de uma agitação simbólica; só ganharam o que os homens</p><p>concordaram em lhes conceder; elas nada tomaram; elas receberam. Isso</p><p>porque não têm os meios concretos de se reunir em uma em uma unidade</p><p>que se afirmaria em se opondo. Não têm passado, não têm história (...) Vivem</p><p>dispersas entre os homens, ligadas pelo habitat, pelo trabalho, pelos</p><p>interesses econômicos, pela condição social a certos homens – pai ou marido</p><p>– mais estreitamente do que às outras mulheres. (BEAUVOIR, 1970, p. 13).</p><p>Nesse trecho, Beauvoir expõe a ideia de que não existe uma união, uma</p><p>solidariedade entre as mulheres. À época, inexistia força para que elas fossem</p><p>firmadas socialmente. A sororidade é colocada pela pensadora de maneira</p><p>importante, dado que é uma questão de fortalecimento de uma minoria e, nesse</p><p>contexto, torna-se uma das características indispensáveis para que o movimento</p><p>feminista se firme e legitime na sociedade.</p><p>Manter essa relação de união fortalece o grupo, é o caminho para adquirir o</p><p>respeito que a mulher perdeu ao longo da História, além de buscar a sua visibilidade</p><p>social, ou seja, a representatividade feminina. Você vai entender mais sobre isso na</p><p>próxima seção.</p><p>49</p><p>AULA 2 - A TRAJETÓRIA DA MULHER NA SEGURANÇA</p><p>PÚBLICA</p><p>A representatividade das mulheres na Segurança Pública no Brasil se deu a</p><p>partir da década de 50 para atender a uma necessidade de modernização das</p><p>Instituições, desejosas por se ajustarem, ainda que superficialmente, ao fluxo de</p><p>mudanças operadas em escala internacional. Nesse período, emergiram com</p><p>crescente vigor as demandas em torno da ampliação do protagonismo feminino em</p><p>diferentes áreas, assim como aquelas que reclamavam, a partir das manifestações de</p><p>estudantes, trabalhadores e intelectuais, o fim dos regimes autoritários em países</p><p>como o Brasil (SILVA, 2003).</p><p>Dialogando com este processo de participação feminina no campo</p><p>policial e militar, observa-se que o acesso da mulher à Instituição</p><p>Policial teve por premissa quebrar a imagem da ditadura militar. Com</p><p>a desidratação da ditadura militar, as ações reservadas às mulheres</p><p>foram cuidadosamente ampliadas, ao passo que a imagem das</p><p>policiais foi utilizada para preservar a face humana e sensível das</p><p>corporações, como destaca em 1980 o suplemento especial Evolução</p><p>da União Brasileira de Policiais Civis, em homenagem aos 25 anos do</p><p>1º Batalhão de Polícia Feminina de São Paulo: “O amor é a sua arma; o</p><p>carinho, sua munição!” (O AMOR, 1980, s/p.)4</p><p>4 ¹ Ano IX, Número CXVI, São Paulo, Dezembro de 1980. Acervo do Museu da Polícia Militar do</p><p>Estado de São Paulo.</p><p>50</p><p>Quadro 1 - Ingresso de mulheres nas Polícias Militares no Brasil</p><p>q</p><p>Fonte: Banco de Dados Polícia Militar e Gênero, CESEC/UCAM e SENASP/MJ - 2005. Mulheres Policiais.</p><p>Presença feminina na Polícia Militar do Rio de Janeiro, pag. 173.</p><p>A participação das mulheres nesse campo visava, dessa maneira, entre outros</p><p>objetivos, suavizar os contornos autoritários dos órgãos de segurança ao fazer uso</p><p>de estratégias focadas no uso social da imagem da mulher em campanhas midiáticas</p><p>e na presença obrigatória em solenidades públicas. O intuito era destacar traços</p><p>culturais atribuídos à natureza feminina, como “cuidado”, “delicadeza”,</p><p>“sensibilidade”, “bondade”, entre outras características e assim a imagem feminina foi</p><p>vislumbrada como oportuna para atribuir a visão humanizada e socializada à</p><p>Instituição, a qual padecia de falta de empatia com o povo.</p><p>51</p><p>Esse início foi extremamente preconceituoso com as primeiras policiais</p><p>femininas realizando serviços</p><p>de cuidadoras, conduzindo velhos e crianças na rua e</p><p>nunca empregadas na atividade-fim da corporação, segundo Moreira e Wolff (2009).</p><p>Conforme Souza (2014, p.59), as primeiras mulheres a atuarem como</p><p>profissionais policiais militares deveriam seguir algumas condições:</p><p>(deveriam ser) sérias sem, contudo, ameaçar a ideia de feminilidade; femininas</p><p>sem colocar em xeque o exercício de uma profissão eminentemente</p><p>masculina, as mulheres policiais passariam a enfrentar as exigências do campo</p><p>policial.</p><p>À época, o diálogo foi aquecido sobre a atuação das policiais na corporação.</p><p>Na Revista Militia, a jornalista Rita de Cassia trouxe um artigo que ensejava a</p><p>preocupação com o habitus feminino:</p><p>A Polícia Feminina será criada por mulheres adultas, independentes e</p><p>experientes; mulheres capazes de serem úteis à coletividade, minorando, com</p><p>a sua boa vontade, competência e energia, a miséria, o sofrimento material e</p><p>moral da infância, das mulheres desamparadas e das decaídas. (Fato em Foco,</p><p>Secção Feminina – Revista Militia – Ano VI – Nº 41 – outubro de 1953, p. 42).</p><p>A atuação inicialmente, não poderia ser diferente, pois até 1962, as mulheres</p><p>eram civilmente incapazes, portanto, não poderiam “servir e proteger” os homens</p><p>capazes da sociedade.</p><p>52</p><p>Figura 16 - Revista da Brigada Militar - pioneiras conquistas que marcam a história das mulheres na</p><p>Instituição</p><p>Fonte: Revista da Brigada Militar (2013) -</p><p>https://issuu.com/areacompublicidade/docs/revista_bm_fem_8.</p><p>As profissionais, mulheres e militares, mesmo com esse lapso temporal desde</p><p>a primeira inserção no campo da segurança pública, até os dias atuais, ainda não</p><p>foram incorporadas de forma ampla, em decorrência da existência de “alguns traços</p><p>culturais que remontam ao patriarcalismo e seu modo de divisão sexual do trabalho”</p><p>(CAPPELLE e MELO, 2010, p. 77).</p><p>Inclusive, Lima (2008) elenca vinte e dois critérios apontados como</p><p>necessários para a inserção na polícia militar, sendo estes: autoridade, atenção aos</p><p>detalhes, controle emocional, resistência, inteligência, adaptabilidade, segurança,</p><p>assertividade, sociabilidade, tônus vital, ambição, controle de agressividade, iniciativa,</p><p>integridade, sensibilidade interpessoal, capacidade de observação, capacidade de</p><p>comunicação oral, impacto pessoal, confrontação com problemas, capacidade de</p><p>recuperação, tolerância a tensões e vigilância.</p><p>Avaliando os critérios mencionados observa-se que em todos a mulher se</p><p>insere, já que nenhum deles é específico ou limitante para homens ou mulheres,</p><p>https://issuu.com/areacompublicidade/docs/revista_bm_fem_8</p><p>53</p><p>entretanto a desigualdade existe, e a consequência dela é o preconceito que envolve</p><p>a sociedade e, principalmente, a profissão militar em que habilidade e forças são</p><p>atribuídas ao masculino, enquanto para as mulheres fica o estereótipo de frágeis e</p><p>submissas.</p><p>Gráfico 1 - Distribuição segundo a existência de cotas para ingresso nas ISP e ISP.</p><p>Total de Policiais Militares e Bombeiras Militares Femininas (%)</p><p>Fonte: https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/2308/1/4mulheres-na-seguranca-publica.pdf.</p><p>Beauvoir (1970) afirma que a mulher sempre apareceu de forma negativa e</p><p>limitada. A essa mulher coube a imagem da fragilidade e de um ser sem autonomia</p><p>que precisaria de complemento, obviamente o tal complemento trata-se do homem,</p><p>que ao contrário da mulher, ele é absoluto.</p><p>Assim, ao analisarmos o início histórico das mulheres no âmbito do Sistema</p><p>Único de Segurança Pública (SUSP), você pode se indagar: Como as mulheres se</p><p>inserem nestas relações de poder?</p><p>É o que você verá a seguir.</p><p>https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/2308/1/4mulheres-na-seguranca-publica.pdf</p><p>54</p><p>2.1 - A INSERÇÃO PROFISSIONAL DAS MULHERES NO SUSP E AS RELAÇÕES DE</p><p>PODER DEFINIDORAS DESTA ATUAÇÃO.</p><p>Contextualizando a nossa explanação, apontamos os estudos desenvolvidos</p><p>pela socióloga Márcia Esteves de Calazans (2003; 2004), sobre a inserção das</p><p>mulheres na segurança pública. A autora realizou uma pesquisa com o foco nas</p><p>mulheres policiais da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, procurando “dar</p><p>visibilidade ao modo pelo qual a institucionalidade cultural policial militar funciona</p><p>como dispositivo estratégico para constituição de mulheres em policiais” (CALAZANS,</p><p>2003. p.14).</p><p>De acordo com a autora, as pesquisas sobre a participação das mulheres nas</p><p>forças policiais, especialmente nas atividades ligadas ao policiamento ostensivo,</p><p>ainda são raras no Brasil, além de o tema ter ficado à margem das discussões tanto</p><p>acadêmicas quanto no próprio setor da segurança pública, vindo a ter maior</p><p>visibilidade somente a partir da década de 1990 (CALAZANS, 2003; 2004).</p><p>A discussão sobre o assunto é estendida às demais Instituições de</p><p>Segurança Pública, cujo foco é a inserção das mulheres em espaços</p><p>cujas representações remetem a um universo “masculino” possam ser</p><p>analisadas tendo por exemplo a Polícia Civil. Estudos de gênero</p><p>revelam que a entrada das mulheres no mundo do trabalho</p><p>globalizado tem crescido, expressando uma tendência de inserção em</p><p>ramos considerados “guetos masculinos”, como é o caso das</p><p>instituições policiais, como afirma Glaucíria Mota Brasil et al. (2008).</p><p>Almeida e Paiva destacam que, tanto no Brasil como em outros países, as</p><p>instituições policiais constituem-se como lócus socialmente construídos em torno de</p><p>representações do universo masculino. Ao analisarem a inserção da mulher na Polícia</p><p>Civil, os pesquisadores privilegiam uma análise que evidencia uma profunda</p><p>descontinuidade em um modo de existir das instituições policiais, afetando</p><p>55</p><p>significados e rompendo com a estrutura de poder na instituição (ALMEIDA; PAIVA,</p><p>2008).</p><p>Em conformidade com Almeida e Paiva, a partir da pesquisa sobre a inserção</p><p>das mulheres na segurança pública do Ceará, realizada em 2005, existem</p><p>contradições nesse processo, sobretudo porque, mesmo com a modernização das</p><p>instituições policiais, a introdução de valores democráticos e a inserção das mulheres</p><p>neste espaço, ainda permanece um ethos masculino.</p><p>A inserção das mulheres em espaços ocupacionais marcados por uma</p><p>simbologia associada à masculinidade, a exemplo dos dispositivos de segurança</p><p>pública, em especial as instituições policiais, não pode ser compreendida sem uma</p><p>referência ao modo como tais dispositivos são fabricados como instâncias de poder,</p><p>a saber: mediante a construção de valores, comportamentos e práticas marcados pelo</p><p>ethos da virilidade e pela efetividade do comando, “assumidos como autenticamente</p><p>masculinos” (Oliveira, 2004 apud Brasil, 2008).</p><p>Diante do exposto, você verá no próximo tópico marcos históricos sobre a</p><p>construção da história feminina no ambiente policial e militar.</p><p>É imperioso observar que o acesso de mulheres na Segurança Pública</p><p>efetivou-se mais amplamente em meados de 1980. Desde 1988, a Constituição previa</p><p>que os cargos públicos, civis ou militares, estariam acessíveis a todos os brasileiros,</p><p>observadas as condições de capacidade especial que a lei estatuir, portanto,</p><p>inexistindo restrições quanto ao sexo:</p><p>Art. 73 - Os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os</p><p>brasileiros, observadas as condições de capacidade especial que a lei</p><p>estabelece, sendo, porém, vedadas as acumulações remuneradas. (BRASIL,</p><p>1988)</p><p>Todavia, a ocupação por mulheres, dos cargos mais altos de instituições de</p><p>segurança pública em diversos estados brasileiros deu-se a partir da primeira década</p><p>do século XXI (BRASIL, 2013. p. 13). Assim, a partir dos anos 2000 acentuaram-se os</p><p>estudos sobre mulheres na segurança pública, que paulatinamente ganharam</p><p>56</p><p>espaço, como objeto científico e de análise, onde buscaram abordar, desde um</p><p>panorama histórico sobre sua inserção e as dificuldades sofridas,</p><p>à ausência de</p><p>medidas de equidade do gênero feminino no meio culturalmente ocupado por</p><p>homens, com base no patriarcado fortemente ancorado nas instituições de segurança</p><p>pública.</p><p>Você aprenderá mais sobre este tema na próxima seção.</p><p>AULA 3 - A CULTURA DO PATRIARCADO, O CAMPO POLICIAL</p><p>E MILITAR E O REFLEXO DAS VIOLÊNCIAS DE GÊNERO</p><p>RELATADAS PELAS PROFISSIONAIS DO SUSP</p><p>Para falar sobre violência de gênero nas Instituições policiais e militares, é</p><p>necessário que o ponto de partida seja a compreensão da cultura, da formação social</p><p>e estrutural existente neste campo profissional. Dentro desse contexto, é essencial</p><p>que se faça uma abordagem sobre a nossa cultura, conceitos sociais e estruturantes,</p><p>buscando o diálogo entre a nossa herança social e o campo policial e militar. E para</p><p>facilitar a construção de um entendimento deste processo histórico de</p><p>representatividade feminina, em diversos momentos uma reflexão sobre o “campo</p><p>militar” também será construída, sendo este local ampliado aos demais ambientes</p><p>policiais, afinal o sistema de poder instituído culturalmente desde os primórdios é o</p><p>mesmo: O Patriarcado.</p><p>57</p><p>3.1 A cultura brasileira e os seus reflexos na representatividade social</p><p>da mulher</p><p>Ao observar a formação cultural do Brasil, historicamente, as mulheres</p><p>possuem um estereótipo cultural construído com papéis estipulados, distintos aos</p><p>homens. O senso comum, já visualizam a mulher no espaço doméstico, como “dona</p><p>de casa”. Ao homem, já está a visão de “chefe da família”.</p><p>Segundo Minayo (2005), o homem e sua concepção masculina como polo</p><p>ativo da sexualidade e a mulher como seu objeto é um conceito que vem de longa</p><p>data na cultura ocidental, baseada no patriarcalismo. O masculino sempre foi</p><p>caracterizado como o provedor, o chefe, o patrono das relações familiares, enquanto</p><p>a mulher ficou restrita à imagem frágil, dependente, afeita ao lar e a criação dos filhos.</p><p>Tal como Hall (2015) complementa que a formação do ser humano é diretamente</p><p>afetada pelas relações sociais experimentadas, notadamente três delas: a família, a</p><p>escola e a mídia.</p><p>Na família essa relação desigual de homem e mulher é exposta como regra,</p><p>na escola é comum a exclusão das meninas nas brincadeiras dos meninos e a mídia</p><p>tem sido um veículo consolidador desse costume, com o culto da “mulher objeto”.</p><p>Dessa maneira, só reforça o empoderamento masculino e ao papel secundário da</p><p>mulher, uma vez que essa construção social alimenta o machismo.</p><p>Para Oliveira e Maio (2016), o machismo, por assim dizer, se estende além do</p><p>empoderamento masculino e do conceito de um gênero superior a outro, passa</p><p>obrigatoriamente pela diminuição do papel da mulher na sociedade e nas relações</p><p>sociais, terminando muitas vezes nas diversas formas de violência.</p><p>58</p><p>Figura 17 - Termos atribuídos às vítimas pelos agressores após serem denunciados</p><p>Fonte: https://www.sociedademilitar.com.br/2020/10/1-mais-de-70-dos-militares-do-sexo-feminino-</p><p>ja-sofreram-assedio-sexual-e-o-que-uma-mostra-pesquisa-realizada-por-dois-juizes.html.</p><p>Com efeito, a inserção da mulher no campo policial e militar não está</p><p>dissociada de um processo complexo que envolve a reestruturação social, onde os</p><p>espaços estavam ocupados por homens. Na atualidade, esse universo de supremacia</p><p>hegemônica masculina perdura e as representações sedimentadas no imaginário</p><p>social também.</p><p>Ademais, o processo de socialização neste campo, especificamente, está</p><p>envolto em uma estrutura hierarquizada, em que homens e mulheres aparentemente</p><p>se encontram nas mesmas condições para disputar por posição no interior da</p><p>instituição, todavia as estruturas mentais (formas de agir e pensar fundamentadas em</p><p>um ethos masculino) das pessoas que habitam as instituições não se apagaram.</p><p>Toda essa construção social que envolve a relação de poder e a superioridade</p><p>masculina sobre o feminino, gerada pelo sistema patriarcal, com mecanismos que</p><p>chegam a desumanizar a mulher, culmina na violência de gênero. Sobre esta questão,</p><p>Cerqueira e Coelho, afirmam:</p><p>A violência de gênero é um reflexo direto da ideologia patriarcal, que demarca</p><p>explicitamente os papéis e as relações de poder entre homens e mulheres.</p><p>Como subproduto do patriarcalismo, a cultura do machismo, disseminada</p><p>muitas vezes de forma implícita ou sub-reptícia, coloca a mulher como objeto</p><p>de desejo e de propriedade do homem, o que termina legitimando e</p><p>alimentando diversos tipos de violência, entre os quais o estupro (CERQUEIRA;</p><p>COELHO, 2014, p. 2).I</p><p>https://www.sociedademilitar.com.br/2020/10/1-mais-de-70-dos-militares-do-sexo-feminino-ja-sofreram-assedio-sexual-e-o-que-uma-mostra-pesquisa-realizada-por-dois-juizes.html</p><p>https://www.sociedademilitar.com.br/2020/10/1-mais-de-70-dos-militares-do-sexo-feminino-ja-sofreram-assedio-sexual-e-o-que-uma-mostra-pesquisa-realizada-por-dois-juizes.html</p><p>59</p><p>Portanto, não apenas a inserção, mas a construção do espaço feminino na</p><p>Segurança Pública como ferramenta de enfrentamento a uma cultura de aparente</p><p>igualdade é necessária, visto que a fala comum entre os diversos profissionais de</p><p>ambos os gêneros reforça o pensamento machista e assediador, quando se coloca</p><p>que o tratamento atribuído à mulher que exerce esta profissão é o mesmo atribuído</p><p>ao homem. Historicamente, essas instituições são pautadas pela hierarquia de poder,</p><p>de formato próprio, com mecanismos intrínsecos de mediar as relações de</p><p>obediência. (LOPES e BRASIL, 2010, P.1)</p><p>3.2 O Campo policial e militar: do simbolismo de reduto patriarcal à inserção</p><p>feminina profissional.</p><p>Sendo as instituições policiais e militares, espaços hierarquizados,</p><p>socialmente construídos, onde prevalecem interesses relacionados a um conjunto de</p><p>classificações incorporadas como legítimas, nos quais homens ocuparam</p><p>historicamente posições privilegiadas, é possível pensar que a valoração do</p><p>masculino em detrimento das significações femininas não é um fato descolado da</p><p>objetividade de um processo cultural de dominação masculina.</p><p>De acordo com Bourdieu, nas sociedades ocidentais, a força da</p><p>dominação masculina é tão significativa que, por si mesma, dispensa qualquer tipo</p><p>de justificativa, existindo como ortodoxia presente em diversas esferas do mundo</p><p>social. (BOURDIEU, 2003b)</p><p>Como exemplo dessa esfera do mundo social, citamos o ambiente militar de</p><p>hegemonia masculina constituída. Gramsci (1978) conceitua hegemonia como o</p><p>domínio exercido pelo poder de um grupo sobre os demais, baseado mais no</p><p>consenso que no uso da força.</p><p>Entretanto, reforça-se que o domínio consentido que sustenta essa</p><p>hegemonia é construído pautado nas estruturas de poder e autoridade naturalizados</p><p>em nossa sociedade.</p><p>60</p><p>Esta naturalização do poder no campo militar advém de longo processo</p><p>histórico. Para a historiadora Michelle Perrot (1998), as mulheres encontram forte</p><p>resistência de atuação em três campos consolidados na Idade Média e que até hoje</p><p>estruturam boa parte das nossas relações sociais: o religioso, o político e o militar.</p><p>Destaca a socióloga que esses campos são “três santuários que fogem às</p><p>mulheres''. Núcleos de poder são os centros de decisão, real ou ilusória, ao mesmo</p><p>tempo em que símbolos da diferença dos sexos” (PERROT, 1998, p. 117).</p><p>Um dos fatores que constatam a diferença dos sexos, está na seleção</p><p>dos candidatos nos concursos públicos. Tomando por base os últimos</p><p>editais de inserção das mulheres na maioria das instituições militares,</p><p>é constatado que além de marcos introdutórios para o desempenho</p><p>da vida profissional da mulher nesta esfera pública, eles já possuem o</p><p>significado limitante, muito mais que isso, os editais são instrumentos</p><p>de exclusão de gênero institucionalizados.</p><p>Dessa forma, é relevante que se analise os seguintes questionamentos: o</p><p>acesso inicial para as Instituições Militares que</p><p>constituem o SUSP, no tocante ao</p><p>quantitativo de vagas é diferente para homens e mulheres, não obstante tal fato, o</p><p>acesso para os primeiros postos ou graduações são minoritariamente colocados para</p><p>o corpo feminino.</p><p>Mesmo sendo um assunto já pacificado na esfera judicial, já que o edital é</p><p>soberano aos olhos da lei, essa observação inicial na diferença do acesso profissional,</p><p>embasa a necessidade em analisarmos a inserção feminina nestes locais.</p><p>No entanto, ressalta-se que não apenas a limitação às vagas iniciais no acesso</p><p>que causa estranhamento à presença da profissional feminina, mas o engajamento,</p><p>visto que a política institucional voltada à profissional e as funções desempenhadas</p><p>são fatores limitantes para atuação profissional delas, como podemos vislumbrar nas</p><p>demais instituições integrantes do Sistema Único de Segurança Pública. Além disso,</p><p>mesmo com acesso inicial pautado na ampla concorrência, a representatividade no</p><p>61</p><p>tocante à percentual de profissionais, não significa a solução do enfrentamento às</p><p>violências de gênero sofridas pelas mulheres no ambiente policial.</p><p>Figura 18 – Assédio sexual sofrido nas instituições (em percentuais)</p><p>Fonte: https://www.sociedademilitar.com.br/2020/10/1-mais-de-70-dos-militares-do-sexo-feminino-</p><p>ja-sofreram-assedio-sexual-e-o-que-uma-mostra-pesquisa-realizada-por-dois-juizes.html.</p><p>É imperioso observar que o acesso das mulheres na segurança pública</p><p>efetivou-se mais amplamente em meados de 1980. Todavia, o divisor</p><p>de águas para estas Instituições, ou seja, “a ocupação por mulheres, dos</p><p>cargos mais altos de instituições de segurança pública em diversos</p><p>estados brasileiros deu-se a partir da primeira década do século XXI.”</p><p>(BRASIL, 2013)</p><p>Utilizamos a “Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública” com os</p><p>dados coletados em 2013, realizada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública</p><p>(Senasp) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para constatarmos esta</p><p>evidência. Ela está disponível no site do MJSP e os dados foram extraídos dos painéis</p><p>da pesquisa mencionada, cujo recorte refere-se aos recursos humanos institucionais,</p><p>diante disso as informações só corroboram o que foi levantado até aqui.</p><p>https://www.sociedademilitar.com.br/2020/10/1-mais-de-70-dos-militares-do-sexo-feminino-ja-sofreram-assedio-sexual-e-o-que-uma-mostra-pesquisa-realizada-por-dois-juizes.html</p><p>https://www.sociedademilitar.com.br/2020/10/1-mais-de-70-dos-militares-do-sexo-feminino-ja-sofreram-assedio-sexual-e-o-que-uma-mostra-pesquisa-realizada-por-dois-juizes.html</p><p>62</p><p>No Brasil, apenas 12% do efetivo da Polícia Militar é formado por mulheres.</p><p>São 357.501 pessoas do sexo masculino e 46.180 do sexo feminino entre praças e</p><p>oficiais. Com relação ao efetivo feminino dos Corpos de Bombeiros Militares, este</p><p>percentual vai para 13%, segundo a pesquisa existe 8.609 mulheres e 58.603 homens</p><p>que exercem a profissão. O estudo traz também o percentual com recorte de gênero</p><p>relacionado à Polícia Civil. Os dados informam que há 29.124 mulheres, policiais civis,</p><p>que equivalem a 27% do efetivo total. Na Policial Civil do Brasil, o efetivo masculino</p><p>equivale à 87% do total, sendo, de acordo com a pesquisa 58.603 pessoas do sexo</p><p>masculino que estão engajados nesta profissão.</p><p>Figura 19 - Reprodução/PMDF</p><p>Fonte: https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/brasil/mulheres-representam-apenas-12-do-efetivo-da-</p><p>policia-militar-no-brasil/.</p><p>A partir desta comprovação, quanto o maior número de profissionais homens</p><p>na segurança pública, indaga-se: qual a relação entre as violências de gênero sofridas</p><p>pelas policiais e militares, dentre as quais o assédio sexual, com o aspecto numérico</p><p>da maioria de homens nesse ambiente? Você terá a resposta desta pergunta na</p><p>próxima aula, assim como entenderá as consequências do assédio sexual.</p><p>https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/brasil/mulheres-representam-apenas-12-do-efetivo-da-policia-militar-no-brasil/</p><p>https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/brasil/mulheres-representam-apenas-12-do-efetivo-da-policia-militar-no-brasil/</p><p>63</p><p>AULA 4 - O ASSÉDIO NO TRABALHO E SUAS</p><p>CONSEQUÊNCIAS</p><p>Após as conquistas do público feminino em várias searas surgiu uma situação</p><p>antes desconhecida, típica do patriarcado ocidental, que seria a cultura de posicionar</p><p>institucionalmente o homem como superior à mulher, resultando em conduta</p><p>reconhecida como assédio. É erro acreditar que o assédio aconteça somente com</p><p>mulheres, mas elas são a parcela mais afetada. As mulheres possuem o</p><p>comportamento social completamente diferente do homem, de forma que a velha</p><p>cultura organizacional, ainda hoje presente em várias empresas e instituições, ainda</p><p>não se adequou a essa nova fase.</p><p>Atualmente, a problemática do assédio nas corporações ainda persiste e de</p><p>forma contundente, não à toa os números do assédio nas instituições da segurança</p><p>pública são expressivos, em torno de 23% em pesquisa realizada no ano de 2012</p><p>(MJSP - Mulheres nas Instituições de Segurança Pública, 2012) e trazem à tona o fato</p><p>de que o ambiente ainda não oferece segurança para as mulheres desempenharem</p><p>plenamente suas atribuições sem interesses outros.</p><p>Figura 20 - realidade de mais de metade das mulheres.</p><p>Fonte: https://averdade.org.br/2018/01/assedio-sexual-no-trabalho-realidade-de-mais-de-metade-das-</p><p>mulheres/.</p><p>https://averdade.org.br/2018/01/assedio-sexual-no-trabalho-realidade-de-mais-de-metade-das-mulheres/</p><p>https://averdade.org.br/2018/01/assedio-sexual-no-trabalho-realidade-de-mais-de-metade-das-mulheres/</p><p>64</p><p>Segundo Moraes (2017), o termo assédio, quando ligado a feminino ou</p><p>mulher, tem no imaginário das pessoas a conotação sexual, contudo o assédio pode</p><p>ser perpetrado de outras maneiras. Inicialmente descrito como atormentar, fustigar,</p><p>importunar, molestar, perseguir etc. Nos dias atuais, o assédio possui inúmeros</p><p>significados, que para Birman (2005) ele passou a ser quase toda conduta, com essa</p><p>imprecisão podendo ser vista quando várias pessoas se queixam de serem</p><p>assediadas, quando na verdade, sob o ponto de vista legal, estão configurados outros</p><p>tipos de crimes, como estupro, ato obsceno etc. e as vezes nenhum crime.</p><p>De fato, o termo assédio remete ao sentimento de importunação,</p><p>constrangimento, perseguição e desconforto, sendo que a maioria dos atos definidos</p><p>como assédio é despercebida no cotidiano, passando a ser uma conduta socialmente</p><p>aceita.</p><p>O assédio moral, também conhecido por mobbing, é tão antigo como</p><p>o próprio trabalho, foi caracterizado primeiro como a divisão irregular</p><p>do trabalho, mas com o passar do tempo, Hirigoyen (2014) englobou</p><p>outras definições, como gestos, palavras, comportamentos e atitudes</p><p>que repetidamente atente contra a dignidade ou integridade física</p><p>e/ou psíquica de um indivíduo.</p><p>Moraes (2017) ressalta ainda que o assédio moral é um tipo de violência</p><p>psicológica intencional visando prejudicar um indivíduo, de caráter repetitivo,</p><p>sistematizado e hostil, sendo dividido em quatro possibilidades: violência verbal,</p><p>física e sexual; isolamento e/ou incomunicabilidade; condição de trabalho</p><p>propositalmente alterada e atos contra a dignidade.</p><p>Inclusive, Hirigoyen (2014) também alerta para o fato de que o assédio se dá</p><p>entre todos os níveis, e não apenas “de cima para baixo”. O assédio horizontal é</p><p>aquele cometido por profissionais do mesmo nível, geralmente através da</p><p>intolerância de gênero, orientação sexual, racial ou religiosa. O assédio vertical</p><p>ascendente é raro e tido como uma resposta dos subordinados como resistência à</p><p>65</p><p>administração e insatisfação com a liderança. O mais comum, contudo, é o assédio</p><p>vertical descendente, sendo esse mais clássico.</p><p>Figura 21 - Níveis de assédio</p><p>Fonte: https://slideplayer.com.br/slide/10149957/.</p><p>Martins (2006) dissertou sobre o fenômeno do assédio dentro das</p><p>corporações</p><p>policiais militares, chegando à conclusão que o perfil do funcionário</p><p>público militar é comum a insatisfação dada as condições de trabalho nem sempre</p><p>adequadas, corroborado pela insegurança e o desgaste emocional, soma-se ainda a</p><p>falta de princípios claros para a questão ética dentro das instituições, de forma que o</p><p>assédio moral vertical descendente se dá, muitas vezes, encoberto pelas pedras</p><p>basilares das organizações: a hierarquia e a disciplina.</p><p>https://slideplayer.com.br/slide/10149957/</p><p>66</p><p>Figura 22 - assédio moral no âmbito organizacional.</p><p>Fonte: https://pt.linkedin.com/pulse/compreendendo-como-se-configura-o-ass%C3%A9dio-moral-e-</p><p>rog%C3%A9rio.</p><p>Além do mais, Martins (2006) ressalta ainda que mesmo o Código Penal</p><p>Militar não traz especificamente mecanismos para o combate ao assédio, de maneira</p><p>que pesquisou cinco processos de subordinados contra superiores envolvendo o</p><p>tema assédio na Corregedoria da Polícia Militar da Bahia, sendo observado que a</p><p>conduta típica, considerada pela vítima como assédio, foi apontada como repertório</p><p>do cotidiano militar, o comumente chamado “conflito interpessoal com comandante</p><p>direto”. Apenas um dos casos ensejou algum tipo de condenação.</p><p>Em seu artigo “O assédio moral entre mulheres policiais militares”,</p><p>Alves & França (2018) trazem à baila o fato de que o assédio é mais</p><p>comum em instituições com regras rígidas, como as instituições</p><p>militares, pois o autoritarismo impele ao comandante o poder de</p><p>designar seus subordinados para tarefas desagradáveis, trazendo</p><p>divergências no entendimento, um pensa ser prática comum que o</p><p>subordinado tem que realizar, o outro pensa ser uma atividade</p><p>construída especificamente para ele, de forma a depreciá-lo. Por isso,</p><p>https://pt.linkedin.com/pulse/compreendendo-como-se-configura-o-ass%C3%A9dio-moral-e-rog%C3%A9rio</p><p>https://pt.linkedin.com/pulse/compreendendo-como-se-configura-o-ass%C3%A9dio-moral-e-rog%C3%A9rio</p><p>67</p><p>é comum nessas instituições o assédio ser interpretado como</p><p>disciplina e hierarquia. Verifica-se ainda que existe, por parte dos</p><p>profissionais masculinos, uma cultura de assédio institucionalizada, em</p><p>detrimento das profissionais femininas, conforme pesquisa realizada</p><p>pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e a Fundação Getúlio</p><p>Vargas (FGV).</p><p>Figura 23 – Fim do assédio moral nas polícias militares, uma questão de direitos humanos</p><p>Fonte: https://ponte.org/fim-do-assedio-moral-nas-policias-militares-uma-questao-de-direitos-</p><p>humanos-artigo</p><p>Ilustração Junião / Ponte Jornalismo.</p><p>Embora o assédio moral seja assunto de extrema complexidade, visto as suas</p><p>vertentes se confundirem com aspectos do cotidiano das instituições patriarcalistas,</p><p>o assédio sexual já se encontra mais bem delineado pela literatura e a lei. O Código</p><p>Penal Brasileiro traz em seu art. 216-A a definição legal de assédio sexual, que é:</p><p>constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual,</p><p>prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência</p><p>inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função.</p><p>Vale ressaltar que segundo a doutrina legal, o assédio sexual pode ser</p><p>caracterizado mesmo que não exista o ato sexual com contato físico, podendo se</p><p>configurar com a extrema violência moral, em que a vítima é colocada em situação</p><p>https://ponte.org/fim-do-assedio-moral-nas-policias-militares-uma-questao-de-direitos-humanos-artigo</p><p>https://ponte.org/fim-do-assedio-moral-nas-policias-militares-uma-questao-de-direitos-humanos-artigo</p><p>68</p><p>vexatória e insegura, já que vislumbra a perda do emprego, cargo, a transferência ou</p><p>a limitação de direitos caso não aceite o assédio. Normalmente, o assédio é a</p><p>imposição da vontade do mais forte, podendo chegar até a dominação de um</p><p>indivíduo sobre os demais.</p><p>De acordo com Damian (2009), o assédio é um subproduto cultural, se</p><p>relativiza com valores, poder e comportamentos aceitos como normais nas relações</p><p>de gêneros. Historicamente o homem trata a mulher como coisa, um objeto, essa</p><p>herança da cultura patriarcal, fez com que várias escravas sofressem violência sexual</p><p>por parte de seus “donos”, esse comportamento ainda se reflete atualmente, embora</p><p>com menos intensidade. Segundo Souza (2013) a Organização Internacional do</p><p>Trabalho – OIT já realizou pesquisa onde ficou constatado que 52% das mulheres</p><p>economicamente ativas já sofreram assédio sexual.</p><p>De todas as formas, o assédio é conduta reprovável moral e eticamente pela</p><p>sociedade, com as conquistas das mulheres nos campos do emprego e da política, a</p><p>presença feminina é cada vez mais sólida e as relações de gênero, embora ainda</p><p>alicerçada no passado, tem sofrido diversas mudanças que trazem a importância da</p><p>diversidade nos ambientes de trabalho.</p><p>4.1 A conquista do trabalho e a experiência da mulher nas instituições</p><p>de segurança</p><p>Santos & Carmo (2016) dissertaram sobre a inserção histórica da mulher no</p><p>trabalho, concluindo que a evidência é de que até a primeira metade do Séc. XX, o</p><p>ocidente experimentou a divisão sexual do trabalho, com áreas destinadas aos homens</p><p>e áreas destinadas às mulheres, sendo essas geralmente secundárias e mal</p><p>remuneradas em relação às masculinas.</p><p>A construção do espaço feminino na Segurança Pública como ferramenta de</p><p>enfrentamento a uma consolidada cultura de aparente igualdade é necessária, posto</p><p>69</p><p>que a fala comum entre os diversos profissionais de ambos os gêneros reforça o</p><p>pensamento machista e potencialmente assediador quando se coloca que o</p><p>tratamento atribuído à mulher que exerce esta profissão é o mesmo atribuído ao</p><p>homem. Tradicionalmente, essas instituições são pautadas pela hierarquia de poder,</p><p>de formato próprio, com mecanismos intrínsecos de mediar as relações de obediência.</p><p>(LOPES e BRASIL, 2010, P.1)</p><p>Tabela 2 - Distribuição segundo a decisão das mulheres de realizar ou não a denúncia e os motivos</p><p>para fazê-lo segundo a ISP</p><p>Fonte: https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/2308/1/4mulheres-na-seguranca-publica.pdf.</p><p>Para que você entenda um pouco mais sobre o assédio inserido nas</p><p>Instituições de Segurança Pública, é preciso analisar a recente pesquisa</p><p>feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e a Fundação Getúlio</p><p>Vargas (FGV), que ouviu 13.055 policiais e demais profissionais da</p><p>segurança pública cadastrados na Rede Nacional de Educação a</p><p>https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/2308/1/4mulheres-na-seguranca-publica.pdf</p><p>70</p><p>Distância em Segurança Pública (Rede EaD Senasp). Desse universo,</p><p>39,2% das mulheres entrevistadas disseram já ter sofrido algum tipo</p><p>de assédio moral ou sexual dentro da instituição de trabalho, sentindo-</p><p>se desrespeitada ou coagida a dar consentimento a pedidos</p><p>constrangedores (As Mulheres nas Instituições Policiais, 2015 - FBSP,</p><p>FGV, Senasp).</p><p>Essa pesquisa fornece ainda mais outros dados sobre o que as mulheres</p><p>enfrentam em sua rotina profissional. Por exemplo, o fato de que 65% das mulheres</p><p>policiais nunca exercerem uma atividade fora da sua profissão e 75,4% delas serem</p><p>responsáveis pelas tarefas domésticas em seu tempo livre. Enquanto isso, 50% dos</p><p>policiais homens “exercem outra atividade remunerada ocasionalmente ou sempre”.</p><p>Assim como, o dado que apenas 39,7% das policiais dizem ter colete à prova de balas</p><p>com modelagem apropriada à sua anatomia e 43,3% relatam não ter equipamento de</p><p>proteção individual (EPI) apropriado à disposição.</p><p>A dificuldade se estende para as oportunidades apresentadas às mulheres</p><p>dentro das corporações. Enquanto 76,8% das mulheres policiais possuem ensino</p><p>superior completo e/ou pós-graduação, entre os homens essa estimativa cai para</p><p>56,7%. Ainda assim, 38% dos policiais homens acreditam que as mulheres trocam</p><p>favores sexuais para ascender dentro da carreira. Um dado ainda pior: 40,4% das</p><p>mulheres concordam com a afirmação.</p><p>O tema mais difícil de</p><p>ser tocado é o assédio. Quase 40% das policiais mulheres</p><p>que responderam ao questionário, 39,2% delas dizem já ter experimentado assédio</p><p>moral ou sexual dentro da sua instituição de trabalho. Dessas, 74,1% dizem que o</p><p>assédio partiu de um superior hierárquico e apenas 11,8% delas afirmam ter registrado</p><p>queixa.</p><p>https://forumseguranca.org.br/storage/publicacoes/FBSP_Mulheres_instituicoes_policiais_2015.pdf</p><p>71</p><p>Esse cenário construído pela pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança</p><p>Pública e a Fundação Getúlio Vargas (2015)5 é o retrato fiel e acabado do convívio</p><p>social encontrado nas instituições da segurança pública, reunindo os dados, na média,</p><p>temos uma mulher mais dedicada ao serviço, com maior conhecimento acadêmico,</p><p>mas cotidianamente assediada em todas as suas espécies e discriminada por suas</p><p>próprias companheiras, que perpetuam o comportamento masculino no que se refere</p><p>ao assédio sexual. Nesse sentido, esta questão será aprofundada a seguir.</p><p>4.2 O assédio sexual nas Instituições de Segurança Pública do Brasil</p><p>Atualmente, a problemática do assédio nas corporações ainda persiste</p><p>e de forma contundente, não à toa os números do assédio relatados a</p><p>partir de pesquisas sobre o tema nas instituições da segurança pública</p><p>são expressivos, e trazem à tona o fato de que o ambiente ainda não</p><p>oferece segurança para as mulheres desempenharem plenamente</p><p>suas atribuições sem interesses outros.</p><p>Fiorio (2011) ressalta que no Brasil é relativamente recente o estudo do</p><p>assédio, porém o tema tem permeado as preocupações sociais por parte das</p><p>autoridades. A forma mais usual de assédio praticada no ambiente de trabalho é o</p><p>assédio moral. O assédio moral consiste em ofender, atacar ou diminuir os direitos</p><p>personalíssimos de um indivíduo, ou seja, a intimidade, os valores individuais, como</p><p>a imagem, a honra e a liberdade. (HIRIGOYEN, 2003).</p><p>Desse modo, Guedes (2003) conceituou o assédio moral como o abuso de</p><p>poder sobre a pessoa, geralmente com o intuito de manipulação ou exposição a</p><p>situações humilhantes e/ou constrangedoras, geralmente de longa duração,</p><p>5 As mulheres nas Instituições policiais, disponível em:</p><p>https://forumseguranca.org.br/storage/publicacoes/FBSP_Mulheres_instituicoes_policiais_2015.pdf</p><p>https://forumseguranca.org.br/storage/publicacoes/FBSP_Mulheres_instituicoes_policiais_2015.pdf</p><p>72</p><p>predominantemente em relações de trabalho hierarquizadas, autoritárias e não</p><p>éticas.</p><p>Colaborando com o este pensamento, é notório que as instituições militares</p><p>são substancialmente hierarquizadas, logo Hirigoyen entendendo a peculiaridade</p><p>destas instituições, aponta os desafios dos problemas relacionados ao assédio moral</p><p>neste campo:</p><p>A instituição militar, mais que os demais órgãos públicos, é prolixa em textos</p><p>e comunicados escritos, mas recusa toda comunicação que não seja</p><p>hierárquica. Os militares são arraigados ao dever de reserva e discrição e não</p><p>têm nenhum meio de se justificar em caso de críticas ou de assédio moral</p><p>vindo da hierarquia. Se eles se queixam, é a instituição militar inteira que se</p><p>sente ameaçada. (HIRIGOYEN, 2002, p. 136)</p><p>Nesse sentido, Santos e Carmo (2017) dissertaram que o assédio também</p><p>ocorre de outras formas, não raro existem casos de assédio sexual, principalmente,</p><p>em face do costume social e da absoluta maioria dos homens no ambiente de</p><p>trabalho. Esse comportamento é bastante antigo e por vezes reportado pelos homens</p><p>como normal, contudo, Rebelo (2008) afirma que na verdade esse comportamento</p><p>decorre da desigualdade histórica entre homens e mulheres tanto nos núcleos</p><p>familiares como sociais.</p><p>Assim sendo, Glockner (2004) acrescentou ainda que a conduta do assédio</p><p>pode ser através de gestos, palavras, comportamentos e atitudes que violam a</p><p>intimidade, a integridade física e psicológica ou ainda que degradam ou criam</p><p>condições impeditivas no ambiente de trabalho.</p><p>Dias aponta que as mulheres são as vítimas preferenciais tanto do assédio</p><p>sexual quanto moral. Assim como a maioria dos eventos que envolvem a violência de</p><p>gênero, quando ocorre o assédio consecutivo a isso ocorre um silenciamento dos</p><p>casos, já que poucos são os registros formalizados e muitas histórias de sofrimento e</p><p>dor escondidas.</p><p>Para Soares (2019, p. 97), o ambiente militar se sobressai, pois está marcado</p><p>pela estrutura hierárquica, no qual as mulheres representam uma minoria e onde o</p><p>73</p><p>ethos guerreiro e atributos como força física e virilidade são estruturantes das</p><p>relações sociais e de poder.</p><p>Para entendermos um pouco mais sobre o assédio inserido nas</p><p>Instituições de Segurança Pública, analisamos, à priori, a pesquisa “As</p><p>mulheres nas Instituições Policiais” – realizada pelo Núcleo de</p><p>Estudos em Organizações e Pessoas da Fundação Getúlio Vargas em</p><p>parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança (FGV,2010). Nesta</p><p>pesquisa, foi alcançado o universo de 13.055 policiais, militares e</p><p>demais profissionais da segurança pública cadastrados na Rede de</p><p>Ensino à Distância da Secretaria Nacional de Segurança Pública do</p><p>Ministério da Justiça (SENASP /MJSP).</p><p>Do perfil analisado, 39,2% das mulheres entrevistadas disseram já ter</p><p>sofrido algum tipo de assédio moral ou sexual dentro da instituição</p><p>de trabalho, sentindo-se desrespeitada ou coagida a dar</p><p>consentimento. Filtrando o percentual anteriormente colocado,</p><p>25,5% das mulheres entrevistadas afirmaram que sofreram assédio</p><p>sexual e 74.5% o assédio moral. Dessas, 74,1% afirmam que o assédio</p><p>partiu de um superior hierárquico. Para consolidar a violência</p><p>silenciada, apenas 11,8% delas relatam ter registrado queixa.</p><p>Percebe-se ainda o preconceito velado sofrido por estas profissionais</p><p>ao analisarmos as estatísticas da referida pesquisa de maneira mais</p><p>detalhada, como por exemplo, no fato de que 39.7% das mulheres</p><p>policiais e militares afirmaram que comentários inapropriados sobre</p><p>orientação sexual e gênero ocorrem frequentemente no ambiente do</p><p>trabalho e 62,9% delas afirmam que já experimentaram</p><p>pessoalmente comentários inapropriados ou sexuais no serviço.</p><p>74</p><p>Para evidenciar que pouco mudou sobre esse tema nas corporações foi</p><p>realizada, em agosto de 2020, a pesquisa “Assédio Sexual nas Instituições Policiais e</p><p>Militares6”, sendo promovida pelos Juízes Federais Mariana Aquino e Rodrigo</p><p>Foureaux.</p><p>Gráfico 2 - Posições ocupadas pelas mulheres que sofreram assédio (PM, CBM e Forças Armadas)</p><p>Fonte: Elaborada pelos autores (2020). https://www.sociedademilitar.com.br/2020/10/1-mais-de-70-</p><p>dos-militares-do-sexo-feminino-ja-sofreram-assedio-sexual-e-o-que-uma-mostra-pesquisa-realizada-</p><p>por-dois-juizes.html.</p><p>Os dados apontam que 70% das mulheres militares já sofreram assédio</p><p>sexual. Segundo apurado 83% das mulheres assediadas não denunciaram a situação</p><p>às instituições, principalmente, por “não acreditarem na instituição”, “medo de</p><p>represália”, “medo de se expor ou de atrapalhar a carreira”. De fato, a pesquisa</p><p>revelou que a maioria das mulheres que denunciou o assédio sofreu represália e o</p><p>assediador não foi punido.</p><p>6 https://atividadepolicial.com.br/campanha-nacional-das-10-medidas-contra-o-assedio-sexual</p><p>https://www.sociedademilitar.com.br/2020/10/1-mais-de-70-dos-militares-do-sexo-feminino-ja-sofreram-assedio-sexual-e-o-que-uma-mostra-pesquisa-realizada-por-dois-juizes.html</p><p>https://www.sociedademilitar.com.br/2020/10/1-mais-de-70-dos-militares-do-sexo-feminino-ja-sofreram-assedio-sexual-e-o-que-uma-mostra-pesquisa-realizada-por-dois-juizes.html</p><p>https://www.sociedademilitar.com.br/2020/10/1-mais-de-70-dos-militares-do-sexo-feminino-ja-sofreram-assedio-sexual-e-o-que-uma-mostra-pesquisa-realizada-por-dois-juizes.html</p><p>https://globoplay.globo.com/v/4071659/</p><p>https://atividadepolicial.com.br/campanha-nacional-das-10-medidas-contra-o-assedio-sexual/</p><p>75</p><p>Mediante o exposto, esse cenário construído a partir dos dados</p><p>coletados</p><p>pelas pesquisas só mostram que esforços devem ser feitos</p><p>para erradicar com os casos de assédio ocorridos no convívio social</p><p>encontrado nas Instituições de Segurança Pública.</p><p>FINALIZANDO...</p><p>No Módulo 2 você estudou que:</p><p>• Segundo Capelle (2006), as forças policiais e militares possuem</p><p>uma cultura organizacional que tendem a cultuar a</p><p>masculinidade, a qual incluem um ideal de herói e um perfil</p><p>combativo diretamente atribuído aos homens.</p><p>• No início, a participação das mulheres na segurança pública</p><p>visava, dessa maneira, entre outros objetivos, suavizar os</p><p>contornos autoritários dos órgãos de segurança ao fazer uso de</p><p>estratégias focadas no uso social da imagem da mulher em</p><p>campanhas midiáticas e na presença obrigatória em</p><p>solenidades públicas.</p><p>• Para falar sobre violência de gênero nas Instituições policiais e</p><p>militares, é necessário que o ponto de partida seja a</p><p>compreensão da cultura, da formação social e estrutural</p><p>existente neste campo profissional.</p><p>76</p><p>• Atualmente, a problemática do assédio nas corporações ainda</p><p>persiste e de forma contundente, não à toa os números do</p><p>assédio nas instituições da segurança pública são expressivos</p><p>77</p><p>MÓDULO 3 – O ASSÉDIO SEXUAL NA LEGISLAÇÃO</p><p>INTERNACIONAL E NACIONAL</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Neste módulo mergulharemos no panorama das legislações nacionais e</p><p>internacionais sobre o tema do assédio sexual, inclusive proteção aos direitos</p><p>humanos.</p><p>OBJETIVOS</p><p>• Refletir sobre como o assédio sexual praticado contra as mulheres</p><p>é uma forma de violação aos direitos;</p><p>• Conhecer o que diz a cartilha do Conselho Nacional do Ministério</p><p>Público sobre assédio moral e sexual;</p><p>• Conhecer a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra</p><p>as Mulheres;</p><p>• Reconhecer como se dá a tipificação penal do crime de assédio</p><p>sexual no Brasil.</p><p>78</p><p>AULA 1 - A PROTEÇÃO INTERNACIONAL E NACIONAL AOS DIREITOS</p><p>HUMANOS COMO FORMA DE COMBATE AO ASSÉDIO SEXUAL.</p><p>ESTAMOS EVOLUINDO?</p><p>Após a Segunda Guerra Mundial, em razão das barbáries cometidas contra a</p><p>humanidade, o mundo começou a se voltar para a proteção dos direitos humanos. A</p><p>Declaração Universal dos Direitos do Humanos (DUDH) de 1948 foi o primeiro</p><p>documento internacional que criou obrigações e responsabilidades para os Estados</p><p>em relação às pessoas sujeitas a sua jurisdição, priorizando a paz e o respeito aos seres</p><p>humanos.</p><p>O direito internacional dos Direitos Humanos tem como pressuposto básico o</p><p>fato de que não só os Estados têm a obrigação de respeitar os direitos humanos de</p><p>seus cidadãos, como também todas as comunidades internacionais têm o direito e a</p><p>obrigação de protestar contra um Estado que viola os direitos humanos7. Ou seja, os</p><p>direitos humanos devem ser protegidos não só pelo Estado sede da pessoa sujeita à</p><p>violação, mas pela comunidade internacional como um todo.</p><p>A Constituição Federal de 1988, de caráter extremamente</p><p>democrático, institucionalizou os Direitos Fundamentais e os Direitos</p><p>Humanos, elevando as normas provenientes de Tratados</p><p>Internacionais de Direitos Humanos à categoria de Direitos</p><p>Fundamentais elencados no artigo 5º, sendo inclusive de</p><p>aplicabilidade imediata, consoante dispõe o parágrafo primeiro do</p><p>mesmo artigo 5º. 8</p><p>7 CASSASE, Antonio. Human rights in a changing world. Philadelphia: Temple University Press, 1990,</p><p>pp.38-39.</p><p>8 Art. 5º (...)</p><p>§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata.</p><p>79</p><p>Nos últimos anos, muitos são os impactos dos tratados de direitos humanos</p><p>nos ordenamentos jurídicos dos Estados, que sentiram a pressão externa para</p><p>harmonizar suas legislações internas aos tratados.</p><p>No que diz respeito especificamente à proteção dos direitos das mulheres,</p><p>podemos dizer que a Constituição de 1988 deu largos passos quanto à proteção dos</p><p>direitos das mulheres. Ao ser elaborada após o período da ditadura, em que a violação</p><p>aos direitos das mulheres foi praticada de forma absurda e escancarada, com</p><p>submissão das mulheres a torturas por meio de assédios, abusos, estupros e ataques</p><p>físicos e psicológicos, com efeito o texto constitucional de 88 reflete a mobilização das</p><p>mulheres, que estruturaram propostas para a nova Constituição e que foram</p><p>apresentadas ao Congresso Constituinte sob o título Carta das Mulheres Brasileiras.</p><p>Dessa maneira, fora assegurado pelo texto constitucional a igualdade entre</p><p>homens e mulheres – artigo 5º, caput e inciso I, bem como a igualdade dos direitos e</p><p>deveres de homens e mulheres perante a sociedade conjugal e ainda que o Estado</p><p>assegurará assistência à família na pessoa de cada um que a integram, criando</p><p>mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações – artigo 226, parágrafos</p><p>5º e 8º, com a seguinte redação:</p><p>Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,</p><p>garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a</p><p>inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à</p><p>propriedade, nos termos seguintes:</p><p>I - Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta</p><p>Constituição;</p><p>Art. 226.</p><p>(...) § 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos</p><p>igualmente pelo homem e pela mulher.</p><p>(...) § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos</p><p>que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas</p><p>relações. (BRASIL, 1998)</p><p>Em 1995, o Brasil ratificou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e</p><p>Erradicar a violência contra a mulher – Convenção Belém do Pará, cujo preâmbulo</p><p>afirma que “a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e</p><p>https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/constituicao-cidada/a-constituinte-e-as-mulheres/arquivos/Constituinte%201987-1988-Carta%20das%20Mulheres%20aos%20Constituintes.pdf</p><p>https://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/a-61.htm</p><p>https://www.oas.org/juridico/portuguese/treaties/a-61.htm</p><p>80</p><p>liberdades fundamentais e limita total ou parcialmente a observância, gozo e exercício</p><p>de tais direitos e liberdades”. Consta do artigo 1º desta convenção9:</p><p>Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher</p><p>qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou</p><p>sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública</p><p>como na esfera privada. (Artigo 1º, Decreto nº 1973/1996)</p><p>Os artigos 7º e 8º da Convenção de Belém do Pará descrevem os deveres dos</p><p>Estados que a subscrevem, cabendo aqui destacar os seguintes deveres, essenciais à</p><p>concretização da proteção da mulher contra qualquer tipo de violência (inclusive</p><p>sexual):</p><p>Artigo 7</p><p>Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a</p><p>mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora,</p><p>políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se</p><p>em:</p><p>a. abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher</p><p>e velar para que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como</p><p>agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação;</p><p>(...)</p><p>c. incorporar na sua legislação interna normas penais, civis,</p><p>administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir</p><p>e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas</p><p>administrativas adequadas que forem aplicáveis;</p><p>(...)</p><p>e. tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para</p><p>modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas</p><p>ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência</p><p>contra a mulher;</p><p>(...)</p><p>g. estabelecer mecanismos judiciais e administrativos</p><p>necessários</p><p>para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a</p><p>restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e</p><p>eficazes;</p><p>(...)</p><p>9 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm</p><p>https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm</p><p>81</p><p>Artigo 8</p><p>Os Estados Partes convêm em adotar, progressivamente, medidas</p><p>específicas, inclusive programas destinados a:</p><p>a. promover o conhecimento e a observância do direito da mulher a</p><p>uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam</p><p>seus direitos humanos;</p><p>b. modificar os padrões sociais e culturais de conduta de homens e</p><p>mulheres, inclusive a formulação de programas formais e não formais</p><p>adequados a todos os níveis do processo educacional, a fim de combater</p><p>preconceitos e costumes e todas as outras práticas baseadas na premissa da</p><p>inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis</p><p>estereotipados para o homem e a mulher, que legitimem ou exacerbem a</p><p>violência contra a mulher;</p><p>c. promover a educação e treinamento de todo o pessoal judiciário</p><p>e policial e demais funcionários responsáveis pela aplicação da lei, bem como</p><p>do pessoal encarregado da implementação de políticas de prevenção, punição</p><p>e erradicação da violência contra a mulher;</p><p>[...] (BRASIL, 1988, grifo nosso)</p><p>Bem se vê que o texto da Convenção é claro no que diz respeito à adoção de</p><p>medidas legais, judiciais e administrativas visando combater a violência às mulheres,</p><p>devendo inclusive promover a modificação de padrões culturais para combater</p><p>preconceitos e costumes que legitimam a violência contra a mulher.</p><p>Em vista disso, dando mais um importante passo na proteção da mulher, o</p><p>Estado Brasileiro promulgou a Lei Maria da Penha em 07 de agosto de 2006 – Lei nº</p><p>11.340. É crucial registrar que a Lei Maria da Penha é resultado de sanções impostas</p><p>ao Estado Brasileiro pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH após</p><p>denúncia motivada pelo descaso policial e jurídico com o histórico de violência</p><p>constante a que fora submetida Maria da Penha pelo seu esposo, que culminou com</p><p>tentativas de homicídio que a deixaram paraplégica. O agressor foi denunciado em</p><p>1983 e somente em 2002, após a intervenção da CIDH, foi preso.</p><p>Em razão da denúncia referida, que foi feita em 1998, a CIDH reconheceu a</p><p>negligência e omissão do Estado Brasileiro em relação à violência doméstica a que fora</p><p>submetida a Sra. Maria da Penha durante anos, sem que fossem adotadas medidas</p><p>82</p><p>efetivas pelas autoridades competentes. A CIDH recomendou ao Brasil, fundamentada</p><p>nos artigos 7 e 8 da Convenção de Belém do Pará, que adotasse as seguintes medidas</p><p>de combate à violência doméstica, em abril de 2001:</p><p>a) Medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e</p><p>policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar</p><p>a violência doméstica;</p><p>b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser</p><p>reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido</p><p>processo;</p><p>c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de</p><p>solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito</p><p>à sua gravidade e às consequências penais que gera;</p><p>d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos</p><p>direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários à efetiva</p><p>tramitação e investigação de todas as denúncias de violência doméstica, bem</p><p>como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes</p><p>judiciais.</p><p>e) Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à</p><p>compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos</p><p>reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem como ao manejo dos</p><p>conflitos intrafamiliares.</p><p>Portanto, se percebe que através da reforma legislativa, os centros de apoio à</p><p>mulher vítima de violência e as delegacias especializadas, dentre outras ações, são fruto</p><p>da coragem e do inconformismo de uma mulher, que passou uma vida submetida à</p><p>violência doméstica, mas que, mesmo diante de tanta negligência e omissão do Estado,</p><p>que devia protegê-la, buscou ajuda internacional e mudou o curso da sua história e da</p><p>história de muitas outras mulheres, a despeito de estarmos ainda longe do ideal de</p><p>proteção da mulher contra violência.</p><p>Em 2011, foi lançada pela Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência</p><p>contra as Mulheres – Secretaria de Políticas para as Mulheres, a Política Nacional de</p><p>Enfrentamento à Violência contra as mulheres10, assim definida:</p><p>10</p><p>BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. Política Nacional de Enfretamento à Violência</p><p>contra as mulheres. Brasília: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2011. Disponível em:</p><p>83</p><p>A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres tem por</p><p>finalidade estabelecer conceitos, princípios, diretrizes e ações de prevenção e</p><p>combate à violência contra as mulheres, assim como de assistência e garantia</p><p>de direitos às mulheres em situação de violência, conforme normas e</p><p>instrumentos internacionais de direitos humanos e legislação nacional. Além</p><p>disso, está estruturada a partir do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres</p><p>(PNPM), elaborado com base na I Conferência Nacional de Políticas para as</p><p>Mulheres, realizada em 2004 pela Secretaria de Políticas para as Mulheres</p><p>(SPM) e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM)11.</p><p>Importante aqui observarmos que, ao conceituar a violência contra as</p><p>mulheres, a cartilha que dispõe sobre a Política Nacional ora citada inclui o assédio</p><p>sexual como uma das formas de violência contra a mulher:</p><p>O conceito de violência contra as mulheres, adotado pela Política Nacional,</p><p>fundamenta-se na definição da Convenção de Belém do Pará (1994), segundo</p><p>a qual a violência contra a mulher constitui “qualquer ação ou conduta,</p><p>baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou</p><p>psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (Art. 1°).</p><p>A definição é, portanto, ampla e abarca diferentes formas de violência contra</p><p>as mulheres, tais como:</p><p>A violência doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o</p><p>agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher,</p><p>compreendendo, entre outras, as violências física, psicológica, sexual, moral e</p><p>patrimonial (Lei nº 11.340/2006);</p><p>A violência ocorrida na comunidade e que seja perpetrada por qualquer</p><p>pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, tráfico</p><p>de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de</p><p>trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde</p><p>ou qualquer outro lugar;</p><p>A violência perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer</p><p>que ocorra (violência institucional).</p><p>Bem se vê que o assédio sexual praticado contra as mulheres é uma forma de</p><p>violação aos direitos humanos e que a violência praticada ou “tolerada” pelos agentes</p><p>do Estado configura-se como violência institucional, devendo ser adotadas Políticas</p><p>Públicas adequadas para combater tanto a ação quanto a omissão dos agentes do</p><p>estado.</p><p>https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/politica-nacional-de-enfrentamento-a-violencia-</p><p>contra-as-mulheres</p><p>11 Idem, p. 9.</p><p>https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/politica-nacional-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres</p><p>https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/politica-nacional-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres</p><p>84</p><p>Desse modo, em se tratando de uma violência praticada no ambiente de</p><p>trabalho ou em decorrência deste, a Organização Internacional</p><p>do Trabalho - OIT vem</p><p>tomando providências no sentido de combater tal prática. A OIT conceitua assédio</p><p>sexual da seguinte maneira:</p><p>(…) toda conduta não desejada ou inoportuna de caráter sexual, no local de</p><p>trabalho ou em relação ao trabalho, que faça com que a pessoa (…) se sinta</p><p>humilhada, coagida, discriminada ou insultada. Pode considerar-se assédio</p><p>sexual o comportamento sexual coercitivo utilizado para controlar, influir ou</p><p>afetar o emprego, a carreira ou a situação de uma pessoa (…).12</p><p>Em 10 de junho de 2019, durante a 108ª Sessão da Conferência Internacional</p><p>do Trabalho, que ocorreu em Genebra foi aprovada a Convenção 190 da OIT, que trata</p><p>sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. A Convenção 190</p><p>da OIT reconhece que a violência e o assédio nas relações laborais violam os direitos</p><p>humanos, ameaçam a igualdade de oportunidades e são incompatíveis com o trabalho</p><p>decente. Sem contar que comprometem o meio ambiente do trabalho, afetando a</p><p>organização do labor, o desenvolvimento sustentável, as relações pessoais, a</p><p>produtividade e a qualidade dos serviços, em especial, impedindo as mulheres o livre</p><p>acesso ao mercado de trabalho e, quando o acessam, são tolhidas na permanência e</p><p>progressão profissionais.</p><p>Na Convenção 190 contém um roteiro para prevenir e combater a violência e</p><p>o assédio no mundo do trabalho. O texto oficial da Convenção foi transcrito em inglês</p><p>e ainda não traduzido oficialmente para o português, mas, em razão da importância</p><p>dos conceitos e princípios estabelecidos em prol de um ambiente de trabalho seguro</p><p>e saudável, é necessário examinarmos alguns trechos da Convenção. Isto é, o art. 1º,</p><p>na versão oficial em inglês, conceitua a violência e o assédio no mundo do trabalho</p><p>(violence and harassment in the world of work):</p><p>A range of unacceptable behaviors and practices, or threats thereof, whether</p><p>a single occurrence or repeated, that aim at, result in, or are likely to result in</p><p>12 Anexo n. 1. Convenção coletiva para prevenção e solução de reclamações em matéria de assédio</p><p>firmada entre a OIT e Sindicado. Art. 12 0 n. 2.9b.</p><p>https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/genericdocument/wcms_729459.pdf</p><p>85</p><p>physical, psychological, sexual or economic harm, and includes gender-based</p><p>violence and harassment13.</p><p>Em não havendo tradução oficial para a língua portuguesa,</p><p>podemos traduzir a definição acima como “Um conjunto de comportamentos e práticas</p><p>inaceitáveis, ou ameaças de tais comportamentos e práticas, que se manifestam apenas</p><p>uma vez ou repetidamente, que objetivam causar, causam ou são suscetíveis de causar</p><p>danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos, incluída a violência e o assédio em</p><p>razão de gênero” (tradução nossa).</p><p>Pode-se observar que a Convenção utiliza o conceito amplo “mundo do</p><p>trabalho” para abranger não só as práticas inaceitáveis ocorridas no ambiente físico de</p><p>trabalho, como também fora dele. Ainda, reconhecendo que a violência e o assédio</p><p>afetam de forma desproporcional as mulheres, a Convenção 190 da OIT prevê medidas</p><p>específicas para combater a violência e o assédio de gênero (Preâmbulo, artigos 1º, 4º,</p><p>5º e 10º).</p><p>Claiz Maria Pereira e Rodolfo Pamplona14 assim comentam a conceituação</p><p>acima:</p><p>a) a violência e o assédio são tratados de forma conjunta;</p><p>b) é utilizada a expressão world of work, na versão em inglês, ao invés de</p><p>workplace (local de trabalho), possibilitando-se um maior alcance das</p><p>disposições convencionais;</p><p>c) uma única manifestação é suficiente para sua configuração; e</p><p>d) é conferido um tratamento especial à violência e ao assédio em razão de</p><p>gênero. Nesse sentido, cabe examinar as inovações conceituais previstas no</p><p>art. 1º da Convenção 190 da OIT.</p><p>13 INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. International Labour Conference. Standard Setting</p><p>Committee: violence and harassment in the world of work, 2019 (No. 190). Disponível em:</p><p><https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_norm/---relconf/documents/meetingdocume</p><p>nt/wcms_711570.pdf>. Acesso em 28/04/2021.</p><p>14 CONVENÇÃO 190 DA OIT: VIOLÊNCIA E ASSÉDIO NO MUNDO DO TRABALHO Claiz Maria Pereira</p><p>Gunça dos Santos1 Rodolfo Pamplona Filho2, academia brasileira de direito do Trabalho, disponível em:</p><p>file:///C:/Users/analuisa.trindade/Documents/ANALUISA/CONTEUDISTAS/Conven%C3%A7%C3%A3o%</p><p>20190%20da%20OIT.04.09.2019%20-%20Rodolfo-</p><p>%20Ass%C3%A9dio%20Sexual%20no%20Trabalho.pdf</p><p>file:///C:/Users/analuisa.trindade/Documents/ANALUISA/CONTEUDISTAS/Convenção%20190%20da%20OIT.04.09.2019%20-%20Rodolfo-%20Assédio%20Sexual%20no%20Trabalho.pdf</p><p>file:///C:/Users/analuisa.trindade/Documents/ANALUISA/CONTEUDISTAS/Convenção%20190%20da%20OIT.04.09.2019%20-%20Rodolfo-%20Assédio%20Sexual%20no%20Trabalho.pdf</p><p>file:///C:/Users/analuisa.trindade/Documents/ANALUISA/CONTEUDISTAS/Convenção%20190%20da%20OIT.04.09.2019%20-%20Rodolfo-%20Assédio%20Sexual%20no%20Trabalho.pdf</p><p>86</p><p>É relevante observar que a Convenção 190 da OIT estabelece importantes</p><p>obrigações para os Estados Membros no sentido de adotar medidas eficazes no</p><p>combate à violência e ao assédio no “mundo do trabalho”, como se vê dos artigos 6º,</p><p>7º e 9º, abaixo traduzidos:</p><p>Art. 6º - Todo Membro deve adotar legislação e políticas que garantam o</p><p>direito de igualdade e não-discriminação no emprego e na ocupação,</p><p>incluindo mulheres trabalhadoras, bem como trabalhadores e outras pessoas</p><p>pertencentes a um ou mais grupos vulneráveis, ou grupos vulneráveis que são</p><p>desproporcionalmente afetados pela violência e assédio no mundo do</p><p>trabalho.</p><p>Art. 7º - Sem prejuízo do artigo 1º e em conformidade com as suas</p><p>disposições, todo Membro deverá adotar uma legislação que defina e proíba</p><p>a violência e o assédio no mundo do trabalho, incluindo violência baseada em</p><p>gênero e assédio.</p><p>Art. 9º - Todo Membro deverá adotar uma legislação que exija que os</p><p>empregadores adotem medidas apropriadas e consistentes com o seu grau</p><p>de controle para prevenir a violência e o assédio no mundo do trabalho,</p><p>incluindo a violência baseada no gênero e o assédio.</p><p>Em conformidade cos tratados internacionais citados acima, bem como em</p><p>outros que tratam de direitos humanos, são encontrados diversos mecanismos que</p><p>podem ser adotados pelos Estados no combate à prática do assédio sexual. Os Estados</p><p>que subscrevem tratados internacionais de direitos humanos assumem as obrigações</p><p>ali definidas e devem adotá-las na defesa dos direitos humanos protegidos.</p><p>No caso do Estado Brasileiro, a Constituição Federal, assim dispõe sobre os</p><p>tratados internacionais de direitos humanos:</p><p>Art. 5º. (omissis)</p><p>§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que</p><p>forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por</p><p>três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às</p><p>emendas constitucionais.</p><p>Ou seja, uma vez aprovados pelo Congresso Nacional em dois turnos - Senado</p><p>e Câmara dos Deputados - os tratados de direitos internacionais entram no</p><p>ordenamento jurídico com status de norma constitucional e gozando de aplicabilidade</p><p>87</p><p>imediata, como expressamente prevê o parágrafo primeiro do mesmo artigo 5º, que</p><p>determina que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm</p><p>aplicação imediata”.</p><p>Na prática, isso significa que, independentemente de legislação nacional</p><p>específica, qualquer obrigação prevista em um tratado internacional de direitos</p><p>humanos não observada pelo Estado Brasileiro pode ser reclamada pelas cidadãs e</p><p>pelos cidadãos brasileiros que se sentirem prejudicados pela inobservância da norma,</p><p>inclusive judicialmente e perante os Tribunais Internacionais. Foi essa a postura</p><p>adotada pela Sra. Maria da Penha, que resultou na Lei Maria da Penha, acima já citada,</p><p>e que se constitui em um marco na proteção das mulheres frente às inúmeras</p><p>................................................................................................................... 136</p><p>3.5. Casas da Mulher Brasileira ............................................................................................................ 136</p><p>3.6. Centros de Referência de Atendimento à Mulher – CEAM .......................................................... 138</p><p>3.7. Ministério Público do Ceará - Núcleo de Atendimento às Vítimas de violência. .......................... 140</p><p>AULA 4. REDES SOCIAIS: ESPAÇO DE FALA E UNIÃO DAS MULHERES. ................................................ 141</p><p>4.1. Campanha Sinal Vermelho ............................................................................................................ 141</p><p>4.2. Somos Todas Marias. .................................................................................................................... 143</p><p>4.3. Movimento #METOO .................................................................................................................... 144</p><p>FINALIZANDO ....................................................................................................................................... 147</p><p>MÓDULO 5 – O ASSÉDIO: IDENTIFICAR E COMBATER ......................................................................... 148</p><p>APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................... 148</p><p>OBJETIVOS ............................................................................................................................................ 148</p><p>AULA 1 - “ISSO O QUE EU VIVI FOI ASSÉDIO?” .................................................................................... 149</p><p>AULA 2 - QUAL FOI O ASSÉDIO QUE EU SOFRI? .................................................................................. 151</p><p>2.1 - Assédio Moral .............................................................................................................................. 152</p><p>2.2. Assédio Sexual ............................................................................................................................... 154</p><p>AULA 3 - DE ONDE VEM ESSE HORROR ÀS MULHERES? ..................................................................... 159</p><p>AULA 4 - SILENCIAMENTO COMO FORMA DE GUERRA ...................................................................... 162</p><p>AULA 5 - HISTÓRIAS DE ASSÉDIO ........................................................................................................ 172</p><p>5.1 - A domesticação do trabalho ........................................................................................................ 172</p><p>5.2 - O que pode fazer uma mulher? ................................................................................................... 173</p><p>5.3 - Não é elogio, é assédio! ............................................................................................................... 175</p><p>5.4 - Agressões e culpabilização da vítima ........................................................................................... 176</p><p>5.5 - A denúncia precisa de acolhimento ............................................................................................. 177</p><p>5.6 - Quando o agressor tenta reverter a história e desqualificar a vítima ......................................... 179</p><p>5.7 - A mulher violentada vira “presa fácil” ......................................................................................... 180</p><p>5.8 - Nem sempre o assédio vem de superiores .................................................................................. 181</p><p>FINALIZANDO... .................................................................................................................................... 183</p><p>REFERÊNCIAS ....................................................................................................................................... 184</p><p>5</p><p>APRESENTAÇÃO DO CURSO</p><p>Uma entre cada duas mulheres já sofreu com o assédio sexual</p><p>no local de trabalho e em 92% dos casos as ocorrências envolveram solicitação de</p><p>favores sexuais.</p><p>Essas são algumas das conclusões apresentadas na pesquisa nacional sobre “O</p><p>ciclo do assédio sexual nos ambientes profissionais” realizada pelo LinkedIn em parceria</p><p>com a Think Eva.</p><p>Uma das constatações da pesquisa é de que enquanto o agressor sai</p><p>impune, a vítima é a única que sofre as consequências.</p><p>O dado é alarmante: 47% das mulheres entrevistadas foram vítimas do crime</p><p>de assédio sexual no mundo corporativo e descreveram alguns dos sentimentos</p><p>vivenciados: medo, impotência, humilhação, nojo, medo, tristeza e raiva tiveram</p><p>destaque.</p><p>Figura 1 - Medo, nojo e tristeza: Sentimentos das vítimas do assédio</p><p>Fonte: ThinkEva (2020).</p><p>6</p><p>O resultado completo da pesquisa pode ser conferido em:</p><p>https://thinkeva.com.br/pesquisas/assedio-no-contexto-do-mundo-</p><p>corporativo/.</p><p>Figura 2 - Mais de 35% das vítimas de assédio, vivem sob o constante medo</p><p>Fonte: ThinkEva (2020).</p><p>Diante deste cenário, a pesquisa constata que, apesar do assunto ganhar cada</p><p>vez mais espaço na sociedade, os mecanismos sociais favorecem a impunidade e</p><p>geram a sensação de isolamento das vítimas.</p><p>https://thinkeva.com.br/pesquisas/assedio-no-contexto-do-mundo-corporativo/</p><p>https://thinkeva.com.br/pesquisas/assedio-no-contexto-do-mundo-corporativo/</p><p>https://thinkeva.com.br/pesquisas/assedio-no-contexto-do-mundo-corporativo/</p><p>7</p><p>OBJETIVOS DO CURSO</p><p>Ao final do curso espera-se que o aluno desenvolva competências orientadas para:</p><p>• Identificar o processo histórico de construção do gênero e da divisão do</p><p>trabalho;</p><p>• Conhecer as origens das desigualdades entre homens e mulheres;</p><p>• Descrever comportamentos que devem ser considerados criminosos, os</p><p>efeitos psicológicos e judiciais dessas práticas;</p><p>• Refletir acerca das consequências enfrentadas pelas vítimas de assédio dentro</p><p>e fora do ambiente de trabalho; e</p><p>• Conscientizar sobre a importância de prevenir e enfrentar situações de assédio</p><p>sexual e moral nas instituições de segurança pública.</p><p>ESTRUTURA DO CURSO</p><p>O curso possui 50 horas/aula e está dividido em 5 módulos:</p><p>Módulo 1: Gênero e Assédio Sexual: Aspectos Introdutórios</p><p>Módulo 2: A Questão do Gênero no Âmbito do Sistema Único de Segurança</p><p>Pública (Susp)</p><p>Módulo 3: O Assédio Sexual na Legislação Internacional e Nacional</p><p>Módulo 4: Os Mecanismos de Denúncia e as Redes Sociais como Novo</p><p>Espaço de Fala das Mulheres</p><p>Módulo 5: O Assédio: Identificar e Combater</p><p>8</p><p>Figura 3 - Ciclo da Cultura do Assédio</p><p>Fonte: ThinkEva (2020).</p><p>E quanto à Segurança Pública? Você acredita que a situação acima</p><p>reflete o cenário vivenciado pelas mulheres no setor?</p><p>Na sua opinião, a ocorrência é maior ou menor?</p><p>O que explicaria esse fato? Que tal entender um pouco sobre esse ciclo</p><p>no âmbito da Segurança Pública?I</p><p>Te convido a prosseguir no estudo do tema e aprofundarmos as discussões sobre</p><p>o Assédio Sexual na Segurança Pública.</p><p>https://thinkeva.com.br/pesquisas/assedio-no-contexto-do-mundo-corporativo/</p><p>9</p><p>MÓDULO 1 – GÊNERO E ASSÉDIO SEXUAL: ASPECTOS</p><p>INTRODUTÓRIOS</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Nesse módulo vamos apresentar a história da mulher na sociedade e os fatores</p><p>que mais influenciaram na construção da cultura patriarcal tal como se concebe hoje.</p><p>Para se compreender o fenômeno do assédio que acontece em tempos atuais é</p><p>necessária uma digressão para a compreensão que se tinha sobre a mulher na era dos</p><p>pré-socráticos, na antiguidade, na era medieval, no renascimento até o pensamento</p><p>moderno.</p><p>Nesse contexto, percebemos que o trabalho e a questão do gênero</p><p>contribuem para a construção do patriarcado atual, por isso apresentamos algumas</p><p>considerações a respeito, reforçando a história da mulher</p><p>formas</p><p>de violência a que são hodiernamente expostas.</p><p>Nota-se que o Estado Brasileiro tem evoluído, embora não na velocidade</p><p>necessária para o combate efetivo à violência de gênero, mas é preciso que se</p><p>reconheça os avanços já conquistados, embora à custa de muitas violações de direitos</p><p>humanos, sobretudo dos direitos humanos das mulheres, ainda estigmatizadas pela</p><p>sociedade eminentemente patriarcal em que vivemos.</p><p>AULA 2 - A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE ASSÉDIO SEXUAL</p><p>O assédio sexual consiste em toda e qualquer atitude praticada no ambiente</p><p>de trabalho com o objetivo de obter vantagens ou favorecimento sexual. Sobretudo, é</p><p>imprescindível esclarecer que o assédio sexual pode ser praticado de forma clara, com</p><p>atitudes explícitas que se configuram como coação ou ameaça para obter vantagem</p><p>sexual, assim como de forma indireta, sutil, com insinuações, gestos ou chantagens de</p><p>conotação sexual, que igualmente configuram assédio sexual.</p><p>A cartilha do Conselho Nacional do Ministério Público sobre assédio moral e</p><p>sexual conceitua o assédio sexual:</p><p>88</p><p>Toda conduta de natureza sexual não solicitada, que tem um efeito</p><p>desfavorável no ambiente de trabalho ou consequências prejudiciais no plano</p><p>do emprego para as vítimas15.</p><p>Pesquisa da Comissão Estatística das Nações Unidas aponta que 1 em cada 3</p><p>mulheres já foram vítimas de assédio sexual no trabalho16. Vivemos em uma sociedade</p><p>patriarcal, em que o poder cabe ao sexo masculino, estando a mulher sempre em</p><p>posição de vulnerabilidade, mesmo que ocupe posições seniores no ambiente de</p><p>trabalho. Ademais, pesquisas internacionais apontam que há uma prevalência da</p><p>prática de assédio sexual contra mulheres em contextos organizacionais onde há</p><p>grande diferencial de poder nos níveis da organização, como ocorre nas instituições</p><p>de Segurança Pública e nas Forças Armadas.</p><p>De modo geral, o homem prevalecendo-se de sua condição de superior</p><p>hierárquico, passa a insistir e pressionar a mulher que deseja sexualmente para obter</p><p>o que quer. A intensão do assediador pode se expressar através de piadas pejorativas</p><p>de ou de duplo sentido, de brincadeiras tipicamente sexistas ou de comentários</p><p>constrangedores sobre a figura do sexo oposto ou até mesmo do mesmo sexo, mas</p><p>que declaradamente seja homossexual. Os homens e transsexuais também podem ser</p><p>vítimas de assédio sexual e o são, mas em proporções bem menores do que as</p><p>mulheres.</p><p>A prática de um único ato é suficiente para configurar o crime, não se exigindo</p><p>a prática de atos reiterados ou prolongados no tempo, bastando a prática de um ato</p><p>isolado, a depender da natureza deste ato, da forma como foi praticado, da sua</p><p>intensidade e dos efeitos. Submeter a vítima a prática de atos reiterados de assédio</p><p>para chegar-se à configuração da conduta delituosa fere a dignidade humana, a</p><p>proporcionalidade e a razoabilidade, além de traduzir-se em proteção deficiente.</p><p>Maria de Lourdes Leiria17 explica:</p><p>15 DRAPEAU, Maurício. Assédio Sexual e Moral. Previna-se. Conselho Nacional do Ministério Público.</p><p>1991, p.15.</p><p>16 Disponível em: https://unstats.un.org/unsd/gender/downloads/Ch6_VaW_info.pdf</p><p>17</p><p>LEIRIA, Maria de Lourdes. Assédio Sexual Laboral. Agente Causador de Doenças do Trabalho. Reflexos na Saúde do Trabalhador. Editora</p><p>LTr. 2ª Edição. São Paulo. 2019.</p><p>https://unstats.un.org/unsd/gender/downloads/Ch6_VaW_info.pdf</p><p>89</p><p>Não há necessidade de reiteração da conduta, não seria razoável submeter a</p><p>vítima a reiterados atos de violência, para só assim considerá-los ilegais.</p><p>Igualmente o silêncio da vítima não pode ser entendido como aceitação da</p><p>conduta ofensiva ou descaracterização do assédio. O assédio e a violência</p><p>laboral constituem forma de discriminação, impedem a progressão funcional</p><p>e muitas vezes conduzem a vítima ao desligamento do emprego, lhes gerando</p><p>consideráveis danos econômicos.</p><p>Essas atitudes possuem componentes de extrema violência moral na medida</p><p>em que coloca as vítimas em situações vexatórias e ameaçadoras, provocando</p><p>insegurança no ambiente profissional, pois frequentemente as vítimas são tomadas do</p><p>temor de, em não cedendo às “pressões”, ser removidas para setores indesejados ou</p><p>até mesmo de, sem justo motivo, ser instauradas sindicâncias ou processos</p><p>administrativos disciplinares contra elas.</p><p>A mesma cartilha Assédio Moral e Sexual: Previna-se do CNMP, citando a</p><p>professora Adriana Calvo, da PUC/SP, indica que o assédio sexual pode ocorrer de duas</p><p>maneiras:</p><p>• Assédio por Intimidação:</p><p>- Assédio sexual ambiental, por meio do qual o assediador busca criar</p><p>condições de trabalho inaceitáveis, num processo intimidatório de</p><p>hostilização;</p><p>- Restringir, sem motivo, a atuação de alguém ou criar uma circunstância</p><p>ofensiva ou abusiva no trabalho.</p><p>• Assédio por Chantagem:</p><p>- Assédio sexual qui pro quo – isto por aquilo – ou seja, a oferta de vantagens</p><p>no ambiente de trabalho por atitudes de cunho sexual;</p><p>- Ocorre via chantagem, insistência, importunação da vítima para fins sexuais;</p><p>- Tipo penal previsto pela Lei nº 10.224/200118.</p><p>Para que se configure o assédio sexual não se faz necessário que haja,</p><p>obrigatoriamente, contato físico entre vítima e assediador. Basta que sejam utilizadas</p><p>expressões verbais, gestos e imagens, até mesmo mensagens enviadas através das</p><p>redes sociais ou de e-mails, para que se configure a prática de assédio sexual.</p><p>18</p><p>P. 17/18</p><p>90</p><p>AULA 3 - A TIPIFICAÇÃO PENAL DO CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL NO</p><p>BRASIL</p><p>O crime de assédio sexual passou a compor o rol de crimes penalmente</p><p>tipificados somente em 2001, com a inclusão do artigo 2016-A no Código Penal através</p><p>da Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, visando à proteção da liberdade sexual,</p><p>liberdade laboral, a não discriminação no local de trabalho e a isonomia. Até então, os</p><p>casos de assédio sexual eram solucionados por outros ramos do ordenamento jurídico</p><p>que não o Penal, quais sejam Direito Civil, Administrativo, do Trabalho, ou enquadrados</p><p>(indevidamente) como crime de constrangimento ilegal previsto no artigo 146 do</p><p>Código Penal.</p><p>Compõe o rol dos crimes contra a dignidade sexual, cuja base é a violação da</p><p>dignidade humana e, em especial, da dignidade sexual. Além disso, o assédio sexual se</p><p>caracteriza como um dos “crimes contra a liberdade sexual”, que têm como escopo a</p><p>proteção da dignidade sexual das pessoas, ou seja, a liberdade sexual de cada um,</p><p>direito humano fundamental.</p><p>O crime de assédio sexual encontra definição legal na redação do artigo 216-</p><p>A do Código Penal Brasileiro:</p><p>Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou</p><p>favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior</p><p>hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou</p><p>função. Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.</p><p>O assédio sexual consiste, portanto, na prática de violência sexual, seja física,</p><p>verbal, escrita ou por qualquer forma, não se restringindo ao conceito previsto na Lei</p><p>n. 11.340/06 – Lei Maria da Penha, qual seja:</p><p>Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre</p><p>outras:</p><p>[...]</p><p>III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a</p><p>constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não</p><p>desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza</p><p>91</p><p>a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a</p><p>impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio,</p><p>à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno</p><p>ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e</p><p>reprodutivos;</p><p>O objetivo do legislador penal é punir aquele que se prevalece de sua</p><p>autoridade moral ou intelectual inerentes ao exercício do cargo, emprego ou função</p><p>para auferir vantagem de natureza sexual.</p><p>Podemos</p><p>verificar, pela redação do dispositivo legal acima transcrito, que o</p><p>tipo penal em análise é composto pelos seguintes elementos:</p><p>O ato de constranger alguém constitui o núcleo do crime de assédio sexual e</p><p>se configura como uma intervenção direta na liberdade da vítima no sentido de obrigá-</p><p>la a praticar algo que ela não quer ou que a lei não exige que ela pratique ou de impedir</p><p>que a vítima faça algo que quer fazer e que a lei não a impede. Portanto, é uma clara</p><p>violação à liberdade individual da vítima.</p><p>O verbo constranger é usado no sentido de causar embaraço, importunar, criar</p><p>situação vexatória, desagradável e difícil para a vítima, existindo, em regra, uma</p><p>ameaça, ainda que indireta, relacionada a algum prejuízo profissional para a vítima</p><p>caso não ceda aos desejos sexuais do assediador.</p><p>a) Conduta de constranger alguém;</p><p>b) Com a finalidade de obter vantagem ou favorecimento</p><p>sexual;</p><p>c) Prevalecendo-se o agente de sua condição de superior</p><p>hierárquico ou de ascendência inerentes ao exercício de cargo,</p><p>emprego ou função. (BRASIL, 2012)</p><p>92</p><p>Diversamente da tipificação legal do crime de estupro, a configuração do crime</p><p>de assédio sexual não exige o emprego de violência ou grave ameaça, mas sim o</p><p>constrangimento ilegal.</p><p>Inclusive, cabe esclarecer ainda que o legislador penal utilizou o termo</p><p>“alguém” com o intuito de indicar que qualquer pessoa pode ser autor do crime de</p><p>assédio sexual, independente do sexo. Logo, não só as mulheres, como os homens, em</p><p>relações hetero ou homossexuais, podem figurar no polo ativo do tipo.</p><p>Figura 24 - Homem vítima de assédio moral</p><p>Fonte: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/assedio-moral-e-</p><p>sexual.pdf.</p><p>O segundo elemento do tipo penal exige que o constrangimento tenha</p><p>finalidade de obter vantagem ou favorecimento sexual. Nesse sentido, importante</p><p>observar que ao acrescentar o termo sexual, o legislador especificou que a vantagem</p><p>pretendida pelo agente é de cunho exclusivamente sexual, ou seja, o sujeito ativo</p><p>busca beneficiar-se, aproveitar-se de sua condição de superioridade funcional para</p><p>conseguir benefício de ordem exclusivamente sexual.</p><p>https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/assedio-moral-e-sexual.pdf</p><p>https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/assedio-moral-e-sexual.pdf</p><p>93</p><p>Alguns doutrinadores, como Rubia Mara Oliveira19, criticam a utilização do</p><p>termo vantagem ou favorecimento sexual sob o argumento de que é um tanto quanto</p><p>limitante e que deveria ter sido usado o termo “favores sexuais”, mais abrangente. Já o</p><p>professor Antonio Martins20 ensina, em sala de aula, que o termo ato libidinoso seria o</p><p>mais adequado, visto que parece que o legislador quis ampliar ao máximo e não deixar</p><p>dúvida de que, por exemplo, exigir que a vítima se desnude para o autor ou autora do</p><p>crime [...] o que inclui a prática de qualquer ato libidinoso.</p><p>O terceiro e último elemento exige que o sujeito ativo se prevaleça de sua</p><p>condição de superior hierárquico ou ascendência para constranger a vítima com intuito</p><p>de obter vantagem ou favorecimento de cunho exclusivamente sexual. Desse modo,</p><p>ausente o terceiro elemento, desconfigura-se o crime de assédio sexual, podendo o</p><p>ato ser punido com outro tipo penal, a depender do caso concreto. A apreensão da</p><p>presença deste terceiro elemento exige uma análise mais acurada.</p><p>O ambiente de trabalho e a superioridade hierárquica exercem papel</p><p>central na configuração desse tipo penal, posto que são fatores que</p><p>desarmam a vítima, reduzindo ou anulando uma possibilidade de</p><p>reação pelo temor de sofrer represálias.</p><p>19 GIRÃO, Rubia Mara Oliveira Castro. Crime de assédio sexual, p.51-52.</p><p>20 https://www.youtube.com/watch?v=sTZ6LqeOgx0&feature=youtu.be, acesso em 29.04.2021.</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=sTZ6LqeOgx0&feature=youtu.be</p><p>94</p><p>Figura 25 - superioridade hierárquica</p><p>Fonte: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/assedio-moral-e-</p><p>sexual.pdf.</p><p>O superior hierárquico é encontrado nas relações de Direito Administrativo</p><p>(Direito Público) e diz respeito ao funcionário que possui, em relação a outros, maior</p><p>autoridade na estrutura administrativa civil ou militar. Sendo assim, não se configura o</p><p>crime de assédio sexual quando o ato de constranger para obter vantagem sexual</p><p>ocorre entre funcionários do mesmo nível ou do nível inferior para o superior, visto</p><p>que desconfigura-se o terceiro elemento do tipo penal.</p><p>O mesmo dispositivo legal traz ainda a ascendência no terceiro elemento, que</p><p>significa superioridade em termos de poder de mando nas relações de emprego</p><p>regidas pelo Direito Privado.</p><p>Sobre o emprego da terminologia ascendência, Guilherme de Sousa Nucci21</p><p>ensina:</p><p>emprego é a relação trabalhista estabelecida entre aquele que emprega,</p><p>pagando remuneração pelo serviço prestado, e o empregado aquele que</p><p>presta serviços de natureza não eventual, mediante salário e sob ordem do</p><p>primeiro. Refere-se, no caso, às relações empregatícias na esfera cível. Cargo,</p><p>para os fins deste artigo, é o público, que significa o posto criado por lei na</p><p>estrutura hierárquica da administração pública, com denominação e padrão</p><p>de vencimentos próprios [...]. Função, para os fins deste crime, é a pública,</p><p>21 NUCCI, Guilherme de Sousa. Código penal comentado, p.794.</p><p>https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/assedio-moral-e-sexual.pdf</p><p>https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/assedio-moral-e-sexual.pdf</p><p>95</p><p>significando o conjunto de atribuições inerentes ao serviço público, não</p><p>correspondentes a um cargo ao emprego.</p><p>Explicitados os 3 elementos que configuram o crime de assédio sexual cumpre</p><p>consignar que é um crime de cunho formal, que se consuma independente da</p><p>produção do resultado finalístico. Consuma-se o assédio sexual, portanto, quando o</p><p>agente constrange a vítima, independente da obtenção de vantagem ou favor sexual.</p><p>O silêncio da vítima não pode ser interpretado como aceitação ou descaracterização</p><p>do assédio.</p><p>Não é necessário que o assédio ocorra no ambiente de trabalho, mas sim que</p><p>tenha relação com o trabalho, desde que o autor se valha de sua superioridade</p><p>hierárquica ou ascendência funcional para efetuar o constrangimento com o objetivo</p><p>de obtenção de favor sexual.</p><p>Por exemplo, pode ocorrer no deslocamento para o trabalho com um colega</p><p>de profissão; durante a realização de festas e eventos sociais relacionados ao trabalho;</p><p>em contatos por mensagem de celular cujo número foi obtido nos registros da</p><p>administração pública ou em razão do trabalho, salvo autorização explícita ou implícita</p><p>da mulher para o envio de mensagens particulares; durante a realização de uma</p><p>diligência externa, de uma viagem ou atividade profissional na rua. Em todas essas</p><p>situações, o assédio praticado tem conexão direta com o trabalho, configurando-se,</p><p>dessa maneira, o crime de assédio sexual.</p><p>Olhares constrangedores (forma como olha), convites impertinentes,</p><p>chantagens, ameaças veladas ou explícitas, utilização de expressões pejorativas (como</p><p>“gostosa”, “mulherão”, “ô lá em casa”), propostas indecentes ou intimidadoras,</p><p>piadinhas e brincadeiras de cunho sexual até o contato físico forçado e o exibicionismo</p><p>machista podem configurar o crime de assédio sexual.</p><p>96</p><p>Figura 26 - várias podem ser as formas de assédio</p><p>Fonte: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/assedio-moral-e-</p><p>sexual.pdf.</p><p>É possível a tentativa, já que se trata de crime plurissubsistente, que se</p><p>consuma mediante a prática de vários atos e, consequentemente, permite o</p><p>fracionamento do iter criminis. Exemplificativamente, podemos citar a prática de</p><p>assédio através de redes sociais, quando a mensagem é enviada a terceira pessoa,</p><p>erroneamente.</p><p>Há ainda que se alertar</p><p>que, em razão da condição de agente garantidor de</p><p>direitos, o policial que presenciar atos de assédio ou importunação sexual e se mantiver</p><p>omisso pode (e deve) ser responsabilizado por omissão - artigo 13, § 2º, do Código</p><p>Penal22 - ou pelo crime de prevaricação - art. 319, também do Código Penal23, a</p><p>depender do caso concreto.</p><p>22 Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.</p><p>Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.</p><p>§ 1º - omissis</p><p>§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de</p><p>agir incumbe a quem:</p><p>a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;</p><p>b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;</p><p>c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.</p><p>23 Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa</p><p>de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:</p><p>Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.</p><p>https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/assedio-moral-e-sexual.pdf</p><p>https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/assedio-moral-e-sexual.pdf</p><p>97</p><p>3.1 - O assédio sexual no código penal militar.</p><p>Instituído no longínquo ano de 1969, o Código Penal Militar - Decreto-Lei nº</p><p>1001, de 21 de outubro de 1969 - não prevê, originalmente, o crime de assédio sexual.</p><p>Todavia, a Lei 13.491, de 13 de outubro de 2017, alterou o artigo 9º do Código</p><p>Penal Militar incluindo, dentre os crimes militares, os crimes previstos na legislação</p><p>penal. Vejamos:</p><p>Art. 1º O art. 9º do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código</p><p>Penal Militar, passa a vigorar com as seguintes alterações:</p><p>“Art. 9º. ……...</p><p>II – Os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal,</p><p>quando praticados:” (destacamos)</p><p>Referida Lei representa considerável avanço no que diz respeito à legislação</p><p>penal militar. Até o seu advento, consoante podemos observar através da</p><p>jurisprudência produzida Supremo Tribunal Penal - STM, os crimes militares de maior</p><p>ocorrência praticados contra as mulheres militares eram tipificados, de acordo com o</p><p>CPM, como injúria (art. 216), violação de recato (art. 229), estupro (art. 232) e atentado</p><p>violento ao pudor (art. 233). Cumpre lembrar que o CPM não foi abarcado pela</p><p>atualização do artigo 213 do Código Penal, que incluiu o crime de assédio sexual (art.</p><p>213-A).</p><p>Certamente, é relevante tecermos algumas considerações sobre a rígida</p><p>hierarquia militar e os crimes sexuais, sobretudo os crimes sexuais praticados contra</p><p>mulheres.</p><p>A estrutura militar de acatamento às ordens e estrito respeito à hierarquia</p><p>diferenciam os militares frente aos civis, de forma que há uma cobrança</p><p>institucionalizada de postura e eficiência dos superiores imediatos em relação aos seus</p><p>subordinados. Todavia, essa estrutura institucional hierárquica não autoriza situações</p><p>humilhantes e a exigência de obrigações incompatíveis com a função que possam</p><p>98</p><p>gerar a prática de críticas e punições desarrazoadas que configurem assédio moral.</p><p>Mesmo posicionamento deve ser aplicado ao assédio sexual, vez que o superior</p><p>hierárquico não pode se prevalecer de seu cargo para obter vantagem sexual indevida</p><p>e criminosa.</p><p>Ademais, pertinente observar que o STM tem considerado inclusive que a</p><p>prática de crimes sexuais contra mulheres militares configura-se como situação</p><p>humilhante e que diminui a autoridade daquela. É o que resta configurado na seguinte</p><p>decisão:</p><p>EMENTA: HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO. ALEGAÇÃO DE</p><p>AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA, DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR E DE</p><p>SUPOSTA OCORRÊNCIA DE DECADÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO.</p><p>PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS DISTINTOS, EMPREENDIDOS EM</p><p>MOMENTOS DIVERSOS, FOMENTADOS POR DIFERENTES MEMBROS DO</p><p>PARQUET CASTRENSE. POSSIBILIDADE.</p><p>1. A solução ditada pelo critério da prevenção é legítima, sopesados</p><p>os aspectos judicializantes da investigação, diante da atuação de diferentes</p><p>membros do Parquet castrense, os quais alavancaram a instauração de</p><p>procedimentos investigativos com relação a fatos supostamente idênticos.</p><p>2. A apuração de fatos, hipoteticamente criminosos, não tem o</p><p>condão de, por si só, representar a imposição de constrangimento ilegal ao</p><p>investigado, sobretudo quando considerada a compatibilidade das medidas</p><p>adotadas com o regime jurídico-constitucional das liberdades públicas. A</p><p>conjuntura revela a idônea atuação dos órgãos responsáveis pela persecução</p><p>penal, cujo desiderato, alfim, está imbricado com a preservação da paz social</p><p>e, particularmente na Justiça Castrense, com o resguardo dos valores e dos</p><p>princípios regentes das Forças Armadas.</p><p>[...]</p><p>VOTO: Se o assédio sexual é crime grave para o direito penal</p><p>comum, mais grave ainda para o direito militar, porque se trata de</p><p>inequívoca e inaceitável quebra de disciplina militar. [...]</p><p>(STM - HC: 00001786320177000000, Relator: Marco Antônio de Farias, Data</p><p>de Julgamento: 06/12/2017, Data de Publicação: 13/12/2017). [grifo nosso]</p><p>Outro fator importante a ser considerado na ementa de jurisprudência acima</p><p>é o de que o investigado buscou eximir-se da investigação criminal alegando está</p><p>sendo submetido a constrangimento ilegal, o que demonstra as dificuldades</p><p>enfrentadas nas investigações que tratam de crimes sexuais. Outra decisão que traz o</p><p>99</p><p>mesmo contexto, desta feita afastando acusação de difamação contra vítima de</p><p>assédio sexual:</p><p>APELAÇÃO. DIFAMAÇÃO. NOTÍCIA DE ASSÉDIO SEXUAL E PERSEGUIÇÃO DE</p><p>SUPERIOR CONTRA SUBORDINADO. CAUSA DE AUMENTO DE PENA.</p><p>PRESENÇA DE OUTRAS PESSOAS. TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR.</p><p>INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PRINCÍPIO DO "IN DUBIO PRO REO". SENTENÇA</p><p>ABSOLUTÓRIA PRESERVADA. Não comete crime de difamação o militar</p><p>que, sentindo-se acuado e constrangido após incessantes investidas de</p><p>assédio sexual por parte de seu superior hierárquico, externa seu</p><p>desabafo com alguns poucos colegas de farda, na busca de orientação e</p><p>proteção. A instrução probatória findou sem que fosse demonstrada a</p><p>inequívoca intenção de a subordinada alardear ofensas desonrosas contra a</p><p>superior. O propósito subjacente à ação difamatória demanda provas do</p><p>ocorrido, não podendo ser inferida ou presumida, na medida em que</p><p>comportam certa carga de subjetividade. Os fatos foram circunstanciados</p><p>num âmbito restrito, ao alcance de poucas pessoas, o que enfraquece ou, ao</p><p>menos, torna incerta a intenção de macular a reputação do Oficial</p><p>supostamente ofendido. Aplicação do princípio do "in dubio pro reo". Decisão</p><p>unânime.</p><p>(Superior Tribunal Militar. Apelação nº 0000022-33.2008.7.01.0301.</p><p>Relator(a) para o Acórdão: Ministro(a) JOSÉ AMÉRICO DOS SANTOS. Data de</p><p>Julgamento: 18/05/2011, Data de Publicação: 22/06/2011)</p><p>Voltando à Lei nº 13.491/2017, a qual criou uma categoria de crimes militares,</p><p>qual seja, os crimes praticados por militares, mas tipificados no Código Penal passaram</p><p>a ser categorizados igualmente como crimes militares. Ou seja, os militares se sujeitam</p><p>às penas previstas no Código Penal quando os crimes ali previstos forem praticados</p><p>nas situações descritas nas letras a a e, inciso II, artigo 9º do Código Penal Militar:</p><p>Art. 9º. (...)</p><p>II - Os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal,</p><p>quando praticados:</p><p>a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na</p><p>mesma situação ou assemelhado;</p><p>b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à</p><p>administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou</p><p>assemelhado, ou civil;</p><p>c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de</p><p>natureza militar, ou em formatura, ainda que fora</p><p>do lugar sujeito à</p><p>administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;</p><p>d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da</p><p>reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;</p><p>100</p><p>e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio</p><p>sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;</p><p>(BRASIL, 2017)</p><p>Assim sendo, perfeitamente possível que um militar seja penalizado pelo crime</p><p>de assédio sexual previsto no artigo 213-A do CP quando constrange outro militar,</p><p>prevalecendo-se de sua posição de superioridade hierárquica ou ascensão funcional</p><p>(que, apesar de mesmo posto ou graduação que a vítima, exerça função de chefia) para</p><p>obter vantagens sexuais de outro militar, o que será apurado em inquérito policial</p><p>militar e processado e julgado perante a Justiça Militar.</p><p>O Tribunal Regional Federal da 3ª Região já se posicionou sobre a competência</p><p>da Justiça Militar para julgar crime de assédio praticado por militar hierarquicamente</p><p>superior às vítimas, também militares, após a edição da Lei º 13.491/2017:</p><p>PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONTRA DECISÃO QUE</p><p>RECONHECEU A INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL, COM DECLINAÇÃO</p><p>EM FAVOR DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. IMPUTAÇÃO POR CRIME DE</p><p>ASSÉDIO SEXUAL (ART. 216-A DO CP). CRIME SUPOSTAMENTE PRATICADO</p><p>POR MÉDICO MILITAR DAS FORÇAS ARMADAS, NO EXERCÍCIO DE SUAS</p><p>ATRIBUIÇÕES FUNCIONAIS. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 13.491, DE 13 DE</p><p>OUTUBRO DE 2017, PARA DEFINIR COMO CRIME MILITAR NÃO APENAS</p><p>OS CRIMES PROPRIAMENTE MILITARES (QUE ATINGEM BENS JURÍDICOS</p><p>AFETOS À VIDA MILITAR), MAS TAMBÉM TODOS OS PREVISTOS NA</p><p>LEGISLAÇÃO PENAL COMUM. RECURSO DESPROVIDO. 01. À época da</p><p>decisão impugnada, razão assistiria ao Ministério Público Federal, ao sustentar</p><p>que a competência jurisdicional do caso recairia sobre a Justiça Comum</p><p>Federal por se tratar de imputação por crime praticado por funcionário</p><p>público federal no exercício de suas atribuições, aproveitando-se dos contatos</p><p>reservados com as vítimas que seu cargo de médico lhe proporcionava,</p><p>impactando a imagem da própria instituição. 02. Entretanto, posteriormente à</p><p>decisão recorrida (30.08.2017), entrou em vigor a Lei nº 13.491, de 13 de</p><p>outubro de 2017, que alterou o art. 9º do Código Penal Militar para</p><p>considerar como crime militar não apenas os crimes propriamente</p><p>militares (que atingem bens jurídicos afetos à vida militar), mas também</p><p>todos os delitos previstos na legislação penal comum. 03. No presente</p><p>caso, imputa-se ao acusado o cometimento de crime valendo-se da</p><p>condição de médico militar, ocupante do posto de Aspirante a Oficial</p><p>incorporado nas Forças Armadas no Corpo de Oficiais da Ativa da</p><p>Aeronáutica, tendo sido denunciado como incurso nas penas do art. 216-</p><p>A do Código Penal, em continuidade delitiva, por supostamente ter</p><p>constrangido Cadetes Intendentes com o intuito de obter vantagem ou</p><p>favorecimento sexual, aproveitando-se de sua ascendência inerente à</p><p>prática médica na Divisão de Saúde do Grupamento de Apoio de</p><p>Pirassununga/SP. 04. A imputação descrita encaixa-se precisamente na</p><p>hipótese legal acima colacionada (art. 9º, II, a, do CPM), caracterizando,</p><p>101</p><p>portanto, infração penal de competência da Justiça Militar, a teor do art. 124</p><p>da Constituição Federal. 05. Cabe observar, ainda, que não se ignora a</p><p>tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5804/RJ, a impugnar a</p><p>constitucionalidade material da Lei nº 13.491/2017 no que tange à ampliação</p><p>da competência da Justiça Militar para abarcar crimes sem relação com bens</p><p>jurídicos estritamente militares. Todavia, até o presente momento, a medida</p><p>cautelar de sustação de eficácia da norma ainda não foi deliberada pelo</p><p>Excelso Supremo Tribunal Federal, de forma que prevalece a presunção de</p><p>constitucionalidade da novidade legislativa sob exame. 06. Desta sorte, apesar</p><p>de equívoca a decisão recorrida ao declinar da competência para a Justiça</p><p>Comum Estadual, deve ser julgado improcedente o pedido recursal de que o</p><p>feito seja processado e julgado pela Justiça Comum Federal, diante da</p><p>superveniência de Lei Federal estipulando que a situação retratada no</p><p>presente caso caracteriza hipótese de crime militar, a atrair a jurisdição</p><p>da Justiça Militar da União. 07. Recurso em Sentido Estrito do Ministério</p><p>Público Federal desprovido.</p><p>(TRF-3 - RSE: 00016038120174036115 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL</p><p>FAUSTO DE SANCTIS, Data de Julgamento: 12/03/2019, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA,</p><p>Data de Publicação: e-DJF3 Judicial DATA:19/03/2019). (grifo dos autores)</p><p>A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5804/RJ citada na decisão acima</p><p>colacionada, interposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil</p><p>questionando a constitucionalidade da competência da Justiça Militar para julgar os</p><p>crimes previstos na legislação penal comum encontrava-se ainda pendente de</p><p>julgamento até a data da finalização deste material, como observado através do link</p><p>http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5298182, segue o print</p><p>abaixo:</p><p>Figura 27 - Situação da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5804/RJ</p><p>Fonte: SFT.</p><p>http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5298182</p><p>102</p><p>O Governo Federal publicou a Lei nº 14.540, de 3 de abril de 2023, que instituiu</p><p>o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes</p><p>contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública,</p><p>direta e indireta, federal, estadual e distrital e municipal.</p><p>São objetivos do Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio</p><p>Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual:</p><p>• prevenir e enfrentar a prática do assédio sexual e demais crimes contra</p><p>a dignidade sexual e de todas as formas de violência sexual nos órgãos</p><p>• capacitar os agentes públicos para o desenvolvimento e a</p><p>implementação de ações destinadas à discussão, à prevenção, à</p><p>orientação e à solução do problema</p><p>• implementar e disseminar campanhas educativas sobre as condutas e</p><p>os comportamentos que caracterizam o assédio sexual e demais</p><p>crimes contra a dignidade sexual e qualquer forma de violência sexual</p><p>AULA 4 - AS PROVAS DO ASSÉDIO SEXUAL. DIFICULDADES E</p><p>JURISPRUDÊNCIA.</p><p>Nem sempre é fácil comprovar o crime de assédio sexual, especialmente</p><p>quando o autor, de forma sorrateira e vil, utiliza-se de meios indiretos para a prática</p><p>do crime, como gestos ou a utilização de piadas indiretas. O ônus da prova compete a</p><p>quem alega, ou seja, à vítima. Logo, a denúncia só pode ocorrer quando a vítima for</p><p>capaz de dar nome, identificar a ação como sendo prejudicial e indicar o responsável</p><p>pelo dano sofrido.</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14540.htm</p><p>103</p><p>Não raro o autor, conhecedor deste ônus, pratica o crime sem deixar rastros.</p><p>Mas a vítima pode – e deve – se valer de diferentes meios para comprovar o crime,</p><p>como bilhetes, mensagens eletrônicas, vídeos, áudios, fotos, testemunhas, presentes</p><p>(desde um simples chocolate até joias) e outros.</p><p>A vítima poderá ainda anotar, com detalhes, todas as “investidas” do</p><p>assediador, com todos os detalhes: dia, hora, mês, ano, local, nome do assediador e</p><p>dos colegas que testemunharam o assédio, conteúdo das conversas e tudo o mais que</p><p>achar indispensável, uma vez que isso a ajudará na descrição dos fatos à autoridade</p><p>policial ou administrativa que irá apurar os fatos.</p><p>É ainda de suma importância que a vítima rompa o silêncio e relate os</p><p>fatos, minuciosamente, a pessoas de sua confiança, como colegas de</p><p>trabalho, principalmente os que testemunharam os fatos ou que já</p><p>passaram pela mesma situação, seja como vítimas do mesmo</p><p>assediador ou de outros. A família e os amigos – os que não foram</p><p>conquistados no ambiente de trabalho – também podem</p><p>desempenhar papel fundamental na comprovação</p><p>do assédio, vez</p><p>que, além de apoiar a vítima, podem relatar as bruscas mudanças de</p><p>comportamento, como depressão, choro constante, agressividade e</p><p>outros, que acometem a vítima repentinamente.</p><p>Não raro as testemunhas também são hierarquicamente subordinadas ao</p><p>assediador. É essencial que elas superem o medo e sejam solidárias com os/as colegas</p><p>que estão sendo vítimas, pois podem ser os/as próximos/as.</p><p>104</p><p>Figura 28 – Depois do “Não”, tudo é Assédio</p><p>Fonte: https://aberto.ava.ifrn.edu.br/pluginfile.php/6161/mod_label/intro/02%20-</p><p>%20ASS%C3%89DIO%20SEXUAL%20-%20CARTILHA%20INFORMATIVA.pdf.</p><p>As testemunhas podem ainda fazer registros fotográficos ou vídeos dos fatos</p><p>que presenciarem, oferecer apoio à vítima e disponibilizarem-se como testemunhas,</p><p>mobilizar outros colegas e comunicar ao setor responsável ou ao superior hierárquico</p><p>do assediador.</p><p>Inegavelmente, é indispensável lembrar que o assédio e a violência contra as</p><p>mulheres, no Brasil e no mundo, é algo de cunho social e cultural e faz parte do</p><p>cotidiano das mulheres. A mulher é mais vulnerável pelo simples fato de ser mulher. O</p><p>apoio e acolhimento à vítima e a punição do agressor, que só é possível mediante a</p><p>comprovação cabal da prática do crime, é primordial para a prevenção de crimes deste</p><p>viés. Lembre-se, hoje você presencia atos de assédio e se cala, amanhã você pode ser</p><p>a vítima. Sensível a essas dificuldades, o judiciário tem atribuído grande valor aos</p><p>depoimentos de vítimas de crimes contra a liberdade sexual como prova em ações</p><p>judiciais, como já mencionado, já que esse tipo de crime é quase sempre praticado na</p><p>clandestinidade, sem a presença de testemunhas.</p><p>https://aberto.ava.ifrn.edu.br/pluginfile.php/6161/mod_label/intro/02%20-%20ASS%C3%89DIO%20SEXUAL%20-%20CARTILHA%20INFORMATIVA.pdf</p><p>https://aberto.ava.ifrn.edu.br/pluginfile.php/6161/mod_label/intro/02%20-%20ASS%C3%89DIO%20SEXUAL%20-%20CARTILHA%20INFORMATIVA.pdf</p><p>105</p><p>Há inclusive um repertório de jurisprudência já selecionado pelo Superior</p><p>Tribunal de Justiça na ferramenta Pesquisa Pronta, disponibilizada no site do STJ para</p><p>facilitar o trabalho de quem deseja conhecer o entendimento da corte sobre casos</p><p>semelhantes. Basta efetuar a consulta através do link</p><p>https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisa_pronta/tabs.jsp, utilizando o tema Valor</p><p>Probatório da palavra da vítima nos crimes contra a liberdade sexual para ter acesso a</p><p>um vasto repertório jurisprudencial, a exemplo dos abaixo colacionados:</p><p>PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.</p><p>INADEQUAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE</p><p>DA VIA ELEITA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DO ART. 215-A DO</p><p>CÓDIGO PENAL INCABÍVEL. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. WRIT NÃO CONHECIDO.</p><p>1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião</p><p>Reis Júnior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no</p><p>HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR</p><p>no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018</p><p>-, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus</p><p>substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não</p><p>conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de</p><p>flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.</p><p>2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que</p><p>buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento</p><p>do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.</p><p>3. Nos moldes da jurisprudência desta Corte, "nos delitos sexuais,</p><p>comumente praticados às ocultas, a palavra da vítima possui especial</p><p>relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas que</p><p>instruem o feito, situação que ocorreu nos autos" (AgRg no AREsp</p><p>1.646.070/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado</p><p>em 27/10/2020, DJe 12/11/2020).</p><p>4. No caso, o réu foi condenado pela prática de atos atentatórios à</p><p>dignidade sexual da menor consistentes em conjunções carnais, o que, de per</p><p>si, afasta a possibilidade de desclassificação da conduta para o tipo penal</p><p>menos grave.</p><p>5. Esta Corte Superior pacificou orientação quanto à impossibilidade</p><p>de desclassificação da figura do estupro de vulnerável para o art. 215-A do</p><p>Código Penal, uma vez que referido tipo penal é praticado sem violência ou</p><p>grave ameaça, e o tipo penal imputado ao paciente inclui a presunção absoluta</p><p>de violência ou grave ameaça, por se tratar de menor de 14 anos. Precedentes.</p><p>6. Writ não conhecido.</p><p>https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisa_pronta/tabs.jsp</p><p>106</p><p>(HC 643.674/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em</p><p>09/03/2021, DJe 15/03/2021)</p><p>HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO. ESTUPRO. VÍTIMA COM DEFICIÊNCIA</p><p>MENTAL. DEPOIMENTO E LAUDO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. DILAÇÃO</p><p>PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.</p><p>1. A comprovada vulnerabilidade da vítima (portadora de retardo</p><p>mental) - oriunda da sua incapacidade de entender a ilicitude das</p><p>circunstâncias, o que a tornou menos resistente à investida - não lhe retira a</p><p>capacidade de narrar os acontecimentos e macular a condenação do agente</p><p>pelo delito de estupro.</p><p>2. Em delitos sexuais, comumente praticados às ocultas, a palavra</p><p>da vítima possui especial relevância, desde que esteja em consonância com</p><p>as demais provas acostadas aos autos. Precedentes.</p><p>3. Mostra-se inviável a desconstituição do julgado, como pretendido</p><p>pelo impetrante, sobretudo considerando-se que, no processo penal, vigora o</p><p>princípio do livre convencimento motivado, em que é dado ao julgador decidir</p><p>pela condenação do agente, desde que o faça fundamentadamente,</p><p>respeitados o contraditório e a ampla defesa, exatamente como verificado nos</p><p>autos.</p><p>4. A decretação da nulidade dos julgados anteriormente proferidos</p><p>demandaria, em verdade, dilação probatória, o que é vedado na apreciação do</p><p>habeas corpus.</p><p>5. Habeas corpus não conhecido.</p><p>(HC 227.449/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,</p><p>julgado em 28/04/2015, DJe 07/05/2015)</p><p>PROCESSO PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO</p><p>PRÓPRIO. ESTUPRO. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO.</p><p>IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. PALAVRAS DA VÍTIMA. ESPECIAL</p><p>IMPORTÂNCIA NOS CRIMES SEXUAIS. ATO LIBIDINOSO ATENTATÓRIO À</p><p>DIGNIDADE SEXUAL. CRIME CONSUMADO. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE.</p><p>PREMEDITAÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO.</p><p>1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião</p><p>Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no</p><p>HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR</p><p>no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018</p><p>-, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus</p><p>substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não</p><p>conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de</p><p>flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.</p><p>2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que</p><p>buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento</p><p>do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.</p><p>107</p><p>3. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo</p><p>probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, ser o</p><p>réu autor do delito descrito na exordial acusatória, a análise das alegações</p><p>concernentes ao pleito de absolvição demandaria exame detido de provas,</p><p>inviável em sede de writ.</p><p>4. A jurisprudência pátria é assente no sentido de que, nos delitos</p><p>contra a liberdade sexual, por frequentemente não deixarem vestígios, a</p><p>palavra da vítima tem valor probante diferenciado. Precedentes.</p><p>5. Conforme orientação deste STJ, "o ato libidinoso diverso da</p><p>conjunção carnal, que, ao lado desta, caracteriza</p><p>o crime de estupro, inclui toda</p><p>ação atentatória contra o pudor praticada com o propósito lascivo, seja</p><p>sucedâneo da conjunção carnal ou não, evidenciando-se com o contato físico</p><p>entre o agente e a vítima durante o apontado ato voluptuoso" (AgRg REsp n.</p><p>1.154.806/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 21/3/2012).</p><p>6. A individualização da pena é submetida aos elementos de</p><p>convicção judiciais acerca das circunstâncias do crime, cabendo às Cortes</p><p>Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos</p><p>critérios empregados, a fim de evitar eventuais arbitrariedades.</p><p>Dessarte, salvo flagrante ilegalidade, o reexame das circunstâncias</p><p>judiciais e dos critérios concretos de individualização da pena mostram-se</p><p>inadequados à estreita via do habeas corpus, pois exigiriam revolvimento</p><p>probatório.</p><p>7. No tocante à culpabilidade, para fins de individualização da pena,</p><p>tal vetorial deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta,</p><p>ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu, não se</p><p>tratando de verificação da ocorrência dos elementos da culpabilidade, para que</p><p>se possa concluir pela prática ou não de delito. No caso, o fato da vítima ter</p><p>sido amarrada e a premeditação do crime justificam a elevação da pena-base a</p><p>título de culpabilidade.</p><p>8. Writ não conhecido.</p><p>(HC 610.682/MS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA,</p><p>julgado em 20/10/2020, DJe 22/10/2020) [Grifo nosso].</p><p>O Superior Tribunal Militar adota a mesma linha de raciocínio no que diz</p><p>respeito às declarações da vítima:</p><p>EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. ESTUPRO TENTADO. ABSOLVIÇÃO NA</p><p>INSTÂNCIA A QUO. IN DUBIO PRO REO. ACÓRDÃO CONDENATÓRIO.</p><p>DECISÃO MAJORITÁRIA. DIVERGÊNCIA QUANTO À PRESENÇA DAS</p><p>ELEMENTARES DO TIPO. ALEGADO ESTADO DE EMBRIAGUEZ. PRETENDIDA</p><p>108</p><p>EXCLUSÃO DA CULPABILIDADE. REJEIÇÃO. TEORIA DA ACTIO LIBERA IN</p><p>CAUSA.</p><p>Não obstante o Embargante ter negado os fatos, afirmando não se recordar</p><p>do ocorrido, pois se encontrava sob o efeito de bebida alcoólica, as</p><p>declarações da ofendida são contundentes e suficientes para sustentar o</p><p>decreto condenatório. A embriaguez do Embargante, se não decorreu de</p><p>caso fortuito ou de força maior, conforme restou comprovado nos autos, não</p><p>lhe isenta da responsabilidade penal, em face adoção da teoria da actio libera</p><p>in causa, exceção em que se admite a responsabilidade penal objetiva do</p><p>agente infrator que, conscientemente, coloca-se no estado de embriaguez</p><p>para a prática do delito. Embargos conhecidos, porém, não acolhidos.</p><p>(Superior Tribunal Militar. Embargos Infringentes e de Nulidade nº 7000654-</p><p>45.2018.7.00.0000. Relator(a) para o Acórdão: Ministro(a) WILLIAM DE</p><p>OLIVEIRA BARROS. Data de Julgamento: 14/02/2019, Data de Publicação:</p><p>13/03/2019) (grifamos)</p><p>AULA 5 - O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. LACUNA</p><p>LEGISLATIVA SANADA?</p><p>Inicialmente, é preciso tecer alguns comentários sobre o crime de</p><p>importunação sexual, inserido no Código Penal pela Lei n. 13.718, de 24 de setembro</p><p>de 2018. Com o objetivo de sanar lacuna legislativa, que dificultava o enquadramento</p><p>penal de algumas condutas que não se enquadravam no assédio sexual. Fora então</p><p>incluído o artigo 215-A com a seguinte redação:</p><p>Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato</p><p>libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de</p><p>terceiro:</p><p>Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui</p><p>crime mais grave.</p><p>Por ato libidinoso entende-se qualquer ato de conotação sexual ou atentatório</p><p>ao pudor que vise satisfazer o apetite sexual do agente. Podemos citar como exemplos</p><p>de ato libidinoso exibição do órgão genital para alguém, os inúmeros casos de assédios</p><p>nos espaços públicos e meios de transportes, acompanhados ou não de “beijos”,</p><p>“encoxadas”, “lambidas”, “apalpadas” e até “ejaculação”.</p><p>109</p><p>Diversamente do assédio sexual, o crime de importunação sexual não exige</p><p>haja conexão com a relação hierárquica ou funcional - superior hierárquico ou</p><p>ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função – entre o agente e a</p><p>vítima.</p><p>Figura 29 - Assédio sexual acontece no ambiente de trabalho, quando o autor se aproveita da posição</p><p>"superior"</p><p>Fonte: Terra / Vida e Estilo (2020).</p><p>Em vista disso, se um agente pratica qualquer dos atos acima descritos</p><p>valendo-se de sua condição de superior hierárquico, pratica o crime de assédio sexual.</p><p>Ausente a condição de superioridade hierárquica, estamos diante do crime de</p><p>importunação sexual.</p><p>Por certo, nota-se uma “estranha” desproporcionalidade entre as penas, pois</p><p>o crime praticado em razão da função (assédio sexual, detenção de 1 a 2 anos) possui</p><p>pena mais leve que o mesmo fato praticado fora da função (importunação sexual,</p><p>reclusão de 1 a 5 anos).</p><p>Assim sendo, Rodrigo Foureaux e Mariana Aquino, em excelente trabalho</p><p>intitulado Assédio Sexual nas Instituições de Segurança Pública e nas Forças Armadas,</p><p>https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/entenda-a-diferenca-entre-assedio-sexual-e-importunacao-sexual,ae061e140f37cbd895cae5e3ebdf58e1ipnfv7g8.html</p><p>110</p><p>explica a diferença entre os crimes de assédio sexual, de importunação sexual e</p><p>outros24:</p><p>O verbo constranger, previsto no art. 216-A, é mais amplo, pois permite a</p><p>incidência de várias hipóteses além do ato libidinoso. Este, por si só, implica</p><p>em constrangimento para a vítima, mas nem todo constrangimento implica</p><p>em ato libidinoso. O superior que chama a vítima para ir ao motel, sob pena</p><p>de transferi-la do local de serviço pratica o crime de assédio sexual, mas caso</p><p>o agente que tivesse realizado o convite, sob pena de prejudicá-la no serviço</p><p>não fosse um superior, não haveria o crime de assédio sexual nem de</p><p>importunação sexual. Poderia haver constrangimento ilegal (art. 146 do CP)</p><p>ou ameaça (art. 147 do CP).</p><p>Além do mais, é essencial mencionar que chamar a vítima por nomes</p><p>desrespeitosos com conotação sexual, por si só, não configura o crime de</p><p>importunação sexual, caso ocorra, pode configurar o crime de injúria.</p><p>AULA 6 - CONSEQUÊNCIAS PENAIS, PROCESSUAIS PENAIS MILITARES</p><p>E CÍVEIS DA PRÁTICA DO CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL.</p><p>O assediador pode ser punido tanto na esfera civil, como também nas esferas</p><p>administrativa e penal. Sendo o assediador um servidor público, o Estado (União,</p><p>Estado ou Município) pode ser responsabilizado civilmente pelos danos materiais e</p><p>morais sofridos pela vítima, porque possui, segundo atribuição legal, art. 37, §6º, da CF,</p><p>responsabilidade objetiva, ou seja, independe de prova de culpa. Ao ser comprovado</p><p>o assédio e o dano, cabe ao Estado indenizar a vítima.</p><p>24</p><p>P. 21</p><p>111</p><p>6.1. Consequências Penais e Processuais Penais Militares.</p><p>Ao tratarmos aqui do crime de assédio sexual no Código Penal Militar - item</p><p>4, fora explicitado que, para que se configure como militar, o crime deve se encaixar</p><p>em uma das hipóteses do artigo 9º, II, letras a a e, o qual aqui transcrevemos</p><p>novamente:</p><p>Art. 9º. (...)</p><p>II - os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando</p><p>praticados:</p><p>a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na</p><p>mesma situação ou assemelhado;</p><p>b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à</p><p>administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou</p><p>assemelhado, ou civil;</p><p>c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de</p><p>natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à</p><p>administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;</p><p>d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da</p><p>reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;</p><p>e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio</p><p>sob a administração militar,</p><p>ou a ordem administrativa militar;</p><p>f) revogada. (BRASIL, 2017)</p><p>Ou seja, os crimes previstos no Código Penal Militar ou na Legislação Penal</p><p>Comum ou Extravagante, quando praticados em uma das situações acima transcritas,</p><p>configuram-se como crimes militares, cuja competência para processo e julgamento</p><p>cabe à Justiça Militar, inclusive no caso do crime de assédio sexual previsto no artigo</p><p>216-A do CP.</p><p>Consoante artigo 7° do Código de Processo Penal Militar, o inquérito policial</p><p>militar é presidido por oficial nomeado por portaria, mediante delegação dos poderes</p><p>das autoridades enumeradas no caput do citado dispositivo legal. A nomeação deverá</p><p>recair em oficial de posto superior ao do indiciado, seja este oficial da ativa, da reserva,</p><p>112</p><p>remunerada ou não, ou reformado, ou, não sendo possível, poderá ser feita a oficial do</p><p>mesmo posto, desde que mais antigo (§§ 2º e 3º).</p><p>Concluído o inquérito policial, ele é enviado ao Ministério Público Militar que,</p><p>entendendo haver elementos suficientes à propositura da ação penal, assim o fará</p><p>perante a Justiça Militar Federal ou Estadual, conforme o caso concreto. Por</p><p>conseguinte, inicia-se a ação penal militar, que seguirá o rito ordinário previsto no</p><p>CPPM, em conformidade com o entendimento majoritário da doutrina, vez que a Lei</p><p>n° 9.099/95, que “Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras</p><p>providências”, não se aplica aos crimes militares por expressa vedação prevista no</p><p>artigo 90-a25 da referida Lei.</p><p>Há ainda entendimento doutrinário de que é possível a aplicabilidade da Lei</p><p>Maria da Penha - Lei nº 13.340/2006 - nos casos de crime praticado contra mulher</p><p>militar no seu âmbito doméstico, visto que é possível a aplicabilidade da proteção legal</p><p>ali prevista na seara castrense - artigos 5º, I e 7º, III.26</p><p>25 Art. 90-A. As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar.</p><p>26 Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer</p><p>ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico</p><p>e dano moral ou patrimonial:</p><p>I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas,</p><p>com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;</p><p>Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:</p><p>III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a</p><p>participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que</p><p>a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar</p><p>qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,</p><p>mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus</p><p>direitos sexuais e reprodutivos;</p><p>113</p><p>6.2. Consequências Cíveis.</p><p>Por se configurarem como atos ilícitos, o autor do crime de assédio sexual se</p><p>sujeita às consequências previstas no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal27 e</p><p>artigos 186 e 927 do Código Civil28.</p><p>A vítima do crime de assédio sexual é vítima de violação aos direitos da</p><p>personalidade, sobretudo aos direitos de integridade psíquica, moral e sexual. Muitas</p><p>são as lesões, sobretudo de ordem moral e psíquica, sofridas pelas vítimas de assédio,</p><p>principalmente pelas mulheres, que se veem objetivadas e consideradas apenas e tão</p><p>somente como objeto de prazer de seus companheiros.</p><p>Muitos são os julgados que reconhecem que o dano moral nos crimes de</p><p>assédio sexual é presumido - dano in re ipsa - em razão da grave violação aos direitos</p><p>da personalidade. Isso significa que a vítima desse tipo de crime não precisa comprovar</p><p>o dano sofrido, como dor e angústia, bastando a prova da prática do assédio para que</p><p>ela faça jus à indenização.</p><p>Embora, a grande maioria destes julgados tenham sido proferidos pelos</p><p>Tribunais do Trabalho, impõem-se a aplicabilidade do mesmo raciocínio para os casos</p><p>de crimes de assédios praticados nas instituições militares e policiais, visto que se trata</p><p>do mesmo crime e, portanto, das mesmas consequências ou até mais gravosas em</p><p>razão da estrutura hierarquizada e predominantemente masculina destas instituições.</p><p>27 Art. 5º. (omissis)</p><p>V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material,</p><p>moral ou à imagem;</p><p>28 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e</p><p>causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.</p><p>Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.</p><p>Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos</p><p>especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,</p><p>por sua natureza, risco para os direitos de outrem.</p><p>114</p><p>Vejamos alguns julgados da Justiça Laboral neste sentido:</p><p>INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ASSÉDIO SEXUAL. Para que a</p><p>empregada faça jus à reparação por danos morais decorrentes de assédio</p><p>sexual, exige-se apenas a comprovação do ato ilícito praticado pelo seu</p><p>empregador, já que, neste caso, o sofrimento experimentado pela vítima é</p><p>presumido. RESCISÃO INDIRETA. O fato ensejador da rescisão indireta há que</p><p>ser de tal gravidade, que inviabilize a continuidade do pacto laboral. Alegado</p><p>pela reclamante o motivo para a rescisão indireta, é todo seu o encargo de</p><p>provar a gravidade do fato a ensejar o seu pleito. Ocorrendo a prova real do</p><p>motivo para resolução indireta do contrato de trabalho, esta deve ser acolhida.</p><p>(TRT-3 - RO: 01342201400603002 MG 0001342-34.2014.5.03.0006,</p><p>Relator: Eduardo Aurelio P. Ferri, Sexta Turma, Data de Publicação:</p><p>13/02/2015.)</p><p>ASSÉDIO SEXUAL. CONDUTA COM CONOTAÇÃO RACISTA E</p><p>HOMOFÓBICA. CONVENÇÃO 111 DA OIT. DANO MORAL IN RE IPSA.</p><p>INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. O comportamento inadequado por parte do</p><p>superior hierárquico, confirmado pela prova oral produzida nos autos, com</p><p>violação da honra e imagem da trabalhadora, durante a jornada de trabalho e</p><p>no exercício de suas funções, mediante conduta imprópria de convite para</p><p>práticas sexuais, com contornos homofóbicos e racistas, configura assédio</p><p>sexual, cuja responsabilização prescinde da prova de efetivo dano suportado</p><p>pela vítima, bastando que se prove tão somente a prática do ilícito do qual ele</p><p>emergiu (dano in re ipsa). 2. Nos termos da Convenção 111 da OIT, ratificada</p><p>pelo Brasil, toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor,</p><p>sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por</p><p>efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no</p><p>emprego ou profissão é prática discriminatória a ser abolida no mercado de</p><p>trabalho.</p><p>(TRT-4 - RO: 00000559220125040001 RS 0000055-</p><p>92.2012.5.04.0001, Relator: MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO, Data de</p><p>Julgamento: 14/05/2014, 1ª Vara do Trabalho de Porto Alegre)</p><p>AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA</p><p>EMPRESA. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ASSÉDIO SEXUAL. DANUM IN RE</p><p>IPSA. A Corte de origem, com apoio no conjunto probatório dos autos,</p><p>reconheceu que houve a prática de assédio sexual pelo preposto da</p><p>reclamada, razão pela qual manteve a condenação da empresa ao pagamento</p><p>de indenização por danos morais no importe de R$20.000,00. A insurgência</p><p>da empresa reside na alegada ausência da comprovação do dano. Ocorre que</p><p>o dano moral emerge da simples violação do direito de personalidade, uma</p><p>vez que a dor não se prova, mas se presume da prova do fato - no caso, o</p><p>comprovado assédio sexual - o que é suficiente para caracterizar o dano de</p><p>ordem moral, de maneira que não subsiste o argumento de que não ficou</p><p>comprovada</p><p>a existência efetiva do dano à honra ou à intimidade da autora.</p><p>Incólumes os citados preceitos de lei e da Constituição Federal. DANOS</p><p>MORAIS. MONTANTE DA INDENIZAÇÃO. Esta Corte Superior já decidiu que,</p><p>quando o valor atribuído não for teratológico, deve a instância extraordinária</p><p>abster-se de rever o sopesamento fático no qual se baseou o Tribunal de</p><p>origem para arbitrar o valor da indenização proporcional ao dano moral</p><p>115</p><p>causado pelo empregador. A decisão que arbitrou o valor da indenização é</p><p>amplamente valorativa, ou seja, foram considerados pelo Tribunal Regional os</p><p>aspectos fáticos, ora questionados. Observou a Corte de origem a condição</p><p>econômica das partes, o grau de responsabilidade do empregador e a</p><p>gravidade da ofensa, com a observância do princípio da razoabilidade.</p><p>Ponderou, ainda, a Corte de origem que não deve ser fixado um valor irrisório</p><p>ou que importe no enriquecimento injustificado da vítima ou na ruína do</p><p>empregador. Diante dos fatos e provas revelados pelo Tribunal Regional, a</p><p>decisão não caracteriza ofensa direta e literal ao artigo 5º, V, X, XXXV e LV, da</p><p>CF/88. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. RECURSO DE REVISTA</p><p>DA EMPRESA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDIÇÕES DE DEFERIMENTO.</p><p>CREDENCIAL SINDICAL. NECESSIDADE. O Tribunal a quo condenou a empresa</p><p>ao pagamento de honorários advocatícios, baseando-se tão somente na</p><p>declaração de insuficiência de rendimentos da autora. Entretanto, esta e. Corte</p><p>Superior, pacificando entendimento acerca do cabimento de honorários</p><p>assistenciais na Justiça do Trabalho, nos termos da Súmula nº 219, item I,</p><p>dispôs que é necessário o preenchimento de dois requisitos para o</p><p>deferimento da verba, quais sejam: estar a parte assistida por sindicato da</p><p>categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro</p><p>do mínimo legal ou encontrar-se em situação que não lhe permita demandar</p><p>sem prejuízo do próprio sustento ou de sua família. Destarte, a decisão</p><p>proferida pelo Tribunal Regional merece reforma, a fim de se adequar à</p><p>jurisprudência pacificada desta c. Corte. Recurso de revista conhecido por</p><p>contrariedade às Súmulas n os 219 e 329 do Tribunal Superior do Trabalho e</p><p>provido. CONCLUSÃO: Agravo de instrumento conhecido e desprovido e</p><p>recurso de revista conhecido e provido.</p><p>(TST - ARR: 2112120155040601, Relator: Alexandre de Souza Agra</p><p>Belmonte, Data de Julgamento: 29/08/2018, 3ª Turma, Data de Publicação:</p><p>DEJT 31/08/2018)</p><p>Mediante o exposto, é válido destacar que o autor do crime de assédio fica</p><p>ainda sujeito ao pagamento dos danos materiais ocasionados à vítima, quais sejam,</p><p>pagamento de tratamento psicológico e de medicamentos, dentre outros, estes</p><p>mediante comprovação das despesas.</p><p>A Lei Maria da Penha traz expressa previsão de que o autor de violência física,</p><p>sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir</p><p>todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS).29</p><p>29 Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma</p><p>articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no</p><p>Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas</p><p>públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.</p><p>116</p><p>Além das consequências acima elencadas, pode ensejar na ruptura do vínculo</p><p>por justo motivo do empregador por iniciativa do empregado, o que é conhecido</p><p>como rescisão indireta do contrato de trabalho, com fulcro nas disposições do art. 483,</p><p>letras ‘c’ a ‘e’, da CLT.</p><p>Além disso, deve-se mencionar que a responsabilidade pelo ressarcimento dos</p><p>danos sofridos pelo trabalhador(a) é de responsabilidade do empregador, já que a ele</p><p>compete suportar os riscos do empreendimento e prezar pela integridade física e</p><p>psíquica de todos os seus colaboradores, identificando e punindo aqueles que</p><p>interferem na privacidade alheia ou obstam o pleno exercício de quaisquer outras</p><p>garantias fundamentais de outros trabalhadores.</p><p>Por fim, há de se mencionar que o empregador, além de possuir a prerrogativa</p><p>de optar pelo encerramento do vínculo de trabalho com o colaborador assediador por</p><p>justa causa, com fundamento no art. 482, letra j, da CLT, também poderá ingressar em</p><p>juízo contra o próprio faltoso para que se veja ressarcido dos danos por ele causados.</p><p>§ 4º Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral</p><p>ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema</p><p>Único de Saúde (SUS), de acordo com a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados</p><p>para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os recursos</p><p>assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que</p><p>prestarem os serviços.</p><p>117</p><p>FINALIZANDO...</p><p>Nesse módulo você aprendeu que:</p><p>• O assédio sexual praticado contra as mulheres é uma forma de</p><p>violação aos direitos humanos ameaçam a igualdade de</p><p>oportunidades e são incompatíveis com o trabalho decente.</p><p>• O enfrentamento passa pela compreensão das definições legais,</p><p>conforme apresentado pela cartilha do Conselho Nacional do</p><p>Ministério Público sobre assédio moral e sexual; Política Nacional de</p><p>Enfrentamento à Violência contra as Mulheres;</p><p>• É necessário identificar situações enquanto assédio e tipificá-las</p><p>adequadamente é parte desse processo.</p><p>• Diversamente do assédio sexual, o crime de importunação sexual</p><p>não exige haja conexão com a relação hierárquica ou funcional -</p><p>superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de</p><p>emprego, cargo ou função – entre o agente e a vítima.</p><p>118</p><p>MÓDULO 4 - OS MECANISMOS DE DENÚNCIA E AS REDES</p><p>SOCIAIS COMO NOVO ESPAÇO DE FALA DAS MULHERES</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>A proposta deste módulo é refletir sobre as redes de enfrentamento</p><p>disponíveis no país como estratégia de fortalecimento do atendimento e acolhimento</p><p>das mulheres vítimas de violência doméstica e de assédio moral e sexual no ambiente</p><p>de trabalho.</p><p>OBJETIVOS</p><p>• Conhecer as redes protetivas institucionais existentes para prevenção e</p><p>combate à violência contra as mulheres e medidas de assistência às</p><p>mulheres em situação de violência;</p><p>• Reconhecer espaços de fala individuais e propagados por movimentos</p><p>coletivos construídos no ambiente online, sobretudo, em redes sociais.</p><p>• Refletir sobre o papel das redes de enfrentamento disponíveis no país</p><p>119</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A violência contra a mulher, motivada pela condição de gênero, passa a ser</p><p>reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como fenômeno da saúde da</p><p>mulher e, consequentemente, da saúde pública apenas a partir de 1996. Nesse</p><p>contexto, considera-se atos de violência o uso intencional de força ou poder</p><p>direcionado a um alvo, seja um indivíduo ou um grupo. Dessa forma, se configura em</p><p>uma relação interpessoal ou em uma coletividade. (PARENTE, yu et al, 2009)</p><p>Contudo, tal prática se estabelece antes disso, sendo considerada, inclusive,</p><p>um fenômeno histórico. De acordo com Saffioti (1997) a violência se torna uma</p><p>questão de saúde pública quando atinge muitas vítimas, provoca repercussões</p><p>destrutivas e extremamente nocivas à sanidade física e mental do indivíduo. Do ponto</p><p>de vista econômico, registra decorrências para o país como: a redução do Produto</p><p>Interno Bruto (PIB) em virtude da impossibilidade de trabalho da vítima e, com isso, a</p><p>ausência no ambiente de trabalho, queda da produtividade e a sobrecarga no sistema</p><p>de seguridade social.</p><p>Deste modo, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos</p><p>Humanos (MMFDH) divulgou, no dia</p><p>07 de março de 2021, que os</p><p>canais Disque 100 e Ligue 180, do Governo Federal, registraram</p><p>105.821 denúncias de violência contra a mulher em 2020. O dado</p><p>corresponde a cerca de 12 denúncias por hora. Desse total, 72%</p><p>(75.894 denúncias) se referem à violência doméstica e familiar. De</p><p>acordo com a Lei Maria da Penha, esse tipo de violência engloba casos</p><p>de ação ou omissão que provoquem morte, lesão, sofrimento físico,</p><p>abuso sexual, psicológico, danos morais ou patrimoniais.30</p><p>30 Acesse a matéria no link: https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2021/03/canais-</p><p>registram-mais-de-105-mil-denuncias-de-violencia-contra-mulher-em-2020</p><p>https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2021/03/canais-registram-mais-de-105-mil-denuncias-de-violencia-contra-mulher-em-2020</p><p>https://www.gov.br/pt-br/noticias/assistencia-social/2021/03/canais-registram-mais-de-105-mil-denuncias-de-violencia-contra-mulher-em-2020</p><p>120</p><p>No mercado de trabalho, a desigualdade de gênero potencializa os obstáculos</p><p>para as mulheres. Embora, representem 44% das vagas de emprego registradas no</p><p>país, elas somam somente 3% das posições de liderança e de CEOs (diretoras</p><p>executivas) no Brasil, apesar de apresentarem níveis maiores de qualificação. Estudos</p><p>apontam que recebem, em média, cerca de 3/4 do salário dos homens.</p><p>Essa desigualdade de gênero no mercado de trabalho está presente em toda</p><p>sociedade e com impactos na segregação por gênero e raça na perspectiva do</p><p>rendimento. De acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística</p><p>(IBGE), em 2018, o rendimento médio das mulheres ocupadas, com idade entre 25 e</p><p>49 anos de idade, foi de R $2.050, o equivalente a 79,5% da remuneração dos homens</p><p>nesse mesmo grupo etário. Se considerarmos a cor ou raça, a desigualdade é ainda</p><p>maior entre homens e mulheres negros. O estudo aponta que a proporção de</p><p>rendimento médio da mulher branca ocupada em relação ao do homem branco</p><p>ocupado era de 76,2%, ou seja, menor do que entre mulher e homem de cor preta ou</p><p>parda (80,1%).</p><p>A pesquisa aponta ainda que entre as ocupações selecionadas a participação</p><p>das mulheres era maior entre os trabalhadores dos serviços domésticos em geral,</p><p>corresponde a 95,0% do total.</p><p>121</p><p>Tabela 3 - Rendimento médio dos trabalhos das mulheres em relação aos homens Razão (%) do rendimento médio habitual de</p><p>todos os trabalhos de mulheres em relação ao de homens de 25 a 49 anos de idade.</p><p>Fonte: Censo IBGE, 2018.</p><p>Somado a esses desafios, impostos por um mercado de trabalho que</p><p>tem avançado - porém ainda segregador, a mulher precisa conviver</p><p>com o assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. Estima-se que</p><p>de cada três mulheres, uma já foi assediada nesse contexto.31</p><p>Diante da relevância social e a condição de saúde pública inerente à violência</p><p>contra a mulher, praticada por conta do gênero, este módulo tem o objetivo de refletir</p><p>sobre as redes de enfrentamento disponíveis no país como estratégia de</p><p>fortalecimento do atendimento e acolhimento das mulheres vítimas de violência</p><p>doméstica e de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho.</p><p>31 Acesse os dados no link: https://vocerh.abril.com.br/mercado-vagas/uma-em-cada-tres-mulheres-</p><p>ja-sofreu-assedio-no-trabalho/</p><p>https://censoagro2017.ibge.gov.br/2013-agencia-de-noticias/releases/23923-em-2018-mulher-recebia-79-5-do-rendimento-do-homem.html</p><p>https://vocerh.abril.com.br/mercado-vagas/uma-em-cada-tres-mulheres-ja-sofreu-assedio-no-trabalho/</p><p>https://vocerh.abril.com.br/mercado-vagas/uma-em-cada-tres-mulheres-ja-sofreu-assedio-no-trabalho/</p><p>122</p><p>Figura 30 - Importunação Sexual</p><p>Fonte: https://www.naosecale.ms.gov.br/importunacao-sexual/.</p><p>Tais como redes protetivas institucionais baseadas em diretrizes de prevenção</p><p>e combate à violência contra as mulheres e medidas de assistência às mulheres em</p><p>situação de violência, como Ouvidoria do Ministério da Mulher, da Família e dos</p><p>Direitos Humanos, Centros de Referência, Delegacias da Mulher, Casas-Abrigo,</p><p>Defensorias da Mulher e Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher</p><p>nos municípios e a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180). A proposta é também</p><p>apresentar espaços de fala individuais e propagados por movimentos coletivos</p><p>construídos no ambiente online, sobretudo, em redes sociais. São eles: os movimentos</p><p>Primavera das Mulheres, #metoo e Somos Todos Marias.</p><p>Em suma, a denúncia é a principal porta de entrada da vítima para a rede</p><p>protetiva. Apesar dos avanços no enfrentamento do problema, o ato da denúncia</p><p>carrega ainda entraves que colaboram para o silêncio da vítima.</p><p>https://www.naosecale.ms.gov.br/importunacao-sexual/</p><p>123</p><p>AULA 1 - A DESIGUALDADE DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO</p><p>E O CONTEXTO DE ASSÉDIO MORAL.</p><p>A historiadora norte americana Joan Scott (1989) ressalta que a segregação da</p><p>mulher no mercado de trabalho e nas diversas relações estabelecidas na sociedade</p><p>constitui-se como consequência do processo de construção do conceito de gênero.</p><p>Sua definição é que “gênero é a organização social da diferença sexual percebida. O</p><p>que não significa que gênero reflita ou implemente diferenças físicas e naturais entre</p><p>homens e mulheres, mas sim que gênero é o saber que estabelece significados para as</p><p>diferenças corporais.” (SCOTT, 1989, p. 13).</p><p>A etimologia da palavra, inicialmente compreendida apenas do ponto de vista</p><p>do determinismo biológico estabelecido pelas diferenças entre homem e mulher,</p><p>posteriormente, adota abordagem polissêmica. Dessa forma, assume diversos</p><p>significados construídos a partir de cada contexto no qual está inserido. O corpo só</p><p>pode ser compreendido a partir da construção sociocultural, sendo indissociável da</p><p>cultura. Sob influência de Foucault, Scott relaciona o conceito de gênero com o espaço</p><p>de poder na sociedade:</p><p>Sem dúvida, está implícito que as disposições sociais que exigem que os pais</p><p>trabalhem e as mães cuidem da maioria das tarefas de criação dos filhos,</p><p>estruturam a organização da família. Mas a origem dessas disposições sociais</p><p>não está clara, nem o porquê delas serem articuladas em termos da divisão</p><p>sexual do trabalho. Não se encontra também nenhuma interrogação sobre o</p><p>problema da desigualdade em oposição àquele da simetria. Como podemos</p><p>explicar, no seio dessa teoria, as associações persistentes da masculinidade</p><p>com o poder e o fato de que os valores mais altos estão mais investidos na</p><p>qualidade de masculino do que na qualidade de feminino? Como podemos</p><p>explicar o fato de que as crianças aprendem essas associações e avaliações</p><p>mesmo quando elas vivem fora dos lares nucleares ou dentro de lares onde o</p><p>marido e a mulher dividem as tarefas parentais? Eu acho que não podemos</p><p>fazer isso sem dar uma certa atenção aos sistemas de significação, isto é, às</p><p>maneiras como as sociedades representam o gênero, utilizam-no para</p><p>articular regras de relações sociais ou para construir o sentido da experiência.</p><p>Sem o sentido não há experiência; sem processo de significação não há</p><p>sentido." (SCOTT, 1989)</p><p>124</p><p>Diante disso, o gênero é definido a partir da organização da sociedade</p><p>estabelecida conforme as diferenças das obrigações, deveres e papéis exercidos pelos</p><p>indivíduos. Logo, as desigualdades entre os sexos foram construídas socialmente. Por</p><p>conta disso, a história aponta que em diversos momentos estabeleceu-se uma relação</p><p>de superioridade de um sexo perante o outro.</p><p>Assim sendo, a maneira como cada sociedade atribui significados e representa</p><p>os gêneros traz o predomínio da relação entre masculinidade e poder. Em decorrência</p><p>disso, torna-se urgente a reformulação e a reorganização da simbologia entre as</p><p>diferenças do ponto de vista do gênero, desta forma, sendo fundamental para o</p><p>movimento feminista mudanças na imagem da mulher nas artes</p><p>e também na</p><p>comunicação. (DE ALMEIDA, 2017).</p><p>Trata-se da necessidade de mudança no papel exercido pela mulher perante o</p><p>homem, posicionando-a em uma condição de agente ativo na relação. No filme "Que</p><p>horas são?”, apesar da personagem Jéssica ser uma mulher empoderada, que teve</p><p>acesso à educação formal e com consciência de classe para não se deixar diminuir</p><p>socialmente em virtude de ser filha da empregada, nas duas cenas nas quais sofre</p><p>assédio do patrão, sente-se acuada a ponto de fugir e pedir desculpas pela situação.</p><p>Assim, se posicionando em condição inferior ao assediador.</p><p>AULA 2- OS DESAFIOS DAS VÍTIMAS PARA DENUNCIAR A VIOLÊNCIA</p><p>Apesar dos números alarmantes de casos de violência contra mulher</p><p>registrados no Brasil, há uma subnotificação das ocorrências. Reconhece-se o avanço</p><p>na legislação para punir agressores com a sanção, em 2006, da Lei Maria da Penha,</p><p>reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no</p><p>enfrentamento à violência contra a mulher. A lei impulsionou as denúncias que, só</p><p>entre 2006 e 2013, registrou aumento de 600%. Contudo, percebe-se o aumento das</p><p>125</p><p>denúncias, porém o acolhimento da vítima no processo ainda apresenta graves</p><p>entraves que prejudicam a mulher e desestimulam a efetivação da denúncia.32</p><p>A pesquisa "Violências contra as mulheres", realizada pelo Instituto</p><p>Datafolha por solicitação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública,</p><p>aponta que 52% das mulheres que sofreram algum tipo de agressão,</p><p>em 2018, optaram por não denunciar o agressor. No estudo, 2084</p><p>pessoas em 130 municípios foram ouvidas. De acordo com a pesquisa,</p><p>22% das mulheres buscaram ajuda em órgãos oficiais. O mais</p><p>procurado foi a delegacia da mulher.33 Diversos fatores colaboram</p><p>para o silêncio prevalecer entre as vítimas de violência.</p><p>2.1. Funcionamento com horário limitado e número insuficiente de</p><p>Delegacias Especializadas</p><p>As vítimas da violência apresentam demandas específicas e exigem maior</p><p>sensibilidade e acolhimento do poder público. Em uma cultura majoritariamente</p><p>machista, tornou-se imprescindível, com o intuito de proteger a denunciante, a criação</p><p>da Delegacia da Mulher (DDM), todavia a medida só foi adotada a partir dos anos 80.</p><p>O objetivo foi proporcionar um atendimento diferenciado às mulheres vítimas</p><p>de violência. Em teoria, em unidades especiais da polícia civil instaladas,</p><p>exclusivamente, para o atendimento desses casos, a mulher poderia receber um</p><p>acolhimento mais adequado. Sendo assim, consideradas uma das mais importantes</p><p>portas de entrada das denúncias de agressão. De acordo com a Lei Maria da Penha, a</p><p>denúncia deve ser registrada em Boletim de Ocorrência (B.O.) que será enviado ao juiz</p><p>32 Acesse o link:</p><p>https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151209_obstaculos_violencia_mulher_rm</p><p>33 Acesse no link: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/02/maioria-das-mulheres-nao-</p><p>denuncia-agressor-a-policia-ou-a-familia-indica-pesquisa.shtml</p><p>https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151209_obstaculos_violencia_mulher_rm</p><p>https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/02/maioria-das-mulheres-nao-denuncia-agressor-a-policia-ou-a-familia-indica-pesquisa.shtml</p><p>https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/02/maioria-das-mulheres-nao-denuncia-agressor-a-policia-ou-a-familia-indica-pesquisa.shtml</p><p>126</p><p>em, no máximo, 48 horas, prazo também para a apresentação da justiça da decisão</p><p>sobre a concessão das medidas protetivas de urgência.</p><p>Quadro 2 - Organograma dos procedimentos de denúncia 34</p><p>Fonte: SOUZA, F. F.; MELETTI, M. D., 2019, p. 23.</p><p>Atendendo demanda do movimento de mulheres e do primeiro Conselho de</p><p>Gênero do país, o Conselho Estadual da Condição Feminina, a primeira DDM foi criada</p><p>em São Paulo, em agosto de 1985 (SAFFIOTI, 1997). Atualmente, existem apenas 400</p><p>delegacias especializadas no atendimento à mulher no país, distribuídas em 374</p><p>cidades brasileiras35. O Brasil tem pouco mais de 5,5 mil municípios, logo em 91,7%</p><p>deles, segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais e Estaduais (Munic),</p><p>34 Acesse matéria completa com o título "A denúncia como porta de entrada do combate à violência</p><p>contra a mulher" no link:</p><p>http://www.labcidade.fau.usp.br/a-denuncia-como-porta-de-entrada-do-combate-a-violencia-contra-</p><p>a-mulher/</p><p>35 https://azmina.com.br/reportagens/so-7-das-cidades-brasileiras-contam-com-delegacia-da-mulher/</p><p>http://www.labcidade.fau.usp.br/a-denuncia-como-porta-de-entrada-do-combate-a-violencia-contra-a-mulher/</p><p>http://www.labcidade.fau.usp.br/a-denuncia-como-porta-de-entrada-do-combate-a-violencia-contra-a-mulher/</p><p>https://azmina.com.br/reportagens/so-7-das-cidades-brasileiras-contam-com-delegacia-da-mulher/</p><p>127</p><p>divulgada em 2019 pelo IBGE, a mulher vítima de violência terá que buscar</p><p>atendimento em uma delegacia comum para registrar a denúncia36.</p><p>Todas as capitais e o Distrito Federal possuem pelo menos uma unidade</p><p>dessas delegacias, mas sua distribuição é bastante desigual no território</p><p>nacional. Menos de 10% dos municípios brasileiros possuem delegacia da</p><p>mulher; 11% estão situadas nas capitais; 49% estão situadas na região Sudeste</p><p>(que concentra 43% da população feminina); 32% estão localizadas no estado</p><p>de São Paulo (que concentra 22% da população feminina). É também</p><p>importante notar que, embora a criação das delegacias da mulher seja regida</p><p>por decretos e leis estaduais, muitas vezes sua instalação depende de acordos</p><p>entre o governo do estado e dos municípios, que ficam responsáveis por ceder</p><p>e administrar os espaços físicos necessários para o funcionamento das</p><p>delegacias." (PASINATO, p. 13)</p><p>Além do número insuficiente de Delegacias Especializadas de Atendimento às</p><p>Mulheres, das unidades existentes somente 15% funcionam 24 horas. Casos</p><p>registrados em fins de semana e além do horário comercial são encaminhados às</p><p>delegacias comuns. Contudo, a Norma Técnica de Padronização das Delegacias da</p><p>Mulher37, publicada em 2010, aponta que para municípios de até 300 mil habitantes</p><p>deve contar com, no mínimo, duas delegacias especializadas na cidade em</p><p>funcionamento por 24h.</p><p>Em São Paulo, por exemplo, atualmente, apenas sete delegacias da mulher</p><p>funcionam 24h. A informação sobre as delegacias especializadas em todo o país pode</p><p>ser adquirida pelo Disque 180. Após a denúncia registrada na delegacia, a vítima pode</p><p>ser encaminhada a realização de exames para aferir as violências com exames de lesões</p><p>corporais ou de corpo de delito. Os procedimentos são realizados em institutos de</p><p>saúde especializados em perícias, como o Instituto Médico Legal.</p><p>A vítima ainda pode pedir medida protetiva na Justiça com o objetivo de</p><p>afastar o agressor. Nesse caso, busca os Centros de Cidadania da Mulher (CCM),</p><p>36 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/03/11/senado-aprova-criacao-de-delegacias-</p><p>de-atendimento-a-mulher</p><p>37 https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2012/08/MJ-2010-Norma-</p><p>Tecnica-Padronizacao-DEAMs.pdf</p><p>https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/03/11/senado-aprova-criacao-de-delegacias-de-atendimento-a-mulher</p><p>https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/03/11/senado-aprova-criacao-de-delegacias-de-atendimento-a-mulher</p><p>https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2012/08/MJ-2010-Norma-Tecnica-Padronizacao-DEAMs.pdf</p><p>https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2012/08/MJ-2010-Norma-Tecnica-Padronizacao-DEAMs.pdf</p><p>128</p><p>Centros de Referência à Mulher (CRM) ou Centros de Defesa e Cidadania da Mulher</p><p>(CDCM). Se a decisão de afastamento do agressor demorar, a vítima pode recorrer à</p><p>Defensoria ou Ministério Público para pressionar os juízes por mais agilidade. Quando</p><p>todos esses serviços são ofertados em locais e horários distintos, tendo em vista que</p><p>algumas dessas instituições não são 24h, a vítima enfrenta</p><p>no mercado de trabalho.</p><p>OBJETIVOS</p><p>• Conhecer a história da mulher na sociedade e no mercado de</p><p>trabalho;</p><p>• Identificar aspectos da cultura patriarcal e de como ela permanece</p><p>arraigada atualmente;</p><p>• Perceber como se dão as relações de distribuição do trabalho e a</p><p>questão do gênero; e</p><p>• Compreender as nuances do fenômeno do assédio e como ele</p><p>pode ser legitimado pela cultura patriarcal.</p><p>10</p><p>AULA 1 - MULHER: DA ANTIGUIDADE AO PENSAMENTO MODERNO</p><p>Para compreender o assédio sexual e as diversas formas de violência contra</p><p>a mulher e como elas se desenvolvem socialmente é imprescindível construir um</p><p>olhar histórico e cultural para pensar na formação de comportamentos que são</p><p>mantidos até a atualidade.</p><p>Em toda a história, observa-se uma dominação masculina historicamente</p><p>construída, autoatribuída de grande protagonismo, que reverbera no</p><p>estabelecimento de uma lógica de ser e de organizar a sociedade ainda muito</p><p>pautadas em uma norma cis-heteropatriacral1.</p><p>Figura 4 - Homem ao longo da história estabeleceu o poder de autoridade sobre a família.</p><p>Fonte: Family Portrait, do artista sírio-palestino Yasser Abu Hamed.</p><p>Devido a esse protagonismo narrativo assumido pela masculinidade, Lerner</p><p>(1986) aponta que ao buscar os aspectos históricos que nos remetem à história da</p><p>1 Sistema sociopolítico, no qual a heterossexualidade cisgênero masculina tem supremacia sobre as</p><p>demais formas de identidade de gênero e sobre as outras orientações sexuais. É um termo que enfatiza</p><p>que a discriminação exercida tanto sobre as mulheres como sobre as pessoas LGBT e tem o mesmo</p><p>princípio social machista.</p><p>11</p><p>mulher, insuficientes foram os achados, tendo em vista que existe pouco material</p><p>significativo disponível sobre mulheres, e sugere pautar a história da mulher na</p><p>sociedade através dos filósofos e estudiosos da antiguidade até os dias atuais.</p><p>Os principais filósofos, estudiosos, e pessoas que ajudaram a construir o</p><p>pensamento moderno discorriam sobre o papel da mulher desde antes de Cristo e</p><p>assim continuam fazendo de acordo com a realidade cultural de cada época. Uma</p><p>breve análise desses estudos e falas ajudam a compreender como a mulher foi vista</p><p>em cada um destes cenários.</p><p>Nesse sentido, Vilaça (2019) corrobora com Lerner ao considerar que,</p><p>ao olharmos para a história, constatamos a exclusão do princípio</p><p>feminino em todas as esferas: na política, na arte, na religião etc.,</p><p>aprisionando-a em um lugar de exclusão, submissão e</p><p>inferioridade.” (VILAÇA, 2019, p. 60)</p><p>Ainda segundo o pesquisador, a dominação masculina sempre foi expressa</p><p>na história, manifestando-se por meio de espancamentos, de estupros, do assédio</p><p>moral, da violência doméstica, e de uma forma mais sutil, na própria compreensão</p><p>da mulher como “objeto”.</p><p>Figura 5 - Representação da mulher com obrigação de gerar filhos e obedecer ao marido</p><p>Fonte: https://victorianweb.org/art/illustration/leech/38.htl.</p><p>https://victorianweb.org/art/illustration/leech/38.htl</p><p>12</p><p>Voltando um pouco mais em uma linha cronológica da história, Pitágoras</p><p>(Séc. V a.C) considera que no universo havia “um princípio bom, que criou o céu e a</p><p>ordem, a luz e o homem, e um princípio mau, que criou o caos, as trevas e a mulher”</p><p>(Grifo nosso). Esse pensamento foi um dos precursores dos principais filósofos pré-</p><p>socráticos, e que influenciaram sobremaneira o pensamento ocidental, que seguem</p><p>até os dias de hoje, conforme Rodrigues2 (2017).</p><p>Platão segue em um pensamento muito similar ao de Pitágoras em</p><p>relação à mulher na obra República, conforme Alves-Jesus (2015, p.</p><p>238). Embora ele apresente as categorias “homem” e “mulher” como</p><p>distintos em biologia e funções, ainda apresenta a mulher como um</p><p>ser “inferior e débil”.</p><p>Esta construção teórica é validada por Lerner (1986), ao dizer que Aristóteles</p><p>(Séc. III a.C) pressupunha que as mulheres fossem incompletas e defeituosas, uma</p><p>espécie diferente em relação ao homem. Fato esse que o fez afirmar que a mulher</p><p>era, na verdade, “um homem invertido”, sendo assim concebida como um ser pouco</p><p>superior aos escravos e inferior aos homens, já que era “desprovida de alma”, estando</p><p>bem próxima da animalidade. (Vilaça, pag.71, 2019)</p><p>Figura 6 - A demonização da imagem da mulher figuras femininas interpretadas como a</p><p>personificação do mal e da destruição</p><p>Fonte: https://blogfca.pucminas.br/colab/caca-as-bruxas-feminismo/.</p><p>2 RODRIGUES, José Paz. Sócrates e o seu Método da Maiêutica e a Ironia. Disponível em:</p><p>https://pgl.gal/socrates-metodo-da-maieutica-ironia/</p><p>https://blogfca.pucminas.br/colab/caca-as-bruxas-feminismo/</p><p>13</p><p>Nesta concepção de hierarquização dos gêneros com relação à ocupação dos</p><p>espaços, Aristóteles classifica o espaço da pólis, ou seja, o espaço público, como</p><p>pertencente exclusivamente aos homens. À mulher e aos escravos reserva-se o oikos,</p><p>mundo doméstico. Essa segregação permanecerá sendo utilizada como referência</p><p>para aprisionar as mulheres, definindo lhes os papéis possíveis, como você verá nos</p><p>módulos seguintes.</p><p>Vilaça (2019) segue apresentando concepções que permanecem</p><p>reforçando uma inferiorização do feminino. Para ele, em Santo</p><p>Agostinho (Séc. IV d.C) e Tomás de Aquino, já na Idade Média as ideias</p><p>de Platão e Aristóteles foram acentuadas, ao considerarem a mulher</p><p>como um “homem deficiente”, e que deveria ocupar o lugar de</p><p>escrava, diferentemente do homem, que deveria ser “mestre’. Tais</p><p>ideias embasaram o famoso livro “Martelo das Feiticeiras”, uma obra</p><p>da misoginia medieval utilizada como referência para as ações</p><p>inquisitórias de caça às bruxas.</p><p>Figura 7 - A caça às bruxas e o feminismo contemporâneo.</p><p>Fonte: https://blogfca.pucminas.br/colab/caca-as-bruxas-feminismo/.</p><p>Já no século XVII, as contribuições de Descartes reverberaram nas ciências</p><p>sociais e humanas, influenciando o pensamento da época até o mundo atual.</p><p>Descartes propõe um pensamento objetivo e racional para perceber a realidade -</p><p>“penso, logo existo”. Essa compreensão influenciou e continua influenciando o</p><p>https://blogfca.pucminas.br/colab/caca-as-bruxas-feminismo/</p><p>14</p><p>pensamento contemporâneo, na medida que dicotomiza o mundo, valorizando o</p><p>pensar em detrimento do sentir. Deste modo, as emoções passam a ser tratadas</p><p>como características femininas, culminando em uma separação mente e corpo, razão</p><p>e emoção e feminino e masculino. Por conseguinte, se associa essa reflexão às ideias</p><p>de Pitágoras - “princípio bom, princípio mal”.</p><p>Assim, em meio ao Iluminismo e ao pensamento inovador de Descartes é</p><p>necessário observar que o pensamento moderno construiu uma compreensão que</p><p>privilegia os valores considerados masculinos, enquanto deprecia os valores</p><p>considerados femininos. Desvaloriza-se o espírito humano, enquanto superestima-se</p><p>o racionalismo, o que situa o homem como a figura do progresso e apaga a mulher</p><p>do processo.</p><p>Figura 8 – Divisão de gênero no trabalho</p><p>Fonte: https://qgfeminista.org/o-que-e-divisao-sexual-do-trabalho/.</p><p>Sob este ponto de vista, o cartesianismo produz uma relação não dialética</p><p>que vai ser o fio condutor do pensamento moderno, como argumenta Saffioti (1993).</p><p>Diz-se não dialética porque irá estabelecer polos contraditórios - masculino e</p><p>feminino - e excludentes entre si, sem a possibilidade de síntese. Isso fica claro na</p><p>diferenciação que passa a fazer parte da essência do pensamento da humanidade,</p><p>https://qgfeminista.org/o-que-e-divisao-sexual-do-trabalho/</p><p>15</p><p>que é o racional e o emocional, o espiritual e o corporal, o eu e o outro, o homem e</p><p>a mulher.</p><p>Nessa diferenciação o homem, ser masculino, se auto institui a primazia</p><p>como categoria de gênero, em razão da atribuição do masculino com o racional, com</p><p>a força, com o poder, elementos valorizados culturalmente, segundo a autora.</p><p>Ainda nessa perspectiva, Vilaça afirma que é a partir do cartesianismo</p><p>as dificuldades de</p><p>deslocamento, a ausência da rede apoio para acolher os filhos enquanto realiza os</p><p>procedimentos, além da falta de apoio no trabalho para justificar a ausência.</p><p>No caso de a vítima não ter condições de contratar um advogado, a Defensoria</p><p>Pública oferece atendimento jurídico às pessoas economicamente, socialmente e</p><p>juridicamente vulneráveis. Deste modo, o público atendido abrange quem não têm</p><p>renda comprovadamente suficiente para contratar advogado particular, sem prejuízo</p><p>do sustento. Ou ainda população com dificuldade de acesso ao sistema de justiça. São</p><p>eles crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, mulher vítima de violência</p><p>doméstica ou familiar, pessoas em situação de rua e em privação de liberdade ou</p><p>vítimas de preconceito de raça, etnia, origem, gênero, identidade de gênero e</p><p>orientação sexual.</p><p>Quadro 3 - Divisão da atuação das Defensorias Públicas</p><p>Fonte: https://www.defensoria.ms.def.br/pages/areas-de-atuacao.</p><p>Ainda nesse contexto, são consideradas pessoas juridicamente vulneráveis</p><p>aquelas que necessitam da tutela jurisdicional de imediato, caso contrário, correm risco</p><p>de morte. Nos casos de violência doméstica, a Defensoria Pública atua na solicitação</p><p>imediata e urgente de medidas protetivas para vítimas no Judiciário.</p><p>https://www.defensoria.ms.def.br/pages/areas-de-atuacao</p><p>129</p><p>Diante do número insuficiente e em virtude da limitação no horário de</p><p>funcionamento das Delegacias Especializadas de Atendimento à</p><p>Mulher (Deam), foi sancionada a Lei nº 14.541, de 3 de abril de 2023, que</p><p>determina o funcionamento ininterrupto das Delegacias Especializadas</p><p>de Atendimento à Mulher (Deam).</p><p>A iniciativa estabelece que o atendimento seja oferecido, preferencialmente,</p><p>por policiais do sexo feminino devidamente treinadas para o acolhimento humanitário</p><p>e eficiente dessas vítimas. O serviço ocorrerá diariamente, incluindo feriados, 24h por</p><p>dia, em sala reservada. Também será obrigatória a disponibilidade de assistência</p><p>psicológica e jurídica à mulher vítima de violência nas delegacias, em parceria com a</p><p>Defensoria Pública, os órgãos do Sistema Único de Assistência Social e os Juizados de</p><p>Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou varas criminais competentes.</p><p>Inclusive, o texto indica que nos municípios onde não há Deam, embora a delegacia</p><p>não seja especializada, deverão priorizar o atendimento da mulher vítima de violência</p><p>por agente feminina.</p><p>O Dep. Rodrigo Cunha, autor do projeto, em entrevista publicada no site</p><p>institucional do Senado Federal, justificou que a matéria legislativa visa garantir o</p><p>atendimento às mulheres, vítimas de violência, que deixam de registrar a denúncia por</p><p>conta da inexistência das delegacias especializadas no município ou em virtude do</p><p>funcionamento limitado a dia útil em horário comercial. “A Pesquisa de Informações</p><p>Básicas Municipais e Estaduais (Munic), divulgada em 2019 pelo IBGE, segundo a qual</p><p>em 91,7% dos municípios brasileiros falta delegacia especializada de atendimento à</p><p>mulher”, destacou o parlamentar.38</p><p>38 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/03/11/senado-aprova-criacao-de-delegacias-</p><p>de-atendimento-a-mulher</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14541.htm</p><p>https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/03/11/senado-aprova-criacao-de-delegacias-de-atendimento-a-mulher</p><p>https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/03/11/senado-aprova-criacao-de-delegacias-de-atendimento-a-mulher</p><p>130</p><p>2.2. Falta de capacitação de agentes públicos</p><p>Resultado de uma cultura machista inerente à sociedade contemporânea e</p><p>herança histórica da humanidade, agentes públicos, desde policiais a agentes do</p><p>judiciário, muitas vezes, oferecem um serviço que reitera estereótipos de inferiorização</p><p>da mulher em relação ao homem. Dessa forma, sem a capacitação necessária baseada</p><p>na sensibilidade à violência praticada pela condição de gênero, expõe a vítima a novas</p><p>agressões com questionamento sobre as vestimentas e a conduta da vítima,</p><p>minimizando, inclusive, as agressões relatadas. Tais atitudes evidenciam a fragilidade</p><p>da rede protetiva. Sem o devido acolhimento e até mesmo o descrédito atribuído à</p><p>vítima sobre a denúncia, a mulher opta pelo silenciamento ou pelo isolamento social</p><p>com o objetivo de se proteger do agressor.</p><p>2.3. Dificuldade para comprovar a agressão</p><p>Diante de agressões que, em geral, ocorrem sem testemunhas. Outras que têm</p><p>efeitos graves psicológicos, contudo não deixam marcas físicas visíveis. Em geral, o</p><p>perfil do agressor não tem indícios de suspeita, se comporta como outras pessoas, tem</p><p>uma boa reputação, muitos têm emprego, boas condições financeiras e tem, ainda por</p><p>cima, status social. Então, como comprovar que uma pessoa que "não tem cara de</p><p>agressor" cometeu a agressão? Como provar que existiu sequer a agressão? Esse</p><p>também é um grande desafio imposto à vítima. Com o objetivo de ressaltar a</p><p>importância do consentimento da mulher em qualquer relação, campanhas foram</p><p>realizadas em diversos países.</p><p>No Brasil, ganhou visibilidade o movimento "Não é não", organizado</p><p>pelo Coletivo feminista com o mesmo nome. Por meio da plataforma</p><p>131</p><p>Benfeitoria39, os apoiadores podem comprar diversos produtos, como</p><p>tatuagens temporárias, copos, bolsas, brincos, além de contratar a</p><p>realização de rodas de conversa em escolas sobre violência contra a</p><p>mulher. O dinheiro arrecadado é investido na confecção das tatuagens</p><p>temporárias com a frase "Não é não". A proposta é que sejam</p><p>utilizadas por foliões durante o carnaval, período no qual as mulheres</p><p>ficam ainda mais expostas ao assédio.</p><p>O coletivo "Não é não" foi criado no Rio de Janeiro em 2017 por um grupo de</p><p>amigas: Barbara Menchise, Aisha Jacob, Julia Parucker, Nandi Barbosa e Luka Borges.</p><p>Uma delas foi vítima de assédio em um ensaio de bloco de carnaval. O episódio</p><p>resultou no surgimento do movimento que, inicialmente, contou com a participação</p><p>de 40 mulheres e a distribuição gratuita de 4 mil tatuagens temporárias. Em 2019,</p><p>expandiu-se para 1420 mulheres de 9 estados brasileiros e 120 mil tatuagens. Em 2020,</p><p>a campanha chegou a 15 estados.40</p><p>Figura 31 - Campanha em respeito às mulheres: Não é Não!</p><p>Fonte: CanguruNews.</p><p>39 Acesse a plataforma Benfeitoria no link: https://benfeitoria.com/canal/naoenao</p><p>40 Acesse vídeo de divulgação da campanha Não é não: https://youtu.be/sfJM9DNgmHY</p><p>https://benfeitoria.com/canal/naoenao</p><p>https://youtu.be/sfJM9DNgmHY</p><p>https://youtu.be/sfJM9DNgmHY</p><p>132</p><p>Em outros países, como Canadá, as campanhas focaram no consentimento expresso</p><p>e afirmativo da mulher nas relações através da frase “Yes Means Yes” (Sim significa sim).</p><p>2.4. Vergonha da exposição</p><p>Em uma sociedade na qual prevalece uma cultura machista, muitas vezes, a</p><p>vítima sente vergonha de denunciar. Há casos em que a mulher mantém o ciclo de</p><p>violência doméstica para os filhos não perderam a convivência com o pai, o agressor a</p><p>ser denunciado. No trabalho, tem-se o receio da descrença sobre a agressão praticada</p><p>por homens hierarquicamente em posição superior na empresa.</p><p>AULA 3- DAS LÁGRIMAS À ESPERANÇA: A REDE PROTETIVA</p><p>PARA A MULHER NO BRASIL</p><p>3.1. Coordenadorias Estaduais e Municipais das Mulher</p><p>Após a criação das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, ainda</p><p>nos anos 80, Estados, Municípios e posteriormente outros órgãos, como Ministério</p><p>Público e Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instalaram coordenadorias da mulher.</p><p>Com espaços exclusivos de discussão das políticas públicas voltadas para esse público,</p><p>o tema ganhou mais visibilidade na sociedade com campanhas publicitárias nacionais</p><p>com o objetivo de discutir a violência contra a mulher e a iniciativa da criação da</p><p>Secretaria Especial de Políticas Públicas para a Mulher (GROSSI, 2008). Em vista disso</p><p>afirma:</p><p>Apenas em</p><p>janeiro de 2003 é que foi constituída a Secretaria Especial de</p><p>Políticas para as Mulheres (SPM), da Presidência da República, tendo o mesmo</p><p>status de Ministério, como referência governamental de elaboração e</p><p>execução de políticas e articulações da igualdade de gênero no governo</p><p>federal, destacando o compromisso com o Programa de Prevenção,</p><p>Assistência e Combate à Violência contra a Mulher. Em 2004, a partir das</p><p>diretrizes definidas na I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres</p><p>(CNPM)1, foi elaborado o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres</p><p>133</p><p>(PNPM) que propõe a promoção da igualdade de gênero. (GROSSI Yu et al.,</p><p>p. 269, 2008)</p><p>Figura 32 - Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.</p><p>FONTE: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/denuncie-violencia-contra-a-mulher/violencia-</p><p>contra-a-mulher.</p><p>3.2. Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180</p><p>A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 18041 é o canal no qual mulheres</p><p>em situação de violência podem registrar denúncias contra os agressores. O serviço,</p><p>oferecido pela Secretaria Nacional de Políticas das Mulheres, do governo federal,</p><p>encaminha denúncias, reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos</p><p>serviços de atendimento aos órgãos de segurança pública e para o Ministério Público.</p><p>41 https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-e-buscar-ajuda-a-vitimas-de-violencia-contra-mulheres</p><p>https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/denuncie-violencia-contra-a-mulher/violencia-contra-a-mulher</p><p>https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/denuncie-violencia-contra-a-mulher/violencia-contra-a-mulher</p><p>https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-e-buscar-ajuda-a-vitimas-de-violencia-contra-mulheres</p><p>134</p><p>O serviço funciona 24h, a ligação é gratuita, pode ser anônima, atende em todo</p><p>o Brasil e pode ser acessado de 16 outros países. O objetivo também é fornecer</p><p>informações sobre os direitos da mulher e os locais de atendimento mais indicados</p><p>para cada caso, como a Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias</p><p>de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de</p><p>Atendimento às Mulheres, entre outros.</p><p>Desde dezembro de 2019, os dados das denúncias de violação dos</p><p>direitos humanos englobam, de forma unificada, as centrais de</p><p>atendimento do Disque Direitos Humanos - 10042 e do Ligue 180. O</p><p>intuito é construir um banco de dados único que, em 2020, de acordo</p><p>com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos,</p><p>concentrou 105.821 denúncias de violência contra mulher. O dado</p><p>corresponde a cerca de 12 denúncias por hora. Desse total, 72%</p><p>(75.894 denúncias) se referem à violência doméstica e familiar contra</p><p>a mulher.43</p><p>3.3. Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos</p><p>Em conformidade com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, órgão</p><p>ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, em 2020, foram</p><p>42 O Disque Direitos Humanos - Disque 100 recebe denúncias de violações dos direitos humanos</p><p>envolvendo crianças e adolescentes, pessoas idosas, com deficiência, em restrição de liberdade,</p><p>população LGBT, em situação de rua, vítimas de discriminação ética ou racial, de tráfico de pessoas, de</p><p>trabalho escravo, de conflitos agrários, de moradia e conflitos urbanos, ciganos, quilombolas, indígenas</p><p>e outras comunidades tradicionais vítimas de violência, casos de violência policial (inclusive das forças</p><p>de segurança pública no âmbito da intervenção federal no estado do Rio de Janeiro), violência contra</p><p>comunicadores e jornalistas, violência contra migrantes e refugiados e pessoas com doenças raras.</p><p>Acesse o link: https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-violacao-de-direitos-humanos</p><p>43 https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/03/07/ministerio-da-mulher-apresenta-</p><p>dados-de-2020.htm?cmpid=copiaecola</p><p>https://www.gov.br/pt-br/servicos/denunciar-violacao-de-direitos-humanos</p><p>https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/03/07/ministerio-da-mulher-apresenta-dados-de-2020.htm?cmpid=copiaecola</p><p>https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2021/03/07/ministerio-da-mulher-apresenta-dados-de-2020.htm?cmpid=copiaecola</p><p>135</p><p>realizados 3,5 milhões de atendimentos, 349 mil denúncias e 1,416 milhão de violações</p><p>registradas foram registradas.44</p><p>Gráfico 3 - Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.</p><p>Fonte: https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh/sgq/indicador-de-atendimento.</p><p>Além da Ouvidoria, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos</p><p>disponibiliza como ferramenta de denúncia de atos de violação dos Direitos Humanos,</p><p>inclusive de violência contra a mulher, o App Direitos Humanos Brasil45. O aplicativo,</p><p>compatível com celulares Android e iOS, possibilita o registro da ocorrência de forma</p><p>anônima, caso seja a preferência do denunciante. Com o número de protocolo da</p><p>ocorrência registrado, é possível acompanhar em tempo real os encaminhamentos da</p><p>denúncia. O mecanismo permite o registro do caso por videochamada, chat direito</p><p>com um atendente.</p><p>44 Acesse o site da Ouvidoria Nacional https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh/</p><p>45 https://www.gov.br/mdh/pt-br/apps</p><p>https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh/sgq/indicador-de-atendimento</p><p>https://www.gov.br/mdh/pt-br/ondh/</p><p>https://www.gov.br/mdh/pt-br/apps</p><p>136</p><p>3.4. Delegacias Eletrônicas</p><p>Com o objetivo de estimular a denúncias de vítimas de violência, estados</p><p>brasileiros ofereceram ferramentas online para o registro dos casos. Desde 2013, o</p><p>governo de São Paulo disponibilizou, além do serviço pelo telefone 181, o Web</p><p>Denúncia46, disponível 24h e todos os dias da semana para a população. A ferramenta,</p><p>lançada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, possibilita o</p><p>relato de diversos crimes. Entre eles, estupro, feminicídio, tráfico de drogas, homicídio,</p><p>latrocínio, roubo e furto de veículo, outros tipos de roubos, sequestros e informações</p><p>sobre procurados pela Justiça.</p><p>Em Brasília, vítimas de violência doméstica também podem registrar a</p><p>denúncia e solicitar medida protetiva pela internet no site da polícia civil do DF. O</p><p>serviço foi oferecido para facilitar o processo de denúncia, sobretudo, de mulheres com</p><p>dificuldades para se deslocar, inicialmente, à delegacia.47</p><p>3.5. Casas da Mulher Brasileira</p><p>Um dos grandes desafios enfrentados pela vítima da violência é o</p><p>deslocamento para diversos órgãos, alguns deles com horário de funcionamento</p><p>distinto, para a efetivação da denúncia. Diante disso, o governo federal instalou as</p><p>"Casas da Mulher Brasileira", onde funcionam delegacia, juizado, Ministério Público e</p><p>Defensoria Pública, além de equipes multidisciplinares especializadas no acolhimento</p><p>de mulheres durante os exames essenciais para o registro da denúncia. Com gestão</p><p>compartilhada entre a União, os Estados e os municípios, a proposta é oferecer um</p><p>atendimento apropriado e humanizado à vítima, sem revitimização. O atendimento</p><p>46Acesse a ferramenta Web Denúncia, do estado de São Paulo, no link: www.webdenuncia.org.br</p><p>47 https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/delegacia-eletronica</p><p>http://www.webdenuncia.org.br/</p><p>https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/delegacia-eletronica</p><p>137</p><p>não depende de encaminhamento de outro serviço. É necessário apenas o</p><p>comparecimento da vítima à unidade.</p><p>A Casa da Mulher Brasileira foi instituída no país por meio do Decreto nº 8.086,</p><p>de agosto de 2013. A primeira unidade foi instalada em Campo Grande (MS). Ao todo,</p><p>o país conta com sete equipamentos desse tipo em Fortaleza (CE), São Luís (MA), Boa</p><p>Vista (RR), Curitiba (PR), São Paulo (SP), Distrito Federal, além de Campo Grande (MS).</p><p>Em Fortaleza, por exemplo, em dois anos de atividades, registrou 61.507</p><p>atendimentos iniciais e de retorno. A quantidade corresponde a uma média de 66,18</p><p>atendimentos por dia. Só em 2020, 8.755 mulheres buscaram os serviços da Casa.</p><p>Coordenado pela Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos</p><p>Humanos (SPS), o equipamento funciona 24h e todos os dias da semana.</p><p>A Casa da Mulher Brasileira acolhe e oferece novas perspectivas a</p><p>mulheres agredidas física ou moralmente, dando suporte humanizado</p><p>e capacitação profissional, com foco no empoderamento feminino.</p><p>Além de disponibilizar todos os serviços fundamentais para registrar a</p><p>denúncia de violência, na capital cearense, a unidade conta também</p><p>com uma brinquedoteca para as crianças, filhos e filhas das mulheres</p><p>atendidas na Casa.48</p><p>Diante da importância do equipamento no combate à violência contra à</p><p>mulher, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) anunciou</p><p>em junho de 2020 a instalação de mais 25 unidades da Casa da Mulher Brasileira no</p><p>país até o final de 2021. A expectativa é levar esse tipo de atendimento também para</p><p>o interior dos estados, tendo em vista que todas as unidades, atualmente, funcionam</p><p>em capitais. Para isso, a Casa da Mulher Brasileira contará com R$61,2 milhões. O</p><p>orçamento previsto é 200% maior do que o de 2019, quando foram destinados R$19</p><p>48 https://www.ceara.gov.br/2020/06/22/casa-da-mulher-brasileira-61-500-atendimentos-em-dois-</p><p>anos-de-operacao/</p><p>https://www.ceara.gov.br/2020/06/22/casa-da-mulher-brasileira-61-500-atendimentos-em-dois-anos-de-operacao/</p><p>https://www.ceara.gov.br/2020/06/22/casa-da-mulher-brasileira-61-500-atendimentos-em-dois-anos-de-operacao/</p><p>138</p><p>milhões. A maioria do recurso será proveniente de emendas parlamentares da bancada</p><p>feminina no Congresso. Todavia, por conta da pandemia, a liberação dessa verba pelo</p><p>Ministério da Economia tem sido lenta e limitada. Com isso, o processo de ampliação</p><p>do número de Casas da Mulher Brasileira no Brasil tem sido prejudicado.49</p><p>3.6. Centros de Referência de Atendimento à Mulher – CEAM</p><p>Os Centros de Referência de Atendimento à Mulher compõem a rede de</p><p>acolhimento às vítimas de violência doméstica, familiar, sexual, patrimonial, moral,</p><p>física, psicológica; ou ainda vítimas de tráfico de mulheres, assédio sexual; assédio</p><p>moral; etc.). Nesse contexto, oferecem acompanhamento psicossocial interdisciplinar</p><p>(social, psicológico e pedagógico) e orientação jurídica a essas mulheres, sem</p><p>depender de encaminhamento de outros equipamentos da rede. O funcionamento,</p><p>depende da diretriz de cada estado, contudo, em geral, ocorre em horário comercial.</p><p>As atividades oferecidas têm o objetivo de resgatar a autoestima e a autonomia das</p><p>vítimas com um atendimento humanizado focado na prevenção, na denúncia de</p><p>situações de violações de direitos e na superação dos danos causados pelo agressor à</p><p>vítima. Ante o exposto:</p><p>Os Centros de Referência são estruturas essenciais do programa de prevenção</p><p>e enfrentamento à violência contra a mulher, uma vez que visa promover a</p><p>ruptura da situação de violência e a construção da cidadania por meio de</p><p>ações globais e de atendimento interdisciplinar (psicológico, social, jurídico,</p><p>de orientação e informação) à mulher em situação de violência. Devem exercer</p><p>o papel de articuladores dos serviços organismos governamentais e não-</p><p>governamentais que integram a rede de atendimento às mulheres em</p><p>situação de vulnerabilidade social, em função da violência de gênero,</p><p>conforme quadro abaixo:” (BRASIL, 2006, p.11)</p><p>49 https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-06/com-orcamento-maior-casa-da-mulher-</p><p>brasileira-chegara-ao-interior</p><p>https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-06/com-orcamento-maior-casa-da-mulher-brasileira-chegara-ao-interior</p><p>https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-06/com-orcamento-maior-casa-da-mulher-brasileira-chegara-ao-interior</p><p>139</p><p>Aconselhamento em momentos de crise</p><p>A experiência da violência se constitui em um momento de crise para a vítima,</p><p>a qual pode temer por sua vida, entrar em choque, negação, descrença,</p><p>amortecimento e medo. Uma resposta efetiva em um momento de crise pode</p><p>evitar ou minimizar o efeito traumático.</p><p>Atendimento psicossocial</p><p>O atendimento psicossocial tem o objetivo de promover o resgate da</p><p>autoestima da mulher em situação de violência e sua autonomia, auxiliar a</p><p>mulher a buscar e implantar mecanismos de proteção e/ou auxiliar a mulher</p><p>superar o impacto da violência sofrida.</p><p>Aconselhamento e Acompanhamento jurídico</p><p>A maioria das mulheres em situação de violência tem seu primeiro contato</p><p>com o sistema de justiça e de segurança pública em decorrência dessa</p><p>experiência de violência. Dessa forma, com o objetivo de evitar a que a mulher</p><p>volte a ser vítima, o Centro de Referência oferece aconselhamento jurídico e</p><p>acompanhamento nos atos administrativos de natureza policial e nos</p><p>procedimentos judiciais, informando e preparando a mulher em situação de</p><p>violência para participação nessas atividades.</p><p>Atividades de prevenção</p><p>O conhecimento sobre a dinâmica, tipos e o impacto da violência contra a</p><p>mulher são elementos essenciais para a desestruturação de preconceitos que</p><p>fundamentam discriminação e a violência contra a mulher.</p><p>Informação sobre os procedimentos utilizados no Centro de Referência e os</p><p>serviços que, integram a Rede de Atendimento à Mulher em situação de</p><p>violência permitem que os serviços atendam efetivamente as suas</p><p>beneficiárias diretas cabendo ao Centro de Referência o trabalho de</p><p>sensibilização por meio de oficinas, palestras etc.</p><p>Os contatos com a comunidade e/ou mídia devem se referir à situação da</p><p>violência contra a mulher na localidade em seus aspectos gerais e não</p><p>individuais. O SIGILO e a PRIVACIDADE devem ser assegurados sempre</p><p>Qualificação de profissionais</p><p>A formação e qualificação contínua devem ser asseguradas aos profissionais</p><p>do Centro de Referência. A expertise desenvolvida pelos profissionais do</p><p>Centro de Referência os habilita a promover atividades de qualificação para</p><p>os demais profissionais dos serviços da Rede de Atendimento.</p><p>A coordenação do Centro de Referência deve entrar em contato com os</p><p>equipamentos e serviços da Rede de Atendimento para identificar áreas de</p><p>interesse, ou que demandam qualificação, e elaborar de forma articulada</p><p>oficinas com esse fim.</p><p>Articulação da rede de atendimento local</p><p>140</p><p>O Centro de Referência deve articular os equipamentos e os serviços da rede</p><p>de atendimento para que as necessidades da mulher em situação de violência</p><p>sejam prioritariamente consideradas, de forma geral e nos casos concretos, e</p><p>para que o atendimento seja qualificado e humanizado.</p><p>Mulheres em situação de violência geralmente desconhecem os serviços,</p><p>equipamentos e procedimentos da rede de atendimento, sendo importante</p><p>para sua tranquilidade a presença de um(a) profissional que atue como</p><p>referência, o(a) qual deve informar a mulher atendida de todos seus direitos e</p><p>deveres.</p><p>Levantamento de dados locais sobre a situação da violência contra a</p><p>mulher</p><p>Dados locais sobre a situação da violência contra a mulher, incluindo os</p><p>referentes aos atendimentos (resguardando-se o sigilo e a privacidade), no</p><p>Centro de Referência devem ser coletados e enviados aos órgãos gestores</p><p>municipais, estaduais e federais responsáveis pela implementação da política</p><p>de prevenção e enfrentamento da violência contra a mulher.</p><p>Os dados são de suma importância para a avaliação do serviço, fortalecimento</p><p>ou redirecionamento das políticas públicas.</p><p>Fonte: Norma Técnica de Uniformização - Centro de Referência de Atendimento à</p><p>Mulher em Situação de Violência - Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres</p><p>(2006)</p><p>3.7. Ministério Público do Ceará - Núcleo de Atendimento às Vítimas de</p><p>violência.</p><p>Na atualidade, no Ceará, o Ministério Público compõe a rede protetiva das</p><p>vítimas da violência. Por intermédio do Núcleo de Atendimento às Vítimas de violência,</p><p>criado pelo Ato Normativo</p><p>n. 024/2019 - NUAVV, o órgão, formado por equipe</p><p>multidisciplinar, que busca zelar pelo atendimento integral (assistência à saúde,</p><p>jurídica, psicológica, social, segurança) às vítimas de crimes violentos e seus familiares.</p><p>A atuação ocorre em parceria com os demais órgãos públicos e abrange</p><p>diversos serviços como: prestação de orientação jurídica e apoio psicológico;</p><p>fiscalização do atendimento prestado às vítimas pelos entes públicos ou privados; pela</p><p>inclusão em programa de proteção à vítima ou testemunha.</p><p>141</p><p>Desde que foi instituído em 29 de março de 2019, o NUAVV do Ministério</p><p>Público do Estado do Ceará (MPCE) contabilizou 356 atendimentos. Desse total, 130</p><p>ocorreram em 2019 e 226 casos até 04 de novembro de 2020. Cerca de três mil foram</p><p>beneficiadas, entre vítimas diretas e indiretas.50</p><p>AULA 4. REDES SOCIAIS: ESPAÇO DE FALA E UNIÃO DAS MULHERES.</p><p>As redes sociais se tornaram espaço da fala e representação das mulheres na</p><p>defesa dos seus direitos. Sendo assim, instrumento de voz e de propagação de</p><p>denúncias de situações de exclusão provocadas pela supremacia masculina. Neste</p><p>tópico, apresentaremos mobilizações online de combate às violações dos direitos das</p><p>mulheres.</p><p>4.1. Campanha Sinal Vermelho</p><p>Em virtude do isolamento social imposto como medida preventiva</p><p>indispensável no combate a disseminação do coronavírus, o Conselho</p><p>Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação dos Magistrados Brasileiros</p><p>(AMB) criaram a campanha “Sinal Vermelho” em parceira com cerca de</p><p>10 mil farmácias do Brasil. A iniciativa possibilita que vítimas de</p><p>violência doméstica denunciem agressões em farmácias. Para isso, a</p><p>vítima poderia mostrar um X vermelho na palma da mão. Com o sinal,</p><p>o atendente ou o farmacêutico pode encaminhar denúncia à polícia. O</p><p>objetivo é acolher mulheres com dificuldade para prestar queixas e</p><p>50 http://www.mpce.mp.br/2020/11/05/nucleo-de-atendimento-as-vitimas-de-violencia-do-mpce-</p><p>apresenta-servicos-prestados-a-sociedade-cearense/</p><p>http://www.mpce.mp.br/2020/11/05/nucleo-de-atendimento-as-vitimas-de-violencia-do-mpce-apresenta-servicos-prestados-a-sociedade-cearense/</p><p>http://www.mpce.mp.br/2020/11/05/nucleo-de-atendimento-as-vitimas-de-violencia-do-mpce-apresenta-servicos-prestados-a-sociedade-cearense/</p><p>142</p><p>incentivar a denúncia por meio de símbolos A campanha ganhou</p><p>visibilidade no Brasil com a manifestação de pessoas públicas nas</p><p>redes sociais.</p><p>O lançamento da campanha se justifica no contexto de crescimento do número</p><p>de feminicídios no Brasil. Em março e abril de 2020, período de isolamento social por</p><p>conta da pandemia do coronavírus, o índice de feminicídios cresceu 22,2% e Disque</p><p>180 registrou um aumento de 34% em comparação ao mesmo período de 2019,</p><p>conforme dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do governo federal,</p><p>respectivamente.</p><p>Figura 33 - Vítimas de violência doméstica podem sinalizar com um "X" na palma da mão para</p><p>funcionários de farmácias</p><p>Fonte: Divulgação/TJ-AL.</p><p>A mobilização ocorrida no Brasil é um desdobramento da campanha iniciada</p><p>pelo Canadian Women's Foundation (CWF) no perfil oficial da fundação no Instagram.</p><p>A instituição divulgou imagens e vídeos com a "#SignalForHelp ['sinal para ajuda', em</p><p>tradução livre] para auxiliar mulheres a denunciar violência doméstica mesmo estando</p><p>em casa, em quarentena. Com um sinal com a mão, a vítima pode disseminar um sinal</p><p>silencioso durante uma videoconferência, por exemplo. A medida é mais um</p><p>mecanismo de estímulo e acolhimento às vítimas, no qual as redes sociais exercem</p><p>papel essencial na divulgação.</p><p>143</p><p>Figura 34 - Sinais de pedido de ajuda</p><p>Fonte: Canadian Women's Foundation (CWF).</p><p>4.2. Somos Todas Marias.</p><p>O coletivo @somostodasmaria surgiu quando militares femininas</p><p>receberam em um grupo do aplicativo Whatsapp, denominado</p><p>“Bombeiras Militares do Brasil”, áudios gravados por policiais. As</p><p>mensagens com teor preconceituoso e discriminatório pela condição</p><p>de gênero contra mulheres da polícia militar do Estado do Ceará</p><p>causou indignação nas militares que, muitas vezes, sofrem em silêncio</p><p>diante do medo de não serem ouvidas, caso denunciem.</p><p>Por isso, utilizaram das redes sociais para dar voz às mulheres militares vítimas</p><p>de assédio. No perfil @movimentosomostodosmaria, criado em 25 de julho de 2020</p><p>no Instagram, mulheres militares apresentam relatos de abuso e assédio sexual</p><p>cometidos no ambiente militar. No entanto, essas histórias foram vivenciadas por</p><p>outras mulheres também militares, porém pertencentes a corporações de outros</p><p>estados. A troca de relatos reitera a união, a sororidade e a rede de apoio construída</p><p>entre essas mulheres, além de tratar também de uma proteção às vítimas que, muitas</p><p>vezes, sofrem perseguições e, até mesmo, punições da instituição de origem quando</p><p>144</p><p>publicizam esse tipo de denúncia. É na união que elas encontram força para combater</p><p>a violência de gênero em um ambiente predominantemente masculino e machista.</p><p>Figura 35 - Somos todas Marias</p><p>Fonte: Movimentosomostodasmarias.</p><p>4.3. Movimento #METOO</p><p>Em outubro de 2017, o jornal The News York Times publicou denúncias de</p><p>dezenas de vítimas de abusos sexuais cometidos pelo produtor de cinema e um dos</p><p>homens mais poderosos de Hollywood, Harvey Weinstein, durante o período de trinta</p><p>anos. Apesar de ter negado as acusações, o escândalo teve repercussão mundial e</p><p>resultou na demissão de Harvey da The Weinstein Company e na expulsão da Academia</p><p>de Artes e Ciências Cinematográficas, além de outras associações profissionais que ele</p><p>mantinha.</p><p>145</p><p>Figura 36 – Movimento #Metoo</p><p>Fonte: Mihai Surdu on Unsplash.</p><p>Esse caso motivou milhares de mulheres a utilizar as redes sociais para romper</p><p>o silêncio contra abusos sexuais realizados por homens poderosos, pertencentes à alta</p><p>classe do entretenimento, da mídia, da política e da tecnologia. Nesse âmbito, a ativista</p><p>social estadunidense e organizadora comunitária, passou a usar a frase "Eu também"</p><p>("Me too") nas redes sociais. No entanto, o movimento #metoo viralizou nas redes</p><p>sociais com quando a atriz Alyssa Milano publicou na rede social twitter o pedido para</p><p>que pessoas utilizassem a hashtag #MeToo com histórias de abusos e assédios sexuais,</p><p>principalmente, no ambiente de trabalho.51</p><p>A mobilização impulsionou o número de denúncias de violência contra a</p><p>mulher nos Estados Unidos. De outubro a dezembro de 2017, a Rede Nacional de</p><p>Denúncias de Estupro, Abuso e Incesto nos Estados Unidos registrou aumento de 23%</p><p>em comparação ao mesmo período de 2016. A instituição divulgou que vítimas</p><p>relataram que se sentiram motivadas a denunciar e encorajadas com o sentimento de</p><p>união propagado pelo movimento #metoo. 52</p><p>Em 2020, o brutal assassinato da soldada americana, Vanessa Guillén, de 20</p><p>anos. O corpo foi encontrado mais de dois meses após o seu desaparecimento de uma</p><p>51 https://veja.abril.com.br/videos/veja-explica/voce-sabe-o-que-e-o-movimento-metoo-veja-explica/</p><p>52 https://www.bbc.com/portuguese/geral-44164417</p><p>https://veja.abril.com.br/videos/veja-explica/voce-sabe-o-que-e-o-movimento-metoo-veja-explica/</p><p>https://www.bbc.com/portuguese/geral-44164417</p><p>146</p><p>das maiores bases militares do mundo, localizada no Estado do Texas. No local atuam</p><p>cerca de 40 mil militares. O caso teve repercussão nacional ao evidenciar a violência</p><p>sexual praticada nas Forças Armadas americana.</p><p>Figura 37 - Pôster criado pelo exército dos Estados Unidos contra o assédio sexual</p><p>Fonte: US Army SHARP Sexual Harassment and Sexual Assault Prevention.</p><p>147</p><p>FINALIZANDO</p><p>Nesse módulo você aprendeu que:</p><p>• O gênero assume diversos significados construídos a partir de cada contexto no qual</p><p>está inserido. O corpo só pode ser compreendido a partir da construção sociocultural,</p><p>sendo indissociável da cultura.</p><p>• Apesar dos números alarmantes de casos de violência contra mulher registrados no</p><p>Brasil, há uma subnotificação das ocorrências.</p><p>• As vítimas da violência apresentam demandas específicas e exigem maior sensibilidade</p><p>e acolhimento do poder público.</p><p>• A criação de espaços exclusivos de discussão das políticas públicas voltadas para a</p><p>temática da mulher oportunizou uma maior visibilidade na sociedade com campanhas</p><p>publicitárias nacionais com o objetivo de discutir a violência contra a mulher e a</p><p>iniciativa da criação da Secretaria Especial de Políticas Públicas para a Mulher (GROSSI,</p><p>2008).</p><p>• Existem locais de apoio para mulheres em situação de vulnerabilidade e vítimas de</p><p>violências, dentre as quais citamos: Ouvidoria do Ministério da Mulher; Centros de</p><p>Referência e Casas-Abrigo; Delegacias da Mulher; Defensorias da Mulher e Juizados de</p><p>Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher nos municípios; e Central de</p><p>Atendimento à Mulher (Ligue 180).</p><p>148</p><p>MÓDULO 5 – O ASSÉDIO: IDENTIFICAR E COMBATER</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Este módulo tem o objetivo de indicar caminhos para a identificação do</p><p>assédio e de suas formas, buscando interpretá-las a partir das histórias de mulheres</p><p>reais (com seus nomes e ambientes de trabalho ficcionais) que vivenciaram essas</p><p>experiências. Você pode se identificar com essas histórias, reconhecer casos</p><p>semelhantes ou mesmo ter ouvido alguém falar sobre isso em algum momento.</p><p>OBJETIVOS</p><p>• Reconhecer nuances que indicam a naturalização do fenômeno do</p><p>assédio;</p><p>• Identificar categorias de assédio;</p><p>• Aprofundar as reflexões dos módulos anteriores sobre com ambientes</p><p>patriarcais podem naturalizar a prática do assédio;</p><p>• Refletir sobre a importância de denunciar qualquer tipo de</p><p>manifestação de assédio.</p><p>149</p><p>AULA 1 - “ISSO O QUE EU VIVI FOI ASSÉDIO?”</p><p>1.1 Identificando categorias</p><p>Há dois tipos de assédio mais facilmente reconhecidos e identificados: o</p><p>assédio sexual e o assédio moral. Mas como identificar cada um deles, se eles</p><p>parecem tão próximos e confusos?</p><p>O primeiro passo é entender que essas classificações não são caixinhas</p><p>fechadas nas quais as suas experiências são enquadradas. É preciso</p><p>saber que essas classificações são porosas e transbordam. Muitas</p><p>vezes, o assédio moral tem motivações sexuais; o assédio sexual incide</p><p>moralmente na vítima; o assédio sexual, correspondido ou não, pode</p><p>se transformar em assédio moral etc. (FREITAS, 2001). As formas de</p><p>assédio não são excludentes e podem estar muito mais misturadas do</p><p>que a gente imagina.</p><p>Segundo a filósofa Márcia Tiburi (2014, online), “assédio é uma prática</p><p>antiética de opressão baseada na pressão direta a um indivíduo. O assediador é</p><p>aquele que pressiona o assediado a fazer sua vontade. Ele trata o assediado como</p><p>um objeto que deve lhe servir”. Ou seja, o assédio é uma forma de violência que ataca</p><p>pela pressão para a realização dos desejos do violador, que se aproveita de uma</p><p>relação de poder que ele tem sobre a vítima.</p><p>Nesse sentido, o assediador não enxerga na vítima um ser humano, mas uma</p><p>coisa, um objeto a ser possuído. Quando muito, o assediador enxerga na vítima um</p><p>“homem inferior”, categoria na qual ele insere mulheres, homossexuais, pessoas trans,</p><p>pessoas com deficiência, pessoas negras e indígenas, pessoas de classes sociais</p><p>diferentes.</p><p>150</p><p>Modernidade e pensamento colonial</p><p>Esse movimento de hierarquização não-institucionalizada que parte da</p><p>desumanização dos outros não é uma novidade dos tempos atuais.</p><p>Historicamente, desde o surgimento da Modernidade, com a</p><p>Revolução Francesa, e o fim da Idade Média, o entendimento do</p><p>mundo se pauta em um conjunto de binarismos, nos quais o gênero</p><p>está incluído. Esse entendimento de homem x mulher, no qual a</p><p>mulher seria um homem “defeituoso”, se expandiu além-mar e chegou</p><p>às colônias europeias na América, na África e na Ásia. Do mesmo</p><p>modo, o ser humano não-branco passa a ser entendido também como</p><p>um “homem inferiorizado”, escravizado, bestializado. Assim, há duas</p><p>camadas de desumanização: a de gênero e a de raça – manifesta pelo</p><p>encontro de povos distintos, no qual um grupo se coloca como</p><p>superior (colonizador) ao outro.</p><p>Esse movimento de desumanização se torna necessário por parte do</p><p>violador, para que ele consiga exercer seu poder opressor sobre a vítima. Ele</p><p>manipula a situação por meio de força física, de poder econômico e até por</p><p>superioridade hierárquica de cargos, fazendo com que a mulher assediada não</p><p>perceba, ou até se sinta responsável, pela situação enfrentada.</p><p>Neste cenário é que se forma o contexto ideal para a chamada “sociedade</p><p>do assédio”, explicada por Tiburi:</p><p>A sociedade do assédio é a rede organizada em torno do desempenho com</p><p>vistas à manutenção dessas instituições nas quais pessoas individuais têm</p><p>chance de se autoconservarem apenas se conseguem corresponder ao padrão</p><p>exigido para a manutenção da instituição. (TIBURI, 2014, online).</p><p>O assédio aparece, segundo a filósofa, em diversos ambientes, não só o do</p><p>trabalho, do qual falamos aqui. Essa difusão do assédio em múltiplas esferas que nos</p><p>cobram constantemente respostas e resultados para que sejamos consideradas</p><p>“úteis” em alguma medida, contribui para uma naturalização do assédio, como se ele</p><p>fosse uma simples cobrança por qualidade de desempenho.</p><p>Mas, então, como eu sei que é assédio? Para isso, é primordial observar</p><p>algumas características da situação vivenciada:</p><p>151</p><p>- Se você passou por exposições contínuas a situações humilhantes por</p><p>alguém que está em um cargo de poder, por exemplo, imposição de</p><p>horários inadequados, de tarefas desnecessárias, piadas de mau gosto,</p><p>exclusão social;</p><p>- Se essa conduta era frequente e sistemática, é possível que a violência</p><p>seja um caso de assédio.</p><p>É preciso observar também que pode acontecer de o assédio partir de</p><p>pessoas que estão em um mesmo patamar hierárquico, não necessariamente vindo</p><p>apenas de superiores ou pessoas em cargos de poder.</p><p>Ainda por cima, acontece de grupos de pessoas que são subordinadas ao seu</p><p>cargo se unirem para provocarem situações de desrespeito, para fazer piada e assim,</p><p>desmoralizar suas ações e trabalhos. Isso é comum, por exemplo, quando uma mulher</p><p>assume um cargo de poder. Não é sempre que homens estão habituados e</p><p>disponíveis para serem comandados por mulheres.</p><p>As consequências dos assédios para as vítimas são diversas. Eles podem</p><p>causar danos à personalidade, à dignidade ou à integridade e ainda tornar insalubre</p><p>o ambiente de trabalho, fazendo com que, muitas vezes, as vítimas peçam para ser</p><p>transferidas e até demitidas.</p><p>AULA 2 - QUAL FOI O ASSÉDIO QUE EU SOFRI?</p><p>Dividir as formas de assédio tem muito mais relação com o entendimento</p><p>das violências do que propriamente com os atos violentos. Tanto as ações quanto as</p><p>consequências para as vítimas podem se misturar e é impossível, na prática, separar</p><p>os efeitos de cada tipo de assédio. Mesmo assim, apontamos aqui as características</p><p>principais que definem tanto o assédio moral, quanto o assédio sexual, para</p><p>reforçarmos a compreensão de seus significados.</p><p>152</p><p>2.1 - Assédio Moral</p><p>O assédio moral é aquele em que uma pessoa do seu ambiente de trabalho</p><p>apresenta uma conduta contínua de provocação de transtornos, com o objetivo de</p><p>desestabilizar emocionalmente e até prejudicar a realização do trabalho de outra</p><p>pessoa da mesma instituição. O assédio moral pode acontecer das seguintes</p><p>formas:</p><p>- Assédio moral institucional: refere-se a situações em que as empresas</p><p>e instituições toleram ou contribuem para situações de assédio;</p><p>- Assédio moral interpessoal: ocorre de maneira pessoal e direcionada</p><p>individualmente;</p><p>- Assédio moral vertical: exercido por alguém em um cargo de poder;</p><p>- Assédio moral</p><p>vertical ascendente: praticado por subordinados contra</p><p>um superior;</p><p>- Assédio moral horizontal: exercido por alguém que ocupa o mesmo</p><p>cargo;</p><p>- Assédio moral misto: acontece na acumulação de assédios praticados</p><p>por colegas e por gestores.</p><p>Essas condutas, consideradas abusivas, acontecem por meio de palavras,</p><p>fofocas, piadas, constrangimentos públicos, cobrança de atividades que não são de</p><p>sua atribuição, perseguições, boicotes e exposição de profissionais a situações de</p><p>riscos desnecessários.</p><p>Segundo a cartilha de prevenção ao assédio moral do Tribunal Superior do</p><p>Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), publicada online</p><p>em 2019, no serviço público o assédio moral é caracterizado da seguinte forma:</p><p>Caracteriza-se por condutas repetitivas do agente público que, excedendo os</p><p>limites das suas funções, por ação, omissão, gestos ou palavras, tenham por</p><p>objetivo ou efeito atingir a autoestima, a autodeterminação, a evolução na</p><p>153</p><p>carreira ou a estabilidade emocional de outro agente público. (BRASIL, 2019,</p><p>p. 6)</p><p>O que nos permite apontar que o assédio não está restrito a um tipo de</p><p>contratação, mas que atravessa diversos espaços e relações laborais. Isso indica,</p><p>ainda, quando olhamos para as situações de assédio sexual que estas têm um caráter</p><p>moral em suas afetações e consequências. Por isso, não podemos pensá-las de</p><p>formas totalmente separadas – inclusive porque essa fusão acontece não só nos</p><p>efeitos, porém quando as investidas sexuais são negadas, passa-se muitas vezes para</p><p>situações de assédio moral. O que nos mostra um ciclo de violência amplo e que</p><p>precisa ser compreendido para ser combatido.</p><p>Dentre as principais consequências para esse tipo de assédio, é observado</p><p>uma desestabilização emocional e adoecimentos mentais e físicos, que,</p><p>consequentemente, geram dificuldades no ambiente de trabalho.</p><p>Os efeitos da violência moral, segundo Freitas (2001), que se baseia nos</p><p>estudos sobre perversão no campo da psicanálise:</p><p>As agressões reanimam um processo inconsciente de destruição psicológica</p><p>constituído de procedimentos hostis, evidentes ou escondidos, de um ou vários</p><p>indivíduos sobre o outro, na forma de palavras insignificantes, alusões,</p><p>sugestões e não ditos, que efetivamente podem desestabilizar alguém ou</p><p>mesmo destruí-lo, sem que os que o cercam intervenham. (FREITAS, 2001, p. 9)</p><p>A evolução dessas situações pode crescer ainda mais, gerando dificuldades</p><p>em trabalhar, desemprego e podem chegar à morte das vítimas.</p><p>Ainda segundo a cartilha do TST, algumas situações podem gerar confusão,</p><p>mas que na prática não constituem assédio moral:</p><p>- Exigências profissionais por eficiência e cumprimento das atividades</p><p>acordadas para o cargo;</p><p>- Aumento no volume de trabalho, que pode acontecer periodicamente, de</p><p>acordo com as atividades desenvolvidas pela empresa;</p><p>- Uso de mecanismos tecnológicos de controle, como o ponto eletrônico;</p><p>154</p><p>- Más condições de trabalho que não sejam intencionais ou direcionadas a</p><p>um único indivíduo.</p><p>O TST (2019, p. 14) indica também uma série de medidas para prevenir situações</p><p>de assédio moral:</p><p>- Incentivar a efetiva participação de todos, com definição clara de tarefas;</p><p>- Enfatizar que o assédio moral é incompatível com os princípios organizacionais;</p><p>- Promover eventos de aprendizagem sobre o assunto;</p><p>- Incentivar as boas relações no ambiente de trabalho;</p><p>- Observar o aumento súbito e injustificado de faltas;</p><p>- Avaliar riscos psicossociais no ambiente de trabalho;</p><p>- Garantir que práticas administrativas sejam aplicadas a todos de forma igual, com</p><p>tratamento justo e respeitoso;</p><p>- Dar exemplo de comportamento e condutas adequadas, evitando se omitir diante</p><p>de situações de assédio moral;</p><p>- Oferecer apoio psicológico; e</p><p>- Estabelecer canais de recebimento e protocolos de encaminhamento de</p><p>denúncias.</p><p>A relação entre os assédios moral e sexual se entrelaça e eles não são</p><p>necessariamente consecutivos, mas podem acontecer ao mesmo tempo. Segundo</p><p>Freitas (2001, p. 9), “geralmente, o assédio moral começa pelo abuso de um poder</p><p>(qualquer que seja a sua base de sustentação), segue por um abuso narcísico no qual</p><p>o outro perde a autoestima e pode chegar, às vezes, ao abuso sexual”. Essas práticas</p><p>podem se confundir, mas para entender a especificidade do assédio sexual</p><p>refletiremos sobre o tema a seguir.</p><p>2.2. Assédio Sexual</p><p>A Organização Internacional do Trabalho, em parceria com o Ministério</p><p>Público do Trabalho brasileiro, considera o assédio sexual como uma violação aos</p><p>Direitos Humanos. Diferente do assédio moral, que se configura por uma ação</p><p>continuada, o assédio sexual pode acontecer uma única vez.</p><p>Consoante a pesquisadora Luciana Veloso (2016) o assédio sexual acontece</p><p>quando, por exemplo, um outro profissional que trabalha com você faz muitos</p><p>elogios não associados ao trabalho, ou quando coloca a mão em seu corpo sem que</p><p>155</p><p>você dê consentimento, ou ainda quando faz propostas sexuais não solicitadas. De</p><p>situações como essas, quando se encontra resistência, decorrem violências morais</p><p>como forma de represálias às investidas negadas. Neste sentido, é que foi falado aqui</p><p>sobre uma fusão entre as formas de assédio sexual e assédio moral.</p><p>Tratando desses tipos de assédio como formas perversas53 de</p><p>comportamento, Freitas (2001) discute os ambientes organizacionais. E ao abordar o</p><p>assédio sexual, a pesquisadora apresenta os atravessamentos tênues que fazem do</p><p>tema algo tão difícil de ser discutido. Ela explica que o assédio sexual não é uma</p><p>prática recente nas sociedades e que é a partir da inserção das mulheres nos</p><p>mercados de trabalho que essa discussão tem sido evidenciada – ainda que nem</p><p>sempre discutida.</p><p>Há bem pouco tempo, a mulher que trabalhava fora do lar era considerada</p><p>uma séria candidata a “vadia”, pois a moral da época interpretava que, para a</p><p>mulher vencer uma seleção ou merecer uma promoção, era condição sine qua</p><p>non ter de se submeter ao famoso “teste do sofá”. (FREITAS, 2001, p. 13)</p><p>Nessa perspectiva, ela aponta que há uma naturalização das situações de</p><p>assédio sexual a partir do momento em que os homens dizem “tolerar” a participação</p><p>das mulheres nos ambientes de trabalho. Essa “tolerância” não implica em respeito,</p><p>mas em “suportar” aquela presença que ainda incomoda. E incomoda porque esses</p><p>mesmos homens consideram que as mulheres estão tomando os seus lugares,</p><p>lugares esses onde elas não deveriam estar. E já que estão, que seja para servi-los.</p><p>Constitui-se uma situação de mal-estar que culmina em situações de</p><p>assédios, sejam eles morais e/ou sexuais. Tanto porque os homens nesses espaços se</p><p>sentem incomodados com as presenças das mulheres, quanto por sentirem-se donos</p><p>de sua força de trabalho. Assim, eles entendem que elas devem servi-los seja para</p><p>conseguir ocupar os cargos, quanto para manterem-se neles.</p><p>53 Freitas (2001) explica a perversão como “uma racionalidade fria combinada a uma incapacidade</p><p>de considerar os outros como seres humanos” (p. 9).</p><p>156</p><p>Em uma perspectiva histórica, Freitas (2001) associa as situações de assédio,</p><p>no caso brasileiro, a um passado escravagista, em que o patrão era o dono do</p><p>trabalho e do corpo daquelas que os serviam. Essa posse dos corpos se manifestava,</p><p>inclusive, nos estupros dos quais decorrem a miscigenação brasileira.</p><p>Essa situação que escancara relações de poder, muitas vezes é justificada</p><p>como se fossem construções de relações afetivas e sentimentais. Deste modo, Freitas</p><p>(2001) explica que o assédio sexual não é uma “cantada”, todavia configura-se como</p><p>um tipo de chantagem em que o agressor cobra serviços sexuais em troca de</p><p>benefícios no trabalho (um benefício que pode ser apenas trabalhar em paz).</p><p>“Verificamos, ainda, que o assédio sexual é entre desiguais, não pela questão de</p><p>gênero masculino versus feminino,</p><p>mas porque um dos elementos da relação dispõe</p><p>de formas de penalizar o outro lado”. (FREITAS, 2001, p. 14)</p><p>Em uma “cantada”, haveria um convite, uma proposta de troca entre iguais,</p><p>enquanto o assédio tem a ver com servir sexualmente o outro, que detém algum tipo</p><p>de poder punitivo ou moral.</p><p>Seria o assédio sexual uma cantada? Ora, a cantada é uma proposta</p><p>habilidosa, visando convencer o outro. Utiliza-se de rodeios, floreios, elogios,</p><p>promessas, sugestões etc. para que o outro concorde com um relacionamento</p><p>amoroso. Existe aí uma intencionalidade em buscar a cumplicidade,</p><p>diferentemente do assédio. A cantada é do signo da sedução e o assédio da</p><p>ordem autoritária, perversa; a primeira promete um acréscimo, a vivência de</p><p>uma experiência luminosa; o segundo promete um castigo se não for atendido</p><p>em suas investidas. (FREITAS, 2001, p. 14)</p><p>Para Freitas (2001), o assédio está relacionado a uma dimensão</p><p>organizacional porque está associado a estruturas de poder. E, justamente por isso</p><p>cabe às organizações desenvolverem políticas de enfrentamento às situações de</p><p>assédio, incluindo aí estratégias tanto para evitar, quanto para resolver quando as</p><p>denúncias aparecem. Acolher a denúncia é uma forma de respeitar a dignidade</p><p>alheia.</p><p>Quando não há esse acolhimento, vive-se uma naturalização do assédio, que</p><p>se observa, por exemplo, quando as mulheres que ascendem a um alto cargo, ou que</p><p>157</p><p>conseguem vagas muitos disputadas tornam-se motivo de fofocas como “ela foi para</p><p>a cama com o chefe”. Isso indica uma falta de credibilidade na qualidade de trabalho</p><p>e de competência das mulheres, que frequentemente, são desvalorizadas e</p><p>desumanizadas em suas funções.</p><p>Observa-se essa naturalização também no momento das denúncias, quando</p><p>estas são desencorajadas a partir do argumento de que “homens são assim mesmo”</p><p>ou “mas será que você não deu abertura para isso?”. A impunidade diante das</p><p>denúncias, quando são feitas, a falta de empatia para o acolhimento dificulta ainda</p><p>mais a situação das mulheres, que chegam a ter a veracidade de suas narrativas</p><p>questionadas. Ou até mesmo quando passam por outros tipos de constrangimentos.</p><p>Dessa forma, são duplamente violentadas: tanto pelo ato violento em si, quanto pela</p><p>violência ao serem silenciadas. E, assim, entramos em um looping eterno de violências</p><p>e silenciamentos muito difícil de ser quebrado. Entretanto, esse rompimento é</p><p>fundamental para que sejamos capazes de mudar esse contexto.</p><p>Outra forma de naturalizar a violência do assédio sexual é o entendimento</p><p>errôneo de que as negativas das mulheres às investidas sexuais seriam formas de</p><p>“fazer charme”, porque quando negam, estariam querendo dizer que sim. Essa</p><p>compreensão invalida as vozes e silenciam as mulheres que se posicionam, tirando-</p><p>lhes o direito de escolher e decidir sobre o próprio corpo.</p><p>Essa naturalização costuma ser atribuída à cultura cisheteropatriarcal em que</p><p>vivemos. E, sim, os fenômenos estão relacionados. O que precisamos entender é que</p><p>a cultura não é fixa, engessada, mas está em constante transformação. E cabe a nós</p><p>desenvolvermos estratégias práticas em nosso cotidiano para sairmos desse ciclo de</p><p>abusos e violências que acometem, principalmente, às mulheres.</p><p>Conforme Veloso (2016), esse recorte de gênero que é tão relevante para</p><p>refletirmos sobre o assédio se deve ao fato de que a imensa maioria dos assédios</p><p>sexuais são sofridos e reportados por mulheres.</p><p>No que diz respeito ao assédio sexual, a esmagadora maioria de vítimas são</p><p>as mulheres. Segundo a Força Sindical, o assédio sexual é o segundo maior</p><p>158</p><p>problema enfrentado pelas mulheres no ambiente de trabalho ficando atrás</p><p>somente dos baixos salários. [...] Uma situação bastante frequente é aquela</p><p>em que a mulher, após ser vítima de assédio sexual, por não ceder às</p><p>investidas passa a ser hostilizada, se tornando também vítima de assédio</p><p>moral. (VELOSO, 2016, p. 152)</p><p>Em virtude disso, Veloso (2016) destaca que essas práticas não estão restritas</p><p>às organizações privadas, mas como bem sabemos, também acontecem em órgãos</p><p>públicos, corporações, e, como tratamos aqui, nas instituições de segurança pública.</p><p>E isso é ainda mais reforçado em setores considerados masculinos.</p><p>Nessa perspectiva, Ribeiro (2017) explica que historicamente convencionou-</p><p>se a entender o trabalho externo, público, que demanda força e frieza como</p><p>masculino, enquanto os trabalhos emocionais, privados, domésticos e de cuidado</p><p>seriam atribuídos às mulheres. E aí, quando as mulheres subvertem esse papel e</p><p>ocupam outros espaços de trabalho, os homens entendem que há uma perda de seus</p><p>lugares, que teriam sido “roubados” pelas mulheres.</p><p>Quando, além do recorte de gênero, observamos os atravessamentos</p><p>interseccionais de classe, raça, sexualidade, os riscos de assédio, e que segundo</p><p>Veloso (2016) aumentam devido à dificuldade dos homens de conviverem</p><p>horizontalmente ou de serem chefiados por mulheres. Há uma dificuldade em</p><p>compreenderem que as mulheres não estão naqueles ambientes para satisfazer-lhes</p><p>os desejos de poder.</p><p>Um estudo realizado por Miada (2020), e publicado pela Controladoria Geral</p><p>da União, lista os efeitos do assédio sexual, entendido como uma forma violência</p><p>psicológica:</p><p>• Depressão, angústia, estresse, crises de choro, mal-estar físico e mental;</p><p>• Cansaço exagerado, falta de interesse pelo trabalho, irritação constante;</p><p>• Insônia, alterações no sono, pesadelos;</p><p>• Diminuição da capacidade de concentração e memorização;</p><p>• Isolamento, tristeza, redução da capacidade de se relacionar com outras</p><p>pessoas</p><p>e fazer amizades;</p><p>• Sensação negativa em relação ao futuro;</p><p>159</p><p>• Aumento de peso ou emagrecimento exagerado, aumento da pressão</p><p>arterial,</p><p>problemas digestivos, tremores e palpitações;</p><p>• Sentimento de culpa e pensamentos suicidas;</p><p>• Uso de álcool e drogas;</p><p>• Tentativa de suicídio. (MIADA, 2020, p. 4-5)</p><p>Esses sintomas precisam ser tratados com cuidado, pois se referem a</p><p>consequências de uma situação traumática que associa diversos tipos de violência. E,</p><p>normalmente, a vítima não pode ou tem dificuldades em se desligar do ambiente</p><p>tóxico, já que aquele é o seu lugar de trabalho. É preciso que as organizações</p><p>reconheçam que a prioridade nessas situações é a saúde emocional e física da vítima.</p><p>Então, a partir desse entendimento, proporcionar à vítima um ambiente saudável e</p><p>seguro de trabalho.</p><p>Algumas vezes, a própria vítima que é levada a mudar de ambiente de</p><p>trabalho, enquanto seu agressor permanece cômodo, exercendo suas funções e</p><p>poderes, enquanto a vítima precisa se ambientar a uma nova realidade, reconstruir a</p><p>própria vida e termina sendo punida e, por isso, novamente violentada, agora pela</p><p>instituição.</p><p>Diante dos fatos apresentados, visando a continuidade deste conteúdo, é</p><p>preciso focar nosso olhar para o entendimento do assédio sexual como uma violência</p><p>em que a vítima precisa ser protegida e o agressor punido. A partir da clareza desse</p><p>entendimento é que poderemos avançar.</p><p>AULA 3 - DE ONDE VEM ESSE HORROR ÀS MULHERES?</p><p>Antes de pensarmos sobre os caminhos psíquicos e culturais que nos fazem</p><p>chegar a esse lugar de compreensão, é primordial indicar que essa reflexão não é</p><p>uma justificativa para comportamentos violentos e opressores. Quando analisada</p><p>essa contextualização, não isentamos os violadores da responsabilidade de suas</p><p>160</p><p>ações, porém construímos um olhar mais amplo para a indicação dos novos caminhos</p><p>a serem tomados daqui em diante.</p><p>O descontrole emocional é um traço recorrente na construção de</p><p>personagens mulheres. As narrativas sobre mulheres são pautadas em cima dessas</p><p>ideias que estereotipam e contribuem para invalidar as vozes de mulheres que</p><p>venham a denunciar as agressões sofridas. Como aponta Freud (1918, 2018), as</p><p>mulheres são tidas como seres estranhos e incompreensíveis.</p><p>Lá onde o primitivo estabeleceu um tabu, é onde ele teme um perigo, e não</p><p>se pode negar que em todas essas regras de evitação está expresso um horror</p><p>fundamental à mulher. Talvez esse horror esteja justificado pelo fato de a</p><p>mulher ser diferente do homem, eternamente incompreensível e misteriosa,</p><p>estranha, e por isso parecer hostil. O homem teme ser enfraquecido pela</p><p>mulher, ser contaminado pela sua feminilidade e então mostrar-se incapaz.</p><p>(FREUD, 2018, p. 163) [grifo nosso]</p><p>Esse estranhamento coloca as mulheres, os comportamentos, as reações e as</p><p>emoções no lugar do sentimento incoerente e assustador, levando os homens à</p><p>necessidade de uma autoproteção. Uma das formas de fazê-lo é através do</p><p>silenciamento. Ou uma postura que leve a uma intimidação ou difamação, com</p><p>dizeres que caracterizem a mulher como sendo louca, histérica ou que tenha</p><p>descontrole. Como consequência disso, temos algo que extrapola a dimensão binária</p><p>de homem-opressor e mulher-oprimida. As narrativas alcançam níveis diversos de</p><p>reverberação e de disputas de poder.</p><p>Nesse âmbito, Lugones também aborda essa tensão da compreensão binária</p><p>do masculino e do feminino como uma disputa que entende “o macho, perfeito; e a</p><p>fêmea, a inversão da deformação do macho” (LUGONES, 2019, p. 359). Tudo o que</p><p>não cabe na definição do macho é entendido como uma aberração, é aquilo do que</p><p>eles tentam fugir e que, quando não conseguem, tentam destruir. A partir disso,</p><p>inclusive, viria a compreensão do homem como sujeito universal.</p><p>Com efeito, a reflexão a ser pensada aqui se pauta nos modos de articular</p><p>nossas próprias inquietações e que eles sirvam para evidenciar desestabilizações de</p><p>narrativas tidas como certas. Deste modo, Anzaldúa (2019) considera que apesar de</p><p>161</p><p>sabermos de onde vem o ódio masculino e a consequente violência contra as</p><p>mulheres, “nós não desculpamos, não toleramos e não iremos mais tolerar” (p. 330).</p><p>Segundo a autora, é preciso coragem para romper com a sujeição que é imposta às</p><p>mulheres em estratégias narrativas de ternura, como um sinal de vulnerabilidade.</p><p>Uma forma possível de rompimento é quando passamos a contar as nossas próprias</p><p>histórias.</p><p>Através de nossa literatura, arte, corridos e contos populares, temos de</p><p>compartilhar nossa história com elas/eles, para que quando organizarem</p><p>comitês de ajuda aos navajos ou aos agricultores chicanos ou a los</p><p>nicaraguenses, não rejeitem algumas pessoas por causa de seus medos e</p><p>ignorâncias raciais. Elas/eles entenderão que não estão nos ajudando, mas</p><p>seguindo nossa liderança. (ANZALDÚA, 2019, p. 332)</p><p>Desse modo, pontua que é preciso que se retome “a possibilidade de</p><p>narrarmos a nós mesmas, desestabilizando aquelas histórias que foram contadas</p><p>como forma de compensar seus próprios defeitos” (ANZALDÚA, 2019, p. 332), como</p><p>formas de equilibrar poderes de uns grupos sobre outros.</p><p>Neste entendimento, Lugones aborda uma “colonização da memória” para</p><p>referir-se ao conceito moderno de gênero, entendendo que há uma “imposição de</p><p>um sistema moderno e colonizador de gênero” e que desumaniza o “outro” a partir</p><p>de uma colonialidade do ser. É nesse sentido que, segundo a atora, a confissão cristã,</p><p>por exemplo, atua na marcação da sexualidade feminina como má – a partir de uma</p><p>compreensão maniqueísta (LUGONES, 2019, p. 361).</p><p>Em “Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro</p><p>mundo”, Anzaldúa discute os desafios de se fazer ouvir sendo mulher, mestiça e</p><p>queer. Para a autora, “eles” combatem e atacam as mulheres “de cor”, “porque</p><p>desequilibramos e muitas vezes rompemos as confortáveis imagens estereotipadas</p><p>que os brancos têm de nós” (ANZALDÚA, 2000, p. 230). A escrita das mulheres, então,</p><p>aparece como uma afronta e uma forma de resistência diante ao silenciamento</p><p>mencionado anteriormente.</p><p>162</p><p>Nós anulamos, nós apagamos suas impressões de homem branco. Quando</p><p>você vier bater em nossas portas e carimbar nossas faces com ESTÚPIDA,</p><p>HISTÉRICA, PUTA PASSIVA, PERVERTIDA, quando você chegar com seus</p><p>ferretes e marcar PROPRIEDADE PRIVADA em nossas nádegas, nós</p><p>vomitaremos de volta na sua boca a culpa, a auto recusa e o ódio racial que</p><p>você nos fez engolir à força. Não seremos mais suporte para seus medos</p><p>projetados. Estamos cansadas do papel de cordeiros sacrificiais e bodes</p><p>expiatórios [...] Porque devo manter vivo o espírito de minha revolta e a mim</p><p>mesma também. Porque o mundo que crio na escrita compensa o que o</p><p>mundo real não me dá. No escrever coloco ordem no mundo, coloco nele uma</p><p>alça para poder segurá-lo. [...] Escrevo para registrar o que os outros apagam</p><p>quando falo, para reescrever as histórias mal escritas sobre mim, sobre você.</p><p>(ANZALDÚA, 2000, p. 231-232) [Grifos da autora]</p><p>É a partir desse entendimento de que há um inconformismo por parte dos</p><p>homens diante dos espaços ocupados pelas mulheres, que eles entendem que</p><p>precisam silenciar, agredir e retomar um suposto poder.</p><p>AULA 4 - SILENCIAMENTO COMO FORMA DE GUERRA</p><p>Silenciar as mulheres que narram as histórias de violência é uma forma cruel</p><p>de apagar os atos de assédio cometidos. Descredibiliza-se a narrativa das mulheres,</p><p>de modo que as denúncias sejam invalidadas. A partir disso, geram-se dúvidas sobre</p><p>aquilo que foi contado, além das desconfianças sobre suas intenções e, no fim, uma</p><p>grave, mas não rara, culpabilização das vítimas.</p><p>“Mas o que ela fez pra isso?”, perguntam. “Ela deu em cima dele”, “ela deu</p><p>margem pra ele dar em cima”, “não é porque é mulher, é porque não trabalha direito”,</p><p>dizem. E aí, de onde tiramos coragem para denunciar? A luta, assim, se torna ainda</p><p>mais pesada. Mas não podemos esmorecer.</p><p>Essas estratégias de silenciamento já foram identificadas por estudiosas e</p><p>estudiosos dos mais diversos campos do conhecimento. Nos embasamos nessas</p><p>referências para seguirmos em nossas articulações que têm o objetivo de desmontar</p><p>essas redes de opressão.</p><p>163</p><p>Segundo Rita Segatto (2016), falar sobre violência de gênero foi muitas vezes</p><p>levada para o âmbito do doméstico como forma de particularizar esse tipo de</p><p>agressão, individualizando-as a partir da ideia de espaço privado. Quantas vezes você</p><p>já ouviu a expressão “em briga de marido e mulher não se mete a colher”? Pois é, isso</p><p>é uma forma de se afastar da violência, como se ela não fosse um problema público.</p><p>Para a pesquisadora, que discute violência de gênero tanto em suas</p><p>dimensões físicas quanto simbólicas, é fundamental considerarmos a importância de</p><p>trazer tais discussões para o espaço público, entendendo que se trata de um</p><p>problema compartilhado por toda a sociedade, que sofre as consequências e faz</p><p>reverberar os atos violentos, seja no lugar que for.</p><p>Defendo aqui que compreender as transformações do “sistema de gênero” e</p><p>a história da estrutura patriarcal lança uma luz indispensável para</p><p>compreender a virada social introduzida pela modernidade como um todo. Se</p><p>lemos adequadamente o que esse trânsito significava e a forma e como a</p><p>intervenção reorganizada e agravava as hierarquias pré-existentes, vamos</p><p>entender muitos fenômenos do presente que afetam toda a sociedade e que</p><p>estão muito longe de constituir apenas "um problema da mulher". (SEGATO,</p><p>2016, p.92 [Tradução nossa])</p><p>Ainda para Segato (2016), é a partir dos dados que identificamos sobre a</p><p>violência contra a mulher e os abusos cotidianos, no qual o assédio está incluso, que</p><p>somos capazes de medir os trânsitos e transtornos sociais como um todo. Isso</p><p>porque, ao sairmos do entendimento de que a violência praticada contra a mulher</p><p>estaria no âmbito do provado, passamos a reconhecer a mulher como a base de</p><p>sustentação de toda a sociedade em suas práticas políticas, econômicas e culturais.</p><p>É o que indica Flávia Biroli (2016) ao apontar para o trabalho doméstico</p><p>exercido, na maior parte das vezes, por mulheres como uma forma de possibilitar</p><p>aos</p><p>homens o tempo livre necessário para as ações políticas.</p><p>Retomando às discussões de Segato (2016), tais atos de violência contra a</p><p>mulher - incluindo aqui o silenciamento imposto às vítimas de assédio que são</p><p>coagidas a não denunciarem por medo de seus agressores – são estratégias de</p><p>164</p><p>“disciplinamento” impostas pelas forças patriarcais. Essa ação resulta do</p><p>inconformismo, como se vê:</p><p>(Somos) contra tudo que o desestabiliza, contra tudo que pareça conspirar e</p><p>desafiar seu controle, contra tudo que desliza para fora de sua égide, com as</p><p>várias estratégias e táticas diárias com as quais muitos de nós,</p><p>propositalmente ou inadvertidamente, escorregamos e escapamos da</p><p>vigilância patriarcal e a desobedecemos. (SEGATO, 2016, p. 96)</p><p>E as mulheres no mundo trabalho ainda são entendidas como ameaças aos</p><p>homens. Seja pela disputa de cargos, pela competência, pela incapacidade masculina</p><p>de lidar com as mulheres em cargos de comando, pela contínua ideia patriarcal de</p><p>que as mulheres existem para servir aos homens.</p><p>Neste sentido, bell hooks (2020) nos traz discussões importantes sobre essas</p><p>relações de trabalho, que apontam para tais aspectos de dominação. hooks (2020)</p><p>indica que a ideia de que o trabalho seria a estratégia de libertação feminina das</p><p>opressões acabou por alienar diversas mulheres tanto do movimento feminista</p><p>quanto da própria discussão sobre liberdade. As mulheres que no século XIX e no</p><p>século XX passam a contar como força de trabalho, são mulheres pobres, mulheres</p><p>negras, que não chegam a esses espaços buscando por liberdade, mas por</p><p>sobrevivência no mundo capitalista.</p><p>Nesse mesmo sentido, hooks (2020) observa que essa ocupação de postos</p><p>de trabalho por mulheres levanta ciúmes nos homens, que passam a disputar esses</p><p>espaços. Quando, historicamente, mulheres brancas, formalmente escolarizadas</p><p>acessam esse mercado e passam a disputar cargos mais altos com os homens, essa</p><p>disputa se intensifica. Então, a ideia de “liberdade” das mulheres, que viria associada</p><p>a uma independência financeira, é reavaliada, porque os conflitos domésticos que</p><p>não necessariamente foram resolvidos, se ampliam agora para o ambiente do</p><p>trabalho.</p><p>Ainda segundo hooks (2020) as relações de poder e questões de dominação</p><p>masculina e de violência se fazem mais evidentes nesses espaços, apoiados em um</p><p>165</p><p>pensamento sexista. “Grupos dominantes mantêm poder através da ameaça (aceita</p><p>ou não)de que castigo abusivo, físico ou psicológico, será usado sempre que as</p><p>estruturas hierárquicas em exercício forem ameaçadas”. (hooks, 2020, p. 99). Uma</p><p>reação a essa desestabilização de poderes se manifesta nas práticas de assédio.</p><p>Alguns homens sentem que o uso da violência é a única maneira de</p><p>estabelecer e manter o poder e a dominação dentro da hierarquia sexista do</p><p>papel dos sexos. Até que desaprendam o pensamento sexista que diz que eles</p><p>têm direito de comandar as mulheres de qualquer forma, a violência de</p><p>homens contra mulheres continuará sendo norma. (hooks, 2020, p. 100)</p><p>É importante reforçar que quando falamos em assédio, ainda que os homens</p><p>– e mesmo muitas mulheres – não saibam identificar a prática pelo nome, estamos</p><p>nos referindo a atos violentos. E cada manifestação violenta evidencia a misoginia,</p><p>ou seja, o ódio às mulheres, presente nessas disputas. Os homens, ao se sentirem</p><p>sem espaço, tendo suas fragilidades e fraquezas expostas, encontrando mulheres</p><p>como iguais, e não como seres que existem para servi-los, se desestabilizam. E por</p><p>isso, encontram formas desde as mais explícitas até as mais sutis de violentar, como</p><p>uma forma de buscar a retomada de seu poder.</p><p>Para Verônica Gago (2020) entende que essas violências são formas de</p><p>guerra contra os corpos feminizados (ela inclui nessa categorização de corpos</p><p>violentados não apenas uma configuração cisheteronormativa, mas considera ainda</p><p>as violências de gênero associadas à sexualidade e à identidade de gênero). A</p><p>socióloga defende que é necessário extravasar o tema da violência de gênero para</p><p>vinculá-la às múltiplas formas de agressão que tornam a primeira possível. Ela aponta</p><p>que é preciso</p><p>Inaugurar uma palavra política que não apenas denuncia a violência contra o</p><p>corpo das mulheres, mas que também abre a discussão sobre outros corpos</p><p>feminizados e, mais ainda, se desloca de uma única definição de violência</p><p>(sempre doméstica, íntima e, portanto, confinada) para entendê-la em relação</p><p>a um plano de violências econômicas, institucionais, laborais, coloniais etc.</p><p>(GAGO, 2020, p. 73)</p><p>166</p><p>Assim, para compreendermos o assédio como violência de gênero, é preciso</p><p>levantar, também, as origens e articulações que levam a esse tipo de opressão, que se</p><p>manifestam das mais diversas formas e resultam em situações que vão desde o</p><p>constrangimento até a morte de mulheres. E todas essas violências são desferidas sobre os</p><p>corpos das mulheres, de modo a anular a sua existência.</p><p>Essas ações misóginas, segundo Gago (2020), são respostas ao crescente poder e</p><p>autoridade que as mulheres vêm conquistando, com as quais os homens não sabem lidar.</p><p>Em diálogo com a filósofa Silvia Frederici, Gago aponta que os homens enclausuram as</p><p>mulheres para se protegerem de seu nomadismo – índice que simboliza a liberdade e</p><p>independência das mulheres. Por isso, aponta Gago (2020, p. 76), “soa tão próxima essa</p><p>imaginação de que todo nomadismo feminino (desde tomar um taxi à noite até terminar um</p><p>relacionamento ou ir embora de casa) é cada vez mais ocasião para a violência sexista”</p><p>Como forma de impedir que as mulheres se apoiem e se fortaleçam diante das</p><p>agressões, constrói-se, segundo Gago (2020) e Frederici (2011) um ambiente de suspeição</p><p>em torno das relações entre mulheres, vistas como “contraproducentes” para os matrimônios</p><p>e para a igreja.</p><p>Deste modo, os homens se entendem como proprietários54 das mulheres, num</p><p>exercício constante de afirmação de autoridade a partir de um regime de apropriação dos</p><p>corpos. Ainda que essa prática esteja enraizada culturalmente, não podemos naturalizá-la,</p><p>inclusive porque entendemos que a cultura é um fenômeno em constante transformação. Ela</p><p>resulta dos hábitos, práticas, pensamentos, ideologias de um tempo.</p><p>Pensar a partir da categoria da guerra para dar conta de uma economia</p><p>específica da violência contra as mulheres, lésbicas, trans e travestis é uma</p><p>preocupação que tem a vantagem de nos obrigar a pensar os contornos de</p><p>um fenômeno sistemático que não se pode atribuir a razões psíquicas de</p><p>alguns homens ou a “modas” que acabam sendo interpretadas como notícia</p><p>sensacionalista ou narrativas passionais. Essa interpretação tem o efeito de</p><p>desculpar as masculinidades violentas, mostrar seus crimes como</p><p>excepcionalidades, como patologias isoladas, e construir uma casuística do</p><p>“desvio”. A versão psicologizante individual, pela própria ideia do tipo de</p><p>“saúde” que o patriarcado propõe para as masculinidades, está discutida nas</p><p>54 A partir de uma lógica capitalista na compreensão de propriedade privada.</p><p>167</p><p>ruas, se condensa em grafites, se conceitualiza nas esquinas. “No está enfermo,</p><p>es um hijo sano del patriarcado”. (GAGO, 2020, p. 80-81 [Grifos da autora])</p><p>Então, quando falamos em “cultura patriarcal”, não estamos justificando ou</p><p>apaziguando a violência, mas olhando para ela como algo a ser desfeito. E, para isso,</p><p>precisamos ter coragem para encarar de frente as feridas coloniais e</p><p>cisheteropatriarcais que compõem a nossa sociedade. É preciso, ainda, encarar o</p><p>problema da violência como um problema coletivo da sociedade, para, assim,</p><p>podermos unir forças na busca por transformação.</p><p>Com relação a essa ideia, hooks (2019) defende que a maior parte dos</p><p>homens que cometem violência contra as mulheres não está em busca de mudança</p><p>de vida, mas procura formas de exercer seu domínio sobre os outros. Eles não sentem</p><p>que</p><p>é errado, já que são recorrentemente recompensados por isso. (hooks, 2019, p.</p><p>182).</p><p>Gago (2020) defende, então, que é preciso estabelecer uma guerra. Um</p><p>confronto que que force a sociedade a assumir a existência de um conjunto de forças</p><p>em disputa. “Implica em visibilizar um conjunto de violências que fazem desses</p><p>corpos ‘terminais’ um diferencial nessa trama” (2020, p. 100), deixando de silenciar as</p><p>violências. Ao assumir que somos atacadas, Gago sugere que não seremos mais</p><p>pacificadas e atravessaremos o medo como forma de resistência e revolução.</p><p>A situação de assédio sexual às mulheres nos ambientes de trabalho tem a</p><p>ver com a ideia já apontada por Segato (2016), de que às mulheres seria reservado o</p><p>espaço doméstico, privado, é o que também explica Ribeiro (2017), mais</p><p>especificamente voltando o olhar para as polícias militares.</p><p>Como antes as Polícias Militares eram exclusivamente masculinas, talvez seja</p><p>difícil para os policiais masculinos incluírem as mulheres como iguais no</p><p>serviço operacional, e, com o discurso da proteção, eles terminam reservando</p><p>um lugar muito específico para as suas colegas do sexo feminino. Reproduz-</p><p>se, desta forma, o padrão de gênero que reserva aos homens o espaço público</p><p>e às mulheres o ambiente privado. (RIBEIRO, 2017, p. 8)</p><p>168</p><p>Então, muitos homens acabam transferindo para esses momentos o</p><p>entendimento de que as mulheres estariam naqueles espaços com a função de servi-</p><p>los, o que inclui satisfazê-los sexualmente. Elas exerceriam os trabalhos internos</p><p>(privados, domésticos) esperando pelo retorno dos homens, que precisam chegar e</p><p>encontrar um ambiente pronto e organizado para que, no dia seguinte, eles possam</p><p>voltar à rua.</p><p>Além disso, como indica hooks (2019), há uma grande confusão que a</p><p>sociedade patriarcal faz questão de não desfazer que é aquela que associa violência</p><p>ao amor. Deste modo, torna-se cada vez mais difícil pontuar quais lugares ocupam</p><p>cada ação. “A violência masculina, os romances sugerem, precisa ser usada para</p><p>corrigir o ‘atrevimento’ dessas mulheres, que, embora dividam com os homens os</p><p>mesmos espaços de trabalho, precisam assumir funções subordinadas dentro de</p><p>casa”. (hooks, 2019, p.184). Assim, as mulheres são encorajadas a ignorar as situações</p><p>violentas como violência efetivamente. Culturalmente, normalizamos essas situações</p><p>e as incorporamos como parte de nosso cotidiano.</p><p>Esses comportamentos são evidenciados nas situações de assédio. E aí a</p><p>gente se pergunta: mas porque, então, a gente não expõe de forma mais clara esses</p><p>casos? Diante das violências, o agressor impede a vítima de reagir, provocando o seu</p><p>silêncio. Esses movimentos acontecem nas seguintes ações (Freitas, 2001, p. 12):</p><p>- O agressor recusa uma comunicação direta, deixando sempre margens nas</p><p>entrelinhas para outras interpretações, de modo a acuar a vítima e impedi-la de</p><p>denunciar, sob a alegação de que a pessoa violentada teria “compreendido errado”;</p><p>- Desqualificação da vítima e de sua palavra, alegando, por exemplo, que a</p><p>vítima teria dado espaço para aquela agressão, ou ainda colocando-a como louca,</p><p>invalidando suas memórias;</p><p>169</p><p>- Desacreditar a vítima antecipando narrativas falsas, duvidosas, de modo</p><p>que, ao surgir uma denúncia, já haja um campo de dúvidas em torno da palavra da</p><p>vítima;</p><p>- Isolar a vítima, quebrando seus laços e redes de apoio;</p><p>- Vexar, constranger a vítima atribuindo-lhes tarefas inúteis e degradantes;</p><p>- Empurrar a vítima a cometer uma falta, de modo a inverter a narrativa e o</p><p>agressor tornando-se nesse caso “a vítima” de difamação.</p><p>Diante dessas situações, mostra-se ainda mais importante o conhecimento</p><p>sobre como agir contra o assédio, seja ele moral e/ou sexual. Conhecendo as</p><p>estratégias de silenciamento, vamos juntas construindo as táticas de resistência e de</p><p>transformação.</p><p>Estratégias para o acolhimento das vítimas e o combate ao assédio</p><p>Segundo Veloso (2016), para se desligar de uma situação de assédio é</p><p>necessário buscar ajuda profissional. É preciso ter um apoio psicológico que auxilie</p><p>na superação dos traumas causados pela violência. Veloso também recomenda que</p><p>a vítima organize um conjunto de provas que reforcem sua denúncia, por exemplo,</p><p>testemunhas, e-mails, mensagens em redes sociais e outros tipos de conversa. Isso</p><p>vai auxiliar em uma denúncia formal.</p><p>Sabemos que nem sempre essas denúncias são acolhidas e que, muitas vezes,</p><p>as provas são desqualificadas, assim como os depoimentos das vítimas. Isso se deve</p><p>à manutenção das estruturas de poder cisheteropatriarcais e a um pacto narcísico</p><p>entre os homens, que na maior parte das vezes são os responsáveis por acolherem</p><p>as denúncias.</p><p>170</p><p>Além disso, o apoio das instituições é fundamental para combater o assédio</p><p>em suas diversas formas e manifestações. Acolher as denúncias e punir de forma justa</p><p>os agressores auxiliam a coibir novas práticas de assédio. A impunidade, os</p><p>silenciamentos e a falta de informação e de debate acabam fazendo com que as</p><p>situações de violência se multipliquem. Por isso, é fundamental observamos</p><p>indicações de como acolher as denúncias, apoiar as vítimas e punir os agressores, em</p><p>vez de simplesmente tentar apagar as marcas da violência, o que na prática configura</p><p>uma nova camada de agressão. As instituições precisam aceitar e assumir que as</p><p>situações de assédio acontecem sob os domínios e, assim, tomarem a frente das lutas</p><p>por transformação.</p><p>Por isso, é preciso que o acolhimento atente para algumas indicações que</p><p>vão desde a oitiva, até os encaminhamentos jurídicos formais. Uma vez que a mulher</p><p>sofre algum tipo de assédio, é importante que ela consiga construir espaços seguros</p><p>para começar a contar a sua história. Deste modo, ela vai elaborando uma rede de</p><p>apoio que será fundamental para todo o processo.</p><p>Em uma discussão em torno do feminismo negro, Hill Collins (2019)</p><p>indica a importância da construção de espaços seguros para que as</p><p>mulheres possam falar com liberdade, considerando que a dominação</p><p>é inevitável como fato social. “Esses espaços não são apenas seguros,</p><p>eles formam os espaços primordiais para resistir à objetificação do</p><p>outro”. (HILL COLLINS, 2019, p. 276) Bebendo dessa reflexão, trazemos</p><p>essa discussão para pensarmos no acolhimento às vítimas, que se</p><p>sentem vulneráveis, fragilizadas e oprimidas. Para encontrar força de</p><p>resistência e de luta, essa rede de apoio é fundamental.</p><p>O acompanhamento deve ser pautado no acolhimento total das angústias,</p><p>medos, ansiedades e traumas da vítima. O tratamento é direcionado à compreensão</p><p>e ao cuidado com a vítima e sua história de vida, que parte do respeito por sua</p><p>narrativa, pelas percepções que a vítima teve da situação. É fundamental ouvir</p><p>171</p><p>atentamente e respeitar os seus sentimentos, o seu tempo e a variação das emoções</p><p>causadas pelo momento.</p><p>É preciso haver um diálogo aberto o suficiente para ser trabalhada toda e</p><p>qualquer situação que a vítima apresente uma percepção de autorresponsabilização.</p><p>Isso porque a condução é pautada na responsabilização do assediador, mesmo que</p><p>ele tenha uma relação de proximidade e/ou autoridade com relação à vítima.</p><p>Além disso, o trabalho de acolhimento é baseado em intervenções que</p><p>amenizem os danos sofridos, pois o assédio apresenta consequências sérias como</p><p>estresse pós-traumático, perda de autoestima, ansiedade, depressão, apatia,</p><p>irritabilidade, perturbações da memória, perturbações do sono, problemas</p><p>digestivos, em casos mais graves podendo até conduzir ao suicídio.</p><p>Dentre as formas possíveis de estabelecer confiança durante a denúncia, é</p><p>importante que esta seja conduzida como um diálogo, em que aquele ou aquela que</p><p>a recebe demonstra empatia e respeito pela vítima. É fundamental que quem escuta</p><p>mantenha uma postura de encorajar a denúncia, e não o contrário, como vem</p><p>ocorrendo. Em vez de criar questões</p><p>que o</p><p>sujeito passa a ser compreendido de uma maneira fragmentada, não considerando</p><p>suas potencialidades emocionais e pulsionais, portanto, sendo um ser não totalizado.</p><p>Tal modo de concepção do homem conduziu à cultura da disjunção mente/corpo,</p><p>fato que vai orientar as relações familiares, nas instituições, na sociedade em geral, e</p><p>sobretudo na construção do conhecimento.</p><p>Posteriormente, no século XIX, o pensamento de Émile Durkheim corrobora</p><p>com a construção cultural de referência masculina, considerando que “a cultura</p><p>ocidental é uma cultura de espírito masculino”. Analogamente, desse supervalor</p><p>destinado ao masculino, resulta um “desequilíbrio social, visto a supressão das</p><p>potencialidades femininas”. (Vilaça, pag.91, 2019).</p><p>Seguindo esta linha de raciocínio, Durkheim (Séc. XIX) defende uma</p><p>divisão sexual do trabalho, em que a mulher desenvolveria um papel</p><p>fundamental: o da constituição da “moral doméstica”, como forma de</p><p>contribuição ao ordenamento do “corpo social’, assim explica Segnini</p><p>(2010).</p><p>Tal qual, no século XX, outro pensamento importante para a compreensão</p><p>social em torno do feminino foi trazido por Sigmund Freud, que apresenta uma das</p><p>visões mais conservadoras de sua época. O psicanalista considera que as mulheres</p><p>seriam “homens castrados”, assim afirmam Levine, Reed e Scarfone (2015), ou seja, os</p><p>anseios e os problemas das mulheres estariam na “inveja do falo”, que não possuem.</p><p>Os equívocos das concepções de Freud eram em ampla medida ideológicas, sob uma</p><p>dimensão superficial científica, e refletiam o preconceito de sua época.</p><p>16</p><p>AULA 2 - A MULHER E O AMBIENTE DE TRABALHO</p><p>Partindo dessa retomada histórica em torno das compreensões dos papéis</p><p>sociais das mulheres, seguimos com o objetivo de apresentar o caminho percorrido</p><p>pela mulher, desde sua entrada no mercado de trabalho até os dias atuais,</p><p>evidenciando as suas lutas e dilemas. Esse conhecimento é relevante para que se</p><p>compreenda o que a mulher vivencia no cotidiano, seja no quartel, no ambiente de</p><p>trabalho ou fora dele, os mesmos efeitos das relações produzidas pela sociedade como</p><p>um todo.</p><p>Inicialmente, nas sociedades agrícolas da antiguidade, como descreve Costa</p><p>(1994, p.16), já havia a divisão sexual do trabalho, que era “marcada desde sempre</p><p>pela capacidade reprodutora da mulher”. Dessa maneira, as atividades de cuidar</p><p>foram sendo desenvolvidas como uma tarefa da mulher, embora o cultivo e a criação</p><p>de animais tivessem também a participação dela.</p><p>Figura 9 - Média de horas semanais gastas com atividades domésticas</p><p>Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2011.</p><p>Mais adiante, na fase pré-industrial, Alvesson e Billing (1997 apud CAPPELLE</p><p>2006) apontam na mesma direção, afirmando que homens e mulheres participavam</p><p>do sustento da casa com funções diferenciadas. Aos homens cabiam as atividades de</p><p>17</p><p>caça, pesca e plantação; e às mulheres cabiam as tarefas relacionadas aos cuidados e</p><p>à criação da família. Os autores complementam ainda que, mesmo na fase pré-</p><p>industrial, o trabalho masculino tinha mais prestígio que o trabalho feminino e, caso</p><p>os homens passassem a realizar trabalhos femininos, eles seriam socialmente</p><p>discriminados.</p><p>Avançando para o contexto histórico da Revolução Industrial, Laner</p><p>(2008) explica que a sociedade, organizada em agrupamentos</p><p>familiares, passa a ser estruturada em grupos sociais distintos. Ao</p><p>serem compreendidos de modo unificado, esses grupos passam a</p><p>constituir a sociedade de massa. Ademais, Cappelle (2006) destaca que</p><p>nesse período, o trabalho feminino passou a ser indispensável para as</p><p>fábricas, por se tratar de mão de obra mais barata.</p><p>Figura 10 – Participação das mulheres no mercado de trabalho</p><p>Fonte: https://www.rhportal.com.br/artigos-rh/a-evoluo-da-mulher-no-mercado-de-trabalho/.</p><p>https://www.rhportal.com.br/artigos-rh/a-evoluo-da-mulher-no-mercado-de-trabalho/</p><p>18</p><p>As pessoas passam, então, a compor uma sociedade de trabalhadores e de</p><p>assalariados. Esse momento, segundo Laner (2008), caracterizou substancialmente a</p><p>passagem do mundo privado para o público, posto que a partir daí o homem passou</p><p>a exercer uma atividade laboral, com isso, representando a sua inserção na esfera</p><p>social e no mundo da organização do trabalho.</p><p>Contudo, o momento que caracterizou de forma mais intensa a transferência</p><p>do trabalho das mulheres da vida privada para a vida pública foi após as I e II Guerras</p><p>Mundiais (1914-1918 e 1939-1945, respectivamente), quando elas são levadas a</p><p>assumir a posição dos homens no mercado de trabalho e passam a administrar os</p><p>negócios da família, devido à necessidade de os homens estarem à frente dos campos</p><p>de batalha (PROBST, 2003).</p><p>Figura 11 – Duas mulheres soldando, EUA, 1943</p><p>Fonte: Margaret Bourke-White, Time & amp; Life Pictures / Getty</p><p>Images.https://incrivelhistoria.com.br/mulheres-segunda-guerra-mundial/.</p><p>https://incrivelhistoria.com.br/mulheres-segunda-guerra-mundial/</p><p>19</p><p>Diante dessa situação, D’alonso (2008) conclui que as mulheres “se sentiram</p><p>na obrigação de deixar casa e os filhos para levar adiante os projetos e o trabalho</p><p>que eram realizados pelos seus maridos”. Assim sendo, a organização e a produção</p><p>do trabalho feminino mudaram paralelamente a consolidação do sistema capitalista,</p><p>influenciadas pelo desenvolvimento tecnológico que favoreceu a transferência de</p><p>boa parte da mão de obra feminina para as fábricas.</p><p>Além do mais, Coelho (2004) relata que, nos anos 1950, a mulher passou a</p><p>ser requisitada em massa para ocupar os postos de trabalho, devido ao</p><p>fortalecimento da sociedade de consumo. Mas devido à falta de qualificação –</p><p>resultado de anos de afastamento do processo produtivo – as mulheres recebiam</p><p>menores salários (metade do salário do homem nos Estados Unidos e Europa). Ao</p><p>observarem essa situação e a partir de uma organização política, as mulheres</p><p>começam a discutir os seus direitos e condições de trabalho rumo à emancipação.</p><p>No Brasil, a partir da década de 1970, conforme Costa (1994), a mulher</p><p>passa a incorporar o mercado de trabalho de maneira mais acentuada,</p><p>ocupando atividades relacionadas ao cuidar (enfermeiras, atendentes,</p><p>professoras, educadoras em creches, serviços domésticos,</p><p>comerciárias e uma pequena parcela na indústria e na agricultura).</p><p>Figura 12 - A mulher inserida mercado de trabalho.</p><p>Fonte: https://recolocariodoce.com.br/historia-mulheres-e-o-mercado-de-trabalho/.</p><p>https://recolocariodoce.com.br/historia-mulheres-e-o-mercado-de-trabalho/</p><p>20</p><p>Diante desse quadro na história sobre a inclusão da mulher no mercado de</p><p>trabalho, a Fundação Carlos Chagas - FCC (2012), nas Séries Históricas, faz uma</p><p>observação desse período, citando que a mulher, até a década de 1970, evidenciava</p><p>os efeitos da maternidade na vida profissional, sendo isso perceptível devido à</p><p>diminuição da participação da mulher no mercado de trabalho como força produtiva.</p><p>Entretanto, em meados dos anos 1980, houve uma reversão dessa tendência,</p><p>que indicava que a atividade produtiva fora de casa assumiu uma importância tal qual</p><p>a maternidade e o cuidado com os filhos, uma vez que as taxas de participação da</p><p>mulher no mercado produtivo aumentaram a partir daquele período (FCC, 2012).</p><p>Nas últimas décadas do século XX, Bruschini (2007) afirma que o Brasil teve</p><p>grandes transformações demográficas, sociais e culturais que influenciaram o</p><p>aumento do trabalho feminino no país, que pode ser relacionado com a queda da</p><p>taxa de fecundidade, a redução no tamanho das famílias, maior expectativa de vida</p><p>ao nascer para as mulheres e o crescimento acentuado de arranjos familiares</p><p>chefiados por mulheres.</p><p>Como consequência desse movimento, a mulher sofreu uma alteração na</p><p>identidade feminina se comparada à identidade do século XIX, pois atualmente está</p><p>cada vez mais voltada para o trabalho remunerado.</p><p>que pareçam desconfiar da palavra da vítima, é</p><p>importante deixar bem especificado que haverá uma investigação séria e responsável.</p><p>Deste modo, a vítima poderá se sentir amparada, novas vítimas encorajadas a</p><p>denunciar e os assediadores coagidos de violentar.</p><p>Depois da denúncia, é preciso cuidar da segurança física e mental da vítima.</p><p>Daí a fundamental importância da rede de apoio mencionada como a primeira ação</p><p>a ser desenvolvida em situações de assédio. Manter a integridade emocional é</p><p>fundamental para a continuidade do processo. Além disso, a vítima pode sofrer</p><p>represálias das mais diversas formas (inclusive, passar a sofrer assédio moral no</p><p>trabalho, como já mencionamos aqui).</p><p>Uma indicação observada por profissionais da saúde e do direito especialistas</p><p>em questões referentes às denúncias de assédio sexual apontam que o número de</p><p>denúncias poderia ser ainda maior se houvesse um maior número de mulheres para</p><p>o acolhimento das vítimas nas instituições. O objetivo disso é que, considerando que</p><p>172</p><p>a maioria das vítimas são mulheres, haveria ali uma maior possibilidade de</p><p>identificação, que constrói relações de confiança, possibilitando que cada detalhe</p><p>seja ouvido, compreendido, respeitado e validado.</p><p>A subnotificação ainda é alta. Seja por vergonha, culpabilização das</p><p>vítimas, falta de acolhimento, demora no tempo das investigações,</p><p>falta de empatia na escuta, constrangimentos e ameaças por parte dos</p><p>assediadores que violentam as vítimas novamente silenciando-as.</p><p>Nesse sentido, é importante destacar que o assédio contra mulheres envolve</p><p>uma série de condutas ofensivas à dignidade sexual que desrespeitam sua liberdade</p><p>e integridade física, moral e psicológica. É importante ressaltar também que quando</p><p>não há consentimento, há assédio! Não importa qual roupa que a mulher esteja</p><p>usando, de que modo ela se comporte, caminhe, se sente. Nenhum comportamento,</p><p>conduta ou circunstância serve como justificativa ou autorização para um assédio.</p><p>AULA 5 - HISTÓRIAS DE ASSÉDIO</p><p>5.1 - A domesticação do trabalho</p><p>Aconteceu em uma reunião que a gente tinha toda tarde. Separávamo-nos em</p><p>pelotões com muito mais homens do que mulheres, porque ainda é o que acontece nos</p><p>espaços militares. Nesse dia, um dos rapazes da turma chegou com a farda muito</p><p>amassada. Eu era a única mulher do primeiro ano presente. O nosso comandante, que</p><p>era oficial, veio, então, reclamar comigo porque a farda do meu colega estava</p><p>amassada. Na hora, não entendi nada. O que eu teria a ver com aquilo? Aos poucos fui</p><p>compreendendo que se tratava de uma atribuição feita a mim por motivações de</p><p>gênero.</p><p>173</p><p>A responsabilização por um trabalho que não me compete veio com a</p><p>justificativa de que ali deveríamos agir como uma equipe – o que, curiosamente, não</p><p>foi cobrado de nenhum homem da turma.</p><p>Depois disso, o comandante do pelotão passou a gritar muito comigo, a ser</p><p>grosseiro, me destratar e me cobrar por essas e outras atribuições que não são minhas.</p><p>E isso na frente de meus colegas, de superiores. Ele abusou do poder hierárquico e de</p><p>gênero que conseguia exercer naquele momento.</p><p>Me senti desrespeitada como mulher e como militar. Não estamos aqui para</p><p>exercer as tarefas de cuidado que são, muitas vezes, atribuídas às mães e, injustamente,</p><p>transferidas para as esposas. Sou responsável pelo meu fardamento, pela minha</p><p>apresentação e não pela aparência da turma. Esse cuidado não me cabe e não pode</p><p>ser atribuído a mim por eu ser mulher. Sobre as minhas tarefas como militar, ele não</p><p>tem do que reclamar.</p><p>A situação narrada na história 1 traz uma discussão que Gago (2020) classifica</p><p>como uma exploração heteropatriarcal, que entende que as mulheres, onde quer que</p><p>estejam, têm como obrigação primeira o cuidado com os homens, de modo a</p><p>possibilitar que eles apenas se dediquem às suas atribuições profissionais. Deste</p><p>modo, eles estariam dispensados de pensar, como no caso citado, na apresentação</p><p>do fardamento. Ou ainda, não precisam limpar, cozinhar, cuidar, pois isso vira uma</p><p>sobrecarga de tarefas atribuídas às mulheres.</p><p>5.2 - O que pode fazer uma mulher?</p><p>Eu estava fazendo um curso preparatório de mecânica na minha própria</p><p>instituição. Já conhecia os colegas, os professores e aquele ambiente “supermasculino”,</p><p>ao qual já estava habituada. Mas durante as aulas, algumas situações de assédio moral</p><p>condicionado por eu ser mulher começaram a acontecer, principalmente por parte dos</p><p>professores.</p><p>174</p><p>O professor, que me olhava de forma diferente – mas que eu fingia não ver,</p><p>pois era algo muito subjetivo e eu não queria me indispor – um dia pediu que quatro</p><p>pessoas fossem à frente ´para carregar um motor. Eu me ofereci, afinal eu estava ali</p><p>me preparando para situações profissionais que eu encontraria.</p><p>Ele respondeu: “não, não, você não. Quero quatro homens, porque você não vai</p><p>conseguir fazer isso.” Naquele momento, eu fiquei constrangida, me calei e não fui. Nas</p><p>aulas seguintes, novamente aconteciam situações semelhantes: carregar um motor,</p><p>desparafusar uma máquina, montar algumas peças. Para esse professor, eu não estava</p><p>qualificada a nenhuma das atividades, argumentando que, por eu ser mulher, eu não</p><p>conseguiria.</p><p>Eu ficava constrangida demais para responder que eu tinha feito testes físicos</p><p>para estar ali. Eu tinha força física, malhava, me preparava para lidar com força.</p><p>Principalmente porque eu tinha entrado na polícia sabendo que eu precisaria de força</p><p>física para a realização do meu trabalho.</p><p>Eu não sabia – ou talvez até soubesse, mas não acreditava – que tentariam me</p><p>colocar para fazer apenas serviços administrativos pelo fato de eu ser mulher. E ainda</p><p>assim, me desqualificando. Nessas mesmas aulas, quando o professor fazia perguntas</p><p>relacionadas aos conteúdos de mecânica, eu me oferecia para responder, mas ele</p><p>sempre fingia que eu sequer estava ali.</p><p>Eu me sentia sempre como uma impostora, como se eu estivesse ocupando um</p><p>lugar que não era meu. E isso me obrigava a ser duas, três vezes melhor que meus</p><p>colegas, simplesmente para estar ali sem ser questionada. Nem falo sobre ser</p><p>reconhecida, porque para isso, eu já precisaria de outros bons anos de luta.</p><p>Nessa história, o assédio moral se pauta por aquilo que é discutido por</p><p>Ribeiro (2018) ao apontar que, culturalmente, algumas tarefas são permitidas para</p><p>mulheres, enquanto outras são atribuídas aos homens. Desconfia-se previamente da</p><p>capacidade da mulher de realizar aquele trabalho, antes mesmo que se verifique duas</p><p>condições e disponibilidade. Ribeiro (2018) indica ainda que isso é muito comum nas</p><p>175</p><p>polícias militares, atribuindo-se às mulheres os trabalhos administrativos, internos,</p><p>enquanto o trabalho que exige força física e que se realiza na rua (espaço público) é</p><p>destinado aos homens.</p><p>5.3 - Não é elogio, é assédio!</p><p>A minha história é mais uma dentre as tantas na minha instituição. No começo,</p><p>eu achava que aquilo só tinha acontecido comigo, e eu ficava ainda pior, mais</p><p>envergonhada e achando que passar por aquilo tudo era minha culpa.</p><p>Há um tempo, eu trabalhava em um setor com um chefe imediato que acabara</p><p>de ser trocado. Em pouquíssimo tempo, ele passou a fazer investidas de cunho sexual</p><p>direcionadas a mim. Eu não havia dado consentimento, não tinha concordado com</p><p>aquilo, tampouco dava margens para que houvesse qualquer outro assunto entre nós</p><p>que não fosse referente às nossas funções.</p><p>Ele chegava a mexer nas escalas de serviço para que pudesse ficar mais tempo</p><p>sozinho comigo. Frequentemente, deixava o posto dele sozinho e ia ao meu posto para</p><p>ficar falando coisas que me deixavam constrangida, mas que ele dizia serem elogios.</p><p>Quando os constrangimentos passaram a me incomodar mais do que eu</p><p>conseguia suportar, falei com ele que parasse. Ele insistia que “só estava me elogiando”.</p><p>Até que pedi que o nosso superior, acima</p><p>dele, me trocasse de turno. Sem contar o que</p><p>aconteceu, fui para outro turno. Quando meu imediato soube da minha “fuga”, ele me</p><p>trancou em uma sala, gritou comigo e me agrediu com o rádio.</p><p>Me senti completamente humilhada e impotente naquela situação. Eu gritava,</p><p>pedia socorro, pedia que ele parasse, até que ele parou. A sala em que fui trancada</p><p>tinha câmeras e eu imaginei que elas poderiam ser usadas como provas para a minha</p><p>denúncia. Mas, para a minha triste surpresa, o comando do meu setor “perdeu” as</p><p>gravações.</p><p>Além de desrespeitada, eu não consegui fazer nada, não pude me movimentar,</p><p>tomar nenhuma providência. Tive de aguentar a conivência da minha instituição diante</p><p>176</p><p>daquela agressão. Isso me entristece muito, mas a única alternativa que eu encontro é</p><p>a de permanecer com meu tratamento psicológico, para conseguir realizando minhas</p><p>atividades diárias.</p><p>Freitas (2001) destaca que há muita confusão por parte dos assediadores</p><p>que insistem em tratar as suas violências como elogios, cantadas ou estratégias de</p><p>sedução. Não houve consentimento, abertura, tampouco os elogios foram</p><p>respeitosos ou direcionados ao trabalho realizado naquele ambiente. O que há nessas</p><p>situações é uma agressão, que fica evidente quando o homem agride fisicamente a</p><p>mulher por ela ter saído de perto dele. E isso precisa ser nomeado, pois, uma vez que</p><p>chamamos as situações pelos seus devidos nomes é que poderemos, enfim, percebê-</p><p>las como problemáticas e transformá-las.</p><p>5.4 - Agressões e culpabilização da vítima</p><p>Naquele momento, eu dividia o posto com um colega de mesma patente, mas</p><p>que havia chegado transferido de outro setor. Compartilhamos alguns plantões juntos.</p><p>Eu cheguei a perceber uns assuntos estranhos, constrangedores, mas ia cortando</p><p>sutilmente, tentando ser discreta e respeitosa.</p><p>Até que passado um tempo, talvez um mês e meio desde que ele chegou, ele</p><p>apareceu na porta da minha casa sem que eu nunca tivesse dito a ele onde eu morava.</p><p>Ele ficou lá na porta, começou a gritar me chamando, dizendo que eu tinha que sair</p><p>para vê-lo. Eu saí, pedi que ele fosse embora, senão, eu chamaria a polícia. Ele me</p><p>ignorou e continuou gritando. Entrei e o deixei falando sozinho até ele ir embora.</p><p>No dia seguinte, nos encontramos novamente e ele passou a ser mais incisivo</p><p>em cantadas e em formas de me constranger falando sobre meu corpo. Ficou</p><p>insuportável e visível para todo mundo que estava no plantão, o que me deixou ainda</p><p>mais envergonhada.</p><p>177</p><p>Minhas colegas sabiam que havia algo estranho, pois meu comportamento não</p><p>era o mesmo. Acabei contando para elas o que estava havendo. Elas começaram a me</p><p>aconselhar e a me apoiar, me fortalecendo para que eu denunciasse.</p><p>Mas antes que isso acontecesse, precisei faltar e por isso deveria preencher uma</p><p>justificativa escrita. Ele me levou até uma sala e disse que se eu não o acompanhasse,</p><p>não teria como justificar a minha ausência no sistema. Com medo de ser prejudicada</p><p>e acreditando nele, que era o responsável por esses registros, fui até lá.</p><p>Mas aí ele trancou a porta, começou a arrancar a minha roupa e a tocar em</p><p>meu corpo, principalmente nas partes íntimas. Eu não havia dado consentimento, então</p><p>comecei a gritar e a me debater contra ele. Só consegui fugir porque eu lutava e</p><p>consegui imobilizá-lo.</p><p>Depois desse acontecimento, passei a me sentir suja, indigna de minha família.</p><p>Ficava de perguntando se eu teria feito algo que desse a ele a possibilidade de pensar</p><p>que eu estivesse concordando com aqueles atos, com aquele comportamento. Mas hoje,</p><p>com o apoio das minhas colegas, consigo compreender que eu não tive culpa, que não</p><p>foi minha responsabilidade.</p><p>Essa história nos mostra como o assédio se constrói pautado em relações de</p><p>dominação e de poder, mesmo vindo horizontalmente, de alguém de mesma</p><p>patente. O que acontece é que as relações de gênero e as opressões que residem</p><p>nesse recorte são evidenciadas de imediato. Os homens entendem que,</p><p>independentemente de posição social, de estarem no mesmo lugar, ainda assim</p><p>haveria uma superioridade que os permitiria oprimir e violentar uma mulher.</p><p>5.5 - A denúncia precisa de acolhimento</p><p>Fui assediada de diversas formas na minha instituição. Mas o que eu quero</p><p>contar aqui é do abuso específico vivido durante a denúncia. A gente acha que o pior</p><p>que pode acontecer é ter um colega ou superior fazendo insinuações, dando sinais de</p><p>que pode tocar o nosso corpo ou nos agredir. Tiramos força Deus sabe de onde,</p><p>178</p><p>conversamos com muitas pessoas, fazemos tratamentos psicológicos para tentar nos</p><p>reerguer e seguir.</p><p>Entendo que uma dessas formas é denunciando. Mas essa etapa também não</p><p>é fácil. Contar para alguém é reviver todas aquelas sensações tristes e humilhantes que</p><p>ainda nem superamos. Mas entendo que é parte importante do processo.</p><p>Como provas, eu tinha testemunhas que viam meu estado quando ele chegava</p><p>perto, que acompanhavam as situações de desconforto que meu agressor causava.</p><p>Além disso, eu sabia que havia câmeras de segurança em nosso ambiente de trabalho</p><p>e que, portanto, eu poderia solicitá-las em meu processo.</p><p>Levei a informação ao comando da seção onde eu trabalhava. E para a minha</p><p>surpresa, o comandante ameaçou a mim e ao meu marido, que também trabalhava na</p><p>unidade, dizendo que se seguíssemos com aquela denúncia, seríamos transferidos para</p><p>o interior do estado, o que desestabilizaria toda a nossa família.</p><p>Eu fiquei completamente atordoada com aquela situação por não poder contar</p><p>com o apoio da minha instituição, para a qual eu me dedico tanto. E sei que essa pode</p><p>não ser a postura institucional, mas a pessoa que respondia por ela me dissuadiu a</p><p>levar a denúncia adiante com mais ameaças. Fiquei amedrontada e me senti</p><p>novamente violentada, agora moralmente, sendo obrigada a me calar, a me sujeitar</p><p>àquilo para manter-me no trabalho.</p><p>Para piorar ainda mais, depois disso tudo, para manter meu agressor afastado</p><p>de mim, o que aconteceu foi que ele recebeu uma promoção, foi transferido para outro</p><p>turno, tirou licenças para tratar da saúde mental, enquanto eu estava ali, vivendo</p><p>recorrentemente as lembranças da minha agressão sem punição.</p><p>Segundo bell hooks (2019, p. 181), “essa violência contra as mulheres ocorre</p><p>porque os homens não temem ser punidos seriamente se as machucarem”. Temos</p><p>aqui um caso em que fica evidente o despreparo institucional para lidar com uma</p><p>denúncia de assédio. E para que isso mude, é preciso que as organizações estejam</p><p>abertas ao diálogo. A ouvir a vítima com empatia e respeito. Verificar as provas,</p><p>179</p><p>oferecer suporte emocional à vítima e garantir que ela não precise novamente</p><p>conviver com o agressor.</p><p>5.6 - Quando o agressor tenta reverter a história e desqualificar a vítima</p><p>Já fazia alguns meses que eu estava sendo assediada no meu lugar de trabalho.</p><p>Cantadas que eu cortava, comportamentos inadequados, insistências para que</p><p>ficássemos sozinhos, elogios direcionados ao meu corpo... Depois de muito pensar,</p><p>resolvi denunciar. Mas antes disso, falei com ele que faria a denúncia, afinal, já havia</p><p>pedido inúmeras vezes que ele parasse.</p><p>Nesse momento, acredito que ele tenha se sentido acuado. Mas em vez de</p><p>simplesmente parar de me assediar e se comprometer a não fazer mais isso, ele tentou</p><p>mobilizar todo o batalhão contra mim. Eu soube de pessoas próximas que ele estava</p><p>ligando individualmente para cada colega de trabalho nosso inventando histórias sobre</p><p>mim. Chegou insinuar que eu estaria cometendo crimes militares. Assim, ele</p><p>desqualificaria qualquer fala minha durante as denúncias.</p><p>Quando eu soube disso e fui buscar pelo nosso diretor de disciplina, descobri</p><p>que eles eram irmãos. O que dificultou ainda mais que minha história fosse ouvida. Ele</p><p>fez com que todo mundo duvidasse de mim, das minhas ações e da minha disciplina.</p><p>Minha moral foi abalada</p><p>nesse momento e eu não tinha mais rede de apoio alguma,</p><p>pois minha fala já havia sido desacreditada antes mesmo que eu contasse.</p><p>E isso inviabilizou que eu pudesse tomar qualquer providência quanto ao</p><p>assédio que eu sofri. Minha história não foi ouvida, não foi registrada, é como se a</p><p>violência que eu passei sequer existisse dentro da minha instituição. E isso é terrível,</p><p>pois quando acontece com outras mulheres, elas não saberão que não são as únicas,</p><p>que não estão sozinhas. E aí vão se calar de novo.</p><p>A desqualificação e desacreditação da fala da vítima são formas recorrentes</p><p>de silenciamento apontadas por Freitas (2001). Essa desqualificação leva a uma</p><p>180</p><p>espiral de silenciamentos. Quando uma mulher acha que foi a única a ser violentada,</p><p>ela teme levantar a discussão, inclusive por medo de represálias e de exclusão.</p><p>Quando ela não encontra os registros, ela novamente teme realizar a denúncia, uma</p><p>vez que não quer ser a primeira, nem apontada como a mulher violentada.</p><p>Principalmente quando sua voz sequer é escutada.</p><p>5.7 - A mulher violentada vira “presa fácil”</p><p>Passei por inúmeras situações de violência e assédio tanto sexual como moral</p><p>em minha instituição. Foram momentos terríveis, contra os quais precisei lutar muito.</p><p>Com o apoio da minha família e da psicanálise, consegui denunciar.</p><p>Minha denúncia não teve nenhum efeito prático de punição ao meu agressor.</p><p>Mas para mim, foi como fechar um ciclo de dores e angústias relacionadas àquela</p><p>lembrança.</p><p>Tirando o fato de não ter punição, o que eu já tinha superado, houve outra</p><p>coisa que me machucou bastante. As pessoas do meu setor estavam todas sabendo que</p><p>eu tinha sido assediada, que eu tinha denunciado e que não tinha dado em nada. Pouco</p><p>tempo depois, eu estava sozinha na copa preparando um café, quando apareceu outro</p><p>homem, que não foi aquele que me assediou primeiro.</p><p>Ele trancou a porta e me agarrou. Tentou me estuprar ali mesmo no nosso</p><p>trabalho. Ele me machucou, puxou meu cabelo, me prendeu com as pernas. Ele chegou</p><p>a me ferir, cortou a minha boca ao forçar para me beijar. Chegou a me morder,</p><p>deixando vários hematomas. Tocou as minhas partes íntimas, até que eu consegui</p><p>chutá-lo e sair daquela situação.</p><p>O que ficou muito claro para mim é que ali eu tinha me tornado uma presa</p><p>fácil. Um alvo, como se por eu ter sido assediada uma vez e a denúncia não ter dado</p><p>em nada, pudessem fazer qualquer coisa comigo. Fiquei desesperada com a sensação</p><p>de que aquilo nunca iria acabar. Fiquei com medo de que em algum momento alguém</p><p>181</p><p>chegasse a me matar. Ou que eu mesma chegasse a esse ponto, tamanho horror que</p><p>me seguia, mesmo depois que fui transferida de unidade.</p><p>Nesse relato, observamos que o silenciamento das vítimas, assim como a falta</p><p>de punição adequada ao agressor faz com que a situação de assédio não pare</p><p>quando a denúncia é feita. A impunidade é um grande problema que faz com que as</p><p>situações se repitam. Além disso, observamos uma cumplicidade entre os homens</p><p>para se protegerem, o que aponta para a urgência de união e parceria entre as</p><p>mulheres para se protegerem. Precisamos compreender que se trata de um conjunto</p><p>de relações complexas pautadas na dominação masculina, a base que precisa ser</p><p>combatida.</p><p>5.8 - Nem sempre o assédio vem de superiores</p><p>Eu pensei inúmeras vezes antes de dar esse depoimento. Não é fácil falar de</p><p>assédio e de atitudes sexistas porque repensar nisso me dá raiva, vergonha, culpa,</p><p>desconforto e angústia. Gostaria de ter me tornado alguém que, ao sofrer assédio,</p><p>passou a lidar com sexismo no trabalho diariamente de forma corajosa e inabalável.</p><p>Mas ainda estou longe disso.</p><p>Poderia passar horas falando sobre comentários sexistas que escutei nesses</p><p>últimos oito anos de profissão. Ser mulher em um ambiente essencialmente masculino</p><p>é lidar diariamente com o sexismo: às vezes ele vem de forma mais disfarçada como</p><p>um elogio de como você é bonita em uma hora completamente inapropriada, ou um</p><p>conselho para ajudar com seu trabalho.</p><p>O machismo aparece também de forma mais direta: “ah, mas se ele está</p><p>querendo te promover é porque ele está dando em cima de você”; “Você já está</p><p>aprendendo coisa demais, vai ser muita informação para a sua cabeça”.</p><p>A experiência de assédio sexual veio há alguns anos, quando subordinado meu</p><p>passou a ter atitudes inapropriadas comigo insistentemente. Eu nem sequer percebi que</p><p>182</p><p>era um assédio até que eu precisei começar a trancar o meu quarto com medo. Eu</p><p>sentia muita vergonha e não queria me expor e nem contar a ninguém.</p><p>A situação se complicou quando um outro colega viu algumas das mensagens</p><p>que ele me enviava e começou espalhar rumores pelo batalhão, dizendo que eu estava</p><p>tendo um caso com esse meu subordinado.</p><p>Como eu não havia relatado sobre o assédio aos meus superiores antes, as</p><p>pessoas não acreditavam na minha versão da história, alguns acreditavam que eu</p><p>realmente tive um caso com ele, outros que ele jamais tomaria uma atitude</p><p>inapropriada se eu não tivesse dado espaço, justamente por ele estar em uma posição</p><p>inferior da minha. No fim, ainda fui acusada de estragar a carreira dele.</p><p>Sofrer assédio é um processo doloroso, porque às vezes ele vem de lugares</p><p>inesperados. Eu me questionava: será que foi assédio mesmo? a culpa é minha? Será</p><p>que as pessoas vão acreditar em mim? Eu passei anos me preocupando se eu sorria</p><p>demais ou me vestindo de forma mais masculina. Mas hoje eu sei que nada disso</p><p>funciona, porque eu não sou a culpada pelas violências que sofro.</p><p>A sensação de superioridade masculina não está associada ao cargo ocupado</p><p>pelos homens, mas a uma relação de gênero. Em qualquer papel social, a relação de</p><p>dominação masculina, principalmente quando o homem se sente diminuído pelos</p><p>cargos ocupados por mulheres, é evidenciada como conflitos criados para serem</p><p>resolvidos com violência.</p><p>183</p><p>FINALIZANDO...</p><p>Ao final do último módulo deste curso você pôde aprender que</p><p>• A prática do assédio, dos mais diferentes tipos, infelizmente é</p><p>recorrente em nossa sociedade. Ambientes patriarcais, baseados na</p><p>dominação masculina, são propícios para que o assédio aconteça. Mas</p><p>não se culpe! Tudo o que o assediador faz é buscar manter-se em um</p><p>lugar de poder, e ele fará de tudo para isso, inclusive, diminuí-la,</p><p>humilhá-la e apagá-la.</p><p>• Uma coisa nisso tudo é certa: todas nós já vivenciamos ou</p><p>testemunhamos situações de assédio. E, por isso, é fundamental</p><p>rompermos os silenciamentos. Identificarmos os sinais, as brechas e</p><p>conhecermos o caminho de combate a essa prática que nos diminui e</p><p>nos ataca tão covardemente. É importante saber que não estamos</p><p>sozinhas e que é nessa luta compartilhada que iremos vencer.</p><p>184</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ALVES-JESUS, Susana Mourato. O papel das mulheres em A República de Platão (livro V):</p><p>utopia no feminino ou tópicos para uma reflexão propedêutica sobre Direitos Humanos.</p><p>Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 2015. Acesso em: 17/03/2023. Disponível</p><p>em: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/33863/1/Susana_Mourato_Alves-Jesus.pdf</p><p>ANZALDÚA, Glória. 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Houve, em 37 anos, um aumento de quase 200% no mercado.</p><p>Hoje, elas representam 43,9% do mercado de trabalho nacional, segundo PNAD</p><p>2008-2009.4</p><p>Em conformidade com Laner (2008, p. 41), essa feminização do mercado de</p><p>trabalho é fruto de diversos fatores, dentre eles destaca-se o “desejo individual de</p><p>desenvolver uma carreira, da necessidade econômica ou das novas tendências</p><p>econômicas”, que, no caso, seriam a flexibilização da organização do trabalho e a</p><p>progressiva terceirização.</p><p>Nesse sentido, vale ressaltar a observação de Fontana (2000 apud LANER,</p><p>2008) sobre as vagas preenchidas pelas mulheres, dado que estas são provenientes</p><p>de um trabalho mais flexível, que corresponde melhor às exigências das mulheres.</p><p>22</p><p>Embora sejam expressivos os números apresentados, as mulheres ainda não</p><p>conseguem alcançar igual percentual de trabalho que os homens (72,4% - Tabela 1),</p><p>mesmo representando 51% (maioria) da população brasileira, de acordo com o</p><p>Censo/IBGE-2010.</p><p>Quanto à escolarização, as mulheres apresentam dados maiores que os</p><p>dos homens, pois 38,2% das mulheres acima de 18 anos são</p><p>consideradas escolarizadas, enquanto 32,8% dos homens apresentam a</p><p>mesma condição, de acordo com o PNAD 2008-2009. Segundo a</p><p>mesma fonte, as mulheres (7,4 anos) apresentaram uma taxa de</p><p>escolarização superior à dos homens (7 anos) em todos os grupos de</p><p>idade definidos.</p><p>Em relação à força de trabalho, em média, as mulheres trabalhadoras do País</p><p>tinham 8,7 anos de estudo, enquanto os homens apresentavam, aproximadamente,</p><p>um ano a menos (PNAD 2008-2009).</p><p>Bruschini (2007) destaca a mudança do perfil da mulher trabalhadora,</p><p>afirmando que, na década de 70, eram na maioria, jovens, solteiras e sem filhos, e</p><p>que atualmente são mais velhas, mães e casadas. Segundo a PNAD 2008-2009, as</p><p>mulheres entre 30 e 49 anos representam 47,6% das mulheres trabalhadoras,</p><p>enquanto, na mesma faixa etária dos homens, esse percentual representa 43% dos</p><p>homens trabalhadores.</p><p>No Distrito Federal (DF), os dados apresentados pela Companhia de</p><p>Desenvolvimento do Planalto (CODEPLAN), no Relatório da Situação</p><p>das Mulheres (PDAD-2012)3, refletem semelhança com os dados</p><p>3PDAD- Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio, realizada em 2010-2011 em 24 Regiões</p><p>Administrativas do Distrito Federal. Faltam dados relativos a 6 regiões: Brasília, Lago Sul, Lago Norte,</p><p>Park Way, SIA e Sudoeste/Octogonal. Tem por objetivo fornecer dados para o Governo do Distrito</p><p>Federal para o planejamento de políticas públicas adequadas às especificidades de gênero.</p><p>23</p><p>nacionais. As mulheres representam a maioria da população do DF,</p><p>com percentual de 52,49% do total da população.</p><p>O perfil dessas mulheres também é semelhante ao perfil nacional, no qual</p><p>elas representam a maioria da população com idades superiores (25 a 60 anos ou</p><p>mais). Quanto à escolaridade, as mulheres formam a maioria nos grupos extremos,</p><p>seja de analfabetismo (3,15%), ou de superior completo (14,36%).</p><p>No campo do trabalho no DF, a representação feminina é similar ao índice</p><p>nacional, posto que as mulheres representam 43% do mercado de trabalho</p><p>remunerado. Os percentuais de mulheres no trabalho laboral e desempregadas são</p><p>altos (58,4% e 52,5%, respectivamente). Esses dados evidenciam a diferença existente</p><p>entre homens e mulheres na inserção do mercado, segundo a PDAD/2010-2011.</p><p>Outro dado importante sobre o perfil da mulher do DF é que de todos os</p><p>pesquisados na categoria Do Lar, as mulheres representavam 98,2% e na categoria</p><p>Pensionista 89,9%. Em linhas gerais, a força de trabalho feminina está incluída</p><p>essencialmente nas funções de comércio, administração pública, educação e serviços</p><p>domésticos, cujas participações variam de acordo com a classe socioeconômica</p><p>(PDAD/2010-2011).</p><p>Com esses dados, embora as pesquisas demonstrem o crescimento da</p><p>inclusão da mulher no mercado de trabalho, observa-se que outros valores não</p><p>mudaram com o tempo, visto que as mulheres continuam como sendo as principais</p><p>responsáveis pelos cuidados com os filhos e as demais atividades domésticas, dessa</p><p>forma, representando uma sobrecarga para aquelas que também desenvolvem uma</p><p>atividade econômica, de acordo com Bruschini (2007).</p><p>Inclusive, Dias (2003) faz uma observação de um fato importante que</p><p>tem reflexos por toda a história do trabalho. A autora retrata que a</p><p>inclusão da mulher no mercado de trabalho consolidou uma divisão</p><p>sexual do trabalho, pois a vocação dos homens se fixou na produção</p><p>e a das mulheres na reprodução. Essa divisão percorreu o século XIX,</p><p>24</p><p>todo o século XX e persiste na sociedade do século XXI, delimitando</p><p>desse jeito outras formas de segregação sexual do mercado de</p><p>trabalho.</p><p>A FCC (2012) corrobora o mesmo sentido dado por Bruschini (2007), ao</p><p>afirmar que no âmbito do trabalho tem ocorrido significativas mudanças. Porém</p><p>devido ao fato da existência de algumas continuidades que dificultam a dedicação</p><p>dessas mulheres ao trabalho, elas têm se tornado de segunda categoria.</p><p>Essa afirmação é feita com base no fato de que as mulheres seguem como</p><p>sendo as principais responsáveis pelas atividades domésticas – aquelas realizadas no</p><p>ambiente familiar – o que representa uma sobrecarga de trabalho para aquelas que</p><p>possuem trabalho remunerado.</p><p>Para Cappellin (1996, p. 16), não há como observar o mercado de trabalho na</p><p>perspectiva das mulheres que são trabalhadoras, sem ressaltar as diversas atividades</p><p>desempenhadas por elas, além do papel de “possíveis trabalhadoras” nos espaços</p><p>produtivos.</p><p>Neste mesmo sentido, aponta Castro (1992), ao afirmar que, no estudo da</p><p>temática feminina, torna-se indispensável considerar o ciclo de vida da mulher, no</p><p>qual variáveis como idade, situação conjugal, número e idade dos filhos influenciam</p><p>a entrada e permanência da mulher no mercado de trabalho. Já no caso dos homens,</p><p>o ciclo de vida é uma noção inexpressiva para o entendimento da participação no</p><p>mercado de trabalho.</p><p>Dessa forma, observa-se que a sociedade ensinou e atribuiu à mulher o</p><p>engajamento em outra produção, que não está inserida diretamente no mercado de</p><p>trabalho; que é a “realização de serviços e de práticas para manutenção da família”</p><p>(CAPPELLIN, 1996, p. 17). A autora afirma que homens e mulheres não estão todos</p><p>situados num mesmo lugar, nem possuem uma única referência de responsabilidade,</p><p>identidade, pois, ao agir em casa e no emprego, homens e mulheres possuem</p><p>desafios e preocupações diversas, além de responsabilidades diferenciadas.</p><p>25</p><p>Laner (2008, p. 44) confirma o raciocínio anterior ao comparar a</p><p>representatividade da família para o homem e para a mulher. Segundo a autora,</p><p>enquanto para o homem a família representa um suporte que lhe dá apoio no</p><p>desenvolvimento de sua carreira; para a mulher, a família é um vínculo, no qual ela</p><p>assume a responsabilidade de gestão da casa, associado ao trabalho formal e ao</p><p>“sentimento de dever dar prioridade ao trabalho do marido”.</p><p>Para Dias (2003), a crescente participação da mulher no mercado de trabalho</p><p>não evidenciou grandes impactos sobre a</p><p>divisão das responsabilidades familiares e</p><p>um maior igualitarismo nas relações conjugais. Com isso, as mulheres se encontram</p><p>em um círculo vicioso, uma vez que são as responsáveis pelo trabalho doméstico, em</p><p>razão disso ocupando posição subsidiária no mercado de trabalho. Para Hartmann</p><p>(1981 apud DIAS, 2003, p. 54), a família é, antes de tudo, um “lugar de reprodução de</p><p>modelos de emprego e de trabalho diferenciados entre homens e mulheres”.</p><p>Essa divisão sexual do trabalho também é observada por Sung e Silva (1995),</p><p>ao afirmar que no Brasil ainda existem alguns traços culturais que remontam ao</p><p>patriarcalismo, que, dessa forma, estabelecem estereótipos identificados na</p><p>superioridade do trabalho masculino em detrimento do trabalho feminino,</p><p>considerado inferior.</p><p>De acordo com o Relatório da Situação das Mulheres no Distrito</p><p>Federal (2012), publicado pela Codeplan, a reprodução dessa lógica</p><p>patriarcalista é realizada no interior da família e da sociedade, na qual</p><p>é reservado à formação da mulher os cuidados com o lar e com os</p><p>filhos; e aos homens, as oportunidades de estudo, o acesso aos bens</p><p>e ao trabalho.</p><p>Essa cultura patriarcal (formação de estereótipos), segundo Alves (1997 apud</p><p>CAPPELLE, 2006, p. 76), é sustentada e mantida pela educação familiar, pela escola,</p><p>as religiões, os meios de comunicação, a legislação e “dificulta que a mulher assuma</p><p>postos de decisão em todos os níveis da sociedade, inclusive no trabalho”.</p><p>26</p><p>O estereótipo é um fator crucial a ser considerado no campo do trabalho</p><p>relacionado à questão de gênero. A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no</p><p>Emprego do Ministério da Segurança Social e do Trabalho de Lisboa, descreve, no</p><p>Manual de formadores/as em igualdade de oportunidades entre mulheres e</p><p>homens (2003, p. 298), o conceito de estereótipo:</p><p>Os estereótipos são imagens coletivas partilhadas por determinado grupo em</p><p>relação a outro grupo, ou a si próprio, que caracterizam o objeto</p><p>estereotipado com traços, atitudes e comportamentos fixos e imutáveis</p><p>atribuindo-lhe valores. Trata-se de representações de pessoas ou ideias, mais</p><p>ou menos desligadas da sua realidade objetiva, com relativa estabilidade ou</p><p>rigidez. Designa a relação que se estabelece entre a pertença a um grupo</p><p>social e a posse de determinadas características ou atributos, pelo simples</p><p>facto de pertencer a esse grupo. Corresponde a uma medida de economia na</p><p>percepção da realidade: a informação objetiva do real é filtrada por uma</p><p>imagem organizada, normalmente em torno de elementos simbólicos simples,</p><p>como conjunto de crenças.</p><p>Dessa forma, o estereótipo funciona como uma representação social acerca</p><p>do que homens e mulheres devem ser e fazer. Para Cappelle (2006), os papéis a que</p><p>homens e mulheres vivenciam estão ligados hierarquicamente, uma vez que os traços</p><p>considerados femininos (como ser carinhosa e frágil) são menos valorizados</p><p>socialmente do que os traços masculinos (a racionalidade e o uso da força).</p><p>Para a autora, esse comportamento da sociedade é inconsciente e não é</p><p>facilmente reconhecido pelos indivíduos; ela destaca também que, além disso, a</p><p>estereotipia tende a fazer generalização, reforçando a carga subjetiva manifestando-</p><p>se sob a forma de preconceito.</p><p>Para além do estereótipo, que é algo não identificado facilmente, a</p><p>Organização Internacional do Trabalho (OIT), no relatório de Perfil do Trabalho</p><p>Decente no Brasil (2012), apresentou dados expressivos que corroboram as</p><p>afirmações anteriores sobre a dupla jornada de trabalho e a sobrecarga de horas</p><p>trabalhadas para as mulheres. De acordo com esse relatório, a jornada média semanal</p><p>feminina é de 58 horas e a masculina de 52,9 horas, ultrapassando em cerca de 5</p><p>horas o total de horas das jornadas masculinas.</p><p>27</p><p>No Brasil, o IBGE apontou na PNAD 2008-2009 que, além da jornada no</p><p>mercado de trabalho, 90% das mulheres ocupadas realizavam tarefas referentes aos</p><p>afazeres domésticos. Entre os homens ocupados, essa proporção era inferior, 49,7%.</p><p>Por esse ângulo, Serpa (2010) contribui afirmando que as mulheres se</p><p>dedicam ao trabalho na mesma proporção que os homens e que possuem, na volta</p><p>para casa, outra jornada de trabalho doméstico ao qual se dedicam; e que a</p><p>contribuição dos homens nesse trabalho não se compara com a energia que as</p><p>mulheres dispensam nessa execução.</p><p>As consequências dessa dupla jornada na visão de Rocha e Debert Ribeiro</p><p>(2001) provocam níveis intensos de sobrecarga de trabalho e estresse, além de</p><p>inúmeros conflitos cuja magnitude está relacionada ao número de filhos que cada</p><p>mulher possui e à classe social em que se insere.</p><p>Para Cappellin (1996), esse cenário do mercado de trabalho configura uma</p><p>desigualdade de condições de trabalho entre homens e mulheres, fortalecendo a</p><p>desigualdade de gênero.</p><p>Diante da desigualdade de gênero, as regras comerciais deveriam considerar</p><p>uma visão de gênero e raça, já que atualmente não são considerados o trabalho</p><p>doméstico não remunerado das mulheres, assim como o acesso desigual a recursos</p><p>como terra, crédito, educação e serviços adequados de saúde (SERPA, 2010).</p><p>Em outro viés, Vermeulen & Mustard (2000 apud SOUZA, 2006) destacam</p><p>que o fato de se exigir das mulheres o trabalho extradoméstico e condená-las pelo</p><p>“abandono” do lar, isso se tornam cobranças, que, somadas ao conflito de papéis e</p><p>funções no trabalho, criam tensões que podem resultar em sofrimento psíquico.</p><p>Para Gaulejac (2005), o sofrimento psíquico e os problemas relacionais</p><p>podem ser agravados devido ao modo de gerenciamento da instituição. E, dessa</p><p>maneira, quando no ambiente institucional, o estresse, a depressão ou qualquer outra</p><p>forma de sofrimento psíquico se desenvolvem, a própria gestão da empresa deve ser</p><p>questionada.</p><p>28</p><p>Em relação às doenças dessa natureza (psíquica), Amato et al (2010) discorre</p><p>que são encontradas na literatura diferenças no comprometimento da saúde entre</p><p>os gêneros, salientando que as mulheres são mais comprometidas na saúde em</p><p>trabalhos em que representam minorias, sejam numéricas ou culturais.</p><p>No trabalho científico de Amato et al (2010), Trabalho, gênero e saúde</p><p>mental: uma pesquisa quantitativa e qualitativa entre bombeiros, verificou-se</p><p>que na articulação entre a atividade específica de bombeiros e a saúde, as mulheres</p><p>apresentaram um discurso baseado nos estressores psicossociais; enquanto para os</p><p>homens focaram nos fatores de organização institucional.</p><p>Parte-se da premissa que os estressores psicossociais são fatores que</p><p>impactam a saúde do indivíduo, e, dessa forma, a autora sugere que o sofrimento</p><p>psíquico pode ter ligação com as condições de trabalho feminino na instituição.</p><p>Nesse sentido, para minimizar tamanha desigualdade, Lima (2004, p. 54)</p><p>afirma que o corte de gênero deve ser considerado no campo do trabalho, visto que:</p><p>Não reconhecer as contribuições econômicas e sociais do trabalho não</p><p>remunerado das mulheres compromete a vida, a identidade e a autoestima</p><p>destas trabalhadoras. Pode-se observar nas limitações de oportunidades ao</p><p>emprego, à capacitação, ao acesso a vida pública, social e política e ao</p><p>exercício dos direitos fundamentais, como os direitos humanos.</p><p>O comprometimento das diversas áreas da vida da mulher, aliado ao</p><p>sofrimento psíquico das tensões diárias, é resultante de condições de trabalho</p><p>inapropriadas para as mulheres, deixando-as em um estado de maior vulnerabilidade,</p><p>chegando a confrontar a própria cidadania.</p><p>Para Laner (2008), gênero e cidadania possuem relação profunda, pois as</p><p>organizações se tornam locais onde é produzida uma cultura de cidadania que,</p><p>consequentemente, reflete as concepções de cidadania institucionalizadas na</p><p>sociedade.</p><p>Assim, cada organização desenvolve seu modelo de cidadania para com o</p><p>trabalho da mulher. Para Ghirardi (1998 apud LANER, 2008), existem seis formulações</p><p>de cidadania de gênero</p><p>com as quais trabalham as organizações.</p><p>29</p><p>Em linhas gerais, as organizações podem operar com cidadania de gênero</p><p>enquanto formalidade legal, como integração cultural, como recurso específico,</p><p>como tentativa de igualdade substancial, como igual obrigação moral do trabalho e</p><p>como discurso cívico.</p><p>A cidadania enquanto formalidade legal considera que a mulher pode sofrer</p><p>desvantagens socialmente, mas possui os mesmos direitos que os homens. Nessa</p><p>perspectiva, a organização leva em consideração apenas a igualdade formal, sem</p><p>admitir ou perceber a desigualdade de condições, e sendo assim a proibição de</p><p>discriminação se torna uma formalidade, bem como a segregação ocupacional,</p><p>considerada natural, já que é um produto da sociedade que se repercute sem</p><p>discussão ou crítica.</p><p>A organização que desenvolve uma cidadania como integração cultural nega</p><p>as consequências da diferença de gênero, embora reconheça a diversidade entre</p><p>homem e mulher. Nessa organização, o consenso é obtido a partir dos valores</p><p>masculinos, expressando assim a convicção de que as mulheres são iguais aos</p><p>homens.</p><p>Dessa forma, a trabalhadora só é reconhecida em sua dignidade quando</p><p>alcança o padrão de masculinização estipulado pela organização, através de</p><p>demonstrações de agressividade, ambição, competição etc., com isso demonstrando</p><p>sua total integração cultural à ótica masculina, inerente à sociedade e à organização.</p><p>A cultura organizacional que desenvolve a cidadania como recurso</p><p>específico, valoriza o feminino, estipulando atividades características</p><p>desse universo. Desse jeito, existe uma possibilidade de se construir</p><p>uma identidade fixa e rígida para homens e mulheres. Nesse tipo de</p><p>organização, deve-se ter o cuidado para não construir uma definição</p><p>unilateral e normativa do feminino.</p><p>A cidadania de gênero como igualdade substancial busca a compensação</p><p>das desigualdades, afirmando o valor da diferença e da busca pela equidade. As</p><p>30</p><p>políticas internas da organização se empenham em buscar uma efetiva igualdade de</p><p>oportunidade para homens e mulheres.</p><p>Já a cidadania de gênero como igual obrigação moral ao trabalho considera</p><p>que o trabalho dos homens é primordial e o das mulheres apenas auxiliar, se</p><p>assemelhando à cidadania como integração cultural, pois a sua definição é apenas</p><p>formal, desconsiderando as diferenças de obrigações domésticas entre o homem e a</p><p>mulher.</p><p>Como discurso cívico, a cidadania de gênero na organização é construída</p><p>considerando as mudanças constantes do significado do gênero e das práticas que</p><p>sustentam esses significados. Desse modo, as organizações que desenvolvem esse</p><p>tipo de cidadania devem romper a tirania do gênero baseada na dicotomia e na</p><p>hierarquização.</p><p>Logo, com a cidadania comprometida em grande parte das</p><p>organizações, Lima (2004) conclui que cada vez mais é visível a difícil</p><p>realidade das mulheres trabalhadoras, devido ao modo como estão</p><p>inseridas no campo do trabalho, seja como produtoras, reprodutoras</p><p>da força de trabalho, principalmente pela condição de gênero, classe,</p><p>etnia, orientação sexual, idade, religião, e diversos outros aspectos de</p><p>identidade e nacionalidade.</p><p>Assim como Méda, Serpa (2010) considera que, com o processo de</p><p>globalização, essas dificuldades têm se acentuado na vida dessas mulheres</p><p>trabalhadoras, intensificando a desigualdade nas relações de gênero no mercado de</p><p>trabalho globalizado.</p><p>De maneira complementar, Lisboa (2005) lembra que essa desigualdade é</p><p>construída dentro do ambiente familiar, que é o ente primário no qual são</p><p>construídas as relações sociais e, se nesse ambiente ocorre assimetria de</p><p>responsabilidades entre os sexos, torna-se um ambiente de desigualdades,</p><p>31</p><p>comprometendo mais uma vez a cidadania das mulheres, quando influencia a sua</p><p>presença no mercado de trabalho.</p><p>Outro fator importante relatado por Sorj (2006, apud MORI 2006), é que a</p><p>legislação trabalhista não comporta a conciliação entre a vida familiar e produtiva.</p><p>Para a autora, a legislação é muito tímida, apresentando claramente um viés natalista,</p><p>e é desigual em relação às responsabilidades esperadas de mães e pais.</p><p>Inclusive, Giffin (1993 apud CAPPELLE, 2006) registra que as leis que</p><p>beneficiam as mulheres, como a licença maternidade e o direito à amamentação</p><p>restringem sua competição com os homens, segundo a lógica masculina de gestão</p><p>que ainda predomina nas organizações.</p><p>Esse é um dos dilemas que a mulher trabalhadora enfrenta neste século</p><p>ainda. A não valorização e o não reconhecimento do trabalho doméstico, como fator</p><p>preponderante para o desenvolvimento da mulher no campo do trabalho</p><p>remunerado e na busca por equidade de gênero e cidadania.</p><p>E atualmente, como estão as mulheres no mercado de trabalho?</p><p>No próximo subitem, você verá com maior profundidade a compreensão e</p><p>os reflexos do gênero no campo do trabalho.</p><p>AULA 3 - QUESTÕES REFERENTES AO CONCEITO DE GÊNERO</p><p>Toda essa revisão histórica realizada até aqui foi fundamental para você</p><p>compreender tempo presente como um resultado de uma série de fenômenos do</p><p>passado que constituem nossa sociedade. Aquilo que vivenciamos hoje reflete em</p><p>ações, opressões e violências que não são recentes. Mas, é contra elas que atuamos</p><p>para propor um futuro transformado em ambientes mais justos e seguros para o</p><p>trabalho das mulheres. Para tanto, seguimos aqui discutindo os conceitos de gênero.</p><p>32</p><p>Segundo Cappelle (2006), a inserção das mulheres nos diversos tipos</p><p>de organização tem feito com que os estudos das relações de gênero</p><p>se multipliquem e alcancem resultados mais específicos e abrangentes</p><p>quando relacionados às peculiares sociais, culturais e locais de cada</p><p>organização. É preciso, então, nos posicionarmos metodologicamente</p><p>como sugere Carvalho (1990), partindo do entendimento de que</p><p>experiência humana é universal e não tem sexo.</p><p>Nesse mesmo sentido, Bandeira (1989 apud CARVALHO, 1990) afirma que os</p><p>primeiros estudos em Ciências Sociais eram realizados numa perspectiva que gerava</p><p>invisibilidade às diferenças de sexo e outras diferenças existentes no interior da classe,</p><p>de certa forma, tornando-as imperceptíveis - e, portanto, tratando-as como se fossem</p><p>inexistentes - a ponto de não mencioná-las, uma vez que tais diferenças se</p><p>apresentavam revestidas de uma máscara de naturalidade: o papel masculino-social-</p><p>público-produtivo e o feminino-esposa-mãe-privado.</p><p>Contudo, Carvalho (1990) aponta que a intersecção entre os espaços privado</p><p>e público só foi possível a partir da reconstrução da categoria de gênero no âmbito</p><p>das ciências sociais. Assim, estudar a categoria de gênero na perspectiva do trabalho</p><p>como parâmetro teórico-metodológico é necessário, visto que isto permite</p><p>compreender não apenas os limites e desigualdades entre homens e mulheres, mas</p><p>conhecer as relações sociais construídas entre ambos.</p><p>Por conseguinte, é condição sine qua non uma reflexão em torno do conceito</p><p>de gênero, para desmistificar a compreensão de que no ambiente militar não existem</p><p>homens e mulheres, todavia existe apenas o militar. A partir dessa perspectiva,</p><p>acredita-se como cultura na caserna que o ambiente militar é um ambiente neutro, e</p><p>que, portanto, não necessita de uma gestão diferenciada entre o masculino e o</p><p>feminino. Para contrapor a esse entendimento cultural na organização, apresenta-se</p><p>uma compreensão sobre gênero no trabalho e suas implicações.</p><p>33</p><p>O pressuposto deste estudo se enquadra na afirmação de Neves (2004, p. 8),</p><p>de que “as relações entre homens e mulheres são relações que atravessam a</p><p>sociedade e se articulam com o conjunto das relações sociais”. Essas relações podem</p><p>ser modificadas historicamente e implicam antagonismo ou conflitos derivados das</p><p>relações de dominação ou opressão.</p><p>Para Lobo (1992, p. 260), pensar em gênero como uma categoria analítica é</p><p>fundamental, uma vez</p><p>que redefine a própria relação de trabalho, produzindo uma</p><p>relação social simbólica, sem estabelecer uma “mecânica de determinação”. Para a</p><p>autora, a categoria de gênero possibilita uma discussão sobre o masculino e o</p><p>feminino, numa relação não hierarquizada em função do sexo dos atores. Por outro</p><p>lado, na relação de trabalho, que é uma relação social, há uma relação embutida de</p><p>poder entre os sexos, e todas as qualificações decorrentes dessas discussões serão</p><p>remetidas às relações de força entre ambos.</p><p>Para se compreender gênero, é imprescindível antes diferenciá-lo do termo</p><p>sexo. Gênero não é sexo. Isquierdo (1994 apud CAPPELLE, 2006), admite que essa</p><p>diferenciação é essencial para que se possa distinguir as capacidades e as limitações</p><p>decorrentes das características sexuais biológicas, dos padrões de identidade e</p><p>estereótipos moldados pelas características sociais, psíquicas e históricas construídas</p><p>pela sociedade em um determinado tempo, já que esses estereótipos ditam como as</p><p>pessoas devem ser.</p><p>Souza (2006), então, concebe gênero como uma categoria sociocultural e</p><p>historicamente construída, podendo variar de acordo com sociedades e épocas. De</p><p>maneira similar, Santos (2006) ratifica essa afirmação ao conceber que gênero é</p><p>designado pela cultura, por meio das atitudes do indivíduo, que serão caracterizadas</p><p>no universo simbólico masculino ou feminino.</p><p>Nesse mesmo sentido, Heinbor (1992) descreve que o termo gênero é um</p><p>termo usualmente utilizado na Antropologia e que designa a distinção entre atributos</p><p>culturais relacionados a cada um dos sexos e a dimensão biológica dos seres</p><p>humanos. Corroborando numa perspectiva mais ampla, Connel (1995) discorre que</p><p>34</p><p>gênero é muito mais que interação face a face entre homem e mulher, é uma</p><p>estrutura ampla e complexa, que se sobrepõem às dicotomias que os papéis sexuais</p><p>ou a biologia sugeriram.</p><p>Bem como, Collier e Rosaldo (1980, apud HEILBORN, 1992, p. 100) propõem</p><p>um conceito semelhante e apresentam o gênero como “um modelo de como as</p><p>desigualdades entre os sexos figuram e podem ser entendidas pela referência a</p><p>desigualdades estruturais que organizam uma dada sociedade”. Dessa forma,</p><p>enquanto o sexo distingue física e biologicamente os indivíduos, o gênero distingue</p><p>a diferença entre os aspectos sociais, psicológicos e culturais do homem e da mulher.</p><p>Como dito anteriormente, as relações sociais entre homem e mulher se</p><p>modificam com o tempo e com a cultura de um lugar. Nessa perspectiva, Cappelle</p><p>(2006, p. 87) lembra que as relações de gênero não devem ser estudadas de forma</p><p>fragmentada, pelo contrário, devem considerar as modificações nos hábitos, as</p><p>inovações tecnológicas, as condições de vida, para que se possa compreender “como</p><p>as limitações anteriores vão sendo superadas e como são desenvolvidas, a cada</p><p>momento, novas configurações e possibilidades de interações entre homens e</p><p>mulheres”.</p><p>Assim, depreende-se que estudar o gênero nas relações de trabalho</p><p>não é se apropriar de conceitos e informações fixas, mas se apropriar</p><p>de um conteúdo que é mutável e que está relacionado intimamente</p><p>com os valores compreendidos na sociedade em dado tempo e lugar.</p><p>Mediante o exposto, Silva (2006) complementa as afirmações de Cappelle, ao</p><p>relacionar gênero à construção social do masculino e do feminino, considerando</p><p>esses elementos como dependentes e constitutivos um do outro, destacando que as</p><p>percepções do masculino e/ou feminino são construídas e atribuídas pelas relações</p><p>entre os sujeitos nas situações sociais.</p><p>35</p><p>AULA 4 - GÊNERO, SEXO E SEXUALIDADE</p><p>Para seguirmos as discussões que pautam este curso e que são fundamentais</p><p>para compreendermos as relações de poder que culminam no assédio sexual contra</p><p>mulheres nas instituições de segurança pública, é preciso especificarmos alguns</p><p>conceitos que nos direcionam em nossos apontamentos.</p><p>Para isso, partimos do pressuposto de que os conceitos de “gênero”, “sexo”</p><p>e “sexualidade” apontam fenômenos distintos. E compreender as diferenças</p><p>conceituais é uma forma de reconhecermos a importância da linguagem nas relações</p><p>de poder, refletindo sobre onde nos dirigimos ao convocar cada termo.</p><p>Quando falamos em “sexo”, estamos nos referindo a uma categoria</p><p>biológica, marcada no DNA do indivíduo. Sexo refere-se aos</p><p>cromossomos XX, XY ou XXY que se manifestam no corpo visivelmente</p><p>nos órgãos genitais e, consequentemente, nas liberações hormonais</p><p>que acabam por construir fenotipicamente estruturas corporais.</p><p>Figura 13 - (a) oogamia (b) heterogamia (c) isogamia</p><p>Fonte: https://fragmentosubverso.wordpress.com/2013/07/28/sexo-biologico-determinacao-sexual-e-</p><p>identidade-de-genero/.</p><p>https://fragmentosubverso.wordpress.com/2013/07/28/sexo-biologico-determinacao-sexual-e-identidade-de-genero/</p><p>https://fragmentosubverso.wordpress.com/2013/07/28/sexo-biologico-determinacao-sexual-e-identidade-de-genero/</p><p>36</p><p>Falamos que essa construção é fenotípica, porque essas características</p><p>biológicas constroem uma visibilidade dos corpos e indicam expectativas de</p><p>comportamentos, posturas e ações. Entretanto, quando a categoria “sexo” se</p><p>relaciona com a ideia de “gênero”, observamos que é preciso considerar que não</p><p>existe um determinismo biológico do sexo sobre o gênero (tampouco da</p><p>sexualidade), isto posto:</p><p>Quando Beauvoir afirma que “mulher” é uma categoria histórica e não um fato</p><p>natural, ela claramente sublinha a distinção entre sexo, como uma facticidade</p><p>biológica, e gênero, como uma interpretação ou significação cultural dessa</p><p>facticidade. Ser fêmea é, de acordo com essa distinção, uma facticidade que</p><p>não tem em si nenhum significado. Ser mulher é ter se tornado mulher, ter</p><p>feito seu corpo se encaixar em uma ideia histórica do que é uma “mulher”, ter</p><p>introduzido o corpo a se tornar um signo cultural, é ter se colocado em</p><p>obediência a uma possibilidade historicamente delimitada. (BUTLER, 2019, p.</p><p>216, grifo da autora)</p><p>Isso porque, como aponta Butler (2019) ao dialogar com as teorias</p><p>fenomenológicas sobre os corpos, o gênero é uma construção sócio-histórica,</p><p>contextual e performativa - ou seja, realiza-se no corpo a partir de elementos culturais</p><p>e subjetivos que constituem os indivíduos. Essa constituição, evidentemente, leva em</p><p>consideração todas as expectativas criadas em torno do sexo (biológico), mas não</p><p>são por elas definidas.</p><p>Dessa maneira, o sexo biológico não define os padrões dos corpos. Os corpos</p><p>e os gêneros se instituem a partir das experiências sociais dos indivíduos, a partir das</p><p>quais adquire uma multiplicidade de significados por meio das performances.</p><p>Pressupõe-se que as fêmeas humanas serão necessariamente mulheres sensíveis,</p><p>frágeis, emocionais, enquanto os machos seriam homens fortes, viris e racionais.</p><p>Porém as experiências sociais não cabem nesse tipo de expectativa de classificação.</p><p>Deste modo, o gênero se torna uma categoria de hierarquização social,</p><p>principalmente quando as tais expectativas de performances não são cumpridas.</p><p>Butler (2019) aponta que aí são criadas ações punitivas como formas de regular esses</p><p>corpos. Trata-se do que Foucault (1999) chama de “biopoder”, ou seja, uma</p><p>elaboração de um conjunto de normas para regular os corpos e as existências. E então</p><p>37</p><p>performances de gênero são, segundo Butler (2019) estratégias de sobrevivência</p><p>diante das imposições coercitivas que ditam como cada corpo deveria se comportar,</p><p>usando os traços biológicos como uma justificativa que não se sustenta, ao olharmos</p><p>mais atentamente ao nosso redor.</p><p>Quando falamos em “mulher” como uma categoria de gênero, é preciso</p><p>destacar, ainda, que não estamos pensando de forma unificada e universalizante em</p><p>torno de uma imagem de mulher. Mas consideramos uma dimensão interseccional,</p><p>em que várias formas de opressão como raça, sexualidade e classe social se</p><p>atravessam.</p><p>Como</p><p>“sexualidade” entendemos as relações erótico-afetivas</p><p>interpessoais que, muitas vezes, dialogam com sexo e gênero, apesar</p><p>que não se condicionam mutuamente. Quando afirmamos que alguém</p><p>é heterossexual, homossexual, bissexual, pansexual, assexual estamos</p><p>nos referindo à sexualidade.</p><p>Com essas definições explicitadas, podemos entrar nas discussões de nosso</p><p>curso.</p><p>Partiremos de uma retomada histórica e filosófica da compreensão do papel</p><p>social das mulheres, partindo para sua inserção no mercado de trabalho e concluindo</p><p>este primeiro módulo com uma apresentação da situação atual das mulheres</p><p>trabalhadoras da segurança pública.</p><p>AULA 5 -GÊNERO E PODER: BREVE ANÁLISE</p><p>Para Scott (1988 apud SAFFIOTI, 1993, p. 197), gênero diz respeito à estrutura</p><p>de poder, visto que o gênero é baseado nas diferenças entre os sexos, é, portanto,</p><p>“uma maneira primordial de significar relações de poder”.</p><p>38</p><p>Essa relação de poder entre o masculino e o feminino é mais bem</p><p>compreendida quando se ressignifica a palavra “poder”. Foucault (1982) refere-se ao</p><p>poder como sendo um elemento disciplinador, que se manifesta em qualquer lugar</p><p>(hospital, escola, trabalho etc.) e não apenas nas prisões discutidas por ele. Pode ser</p><p>discreto e sua lógica está fundada no controle de processos orientadores, de modo</p><p>a convencer o indivíduo a adotar comportamentos impostos como “corretos”, como</p><p>se isso fizesse parte da sua natureza.</p><p>Segundo Foucault (1982), a ação desse poder é interiorizada de tal forma que</p><p>penetra nos corpos, nos comportamentos, nos gestos e possui uma dimensão</p><p>imaginária que não se atém a representação negativa (repressiva, que cala) a que</p><p>geralmente está associado, e possui como ponto fixo o Estado e as instâncias político-</p><p>institucionais.</p><p>Já para Bourdieu (2008), esse poder se traduz em dominação masculina,</p><p>sendo instituída nas coisas, como em divisões espaciais e instrumentais entre homens</p><p>e mulheres; e nos pensamentos, por meio dos princípios de visão, classificação,</p><p>taxonomias, influenciando até a maneira de usar o corpo, a forma de se vestir e de se</p><p>portar.</p><p>Foucault (1982, p. 138) concebe o poder como sendo sutil, profundo e</p><p>permanente e se insere nas diversas instâncias sociais atuando como</p><p>uma rede de dispositivos que ordenam o social. Ele se consolida por</p><p>meio de dispositivos de controle-dominação, presentes nas relações</p><p>sociais de diferentes grupos, tais como “discursos, instituições,</p><p>organizações arquitetônicas, enunciados científicos, decisões</p><p>regulamentares, proposições filosóficas, morais entre outras”.</p><p>Para complementar a influência do poder nas relações de gênero, Cappelle</p><p>(2006) descreve que o poder, na perspectiva de Foucault, tende a romper com a</p><p>polarização entre o feminino e o masculino, pois ambos os atores detêm alguma</p><p>forma de poder. Entretanto, em determinados momentos há imposições que mudam</p><p>39</p><p>os papéis de submissão e de autoridade, ainda que socialmente existam relações de</p><p>poder que não “normalizadas”, ou seja, tratadas como normas - como é o caso das</p><p>relações de gênero.</p><p>Dessa forma, as organizações também passam a ser compreendidas como</p><p>ambientes onde homens e mulheres se articulam por meio de movimentos de</p><p>negociação, de acordo com os interesses em questão, autorregulando suas posições.</p><p>A grande questão é que essas negociações não são pacíficas, mas resultam de</p><p>conflitos constantes e recorrentes disputas de poder. O que acontece é que nessas</p><p>disputas, não há condições iguais, no entanto elas acontecem dentro de um sistema</p><p>de opressão que já vem historicamente habituado a apagar as lutas das mulheres.</p><p>Nada obstante, no ambiente organizacional não se pode desprezar a</p><p>presença de estruturas simbólicas que se referem ao gênero. Tais estruturas</p><p>simbólicas, para Peter e Albrecht (1999 apud CAPPELLE 2006), significam na prática</p><p>que muitas organizações – por meio de políticas, discursos e procedimentos que</p><p>fundamentam a vida organizacional e social – formatam, definem e reproduzem as</p><p>distinções hegemônicas entre o masculino e o feminino de uma maneira pouco</p><p>perceptível, mas fortemente influenciadora, devido à utilização de formas de controle</p><p>que estão intrínsecas ao cotidiano organizacional.</p><p>Essa estrutura de poder nas relações de gênero é considerada por Bourdieu</p><p>(2002, p. 34) como uma violência simbólica, posto que funcionam como esquemas</p><p>de pensamento e de ação, nos quais “o princípio masculino é a medida de todas as</p><p>coisas”. Para o autor, essa violência é visível não apenas no campo doméstico, mas</p><p>nas escolas, organizações e nas ações do Estado, sendo caracterizada da seguinte</p><p>forma:</p><p>Inscrita nas coisas, a ordem masculina se inscreve também nos corpos através</p><p>de injunções tácitas, implícitas nas rotinas da divisão do trabalho ou dos rituais</p><p>coletivos ou privados. As regularidades da ordem física e da ordem social</p><p>impõem e inculcam as medidas que excluem as mulheres das tarefas mais</p><p>nobres, assinalando-lhes lugares inferiores, ensinando-lhes a postura correta</p><p>do corpo, atribuindo-lhes tarefas penosas, baixas e mesquinhas.... enfim, em</p><p>geral tirando partido, no sentido dos pressupostos fundamentais, das</p><p>40</p><p>diferenças biológicas que parecem estar à base das diferenças sociais.</p><p>(BOURDIER, 2002, p. 34).</p><p>Assim, compreender o que é o gênero e sua importância na perspectiva do</p><p>trabalho possibilita analisar os desequilíbrios entre o masculino e o feminino, no</p><p>intuito de se conhecer como a distinção de gênero é construída e reforçada dentro</p><p>das organizações.</p><p>Nesse sentido, Cappelle (2006) afirma que esse desequilíbrio pode ser</p><p>traduzido pelo que ela chama de segregação de gênero no mercado de trabalho de</p><p>forma horizontal e vertical. Essa segregação permite conhecer a concentração de</p><p>homens e mulheres em determinadas atividades e postos hierárquicos. Em outras</p><p>palavras, observa-se que há atividades que são ocupadas quase que exclusivamente</p><p>por mulheres, como é o caso das profissões de cunho assistencial ou cuidador –</p><p>enfermagem, assistência social, psicologia.</p><p>Além disso, Cappelle (2006, p. 102) destaca que as relações de poder e</p><p>gênero são representadas de diversas formas, no reforço de identidades pautadas no</p><p>agir de acordo com o gênero, na “reprodução feminina de modelos masculinos para</p><p>alcançar posições de destaque, ou na internalização do sentimento de inferioridade”.</p><p>De acordo com a autora, nas organizações, observa-se outra forma de</p><p>segregação, na qual as atividades mais centrais, protagonizadas por chefias de alto</p><p>escalão, são ocupadas por homens e as atividades mais periféricas, precarizadas,</p><p>como atendimentos e outras são destinadas às mulheres. Para a autora, isso é sinal</p><p>da influência da divisão sexual do trabalho.</p><p>Steil (1997) nomeou esse movimento como “teto de vidro”, por se tratar de</p><p>algo imperceptível e que se manifesta de forma disfarçada. Embora imperceptível,</p><p>Steil salienta que o “teto de vidro” representa uma barreira bloqueadora à ascensão</p><p>das mulheres a níveis hierárquicos mais altos, além de permitir a manutenção das</p><p>desigualdades como forma de opressão, podendo ser observado no dia a dia em</p><p>diversos aspectos organizacionais, como nas políticas administrativas, nas</p><p>brincadeiras, nas metáforas e linguagem utilizadas.</p><p>41</p><p>Em vista disso, segundo Belle (2003 apud CAPPELLE, 2006, p. 80), para</p><p>ultrapassar esse “teto de vidro”, “as mulheres têm que se adaptar às exigências</p><p>organizacionais específicas, bem como ao ambiente (favorável ou desfavorável ao</p><p>seu desempenho), que as próprias organizações lhes propiciam”.</p><p>Por esse ângulo, Alves (1997 apud CAPPELLE, 2006, p. 81) faz uma relação da</p><p>situação descrita por Belle e Steil (teto de vidro) e conclui que essa persistência da</p><p>divisão sexual do trabalho pode estar relacionada à representação do trabalho</p><p>feminino ao trabalho masculino pela necessidade (origem histórica</p>