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<p>Presidência da República</p><p>Luiz Inácio Lula da Silva</p><p>Ministério da Justiça e Segurança Pública</p><p>Flávio Dino de Castro e Costa</p><p>Secretaria Nacional de Segurança Pública</p><p>Francisco Tadeu Barbosa de Alencar</p><p>Diretoria de Ensino e Pesquisa</p><p>Michele Gonçalves dos Ramos</p><p>Coordenação-Geral de Ensino</p><p>Ana Claudia Bernardes Vilarinho de Oliveira</p><p>Coordenação Pedagógica</p><p>Joyce Cristine da Silva Carvalho</p><p>Coordenação de Ensino a Distância</p><p>Renata Guilhões Barros Santos</p><p>Gerente de Curso</p><p>Adriana Aparecida Vizzotto</p><p>Conteudistas</p><p>Juliana Teixeira de Souza Martins</p><p>Orlinda Cláudia Rosa de Moraes</p><p>Renata Avelar Giannini</p><p>Revisão Técnica</p><p>Denice Santiago Santos do Rosário</p><p>Revisão Pedagógica</p><p>Evania Santos Assunção Motta</p><p>Revisão Textual</p><p>Bruna Carolina da Silva Pereira</p><p>Programação e Edição</p><p>Renato Antunes dos Santos</p><p>Fábio Nevis dos Santos</p><p>Design Instrucional</p><p>Marcelo Pinto de Assis</p><p>Sumário</p><p>1. APRESENTAÇÃO DO CURSO ...................................................................................................... 5</p><p>2. OBJETIVOS DO CURSO .............................................................................................................. 7</p><p>2.1 Objetivo Geral ............................................................................................................................. 7</p><p>2.2 Objetivos Específicos: .................................................................................................................. 7</p><p>3. ESTRUTURA DO CURSO ............................................................................................................. 8</p><p>4. MÓDULOS DA FORMAÇÃO ....................................................................................................... 9</p><p>4.1 – Módulo I: Protagonismo de mulheres e enfrentamento da violência ................................ 9</p><p>4.1.1 Apresentação do módulo .................................................................................................... 9</p><p>4.1.2 Objetivos do módulo ......................................................................................................... 10</p><p>4.1.3 Estrutura do módulo.......................................................................................................... 11</p><p>4.1.3.1 Aula 1 – A evolução dos direitos humanos de mulheres........................................... 12</p><p>Evolução do direito das mulheres e meninas ................................................................... 13</p><p>As conferências internacionais de mulheres .................................................................... 16</p><p>Declarações da Assembleia Geral da ONU ........................................................................ 20</p><p>Interseccionalidade e o marco normativo internacional de proteção dos direitos</p><p>humanos das mulheres ..................................................................................................... 21</p><p>Finalizando ........................................................................................................................ 23</p><p>4.1.3.2 Aula 2 - Principais Conceitos e Definições ................................................................. 23</p><p>Sexo ................................................................................................................................... 25</p><p>Gênero e Papéis Sociais de Gênero .................................................................................. 26</p><p>Identidade De Gênero ....................................................................................................... 31</p><p>Sexualidade ....................................................................................................................... 33</p><p>Orientação Sexual ............................................................................................................. 34</p><p>Atenção para não confundir: ............................................................................................ 35</p><p>Igualdade de Gênero e Feminismo ................................................................................... 38</p><p>Patriarcado e o Conceito de Família ................................................................................. 39</p><p>Interseccionalidade ........................................................................................................... 40</p><p>Finalizando ........................................................................................................................ 42</p><p>4.1.3.3 Aula 3 - Sensibilização à violência baseada em gênero ............................................. 43</p><p>Violência psicológica ou emocional .................................................................................. 44</p><p>Violência física ................................................................................................................... 45</p><p>Violência patrimonial ........................................................................................................ 45</p><p>Violência sexual ................................................................................................................ 45</p><p>Finalizando ........................................................................................................................ 47</p><p>4.1.3.4 Aula 4 - Participação, liderança e protagonismo de mulheres .................................. 48</p><p>Mulheres contribuem para o protagonismo e a estabilidade .......................................... 48</p><p>A agenda sobre mulheres paz e segurança....................................................................... 49</p><p>Resoluções sobre a agenda mulheres paz e segurança .................................................... 51</p><p>A agenda sobre mulheres, paz e segurança no Mundo, na América Latina e no Brasil ... 51</p><p>Finalizando ........................................................................................................................ 53</p><p>4.2 – Módulo II: Violências, estrutura de governança e políticas baseadas em evidências ....... 53</p><p>4.2.1 Apresentação do módulo .................................................................................................. 54</p><p>4.2.2 Objetivos do módulo ......................................................................................................... 54</p><p>4.2.3 Estrutura do módulo.......................................................................................................... 55</p><p>4.2.3.1 Aula 1 - O que os dados disponíveis nos dizem sobre violência contra mulheres e</p><p>meninas no Brasil? ................................................................................................................. 56</p><p>A Violência Doméstica ....................................................................................................... 56</p><p>Violência Sexual................................................................................................................. 61</p><p>Violência Letal ................................................................................................................... 63</p><p>Fique por Dentro ............................................................................................................... 66</p><p>4.2.3.2 Aula 2 - Dados e Evidências na formulação de políticas públicas ............................. 68</p><p>Dados e evidências. Do que estamos falando? ................................................................. 68</p><p>Que fontes de dados existem? .......................................................................................... 72</p><p>Saúde ................................................................................................................................. 73</p><p>Segurança Pública: ............................................................................................................ 74</p><p>Secretarias Estaduais de Segurança Pública: .................................................................... 74</p><p>IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ........................................................</p><p>Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>As categorias correntes são:</p><p>Assexual: pessoa que não se sente atraída por nenhum gênero.</p><p>Bissexual: pessoa que se sente atraída afetiva e sexualmente por pessoas de</p><p>qualquer gênero.</p><p>Homossexual: pessoa que se sente atraída afetiva e sexualmente por pessoas do</p><p>mesmo gênero (gays e lésbicas).</p><p>Heterossexual: pessoa que se atrai afetiva e sexualmente por pessoas de outro</p><p>gênero (homem-mulher).</p><p>Atenção para não confundir:</p><p>i. Orientação sexual e identidade sexual: a primeira indica se a pessoa se sente</p><p>atraída por homens, mulheres ou ambos, em relação a seu próprio gênero. A segunda</p><p>classifica se a pessoa se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer. Por exemplo,</p><p>uma pessoa bissexual cisgênera é aquela que se identifica com o gênero designado e se</p><p>interessa por ambos os gêneros. Pode ser o caso de uma pessoa do sexo feminino, que se</p><p>identifica como mulher e sente atração por homens e mulheres. Da mesma forma, uma</p><p>pessoa trans, assim como qualquer outra pessoa, pode ser bissexual, heterossexual ou</p><p>homossexual. Por fim, alguém de sexo biológico masculino que se identifica com o gênero</p><p>feminino (transmulher) e sente atração por homens é uma pessoa heterossexual.</p><p>ii. Orientação sexual e papéis ou expressões de gênero: essa confusão é gerada</p><p>pelos conceitos de feminilidade e masculinidade, trabalhados anteriormente. A atribuição de</p><p>comportamentos específicos para pessoas a partir do seu sexo biológico gera problemas de</p><p>generalização e entendimento da orientação sexual de uma pessoa. Um homem que se</p><p>expressa de maneira tida como mais feminina não necessariamente se sente atraído por</p><p>outros homens. Um homossexual, bem como um heterossexual, pode expressar-se de forma</p><p>muito masculina, feminina, ou nenhum dos dois, sem que isso tenha relação com a sua</p><p>orientação sexual. Esta é determinada pelo desejo que a pessoa sente por outras pessoas</p><p>do mesmo gênero ou de gênero distinto.</p><p>Em resumo: o gênero é como a sociedade reconhece a pessoa; a identidade de</p><p>gênero é como ela se identifica e se sente, e a orientação sexual é por quem ela se sente</p><p>atraída.</p><p>37</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 17: Envolvendo Rapazes e Homens na Transformação das Relações de Género:</p><p>Manual de Atividades Educativas.</p><p>Fonte: PROMUNDO, 2008</p><p>38</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Igualdade de Gênero e Feminismo</p><p>As diferenças expressas nos conceitos de gênero e na construção dos papéis de</p><p>gênero têm reflexos na vida real.</p><p>- Apesar das mulheres serem metade da população mundial, representam 70%</p><p>das pessoas que vivem em situação de pobreza no mundo, segundo dados da Organização</p><p>das Nações Unidas (ONU).22</p><p>- A média salarial das mulheres é 24% inferior à dos homens.23</p><p>- Em todas as regiões do mundo, as mulheres trabalham mais que os homens:</p><p>realizam em média duas vezes e meia a quantidade de trabalho doméstico e cuidados não</p><p>remunerados realizados por eles.24</p><p>Como exposto anteriormente, os estereótipos de gênero são desvantajosos para as</p><p>mulheres, na medida em que exageram e reforçam comportamentos depreciativos relativos</p><p>à feminilidade, e celebram características tidas como masculinas. Estas desigualdades</p><p>refletem-se, inclusive, nos papéis e funções desempenhados por homens e mulheres na</p><p>sociedade. Mulheres cuidam dos filhos e da casa e os homens adquirem uma profissão.</p><p>Como consequência, a falta de responsabilidade paterna na criação dos filhos e nos</p><p>cuidados da casa, combinada à falta de creches e à dificuldade de concluir os estudos, reduz</p><p>as possibilidades de inserção laboral de mulheres. Estas acabam trabalhando em atividades</p><p>informais, sem garantias de proteção social ou de estabilidade no trabalho. Desse modo,</p><p>para dar conta dos cuidados da família e do lar, as mulheres se veem impedidas de investir</p><p>em sua formação ou de trabalhar fora de casa, o que reforça a desigualdade.</p><p>Neste contexto, a pobreza e a violência contra mulheres estão relacionadas e se</p><p>reforçam mutuamente. Enquanto a violência contra a mulher afeta a sua capacidade</p><p>produtiva e social, a pobreza gera dependência econômica e a dificuldade de sair de</p><p>relacionamentos violentos.</p><p>Percebe-se que as diferenças de gênero, entre o que é esperado da mulher e do</p><p>homem, geram discriminação e preconceito em relação às mulheres, sendo tratadas de</p><p>forma diferente, negativa e limitante. Por isso, os movimentos de mulheres lutam pela</p><p>igualdade de gênero, para que ambos desfrutem do mesmo status e compartilhem as</p><p>22 "LA TRAMPA DEL GÉNERO. MUJERES ,VIOLENCIA Y POBREZA." (tradução livre: A Armadilha do</p><p>Gênero. Mulheres, Violência e Pobreza). ANISTIA INTERNACIONAL. Disponível em:</p><p>https://tinyurl.com/3revn64r.</p><p>23 "EL PROGRESO DE LAS MUJERES EN EL MUNDO 2015-2016" (tradução livre: O Progresso das Mulheres</p><p>no Mundo 2015-2016). ONU MULHERES, 2015, página 11. Disponível em: https://tinyurl.com/3r7d2j97.</p><p>24 Ibid.</p><p>39</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>mesmas oportunidades, direitos e liberdade de explorar seu potencial individual. A esse</p><p>movimento social e político, denominamos Feminismo. Em linhas gerais, o feminismo prega</p><p>a igualdade de gênero, a maior participação e a valorização da mulher na sociedade e o fim</p><p>da cultura centrada na ideia de que a vida pública é exclusiva aos homens e a privada, a</p><p>mulheres.</p><p>Patriarcado e o Conceito de Família</p><p>Ao longo da história, a sociedade passou por diversas configurações sociais. Apesar</p><p>de parecer que sempre foi assim e que o nosso modelo de sociedade é "natural", ele é fruto</p><p>de uma construção política e social. Atualmente, nós vivemos sob o modelo patriarcal, no</p><p>qual o homem exerce o poder nas funções sociais, como autoridade, chefe da família,</p><p>responsável pelo trabalho remunerado e detentor de privilégios. No âmbito da família, isso</p><p>se traduz na autoridade do homem sobre a mulher e os filhos, que, inferiores na hierarquia,</p><p>lhe devem obediência.</p><p>Figura 18: Patriarcado</p><p>Fonte: Medium.com</p><p>40</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Nesse sistema, a família é a base social a partir da qual se constroem outros setores</p><p>da vida em sociedade. A família patriarcal baseia-se na exploração do homem sobre a</p><p>mulher, que fica excluída das possibilidades de participação ativa e relegada às funções de</p><p>reprodução e cuidados dos filhos e do marido. Ao mesmo tempo, a sexualidade do homem</p><p>é reforçada e estimulada, para exercer sua autoridade sobre a mulher. A esta, cabe obedecer</p><p>aos seus anseios, reduzindo a sua sexualidade à satisfação masculina. O objetivo do sexo</p><p>entre os dois é, portanto, proporcionar prazer ao homem.</p><p>Esse modelo é expressão máxima da sociedade da época da agricultura</p><p>escravocrata e apresenta muitos conflitos diante da modernidade. Com a formação de</p><p>grandes cidades, urbanização, industrialização e os avanços tecnológicos, a mulher25 entra</p><p>no mercado de trabalho, passa a desempenhar funções para fora do ambiente privado (do</p><p>lar), a receber salário e a não se dedicar integralmente aos filhos. Essa transição levantou</p><p>questionamentos sobre o tratamento que os homens lhes davam e reforçou o movimento</p><p>feminista em sua reivindicação por igualdade.</p><p>Outro embate do patriarcalismo nos tempos atuais é em relação à família, pois se</p><p>baseia em famílias heterossexuais, compostas por homem, sua mulher e os filhos do casal,</p><p>e rejeita outras formas possíveis de formação familiar, como casais homossexuais</p><p>e mães</p><p>solteiras (família monoparental).</p><p>Essas questões demonstram que vivemos sob um modelo em ruínas, que não</p><p>consegue acompanhar o avanço da sociedade. Uma das principais dificuldades é convencer</p><p>os homens a renunciarem aos privilégios: se antes eles tinham o poder e o controle, cada</p><p>vez mais passam a ter que compartilhá-lo, em prol de uma sociedade mais justa e igualitária.</p><p>Interseccionalidade</p><p>Refere-se às relações de poder intrínsecas geradas por identidades sobrepostas que</p><p>têm sido tradicionalmente marginalizadas ou negadas – raça e etnia, religião, idade,</p><p>ruralidade, pessoas portadoras de deficiência, identidade de gênero, orientação sexual, entre</p><p>outras são alguns exemplos dessas identidades. Uma abordagem interseccional significa</p><p>que existe uma consciência sobre as disparidades de poder entre diferentes identidades, que</p><p>frequentemente se sobrepõem e que ações de superação dessas relações de poder devem</p><p>25 Vale ressaltar que o patriarcado é um sistema cujo modelo é branco. Os homens negros exercem também</p><p>superioridade em relação às mulheres e reproduzem valores patriarcais devido a seus privilégios masculinos.</p><p>No entanto, a mulher negra sempre esteve no mercado de trabalho informal, em contraponto à mulher branca,</p><p>que ocupava o espaço privado do lar. Isso não significa que a mulher negra estivesse em posição de igualdade</p><p>em relação ao homem.</p><p>41</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>levar em consideração cada uma dessas camadas identitárias e os riscos e vulnerabilidades</p><p>intrínsecos a elas.</p><p>No campo da violência contra mulheres, por exemplo, sabemos que mulheres negras</p><p>são mais suscetíveis a estarem em situação de violência acumulada com desigualdade</p><p>salarial (estão na base da pirâmide), a exemplo daquelas chefiam famílias monoparentais e</p><p>as que vivem em classe social menos favorecida, o que faz com que as políticas públicas</p><p>não as protejam e não garantam sua segurança efetiva como se propõem. Além disso, são</p><p>estas mulheres que vivem diversos estigmas sociais atrelados à resistência, à dor, à</p><p>coisificação do corpo e à baixa escolaridade, que as colocam nesse lugar. Desta forma é</p><p>notório que as políticas de enfrentamento a este tipo de violência no Brasil não geraram</p><p>resultados para elas, somente, e de forma acanhada, para mulheres brancas. Reforçado nos</p><p>dados a seguir:</p><p>Segundo a plataforma EVA do Instituto Igarapé26, em 2020, todas as formas de</p><p>violência contra a mulher aumentaram. Na realidade, mulheres têm 3,5 vezes mais chances</p><p>de sofrerem violência que homens. Segundo o DATASUS, em 2020, 3.822 mulheres foram</p><p>assassinadas no Brasil, o que representa um aumento de 10% em comparação ao ano de</p><p>2019. No entanto, mulheres não são afetadas da mesma forma pela violência. Mulheres</p><p>negras permanecem entre as principais vítimas e figuram em 67% dos casos de</p><p>assassinatos, em 2020, sendo 61% pardas e 6% pretas. Mulheres brancas correspondem a</p><p>29,5% dos casos e indígenas, 1%. A taxa de homicídio de mulheres indígenas é 2,3 vezes</p><p>maior que a de mulheres brancas. Entre 2000 e 2020, o assassinato de mulheres indígenas</p><p>aumentou em 7 vezes. Já o assassinato de mulheres negras aumentou 45% e o de mulheres</p><p>brancas diminuiu em 33% no mesmo período. Isso mostra que quaisquer que sejam as</p><p>políticas de enfrentamento da violência contra mulheres, elas não têm o mesmo impacto em</p><p>todas as mulheres e uma abordagem interseccional é necessária.</p><p>26 Acesse: eva.igarape.org.br</p><p>42</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Entender o conceito de gênero é fundamental para compreender quais as</p><p>expectativas sociais sobre mulheres na sociedade. Estes papéis têm uma relação intrínseca</p><p>com os riscos e as vulnerabilidades que as mulheres enfrentam. Entender a relação entre</p><p>estes papéis e os riscos a que estão submetidas é fundamental para planejar políticas</p><p>adequadas de enfrentamento da violência contra mulheres.</p><p>Para se aprofundar neste assunto, consulte os seguintes materiais:</p><p>Vídeo da ONU: Mulheres sobre a igualdade de gênero:</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=ZCGLC-vziRc</p><p>A Diferença entre sexo, gênero e orientação sexual:</p><p>https://tinyurl.com/4wuznb3a</p><p>Vídeo sobre gênero fluido da Revista AzMina:</p><p>https://tinyurl.com/37tm8tnt</p><p>Finalizando</p><p>Neste módulo, você aprendeu que:</p><p>● O sexo é biologicamente definido, e normalmente determinado pelo</p><p>nascimento. Pessoas transgênero são aquelas que não se identificam com o sexo que</p><p>nasceram e fazem uma transição. Já o gênero é socialmente construído: difere e varia de</p><p>acordo com a cultura e com o tempo e influencia os papéis, as responsabilidades e</p><p>oportunidades para homens e mulheres.</p><p>● Entender como o gênero, e por consequência, as expectativas sociais sobre os</p><p>papéis de homens e mulheres, impactam o seu dia a dia e os riscos a que estão submetidos,</p><p>é realizar uma análise de gênero.</p><p>● Incluir uma abordagem interseccional significa entender o impacto que outras</p><p>identidades e marcadores sociais têm na vida das pessoas e implementar iniciativas que</p><p>visem superá-las.</p><p>● A igualdade de gênero se refere a direitos, responsabilidades e oportunidades</p><p>iguais para mulheres e homens, meninas e meninos. Igualdade não significa que mulheres</p><p>e homens serão totalmente iguais, e sim que os direitos, as responsabilidades e as</p><p>43</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>oportunidades de mulheres e homens não dependerão do sexo com o qual a pessoa nasce.</p><p>A igualdade de gênero implica que os interesses, as necessidades e as prioridades de</p><p>mulheres e homens sejam levados em consideração, reconhecendo a diversidade dos</p><p>diversos grupos de mulheres e homens.</p><p>● Já o feminismo é uma corrente de pensamento que visa promover a igualdade</p><p>de gênero. Ela não é contrária aos homens. Ela simplesmente preconiza que homens e</p><p>mulheres devem ter os mesmos direitos.</p><p>4.1.3.3 Aula 3 - Sensibilização à violência baseada em gênero</p><p>Na Prática</p><p>Observe as frases abaixo e indique quais são formas de agressão a mulheres.</p><p>➔ Em um momento de raiva, quebrar um objeto que ela gosta de propósito.</p><p>➔ Cantada!</p><p>➔ Seguir uma mulher bonita na rua para conseguir seu telefone.</p><p>➔ Dar umas bebidas a mais para a mulher para conseguir levá-la para cama.</p><p>➔ Compartilhar nudes (fotos nuas) de mulher no WhatsApp.</p><p>➔ Beijar à força.</p><p>➔ Na balada, passar a "mão boba" em uma menina com shorts curto.</p><p>➔ Empurrar a mulher.</p><p>➔ Não deixar que a mulher saia com aqueles amigos que você julga serem má</p><p>influência.</p><p>➔ No meio do sexo, tirar a camisinha sem que ela perceba.</p><p>➔ Transar com uma mulher bêbada demais.</p><p>➔ Manipular a mulher para que ela ache que está louca e você escapar de uma briga.</p><p>➔ Após levar um fora da namorada, contar para todo mundo que ela era uma</p><p>vagabunda.</p><p>➔ Tirar foto por baixo do vestido de uma mulher no transporte público.</p><p>➔ Ameaçar contar um segredo se a mulher não transar com você.</p><p>➔ Elogiar uma mulher que passa na rua.</p><p>44</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>➔ Xingar a mulher que foi grossa ao te dar um fora.</p><p>➔ Controlar o dinheiro que a mulher pode gastar.</p><p>Se você considerou que alguma dessas frases não é agressão, pergunte-se porquê.</p><p>Todas elas são diferentes tipos de violência contra mulheres.</p><p>Antes de falar em violência contra mulheres, gostaria de apresentar o conceito de</p><p>violência baseada em gênero. Como vimos, o gênero refere-se àquelas ideias sobre o que</p><p>mulheres, homens, meninas, meninos e outros grupos de gênero</p><p>podem ou não fazer em</p><p>nossa sociedade, que papéis eles podem desempenhar. A partir deste conceito, entende-se</p><p>que violência baseada em gênero são agressões físicas ou simbólicas, cujos motivos sejam</p><p>consequência dos padrões e papéis sociais de gênero, de estereótipos, ou de ideias sobre</p><p>o papel que cada um de nós desempenha. O não cumprimento de uma determinada</p><p>expectativa ligada ao seu papel de gênero - por exemplo, a mulher não fazer o jantar, ou</p><p>homem ser muito "afeminado" - torna-se uma razão para a agressão. Mulheres e o grupo</p><p>LGBTQIA+ são os mais atingidos pela violência de gênero.</p><p>L – Lésbicas</p><p>G – Gays</p><p>B – Bissexuais</p><p>T – Transexuais</p><p>Q – Queer</p><p>I – Intersexuais</p><p>A – Assexuais</p><p>+ - Demais orientações sexuais e identidades de gênero</p><p>Como este curso fala especificamente sobre a violência contra mulheres, aqui</p><p>estamos tratando de todo tipo de violência cometida contra mulheres, inclusive mulheres</p><p>trans e meninas. A maioria desta violência ocorre porque elas não cumprem com a</p><p>expectativa de gênero. Nestes casos, a violência é uma forma do homem exercer o seu</p><p>poder.</p><p>No Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é a principal legislação brasileira</p><p>de combate à violência doméstica contra a mulher e classifica as agressões em cinco</p><p>categorias: violência psicológica, violência moral, violência patrimonial, violência física e</p><p>violência sexual.</p><p>45</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Violência psicológica ou emocional</p><p>Humilhação; deboche público; desvalorização moral; desqualificação intelectual;</p><p>piadas ofensivas por ser mulher; restrição da liberdade de crença e prática religiosa; qualquer</p><p>atitude que gere dano psicológico e diminuição da autoestima; que prejudique o pleno</p><p>desenvolvimento da mulher ou vise degradar ou limitar suas ações e comportamentos. Os</p><p>meios de exercer violência emocional podem ser ameaça, constrangimento, insulto,</p><p>manipulação, vigilância, perseguição, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e</p><p>vir ou qualquer outra forma de afetar a saúde psicológica e o exercício do livre arbítrio.</p><p>Violência física</p><p>Qualquer ofensa à integridade ou à saúde física da mulher, tal como arremessar</p><p>objetos; sacudir ou segurar a mulher com força; dar empurrões, tapas, socos, chutes, puxões</p><p>de cabelo, mordidas; agredir com armas ou objetivos; queimar; coagir a fazer algo contra sua</p><p>vontade, como ingestão forçada de bebida alcoólica e/ou drogas ou ser forçada a participar</p><p>de atividades degradantes, como realizar fetiches.</p><p>Violência moral</p><p>Qualquer ofensa à reputação ou ao bem-estar psicológico que envolva insultos</p><p>relativos à sua condição de mulher - puta, vadia, louca -; xingamentos por rejeitar investida</p><p>afetiva ou sexual; repassar imagens ou informações de caráter íntimo sem autorização. Os</p><p>casos de violência moral recentes têm sido a pornografia de vingança (revenge porn), que</p><p>é o compartilhamento de fotos nuas (nudes) ou vídeos íntimos na internet, por um dos</p><p>envolvidos, sem autorização da mulher exposta, a fim de causar dano à sua reputação.</p><p>Violência patrimonial</p><p>Controlar, guardar ou tirar o dinheiro de uma mulher contra a sua vontade; guardar</p><p>documentos pessoais; quebrar ou causar danos propositais a objetos; furtar valores, bens,</p><p>documentos ou instrumentos de trabalho. Qualquer ofensa ao patrimônio da mulher como</p><p>forma de atingi-la.</p><p>Violência sexual</p><p>Toques ou carícias não desejadas ou não consentidas (ação popularmente conhecida</p><p>e naturalizada como "mão boba"); forçar a prática de atos sexuais, estupro, tentativa de</p><p>estupro, abuso de vítima sob o efeito de álcool e/ou drogas ou sem condições de consentir;</p><p>46</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>forçar gravidez ou aborto; impedir o uso de método contraceptivo; retirar a camisinha sem</p><p>que a parceira perceba ou sem consentimento; beijar à força. A violência sexual, além de</p><p>gerar traumas para a vítima, pode resultar em gravidez indesejada e aumentar o risco de</p><p>contração de DSTs e infecção por HIV.</p><p>Há duas formas de violência psicológica pouco notadas como agressões. O</p><p>comportamento controlador de homens sobre suas esposas, ao não as deixar sair, ao</p><p>impedir ou restringir o contato com suas famílias e amigos, ou ainda investigar seus celulares</p><p>e e-mails. Da mesma forma, fazer a mulher achar que está ficando louca ou que não sabe</p><p>mais o que diz (gaslighting) é uma forma de abuso mental enquadrada como violência</p><p>emocional, através do qual o homem distorce os fatos e manipula situação para fazer a vítima</p><p>duvidar de sua memória ou estabilidade mental.</p><p>A Lei Maria da Penha define ainda como violência doméstica e familiar contra a</p><p>mulher:</p><p>Art.5 "(...) qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,</p><p>sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:</p><p>I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio</p><p>permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente</p><p>agregadas;</p><p>II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos</p><p>que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por</p><p>vontade expressa;</p><p>III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha</p><p>convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.</p><p>Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de</p><p>orientação sexual.27</p><p>A outra definição legal de violência contra a mulher está no Código Penal brasileiro</p><p>e prevê o feminicídio como modalidade de homicídio qualificado. O feminicídio é o</p><p>assassinato de mulheres pela razão de ser do sexo feminino; e/ou se envolver violência</p><p>doméstica e familiar; e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.</p><p>A violência contra a mulher costuma ser uma violência baseada no gênero e tem</p><p>embasamento em uma discriminação, uma ideia de como as pessoas devem agir. Na</p><p>perspectiva machista, considera-se que uma mulher que tem múltiplos parceiros é vulgar e,</p><p>portanto, não é digna de respeito. Um homem que concorde com essa ideia e observe tal</p><p>comportamento em sua mulher, filha ou conhecida, tende a reagir negativamente e a</p><p>discriminá-la de alguma forma em seu convívio social, seja não contratando para um serviço,</p><p>27 LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Disponível em: LEI Nº 11.340/2006. Acesso em 04/06/2017.</p><p>47</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>ofendendo à sua reputação ou a agredindo física ou sexualmente. Em resumo, a quebra de</p><p>um papel de gênero leva o homem a não identificar aquela mulher como merecedora de</p><p>direitos ou de respeito.</p><p>Para verificar se houve violência de gênero, vale refletir se aquela agressão teria tido</p><p>lugar se invertêssemos os papéis. Se, ao substituirmos a mulher por um homem, a violência</p><p>perder o sentido motivador, significa que foi uma violência contra o gênero feminino, por ser</p><p>mulher. Essa é uma boa estratégia para desnaturalizar comportamentos.</p><p>Finalizando</p><p>Neste módulo, você aprendeu que:</p><p>A principal legislação nacional sobre a violência doméstica, no Brasil, é a Lei</p><p>Maria da Penha. Ela também indicou que existem cinco formas de cometer</p><p>violência contra mulheres;</p><p>A violência moral refere-se a atos difamatórios sobre uma mulher, atentando-</p><p>se contra sua honra, dignidade e dizendo coisas sobre ela que não são</p><p>verdades;</p><p>A violência psicológica tem como principal foco coibi-la. É quando existem</p><p>xingamentos e ameaças, por exemplo;</p><p>A violência patrimonial ocorre quando há o controle sobre</p><p>os bens dessas</p><p>mulheres, inclusive dinheiro, objetos pessoais, documentos, entre outros;</p><p>Já a violência física refere-se à violência que as atinge fisicamente: além do</p><p>impacto emocional, inclui chutes, tapas, pontapés;</p><p>A violência sexual refere-se a qualquer ato sexual forçado, carícias não</p><p>consentidas etc.;</p><p>Todos os tipos de violência contra mulheres atentam à sua integridade física e</p><p>emocional e devem ser combatidos. Não há um tipo mais grave do que outro e</p><p>todos estão codificados no código penal.</p><p>1</p><p>2</p><p>4</p><p>5</p><p>5</p><p>6</p><p>3</p><p>48</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.1.3.4 Aula 4 - Participação, liderança e protagonismo de mulheres</p><p>Na Prática</p><p>Vocês sabiam que a presença de mulheres na formulação de políticas e ações de</p><p>enfrentamento da violência contra elas mesmas aumenta em grande medida as chances</p><p>de que estas políticas deem certo?</p><p>Pensem na profissão que cada um de vocês desempenha no sistema de segurança</p><p>pública. As mulheres são a maioria ou a minoria? Por quê? E mais importante, considerando</p><p>tudo que vocês já aprenderam até aqui: como vocês acham que a presença de mulheres</p><p>pode contribuir para que ações voltadas ao enfrentamento da violência tenham medidas</p><p>mais eficazes?</p><p>Mulheres contribuem para o protagonismo e a estabilidade</p><p>É isso mesmo. A presença de mulheres na vida pública do Estado e a forma como</p><p>são tratadas tem uma relação íntima com a prosperidade, a estabilidade e o desenvolvimento</p><p>dos países.28 Por exemplo, o grau em que elas estão envolvidas na política está</p><p>correlacionado, por exemplo, a níveis de corrupção e renda nacional e à probabilidade de</p><p>conflito armado.29 Observa-se, ainda, que países com níveis de crescimento relativamente</p><p>altos e com baixos índices de desigualdade de renda tendem a ter mais mulheres no</p><p>parlamento e maior proporção de mulheres inseridas no mercado de trabalho.30 Além disso,</p><p>identificou-se que a presença de mulheres em órgãos legislativos gera efeitos positivos para</p><p>questões sociais, particularmente, saúde e educação.31 O Banco Mundial estima que a</p><p>eliminação do hiato no acesso à educação entre meninos e meninas aumentaria o PIB</p><p>mundial em cerca de 5,4%32. Além de impulsionar o crescimento econômico, o maior</p><p>investimento na educação de mulheres e meninas também contribui para a redução de</p><p>elevadas taxas de fertilidade e da mortalidade materna e infantil.33</p><p>28 Ver: Hudson (2012). Além disso, para acessar o projeto de Woman Stats, de Hudson, ver:</p><p>https://tinyurl.com/449ybjxu.</p><p>29 Ver: https://tinyurl.com/2zae7j6p.</p><p>30 Ver: https://tinyurl.com/bdhea9du. .</p><p>31 Ver:https://tinyurl.com/mtrshju6.</p><p>32 Ver:https://tinyurl.com/yevh8zd3.</p><p>33 Ver: https://tinyurl.com/4krr4hea.</p><p>49</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>E não é só isso, a presença de mulheres em ações relacionadas à paz e à segurança</p><p>também tem um impacto. O trabalho seminal de Laurel Stone comprova que a participação</p><p>de mulheres em processos de paz aumenta sua durabilidade. Stone e outras acadêmicas</p><p>feministas que a seguiram mostraram que isso ocorre justamente porque mulheres acabam</p><p>priorizando questões sociais relacionadas às raízes do conflito e não somente a outras mais</p><p>imediatas relacionadas ao cessar fogo.34</p><p>E o que tudo isso tem a ver com vocês? Eu diria que tudo. Para começar, gostaria</p><p>de contar para vocês sobre uma agenda da ONU, a agenda sobre mulheres, paz e</p><p>segurança, que fala do protagonismo de mulheres em ações da paz e da segurança.</p><p>A agenda sobre mulheres paz e segurança</p><p>No ano 2000, após pressões de inúmeros grupos feministas, o Conselho de</p><p>Segurança da ONU aprovou a Resolução 1325 que inaugurou esta agenda. Nela,</p><p>reconheceu-se que a guerra gera impactos diferenciados para homens, mulheres, meninos,</p><p>meninas e outras com pessoas de identidades de gênero diferentes. Isso ocorre justamente</p><p>por conta daqueles papéis de gênero e expectativas sociais que conversamos em aulas</p><p>anteriores. Essa resolução reconheceu ainda que é preciso promover a participação de</p><p>mulheres na resolução destas guerras e conflitos, pois elas trazem uma perspectiva única e</p><p>que geralmente é excluída dessas mesas de negociações.</p><p>Esta resolução foi fundamental para que a igualdade de gênero fosse tratada em</p><p>ainda mais um âmbito que ela era geralmente ignorada, o da guerra. Foi a partir daí também,</p><p>que se reconheceu que a violência sexual em contexto de conflito é um crime contra a</p><p>humanidade e ela foi incluída no rol de atribuição do Tribunal Penal Internacional em 2003.</p><p>A violência sexual, no entanto, não é o único tipo de violência cometida contra</p><p>mulheres em contextos de conflitos. Ela é apenas a face mais visível e já foi,</p><p>comprovadamente, utilizada como uma arma de guerra. Grupos rivais utilizam a violência</p><p>sexual como forma de enfraquecer grupos rivais, atacando a sua masculinidade e a</p><p>expectativa do papel de proteção que homens deveriam exercer. Ela ainda é usada como</p><p>tática de genocídio, em especial se combinada à esterilização forçada, ou gravidez forçada,</p><p>como forma de eliminar uma etnia. Enfim, são infelizmente muitas as formas de violência.</p><p>Mas o importante aqui é destacar que ela não surge na guerra e nem é o único tipo de</p><p>violência que afeta mulheres.</p><p>34 Stone (2014); Paffenholts (2015a, 2015b, 2015c); O`Reilly et al (2015)</p><p>50</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Na realidade, a raiz deste e dos outros tipos de violência é justamente a</p><p>desigualdade de gênero e a crença de que mulheres desempenham um status inferior em</p><p>nossas sociedades. Assim, a violência em conflito, é resultado de uma desigualdade que</p><p>existe antes desse conflito e que continua após esse conflito. Qualquer atividade de proteção</p><p>precisa ser combinada com ações relacionadas à promoção da igualdade. Além disso,</p><p>também ficou comprovado que nesse contexto mulheres são as principais vítimas de todos</p><p>os tipos de violência, à exceção da violência letal. Novamente, isto ocorre em função das</p><p>expectativas sociais que existem sobre mulheres. Os novos conflitos têm um impacto</p><p>desproporcional na população civil, e na maioria das vezes, mulheres são relegadas às</p><p>funções de cuidado.</p><p>Ainda que esta agenda reconheça esse impacto desproporcional e específico em</p><p>mulheres, ela também fala do seu potencial de transformação. Afinal, nem todas as mulheres</p><p>ficam confinadas aos cuidados. Diversas mulheres vão para o fronte como combatentes, seja</p><p>de grupos armados, seja como parte das forças de segurança e defesa de Estados. Elas</p><p>participam ativamente da guerra inclusive como combatentes. E não é só isso. Mesmo</p><p>aquelas que ficam para trás em suas comunidades, muitas vezes desempenham um papel</p><p>de mediação com esses grupos, permitindo o acesso de ajuda humanitária, acesso a escolas</p><p>para seus filhos, proteção de hospitais. Há ainda aquelas que estão no suporte às ações de</p><p>combate, fazendo as refeições daqueles que vão para o fronte. Enfim, como podem, ver são</p><p>muitas as funções que mulheres desempenham, sejam no combate, seja no apoio, seja no</p><p>cuidado. Qualquer que seja essa função, ela precisa ser reconhecida, visibilizada e apoiada.</p><p>Para sua referência, após a Resolução 1325, outras dez foram elaboradas pelas</p><p>Nações Unidas. Um resumo delas está no quadro abaixo. Na próxima seção falaremos sobre</p><p>o que essa agenda tem a ver com você.</p><p>51</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Resoluções sobre a agenda mulheres paz e segurança</p><p>► Resolução 1325</p><p>(2000): participação plena e igualitária das mulheres;</p><p>impactos desproporcionais dos conflitos armados sobre mulheres e meninas.</p><p>► Resolução 1820 (2008): uso da violência sexual como tática de guerra</p><p>► Resolução 1888 (2009): disposições para prevenir e combater a violência</p><p>sexual; Representante Especial do Secretário-Geral sobre Violência Sexual em Conflitos</p><p>► Resolução 1889 (2009): indicadores de progresso para Resolução 1325</p><p>(2000); participação plena e igualitária das mulheres; necessidades particulares de</p><p>mulheres e meninas</p><p>► Resolução 1960 (2010): relatórios sobre violência sexual em conflitos</p><p>armados; compromissos específicos e com prazos definidos de combate à violência sexual</p><p>► Resolução 2116 (2013): impunidade e violência sexual</p><p>► Resolução 2122 (2013): implementação 1325; participação da sociedade</p><p>civil; estudo global sobre a 1325.</p><p>► Resolução 2242 (2015): traz temas emergentes, como extremismo violento,</p><p>pandemias, entre outros.</p><p>► Resolução 2467 (2019)): abordagem centrada em sobreviventes para</p><p>prevenir e responder à violência sexual</p><p>► Resolução 2493 (2019): implementação da 1325; mulheres em processos</p><p>de paz; direitos das mulheres; sociedade civil.</p><p>A agenda sobre mulheres, paz e segurança no Mundo, na América Latina e no Brasil</p><p>Como vocês devem imaginar, uma resolução abordando este tema trouxe de fato</p><p>impactos grandes para o campo da paz e da segurança. O principal deles foi uma abertura</p><p>cada vez maior de posições e carreiras que têm sido tradicionalmente fechadas para</p><p>mulheres, como as forças armadas e as polícias. O pensamento é o seguinte. Se precisamos</p><p>de mais mulheres atuando nestes contextos, inclusive por meio de operações de paz, então</p><p>cada país precisa ter mais mulheres atuando nessas posições no âmbito nacional. E foi isso</p><p>que a ONU pediu. Desde 2005, a ONU tem solicitado aos países para enviar mais mulheres</p><p>uniformizadas e mais mulheres civis para atuar em suas forças de paz, promovendo a paz</p><p>nesses ambientes de guerra.</p><p>52</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Foi nesse contexto que o Brasil elaborou o seu primeiro Plano Nacional de Ação</p><p>sobre a agendas Mulheres, Paz e Segurança, e foi lá que reconheceu que é preciso incluir</p><p>mais mulheres brasileiras nas forças policiais e militares do Brasil, como forma de propiciar</p><p>a oportunidade para que o país efetivamente contribua com estes esforços internacionais.</p><p>Desde então, a participação de mulheres brasileiras policiais e militares nesses esforços</p><p>melhorou muito. Mas será que falar desta agenda no Brasil é possível? Afinal, o Brasil não é</p><p>um país em guerra. Ao menos não se fala da concepção tradicional de guerra. E é</p><p>exatamente este o ponto que queria abordar.</p><p>Na América Latina e no Brasil, especificamente, enfrentamos dinâmicas conflitivas,</p><p>a partir da atuação do crime organizado que tem um impacto desproporcional nas</p><p>populações locais, inclusive mulheres e meninas, justamente pelas expectativas sociais de</p><p>que tanto falamos. É por isso que é preciso ter uma atenção especial para este público</p><p>nessas áreas, em que o Estado tem dificuldade de acessar. E a presença de mulheres,</p><p>profissionais da segurança pública para acessá-las, servir como modelo e referência é</p><p>fundamental. A presença de mulheres na segurança pública afetará os tipos de ações</p><p>dedicadas ao enfrentamento da violência contra mulheres, as ações que observam o impacto</p><p>que dinâmicas criminais e conflitivas têm neste grupo e contribuirá para que se tornem mais</p><p>eficazes, aperfeiçoando a eficácia operacional das operações.</p><p>Mulheres são necessárias em todos os níveis. Tanto em um nível estratégico</p><p>pensando nestas políticas, como no nível tático, no terreno, observando o impacto na ponta.</p><p>Elas não são as únicas capazes de desempenhar este trabalho, mas, em razão dos papéis</p><p>sociais a que elas também estiveram sujeitas, tendem a colocar atenção em aspectos que</p><p>os homens prestam menos atenção. Por isso, vamos promover o protagonismo das mulheres</p><p>no enfrentamento da violência e convocar os homens para atentar a estes aspectos também.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Existe uma enorme gama de materiais que tratam desta agenda no Brasil. Acesse</p><p>por exemplo:</p><p>Renata Giannini et. al. "A agenda sobre mulheres, paz e segurança no contexto</p><p>latino-americano: desafios e oportunidades". Artigo Estratégico Instituto Igarapé (mar/2018.</p><p>Disponível em: https://tinyurl.com/2p8k3kpp.</p><p>Renata A. Giannini. “Promover gênero e construir a paz: a experiência brasileira”.</p><p>Artigo Estratégico Instituto Igarapé, (Set/2014). Disponível: https://tinyurl.com/7k599ent.</p><p>53</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Renata A. Giannini; Denise Hirao. "Identificar desigualdades para planejar uma paz</p><p>duradoura no Brasil". Advocacy Paper. Gender Associations (Dez/2020). Disponível:</p><p>https://tinyurl.com/2972ehex.</p><p>Finalizando</p><p>Neste módulo aprendemos que:</p><p>⚫ A agenda sobre mulheres, paz e segurança trata do protagonismo de mulheres</p><p>em ações relacionadas à paz e à segurança. Isso porque a presença de mulheres</p><p>promovendo acordos de paz mais duradouros e a forma como os países tratam as suas</p><p>mulheres podem gerar estabilidade e prosperidade;</p><p>⚫ Apesar desta agenda ter sido lançada com foco em guerras tradicionais, as</p><p>novas tendências mostram que há outros desafios complexos que ela pode abordar, como a</p><p>presença do crime organizado e seu impacto em mulheres. Neste contexto, é preciso</p><p>observar o impacto que estas dinâmicas conflitivas têm em mulheres no Brasil;</p><p>⚫ A presença e o protagonismo de mulheres em ações de enfrentamento da</p><p>violência contra mulheres em todos os níveis, do mais estratégico ao tático, contribuirá para</p><p>que suas necessidades sejam devidamente atendidas, colocará mulheres em posição de</p><p>cooperar para buscar soluções de um problema que as afeta e, em suma, terá um impacto</p><p>positivo na eficácia operacional das operações e ações.</p><p>54</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.2 – Módulo II: Violências, estrutura de governança e</p><p>políticas baseadas em evidências</p><p>Figura 19: Cenário da Violência</p><p>Fonte: Correio Braziliense</p><p>4.2.1 Apresentação do módulo</p><p>No primeiro módulo você conheceu os marcos normativos internacionais e a</p><p>evolução histórica dos direitos humanos de mulheres, aprendeu também conceitos</p><p>importantes para começar a entender um pouco mais sobre as violências baseadas em</p><p>gênero, os aspectos legais relacionados a essas violências e a importância do protagonismo</p><p>das mulheres.</p><p>Dando continuidade ao nosso curso, o Módulo II vai trazer o panorama da violência</p><p>de gênero no Brasil e abordar a importância dos dados na construção de políticas de</p><p>proteção e enfrentamento e de que maneira o profissional de segurança pública pode</p><p>contribuir. Além disso, apresentaremos a estrutura de governança para o enfrentamento da</p><p>violência contra as mulheres no país, bem como a importância do trabalho em rede e do</p><p>trabalho dos profissionais do Susp.</p><p>55</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.2.2 Objetivos do módulo</p><p>Este módulo tem por objetivos:</p><p>⚫ Compreender o contexto da violência contra meninas e mulheres no Brasil;</p><p>⚫ Conhecer a estrutura de governança para enfrentamento da violência contra</p><p>mulheres no Brasil;</p><p>⚫ Reconhecer como dados e evidências são importantes para informar as</p><p>políticas públicas;</p><p>⚫ Descrever a importância da produção de dados e registros dos atendimentos</p><p>realizados pelos profissionais do Susp;</p><p>⚫ Identificar a importância da</p><p>atuação em rede no enfrentamento das violências</p><p>contra mulheres e meninas</p><p>56</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.2.3 Estrutura do módulo</p><p>Este módulo compreende as seguintes aulas:</p><p>Aula 01. O que os dados disponíveis nos dizem sobre violência contra</p><p>mulheres e meninas no Brasil?</p><p>1.1. A Violência Doméstica</p><p>1.2. Violência Sexual</p><p>1.3. Violência Letal - Feminicídios e Homicídios Dolosos de Mulheres</p><p>Aula 2. Dados e Evidências na formulação de políticas públicas</p><p>2.1. Dados e evidências. Do que estamos falando?</p><p>2.2. Que fontes de dados existem?</p><p>2.3. A importância dos registros feitos pelos profissionais do Susp</p><p>Aula 3. Governança e a importância do trabalho em rede</p><p>3.1. Estrutura de Governança do Enfrentamento das violências contra as mulheres</p><p>no Brasil</p><p>3.2. O que é trabalho em rede?</p><p>3.3. A(s) rede(s) de proteção</p><p>57</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.2.3.1 Aula 1 - O que os dados disponíveis nos dizem sobre violência</p><p>contra mulheres e meninas no Brasil?</p><p>Como vimos no módulo anterior, as violências contra meninas e mulheres se</p><p>constituem como um tipo muito complexo de violência. São inúmeros os tipos, as causas e</p><p>as maneiras de enfrentamento.</p><p>É fundamental que o profissional do Susp compreenda as especificidades das</p><p>violências de gênero para que possa se preparar adequadamente para enfrentá-las.</p><p>Dados recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública35 mostraram que em</p><p>2022 todos os tipos de violências contra as mulheres aumentaram em comparação com o</p><p>ano anterior. Cresceram os registros realizados pelas secretarias de segurança pública de</p><p>crimes como: agressões decorrentes de violência doméstica, ameaças, feminicídios,</p><p>homicídios dolosos, tentativas de feminicídio e os estupros. Aumentaram também os</p><p>chamados para o 190, número de emergência das polícias militares, para casos de violência</p><p>doméstica. Em 2022 foram 102 chamados por hora. O olhar analítico para o conjunto</p><p>desses fatores é fundamental para que possamos compreender o cenário e, a partir dos</p><p>dados, sermos capazes de traçar estratégias de enfrentamento.</p><p>As diferentes violências contra a mulher, se não forem interrompidas, podem</p><p>culminar na expressão mais extrema desse tipo de violência, que é o feminicídio.</p><p>Durante essa aula vamos entender um pouco mais sobre o que essas diferentes</p><p>violências significam e o que e quais dados disponíveis nos dizem a respeito.</p><p>A Violência Doméstica</p><p>A violência doméstica, como mencionado no módulo anterior, é definida na Lei</p><p>11.340/2006, Lei Maria da Penha, da seguinte forma:</p><p>“art. 5º (...) configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no</p><p>gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:</p><p>I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com</p><p>ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;</p><p>II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram</p><p>aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;</p><p>III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida,</p><p>independentemente de coabitação.</p><p>Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.</p><p>35 O Anuário Brasileiro de Segurança Pública é uma publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e</p><p>está em sua 17ª edição. O Anuário se baseia em informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública</p><p>estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública. Disponível</p><p>em: https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/</p><p>58</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos</p><p>humanos.”</p><p>A Lei Maria da Penha deixa bem claro que a violência doméstica e familiar configura-</p><p>se como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que tenha como resultados morte,</p><p>sofrimento ou abuso, sejam esses de ordem física, material ou psicológica.</p><p>A definição em Lei é importante porque é ela que vai nortear os trabalhos dos</p><p>profissionais do Susp desde o registro ou atendimento de uma ocorrência até seu desfecho</p><p>ou encaminhamento.</p><p>Os dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, referente à 2022, mostram</p><p>que todos os indicadores de violência doméstica cresceram em comparação com o ano</p><p>anterior. As secretarias estaduais de segurança pública informaram que houve um aumento</p><p>de 2,9% nos registros de agressões por violência doméstica, 7,2% nos de ameaça e 8,2%</p><p>nos chamados para o 190, o número de emergência das Polícias Militares, resultando em</p><p>102 acionamentos por hora.</p><p>Figura 20: Crescem todos os indicadores de violência doméstica.36</p><p>Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2023, pg 16</p><p>A violência doméstica quando causada por parceiro íntimo se caracteriza por um</p><p>relacionamento abusivo, onde nem sempre ocorre violência física, mas que costuma ser</p><p>caracterizado por um ciclo específico, no qual há o que chamamos de “escalada da</p><p>violência”. A violência cresce, escala e não diminui. O que pode ocorrer é uma alternância</p><p>entre momentos de tensão e momentos de aparente tranquilidade. São as chamadas fases</p><p>da violência doméstica, que merecem nossa atenção e que podem ser entendidos da</p><p>seguinte maneira:</p><p>36 Números referentes a registros do ano 2022.</p><p>59</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 21: Ciclo da violência.</p><p>Fonte: Instituto Maria da Penha (IMP)</p><p>Quadro 1: Fase 1 - Aumento da Tensão Quadro 2: Fase 2 - Ato de Violência</p><p>AUMENTO DA TENSÃO</p><p>Nesse primeiro momento, o agressor</p><p>mostra-se tenso e irritado por coisas</p><p>insignificantes, chegando a ter acessos de raiva.</p><p>Ele também humilha a vítima, faz ameaças e</p><p>destrói objetos.</p><p>A mulher tenta acalmar o agressor, fica</p><p>aflita e evita qualquer conduta que possa</p><p>“provocá-lo”. As sensações são muitas: tristeza,</p><p>angústia, ansiedade, medo e desilusão são</p><p>apenas algumas.</p><p>Em geral, a vítima tende a negar que isso</p><p>está acontecendo com ela, esconde os fatos das</p><p>demais pessoas e, muitas vezes, acha que fez</p><p>algo de errado para justificar o comportamento</p><p>violento do agressor ou que “ele teve um dia ruim</p><p>no trabalho”, por exemplo. Essa tensão pode</p><p>durar dias ou anos, mas como ela aumenta cada</p><p>vez mais, é muito provável que a situação levará</p><p>à Fase 2.</p><p>ATO DE VIOLÊNCIA</p><p>Esta fase corresponde à explosão do</p><p>agressor, ou seja, a falta de controle chega ao</p><p>limite e leva ao ato violento. Aqui, toda a tensão</p><p>acumulada na Fase 1 se materializa em violência</p><p>verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial.</p><p>Mesmo tendo consciência de que o</p><p>agressor está fora de controle e tem um poder</p><p>destrutivo grande em relação à sua vida, o</p><p>sentimento da mulher é de paralisia e</p><p>impossibilidade de reação. Aqui, ela sofre de uma</p><p>tensão psicológica severa (insônia, perda de</p><p>peso, fadiga constante, ansiedade) e sente medo,</p><p>ódio, solidão, pena de si mesma, vergonha,</p><p>confusão e dor.</p><p>Nesse momento, ela também pode tomar</p><p>decisões − as mais comuns são: buscar ajuda,</p><p>denunciar, esconder-se na casa de amigos e</p><p>parentes, pedir a separação e até mesmo</p><p>suicidar-se. Geralmente, há um distanciamento</p><p>do agressor.</p><p>60</p><p>Segurança Pública e Violência contra</p><p>Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Quadro 3: Fase 3 - Arrependimento e comportamento carinhoso</p><p>ARREPENDIMENTO E COMPORTAMENTO CARINHOSO</p><p>Também conhecida como “lua de mel”, esta fase se caracteriza pelo arrependimento do</p><p>agressor, que se torna amável para conseguir a reconciliação. A mulher se sente confusa e</p><p>pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem</p><p>filhos. Em outras palavras: ela abre mão de seus direitos e recursos, enquanto ele diz que “vai</p><p>mudar”.</p><p>Há um período relativamente calmo, em que a mulher se sente feliz por constatar os esforços e as</p><p>mudanças de atitude, lembrando também os momentos bons que tiveram juntos. Como há a</p><p>demonstração de remorso, ela se sente responsável por ele, o que estreita a relação de dependência</p><p>entre vítima e agressor.</p><p>Um misto de medo, confusão, culpa e ilusão fazem parte dos sentimentos da mulher. Por</p><p>fim, a tensão volta e, com ela, as agressões da Fase 1.</p><p>Fonte: Instituto Maria da Penha (IMP)</p><p>Essas fases da violência doméstica constituem um grande desafio para a proteção</p><p>das mulheres que se encontram nessas situações e para a atuação dos profissionais de</p><p>segurança pública.</p><p>Inseridas no contexto da violência, as mulheres costumam sentir medo, culpa e,</p><p>muitas vezes, esperança de que o homem vai mudar e que a violência cessará. Algumas</p><p>vezes as mulheres podem até pedir ajuda, ligar para o 190, por exemplo, mas isso nem</p><p>sempre significa que irão adiante com a denúncia. Podem voltar atrás e depois chamar por</p><p>ajuda e voltar atrás novamente. Por isso, precisamos estar prontas e prontos para acolher</p><p>essas mulheres tantas vezes quantas forem necessárias.</p><p>Em 2021 foram tipificados os crimes de “stalking”, que é a perseguição, e o de</p><p>violência psicológica. Como são crimes de recente tipificação, não conseguimos fazer</p><p>comparações com anos anteriores, mas os dados mostram que os números registrados não</p><p>são desprezíveis, como podemos ver abaixo. Em relação às medidas protetivas de urgência</p><p>concedidas, observamos um aumento de 13,7% em relação ao ano anterior. Mas por que</p><p>essas informações são importantes?</p><p>61</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 22: 155 casos diários de Stalking.</p><p>Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2023, pg 16</p><p>Mencionamos anteriormente que a violência doméstica possui fases que marcam um</p><p>processo de escalada da violência. Se a violência não for interrompida ela pode culminar na</p><p>morte dessa mulher. Stalking e violência psicológica são, portanto, fatores de risco para o</p><p>feminicídio. Ao olharmos para os números dessas violências, somado ao aumento das</p><p>medidas protetivas concedidas, temos um quadro bastante preocupante que nos revela que</p><p>as violências contra as mulheres vêm crescendo. Por outro lado, isso nos dá a oportunidade</p><p>de intervir e criar projetos e políticas de proteção.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Você conhece a história da Maria da Penha?</p><p>Clique aqui para conhecer a mulher que dá o nome a uma das leis mais importantes</p><p>do nosso país para o enfrentamento da violência contra a mulher.</p><p>A promotora do Ministério Público de São Paulo, Silvia Chakian, fala no USP Talks,</p><p>sobre os diversos aspectos relacionados à violência contra a mulher.</p><p>62</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Violência Sexual</p><p>Conforme vimos no módulo anterior, a violência sexual é entendida como</p><p>“(…) qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação</p><p>sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou</p><p>a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que</p><p>a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou</p><p>manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.” (LEI 11.340/06).</p><p>A descrição acima não é capaz de dar conta da complexidade desse tipo de</p><p>violência, permeada por muita culpa, vergonha e medo. Por conta disso, as violências</p><p>sexuais são as mais subnotificadas e não só aqui no Brasil. Estudo recente divulgado por</p><p>pesquisadores do IPEA indicou que apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados às</p><p>polícias e 4,2% pelos sistemas de informação da saúde. Assim, segundo a estimativa</p><p>produzida pelos autores, o patamar de casos de estupro no Brasil é da ordem de 822 mil</p><p>casos anuais.</p><p>Dados recentes sobre violência sexual apontam que em 2022 tivemos uma explosão</p><p>nos registros de estupro. Dos 74.930 registros, 18.110 são estupros e 56.820 são estupros</p><p>de vulnerável.</p><p>Você sabe o que é estupro de vulnerável?</p><p>O art. 217-A do código penal define que:</p><p>Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze)</p><p>anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)</p><p>Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)</p><p>§ 1 o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que,</p><p>por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática</p><p>do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei</p><p>nº 12.015, de 2009)</p><p>Fonte: LEI Nº 12.015, DE 7 DE AGOSTO DE 2009</p><p>Compreender a diferença entre estupro e estupro de vulnerável é fundamental para</p><p>endereçarmos as ações de enfrentamento. Mais importante ainda é compreender onde</p><p>acontecem essas violências, qual o perfil das vítimas e dos agressores.</p><p>Se em nosso imaginário social prevalece a ideia de que esse tipo de violência</p><p>acontece principalmente à noite, quando a mulher é surpreendida por um desconhecido em</p><p>um beco escuro, os dados divulgados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram</p><p>uma realidade bem diferente - por isso a importância dos dados para que conheçamos a</p><p>63</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>realidade. Os dados mostram que, em 68,3% dos casos, a violência aconteceu na residência</p><p>da vítima. Mostrou também que 6 em cada 10 vítimas tinham entre 0 e 13 anos. Nessa faixa</p><p>etária, em 86,1% dos casos o agressor era alguém conhecido, sendo um familiar em 64,4%</p><p>das ocorrências. O horário em que ocorreram os estupros e estupros de vulneráveis também</p><p>nos dão pistas importantes: enquanto os estupros acontecem mais à noite e na madrugada,</p><p>os estupros de vulnerável, que tem crianças como principais vítimas, ocorrem</p><p>majoritariamente entre 06h e 18h.</p><p>Figura 23: Horário que ocorreu o estupro de vulnerável.</p><p>Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, FBSP, 2023, pg.160</p><p>Portanto, quando nos referimos às violências sexuais, especialmente aos estupros</p><p>e estupros de vulnerável que ocorreram em 2022:</p><p>“(...) estamos falando de um tipo de violência essencialmente intrafamiliar, que acontece em casa,</p><p>durante o dia, e que tem como principais vítimas pessoas vulneráveis. Esses são fatores que tornam o</p><p>enfrentamento a esse tipo de violência sexual extremamente desafiador”. Provavelmente estamos lidando aqui</p><p>com situações de violências de gênero muito arraigadas, imbricadas e naturalizadas nas relações familiares e</p><p>que são, portanto, transmitidas através das gerações. Esse contexto faz com que seja muito difícil para as</p><p>vítimas reconhecerem as violências que sofrem e, quando o fazer, terem muita dificuldade em denunciar ou</p><p>buscar ajuda. Dada a complexidade, as respostas às violências sexuais não são simples e precisam considerar</p><p>as diversas camadas do problema” (FBSP, 2023, pg 160)</p><p>64</p><p>Segurança</p><p>Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Ouça essa entrevista de Samira Bueno, Diretora Executiva do Fórum Brasileiro de</p><p>Segurança Pública para a Natuza Nery no Podcast “O Assunto”, do G1, comentando a</p><p>Explosão de Estupros no Brasil em 2022.</p><p>Leia a entrevista da médica e sexóloga forense, Mariana Ferreira, sobre o trabalho</p><p>que realiza atendendo vítimas de violência sexual:</p><p>“Ela atende vítimas de estupro no IML, de bebês de dias a senhora de 80 anos”</p><p>Violência Letal</p><p>Quando falamos de violência letal contra as mulheres, estamos falando</p><p>principalmente de dois tipos de violência: o feminicídio e o homicídio doloso de mulheres.</p><p>Qual a diferença entre eles?</p><p>Os crimes letais estão definidos no Código Penal, lei brasileira de 1940. No capítulo</p><p>I, dos crimes contra a vida, o art. 121 discorre sobre o “matar alguém”, que abarca o homicídio</p><p>simples, o homicídio qualificado, o homicídio culposo, o infanticídio e o aborto, e dispõe sobre</p><p>a variação da pena a cada um desses atos, considerados crimes. Um homicídio é</p><p>considerado doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.</p><p>Em 2015 foi sancionada a Lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do feminicídio,</p><p>que introduz um qualificador na categoria de crimes contra a vida, alterando o Código Penal</p><p>de 1940, e mudando também a categoria dos chamados crimes hediondos, acrescentando</p><p>nessa categoria o feminicídio. Agora, é possível qualificar um homicídio contra uma mulher</p><p>pela condição do sexo feminino. E, considera-se que existem razões de condição do sexo</p><p>65</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>feminino quando o crime envolve a violência doméstica e familiar, mas também menosprezo</p><p>ou discriminação à condição de mulher, o caracterizando também como um crime de ódio.</p><p>A alteração da seção dos crimes hediondos (lei nº 8.072/90), que inclui o feminicídio</p><p>na mesma categoria, resultou na necessidade de se formar um Tribunal do Júri (júri popular),</p><p>para julgar os réus de feminicídio.</p><p>PARA REFLETIR</p><p>Por que é importante tipificar o assassinato de mulheres? Por que é necessário descortinar</p><p>essa violência enquanto um crime cometido pela condição de gênero, evidenciando quando</p><p>uma mulher é assassinada por ser mulher?</p><p>A Lei do Feminicídio é uma conquista para todas as mulheres e a sociedade em</p><p>geral. Poder compreender com mais profundidade as violências que acometem as mulheres</p><p>é fundamental. Como mencionado anteriormente, feminicídios são crimes de ódio e resultado</p><p>de um processo que engloba outros tipos de violências contra as mulheres. Portanto, são</p><p>crimes evitáveis, mas fazem parte de um continuum complexo, que apenas a criminalização</p><p>não vai dar conta de resolver, como aponta a advogada Carmen Hein de Campos, no Dossiê</p><p>Feminicídio elaborado pela Agência Instituto Patrícia Galvão:</p><p>“O feminicídio é a ponta do iceberg. Não podemos achar que a criminalização do feminicídio vai dar conta da</p><p>complexidade do tema. Temos que trabalhar para evitar que se chegue ao feminicídio, olhar para baixo do</p><p>iceberg e entender que ali há uma série de violências. E compreender que quando o feminicídio acontece é</p><p>porque diversas outras medidas falharam. Precisamos ter um olhar muito mais cuidadoso e muito mais atento</p><p>para o que falhou.”</p><p>A luta de mulheres brasileiras e da América Latina e Caribe contribuiu para que</p><p>avançássemos com a tipificação do feminicídio:</p><p>“o movimento legislativo na região tem como objetivo comum identificar as mortes de mulheres no conjunto de</p><p>homicídios que ocorrem em cada país para dimensionar o fenômeno das mortes intencionais de mulheres por</p><p>razões de gênero e tirá-lo da invisibilidade resultante da falta de dados estatísticos. Nesse sentido, nomear as</p><p>mortes violentas de mulheres como femicídio ou feminicídio faz parte das estratégias para sensibilizar as</p><p>instituições e a sociedade sobre sua ocorrência e permanência na sociedade, combater a impunidade penal</p><p>nesses casos, promover os direitos das mulheres e estimular a adoção de políticas de prevenção à violência</p><p>baseada no gênero”. (ONU MULHERES, 2016)</p><p>66</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Desde a promulgação da Lei, em 2015, os registros de casos de feminicídio por parte</p><p>das autoridades policiais vêm aumentando. É possível dizer que esse aumento é decorrente,</p><p>certamente, de uma melhora nos registros, mas não só. A mudança na lei exigiu dos</p><p>profissionais de segurança pública e sistema de justiça, uma mudança no olhar para as</p><p>mortes violentas de mulheres, desde a investigação, o processo criminal, até o julgamento</p><p>desses crimes. Tornou-se necessária a incorporação da lente de gênero no trabalho desses</p><p>profissionais. Assumir um olhar de gênero nos sistemas de segurança e justiça é um caminho</p><p>sem volta. Cada vez mais a atuação profissional exige a adequação de protocolos e</p><p>procedimentos, algo que será abordado com mais detalhes no Módulo 3.</p><p>O Anuário Brasileiro de Segurança Pública traz os dados mais recentes sobre a</p><p>violência letal contra as mulheres, apontando um crescimento nos feminicídios, na tentativa</p><p>de feminicídios, mas também nos homicídios femininos, conforme quadro abaixo:</p><p>Figura 24: Crescimento da Violência contra a Mulher.</p><p>Fonte: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023</p><p>A análise mais detalhada dos dados, considerando perfil da vítima, local do</p><p>crime e relação entre autor e vítima, nos mostra que em 2022 morreram mais mulheres</p><p>negras (61,1%) e a maioria em idade reprodutiva, entre 18 e 44 anos (71,9%). Em 83,7%</p><p>dos casos, o autor da violência é alguém conhecido da vítima: principalmente o parceiro</p><p>67</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>íntimo (53,6%), o ex-parceiro íntimo (19,4%) e algum familiar (10,7%). Sete em cada dez</p><p>mulheres foram mortas dentro de casa. Assim como o que vimos em relação à violência</p><p>sexual, os feminicídios ocorrem principalmente no contexto doméstico e familiar. A casa das</p><p>meninas e mulheres é o local onde estão mais vulneráveis às violências.</p><p>Por isso a necessidade de incorporar e aprofundar o olhar de gênero na atuação</p><p>profissional. Compreender o contexto em que essas violências acontecem é muito</p><p>importante e imprescindível se quisermos salvar mulheres de mortes e outras violências.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Uma das consequências mais graves dos feminicídios no Brasil, são os filhos que</p><p>ficam órfãos após essa violência.</p><p>Assista à matéria da TV Brasil sobre os Órfãos do Feminicídio para saber mais.</p><p>No Senado Federal está em tramitação o Projeto de Lei n° 1185, de 2022, que visa</p><p>criar a Política Nacional de Proteção e Atenção Integral aos Órfãos e Órfãs de</p><p>Feminicídios, voltada para a proteção e promoção de atenção multisetorial a crianças e</p><p>adolescentes menores de dezoito anos de idade cujas mães responsáveis legais tenham</p><p>sido vítimas de feminicídio.</p><p>Fique por Dentro</p><p>Em agosto de 2023, por unanimidade de votos, o STF declarou inconstitucional o</p><p>uso da tese de legítima defesa da honra em crimes de feminicídio ou de agressão contra</p><p>mulheres. O julgamento é resultado da Arguição de Descumprimento de Preceito</p><p>Fundamental (ADPF) 779, protocolada em janeiro de 2021.</p><p>A tese da legítima defesa da honra nunca esteve prevista em nosso ordenamento</p><p>jurídico, mas era utilizada com frequência em casos de feminicídio e agressões de mulheres,</p><p>como justificativa para o comportamento violento do agressor. A manifestação do STF pela</p><p>inconstitucionalidade dessa tese é fundamental porque reconhece, como bem disse a</p><p>Ministra</p><p>Rosa Weber, que:</p><p>“não há espaço para a restauração dos costumes medievais e desumanos do</p><p>passado pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso em defesa</p><p>da ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina pela qual</p><p>se legitima a eliminação da vida de mulheres”.</p><p>68</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Com isso, o Superior Tribunal Federal afasta de uma vez por todas as possibilidades</p><p>da utilização de argumento que se aproxime da legítima defesa da honra, não somente nos</p><p>Plenários do Júri, mas também nas Varas de Violência Doméstica, Cíveis, Trabalhistas,</p><p>Criminais e de Família.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>STF retoma julgamento sobre validade da legítima defesa da honra</p><p>Acesse o link:</p><p>https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/08/01/stf-retoma-julgamento-sobre-</p><p>validade-da-legitima-defesa-da-honra.ghtml</p><p>69</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.2.3.2 Aula 2 - Dados e Evidências na formulação de políticas públicas</p><p>Na aula anterior nós aprofundamos aspectos relacionados à violência doméstica,</p><p>violência sexual e violência letal contra mulheres, a partir dos dados mais recentes,</p><p>disponibilizados pelas secretarias estaduais de segurança pública, compilados e analisados</p><p>pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.</p><p>No entanto, quando falamos de dados e evidências no Brasil, estamos nos referindo</p><p>a um campo bastante complexo e que precisa ainda melhorar muito. Existem diferentes</p><p>fontes de dados e informações que podem (e devem) subsidiar o trabalho de gestores,</p><p>profissionais e pesquisadores da área. Infelizmente, ainda não contamos com um banco de</p><p>dados nacional e nem com um registro unificado, embora já tenhamos instrumento legal para</p><p>tal.</p><p>Na segunda aula do Módulo 2, vamos aprender sobre dados e evidências na</p><p>formulação de políticas públicas, a partir das fontes disponíveis e a importância dos registros</p><p>e informações produzidos pelos profissionais do Susp.</p><p>Dados e evidências. Do que estamos falando?</p><p>A primeira aula do módulo apresentou o cenário da violência contra as mulheres a</p><p>partir dos dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro</p><p>de Segurança Pública, uma organização da sociedade civil que coleta, compila, padroniza e</p><p>publica estatísticas referentes à violência no país. Esses dados são obtidos via Lei de Acesso</p><p>à Informação (LAI)37, tendo como fonte as bases de dados encaminhadas pelas próprias</p><p>secretarias estaduais de segurança pública e polícias estaduais. São registros de crimes em</p><p>geral e dados sobre a estrutura e financiamento da segurança pública, com o intuito de dar</p><p>transparência a informações importantes para nortear a construção de políticas públicas</p><p>efetivas e garantir a melhoria da Segurança Pública no país.</p><p>Obter dados para a construção de políticas públicas é iniciativa fundamental se</p><p>queremos empreender esforços e recursos de maneira inteligente e responsável. Mas essa</p><p>não é uma tarefa simples.</p><p>Existem diferentes fontes de dados, diferentes maneiras de registrar informações e</p><p>na maioria das vezes os dados disponíveis não são comparáveis. Cada setor faz (ou deveria</p><p>fazer) seu próprio registro, sem que haja uma padronização. Em 2021 foi sancionada a lei</p><p>37 LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011</p><p>70</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>14.232, que institui a Política Nacional de Dados e Informações relacionadas à Violência</p><p>contra as Mulheres (PNAINFO)38, que tem como objetivo reunir, organizar, sistematizar e</p><p>disponibilizar dados e informações atinentes a todos os tipos de violência contra as mulheres.</p><p>A Lei prevê ações importantes, que podem fazer toda a diferença no campo do</p><p>enfrentamento das violências que citamos ao longo desse curso. As ações são:</p><p>✓ Integração das bases de dados dos órgãos de atendimento à mulher em</p><p>situação de violência no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;</p><p>✓ Produção e gestão transparente das informações sobre a situação de violência</p><p>contra as mulheres no País;</p><p>✓ Incentivo à participação social por meio da oferta de dados consistentes,</p><p>atualizados e periódicos que possibilitem a avaliação crítica das políticas públicas de</p><p>enfrentamento da violência contra as mulheres.</p><p>Através das ações acima, a PNAINFO pretende:</p><p>✓ Subsidiar a formulação, o planejamento, a implementação, o monitoramento</p><p>e a avaliação das políticas de enfrentamento da violência contra as mulheres; produzir</p><p>informações com disponibilidade, autenticidade, integridade e comparabilidade sobre todos</p><p>os tipos de violência contra as mulheres;</p><p>✓ Manter as informações disponíveis em sistema eletrônico para acesso rápido</p><p>e pleno, ressalvados os dados cuja restrição de publicidade esteja disciplinada pela</p><p>legislação;</p><p>✓ Integrar e subsidiar a implementação e avaliação da Política Nacional de</p><p>Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à</p><p>Violência contra as Mulheres;</p><p>✓ Padronizar, integrar e disponibilizar os indicadores das bases de dados dos</p><p>organismos de políticas para as mulheres, dos órgãos da saúde, da assistência social, da</p><p>segurança pública e do sistema de justiça, entre outros, envolvidos no atendimento às</p><p>mulheres em situação de violência;</p><p>✓ Padronizar, integrar e disponibilizar informações sobre políticas públicas de</p><p>enfrentamento da violência contra as mulheres;</p><p>✓ Atender ao disposto nos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário,</p><p>no que tange à produção de dados e estatísticas sobre a violência contra as mulheres.</p><p>38 PNAINFO</p><p>71</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Para conseguir alcançar os objetivos propostos, a lei prevê ainda a criação, por parte</p><p>do poder público, do Registro Unificado de Dados e Informações sobre Violência contra</p><p>as Mulheres que deverá reunir informações e dados sobre os registros administrativos,</p><p>sobre os serviços especializados de atendimento às mulheres em situação de violência e</p><p>sobre as políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres. Ou seja, um</p><p>mapeamento completo de todos os aspectos necessários para a construção de uma política</p><p>mais eficiente de proteção, onde estarão contidas as seguintes informações:</p><p>✓ local, data, hora da violência, meio utilizado, descrição da agressão e tipo de</p><p>violência;</p><p>✓ perfil da mulher agredida, incluídas informações sobre idade, raça/etnia,</p><p>deficiência, renda, profissão, escolaridade, procedência de área rural ou urbana e relação</p><p>com o agressor;</p><p>✓ características do agressor, incluídas informações sobre idade, raça/etnia,</p><p>deficiência, renda, profissão, escolaridade, procedência de área rural ou urbana e relação</p><p>com a mulher agredida;</p><p>✓ histórico de ocorrências envolvendo violência tanto da agredida quanto do</p><p>agressor;</p><p>✓ ocorrências registradas pelos órgãos policiais;</p><p>✓ inquéritos abertos e encaminhamentos;</p><p>✓ quantidade de medidas protetivas requeridas pelo Ministério Público e pela</p><p>mulher agredida, bem como das concedidas pelo juiz;</p><p>✓ quantidade de processos julgados, prazos de julgamento e sentenças</p><p>proferidas;</p><p>✓ medidas de reeducação e de ressocialização do agressor;</p><p>✓ atendimentos prestados à mulher pelos órgãos de saúde, de assistência social</p><p>e de segurança pública, pelo sistema de justiça e por outros serviços especializados de</p><p>atendimento às mulheres em situação de violência; e</p><p>✓ quantitativo de mortes violentas de mulheres.</p><p>Para a implantação da referida política, está prevista a criação de um comitê</p><p>formado</p><p>por representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, coordenado por órgão</p><p>do Poder Executivo Federal. As UFs e municípios poderão aderir à Política mediante</p><p>instrumento de cooperação federativa.</p><p>Infelizmente, a Lei ainda não saiu do papel e, para tal, vai precisar superar muitos</p><p>obstáculos, a começar pela integração das bases de dados de todos os órgãos de</p><p>72</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>atendimento às mulheres em situação de violência. Hoje, por exemplo, os registros de</p><p>atendimento das polícias militares e civis não são integrados e ambos também não se</p><p>conectam com os registros do Judiciário. Na prática, isso significa que, se uma mulher que</p><p>for atendida pela PM, numa chamada de 190 para violência doméstica, e esse chamado não</p><p>resultar em denúncia ou prisão e, num outro dia a mesma mulher for assassinada pelo</p><p>mesmo agressor, em ocorrência dessa vez atendida pela Polícia Civil, para investigar as</p><p>circunstâncias da morte, não há como saber que ela tinha acionado a polícia antes. Mesmo</p><p>que tenha chamado 10 vezes. A menos que se tenha o testemunho de alguém ou a confissão</p><p>do próprio agressor. Os sistemas das duas organizações não conversam. E mais, se uma</p><p>mulher tiver uma medida protetiva em um estado, mudar para outro, o agressor for atrás dela</p><p>e ela for assassinada, é bem provável que não se saiba (ou demore-se a saber) sobre a</p><p>existência dessa medida protetiva. Não são apenas os setores diferentes que não</p><p>conversam, como segurança e justiça. Informações estaduais também não são trocadas</p><p>mesmo quando estamos falando de um mesmo setor, ainda que estejamos nos referindo às</p><p>polícias de um mesmo estado. Por isso é tão importante a articulação nacional, para que</p><p>essas informações, que são tão valiosas, possam ser compartilhadas no interesse das</p><p>mulheres em situação de violência e na prevenção de violências.</p><p>Não basta, portanto, haver o registro dos</p><p>dados e das informações, eles precisam estar</p><p>disponíveis para que aquele ou aquela, interessadas</p><p>na própria proteção, na pesquisa e estudos sobre um</p><p>determinado aspecto ou, principalmente, no</p><p>desenvolvimento de ações e projetos de</p><p>enfrentamento e proteção possam utilizar, aprofundar</p><p>ou comparar com outras informações disponíveis.</p><p>Uma boa política pública se faz com</p><p>diagnóstico, implementação de ações, monitoramento</p><p>e avaliação. Para se fazer o diagnóstico, ou seja,</p><p>conhecer o problema ou contexto no qual deseja-se</p><p>atuar, são necessários dados e informações. São o</p><p>ponto de partida. Mas se estamos dizendo que nossas informações não estão disponíveis</p><p>ou que são precárias e insuficientes, como é que conseguiremos fazer bons projetos e</p><p>políticas capazes de atender o propósito de proteger meninas e mulheres?</p><p>A política pública baseada em evidências se resume em, de maneira bem objetiva,</p><p>minimizar o uso de intuição ou achismos na formulação de políticas públicas, substituindo-</p><p>Figura 25: Diga não à violência</p><p>Fonte: TJ Amapá - Twitter</p><p>73</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>os pelo uso de evidências robustas a respeito do problema em foco, do processo e dos</p><p>métodos de avaliação. Trata-se de estabelecer um processo de decisão baseado em</p><p>informações de alta qualidade, uso de dados e boa capacidade analítica. A construção das</p><p>evidências nas quais as políticas serão baseadas exige a transparência dos métodos, da</p><p>maneira de aplicação, controle e avaliação, de forma a possibilitar a reprodução e confiança</p><p>nos resultados.</p><p>A seguir, vamos apresentar diferentes fontes de informação que vão ajudar na</p><p>construção desse caminho em busca das evidências, tão importantes para as políticas</p><p>públicas.</p><p>Que fontes de dados existem?</p><p>Como mencionado anteriormente, existem diversas fontes de dados que podem</p><p>ajudar àqueles que querem se aprofundar e conhecer mais a respeito das violências que</p><p>afetam as mulheres brasileiras e dos serviços de atendimento e proteção existentes.</p><p>Registros de ocorrências policiais, notificações dos profissionais de saúde, sistematização</p><p>de informações por parte das organizações da sociedade civil, pesquisas acadêmicas e</p><p>pesquisas de vitimização são fontes de informação importantes para compor o cenário e as</p><p>diferentes perspectivas dos contextos de violência.</p><p>As pesquisas de vitimização são importantes porque buscam mapear</p><p>subnotificações, informações de pessoas que foram vítimas de algum crime ou violência e</p><p>que, por qualquer que seja o motivo, não fizeram registro em nenhum órgão oficial.</p><p>Abaixo elencamos algumas fontes de dados existentes que possuem distintas</p><p>origens e finalidades, mas que podem ajudar você que pretende entender melhor sobre as</p><p>diferentes violências que assolam as mulheres diariamente:</p><p>74</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Fonte: SINAN</p><p>Saúde</p><p>Figura 26: Sistema de Informação de Agravos de Notificação.</p><p>39</p><p>SIM - Sistema de informações sobre Mortalidade.</p><p>O acesso às informações sobre mortalidade estão disponível nos seguintes endereços e</p><p>formas:</p><p>Para tabulação On-Line:</p><p>http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10uf.def</p><p>Permite aos usuários tabular os dados por meio de aplicativo de fácil manejo</p><p>chamado Tabnet;</p><p>Para Download dos Micro Dados:</p><p>http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0901&item=1&acao=26&pad=3165</p><p>5</p><p>Para tabulação de dados:</p><p>Para realização de tabulações é disponibilizado pelo DATASUS a ferramenta TabWin,</p><p>para download da ferramenta acesse:</p><p>http://www.datasus.gov.br/tabwin;</p><p>Painéis: para acesso aos painéis de mortalidade acesse o link:</p><p>https://svs.aids.gov.br/daent/centrais-de-conteudos/paineis-de-monitoramento/mortalidade/</p><p>A Secretaria de Vigilância à Saúde do Ministério da Saúde publica e disponibiliza,</p><p>anualmente, o livro "Saúde no Brasil", as edições mais recentes de tais publicações</p><p>estão disponíveis no endereço:</p><p>http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/publicacoes-svs</p><p>Fonte: Apresentação - SIM - CGIAE - DAENT - SVS/MS (aids.gov.br)</p><p>39 Saiba mais em:</p><p>https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf</p><p>SINAN: SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE AGRAVOS DE NOTIFICAÇÃO</p><p>“O Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan é alimentado pela notificação e</p><p>investigação de casos de doenças e agravos que constam da lista nacional de doenças de notificação</p><p>compulsória (Portaria de Consolidação nº 4, de 28 de Setembro de 2017), mas é facultado a estados</p><p>e municípios incluir outros problemas de saúde importantes em sua região. Sua utilização permite a</p><p>realização de diagnóstico da ocorrência de um evento na população, podendo fornecer subsídios para</p><p>explicações causais dos agravos de notificação compulsória, além de vir a indicar riscos aos quais as</p><p>pessoas estão sujeitas, contribuindo assim, para a identificação da realidade epidemiológica de</p><p>determinada área geográfica. A notificação individual de violência interpessoal e</p><p>autoprovocada é compulsória nos casos cujas vítimas são crianças, adolescentes,</p><p>mulheres e pessoas idosas. O Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes incluiu</p><p>também os(as) indígenas, as pessoas com deficiência e a população LGBT,</p><p>considerando a maior vulnerabilidade desses grupos.</p><p>Fonte: https://portalsinan.saude.gov.br/</p><p>75</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Segurança Pública:</p><p>Figura 27: SINESP: Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisional e sobre Drogas.</p><p>Fonte: Sinesp</p><p>Secretarias Estaduais de Segurança Pública:</p><p>75</p><p>Sociedade Civil................................................................................................................... 75</p><p>A importância dos registros feitos pelos profissionais do Susp ........................................ 77</p><p>4.2.3.3 Aula 3 - Governança e a importância do trabalho em rede ...................................... 79</p><p>Estrutura de Governança da proteção de mulheres no Brasil .......................................... 79</p><p>Disque 100 e Ligue 180 ..................................................................................................... 84</p><p>O que é trabalho em rede? ............................................................................................... 84</p><p>A(s) rede(s) de proteção.................................................................................................... 86</p><p>Como Funciona.................................................................................................................. 87</p><p>Finalizando ........................................................................................................................ 89</p><p>4.3 – Módulo III: Aspectos operacionais e táticos fundamentais para o enfrentamento da</p><p>violência contra mulheres ...................................................................................................... 90</p><p>4.3.1 Apresentação do módulo .................................................................................................. 90</p><p>4.3.2 Objetivos do módulo ......................................................................................................... 90</p><p>4.3.3 Estrutura do módulo.......................................................................................................... 91</p><p>4.3.3.1 Aula 1 – O papel dos órgãos de segurança pública no enfrentamento da violência</p><p>contra mulheres e meninas. .................................................................................................. 93</p><p>Introdução ......................................................................................................................... 93</p><p>Violência contra a mulher é um problema de segurança pública ................................... 94</p><p>O enfrentamento da violência contra a mulher como parte da política de segurança</p><p>pública ............................................................................................................................... 97</p><p>Finalizando ...................................................................................................................... 100</p><p>4.3.3.2 Aula 2 - Legislação aplicada na proteção de mulheres e meninas em seus aspectos</p><p>práticos. ............................................................................................................................... 101</p><p>Introdução ....................................................................................................................... 101</p><p>Aspectos Gerais da Legislação e Aplicação Prática ......................................................... 104</p><p>Definindo a Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher ........................................ 105</p><p>As Formas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher ..................................... 106</p><p>Aspectos Do Atendimento Às Mulheres Em Situação De Violência Doméstica ............. 107</p><p>Mas o que é revitimização? ............................................................................................ 108</p><p>Aspectos do Atendimento às Vítimas de Crimes Sexuais ............................................... 110</p><p>Medidas Protetivas de Urgência ..................................................................................... 115</p><p>Finalizando ...................................................................................................................... 117</p><p>4.3.3.3 Aula 3: Identificando a violência contra mulheres e meninas ................................ 118</p><p>Introdução ...................................................................................................................... 118</p><p>Principais aspectos da violência contra a mulher ........................................................... 118</p><p>Análise de risco ............................................................................................................... 119</p><p>Dimensões da avaliação de risco .................................................................................... 120</p><p>Fatores de Risco .............................................................................................................. 121</p><p>Fatores de proteção ........................................................................................................ 122</p><p>Classificação e gestão do risco ........................................................................................ 123</p><p>Gestão de Risco ............................................................................................................... 123</p><p>Plano de Segurança ......................................................................................................... 123</p><p>Formulário Nacional de Avaliação do Risco (FONAR) ..................................................... 124</p><p>Finalizando ...................................................................................................................... 127</p><p>4.3.3.4 Aula 4: Identificando o papel dos atores da segurança pública na redução da “rota</p><p>crítica” das vítimas de violência. .......................................................................................... 128</p><p>Introdução ....................................................................................................................... 128</p><p>Atuação da segurança pública com perspectiva de rede ............................................... 128</p><p>Rota crítica ...................................................................................................................... 131</p><p>E o papel dos atores da segurança pública na redução da “rota crítica” das vítimas de</p><p>violência?......................................................................................................................... 131</p><p>Finalizando ...................................................................................................................... 133</p><p>4.3.3.5 Aula 5: A atuação da segurança pública de modo integrado com os diferentes atores</p><p>da rede proteção e enfrentamento. .................................................................................... 134</p><p>Introdução ....................................................................................................................... 134</p><p>Atuação Integrada ........................................................................................................... 134</p><p>Vantagens de trabalhar de forma integrada .................................................................. 135</p><p>Desafios do trabalho integrado ....................................................................................... 136</p><p>A segurança pública no contexto de integração operacional ......................................... 137</p><p>Finalizando ...................................................................................................................... 140</p><p>4.3.3.6 Aula 6: Serviços especializados no atendimento a mulheres e meninas no âmbito da</p><p>segurança pública. ............................................................................................................... 141</p><p>Introdução ....................................................................................................................... 141</p><p>As Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher ................................................ 142</p><p>Atribuições das DEAMs ................................................................................................... 143</p><p>Patrulhas e Rondas Maria da Penha ............................................................................... 146</p><p>Principais características e modelo de atuação: .............................................................</p><p>Reúnem registros administrativos realizados pelas Secretarias de Segurança</p><p>Pública, seja de ocorrências ou atendimentos realizados pelas polícias civil e militar. Algumas</p><p>secretarias disponibilizam as informações em seus sites institucionais. Alguns estados (e</p><p>municípios) possuem uma publicação periódica com dados específicos sobre violência</p><p>contra a mulher, como o Rio de Janeiro, que tem o “Dossiê Mulher”, elaborado pelo Instituto</p><p>de Segurança Pública e que traz não apenas os dados, mas análises sobre os mesmos,</p><p>numa contribuição importante para a proteção das mulheres no Rio de Janeiro.</p><p>76</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística</p><p>O IBGE publica a Munic - pesquisa de informações básicas municipais onde a cada</p><p>quatro anos sai o suplemento sobre segurança pública onde é possível encontrar</p><p>informações sobre as delegacias especializadas de atendimento às mulheres em situação</p><p>de violência.</p><p>Sociedade Civil</p><p>Fórum Brasileiro de Segurança Pública:</p><p>Anuário Brasileiro de Segurança Pública se baseia em informações fornecidas pelas</p><p>secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre</p><p>outras fontes oficiais da Segurança Pública. A publicação é uma ferramenta importante para</p><p>a promoção da transparência e da prestação de contas na área, contribuindo para a melhoria</p><p>da qualidade dos dados. Além disso, produz conhecimento, incentiva a avaliação de políticas</p><p>públicas e promove o debate de novos temas na agenda do setor.</p><p>https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/</p><p>Atlas da Violência busca retratar a violência no Brasil principalmente a partir dos dados do</p><p>Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos</p><p>de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. https://forumseguranca.org.br/atlas-da-</p><p>violencia/ e https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/</p><p>Pesquisa Visível e Invisível - a Vitimização de Mulheres no Brasil foi realizada pelo</p><p>Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2017, 2019, 2021 e 2023 com o intuito levantar</p><p>informações sobre a percepção da violência contra a mulher e sobre a vitimização sofrida</p><p>segundo os tipos de agressão, o perfil da vítima e as atitudes tomadas frente à violência.</p><p>https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/03/visiveleinvisivel-2023-</p><p>relatorio.pdf</p><p>Instituto Igarapé</p><p>A EVA - Evidências sobre Violências e Alternativas para mulheres e meninas, é uma</p><p>plataforma de visualização que reúne conteúdo relevante para informar políticas públicas</p><p>voltadas para a prevenção, redução e eliminação da violência contra mulheres na América</p><p>Latina. A ferramenta mapeia casos de diversos tipos inicialmente em três países: Brasil,</p><p>77</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Colômbia e México. Os dados, que chegam ao nível municipal, estão detalhados por idade,</p><p>raça e tipo de instrumento utilizado. A plataforma mostra também a evolução dos direitos</p><p>humanos das mulheres e da igualdade de gênero, e explora a implementação de iniciativas</p><p>focadas na violência contra mulheres.</p><p>Instituto Patrícia Galvão</p><p>O Dossiê Feminicídio é uma ferramenta de suporte para que interessados de</p><p>diversas áreas: imprensa, academia, terceiro setor, governo, movimentos sociais e</p><p>interessados em geral possam pautar e debater questões fundamentais, cobrar direitos e</p><p>desconstruir discriminações, contribuindo para evitar que mortes anunciadas sigam</p><p>acontecendo sem provocar impacto na opinião pública e nem respostas satisfatórias das</p><p>instituições do Estado.</p><p>No Dossiê estão reunidas diversas pesquisas, dados, documentos e legislações de</p><p>referência. O instituto entrevistou diversas pessoas, entre especialistas, pesquisadores,</p><p>operadores da área do direito, de outras áreas que atendem vítimas, entre outros. O</p><p>resultado foi sistematizado em uma plataforma interativa para acesso via internet, com</p><p>conteúdos organizados para garantir a autonomia de quem acessa o Dossiê, seja para</p><p>consultas específicas ou para saber mais sobre o tema de um modo geral.</p><p>Monitor Da Violência - G1, Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Núcleo</p><p>de Estudos da Violência/USP</p><p>O Monitor da Violência é uma parceria do FBSP com o G1 e o Núcleo de Estudos da</p><p>Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP). O projeto começou em 2017, quando</p><p>230 jornalistas apuraram e escreveram as histórias de 1.195 pessoas que morreram de forma</p><p>violenta no país. Desde então, o painel monitora mensalmente os homicídios, latrocínios e</p><p>lesões corporais seguidas de morte no país.</p><p>Antra - Associação Nacional de Travestis e Transexuais</p><p>Publicam anualmente dossiê com dados sobre os assassinatos da população</p><p>LGBTQIA+: https://antrabrasil.org/assassinatos/</p><p>78</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Instituto DataSenado</p><p>O Instituto reúne informações e estatísticas oficiais para subsidiar a atuação</p><p>parlamentar do Senado Federal.</p><p>https://www.senado.leg.br/institucional/datasenado/paineis_dados/#/?pesquisa=viol</p><p>encia_domestica_familiar</p><p>Observatório da Mulher contra a Violência (OMV)</p><p>Reúne e sistematiza as estatísticas oficiais sobre a violência contra a mulher;</p><p>promove estudos e pesquisas, levantamento de estatísticas e outras informações relevantes,</p><p>que levem em consideração o grau de parentesco, a dependência econômica e a cor ou</p><p>etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e</p><p>familiar contra a mulher, para a sistematização de dados a serem unificados nacionalmente,</p><p>e para a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas; em apoio ao trabalho da</p><p>Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal e a Comissão Permanente Mista de</p><p>Combate à Violência contra a Mulher40. Em parceria com o Instituto DataSenado, elaborou o</p><p>Painel Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, uma plataforma interativa para</p><p>visualização, análise e download dos resultados das pesquisas de opinião sobre violência</p><p>contra a mulher. O levantamento é feito a cada dois anos e a série histórica tem início em</p><p>2005.</p><p>https://www12.senado.leg.br/institucional/omv</p><p>A importância dos registros feitos pelos profissionais do Susp</p><p>Nós vimos anteriormente como ter dados e evidências qualificadas são importantes</p><p>para a construção de políticas públicas mais eficientes. Por isso, é fundamental que os</p><p>profissionais do Susp criem ou estimulem a cultura de registro dos atendimentos realizados</p><p>com o maior número de informações possível. De registros os atendimentos de chamados</p><p>no 190 para violência doméstica, no caso das polícias militares, aos boletins de ocorrência</p><p>online ou nas delegacias de polícia, no caso das polícias civis. Quanto mais informações</p><p>disponíveis como raça/etnia, cor, idade, relação entre vítima e autor, melhor.</p><p>40 https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/pdfs/resolucao-no-7-de-2016</p><p>79</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Se eu não registro é como se determinado fenômeno não existisse. Ao fazer os</p><p>registros adequadamente, o profissional do Susp vai conseguir ter clareza sobre de que</p><p>maneira violência contra as mulheres é ou não uma demanda que se apresenta e de que</p><p>forma precisa se preparar para atuar no enfrentamento.</p><p>Os registros feitos devem ser capazes de traduzir o fenômeno que se quer</p><p>observar/estudar e prevenir, no caso de crime e violência.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Veja, na prática, como</p><p>utilizar dados e evidências em projetos e políticas locais!</p><p>Conheça a experiência do NÚCLEO DE ESTUDO E PESQUISA EM VIOLÊNCIA DE</p><p>GÊNERO E NÚCLEO POLICIAL INVESTIGATIVO DO FEMINICÍDIO – TERESINA (PI)</p><p>80</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.2.3.3 Aula 3 - Governança e a importância do trabalho em rede</p><p>Para refletir antes de começar</p><p>Fonte: O que o sol faz com as flores, 2018, p. 213</p><p>Estrutura de Governança da proteção de mulheres no Brasil</p><p>No primeiro módulo do curso você aprendeu sobre a evolução dos direitos humanos</p><p>das mulheres e os marcos normativos mais importantes para que pudéssemos chegar onde</p><p>estamos. Todos esses aspectos, obviamente, tiveram um impacto decisivo nos rumos e</p><p>aspectos do enfrentamento da violência contra as mulheres no Brasil, especialmente por</p><p>parte do poder público. Como a história nos mostra, o movimento organizado de mulheres</p><p>teve e ainda tem um papel fundamental e indispensável na aprovação de leis, influenciando</p><p>a criação de políticas e denunciando violências.</p><p>A partir, portanto, da atuação desses movimentos sociais no Brasil e no mundo e, à</p><p>medida em que os direitos humanos das mulheres foram sendo conquistados e</p><p>consolidados, conforme abordado no Módulo 1, as políticas para as mulheres foram sendo</p><p>desenhadas pelos governos e, no Brasil, temos alguns marcos importantes que nos ajudam</p><p>Figura 28: Legado</p><p>81</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>a entender como a estrutura de governança da proteção de mulheres está orientada em</p><p>nosso país, a partir de planos, pactos e legislações federais.</p><p>“a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres pelo Governo Federal, no ano de</p><p>2003, e com a realização de conferências nacionais, cujas diretrizes levaram à formulação dos Planos</p><p>Nacionais de Políticas para as Mulheres. A complexidade e a abrangência do problema da violência contra</p><p>mulheres exigiram do Governo brasileiro alterações significativas na formulação e implementação de suas</p><p>políticas públicas, motivo pelo qual os Planos Nacionais de Política para Mulheres buscaram instituir a</p><p>integração entre diversas agências públicas, níveis governamentais e setores sociais para que a atuação estatal</p><p>ocorresse de forma satisfatória. No período entre 2005 e 2015, foram elaborados pelo Governo Federal três</p><p>Planos Nacionais de Políticas para Mulheres, os quais elencaram o enfrentamento da violência como um dos</p><p>principais eixos de atuação para garantir às mulheres uma vida mais digna. Foram traçadas diversas metas,</p><p>tais como a implementação e o fortalecimento da política nacional de enfrentamento; a garantia de atendimento</p><p>integral, humanizado e de qualidade às mulheres em situação de violência doméstica; a redução dos índices</p><p>criminais; a transversalidade das temáticas de gênero e violência contra mulheres nas mais diversas políticas</p><p>públicas setoriais; a intersetorialidade entre órgãos e atores de diferentes níveis de governo (BRASIL, 2005;</p><p>BRASIL, 2008; BRASIL, 2011).”41</p><p>Estrutura de Governança da proteção de mulheres no Brasil:</p><p>⚫ 2003: Lei no 10.778, de 24 de novembro, que estabelece a Notificação</p><p>Compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida</p><p>em serviços de saúde públicos ou privados.</p><p>⚫ 2003: Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM, criada com</p><p>o objetivo de assessorar diretamente a presidência da República nos assuntos relacionados</p><p>às mulheres, buscando promover através de suas ações, a igualdade entre homens e</p><p>mulheres e combater todas as formas de preconceito e discriminação.</p><p>⚫ 2004: Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, construído a partir de</p><p>extensa consulta através de conferências em nível nacional, estadual e municipal:</p><p>https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/PNPM.pdf</p><p>⚫ 2006: Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da</p><p>Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.</p><p>⚫ 2007: Pacto Nacional pelo enfrentamento a violência contra as mulheres,</p><p>que reuniu dez Ministérios sob a coordenação da SPM, além de governos nos níveis</p><p>estaduais e municipais e também organizações sociais de mulheres.</p><p>http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/lula/pacto-</p><p>nacional-pelo-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres-2010</p><p>⚫ 2007: II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.</p><p>41 AVELINO, Victor Pereira; BARBOSA, Ycarim Melgaço. Entraves à implementação da política de</p><p>enfrentamento à violência contra mulheres: um problema de governança pública. Oikos: Família e Sociedade</p><p>em Debate, v. 31, n. 1, p.57-75, 2020. http://dx.doi.org/10.31423/oikos.v31i1.9933</p><p>82</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>⚫ 2009: Criação da Procuradoria da Mulher, no âmbito da Câmara dos</p><p>Deputados com o objetivo de zelar pela participação mais efetiva das deputadas nas</p><p>atividades da Câmara, fiscalizar e acompanhar programas do Executivo, receber denúncias</p><p>de discriminação e violência contra a mulher e cooperar com organismos nacionais e</p><p>internacionais na promoção dos direitos da mulher.42</p><p>⚫ 2010: SPM ganha Status de Ministério</p><p>⚫ 2011: Revisão do Pacto Nacional - incluiu em suas ações o fortalecimento</p><p>das redes de proteção, incremento ao acesso à justiça, garantia da aplicação da Lei Maria</p><p>da Penha em nível nacional, entre outros. https://www.compromissoeatitude.org.br/pacto-</p><p>nacional-pelo-enfrentamento-a-violencia-contra-mulheres/ .</p><p>⚫ 2010: Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres</p><p>⚫ 2011: O CNJ determina que os Tribunais de Justiça criem Coordenadorias</p><p>Estaduais das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar -- CEVID, que têm</p><p>por missão melhorar as infraestruturas judiciais, apoiar na formação de magistrados e</p><p>funcionários, criar tribunais de violência doméstica, recolher dados relevantes, tratar queixas</p><p>e corrigir falhas no sistema. Embora o nível de atividade varie de estado para estado, as</p><p>CEVIDs têm sido atores locais críticos no estabelecimento de redes multiagências de apoio</p><p>às vítimas de violência43</p><p>⚫ 2013: A Câmara dos Deputados criou uma Secretaria da Mulher (Secretaria</p><p>da Mulher), dentro da qual estão a Procuradoria da Mulher e a Coordenação dos Direitos da</p><p>Mulher (Coordenadoria da Mulher). Esta última representa a bancada feminina e tem assento</p><p>no colégio das lideranças partidárias com direito à palavra, voto e uso do plenário da casa</p><p>normalmente destinado apenas a uma líder partidária.</p><p>⚫ 2015: III Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.</p><p>⚫ 2015: Lei no 13.104, de 9 de março de 2015, que altera o artigo 121 do Código</p><p>Penal para prever o Feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e</p><p>o art. 1o da Lei no 8.072, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.</p><p>⚫ 2016: Diretrizes Nacionais para investigar, processar e julgar com perspectiva</p><p>de gênero as mortes violentas de mulheres (feminicídios), doravante 'Diretrizes Nacionais',</p><p>com base no Protocolo Modelo da ONU (Brasil, 2016): importante incentivo e incremento às</p><p>ações da segurança pública e justiça criminal</p><p>42 Saiba mais em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/secretarias/secretaria-da-</p><p>mulher/videos/10-anos-procuradoria-da-mulher</p><p>43 Macaulay, 2021</p><p>83</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>⚫ 2017: CNJ lança sua Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à</p><p>Violência contra as Mulheres</p><p>⚫ 2018: DECRETO Nº 9.586, DE 27 DE NOVEMBRO DE 2018, Institui</p><p>o</p><p>Sistema Nacional de Políticas para as Mulheres e o Plano Nacional de Combate à</p><p>Violência Doméstica.</p><p>⚫ 2019: Um Pacto Nacional pela Prevenção da Violência Doméstica foi</p><p>assinado pelos três poderes, com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Supremo</p><p>Tribunal Federal (STF) representando o Judiciário, o Ministro da Justiça, o poder executivo,</p><p>e a bancada feminina, o legislativo nacional. A SPM foi rebaixada por decreto presidencial e</p><p>reabsorvida, junto com o CNDM, em um Ministério da Justiça reestruturado.</p><p>⚫ 2019: Criação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos</p><p>- centraliza as ações na família e não nas mulheres.</p><p>⚫ 2019: o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)44 cria um Cadastro</p><p>nacional de feminicídios e violência doméstica, conforme o estabelecido na Lei Maria da</p><p>Penha, no que se refere à atuação do Ministério Público. No entanto, como a participação e</p><p>adesão dos estados não é obrigatória, nem todos os estados participam e compartilham as</p><p>informações: https://www.cnmp.mp.br/portal/violencia-domestica</p><p>⚫ 2021: Promulgada a Lei 14.232, que institui a Política Nacional de Dados e</p><p>Informações relacionadas à Violência contra as Mulheres (PNAINFO).</p><p>⚫ 2023: É criado o Ministério das Mulheres</p><p>⚫ 2023: Lei 14.550 - Garante a proteção imediata para mulheres que</p><p>denunciam violência doméstica, conferindo maior efetividade à aplicação das medidas</p><p>protetivas de urgência. Ela também estabelece que a causa ou a motivação dos atos de</p><p>violência e a condição do agressor ou da ofendida não excluem a aplicação célere da</p><p>legislação. Confira as principais mudanças:</p><p>1. Determina concessão da medida protetiva de urgência independentemente de</p><p>registro de boletim de ocorrência;</p><p>2. Concede o devido valor à palavra da vítima;</p><p>3. Determina que medidas protetivas não têm prazo;</p><p>44 O Conselho Nacional do Ministério Público -- CNMP), criado em 2004, abraçou a causa do enfrentamento</p><p>das violências contra as mulheres. No entanto, apesar de os promotores se orgulharem de sua autonomia</p><p>operacional e profissional, o processo tem sido mais desigual e menos homogêneono sentido de tornarem</p><p>operacionais as práticas de enfrentamento. No topo da pirâmide, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais</p><p>dos Estados tem uma comissão permanente sobre violência doméstica. Além disso, a maioria das</p><p>procuradorias-gerais estaduais (procuradorias) tem uma unidade de direitos da mulher na capital e algumas</p><p>também têm escritórios regionais. No estado de São Paulo, por exemplo, há o Grupo de Atuação Especial de</p><p>Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID). (Macaulay, 2021)</p><p>84</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4. Configura toda situação de violência doméstica e familiar contra a mulher como</p><p>violência baseada no gênero45.</p><p>⚫ 2023: Lei 14.541, que garante o funcionamento ininterrupto de Delegacias</p><p>Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), ou seja, durante toda a semana, finais</p><p>de semana e feriados. Não havendo a delegacia especializada em um determinado</p><p>município, a delegacia existente deverá dar prioridade ao atendimento à mulher vítima de</p><p>violência, que deve ser feito por uma agente feminina especializada nessa abordagem. A lei</p><p>prevê ainda assistência psicológica e jurídica a mulheres vítimas de violência.</p><p>https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.541-de-3-de-abril-de-2023-474874075</p><p>⚫ 2023: Lei 14.542 garante prioridade para mulheres em situação de</p><p>violência doméstica ou familiar no Sistema Nacional de Emprego (Sine), facilitando a</p><p>inserção no mercado de trabalho, no intuito de promover a autonomia financeira. Há previsão</p><p>de reserva de 10% das vagas ofertadas para intermediação. Conforme a proposição</p><p>legislativa, a possibilidade de as mulheres terem acesso à renda própria contribui para que</p><p>possam se afastar do ambiente de violência permanente em que se encontram, e estimular,</p><p>assim, o ingresso da mulher vítima de violência doméstica no mercado de trabalho:</p><p>https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.542-de-3-de-abril-de-2023-474873609</p><p>⚫ 2023: Lei 14.540 instituiu o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao</p><p>Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual: tem</p><p>validade no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e</p><p>municipal. Entre os objetivos da Lei 14.540 prevenir e enfrentar a prática do assédio sexual</p><p>e demais crimes contra a dignidade sexual e de todas as formas de violência sexual, além</p><p>de capacitar agentes públicos, implementar e disseminar campanhas educativas. O texto</p><p>prevê, adicionalmente, que qualquer pessoa que tiver conhecimento da prática de assédio</p><p>sexual e demais crimes contra a dignidade sexual tem o dever legal de denunciar e de</p><p>colaborar com os procedimentos administrativos internos e externos:</p><p>https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14540.htm</p><p>A criação das normas é fundamental, pois colocam na agenda do poder público</p><p>temas que são imprescindíveis e inegociáveis. No entanto, apenas as leis não bastam, pois,</p><p>as mesmas precisam de fiscalização, incentivo e acompanhamento em sua aplicação. A lei</p><p>que determina o funcionamento das DEAMs ininterruptamente é importante para jogar luz</p><p>na necessidade do atendimento especializado às mulheres em situação de violência, mas</p><p>45 https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2023/abril/lei-determina-protecao-</p><p>imediata-a-mulheres-que-denunciam-violencia-domestica-e-familiar</p><p>85</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>será que as polícias civis de todos os estados conseguem colocá-lo em prática? Possuem</p><p>efetivo e equipamentos para tal? Sabemos que o número de delegacias existentes não é</p><p>nem de longe suficiente para atender a demanda. Existem alternativas, como a criada por</p><p>São Paulo, que disponibiliza atendimento por videoconferência realizado por equipe</p><p>especializada, 24h, às mulheres em localidades onde não existem delegacias das mulheres.</p><p>O importante é que os estados se preocupem em capacitar todo o efetivo para que sejam</p><p>capazes de atender mulheres em situação de violência, trabalhem eles em delegacias</p><p>especializadas ou não.</p><p>Por isso, além de conhecer as normas legais, os profissionais do Susp precisam</p><p>conhecer os serviços disponíveis para atendimento e acolhimento das mulheres, sejam estes</p><p>no âmbito da segurança e da justiça ou de outra área correlata.</p><p>Disque 100 e Ligue 18046</p><p>O Disque 100 e o Ligue 180 são serviços gratuitos para denúncias de violações de</p><p>direitos humanos e de violência contra a mulher, respectivamente. Qualquer pessoa pode</p><p>fazer uma denúncia pelos serviços, que funcionam 24h por dia, incluindo sábados, domingos</p><p>e feriados. Além de cadastrar e encaminhar os casos aos órgãos competentes, a Ouvidoria</p><p>recebe reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de</p><p>atendimento.</p><p>Figura 29: Disque 100 Ligue 180</p><p>Fonte: Folha do Litoral</p><p>46 https://www.gov.br/mdh/pt-br/direitoshumanosparatodos/disque-100-e-ligue-180</p><p>86</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>O que é trabalho em rede?</p><p>O conceito de rede de enfrentamento da violência contra as mulheres se refere a</p><p>uma atuação conjunta e articulada de diferentes setores e segmentos, incluindo instituições</p><p>e serviços governamentais, não-governamentais e a comunidade, com o objetivo de</p><p>desenvolver estratégias de prevenção, além de políticas de garantia de autonomia, direitos,</p><p>direito à vida, responsabilização dos agressores, entre outras. A rede de enfrentamento</p><p>procura trabalhar em situações de combate, prevenção, assistência e garantia de direitos -</p><p>numa tentativa de dar conta da complexidade do fenômeno da violência contra as mulheres.</p><p>Para isso, uma rede de enfrentamento precisa reunir:</p><p>“agentes governamentais e não-governamentais formuladores, fiscalizadores</p><p>e executores de políticas voltadas para as mulheres (organismos de políticas para as</p><p>mulheres, ONGs feministas, movimento de mulheres, conselhos dos direitos das</p><p>mulheres, outros conselhos de controle social; núcleos de enfrentamento ao tráfico</p><p>de mulheres, etc.); para a responsabilização dos agressores; universidades; órgãos</p><p>federais, estaduais e municipais responsáveis pela garantia de direitos (habitação,</p><p>educação, trabalho, seguridade social, cultura) e serviços especializados e não-</p><p>especializados de atendimento às mulheres em situação de violência (que compõem</p><p>a rede de atendimento às mulheres em situação de violência)”47.</p><p>Já o que chamamos de “rede de atendimento” se refere ao conjunto de ações e</p><p>serviços de diferentes setores (em especial, da assistência social, da justiça, da segurança</p><p>pública e da saúde), que tem como objetivo ampliar e melhorar a qualidade do atendimento,</p><p>a identificação e o encaminhamento adequados das mulheres em situação de violência,</p><p>considerando a integralidade e a humanização do atendimento. (Brasil, 2011).</p><p>O Dossiê Feminicídio, do Instituto Patrícia Galvão, nos dá exemplos de iniciativas</p><p>que podem contribuir para a interrupção das violências e que tem como cerne a integração</p><p>de serviços:</p><p>1) Criação de serviços em todo o território nacional, com investimento financeiro</p><p>adequado;</p><p>2) Serviços integrados com acolhimento de qualidade e perspectiva de gênero:</p><p>47 https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/copy_of_acervo/outras-referencias/copy2_of_entenda-a-</p><p>violencia/pdfs/rede-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres</p><p>87</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>3) Produção de dados e indicadores para elaboração, implementação e monitoramento</p><p>das políticas públicas:</p><p>4) Promoção de ações de prevenção à violência e desconstrução das desigualdades</p><p>de gênero, envolvendo educação e mídia.</p><p>A importância da integração e, principalmente, da articulação dos serviços está em</p><p>impedir que as mulheres que precisam de ajuda entrem no que os especialistas chamam de</p><p>“rota crítica” do feminicídio: “Apesar de previsto tanto pela Lei Maria da Penha quanto por</p><p>convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, o atendimento integral às mulheres em</p><p>situação de violência ainda é um desafio a superar. Essa lacuna impõe às vítimas a chamada</p><p>‘rota crítica’ – o caminho fragmentado que a mulher percorre buscando o atendimento do</p><p>Estado, arcando com as dificuldades estruturais colocadas, como de transporte, repetindo o</p><p>relato da violência sofrida reiteradas vezes e, ainda, enfrentando muitas vezes a violência</p><p>institucional por parte de profissionais que, pouco sensibilizados, reproduzem discriminações</p><p>contra as mulheres nos serviços de atendimento .”48</p><p>A(s) rede(s) de proteção</p><p>As redes de proteção, compreendidas entre redes de enfrentamento e de</p><p>atendimento possuem as seguintes características:</p><p>48 https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/feminicidio/capitulos/quais-sao-os-servicos-existentes-e-seus-</p><p>limites/</p><p>“A integração e o fluxo dos serviços são fundamentais no atendimento para garantir que,</p><p>uma vez rompida a barreira inicial da denúncia, a mulher seja efetivamente atendida e</p><p>tenha sua integridade preservada.”</p><p>Jacqueline Pitanguy, socióloga, cientista política e Coordenadora da ONG CEPIA –</p><p>Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação.</p><p>“É importante conhecer a dimensão da violência contra as mulheres para poder enfrentá-</p><p>la e adotar políticas coordenadas nos locais onde estão os maiores índices. Para adotar</p><p>medidas mais efetivas, é preciso ter dados que relacionem, por exemplo, as</p><p>interseccionalidades de raça e idade com a violência de gênero.”</p><p>Valéria Diez Scarance Fernandes, promotora de Justiça e coordenadora-geral da</p><p>Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher</p><p>(Copevid).</p><p>88</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Fonte: Secretaria de Política para as Mulheres, pg. 15.</p><p>https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/copy_of_acervo/outras-</p><p>referencias/copy2_of_entenda-a-violencia/pdfs/rede-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres</p><p>Conheça um exemplo de trabalho em rede, a Casa da Mulher Brasileira, um</p><p>programa criado pelo governo federal e que reúne diversas frentes de atendimento às</p><p>mulheres em situação de violência.</p><p>A Casa da Mulher Brasileira integra em um mesmo espaço físico serviços</p><p>especializados para os mais diversos tipos de violência contra as mulheres. Ali é possível</p><p>encontrar profissionais dos diversos serviços de atendimento, começando por acolhimento e</p><p>triagem; apoio psicossocial; delegacia; Juizado; Ministério Público, Defensoria Pública;</p><p>promoção de autonomia econômica; cuidado das crianças – brinquedoteca; alojamento de</p><p>passagem e central de transportes.</p><p>Como Funciona</p><p>Acolhimento e Triagem: O serviço da equipe de acolhimento e triagem é a porta de</p><p>entrada e onde espera-se que seja criado um laço de confiança com a mulher que procura</p><p>atendimento de maneira a agilizar os encaminhamentos e iniciar os atendimentos prestados</p><p>pelos outros serviços da Casa, ou pelos demais serviços da rede, quando necessário.</p><p>Equipe multidisciplinar: A equipe multidisciplinar presta atendimento psicossocial</p><p>continuado e dá suporte aos demais serviços da Casa. O trabalho dessa equipe tem por</p><p>objetivo principal auxiliar as mulheres a lidarem com o impacto da violência que sofreram,</p><p>num processo de resgate da autoestima, da autonomia e da cidadania.</p><p>Delegacia: Presença de uma unidade da Delegacia Especializada de Atendimento</p><p>à Mulher (Deam), da Polícia Civil para ações de prevenção, proteção e investigação dos</p><p>crimes, sejam os de violência doméstica ou sexual, entre outros.</p><p>89</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Juizado/Vara Especializada: Os juizados/varas especializadas de Violência</p><p>Doméstica e Familiar contra a Mulher são os órgãos da Justiça responsáveis por processar,</p><p>julgar e executar as causas resultantes de violência doméstica e familiar, conforme previsto</p><p>na Lei Maria da Penha.</p><p>Ministério Público: A Promotoria Especializada do Ministério Público promove a</p><p>ação penal nos crimes de violência contra as mulheres. Além disso, atua na fiscalização dos</p><p>serviços da rede de atendimento.</p><p>Defensoria Pública: É o Núcleo Especializado da Defensoria Pública que orienta as</p><p>mulheres sobre seus direitos, presta assistência jurídica e acompanha todas as etapas do</p><p>processo judicial, de natureza cível ou criminal.</p><p>Promoção de Autonomia Econômica: Podemos considerar esse serviço uma das</p><p>“portas de saída” da situação de violência para as mulheres. Educação financeira, qua-</p><p>lificação profissional e inserção no mercado de trabalho podem ajudar as mulheres a</p><p>romperem com os ciclos de violência nos quais estão inseridas. Em situações onde as</p><p>mulheres não tenham condições de sustento próprio e/ou de seus filhos, podem solicitar sua</p><p>inclusão em programas de assistência e de inclusão social dos governos federal, estadual e</p><p>municipal.</p><p>Central de Transportes: A Casa da Mulher Brasileira também proporciona o</p><p>deslocamento de mulheres atendidas na Casa da Mulher Brasileira para os demais serviços</p><p>da Rede de Atendimento: saúde, rede socioassistencial (CRAS e CREAS), medicina legal e</p><p>abrigamento, entre outros.</p><p>Brinquedoteca: Acolhe crianças de 0 a 12 anos de idade, que acompanhem as</p><p>mulheres, enquanto</p><p>estas aguardam o atendimento.</p><p>Alojamento de Passagem: A casa conta ainda com um espaço de abrigamento</p><p>temporário de até 24h para mulheres em situação de violência, acompanhadas ou não de</p><p>seus filhos e que corram risco iminente de morte.</p><p>Serviços de Saúde: É possível receber também atendimento de saúde nas Casas.</p><p>Nos casos de violência sexual, a contracepção de emergência e a prevenção de doenças</p><p>sexualmente transmissíveis/aids devem ocorrer em até 72h. Além do atendimento de</p><p>urgência, os serviços de saúde também oferecem acompanhamento médico e psicossocial.</p><p>90</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Caso queiram saber mais sobre os serviços de atendimento disponíveis, é possível</p><p>consultar, por exemplo, o Observatório da Mulher contra a Violência, do Senado Federal,</p><p>que disponibiliza informações sobre os serviços especializados de atendimento às mulheres</p><p>em situação de violência em todo o Brasil:</p><p>https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/acoes-contra-violencia/servicos-</p><p>especializados-de-atendimento-a-mulher</p><p>O Mapa do Acolhimento, uma iniciativa da sociedade civil, apresenta um mapa de</p><p>serviços públicos de atendimento às mulheres:</p><p>Disponível em: https://queroseracolhida.mapadoacolhimento.org/</p><p>Além da possibilidade de disponibilizarem atendimento psicológico e jurídico gratuito.</p><p>Outra iniciativa nesse sentido, também da sociedade civil, é o Justiceiras, projeto do</p><p>Instituto Justiça de Saia que também oferece atendimentos jurídico e psicológico para</p><p>mulheres em situação de violência.</p><p>Finalizando</p><p>Neste módulo, você aprendeu que:</p><p>✓ As violências contra a mulher vêm crescendo nos últimos anos;</p><p>✓ As violências doméstica e a sexual acontecem principalmente nas casas de</p><p>meninas e mulheres, local onde deveriam estar seguras;</p><p>✓ O principal autor dessas violências é alguém conhecido, muitas vezes com</p><p>vínculo familiar;</p><p>✓ São as mulheres negras as mais vulneráveis;</p><p>✓ Existem diferentes fontes de dados, diferentes maneiras de registrar</p><p>informações e na maioria das vezes os dados disponíveis não são comparáveis. Cada setor</p><p>faz (ou deveria fazer) seu próprio registro, sem que haja uma padronização;</p><p>✓ A Lei que cria a PNAINFO - Política Nacional de Dados e Informações</p><p>relacionadas à Violência contra as Mulheres está vigente, mas não saiu do papel;</p><p>✓ Existe uma estrutura de governança e as principais políticas públicas para o</p><p>enfrentamento da violência contra mulheres no Brasil;</p><p>✓ É importante utilizar os dados disponíveis para orientar as suas ações - por isso</p><p>é fundamental saber onde encontrá-los;</p><p>91</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>✓ É fundamental que os profissionais do Susp saibam produzir dados e registros</p><p>dos atendimentos que realizam;</p><p>✓ Para o enfrentamento das violências baseadas em gênero, é importante a</p><p>atuação em rede;</p><p>92</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.3 – Módulo III: Aspectos operacionais e táticos fundamentais para o</p><p>enfrentamento da violência contra mulheres</p><p>4.3.1 Apresentação do módulo</p><p>Este módulo abordará os aspectos operacionais e táticos do enfrentamento e</p><p>prevenção das diferentes formas de violência contra mulheres e meninas. Considerando que</p><p>as forças de segurança pública dedicam boa parte de seu trabalho ao atendimento de</p><p>ocorrências relativas ao tema e que nem sempre a unidade ou setor demandado será uma</p><p>unidade ou serviço especializado, faz-se necessário que todos os (as) profissionais do Susp,</p><p>além do conhecimento sobre a legislação, saibam aplicar os protocolos previstos aos casos</p><p>concretos, sob uma perspectiva de atendimento empático e humanizado às mulheres e</p><p>meninas em situação de violência.</p><p>Para tanto, nesta etapa do curso, além de revisitar a legislação básica e seu emprego</p><p>prático, vamos refletir sobre o lugar da Segurança Pública como uma das principais portas</p><p>de entrada dos casos de violência contra a mulher ao sistema Justiça Criminal, bem como</p><p>refletir sobre a importância da atuação dos órgãos em rede como forma de evitar a</p><p>revitimização e a violência institucional na jornada das vítimas.</p><p>Discutiremos os desafios da atuação nos casos envolvendo profissionais do Susp na</p><p>condição de vítimas ou autores de violência contra a mulher. E entraremos em contato com</p><p>algumas das boas práticas consolidadas no campo da segurança pública na temática do</p><p>enfrentamento e prevenção da violência contra a mulher, que vêm se notabilizando pelo</p><p>reconhecimento social, eficiência e bons resultados.</p><p>4.3.2 Objetivos do módulo</p><p>Este módulo tem por objetivos:</p><p>● Compreender o lugar de importância do enfrentamento da violência contra</p><p>mulheres e meninas no campo da segurança pública;</p><p>● Identificar a importância da atuação em rede no enfrentamento da violência</p><p>contra mulheres e meninas;</p><p>93</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>● Conhecer os instrumentos e experiências nacionais voltados para o</p><p>enfrentamento da violência contra mulheres, a exemplo do formulário de risco, as delegacias</p><p>especializadas, patrulha Maria da Penha, entre outros;</p><p>● Conhecer e saber utilizar as principais ferramentas voltadas à avaliação de</p><p>risco de mulheres em situação de violência;</p><p>● Saber identificar os diferentes níveis de prevenção da violência direcionada a</p><p>mulheres e meninas;</p><p>● Conhecer os principais protocolos e diretrizes para atendimento de mulheres e</p><p>meninas em situação de violência;</p><p>● Saber atuar no atendimento de mulheres integrantes de povos originários,</p><p>meninas, idosas e deficientes.</p><p>4.3.3 Estrutura do módulo</p><p>Este módulo compreende as seguintes aulas:</p><p>Aula 1 - O papel dos órgãos de segurança pública no enfrentamento da</p><p>violência contra mulheres e meninas</p><p>Aula 2 - Legislação aplicada na proteção de mulheres e meninas em seus</p><p>aspectos práticos</p><p>Aula 3 - Identificando a violência contra mulheres e meninas</p><p>Aula 4 - Identificando o papel dos atores da segurança pública na redução</p><p>da “rota crítica” das vítimas de violência</p><p>Aula 5 - A atuação da segurança pública de modo integrado com os</p><p>diferentes atores da rede proteção e enfrentamento</p><p>Aula 6 - Serviços especializados no atendimento a mulheres e meninas</p><p>1</p><p>2</p><p>3</p><p>4</p><p>5</p><p>6</p><p>94</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>no âmbito da segurança pública</p><p>Aula 7 - Desafios da atuação quando os autores ou vítimas de violência</p><p>contra a mulher são profissionais de segurança pública.</p><p>Aula 8 - Boas Práticas: Grupos Reflexivos para profissionais de</p><p>segurança autores de violência doméstica e familiar</p><p>7</p><p>8</p><p>95</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.3.3.1 Aula 1 – O papel dos órgãos de segurança pública no</p><p>enfrentamento da violência contra mulheres e meninas.</p><p>Introdução</p><p>Atuar frente aos diferentes tipos de violência e crimes contra mulheres representa</p><p>parte importante do trabalho realizado por profissionais de segurança pública e o tema vem</p><p>ocupando espaço de relevância na agenda das instituições.</p><p>As estatísticas de agressões sexuais, violência doméstica e outras formas de</p><p>violência de gênero denunciadas às forças policiais seguem aumentando. E esse fenômeno</p><p>pode ou não ser devido a um aumento</p><p>real do número de agressões cometidas, sendo</p><p>possível que, o aumento dos registros seja, em parte, devido à maior conscientização social</p><p>de que esses atos constituem crime.</p><p>Especificamente em relação às chamadas emergenciais, via 190, cabe destacar o</p><p>estudo do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 apontado que, entre os anos de</p><p>2020 e 2021, houve o acionamento cada vez mais frequente das polícias em contextos de</p><p>violência doméstica.</p><p>“O aumento das chamadas de emergência especificamente para situações que envolvem violência</p><p>doméstica é um sinal de que as polícias militares dos estados estão sendo cada vez mais demandadas a</p><p>atuarem nesses casos ou, ao menos, a prestarem um atendimento inicial. O que reforça a importância de não</p><p>apenas os efetivos das unidades especializadas no atendimento às mulheres em situação de violência, mas</p><p>todo o efetivo policial estar sensibilizado e capacitado para atender essas mulheres. Sabendo que as</p><p>complexidades da violência doméstica podem fazer com que uma mulher chame por socorro, desistindo depois</p><p>de ir à frente com a denúncia, e que sinta medo, culpa ou vergonha de pedir ajuda e romper com o ciclo de</p><p>violência no qual está inserida, o atendimento de emergência e adequado acolhimento e encaminhamento se</p><p>tornam extremamente importantes. Um mau atendimento nesse momento pode significar perdermos essa</p><p>mulher para sempre.” (Anuário Brasileiro de Segurança Pública, FBSP, 2022, p.7)</p><p>Fato é que esse fenômeno impacta diretamente a atuação dos profissionais de</p><p>segurança pública, independente do órgão de atuação, os quais precisam estar preparados</p><p>para atender às vítimas de forma técnica e humanizada, compreendendo a complexidade da</p><p>situação, a multicausalidade desse tipo de violência e o contexto de vulnerabilidade das</p><p>vítimas.</p><p>Atenção!</p><p>Não banalizar as situações de violência ou julgar as vítimas é o primeiro passo para</p><p>um bom atendimento. É necessário valorizar a palavra da vítima oferecendo-lhe uma escuta</p><p>96</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>empática e acolhedora. Muitas mulheres vítimas de violência relatam a dificuldade de serem</p><p>ouvidas pelos profissionais que as atendem.</p><p>Na Prática</p><p>Antes de prosseguir leia o texto: “Escutatória” de Rubem Alves, clicando no link abaixo:</p><p>Escutatória - Rubem Alves</p><p>Violência contra a mulher é um problema de segurança pública</p><p>Embora atualmente possa parecer óbvio que violência contra a mulher é uma</p><p>questão de segurança pública, especialmente porque hoje há mudanças significativas e</p><p>investimentos nessa temática dentro do campo da segurança pública brasileira, nem sempre</p><p>as violências de caráter doméstico ou de gênero, ou seja, as que mais acometem as</p><p>mulheres e meninas, ocuparam lugar de prestígio na agenda da segurança pública. As</p><p>primeiras iniciativas na área da segurança pública voltadas para o atendimento especializado</p><p>de mulheres datam dos anos 1980 e foram desenvolvidas pela Polícia Civil através das</p><p>Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.</p><p>A legalidade é um dos princípios que devem orientar a atuação de todo cidadão, em</p><p>especial os agentes públicos. Ainda assim, se torna importante identificar claramente qual o</p><p>papel dos órgãos da segurança pública no enfrentamento da violência contra</p><p>mulheres. A principal referência sobre a finalidade da segurança pública e as atribuições</p><p>das forças de segurança pública é a Constituição Federal em seu artigo 144:</p><p>Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para</p><p>a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:</p><p>I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V -</p><p>polícias militares e corpos de bombeiros militares. VI - polícias penais federal, estaduais e distrital.</p><p>[...]</p><p>§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens,</p><p>serviços e instalações, conforme dispuser a lei.</p><p>É quase que indissociável a relação entre segurança pública e repressão criminal,</p><p>não por acaso, de acordo com Rossoni & Herkenhoff (2017: 342), “as primeiras análises da</p><p>segurança pública fazem referência, sobretudo, à ordem pública e à repressão criminal.</p><p>Decerto, ao se preservar a segurança pública, garante-se o valor da convivência pacífica e</p><p>harmoniosa, minimizando-se a violência das relações humanas”.</p><p>97</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>O artigo 144 estabelece que a segurança pública é exercida para a preservação da</p><p>ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Portanto, a compreensão</p><p>sobre o direito à incolumidade, ou seja, o direito de “estar em segurança”, é o ponto de partida</p><p>para atuação dos órgãos de segurança pública, através de seus agentes, no enfrentamento</p><p>da violência contra mulheres e meninas.</p><p>É igualmente importante considerar que a Constituição Federal de 1988, em seu art.</p><p>226, § 8°, antes da existência de legislação específica sobre o tema, já destacava o papel</p><p>do Estado na proteção da família contra a violência doméstica: “Art. 226. A família, base da</p><p>sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 8º O Estado assegurará a assistência à</p><p>família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a</p><p>violência no âmbito de suas relações.”</p><p>As missões constitucionais dos órgãos dentro do sistema de segurança ditarão seus</p><p>papéis específicos no trato com essas vítimas. Sendo que ao longo de sua jornada, uma</p><p>mesma vítima de violência poderá passar por atendimentos em distintos órgãos do sistema</p><p>de segurança pública e defesa social.</p><p>É importante compreender a gravidade e o tipo de vitimização que acomete</p><p>especificamente esse grupo vulnerável e que, em grande parte, a violência é praticada por</p><p>pessoas próximas ou do círculo familiar, havendo, portanto, uma significativa probabilidade</p><p>dessa violência se repetir ou se agravar, mesmo após a intervenção de algum órgão de</p><p>segurança pública. Daí a importância da qualidade do primeiro atendimento.</p><p>Segundo Rossoni & Herkenhoff (2017: 343), “prestar o serviço de segurança pública</p><p>significa não apenas tentar impedir ou, pelo menos, punir os atos lesivos, como também</p><p>reduzir suas consequências quando não foi possível preveni-los”. Embora as ações de</p><p>segurança pública tenham em sua essência o caráter preventivo, ou seja, mesmo aquelas</p><p>de caráter repressivo também têm sua parcela de prevenção, fato é que a maioria das</p><p>instituições de segurança pública atuam após a ocorrência do fato.</p><p>Partindo desse pressuposto, é preciso ampliar o olhar do profissional de segurança</p><p>pública, geralmente focado no crime e no criminoso, ou seja, na elucidação do crime, nas</p><p>provas, na prisão do autor, para também incluir a vítima como vértice importante de um</p><p>triângulo onde se localizam: o crime, o autor e a vítima.</p><p>98</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 30: Triângulo do crime</p><p>Fonte: Criado por Orlinda Claudia Rosa de Moraes</p><p>Sobre esse aspecto Rossoni & Herkenhoff (2017) destacam o quão recente é a</p><p>atenção e o olhar para a vítima e o quanto esta foi relegada a um papel secundário e</p><p>frequentemente esquecido como parte do fenômeno criminal.</p><p>“Os primeiros estudos sobre a vítima surgiram principalmente com Mendelsohn e Von Henrig. No</p><p>Brasil, somente na década de 1970, essas pesquisas se desenvolveram, sobretudo com a criação da</p><p>Sociedade Brasileira de Vitimologia. Apesar desse progresso, a produção brasileira é, ainda, muito tímida.</p><p>Grande parte das vítimas sobreviventes tende a</p><p>sofrer algum tipo de trauma, síndrome ou sequela, sem</p><p>despertar, com raras exceções, maior preocupação preventiva e corretiva por parte do poder público, salvo o</p><p>encaminhamento para a rede hospitalar em caso de trauma físico (ferimentos corporais).” ROSSONI &</p><p>HERKENHOFF (2017: 344)</p><p>Esse olhar especial para as vítimas não deve se restringir às medidas relativas à</p><p>apuração do fato, tais como: coleta de provas, depoimentos ou identificação da autoria, que</p><p>são elementos fundamentais para elucidação de crimes e responsabilização dos autores.</p><p>Deve-se também incluir uma perspectiva de humanização e sensibilidade no atendimento às</p><p>vítimas.</p><p>Torna-se, portanto, necessário aprofundarmos a compreensão acerca do processo</p><p>de vitimização, sendo que Terres (2019), a partir da perspectiva dos estudos criminológicos,</p><p>apresenta o processo de vitimização da seguinte forma:</p><p>A vitimização é o processo de sofrimento dos efeitos de um crime, experimentado em três formas</p><p>distintas: (1) com o sofrimento direto ou indireto dos danos de ordem física, mental, estética, mental e/ou</p><p>99</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>material; (2) com o incremento do sofrimento em decorrência da interferência do próprio Sistema de Justiça</p><p>Criminal e; (3) com o prolongamento do sofrimento em razão do julgamento do comportamento da vítima por</p><p>parte da sociedade. TERRES (2019:51).</p><p>Desse modo, identifica-se a existência de uma vitimização primária, secundária e</p><p>terciária, definidas por Antônio Garcia Pablos de Molina. Sendo a vitimização primária, o</p><p>sofrimento ou dano imediatamente causado pelo crime. A vitimização secundária é</p><p>ocasionada pelo sofrimento ocasionado em decorrência da intervenção do Sistema de</p><p>Justiça Criminal e pode ser materializado na dor de reviver os fatos nos depoimentos, na</p><p>realização de exames periciais ou mesmo em ter que encontrar acusado em juízo. Já a</p><p>vitimização terciária se refere ao processo de julgamento social do comportamento da vítima.</p><p>Esses aspectos da vitimização devem ser considerados nos atendimentos realizados</p><p>às vítimas de crimes de qualquer natureza e, especialmente, em relação ao atendimento de</p><p>grupos vulneráveis como mulheres e meninas.</p><p>Ao longo dessa unidade do curso mostraremos, através de exemplos e boas</p><p>práticas, como é possível oferecer um atendimento eficiente, profissional e humanizado às</p><p>mulheres e meninas vítimas de violência.</p><p>O enfrentamento da violência contra a mulher como parte da política de segurança</p><p>pública</p><p>Preliminarmente é necessário contextualizar política pública, pois muito se fala sobre</p><p>a necessidade de implantação de políticas públicas em distintas áreas de atuação estatal. A</p><p>área de prevenção e enfrentamento à violência contra mulher, assim como em outras áreas,</p><p>tem na multisetorialidade um fator importante a ser considerado, pois as ações demandam</p><p>profunda articulação entre diferentes atores e instituições relacionadas ao problema.</p><p>Segundo Amaral (2008) a função que o Estado desempenha em nossa sociedade</p><p>sofreu inúmeras transformações ao passar do tempo. Sendo que no século XVIII e XIX, seu</p><p>principal objetivo era a segurança interna e a defesa externa em caso de ataque inimigo.</p><p>Com o aprofundamento e expansão da democracia, as responsabilidades do Estado se</p><p>diversificaram de modo que, atualmente, é comum se afirmar que a função do Estado é</p><p>promover o bem-estar da sociedade.</p><p>Para atingir resultados em diversas áreas e promover o bem-estar da sociedade, os</p><p>governos desenvolvem as “Políticas Públicas” que, em linhas gerais, podem ser definidas da</p><p>seguinte forma: “Políticas Públicas são um conjunto de ações e decisões do governo,</p><p>voltadas para a solução (ou não) de problemas da sociedade”.</p><p>100</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Embora o enfrentamento da violência contra a mulher faça parte da atuação</p><p>cotidiana dos órgãos de segurança pública, existem instrumentos formais que tornam cada</p><p>vez mais institucionalizada essa atuação, destacando-se nesse contexto a Lei nº</p><p>13.675/2018 e a Lei nº. 11.340/2006.</p><p>A Lei nº 13.675/2018, dentre outras medidas, disciplina a organização e o</p><p>funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, bem como cria a Política</p><p>Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), tendo a finalidade de</p><p>preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio de</p><p>atuação conjunta, coordenada, sistêmica e integrada dos órgãos de segurança pública</p><p>e defesa social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em</p><p>articulação com a sociedade.</p><p>À primeira vista a PNSPDS contempla a temática de forma genérica, considerando</p><p>que dentre seus princípios estão a proteção dos direitos humanos, o respeito aos</p><p>direitos fundamentais e a promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana.</p><p>E também se verifica como uma de suas diretrizes o atendimento prioritário, qualificado</p><p>e humanizado às pessoas em situação de vulnerabilidade.</p><p>Entretanto, a PNSPDS se torna mais enfática ao definir (art. 8, VII) os meios e</p><p>instrumentos para a implementação da PNSPDS, destacando-se o Plano Nacional de</p><p>Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher dentre as ações pertinentes às</p><p>políticas de segurança a serem implementadas em conjunto com os órgãos e instâncias</p><p>estaduais, municipais e do Distrito Federal responsáveis pela rede de prevenção e de</p><p>atendimento das mulheres em situação de violência (incluído pela Lei nº 14.330, de 2022).</p><p>A Lei nº. 11.340 de 07 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha,</p><p>que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, traz</p><p>importante sinalização sobre o papel das forças de segurança pública no contexto da política</p><p>pública de proteção às mulheres em situação de violência.</p><p>Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por</p><p>meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de</p><p>ações não-governamentais, tendo por diretrizes:</p><p>I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com</p><p>as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;</p><p>[...]</p><p>IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas</p><p>Delegacias de Atendimento à Mulher;</p><p>[...]</p><p>VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de</p><p>Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões</p><p>de gênero e de raça ou etnia;</p><p>101</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>A Lei Maria da Penha fala da integração operacional entre os órgãos do sistema de</p><p>justiça e os órgãos da segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e</p><p>habitação. Essa integração entre os órgãos ou atuação em rede é fundamental para garantir</p><p>o atendimento integral às vítimas de violência, reduzindo a possibilidade de revitimização ou</p><p>violência institucional.</p><p>Percebemos até aqui que os órgãos do sistema de segurança pública integram a</p><p>rede proteção às mulheres em situação de violência e têm seu papel formalmente</p><p>reconhecido nas políticas públicas voltadas à prevenção e enfrentamento da violência contra</p><p>mulheres e meninas.</p><p>A atuação dos profissionais de segurança pública não se restringe às unidades ou</p><p>setores especializados no atendimento a mulheres, pois grande parte das ocorrências se</p><p>dão no cotidiano, no dia a dia dos serviços não especializados, razão pela qual todos devem</p><p>estar capacitados</p><p>e sensibilizados para o atendimento.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Tipos de prevenção: prevenção primária, secundária e terciária.</p><p>1 - A prevenção primária tem como objetivo principal o combate aos fatores indutores</p><p>da criminalidade antes que eles incidam sobre o indivíduo. Atua na raiz do delito,</p><p>neutralizando o problema antes que ele apareça. Este tipo de prevenção busca afastar as</p><p>condições responsáveis pelo aumento da criminalidade. Para que essa modalidade de</p><p>prevenção produza os efeitos esperados, é necessário um investimento de longo e médio</p><p>prazo.</p><p>2 - A prevenção secundária consiste em medidas voltadas aos indivíduos</p><p>predispostos a padecer ou protagonizar o problema criminal. Esse tipo de prevenção opera</p><p>a médio e curto prazo e age quando e onde ocorre o crime. Além disso, a prevenção</p><p>secundária procura produzir nos indivíduos um respeito pela norma que os dissuada de violá-</p><p>la.</p><p>3 - A prevenção terciária, por sua vez, refere-se aos indivíduos com passado delituoso</p><p>e busca estimular nova conduta por meio das medidas de punição e ressocialização do</p><p>processo de execução penal visando prevenir a reincidência.</p><p>102</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Na Prática</p><p>Reflita sobre os três tipos de prevenção e identifique de que forma eles podem ser aplicados</p><p>ao problema da violência contra mulher.</p><p>Finalizando</p><p>Neste módulo, você aprendeu que:</p><p>● A violência contra a mulher é fenômeno impacta diretamente a atuação dos</p><p>profissionais de segurança pública;</p><p>● A escuta e o acolhimento são elementos importantes no atendimento de</p><p>mulheres e meninas vítimas de violência;</p><p>● A violência contra a mulher é um problema de segurança pública.</p><p>● A prevenção da violência contra a mulher faz parte da Política Nacional de</p><p>Segurança Pública e Defesa Social, integrando formalmente a agenda de atuação dos</p><p>órgãos do Sistema de Segurança Pública e Defesa Social.</p><p>103</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.3.3.2 Aula 2 - Legislação aplicada na proteção de mulheres e meninas</p><p>em seus aspectos práticos.</p><p>Introdução</p><p>A legalidade é a base da atuação dos profissionais de segurança pública em um</p><p>estado democrático de direito. Nesse contexto, mais do que o conhecimento da letra da lei,</p><p>espera-se desses profissionais uma atuação prática que reflita, além do entendimento</p><p>jurídico, a compreensão dos fatores históricos e sociais que envolvem um tema tão complexo</p><p>como é a violência contra mulheres e meninas.</p><p>Preliminarmente, cabe relembrar que o Estado Brasileiro é signatário de tratados</p><p>internacionais de Direitos Humanos voltado à proteção dos direitos humanos das mulheres,</p><p>como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a</p><p>Mulher - “Convenção de Belém do Pará (1994) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas</p><p>as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU 1979).</p><p>Buscando um panorama mais amplo, o quadro a seguir traça uma linha do tempo da</p><p>proteção jurídica das mulheres na legislação brasileira:</p><p>1934 A Constituição de 1934 estabeleceu o direito ao voto feminino,</p><p>ainda que facultativo;</p><p>1962 O Estatuto da Mulher Casada deferiu que a mulher não mais</p><p>precisava da autorização do marido para trabalhar fora, receber herança,</p><p>comprar ou vender imóveis, assinar documentos e até viajar;</p><p>1977 O matrimônio deixou de ser indissolúvel com a Lei do Divórcio;</p><p>1988 A Constituição Federal estabelece a proibição de diferença</p><p>salarial, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de</p><p>sexo, idade, cor ou estado civil, dentre outros direitos – artigo 3º, artigo 5º,</p><p>inciso I, artigo 7º, incisos XVIII, XIX, XX, XV, XXX;</p><p>1990 O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece igualdade de</p><p>condições do pai e da mãe no exercício do pátrio poder;</p><p>104</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>1995 A Lei nº 9.029 traz a proibição da exigência de atestados de</p><p>gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos</p><p>admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho e dá outras</p><p>providências. Ainda, proibiu a adoção de qualquer prática discriminatória e</p><p>limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua</p><p>manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação</p><p>familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros,</p><p>ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao</p><p>adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal;</p><p>1999 A Lei nº 9.799 traz dispositivos sobre a proteção do trabalho da</p><p>mulher - Da Duração, Condições do Trabalho e da Discriminação Contra a</p><p>Mulher – Artigos: 372 a 400 da CLT;</p><p>2001 A Lei nº 10.224 inclui o tipo penal de “Assédio Sexual”, no</p><p>Código Penal Brasileiro;</p><p>2002 A falta de virgindade deixou de ser motivo para anulação do</p><p>casamento;</p><p>2005 O termo “mulher honesta” foi retirado do Código Penal;</p><p>2006 A Lei Maria da Penha é sancionada para coibir e prevenir a</p><p>violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art.</p><p>226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas</p><p>as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para</p><p>Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados</p><p>internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre</p><p>a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher;</p><p>e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação</p><p>de violência doméstica e familiar;</p><p>2015 A Lei do Feminicídio torna crime hediondo o assassinato de</p><p>mulheres em decorrência de violência doméstica ou discriminação de</p><p>gênero;</p><p>2015 A Lei nº 13.112 dá às mães o direito de registrar filhos no cartório</p><p>sem a presença do pai;</p><p>2017 A Lei 13.505 acrescenta dispositivos à Lei Maria da Penha dispondo</p><p>sobre o direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar de</p><p>ter atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado,</p><p>preferencialmente, por servidores do sexo feminino.</p><p>2018 A Lei nº 13.718 criminaliza a conduta de importunação sexual e</p><p>105</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>altera disposições sobre os crimes contra a dignidade sexual;</p><p>2018 A Lei nº 13.641 tipifica o crime de descumprimento de medidas</p><p>protetivas de urgência;</p><p>2018 A Lei nº 13.772 dispõe sobre o registro não autorizado da</p><p>intimidade sexual;</p><p>2019 A Lei nº 13.894 proporciona a prioridade de divórcio para vítimas</p><p>de violência doméstica e prevê a competência dos Juizados de Violência</p><p>Doméstica e Familiar Contra a Mulher para a ação de divórcio, separação,</p><p>anulação de casamento ou dissolução de união estável nos casos de</p><p>violência;</p><p>2019 A Lei nº 13.827 autoriza a aplicação de medida protetiva de</p><p>urgência pela autoridade policial;</p><p>2019 A Lei nº 13.836 torna obrigatória a informação sobre a condição de</p><p>pessoa com deficiência da mulher vítima de agressão doméstica ou</p><p>familiar;</p><p>2019 A Lei nº 13.871 dispõe sobre a responsabilidade do agressor pelo</p><p>ressarcimento dos custos relacionados aos serviços de saúde prestados</p><p>às vítimas de violência doméstica e familiar;</p><p>2019 A Lei nº 13.880 dispõe sobre a apreensão da arma de fogo sob</p><p>posse de agressor nos casos de violência doméstica;</p><p>2019 A Lei nº 13.882 garante matrícula dos dependentes da mulher</p><p>vítima de violência em instituição de educação básica mais próxima de seu</p><p>domicílio;</p><p>2019 A Lei nº 13.931 dispõe sobre a notificação compulsória dos casos</p><p>de suspeita de violência</p><p>doméstica contra a mulher;</p><p>2020 A Lei nº 13.984 estabelece a obrigatoriedade referente ao agressor,</p><p>que deve frequentar centros de educação e reabilitação e fazer</p><p>acompanhamento psicossocial;</p><p>2021 A Lei nº 14.132 inclui artigo no Código Penal (CP) para tipificar os</p><p>crimes de perseguição (stalking);</p><p>2021 A Lei nº 14.164 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação</p><p>Nacional para incluir conteúdo sobre a prevenção à violência contra a</p><p>mulher nos currículos da educação básica, além de instituir a Semana</p><p>Escolar de Combate à violência contra a Mulher, a ser celebrada todos os</p><p>anos no mês de março;</p><p>106</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>2021 A Lei nº 14.149 que institui o Formulário Nacional de Avaliação</p><p>de Risco, com o intuito de prevenir feminicídios;</p><p>2021 Lei nº 14.188 define o programa de cooperação Sinal Vermelho</p><p>contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento</p><p>da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340,</p><p>de 7 de agosto de 2006 e altera o Código Penal, para modificar a</p><p>modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por</p><p>razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência</p><p>psicológica contra a mulher</p><p>2022 A Lei nº 14.310 altera a Lei Maria da Penha para determinar o</p><p>registro imediato, pela autoridade judicial, das medidas protetivas de</p><p>urgência deferidas em favor da mulher em situação de violência doméstica</p><p>e familiar, ou de seus dependentes.</p><p>2023 A Lei 14.550 altera a Lei Maria da Penha para dispor sobre as</p><p>medidas protetivas de urgência e estabelecer que a causa ou a motivação</p><p>dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida não excluem</p><p>a aplicação da Lei.</p><p>Esta linha do tempo demonstra o longo caminho na evolução e consolidação dos</p><p>direitos das mulheres, desde a conquista do direito ao voto nos anos 30 do século passado.</p><p>Entretanto, é perceptível a intensificação das mudanças legislativas a partir de 2015 e que</p><p>tais mudanças permanecem em curso, dada a necessidade de adaptação legislativa à</p><p>realidade fática.</p><p>Nesse sentido, não se pretende aqui esgotar o tema legislação, por demais amplo,</p><p>mas sim abordar seus principais aspectos práticos e aguçar a sua curiosidade acadêmica</p><p>em ampliar e manter seu conhecimento atualizado.</p><p>Aspectos Gerais da Legislação e Aplicação Prática</p><p>É ampla a legislação voltada à proteção das mulheres, especialmente quando</p><p>consideradas as interseccionalidades que perpassam as violências baseadas no gênero</p><p>sofridas por mulheres e meninas, em que fatores como idade, raça ou condição física</p><p>ampliam o grau de vulnerabilidade e risco.</p><p>Todavia, começaremos por uma das leis mais conhecidas no país, a Lei nº 11.340/</p><p>2006, a Lei Maria da Penha, que é considerada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações</p><p>107</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Unidas para a Mulher (Unifem) uma das três leis mais avançadas do mundo, entre 90 países</p><p>que têm legislação sobre o tema. Dentre seus principais pontos destaca-se o reconhecimento</p><p>da violência doméstica e familiar como violação de direitos humanos.</p><p>Ela é considerada uma norma de “discriminação positiva” e visa acelerar a igualdade</p><p>de fato entre homens e mulheres. Trata-se de um dispositivo jurídico de natureza processual</p><p>e não material. Segundo Ada Pellegrini, o direito material é conceituado como “o corpo de</p><p>normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida (direito</p><p>civil, penal, administrativo etc.)”. Para a mesma autora, o direito processual seria o “complexo</p><p>de normas e princípios que regem tal método de trabalho, ou seja, o exercício conjugado da</p><p>jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado”.</p><p>Por fim, o direito processual é o conjunto de normas que regulamentam a forma de</p><p>aplicação do direito material. Os crimes estão definidos no Código Penal e legislações</p><p>extravagantes – direito material, nesse contexto a Lei Maria da Penha – direito processual,</p><p>define o rito. Sendo que, até o advento da Lei nº 13.641/2018, a Lei Maria da Penha não</p><p>trazia em seu bojo nenhum tipo penal.</p><p>Definindo a Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher</p><p>De acordo com a Lei nº 11.304/2006 (Art.5º) configura violência doméstica e familiar</p><p>contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que venha causar morte,</p><p>lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:</p><p>Acesse a lei pelo link: LEI Nº 11.340, DE 07 DE AGOSTO DE 2006</p><p>⚫ No âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio</p><p>permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente</p><p>agregadas;</p><p>⚫ No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por</p><p>indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade</p><p>ou por vontade expressa;</p><p>⚫ Em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha</p><p>convivido com a ofendida, independentemente de coabitação;</p><p>⚫ E as relações pessoais enunciadas independem de orientação sexual.</p><p>108</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Súmula 600 do STJ - Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista</p><p>no artigo 5º da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), não se exige a coabitação entre</p><p>autor e vítima. (Súmula 600, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/11/2017)</p><p>No caso dos crimes de violência doméstica, não temos um sujeito ativo obrigatório,</p><p>ou seja, não é necessário que seja um homem, mas o sujeito passivo é necessariamente</p><p>uma mulher.</p><p>Sobre o sujeito passivo, é importante ressaltar que em dois julgados recentes, o</p><p>Superior Tribunal Federal (STF) garantiu o direito aos transgêneros e aos transexuais,</p><p>afirmando o direito à igualdade sem discriminações, abrangendo a identidade e a expressão</p><p>de gênero. Trecho da ementa:</p><p>1 - Se o denunciado, companheiro de vítima transexual que se identifica com o gênero feminino, a</p><p>agride com barra de ferro e corta os cabelos dela com faca, além de a injuriar e ameaçar, por ciúmes e</p><p>sentimento de posse, evidenciando a subjugação da figura feminina e violência de gênero, no contexto</p><p>doméstico e de intimidade familiar, a competência para processar e julgar a ação penal pelos supostos crimes</p><p>cometidos é do juizado especializado da mulher“ Acórdão 1671958, 07425997220228070000, Relator: JAIR</p><p>SOARES, Câmara Criminal, data de julgamento: 1°/3/2023, publicado no PJe: 13/3/2023.</p><p>As Formas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher</p><p>A Lei Maria da Penha (Art.7º) traz uma visão mais ampla da violência doméstica e</p><p>familiar contra a mulher compreendida além da violência física, mas abrangendo a violência</p><p>sexual, psicológica, moral e patrimonial.</p><p>✓ A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua</p><p>integridade ou saúde corporal;</p><p>✓ A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos</p><p>emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno</p><p>desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e</p><p>decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,</p><p>vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade,</p><p>ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe</p><p>cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Art. 1º Esta Lei reconhece que a violação da intimidade da mulher configura</p><p>violência doméstica e familiar e criminaliza o registro não autorizado de conteúdo com</p><p>cena</p><p>de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado. (Redação dada pela</p><p>Lei nº 13.772, de 2018).</p><p>109</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Ver também: Lei nº 14.188, de 28 de julho de 2021. Define o Programa de</p><p>Cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de</p><p>enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei</p><p>11.340/2006. Cria o artigo 147-B no CP: "Violência psicológica contra a mulher”.</p><p>✓ A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a</p><p>presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação,</p><p>ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer</p><p>modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a</p><p>force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,</p><p>suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e</p><p>reprodutivos;</p><p>✓ A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure</p><p>retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,</p><p>documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os</p><p>destinados a satisfazer suas necessidades;</p><p>✓ A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia,</p><p>difamação.</p><p>Calúnia: Art. 138 CP. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como</p><p>crime.</p><p>Difamação: Art. 139 CP. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua</p><p>reputação.</p><p>Injúria: Art. 140 CP. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade, honra pessoal ou o</p><p>decoro.</p><p>Pesquisas e estatísticas oficiais apontam que nos contextos de violência doméstica</p><p>os crimes de lesão corporal dolosa e ameaça representam a maior parte dos registros em</p><p>delegacias, bem como dos acionamentos emergenciais das polícias militares. Portanto, é</p><p>fundamental que os profissionais do Susp, no atendimento de ocorrências do tipo, saibam</p><p>identificar as diferentes formas de violência e sejam capazes de realizar os procedimentos e</p><p>encaminhamentos adequados à cada situação.</p><p>Aspectos Do Atendimento Às Mulheres Em Situação De Violência Doméstica</p><p>A intensidade e demanda do trabalho da segurança pública ou a falta de</p><p>conhecimento podem fazer com que os profissionais, inadvertidamente, adotem condutas</p><p>110</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>revitimizantes no atendimento das ocorrências envolvendo crimes contra mulheres e</p><p>meninas.</p><p>Mas o que é revitimização?</p><p>A revitimização (ou vitimização secundária) é uma série de atos e questionamentos</p><p>que geram constrangimentos para as mulheres que foram vítimas de violências de gênero.</p><p>Geralmente essa revitimização faz com que a mulher em situação de violência desista da</p><p>denúncia ou de prosseguir com o processo. Além disso, essa prática afeta a imagem da</p><p>vítima a respeito da instituição à qual pertence o agente autor da revitimização.</p><p>O que pode caracterizar, na prática, uma atitude revitimizante? Eis alguns exemplos:</p><p>o emprego de linguagem discriminatória; a realização de perguntas contaminadas por juízo</p><p>de valor ou estereótipos de gênero; permitir que mulher vítima de violência seja exposta à</p><p>parte acusada, principalmente quando esta demonstre medo ou desconforto em sua</p><p>presença.</p><p>Figura 31: As mãos das pessoas apontam para a garota. É uma mulher não confiante. Opinião das pessoas</p><p>e a pressão da sociedade. Vergonha.</p><p>Fonte: Plano Vetor Pro</p><p>Nesse contexto precisamos compreender, também, o que é “violência institucional”,</p><p>o crime inserido pela Lei nº 14.321/2022 à Lei dos Crimes de Abuso de Autoridade.</p><p>VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL: Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a</p><p>testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos,</p><p>111</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>que a leve a reviver, sem estrita necessidade: (I) a situação de violência; ou (II) outras</p><p>situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização.</p><p>Vale lembrar também que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ – editou a</p><p>Resolução nº 254/2018, abordando a violência institucional praticada contra a mulheres,</p><p>conceituando-a como a ação ou omissão de qualquer órgão ou agente público que fragilize,</p><p>de qualquer forma, o compromisso de proteção e preservação de direitos das mulheres.</p><p>Destaca-se também que a Lei nº 13.505/2017 acrescentou novos dispositivos à Lei</p><p>Maria da Penha tratando do atendimento policial e pericial especializado prestado à mulher</p><p>em situação de violência doméstica e familiar. Sendo importante observar a perspectiva da</p><p>NÃO REVITIMIZAÇÃO das mulheres atendidas, como se pode observar:</p><p>⚫ O atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por</p><p>servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados;</p><p>⚫ A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de</p><p>testemunha de violência doméstica obedecerá às seguintes diretrizes:</p><p>(I) Salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada</p><p>a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica e familiar;</p><p>(II) Garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência</p><p>doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou</p><p>suspeitos e pessoas a eles relacionadas;</p><p>(III) Não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo</p><p>fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida</p><p>privada.</p><p>⚫ Na inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de</p><p>testemunha de delitos será adotado preferencialmente, o seguinte procedimento:</p><p>(I) A inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual</p><p>conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da mulher em situação de violência</p><p>doméstica e familiar ou testemunha e ao tipo e à gravidade da violência sofrida;</p><p>(II) Quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional especializado</p><p>em violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial.</p><p>ATENÇÃO: Embora utilizemos de forma recorrente o termo ‘vítima’ é importante</p><p>observar a importância do termo ‘em situação de’ é utilizado no lugar de vítima de violência,</p><p>visto que a condição de vítima pode ser paralisante e reforça a representação da mulher</p><p>como passiva e dependente: “Quando a mulher é referida como estando em situação de</p><p>112</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>violência, ela está em condição, ou seja, ela acessa um lugar de passagem, pois é um sujeito</p><p>nessa relação. Estar em situação oferece a possibilidade de mudança” (MIRIM, 2005).</p><p>Aspectos do Atendimento às Vítimas de Crimes Sexuais</p><p>Os dados demonstram que os crimes sexuais figuram entre aqueles com o maior</p><p>percentual de subnotificação. Fatores como medo, vergonha e falta de confiança nas</p><p>instituições contribuem para as vítimas não registrarem. Esse quadro de subregistro é grave,</p><p>pois, além favorecer a impunidade, faz com que a maior parte das vítimas de estupro acabe</p><p>não acessando os procedimentos de saúde previstos nesses casos, aumentando os riscos</p><p>do agravamento de sequelas relacionadas à violência sexual. Não obstante o fato de que</p><p>qualquer pessoa pode ser vítima de crimes de natureza sexual, os dados mostram que</p><p>mulheres e meninas são as vítimas preferenciais.</p><p>A violência sexual produz graves efeitos</p><p>147</p><p>Principais atividades das Patrulhas Maria da Penha: ..................................................... 149</p><p>Principais estratégias das Patrulhas Maria da Penha: .................................................... 151</p><p>Finalizando ...................................................................................................................... 152</p><p>4.3.3.7 Aula 7: Desafios da atuação quando os autores ou vítimas de violência contra a</p><p>mulher são profissionais de segurança pública. .................................................................. 154</p><p>Introdução ....................................................................................................................... 154</p><p>Prevenção e enfrentamento da violência doméstica nas instituições de segurança</p><p>pública ............................................................................................................................. 155</p><p>4.3.3.8 Aula 8 – Boas Práticas: Grupos Reflexivos para profissionais de segurança autores</p><p>de violência doméstica e familiar ........................................................................................ 160</p><p>Finalizando ...................................................................................................................... 161</p><p>REFERÊNCIAS ........................................................................................................................... 163</p><p>6</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>APRESENTAÇÃO DO CURSO</p><p>Caras alunas e caros alunos,</p><p>As diferentes formas de violência contra mulheres e meninas, em grande parte, estão</p><p>associadas à profunda desigualdade entre homens e mulheres presente em nossa</p><p>sociedade. Essa desigualdade influencia os papéis que homens e mulheres desempenham,</p><p>bem como os riscos a que estão submetidos e as redes de proteção às quais têm acesso.</p><p>Este curso tem como objetivo apresentar os principais conceitos, marcos teóricos e</p><p>normativos das vulnerabilidades que</p><p>mulheres e meninas enfrentam, bem como</p><p>os instrumentos desenvolvidos para a</p><p>ampliação de sua proteção. Também será</p><p>abordada a importância do protagonismo</p><p>de mulheres no enfrentamento de</p><p>diferentes formas de violência e da</p><p>promoção da igualdade de direitos.</p><p>A violência contra mulheres e</p><p>meninas é um grave problema social e</p><p>vem ocupando espaço de relevância e</p><p>visibilidade, com impactos diretos nos</p><p>órgãos de segurança pública. No entanto,</p><p>o enfrentamento desta forma de violência demanda um contínuo conhecimento sobre suas</p><p>dinâmicas e estratégias para sua prevenção e redução por parte dos profissionais que atuam</p><p>nos distintos serviços públicos, destaque feito àqueles que integram os órgãos do sistema</p><p>de segurança pública e justiça criminal.</p><p>A atuação frente aos crimes relacionados à violência contra mulheres e meninas</p><p>corresponde a uma parte significativa do trabalho desempenhado pelos diferentes órgãos de</p><p>segurança pública no Brasil. Por essa razão, independentemente da existência de setores</p><p>especializados no enfrentamento desta forma de violência, como é caso, por exemplo, das</p><p>Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher ou ainda as Patrulhas/Rondas Maria da</p><p>Penha, todos (as) os (as) profissionais de segurança pública devem possuir o conhecimento</p><p>Figura 1: Mulher loira em pé sobre fundo rosa cobrindo</p><p>os olhos com as mãos</p><p>Fonte: Imagem de krakenimages.com no Freepik</p><p>7</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>que os (as) capacite a atuar de modo técnico, profissional e humanizado diante de cada</p><p>ocorrência, evitando, sobretudo, uma atuação revitimizante.</p><p>A ampliação do debate público sobre o tema, as alterações na legislação nacional</p><p>voltada ao enfrentamento da violência contra a mulher, bem como a necessidade de</p><p>padronização dos protocolos de atuação, tornam este um tema de interesse para todos os</p><p>profissionais do Sistema Único de Segurança Pública – Susp. Um dos principais</p><p>pressupostos do atendimento a mulheres e meninas em situação de violência é a</p><p>necessidade da intersetorialidade, ou seja, a perspectiva de um trabalho articulado e em</p><p>rede, entre órgãos e serviços das áreas de saúde, segurança pública, justiça, assistência</p><p>social, educação, dentre outras.</p><p>Este curso está dividido em três módulos:</p><p>Primeiro Módulo</p><p>Apresenta uma introdução ao tema, destacando os principais conceitos, marcos</p><p>teóricos e normativos sobre o enfrentamento da violência contra mulheres e meninas, bem</p><p>como sobre a importância do protagonismo das mulheres na prevenção e redução da</p><p>violência.</p><p>Segundo Módulo</p><p>Aborda a estrutura de governança do enfrentamento desta forma de violência no</p><p>Brasil, bem como a importância do uso de dados e evidências para informar as políticas</p><p>públicas focadas nesta temática.</p><p>Terceiro módulo</p><p>Trata dos aspectos operacionais, práticos e legais, destacando experiências bem-</p><p>sucedidas no enfrentamento da violência contra mulheres e meninas, como as delegacias</p><p>especializadas, as Patrulhas/Rondas Maria da Penha, entre outros.</p><p>Público-alvo: Profissionais do Sistema Único de Segurança Pública.</p><p>8</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>OBJETIVOS DO CURSO</p><p>2.1 Objetivo Geral</p><p>A ação educacional tem por objetivo capacitar os profissionais do Susp, a partir de</p><p>uma análise histórica e social de gênero, com a perspectiva de aprimoramento do serviço de</p><p>segurança pública no atendimento às mulheres e meninas vítimas de violência e, também,</p><p>do fortalecimento da participação das mulheres na segurança pública.</p><p>2.2 Objetivos Específicos:</p><p>Os objetivos específicos do curso visam que os profissionais do sistema de</p><p>segurança pública possam:</p><p>⚫ Conhecer os principais conceitos, marcos teóricos e normativos sobre o</p><p>enfrentamento da violência contra mulheres e meninas e a importância do protagonismo de</p><p>mulheres e meninas a partir de uma linguagem fácil e acessível;</p><p>⚫ Conhecer a estrutura de governança e as principais políticas públicas para o</p><p>enfrentamento da violência contra mulheres e meninas no Brasil;</p><p>⚫ Conhecer boas práticas de enfrentamento da violência contra mulheres e</p><p>meninas: experiências desenvolvidas pelos órgãos do Susp;</p><p>⚫ Refletir sobre a violência presente nas sociedades contemporâneas (relações</p><p>de gênero, classe social e etnia);</p><p>⚫ Discutir a importância das mulheres na elaboração e execução das políticas de</p><p>segurança pública;</p><p>⚫ Analisar o papel dos órgãos de segurança pública na rede de proteção às</p><p>mulheres e às meninas, bem como no atendimento aos casos de violência contra as</p><p>mulheres e meninas.</p><p>9</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>3. ESTRUTURA DO CURSO</p><p>Este curso possui uma carga horária de 40 horas e compreende os seguintes</p><p>módulos:</p><p>• Módulo 1 - Protagonismo de mulheres e enfrentamento da violência</p><p>• Módulo 2 - Violências, Estrutura de governança e políticas baseadas em evidência</p><p>• Módulo 3 - Aspectos operacionais e táticos fundamentais para o enfrentamento da</p><p>violência contra mulheres</p><p>10</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4. MÓDULOS DA FORMAÇÃO</p><p>Figura 2: Protagonismo Feminino</p><p>Fonte: Imagem de Ebanx Community</p><p>4.1 – Módulo I: Protagonismo de mulheres e</p><p>enfrentamento da violência</p><p>4.1.1 Apresentação do módulo</p><p>Este módulo é uma introdução ao tema, e destaca os principais conceitos, marcos</p><p>teóricos e normativos sobre o enfrentamento da violência contra mulheres e a</p><p>na saúde física, com o risco de</p><p>contaminação por Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), entre elas, o HIV, até</p><p>gravidez indesejada, agravando o quadro traumático. Além disso, há que se considerar os</p><p>efeitos na saúde mental das vítimas que podem desenvolver quadros de depressão,</p><p>síndrome do pânico, ansiedade e distúrbios psicossomáticos.</p><p>Um dos grandes desafios no enfrentamento desse tipo de violência é a articulação e</p><p>integração dos serviços de todas as áreas relacionadas tais como: segurança pública, saúde,</p><p>justiça e assistência social, de modo a oferecer um atendimento humanizado e integral. Daí</p><p>a importância dos profissionais do Susp conhecerem tanto a legislação aplicada, quanto os</p><p>protocolos e encaminhamentos relativos ao atendimento das vítimas de crimes sexuais no</p><p>âmbito dos demais serviços, em especial na área da saúde.</p><p>A Lei nº 12.015/2009, que define os crimes contra a dignidade sexual define o crime</p><p>de estupro da seguinte forma:</p><p>Acesse a lei pelo link: LEI Nº 12.015, DE 7 DE AGOSTO DE 2009</p><p>ESTUPRO: Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a</p><p>ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.</p><p>De acordo com esta redação qualquer pessoa, independente do sexo, pode ser</p><p>sujeito passivo do crime de estupro. A lei também tem o intuito de coibir abuso e exploração</p><p>sexual de crianças e adolescentes, incluindo o tipo penal estupro de vulnerável:</p><p>ESTUPRO DE VULNERÁVEL: Art. 217-A.Ter conjunção carnal ou praticar outro ato</p><p>libidinoso com menor de 14 (catorze) anos.</p><p>113</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 32 – Estupro de Vulnerável</p><p>Fonte: TJDFT</p><p>§ 1º. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém</p><p>que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a</p><p>prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.</p><p>Sobre as diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos</p><p>profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde</p><p>temos como referência o Decreto nº 7.958 de 13 de março de 2013, destacando-se:</p><p>DIRETRIZES PARA O ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL</p><p>Art. 2º O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança</p><p>pública e da rede de atendimento do SUS observará as seguintes diretrizes:</p><p>I - Acolhimento em serviços de referência;</p><p>II - Atendimento humanizado, observados os princípios do respeito da dignidade da</p><p>pessoa, da não discriminação, do sigilo e da privacidade;</p><p>114</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>III - Disponibilização de espaço de escuta qualificado e privacidade durante o</p><p>atendimento, para propiciar ambiente de confiança e respeito à vítima;</p><p>IV - Informação prévia à vítima, assegurada sua compreensão sobre o que será</p><p>realizado em cada etapa do atendimento e a importância das condutas médicas,</p><p>multiprofissionais e policiais, respeitada sua decisão sobre a realização de qualquer</p><p>procedimento;</p><p>V - Identificação e orientação às vítimas sobre a existência de serviços de referência</p><p>para atendimento às vítimas de violência e de unidades do sistema de garantia de direitos;</p><p>VI - Divulgação de informações sobre a existência de serviços de referência para</p><p>atendimento de vítimas de violência sexual;</p><p>VII - Disponibilização de transporte à vítima de violência sexual até os serviços de</p><p>referência; e</p><p>VIII - Promoção de capacitação de profissionais de segurança pública e da rede de</p><p>atendimento do SUS para atender vítimas de violência sexual de forma humanizada,</p><p>garantindo a idoneidade e o rastreamento dos vestígios coletados.</p><p>É importante salientar que o atendimento da pessoa em situação de violência sexual</p><p>nos serviços de saúde independe da apresentação do Boletim de Ocorrência (BO) ou</p><p>Registro de Ocorrência (RO), entretanto, cabe às instituições de saúde, conforme a Lei nº</p><p>12.845 de 2013, Art. 3º, III, estimular o registro da ocorrência e os demais trâmites legais</p><p>para encaminhamento aos órgãos de medicina legal, no sentido de diminuir a impunidade</p><p>dos (as) autores (as) de agressão.</p><p>Em 2019 foi publicada a Lei nº 13.931, que trata da notificação compulsória dos</p><p>casos de suspeita de violência contra a mulher pelos profissionais de saúde, que deverão</p><p>registrar no prontuário médico da paciente e comunicar à polícia os casos de violência contra</p><p>a mulher.</p><p>115</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>NOTIFICAÇÃO COMPULSÓRIA:</p><p>Figura 33: Notificação Compulsória</p><p>Fonte: Blog Concent</p><p>Art. 1º: Constituem objeto de notificação compulsória, em todo o território nacional,</p><p>os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher atendida em</p><p>serviços de saúde públicos e privados.</p><p>§ 4º: Os casos em que houver indícios ou confirmação de violência contra a mulher</p><p>serão obrigatoriamente comunicados à autoridade policial no prazo de 24 (vinte e quatro)</p><p>horas, para as providências cabíveis e para fins estatísticos”.</p><p>É possível verificar até aqui toda complexidade presente no atendimento às vítimas</p><p>de estupro, sendo que tal complexidade se amplia quando as vítimas são crianças e</p><p>adolescentes.</p><p>CRFB, Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,</p><p>ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,</p><p>à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e</p><p>à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,</p><p>discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.</p><p>Portanto, nesse contexto, é importante considerar que a Constituição Federal</p><p>Brasileira (art. 227) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) dispõem sobre</p><p>a proteção integral da criança e do adolescente, definindo assim a prioridade absoluta no</p><p>atendimento aos seus direitos como cidadãos brasileiros.</p><p>Tal condição demanda a aplicação da doutrina da proteção integral, que pressupõe</p><p>a efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Trazendo em sua</p><p>essência a proteção e a garantia do pleno desenvolvimento humano, a partir do</p><p>116</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>reconhecimento da condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em</p><p>desenvolvimento.</p><p>ASSÉDIO SEXUAL E IMPORTUNAÇÃO SEXUAL</p><p>Preliminarmente, devemos esclarecer que o entendimento da sociedade brasileira</p><p>sobre o que configura “assédio” não tem o mesmo significado em termos de aplicação da lei.</p><p>Conforme destaca Moraes (2017):</p><p>O que se percebe na recorrência do emprego do termo “assédio” é a tentativa de “dar nome” às</p><p>experiências de desconforto, perseguição, constrangimento ou importunação, normalmente infringidos às</p><p>mulheres, quer seja no espaço do trabalho, nas relações interpessoais ou mesmo no simples ato de circulação</p><p>no espaço público. (MORAES, 2017: p. 04)</p><p>Figura 34: Não é Não</p><p>Fonte: Sind-Saude MG</p><p>Portanto, a depender das circunstâncias, natureza e gravidade do fato, condutas</p><p>inicialmente descritas pelo senso comum como “assédio sexual”, quando analisadas sob os</p><p>aspectos da legislação, podem configurar diferentes crimes ou contravenções penais tais</p><p>como: estupro, estupro de vulnerável, constrangimento ilegal, ato obsceno, violação sexual</p><p>mediante fraude, importunação sexual, assédio sexual dentre outros.</p><p>Embora seja um tipo de violência que, na prática,</p><p>apresente baixa notificação às</p><p>autoridades e, portanto, alto índice de subnotificação e impunidade, as diferentes</p><p>manifestações de assédio são mais frequentes do que se imagina.</p><p>Pois, de acordo com dados da pesquisa: Visível e Invisível: A Vitimização de</p><p>Mulheres no Brasil - 4ª edição - 2023, no ano de 2022, 46,7% das mulheres brasileiras de 16</p><p>anos ou mais sofreram alguma forma de assédio sexual. As condutas mais frequentemente</p><p>117</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>citadas foram as cantadas e os comentários desrespeitosos na rua, experimentados por 4</p><p>em cada 10 mulheres.</p><p>O assédio sexual é uma expressão da violência sexual, caracterizada como manifestação sensual ou</p><p>sexual, alheia à vontade da pessoa a quem se dirige. Configuram atos de assédio, abordagens grosseiras e</p><p>comentários obscenos, ofensas e propostas inadequadas que constrangem, humilham, amedrontam, ou seja,</p><p>que não contam com o consentimento da outra parte. (FBSP, 2023: p.37).</p><p>Por parte dos profissionais do Susp, esse fenômeno demanda conhecimento e</p><p>sensibilidade para melhor ouvir, acolher e encaminhar as vítimas desse tipo de crime. Deve-</p><p>se reconhecer que o assédio, em suas diferentes manifestações, pode acontecer no âmbito</p><p>da sociedade como um todo e também nas instituições, inclusive nas instituições de</p><p>segurança pública. Este não é um tema fácil de ser abordado e solucionado, contudo, precisa</p><p>ser reconhecido e enfrentado pela sociedade e instituições pois, conforme verificamos, vem</p><p>gerando vítimas invisíveis.</p><p>ASSÉDIO SEXUAL: Artigo 216-A. constranger alguém com o intuito de obter</p><p>vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior</p><p>hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena:</p><p>Detenção de 1 a 2 anos.</p><p>§ 2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos.</p><p>(Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)</p><p>Figura 35: Como denunciar o assédio</p><p>Fonte: SindComerciários</p><p>118</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>O crime de assédio sexual foi incluído no Código Penal Brasileiro a partir da Lei nº.</p><p>10.224, em maio de 2001. Embora, na legislação brasileira, não haja distinção de gênero</p><p>para aplicação desta lei, nota-se que esse tipo de crime atinge principalmente as mulheres,</p><p>assim como a maioria dos crimes de natureza sexual que têm as mulheres e meninas como</p><p>as principais vítimas.</p><p>ATENÇÃO</p><p>✓ O assédio sexual refere-se a uma situação de desigualdade de poder entre</p><p>vítima e assediador, em que a simples negativa à investida de intensão sexual, em geral não</p><p>é suficiente para cessar a violência.</p><p>✓ Assédio vertical (ascendência hierárquica). Assédio horizontal (entre</p><p>trabalhadores do mesmo nível).</p><p>✓ Assédio sexual, se não constituir crime mais grave, inclui condutas que vão</p><p>desde contato físico até cantadas e comentários de conotação sexual.</p><p>✓ O assédio não deve ser confundido com paquera. No assédio, apenas um dos</p><p>lados tem interesse, trata-se, portanto, de uma ação unilateral. Não há reciprocidade ou</p><p>consentimento.</p><p>De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), quaisquer</p><p>insinuações, contatos físicos forçados, propostas ou pedidos impertinentes, entre outros,</p><p>podem ser considerados como assédio sexual, desde que apresentem pelo menos uma das</p><p>seguintes características:</p><p>✓ Ser claramente uma condição para dar ou manter emprego;</p><p>✓ Influir nas promoções ou na carreira do assediado (a);</p><p>✓ Prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar, ou intimidar a vítima.</p><p>IMPORTUNAÇÃO SEXUAL: Artigo 215-A. Praticar contra alguém e sem sua</p><p>anuência ato libidinoso com objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Pena:</p><p>reclusão de 1 a 5 anos, se o ato não constitui crime mais grave.</p><p>119</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>O crime de importunação sexual foi incluído no Código Penal Brasileiro a partir da</p><p>Lei nº. 13.718, de setembro de 2018.</p><p>A depender da conduta e se não constituir crime mais grave, esse tipo penal se refere</p><p>à prática de ato libidinoso (que tem objetivo de satisfação sexual) na presença de alguém,</p><p>sem sua autorização e sem violência física ou grave ameaça. Exemplos: passar a mão,</p><p>apalpar, lamber, tocar, desnudar, masturbar-se ou ejacular em público, dentre outros.</p><p>ATENÇÃO</p><p>✓ Em caso de existência de prova material, como a ejaculação em alguma peça</p><p>de roupa, esse material deve ser encaminhado à perícia técnica.</p><p>✓ Apenas mulheres podem ser vítimas de importunação sexual? A lei não faz</p><p>distinção de gênero, ou seja, tanto homens quanto mulheres podem ser autores ou vítimas</p><p>desse tipo de crime.</p><p>✓ Qual a diferença entre importunação sexual e estupro? Tanto a importunação</p><p>sexual quanto o estupro dizem respeito crimes contra a dignidade sexual, mas não significam</p><p>a mesma coisa. A principal diferença entre os dois tipos penais é que, na importunação</p><p>sexual, não há violência ou grave ameaça.</p><p>✓ Leitura recomendada: Não é não: saiba o que é importunação sexual e assédio</p><p>sexual, e o que fazer se você for vítima. Disponível em:</p><p>https://www.defensoria.ce.def.br/noticia/nao-e-nao-saiba-o-que-e-importunacao-</p><p>sexual-e-assedio-sexual-e-o-que-fazer-se-voce-for-vitima/</p><p>Medidas Protetivas de Urgência</p><p>Medidas protetivas são mecanismos legais de proteção a pessoas que, de alguma</p><p>forma, se encontrem em situação de vulnerabilidade. Por meio dessas medidas busca-se</p><p>garantir os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, como forma de preservar</p><p>a integridade e saúde física, mental e psicológica das vítimas. Portanto, elas têm o objetivo</p><p>de fazer cessar agressões através de dirigentes tipos de restrições, como a proibição de</p><p>contato sob quaisquer meios, afastamento da pessoa agressora do lar, dentre outros.</p><p>120</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Medidas protetivas podem ser encontradas e concedidas com fundamento em</p><p>diferentes leis, sendo as principais delas a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do</p><p>Adolescente, o Estatuto do Idoso e mais recentemente, a Lei nº 14.344 de maio de 2022 –</p><p>Lei Henry Borel.</p><p>Figura 36: Quebre o Ciclo</p><p>Fonte: TJMT</p><p>Nesse sentido é importante que os profissionais do Susp tenham conhecimento</p><p>sobre o direito de acesso das vítimas às medidas protetivas e as garantias quanto ao</p><p>cumprimento destas por parte dos agressores.</p><p>O descumprimento de medida protetiva de urgência configura crime, como se verifica</p><p>pelo artigo 24-A da Lei Maria da Penha (concluído pela Lei nº 13.641 de 2018) e artigo 25 da</p><p>Lei nº 14.344/22.</p><p>No caso específico da violência doméstica, o deferimento das medidas protetivas de</p><p>urgência se configura em um importante fator de proteção das vítimas, sobretudo contra a</p><p>reincidência de novas agressões, tão comuns nesse tipo de violência. Outro dado que</p><p>aponta para fator de proteção presente nessas medidas é o fato de que maior parte das</p><p>mulheres vítimas de feminicídio não possuíam medidas protetivas ou registros anteriores ao</p><p>fato, razão pela qual é importante orientar as vítimas quanto a esse direito, sobretudo no</p><p>primeiro atendimento.</p><p>Ainda assim, encontramos autores dispostos a descumprir as medidas protetivas, o</p><p>que sinaliza a elevação do risco de feminicídio presente nos casos em que há violação da</p><p>medida por parte do agressor.</p><p>Eis uma das razões pelas quais esse tipo de crime requer especial atenção por</p><p>parte dos profissionais do Susp, destacando-se que, em regra, a maioria das Patrulhas e</p><p>Rondas Maria da</p><p>Penha do país atua, prioritariamente, no acompanhamento e fiscalização</p><p>das medidas protetivas deferidas a mulheres em situação de violência doméstica e familiar.</p><p>121</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Assista o vídeo “Imagine…”, que retrata cenas do cotidiano de uma audiência</p><p>tradicional, onde crianças e adolescentes são levadas a falar da situação de violência a que</p><p>foram expostos. https://youtu.be/i9EupNn0Vgo</p><p>A partir do vídeo sugerimos a reflexão sobre o significado do processo judicial para</p><p>uma criança ou adolescente e o quanto é importante o cuidado e atenção para promover</p><p>uma intervenção protetiva e acolhedora em situações que ensejam a escuta da</p><p>criança/adolescente vítima ou testemunha. Sugerimos também ampliar esse olhar reflexivo</p><p>para mulheres vítimas de abusos submetidas reiteradamente a contar e reviver a violência</p><p>sofrida e o quanto de revitimização há nesse processo. E o que é possível fazer para</p><p>evitarmos a revitimização.</p><p>Finalizando</p><p>Nesta aula você aprendeu que:</p><p>• Há um percurso histórico na evolução e consolidação dos direitos das mulheres</p><p>no Brasil e que esse processo permanece em curso, através principalmente de mudanças</p><p>nas dinâmicas sociais e na legislação;</p><p>• A violência institucional é uma das formas de revitimização de mulheres e</p><p>meninas em situação de violência;</p><p>• Dentre as diretrizes para atendimento às vítimas de crimes sexuais estão: o</p><p>acolhimento e atendimento humanizado, observados os princípios do respeito da dignidade,</p><p>da não discriminação, do sigilo e da privacidade.</p><p>122</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.3.3.3 Aula 3: Identificando a violência contra mulheres e meninas</p><p>Introdução</p><p>Figura 37: Ciclos de Violência</p><p>Fonte: CNJ</p><p>Conforme estamos vendo ao longo deste curso, existem diferentes tipos de violência</p><p>que afetam principalmente o gênero feminino, e que parte dessa violência é reforçada</p><p>através da cultura e dos estereótipos de gênero.</p><p>Portanto, parte importante da prevenção e enfrentamento da violência contra</p><p>mulheres e meninas passa pela identificação e reconhecimento dessa violência em suas</p><p>distintas manifestações, bem como pelo conhecimento e aplicação dos mecanismos</p><p>adequados a cada situação.</p><p>Além disso, é importante dimensionar os riscos associados, pois, nos contextos de</p><p>agravamento da violência contra a mulher, o feminicídio é uma possibilidade. E embora nem</p><p>sempre existam registros oficiais, como Registros ou Boletins de Ocorrência, nos casos de</p><p>feminicídios íntimos, normalmente as testemunhas, familiares ou vizinhos relatam um</p><p>histórico de agressões anteriores. Daí retornamos à importância do primeiro atendimento</p><p>como um fator importante para a quebra do ciclo da violência por parte da vítima.</p><p>123</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Principais aspectos da violência contra a mulher</p><p>Devido aos fatores que já abordamos ao longo dos módulos anteriores, a vitimização</p><p>feminina guarda importantes diferenças em relação à população em geral. Nesse sentido,</p><p>assim como qualquer pessoa, as mulheres também estão expostas à criminalidade comum</p><p>e urbana como é o caso dos crimes patrimoniais e contra a pessoa. Porém, além disso, elas</p><p>são as principais vítimas de violências praticadas por parceiros íntimos, familiares e</p><p>conhecidos.</p><p>E, por conta dessa proximidade entre vítima e agressor, os episódios de violência</p><p>tendem a se repetir e esse contexto faz com que durante o atendimento de casos de violência</p><p>doméstica e familiar contra mulheres, muitos profissionais se perguntem por que os</p><p>envolvidos permanecem nessa situação. Questionamentos como: por que esta vítima não</p><p>se separa do agressor? O que leva estas pessoas a continuarem se relacionando? Quantas</p><p>vezes o Estado deverá retornar em determinada residência por causa da violência entre o</p><p>casal?</p><p>Embora sejam compreensíveis tais indagações, é importante que os profissionais</p><p>encarregados do atendimento de ocorrências de violência doméstica e familiar não façam</p><p>julgamento pessoal sobre a vítima e que atuem dentro da técnica e da legalidade. Atendendo</p><p>quantas vezes forem chamados ou quantas vezes a vítima busque o atendimento de um</p><p>órgão do sistema de segurança pública.</p><p>Outro aspecto relevante na contextualização da violência contra a mulher é o tipo de</p><p>local onde ocorrem as violências, em geral, interior das residências, longe do olhar público,</p><p>o que torna a atuação preventiva mais complexa, em especial considerando as modalidades</p><p>de prevenção baseadas na presença e ostensividade do policiamento.</p><p>Portanto, nesse contexto, fatores como tempo de resposta das forças de segurança</p><p>pública nos casos de acionamentos emergenciais, o acolhimento e a correta aplicação da</p><p>lei têm efeitos importantes para reduzir a impunidade e transmitir segurança às vítimas que</p><p>denunciam.</p><p>124</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Análise de risco</p><p>É fato que nem todos os profissionais do Susp, no âmbito de suas atribuições,</p><p>aplicam ou utilizam as ferramentas de avaliação de risco, pois estas, normalmente, são</p><p>utilizadas pelos serviços especializados, profissionais do sistema de justiça e equipes</p><p>multidisciplinares.</p><p>Ainda assim, é importante que todos os profissionais do Susp conheçam essas</p><p>ferramentas e que, sobretudo, saibam que é possível identificar fatores de risco e proteção</p><p>associados aos casos de violência contra mulher, pois este conhecimento poderá ser</p><p>determinante na postura de atendimento de ocorrências de violência doméstica e na correta</p><p>orientação das vítimas.</p><p>Dentre os objetivos da avaliação de risco destacam-se:</p><p>⚫ Estabelecer estratégias integradas com o Sistema de Justiça e demais atores</p><p>da rede social a fim de proteger, prevenir e evitar a ocorrência de novas situações de</p><p>violência;</p><p>⚫ Estabelecer estratégias de intervenção a fim de que mulheres em situação de</p><p>violência sejam acolhidas e iniciem um processo de compreensão sobre o contexto de</p><p>violência em que estão inseridas.</p><p>AVALIAÇÃO DE RISCO: avaliar risco é adotar procedimentos sistematizados para</p><p>identificação da possibilidade de ocorrência de novas violências e dessas serem letais</p><p>(MEDEIROS, 2015). Envolve o registro minucioso de informações relevantes para</p><p>compreensão dos riscos (ACOSTA, 2013).</p><p>É uma ação essencial para o aprimoramento dos atendimentos oferecidos a</p><p>mulheres em situação de violência, com vistas à garantia de sua segurança (MEDEIROS,</p><p>TAVARES & DINIZ, 2015).</p><p>A avaliação de risco não deve substituir outras ações realizadas em casos de</p><p>violência doméstica, tais como registro de boletim de ocorrência policial, concessão de</p><p>medidas protetivas e acolhimento psicossocial (MEDEIROS, 2015).</p><p>125</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>A avaliação de risco permite:</p><p>⚫ Fundamentar pedidos de medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria</p><p>da Penha, contribuindo para a celeridade de seu deferimento;</p><p>⚫ Orientar a aplicação das medidas de proteção previstas no artigo 11 da Lei</p><p>Maria da Penha;</p><p>⚫ Prevenir o agravamento da violência para vítimas sobreviventes de feminicídios</p><p>e/ou vítimas indiretas;</p><p>⚫ Organizar o encaminhamento e o acompanhamento das mulheres por meio da</p><p>rede de serviços, facilitando a comunicação entre os profissionais com vistas a ampliar a</p><p>proteção para as mulheres.</p><p>REDE DE ATENDIMENTO: São as instituições ligadas à repressão e prevenção</p><p>da</p><p>violência doméstica e que se inter-relacionam para maior proteção da mulher em contexto</p><p>de violência doméstica. Exemplos: Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública,</p><p>Delegacia de Polícia, Polícia Militar, serviços de saúde, serviços de atendimento psicossocial</p><p>e serviços de assistência social.</p><p>Dimensões da avaliação de risco</p><p>Especialmente considerando que a violência contra as mulheres é multicausal, na</p><p>avaliação do risco é importante considerar a existência de diferentes dimensões e que estas</p><p>se inter-relacionam, sendo elas:</p><p>INDIVIDUAL: Aspectos e características dos indivíduos que podem se configurar em</p><p>fatores de maior vulnerabilidade ou proteção. Exemplos: presenciar violência doméstica</p><p>quando criança; sofrer abuso na infância.</p><p>CULTURAL: Aspectos culturais devem ser considerados na avaliação de risco.</p><p>Exemplos: noção de masculinidade ligada à agressão ou dominação; consentimento social</p><p>do castigo físico contra meninas e mulheres; aprovação da violência para resolver conflitos</p><p>cotidianos.</p><p>FAMILIAR: O contexto familiar em que o caso se encontra inserido. Exemplos:</p><p>conflitos conjugais; controle patrimonial por parte do homem; uso de violência como</p><p>resolução dos conflitos familiares.</p><p>SOCIAL: O contexto social mais amplo também deve ser considerado. Isolamento</p><p>da mulher; desemprego; dificuldade de acesso aos serviços da rede de atendimento.</p><p>126</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Fatores de Risco</p><p>São eventos e características individuais e ambientais que aumentam a</p><p>probabilidade de ocorrerem atos violentos contra as mulheres nas relações domésticas e</p><p>familiares. Eis alguns fatores de risco já identificados pela literatura:</p><p>⚫ Estereótipos rígidos de gênero;</p><p>⚫ Separação recente;</p><p>⚫ Ameaça ou tentativa de suicídio;</p><p>⚫ Dependência econômica;</p><p>⚫ Histórico de violência;</p><p>⚫ Escalada na frequência e intensidade da violência;</p><p>⚫ Acesso à arma de fogo;</p><p>⚫ Desemprego;</p><p>⚫ Comportamento de ciúme excessivo e controle sobre vítima;</p><p>⚫ Descumprimento de medidas protetivas;</p><p>⚫ Conflitos relacionados à guarda, visita ou pensão de filhos;</p><p>⚫ Dependência emocional;</p><p>⚫ Ocorrências policiais anteriores/ reincidência;</p><p>⚫ Uso abusivo de álcool e outras drogas;</p><p>⚫ Isolamento social da vítima;</p><p>⚫ Agressões físicas graves, ameaças;</p><p>⚫ Agressões durante a gestação;</p><p>⚫ Transtornos mentais;</p><p>⚫ Vítima ser Pessoa com Deficiência (PcD);</p><p>⚫ Banalização ou negação da violência.</p><p>127</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>ATENÇÃO:</p><p>O uso de armas nos episódios de violência é apontado pela literatura como um fator</p><p>de risco importante. (Medeiros, 2015).</p><p>Estudos indicam que mulheres ameaçadas ou agredidas com arma têm 20 vezes</p><p>mais probabilidades de serem vítimas de feminicídio. (AMCV et al., 2013)</p><p>A violência durante a gestação está relacionada ao risco de feminicídio (Campbell et</p><p>al., 2003).</p><p>Limitações físicas e psicológicas decorrentes do período gestacional podem</p><p>acentuar a situação de vulnerabilidade da mulher. Identificar episódios de violência durante</p><p>a gravidez é relevante para a avaliação da dinâmica relacional (Medeiros, 2015).</p><p>Fatores de proteção</p><p>São eventos e características pessoais e ambientais que protegem as mulheres da</p><p>vulnerabilidade a que estão expostas pelos fatores de risco e contribuem para a construção</p><p>de estratégias de enfrentamento e ruptura das situações de violência. Sendo alguns deles:</p><p>⚫ Rede de apoio fortalecida;</p><p>⚫ Adesão ou inserção em acompanhamento pela rede de proteção;</p><p>⚫ Separação ou melhorias no relacionamento;</p><p>⚫ Autonomia da vítima;</p><p>⚫ Interrupção da violência;</p><p>⚫ Auto responsabilização do agressor;</p><p>⚫ Filhos protegidos;</p><p>⚫ Publicização do fato;</p><p>⚫ Articulação da rede de proteção;</p><p>⚫ Deferimento de medidas protetivas adequadas e respeito às medidas</p><p>protetivas;</p><p>⚫ Independência financeira;</p><p>⚫ Estabelecimento de políticas públicas de proteção às vítimas e</p><p>responsabilização dos agressores.</p><p>128</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>ATENÇÃO</p><p>AUTONOMIA DAS MULHERES: autonomia é a capacidade de tomar decisões</p><p>próprias, de tornar-se independente de alguém ou de alguma situação. Autonomia significa</p><p>superar a situação de coação, visando à superação em relação à desigualdade de poderes.</p><p>O atendimento policial visa respeitar e promover a tomada de decisão da mulher quanto à</p><p>sua vida e quanto à interrupção do ciclo da violência. (MJSP, 2022).</p><p>Classificação e gestão do risco</p><p>A gestão do risco deve se configurar em um esforço conjunto de construção de uma</p><p>avaliação estruturada que possa permitir mapear os fatores de risco, reconhecer o perigo</p><p>existente e, por conseguinte, favorecer a adoção das medidas e intervenções capazes de</p><p>minimizar os riscos e contribuir para a proteção da mulher.</p><p>Gestão de Risco</p><p>É o conjunto de estratégias que visam prevenir o risco de reincidência ou o aumento</p><p>da gravidade da violência.</p><p>Portanto, a correta identificação dos fatores de risco e proteção é fundamental para</p><p>a gestão do risco e, nesse sentido, instrumentos como o Formulário Nacional de Avaliação</p><p>de Risco (FONAR) são essenciais.</p><p>Figura 38: FONAR</p><p>Fonte: TJDFT</p><p>129</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Plano de Segurança</p><p>É o conjunto de estratégias a serem acionadas em situações de risco e que podem</p><p>fazer toda a diferença, em contextos de Violência de Doméstica de Gênero contra a mulher.</p><p>Embora saibamos que existem questões estruturais que tornam os casos de</p><p>violência doméstica parecidos, é importante frisar que cada situação é única e que, portanto,</p><p>há necessidade de elaboração dos Planos Individuais de Segurança e os Planos de</p><p>Segurança em Rede, os quais, sempre que possível, deverão também ser elaborados com</p><p>a colaboração de integrantes de entidades públicas ou privadas, sendo fundamental a</p><p>comunicação entre todos, com o objetivo de diversificar as forças e favorecer o acesso da</p><p>vítima aos recursos de diversos órgãos.</p><p>⚫ Plano de segurança pessoal: Deve ser individualizado e elaborado junto com</p><p>a mulher em situação de violência e poderá incluir desde contatos com organização de</p><p>atendimento a mulheres em situação de violência doméstica; acionamentos números de</p><p>emergência, como da Polícia Militar; Uso de aplicativos de proteção e segurança para</p><p>mulheres; identificar lugares seguros dentro da residência em caso de ataques; identificar</p><p>familiares e vizinhos que possam oferecer suporte; acesso a recursos financeiros; cuidados</p><p>quanto à guarda de documentos; dentre outros.</p><p>⚫ Plano de Segurança em Rede: Trabalho articulado entre os diversos atores</p><p>da rede, envolvendo ações de organizações governamentais e não governamentais</p><p>responsáveis por garantir a proteção e o atendimento a pessoas em situações de violência</p><p>doméstica e familiar.</p><p>ATENÇÃO:</p><p>A avaliação de risco requer uma intervenção integrada entre os serviços da rede de</p><p>atendimento e envolve a elaboração de plano de segurança pessoal e plano de intervenção</p><p>institucional com enfoque na proteção da mulher, dos filhos e de outros familiares envolvidos</p><p>na situação de risco (AMCV et al, 2013; Glass, Eden, Boom & Perrin, 2010 in Medeiros,</p><p>2015).</p><p>130</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Formulário Nacional de Avaliação do Risco (FONAR)</p><p>O Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FONAR) é um instrumento criado em</p><p>conjunto</p><p>pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério</p><p>Público (CNMP) para avaliar de forma técnica os riscos associados a cada caso de violência</p><p>doméstica e familiar, com o objetivo de evitar o agravamento das violências e o feminicídio.</p><p>O FONAR está previsto através da Lei n.º 14.149/21 de maio de 2021 e determina a</p><p>aplicação do questionário às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar</p><p>preferencialmente pela Polícia Civil, pelo Ministério Público ou pelo Poder Judiciário,</p><p>dependendo de onde ocorra o primeiro atendimento dessa mulher, conforme se verifica pelo</p><p>artigo 3 º da citada lei:</p><p>Art. 3º- O Formulário Nacional de Avaliação de Risco será preferencialmente aplicado pela Polícia</p><p>Civil no momento do registro da ocorrência policial, ou, na impossibilidade, pela equipe do Ministério Público</p><p>ou do Poder Judiciário, por ocasião do primeiro atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar.</p><p>Parágrafo único. É facultada a utilização do modelo de Formulário Nacional de Avaliação de Risco</p><p>por outras instituições, públicas ou privadas, que atuem na área da prevenção e do enfrentamento da violência</p><p>doméstica e familiar contra a mulher.</p><p>Note-se que não há impeditivo para que outras instituições, públicas ou privadas,</p><p>atuem na área da prevenção e do enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a</p><p>mulher. Portanto é possível que os profissionais atuantes nas Patrulhas e Rondas Maria da</p><p>Penha, desde que devidamente capacitados, também apliquem o questionário.</p><p>Contudo, é importante que seja evitado que vítima tenha que responder o FONAR</p><p>várias vezes, ou seja, em cada órgão pelo qual venha passar ela precise novamente</p><p>responder ao questionário. A repetição desnecessária de determinado procedimento pode</p><p>ensejar mais sofrimento às vítimas, caracterizando um tipo de revitimização, daí a</p><p>importância da articulação das instituições em rede para que, uma vez respondido o FONAR,</p><p>as informações cheguem às instituições encarregadas do acompanhamento do caso e da</p><p>gestão do risco.</p><p>O Formulário é composto de questões objetivas (Parte I) e subjetivas (Parte II), e</p><p>será aplicado por profissional capacitado, admitindo-se, na sua ausência, o preenchimento</p><p>pela própria vítima, tão somente, quanto às questões objetivas (Parte I) sendo esta dividida</p><p>em quatro blocos:</p><p>BLOCO I - SOBRE O HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA</p><p>BLOCO II - SOBRE O (A) AGRESSOR (A)</p><p>131</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>BLOCO III - SOBRE VOCÊ (a vítima)</p><p>BLOCO IV - OUTRAS INFORMAÇÕES IMPORTANTES</p><p>As perguntas do questionário permitem avaliar de forma técnica o grau de risco e</p><p>aplicação de medidas necessárias e disponíveis a cada órgão da rede, podendo ser estas</p><p>desde a expedição das medidas protetivas de urgência pelo Judiciário até a indicação e</p><p>condução da vítima para abrigo sigiloso ou casa de passagem - nas localidades onde existam</p><p>- ou mesmo a frequência de visitas à determinada vítima pelos serviços de Patrulhas e</p><p>Rondas Maria da Penha.</p><p>Portanto, o FONAR deve ser compreendido como um importante instrumento para o</p><p>trabalho de toda a rede de proteção e enfrentamento da violência contra mulher, e não como</p><p>mais um procedimento burocrático e formal. O FONAR deve ser utilizado e compreendido</p><p>como elemento de tomada de decisão pelos atores da rede.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>1 - Recomendamos a leitura e análise do FORNAR através do link:</p><p>https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3218</p><p>132</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Leia atentamente o estudo de caso a seguir:</p><p>Um homem de 56 anos assassinou a ex-mulher com três tiros e depois se matou em</p><p>uma manhã de terça-feira, na zona oeste do Rio de Janeiro. O caso foi registrado como</p><p>feminicídio e seguido de suicídio.</p><p>O autor do crime, analista financeiro, que se separou há poucos meses da esposa,</p><p>uma médica de 46 anos, não aceitava o fim do relacionamento. Ele aguardou a ex-mulher</p><p>sair para o trabalho, por volta das 9 horas da manhã, a encurralou em frente ao condomínio</p><p>onde ela morava e fez quatro disparos contra a mesma.</p><p>Três tiros acertaram a vítima, que foi socorrida ainda com vida e encaminhada pela</p><p>unidade de resgate ao pronto socorro, mas não resistiu.</p><p>O assassino fugiu do local do crime e foi encontrado pela Polícia Militar em sua casa,</p><p>cerca de duas horas depois. Ele se trancou na residência e pediu um psicólogo e um</p><p>advogado ao Grupo de Ações Táticas Especiais do BOPE da PMERJ. Durante as</p><p>negociações, o autor chegou a dizer que iria se entregar, mas atirou contra si mesmo, vindo</p><p>a morrer no local.</p><p>Após o fato, relatos de familiares e vizinhos sobre o caso informam que o casal</p><p>apresentava longo histórico de violências anteriores, porém não registradas. E era de</p><p>conhecimento de amigos e familiares que o autor possuía uma arma de fogo legalmente</p><p>registrada e que se tornava agressivo após uso de álcool.</p><p>Na Prática</p><p>Com base na leitura desse caso:</p><p>a) Quais fatores de risco podem ser identificados nesse contexto?</p><p>b) Que medidas de proteção e encaminhamentos poderiam ser feitos, caso os</p><p>episódios de violência anteriores fossem notificados antes desse desfecho?</p><p>133</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Finalizando</p><p>Nesta aula você aprendeu que:</p><p>⚫ Uma parte importante da prevenção e enfrentamento da violência contra</p><p>mulheres e meninas passa pela identificação e reconhecimento dessa violência em suas</p><p>distintas manifestações;</p><p>⚫ Fatores como tempo de resposta das forças de segurança pública nos casos</p><p>de acionamentos emergenciais de crimes contra a mulher, bem como o acolhimento e a</p><p>correta aplicação da lei têm efeitos importantes para reduzir a impunidade e transmitir</p><p>segurança às vítimas que denunciam;</p><p>⚫ É importante compreender a avaliar os riscos associados à violência contra</p><p>mulheres e meninas, que devido a suas características podem se agravar até um feminicídio;</p><p>⚫ O FONAR está previsto através da Lei n.º 14.149/21 de maio de 2021.</p><p>134</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.3.3.4 Aula 4: Identificando o papel dos atores da segurança pública na</p><p>redução da “rota crítica” das vítimas de violência.</p><p>Introdução</p><p>O percurso das mulheres e meninas vítimas de violência pelos diferentes órgãos da</p><p>rede de proteção e enfrentamento da violência contra mulher pode se configurar em processo</p><p>de revitimização, conforme temos visto ao longo deste curso.</p><p>Nesse contexto, a sensibilização dos profissionais do Susp quanto ao seu papel na</p><p>redução da rota crítica das vítimas de violência torna-se importante elemento na prestação</p><p>do serviço. Entretanto, é preciso inicialmente reforçar os conceitos de rede de atendimento</p><p>e rota crítica, bem como tais conceitos se relacionam com a atuação da segurança pública,</p><p>no atendimento especializado e não especializado.</p><p>Atuação da segurança pública com perspectiva de rede</p><p>Figura 39: Segurança Pública</p><p>Fonte: Grancursosonline</p><p>A violência contra as mulheres constitui um fenômeno multidimensional e</p><p>multifacetado, relacionado a uma gama de fatores individuais, relacionais, comunitários e</p><p>socioculturais. Portanto, o enfrentamento desse tipo de violência demanda a atuação de</p><p>todos os setores com perspectiva de rede. O trabalho em rede parte do princípio de que cada</p><p>sujeito ou instituição isoladamente não é capaz de dar conta da atenção integral às</p><p>demandas e necessidades das mulheres em situação de violência.</p><p>135</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento</p><p>ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Rede é uma malha de múltiplos fios, que pode se espalhar indefinidamente para todos os lados, sem</p><p>que nenhum dos seus nós possa ser considerado principal ou central, nem representante dos demais. Não há</p><p>um “chefe”, o que há é uma vontade coletiva de realizar determinado objetivo. (WHITAKER, 1993, p. 26).</p><p>Figura 40: Rede de articulação.</p><p>Fonte: https://fnq.org.br</p><p>Do latim retis, a palavra rede significa teia, entrelaçamento de fios e nós que formam</p><p>uma espécie de tecido.</p><p>Nesse sentido o conceito de rede de enfrentamento da violência contra as mulheres</p><p>se refere à atuação articulada entre as instituições, serviços governamentais, não-</p><p>governamentais e a comunidade, visando o desenvolvimento de estratégias efetivas de</p><p>prevenção e de políticas que garantam o empoderamento das mulheres e seus direitos</p><p>humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em</p><p>situação de violência (Brasília, 2011).</p><p>Já a rede de atendimento faz referência ao conjunto de ações e serviços de</p><p>diferentes setores (em especial, da assistência social, da justiça, da segurança pública e da</p><p>saúde), que visam à ampliação e à melhoria da qualidade do atendimento; à identificação</p><p>e ao encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência e à integralidade e</p><p>humanização do atendimento (Brasília, 2011).</p><p>136</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>EIXOS ESTRUTURANTES DO ENFRENTAMENTO DA</p><p>VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:</p><p>1 - PREVENÇÃO: Ações educativas que disseminem o irrestrito respeito às</p><p>mulheres e meninas;</p><p>2 - ASSISTÊNCIA: Fortalecimento da rede de atendimento e capacitação de agentes</p><p>públicos;</p><p>3 - RESPONSABILIZAÇÃO / COMBATE: Cumprimento da Lei Maria da Penha e da</p><p>Lei do Feminicídio;</p><p>4 - DADOS E INFORMAÇÕES: pesquisa e registros administrativos.</p><p>A prevenção da violência contra a mulher também compreende três níveis: a</p><p>prevenção primária, a prevenção secundária e a prevenção terciária:</p><p>PREVENÇÃO PRIMÁRIA: busca evitar a ocorrência da violência contra as</p><p>mulheres, em especial por meio de mudanças de atitudes, crenças e comportamentos e de</p><p>ações educativas, como por exemplo: campanhas, ações e programas em escolas e</p><p>universidades, dentre outras.</p><p>PREVENÇÃO SECUNDÁRIA: também denominada de intervenção precoce, refere-</p><p>se ao rol de respostas imediatas à violência para lidar com suas consequências a curto prazo</p><p>na vida das mulheres. A prevenção secundária “visa alcançar indivíduos que estão numa</p><p>situação de risco acima da média de sofrerem ou praticarem a violência doméstica, ou de</p><p>uma violência embrionária evoluir para episódios mais graves” (ÁVILA, 2017, p. 97).</p><p>Exemplos: Acolhimento psicossocial em centros de referência, atividades educativas e de</p><p>orientação sobre direitos.</p><p>PREVENÇÃO TERCIÁRIA: refere-se a respostas de longo prazo, após a ocorrência</p><p>da violência contra as mulheres, incluindo iniciativas voltadas para os autores de violência.</p><p>Em casos de violência doméstica, o apoio à vítima e a responsabilização do agressor tem</p><p>por finalidade evitar a reiteração da violência, que usualmente possui um caráter cíclico.</p><p>Exemplos: Acompanhamento de mulheres pelas Rondas e Patrulhas Maria da Penha; gestão</p><p>dos riscos e plano de segurança; ações educativas de responsabilização de autores de</p><p>violência (serviços e programas de responsabilização e educação dos agressores).</p><p>137</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Rota crítica</p><p>De acordo com a Política Nacional de enfrentamento à Violência contra a Mulher</p><p>(2011), a rota crítica “refere-se ao caminho que a mulher percorre na tentativa de encontrar</p><p>uma resposta do Estado e das redes sociais frente à situação de violência. Essa trajetória</p><p>caracteriza-se por idas e vindas, círculos que fazem com que o mesmo caminho seja repetido</p><p>sem resultar em soluções, levando ao desgaste emocional e à revitimização”.</p><p>Portanto, a necessidade de criação de uma Rede de Atendimento leva em conta a</p><p>rota crítica (OMS/OPAS, 1998) que a mulher em situação de violência percorre. Essa rota</p><p>possui diversas portas de entrada (serviços de emergência na saúde, delegacias, serviços</p><p>da assistência social), que devem trabalhar de forma articulada no sentido de prestar uma</p><p>assistência qualificada, integral e não-revitimizante à mulher em situação de violência.</p><p>Segundo BARAGATTI (2019), et al., existem os fatores impulsores e os fatores</p><p>inibidores para a mulher buscar ajuda a fim de romper com a violência sofrida. Dentre os</p><p>fatores inibidores estão: a desconfiança das instituições; a disponibilidade limitada dos</p><p>serviços de apoio; e a fragmentação dos atendimentos pela rede de proteção. Como fatores</p><p>impulsores, temos a disponibilidade de atendimento institucional e a existência de mão de</p><p>obra qualificada nos serviços de atendimento.</p><p>E o papel dos atores da segurança pública na redução da “rota crítica” das vítimas</p><p>de violência?</p><p>Tendo em vista que os órgãos de segurança pública integram a rede de</p><p>enfrentamento e proteção às mulheres em situação de violência e que a atuação dos</p><p>profissionais do Susp pode se dar através de serviços especializados e não especializados,</p><p>os atores da segurança pública têm papel importante na jornada das vítimas de violência e</p><p>podem atuar na redução dos efeitos da rota crítica das vítimas de violência.</p><p>A polícia, em razão de sua capilaridade, associada à sua disponibilidade e por ser,</p><p>normalmente, a "primeira resposta" para variados casos e situações na comunidade,</p><p>constitui um ator imprescindível para uma resposta efetiva ao problema da violência</p><p>doméstica e familiar contra a mulher.</p><p>Para o Escritório de Vítimas de Crime dos Estados Unidos (2001), as três maiores</p><p>necessidades da vítima após o crime ter sido cometido são:</p><p>1. Primeiro lugar: sentir-se segura;</p><p>138</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>2. Segundo lugar: necessidade de expressar suas emoções;</p><p>3. Em terceiro e último lugar: necessidade de saber o que irá acontecer após ter</p><p>sido vitimizada.</p><p>De uma maneira geral, para as Nações Unidas (2003) e para o Escritório para</p><p>Vítimas de Crime (2001) o rol de respostas das forças de segurança pública aos casos de</p><p>violência doméstica deve incluir:</p><p>✓ Atuação imediata ante um pedido de ajuda;</p><p>✓ Atuação imediata nos casos de reincidência;</p><p>✓ Informação e apoio à vítima durante o processo de intervenção.</p><p>Dentre as premissas para um atendimento humanizado e não-revitimizador podem-</p><p>se destacar:</p><p>Atitude compreensiva, empática e solidária;</p><p>Validação da situação de “vítima” da mulher, ou seja, de que ela não é responsável</p><p>ou culpada pela violência sofrida;</p><p>Respeito à liberdade e à autonomia das escolhas e decisões da mulher;</p><p>Garantia de privacidade e confidencialidade;</p><p>Garantia da segurança da mulher;</p><p>Escuta sem declarações ou registros que contenham conteúdo baseados em</p><p>preconceitos, pré-julgamentos e discriminações;</p><p>Trabalho intersetorial e em rede.</p><p>1</p><p>2</p><p>3</p><p>4</p><p>5</p><p>6</p><p>7</p><p>139</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Embora tenhamos enfatizado a atuação das polícias, especialmente, no contexto de</p><p>"primeira resposta" é importante destacar que, além de áreas como saúde, Justiça e</p><p>assistência social, outros órgãos do Susp podem estar na rota trilhada pelas mulheres</p><p>vítimas de violência, podendo estas ser atendidas por Guardas Municipais,</p><p>Peritos Criminais,</p><p>Bombeiros, dentre outros.</p><p>Razão pela qual conhecer o seu papel na rede de enfrentamento e proteção das</p><p>mulheres em situação de violência, bem como estar sensibilizado quanto ao problema e</p><p>devidamente capacitado pode fazer com que o profissional do Susp seja um importante ator</p><p>na redução da rota crítica das vítimas.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Assista ao vídeo: Rota Crítica – Barreiras Enfrentadas pelas Mulheres na busca por</p><p>Apoio e o Papel da Sociedade. Créditos: Equipe do Núcleo Judiciário da Mulher -</p><p>NJM/TJDFT. https://www.youtube.com/watch?v=_9tnHo5Y1OU</p><p>Finalizando</p><p>Nesta aula você aprendeu que:</p><p>⚫ O enfrentamento da violência contra a mulher demanda a atuação de todos os</p><p>setores com perspectiva de rede;</p><p>⚫ O trabalho em rede parte do princípio de que cada sujeito ou instituição</p><p>isoladamente não é capaz de dar conta da atenção integral às demandas e necessidades</p><p>das mulheres em situação de violência;</p><p>⚫ A rota crítica se refere ao caminho que a mulher percorre na tentativa de</p><p>encontrar uma resposta do Estado e das redes sociais frente à situação de violência. Essa</p><p>trajetória caracteriza-se por idas e vindas, círculos que fazem com que o mesmo caminho</p><p>seja repetido sem resultar em soluções, levando ao desgaste emocional e à revitimização.</p><p>140</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.3.3.5 Aula 5: A atuação da segurança pública de modo integrado com</p><p>os diferentes atores da rede proteção e enfrentamento.</p><p>Introdução</p><p>A lei Maria da Penha prevê a integração operacional entre órgãos que atuam no</p><p>atendimento às mulheres em situação de violência:</p><p>Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por</p><p>meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de</p><p>ações não-governamentais, tendo por diretrizes: I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério</p><p>Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação,</p><p>trabalho e habitação; (BRASIL, 2006)</p><p>Portanto, a integração entre os órgãos é um elemento importante na política de</p><p>proteção integral às mulheres e meninas em situação de violência. Nesse sentido, a</p><p>construção de protocolos, fluxos de atendimento e atuação integrada são essenciais para a</p><p>qualidade do atendimento às vítimas e consequente redução das idas e vindas pelos</p><p>serviços.</p><p>Conforme visto até aqui, diversos fatores concorrem para que as mulheres vítimas</p><p>de violência desistam ao longo do processo. E, nesse contexto, os diferentes órgãos</p><p>precisam estar conectados para que os encaminhamentos e procedimentos necessários</p><p>sejam realizados de modo a impactar ao mínimo possível a vítima de violência.</p><p>Atuação Integrada</p><p>Para falar de atuação integrada entre os órgãos de enfrentamento e combate à</p><p>violência contra mulheres e meninas, é necessário retomar a importância da perspectiva de</p><p>rede. Deve-se considerar que, para atuar de forma integrada, primeiramente, é preciso</p><p>compreender as atribuições de cada serviço e suas limitações.</p><p>A rede precisa ser entendida como uma forma de gestão pública marcada pela</p><p>cooperação e solidariedade, pautada na interdependência.</p><p>141</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Pilares do trabalho em rede:</p><p>⚫ RECONHECER: que o outro existe e é importante;</p><p>⚫ CONHECER: o que o outro faz;</p><p>⚫ COLABORAR: prestar parceria quando necessário;</p><p>⚫ COOPERAR: compartilhar saberes, ações e poderes; compartilhar objetivos e</p><p>projetos.</p><p>Entretanto, Pasinato (2015) destaca que é necessário ultrapassar os limites da</p><p>atuação em microrredes de execução, ou seja, das relações pessoais entre profissionais de</p><p>ponta para encaminhamentos imediatos que, embora de suma importância, têm seus efeitos</p><p>limitados, para então atingir a efetiva institucionalização da atividade política de articulação</p><p>(comunicação), a fim de fornecer sustentabilidade e eficácia da rede.</p><p>Dutra et al (2013) também destaca os da informalidade e pessoalidade na interação</p><p>dos atores da rede de atendimento às mulheres em situação de violência:</p><p>A necessidade dos profissionais de compartilhar sua prática acaba se resolvendo de modo informal,</p><p>na rede de relações pessoais, a partir da confiança mútua. Entretanto, essa rede se dissolve quando os atores</p><p>mudam de posição e levam consigo sua rede de contatos e apoios. Não há, assim, um vínculo entre os serviços</p><p>e um fluxo interinstitucional que permita a troca de experiências.</p><p>Embora, de fato na prática, as pessoas das instituições se comuniquem, é importante</p><p>que essa comunicação seja institucional, que a rede seja institucional e não apenas pessoal,</p><p>pois a pessoalidade tem como um dos seus efeitos negativos a dependência de indivíduos</p><p>que acabam por se tornar “insubstituíveis”, inviabilizando a continuidade de fluxos, ações</p><p>institucionais e até políticas públicas em caso de eventual substituição desses atores.</p><p>Vantagens de trabalhar de forma integrada</p><p>Podemos identificar vários benefícios na atuação integrada, os quais atingem não</p><p>apenas as mulheres em situação de violência, mas geram benefícios também para as</p><p>instituições, como os que se destacam abaixo:</p><p>⚫ Estabelecer vínculos positivos por meio da interação entre instituições e</p><p>pessoas;</p><p>⚫ Refletir, trocar experiências e buscar soluções para problemas comuns;</p><p>⚫ Estimular o exercício da solidariedade e da cidadania;</p><p>⚫ Ampliar as possibilidades de intervenção;</p><p>142</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>⚫ Promover maior resolutividade dos problemas;</p><p>⚫ Estabelecer e encurtar os fluxos de atendimento;</p><p>⚫ Evitar a revitimização das mulheres.</p><p>Desafios do trabalho integrado</p><p>Entretanto, trabalhar de forma integrada, embora seja um ideal a ser alcançado pelas</p><p>políticas de proteção às mulheres, ainda assim tem seus desafios e percalços. Dentre os</p><p>quais podemos destacar alguns:</p><p>⚫ Reduzido número de serviços especializados (considerando toda a realidade</p><p>local, urbana e rural);</p><p>⚫ Escassez de recursos financeiros e humanos;</p><p>⚫ Carência de equipe qualificada para o atendimento às mulheres, a fim de evitar</p><p>a revitimização no atendimento (atendimento especializado e não especializado);</p><p>⚫ Desconhecimento sobre o trabalho de outras instituições;</p><p>⚫ Falta de conhecimento dos fluxos de encaminhamentos adequados por parte</p><p>dos serviços não especializados;</p><p>⚫ Pouca integração entre a rede de proteção às mulheres e as outras redes:</p><p>socioassistencial, de saúde, da justiça e segurança que, em algumas regiões, ainda</p><p>trabalham de forma isolada, dificultando a articulação;</p><p>⚫ Pensamento de que “só o meu serviço é que sabe fazer o trabalho direito”.</p><p>Algumas estratégias de atuação integrada</p><p>Apesar das dificuldades da atuação integrada entre os órgãos, existem estratégias</p><p>que podem ajudar na necessária integração, dentre as quais destacamos algumas:</p><p>✓ Organização do fluxo de atendimento pautado nos marcos legais, em especial</p><p>a Lei Maria da Penha e legislações correlatas;</p><p>✓ Definição dos fluxos de atendimento;</p><p>✓ Identificação das instituições e estabelecimento de uma rede local;</p><p>✓ Ampla divulgação das ações da rede e dos locais de atendimento;</p><p>✓ Realização de fóruns permanentes para troca de informações e</p><p>aprofundamento das relações institucionais.</p><p>143</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>A segurança pública no contexto de integração operacional</p><p>Preliminarmente, é importante ressaltar que existem</p><p>distintas portas de entrada para</p><p>o primeiro atendimento de mulheres em situação de violência à rede de proteção, como é o</p><p>caso da saúde e assistência social. Entretanto, os profissionais de segurança pública, em</p><p>especial os policiais civis, são os primeiros profissionais a terem contato pessoal com as</p><p>mulheres em situação de violência doméstica. Nessa situação, o contato inicial é muito</p><p>importante, podendo ser fundamental para a descrição da queixa e posterior investigação</p><p>criminal. (CARMO SOUZA, ET AL, 2018).</p><p>Entretanto, em se tratando de atendimentos emergenciais podemos ter esse primeiro</p><p>atendimento realizado pela Polícia Militar, Guardas Municipais ou Corpos de Bombeiros a</p><p>depender do tipo de acionamento ou cobertura dos serviços na região do fato, sendo</p><p>importante que estes profissionais tenham conhecimento, ainda que básico, dos fluxos e</p><p>serviços existentes na sua área de atuação.</p><p>Seguem abaixo alguns exemplos de serviços integrantes da rede de atendimento:</p><p>✓ Centros de Referência de Atendimento à Mulher, Núcleos de Atendimento à</p><p>Mulher;</p><p>✓ Casas-Abrigo;</p><p>✓ Casas de Acolhimento Provisório;</p><p>✓ Abrigo sigiloso;</p><p>✓ Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher;</p><p>✓ Núcleos ou Postos de Atendimento à Mulher nas Delegacias Comuns da</p><p>Polícia Civil e Militar;</p><p>✓ Instituto Médico Legal;</p><p>✓ Defensorias Pública;</p><p>✓ Juizados de Violência Doméstica e Familiar;</p><p>✓ Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180;</p><p>✓ Ouvidorias da Mulher;</p><p>✓ Serviços de Saúde voltados para o atendimento dos casos de violência sexual</p><p>e doméstica;</p><p>✓ Patrulha e Ronda Maria da Penha das Polícias Militares e Guardas Municipais;</p><p>✓ Casa da Mulher Brasileira.</p><p>A integração operacional no âmbito da segurança pública se torna mais presente</p><p>nos serviços especializados como as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e</p><p>144</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Rondas ou Patrulhas Maria da Penha. Nesses serviços a existência de diretrizes, protocolos</p><p>e fluxos preestabelecidos de encaminhamentos fazem com que a interação seja mais efetiva.</p><p>Observe a seguir os modelos de fluxogramas de atendimento às mulheres vítimas</p><p>de violência, publicamente divulgados pela Prefeitura de Uberaba. Estes fluxogramas,</p><p>embora reflitam a situação local em um dado momento, são bons exemplos de como a</p><p>construção e publicização dos protocolos e fluxos de atendimento às mulheres vítimas</p><p>contribuem para a transparência e orientação de todos os interessados e, nesse contexto,</p><p>encontra-se a população e também os agentes públicos, que muitas vezes desconhecem a</p><p>estrutura existente e quais os encaminhamentos possíveis a cada situação de violência</p><p>contra mulheres e meninas.</p><p>Imagem 41: fluxograma de atendimento às mulheres vítimas de violência de segunda à sexta das 8:00h às</p><p>18:00h.</p><p>Fonte: http://www.uberaba.mg.gov.br/portal/conteudo,52860</p><p>Este fluxograma apresenta toda a rede de atendimento e os caminhos a partir de</p><p>cada possível porta de entrada da mulher em situação de violência. Nota-se que ele detalha,</p><p>além dos fluxos, os dias e horários de atendimento.</p><p>145</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Imagem 42: fluxograma de atendimento às mulheres vítimas de violência de após às 18:00h, finais de</p><p>semana e feriados.</p><p>Fonte: http://www.uberaba.mg.gov.br/portal/conteudo,52860</p><p>Este é o fluxograma de atendimento noturno, finais de semana e feriados, esse tipo</p><p>de informação é fundamental para evitar idas e vindas das mulheres em situação de</p><p>violência, sobretudo em situação de emergência, quando a vítima se encontra ainda mais</p><p>fragilizada.</p><p>Imagem 43: fluxograma de assistência jurídica às mulheres vítimas de violência doméstica.</p><p>Fonte: http://www.uberaba.mg.gov.br/portal/conteudo,52860</p><p>146</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Já este outro fluxograma apresenta os serviços de assistência jurídica disponíveis</p><p>às mulheres vítimas de violência doméstica. Observe que no modelo, a Delegacia de Polícia,</p><p>a Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica (PPVD) e o Centro Integrado da Mulher</p><p>(CIM), podem fazer o encaminhamento para esses serviços, garantindo o acesso das vítimas</p><p>à defesa de seus direitos e acompanhamento jurídico durante o processo.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Casa da Mulher Brasileira:</p><p>https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/politicas-para-</p><p>mulheres/arquivo/assuntos/violencia/cmb</p><p>E reflita sobre o modo como funciona a Casa da Mulher Brasileira e como a estrutura</p><p>deste serviço público contribui para integração entre os órgãos e onde a segurança pública</p><p>se insere neste espaço.</p><p>Finalizando</p><p>Nesta aula você aprendeu que:</p><p>⚫ A integração operacional entre órgãos que atuam no atendimento às</p><p>mulheres em situação de violência é prevista em lei;</p><p>⚫ A atuação integrada entre os órgãos de enfrentamento e combate à violência</p><p>contra mulheres e meninas está diretamente relacionada à atuação em rede;</p><p>⚫ Para atuar de forma integrada, primeiramente, é preciso compreender as</p><p>atribuições de cada serviço e suas limitações;</p><p>⚫ Na atuação integrada entre os diferentes órgãos voltados ao atendimento das</p><p>mulheres em situação de violência, é importante que a comunicação seja institucional, que</p><p>a rede seja institucional e não apenas pessoal.</p><p>147</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.3.3.6 Aula 6: Serviços especializados no atendimento a mulheres e</p><p>meninas no âmbito da segurança pública.</p><p>Introdução</p><p>Nesta aula abordaremos os serviços especializados no atendimento às mulheres em</p><p>situação de violência no âmbito da segurança pública, seu histórico e dinâmicas de</p><p>funcionamento. Nesse contexto, vamos conhecer um pouco mais sobre esse tipo de</p><p>especialização e sua importância na jornada das vítimas de violência.</p><p>O que é um serviço especializado? O status de serviços especializados de</p><p>atendimento à mulher se atribui àqueles que atendem exclusivamente a mulheres e que</p><p>possuem expertise no tema da violência contra as mulheres.</p><p>Figura 44: CEAM</p><p>Fonte: Prefeitura de Luziânia/GO</p><p>No campo da segurança pública, as primeiras iniciativas de atuação policial</p><p>especializada no atendimento à violência contra a mulher no país surgem nas polícias civis</p><p>que, nos anos 1980, criaram as primeiras Delegacias Especializadas de Atendimento à</p><p>Mulher (DEAM) ou Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), fazendo de um serviço policial</p><p>a principal política pública no modelo de Patrulha Maria da Penha (Patrulhas, Rondas ou</p><p>Guardiãs Maria da Penha, Patrulhas de Prevenção à Violência Doméstica). Segundo</p><p>Macaulay (2022), as patrulhas policiais de “segunda resposta” constituem uma forma</p><p>inovadora de enfrentamento da violência doméstica.</p><p>O Rio Grande do Sul foi o estado brasileiro pioneiro na criação desta modalidade de</p><p>policiamento, instalando em 2012, no âmbito da Brigada Militar, a Patrulha Maria da Penha,</p><p>conforme destaca Gerhard (2014), com a finalidade de expandir a atuação da PM nos</p><p>conflitos de gênero, através da especialização de suas atividades junto a mulheres vitimadas</p><p>em âmbito doméstico.</p><p>148</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Dessa forma, com objetivo de comprovar a efetividade das práticas de polícia comunitária, foi criado</p><p>e instalado, no dia 20 de outubro de 2012, pela Polícia Militar, um programa de pleno atendimento às mulheres</p><p>vítimas de violência doméstica, a Patrulha Maria da Penha, com atendimento e fiscalização através</p><p>de policiais</p><p>militares capacitados especificamente para essa finalidade, contemplando a adequação de recursos, meios e</p><p>práticas de polícia às necessidades das vítimas e buscando seu envolvimento na solução da violência</p><p>doméstica. (GERHARD, 2014, p.83)</p><p>Desde então, o atendimento especializado para mulheres em situação de violência,</p><p>através da criação de Patrulhas e Rondas Maria da Penha, também vem sendo adotada</p><p>tanto pelas Polícias Militares, quanto pelas Guardas Municipais e Guardas Civis em</p><p>diferentes municípios brasileiros, como por exemplos: a Guarda Civil Metropolitana de São</p><p>Paulo (2014), a Guarda Civil Municipal de Suzano - SP (2014) e a Guarda Municipal de</p><p>Duque de Caxias – RJ (2016).</p><p>As Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher</p><p>A criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher foi a primeira</p><p>experiência de implementação de uma política pública de combate à violência contra as</p><p>mulheres no Brasil, sendo a primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) instalada em</p><p>1985, na cidade de São Paulo.</p><p>A Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento</p><p>às Mulheres – DEAM (Brasília, 2010), apresenta o contexto histórico de criação da DEAM e</p><p>sua implementação como uma resposta à demanda social mobilizada pelos movimentos</p><p>feministas e de mulheres por uma ação mais efetiva do Estado em relação à violência contra</p><p>as mulheres.</p><p>A política de criação das DEAMs teve como motivação primária responder à demanda dos</p><p>movimentos feministas e de mulheres por uma ação mais vigorosa por parte do Estado em relação à violência</p><p>contra as mulheres. Os movimentos sociais de mulheres criticavam o descaso e/ou a tolerância com que o</p><p>sistema de justiça criminal lidava com os crimes cometidos contra as mulheres, particularmente os homicídios</p><p>ditos “passionais” e a violência doméstica e sexual. (Brasília, 2010:7)</p><p>Segundo Kopittke (2023), em alguns estados brasileiros as DEAMs investigam todo</p><p>tipo de violações de direitos das mulheres, enquanto em outros, as delegacias especializadas</p><p>focam sua atuação apenas nos crimes da Lei Maria da Penha, como violência doméstica,</p><p>além de casos de crimes contra a dignidade sexual e feminicídio.</p><p>A Lei Maria da Penha, em suas diretrizes de integração de ações entre as esferas</p><p>governamentais, constantes do artigo 8º, inciso IV, destaca a implementação de atendimento</p><p>policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à</p><p>Mulher.</p><p>149</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Nesse contexto, o atendimento especializado nas DEAMs demanda profissionais</p><p>habilitados, qualificados e sensibilizados. Sendo que, para esse atendimento, é necessário</p><p>o conhecimento do fenômeno da violência e suas implicações na vida das mulheres.</p><p>As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher compõem a estrutura da</p><p>Polícia Civil, órgão integrante do Sistema de Segurança Pública de cada Estado. Esse</p><p>serviço especializado, além de um importante porta de entrada das mulheres na rede de</p><p>serviços, tem papel fundamental na prevenção e repressão qualificada à violência contra as</p><p>mulheres, desempenhando o papel prático de coibir, prevenir e investigar os crimes de</p><p>violência contra a mulher.</p><p>Atribuições das DEAMs</p><p>As atribuições das Delegacias de Polícia Civil - dentre as quais se incluem as DEAMs</p><p>- estabelecidas pela Lei 11.340/2006 estão dispostas no Capítulo III, artigos 10 a 12-C e seus</p><p>incisos. Destacando-se que o artigo 11 da Lei estabelece que as Autoridades Policiais, além</p><p>da realização de todos os procedimentos policiais cabíveis para a elucidação do crime</p><p>(inquérito policial), deverão ainda:</p><p>I - Garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao</p><p>Ministério Público e ao Poder Judiciário;</p><p>II - Encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;</p><p>III - Fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local</p><p>seguro, quando houver risco de vida;</p><p>IV - Se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus</p><p>pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;</p><p>V - Informar à ofendida os direitos a ela conferidos na Lei e os serviços disponíveis,</p><p>inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento perante o juízo competente</p><p>da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de</p><p>união estável.</p><p>Observe que o inciso V trata da necessidade de informação sobre os serviços</p><p>disponíveis e o consequente encaminhamento à rede de serviços de atendimento à mulher</p><p>em situação de violência, o que requer não apenas o conhecimento formal da rede, mas uma</p><p>atuação integrada com os demais órgãos e serviços da rede.</p><p>150</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Cabendo, portanto, relembrar que a política integral e articulada de prevenção e</p><p>assistência à mulher em situação de violência estabelecida pela Lei Maria da Penha requer</p><p>a criação e/ou articulação da rede de serviços de atendimento entre todos os atores</p><p>envolvidos.</p><p>Sabemos que o primeiro contato entre o (a) policial e a mulher em situação de</p><p>violência é muito importante e pode ser determinante para o desenrolar da queixa-crime e/ou</p><p>da investigação criminal. Assim sendo, desde a estrutura física da DEAM até a postura dos</p><p>agentes devem propiciar um atendimento acolhedor, conforme preconiza a Norma Técnica</p><p>de Padronização das Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres. Link:</p><p>https://dspace.mj.gov.br/bitstream/1/2338/1/6padronizacao_deams.pdf.</p><p>Imagem 45: 1ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) - São Paulo</p><p>Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/</p><p>Embora a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher seja uma das políticas</p><p>públicas no âmbito da segurança mais reconhecidas pela população - fato que se verifica</p><p>através de dados como os da pesquisa “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no</p><p>Brasil ”, do FBSP (2023), mostrando que 14,0% das mulheres que sofreram algum tipo de</p><p>violência denunciou o fato numa DEAM - ainda assim, a maioria dos municípios brasileiros</p><p>não possui o serviço, ficando, portanto, a cargo das Delegacias Distritais (não</p><p>especializadas) o atendimento das ocorrências relacionadas à violência contra a mulher.</p><p>151</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Link para a pesquisa Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil:</p><p>https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/03/visiveleinvisivel-2023-</p><p>relatorio.pdf</p><p>Outro levantamento mais recente mostrou que existem apenas 492 delegacias</p><p>especializadas no atendimento à mulher no Brasil e destas, apenas 60 (12,1%) funcionam</p><p>24 horas, embora a lei nº 14.541 de 03 de abril de 2023 disponha sobre a criação e o</p><p>funcionamento ininterrupto de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. Link</p><p>para a lei:</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14541.htm</p><p>Art. 3º As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam) têm como finalidade o</p><p>atendimento de todas as mulheres que tenham sido vítimas de violência doméstica e familiar, crimes contra a</p><p>dignidade sexual e feminicídios, e funcionarão ininterruptamente, inclusive em feriados e finais de</p><p>semana.</p><p>§ 1º O atendimento às mulheres nas delegacias será realizado em sala reservada e,</p><p>preferencialmente, por policiais do sexo feminino.</p><p>§ 2º Os policiais encarregados do atendimento a que se refere o § 1º deste artigo deverão receber</p><p>treinamento adequado para permitir o acolhimento das vítimas de maneira eficaz e humanitária.</p><p>§ 3º As Delegacias Especializadas disponibilizarão número de telefone</p><p>ou outro mensageiro</p><p>eletrônico destinado ao acionamento imediato da polícia em casos de violência contra a mulher.</p><p>Art. 4º Nos Municípios onde não houver Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher</p><p>(Deam), a delegacia existente deverá priorizar o atendimento da mulher vítima de violência por agente</p><p>feminina especializada. (Brasil, 2023)</p><p>Nesse sentido, a criação dos Núcleos de Atendimento à Mulher (NUAM) ou Núcleos</p><p>Integrados de Atendimento à Mulher (NIAM) tem sido uma alternativa adotada pela Polícia</p><p>Civil do Rio de Janeiro para, além das DEAMs, oferecer atendimento especializado e</p><p>acolhedor às mulheres em situação de violência nas Delegacias Distritais (não</p><p>especializadas).</p><p>Esses núcleos têm estruturas adaptadas à realidade local, mas, ainda assim, são</p><p>modelados de forma semelhante, buscando atuar de modo integrado com a rede de proteção</p><p>à mulher, mobilizando instituições, estruturas e atores em nível local, objetivando prestar um</p><p>atendimento mais humanizado e eficiente para melhor amparar às mulheres em situação de</p><p>violência, proporcionando-lhes condições para interromper o ciclo de violência.</p><p>Geralmente estes espaços são criados a partir de parcerias entre a Polícia Civil e</p><p>organismos federais, estaduais e municipais de proteção às mulheres, além de outros órgãos</p><p>e entidades integrantes da rede. O serviço conta com policiais especialmente capacitados e</p><p>policiais femininas na composição das equipes, além de terem um ambiente físico</p><p>diferenciado e mais acolhedor.</p><p>152</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Há também outras iniciativas de especialização no atendimento às mulheres em</p><p>situação de violência no âmbito das polícias civis, como é o caso dos Núcleos Integrados</p><p>de Atendimento à Mulher (NUIAMs), que são espaços especialmente desenvolvidos com o</p><p>objetivo de oferecer atendimento multidisciplinar às mulheres em situação de violência,</p><p>através de acolhimentos nas áreas de psicologia, direito e serviço social. Para isso, são</p><p>realizadas parcerias com instituições e organizações da sociedade civil, como é o caso dos</p><p>NUIAMs da Polícia Civil do Distrito Federal.</p><p>Imagem 46: NUIAM- Núcleo Integrado de Atendimento à Mulher – Distrito Federal</p><p>Fonte: https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/</p><p>O Núcleo Integrado de Atendimento à Mulher (NUIAM) é uma iniciativa da Polícia</p><p>Civil do DF para enfrentamento à violência contra a mulher, em parceria com os Juizados de</p><p>Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (TJDFT), com as Promotorias de Violência</p><p>Doméstica e Familiar Contra a Mulher (MPDFT) e Coordenadoria Executiva de Medidas</p><p>Alternativas (CEMA/MPDFT), bem como com outras instituições governamentais,</p><p>instituições de ensino superior e sociedade civil organizada. Veja mais sobre este NUIAM:</p><p>https://www.pcdf.df.gov.br/images/conteudo/gci/nuiam/folderV_final_2_1.pdf</p><p>É importante que esses serviços especializados de atendimento às mulheres no</p><p>âmbito da segurança pública sejam incorporados às estruturas organizacionais das</p><p>instituições às quais se vinculam, como forma de garantia da institucionalidade e</p><p>sustentabilidade desses serviços ao longo do tempo, evitando sua descontinuidade.</p><p>153</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Patrulhas e Rondas Maria da Penha</p><p>As Patrulhas e Rondas Maria da Penha são serviços especializados no atendimento</p><p>à mulher em situação de violência doméstica e familiar, realizados pelas Polícias Militares e</p><p>Guardas Municipais. E tem como objetivo oferecer acompanhamento preventivo periódico e</p><p>garantir maior proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar que</p><p>possuem medidas protetivas de urgência vigentes, baseadas na Lei 11.340/2006 (Lei Maria</p><p>da Penha).</p><p>As Patrulhas buscam a prevenção da violência e a proteção às vítimas, com</p><p>metodologias que atuam na análise preditiva de ocorrências e fiscalização de medidas</p><p>protetivas de urgência, principalmente as classificadas com alto grau de risco, com o objetivo</p><p>de reduzir os índices de violência e evitar a ocorrência de feminicídio.</p><p>Em regra, o acesso das mulheres em situação de violência às patrulhas acontece</p><p>por encaminhamento do Poder Judiciário, após o deferimento da medida protetiva de</p><p>urgência. Há também alguns desses serviços especializados que prestam atendimento,</p><p>ainda que a mulher não tenha medida protetiva em vigor, a partir de busca ativa e da análise</p><p>de ocorrências policiais. Macaulay (2022) destaca que as práticas operacionais das</p><p>Patrulhas Maria da penha variam ligeiramente, a depender das parcerias institucionais:</p><p>As práticas operacionais das patrulhas do MdP em diferentes estados e municípios variam</p><p>ligeiramente, dependendo da configuração das parcerias institucionais locais. Por exemplo, a avaliação de risco</p><p>e triagem de casos prioritários para encaminhamento ao comando de patrulha do MdP pode ser realizada,</p><p>diversamente, pela polícia de primeira linha, pelo responsável pelo esquadrão receptor da denúncia, pelo chefe</p><p>da esquadra da mulher, pelo Ministério Público, ou pelo tribunal (principalmente se for um Juizado</p><p>Especializado em Violência Doméstica e Familiar), seja pelo juiz isoladamente ou em conjunto com sua equipe</p><p>profissional multidisciplinar. (MACAULAY, 2022:79)</p><p>Ainda não há uma lei federal que regulamente e padronize especificamente esse tipo</p><p>de serviço, embora desde 2017 esteja em tramitação o Projeto de Lei Federal nº 7187/17</p><p>que visa incluir a Patrulha Maria da Penha entre os programas previstos na Lei Maria da</p><p>Penha, tornando-o um programa permanente e presente em todos os estados.</p><p>Portanto, as Patrulhas Maria da Penha das Polícias Militares e Guardas Municipais,</p><p>em regra, são reguladas por normas internas das instituições gestoras, decretos ou leis</p><p>estaduais ou municipais.</p><p>Todavia, em sentido mais amplo, esses serviços especializados têm seu amparo</p><p>legal no Art. 8º da Lei Maria da Penha, que estabelece que a política pública que visa coibir</p><p>a violência doméstica e familiar contra a mulher se dará por meio de um conjunto articulado</p><p>de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.</p><p>154</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Principais características e modelo de atuação:</p><p>As Patrulhas e Rondas Maria da Penha possuem modelos de atuação, estruturas e</p><p>características semelhantes, dentre as quais pode-se destacar:</p><p>⚫ Identidade visual específica (viaturas caracterizadas com elementos na cor</p><p>lilás);</p><p>⚫ Profissionais previamente capacitados para o atendimento às vítimas de</p><p>violência de gênero;</p><p>⚫ Equipes integradas por policiais/guardas femininas;</p><p>⚫ Atuação em cooperação com órgãos do Sistema Justiça para a fiscalização do</p><p>cumprimento de Medidas Protetivas de Urgência.</p><p>Imagem 47: Braçal utilizado por policiais da Patrulha Maria da PM do Rio de Janeiro.</p><p>Fonte: Agência Brasil</p><p>Esse modelo de serviço especializado, pautado prioritariamente no</p><p>acompanhamento e fiscalização de medidas protetivas, se constitui em um serviço de</p><p>prevenção terciária, ou seja, a intervenção do serviço se dá após o fato (unidade de segunda</p><p>resposta).</p><p>Intervenção de Primeira Resposta: Consiste no atendimento pelo policial</p><p>que toma conhecimento do fato de violência doméstica durante o episódio criminal ou</p><p>após o relato da vítima.</p><p>155</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Intervenção de Segunda Resposta: Consiste no atendimento policial no</p><p>pós-crime, normalmente realizado após a análise dos casos mais graves e das</p><p>reincidências. Costuma ser feito através de contatos</p><p>importância</p><p>do protagonismo de mulheres a partir de uma linguagem fácil e acessível.</p><p>11</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.1.2 Objetivos do módulo</p><p>Este módulo tem por objetivos:</p><p>Contribuir para um entendimento sobre a origem e causas da violência contra</p><p>mulheres;</p><p>Oferecer ferramentas conceituais para facilitar a identificação e o registro da</p><p>violência contra as mulheres e seus diferentes tipos;</p><p>Apresentar o ciclo da violência e formas de interrompê-lo;</p><p>Apresentar a evolução e a importância dos direitos humanos de mulheres;</p><p>Apresentar os principais marcos normativos nacionais e internacionais que</p><p>servem de referência para atuação no enfrentamento da violência contra</p><p>mulheres e meninas no Brasil;</p><p>Apresentar a importância da participação de mulheres e sua relação com um</p><p>ambiente livre de violências.</p><p>1</p><p>2</p><p>3</p><p>4</p><p>5</p><p>6</p><p>12</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.1.3 Estrutura do módulo</p><p>Este módulo compreende as seguintes aulas:</p><p>Aula 1</p><p>Marco normativo internacional: a evolução dos direitos humanos de mulheres</p><p>Aula 2</p><p>Conceitos e Definições</p><p>Aula 3</p><p>Sensibilização à violência baseada em gênero</p><p>Aula 4</p><p>Participação, liderança e protagonismo de mulheres</p><p>13</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.1.3.1 Aula 1 – A evolução dos direitos humanos de mulheres</p><p>Na Prática</p><p>Vocês sabem o que são os direitos humanos? Qual a importância deles? Por que eles</p><p>foram pensados? Como eles se relacionam aos direitos humanos de mulheres?</p><p>Gostaria de convidá-los e convidá-las a pensar nessas perguntas. Tire cinco minutos e</p><p>pense um pouco sobre elas. Anote em um papel e ao fim desta aula vamos comparar as</p><p>respostas.</p><p>Agora vamos lá. Quando falamos especificamente dos direitos humanos de</p><p>mulheres, estamos falando daqueles que se ocupam principalmente deste público, inclusive</p><p>de meninas. Ao longo dos anos, foi necessário estabelecer regras sobre como os países</p><p>deveriam tratar as suas mulheres. Isso aconteceu porque nem sempre as mulheres eram</p><p>tratadas com dignidade e respeito. A evolução dos direitos das mulheres acompanhou</p><p>também a evolução dos direitos humanos. Em 1948 foi elaborada a Declaração Universal</p><p>dos Direitos Humanos. Este marco normativo teve como objetivo principal garantir direitos</p><p>básicos e dignidade a todos e a todas, inclusive aquelas pessoas marginalizadas e</p><p>tradicionalmente excluídas da vida pública do Estado.</p><p>Figura 3: Eleanor Roosevelt - Presidente da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas.</p><p>Fonte: Wikipedia</p><p>14</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Eleanor Roosevelt foi uma figura importante em São Francisco, nos Estados Unidos, local em que a Declaração foi assinada.</p><p>Na foto ela declara este que foi um dos primeiros documentos internacionais que falam sobre como os países devem tratar seus cidadãos</p><p>e cidadãs com dignidade e respeito.</p><p>Neste contexto, a presente aula explora a evolução dos direitos humanos das</p><p>mulheres, desde a sua origem a partir da evolução dos direitos humanos e do</p><p>reconhecimento da igualdade de gênero, até os dias atuais. Entender o progresso dos</p><p>direitos humanos significa entender como a desigualdade impõe barreiras para que mulheres</p><p>possam se desenvolver plenamente e contribuir para o desenvolvimento das sociedades em</p><p>que vivem.</p><p>Evolução do direito das mulheres e meninas</p><p>Para abordar o tema dos direitos das mulheres e das meninas, recomenda-se um</p><p>entendimento sobre o “regime internacional de igualdade de gênero”, o contexto histórico em</p><p>que surgiu, bem como o que ele propõe. O termo regime se refere aos “princípios, normas,</p><p>regras e procedimentos decisórios de determinada área, sobre os quais as expectativas dos</p><p>atores são convergentes”.1 Tais regras e procedimentos podem ser explícitos, como a</p><p>codificação do Direito Internacional na forma de tratados, ou podem ser implícitos ou menos</p><p>vinculantes do ponto de vista formal, a exemplo das conferências internacionais. Estas</p><p>constituem importantes normas e ações, reunidos de maneira tal que conseguem influenciar</p><p>a ação do Estado. O regime de igualdade de gênero, como outros regimes, inclui uma série</p><p>de conferências, tratados, e diversificada rede de organizações, do nível global ao local,</p><p>incluindo organizações governamentais e não governamentais.</p><p>A Carta da ONU é um documento fundador do regime de igualdade de gênero. O</p><p>Preâmbulo da Carta reafirma, especificamente, a “fé nos direitos fundamentais humanos, na</p><p>dignidade e no valor do ser humano, nos direitos iguais dos homens e mulheres e das</p><p>grandes e pequenas nações, e […] na promoção do progresso social e de padrões de vida</p><p>melhores, em um contexto mais amplo de liberdade”. A Carta também enfatiza</p><p>especialmente a não discriminação contra mulheres e meninas, e a promoção da igualdade,</p><p>do equilíbrio e da equidade de gênero nos Capítulos I, III, IX e XII. Porém, alguns dos</p><p>princípios centrais que emergem na Carta, incluindo a igualdade soberana dos Estados, a</p><p>manutenção da paz e da segurança, e a não intervenção nos assuntos internos dos Estados,</p><p>1 STEPHEN K., 1982, p. 186.</p><p>15</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>frequentemente operam em oposição direta aos objetivos relacionados a gênero. Na prática,</p><p>estes princípios podem terminar sobrepondo-se aos objetivos relacionados a gênero.</p><p>A brasileira Bertha Lutz foi uma das cinco mulheres que participaram oficialmente como</p><p>representantes de governo na Conferência de São Francisco, a qual originou a Organização das</p><p>Nações Unidas, que é a principal organização internacional no âmbito da defesa de direitos. Bertha</p><p>Lutz foi a responsável pela inclusão da igualdade de gênero na Carta deste importante organismo.</p><p>Uma enorme contribuição de uma brasileira para todas as mulheres do mundo.</p><p>A igualdade de gênero trata da possibilidade de acesso a</p><p>oportunidades iguais entre homens e mulheres. Sua interpretação</p><p>como uma questão de direitos humanos recebeu sua reafirmação</p><p>institucional dentro da ONU, pelo que se tornou informalmente</p><p>conhecido como a Carta Internacional de Direitos Humanos.</p><p>Carta Internacional de Direitos Humanos</p><p>Declaração Universal dos Direitos Humanos 10/12/1948</p><p>A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um documento base não jurídico</p><p>que delineia a proteção universal dos direitos humanos básicos, adotada pela Organização</p><p>das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, elaborado principalmente pelo jurista</p><p>canadense John Peters Humphrey, contando com a ajuda de várias representantes de</p><p>origens jurídicas e culturais de todas as regiões do planeta.</p><p>Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 16/12/1966</p><p>O acordo diz que seus membros devem trabalhar para a concessão de direitos econômicos,</p><p>sociais e culturais (DESC) para pessoas físicas, incluindo os direitos de trabalho e o direito</p><p>à saúde, além do direito à educação e a um padrão de vida adequado.</p><p>Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos 19/12/1966</p><p>Instrumento por meio do qual os Estados Partes das Nações Unidas que aderirem e</p><p>ratificarem o Pacto assumem o compromisso de respeitar e garantir a todos os indivíduos</p><p>que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos</p><p>reconhecidos no Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor,</p><p>com as vítimas e visitas</p><p>domiciliares.</p><p>Cabe destacar que as patrulhas também realizam ações de prevenção primária e</p><p>secundária, tendo como exemplo de ações de prevenção primária a realização de palestras</p><p>e campanhas de conscientização, ao passo que as rondas e patrulhamentos em áreas de</p><p>maior incidência de violência doméstica são exemplos de ações de prevenção secundária.</p><p>Imagem 48 - Patrulha Maria da Penha da Brigada Militar do Rio Grande do Sul</p><p>Fonte: Governo do Estado do Rio Grande do Sul</p><p>Principais atividades das Patrulhas Maria da Penha:</p><p>⚫ Fiscalização das medidas protetivas de urgência: As Patrulhas, em geral,</p><p>têm como objetivo fiscalizar o cumprimento de medidas protetivas. Tais ações têm como pré-</p><p>requisito, para o acompanhamento, a solicitação/deferimento da medida protetiva de</p><p>urgência e aceitação do serviço por parte da vítima. Nesses casos, o policiamento</p><p>especializado objetiva a fiscalização por meio de visitas, rondas de monitoramento e</p><p>acionamentos de aplicativos para situações emergenciais.</p><p>156</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>⚫ Busca ativa com base no atendimento de ocorrências de violência</p><p>doméstica: os programas de apoio à mulher vítima de violência doméstica e familiar podem</p><p>realizar a busca ativa com base nos registros de ocorrências com visitas à vítima para</p><p>avaliação dos encaminhamentos necessários, podendo existir ou não a solicitação de</p><p>medida protetiva de urgência.</p><p>⚫ Palestras e campanhas de conscientização: as atividades de palestras e</p><p>campanhas de conscientização fazem parte das ações de prevenção primária realizadas</p><p>pelas patrulhas e visam levar conhecimento sobre a lei de proteção às mulheres em situação</p><p>de violência e as formas de identificar e prevenir a violência contra a mulher. Estas ações</p><p>normalmente realizadas em eventos públicos, escolas e empresas se alinham com os</p><p>propósitos da Lei 11.340/2006.</p><p>Imagem 49 – “Blitz” educativa da Patrulha Maria da Penha da Guarda Municipal de Marabá em parceria com</p><p>o Departamento Municipal de Trânsito: Campanha Brasileira de Laço Branco.</p><p>Fonte: Prefeitura Municipal de Marabá</p><p>157</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Você sabe o que é a Campanha do Laço Branco?</p><p>Figura 50: Campanha Laço Branco</p><p>Fonte: Sindicato Bancários/CE</p><p>O movimento Laço Branco, criado em 1991, reuniu um grupo de homens canadenses</p><p>que repudiavam a violência contra a mulher. Além do símbolo do Laço Branco, eles também</p><p>adotaram como lema jamais cometer um ato violento contra as mulheres e não fechar os</p><p>olhos diante dessa violência. A mobilização originou-se a partir do caso do “Massacre de</p><p>Montreal”, ocorrido em 6 de dezembro de 1989, quando um homem entrou armado em uma</p><p>escola, matando 14 mulheres e ferindo outras dez.</p><p>O dia 6 de dezembro foi instituído no Brasil, pela Lei 11.489/2007, como o Dia</p><p>Nacional da Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres e tem como</p><p>objetivo sensibilizar os homens para a eliminação das diversas violências que atingem as</p><p>mulheres. Principais estratégias das Patrulhas Maria da Penha:</p><p>⚫ Acolhimento: refere-se a uma estratégia de apoio à mulher que tem início</p><p>desde a primeira escuta quando se tratar de uma suspeita de violência doméstica e familiar.</p><p>A vítima deve ser atendida por um(a) profissional preparado para realizar uma escuta atenta,</p><p>qualificada, sem comportamentos que intimidem a mulher ou a coloque em situação de</p><p>descrédito; sendo importante colher as informações necessárias para que se inicie a</p><p>construção do plano de segurança com foco na vítima.</p><p>⚫ Visita inicial: a equipe poderá realizar a identificação do local de</p><p>residência/abrigamento, trabalho e outros que sejam indicados pela mulher, visando a sua</p><p>proteção. É viável que a visita seja previamente agendada com a usuária, evitando situações</p><p>de agravamento da violência, caso o agressor ainda esteja residindo com a vítima.</p><p>158</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>⚫ Rondas de monitoramento: são patrulhamentos realizados rotineiramente,</p><p>em locais previamente identificados, visando prestar apoio e transmitir maior segurança à</p><p>mulher assistida pelo serviço.</p><p>⚫ Intervenção: é pertinente sempre que a mulher assistida ou terceiro solicitar</p><p>intervenção policial diante de alguma ameaça à sua segurança, por parte do agressor. A</p><p>intervenção também poderá ocorrer sempre que a equipe julgar necessário.</p><p>⚫ Visitas de monitoramento: podem ocorrer por meio de visitas não agendadas,</p><p>que seguem uma previsibilidade mínima, combinada com a vítima assistida. Nessas visitas,</p><p>a equipe realiza contato pessoal, buscando informações sobre o cumprimento da medida</p><p>protetiva por parte do agressor e novos fatos que possam ensejar modificações no</p><p>acompanhamento.</p><p>⚫ Relatórios situacionais: quando há convênio ou termos de cooperação entre</p><p>as instituições, geralmente dentre as atribuições das patrulhas estão a elaboração de</p><p>relatórios situacionais que servem para manter a comunicação das Patrulhas com o</p><p>judiciário, a fim de informar quanto ao andamento da fiscalização das medidas e eventuais</p><p>alterações no quadro de violência. Essa informação pode subsidiar a tomada de decisão</p><p>quanto às medidas protetivas e gestão do risco associado ao caso.</p><p>⚫ Produção de estatísticas: a avaliação e monitoramento das políticas públicas</p><p>dependem da produção de dados. Nesse sentido, os registros dos atendimentos realizados</p><p>pelas patrulhas permitem a análise do alcance, desempenho e produtividade do serviço,</p><p>contribuindo para sua valorização e reconhecimento interno e externo.</p><p>⚫ Intervenção junto aos autores de violência: embora não seja regra, algumas</p><p>patrulhas possuem eixos de atuação direcionados aos autores de violência. Essas</p><p>intervenções podem variar desde contatos com autores para cientificá-los e orientá-los</p><p>acerca das medidas protetivas, até a participação de agentes das patrulhas em grupos</p><p>reflexivos para autores de violência e a realização de palestras para homens.</p><p>Por fim, é importante destacar que há também exemplos de serviços especializados</p><p>em que o escopo do atendimento realizado é mais amplo, incluindo os demais grupos</p><p>vulneráveis. Sendo que a nomenclatura dada ao serviço pode variar de acordo com a</p><p>Unidade da Federação e com o escopo do atendimento, tais como o Programa de Prevenção</p><p>Orientado à Violência Doméstica e Familiar - PROVID, Grupo de Apoio às Vítimas de</p><p>Violência-GAVV, Programa Mulher Segura, Serviço de Prevenção à Violência Doméstica</p><p>(SPVD) dentre outros.</p><p>Texto para leitura: Casoteca de Práticas de Enfrentamento à Violência Contra as</p><p>Mulheres: experiências desenvolvidas pelos profissionais de segurança pública e do sistema</p><p>159</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>de justiça (2018). Sobre as experiências das patrulhas da PM do Maranhão e da GCM de</p><p>Suzano. Link para o texto: Casoteca FBSP | 2018</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Assista aos vídeos abaixo e identifique as semelhanças e diferenças entre os</p><p>funcionamentos das patrulhas apresentadas.</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=km2qQY56PnU</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=689OZ8NldzA</p><p>Finalizando</p><p>Nesta aula você aprendeu que:</p><p>⚫ O status de serviço serviços especializados de atendimento à mulher se atribui</p><p>àqueles que atendem exclusivamente a mulheres e que possuem expertise no atendimento</p><p>à violência contra a mulher;</p><p>⚫ As Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher, criadas a partir dos</p><p>anos 1980, foram as primeiras iniciativas de</p><p>atuação policial especializada no atendimento à</p><p>violência contra a mulher;</p><p>⚫ O artigo 8º, inciso IV, da Lei Maria da Penha, destaca a implementação de</p><p>atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de</p><p>Atendimento à Mulher;</p><p>⚫ As Patrulhas e Rondas Maria da Penha são serviços especializados no</p><p>atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar realizados pelas Polícia</p><p>Militar e Guarda Municipal.</p><p>160</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>4.3.3.7 Aula 7: Desafios da atuação quando os autores ou vítimas de</p><p>violência contra a mulher são profissionais de segurança pública.</p><p>Introdução</p><p>Nesta aula trataremos da complexidade, riscos e atuação nos casos de violência</p><p>contra a mulher envolvendo profissionais do Susp na condição de autores ou vítimas. Tema</p><p>sensível e de difícil abordagem, tendo em vista envolver a capacidade das instituições em</p><p>lidarem com a violência doméstica quando esta atinge seu público interno.</p><p>Preliminarmente, cabe destacar a importância de que as instituições de segurança</p><p>pública conheçam a realidade e os índices de ocorrências de violência doméstica e familiar</p><p>envolvendo o público interno de modo a promover uma efetiva construção de diagnóstico e</p><p>mobilização, visando à prevenção e ao enfrentamento desse tipo de violência.</p><p>A partir do que vimos ao longo deste curso, compreendemos que a violência de</p><p>gênero e a violência doméstica e familiar contra a mulher estão presentes na sociedade como</p><p>um todo e, portanto, os profissionais de segurança pública não estão livres de figurarem</p><p>como autores ou vítimas de tais violências.</p><p>E, nesse sentido, a atuação dos profissionais de segurança pública no atendimento</p><p>de ocorrências ou na condução de procedimentos em esfera criminal e administrativa de</p><p>casos envolvendo público interno nessas condições, demanda, além de isenção e</p><p>profissionalismo, a compreensão do grau de risco associado ao contexto.</p><p>Embora não existam estatísticas públicas oficiais sobre os crimes cometidos por</p><p>profissionais de segurança pública no âmbito familiar, alguns estudos realizados apontam</p><p>uma incidência significativa e relevância do problema.</p><p>Considera-se a alta incidência de atos relacionados à violência doméstica praticados por profissionais</p><p>da segurança pública uma questão relevante e que merece constante problematização. Em pesquisa</p><p>desenvolvida por Renata Cardoso (2016), foi realizado um levantamento dos policiais militares do Distrito</p><p>Federal que respondiam a procedimentos administrativos por violência praticada contra os parceiros íntimos.</p><p>De acordo com a pesquisadora, entre os anos de 2012 e 2014 a categoria “violência doméstica” consist ia na</p><p>segunda maior demanda da Seção de Procedimentos Administrativos da PMDF. (SECRETARIA DE</p><p>ESTADO DE JUSTIÇA DE CIDADANIA, 2019, p. 5)</p><p>Cruz (2023) reconhece que há pouca produção acadêmica sobre violência em</p><p>ambiente doméstico envolvendo profissionais de segurança pública, entretanto identifica que</p><p>o tema aparece de modo subjacente em estudos sobre polícia, como vitimização policial e</p><p>suicídio.</p><p>No Brasil, existem poucos estudos sobre as violências cometidas no ambiente doméstico</p><p>por profissionais de segurança pública, entretanto, esses temas apareçam de forma tangencial em estudos</p><p>161</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>sobre polícia. Dayse Miranda (2016) apontou os conflitos conjugais e histórico de violência doméstica como</p><p>fatores de risco presentes nas narrativas de policiais militares que haviam pensado ou tentado suicídio. (CRUZ,</p><p>2023.p.10)</p><p>Portanto, estamos diante de um fenômeno ainda pouco estudado e carente de</p><p>estatísticas públicas oficiais, mas que demanda atenção e cuidado das instituições de</p><p>segurança. Especialmente considerando o papel destas no combate e enfrentamento da</p><p>violência doméstica e familiar contra a mulher.</p><p>Prevenção e enfrentamento da violência doméstica nas instituições de segurança</p><p>pública</p><p>Diante da necessidade de conhecimento e dos desafios da atuação dos profissionais</p><p>do Susp em ocorrências envolvendo profissionais de segurança pública na condição de</p><p>autores ou vítimas de violência doméstica, utilizaremos aqui como referência as Diretrizes</p><p>Nacionais para Atendimento Policial Militar às Mulheres em Situação de Violência Doméstica</p><p>e Familiar – Âmbito Nacional publicado pela SENASP, que dedica um de seus capítulos ao</p><p>atendimento policial em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher profissional</p><p>da segurança pública.</p><p>Conforme o próprio documento ressalta, mesmo tendo como público-alvo policiais</p><p>militares, estas diretrizes podem ser referência para todos os profissionais da segurança</p><p>pública que atuam em defesa de mulheres.</p><p>Portanto, de acordo com as Diretrizes Nacionais para Atendimento Policial Militar às</p><p>Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Ministério da Justiça e Segurança</p><p>Pública, 2022) a prevenção e o enfrentamento da violência contra a mulher no âmbito das</p><p>instituições de segurança pública podem se dar a partir de quatro pilares:</p><p>(1) Prevenção;</p><p>(2) Atendimento à mulher em situação de violência;</p><p>(3) Iniciativas voltadas para o autor do fato;</p><p>(4) Apuração no âmbito disciplinar.</p><p>Estes pilares sinalizam as possibilidades de atuação das instituições de segurança</p><p>pública tanto de modo preventivo, bem como após o fato, garantido acolhimento às vítimas</p><p>e responsabilização dos autores.</p><p>162</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Entretanto é importante esclarecer que estas diretrizes são linhas gerais de atuação</p><p>e, portanto, as instituições de segurança pública têm suas características e particularidades,</p><p>devendo utilizar as diretrizes com base na autonomia institucional, estrutura organizacional</p><p>e legalidade.</p><p>PREVENÇÃO:</p><p>Quanto às ações de prevenção da violência doméstica e familiar envolvendo o</p><p>público interno das instituições de segurança pública, dentre outras, podem-se destacar:</p><p>⚫ Sensibilizar e capacitar os profissionais sobre os mecanismos de prevenção da</p><p>violência doméstica e familiar;</p><p>⚫ Realizar abordagens educativas e de conscientização sobre o tema da</p><p>violência doméstica e familiar contra a mulher envolvendo profissionais de segurança</p><p>pública, na condição de vítimas ou autores;</p><p>⚫ Promover a qualificação do público interno para o atendimento de ocorrências</p><p>relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher;</p><p>ATENDIMENTO À MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA:</p><p>Em relação ao atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar,</p><p>é necessário considerar que esta vítima pode ser uma profissional do Susp, esposa ou ex-</p><p>esposa de profissional do Susp ou possuir outro tipo de vínculo familiar e/ou de afeto com</p><p>profissional do Susp que configure o fato como violência doméstica.</p><p>Cada uma dessas particularidades demanda atenção, ações e encaminhamentos</p><p>específicos, entretanto, nem sempre as instituições possuem fluxos e protocolos</p><p>previamente estabelecidos, o que tende a dificultar a atuação.</p><p>Contudo, é importante que as vítimas se sintam seguras para relatar e registrar os</p><p>fatos junto aos órgãos de segurança pública, com a certeza de que haverá a devida aplicação</p><p>da lei, afastando a percepção de corporativismo ou negligência na apuração dos fatos e</p><p>eventual responsabilização do autor.</p><p>Sendo assim, em termos práticos, é importante conhecer, além da legislação</p><p>pertinente, as normas e protocolos internos previstos pela instituição para a atuação nos</p><p>casos de violência doméstica e familiar</p><p>envolvendo público interno como autores ou vítimas.</p><p>Nesse aspecto, tratando-se do atendimento à mulher em situação de violência</p><p>163</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>doméstica e familiar, pertencente ao Sistema Único de Segurança Pública, tem-se como</p><p>recomendação geral que a instituição de origem da mulher preste apoio amplo e acompanhe</p><p>o caso, principalmente se o agressor também pertencer ao Susp, for portador de arma de</p><p>fogo ou tiver lotação no mesmo local de trabalho da vítima.</p><p>Em linhas gerais, o atendimento às vítimas de violência doméstica dentro das</p><p>instituições de segurança pública deve preconizar objetivos tais como:</p><p>⚫ Fornecer dados que possibilitem a elaboração de diagnóstico específico</p><p>acerca do índice de vítimas e autores de violência doméstica e familiar dentro de instituições</p><p>de segurança pública;</p><p>⚫ Disponibilizar às vítimas integrantes de instituições da segurança pública</p><p>canais exclusivos de denúncia, devendo ser adotadas as medidas administrativas, bem</p><p>como prestadas as orientações a respeito da necessidade de registro de boletim de</p><p>ocorrência e da realização de representação perante o Ministério Público, para os crimes de</p><p>ação condicionada à representação da vítima;</p><p>⚫ Disponibilizar ambiente para acolhimento e atendimento adequado buscando</p><p>minimizar a exposição da vítima e evitando que ela passe por diversos setores em busca de</p><p>ajuda ou atendimento;</p><p>⚫ Oferecer a possibilidade de acompanhamento da Ronda/Patrulha Maria da</p><p>Penha, nos locais onde exista, podendo tal apoio ser prestado pelo policiamento responsável</p><p>pela área, desde que o efetivo policial esteja qualificado.</p><p>Assédio Sexual</p><p>Outro aspecto a ser considerado no enfrentamento da violência contra a mulher no</p><p>âmbito das instituições de segurança pública são os casos envolvendo assédio sexual.</p><p>Embora este seja um tipo penal que não faça distinção de gênero, a maior parte das vítimas</p><p>são mulheres.</p><p>De acordo com Catharine MacKinnon, o assédio sexual é uma forma de</p><p>discriminação sexual, pois a desigualdade entre as atribuições masculinas e femininas</p><p>interfere na construção da realidade pelo ponto de vista do dominante, ou seja, pelo</p><p>masculino, o que faz com que a maioria dos casos de assédio sexual tenham as opressões</p><p>de gênero em seu cerne e, portanto, recaiam sobre mulheres.</p><p>Ademais, é importante atentar-se para o fato de que vários tipos de violências de</p><p>gênero podem se agravar quando se trata de mulheres que compõem grupos minoritários,</p><p>164</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>sendo esta a condição das mulheres nas instituições de segurança pública.</p><p>Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o assédio sexual é assim</p><p>definido:</p><p>Assédio sexual no ambiente de trabalho é a conduta de natureza sexual, manifestada fisicamente,</p><p>por palavras, gestos ou outros meios, propostas ou impostas a pessoas contra sua vontade, causando-lhe</p><p>constrangimento e violando a sua liberdade sexual. O assédio sexual viola a dignidade da pessoa humana e</p><p>os direitos fundamentais da vítima, tais como a liberdade, a intimidade, a vida privada, a honra, a igualdade de</p><p>tratamento, o valor social do trabalho e o direito ao meio ambiente de trabalho sadio e seguro. De cunho</p><p>opressivo e discriminatório constitui violação aos Direitos Humanos.</p><p>INICIATIVAS VOLTADAS PARA O AUTOR DO FATO:</p><p>Quando um (a) profissional de segurança pública comete violência de gênero e/ou</p><p>feminicídio, quais os desdobramentos desse fato na vida dele (a)? Quais os impactos desse</p><p>fato na imagem da instituição a qual pertence o (a) agente? Havia sinais ou histórico de</p><p>conflitos conjugais e familiares envolvendo o (a) agente? A instituição à qual pertence o (a)</p><p>agente tinha ciência dos fatos? Houve providências institucionais tomadas?</p><p>Figura 51: Agressor</p><p>Fonte: Alesp</p><p>Sem prejuízo da avaliação dos aspectos éticos e disciplinares associados a qualquer</p><p>conduta delitiva perpetrada por profissionais de segurança pública, especificamente nos</p><p>casos envolvendo violência de gênero e intrafamiliar, é fundamental considerar os fatores</p><p>psicossociais associados a cada caso concretos, sobretudo, considerando os riscos de</p><p>desfechos trágicos como feminicídio (tentado ou consumado) seguido de suicídio ou</p><p>tentativa associados às ocorrências do tipo.</p><p>165</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Embora não possa servir de justificativa para a violência doméstica, é possível</p><p>identificar alguns fatores presentes nos conflitos e que funcionam como gatilhos da violência,</p><p>como por exemplo: ciúme, uso abusivo de álcool e/ou drogas ilícitas, problemas de saúde</p><p>mental não tratados, não aceitação do término do relacionamento, disputas por bens,</p><p>disputas pela guardas e visitação de filhos, dentre outros.</p><p>Conforme destacado no início desta aula, não existem estatísticas públicas oficiais</p><p>relativas ao envolvimento de profissionais de segurança em casos de violência doméstica e</p><p>feminicídios, desse modo, boa parte dos estudos sobre o tema são realizados através de</p><p>pesquisas em notícias divulgadas pela mídia. Não traremos aqui casos individuais, mas é</p><p>possível encontrar um número significativo de casos em uma busca simples na internet.</p><p>A pesquisa de Fernanda Novaes Cruz (2023) realizada a partir de levantamento</p><p>jornalístico, analisou 28 casos de mulheres que foram vítimas fatais de seus parceiros</p><p>profissionais de segurança pública durante o ano de 2021 no Brasil, demonstrando os</p><p>seguintes resultados:</p><p>(1) Em metade dos casos analisados após o homicídio o agente cometeu suicídio; (2) a existência de</p><p>vínculo afetivo anterior ou atual entre o agressor e a vítima, (3) a utilização de armas de fogo na maior parte</p><p>das mortes, e (4) parte considerável dos casos traziam menções à episódios ou comportamentos violentos</p><p>prévios.</p><p>Nos casos em que o autor (a) de violência doméstica e familiar se trata de profissional</p><p>do Susp, as diretrizes nacionais para atendimento policial militar às mulheres em situação</p><p>de violência doméstica e familiar sugerem o seguinte:</p><p>⚫ Realizar o encaminhamento do profissional denunciado pela violência a</p><p>serviços ou grupos de responsabilização e educação e/ou atendimento psicossocial e</p><p>psicológico;</p><p>⚫ Suspender o porte de arma institucional e demandar a entrega de armas em</p><p>posse do autor até que o fato que originou a denúncia seja investigado e que a vítima esteja</p><p>em situação de proteção estatal;</p><p>⚫ Informar ao profissional do Susp, autor de violência doméstica e familiar contra</p><p>a mulher, acerca das medidas legais que serão adotadas;</p><p>⚫ Criar grupos reflexivos, a exemplo dos existentes em alguns estados,</p><p>estimulando o debate sobre o impacto da violência doméstica e familiar dentro das próprias</p><p>instituições de segurança pública;</p><p>⚫ Por peculiaridades de algumas instituições de segurança pública, as vítimas</p><p>devem ser incentivadas a realizar a denúncia e receber apoio na mudança de local de</p><p>trabalho, de forma que ela possa se distanciar do agressor.</p><p>166</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>APURAÇÃO NO ÂMBITO DISCIPLINAR</p><p>Já em relação ao âmbito disciplinar, destaca-se que os princípios de ética devem ser</p><p>observados pelos integrantes das forças de segurança pública. Desse modo, é recomendado</p><p>a instauração de procedimento administrativo para apurar a conduta oportunizando a ampla</p><p>defesa e o contraditório.</p><p>4.3.3.8 Aula 8 – Boas Práticas: Grupos Reflexivos para profissionais de</p><p>segurança autores de violência doméstica e familiar</p><p>A Lei nº 13.984/2020</p><p>alterou o art. 22 da Lei nº 11.340/2006, Lei Maria da</p><p>Penha, para estabelecer como medidas protetivas de urgência a frequência do agressor a</p><p>centro de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial.</p><p>Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei,</p><p>o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas</p><p>protetivas de urgência, entre outras:</p><p>[..]</p><p>VI - Comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e</p><p>VII - Acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo</p><p>de apoio.</p><p>O aprofundamento da discussão sobre a prevenção da violência doméstica e familiar</p><p>contra a mulher perpassa, além das ações voltadas às mulheres em situação de violência,</p><p>um olhar em relação ao autor do fato que não se restrinja à perspectiva da punição, sem com</p><p>isso isentá-lo da necessária responsabilização pelo crime cometido.</p><p>E, nesse contexto, os grupos reflexivos para autores de violência doméstica e familiar</p><p>contra a mulher têm sido uma alternativa exitosa.</p><p>Beiras et al (2022), sugere a criação de Grupos para populações específicas de</p><p>Violência doméstica:</p><p>Recomenda-se também a criação de grupos específicos para trabalhadores da segurança pública,</p><p>como policiais e agentes carcerários, em conexão com políticas de formação em gênero, masculinidades e</p><p>violências contínua e efetiva para esse público. Por um lado, tal população pode se mostrar reticente quanto a</p><p>participar junto a criminosos “comuns” de um grupo, bem como em expor sua intimidade diante desses outros</p><p>homens.</p><p>O relatório do trabalho com grupos de homens autores de violência – (2019),</p><p>denominado: “Grupo Reflexivo com Intervenções Terapêuticas”, para agentes de segurança</p><p>pública do Distrito Federal demonstrou a efetividade deste tipo de ação, pois, na apuração</p><p>de reincidência identificou-se - até o momento de produção do relatório - dois casos</p><p>envolvendo participantes do Grupo Refletir, o que reforça a efetividade da ação. No total,</p><p>167</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>passaram pelo grupo 83 (oitenta e três) profissionais da segurança pública, sendo 62</p><p>(sessenta e dois) Policiais Militares, 15 (quinze) Bombeiros Militares, dois Policiais Civis, três</p><p>Policiais Penais e um Agente de Trânsito.</p><p>A realização de grupos reflexivos para agentes de segurança pública se alinha, tanto</p><p>com a previsão legal, quanto com a perspectiva de prevenção da reincidência e respostas</p><p>institucionais para o problema. O Grupo Refletir é uma das estratégias de prevenção</p><p>adotadas pela Rede de Serviços do Distrito Federal:</p><p>O Grupo Reflexivo com Intervenções Terapêuticas foi iniciado com o objetivo de institucionalizar a</p><p>atenção psicossocial e de prevenção à violência doméstica destinada aos profissionais de segurança pública,</p><p>por meio de um espaço de escuta, cuidado e autorresponsabilização pelos atos. O grupo propõe uma reflexão</p><p>acerca do reconhecimento de crenças legitimadoras e perpetuadoras do uso de violência em relações</p><p>domésticas e familiares, levando seus integrantes a despirem-se de valores e crenças que levem a justificativas</p><p>e à negação dos comportamentos abusivos, bem como na ampliação da visão de mundo no que tange</p><p>violência, gênero, masculinidades e direitos.</p><p>LEITURA: Relatório do Trabalho com Grupos de Homens Autores de Violência:</p><p>grupo reflexivo com intervenções terapêuticas, para agentes de Segurança Pública do</p><p>Distrito Federal – 2019.</p><p>https://www.tjdft.jus.br/informacoes/cidadania/nucleo-judiciario-da-</p><p>mulher/documentos-e-links/relatorios/relatorios-de-projetos-do-njm/relatorio-do-grupo-</p><p>reflexivo-com-intervencoes-terapeuticas-para-agentes-de-seguranca-publica-do-distrito-</p><p>federal-2019.pdf</p><p>Assista ao vídeo: Quebrando o Silêncio: como os homens se transformam.</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=gw09QlQE7J4</p><p>SAIBA MAIS!</p><p>Para finalizar esta aula indicamos assistir ao vídeo:</p><p>Documentário "O Silêncio dos Homens" - Trailer:</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=UzWyx_TcPmQ</p><p>168</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Finalizando</p><p>Nesta aula você aprendeu que:</p><p>⚫ A violência doméstica e familiar e de gênero é um problema presente na</p><p>sociedade e nas instituições de segurança pública;</p><p>⚫ É importante que as instituições de segurança pública conheçam a realidade e</p><p>os índices de ocorrências de violência doméstica e familiar envolvendo o público interno;</p><p>⚫ A prevenção e o enfrentamento da violência contra a mulher no âmbito das</p><p>instituições de segurança pública podem se dar a partir de quatro pilares: prevenção,</p><p>atendimento à mulher em situação de violência, iniciativas voltadas para o autor do fato e</p><p>apuração no âmbito disciplinar;</p><p>⚫ A realização de grupos reflexivos específicos para agentes de segurança</p><p>pública se alinha, tanto com a previsão legal, quanto com a perspectiva de prevenção da</p><p>reincidência e respostas institucionais para o problema da violência doméstica envolvendo</p><p>profissionais de segurança pública.</p><p>169</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>Amâncio, Kerley Cristina Braz. (2013) “‘Lobby do Batom’: uma mobilização por direitos das</p><p>mulheres.</p><p>Revista Trilhas da História.” Três Lagoas, v.3, nº5 jul-dez. P.72-85. Disponível em:</p><p>http://seer.ufms.br/index.php/RevTH/article/viewFile/444/244</p><p>Beira, Adriano, et al. Grupos reflexivos e responsabilizantes para homens autores de</p><p>violência contra mulheres no Brasil: mapeamento, análise e recomendações.</p><p>Florianópolis: CEJUR, 2021.</p><p>Brasil. Lei n.º 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência</p><p>doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição</p><p>Federal e adota outras providências. Brasília, 2006.</p><p>Brasil, Lei n.º 11.104, de 11 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de</p><p>7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância</p><p>qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de</p><p>1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.</p><p>Brasil, Lei n.º 13.948, de 03 de agosto de 2020. Altera o art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de</p><p>agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para estabelecer como medidas protetivas de</p><p>urgência frequência do agressor a centro de educação e de reabilitação e</p><p>acompanhamento psicossocial.</p><p>Brasil, Lei Nº 14.149, de 5 de maio de 2021. Institui o Formulário Nacional de Avaliação de</p><p>Risco, a ser aplicado à mulher vítima de violência doméstica e familiar.</p><p>Brasil. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (2010). Norma Técnica de Padronização das Delegacias</p><p>Especializadas de Atendimento às Mulheres - Deams Edição Atualizada. Brasília,</p><p>2010.</p><p>Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Secretaria Nacional de Segurança Pública</p><p>(SENASP): Diretrizes nacionais para atendimento policial militar às mulheres em</p><p>situação de violência doméstica e familiar – Âmbito nacional. Secretaria Nacional de</p><p>Segurança Pública (SENASP). Brasília, 2022.</p><p>Brasil. Secretaria de Política para Mulheres. (2014). Guia para criação e implementação de</p><p>organismos governamentais de políticas para as mulheres. Brasília. Disponível em:</p><p>http://www.spm.gov.br/central-de-conteudos/publicacoes/publicacoes/2014/guia-</p><p>para-a-criacao-de-opm-dez2014.pdf .</p><p>170</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Brasil (2006) Lei Maria da Penha - Lei nº 11.340, 7 de Agosto. Disponível em:</p><p>https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/95552/lei-maria-da-penha-lei-</p><p>11340-06.</p><p>Gerhard, Nádia. Patrulha Maria Da Penha: O Impacto da Ação da Polícia Militar no</p><p>Enfrentamento da Violência Doméstica. Porto Alegre, Age, Edipucrs, 2014.</p><p>Instituto de Segurança Pública. Dossiê Mulher 2021. Série estudos. Ed.16. ISP. Rio de</p><p>Janeiro, RJ, 2021.</p><p>Instituto Igarapé; Onu Mulheres. “Formação de facilitadores. Gênero e mulheres, paz e</p><p>segurança.” [Train of Trainers. Gender and women, peace and security]. Manual de</p><p>treinamento (Mar/2018). Disponível online.</p><p>Mello, Adriana Ramos, et al.(2017) “A Resposta do Poder Judiciário às Mulheres em Situação</p><p>de Violência Doméstica: um Estudo das Medidas Protetivas de Urgência no Projeto</p><p>Violeta.” Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 77, p. 211 - 233. Disponível em:</p><p>http://bdjur.stj.jus.br/jspui/ handle/2011/108226</p><p>Macaulay, Fiona; MARTINS, Juliana. Princípios e Práticas de Formação de Policiais para o</p><p>Atendimento a Mulheres em Situação de Violência. São Paulo: Fórum Brasileiro de</p><p>Segurança Pública, 2020. 132p. ISBN 978-65-89596-06-6. Disponível em:</p><p>https://forumseguranca.org.br/formacao-de-policiais-para-o-enfrentamento-da-violencia-de-</p><p>genero/</p><p>Kaur, Rupi. O que o sol faz com as flores; tradução de Ana Guadalupe. São Paulo: Planeta</p><p>do Brasil, 2018.</p><p>Mello, Adriana Ramos. Feminicídio. Uma Análise Sociojurídica da Violência Contra a Mulher</p><p>no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: LMJ, Mundo Jurídica, 2016.</p><p>Ministério da Justiça e Segurança Pública. Portaria Interministerial MJSP/MMFDH Nº 32.</p><p>Brasília, DF, 28 set. 2022.</p><p>Moraes, Orlinda Claudia R. de & VASTANO, Flávia Manso. Org. Dossiê mulher 2018. 13.</p><p>versão. Instituto de Segurança Pública, 2018.</p><p>Moraes, Orlinda Claudia Rosa de. A violência silenciosa: Percepções femininas sobre o</p><p>assédio na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Revista do Curso de Especialização</p><p>em Gênero e Direito. 1ª Edição. 2017. EMERJ - RJ. Disponível em:</p><p>https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistas/genero_e_direito/edicoes/1_2017/pdf/OrlindaCl</p><p>audiaRosadeMoraes.pdf</p><p>Oliveira, Max William Coelho Moreira, MORAES, Orlinda Claudia Rosa de, SIQUEIRA,</p><p>Samya Cotta Brandão. Outros olhares: Investindo na prevenção: a</p><p>institucionalização da Patrulha Maria da Penha - Guardiões da Vida pela Secretaria</p><p>171</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro. In Dossiê Mulher 2020. 15. ed. - Rio</p><p>de Janeiro: Instituto de Segurança Pública, 2020.</p><p>Sales, André Alexandrino Amaro. A atuação da Patrulha Maria da Penha no Rio de Janeiro</p><p>e seu desempenho na proteção às mulheres vítimas de violência. Dissertação de</p><p>Mestrado. Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas. Rio de</p><p>Janeiro. 2022.</p><p>Renata A. Giannini; McNamee, P.; Miranda, Giovanna. “Fragile cities and gender based</p><p>violence: the case of Rio de Janeiro” IN Lacey, Anita. Gender and Urbanization.</p><p>Palgrave McMillan, 2016.</p><p>Renata A. Giannini; Kalil, M.S.; “Gênero nas Forças Armadas”. IN Saint-Pierre H.L.; Vitelli,</p><p>M. G. Dicionário de segurança e defesa. São Paulo: Editora UNESP, 2018.</p><p>Renata A. Giannini (et al). "Violência contra mulheres: como a pandemia calou um fenômeno</p><p>silencioso". Igarapé Institute Strategic Article 51 (Dez/2020). Disponível online.</p><p>Renata A. Giannini ; Coelho, T. H. "Evidências sobre Violências e Alternativas para mulheres</p><p>e meninas no Brasil, na Colômbia e no México” . Artigo Estratégico Instituto Igarapé</p><p>(Jan/2020). Disponível online.</p><p>Renata A. Giannini (et al). “A agenda sobre mulheres, paz e segurança no contexto latino-</p><p>americano: desafios e oportunidades”. Artigo Estratégico Instituto Igarapé</p><p>(Mar/2018). Disponível online.</p><p>Renata Giannini; Cláudia de Moraes; Marcelo Diaz. "Gênero, justiça e segurança no Brasil e</p><p>na Colômbia: como prevenir e tratar da violência contra mulheres?” Artigo</p><p>Estratégico Instituto Igarapé (Mar/2018). Disponível online.</p><p>Renata Giannini; Maiara Folly; Mariana Lima. "Situações Extraordinárias: a inclusão de</p><p>mulheres na linha de frente das forças armadas". Artigo Estratégico Instituto Igarapé</p><p>(Ago/2017). Disponível online.</p><p>Pasinato, Wânia; de Ávila, Thiago Pierobom. Criminalization of femicide in Latin America:</p><p>Challenges of legal conceptualization. CURRENT SOCIOLOGY, v. online, p.</p><p>001139212210902-1- 18, 2022.</p><p>Pasinato, W. 10 anos de Lei Maria da Penha. O que queremos comemorar?. Sur. Revista</p><p>Internacional de Direitos Humanos (Impresso), v. 1, p. 00, 2017.</p><p>Waiselfisz, Julio Jacobo (2015). Mapa da Violência 2015 - Homicídio de Mulheres no Brasil.</p><p>Brasília/ DF. 1ª Edição. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015</p><p>172</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>sexo, língua,</p><p>religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica,</p><p>nascimento ou qualquer condição.</p><p>Figura 4: Bertha Lutz</p><p>durante os trabalhos da</p><p>Conferência de São</p><p>Francisco - 1945</p><p>.</p><p>Fonte: Câmara dos</p><p>Deputados</p><p>16</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Protocolo Opcional 22/12/2000</p><p>Protocolo que estabelece mecanismos para notificação e investigação da Convenção sobre</p><p>a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres</p><p>Esses documentos fundacionais foram importantes para estabelecer um arcabouço</p><p>legal normativo e componentes substanciais do Direito Internacional. Ainda assim, a sua</p><p>implementação está, com frequência, aquém do ideal.</p><p>Apesar disso, essa declaração e os dois tratados subsequentes adotam uma</p><p>abordagem relativamente estreita sobre o tema. Elas não tratam de questões fundamentais</p><p>para o direito de mulheres e meninas que ocorrem no âmbito privado, local que é, ainda onde</p><p>as principais formas de violência afetam mulheres. Por essa razão, os seus mandatos são</p><p>bastante criticados, e seguiu-se um movimento forte e atuante por parte da sociedade civil</p><p>para que questões no âmbito doméstico também fossem tratadas. Em outras palavras: sim,</p><p>é dever do Estado proteger mulheres e seus direitos no interior de seus lares.</p><p>Era necessário, portanto, um documento de caráter jurídico vinculante e</p><p>especificamente dedicado aos direitos de mulheres e meninas. Então, em 1979 a Assembleia</p><p>Geral da ONU adotou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de</p><p>Discriminação contra as Mulheres (do termo em inglês CEDAW). Trata-se do primeiro</p><p>instrumento internacional de direitos humanos a definir explicitamente todas as formas de</p><p>discriminação contra mulheres como violações fundamentais de direitos humanos. Boa parte</p><p>do texto dessa convenção foi redigida pela Comissão sobre o Status da Mulher (do termo</p><p>em inglês CSW), criada especificamente para promover os direitos de mulheres e defendê-</p><p>los. A Comissão reúne-se até hoje, desde a sua criação em 1946, no mês de março, e traz</p><p>uma série de deliberações desde a sua criação sobre como seguir avançando neste âmbito.</p><p>O Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de</p><p>Discriminação contra as Mulheres, que entrou em vigor em 2000, melhorou ainda mais o</p><p>regime de igualdade de gênero, criando procedimentos e mecanismos para que os Estados</p><p>prestem contas perante a Convenção. Ao ratificar o Protocolo Facultativo, um Estado</p><p>reconhece a competência do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher -</p><p>a CEDAW –, o órgão que monitora o cumprimento da Convenção pelos Estados para receber</p><p>e examinar queixas de indivíduos ou grupos dentro da sua jurisdição. Mais especificamente,</p><p>o Protocolo prevê os dois procedimentos listados abaixo.</p><p>1. Procedimento de comunicação: permite que mulheres, de maneira individual,</p><p>ou grupos de mulheres, submetam violações de direitos protegidos pela Convenção ao</p><p>17</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Comitê. Para serem aceitas pelo Comitê, as comunicações individuais precisam atender a</p><p>uma série de critérios. Um exemplo é o esgotamento de todas as ações cabíveis em âmbito</p><p>nacional.</p><p>2. Segundo procedimento: permite que o Comitê inicie inquéritos sobre as</p><p>situações de violações graves ou sistemáticas de direitos das mulheres.</p><p>Em ambos os casos, para que sejam aceitos, os Estados devem ser partes</p><p>signatárias da Convenção e do Protocolo.2</p><p>As conferências internacionais de mulheres</p><p>Vimos na seção anterior que os direitos das mulheres avançaram através de três</p><p>instrumentos principais: a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, a inclusão da</p><p>igualdade de gênero no documento fundados da ONU, e a atuação da Comissão sobre o</p><p>Status da Mulher que gerou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de</p><p>Discriminação contra as Mulheres, e uma série de protocolos adicionais. Porém, houve ainda</p><p>uma série de conferências internacionais que também contribuíram para avançar os direitos</p><p>das mulheres, em especial nas esferas econômica e política.</p><p>Entre 1975 e 1995, o regime de igualdade de gênero se consolidou em diversas</p><p>áreas através das quatro conferências globais sobre mulheres, realizadas na Cidade do</p><p>México, em Copenhague, na Dinamarca; em Nairóbi, no Quênia; e em Beijing, na China.</p><p>Essas conferências proporcionaram plataformas para negociações intergovernamentais e</p><p>deram às organizações de mulheres um palco internacional para a proposição de suas</p><p>reivindicações e para o seu trabalho em rede.</p><p>A primeira conferência foi convocada na Cidade do México para coincidir com o Ano</p><p>Internacional da Mulher, em 1975, oficializado para relembrar a comunidade internacional de</p><p>que a discriminação contra mulheres e meninas continuava a ser um problema na maior</p><p>parte do mundo. Esta primeira conferência focou no desenvolvimento de planos de ação para</p><p>atender três principais objetivos:</p><p>(1) a plena igualdade de gênero e a eliminação da discriminação de gênero;</p><p>(2) a integração e participação plena das mulheres nas ações relacionadas ao</p><p>desenvolvimento;</p><p>(3) a contribuição ampliada das mulheres para fortalecer a paz mundial.3</p><p>2 ONU MULHERES, 2000.</p><p>3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1976.</p><p>18</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 5: 1ª Conferência Mundial sobre Mulher - México (1975):</p><p>“Igualdade, Desenvolvimento e Paz”.</p><p>Fonte: ONU</p><p>Ainda que exista um reconhecimento, embora tímido, sobre o papel de mulheres</p><p>para a paz, esta conferência, juntamente com a Década das Nações Unidas para as</p><p>Mulheres (1976 - 1985), focou seus esforços em promover um diálogo mais amplo e quase</p><p>inédito sobre igualdade de gênero no mundo. Constituiu, efetivamente, um processo de</p><p>aprendizado que envolveu deliberações, negociações, estabelecimento de objetivos,</p><p>identificação de obstáculos e revisão dos avanços. Este processo continuou com a segunda</p><p>conferência mundial para as mulheres, realizada em 1980, em Copenhague.</p><p>19</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 6: 2ª Conferência Mundial sobre a Mulher</p><p>Copenhague (1980): “Educação, Emprego e Saúde”.</p><p>Fonte: ONU</p><p>Especificamente sobre a atuação no âmbito da paz e segurança, o relatório</p><p>determina que no contexto do fortalecimento da paz e da segurança internacional,</p><p>desarmamento e enfraquecimento de tensões, seja prestada a devida atenção ao avanço de</p><p>mulheres e proteção de mães e crianças (parágrafo 33).4 O enquadramento dos direitos das</p><p>mulheres e da igualdade de gênero passam a ser componentes importantes para a paz e a</p><p>segurança.</p><p>A terceira conferência, em 1985, lançou as Estratégias Prospectivas de Nairóbi para</p><p>o Avanço das Mulheres, com um plano de ação que definiu as ações necessárias em prol da</p><p>igualdade, do desenvolvimento e da paz, até o ano 2000. Esse documento conectou</p><p>claramente a promoção e a manutenção da paz à erradicação da violência contra as</p><p>mulheres em todos os níveis da sociedade. O parágrafo 13, por exemplo, afirma que a</p><p>promoção plena e efetiva dos direitos das mulheres terão maiores chances de serem</p><p>implementados em um contexto de paz e segurança internacional.5 Explica, ainda, que a</p><p>paz refere-se não somente à ausência de guerras, violência e hostilidades em níveis nacional</p><p>e internacional, mas também à valorização da justiça econômica e social, à igualdade e a</p><p>todo o rol de direitos humanos e liberdades</p><p>fundamentais.</p><p>4 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1980.</p><p>5 DECLARAÇÃO DE BEIJING E A PLATAFORMA DE AÇÃO, 1995.</p><p>20</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 7: 3ª Conferência Mundial sobre a Mulher - Nairóbi (1985):</p><p>“Estratégias Orientadas ao Futuro, para o Desenvolvimento da Mulher até o Ano 2000”.</p><p>Fonte: ONU</p><p>O documento também encoraja os Estados-membros a adotar medidas</p><p>constitucionais e jurídicas para eliminar todas as formas de discriminação contra as</p><p>mulheres, bem como moldar as estratégias nacionais para facilitar a participação das</p><p>mulheres em ações dedicadas à paz e ao desenvolvimento.</p><p>A quarta conferência mundial sobre mulheres, realizada em Beijing, em 1995,</p><p>produziu a Declaração de Beijing e a Plataforma de Ação.6 A Declaração cobrou dos</p><p>governos os compromissos de implementar as estratégias acordadas em Nairóbi em 1985</p><p>antes do final do século XX e de mobilizar recursos para a implantação da Plataforma de</p><p>Ação. A Plataforma é o documento mais completo produzido por uma conferência da ONU</p><p>sobre os direitos das mulheres, uma vez que ela incorpora conquistas de conferências e</p><p>tratados anteriores, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a CEDAW e a</p><p>Declaração e Programa de Ação de Viena, que foram preparados na conferência global</p><p>sobre direitos humanos em 1993.</p><p>6 Idem.</p><p>21</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 8: 1995 – IV Conferência Mundial sobre a Mulher com tema central:</p><p>“Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”, China.</p><p>Fonte: ONU</p><p>Declarações da Assembleia Geral da ONU</p><p>Além dessas conferências globais, dos tratados internacionais e das diversas</p><p>entidades internacionais existentes, cabe destacar também que o regime da igualdade de</p><p>gênero é composto por uma série de Declarações da Assembleia Geral da ONU. Por</p><p>definição, as declarações não são compulsórias, mas têm contribuições importantes no que</p><p>diz respeito ao desenvolvimento da ideia da igualdade de gênero e ao seu impacto na missão</p><p>da ONU de manter a paz e a segurança internacional.</p><p>Em 1966, aprovou-se a Declaração sobre a Eliminação da Discriminação contra a</p><p>Mulher da Assembleia Geral, que abriu o caminho para a CEDAW. Em 1974, a Assembleia</p><p>Geral aprovou a Declaração sobre a Proteção de Mulheres e Crianças em Emergências e</p><p>Conflitos Armados, que preparou o terreno para o arcabouço de proteção dentro do regime</p><p>de igualdade de gênero. Com a reafirmação da CEDAW e das declarações anteriores, a</p><p>Assembleia Geral adotou a Resolução 3521 (1975), convidando os Estados-membros da</p><p>ONU a ratificarem convenções internacionais e outros instrumentos ligados à proteção dos</p><p>direitos das mulheres. De acordo com essa resolução, ao se beneficiarem dos direitos</p><p>estipulados nos instrumentos internacionais pertinentes, as mulheres devem desempenhar</p><p>um papel igual ao dos homens em todas as esferas da vida, incluindo a promoção da paz e</p><p>o fortalecimento da segurança internacional.</p><p>Finalmente, em 1993, a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher</p><p>22</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>reconheceu a necessidade urgente da aplicação universal dos direitos das mulheres e dos</p><p>princípios a respeito da igualdade, segurança, liberdade, integridade e dignidade de todos</p><p>os seres humanos, e expressou sua preocupação com o fato de que a violência contra as</p><p>mulheres é um obstáculo à conquista da igualdade, do desenvolvimento e da paz. Ela</p><p>apontou que essa violência pode ser praticada por agressores de ambos os sexos, dentro</p><p>da família e do próprio Estado. Essas declarações e resoluções da Assembleia Geral, entre</p><p>outras, são peças centrais na compreensão do desenvolvimento e da trajetória do trabalho</p><p>da ONU na promoção da igualdade de gênero e do empoderamento de mulheres e meninas.</p><p>Mas além dos esforços com enfoque específico nas questões de gênero, outras</p><p>áreas dentro do Sistema ONU passaram por mudanças, criando espaço para que as</p><p>questões de gênero aparecessem em novos contextos, em particular no contexto da paz e</p><p>da segurança internacional. No final da década de 1990, por exemplo, no âmbito das graves</p><p>situações de violência em Ruanda e na ex-Iugoslávia, o Conselho de Segurança realizou</p><p>uma série de reuniões para tratar a questão da responsabilidade para proteger populações</p><p>civis em tempos de guerra.</p><p>Parte dessa mudança de pensamento estava relacionada à evolução do Direito</p><p>Internacional que, pela primeira vez, codificou o estupro e a violência sexual como crimes de</p><p>guerra, crimes contra a humanidade e atos de genocídio. Essa importante categorização</p><p>começou com os Tribunais Penais Internacionais para a ex-Iugoslávia e para Ruanda,</p><p>tornando-se permanente com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, em 1998.7</p><p>Neste, o estupro e a violência sexual são considerados crimes contra a humanidade. Esses</p><p>instrumentos internacionais históricos estão entre os fatores que pressionaram o Conselho</p><p>de Segurança a ampliar o seu entendimento do que constitui uma ameaça à segurança</p><p>internacional, estabelecendo uma jurisdição que vai além de um conflito armado</p><p>internacional, real ou iminente.</p><p>Interseccionalidade e o marco normativo internacional de proteção dos direitos</p><p>humanos das mulheres</p><p>Apesar do efeito perverso que a violência contra mulheres gera em mulheres</p><p>pertencentes a grupos que foram historicamente marginalizados de políticas públicas</p><p>brasileiras, não há menções específicas à necessidade de incorporar uma abordagem de</p><p>gênero aos principais instrumentos internacionais de proteção de mulheres. De fato, nenhum</p><p>7 BRASIL, 2002.</p><p>23</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>dos documentos supracitados, particularmente a Carta da ONU, a Declaração Universal dos</p><p>Direitos Humanos, nem a própria CEDAW trata das perspectivas de mulheres pertencentes</p><p>a identidades que podem gerar vulnerabilidades e riscos extras para elas.8</p><p>No entanto, a participação de mulheres negras nas Conferências internacionais foi</p><p>intensa. Em 1975, com a Declaração do Ano 1975 como o Ano Internacional da Mulher, elas</p><p>compareceram na primeira conferência e apresentaram um documento que indicava a</p><p>situação de exploração e opressão da mulher negra em diferentes contextos.9 A presença</p><p>delas nas Conferências, apesar de forte, teve seus primeiros resultados na Conferência de</p><p>Direitos Humanos em Viena, em 1993, quando, foi incluído em seu texto oficial menção a</p><p>necessidade de olhar os direitos de mulheres também pela ótica de mulheres não-brancas.</p><p>No Brasil, entre os anos 90 e 2000 houve importantes ações públicas em prol da</p><p>visibilização do racismo estrutural e o papel da ação afirmativa. Neste contexto, mulheres</p><p>negras tiveram um papel fundamental na Constituinte de 1988, inaugurando formulações</p><p>políticas para setores historicamente marginalizados no Brasil. Isto resultou, mais adiante,</p><p>em propostas práticas no âmbito nacional, como a política de cotas em universidades e</p><p>órgãos públicos no Brasil. Assim, em 1994, na IV Conferência Mundial sobre a Mulher em</p><p>Beijing, na China, e em 2001 na III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação</p><p>Racial, a Xenofobia e Formas conexas de Intolerância em Durban, houve uma participação</p><p>e articulação transnacional do movimento feminista negro sem precedentes. Para Beijing,</p><p>mulheres negras enviaram importantes subsídios, como “A mulher negra na década: a busca</p><p>da autonomia.”10</p><p>SAIBA MAIS</p><p>A necessidade de estabelecer</p><p>um regime de proteção das mulheres surgiu em razão da</p><p>marginalização e exclusão das mulheres ao longo dos séculos, o que gerou oportunidades</p><p>desiguais de acesso a direitos, inclusive com relação aos papéis que desempenham na</p><p>sociedade. Por isso, o movimento feminista, muito antes da existência das Nações Unidas,</p><p>luta para o reconhecimento destes direitos, o que só aconteceu após a elaboração de uma</p><p>série de documentos que discutimos aqui brevemente. Para um breve resumo do conteúdo</p><p>desta aula, acesse o vídeo do Politize: "Direito das Mulheres: o que são e como surgiram? -</p><p>Projeto Equidade". Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wQHeL2hHe7g</p><p>8 Ferreira, Lobo (2023).</p><p>9 Nascimento, 1978.</p><p>10 (RIBEIRO, 2008, p. 991).</p><p>24</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Finalizando</p><p>Bom, agora que nós terminamos esse módulo, gostaria de convidá-los e convidá-las</p><p>a dar uma olhadinha naquele conteúdo que vocês pensaram na nossa atividade de abertura.</p><p>E então, suas respostas estão mais ou menos de acordo com o que aprenderam nessa</p><p>seção? Para facilitar vou fazer um resumindo aqui embaixo sobre o que aprendemos neste</p><p>módulo:</p><p>A) Mulheres foram tradicionalmente excluídas da vida pública do Estado e por</p><p>essa razão, com frequência têm seus direitos mais básicos violados;</p><p>B) Uma série de marcos internacionais, em especial a Convenção para</p><p>Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra Mulheres, conformam o regime</p><p>internacional de proteção dos direitos das mulheres. Em outras palavras, eles determinam</p><p>como os Estados devem tratar suas mulheres, garantindo todos os seus direitos e igualdade</p><p>de oportunidades;</p><p>C) Porém, a forma como as mulheres são tratadas no interior de seus lares</p><p>demorou a ser reconhecida como direito. E é neste âmbito o local em que grande parte de</p><p>seus direitos são violados. E é claro que não podemos permitir isso. As conferências</p><p>internacionais, ações do movimento feminista e deliberações da Comissão sobre o status da</p><p>Mulher contribuíram para que se criassem protocolos e plataformas de atuação que corrigem</p><p>esse direito. Agora é nosso dever proteger essas mulheres.</p><p>4.1.3.2 Aula 2 - Principais Conceitos e Definições</p><p>Profissionais da segurança pública são, em sua maioria, homens. Para mulheres,</p><p>entrar em uma delegacia, ou discar o 190, para registrar uma ocorrência relacionada a</p><p>violência baseada em gênero pode ser um desafio. Isso porque pode ser difícil falar sobre</p><p>este tipo de violência, em especial quando o interlocutor é um homem.</p><p>Por que isso acontece? A violência contra mulheres, seja ela em qualquer uma de</p><p>suas formas, tem origem na profunda desigualdade de gênero em nossa sociedade. As</p><p>relações desiguais entre homens e mulheres geram relações de poder, que podem se</p><p>traduzir, inclusive, na violência sobre o corpo, comportamento e formas de ser de mulheres.</p><p>25</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>A maioria dos perpetradores da violência contra mulheres são parceiros e ex-parceiros ou</p><p>membros da família.</p><p>Profissões como aquelas relacionadas à segurança pública remetem à categoria</p><p>construída a partir da imputação de papéis sociais a indivíduos de uma dada organização</p><p>que detém o monopólio da força. De certa forma, estes profissionais são, com frequência,</p><p>vistos como separados do restante da sociedade, e vivem em um sistema de relações, regras</p><p>e comportamentos distintos dos demais indivíduos desta mesma sociedade. Apesar das</p><p>particularidades de cada categoria, a estes profissionais são impostos comportamentos que</p><p>deverão desconstruir sua identidade original e colocar em seu lugar uma nova identidade.</p><p>Os adjetivos que tendem a definir estes profissionais nas sociedades ocidentais são, em</p><p>certa medida, os mesmos que definem os homens, o ser masculino: viril, corajoso,</p><p>audacioso, etc. Ambientes assim podem ser considerados amedrontadores e hostis para</p><p>muitas mulheres, por isso, também pode ser difícil para elas reportar este tipo de violência.</p><p>Mas não só a ida a delegacia que pode ser difícil para mulheres, é comum que a fim</p><p>de evitar o assédio, o constrangimento e outros tipos de agressão, muitas mulheres alteram</p><p>a sua rotina para fazer outro caminho ou mudam a forma de se vestir. De acordo com a ONG</p><p>Think Olga, 99,6% das mulheres brasileiras já sofreram com assédios no espaço público.11</p><p>Considerando o risco constante à violência baseada no gênero e a dificuldade</p><p>enfrentada por muitas mulheres para reportar este tipo de violência, esta aula pretende</p><p>informar os profissionais do sistema de segurança pública sobre alguns conceitos e</p><p>definições básicos, como forma de sensibilizá-los sobre a relação entre os papéis que</p><p>mulheres desempenham na sociedade e os riscos e vulnerabilidades a que estão</p><p>submetidas.</p><p>Observem as fotos desses dois bebês:</p><p>Figura 9: Menina em rosa Figura 10: Menino recém-nascido para dormir</p><p>Fonte: Public Domain Pictures.net Fonte: Public Domain Pictures.net</p><p>11 Ver: Pesquisa Chega de Fiu Fiu - Think Olga.</p><p>26</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Na Prática</p><p>1. Que presentes você daria para esses bebês?</p><p>2. O que você acha que cada um vai ser quando crescer?</p><p>3. O que vão estudar?</p><p>4. Como vão se vestir?</p><p>5. Aos 15 anos, o que estarão fazendo?</p><p>6. Aos 30 anos, o que estarão fazendo?</p><p>7. E se invertêssemos os presentes desses bebês?</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Assistir o filme: Inspiring The Future - Redraw The Balance</p><p>Versão em português: Profissão de homem ou de mulher?</p><p>Sexo</p><p>Na Biologia, sexo é o conjunto de características físicas e orgânicas que permite</p><p>diferenciar o homem e a mulher, conferindo-lhes papéis específicos na reprodução. O sexo</p><p>é, assim, apenas uma classificação do corpo da pessoa: se este apresenta aspectos básicos</p><p>da biologia feminina, trata-se de uma mulher; da mesma forma, se o corpo possui</p><p>características biológicas exclusivas do sexo masculino, trata-se de um homem.</p><p>No momento do nascimento de um bebê, tudo que sabemos a seu respeito é o sexo.</p><p>Traços de sua personalidade, como temperamento, habilidades, gostos e desejos serão</p><p>revelados ao longo de seu amadurecimento. Isso se deve ao fato de que, biologicamente,</p><p>pertencer ao sexo masculino ou feminino não define o comportamento das pessoas. Ou seja,</p><p>um bebê do sexo masculino não tem maior propensão a gostar de futebol do que um bebê</p><p>do sexo feminino. O que definirá isso é a imersão social da criança. Além de masculino e</p><p>feminino, há uma terceira categoria de sexo chamada intersexo. Refere-se à pessoa cujas</p><p>características físicas/biológicas mesclam aspectos do sexo feminino e do masculino, ou,</p><p>ainda, não apresentam atributos que permitam a classificação em um único sexo. Por</p><p>apresentar variações de cromossomos ou órgãos genitais que estão fora do padrão, são</p><p>designados em uma outra classificação. Englobam hermafroditas, que apresentam tecidos</p><p>27</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>testiculares e ovulares, e pseudo-hermafroditas, caso de pessoas cujos testículos não</p><p>desceram, pênis demasiado pequeno, clítoris muito grande, vagina ausente ou código</p><p>genético masculino e características físicas femininas e vice-versa. Segundo a Organização</p><p>Mundial da Saúde, estima-se que cerca de 1% da população mundial seja intersexual.12</p><p>Gênero e Papéis Sociais de Gênero</p><p>O gênero reúne as características físicas, intelectuais e emocionais que se espera</p><p>de homens e mulheres. Refere-se à forma como a pessoa se expressa socialmente. No</p><p>exercício de abertura, apenas com o conhecimento do sexo biológico dos bebês, foram</p><p>expostos projeções e anseios para cada um. Tais projeções são reproduções dos papéis de</p><p>gênero, isto é, do que é esperado deles caso seja uma menina ou um menino. Estas</p><p>projeções também mudam segundo a cultura, a raça, e até mesmo a família de cada um.</p><p>Assim, família, amigos, mídia e sociedade dizem de diversas formas como homens e</p><p>mulheres devem agir, criando padrões de comportamento para cada gênero.</p><p>Essas ideias e expectativas são convenções sociais, padrões geralmente aceitos</p><p>sobre comportamentos e capacidades tipicamente femininas ou masculinas13. Assim, a ideia</p><p>de gênero é um processo social, ligado à cultura, que está menos relacionado à biologia de</p><p>cada um do que às expectativas da sociedade. Os papéis de gênero variam ao longo da</p><p>história e de acordo com a cultura local. Não há uma definição universal do que é ser homem</p><p>ou ser mulher, tampouco há características de masculinidade e feminilidade que abarque a</p><p>todos.</p><p>Logo, ao pensarmos em diferenças "naturais" entre homens e mulheres, devemos</p><p>compreender que não fazem parte da biologia de cada um, mas da forma com que são</p><p>colocados na sociedade. Em outras palavras, é o convívio social que determina as diferenças</p><p>entre os gêneros e não o sexo. Este convívio inicia-se quando somos ainda crianças.</p><p>Meninas não nascem com uma tendência natural a gostar de rosa, tampouco os</p><p>meninos de azul, porém essas cores estão constantemente associadas a seu gênero e, no</p><p>esforço de se encaixar, esses "gostos" são internalizados. Enquanto meninas ganham</p><p>bonecas, lousas, cozinhas de brinquedo, meninos brincam com video-games, carrinhos</p><p>elétricos e legos, esses brinquedos não são apenas entretenimento infantil, mas passam</p><p>uma mensagem e dizem às crianças o que é esperado delas. Mais que isso: os brinquedos</p><p>12 "Sou intersexual, não hermafrodita". EL PAÍS. Disponível em: https://tinyurl.com/Sou-intersexual.</p><p>13 "Envolvendo Rapazes e Homens na Transformação das Relações de Género: Manual de Actividades</p><p>Educativas". Projecto Acquire, EngenderHealth e Promundo, 2008. P. 95. Disponível em:</p><p>https://tinyurl.com/58ecpa79.</p><p>28</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>influenciam diretamente no desenvolvimento cognitivo das crianças, na sua capacidade de</p><p>aprender. Ao brincar de ser professora, a menina pratica habilidades diferentes do menino</p><p>que brinca de lego. Enquanto este desenvolve noção espacial, por exemplo, ela pratica a</p><p>comunicação verbal.</p><p>Brinquedos são apenas um exemplo dentre tantos outros das possíveis influências</p><p>que, por vezes, passam despercebidas na educação das crianças e jovens e são tidas como</p><p>naturais, inerentes àquele gênero.14</p><p>Por exemplo, ao pensarmos no futuro profissional de um menino, pensa-se nas mais</p><p>diversas carreiras. Ao mesmo tempo, meninas são vistas como mais preparadas para</p><p>atividades voltadas à pessoas e à relações interpessoais, como profissões de comunicação,</p><p>de cuidados e de ensino (enfermeiras e professoras, por exemplo). As áreas de exatas são</p><p>automaticamente associadas a homens, que seriam, pelo senso comum, biologicamente</p><p>mais aptos a lidar com coisas, máquinas, tecnologia e raciocínio lógico.</p><p>Os papéis de gênero acabam por criar estereótipos do que é agir como homem e</p><p>como mulher. Aqueles que não atuam de acordo com o conjunto dessa "caixa" sofrem com</p><p>o rechaço, a vergonha ou a exclusão social. Assim, os papéis de gênero limitam as</p><p>possibilidades de expressão e ação das pessoas, que se veem pressionadas a seguir um</p><p>modelo.</p><p>Na Prática</p><p>Observe os pictogramas abaixo. Questione a mensagem que querem expressar. Em</p><p>seguida, tente visualizar as características construídas socialmente e o impacto que elas</p><p>podem gerar na vida de mulheres.</p><p>14 Ver também: "Estereótipo de que 'matemática é para garotos' afasta meninas da tecnologia, diz</p><p>pesquisador", disponível em: https://tinyurl.com/5yeksysj.</p><p>29</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 11: Como homens e mulheres se comunicam</p><p>Fonte: Yang Liu Design/Taschen</p><p>______________________________________________________________________</p><p>Figura 12: Cultura de gênero em ilustrações,</p><p>o projeto Man Meets Woman de Yang Liu.</p><p>Fonte: Yang Liu Design/Taschen</p><p>30</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>1. COMUNICAÇÃO VERBAL</p><p>A comunicação verbal é um exemplo de como os papéis de gênero estabelecidos</p><p>podem prejudicar o desenvolvimento individual tanto de homens quanto de mulheres.</p><p>Homens são vistos como diretos, focados, "curtos e grossos" e decididos, mas também são</p><p>pouco incentivados a compartilhar seus sentimentos, o que gera um fluxo de repressão das</p><p>emoções. Já em relação às mulheres, a generalização é de que falam demais, dão muitas</p><p>voltas para passar uma mensagem simples, são sentimentais, choram em demasia e</p><p>apresentam alterações de humor bruscas.</p><p>Figura 13: Projeções a respeito do par perfeito por sexo</p><p>Fonte: Yang Liu Design/Taschen</p><p>2. VALORIZAÇÃO SOCIAL</p><p>Para os homens, a mulher dos sonhos é aquela que se encaixa dentro do padrão de</p><p>beleza. Para a mulher, o homem dos sonhos é admirado por outras características que não</p><p>só o seu corpo. A mulher aparece como um objeto: se o seu corpo for jovem e corresponder</p><p>ao desejado, não é necessário que ela tenha outra qualidade. Assim, o único interesse que</p><p>os homens têm nas mulheres reflete que elas são objetos sexuais, não seres pensantes com</p><p>quem compartilham sentimentos ou anseios.</p><p>31</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Figura 14: Estereótipo sobre capacidade de focar e desenvolver múltiplas tarefas</p><p>Fonte: Yang Liu Design/Taschen</p><p>3. FOCO</p><p>Muitos argumentam que homens não conseguem lidar com mais de um assunto ao</p><p>mesmo tempo, tendo um único foco por vez. A mulher, por outro lado, teria a habilidade de</p><p>fazer várias coisas ao mesmo tempo ("multitasking"). Mas não se trata de uma habilidade</p><p>natural, mas de necessidade, pois enquanto o homem se dedica com atenção a cada uma</p><p>de suas atividades, a mulher fica pelas outras atividades pendentes, como as tarefas da casa</p><p>e dos filhos, além de seu trabalho, se for o caso.</p><p>______________________________________________________________________</p><p>Esta atividade utilizou algumas representações15 de estereótipos de gênero, sobre</p><p>aspectos da masculinidade e da feminilidade. Vale notar que as imagens evidenciam que o</p><p>papel de gênero da mulher é, em geral, desvantajoso em relação ao do homem.</p><p>15 "Los estereotipos de género, resumidos en veinte esclarecedores pictogramas" (tradução livre: os</p><p>estereótipos de gênero, resumidos em vinte esclarecedores pictogramas). Disponível em:</p><p>https://tinyurl.com/3y9ys5vv.</p><p>32</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Abaixo, segue uma representação:</p><p>Figura 15: Estereótipos de gênero</p><p>Fonte: ONU Mulheres</p><p>Identidade De Gênero</p><p>A identidade de gênero é uma classificação pessoal, realizada através da autoidentificação,</p><p>e revela como a pessoa se sente sobre seu sexo. A autoidentificação pode não ser a mesma do sexo</p><p>biológico: uma pessoa do sexo masculino pode se identificar com o gênero feminino e vice-versa.16</p><p>Nesse sentido, há duas classificações usuais:</p><p>Cisgênero</p><p>Comumente chamadas de "cis", são as pessoas que se identificam com o gênero que lhes</p><p>foi</p><p>atribuído no nascimento. Por exemplo, uma pessoa é do sexo feminino e se identifica como mulher</p><p>(gênero feminino).</p><p>Transgênero</p><p>Denominadas "trans", são pessoas que não se identificam com o gênero, expressões de</p><p>gênero e/ou papéis de gênero que lhes foram atribuídos pelo sexo biológico. É o caso das travestis</p><p>e transexuais. Para ilustrar: apesar de ter nascido do sexo masculino, a pessoa identifica-se, percebe-</p><p>se e se sente como mulher. Assim, mulher transgênero é toda pessoa que reivindica o</p><p>reconhecimento social e legal como mulher, também chamada de transmulher. E homem transgênero</p><p>16 "ORIENTAÇÕES SOBRE IDENTIDADE DE GÊNERO: CONCEITOS E TERMOS". JESUS, Jacqueline</p><p>Gomes de. Brasília, 2012. P. 12. Disponível em: https://tinyurl.com/4denysk7.</p><p>33</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>é toda pessoa que reivindica o reconhecimento social e legal como homem, também denominada</p><p>transhomem trans-homem.17</p><p>A diferença entre transexuais e travestis está essencialmente na autoidentificação.</p><p>Se a pessoa deseja realizar a transição de gênero, através de tratamentos hormonais e</p><p>cirurgia de redesignação sexual, ela é transexual. Nesse caso, a pessoa gostaria que seu</p><p>corpo tivesse características do seu gênero (de como ela se identifica e se sente), não do</p><p>seu sexo biológico. Por outro lado, as travestis se identificam com o gênero oposto e adotam</p><p>suas expressões - comportamento, vestimentas etc -, mas não necessariamente desejam</p><p>mudar seu corpo. A questão social também tem papel fundamental nessa diferenciação, pois</p><p>muitas pessoas trans gostariam de realizar a transição de gênero, mas são impedidas por</p><p>dificuldades socioeconômicas. Desse modo, a autoidentificação é a melhor classificação,</p><p>visto que é baseada no desejo e no sentimento da pessoa e não em fatores físicos.</p><p>A transfobia é a discriminação que sofrem em função de sua identidade de gênero.</p><p>Por serem diferentes do padrão, pessoas trans sofrem muito preconceito e têm suas vidas</p><p>prejudicadas pela exclusão social e violência. Em geral, uma série de fatores deteriorantes</p><p>acomete a vida das pessoas trans: devido ao bullying e à perseguição nas escolas,</p><p>comunidades e mesmo em casa, dificilmente conseguem concluir sua educação; sem</p><p>instrução formal, não conseguem disputar espaço no mercado de trabalho formal18 e são</p><p>forçadas a viver na marginalidade. As travestis19, em grande parte dos casos, sobrevivem</p><p>trabalhando como prostitutas.</p><p>A marginalização, porém, não é o pior que ocorre às pessoas trans. Elas sofrem</p><p>cotidianamente risco de vida devido à propagação do ódio e à desumanização de suas</p><p>imagens. O Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo - apenas em</p><p>2021, foram 316 mortes violentas, sendo 285 assassinatos, 26 suicídios, e 5 mortes por</p><p>outras causas. 20</p><p>Um fator importante da sociabilização da pessoa trans é o nome social. Marcada ao</p><p>longo de sua vida pela dificuldade de viver em um corpo que não representa seu gênero, as</p><p>travestis e transexuais preferem ser chamadas pelo nome escolhido por elas, diferente de</p><p>seu nome do registro civil, ainda ligado a seu sexo biológico, com o qual não se identificam.</p><p>17 Identificar-se com as expressões de um gênero não é o mesmo que aceitar os papéis de gênero socialmente</p><p>impostos. A pessoa pode se identificar com ser mulher, sem reproduzir os estereótipos.</p><p>18 "ORIENTAÇÕES SOBRE IDENTIDADE DE GÊNERO: CONCEITOS E TERMOS". JESUS, Jacqueline</p><p>Gomes de. Brasília, 2012. P. 16. Disponível em: https://tinyurl.com/4denysk7.</p><p>19 Independente de como se identificam, a maioria das travestis preferem o tratamento no feminino. Portanto,</p><p>deve-se chamá-las de AS travestis, não OS travestis.</p><p>20 "Dossiê de mortes e violência contra LGBT+ no Brasil". Disponível em: https://tinyurl.com/yeysa6pr.</p><p>34</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>A utilização do nome social representa respeito e um mínimo esforço de inclusão dessa</p><p>população na sociedade.</p><p>Figura 16: Assassinatos de Travestis e Transexuais</p><p>Fonte: G1 – Globo.com</p><p>O motivo para tantas agressões às pessoas trans é o fato delas não corresponderem</p><p>à heteronormatividade, ou aos padrões socialmente construídos que consideram, por</p><p>exemplo, atribuições como a virilidade e a força como superiores. Neste contexto, o homem</p><p>é considerado superior às pessoas do gênero feminino, porém isso não se aplica a qualquer</p><p>homem: cabe apenas ao homem heterossexual que expresse categoricamente sua</p><p>masculinidade. Dessa forma, heteronormatividade descreve regras baseadas na vivência</p><p>heterossexual como obrigatórias a todos e pune socialmente aqueles que desviam dessas</p><p>normas.</p><p>Sexualidade</p><p>O sexo, como qualquer outro ato social, envolve uma série de questões da nossa</p><p>cultura: a beleza, o romance, o controle, a agressividade, a comunicação etc. Assim,</p><p>inevitavelmente a sexualidade é mais um marcador de diferença entre o gênero feminino e</p><p>o masculino, devido ao que é imposto pelos papéis de gênero atribuídos a homens e</p><p>mulheres e como cada um deve explorar sua liberdade sexual.</p><p>35</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo Feminino na Prevenção e Redução da Violência</p><p>Desde muito cedo, somos expostos a diversos tipos de mensagens, muitas vezes</p><p>contraditórias. Na família, em instituições religiosas e até mesmo nas escolas, é comum que</p><p>se apresente uma postura conservadora quanto ao sexo. Já a mídia e os amigos tendem a</p><p>tratar mais abertamente do assunto. Independente da abordagem, há sempre uma</p><p>mensagem e uma expectativa de comportamento sendo transmitida. Isso ocorre porque os</p><p>seres humanos, em geral, não limitam a sua sexualidade à reprodução e somam valores</p><p>morais e comportamentos sociais à prática sexual.21</p><p>Quem gosta mais de fazer sexo: o homem ou a mulher? Os estereótipos</p><p>(heteronormativos) de gênero afirmam que os homens são naturalmente mais inclinados aos</p><p>prazeres do sexo e precisam fazê-lo com mais frequência. Já o estereótipo feminino atribui</p><p>às mulheres o plano secundário, coadjuvante, como se as mulheres preferissem o romance</p><p>e gostassem menos da prática sexual.</p><p>Além disso, se uma mulher tem vários parceiros, é depreciada por ser vulgar ou</p><p>"prostituta". O homem, ao contrário, reforça sua masculinidade e é visto como "garanhão".</p><p>Por essa razão, a mulher costuma mentir o número de parceiros sexuais para preservar sua</p><p>reputação, ao passo que o homem tende a aumentar esse número, para mostrar potência e</p><p>virilidade. Essas ideias legitimam, isto é, autorizam socialmente, que homens tenham</p><p>relações fora do casamento ou se preocupem menos com o prazer feminino na hora do sexo.</p><p>Trata-se de um comportamento nocivo não apenas para a sexualidade da mulher, tolhida de</p><p>sua liberdade sexual, mas também para o homem, visto que o incentivo para que eles</p><p>tenham múltiplas parceiras aumenta os riscos de contração de DSTs e HIV.</p><p>Orientação Sexual</p><p>A orientação sexual refere-se à atração afetiva e sexual por alguém de algum(ns)</p><p>gênero(s). Ainda não há evidências científicas sólidas sobre como a orientação sexual é</p><p>determinada. A perspectiva mais consensual é a de que seja uma combinação de múltiplos</p><p>fatores sociais, psicológicos e biológicos. Do ponto de vista psicológico, não há como</p><p>escolher ser homossexual, heterossexual, bissexual ou assexual, portanto, não se trata de</p><p>opção sexual.</p><p>21 "Envolvendo Rapazes e Homens na Transformação das Relações de Género: Manual de Actividades</p><p>Educativas". Projecto Acquire, EngenderHealth e Promundo, 2008. P. 92. Disponível em:</p><p>https://tinyurl.com/y439ztda.</p><p>36</p><p>Segurança Pública e Violência contra Mulheres e Meninas:</p><p>Do Enfrentamento ao Protagonismo</p>